Zimbro - Amigos da Serra da Estrela

Transcrição

Zimbro - Amigos da Serra da Estrela
Zimbro
Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela | Junho 2013
ASE
Ficha Técnica
Director
José Maria Serra Saraiva (presidente da ASE)
Corpo redactorial
Tiago Pais
José Amoreira
Rómulo Machado
Composição
Paulo Silva
Grafismo
Bruno Veiga
Fotografia de capa
Nuno Trindade - http://www.nunotrindadephotography.com
Colaboraram neste número
André Aguiar
Agostino Letardi
Célia Gonçalves
Daniel Pinheiro
Davina Falcão
Fernando Romão
Gonçalo M.Rosa
Iván Vásquez
José Saraiva
Liliana Barosa
Lúcia Lopes
Luis Moreno
Maria José Proença
Paulo Bernardo Fernandes
Rui Neves Madeira
Sofia Pinto
A “ZIMBRO” é editada pela Associação Cultural Amigos da
Serra da Estrela com distribuição é gratuita.
Sede e redacção:
Rua General Póvoas, 7 - 1º
6260 - 173 MANTEIGAS
www.asestrela.org
ASE: [email protected]
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ASSOCIAÇÃO CULTURAL AMIGOS DA SERRA DA ESTRELA
4 | Editorial
10 | Biodiversidade natural da Guarda
18 | As ameaças invisíveis que silenciaram os anfíbios da Serra da Estrela
24 | O papel da educação pré-escolar na promoção e desenvolvimento da
educação ambiental
26 | Aldeias de Montanha, testemunhos de vida e cultura
32 | Os documentários de história natural e o desenvolvimento
40 | Montanhas de imagens
46 | Neuropterida, uma evidência entomológica de épocas passadas, na Serra
da Estrela
52 | Aves Estepárias, as silhuetas nas Planícies Alentejanass
62 | Arquitectos e gestores da paisagen, em xeque!
68 | Grande Rota da Transumância
Paisagens com futuro
72 | Populações de Strigiformes no concelho de Gouveia
80 | Mais acessos ao cume = mais ou melhor turismo?
ZIMBRO - JUNHO 2013
José Maria Serra Saraiva
Notícias recentes avivam o regresso dos teleféricos à Serra da
Estrela.
Sem contar com a telecadeira das pistas de esqui, já foram
anunciados para a zona do planalto superior 6 teleféricos. Quatro,
directamente para o Malhão da Estrela (Torre). Um de Manteigas
para as Penhas Douradas e um de Unhais da Serra para as Penhas
da Saúde. Sem ignorar o disparate dos anunciados telesquis para
a Candeeira e Covões de
Loriga!
Importa pouco referir as
entidades proponentes.
Será, porventura, mais
interessante analisar a
facilidade e a ausência de
rigor com que se avança
com tais “projectos”, na
generalidade absurdos,
tecnicamente. E, se
quisermos ser mais sensíveis,
pouco preocupados com a
Serra e a preservação dos
seus valores naturais.
A ASE sempre considerou
a estrada da Torre
como o maior entrave
ao desenvolvimento do
turismo na serra da Estrela
e o principal obstáculo
à conservação do seu
património natural. Também não ignora o significado que o
ponto mais alto do continente tem nos portugueses, assim como
a presença de neve naquela área por um período mais prolongado
do ano. Com base nesse diagnóstico promoveu, em finais dos
anos 80 do século passado, dois encontros, nas Pedras Lavradas
4
(divisória dos distritos da Guarda e Castelo
Branco), com os presidentes de Junta de
Freguesia, abrangidos pela estrada nacional
230, a quem se apresentou a ideia de se
melhorar e reduzir os quilómetros desta via
e, o consequente encerramento da estrada
da Torre. Convém recordar que depois da
abertura da estrada da Torre, ouve uma
redução do trânsito muito significativa na
EN230, e o êxodo da população ultrapassou
os 30%. Apenas uma Junta de Freguesia,
em 13, se mostrou discordante, mais por
desconfiança que de alguma manobra
eleitoral se tratasse que contra a ideia em si.
Do encontro saiu um documento subscrito
por todos, menos um, que foi enviado às
Assembleias Municipais de Seia e Covilhã,
que o subscreveram e reforçaram com o
envio ao governo de então.
Como alternativa ao corte da estrada da
Torre, a ASE propôs a construção de
um teleférico (deixava-se em aberto a
possibilidade de, tecnicamente, se optar por
um outro meio mais eficaz quer do ponto
de vista económico quer no impacte sobre o
meio natural) cujo traçado aparece a verde
no mapa.
Em nenhum outro, dos projectos anunciados,
é referida a questão da conservação e muito
menos o encerramento da estrada da Torre.
Do ponto de vista estritamente económico,
nenhum projecto terá viabilidade se não for
tida em consideração o encerramento da
Estrada 339, nomeadamente entre a Nave de
Santo António e a Lagoa Comprida.
Em relação à preservação do património
natural, qualquer dos “projectos” anunciados
irá agravar a situação se a estrada que rasga o
planalto superior não for equacionada.
Não cabe descrever, neste curto espaço,
as vantagens e ou desvantagens turísticas
que o encerramento da via implicaria.
Importa talvez e, mais uma vez referir que,
sem o consenso dos três municípios que
confinam com o ponto mais elevado do país
continente, Covilhã, Manteigas e Seia, toda
e qualquer tentativa de fazer o que quer que
seja na Torre está condenada ao fracasso.
Como a procura de entreajuda nunca foi
tentada, talvez a crise (económica e de
projectos) seja uma oportunidade para
que o turismo e a conservação da natureza
convivam e se valorizem. Ou seja, é altura
de a Covilhã, Manteigas e Seia se sentarem,
promoverem um amplo consenso de ideais
que resulte em algo que seja conciliador
entre o desenvolvimento e a preservação do
património natural. Já que até ao momento
ninguém se lembrará de alguma vez isso ter
sucedido, o que até parece inadmissível!
J. Maria Saraiva
ZIMBRO - JUNHO 2013
O majestoso voo de um bando de Abetardas dá forma à planície alentejana
foto de Iván Vázquez
3º Prémio Desafio fotográfico ASESTRELA 2013
Bruno Dias
Barragem do Caldeirão
Caracterizada por uma paisagem natural diversificada, representada por matas de
carvalhos e castanheiros, matas ribeirinhas de amieiros, salgueiros e azereiros, alcantilados
e fragas das vertentes do alto Mondego, planaltos cerealíferos e de matagais, agricultura,
fruticultura e pastorícia extensiva, a Guarda alberga ainda uma importante biodiversidade
de valores naturais representativa destes ecossistemas.
Na década em que se celebra a Biodiversidade a nível internacional, é premente que se
divulguem estes valores também localmente, pois a nossa realidade local inclui, igualmente,
seres vivos exclusivos, ameaçados e pouco conhecidos.
O concelho da Guarda insere-se numa
região de transição entre a área montanhosa
da Serra da Estrela (1991 m) e a região
planáltica da Meseta Ibérica, que faz parte
das montanhas de dobramento antigo que se
formaram durante a Orogénese Hercínica e
são constituídas por rochas do antigo maciço
Hespérico, caracterizadas pela presença de
granito e xisto, e conservam
cumes relativamente altos
devido ao ritmo muito lento da
erosão na zona granítica.
Como
consequência
dos
condicionalismos
naturais
(relevo, constituição geológica
e clima) depara-se com uma
densa rede hidrográfica de regime irregular,
basicamente torrencial, com cheias na época de
maior precipitação e no degelo, apresentando
um caudal diminuto na época estival.
As principais bacias hidrográficas que se
encontram no concelho da Guarda são as dos
rios Mondego, Douro e Tejo, que se separam
próximo de Vale de Estrela.
Os vales fluviais são profundamente encaixados
na região serrana e, de direcção frequentemente
rectilínea, Nordeste-Sudoeste, para os
principais cursos de água.
O rio Mondego assume no concelho da Guarda
características de Regato de Montanha,
caracterizado por águas muito rápidas e onde
abundam cascatas, as quais formam poços
profundos, que chegam a atingir os 3 a 4 m
de profundidade. O fundo é constituído por
calhaus e areias grossas. Por norma, a sua
temperatura não excede os 10°C e são águas
muito ricas em oxigénio.
O clima da Guarda, condicionante de toda a
diversidade natural, tornou-se mais húmido,
mesotérmico com défice de água moderado
e moderada eficácia térmica no Verão. Após
a construção da barragem do Caldeirão a
humidade relativa do ar aumentou o que fez
com que o número de dias com neve diminuísse
O relevo e a vegetação são
ditados por uma predominância
essencialmente granítica
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e que a temperatura do ar se elevasse um pouco
na última década (associado ao fenómeno de
aumento da temperatura global).
Em relação à paisagem característica do
concelho da Guarda, observam-se os vales
agrícolas espraiados, com plataformas aluviais
e encostas com socalcos de serra granítica. Na
zona de sub-serra as características do relevo e
paisagem são escarpadas e rugosas com visível
erosão fluvial. As encostas têm características
de montanha em blocos dissimétricos.
O relevo e a vegetação são ditados por uma
predominância essencialmente granítica,
granito porfiróide de grão grosseiro, com
zonas de transição (rocha férrea) para o xisto
que tem menor expressão no concelho, apesar
da sua dominância na zona de Videmonte.
As plataformas aluviais do fundo dos vales,
têm largura variável e encostas declivosas
armadas muitas vezes em socalcos com muros
de suporte de pedra solta.
Os solos graníticos são fortemente erosionáveis,
por isso, as zonas inclinadas e despidas de
vegetação encontram-se quase sempre em
fases esqueléticas e delgadas.
A zonagem ecológica é predominantemente
sub-atlântica, transitando para sub-atlântica
x oro-atlântica a Noroeste do Concelho,
onde dominam os soutos e castinçais
(Castanea sativa) nas zonas de solos férteis
e profundos, que desde sempre suportaram
a economia tradicional local. As influências
mediterrânicas ocorrem no nível sub-montano
de menor altitude, dominando neste andar o
azinhal (Quercus rotundifolia). Sendo de referir
também uma faixa de influência continental
onde dominam os bosques de carvalho-negral
(Quercus pyrenaica).
A vegetação natural é de reduzida expressão
devido à intensa utilização do solo, mas este
património natural acompanha ainda as linhas
de água, encostas mais declivosas e pedregosas,
taludes e caminhos rurais, pertencentes aos
andares basal e intermédio.
Os registos de floresta primitiva dividem-se
pelo andar basal, onde encontramos um clima
de expressão mediterrânica e onde se observam
as espécies inicialmente dominantes como a
Azinheira (Quercus rotundifolia) e o Azereiro
(Prunus lusitanica). Das espécies que compõem
o elenco florístico do azinhal destacam-se:
Azinheira (Quercus rotundifolia) e, no estrato
arbustivo o Lentisco-bastardo (Phillyrea
angustifolia), a Estêva (Cistus ladanifer) o
Zambujeiro (Olea europea var. sylvestris) e o
Medronheiro (Arbutus unedo).
ZIMBRO - JUNHO 2013
As zonas declivosas são cobertas por matos
de urzes (Erica spp.), carquejas (Pterospartum
tridentatum), plantas aromáticas e medicinais,
como a Bela-luz (Thymus mastichina), o
Rosmaninho (Lavandula sp.), a Cidreira
(Melissa officinalis), os giestais brancos
e amarelos (Genista sp. e Cytisus sp.) que
encantam a paisagem a partir de Março. E
diversos arbustos de sub-bosque como o
Azevinho (Ilex aquifolium), o Medronheiro
(Arbutos unedo), o Folhado (Viburnum tinus) e
o Alecrim (Rosmarinus officinalis).
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salgueiros
(Salix
sp.), o Amieiro
(Alnus glutinosa),
o Freixo (Fraxinus
sp.), o Loureiro
(Laurus nobilis) e a
relíquia da floresta
pré-glaciar que é o
Azereiro (Prunus
lusitanica).
Na maior parte
do vale do alto
Mondego, o rio e
as suas margens
encontram-se ainda
pouco alteradas. A
vegetação
muito
densa,
quase
natural, constitui
um excelente habitat
e refugio para uma
grande diversidade
de espécies, desde
anfíbios e répteis a
aves e mamíferos,
alguns
deles
com estatuto de
endémicos, raros,
vulneráveis
ou
Borboleta da espécie Anthocharis euphenoides
ameaçados. É por
isso de extrema
importância
Os planaltos e algumas encostas eram zonas
conservar
e
valorizar
estes
corredores fluviais
essencialmente de sequeiro e de cultura
sem
alterar
a
sua
vegetação
natural.
de cereais como o centeio e o trigo, que
Todos estes ecossistemas são palco de uma
intercalavam com os pinhais de pinheirovasta panóplia de fungos, nomeadamente
bravo (Pinus pinaster) desde a primeira metade
cogumelos de grande valor nutritivo,
do Séc. XX. Também ali se encontravam
económico e de fascínio, sobretudo na época
alguns nutritivos pastos de Primavera que
de Outono. De entre essas espécies destacamalimentavam os numerosos rebanhos locais e
se os comestíveis como os Frades ou Tortulhos
algumas rotas de transumância.
(Lepiota sp.) e os não comestíveis e perigosos,
As margens fluviais estão ainda, em grande
mas não menos belos, como algumas espécies
parte, ocupadas por importantes bosques
de Amanitas (Amanita spp.).
ribeirinhos de cuja vegetação se destacam os
As povoações rurais traduzem-se em
aglomerados concentrados, como regra geral,
mas aparecendo igualmente com ocupação
linear ao longo das vias de comunicação e
linhas de água, e mesmo zonas de povoamento
disperso.
Ao nível do suporte à economia tradicional
encontramos os olivais (na zona de influência
mediterrânica), os soutos e castinçais, os
pomares e a utilização essencialmente agrícola
de regadio, rodeada de encostas incultas
(matos), pastos ou povoamentos florestais,
essencialmente de pinheiro bravo.
Os cursos de água e as albufeiras presentes
no concelho da Guarda estão incluídos na
definição das águas salmonícolas. A Truta-fário
(Salmo trutta fario) da família Salmonidae, é
a espécie mais abundante nestas águas, sendo
esta zona caracterizada por “Zona da Truta”.
Nesta zona ecológica pode encontrar-se além
da truta, a Enguia (Anguila anguila), a Boga
(Chondrostoma polylepis), o Barbo do Norte
(Barbus bocagei), o Escalo (Leuciscus cephalus),
o Bordalo (Rutilus alburnoides), a Pardela
(Chondrostoma lemmingii), a Pardela-comum
(Rutilus arcasii). Os peixes são, actualmente,
o grupo de vertebrados mais ameaçado no
nosso país, sobretudo devido à degradação da
qualidade da água e à (ir)regularização dos
cursos de água com a construção de barragens
ou a impermeabilização do leito e das margens.
De entre as numerosas espécies de répteis
e anfíbios existentes na região destacam-se
principalmente o Lagarto-de-água (Lacerta
schreiberi), o Sardão (Timon lepidus), a
Cobra-de-ferradura (Hemorrhois hippocrepis),
a Vibora-cornuda (Vipera latastei), a
Salamandra-lusitanica (Chioglossa lusitanica),
a Salamandra-dos-poços (Pleurodeles waltl),
o Tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai),
o Sapo-parteiro (Alytes obstetricans), o Sapocorredor (Epidalea calamita) e a Rã-ibérica
(Rana iberica).
ZIMBRO - JUNHO 2013
O Lagarto-de-água (Lacerta schreiberi) é um endemismo da Península Ibérica
O concelho da Guarda
mantém um vasto
património natural,
inalienável da sua
identidade cultural
essencialmente
granítica...
O grupo das aves é constituído por elementos
interessantes dos quais convém destacar a
Águia-cobreira (Circaetus gallicus), a Águiacaçadeira (Circus pygargus), a Sombria
(Emberiza hortulana), a Laverca (Alauda
arvensis), a Codorniz (Coturnix coturnix) e o
Abelharuco (Merops apiaster), associados às
terras altas e encostas rochosas ou de matagais;
o Falcão-peregrino (Falco peregrinus), o Melrodas-rochas (Monticola saxatilis), a Andorinhadas-rochas (Ptyonoprogne rupestris), o Corvo
(Corvus corax), verdadeiros representantes das
vertentes escarpadas; das zonas mais baixas,
ribeirinhas e florestadas, realçamos o Guardarios (Alcedo atthis), o Melro-d’água (Cinclus
cinclus), o Rouxinol (Luscinia megarhynchos), a
Trepadeira-azul (Sitta europaea), o Tentilhão
(Fringilla coelebs), o Pintassilgo (Carduelis
carduelis), o Pica-pau-pequeno (Dendrocopos
minor) e o Chapim-de-crista (Parus cristatus).
Nesta região encontram-se várias espécies de
mamíferos protegidos das quais se destacam
a Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus),
o Musaranho-de-dentes-vermelhos (Sorex
granarius), o Musaranho-de-água (Noemys
anomalus), a Papalva ou Fuínha (Martes foina),
a Lontra (Lutra lutra), o Gato-bravo (Felis
silvestris), a Gineta (Genetta genetta) e várias
espécies de morcegos.
Não menos importantes, mas muito menos
conhecidos e considerados, os invertebrados,
principalmente o grupo dos insectos, merecem
também um destaque especial e uma chamada
de atenção para a sua importância vital nos
ecossistemas. Desde algumas centenas de
espécies de borboletas, às libélulas, abelhas e
vespas, aranhas…
O concelho da Guarda mantém um vasto
património natural, inalienável da sua
identidade cultural, que deve ser protegido e
valorizado pela sua biodiversidade, pelo seu
potencial turístico, gastronómico, pedagógico
e científico.
ZIMBRO - JUNHO 2013
Indivíduo adulto de sapo-parteiro-comum
O
cenário tem sido este em algumas áreas da Serra da Estrela: um charco plantado de
anfíbios mortos, com alguns indivíduos já em estado avançado de decomposição. Dentro ou
fora de água, os cadáveres surgem de forma inesperada manchando a paisagem da área do país
com maior biodiversidade.
O que está a causar esta estranha mortalidade entre os anfíbios da serra? Porquê agora? Estas
são as grandes perguntas à procura de resposta entre os vales e lagoas da Estrela...
Indivíduo de sapo-parteiro-comum morto na água
O estranho silêncio no topo da serra
Em 2009 soa o primeiro alarme! Dezenas
de pequenos sapos são encontrados mortos
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nas águas e margens da lagoa do Covão das
Quelhas. Os pequenos indivíduos de sapoparteiro-comum (Alytes osbtetricans) foram
vistos pela Ibone Anza, uma estagiária do
CERVAS que naquela tarde de Verão ali
passeava. As investigações deram então
início para tentar desvendar o responsável e
avaliar a dimensão dos estragos causados...
aos poucos, os cantares emitidos pelos
machos a lembrar “assobios” para atrair as
fêmeas tornaram-se cada vez mais raros
acabando por se silenciar no Planalto
Superior.
Em todo o mundo, um terço
de todas as espécies de anfíbios
estão ameaçadas de extinção e
muitos outras enfrentam graves
declínios populacionais. A perda
de habitat é a principal causa
deste declínio, mas há uma
preocupação crescente em torno
da ameaça representada pelas
doenças infecciosas.
Os primeiros resultados
do estudo na Estrela foram
recentemente publicados na
revista Animal Conservation
apontando o dedo a um fungo
aquático de nome quitrídiodos-anfíbios (Batrachochytrium
dendrobatidis). Este fungo
microscópico é o agente
causador da quitrídiomicose e
fixa-se nas zonas queratinosas
dos indivíduos: boca (no caso
dos girinos) e pele dos pequenos
sapos. A grande mortalidade
ocorre nos primeiros dias após
a metamorfose, quando estes
terminam o estádio larvar e dão
início a uma nova jornada em
terra firme... acabando a maioria
por não chegar a sair das margens dos
charcos. O fungo instalado na pele, afecta a
respiração cutânea destes anfíbios bem como
o equilíbrio hídrico, levando eventualmente a
uma paragem cardíaca.
O sapo-parteiro-comum, espécie em que os
machos cuidam e transportam ovos às costas,
estava entre os anfíbios mais abundantes
na Serra da Estrela, desaparecendo, em
poucos anos, de quase 70% dos pontos
onde habitava, com maior notoriedade na
população das zonas altas. Este é o primeiro
caso de declínio de anfíbios em Portugal
mediado por uma doença.
Mas o pesadelo continua...
Novembro de 2011: novo surto, nova doença,
cenário idêntico: dezenas de indivíduos
mortos na água de um tanque perto da vila
de Folgosinho (concelho de Gouveia). Deste
vez a espécie alvo foi um pequeno tritão
endémico da Península Ibérica.
O tritão-de-ventre-laranja (ou Lissotriton
boscai) encontra-se por quase todo o
território continental. O seu nome advém
do facto de apresentar uma coloração
tipicamente laranja na região ventral que usa
para assustar os predadores e os alertar da
sua toxicidade quando ingerido. A espécie
tem geralmente uma fase terrestre e uma
fase aquática, que corresponde à época de
reprodução, e o acasalamento ocorre na água
envolvendo um complexo comportamento
de corte com movimentos semelhantes a um
flamenco.
O fungo quitrídio foi a primeira suspeita,
dado que no mesmo tanque já tinha sido
detectado em girinos de sapo-parteiro que
com os tritões partilham aquelas águas. No
entanto, as análises aos cadáveres revelaram
algo diferente...
Inicialmente conhecida como “Red-leg
disease” (doença da perna vermelha), o
ZIMBRO - JUNHO 2013
ranavírus parece ter evoluído a partir de
um vírus de peixes que, posteriormente, se
tornou capaz de infectar anfíbios e répteis.
Os sintomas de uma ranavirose passam
por vezes por um avermelhamento da pele,
em particular sobre as patas traseiras (o
que deu origem ao seu nome comum). No
entanto, os tritões afetados pela doença não
apresentam este sinal. Outros dois indícios
são a ocorrência de hemorragias interna
e ulcerações na pele, podendo os animais
sofrer uma ou ambas.
Embora as ranaviroses possam ser
devastadoras em algumas espécies, os
impactos da doença nas espécies da serra
são ainda desconhecidos. Depois do surto
observado em 2011, as populações têm sido
acompanhadas de modo a perceber se se
registou de facto um declínio ou se houve
uma rápida e natural recuperação.
Outros estudos indicam que o vírus estará
relacionado com o mesmo encontrado em
rãs e salamandras norte-americanas, e uma
hipótese é que possa ter sido introduzido na
Europa com anfíbios ou peixe de água doce
não-nativos importados.
No entanto...
... a origem destas doenças é ainda
desconhecida e o estudo segue agora para
os museus com vista a resolver este mistério.
O objectivo passa por descobrir anfíbios
colectados na Serra de Estrela no passado,
e perceber quando foram estes agentes
patogénicos detectados pela primeira vez.
Entre caves e salas enormes, normalmente
fechadas ao público, com filas de armários
uns a seguir aos outros, estão guardados
frascos com sapos e salamandras preservados,
alguns dos quais ostentando rótulos com
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Indivíduo de tritão-marmoreado com sinais de infeção por ranavírus
inscrições seculares. Os dados permitirão
saber se estes agentes foram recentemente
introduzidos ou se sempre co-habitaram
pacificamente desde há longos anos com
os nossos anfíbios sem causar mortalidades
massivas, mas só recentemente se criaram
condições (ambientais? climáticas?) para
que se tornassem mortais para os seus
hospedeiros.
E que futuro está reservado aos anfíbios da
Serra da Estrela?
Os anfíbios que conhecemos são o grupo
de vertebrados terrestres mais antigo, tendo
existido por centenas de milhões de anos e
apresentando mesmo uma diversidade de
espécies superior aos mamíferos e répteis
com mais de 7000 espécies descritas. Novas
doenças infecciosas têm emergido um
pouco por toda a parte provocado enormes
mortalidades e declínios, e afectando esta
diversidade. Lidar com a crise que este frágil
grupo enfrenta representa o maior desafio
de conservação de espécies na história da
humanidade.
Os dados obtidos nos estudos da Serra da
Estrela mostram grande vulnerabilidade das
populações de anfíbios, em particular na
zonas de maior altitude. O acompanhamento
e monitorização destas populações é
crucial para a sua conservação, gerando um
conhecimento mais aprofundado da dinâmica
e evolução das doenças e a forma diferencial
como afetam as espécies, permitindo
assim ações de mitigação mais eficazes.
Para além da componente de investigação
a ser levada a cabo, é essencial uma boa
comunicação entre as partes envolvidas na
conservação, bem como uma boa divulgação
e sensibilização junto das pessoas, para que a
falta de conhecimento não seja desculpa para
perdermos o brilho da Estela.
ZIMBRO - JUNHO 2013
A Educadora,
Maria José Carvalho Proença
O
Vivemos numa sociedade de consumo.
Consumir pode, é certo, fazer-nos sentir
bem, mas um consumo desenfreado acarreta
contrapartidas negativas para o ambiente, devido
à sobreexploração dos recursos naturais que não
permite que os mesmos se renovem plenamente.
Todos nós, diariamente, contribuímos, muitas
vezes de forma inconsciente, para esse processo
de sobreexploração, com atitudes pouco correctas.
No entanto, não nos podemos esquecer que a
Natureza é a fonte de toda a vida, sendo que a
redução de desperdícios é importante, pois quanto
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mais
recursos
naturais
são
de sp erd içados
mais
vida
retiramos
ao
meio ambiente,
e práticas como
reciclar o lixo ou
evitar o consumo
desnecessário de
energia e água
são
essenciais
para diminuir a
degradação do
ambiente!
A decisão de
proteger
o
meio ambiente
está,
assim,
nas
decisões
que todos tomamos nas nossas rotinas diárias.
Nesse sentido, a sensibilização ambiental é
importantíssima para levar os cidadãos, as
famílias, enfim, a sociedade, a adoptar atitudes
mais amigas do ambiente.
Todavia, essa sensibilização é mais difícil de
fazer em grupos etários de idade mais elevada,
na medida em que são mais reticentes e receosos
à mudança, o que se deve a uma questão de
Educação e à maneira de verem o Mundo.
Daí que quanto mais cedo, desde a infância,
se sensibilizar o
indivíduo melhor!
É aqui que entra
a Educação, mais
concretamente
a Educação préescolar. Mas não
só: o acto educativo
não é exclusivo das
famílias ou das
instituições. É um
processo interactivo
e dinâmico, que deve
procurar a plena
formação da criança
como pessoa, como
figura singular na
comunidade e na
sociedade.
Assim,
o
desenvolvimento e a promoção de uma
verdadeira Educação Ambiental depende dessa
complementaridade entre a escola, a família e
a comunidade, que deverá ter como centro de
actuação a criança.
Ao Educador caberá, provavelmente, o papel
principal. Isto porque a educação pré-escolar
é a primeira etapa da educação básica no
processo de educação ao longo da vida, sendo
complementar da acção educativa da família,
com a qual deve estabelecer estreita relação,
favorecendo a formação e o desenvolvimento
equilibrado da criança, tendo em vista a sua
plena inserção na sociedade como ser autónomo,
livre e solidário.
Nestes termos, à Educação pré-escolar cabe
fomentar a educação para a cidadania que,
baseada no espírito crítico e na interiorização
de valores, levará à educação ambiental
com a aquisição de conhecimentos sobre a
necessidade de preservação do meio ambiente
e a importância de se adoptar atitudes amigas
da Natureza.
ZIMBRO - JUNHO 2013
Aldeia do Sabugueiro
foto de José Conde
O
Concelho de Seia é detentor de um
conjunto de Aldeias de características únicas.
São pequenos aglomerados representativos
de um riquíssimo património cultural e
ambiental da Região da Serra da Estrela, e
acima de tudo um importante testemunho da
vida e culturas desse território.
prioridades estratégicas do Município de
Seia, o Projeto de Dinamização da Rede de
Aldeias de Montanha que tem como objetivo
principal desenvolver de forma criativa
e inovadora, um novo produto turístico,
que assente nas potencialidades da cultura
e tradições, e não menos importante nas
sinergias do território.
É com este espirito que aparece nas
Em plena Serra da Estrela, descobrimos
28
uma montanha
na sua forma
mais pura, uma
constelação
de 9 aldeias
autênticas
e genuínas
(Alvoco da
Serra, Cabeça,
Lapa dos
Dinheiros,
Loriga,
Sabugueiro,
Sazes, Valezim,
Vide e Teixeira).
Aqui sentimos a
autenticidade da
montanha e dos
seus habitantes,
que nos
acolhem de uma
maneira quase
inesquecível.
Caminhar
pelos recantos
da montanha,
seguir os trilhos
da água, ouvir
histórias,
vivenciar
práticas e
tradições
enquanto experiências turísticas, são algumas
das propostas do Centro Dinamizador da
Aldeias de Montanha para usufruir em
pleno da Montanha.
Aqui ficam as propostas de Escapadinhas de
Montanha para o Mês de Junho
Caminhada à Serra
08 de Junho | 9:00h | Canariz | Fraga do
Tarroeiro | Portela | Porta Roda | Cascata
da Fervença | Polidesportivo da Fonte dos
Castelhanos
A caminhada à Serra que anualmente
se realiza na aldeia do Sabugueiro, este
ano, desenvolve-se a montante da aldeia
permitindo visitar alguns dos mais
extraordinários locais da freguesia, como
sejam o Canariz, a Fraga do Tarroeiro,
a Portela, a Porta Roda e a Cascata da
Fervença. Estes locais, estão profundamente
associados aos usos e costumes dos
habitantes da aldeia, que no passado aqui
conduziam os rebanhos para aproveitamento
das pastagens da serra e cultivavam o centeio
para o fabrico do pão.
Terminado o percurso regressamos à aldeia,
onde a Junta de Freguesia do Sabugueiro,
tem a gentileza de oferecer o almoço a todos
os participantes, pois neste dia também se
comemora o dia da freguesia. Os donativos
daí resultantes destinam-se à Associação de
Beneficência do Sabugueiro (IPSS).
O ponto de encontro para este passeio
de montanha é junto à Capela da Srª. de
Fátima.
Caminhada do Lampião– Alvoco da
Serra
22 de Junho | 22:00h | Concentração
na Sede da Sociedade Recreativa de
Alvoco da Serra
A Caminhada do Lampião surge, como
auxiliar da memória colectiva da aldeia, que
procura através de uma experiência única em
contato com a natureza reviver os percursos
que eram calcorreados durante a noite,
com a ajuda da luz do lampião, para fazer a
ZIMBRO - JUNHO 2013
gestão da água através dos “giros”. Os “giros
da água” que determinavam o seu uso em
cada uma das levadas eram uma necessidade
natural, que com base na passagem oral de
geração em geração, dispensavam contratos
ou quaisquer formalismos, no entanto
eram por todos respeitados. Estas levadas
irrigavam, dia e noite, os terrenos agrícolas.
Nesta caminha vamos conhecer os Giro da
Vinha do Negas e da Carquejeira.
Terminada esta experiência única em
contato com a autenticidade da aldeia, e
depois de todo o esforço despendido, será
servido um retemperador repasto composto
por deliciosas tiras de porco no espeto, caldo
verde e arroz doce.
Depois, pela noite dentro muitas histórias, e
boa disposição…
21 de Junho a 30 de Junho Festa da
transumância e dos Pastores
Em abril, derrete a neve da montanha e
inicia-se um novo ciclo. A serra da estrela
veste-se de cor e aguarda a chegada do gado.
Em junho, pela altura do São João Batista,
na aldeia da Folgosa da Madalena, os
rebanhos acompanhados do pastor, desfilam
em volta da capela. Vêm a pé das aldeias, e
o gado vem enfeitado com os melhores e
maiores chocalhos.
É no fim de semana a seguir a esta romaria,
ou seja a 29 de junho, que se junta o
gado em rebanhos, chegando a atingir mil
cabeças, e se sobe para a serra em busca de
melhores pastos, é o apogeu da pastorícia na
montanha.
Cada pastor para além do seu gado, tem
à sua guarda mais ovelhas, que cada dono
marcou com um sinal nas orelhas.
Mas, este ano o Pastor que sobe à Serra
Manjedoura rústica
e o Município de Seia, no âmbito do
Projeto “A GRANDE ROTA DA
TRANSUMÂNCIA”, convidam-nos a
descobrir uma das mais simbólicas atividades
do pastoreio, a transumância, enfim uma
verdadeira experiência que traduz a essência
de uma vida dura, simples mas repleta de
magia e encanto.
Programa
21 de junho a 30 de junho| Mostra de
Gastronomia nos Restaurantes “Os Aromas
e Sabores da Transumância”
23 de junho| 19h Romaria das ovelhas
à Festa de São João Batista na aldeia da
Folgosa da Madalena;
29 de Junho| Subida do Gado à Serra
08h30 A saída do gado da cidade (Largo da
Câmara)
10h30 A merenda do Alforge
13h30 Almoço – A Montanha, os Pastores e
os Chefs
16h00 Continuação da subida do gado
18h30 Chegada do gado ao Sabugueiro e
Animação na aldeia
https://www.facebook.com/
aldeiasmontanha?fref=ts
ZIMBRO - JUNHO 2013
Tambopata, Peru
ZIMBRO - JUNHO 2013
N
os últimos anos a produção de
documentários de história natural em
território português tem dado passos
importantes e tende a consolidar-se ao
longo do tempo se continuar a existir uma
produção constante.
Estuário do Sado
34
Várias produções nacionais e internacionais
foram realizadas tendo como alvo as nossas
espécies e habitats, e existem já vários
profissionais no país dedicados a esta
área tanto em ambientes terrestres como
aquáticos. É por isso uma boa oportunidade
para que uma pequena industria se
desenvolva nesta área, à semelhança do
que acontece noutros países europeus,
aproveitando também a grande evolução que
se tem registado na fotografia de natureza
em Portugal.
Além dos profissionais das disciplinas
técnicas ligadas ao som e imagem na
produção e pós-produção dos filmes, estes
trabalhos envolvem também, cientistas e
especialistas de diversas áreas conferindo por
vezes visibilidade às suas próprias pesquisas
de campo, ao divulgarem factos e fenómenos
por eles estudados e comprovados.
Estes documentos audiovisuais têm
como primeira missão dar a conhecer e
informar o público sobre a biodiversidade
e geodiversidade existentes, num contexto
cinematográfico, alertando igualmente para
a sua conservação. Os documentários de
vida selvagem constituem também uma das
formas mais eficazes de comunicar ciência
ou informar as audiências acerca de matérias,
por vezes complexas, de uma forma acessível
e visualmente atrativa, sendo por isso
uma mais valia. Podem retratar, de forma
genérica: fenómenos biológicos, geológicos
e até mesmo antropológicos, introduzindo
a relação do homem com o seu meio, com
parte integrante dos ecossistemas quando
assim se justifica.
A receptividade por parte do público a
este tipo de documentários de produção
nacional tem sido excelente, com audiências
bastante boas em televisão. Durante
muito tempo estivemos habituados a ver,
quase exclusivamente, documentários de
outros pontos do globo, fazendo crescer
uma vontade em ter as nossas espécies e
paisagens retratadas nos mesmos formatos.
Existe portanto um mercado crescente para
explorar onde as televisões nacionais tem
uma importante missão a desempenhar. As
ZIMBRO - JUNHO 2013
plataformas digitais assumem também um
papel cada vez mais relevante na divulgação
deste suporte. Recentemente este género de
produções começou também a ter o devido
reconhecimento e aceitação em alguns
festivais de cinema nacionais, obtendo vários
prémios nas disciplinas documentais.
Portugal tem
um mosaico
de paisagens e
ecossistemas
bastante variado
sendo um dos
países mais ricos em
biodiversidade no
contexto europeu.
Aqui residem muitos endemismos Ibéricos,
principalmente de flora, alguns dos quais
são exclusivos do nosso País. Temos também
uma grande variedade de vertebrados,
principalmente de aves e anfíbios que o
grande público desconhece. Já o ambiente
marinho tem um potencial à escala global,
sendo o Atlântico adjacente às ilhas da
Madeira e Açores um hotspot mundial nesta
matéria. Toda esta riqueza intrínseca do
nosso país deve ser explorada, mostrada ao
público e igualmente incluída num plano
estratégico de divulgação de Portugal no
exterior, mostrando regiões, paisagens e
espécies que podem potenciar o turismo nas
regiões abordadas, em particular um turismo
ambiental sustentável.
selvagem “Mondego”. A ideia de produzir
um documentário de vida selvagem sobre a
biodiversidade de um rio português surgiu
como projecto final do meu mestrado
em Produção de Documentários de Vida
Selvagem realizado na Universidade de
Salford, Reino Unido. Para este fim, a
Universidade tinha
parcerias em Cuba,
Costa Rica, Serra Leoa
e Reino Unido, entre
outros, mas desde o
início que tive como
finalidade filmar em
Portugal. Razões
como: proximidade,
logística, um possível retorno para projetos
futuros no meu país e, o mais importante, o
potencial da biodiversidade e paisagens, não
me ofereceram quaisquer dúvidas e decidi
avançar nesse sentido.
Escolhi o Mondego pela grande diversidade
de paisagens que atravessa no seu percurso,
e pela relação especial que tenho com o
rio. Também em termos de narrativa e
fotografia, a história clássica de um rio
desde a nascente até à foz permite incluir
uma grande diversidade de paisagens
e de espécies, tornando a história mais
interessante. O documentário assentou
por isso num conceito de viagem pelo rio,
que pode ser dividida em quatro grandes
áreas/ecossistemas: alta montanha (Serra
da Estrela), o planalto (aproximadamente
de Celorico da Beira até Coimbra), os
campos do Baixo Mondego (de Coimbra à
Figueira da Foz) e finalmente o estuário e
O documentário
assentou por isso num
conceito de viagem pelo
rio (Mondego)
Casos práticos
Em 2011 realizei o documentário de vida
36
Nascente do Mondego
o encontro com o Atlântico. Tentei incluir
espécies tipo de cada habitat que fossem
representativas das dinâmicas dos mesmos.
Com esta estratégia foi também possível
fazer referência a algumas actividades sócioeconómicas ligadas ao rio.
Numa primeira fase, o documentário teve
bastante aceitação por parte do público
na Internet e redes sociais, passando
posteriormente pela transmissão televisiva
na SIC e a participação em festivais de
cinema nacionais, tendo alcançado vários
prémios. Sendo um projecto académico, o
“Mondego” não teve retorno económico
directo. O retorno que tive ao realizar este
documentário foi uma visibilidade nacional
e o reconhecimento do público e várias
entidades que me abriram as portas a outros
projectos em que participo actualmente em
Portugal e no Brasil.
Factos relevantes alcançados com o
“Mondego”:
Cerca de 200 000 vistas no Vimeo e Youtube
Emissão na SIC com 31% de share (cerca de
800 000 espectadores)
Emissão na SIC Internacional USA
Prémio Seeds of Science Especial 2012 na
Gala da Ciência
1º prémio na categoria Nature and Wildlife
no Arrábida Film Festival
1º prémio na competição LusófoniaPanorama Regional no Cine’Eco
ZIMBRO - JUNHO 2013
3º prémio na categoria Documentário no
Festival de Curtas Metragens de Faro
Finalista no Madeira Film Festival
Exibido no Pavilhão de Portugal da Cimeira
RIO+20, United Nations Conference of
Sustainable Development, Rio de Janeiro
2012, representando a biodiversidade
portuguesa.
Notíciado nos media: SIC, SIC
NOTÍCIAS, RTP1, ESECTV, Antena 1,
Expresso, JN, Diário as Beiras, Ciência Hoje
etc...
Exibições do documentário em várias
conferências e eventos em Portugal e na
Anglo Portuguese Society em Londres.
Entidades envolvidas: ICNF, QUERCUS,
LPN, FNAC, Universidade de Coimbra,
Universidade de Lisboa, Instituto Politécnico
de Coimbra, Embaixada Portuguesa no
Reino Unido, CISE, SETA e dezenas de
Escolas Secundárias.
Em 2012 realizei o documentário “Entre o
céu e as marés” sobre as aves do estuário do
Sado. Uma encomenda do ICNF Reserva
Natural do Estuário do Sado e da TróiaNatura. Um dos principais objectivos destas
entidades ao produzir um documentário
de natureza, foi a divulgação da avifauna
do estuário. Deste modo, procurou-se
promover o turismo ambiental, em particular
o Birdwatching, aproveitando esta vertente
riquíssima que o estuário oferece. O projecto
assentou numa ideia chave: “Aqui podem ser
observadas mais de metade das espécies de
aves existentes em Portugal Continental”.
Um case study mundial de ecoturismo
38
e o impacto da Televisão no seu
desenvolvimento, é o Tambopata Research
Center, no Peru, onde tive oportunidade
de participar num documentário em 2011.
Integrado na Reserva Nacional TambopataCandamo e cobrindo uma área de 15 000
Km2 na amazónia Peruana, é um santuário
mundial de psitacídeos (papagaios),
particularmente a arara escarlate, Ara
macao. O projecto
é constituído por
duas vertentes:
a científica,
representada
pelo Macaw
Project - Projecto
de investigação
e conservação
liderado por Donald
Brightsmith da
Universidade
do Texas, e a
vertente turística
representada
pela Rainforest
Expeditions Operadora de
ecoturismo. Gere 3
lodges na Reserva
de Tambopata
tirando daí grande
parte dos dividendos
económicos
que conferem
sustentabilidade
ao projecto de
conservação. Os
media tiveram uma importância decisiva
ao divulgar o projecto num contexto
global, primeiro em 1994 com um artigo
na National Geographic Magazine e
depois com a cobertura em inúmeros
documentários de vida selvagem em
particular na série Life of Birds da BBC.
Rio Sado
ZIMBRO - JUNHO 2013
Fotógrafo, Setúbal
www.nunotrindadephotography.com
Fotografia |
Legenda
nasceu em
Nampula (Moçambique), em 1973,
sendo licenciado em Organização e
Gestão de Empresas.
Apaixonado pela fotografia desde muito
cedo, foi apenas em 2003, ano em que
adquiriu uma bridge da Sony (F-828),
que começou a desenvolver a técnica,
“frase..”
especialmente na fotografia de paisagem
natural e urbana. No ano seguinte, deu
asas a essa paixão durante uma viagem à
volta ao Mundo, na qual fotografou com
bastante intensidade.
Em 2008, adquiriu finalmente uma
SLR (Nikon D700), tendo começado a
aperfeiçoar outras vertentes da fotografia,
para além da paisagem.
Passados 3 anos, passou a olhar para
a fotografia com outros olhos, tendo
realizado algumas exposições e começado
a desenvolver um projeto de expedições
fotográficas, que permite conjugar duas
das suas grandes paixões de sempre:
fotografar e viajar. Atualmente, é
freelancer, estando envolvido em projetos
de fotografia muito interessantes, alguns
deles ainda por desvendar.
Com muitas solicitações na área
do Turismo, tem vindo também a
efetuar projetos na área do património
monumental nacional.
Uma das suas exposições atuais, “Olhares
sobre Ordesa”, é sobre uma região
pela qual nutre um enorme carinho:
os Pirinéus. Poderão seguir-se outras
exposições sobre o nosso país, na
sequência de vários convites que teem
surgido.
Um dos seus grandes sonhos é o de um
dia poder vir a trabalhar para a National
Geographic.
Tem vindo a expor o seu trabalho
numa página pessoal de fotografia
no Facebook (www.facebook.com/
NunoTrindadePhotography), que
conta neste momento com perto de
25000 seguidores, bem como noutros
sítios como o 500px, Retina e Olhares.
Inaugurará em breve a sua nova página de
internet (www.nunotrindadephotography.
com).
Casado e com três filhos, vive atualmente
em Setúbal.
Imagens de Nuno trindade
Todos os direitos reservados
Legenda
Maciço central
Covão d’Ametade
Entre as árvores
Poço do Inferno
A quase 2000 metros acima do nível do
mar, perto da Torre, no ponto mais alto
da Serra da Estrela, entre Junho e Julho, é
comum encontrar o vôo de um insecto com
a coloração de uma borboleta diurna e o
movimento de uma libélula, chamado de
Libelóide-comum e cujo nome científico é
Libelloides longicornis (Linnaeus, 1764). Por
trás da imagem espetacular
deste animal, há um grupo
não muito numeroso, mas
diversificado, de insectos
pertencentes às ordens
agrupadas em Neuropterida
e que podem ser observados
em diferentes ambientes
presentes no Parque Natural
da Serra da Estrela. Estes
contam uma longa história de
centenas de milhões de anos,
com traços que remontam ao
período geológico Permiano,
entre 250 e 300 milhões de
anos. Juntamente com os
Coleoptera, com a qual estão
estreitamente relacionados em termos
de filogenética evolutiva, os neurópteros
representam uma das linhagens mais antigas
dos Holometabola (insectos que passam de
uma fase larvar para a vida adulta através
da reconstrução total do corpo, chamado
“estágio de pupa”, tal como as lagartas dos
lepidópteros ou borboletas que emergem
do casulo pupal e esticam as suas asas
aparentando ser já uma borboleta adulta),
que aparece com os primeiros traços fósseis
em rochas com cerca de 280 milhões de
46
anos.
Esta longa história evolutiva fez com que
os Neuropterida se diversificassem de um
modo absolutamente extraordinário, tanto
do ponto de vista estrutural como das
estratégias do ciclo de vida. No entanto,
ao contrário dos “primos” coleópteros, os
Neuropterida não tiveram um especial
“sucesso evolutivo”, em termos de número
de espécies e indivíduos (actualmente
consideradas vinte famílias, deste grupo
de insetos, em cerca de 6000 espécies
em todo o mundo) e, além disso, a sua
“idade de ouro”, de acordo com os fósseis
até agora conhecidos, praticamente
desapareceu de alguns grupos, como famílias
de Raphidioptera (incluindo um fim em
Neuropterida) e Nevrorthidae (uma pequena
família em termos numéricos) são muitas
vezes considerados os verdadeiros “fósseis
ZIMBRO - JUNHO 2013
vivos”. Apenas em traços fósseis destes
insectos foi possível encontrar exemplos de
um passado distante de estratégias evolutivas
que hoje em dia encontramos em grupos
de insectos também filogeneticamente
muito distantes. Assim, na Era Mesozóica,
das plantas angiospérmicas, já possuíam
estratégias de camuflagem adaptativa para se
defenderem dos predadores (provavelmente
dinossáurios insetívoros), imitando com
as suas próprias asas a morfologia das
folhas das plantas gimnospérmicas que
entre 100 e 200 milhões de anos atrás,
floresceu uma família de Neuropterida que
se extinguiu, os Kalligrammatidae, cuja
aparência morfológica das suas asas fazem
lembrar algumas das borboletas mais belas
dos nossos dias. Possuíam também peças
bucais especializadas para se alimentar das
estruturas geradoras de pólen e outras, de
plantas gimnospérmicas já extintas. Outros
neurópteros do Mesozóico (pertencentes a
grupos já extintos), mesmo antes da explosão
dominaram os habitats em que viviam, à
semelhança do que muitos insectos fazem
hoje em dia, entre os quais também o
neuropterida moderno (basta pensar na
imitação foliar perfeita do hemerobídeo,
Drepanepteryx phalaenoides). Mas o
testemunho da ligação mais conhecida
entre o Neuropterida e o registro fóssil é
provavelmente a história do Raphidioptera
(o qual se pode observar na Estrela,
especialmente na vegetação em torno de
48
Manteigas, Atlantoraphidia maculicollis
(Stephens 1836), um grupo de Neuropterida
cuja rica e diversificada fauna Mesozóica é
drasticamente simplificada e reduzida
para a transição entre o Cretáceo e
Terciário, em conexão com este evento de
extinção em massa catastrófica (último
evento de extinção em massa natural,
antes da actual antrópica ...) conhecido
por ser o momento final do domínio
dos dinossauros, então, substituído nesta
função por mamíferos da presente fauna.
Mas voltando aos Neuropterida no
Parque Natural da Serra da Estrela,
podemos referir aspectos interessantes
relacionados com o estudo destes insectos
em Portugal continental.
Embora a primeira menção a este grupo
de insetos data a partir do início do
século XIX, com a descrição de uma
espécie apenas dedicada a Portugal, o
nemoptérido Nemopteryx lusitanica
(Leach, 1815), agora conhecido pelo
nome de Nemoptera bipennis (Illiger,
1812), poucos estudos se lhe têm
dedicado no país, tanto que ainda hoje
uma das poucas publicações vêm do
lado espanhol da Península Ibérica.
No entanto, o papel da entomopredatori
de algumas famílias destes insectos
(Chrysopidae, Hemerobiidae, Coniopterygidae
e Raphidiidae), o estudo destas espécies de
insectos de âmbito agrário está bastante
difundida. Do ponto de vista da natureza,
por vezes as “descobertas” acontecem de
forma ocasional: graças a uma viagem
exploratória no final do século passado,
resultou num encontro, na área da Lagoa dos
Cântaros, com um pequeno grupo peculiar
de Neuropterida, com estágio larvar aquático,
da família Sialidae, ordem Megaloptera,
citado em 1800 por alguns Portugueses, mas
nunca avaliado no país, de modo que os mais
recentes trabalhos monográficos dedicados
a estes insetos e primeiras versões da Fauna
Europeia (http://www. faunaeur.org )
não relataram a presença destes insectos,
facto bastante comum e muito popular em
Portugal.
ZIMBRO - JUNHO 2013
Nota-se com satisfação que a situação do
conhecimento “naturalista” destes insetos
em Portugal mudou recentemente graças ao
projeto NaturData (http://naturdata.com),
onde fotógrafos apaixonados e naturalistas
portugueses podem contactar com os
especialistas, permitindo um rápido aumento
do conhecimento sobre os Neuropterida
de Portugal. No que diz respeito ao Parque
Natural da Serra da Estrela, no GeObserver
- Sistema de Informação Geográfica da
Serra da Estrela (http://www.geobserver.
org) foi recentemente possível inserir as
50
observações feitas no decorrer de uma
investigação realizada em 2011. No total,
15 espécies pertencentes a sete famílias de
Neuropterida são actualmente conhecidas da
área do Parque Natural da Serra da Estrela.
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Portugal Continental após um século, uma
ordem “renascida” para o país. Arquivos
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Mexican Amber (Neuropterida: Megaloptera,
Neuroptera). Am. Mus. Novitates, 3587:
1-58.
Haring, E.; Aspock, H.; Bartel, D.; Aspock,
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Pantaleoni, R. A. 2007. Perspectivas
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U. 2011. Molecular phylogeny of the
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Letardi, A.; Almeida, J.M.; Silva, R.R.;
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Arredondo-Bernal, H. C. (eds) 2007. Teoria
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Mexicana de control biologico, Mexico: 93114.
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Lacewings (Neuroptera). In: Hedges, S. B.;
Kumar, S. (eds) 2009. The timetree of lige.
Oxford University Press: 290-292.
ZIMBRO - JUNHO 2013
Abetarda (Otis tarda)
N
ão será fácil ver Abetardas, Sisões ou
Peneireiros-das-torres na Serra da Estrela.
Não digo que seja “impossível” porque no
mundo das aves essa é uma palavra a usar
com precaução, já que as suas asas por vezes
as levam até sítios improváveis e as tornam
raridades em determinado local.
A verdade é que
estas três espécies,
reunidas com uma
série de outras,
preferem paisagens
com um relevo mais
suave, dominado
por planícies e com
poucas árvores, as
chamadas pseudoestepes ou estepes
cerealíferas. Este
habitat, tão característico da “fotografia”
alentejana que nos povoa a memória e/ou
a imaginação, derivou em Portugal da já
tão antiga agricultura extensiva praticada
por estas terras, baseada na rotação entre
as extensas searas de cereal de sequeiro e
os pousios (em que o solo “repousa” para
recuperar a fertilidade e que se usam como
pastagens) muito semelhante às verdadeiras
estepes mas com origem na acção humana.
Acompanhando as centenárias mudanças nas
terras, também muitas espécies se adaptaram
a este habitat e criaram laços entre si, num
ecossistema completamente dependente
dos métodos agrícolas extensivos, e ao qual
pertencem as chamadas aves estepárias.
Este é o ecossistema terrestre com maior
proporção de aves ameaçadas, com cerca
de 80% destas espécies a apresentarem um
estatuto de conservação preocupante. Dentro
da União Europeia, a Península Ibérica é
actualmente a região mais importante para
as aves estepárias sendo aqui que grande
parte da comunidade destas aves ocorre
e onde se verificam, para a maioria das
espécies, as principais populações.
Portugal alberga uma grande diversidade
de espécies de aves estepárias e, apesar da
escassa informação concreta, crê-se que, em
tempos idos,
a maioria das
espécies seria
muito mais
abundante
e com uma
distribuição
mais ampla,
correspondente
à quase
totalidade
do território
nacional. Nos dias de hoje, apenas o Alentejo
mantem uma importância significativa
para este emblemático grupo de aves e,
mesmo aqui, são cada vez menos e menores
os redutos com habitat favorável a estas
espécies, sendo em alguns casos limitados a
pequenas “bolsas” de habitat estepário entre
outros habitats distintos.
A comunidade de aves
estepárias partilha entre si
adaptações morfológicas,
fisiológicas, ecológicas e
comportamentais...
54
A comunidade de aves estepárias partilha
entre si adaptações morfológicas, fisiológicas,
ecológicas e comportamentais a estes
ambientes, que podem ser tão inóspitos,
desabrigados e até hostis. Estas aves
apresentam, portanto, características
realmente incríveis e algumas delas
funcionam como “espécies-bandeira”, tendose tornado as “caras” mais populares do
grupo das aves estepárias.
Dificilmente encontraremos um amante
das aves ou da fotografia de natureza
Abetarda em parada nupcial
que se desloque ao Alentejo e não vá em
busca da “rainha” da estepe, a Abetarda
(Otis tarda). A ave voadora mais pesada
da Europa – os machos podem atingir
os 16kg! – desperta a curiosidade pelo
seu tamanho, pela sua belíssima e (in)
confundível plumagem e pelas incríveis
paradas nupciais executadas pelos machos,
realizadas em áreas específicas, de “lek”, e em
que demonstram efectivamente que são os
“reis” da pseudo-estepe, com intensas lutas e
exibições nupciais. As abetardas alimentamse essencialmente de plantas verdes
espontâneas, sementes e invertebrados,
dando preferência aos insectos durante a fase
de crescimento dos juvenis. As posturas dos
ovos são feitas em searas ou pousios altos, e
as crias são nidífugas, ou seja, abandonam o
ninho pouco tempo após nascerem, seguindo
a progenitora.
Bem mais pequeno que a Abetarda, mas
igualmente interessante e pertencente à
família dos Otitídeos, temos o Sisão (Tetrax
tetrax). Esta ave não ultrapassa o quilograma
de peso, as fêmeas são ligeiramente mais
pequenas que os machos e estes, durante a
primavera, exibem-se com uma plumagem
distinguida pela “gravata” preta com
ZIMBRO - JUNHO 2013
Peneireiro-das-torres (Falco naumanni) a peneirar
barras brancas em torno do pescoço. Os
machos emitem um assobio sibilante muito
característico – é mais fácil escutar um Sisão
do que vê-lo! - que se produz com o bater do
vento numa das penas primárias, e que esteve
na origem do nome “Sisão”. Alimentam-se
igualmente de plantas verdes, sementes e
invertebrados (as crias preferem os insectos),
os machos realizam as paradas nupciais em
56
zonas de “lek” e as fêmeas colocam 3 a 4
ovos directamente no solo, em pastagens
com vegetação alta e densa.
Já o Peneireiro-das-torres (Falco naumanni)
pertence a uma família diferente, à dos
Falconídeos, e é uma pequena ave de
rapina migratória e colonial. Deve o seu
nome vulgar à sua fantástica capacidade
de “peneirar”, um modo de voo que, com
rápidos e circulares
movimentos das asas,
lhes permite ficarem
literalmente parados no ar
enquanto buscam as suas
presas. Mais pequeno que
o seu “primo” Peneireirovulgar (Falco tinnunculus),
difere dele também
na coloração, tendo os
machos o dorso liso
oposto ao dorso malhado
dos Peneireiros-vulgares,
e nos comportamentos:
o Falco naumanni estiva
em Portugal, passando
o Inverno em África, e
nidifica em cavidades de
construções humanas,
como os montes
alentejanos, onde as
fêmeas colocam 3-5 ovos.
Verifica-se dimorfismo
sexual, ou seja, os machos
diferem das fêmeas ao
apresentarem a cabeça
e cauda cinzentas e ao
serem ligeiramente mais
pequenos. Este falcão
alimenta-se de insectos,
sobretudo de gafanhotos e
de grilos-ralos, apesar de
também poder caçar pequenos mamíferos,
outras aves, répteis e anfíbios.
Apresentadas as aves, é tempo de perceber
porque estão tão ameaçadas: a Abetarda está
considerada “Em Perigo” e o Peneireirodas-torres e o Sisão apresentam o estatuto
de conservação nacional de “Vulnerável”!
Temos ainda, por exemplo, o Rolieiro
(Coracias garrulus) “Criticamente em Perigo”
e o Cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles
orientalis) “Em Perigo”.
Todas estas aves são extremamente sensíveis
às alterações das práticas agrícolas que,
num passado recente, conduziram à perda
e fragmentação do seu habitat por toda a
Europa. Referimo-nos, nomeadamente, à
intensificação da agricultura e à florestação
de terras agrícolas, mas as mudanças na
agricultura não são os únicos problemas
que estas aves enfrentam. As ameaças à
sua conservação incluem o abandono do
meio rural, a colisão com linhas eléctricas
e vedações, a electrocussão nos postes de
energia, a fragmentação das populações
causadas por cercas e estradas, a perturbação
humana, a predação e - o tão aclamado e
actual tema - as alterações climáticas.
A intensificação da agricultura e aumento
da pressão humana são os principais factores
que levaram ao declínio das populações
destas aves. Destes factores resultaram
grandes perdas e fragmentação de habitat
através do desaparecimento dos pousios, o
aumento da densidade de gado, florestação
de zonas agrícolas, aumento dos regadios,
conversão de culturas arvenses em vinhas
ou olivais e proliferação de estradas, linhas
eléctricas, vedações e valas de drenagem.
Outros factores, como a mecanização
agrícola, a utilização de pesticidas, herbicidas
e fertilizantes, os fogos e a predação,
contribuem para o aumento da mortalidade
de ovos, crias e juvenis.
A falta de locais de nidificação para o
Peneireiro-das-torres, originada com a
obstrução ou destruição de cavidades
durante remodelações e demolições dos
edifícios onde as aves nidificam, é outra das
ameaças mais prementes para esta espécie.
ZIMBRO - JUNHO 2013
Apesar da protecção legal existente, a
pilhagem de ninhos continua também a ser
uma ameaça para este falcão.
As vedações das propriedades podem ser
barreiras intransponíveis, principalmente
para as crias não voadoras, ao impedirem
a sua livre circulação e o acesso
a alimento e água. Nas áreas de
“lek” de Abetarda, a colocação
de novas vedações pode levar à
extinção desses locais (os machos
de Abetarda necessitam de
espaços amplos sem barreiras onde
consigam caminhar para exibir a
sua plumagem às fêmeas ou para
lutarem entre si e estabelecerem
hierarquias no bando). Para além
do efeito barreira que provocam,
existe ainda o perigo por vezes
mortal de colisão das aves com as
fiadas de arame farpado existentes
nas vedações.
As linhas de transporte e
distribuição de energia eléctrica
representam um perigo para
as aves, que frequentemente
morrem por colisão com os cabos
condutores ou por electrocussão
nos apoios, sendo o Sisão e a
Abetarda das que mais sofrem
os impactos destas estruturas (no
caso desta última, a colisão com
linhas eléctricas está identificada
como uma das principais causas de
mortalidade para a espécie).
As crescentes alterações climáticas,
provocadas pela actividade do Homem,
são actualmente um facto cientificamente
comprovado, sendo perceptível um efeito
negativo bastante acentuado nos ambientes
e recursos naturais, devido ao aumento
Tartaranhão-caçador (Circus pygargus)
da frequência das secas extremas ou de
fenómenos climáticos intensos fora de
época. Com consequências ao nível da
qualidade do habitat e da sobrevivência das
aves, particularmente das crias pequenas, as
alterações no clima são também encaradas,
Casal de peneireiros-das-torres
hoje em dia, como uma das principais
ameaças à biodiversidade, incluindo às aves
estepárias.
Para procurar contrariar e solucionar
ZIMBRO - JUNHO 2013
A intensificação da
agricultura e o aumento
da pressão humana são
os principais factores que
levaram ao declínio das
populações destas aves.
Sisão
foto de Thijs Valkenburg
estas problemáticas, a LPN – Liga para
a Protecção da Natureza (www.lpn.pt)
tem desenvolvido vários projectos de
conservação, particularmente na Zona de
Protecção Especial (ZPE) de Castro Verde.
Este espaço da Rede Natura 2000 tem sido
alvo de diversas medidas, especialmente
implementadas através do Programa LIFE
da Comissão Europeia (CE). Essas acções
incluem a gestão cinegética e agrícola
favorável à protecção da avifauna estepária
e do seu habitat, sinalização e colocação
de passagens para a fauna em vedações,
sinalização e modificação de linhas eléctricas,
aquisição de terrenos sensíveis para a
Abetarda, construção de paredes e torres de
nidificação e monitorização das colónias do
60
Peneireiro-das-torres, recuperação de aves
feridas, estudos de impacto das alterações
climáticas e implementação de medidas de
minimização dessas, participação pública e
sensibilização ambiental. O último projecto
desenvolvido foi o LIFE Estepárias, e
poderá encontrar mais informações sobre os
seus detalhes em www.lifeesteparias.lpn.pt.
Talvez as medidas apresentadas
anteriormente nos soem um pouco “fora
de alcance para um comum mortal” mas
a verdade é que todos podemos, sempre,
colaborar na conservação das espécies.
Gestos simples como a não perturbação
de ninhos ou a sensibilização ambiental mesmo em ambientes informais como uma
conversa de café – têm um elevado valor na
preservação das aves. Se durante um passeio
no campo encontrar uma ave ferida (ou
qualquer outro animal selvagem) contacte
as entidades responsáveis e encaminhe-a
para um centro de recuperação de fauna
selvagem. No caso das aves estepárias do
Baixo Alentejo, os indivíduos que necessitam
de cuidados são encaminhados para o RIAS
– Centro de Recuperação e Investigação
de Animais Selvagens, em Olhão, que é
gerido pela Associação ALDEIA (também
responsável pela gestão do CERVAS, em
Gouveia).
É a diversidade de habitats e de espécies
que neles (sobre)vivem que pode contribuir
para o equilíbrio essencial à vida de todos:
deste os 1993m de altitude da Torre
na Serra da Estrela às baixas planícies
de 300m do Alentejo, desde a pequena
Ferreirinha-alpina (Prunella collaris) à
enorme Abetarda. As teias existentes nos
ecossistemas, e as similaridades apesar das
diferenças, acabam por tornar transversais
tanto as problemáticas como as soluções…
Afinal, e assim sendo, pode não ser assim
tão descabido falar de aves estepárias numa
revista da Serra da Estrela…
Liliana Barosa, Bióloga (LPN – Liga para a
Protecção da Natureza)
ZIMBRO - JUNHO 2013
Temos vindo a assistir a um conjunto de notícias que dão conta
da intensão do governo em por todos os agricultores, mesmo os
que praticam uma agricultura familiar, a declarar ao fisco a sua
actividade. É sobre estes últimos que quero trocar um conjunto
de informações porque, creio, a generalidade das pessoas deve
achar perfeitamente normal, dado as carências actuais e as (des)
informações que alastram pelo país que, se todos pagam, também estes devem pagar ao fisco pelo produto das suas vendas.
Vale do rio Beijames
Se uma determinada família desenvolve
uma agricultura familiar, trabalha de Sol
a Sol, Sábados e Domingos, sustenta-se e
aos seus descendentes, com o rendimento
do seu esforço e consegue vender parte ou
64
a totalidade dos produtos nos mercados
tradicionais obtendo, um rendimento
superior a 10.000 euros, deverá ter um
tratamento idêntico ao de uma empresa
que foi estruturada para desenvolver um
outro tipo de
agricultura?
Comecemos
pela parte
económica
para podermos
apreciar o
quanto os
agricultores,
que refiro,
contribuem
para o
equilíbrio
da balança
comercial. A
sua produção
reduz a
importação de
bens essenciais,
significando
com isso menos
importações e
menos saída de
divisas.
Uma outra
questão, a mais
significativa,
que os
mentores de
tais medidas
não devem
ter tido em
consideração e
que poderá ter
consequências
muito negativas, é a do valor criado e
mantido por estas famílias na diversidade da
paisagem, na manutenção de ecossistemas
muito concretos, afinal de contas do
conjunto de elementos humanizados que
os promotores turísticos não se cansam de
exibir e que pode desaparecer ou reduzirse imenso se, tais medidas não forem
ponderadas.
Apresento um caso concreto para melhor
perceber o que poderá estar em causa com
a aplicação das medidas de tentar procurar
dinheiro, mesmo onde não o há!
A foto, que ilustra o texto, é a propriedade
de um casal. Nenhum sabe ler nem escrever.
Ele, para compensar o orçamento familiar,
sai de casa todos os dias às 6 da madrugada
e regressa depois das 19, após percorrer 140
quilómetros e um dia a cortar mato nas
florestas. A esposa sai antes de nascer o sol,
faz 4kms a pé, para cada lado, ordenha as
cabras de manhã e volta a fazê-lo ao final do
dia, regressando à povoação já depois do sol
se ter posto. Entretanto, conduz as cabras
pelos matos e lameiros e vai tratando dos
terrenos onde desenvolve uma agricultura
de sobrevivência, já que não possui outros
recursos, nem estão inseridos nas medidas do
Rendimento Mínimo de Inserção ou Fundo
do Desemprego, ou seja, não gastam nada ao
Estado!
A Olívia e o marido, como não sabem
ler nem escrever, não têm luz eléctrica e
também não têm tempo para ver as notícias,
ignoram o que os Ministros e Secretários
de Estado lhe estão a preparar e, um dia, é
muito provável que recebam em sua casa um
papel das Finanças com a aplicação de uma
multa que pode chegar aos 75€ por não ter
declarado o início ou alteração da actividade.
Convém ter em atenção que a Olívia e o
marido, apesar de ainda não serem assim
tão entrados na idade, o que é uma maisvalia muito pouco valorizada, dado o quadro
ZIMBRO - JUNHO 2013
calamitoso que se vive com o abandono dos
nossos campos, se tivessem de vender uns
ovos, uma couve, um ramo de salsa… e não
passassem factura, estariam sujeitos a coimas
que poderiam ir de 150 a 3750 euros, de
acordo com a legislação que está anunciada!
Quando a Olívia e o marido se virem
confrontados com o fisco não vão querer
saber nem de papéis, nem da propriedade
e esta terá o fim de tantas outras que
marginam a sua. O
crescimento dos matos
e o ar de abandono que
o tempo se encarregará
de causar deixará o
caminho aberto para
os defensores da
florestação, até com
eucaliptos, dos terrenos,
inclusive dos solos
agrícolas.
Penso que os
governantes, antes de
tributar o quer que
fosse, deviam saber e
ser capaz de valorizar
o trabalho de quem,
ainda, é capaz de
assumir o legado dos
seus antepassados, manter a arquitectura e
a biodiversidade desse mesmo património,
afinal de contas um dos melhores cartazes
da promoção do país. Quem desenha
tamanhas artimanhas devia procurar saber,
antes de mais, qual o valor da paisagem que,
a custo zero, a Olívia e o marido, juntamente
com muitos outros, preservam e cultivam.
Promover a sua atitude perante um país,
cada vez mais urbano e desconhecedor dessa
realidade, seria uma atitude digna. A recente
atribuição do Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, a
mais importante distinção da Arquitectura
Paisagista, ao Arquitecto Gonçalo Ribeiro
Telles, é unívoco do erro que tem vindo a
ser seguido pelas autoridades portuguesas ao
longo das últimas décadas relativamente à
agricultura e paisagem rural.
Mas o contributo da Olívia e do marido e
de muitos mais não se fica por aqui. Quanto
vale o seu trabalho para que os incêndios não
se desenvolvam e tenham no esforço destes,
a melhor e mais eficiente barreira à dinâmica
das chamas? Quanto gasta o Estado para
manter um aceiro
limpo? Quanto é
dado a este e outros
casais por esse
mesmo trabalho?
Os lameiros que a
foto mostra estão
contemplados nas
medidas agroambientais e as
ajudas poderão ir
quase aos €200
(ha)/ano, o que
seria um bom apoio
para quem os possui
e trata. Mas como é
isso possível se essa
informação e ajuda
nunca chegou aos
interessados?
O Parque Natural da Serra da Estrela
que, desde a sua existência, nunca falou
com a Olívia, tem uma boa oportunidade
para cumprir uma sua função importante,
a de manter e promover essa riqueza,
perfeita simbiose entre o meio natural e a
intervenção humana – temática que também
esteve na origem da sua criação – ajudando-a
e aos outros a aproveitar todas as ajudas
disponíveis, inclusive das medidas agroambientais, disponibilizando os seus quadros
para o efeito.
...como não sabem ler
nem escrever, não têm
luz eléctrica e também
não têm tempo para
ver as notícias,
ignoram o que os
Ministros e Secretários
de Estado lhe estão a
preparar hectares
ZIMBRO - JUNHO 2013
GeoPark do Tejo Internacional, passando
pela Paisagem Protegida da Serra da
Gardunha até à montanha maior, em pleno
Parque Natural da Serra da Estrela.
Este é aliás o território que consubstancia
a Estratégia de Eficiência Colectiva Buy
Nature: Turismo Sustentável em Áreas
Classificadas, numa cooperação efectiva
em torno do foco temático do Turismo de
Natureza, cuja coordenação estratégia é
liderada pela Agência de Desenvolvimento
Gardunha 21.
A
façanha da circulação de gentes e de
gados, o abalar e o voltar, delineou no espaço
uma rede produtora de complementaridades
proporcionando uma fluidez de permutas
materiais e espirituais e de percepcionar as
terras e os homens. A palavra transumância,
etimologicamente advém do radical trans
com o significado de “além de” unido a
humus, “terra”. Esta singularidade do
«ir além da terra», encerra toda uma
determinante componente da existência que
construiu uma cartografia de cooperações
muito própria.
A GRANDE ROTA DA
TRANSUMÂNCIA é um tributo à
memória das viagens e paragens dos pastores
70
e rebanhos que calcorreavam estes caminhos
recordando, também, toda a cultura inerente
a cada local e às suas gentes que eram
periodicamente atravessados. Tradições e
costumes, canções, formas de falar, danças e
outras manifestações, enraizavam ao longo
desse eixo cultural avivado e vincado pela
transumância.
A primeira viagem da GRANDE ROTA
DA TRANSUMÂNCIA recriou ,
simbolicamente, o percurso de subida de
pastores e rebanhos à Serra da Estrela.
Outras se seguirão materializadas em
percursos que interligam paisagens e
identidade culturais e naturais da planície e
da montanha, das campanhas da Idanha no
Todos os programas da primeira viagem
foram direcionados para as vivências das
ancestrais actividades
dos pastores nas
suas lidas do dia a
dia. Dias marcados
por sentires,
viveres e saberes de
pastores, na recolha
e transformação
das matériasprimas produzidas
pelos rebanhos,
nas criações
artesanais, nos
seculares produtos
gastronómicos e na
enorme capacidade
de adaptação ao
que a Natureza lhes
ofereceria. E é essa componente cultural
que temos de continuar a preservar. Com
efeito, a relação estreita que sabiamente
se estabeleceu ao longo de milénios entre
homens e animais, equilibrando o território
e os recursos ritmados pela doçura ou pela
agrura das estações, perfila-se na velocidade
contemporânea, como um caminho a ser
retomado, recuperando e aprofundando
uma cada vez mais necessária, mas tantas
vezes esquecida, simbiose ecológica entre o
homem e o seu ambiente.
Uma junção que contemple sempre a
visibilidade das memórias, das heranças e
dos saberes em conjugação com os novos
usos da paisagem. As palavras transumância
e transcendência têm, na sua raiz, uma
essência comum. O ir para “além de”, “para
lá de” mapeia uma direcção que conduz até
outra dimensão, indicando outro rumo às
recordações das nossas raízes.
A GRANDE ROTA DA
TRANSUMÂNCIA é afirmação da
eficiência de um programa concertado de
cooperação e estratégia intermunicipal na
Beira Interior. Todos transumamos vontades
para fruição das nossas ancestrais paisagens
e isso é uma certeza do futuro da nossa
interioridade comum.
ZIMBRO - JUNHO 2013
O
Mocho-d’orelhas
72
s habitats humanizados, nomeadamente
os rurais, agrícolas e as áreas envolventes, são
reconhecidamente ricos do ponto de vista da
biodiversidade. O mosaico agrossilvopastoril
presente em todo o país, principalmente no
interior, associado aos núcleos populacionais
humanos, é tido como essencial para a
conservação de algumas espécies de aves.
As aves de rapina noturnas (Aves, Ordem
Strigiformes), em particular a Coruja-dastorres (Tyto alba), Mocho-galego (Athene
noctua), Coruja-do-mato (Strix aluco) e
Mocho-d’orelhas (Otus scops), estão bastante
ligadas a essas áreas, sendo particularmente
importantes para a agricultura, no controle
de pragas de roedores e insectos. Para
estas aves de rapina noturnas as condições
oferecidas por este tipo de habitats trazem
um conjunto de benefícios ao assegurar áreas
Mocho-galego
ZIMBRO - JUNHO 2013
de repouso e nidificação, nomeadamente
as próprias construções humanas e
áreas florestais envolventes aos núcleos
populacionais, bem como as áreas agrícolas
e as zonas de transição destas com as áreas
florestais, no caso da alimentação. As áreas
humanizadas também poderão trazer
algumas desvantagens, principalmente
devido à pressão humana a que estão
sujeitas, traduzindo-se isso em escassez de
alimento, devido ao abandono progressivo
da agricultura tradicional e ao uso de
químicos, e na progressiva redução de locais
apropriados à nidificação. Por ação direta
74
do Homem, a perseguição e colisões com
automóveis são grandes factores de ameaça.
As aves de rapina noturnas são um
grupo muito pouco estudado, muito
provavelmente devido aos seus hábitos
noturnos. De forma a contrariar esta
tendência, foram realizadas duas teses de
mestrado com este grupo de aves, numa
parceria entre o Departamento de Biologia
da Universidade de Aveiro e o CERVAS/
ALDEIA, com os seguintes objetivos:
conhecer a sua distribuição, densidade
e abundância destas espécies; estudar
a relação entre a distribuição e habitat;
área de 14,8 ha, distribuídos regularmente
pela área de estudo. Estima-se que existam
cerca de 180 casais de Mocho-d’orelhas
no concelho de Gouveia, com uma
densidade de 1,4 casais/km2. A Corujado-mato apresenta já uma distribuição
mais restrita, aparentando estar ausente no
norte e nordeste do concelho de Gouveia,
tendo sido detectados 52 indivíduos desta
espécie, correspondendo a 30 territórios
com uma área de 80,1 ha. Foram estimados
80 casais desta espécie com uma densidade
de 0,5 territórios/km2. A Coruja-dastorres foi a espécie menos detectada na
área de estudo, tendo sido obtidos 23
contactos desta espécie, sendo considerados
15 territórios com uma área de 379,45 ha.
Apesar desta distribuição restrita, quase
todas as freguesias eram abrangidas por
um território desta espécie. Assim foram
estimados 32 casais, com uma densidade de
Coruja-do-mato 0,2 casais/km2 na área prospectada.
Em relação à preferência de habitat a
distribuição do Mocho-galego revela
estudar a relação entre as espécies. A área
a importância das áreas agrícolas como
de estudo foi o concelho de Gouveia, mais
habitat de caça e de nidificação, sendo
concretamente as áreas rurais e agrícolas
que a presença de olival e vinha possibilita
do concelho, tendo sido realizado um
inúmeros pousos para a caça. A relação
censo dirigido às quatro espécies referidas
negativa com as florestas de resinosas poderá
acima, estando os resultados em relação à
dever-se a estratégia de defesa de predadores.
distribuição representados nos mapas.
O Mocho-d’orelhas parece evitar áreas
O Mocho-galego distribui-se por toda
florestadas extensas, pois esta espécie deve
a área de estudo de uma forma mais ou
utilizar as orlas das manchas florestais ou as
menos regular, tendo sido a espécie mais
manchas mais pequenas, preferindo englobar
detectada durante este estudo com 90
maiores áreas abertas no seu território.
contactos, sendo considerados 69 territórios
A presença de Coruja-do-mato aparenta
com uma área de 7,45 ha. Foram estimados
estar relacionada com a disponibilidade de
225 casais de Mocho-galego na área de
áreas florestais de folhosas, habitat típico
estudo, sendo que a densidade obtida na
da espécie. A influência do tecido urbano
área real prospectada foi de 2,4 casais/
na presença desta espécie dever-se-á a uma
km2. O Mocho-d’orelhas foi a segunda
maior abundância de estruturas adequadas
espécie mais detectada, com 88 contactos
à nidificação, sendo que isto deverá ter
correspondentes a 71 territórios com uma
ZIMBRO - JUNHO 2013
implicações negativas para o Mocho-galego
e Coruja-das-torres. As culturas de sequeiro
deverão constituir o habitat de caça para
a Coruja-do-mato quando esta ocorre em
áreas agroflorestais.
Em termos de relações intraespecíficas, a
Coruja-das-torres e Coruja-do-mato são
as que apresentam menor percentagem de
sobreposição de territórios conspecíficos,
apesar de estas espécies possuírem os
territórios com maiores dimensões. Estas
espécies apresentam também as maiores
distâncias aos vizinhos conspecíficos
mais próximos. O Mocho-galego é uma
espécie territorial, sendo a sobreposição
de territórios conspecíficos menor durante
a época reprodutora. Apesar disso, neste
trabalho foram detectados 72,5% de
territórios conspecíficos sobrepostos.
Coruja-das-torres
76
No caso do Mocho-d’orelhas, tal como
o Mocho-galego, parece apresentar
uma tendência de agregação na área de
estudo. No que diz respeito às relações
interespecíficas, a Coruja-do-mato aparenta
ser a espécie mais evitada pelas Strigiformes
de menor dimensão, o que poderá estar
relacionado com um mecanismo de defesa de
forma a evitarem um possível predador. As
sobreposições entre os territórios de Corujado-mato e Coruja-das-torres dever-se-á ao
tamanho dos respectivos territórios e, além
disso, poderá ser reflexo da Coruja-do-mato,
nas áreas humanizadas, usar alguns recursos
essenciais para a Coruja-das-torres, podendo
ser uma das causas da baixa abundância
desta última na área de estudo.
Foi com estas teses de mestrado que nasceu
o Projeto BARN – Conservação e Estudo da
Distribuição das Aves de Rapina Noturnas
– tendo dedicado o seu estudo na fase inicial
às aves de rapina noturnas no concelho de
Gouveia em 2008/2009, com o objectivo
essencial de aumentar o conhecimento deste
grupo em Portugal e, consequentemente, na
Europa. Numa primeira fase o BARN está
a ser desenvolvido no concelho de Gouveia,
mas tem como objectivos não só alargar a
área de estudo para toda a zona da Serra da
Estrela como ampliar o leque de espécies
estudadas. Inicialmente, as espécies alvo do
projeto começaram por ser as que ocupam
habitats agrossilvopastoris, ou seja, Corujadas-torres, Mocho-galego, Coruja-do-mato
e Mocho-d’orelhas, sendo todas espécies
protegidas e três delas encontram-se em
declínio moderado na Europa. No final de
2010, o leque de espécies alvo foi alargado
para todas as aves que ocupam habitats
agrícolas e agro-florestais.
Em relação às aves de rapina noturnas,
Monitorização de caixa-ninho de Coruja-dad-torres
os principais objectivos deste projeto
são identificar e monitorizar os locais de
presença e nidificação
deste grupo de aves,
bem como potenciar
a reprodução e fixação
destas espécies através da
colocação de caixas-ninho.
Este último objectivo
é bastante importante,
tendo em conta que
estas espécies não
constroem ninhos, mas
sim ocupam cavidades de
árvores e de construções
humanas (torres de
igrejas, celeiros, casas
abandonadas, etc.), que
são cada vez mais raros
devido à pressão humana.
Para complementar todo o processo de
conservação das aves de rapina noturnas
ZIMBRO - JUNHO 2013
é necessário que a população em geral
esteja sensibilizada e para isso o BARN
tem uma forte componente de educação e
sensibilização ambiental, com o intuito de
suprimir mitos relacionados com as aves de
rapina noturnas e mostrar às populações
locais a importância destas espécies
no combate a pragas, nomeadamente,
de roedores e insectos. A realização de
cursos e workshops é também uma parte
importante da divulgação do projeto dentro
da comunidade científica e do público em
geral, podendo captar novos investigadores
interessados no estudo deste grupo de aves.
Ação de educação ambiental no âmbito do projeto BARN
78
Durante 4 dias lavrou um fogo na margem
direita do rio Beijames, entre a terra das
batatas e o Cabeço do Lobo.
Apesar de na zona quase toda a gente
prognosticar a autoria da ocorrência, importa
pouco para a análise que aqui se pretende
fazer.
A área ardida atingiu zonas de mato,
pinheiro bravo e azinheiras. O valor, do
ponto de vista económico, tem pouco
significado mas o mesmo já não acontece
se quisermos colocar a questão do ponto
de vista ecológico. A erosão irá acentuarse, agravada pelas ingremes vertentes
sobranceiras ao rio Beijames.
Trata-se de uma área dominada pela
pastorícia (caprinicultura), com as
redondezas completamente desertas de
pessoas e de actividade agro-pastoril. Os que
ficaram fazem pela vida. Daí a queimada,
para as cabras pastarem, porque os matos,
outrora devorados numa luta intestina entre
a procura e a escassez, para a agricultura
e camas para os gados, são hoje o maior
obstáculo à circulação de pastores e animais.
Nem o autor destas linhas nem o leitor faria
de maneira diferente se estivesse em jogo a
sua sobrevivência e da família. Nada de falsos
moralismos porque quando o estomago está
“vazio” importa pouco invocar a razão.
Mas, num país onde vagueia a lógica de que
não há dinheiro para nada, importa falar de
casos concretos para se ter a noção de quão
falsa pode ser esta denúncia. Procuremos
analisar, ainda que sem o rigor dos números
porque não tenho os meios nem o saber para
os determinar, quanto pode ser a diferença
entre combater um fogo e diligenciar
para a sua inexistência, promovendo a
prevenção, em contraste com o fogo e as suas
consequências.
No combate ao fogo andaram dois
helicópteros, um deles, bombardeiro.
Marcaram presença diversos autotanques
num fogo onde apenas se justificava
o trabalho sapador por causa das
inacessibilidades. Registei a origem de
algumas das corporações dos bombeiros:
Castelo Branco, Proença-a-Nova, Cernache
de Bonjardim, Fundão, Covilhã, Belmonte…
3 pelo menos, a mais de 100 quilómetros de
distância. Havia mais corporações mas não
as consigo referenciar todas.
Não tenho a mínima pequena ideia de
quanto custou o combate a este fogo. Sei, no
entanto, quanto poderia custar o trabalho de
10 pessoas, durante 3 meses, a ganhar um
salário de €500 mensais para limpar toda a
encosta dos matos, permitindo assim que
o gado e pastores circulassem e os pastos
se renovassem. Com todas as despesas,
mais equipamento de corte €30.000 seriam
suficientes e gerava emprego temporário.
Não se pensando assim, o ciclo repete-se e o
fogo regressa e com ele a erosão.
Ou seja, o problema não será a falta de
dinheiro mas falta de estratégia!
J. Maria Saraiva
ZIMBRO - JUNHO 2013
O
Montanhas de Ben Nevis
80
monte mais alto do
Reino Unido é o Ben Nevis,
na Escócia. Apesar da sua
reduzida altitude (apenas 1300
m), é, em termos de desnível,
parecido com a serra da Estrela,
pois a sua base encontra-se ao
nível do mar. É também uma
montanha antiga, com cumes
arredondados pela erosão. Como
está muito mais a norte, o clima
é mais severo: mais frio, neva
mais e mais frequentemente,
mais gelos e mais duradouros,
etc. O Ben Nevis é um destino
turístico importante. Todos os
anos, cerca de 150.000 pessoas
sobem ao cume. No entanto,
não há estradas nem teleféricos
ou outros acessos “diretos e
confortáveis” que facilitem
a subida. Os que sobem a
montanha, têm que a subir a
pé. A ascenção demora cerca
de seis horas, o que obriga
frequentemente a uma dormida
num dos muitos hotéis, pensões
ou parques de campismo situados
nas localidades no sopé do
monte. Assim, por regra, quem
vai ao Ben Nevis não vai de
manhã para regressar a casa à tarde. Também
por isso, a atividade turística no Ben Nevis
é intensa e alimenta um sem número de
negócios (hotelaria, restauração, comércio de
equipamento desportivo, guias de montanha,
etc). Se houvesse estradas ou teleféricos
até ao cume do Ben Nevis, talvez o topo
fosse ainda mais visitado. Mas, porque as
estradas ou os teleféricos o permitiriam (até
o encorajariam), decerto mais turistas fariam
o tipo de visita, rápida e pouco rentável para
a economia local, que caracteriza o turismo
da serra da Estrela.
Os Picos da Europa são as montanhas
(relativamente baixas – 2600 m – mas
muito escarpadas) que separam as Astúrias
de Castela-Leão, na vizinha Espanha.
Nenhuma estrada asfaltada atravessa esta
cadeia montanhosa, é necessário circundá-la.
Os seus cumes não dispõem de teleféricos.
No entanto, durante o Verão toda a região
fervilha de turistas, praticando canoagem,
passeios a pé ou a cavalo, escalada, BTT...
Um dos atrativos mais populares dos Picos
da Europa é a chamada Ruta del Cares,
um trilho pedestre que quase atravessa a
cordilheira de norte a sul, sepenteando ao
longo do apertado vale do rio Cares. O
passeio tem a extensão de cerca de 12 km
(mais 12 km para o regresso), e normalmente
é completado em cerca de cinco a oito horas
(ida e volta). Ao percorrê-lo, constantemente
nos cruzamos com outros caminheiros, de
todas as nacionalidades, de todas as classes
sociais, todas as idades... Como no Ben
ZIMBRO - JUNHO 2013
outras regiões da Europa mostra que o
turismo de montanha pode perfeitamente
desenvolver-se sem
estradas asfaltadas
montanha acima. Aliás, os
exemplos de asfaltações
recentes cá na serra da
Estrela (a estrada de S.
Bento, de perto de Loriga
até à Lagoa Comprida e,
mais antiga, a estrada de S.
Romão) mostram também
que, claramente, essa via
não leva automaticamente
ao desenvolvimento do
turismo.
Ruta del Cares
Nevis, esta atividade é tão demorada que
quase todos os que a realizam passam pelo
menos uma noite na região. Se a ruta del
Cares fosse asfaltada, permitindo o usufruto
mais confortável daquelas arrebatadoras
paisagens, talvez fosse pecorrida por mais
pessoas. Mas muitos mais visitantes se
limitariam a simplesmente passar, tirar umas
fotos e seguir caminho.
Na verdade, os “acessos rápidos e
confortáveis” que por cá cremos tão
indispensáveis (e sempre insuficientes)
ao desenvolvimento do turismo são uma
particularidade muito específica da serra da
Estrela. São raras as montanhas da Europa
com estradas de asfalto pelo cume. Alguns
minutos com o googleearth mostram
que a serra da Estrela tem mais estradas
asfaltadas do que a maioria das cordilheiras
importantes de Espanha, para não ir mais
longe. Vejam-se os Picos da Europa, a serra
Nevada, a Cordilheira Central, a serra de
Gredos e de Béjar, ... Veja-se até a serra
do Gerês! E, no entanto, essas serras têm
turismo também, e mais dinâmico e melhor
distribuído ao longo do ano que o da serra
da Estrela.
Como se vê, a análise das condições de
Em resumo: temos
exemplos de como a
ausência de estradas e
de teleféricos para o alto
dos montes não impede
o desenvolvimento do
turismo de montanha;
temos também exemplos
de como as estradas para
as zonas altas não se
traduzem necessariamente
em desenvolvimento do
turismo de montanha.
Será então razoável
continuarmos, ainda
hoje, a usar o argumento
do desenvolvimento do
turismo de montanha
para defender ainda mais
asfaltações de caminhos e a construção de
teleféricos e de funiculares pela serra acima?
Serra da Estrela
Serra da Estrela
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