Abertura dos Arquivos da Ditadura

Transcrição

Abertura dos Arquivos da Ditadura
Campanha pela
ABERTURA DOS ARQUIVOS
DA DITADURA MILITAR
Cartilha organizada pela Federação do Movimento Estudantil de História
FEMEH e pelo CAHIS - USP
Apresentação
Esta Cartilha foi produzida, no ano de 2008, pelo Centro Acadêmico de
História da USP, que integra a Federação Nacional do Movimento
Estudantil de História (FEMEH). Ela faz parte de uma Campanha pela
Abertura dos Arquivos da Ditadura Militar, na qual estão envolvidos não só
nós estudantes, mas também outras organizações que se preocupam
com a justiça social e o direito à memória.
Neste documento, você poderá ler sobre:
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A articulação político-militar das ditaduras na
América Latina
A defesa da anistia ampla, geral e irrestrita e a
duplicidade da anistia parcial e recíproca.
O processo de redemocratização e a falsidade do
regime democrático brasileiro
Os Arquivos Secretos da Ditadura: esquecimento e
poder
O que a Constituição Federal diz sobre o direito de
acesso à informação e à memória
O que diz a Lei de Arquivos de 1991
O Decreto de FHC que estabelece sigilo eterno dos
Arquivos “ultra secretos”
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Boa Leitura!
“Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se
arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés”
Que aqui sambaram nossos ancestrais”
Cartilha da FEMEH - 2
FEMEH
Federação do Movimento Estudantil de História
gestão 2007-2008
Coordenação Geral:
Centro Acadêmico Livre de História da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES)
Centro Acadêmico de História da Universidade Católica de Salvador
(UCSAL)
Centro Acadêmico Livre de História da Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT)
Coordenações Regionais:
Sudeste I:
Centro Acadêmico de História da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ)
Sudeste II:
Centro Acadêmico de História da Universidade de São Paulo (USP)
Sul:
Diretório Acadêmico de História da Faculdade Porto-Alegrense (FAPA)
Nordeste I:
Centro Acadêmico de História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Nordeste II:
Centro Acadêmico de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Contato da FEMEH:
http://br.groups.yahoo.com/group/femehnacional
Cartilha da FEMEH - 3
A Operação Condor e a ditadura continental
tramada pela CIA
“Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...”
Recentemente o tenente-coronel
Jarbas Passarinho, ex-governador
biônico do Pará, uma das mais
proeminentes figuras repressivas do
regime militar, revelou que o Brasil fez
parte oficialmente da chamada
Operação Condor. A Operação Condor
era uma articulação entre as ditaduras
na América Latina e a CIA que tinha
objetivo de capturar os militantes da
esquerda de destaque no continente.
Essa Operação foi responsável por
centenas de desaparecimentos, tortura
e algumas mortes de ativistas que
resistiam ao regime militar no Cone Sul.
De acordo com a declaração do
tenente-coronel Jarbas Passarinho, o
governo brasileiro “não sabia” que a
detenção dos ativistas tinha objetivo de
elimina-los, pois os assassinatos eram
feitos em outros países. De forma que o
governo Brasileiro teria sido “enganado”
pelos seus vizinhos, e acreditado que a
Operação Condor era “pacífica”. Infelizmente, é impossível acreditar em
tamanha ingenuidade e bondade dos nossos militares.
A articulação das ditaduras na América Latina foi feita com planejamento
político e financiamento da CIA. A maioria dos golpes militares da América
Latina foi organizada diretamente pelas forças armadas dos EUA. A CIA
mantinha campos de treinamento de soldados nos países e garantia a alta
qualificação militar dos exércitos golpistas. Todas as ditaduras no continente se
caracterizaram pela brutal restrição de direitos políticos e humanos às
populações latino-americanas, junto de uma sistemática repressão à
população que resistisse. Podemos chamar a ação militar de terrorismo de
Estado, uma vez que foram constantes as torturas, prisões desumanas,
desaparecimentos e assassinatos realizados pelos governos ditadores.
Cartilha da FEMEH - 4
Anistia ampla, geral e irrestrita!
“Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer,
que eu não mudo de opinião!”
A anistia é a absolvição de pessoas que praticaram crimes políticos,
por conta da mudança de uma vigência jurídica ou política
determinada. Por ser ambígua, pôde ser reivindicada tanto pela
população punida na ditadura (presa, torturada, desaparecida e
assassinada) por conta dos chamados “crimes políticos”, quanto pelos
próprios agentes do regime militar que cometeram crimes contra os
direitos humanos.
Na década de 70, o movimento popular em defesa de uma anistia
ampla, geral e irrestrita, ou seja, que revertesse todas as punições sofridas
por todos os “crimes políticos”, se ampliou e ganhou força social.
Entretanto, a ditadura militar tornava o Estado e suas instituições
praticamente impermeável às reivindicações da população, sobretudo
por sua grande capacidade repressiva.
Em 1969, no processo intensificação da repressão militar, o ato de
anistia tornou-se um monopólio do Presidente da República. De maneira
que na década de 70, as mobilizações nacionais em defesa da anistia
ampla, geral e irrestrita se davam num contexto em que, supostamente,
o Congresso Nacional não poderia fazer nada a respeito, dada a imensa
centralização do poder.
A pressão exercida pela população no movimento pela anistia geral,
acabou fazendo com que o governo enviasse ao Congresso uma
proposta de anistia parcial e restrita, totalmente ambígua e insuficiente.
Em 1979 a proposta de Anistia parcial feita pelos ditadores foi vitoriosa no
Congresso. A anistia parcial trouxe de volta os exilados, os clandestinos e
presos políticos, mas muitos dos mortos e desaparecidos não voltaram
sequer na forma de um atestado de óbito. Era evidente, para o
movimento em defesa da anistia ampla, que a lei aprovada em 79 não
passava de uma tentativa de ocultamento dos crimes de Estado, e uma
forma burocrática de se resolver o desaparecimento de milhares de
militantes. Os presos políticos envolvidos nas guerrilhas não foram
beneficiados pela anistia, e permaneceram nos cárceres. A anistia foi tão
limitada, que não beneficiou muitos dos exilados e sindicalistas, os
Cartilha da FEMEH - 5
expulsos, os marinheiros e trabalhadores de uma maneira geral. Grande
número dos trabalhadores demitidos por perseguição política não foram
reintegrados.
Para além de seu caráter limitado, que pouco a pouco foi sendo
revertido pelas mobilizações populares, a anistia previa a absolvição
tanto dos ativistas da esquerda, quanto dos militares golpistas! Assim, por
uma interpretação jurídica comprometida com os interesses do regime
militar, tanto um lado quanto o outro foram anistiados, o que significou a
impunidade total de criminosos do regime, que praticaram as mais
diversas formas de violência e de violação de direitos humanos.
De acordo com o site http://www.desaparecidospoliticos.org.br/,
organizado pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos
Políticos:
A anistia é um ato do poder público visando extinguir todas as
conseqüências de uma punição aos que foram acusados de crimes
políticos. Não poderia ser recíproca, pois desse modo, pressupõe-se
que o autor do delito teria condições de se auto-anistiar. Por outro
lado, os governantes ou seus representantes, durante o regime civilmilitar, não foram indiciados, processados ou punidos e, portanto,
não poderiam ser anistiados. A anistia deveria alcançar todas as
pessoas que lutaram por seus projetos políticos ou resistiram ao
autoritarismo participando de diferentes formas de luta. Em vez
disso, perpetuou os crimes hediondos da ditadura mantendo-os na
impunidade
“O que será que será
Que andam suspirando pelas alcôvas
Que andam susurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados, que com certeza
Está na natureza, o que será, que será
O que não tem certeza, nem nunca terá
O que não tem concerto, nem nunca terá
O que não tem tamanho”
Cartilha da FEMEH - 6
Democracia ? Para quem?
“Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado”
A transição democrática no Brasil aconteceu com mobilização
popular, mas também por meio de um processo de reajustamento do
poder realizado pelo próprio Estado. O enfraquecimento do bloco
soviético foi um fator determinante para o fim das ditaduras militares
patrocinadas pela CIA em todo o planeta. Assim, havia uma conjuntura
histórica e geopolítica que determinou um apaziguamento da ditadura
no Brasil. A força social das mobilizações populares no Brasil foi um dos
fatores que permitiu a transição democrática, dentro de um contexto
mundial mais complexo.
Uma das características desta transição foi sua lentidão. O próprio
Geisel, liderança da extrema direita militar brasileira, ex Presidente ditador,
pregava uma “democratização lenta e gradual” de nosso país ao final da
década de 70. Esse processo transitório foi em grande medida
controlado e planejado pelos próprios poderes ditatoriais. Em 1978, o AI-5
foi abolido com a restituição do hábeas corpus, a eliminação da pena de
morte e da prisão perpétua, e o abrandamento das leis de censura da
imprensa eletrônica. A nova versão da Lei de Segurança Nacional
abrandava penas, baseando-se no Código Penal, mas mantinha os
instrumentos jurídicos de repressão.
Este controle do Estado sobre o processo de redemocratização não se
deu de maneira absoluta. A década de 80 foi marcada por enormes
manifestações populares e pela reorganização da esquerda brasileira
que havia sido dilacerada e assassinada ao longo de quase 15 anos. Foi
nos anos 80, por exemplo, que surgiu a CUT, como instrumento unificado
importante para a classe trabalhadora. As manifestações pelas Diretas
para presidente foram as maiores. Centenas de milhares de brasileiros
saíam às ruas para reivindicar um direito democrático elementar: o voto.
As estruturas do poder militar mantiveram sua influência sobre o Estado,
mesmo depois da redemocratização. A repressão brutal do Estado sobre
manifestações políticas nunca deixou de existir. A repressão política e
social é uma das características da dominação capitalista em qualquer
regime político em que ela se organize e isso se expressa hoje pela intensa
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criminalização dos movimentos sociais feita pela polícia e
propagandeada pela mídia dominante.
Temos a convicção de que as sociedades só se transformam quando
produzem de maneira independente um conhecimento histórico
verdadeiro a cerca de seu passado. É justamente por isso que as elites
brasileiras sempre se preocuparam com a produção de uma história
oficial, ufanista, nacionalista, entusiasta de seus feitos injustos, e que
corrobora com a criminalização das lutas sociais e políticas em diversos
períodos. A hegemonia que o poder econômico exerce sobre a história
brasileira e sobre a memória só será revertida, caso nós, historiadores,
tenhamos acesso à informação e à história. Só assim poderemos produzir
conhecimento histórico com um conteúdo transformador, que questione
as versões militares da ditadura, e que instrumentalize a luta por uma
verdadeira democratização do nosso país. E só haverá democratização
de nosso país com a realização plena e universal dos direitos sociais,
negados insistentemente pela dominação capitalista.
Os Arquivos secretos da Ditadura Militar:
esquecimento e poder
Os Arquivos Públicos que registraram as ações repressivas do governo e
documentam as informações que o Estado compilava para realizar suas
atrocidades na ditadura, não são de fato públicos. Como acontece com
muitos outros direitos em nosso país, o DIREITO À MEMÓRIA e o DIREITO À
INFORMAÇÃO não são garantidos de fato, apesar de estarem registrados
na Constituição Brasileira. Isso significa que boa parte das informações
comprometedoras de determinados grupos militares que até hoje estão
alojados no poder, permanece sob posse restrita do próprio Estado
Esta blindagem dos Arquivos da Ditadura faz parte de mais um dos
inúmeros privilégios da classe política brasileira. Os parlamentares
legislam sobre seus próprios salários, os governantes se escondem por trás
de sigilos bancários, a corrupção do Estado “democrático” é
praticamente institucionalizada por um sistema de privilégios e
impunidade herdado do regime militar. Seguindo a mesma lógica, o
único que tem acesso às informações do período da ditadura, muitas das
quais incriminam o Estado, é o próprio Estado.
Cartilha da FEMEH - 8
O que diz a Constituição Brasileira?
“Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade”
O Artigo 5 da Constituição Brasileira diz, em seu inciso XIV, que “é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Além disso, no inciso
XXXIII do mesmo Artigo 5 reafirma que:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações
de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado
O Artigo 216 da Constituição aborda a questão da identidade e da
memória como direito, estabelecendo o status de “patrimônio cultural
brasileiro” a todos os documentos de nossa história. E conclui dizendo que
“Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.”
Neste sentido, o acesso aos documentos públicos da Ditadura Militar
não pode, pela Constituição Federal, ser restrito. O conhecimento das
informações colhidas no regime militar e das operações de perseguição
política comandadas pelo Estado deve ser público! Ao contrário do que
garante a Constituição, até hoje obteve-se acesso a poucos e
inexpressivos documentos oficiais referentes às mortes e crimes do regime
militar, principalmente aqueles cometidos na zona rural.
A Lei de Arquivos de 1991
“Olha a gota que falta pro desfecho da festa”
Em 1991, foi elaborada e aprovada uma Lei de Arquivos que regrava
sobre os princípios de funcionamento e de acessibilidade dos arquivos
públicos, incluindo os da Ditadura Militar. Esta Lei é coerente
com os direitos garantidos na Constituição: ela concorda
com o acesso pleno à informação.
Cartilha da FEMEH - 9
A Lei estabelece um prazo máximo de sigilo para documentos oficiais
que “afetam a segurança da sociedade e do Estado”. O prazo máximo
de sigilo é de 30 anos, prorrogáveis somente uma única vez pelo mesmo
período. Para os documentos que afetam a “intimidade da pessoa”, a lei
garante 100 anos de sigilo, sem prorrogação.
O Decreto de Fernando Henrique (2002): sigilo eterno e
segurança nacional
Apesar destes dois dispositivos que asseguram o acesso aos arquivos
da ditadura militar (a Constituição e a Lei de Arquivos de 1991), em 2002,
o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso decretou que os
arquivos classificados de “ultra-secretos” poderiam ter seu sigilo
“renovado indefinidamente de acordo com interesse da sociedade e do
Estado”. A Lei de Segurança Nacional, a mesma lei que justificou o
terrorismo de Estado do regime militar, foi resgatada pelo governo de FHC
como argumento para acobertar e manter em eterno segredo e
esquecimento os crimes praticados pelos militares e civis que
comandavam a ditadura. A relação de cumplicidade entre o passado
repressivo e o presente supostamente democrático se revelou por meio
deste Decreto.
A quem interessa o segredo e o silêncio sobre os crimes praticados pelo
regime militar? O sigilo eterno dos arquivos públicos limita profundamente
a reconstituição da memória brasileira, e este Decreto mostrou que o
regime democrático mantém laços de fidelidade com os “anos de
chumbo”. O governo de Fernando Henrique legitimou a lógica perversa
da Anistia recíproca, além de ter cometido uma grave
inconstitucionalidade, impedindo totalmente o acesso aos documentos
considerados “ultra-secretos”, numa classificação determinada pelo
próprio Estado, sem participação da sociedade.
“Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando
pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar toda
escuridão”
Cartilha da FEMEH - 10
O governo Lula:
cúmplice do esquecimento e da impunidade
“Apesar de você
amanhã há de ser outro dia...”
Infelizmente, as promessas de Lula e do Partido dos Trabalhadores se
transformaram em pura ilusão quando foram eleitos à presidência em
2003. Lula, que quando era “oposição” criticou a cumplicidade de FHC
com os coronéis do regime militar, se ajustou às artimanhas do poder com
rapidez. Acabou se tornando um hábil agente do neoliberalismo no Brasil,
manteve as políticas de privatização e de priorização do pagamento da
dívida externa, continuou com os projetos de retirada dos direitos da
classe trabalhadoras, implementando uma série de reformas aprovadas
compulsoriamente. Além disso, seu governo continuou fazendo do
Estado um verdadeiro balcão de negócios da burguesia, deixando o
espaço livre para os mais sujos esquemas de corrupção e de desvios de
verbas públicas.
Um dos aspectos da continuidade entre FHC e Lula, foi o fato de
que em 2005, o governo petista transformou o Decreto de Fernando
Henrique que estabelecia o sigilo eterno dos arquivos públicos em Lei. A
Lei 11.111 de Lula, reafirma a possibilidade do sigilo eterno aos arquivos
públicos, garantindo a cumplicidade entre ditadura e democracia. A Lei
acrescenta a composição fixa para uma Comissão de Averiguação e
Análise de Informações Sigilosas, cujos membros passam a ser: os
chefes da Casa Civil, os chefes do Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República, os Ministros da Justiça, da Defesa e das
Relações Exteriores, o Advogado-Geral da União, o Secretário Especial de
Direitos Humanos, e chefes de missões diplomáticas. Ou seja, uma
comissão formada pelo próprio governo, e só.
Assim, o governo de Lula se mostrou também cúmplice e aliado
dos setores que podem ser incriminados com as informações contidas
nos documentos públicos da ditadura, ou seja, com os militares
responsáveis pela brutal repressão que violentou o país nos “anos de
chumbo”.
A Lei 11.111 está em vigor até agora. Isso significa que uma
Comissão composta exclusivamente por membros do Governo, sem
nenhuma participação popular ou profissional (arquivistas, historiadores),
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arbitra sobre o que é ultra-secreto, e quanto tempo a informação deve ser
escondida da população. Estes membros do governo podem corroborar
com uma prática INCONSTITUCIONAL, de garantir o sigilo eterno de
documentos que, por direito, devem ser postos a público. E isso é feito de
acordo com os interesses particulares dos governantes, sem nenhum
controle popular.
Direito à memória, à história e à verdade
A história é forjada nas malhas do poder, tanto pela memória quanto
pelo esquecimento. O esquecimento oficial interessa sobretudo aos
poderosos culpados por ações criminosas que passaram impunes. No
caso do sigilo dos Arquivos Públicos da ditadura militar, o esquecimento
da população é fundamental para que não haja retaliação e punição
devida aos militares que praticaram as mais violentas atrocidades contra
os direitos humanos.
Como historiadores, temos a responsabilidade de disseminar a defesa
do direito à História, à memória e à verdade, como direitos sociais
inalienáveis. Para além de restringir nossa atividade profissional e impedir
que nós acessemos um material de pesquisa fundamental para o estudo
da história brasileira recente, se trata de uma restrição política gravíssima,
que impede que a população tenha acesso ao seu passado.
Por isso, nós, estudantes de História organizados na Federação do
Movimento Estudantil de História (FEMEH), defendemos a abertura irrestrita
dos Arquivos Públicos da Ditadura Militar, pois assim teremos acesso a
materiais de pesquisa que podem esclarecer o ocorrido nos porões da
ditadura e encontrar os culpados por seus crimes de Estado. Mais do que
isto, só a abertura irrestrita destes arquivos pode garantir o direito à
informação e à memória. Um povo sem memória não tem como
transformar sua própria realidade.
“Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída”
Em tenebrosas transações”
Cartilha da FEMEH - 12
O que é ...?
Revanchismo - O termo revanchismo tem sido usado para criticar a
atitude daqueles que insistem em investigar os casos dos mortos e
desaparecidos pela repressão política e exigem o julgamento dos
responsáveis por tais crimes. A anistia não pode ser impedimento ao
direito à verdade, embora tenha sido uma imposição dos militares ao
processo de "abertura política", este não pode prescindir de ampla
investigação sobre a atuação dos órgãos de repressão durante a
ditadura.
Anistia - Ato do poder público visando extinguir todas as conseqüências
de uma punição aos que foram acusados de crimes políticos.
Terrorismo de Estado - Violência praticada oficialmente, repressão
sistemática exercida pelo Estado sobre sua população. Vigência histórica
em que há restrição de direitos, prisões compulsórias, e um estado jurídico
“de exceção”. Ditadura.
Glossário de filmes sobre as ditaduras
militares na América Latina
CHILE:
A Batalha do Chile a luta de um povo sem armas (parte I: A Insurreição
da Burguesia, parte II: O Golpe Militar, parte III: O Poder Popular) - 1975-79
“Considerado um dos melhores e mais completos documentários latino-americanos, A
Batalha do Chile é o resultado de seis anos de trabalho do cineasta Patrício Guzmán.
Dividido em três partes (A insurreição da burguesia, O golpe militar e O poder popular), o
filme cobre um dos períodos mais turbulentos da história do Chile, a partir dos esforços do
presidente Salvador Allende em implantar um regime socialista (valendo-se da estrutura
democrática) até as brutais conseqüências do golpe de estado que, em 1974, instaurou
a ditadura do general Augusto Pinochet.”
Machuca - 2004
“Gonzalo
Infante e Pedro Machuca são dois garotos de onze anos que vivem em
Santiago. O primeiro, num bairro chique. O segundo, num humilde povoado ilegal
Cartilha da FEMEH - 13
próximo. Dois mundos separados por uma muralha invisível que alguns sonham em
derrubar na intenção de construir uma sociedade mais justa. Um desses sonhadores é o
padre McEnroe, diretor de um colégio particular de elite. Com a ajuda de outros padres,
ele decide fazer uma integração entre estes dois universos, abrindo as portas do colégio
para os filhos das famílias do povoado. É assim que Pedro Machuca vai parar na mesma
sala de Gonzalo Infante, nascendo daí uma amizade plena de descobertas e surpresas,
apesar do clima de enfrentamento que vive a sociedade chilena na violenta transição
de Allende para Pinochet.”
Missing - 1982
“O roteiro é baseado na história de um jornalista estadunidense que é dado como
desaparecido após um golpe militar no Chile. Seu pai, conservador cristão, e sua
esposa, envolvida com as questões sociais, partem em busca da verdade por trás do
desaparecimento. Passando por cima de burocracias, interesses políticos e cadáveres
espalhados pelas ruas, a busca vai se tornando cada vez mais complicada.”
BRASIL:
O ano em que meus pais saíram de férias - 2006
“1970. O Brasil e o mundo parecem estar de cabeça para baixo, mas a maior
preocupação na vida de Mauro, um garoto de 12 anos, tem pouco a ver com a
ditadura militar que impera no país: seu maior sonho é ver o Brasil tricampeão mundial de
futebol. De repente, ele é separado dos pais e obrigado a se adaptar a uma "estranha" e
divertida comunidade - o Bom Retiro, bairro de São Paulo, que abriga judeus e italianos
entre outras culturas. Uma história emocionante de superação e solidariedade.”
Prá Frente Brasil - 1983
“Em 1970 o Brasil inteiro torce e vibra com a seleção de futebol no México, enquanto
prisioneiros políticos são torturados nos porões da ditadura militar e inocentes são vítimas
desta violência. Todos estes acontecimentos são vistos pela ótica de uma família
quando um dos seus integrantes, um pacato trabalhador da classe média, é
confundido com um ativista político e "desaparece".”
O Que É Isso Companheiro? - 1997
“Em 1964, um golpe militar derruba o governo democrático brasileiro e, após alguns
anos de manifestações políticas, é promulgado em dezembro de 1968 o Ato
Constitucional nº 5, que nada mais era que o golpe dentro do golpe, pois acabava com
a liberdade de imprensa e os direitos civis. Neste período vários estudantes abraçam a
luta armada, entrando na clandestinidade, e em 1969 militantes do MR-8 elaboram um
plano para seqüestrar o embaixador dos Estados Unidos (Alan Arkin) para trocá-lo por
prisioneiros políticos, que eram torturados nos porões da ditadura.”
Cartilha da FEMEH - 14
Que Bom Te Ver Viva - 1989
“Uma personagem anônima, interpretada por Irene Ravache, junta os pedaços de um
emocionante desabafo feito por ex-presas políticas, que reconstitui o Brasil de 20 anos
atrás. Apesar de humilhadas e torturadas durante a época da ditadura, elas
conseguiram sobreviver lúcidas e participantes numa sociedade que se manteve
omissa. Através do enfoque cuidadoso de Lúcia Murat, o filme disvia-se da violência
explícita e torna-se um relato emocionante da história dessas mulheres corajosas.”
Cabra Marcado Para Morrer - 1984
“Em fevereiro de 1964 inicia-se a produção de Cabra Marcado Para Morrer, que contaria
a história política do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira,
assassinado em 1962. No entanto, com o golpe de 31 de março, as forças militares
cercam a locação no engenho da Galiléia e interrompem as filmagens.
Dezessete anos depois, o diretor Eduardo Coutinho volta à região e reencontra a viúva
de João Pedro, Elisabeth Teixeira -- que até então vivia na clandestinidade -- e muitos dos
outros camponeses que haviam atuado no filme antes brutalmente interrompido.”
Argentina:
La noche de los lápices" - 1986
“En septiembre de 1976, durante los primeros meses del último gobierno militar en la
Argentina, siete adolescentes de la ciudad de La Plata son secuestrados, torturados y
asesinados a raíz de sus protestas por el aumento del boleto estudiantil.
El film relata estos sucesos desde la voz y presencia de su único sobreviviente.
Basado en un hecho real, este drama es -junto con La historia oficial- uno de los films más
emblemáticos del cine testimonial argentino sobre los crímenes de la sangrienta
dictadura que gobernó el país hasta 1983.”
"História Oficial" - 1983
“En la última etapa de la última dictadura militar argentina, una profesora de historia
comienza a darse cuenta de lo acontecido en el país en los años anteriores.
El retorno de una amiga exiliada, el descubrimiento de los turbios manejos de su esposo y
la aparición de una Abuela de Plaza de Mayo que busca a su nieta son motivos más que
suficientes para que la mujer viva una auténtica toma de conciencia política.
Segundo largometraje de Luis Puenzo, fue el primer film argentino pos dictadura en tratar
con éxito la problemática política del país. Su valentía le hizo ganar muchos premios
internacionales, incluido el Oscar de la Academia de Hollywood al Mejor en lengua no
inglesa.”
Outros filmes argentinos: “Kamchatkca”, "La amiga", "Um muro de silencio”,
“Garagem Olimpo”, "Botín de Guerra".
Cartilha da FEMEH - 15
Essa cartilha foi produzida pela Federação do Movimento Estudantil de História
Músicas usadas na cartilha de: Chico Buarque,Zé Keti e Zeca Afonso.