Volume 17 – número 2 Abril – Junho 2010
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Volume 17 – número 2 Abril – Junho 2010
ISSN: 1809-2950 FISIOTERAPIA e PESQUISA REVISTA DE FISIOTERAPIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL Volume 17 – número 2 Abril – Junho 2010 Fisioterapia e Pesquisa Fisioterapia e Pesquisa em continuação a Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo. Revista do Curso de Fisioterapia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Fofito/FMUSP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor Prof. Dr. João Grandino Rodas Vice-Reitor Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz SECRETARIA Sarah Rúbia Ferreira de Meneses INDEXAÇÃO E NORMALIZAÇÃO BIBLIOGÁFICA Serviço de Biblioteca e Documentação da FMUSP e-mail: [email protected] Faculdade de Medicina Diretor Prof. Dr. Marcos Boulos EDIÇÃO DE TEXTO, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Tina Amado, Alba A. G. Cerdeira Rodrigues e Daniel Carvalho Pixeletra ME Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional IMPRESSÃO Chefe Profa. Dra. Selma Lancman Gráfica UNINOVE Tiragem: 500 exemplares Curso de Fisioterapia Coordenadora Profa. Dra. Carolina Fu FISIOTERAPIA E PESQUISA Fisioterapia e Pesquisa v.17, n.2, abr/jun. 2010 Fisioterapia e Pesquisa / (publicação do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) v.1, n.1 (1994). – São Paulo, 2005. v. : il. Continuação a partir de v.12, n.1, 2005 de Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo. Semestral: 1994-2004 Quadrimestral: a partir do v.12, n.1, 2005 Trimestral: a partir do v.15, n.1, 2008 Sumários em português e inglês ISSN 1809-2950 Curso de Fisioterapia Fofito/FM/USP R. Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP Brasil e-mail: [email protected] http://www.mdpesquisa.com.br/RFP Telefone: 55 xx 11 3091 8416 INSTITUIÇÕES COLABORADORAS INSTITUIÇÕES PARCEIRAS FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO / USP ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL APOIO 1. FISIOTERAPIA/periódicos I. Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Filiada à FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ISSN: 1809-2950 FISIOTERAPIA e PESQUISA REVISTA DO CURSO DE FISIOTERAPIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL Volume 17 – número 2 Abril – Junho 2010 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 97 Fisioterapia e Pesquisa Publicação trimestral do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP Fisioterapia e Pesquisa visa disseminar conhecimento científico rigoroso de modo a subsidiar tanto a docência e pesquisa na área quanto a fisioterapia clínica. Publica, além de artigos de pesquisa originais, revisões de literatura, relatos de caso/s, bem como cartas ao Editor. indexada em: LILACS – Latin American and Caribbean Health Sciences; LATINDEX – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientifícas de Américas; CINAHL – Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature; e SportDiscus. A revista está disponível na íntegra no portal http://www.revistasusp.sibi.usp.br. EDITORES ESPECIALISTAS Ana Cláudia Mattiello-Sverzut – RAL / FMRP / USP Amélia Pasqual Marques Isabel de Camargo Neves Sacco – Fofito / FMUSP Fofito / FMUSP – Depto. Fisioterapia, Jefferson Rosa Cardoso – Depto. Fisioterapia / Univ. Estadual de Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Londrina Faculdade de Medicina / USP Raquel Simoni Pires – Laboratório de Neurociências / Univ. Cidade Rinaldo Roberto de J. Guirro de São Paulo RAL/FMRP/USP – Depto. Biomecânica, Rosângela Corrêa Dias – EEFFTO – Escola Educ. Física, Fisioterapia e Medicina e Reabilitação do Aparelho Terapia Ocupacional / Univ. Federal de Minas Gerais Locomotor, Faculdade de Medicina de Sílvia Maria Amado João – Fofito / FMUSP Ribeirão Preto / USP EDITORES-CHEFES Simone Dal Corso – Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho CORPO EDITORIAL Anamaria Siriani de Oliveira RAL, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP Ribeirão Preto SP Brasil Depto. Engenharia Telecomunicações e Controle Andre Fabio Kohn São Paulo SP Brasil Escola Politécnica / USP Anke Bergmann Curso de Fisioterapia / Centro Univ. Augusto Motta Rio de Janeiro RJ Brasil Armèle Dornelas de Andrade Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de Pernambuco Recife PE Brasil Barbara M. Quaney Medical Center / University of Kansas Kansas City KA EUA Clarice Tanaka São Paulo SP Brasil Fofito / Faculdade de Medicina / USP Cláudia R. Furquim de Andrade Fofito / Faculdade de Medicina / USP São Paulo SP Brasil School of Allied Health and Life Sciences / New York Chukuka S. Enwemeka Nova Iorque NY EUA Institute of Technology École de Réadaptation et GRIS, Faculté de Médecine / Debbie Feldman Montréal QC Canadá Univ. de Montréal Dirceu Costa Brasil Faculdade Ciências da Saúde/ Univ. Metodista de Piracicaba Piracicaba SP Fátima A. Caromano São Paulo SP Brasil Fofito / Faculdade de Medicina / USP Fay B. Horak EUA Neurological Science Institute/ Oregon Health & Science Univ. Portland OR Laboratoire d’Automatique, de Méchanique et d’Informatique, Franck Barbier Le Mont Houy França Industrielles et Humaines / Univ. de Valenciennes Helenice Jane C. Gil Coury São Carlos SP Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos Jan Magnus Bjordal Noruega Dept. Public Health and Primary Health Care / Univ. of Bergen Bergen HD João Carlos Ferrari Corrêa São Paulo SP Brasil Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais Belo Horizonte MG Brasil Marcelo Bigal Dept. of Neurology, Albert Einstein College of Medicine Bronx NY EUA Marco Aurélio Vaz Brasil Escola de Educação Física / Univ. Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre RS Marcos Duarte Escola de Educação Fisica e Esportes / USP São Paulo SP Brasil Maria Ignêz Zanetti Feltrim São Paulo SP Brasil Instituto do Coração, Faculdade de Medicina/ USP Mariano Rocabado Facultad de Odontología / Univ. Andres Bello Santiago RMS Chile Raquel A. Casarotto São Paulo SP Brasil Fofito / Faculdade de Medicina / USP Ricardo Oliveira Guerra Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal Rio Grande do Norte Natal RN Sérgio Teixeira da Fonseca Belo Horizonte MG Brasil EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais Tânia de Fátima Salvini São Carlos SP Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos Vera Lúcia Israel Curso Fisioterapia / Univ. Federal do Paraná – Litoral Matinhos PR Brasil 98 Fisioter Pesq. 2010;17(2) SUMÁRIO CONTENTS Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Editorial PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH Avaliação longitudinal do desenvolvimento motor e da habilidade de sentar em crianças nascidas prematuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 Longitudinal assessment of motor development and sitting skill in preterm infants Cibelle K. M. Roberto Formiga, Maristella E. Nascimento Cezar, Maria Beatriz M. Linhares Desequilíbrios musculares entre flexores dorsais e plantares do tornozelo após tratamento conservador e acelerado da ruptura do tendão calcâneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 Muscle imbalance between ankle dorsiflexor and plantarflexor after conservative and accelerated treatment of Achilles tendon rupture Alexandre Mayer, Viviane Bortoluzzi Frasson, Rafael Ott, Rafael de Oliveira Fortuna, Marco Aurélio Vaz Obesidade em idosos do Município de São Carlos, SP, e sua associação com diabetes melito e dor articular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 Obesity among older people of the City of São Carlos, SP, Brazil, and its association with diabetes mellitus and joint pain Thaís Rabiatti Aurichio, José Rubens Rebelatto, Alessandra Paiva de Castro Força muscular respiratória e capacidade funcional em idosas hipertensas com sonolência diurna excessiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Respiratory muscle strength and physical fitness in hypertensive elderly women with excessive daytime sleepiness Rafaela Pedrosa, Gardênia Holanda Relação entre perfil psicomotor e estilo de vida de crianças de escolas do município de João Pessoa, PB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 Relationship between psychomotor profile and lifestyle among schoolchildren in João Pessoa, PB Neide M. Gomes de Lucena, Larissa Coutinho de Lucena, Paulo O. Rocha de Aragão, Luana G. Bandeira de Melo, Thiago do Valle Rocha, Suellen Marinho Andrade Posicionamento da pelve e lordose lombar em mulheres com incontinência urinária de esforço . . . . . . 130 Pelvis position and lumbar lordosis in women with stress urinary incontinence Thaís H. Prado Araújo, Luciana T. Pereira Francisco, Raquel Freire Leite, Denise Hollanda Iunes Ergoespirometria em indivíduos com escoliose idiopática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 Ergospirometry in individuals with idiopathic scoliosis Maria Elaine Trevisan, Luiz O. Cruz Portela, Eliane Z. Correia de Moraes Força de preensão palmar e pinça digital em diferentes grupos de pilotos da Academia da Força Aérea brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 Grip and pinch strength among different groups of Brazilian Air Force pilots Gláucia Helena Gonçalves, Daniele Aparecida Gomes, Marcela Donatelli M. Teixeira, Suraya G. Novais Shimano, Antonio Carlos Shimano, Marisa de C. Registro Fonseca Fisioter Pesq. 2010;17(2) 99 Pressões respiratórias máximas: equipamentos e procedimentos usados por fisioterapeutas brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 Maximal respiratory pressures: devices and procedures used by Brazilian physical therapists Dayane Montemezzo, Marcelo Velloso, Raquel Rodrigues Britto, Verônica Franco Parreira Efeito de um programa de treinamento funcional no equilíbrio postural de idosas da comunidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Effect of a functional training program on community-dwelling elderly women’s postural balance Lygia Paccini Lustosa, Larissa Alves de Oliveira, Lidiane da Silva Santos, Rita de Cássia Guedes, Adriana Netto Parentoni, Leani S. Máximo Pereira Prevenção de incapacidade na hanseníase com apoio em um manual de autocuidado para pacientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Disability prevention in leprosy using a self-care manual for patients Fernanda C. Batista Rodini, Mayara Gonçalves, Ana Regina de S. B. Barros, Nilton Mazzer, Valéria M. Carril Elui, Marisa de C. Registro Fonseca Efeitos do ultra-som terapêutico contínuo sobre a proliferação e viabilidade de células musculares C2C12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 Effects of continuous therapeutic ultrasound on proliferation and viability of C2C12 muscle cells Paola Pelegrineli Artilheiro, Elisangela Nascimento Oliveira, Crislene Sampaio Viscardi, Manoela Domingues Martins, Sandra Kalil Bussadori, Kristianne P. Santos Fernandes, Raquel A. Mesquita-Ferrari RELATO DE CASOS CASE REPORT Adaptação à prótese híbrida de extremidade superior: estudo termográfico de um caso . . . . . . . . . 173 Adaptation to upper extremity hybrid prosthesis: a thermographic case study Soraia C. Tonon da Luz, Thessaly Puel de Oliveira, Mário César de Andrade, Aluísio O. Vargas Ávila, Francisco J. Berral de la Rosa REVISÃO REVIEW Instrumentos de avaliação da função de membros superiores após acidente vascular encefálico: uma revisão sistemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178 Upper limb functional outcome instruments for poststroke patients: a systematic review Natália Sperandio Cavaco, Sandra Regina Alouche O movimento funcional de alcance em uma abordagem ecológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184 An ecological approach to the human functional reaching movement Renata C. Magalhães Lima, Lucas Rodrigues Nascimento, Luci F. Teixeira-Salmela Instruções para os autores .................................................................................................................................................... 190 Ficha de assinatura ................................................................................................................................................................ 192 100 Fisioter Pesq. 2010;17(2) EDITORIAL EDITORIAL O trabalho em equipe do processo editorial A publicação de uma revista científica depende de inúmeros colaboradores de diversas áreas profissionais. O processo se inicia com os pesquisadores enviando os manuscritos para avaliação, passando pela estrutura administrativa da secretaria, a qual viabiliza o andamento do processo desde o recebimento dos manuscritos até a publicação final, tendo a participação, nessas etapas, dos editores especialistas, pareceristas, editores-chefes e o pessoal da preparação de texto e produção gráfica. Não se pode deixar de mencionar a valiosa contribuição que o corpo editorial tem prestado à revista. É nesse contexto que fui gentilmente convidado pela profa. Dra. Amélia P. Marques para participar da editoria da revista Fisioterapia e Pesquisa. Assim, a partir de agora estarei assumindo juntamente com a profa. Amélia o cargo de editor-chefe da revista, buscando cumprir seus objetivos – divulgar a produção científica da Fisioterapia e outras áreas da saúde – contribuindo assim com o desenvolvimento da Fisioterapia no país. Apesar de gratificante, esse cargo implica um grande grau de responsabilidade. Tenho consciência da complexidade e diversidade das atividades e imprevistos que me aguardam no transcorrer desse processo, mas tenho convicção de que juntos poderemos aprimorar ainda mais a revista. Para que essas atividades possam ser desenvolvidas com êxito, é importante lembrar a necessidade de apoio financeiro de que a revista necessita, atualmente originário das assinaturas, da Universidade de São Paulo (Programa de Apoio às Publicações Científicas Periódicas da Universidade de São Paulo) e da Universidade Nove de Julho. Com o cancelamento, em 2007, do apoio financeiro concedido pelo Crefito-3, iniciou-se uma discussão com a atual administração do Coffito que, recentemente, publicou a Resolução no. 375, de 14 de maio de 2010, dispondo sobre o procedimento e fixação de critérios mínimos para a concessão de auxílio financeiro por parte do Coffito a revistas, boletins, periódicos e outros meios de divulgação de artigos científicos. Parabenizo a iniciativa do Coffito em apoiar as revistas científicas, as quais têm um papel importante na atualização profissional – o que, por conseqüência, traz melhor assistência ao paciente. Convido a todos, pesquisadores, pareceristas e editores a estreitarem os vínculos com a revista Fisioterapia e Pesquisa para que possamos aumentar sua inserção no cenário acadêmico nacional. Prof. Dr. Rinaldo Guirro Co-editor chefe Fisioter Pesq. 2010;17(2) 101 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.102-7, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Avaliação longitudinal do desenvolvimento motor e da habilidade de sentar em crianças nascidas prematuras Longitudinal assessment of motor development and sitting skill in preterm infants Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga1, Maristella Elias Nascimento Cezar2, Maria Beatriz Martins Linhares3 Estudo desenvolvido no Hospital Materno-Infantil de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil 1 Fisioterapeuta; Profa. Dra. adjunta da Universidade Estadual de Goiás 2 Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia em Pediatria e Neonatologia 3 Profa. Livre-docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de SãoPaulo, Ribeirão Preto, SP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Cibelle K. M. R. Formiga R. Mamoré Qd F-6, Lt 12 Residencial Araguaia Alphaville Flamboyant 74883-015 Goiânia GO e-mail: [email protected] Este estudo recebeu apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás. APRESENTAÇÃO ago. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2010 102 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):102-7 RESUMO: Os bebês prematuros apresentam maior risco para atrasos na aquisição das habilidades neuromotoras. O objetivo do estudo foi detectar atrasos no desenvolvimento motor de crianças prematuras com baixo peso, analisar a evolução da habilidade do sentar e verificar a associação entre essa habilidade com outras aquisições motoras até os 8 meses de idade corrigida (IC). Foram avaliadas 10 crianças nascidas pré-termo, de ambos os sexos, dos 4 aos 8 meses de IC, pela escala motora infantil de Alberta AIMS (Alberta Infant Motor Scale). Cada criança foi avaliada três vezes, aos 4 para 5 meses, 5 para 6 meses, e 7 para 8 meses; os escores foram comparados para verificar alterações ao longo do tempo e identificação de possíveis atrasos no desenvolvimento motor. Os resultados mostram que, aos 7 para 8 meses, 30% das crianças apresentaram desenvolvimento motor atrasado e foram encaminhadas para tratamento fisioterapêutico. A habilidade de sentar foi melhorando progressiva e significativamente com a idade, tendo se mostrado fortemente correlacionada com outras posturas do desenvolvimento motor e com o escore total na AIMS. DESCRITORES: Desenvolvimento infantil; Movimento; Prematuro A BSTRACT : Preterm-born infants present higher risks of delayed neuromotor development. This study aimed at detecting delayed motor development in preterm, low-birthweight infants, by analysing development of the sitting skill in association to other motor development acquisitions until corrected age (CA) of 8 months. Ten preterm infants of both sexes were assessed by the AIMS – Alberta Infant Motor Scale from ages 4 to 8 months. Each child was evaluated three times, at 4-to-5 months, 5-to-6 months, and at 7-to-8 months CA; their scores were compared to verify changes over time and identify possible delays in motor development. Results show that at the age of 7-to-8 months, 30% of the children had delayed motor development and were referred for physical therapy treatment. The pace of sitting skill development increased gradually and significantly along the age; and strong correlations were found between the ability to sit and other motor development postures, and the total AIMS score. KEY WORDS: Child development; Infant, premature; Movement Formiga et al. Desenvolvimento motor de prematuros INTRODUÇÃO ciais para as aquisições do rolar, sentar e andar independente14,15. panhamento destinado a bebês de risco do Hospital. Avanços nos cuidados perinatais e neonatais nas últimas décadas têm reduzido a taxa de mortalidade entre as crianças nascidas prematuramente, especialmente pela utilização das modernas técnicas de ventilação assistida, terapia com esteróides na gestação e surfactante exógeno1. Contudo, devido à imaturidade de órgãos e sistemas, o nascimento prematuro vem associado a uma série de fatores de risco que tornam a criança vulnerável a atrasos e seqüelas no processo de desenvolvimento. Dentre os fatores de risco destacam-se o muito baixo peso ao nascer (<1500 g), presença de problemas respiratórios, infecções neonatais e hemorragias periintraventriculares, que podem agravar o estado de saúde e prolongar o tempo de internação hospitalar da criança2. Sentar independente é uma postura que a criança adquire entre o 6o e o 7o mês de vida e que permanece; não é uma postura de locomoção, como o engatinhar e a marcha, mas é uma postura estabilizadora necessária ao desenvolvimento do equilíbrio, coordenação e controle motor, exigindo controle muscular estático e dinâmico15,16. Em crianças prematuras com problemas no desenvolvimento motor a habilidade de sentar-se independente pode se tornar um desafio, especialmente naquelas que apresentam alteração do tônus, falta de equilíbrio, alteração sensorial tátil, alteração na percepção espacial e visão subnormal. Portanto, a análise da habilidade de sentar pode atuar como fator de prognóstico para as demais habilidades motoras no primeiro ano de vida17. Os critérios de inclusão para o estudo foram: prematuridade (idade gestacional < 37 semanas), baixo peso ao nascer (<2.500 g); autorização dos pais ou responsáveis das crianças em participar da pesquisa. Foram excluídas do estudo as crianças que apresentavam malformações ou infecções congênitas, síndromes genéticas, deformidades ortopédicas, distúrbios sensoriais, ou cujos pais ou responsáveis não autorizaram a participação na pesquisa. Os pais que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e levaram as crianças para avaliações em três datas agendadas. Diversos estudos têm sido realizados para investigar o desenvolvimento dessas crianças considerando os aspectos motores, cognitivos, sociais e comportamentais3-7. Uma revisão recente sobre a avaliação do desenvolvimento de crianças prematuras revelou que a área motora é a mais investigada entre os pesquisadores e, quanto à idade da criança, as primeiras avaliações focalizam os seis primeiros meses de vida8. A detecção de problemas no desenvolvimento motor no primeiro ano de vida tem alto valor preditivo para problemas a médio e longo prazo9,10. A quantidade e qualidade das habilidades motoras fornecem informações sobre a integridade dos sistemas orgânicos e são consideradas indicadores importantes para o acompanhamento da saúde física e mental da criança nascida pré-termo10,11. Nesse sentido, avaliar os marcos do desenvolvimento nos primeiros meses de vida configura-se como medida preventiva para o encaminhamento dessas crianças a intervenções necessárias12,13. Os objetivos do presente estudo foram detectar eventual atraso no desenvolvimento motor de crianças nascidas prétermo até os 8 meses de idade corrigida, pela análise da evolução da habilidade do sentar e de sua possível associação com outras aquisições motoras. No processo do desenvolvimento motor normal, a criança deve ser capaz de realizar padrões de movimentos controlados no tronco, membros superiores e inferiores que são necessários para o desempenho das habilidades funcionais. O alinhamento biomecânico e a ativação muscular do tronco nos primeiros meses de vida são componentes essen- METODOLOGIA O estudo foi prospectivo, cujos participantes foram 10 crianças pré-termo com baixo peso ao nascer, de ambos os sexos (sendo cinco meninos e cinco meninas), avaliadas no Hospital Materno Infantil (HMI) de Goiânia. Essas crianças foram selecionadas de uma amostra de 23 que estavam com pelo menos 3 meses de idade corrigida (IC) à época da pesquisa, chegando a uma amostra de 10 crianças com pelo menos 4 meses de IC à época da primeira avaliação. Todas as crianças tiveram suas idades corrigidas para o termo (40 semanas, como preconizado pela Organização Mundial de Saúde). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal do Hospital Geral de Goiânia, ao qual o HMI é vinculado. Essas crianças, consideradas bebês de risco para problemas no desenvolvimento por apresentarem complicações adversas devido à prematuridade e baixo peso, freqüentavam o serviço de acom- Para a coleta dos dados das crianças foram utilizados os seguintes instrumentos: roteiro de anamnese, contendo informações sobre a gestação, parto e pósparto e dados da condição clínica do neonato; critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa18 para a classificação econômica das famílias das crianças; a escala motora infantil de Alberta AIMS (Alberta Infant Motor Scale)19, pela qual foram registradas as habilidades motoras adquiridas pelas crianças, durante a pesquisa nas posturas prona, supina, sentada e em pé. A aplicação da AIMS foi feita três vezes, sendo a primeira quando as crianças tinham entre 4 e 5 meses de IC, a segunda entre 5 e 6 meses e a terceira entre 7 e 8 meses (optou-se por essa indicação porque as crianças não tinham exatamente a mesma idade no momento de cada avaliação). A AIMS é composta por 58 itens agrupados em quatro subescalas em que se registram a movimentação espontânea e as habilidades motoras em posições básicas – prono (21 itens), supina (9 itens), sentada (12 itens) e em pé (16 itens) –, considerando comportamentos mais e menos maduros. Quanto mais elevada a pontuação, melhor o desenvolvimento da criança de acordo com sua idade. O manual de aplicação da AIMS fornece uma tabela normativa que permite classificar o desenvolvimento da criança, conforme o escore, em três níveis: normal ou típico, suspeito, ou atrasado. O percentil 10 foi recomendado como ponto de corte com níveis aceitáveis de Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):102-7 2010;17(2) 103 Tabela 1 Normal Suspeito Atraso 60 50 Porcentagem (%) 50 40 Característica Sexo (masculino/feminino) 50 40 n 5/5 Parto cesáreo/normal 5/5 média±dp Idade gestac (semanas) 32,8±1,7 Peso ao nascer (g) 1508,0±271,5 Apgar no 1o minuto 6±2 8±1 Apgar no 5o minuto Dias de internação 38±14 40 30 30 30 30 20 20 10 10 gestac = gestacional; dp = desvio padrão 0 14a (4-5 meses) a 5 meses 2a (5-6 5 a meses) 6 meses RESULTADOS 3a (7-8 7 ameses) 8 meses Avaliação Gráfico 1 Distribuição das crianças segundo a classificação de desenvolvimento motor pela escala AIMS nas três avaliações Para a avaliação motora, a criança foi despida, ficando apenas de fralda, e colocada na maca de avaliação. A criança ficou um determinado tempo em cada postura enquanto lhe eram oferecidos brinquedos para que se pudesse observar os descritores-chave de cada postura (subescala). A avaliação teve duração de 10 a 15 minutos. Todas as crianças foram avaliadas em estado comportamental alerta ativo20 e os pais poderiam auxiliar a avaliação, apresentando os brinquedos para a criança. Todo o procedimento de aplicação da AIMS foi gravado em vídeo com auxílio de assistente de pesquisa. Os vídeos foram posteriormente analisados por três avaliadoras, fisioterapeutas com experiência na área de desenvolvimento infantil; seu treinamento foi realizado conforme preconiza o manual da escala AIMS. Todas assistiram os vídeos dos bebês e atribuíram pontuação de forma independente, ou seja, desconhecendo as das demais. O estudo de concordância foi feito mediante a verificação, item por item, da pontuação de cada avaliadora; para cada bebê analisado, o número de itens em que as três concordaram foi dividido pelo número total de itens analisados e o resultado foi multiplicado por 100. Obteve-se um resultado final de 93% de concordância quanto à pontuação na escala AIMS. Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):102-7 Os resultados foram tratados utilizando-se: análise estatística descritiva, para o cálculo de média, desvio padrão e freqüência; análise de variância Anova unidirecional com medidas repetidas, para comparação das avaliações; e o teste de correlação de Spearman para verificar a associação entre variáveis da criança e seu desenvolvimento. Todos os dados foram processados no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Em todas as análises foi adotado o nível de significância de 5% (p=0,05). Pontuação média na postura sentada especificidade e sensibilidade na AIMS21. 104 Caracterização das crianças da amostra (n=10) 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 As características de nascimento das crianças encontram-se na Tabela 1. Quanto à caracterização das famílias da amostra, 90% são das classes sociais C e D; as mães das crianças tinham idade média de 28 anos, com nível médio de escolaridade, sendo 70% do lar. Os resultados do desenvolvimento motor das crianças de acordo com a classificação na escala AIMS encontram-se na Figura 1. As crianças que continuaram com desenvolvimento em atraso na última avaliação foram encaminhadas para tratamento fisioterapêutico. Os resultados da evolução da habilidade de sentar da amostra são apresentados na Figura 2. A média da pontuação * * * 4 meses 6 meses 1a (4-5 meses) 2a (5-6 meses) 8 meses 3a (7-8 meses) Avaliação Gráfico 2 Pontuação bruta média na escala AIMS na postura sentada nas três avaliações; * = diferença significativa (p<0,005) entre as avaliações Formiga et al. Tabela 2 Avaliação da PS 1a Desenvolvimento motor de prematuros Correlações (r, p) entre a pontuação na postura sentada (PS) com a pontuação em outras posturas nas três avaliações pela AIMS Avaliação Postura Em prono Em supino 1a (4-5 meses) Em pé Total a 2 (5-6 meses) Em prono 3a (7-8 meses) Total r p 0,87 0,72 0,74 0,88 0,64 0,69 0,001 0,020 0,010 0,001 0,050 0,028 para o 8o mês, essa proporção reduziu-se para 30%. Observa-se que houve melhora nas habilidades motoras das crianças no decorrer do desenvolvimento, podendo estar relacionada à maturação dos sistemas orgânicos e ganho ponderal da criança, associados a fatores de influência ambiental. Estudo anterior avaliou 42 bebês pré-termo de Total baixo peso pela escala de desenvolvimento do Em prono a a comportamento da crian2 2 (5-6 meses) Em supino ça (EDCC), aos 6 e 11 Total meses de idade, tendo Em prono verificado que 35% de a 3 (7-8 meses) Em pé crianças apresentaram siTotal nais de risco ou atraso23. Em prono 0,77 0,009 Halpern et al.24 avaliaram 1a (4-5 meses) Em supino 0,66 0,040 1.363 crianças, das Total 0,77 0,008 quais 34% apresentaram 3a Em prono 0,90 <0,0001 teste de Denver II (suspei2a (5-6 meses) Total 0,80 0,005 to de atraso no desenvolEm prono 0,82 0,004 vimento) aos 12 meses a 3 (7-8 meses) Total 0,88 0,001 de idade; dentre os fatores de risco da amostra, na postura sentada aumentou de forma identificaram a prematuridade e o baisignificativa ao longo das três avaliações. xo peso ao nascer24. Os resultados desOs resultados da associação entre a ses autores confirmam os achados enpontuação na postura sentada com as contrados no presente estudo, em que a demais posturas e com a pontuação to- taxa de atraso dos bebês pré-termo aos tal na AIMS são apresentados na Tabela 8 meses foi de 30%. Uma pesquisa com 14 2. A postura sentada, em todas as ida- 46 crianças , também utilizando a esdes avaliadas (dos 4 aos 8 meses), apre- cala AIMS, relatou que 20% da amostra sentou altos coeficientes de correlação foi encaminhada para tratamento fisiocom as demais aquisições motoras e com terapêutico durante o primeiro ano de vida por apresentar atraso no desenvolo escore total da AIMS. vimento motor, tendo como referência a idade corrigida – novamente, em acordo com o presente estudo. Em outra pesquisa25, crianças com muito baixo peso Conforme o delineamento proposto, ao nascimento (<1.500g) apresentaram cada criança foi avaliada em três moneuromotor mentos. O acompanhamento longitudi- atraso noo desenvolvimento o entre o 4 e o 7 mês de idade. nal da criança é considerado a forma Em prono 1a (4-5 meses) Em supino 0,83 0,82 0,86 0,85 0,68 0,89 0,84 0,65 0,85 0,003 0,003 0,001 0,001 0,030 0,001 0,002 0,040 0,002 DISCUSSÃO mais adequada para detectar problemas no desenvolvimento, pois uma única avaliação pode levar a falha no diagnóstico22. Em relação à classificação do desenvolvimento, 40% das crianças apresentaram desenvolvimento motor atrasado entre os 4 e 6 meses; na passagem do 7o A validade do teste AIMS foi investigada utilizando outros testes padronizados tradicionais de desenvolvimento infantil21; a AIMS demonstrou melhor especificidade preditiva aos 8 meses de idade – o que coincide com a idade da última avaliação das crianças neste estudo. De acordo com os presentes resultados, a média da pontuação na postura sentada foi aumentando progressiva e significativamente com o avançar da idade da criança. Isso pode ser atribuído a fatores ligados ao organismo da criança em resposta às exigências do ambiente, aos estímulos oferecidos e às mudanças de postura. De acordo com a idade e a maturação neurológica das crianças, novas habilidades motoras vão surgindo e a pontuação na AIMS aumenta, servindo como um indicador de mudança ao longo do tempo19. Em estudo anterior26, os prematuros apresentaram seqüência progressiva de aparecimento de habilidades motoras em todas as posturas estudadas (prona, supina, sentada, em pé), a qual ocorreu de forma variável, expressa pelo percentil médio de 43,2% a 45,7%, mas dentro dos limites de normalidade previstos pela AIMS. As associações encontradas neste estudo entre a habilidade de sentar com as outras aquisições do desenvolvimento motor revela que a postura sentada se reflete na evolução das habilidades motoras como um todo. Houve maior correlação da postura sentada com a postura prona em cada idade avaliada. Isso condiz com o trabalho muscular realizado na postura prona, em que os bebês necessitam ativar os músculos extensores para o controle postural da cabeça e do tronco superior. O bebê prétermo apresenta um desequilíbrio entre os grupos musculares flexores e extensores, o que pode interferir no desenvolvimento do controle de cabeça, no equilíbrio sentado, na aquisição de habilidades e na coordenação bilateral27, reforçando a importância da postura sentada para o desenvolvimento motor. É importante ressaltar que cada criança é um indivíduo com padrão e ritmo de desenvolvimento de habilidades ligeiramente diferentes. As escalas servem como guia, pois cada criança pode desenvolver habilidades antes ou depois do que é previsto28. A seqüência de aquisição de habilidades é geralmente invariável na primeira infância e na infância, mas o ritmo de aquisição difere de criança para criança29. Nesse caso, o desenvolvimento motor não se deve apenas à maturação neurológica, mas também a um sistema auto-organizado que envol- Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):102-7 2010;17(2) 105 ve a tarefa, o ambiente e o indivíduo29,30. A velocidade com que a criança aprende a posição sentada independente parece depender da forma pela qual ela experimenta a posição, além dos estímulos oferecidos pelos pais13. Assim, entende-se que o desenvolvimento motor, bem como a aquisição da postura sentada, dependem da interação do organismo, ambiente e da tarefa. Deve-se levar em conta que a AIMS é uma escala motora validada e padronizada para crianças canadenses e este estudo apresenta uma amostra de crianças brasileiras, nascidas em Goiânia. O presente estudo adotou a correção da idade gestacional para 40 semanas para possibilitar a avaliação do desenvolvimento motor do pré-termo, por meio de comparação com o bebê a termo. Alguns autores14,31 reforçam a correção da idade gestacional como fator necessário na análise do desenvolvimento motor de bebês prematuros no primeiro ano de vida. Estes resultados reforçam a necessidade de que as crianças de risco sejam acompanhadas em programas de seguimento multiprofissionais com pares de mães e bebês nascidos pré-termo8,12. Quanto mais precocemente forem detectados atrasos no desenvolvimento motor, maiores serão as chances de intervir de forma efetiva, possibilitando o desenvolvimento adequado dessas crianças12,13. Como limitações do presente estudo, destacam-se a questão do tamanho da amostra e a ausência de grupo controle, composto por bebês nascidos a termo. Apesar do pequeno tamanho amostral, verifica-se que o grupo de crianças avaliadas apresentou homogeneidade quanto às características biológicas e socioeconômicas. Além disso, a falta de padronização do desenvolvimento motor de crianças brasileiras levou o presente estudo a uti- lizar os parâmetros de classificação do desenvolvimento motor com os dados normativos dos bebês canadenses do instrumento utilizado. Entretanto, o fato de estudar o desenvolvimento das crianças em três idades permitiu verificar mudanças ao longo do tempo, permitindo uma análise mais confiável do desenvolvimento motor da amostra. Estudos futuros poderão investigar relações entre o perfil das crianças e os fatores de risco para o desenvolvimento, e ainda, outros aspectos do desenvolvimento em crianças nascidas prematuramente. CONCLUSÃO Este estudo permitiu detectar atrasos no desenvolvimento motor de crianças prematuras nascidas com baixo peso até o 8o mês de idade corrigida, principalmente no que se refere à habilidade de sentar. REFERÊNCIAS 1 Hermeto F, Martins BM, Ramos JR, Bhering CA, Sant'anna GM. 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Pesq. 2010;17(2):102-7 2010;17(2) 107 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.108-13, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Desequilíbrios musculares entre flexores dorsais e plantares do tornozelo após tratamento conservador e acelerado da ruptura do tendão calcâneo Muscle imbalance between ankle dorsiflexors and plantarflexors after conservative and accelerated treatment of Achilles tendon rupture Alexandre Mayer1, Viviane Bortoluzzi Frasson2, Rafael Ott3, Rafael de Oliveira Fortuna4, Marco Aurélio Vaz5 Estudo desenvolvido no Setor de Plasticidade Neuromuscular do Laboratório de Pesquisa do Exercício da Esef/UFRGS – Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil 1 Fisioterapeuta; Prof. Especialista da Esef/UFRGS 2 Fisioterapeuta; Profa. Ms. da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 3 Médico Ms. do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Lucas da PUCRS 4 Fisioterapeuta; doutorando na University of Calgary, Calgary, AB, Canadá 5 Educador físico; Prof. Dr. da Esef/UFRGS ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Alexandre Mayer Laboratório de Pesquisa do Exercício/ Esef/UFRGS R. Felizardo 750 Jardim Botânico 90690-200 Porto Alegre RS e-mail: [email protected] Este estudo recebeu apoio financeiro do Curso de Especialização em Cinesiologia da Esef/UFRGS APRESENTAÇÃO maio 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 108 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):108-13 RESUMO: A ruptura do tendão calcâneo (TC) reduz a sobrecarga mecânica dos flexores plantares (FP) do tornozelo. Essa alteração muda o equilíbrio natural entre os FP e flexores dorsais (FD) do tornozelo. O objetivo do estudo foi avaliar as razões isocinéticas concêntricas convencionais de torque de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de ruptura aguda do TC após dois protocolos diferentes de reabilitação. Após procedimento cirúrgico para reconstrução do TC, a amostra foi dividida de forma intencional em dois grupos: conservador (GC, 11 homens, 41,3±7,9 anos) e grupo acelerado (GA, 13 homens, 43,5±13,7 anos). O GC permaneceu com imobilização gessada no tornozelo por seis semanas (tratamento tradicional), enquanto o GA usou uma órtese robofoot em posição neutra e, após duas semanas, iniciou mobilização e apoio precoce do tornozelo, com reabilitação por seis semanas. Após 3 meses de pós-operatório, a razão do torque concêntrico máximo dos FD pelos FP do tornozelo foi avaliada por dinamômetro isocinético. As razões de torque do lado operado se mantiveram superiores às do lado saudável mesmo após 3 meses de pós-operatório (p<0,05). Não foi encontrada diferença no equilíbrio muscular entre os grupos. Pode-se concluir que os dois grupos requerem um período mais longo de reabilitação para recuperar o equilíbrio natural do tornozelo no lado operado. DESCRITORES: Músculo esquelético; Ruptura/reabilitação; Tendão do calcâneo/ lesões; Torque ABSTRACT: Achilles tendon rupture reduces ankle plantarflexor (PF) muscles mechanical overload. This change in the ankle joint mechanics changes the natural muscle balance between dorsiflexor (DF) and PF muscles. The purpose of this study was to assess such imbalance by concentric conventional isokinetic torque ratios of patients who underwent different rehabilitation protocols after surgical repair of the Achilles tendon. After surgery, subjects were assigned to either a conservative or to an accelerated rehabilitation group. The conservative group (11 men, 41.3±7.9 years old) remained with a plaster cast for 6 weeks after surgery. The accelerated group (13 men, 43.5±13,7 years old) used a “robofoot” cast for 2 weeks and underwent ankle mobilization and early weight bearing for a period of 6 weeks postimmobilization. At 3 months post-surgery the ratio between the maximal concentric DF torque and the maximal concentric PF torque was evaluated with an isokinetic dynamometer. Torque ratios on the surgery side were higher (p<0.05) than on the sound side in both groups. No differences of muscle balance could be found between the groups. These results suggest that both groups require further rehabilitation to regain the natural muscle balance between surgery-side ankle DF and PF muscles. KEY WORDS: Achilles tendon/injuries; Muscle, skeletal; Rupture/rehabilitation; Torque Mayer et al. Desequilíbrio muscular após ruptura do tendão INTRODUÇÃO O tendão do calcâneo (TC) é o maior e mais resistente tendão do corpo humano. É formado pela porção distal dos músculos gastrocnêmios e solear, e tem a função de transmitir força desses músculos à porção posterior do calcâneo, determinando a flexão plantar (FP) do tornozelo1. As rupturas agudas do TC são relativamente comuns, com uma incidência estimada em 18/100.000 pessoas1. Essa incidência aumentou nos últimos 50 anos1-3, devido ao interesse crescente por atividades recreacionais relacionadas ao esporte. Entre 81 e 89% das rupturas do TC ocorrem durante a prática desportiva1,3. Constituem uma fonte substancial de prejuízo social e funcional, afetando primariamente indivíduos adultos do sexo masculino entre a 4a e 5a décadas de vida4. Imediatamente após a lesão, acompanhada por estalido, é relatada dor súbita e intensa na porção posterior do tornozelo. Essa dor pode diminuir rapidamente, induzindo o paciente a uma sensação de lesão menor4. O diagnóstico ao exame físico pode ser estabelecido pela presença de três achados comuns: diminuição da força de FP do tornozelo, depressão palpável e geralmente visível no TC, e teste de Thompson positivo (que consiste na aplicação de pressão circunferencial à porção mais volumosa dos músculos gastrocnêmio e sóleo4). Apesar de atribuir-se a ruptura do TC à atividade esportiva, lesões intrínsecas determinam redução de sua resistência mecânica5, contribuindo para a ruptura; em 25% dos pacientes com rupturas agudas observou-se alguma forma de processo inflamatório prévio em seus tendões5. Estudo histopatológico em TCs com ruptura espontânea revelou evidências de lesão prévia (97% dos casos envolveram degeneração mucóide, lipomatosa, isquêmica ou calcificações, e nos 3% restantes foi verificada a presença de infiltração tumoral ou artropatia inflamatória), incluindo o uso de esteróides como fator associado às rupturas espontâneas6. O princípio básico do tratamento cirúrgico é a restauração durável da con- tinuidade do TC rompido, proporcionando cicatrização em posição fisiológica e restauração da função muscular7. No pós-operatório (PO) clássico ou conservador, a articulação e a tenorrafia (sutura do TC) são protegidos e imobilizados com aparelho gessado por 6 semanas, após as quais se inicia programa de exercícios. Apesar dos benefícios desse método – principalmente em pacientes sem condições de suporte domiciliar para os cuidados PO, pois o gesso assegura a estabilidade do tecido suturado, protegendo-o de eventuais traumatismos ou quedas – a imobilização de qualquer segmento leva a perdas musculares e dos tecidos moles em torno da articulação7. Os tecidos conjuntivos fibrosos densos (como ligamentos, tendões) e músculos são sensíveis tanto ao treinamento quando à redução do uso (imobilização)8. A supressão e/ou a redução das cargas devido à imobilização produz uma deterioração rápida nas propriedades bioquímicas e mecânicas dos tendões 8. Além disso, o desuso prolongado gera atrofia e rigidez9,10. Em função desses efeitos deletérios da imobilização póscirúrgica, autores vêm preconizando a utilização da mobilização e apoio precoce na reabilitação11-13. Um programa de reabilitação precoce parece devolver aos tecidos musculoesqueléticos as propriedades mecânicas em uma rápida adaptação desses tecidos ao retorno da sobrecarga mecânica. Como os FP e flexores dorsais (FD) do tornozelo recebem demandas ou sobrecargas mecânicas diferentes nas atividades de vida diárias, eles apresentam um desequilíbrio que é natural, decorrente das adaptações às suas demandas funcionais respectivas. Nesse sentido, os FP apresentam maior área de seção transversa fisiológica que os FD, e, portanto, maior capacidade de gerar força. Uma das formas de avaliar esse desequilíbrio natural é através de razões entre o torque isocinético máximo concêntrico de grupos musculares antagonistas. Esse desequilíbrio fisiológico na atividade muscular é extremamente importante no trabalho de ligamentos, que promovem estabilidade articular e controle do movimento14. Em indivíduos sedentários essa razão do torque concêntrico dos FD pelo torque dos FP (obtida em uma ve- locidade angular de 60°/s) é de 0,26 para ambos os lados, dominante (D) e nãodominante (ND)15. Entretanto, esse desequilíbrio natural é alterado em atletas de algumas modalidades esportivas em razão das diferentes demandas funcionais a que os mesmos são submetidos durante a prática esportiva14. Em ciclistas, por exemplo, a razão de torque concêntrica foi de 0,26 no lado D e de 0,23 no lado ND (semelhante aos valores normais), enquanto em ginastas essas razões são de 0,35 para o lado D e 0,36 para o lado ND (valores superiores aos normais). Jogadores de futebol apresentam valores semelhantes aos ginastas (0,31 para o lado D e 0,33 para o lado ND)16. Esses resultados demonstram a existência de um aumento do desequilíbrio muscular natural decorrente das demandas funcionais da prática esportiva. Essas razões também são alteradas após intervenções clínicas. Duas semanas de imobilização em sujeitos com fratura de tornozelo, por exemplo, determinaram uma atrofia dos FD em 18,9% e 24,4% dos FP7, demonstrando que o processo de redução do uso altera a capacidade de produção de força, que essa alteração ocorre de maneira diferente entre grupos musculares antagonistas, e que essa diferença na redução da força altera as razões de torque do tornozelo. Nesse sentido, a ruptura do TC deveria aumentar as razões convencionais de torque em função da perda de massa muscular (sarcopenia) decorrente do processo de lesão dos FP, que acarreta uma redução do uso desse grupo muscular. Não foram encontrados na literatura estudos que avaliaram os desequilíbrios musculares dos músculos do tornozelo após sutura do TC ou estudos que avaliaram as razões de torque entre pacientes submetidos a tratamento conservador e pacientes submetidos a um protocolo acelerado de reabilitação dessa lesão. O objetivo do presente estudo foi avaliar as alterações no desequilíbrio natural da musculatura do tornozelo por meio das razões isocinéticas concêntricas convencionais de pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução do TC. Além disso, procurouse determinar se um protocolo acelerado de reabilitação produziria um retorno mais rápido dessas razões a valores normais, quando comparado a um protocolo conservador (imobilização). A Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):108-13 2010;17(2) 109 hipótese inicial do estudo era de que o lado operado apresentaria razões de torque maiores que 0,26. Além disso, esperava-se que as razões de torque do grupo conservador fossem maiores do que as razões do grupo submetido ao protocolo de reabilitação acelerado, que seriam mais próximas de 0,26, demonstrando assim um desequilíbrio muscular mais próximo dos valores normais após a reabilitação. METODOLOGIA Todos os procedimentos do estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Lucas da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Todos os sujeitos assinaram um termo de consentimento esclarecido após receberem as informações referentes aos objetivos do estudo, riscos e benefícios. Para participar do estudo os sujeitos deveriam ter diagnóstico de ruptura aguda total do TC e sido submetidos a tratamento cirúrgico com método de sutura término-terminal (com quatro pontos – loops, como descrito pela técnica de sutura direta Krackow17), feito pelo Setor de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados pelo mesmo cirurgião a fim de garantir que a mesma técnica fosse utilizada em todos os pacientes. A amostra foi dividida de forma intencional em dois grupos: grupo conservador (CON) e acelerado (ACE), segundo a freqüência ou não ao programa de reabilitação: pacientes residentes em outro município foram incluídos no grupo CON, devido à impossibilidade de comparecimento ao hospital para a reabilitação, tendo recebido orientações de exercícios a serem feitos em domicílio; os pacientes do grupo ACE eram residentes na região metropolitana de Porto Alegre que concordaram em participar do programa de reabilitação. O grupo CON foi composto por 11 homens, com média de idade de 41,3±7,9 anos; destes, 7 sujeitos apresentaram lesão do lado esquerdo e 4 do lado direito. O grupo ACE foi composto por 13 homens, com idade média de 43,5±13,7 anos, 7 com lesão no lado direito e 6 no lado esquerdo. 110 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):108-13 Foram excluídos do estudo pacientes com doenças neuromusculares, diabéticos, pacientes que apresentassem qualquer contra-indicação para a realização de teste de força máxima em dinamômetro isocinético e que apresentassem qualquer problema no local de realização da cirurgia, ou pacientes do grupo ACE com mais de duas faltas durante o período de tratamento. Ao final, foram excluídos do estudo três indivíduos do grupo CON: um por apresentar processo infeccioso e dois por não comparecerem à avaliação isocinética aos três meses de pós-operatório. Procedimentos pós-operatórios Após o procedimento cirúrgico, os sujeitos do grupo CON permaneceram com imobilização gessada na articulação do tornozelo durante seis semanas (tratamento tradicional). Após a retirada do gesso, receberam uma ficha demonstrativa dos exercícios a serem feitos em casa e treinamento nesses exercícios. Além disso, foi enfatizada a importância de aderirem ao programa de reabilitação para o restabelecimento mais rápido. Qualquer dúvida ou dificuldade na execução dos movimentos poderia ser sanada por contato telefônico com o fisioterapeuta da equipe de reabilitação. Quando os sujeitos compareceram ao laboratório para a avaliação de três meses de PO, foram questionados sobre a realização dos exercícios conforme orientados. Não foram tomadas medidas adicionais de controle da realização dos exercícios pelos pacientes desse grupo. Nas três primeiras semanas de reabilitação, o exercícios preconizados para os pacientes do grupo CON foram: ativos livres de FD e FP do tornozelo (3x20 repetições, na posição sentado com o joelho estendido); exercícios de apoio na ponta do pé (3x20), com descarga de peso bipodal, progredindo para unipodal; exercícios de agachamento (3x10, evoluindo para 3x30) foram realizados inicialmente com apoio bipodal, passando para apoio unipodal após três semanas de reabilitação (3x20). Exercícios de alongamento para a região posterior da perna do lado operado foram realizados na posição em pé com o membro operado estendido e o tornozelo em FD, enquanto o lado saudável era flexionado e os membros superiores eram apoiados na parede (5x20). A orientação era de fazerem os exercícios todos os dias, por seis semanas, até completarem os três meses de PO. Os pacientes do grupo ACE usaram uma órtese comercial removível tipo robofoot (Robofoot Nova Geração, Salvapé, SP, Brasil) posicionada no tornozelo em posição neutra. Após duas semanas de PO, os sujeitos do grupo ACE foram submetidos a seis semanas de reabilitação. As atividades do protocolo de reabilitação consistiram em exercícios de flexibilidade (que envolveram a mobilização do tornozelo para ganho de amplitude de movimento), exercícios de resistência muscular localizada com o uso de bandas elásticas thera-band (Thera-Band Europe GmbH, Alemanha) para aumento da resistência, e aumento da sobrecarga pela mudança da thera-band para ganho de força. Todos os pacientes foram submetidos à mesma progressão: a partir da 4a semana de reabilitação (6a semana de PO), foi acrescentado exercício resistido (2x15) com thera-band vermelha para os movimentos de eversão, inversão, FP, FD, com uma sobrecarga correspondente a 5% do peso corporal; na 5a e 6a semanas foram mantidas as séries, repetições e movimentos, enquanto a carga foi aumentada para 10% do peso corporal por meio da utilização de uma thera-band preta. A graduação da thera-band foi baseada em tabela retirada do site dos produtores da thera-band (www.theraband.com), sendo que a cada “x” cm de estiramento da faixa corresponde uma carga de “n” kg, que depende da sua cor, espessura e distensão. A carga utilizada de 5% na 4a e 10% na 5a e 6a semanas foi definida pelos pesquisadores, pois não foram encontrados dados na literatura relacionados à reabilitação do TC com o uso da thera-band, ou mesmo com percentuais do peso corporal. Os sujeitos do grupo ACE iniciaram ainda apoio precoce do pé após a 2a semana de PO com exercícios de deambulação com a robofoot, progredindo para descarga total de peso sem a bota na 7a semana de PO. Todas as atividades de reabilitação foram realizadas três vezes por semana no Setor de Fisioterapia do Hospital São Lucas. Após o término do programa Mayer et al. Desequilíbrio muscular após ruptura do tendão supervisionado de fisioterapia, os pacientes do grupo ACE receberam a mesma ficha demonstrativa dos exercícios do grupo CON, que deveriam ser realizados em casa até completarem três meses de PO. Avaliação do torque isocinético Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação do torque isocinético concêntrico máximo três meses após a cirurgia. Um dinamômetro isocinético Biodex System 3 Pro (Biodex Medical System, NY, USA) foi utilizado para obter os valores do torque isocinético concêntrico máximo dos FP e FD do tornozelo. Os pacientes foram posicionados sentados na cadeira do dinamômetro com o joelho estendido e o pé fixo na prancha de fixação por meio de faixas de velcro. O sujeito foi posicionado de modo que o eixo de rotação aparente da articulação do tornozelo estivesse alinhado com o eixo de rotação do dinamômetro. Todos os pacientes executaram três contrações voluntárias máximas concêntricas de FP e FD do tornozelo em uma velocidade angular de 60°/s. A avaliação do torque foi feita de forma dinâmica concêntrica para evitar uma sobrecarga mecânica excessiva sobre os tecidos conjuntivos, que poderia ocorrer em uma avaliação excêntrica, e porque as 0,7 Razões de torque 0,6 * Análise dos dados Das três contrações voluntárias máximas concêntricas a contração de maior valor de torque foi utilizada para a análise. Esse valor de torque de cada grupo muscular foi utilizado para a determinação das razões de torque concêntricas convencionais. A análise descritiva dos dados consistiu do cálculo das médias e desvios padrão das médias das razões de torque e do torque máximo dos dois grupos musculares. A normalidade dos dados foi testada com o teste Shapiro-Wilk. Para comparação do torque e das razões de torque entre os lados saudável e operado dentro de cada grupo foi utilizada uma Anova de um fator para dados repetidos. Para comparação das razões de torque de cada lado (saudável e operado) entre os grupos (ACE x CON), foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes. O programa SigmaStat 3.5 foi utilizado Saudável * 120 100 0,4 Torque (Nm) 0,3 0,2 0,1 0 Conservador Acelerado Flexores plantares RESULTADOS Foram encontrados maiores valores das razões de torque entre os flexores dorsais e plantares (FD/FP) no membro operado do que no membro saudável (Gráfico 1), tanto no grupo CON (p=0,023) quanto no ACE (p=0,021). As razões de torque se mostraram semelhantes entre os grupos tanto no membro saudável (p=0,765) quanto no membro operado (p=0,840) nas comparações entre os diferentes protocolos (ACE x CON). Quanto aos flexores plantares, mediramse valores menores do torque isocinético concêntrico (Gráfico 2) no membro operado do que no saudável, tanto no grupo CON (p=0,004) quanto no grupo ACE (p=0,002). Não foi encontrada diferença do torque isocinético concêntrico dos FP entre os lados saudáveis (p=0,461), ou entre os lados operados (p=0,725) dos dois grupos. Quanto ao torque isocinético concêntrico dos FD, mostrou-se semelhante entre os lados saudável e operado, tanto no grupo CON (p=0,354) quanto no grupo ACE (p=0,852), e entre os lados saudável (p=0,588) e operado (p=0,994) entre os dois grupos (Gráfico 3). Não foram encontradas diferenças na capacidade de produção de torque entre os lados saudável e operado, nem entre os grupos conservador e acelerado. Saudável Operado * * 80 40 Flexores dorsais Saudável 60 Operado 30 40 20 0 Gráfico 1 Razão de torque (flexores dorsais/flexores plantares, FD/ FP) do tornozelo (média ± desvio padrão) dos membros saudável e operado dos grupos conservador e acelerado; * p<0,05 na comparação entre membro saudável e membro operado para todas as análises, com um nível de significância de 5%. Torque (Nm) Operado 0,5 FD/FP contrações concêntricas possibilitam avaliar a capacidade de produção durante uma situação dinâmica e talvez mais fisiológica ou funcional. Um intervalo de dois minutos foi observado entre as contrações máximas a fim de minimizar possíveis efeitos da fadiga. Após a avaliação do membro saudável, o mesmo teste foi repetido no membro operado. 20 10 Conservador Acelerado 0 Gráfico 2 Torque isocinético concêntrico máximo (média ± desvio padrão) dos músculos flexores plantares do tornozelo; * p<0,05 na comparação intra-grupo entre membro saudável e operado Conservador Acelerado Gráfico 3 Torque isocinético concêntrico máximo (média ± desvio padrão) dos músculos flexores dorsais do tornozelo Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):108-13 2010;17(2) 111 DISCUSSÃO A totalidade dos pacientes do presente estudo foi constituída por sujeitos do sexo masculino entre a 4a e 5a décadas de vida. Essa maior incidência de ruptura do TC nos homens é semelhante à de outros estudos3,5,18 e parece estar associada aos chamados “praticantes de esporte de fim de semana”. Isso sugere que o mecanismo de lesão tendínea está associado a dois fatores fundamentais: falta de condicionamento físico acarretando fraqueza dos tecidos, e trauma agudo por estiramento dos FP durante contrações excêntricas (onde ocorre a soma das forças externas com as forças musculares intrínsecas) incidindo sobre a junção miotendinosa (local de maior fraqueza do TC12). Os valores das razões de torque do lado saudável foram semelhantes nos dois grupos (0,29 no grupo CON e 0,28 no grupo ACE) e semelhantes aos valores de razões de torque de indivíduos sedentários (0,26)15. Como o lado saudável não foi submetido a qualquer tipo de intervenção nos dois grupos, essa semelhança era esperada. Entretanto, a utilização do lado contralateral como controle do lado operado deve ser feita com cautela, uma vez que a lesão do TC acarreta um aumento da sobrecarga mecânica sobre o lado contralateral na realização das atividades de vida diária. Além disso, enquanto o grupo CON descarregou todo o peso do corpo no lado saudável assistido por muletas, iniciando o apoio no membro operado somente após seis semanas de PO, o grupo ACE iniciou apoio parcial no membro lesionado com duas semanas de PO, diminuindo dessa forma a descarga de peso no membro saudável quatro semanas antes do grupo CON. Os maiores valores observados nessa razão do lado operado em relação ao saudável nos grupos CON (0,40) e ACE (0,38) demonstra um desequilíbrio muscular entre os FD e FP do tornozelo, confirmando a primeira hipótese do estudo, de que deveria ocorrer um aumento da razão no lado operado quando comparado ao contralateral saudável. Esse maior valor das razões de torque ocorreu em função da já esperada redução na capacidade de produção de força 112 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):108-13 dos FP (Gráfico 2), decorrente da imobilização e redução da sobrecarga mecânica às quais os FP ficam sujeitos depois da lesão e cirurgia. Além disso, há uma manutenção do torque dos FD (Gráfico 3). Como esse grupo muscular não sofre lesão e não reduz sua capacidade de produção de força, por ser pouco utilizado no dia-a-dia para sustentar peso, não sofre qualquer influência da imobilização. Apesar dos benefícios da imobilização, como a proteção e prevenção de rupturas dos tecidos em fases iniciais de cicatrização até a restauração de sua integridade, a principal conseqüência desse procedimento clínico é a redução na capacidade de produção de força muscular decorrente de perda de massa muscular ou sarcopenia19. Já se sabe que a imobilização afeta principalmente a musculatura mais utilizada no dia-a-dia para a descarga de peso, como é o caso do músculo gastrocnêmio, responsável por 90% da força dos FP durante a caminhada14. O fato de as razões de torque se apresentarem elevadas no lado operado dos dois grupos mostra que, mesmo depois de três meses de PO, não houve recuperação da funcionalidade dos FP do tornozelo. Isso também alerta para a temporalidade do processo de recuperação da lesão no TC, que pode levar de 6 meses a 1 ano para o retorno aos níveis funcionais do lado saudável. A conscientização dos pacientes é portanto fundamental de que o processo de reabilitação é lento, contínuo e demorado. A semelhança nas razões de torque do lado operado entre os grupos (hipótese 2) não era esperada, uma vez que a sobrecarga mecânica se iniciou antes no grupo ACE – que iniciou a descarga de peso no lado operado durante as sessões de reabilitação. Existem duas possibilidades para explicar esses resultados: (1) a sobrecarga mecânica aplicada ao grupo ACE foi insuficiente para produzir uma recuperação precoce nesse grupo; ou (2) a sobrecarga mecânica das atividades de vida diária e dos exercícios domiciliares realizados nas semanas que antecederam o teste de força (que ocorreu com 12 semanas de PO) foi suficiente para produzir razões de torque similares entre os grupos. Segundo a literatura13, um deficit de 34% foi observado na comparação entre membro saudável e lesionado (em uma velocidade angular de 60°/s) após três meses de reabilitação. O deficit de 24% encontrado nos dois grupos do presente estudo sugere que tanto o programa de exercícios orientados na clínica (grupo ACE) quanto o de exercícios realizados no próprio domicílio (grupo CON) reduziu o deficit bilateral. Diversos estudos12,13,20-23 concluem que a mobilização e cargas precoces tornam o tendão mais resistente, devido ao aumento no conteúdo de colágeno e orientação na deposição das fibrilas de colágeno na mesma linha de ação do músculo. Esses fatores reduziriam a possibilidade de ocorrência de novas rupturas, justificando a utilização de reabilitação precoce ou acelerada como segura e benéfica ao paciente, permitindo-lhe uma recuperação mais rápida e com menor incidência de seqüelas. Este estudo parece ser o primeiro a avaliar os desequilíbrios musculares entre FD e FP do tornozelo de pacientes pós-ruptura do TC. Além disso, a avaliação precoce (três meses de PO) do torque foi apenas relatada em um estudo24, pois esse tipo de avaliação poderia acarretar riscos para pacientes submetidos à sutura do TC. No entanto, nenhuma reruptura ou complicação decorrente do teste foi encontrada, indicando que a avaliação precoce do torque é segura para determinar as alterações musculares devidas a essa cirurgia. A eficácia do programa acelerado de fisioterapia não foi constatada neste estudo, sugerindo que a sobrecarga utilizada não foi suficiente para produzir a recuperação da produção de força dos FP do tornozelo. Essa limitação deve estar relacionada ao fato de que o programa de treinamento de força foi iniciado apenas na 6a semana de PO (4a semana de fisioterapia) em função do risco de que a aplicação precoce de carga com faixa elástica ou peso corporal pudesse gerar para o tendão suturado. Assim, programas mais longos de fisioterapia, onde o treinamento muscular possa ser mantido com uma progressão temporal, ou programas com uma sobrecarga um pouco superior à utilizada no presente estudo, são talvez necessários para recuperar a força dos FP. Mayer et al. Desequilíbrio muscular após ruptura do tendão CONCLUSÕES O aumento do desequilíbrio muscular decorrente da lesão e imobilização após a cirurgia de reconstrução do TC refletiu-se na diminuição do torque dos FP. A mobilização precoce do tornozelo no grupo ACE não acelerou o processo de recuperação, talvez devido à insuficiente sobrecarga mecânica sobre os FP aplicada durante o programa de fisioterapia precoce. Três meses de PO são insuficientes para o retorno aos mesmos níveis de produção de força dos músculos FP. Não parece existir necessidade de reabilitação dos FD do tornozelo, uma vez que eles não parecem ser afetados pela imobilização da articulação talocrural. REFERÊNCIAS 1 Leppilahti J, Puranen J, Orava S. Incidence of Achilles tendon rupture. Acta Orthop Scand. 1996;67:277-9. 2 Maffulli N, Waterston SW, Squair J, Reaper J, Douglas AS. Changing incidence of Achilles tendon rupture in Scotland: a 15 years study. Clin J Sport Med. 1999;9(3):157-60. 3 Pajala A, Kangas J, Ohtonen P, Leppilahti J. Rerupture and deep infection following treatment of total Achilles tendon rupture. J Bone Joint Surg. 2002;84:2016-21. 4 Niixus SA, Nilsson B, Westlin N. The incidence of Achilles tendon rupture. Acta Orthop Scand. 1976;47(1):118-21. 5 Leppilahti J, Forsman K, Orawa S. Outcome and prognostic factors of Achilles rupture repair using a new scoring method. 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Treatment of acute Achilles tendon ruptures: a systematic overview and metaanalysis. Clin Orthop Relat Res. 2002;400:190-200. 23 Khan RJK, Fick D, Brammar TJ, Crawford J, Parker MJ. Interventions for treating acute Achilles tendon ruptures. Cochrane Database Syst Rev. 2009;21:CD003674. 24 Speck M, Klaue K. Early full weightbearing and functional treatment after surgical repair of acute Achilles tendon rupture. Am J Sports Med. 1998;26:789-93. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):108-13 2010;17(2) 113 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.114-7, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Obesidade em idosos do Município de São Carlos, SP e sua associação com diabetes melito e dor articular Obesity among older people of the City of São Carlos, SP, Brazil, and its association with diabetes mellitus and joint pain Thaís Rabiatti Aurichio1, José Rubens Rebelatto2, Alessandra Paiva de Castro3 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta; mestranda no PPG-Ft – programa de PósGraduação em Fisioterapia da UFSCar 2 Prof. Dr. do Depto, de Fisioterapia da UFSCar 3 Doutoranda no PPG-Ft da UFSCar ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Thaís Rabiatti Aurichio R. Brasil 739 Rudge Ramos 09627-000 São Bernardo do Campo SP e-mail: [email protected] Este estudo recebeu apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo APRESENTAÇÃO jun. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 114 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):114-7 RESUMO: Este estudo tem por objetivo verificar a prevalência de obesidade e sua associação com diabetes melito (DM) e dores articulares na população idosa residente em São Carlos, SP. Foram avaliadas 227 idosas (média de idade 69,6±6,8 anos) e 172 idosos (69,4±6,7 anos) quanto ao índice de massa corporal (IMC) e questionados quanto à presença de diabetes e dor articular. Os dados foram tratados estatisticamente. Os resultados mostram que 73,6% das idosas e 66,9% dos idosos apresentavam sobrepeso ou eram obesos. As médias de IMC foram maiores nos indivíduos com idade inferior a 75 anos. Entre as mulheres da amostra foi encontrada associação entre a presença de DM, dores no pé, tornozelo e joelho e a condição “obesa”. No grupo masculino, a condição obeso só apresentou associação com a presença de DM. Foi pois constatada associação entre obesidade e presença de DM. Mulheres idosas apresentam maior prevalência de obesidade e associação entre dores articulares e excesso de peso corporal. DESCRITORES: Artralgia; Diabetes mellitus; Idoso; Obesidade ABSTRACT: The aim of this study was to assess prevalence of obesity and its association with diabetes mellitus (DM) and joint pain among elderly dwellers in the city of São Carlos, SP, Brazil. A total of 399 aged people – 227 women (mean age 69.6±6.8) and 172 men (mean age 69.4±6.7) – were assessed as to body mass index (BMI) and were questioned whether they had diabetes and joint pain. Data were statistically analysed. Results showed that 73.6% of the women and 66.9% of the men were overweight or obese; BMI values were higher in subjects aged under 75. Among women, associations were found between the obese condition, presence of diabetes, and foot, ankle and knee pain. In the male group, the obese condition presented association only with presence of diabetes. An association was hence found between obesity and DM. Prevalence of obesity was greater in elderly women, who also presented association between joint pain and high BMI values. KEY WORDS: Aged; Arthralgia; Diabetes mellitus; Obesity Aurichio et al. Obesidade e diabetes em idosos INTRODUÇÃO As modificações no perfil demográfico brasileiro revelam o aumento da população idosa no país e são acompanhadas de mudanças no aspecto epidemiológico. Atualmente há predomínio de doenças crônicas não-transmissíveis, próprias de faixas etárias mais avançadas, dentre as quais se destaca a obesidade1. O relatório da OMS de 2002 apontou a obesidade como uma epidemia, estando no topo de uma lista dos dez riscos para a saúde humana2. Ferreira e Magalhães3, analisando dados de indivíduos com 65 anos ou mais no Brasil, apontam prevalência de obesidade de 5% nos homens e 18% nas mulheres. Tal distúrbio é capaz de aumentar de forma significativa a morbimortalidade por outras doenças, como hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diabetes melito (DM), doenças cardiovasculares, doenças osteoarticulares e algumas formas de câncer1,3. Cerca de 90% dos casos de DM tipo 2 são atribuídos ao excesso de peso4. Gomes et al.5 verificaram que a prevalência de sobrepeso e obesidade em pacientes com DM tipo 2 foi três vezes maior do que a observada na população brasileira geral. Dados do Sistema Único de Saúde revelam que o DM tipo 2 é a quinta indicação de hospitalização no Brasil e está entre as dez maiores causas de mortalidade no país5, o que evidencia a importância do diagnóstico precoce e da prevenção dessa doença, que se caracteriza como um grave problema de saúde pública. As doenças osteoarticulares, decorrentes ou não do excesso de peso corporal, provocam limitações nas atividades físicas e na mobilidade do indivíduo idoso, merecendo atenção especial. Nos Estados Unidos a estimativa de prevalência de tais doenças é de 15%, aumenta progressivamente com a idade e é mais elevada em mulheres idosas e obesas 6. Dentre as doenças osteoarticulares a osteoartrite (OA) representa 70% dos casos de artrite6 e acomete cerca de 16,2% da população brasileira7. Sintomas de dor, rigidez articular e crepitações estão associados à OA8-10, que apresenta como principais fatores de risco lesões prévias, obesidade e envelhecimento7,8,10. Há uma tendência de relação entre doenças crônicas como a obesidade, o DM e as dores articulares. Assim, o objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de obesidade e suas associações na população idosa residente em São Carlos, SP, a fim de fundamentar a adoção de estratégias preventivas específicas. METODOLOGIA Participaram do estudo indivíduos com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, residentes no Município de São Carlos, SP, Brasil. A amostra foi determinada de acordo com a população do município, levando-se em consideração quotas das variáveis idade e sexo. Assim, foi composta intencionalmente por 227 idosas com média de idade de 69,6±6,8 anos e 172 idosos com média de idade de 69,4±6,7 anos. Foram selecionados indivíduos freqüentadores dos locais onde há maior concentração de idosos e que fossem acessíveis aos pesquisadores. Assim, a escolha dos participantes foi feita por conveniência. Foram excluídos idosos que apresentavam curativos em pés e aqueles que eram amputados em membros inferiores. descritos pela Organização Mundial da Saúde11, sendo considerados três grupos: normal (IMC menor que 25 kg/m 2 ); sobrepeso (IMC maior que 25 kg/m2 e menor que 30 kg/m2); e obeso (IMC superior a 30 kg/m2). Os participantes responderam a um questionário-entrevista aplicado por um único avaliador em toda a coleta. O questionário incluía investigação sobre a presença de diabetes e dor em coluna, quadril, joelho, tornozelo e pés. Além disso, o voluntário também era questionado sobre a presença de reumatismo. Os dados foram analisados de forma descritiva e por meio de testes estatísticos. A avaliação das diferenças entre médias de dois grupos foi feita utilizando-se o teste t de Student e as associações entre variáveis foram feitas por meio do teste do qui-quadrado. Em todos os testes o nível de significância considerado foi de 5%. RESULTADOS A amostra feminina apresentou média de IMC de 28,45±5,12 kg/m2, e a amostra masculina de 27±4,24 kg/m2. Entre os indivíduos obesos, 24,4% eram homens e 33,0% eram mulheres. Em toda a amostra 18% eram diabéticos: na amostra masculina, a prevalência de diabéticos era de 22,1%, e entre as mulheres, de apenas 15,1%. Os dados foram coletados na Universidade Aberta da Terceira Idade, na Unidade Saúde-Escola da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e em duas unidades básicas de saúde do Município de São Carlos. Os participantes recebePara identificar diferenças de IMC ram informações sobre o estudo e assinaram o termo de consentimento livre e entre os idosos com idade inferior a 75 esclarecido. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Tabela 1 Índice de massa corporal (IMC, média ± em Pesquisa em Seres Hudesvio padrão) dos homens e mulheres manos da UFSCar. segundo a faixa etária e valor de p da comparação entre as faixas O peso e a altura foram mensurados por meio de Homens (n=172) Mulheres (n=227) uma balança analógica com Faixa etária IMC p IMC p estadiômetro e devidamen60 a 74 anos 27,11r4,23 28,89r5,32 te calibrada; o peso foi 0,286 0,009 mensurado três vezes e o 75 anos ou + 26,67r4,32 27,23r4,34 valor médio foi considerado. Um mesmo avaliador Tabela 2 Índice de massa corporal (IMC, média ± tomou todas as medidas de desvio padrão) dos homens e mulheres e peso e altura, que foram utivalor de p da comparação entre os sexos lizadas para o cálculo do índice de massa corporal Sexo IMC p (IMC) dos idosos. A classifiHomens (n=172) 27,00r4,24 0,001 cação destes segundo o IMC Mulheres (n=227) 28,45r5,12 seguiu os padrões de corte Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):114-7 2010;17(2) 115 anos e aqueles com 75 anos ou mais, foi aplicado o teste t para duas amostras (Tabela 1). O teste apontou uma diferença significativa no grupo feminino, indicando que as idosas com idade inferior a 75 anos apresentaram média de IMC maior. Entre os homens não houve diferença significativa. O teste também foi aplicado para verificar diferenças de IMC entre homens e mulheres. Os resultados, sintetizados na Tabela 2, revelam que a média de IMC das mulheres foi significativamente maior que a dos homens. Para averiguar associações entre as condições de peso “normal”, “sobrepeso” e “obeso” e outras variáveis estudadas foi aplicado o teste do qui-quadrado. No grupo feminino, foi encontrada associação entre a condição “obesa” e a presença de diabetes, de dores no pé, no tornozelo e no joelho. Entre os homens, a condição “obeso” só apresentou associação com a presença de diabetes (Tabela 3). Tabela 3 Associação (χ2 e valor de p) entre obesidade e idade, diabetes e dores articulares, por sexo Associação com obesidade 2 Mulheres F p Faixa etária 3,091 0,213 Diabetes 12,789 0,002* Dor nos pés 10,874 0,004* Dor nos tornozelos 9,519 0,009* Dor nos joelhos 9,138 0,010* Homens Faixa etária Diabetes Dor nos pés Dor nos tornozelos Dor nos joelhos 0,133 12,710 3,021 2,869 2,141 0,936 0,002* 0,221 0,238 0,343 χ2: teste do qui-quadrado, 1 grau de liberdade; * associação significativa com obesidade 116 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):114-7 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Os resultados mostram maior prevalência da obesidade em mulheres idosas quando comparadas aos homens da mesma faixa etária. Isso já foi encontrado por diversos autores que apontam, além da predominância da obesidade no sexo feminino, uma associação desta com fatores de risco como hipertensão, diabetes e sedentarismo3,12,13. Alguns autores1,12 verificaram que o IMC diminuiu com a idade, concordando com os achados do presente estudo. A predisposição das mulheres para o acúmulo de gorduras e sua maior tolerância a esse excesso de gordura corporal12 podem explicar a alta prevalência de obesidade no sexo feminino. A diminuição da obesidade com o aumento da idade sugere que pode funcionar como um fator seletivo, já que leva à maior morbimortalidade nos grupos etários mais jovens, que portanto não alcançam idades mais avançadas2,12. A maioria dos estudos aponta para maior prevalência de diabetes no sexo feminino, visto que as mulheres são mais obesas e há uma relação entre diabetes e obesidade, verificada por diversos autores1,14-17. Em um estudo também realizado no Município de São Carlos, 22,3% das idosas apresentavam diabetes e, entre os idosos, essa incidência era de 16,3%16. No presente estudo as porcentagens de diabéticos foram de 14% entre as idosas e 22% entre os idosos, sendo que em ambos os grupos houve associação positiva com a obesidade. A porcentagem superior de diabetes nos homens pode ser explicada devido ao fato de a amostra masculina ter sido avaliada em sua maioria (74,4%) em unidades básicas de saúde (o que faz pressupor que tenham maior morbidade), enquanto que apenas 27,3% das mulheres foram avaliadas nesses locais. Experimentos utilizando estímulos somáticos verificaram que as mulheres têm menor limiar de dor para estímulos nocivos do que os homens18. Benvenuti et al.19, que realizaram uma pesquisa epidemiológica sobre incidência de dor nos pés entre idosos, concluíram que as mulheres têm duas vezes mais chances de apresentar dor que os homens. Segundo McCarthy et al.20, as dores crônicas são comuns nos idosos, afetam mais as mulheres do que os homens e apresentam forte associação com a obesidade. Neste estudo foi verificada uma associação positiva entre obesidade e dores nos pés, tornozelos e joelhos apenas na amostra feminina. Além do menor limiar de dor, a sobrecarga sobre os membros inferiores imposta pelo excesso de peso pode ser um fator contribuinte para a maior incidência de dor nas idosas obesas. Alguns estudos revelam associações positivas entre obesidade e a presença de OA6-8,21,22, principalmente em articulações que sustentam o peso corporal, como joelhos e tornozelos6,9,10,22. No presente estudo os participantes eram questionados especificamente sobre reumatismo, com especificações sobre sintomas de artrite reumatóide, não sendo sensível para os casos de OA, o que impossibilitou a análise mais detalhada da presença de OA e os demais fatores abordados no estudo. Entretanto, talvez a associação entre dores articulares e obesidade pudesse ser explicada pela presença de OA nessas idosas, o que estaria de acordo com os achados da literatura. Este estudo permite concluir que há associação entre obesidade e a presença de DM, e que as mulheres idosas, quando comparadas aos homens idosos, apresentam maior prevalência de obesidade e associação entre dores articulares e excesso de peso corporal. Aurichio et al. Obesidade e diabetes em idosos REFERÊNCIAS 1 Marques APO, Arruda IKG, Espírito Santo ACG, Raposo MCF, Guerra MD, Sales TF. Prevalência de obesidade e fatores associados em mulheres idosas. Arq Bras Endocrinol Metab. 2005;49(3):441-8. 12 Cabrera MAS, Jacob Filho W. Obesidade em idosos: prevalência, distribuição e associação com hábitos e comorbidades. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001;45(5):494-501. 2 Cruz IBM, Almeida MSC, Schwanke CHA, Moriguchi EH. Prevalência de obesidade em idosos longevos e sua associação com fatores de risco e morbidades cardiovasculares. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):72-7. 13 Santos DM, Sichieri R. Índice de massa corporal e indicadores antropométricos de adiposidade em idosos. Rev Saude Publica. 2005;39(2):163-8. 3 Ferreira VA, Magalhães R. Obesidade no Brasil: tendências atuais. Rev Port Saude Publica. 2006;24(2):71-81. 14 World Health Organization. Diabetes mellitus: report of a World Health Organization Study Group. Geneva; 1985. (WHO Technical Report Series, 727). 4 Dias JCR, Campos JADB. Aspectos epidemiológicos da obesidade e sua relação com diabetes mellitus. Nutrire. 2008;33(1):103-15. 15 Sakata S. Diabetes mellitus entre os idosos no Município de São Paulo: uma visão longitudinal [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem, USP; 2006. 5 Gomes MB, Gianella ND, Mendonça E, Tambascia MA, Fonseca RM, Réa RR, et al. Prevalência de sobrepeso e obesidade em pacientes com diabetes mellitus do tipo 2 no Brasil: estudo multicêntrico nacional. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(1):136-44. 16 Feliciano AB, Moraes AS, Freitas ICM. O perfil do idoso de baixa renda no município de São Carlos, São Paulo, Brasil: um estudo epidemiológico. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1575-85. 6 Machado GPM, Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Projeto Bambuí: prevalência de sintomas articulares crônicos em idosos. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(4):367-72. 7 Tamegushi ST, Trelha CS, Dallaroza MSG, Cabrera M, Ribeiro TN. Capacidade funcional de idosos com osteoartrite de joelhos e quadril. Rev Espaço Saude. 2008;9(2):8-16. 8 9 Vasconcelos KSS, Dias JMD, Dias RC. Impacto do grau de obesidade nos sintomas e na capacidade funcional de mulheres com osteoartrite de joelhos. Fisioter Pesq. 2008;15(2):125-3. Santos MTN, Freitas AE, Lamounier JA. Obesidade e osteoartrite: atualização em implicações clínicas e metabólicas. Rev Med Minas Gerais. 2008;18(4):18(4 Supl 1):S167-72. 10 Zacaron KAM, Dias JMD, Abreu NS, Dias RC. Nível de atividade física, dor e edema e suas relações com a disfunção muscular do joelho de idosos com osteoartrite. Rev Bras Fisioter. 2006;10(3):279-84. 11 World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic (report of a WHO consultation on obesity). Genebra; 1997. 17 Ochoa-Vigo K, Torquato MTCG, Silvério IAS. Caracterização de pessoas com diabetes em unidades de atenção primária e secundária em relação a fatores desencadeantes do pé diabético. Acta Paul Enferm. 2006;19(3):296-303. 18 Berkley KJ. Sex differences in pain. Behav Brain Sci. 1997;20:371-80. 19 Benvenuti F, Ferrucci L, Guaralnik JM, Gangemi S, Baroni A. Foot pain and disability in older persons: an epidemiologic survey. J Am Geriatr Soc. 1995;43(5):479-84. 20 McCarthy LH, Bigal ME, Katz M, Derby C, Lipton RB. Chronic pain and obesity in elderly people: results from the Einstein Aging Study. J Am Geriatr Soc. 2009;57(1):115-9. 21 Vasconcelos KSS, Dias JMD, Dias RC. Relação entre intensidade de dor e capacidade funcional em indivíduos obesos com osteoartrite de joelho. Rev Bras Fisioter. 2006;10(2):213-8. 22 Vasconcelos KSS, Dias JMD, Dias RC. Dificuldades funcionais em mulheres obesas com osteoartrite de joelhos: relação entre percepção subjetiva e desempenho motor. Fisioter Pesq. 2007;14(3):55-61. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):114-7 2010;17(2) 117 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.118-23, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Força muscular respiratória e capacidade funcional em idosas hipertensas com sonolência diurna excessiva Respiratory muscle strength and physical fitness in hypertensive elderly women with excessive daytime sleepiness Rafaela Pedrosa1, Gardênia Holanda2 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. 2 Profa. Dra. do Depto. de Fisioterapia da UFRN ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Rafaela Pedrosa R. Abel Costa 90 Bodocongó 58.429-050 Campina Grande PB e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO ago. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 118 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):118-23 RESUMO: O objetivo do estudo foi verificar se a sonolência diurna excessiva (SDE) afeta a capacidade funcional (CF) e força muscular respiratória entre idosas hipertensas. O estudo avaliou 32 idosas hipertensas, divididas em dois grupos (com SDE, n=17, 64,9±5,3 anos; e sem SDE, n=15, 65,9±5,5 anos), quanto a: força muscular respiratória, por manovacuometria; CF, pelo Questionário para avaliação de limitação das atividades e por testes de aptidão funcional; nível de atividade física, pelo questionário internacional de atividade física IPAQ; grau de SDE, pela escala de sonolência de Epworth; qualidade do sono, pelo índice de qualidade do sono de Pittsburgh; e intensidade do ronco, pela escala de ronco de Stanford. Os dois grupos, homogêneos quanto a características antropométricas e da hipertensão, foram comparados estatisticamente quanto a parâmetros de sono, pressões respiratórias máximas, nível de atividade física e CF. Foi encontrada diferença significativa na qualidade do sono (p=0,03), tendo as hipertensas com SDE qualidade de sono muito ruim; porém não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos nas pressões inspiratória e expiratória máximas, nem quanto aos testes de CF. Conclui-se que a força dos músculos respiratórios não sofre alteração em decorrência da presença de SDE em idosas hipertensas e que essa sonolência não interfere na capacidade funcional. DESCRITORES: Aptidão física; Idoso; Hipertensão; Músculos respiratórios; Transtornos do sono ABSTRACT: The purpose of the study was to inquire whether excessive daytime sleepiness (EDS) affects functional capacity (FC) and respiratory muscle strength in elderly hypertensive patients. Thirty-two elderly hypertensive female patients were divided into two groups (with EDS, n=17, mean age 64.9±5.3; without EDS, n=15, mean age 65.9±5.5) and were assessed as to respiratory muscle strength by spirometry; FC, by the Questionnaire on limitations in physical activities and by functional fitness tests; physical activity level, by the International Physical Activity Questionnaire; degree of EDS, by the Epworth Sleepiness Scale; sleep quality, by the Pittsburgh Sleep Quality Index; and intensity of snoring by the Stanford Snoring Scale. Both groups were homogenous as to anthropometric and hypertension features and were statistically compared as to sleep parameters, maximal respiratory pressures, level of physical activity, and FC. Significant differences were found in sleep quality (p=0.03), showing very poor sleep quality of the group hypertension with EDS; but no significant differences were found as to maximal respiratory pressures, or at the FC tests. Hence the strength of respiratory muscles is not altered due to the presence of EDS in elderly hypertensive women and sleepiness does not seem to interfere in functional capacity. KEY WORDS: Aged; Hypertension; Physical fitness; Respiratory muscles; Sleep disorders Pedrosa & Holanda Sonolência diurna em idosas hipertensas INTRODUÇÃO A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é de grande importância no estudo da capacidade funcional no idoso, pois está relacionada ao declínio nas habilidades funcionais. Hajjar et al.1 mostraram a associação entre um maior declínio funcional na vigência de aumento da pressão arterial sistólica, além de risco aumentado para desenvolver incapacidade funcional, do que em indivíduos normotensos. Segundo Alves et al.2, a presença de HAS aumenta em 39% a chance de o idoso ser dependente nas atividades de vida diária. Também associados à HAS estão os distúrbios do sono, tendo maior relevância a síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS). Segundo Silverberg et al.3, em torno da metade de pacientes hipertensos têm SAOS e, por outro lado, cerca de metade dos pacientes que têm esse distúrbio do sono apresentam HAS. Distúrbios do sono associados a doenças crônicas são muito comuns em idosos, geralmente provocando diminuição na capacidade de dormir. As queixas mais comuns quanto aos distúrbios do sono são dificuldade para iniciar e manter o sono, redução do tempo total de sono, qualidade de sono pobre e sonolência diurna excessiva (SDE)4. Outra característica associada ao processo de envelhecimento é o declínio da função muscular respiratória, o que provoca hipoventilação, baixa tolerância ao exercício e dispnéia5. Essas alterações predispõem aos distúrbios do sono, que são evidenciados pela presença de ronco, SDE e fadiga. A Fisioterapia mostra-se de grande valia no tratamento dos distúrbios do sono, possibilitando ganho de qualidade de vida pelo idoso. A SDE tem, muitas vezes, alívio incompleto com o repouso ou sono e é referida como uma diminuição da capacidade de trabalho físico e/ou mental 6. Goldman et al. 4 mostraram que mulheres que têm vários despertares durante o sono, caracterizando um sono de curta duração e sonolência diurna excessiva, têm maior risco para diminuição do desempenho neuromuscular e limitação de função durante o dia. Além de ser um importante sintoma dos distúrbios do sono, essa sonolência é tam- bém, quando quantificada, um importante método diagnóstico subjetivo que pode distinguir pacientes com distúrbios do sono e indivíduos sem esses distúrbios7. Outra função que sofre influência da hipertensão é a força dos músculos respiratórios. Em cardiopatas, o fluxo sangüíneo para os músculos respiratórios diminui, promovendo fraqueza muscular respiratória8; essa diminuição resulta em dificuldades nas trocas gasosas, alterando a função respiratória normal e provocando atrofia muscular generalizada9. No entanto, na presença de distúrbios respiratórios do sono, Su et al.10, embora alertando para possíveis resultados inconclusivos, sugerem que a musculatura respiratória é pouco alterada. bebida alcoólica; ausência de pneumopatia; insuficiência cardíaca, angina instável, infarto agudo do miocárdio recente, estenose aórtica ou insuficiência mitral graves, aneurisma da aorta, embolias recentes, miocardites ou pericardites ativas, de acordo com parecer médico. Seriam excluídas as participantes com impossibilidade de realizar os testes funcionais e/ou incapacidade de compreender e responder aos questionários. Não houve perda amostral. Procedimentos Todos os 150 participantes do Programa de Assistência e Cuidados da Hipertensão Arterial, cadastrados e atendidos no setor de cardiologia do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – foram convidados a participar da pesquisa. Todas as participantes foram informadas da natureza e da proposta do estudo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada Comitê de Ética e Pesquisa da UFRN. As participantes foram submetidas a uma avaliação realizada em dois dias consecutivos. No primeiro dia, responderam a um formulário com a finalidade de obter dados pessoais. Em seguida, foram questionadas quanto à ocorrência e intensidade de ronco, utilizando-se a escala de ronco de Stanford (ERS), pontuada de 0 a 10 de acordo com a intensidade do ronco inquirida aos familiares/acompanhantes na entrevista11; quanto à ocorrência de SDE, pela escala de sonolência de Epworth (ESE), com o propósito de quantificar a propensão para adormecer durante oito situações rotineiras – as respostas atingem valores de 0 a 24 pontos, sendo 10 o divisor da normalidade; acima desse valor, tem-se o diagnóstico de SDE12; e responderam ao índice de qualidade de sono de Pittsburgh (IQSP)12, que avalia a qualidade do sono de forma subjetiva, latência, duração e eficiência habitual do sono, distúrbios do sono, uso de medicação para dormir e disfunção durante o dia; sua escala varia de 0 a 20 pontos e escores maiores que cinco implicam qualidade de sono ruim12. Depois da avaliação pelos questionários, foi medida a força muscular respiratória, pelas pressões respiratórias máximas, usando manovacuômetro (Ger Ar, São Paulo, Brasil) com limite operacional de ±300 cmH2O, seguindo as diretrizes de Souza13. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 32 pacientes foram incluídas no estudo. Os critérios para participação incluíram sexo feminino, diagnóstico de HAS com uso de medicamento anti-hipertensivo, idade entre 60 e 80 anos, menopausa sem terapia de reposição hormonal, IMC <30 kg/cm2, não fumar, não usar ansiolíticos nem No segundo dia, foram respondidos o questionário internacional de atividade física IPAQ (International Physical Activity Questionnaire)14 e o Questionário para avaliação da limitação das atividades15, cujo escore fornece o índice global de limitação das atividades Igla, expresso em porcentagem, em que 0% corresponde à situação de máxima li- Tendo em vista o acima exposto, surgiu o interesse de investigar se a SDE teria influência em alterações da capacidade funcional (CF) de hipertensas, verificando também se as pressões respiratórias máximas se alterariam em função da presença dessa sonolência em hipertensas. Esta pesquisa tem com objetivo comparar a força dos músculos respiratórios e a CF entre idosas hipertensas com e sem SDE, a fim de, posteriormente, definir intervenções fisioterapêuticas adequadas. METODOLOGIA Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):118-23 2010;17(2) 119 mitação e 100%, ausência de qualquer tipo de limitação; na população brasileira, o Igla médio para mulheres com 60 anos ou mais é de 70,5%15. Na seqüência, foi verificada a pressão arterial (PA)16 das pacientes que, em seguida, foram submetidas aos testes de aptidão funcional, conforme estabelecidos por Rikli e Jones17. Entre cada teste, houve um intervalo de 10 minutos de repouso18 e a PA era novamente verificada após o teste, a fim de confirmar se as pressões sistólica e diastólica haviam retornado aos valores de repouso. O intervalo poderia ser prolongado até que o valor de repouso fosse alcançado. Esses testes de aptidão funcional são descritos a seguir, conforme foram realizados. 1 Sentar e levantar da cadeira em 30 segundos: avalia força dos membros inferiores. Inicia-se com a participante sentada numa cadeira e, ao sinal de partida, ela se ergue e retorna à posição sentada, repetindo essa ação durante 30 segundos. O escore é dado pelo número de ciclos levantar-sentar. 2 Extensão e flexão do cotovelo em 30 segundos: avalia força de membros superiores. A participante senta-se numa cadeira segurando um haltere (2,3kg) com o braço estendido perpendicular ao chão; ao sinal indicativo, flexiona o braço e retorna-o à posição estendida, repetindo o movimento durante 30 segundos. Conta-se o número de flexões efetuadas. 3 Teste da caminhada de 6 minutos: avalia resistência aeróbica. Foi medida a distância que a participante caminhou, durante seis minutos, em um percurso de 45,70m. 4 Teste da marcha estacionária dos 2 minutos: é um teste alternativo para avaliar capacidade aeróbica. Ao sinal indicativo, a participante inicia a marcha estacionária, completando tantas elevações do joelho (ou passos) quanto possível em 2 minutos; conta-se o número de elevações do joelho que iniciou o teste. 5 Sentar e alcançar: avalia flexibilidade dos membros inferiores. A 120 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):118-23 participante sentou-se numa cadeira, mantendo uma perna flexionada (preferida) e outra estendida à frente do quadril; inclinando-se lentamente para frente, tentou encostar o terceiro dedo das duas mãos sobrepostas no hálux da perna estendida. Mede-se a distância (em cm) entre o terceiro dedo e o hálux: se o dedo alcança o hálux, o valor é zero; se ultrapassa, a distância medida é considerada positiva (+); se não, o valor é negativo (-). 6 “Coçar” as costas: avalia flexibilidade dos membros superiores. A participante colocou a mão preferida sobre o ombro homolateral, alcançando o meio das costas tanto quanto possível. A outra mão foi colocada atrás das costas na tentativa de tocar ou sobrepor o terceiro dedo estendido da mão oposta. Mede-se a distância (em cm) entre os dedos opostos: se um alcança o outro, o valor é zero; se superpõe, a superposição medida é considerada positiva (+); se não alcança, a distância é considerada negativa (-). 7 Levantar e caminhar: avalia a mobilidade física. A participante começa sentada numa cadeira; ao sinal indicado, levanta-se, caminha o mais rápido possível até um marcador a 3 m de distância, retorna à cadeira e senta-se. Medese o tempo em segundos gasto no percurso completo. Tabela 1 Análise estatística A amostra foi, inicialmente, dividida em três grupos de acordo com a faixa etária – grupo I, composto por 14 mulheres de 60 e 64 anos; grupo II, com 10 participantes, de 65 a 70 anos; e grupo III, com 8 integrantes, de 71 a 74 anos – porque os testes de capacidade funcional para idosos apresentam os escores de acordo com a faixa etária. Para verificar diferença de capacidade funcional (CF) entre as faixas etárias foi usada a análise de variância. Posteriormente a amostra foi dividida em dois grupos segundo a presença ou não de SDE e aplicado o teste t de Student para amostras independentes, para comparar as variáveis ronco, qualidade do sono, pressões respiratórias máximas, nível de atividade física e CF entre os grupos. Foi utilizado o programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences, v.16.0), com nível de significância p=0,05. RESULTADOS As características antropométricas da amostra e as relacionadas à hipertensão são apresentadas na Tabela 1; os valores de p demonstram a homogeneidade da amostra. A divisão da amostra em faixas etárias foi inicialmente necessária devido à classificação assim proposta pelos testes de capacidade funcional para idosos. Como não foi encontrada diferença significativa entre as faixas etárias (Tabela 2), as Características antropométricas e da hipertensão (média ± desvio padrão) da amostra segundo os grupos HCS (com SDE) e HSS (sem SDE); (n=32) Característica Idade (anos) Peso (kg) Altura (m) 2 IMC (kg/m ) Tempo de diagnóstico da HAS (anos) Tempo de tratamento da HAS (anos) PAS (mmHg) PAD (mmHg) HCS (n=17) 64,9±5,3 59,7±7,4 1,51±0,6 26,1±2,3 19,0±10,9 11,7±4,9 137,3±14,8 83,1±8,9 HSS (n=15) 65,9±5,5 60,5±8,2 1,52±0,6 26,0±3,3 16,0±6,7 14,0±5,6 131,1±14,9 83,3±9,9 SDE = sonolência diurna excessiva; IMC = Índice de massa corporal; HAS = Hipertensão arterial sistêmica; PA = pressão arterial; S = sistólica; D = diastólica p 0,61 0,78 0,46 0,90 0,36 0,23 0,25 0,95 Pedrosa & Holanda Tabela 2 Sonolência diurna em idosas hipertensas Escores nos testes de capacidade funcional (média ± desvio padrão) da amostra segundo a faixa etária (n=32) Faixa etária 60-64 anos (n=14) 65-70 anos (n=10) 71-74 anos (n=8) Teste p Sentar e levantar (n) 9,1±2,4 9,1±2,4 11,0±2,7 0,18 Flexão do cotovelo (n) 11,9±4,8 10,7±3,5 11,5±1,5 0,74 TC6’ (m) 459,7±59,8 417,7±98,1 385,5±93,2 0,13 TME2’ (n) 58,7±20,0 68,4±24,3 62,5±15,0 0,52 Sentar e alcançar (cm) -5,1±12,4 -4,5±10,1 -2,8±6,1 0,89 “Coçar” as costas (cm) -7,4±13,6 -7,2±6,8 -1,2±8,4 0,39 Levantar e andar (seg) 8,6±1,4 9,3±3,0 9,3±1,5 0,69 Igla (%) 64±14 68±23 63±17 0,88 TC6’ = Teste de caminhada de 6 minutos; TME2’ = Teste de marcha estacionária de 2 minutos; Igla = Índice global de limitação das atividades Tabela 3 Características socioeconômicas e clínicas da amostra segundo os grupos HCS (com SDE) e HSS (sem SDE); (n=32) Característica Estado civil Com companheiro Sem companheiro Escolaridade Analfabeto EF incompleto EF completo EM completo Renda (salários mínimos) 1 2 3 ou + Número de medicamentos 1 2 3 ou + Comorbidades Nenhuma Cardiopatia (angina, arritmia) Dislipidemia Diabetes Insuficiência renal HCS (n=17) n % HSS (n=15) n % 12 5 70,6 29,4 6 9 40,0 60,0 1 13 2 1 8 9 0 6 8 3 4 6 8 5 1 5,9 76,5 11,8 5,9 52,9 47,1 0 35,3 47,1 17,6 23,5 35,3 47,1 29,4 5,9 1 13 1 0 8 5 2 9 4 2 2 3 10 3 1 6,7 86,7 6,7 0 53,3 33,3 13,4 60,0 26,7 13,3 13,3 20,0 66.7 20,0 6,7 SDE = sonolência diurna excessiva; EF = ensino fundamental; EM = ensino médio Tabela 4 Parâmetros de sono (média ± desvio padrão) da amostra segundo os grupos HCS (com SDE) e HSS (sem SDE); (n=32) Escala Escala de sonolência de Epworth Escala de ronco de Stanford Índice de qualidade do sono de Pittsburgh HCS (n=17) HSS (n=15) p 13,9±2,7 4,7±3,0 0,00 4,2±2,8 2,7±3,3 0,18 9,6±3,7 6,2±4,8 0,03 SDE = sonolência diurna excessiva idosas foram divididas em dois grupos: grupo HCS – hipertensas com SDE – com 17 pacientes, e HSS – hipertensas sem SDE – com 15 pacientes, de acordo com os valores obtidos pela Escala de sonolência ESE. As variáveis categóricas que definem as características socioeconômicas e as relacionadas à hipertensão, representa- das por quantidade de medicamentos utilizados e comorbidades, estão apresentadas em freqüências relativa e absoluta na Tabela 3. Quanto às características do sono, medidas pelas escalas de sonolência ESE, de ronco ERS e pelo índice de qualidade do sono IQSP, os valores médios encontram-se na Tabela 4. Os resultados mostraram diferença significativa quanto ao grau de SDE e à qualidade do sono entre os grupos HCS e HSS. O grupo HCS apresentou grau leve de SDE, qualidade do sono muito ruim, com intensidade de ronco alta. No grupo sem SDE (HSS) foram constatadas qualidade do sono ruim e intensidade de ronco leve. Os resultados relacionados à atividade física, medida pelo IPAQ, mostram que, no grupo com SDE (HCS), 47,1% das integrantes apresentaram nível de atividade física baixo, seguidas de 29,4% com nível alto e 23,5% com nível moderado. No grupo HSS foi observado nível moderado em 73,3%, alto em 13,3% e baixo em 13,3% das participantes. Na entrevista, 58,8% do grupo HCS e 66,7% do HSS referiram praticar atividade física, pelo menos três vezes na semana, com duração de 30 minutos a 1 hora. Quanto às pressões respiratórias máximas, no grupo HCS os valores das pressões máximas inspiratória (PImáx) e expiratória (PEmáx) foram -118,2±42,6 cmH2O e 127,6±32,3 cmH2O, respectivamente; no grupo HSS, os valores foram -106,0±37,4cmH 2O de PImáx e 127,3±44,9 cmH2O de PEmáx. Não foram encontradas diferenças significativas de PEmáx entre os grupos. Finalmente, os escores nos testes de capacidade funcional foram recalculados segundo a constituição dos grupos HCS e HSS (Tabela 5), não tendo sido encontradas diferenças significativas entre os grupos. DISCUSSÃO As pressões respiratórias máximas (PRmáx), nas hipertensas, não apresentaram diferença significativa entre os grupos HCS e HSS, indicando que não há influência da SDE sobre as pressões respiratórias máximas. O mesmo ocorreu nos estudos de Su et al.10, que avaliaram a força dos músculos respiratórios em pacientes com distúrbios respiratórios do sono (DRS), comparando as PRmáx antes e após a noite de sono. Esses autores concluíram que a musculatura respiratória é pouco alterada pelos DRS e, ainda, que as PRmáx não têm correlação com a gravidade do DRS. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):118-23 2010;17(2) 121 Tabela 5 Escores nos testes de capacidade funcional (média ± desvio padrão) segundo os grupos HCS (com SDE) e HSS (sem SDE) e valor de p da comparação entre os grupos (n=32) Teste Sentar e levantar (n de ciclos)) Flexão do cotovelo (n de flexões) TC6’ (m) TME2’ (n de elevações do joelho) Sentar e alcançar (cm) “Coçar” as costas (cm) Levantar e andar (segundos) Igla (%) HCS (n=17) 10,3±2,6 11,8±3,4 440,6±80,9 65,1±17,5 -1,4±8,4 -7,3±12,1 8,7±1,5 66,6±15,8 HSS (n=15) 8,3±2,2 11,0±4,2 413,7±89,7 59,9±23,1 -7,6±11,3 -4,1±9,0 9,3±2,5 63,5±19,2 p 0,08 0,54 0,38 0,48 0,08 0,42 0,49 0,62 SDE = sonolência diurna excessiva; TC6’ = Teste de caminhada de 6 minutos; TME2’ = Teste de marcha estacionária de 2 minutos; Igla = Índice global de limitação das atividades Entretanto, observaram-se valores de PRmáx acima dos estipulados como referência de normalidade para a população feminina brasileira, na faixa dos 50 a 80 anos, tomando como base os valores determinados por Neder et al.19. Provavelmente, essa ocorrência se deu pelo fato de que, durante o sono REM, fase na qual ocorrem os episódios de obstrução completa ou parcial das vias aéreas superiores20, o tônus dos músculos esqueléticos fica extremamente reduzido, com exceção do diafragma e dos músculos extra-oculares. Nessa fase, a respiração depende principalmente da atividade do diafragma21, justificando essa resistência da musculatura diafragmática em pacientes com DRS/SDE. Su et al.10 afirmam ainda que o sono noturno, mesmo fragmentado, parece ter um efeito reparador sobre os músculos respiratórios, independentemente da gravidade do DRS, sugerindo que a musculatura é relativamente resistente ao aumento da carga inspiratória e à hipóxia, durante a obstrução das vias aéreas. Os resultados aqui encontrados mostram também que houve diferença significativa quanto à qualidade do sono entre os grupos: o grupo com SDE apresentou qualidade de sono muito ruim, diferentemente do grupo sem SDE. Esses achados confirmam os de Danda et al.22, para os quais portadores de SDE apresentam qualidade de sono ruim. Mesmo não sendo encontrada diferença estatisticamente significativa quanto à presença de ronco entre os grupos, pode-se observar que no HSS foi relatada presença de ronco leve; no HCS, ronco alto, que incomoda o parceiro 122 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):118-23 durante o sono. Esses dados estão de acordo com os de Seneviratne e Puvanendran23, que associam o ronco à SDE, afirmando que indivíduos que roncam com alta intensidade sofrem freqüentemente dessa sonolência. Também não houve diferença significativa entre hipertensas com e sem SDE quanto à capacidade funcional, variável que tem relação com a hipertensão e com os distúrbios do sono24,25; a CF, porém, se apresentou diminuída em todas as hipertensas, quando comparada aos valores de referência para a população idosa, determinados por Rikli e Jones17. Do mesmo modo, não houve diferença significativa entre os grupos quanto à limitação para atividades: os dois grupos tiveram grau moderado de limitação, de acordo com o Igla. No que se refere a essa diminuição da capacidade funcional de todas as hipertensas estudadas, os resultados encontram suporte em Alves et al.2, segundo os quais a hipertensão exerce influência significativa na dependência funcional do idoso. Estudos mostram que as doenças cardiovasculares são associadas a limitações funcionais e que são determinantes importantes de incapacidades em idosos entre 65 e 74 anos26. Todavia, os presentes achados relacionados à SDE diferem dos de Mulgrew et al. 27 , Martin28, Bittencourt et al.29 e Bakshi6 quando referem que, na presença da SDE, há diminuição da função motora e baixo desempenho na realização das atividades de vida diária, uma vez que os dados da presente pesquisa não mostraram diferença significativa quanto à capacidade funcional entre os grupos HCS e HSS. Entretanto, é importante observar que, no grupo com SDE, apenas 23,5% têm nível de atividade física moderado e 47,7% nível baixo; em contrapartida, no grupo que não apresentou SDE, 73,3% têm nível de atividade física moderado, concordando com Ambrosio e Geib30 quando relatam que indivíduos sedentários têm a chance de apresentar SDE aumentada em 60%, quando comparados aos que praticam atividade física. Os resultados quanto à capacidade funcional podem ter sido influenciados também pelo grau leve de SDE no grupo HCS, não alterando excessivamente o estado de alerta diurno das pacientes. Nunes et al.31 apontam que a redução da capacidade funcional está relacionada à interação de fatores multidimensionais – demográficos, sociais, econômicos, epidemiológicos e comportamentais. Idosos com baixa escolaridade e com renda per capita menor que 1 salário mínimo têm maior chance de pior capacidade funcional. Assim, o nível socioeconômico do grupo estudado parece ter influência em sua capacidade funcional. Um fator importante e que acarretou restrições ao estudo são os cochilos diurnos, que algumas idosas referiram fazer; esses dados, porém, não foram quantificados, não sendo possível analisá-los junto às outras variáveis. Deve-se ressaltar também, como limitação do estudo, a ausência de um grupo controle com pessoas não-hipertensas, o que reduz a possibilidade de análises comparativas mais acuradas. Há necessidade de estudos longitudinais e controlados, com maior número amostral, para ser analisada a estabilidade das medidas encontradas neste estudo acerca do comportamento das PRmáx e da capacidade funcional em idosas hipertensas com distúrbios do sono. CONCLUSÃO Os resultados do presente estudo indicam que a força dos músculos respiratórios não sofre alterações em decorrência da presença de SDE em idosas hipertensas e que essa sonolência também não interferiu na capacidade funcional das idosas pesquisadas. Pedrosa & Holanda Sonolência diurna em idosas hipertensas REFERÊNCIAS 1 Hajjar I, Lackland DT, Cupples LA, Lipsitz LA. Association between concurrent and remote blood pressure and disability in older adults. Hypertension. 2007;50:1026-32. 2 Alves LC, Leimann BCQ, Vasconcelos MEL, Carvalho MS, Vasconcelos AGG, Fonseca TCO, et al. A influência das doenças crônicas na capacidade funcional dos idosos do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2007;23:1924-30. 16 Mion Jr D, Machado CA, Gomes MAM, Nobre F, Kohlmann Jr O, Amodeo C, et al. IV Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol. 2004;82(Supl 4):S7-22. 17 Rikli RE, Jones CJ. 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Pesq. 2010;17(2):118-23 2010;17(2) 123 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.124-9, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Relação entre perfil psicomotor e estilo de vida de crianças de escolas do município de João Pessoa, PB Relationship between psychomotor profile and lifestyle among schoolchildren in João Pessoa, PB Neide Maria Gomes de Lucena1, Larissa Coutinho de Lucena2, Paulo Ortiz Rocha de Aragão3, Luana Gadê Bandeira de Melo4, Thiago do Valle Rocha5, Suellen Marinho Andrade6 Estudo desenvolvido no Laboratório de Ergonomia da Faculdade de Fisioterapia da UFPB – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil 1 Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia da UFPB 2 Fisioterapeuta; mestranda no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN 3 Prof. Dr. do Curso de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB 4 Fisioterapeuta; pós-graduanda no Curso de Especialização em Fisioterapia Dermato-Funcional da Faculdade Redentor, Recife, PE 5 Graduando em Fisioterapia na UFPB 6 Fisioterapeuta; mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Suellen M. Andrade R. Rejane Freire Correia 88 Edif. Gardon II, apt. 501 Jd Cidade Universitária 58052-197 João Pessoa PB e-mail: [email protected] O estudo recebeu apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico APRESENTAÇÃO ago. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 124 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):124-9 RESUMO: O objetivo do estudo foi comparar o grau de desenvolvimento psicomotor e o estilo de vida de crianças matriculadas nas redes pública e privada de ensino do município de João Pessoa, PB. O estilo de vida foi estimado pelo desempenho de atividades escolares e não-escolares. Participaram do estudo 74 crianças de 9 a 12 anos (10,5±1,2 anos), 38 meninas e 36 meninos. Para avaliação, foi aplicada a bateria de testes psicomotores de Picq e Vayer e um formulário com questões sobre atividades desempenhadas na escola e fora dela. Os dados revelam que, das 74 crianças avaliadas, 63 (85%) apresentavam distúrbios no desenvolvimento psicomotor, com maior incidência nas escolas da rede pública. Dentre as atividades escolares, 35% das crianças com distúrbio psicomotor indicaram não fazer atividade alguma no recreio; das que apresentaram desenvolvimento típico, nenhuma disse não fazer atividade alguma e 36% indicaram fazer esporte (contra 5% daquelas com distúrbio); quanto às atividades não-escolares, televisão, jogos eletrônicos e internet foram apontadas como preferidas por 44,3% das crianças com distúrbio, e por nenhuma com desenvolvimento típico. A preferência das crianças que apresentaram distúrbio por atividades mais estáticas sugere associação entre estilo de vida e perfil psicomotor. DESCRITORES: Criança/crescimento & desenvolvimento; Desempenho psicomotor; Estilo de vida ABSTRACT: The purpose of the study was to assess whether schoolchildren psychomotor development is related to lifestyle – the latter estimated by performance of school and non-school leisure activities. Seventy-four children (38 girls, 36 boys) aged 9 to 12 (10.5±1.2) years old were selected among those enrolled in public and private schools in João Pessoa, PB. They were assessed by means of the Picq & Vayer test battery and by a questionnaire on school and non-school leisure activities. Results show that, among the 74 sample children, 63 (85%) presented developmental disorder, mostly attending public schools. Among school activities, 35% of children with delay said they “do nothing” during recreation; among typical-development children, none said doing nothing and 36% said they practised sport (vs 5% of disordered children). As to non-school activities, television, internet and electronic games were singled out as favourites by 44.3% of children with delay, and by none among typical ones. The fact that children with psychomotor disorders preferably engage in less lively, physical, activities suggests an association between lifestyle and psychomotor profile. KEY WORDS: Child/growth & development; Life style; Psychomotor performance Lucena et al. Motricidade infantil e estilo de vida INTRODUÇÃO O estilo de vida é um modo de viver baseado em padrões identificáveis de comportamento no bojo das relações entre características pessoais, sociais, condições socioeconômicas e ambientais. Engloba uma série de fatores como hábitos alimentares, nível de estresse, atividade física, relação com esferas institucionais como família, escola, trabalho, dentre outros1. O desenvolvimento da criança é multifatorial, dependendo de sua predisposição genética e da ação de elementos ambientais. O ambiente em que está inserida pode facilitar ou não sua evolução física e cognitiva, dependendo das experiências que vivencia2. O desenvolvimento psicomotor ocorre principalmente na infância, mais especificamente na fase pré-escolar. Os pais, as escolas e os educadores devem permitir que as crianças tenham a oportunidade de vivenciar cada etapa de seu desenvolvimento3. O sucesso escolar – construção social freqüentemente formada por concepções compartilhadas por pais e alunos – envolve a interação direta dos pais com o cotidiano das crianças e a relação pais-escola. Diante da participação ativa dos pais, tem-se demonstrado que as crianças apresentam melhora nas habilidades acadêmicas, diminuindo os riscos de insucesso escolar4. Os estudos clássicos sobre componentes motores de crianças podem ser classificados em duas correntes: ligados às pesquisas norte-americanas, no domínio da chamada perceptivo-motricidade, onde se destacam os trabalhos de Getman5, Frostig e Orpet6; e aqueles ligados à corrente européia da psicomotricidade, com uma visão aproximada do modelo neurofuncional de Luria7, onde se inserem as pesquisas de Rossel8 e Wallon9. Os estudos de Fonseca e Mendes10 e Rosa Neto11 abordam questões relativas à transcendência psicológica e seu paradigma central, e não à simples mensuração das funções psicomotoras em termos de precisão e velocidade, que tradicionalmente caracterizam os estudos a respeito, amplamente aplicada em investigações de crianças. Neste estudo optou-se por utilizar o instrumento desenvolvido por Picq e Vayer12 em 1965, para análise das funções psicomotoras da segunda infância. Esse instrumento baseia-se nos elementos da educação psicomotora, compreendida como a educação da criança por seu próprio corpo em movimento, tendo como proposta estimular a criança a desenvolver suas potencialidades e ter acesso ao mundo escolar, por meio do conhecimento de si mesma e do mundo que a cerca13. O presente trabalho teve como objetivo verificar se há relação entre o grau de desenvolvimento psicomotor – típico ou não – e o estilo de vida, estimado pela participação em atividades escolares e não-escolares, de crianças matriculadas na rede pública e privada de ensino do município de João Pessoa, PB. METODOLOGIA Este estudo foi do tipo descritivo, com corte transversal. O universo amostral foi constituído por 114 alunos de 8 instituições de ensino do município de João Pessoa, sendo 4 escolas da rede pública e 4 da rede privada. A seleção da amostra foi não-probabilística, do tipo intencional. Foram critérios de inclusão ter entre 6 e 12 anos, estar formalmente matriculado e freqüentar regularmente a instituição escolar. A perda amostral (65%) foi maior do que a prevista devido ao número de crianças excluídas por não pertencerem à faixa etária predeterminada, por terem sido transferidas de escola ou por não terem sido autorizadas a participar pelos pais ou responsáveis. Desse modo, este estudo avaliou 74 crianças, de 9 a 12 anos, sendo 44 crianças da rede pública e 30 crianças da rede privada de ensino da cidade de João Pessoa. Esta pesquisa foi conduzida em concordância com os padrões éticos, sendo os formulários dirigidos às crianças somente aplicados mediante permissão dos pais ou responsáveis, confirmada pela assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Ao final do estudo, foram realizadas oito reuniões, uma em cada escola, com a presença do respectivo corpo docente (diretores, coordenadores pedagógicos e professores) e dos pais ou responsáveis das crianças, para a divulgação dos resultados da pesquisa. A partir da apre- sentação dos resultados, foram identificadas situações-problema e definidas estratégias envolvendo ações conjuntas da família e da escola. Procedimentos As crianças participantes do estudo foram avaliadas quanto à presença ou não de distúrbio no desenvolvimento psicomotor pela bateria psicomotora da segunda infância desenvolvida por Picq e Vayer que, além de ser validada, reprodutível e com excelente confiabilidade intra e interavaliador (coeficiente de correlação intraclasse = 0,99)12, permite analisar se aspectos psicomotores, como coordenação, organização espacial e equilíbrio, se encontram ou não de acordo com a idade cronológica da criança. Após aplicação dos testes, verifica-se a idade motora pela média da soma dos resultados de cada item, comparandose, por meio de tabela normativa do manual do teste, a idade motora obtida à da idade cronológica da criança. Considerou-se, neste estudo, “distúrbio” no desenvolvimento motor quando a idade motora da criança era inferior ao padrão esperado para a idade cronológica, a exemplo dos estudos de Guilmain e Guilmain14, Vayer et al.15 e Fonseca16. Os três examinadores que aplicaram as avaliações foram treinados de modo a aplicar o exame de forma padronizada. Um examinador foi o padrão, reexaminando 33,3% da amostra em uma segunda visita a cada instituição. Para a realização das provas foram utilizados os seguintes materiais, confeccionados pelos pesquisadores e aplicados em protocolos baseados na literatura17,18: • Coordenação dinâmica geral: banco de 15 cm de altura, corda de 2 m, elástico, suporte para saltar, uma caixa de fósforos e uma cadeira de 45 cm de altura. • Coordenação das mãos: 6 cubos de 2,5 cm; linha nº 60, agulha de costura (1 cm x 1 mm), um cordão de sapatos de 45 cm, cronômetro, papel de seda (5 x 5 cm), bola de borracha ou bola de tênis de campo (± 6 cm de diâmetro), alvo de 25 x 25 cm, lápis nº 2 e prova de labirintos. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):124-9 2010;17(2) 125 • Equilíbrio: banco de 15 cm e cronômetro. RESULTADOS • Esquema corporal: lápis nº 2, borracha e folha branca. Os resultados da avaliação psicomotora indicam que, das 74 crianças avaliadas, 63 apresentavam distúrbio psicomotor – ou seja, idade motora inferior à esperada – enquanto 11 não apresentavam qualquer alteração (Tabela 1). As 74 crianças eram 38 meninas e 36 meninos; dentre as meninas, 92% apresentavam distúrbio e, entre os meninos, 77%. Não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre sexo e distúrbio psicomotor (χ2=2,99; V=0,20; p=0,83), nem entre o tipo de escola (pública ou privada) e distúrbio psicomotor (χ22=1,05; V=0,11; p=0,30). • Dominância lateral: bola, tesoura, cartão de 15 cm x 25 cm com um furo no centro de 0,5 cm de diâmetro e tubo de cartão. • Organização látero-espacial: 3 bolas de cores diferentes, figuras de boneco esquematizado. • Rapidez: folha quadriculada (1 cm de lado cada quadrado) com 25 quadrados por 18; cronômetro e lápis nº 2. • Estrutura espaciotemporal: lápis nº 2, folha branca e cartões com desenhos das estruturas espaciais. Tabela 1 Os testes foram realizados individualmente, em locais silenciosos, bem iluminados, arejados e livres de interrupções exteriores, tendo uma duração média de 20 a 35 minutos. A coleta de dados sobre o estilo de vida foi feita por meio de entrevistas com as crianças, utilizando um formulário estruturado adaptado da ficha de avaliação neurológica do Serviço de Fisioterapia Infantil da UFPB, contendo questões sociodemográficas e perguntas relacionadas a atividades escolares (realizadas durante o recreio e complementares, ou seja, optativas, não-inseridas entre as disciplinas obrigatórias da escola) e a atividades não-escolares (domiciliares e complementares – essas últimas desenvolvidas fora do domicílio, no tempo livre das crianças). Análise estatística Os dados foram organizados e tabulados utilizando-se o programa SPSS v.11.5. Os dados demográficos e as atividades realizadas pelas crianças são apresentados de forma descritiva. O teste de qui-quadrado (χ2) foi utilizado para comparar as freqüências entre os grupos analisados. Para avaliação da correlação entre variáveis categóricas realizou-se o teste V de Cramer; o coeficiente Kappa foi empregado para verificar a concordância entre os examinadores e o padrão, sendo valores de p<0,05 considerados significantes. 126 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):124-9 Distribuição da amostra por sexo e tipo de escola, segundo a presença ou não de distúrbio psicomotor (n=74) Sexo Esc pública Esc privada Total n F 23 M 16 Total 39 F 1 Sem M 4 Total 5 Com Total 44 % 59 41 100 20 80 100 n % n 12 50 35 12 50 28 24 100 63 2 33,3 3 4 66,7 8 6 100 11 30 74 Esc = escola; F = feminino; M = masculino A média de idade das crianças foi de 10,5±1,2 anos, sendo observada maior prevalência de distúrbio psicomotor na faixa de 9 a 10 anos, correspondendo a 47,2% (n=25) do total de crianças avaliadas. Em relação à classe social, 30 crianças (40,5%) eram de classe baixa, sendo 28 de escolas públicas e 2 de escolas privadas; 39 (52,7%) eram de classe média, sendo 16 de escolas públicas e 23 de escolas privadas; e 5 (6,7%) eram de classe alta, todas estas de escolas privadas. As respostas sobre a atividade mais realizada, tanto dentro como fora da escola, pelas crianças com e sem alterações psicomotoras, estão sintetizadas na Tabela 2. Dentre as crianças com distúrbio psicomotor, 34,9% responderam “nenhuma” atividade no recreio, e quase metade (47,6%) indicaram “outras” atividades. Na categoria “outras”, dentre outras atividades, as apontadas de forma mais expressiva foram brincar de pega-pega (22,9%) e conversar com amigos (13,5%). Em contrapartida, a atividade mais relatada pelas crianças sem distúrbio psicomotor foi esporte (36,3%), seguida de jogar bola de gude, pular corda e amarelinha. Dentre as atividades escolares complementares (nãoobrigatórias oferecidas pela escola), a maioria das crianças com distúrbio psicomotor referiram não realizar atividade alguma (47,6%), enquanto o esporte foi a atividade mais apontada pelas crianças sem distúrbio (63,6%). Em relação às atividades não-escolares domiciliares, assistir à televisão (31,7%) e ajudar os pais (26,9%) foram as atividades mais referidas pelas crianças que apresentaram distúrbio no desenvolvimento motor. Vale salientar que apenas elas também apontaram como atividades mais executadas em casa itens como navegar na internet (6,3%) e jogos eletrônicos (6,3%). Atividades mais dinâmicas, como praticar esporte (36,3%) e andar de bicicleta (27,2%), foram mais indicadas pelas crianças sem distúrbios motores. Quanto às atividades realizadas fora de casa, as crianças com distúrbio psicomotor indicaram “nenhuma” (47,6%), seguida de esporte (25,3%) e natação (11,1%). As crianças que não apresentaram distúrbio psicomotor indicaram majoritariamente a prática de esportes (45,4%), tendo ainda três delas indicado balé, dança e natação, mostrando-se mais ativas do que as crianças com distúrbio. Buscou-se verificar se haveria relação entre as atividades complementares que as crianças desenvolviam dentro e fora da escola. O valor do χ2 foi de 14,14 com uma probabilidade associada de p menor que 0,05 para um grau de liberdade de 1; o V de Cramer obtido foi de 0,33, indicando que aproximadamente 11% da variação da freqüência das atividades complementares escolares pode ser explicada pela variação da freqüência das atividades complementares não-escolares. Assim, verifica-se que há uma fraca correlação positiva entre as atividades complementares que as crianças realizam dentro e fora do contexto escolar. Lucena et al. Tabela 2 Motricidade infantil e estilo de vida Distribuição das crianças com e sem distúrbio psicomotor segundo participação em atividades escolares e não-escolares (n=74) Atividades Escolares Com n % Sem n % No recreio Esporte 3 4,7 Bola de gude 0 0,0 Pular corda 3 4,7 Brincar de boneca 3 4,7 Amarelinha 2 3,1 Outras 30 47,6 Nenhuma 22 34,9 4 2 2 1 2 0 0 36,3 18,1 18,1 9,0 18,1 0,0 0,0 Subttl 63 100,0 11 100,0 % n % Complementares n Esporte Balé Dança Arte marcial Teatro Música Capoeira Artes plásticas Natação Nenhuma 3 6 2 4 2 8 2 4 2 30 4,7 9,5 3,1 6,3 3,1 11,2 3,1 6,3 3,1 47,6 7 63,6 2 18,1 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 9,0 0 0,0 0 0,0 1 9,0 0 0,0 Subttl 63 100,0 11 100,0 Não-escolares Domiciliares n % Assistir televisão 20 31,7 Internet 4 6,3 Jogos eletrônicos 4 6,3 Esporte 9 14,2 Andar de bicicleta 0 0,0 Pular corda 1 1,5 Brincar de boneca 5 7,9 Ajudar os pais 17 26,9 Outras 3 4,7 Nenhuma 0 0,0 n % 0 0,0 0 0,0 0 0,0 4 36,3 3 27,2 0 0,0 0 0,0 2 18,1 1 9,0 1 9,0 Subttl 63 100,0 11 100,0 n % n % Complementares Esporte Balé Dança Arte marcial Música Artes plásticas Natação Outras Nenhuma 16 0 0 2 5 1 7 2 30 25,3 0,0 0,0 3,1 7,9 1,5 11,1 3,1 47,6 5 45,4 1 9,0 1 9,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 9,0 1 9,0 2 18,1 Subttl 63 100,0 11 100,0 Tabela 3 Distribuição das crianças segundo as atividades desenvolvidas no final de semana por tipo de escola (pública ou privada) e valor de p da comparação entre os tipos de escola (n=74) Atividades desenvolvidas no final de semana Ajudar os pais Praticar esportes Ir à igreja Ir ao shopping Ir à praia Viajar Jogos eletrônicos Ver TV Internet Visitar familiares Brincar Estudar Passear Ir a clube/piscina Escola pública Sim Não n % n % 7 17 5 6 15 4 3 9 5 12 25 1 3 3 9,4 22,9 6,7 8,1 20,2 5,4 4,0 12,1 6,7 16,2 33,7 1,3 4,0 4,0 37 27 39 38 29 40 41 35 39 32 19 43 41 41 Quanto ao cotidiano do final de semana, os resultados obtidos mostram que as crianças de escola privada freqüentam mais o shopping (p=0,02), usam mais jogos eletrônicos (p=0,03) e utilizam mais a internet (p=0,02) do que as crianças de escola pública. Os dados referentes às atividades realizadas pelas crianças durante o final de semana encontram-se na Tabela 3. No que se refere à concordância entre os examinadores e o reteste, a concordância média entre o examinadorpadrão e o primeiro examinador foi de 95,2% e de 90,8% com o segundo examinador. A concordância entre os resultados do examinador-padrão em duas diferentes visitas foi de 97,9%, revelando a acurácia do padrão. O coeficiente Kappa foi calculado para cada variável examinada e a média dos valores na análise entre o examinador 1 e o reteste foi 0,77; entre o examinador 2 e o reteste foi 0,71; e entre o padrão em 2 exames distintos foi 0,94. A concordância entre os examinadores para as diversas variáveis, avaliada pelo coeficiente Kappa, variou de 0,32 a 1,00. Esses valores médios, registrados para os três examinadores, demonstram elevado grau de reprodutibilidade dos exames realizados. 50,0 36,4 52,7 51,3 39,1 54,0 55,4 47,2 52,7 43,2 25,6 58,1 55,4 55,4 Escola privada Sim Não n % n % 4 14 2 11 12 1 6 7 10 10 14 1 3 3 5,4 18,9 2,7 14,8 16,2 1,3 8,1 9,4 13,5 13,5 18,9 1,3 4,0 4,0 26 16 28 19 18 29 24 23 20 20 16 29 27 27 35,1 21,6 37,8 25,6 24,3 39,1 32,4 31,0 27,0 27,0 21,6 39,1 36,4 36,4 p 0,51 0,32 0,41 0,02 0,39 0,32 0,03 0,49 0,02 0,38 0,26 0,65 0,46 0,46 DISCUSSÃO Estes resultados indicam que grande porcentagem de crianças apresentavam distúrbios no desenvolvimento psicomotor, tendo-se verificado algumas relações entre tais distúrbios e o estilo de vida, definido pelas atividades desempenhadas dentro e fora da escola. Neste estudo não se constataram diferenças entre os sexos quanto à presença de distúrbio psicomotor, o que corresponde aos achados de Pereira e Tudella19 que, ao traçarem o perfil psicomotor de escolares, verificaram eqüidade nas respostas de meninas e meninos em categorias psicomotoras como praxia e organização espaço-temporal. A pouca variabilidade quanto ao desempenho motor ligado ao sexo também foi verificada em um estudo realizado por Mastroiani et al.18 com 24 crianças, onde se avaliou a relação entre o desenvolvimento psicomotor e a idade cronológica, utilizando a mesma bateria de testes de avaliação psicomotora de Picq e Vayer usada neste estudo. Os autores demonstraram que, apesar das diferenças entre meninos e meninas, o desempenho psicomotor em ambos os sexos é semelhante, sendo possível constatar que o envolvimento das meninas em atividades esportivas tem aumentado, resultan- Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):124-9 2010;17(2) 127 do em uma maior participação dos meninos e meninas nas mesmas brincadeiras e redução na amplitude das diferenças entre os sexos. No entanto, segundo Schwengber20, estudos no campo das relações de gênero apontam diferenças no desenvolvimento motor de meninos e meninas, enfatizando o papel determinante da socialização. Neste trabalho, a maioria das crianças que exerciam atividades mais estáticas, sem muita demanda física, apresentavam algum distúrbio no desenvolvimento psicomotor, o que é confirmado no estudo de Cesário21, sugerindo que a atividade física poderia estar implicada nas fases de desenvolvimento. As atividades escolares e não-escolares mais desenvolvidas pelas crianças deste estudo apontam para o esporte como uma das práticas mais freqüentes, em vários contextos; segundo Oliveira22, combinações de saltar, correr, lançar e pegar, em diferentes movimentos esportivos, durante a fase escolar, auxiliam o desenvolvimento infantil. Neste estudo, foi encontrada associação entre as atividades físicas e o perfil psicomotor das crianças analisadas. Há um reconhecimento da necessidade de 128 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):124-9 estudos sobre esses determinantes em crianças, uma vez que pesquisas epidemiológicas apontam uma relação alarmante entre sedentarismo e morbidade23. Quanto ao cotidiano das crianças, foram encontradas diferenças entre aquelas matriculadas em escolas públicas e privadas. Tais discrepâncias podem estar relacionadas às diferenças socioeconômicas dos sujeitos. Gaya e Guedes24, em um estudo sobre o nível socioeconômico e os hábitos de vida de escolares de 7 a 14 anos, encontraram, quanto à organização do cotidiano e às práticas desportivas, diferenças estatisticamente significativas a favor do nível socioeconômico mais privilegiado. Os resultados deste estudo sugerem a importância da escola como elemento de peso no desenvolvimento infantil. Observações semelhantes foram referidas por Diniz et al.25, ao realizar um estudo em Portugal com 30 crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, matriculadas na rede pública. Buscaram identificar diferenças motoras entre os escolares utilizando o teste de proficiência motora de Bruininks e Ozeretsky e observaram que as crianças com deficit de aprendizagem apresentaram alta prevalência de problemas de integração ves- tibular, tônico-postural e proprioceptiva, o que, segundo os autores, deixa clara a necessidade de uma observação precoce, por parte da escola, da proficiência motora e da psicomotricidade das crianças. Algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas. A amostra selecionada é pequena. Além disso, a presente pesquisa é um estudo transversal; estudos prospectivos poderão acompanhar a evolução dos parâmetros psicomotores de escolares por certo período; também é possível investigar relações entre família, escola e o processo de desenvolvimento das crianças. CONCLUSÃO Os resultados desta pesquisa demonstram que as crianças com distúrbio no desenvolvimento motor realizam atividades mais estáticas quando comparadas às crianças de perfil típico, preferindo ocupações como assistir televisão, navegar na internet, jogar jogos eletrônicos, ou mesmo não realizar atividade física alguma, tanto no contexto escolar como domiciliar, sugerindo associação entre estilo de vida e desenvolvimento psicomotor. Lucena et al. Motricidade infantil e estilo de vida REFERÊNCIAS 1 World Health Organization. The World Health report 1998: life in the 21st century; a vision for all. Geneva; 1998. 16 Fonseca V. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes; 1996. 2 Bee H. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed; 2003. 17 Picq L, Vayer P. Educação psicomotora e retardo mental. São Paulo: Manole; 1988. 3 Lapierre A. O adulto diante da criança de 0 a 3 anos: psicomotricidade relacional e formação da personalidade. Curitiba: Ed. UFPR; 2002. 4 Goddard R, Tschannen M M, Hoy, W. A multilevel examination of the distribution and effects of teacher trust in students and parents in urban elementary schools. Elem Sch J. 2001;102(1):3-17. 18 Mastroianni ECQ, Bofi T, Saita L, Cruz M. ABCD no LAR: aprender, brincar, crescer e desenvolver no Laboratório de Atividades Lúdico-Recreativas. In: Pinho S, Saglietti J, organizadores. Núcleos de ensino. São Paulo: Ed. Unesp; 2006. p.557-67. 5 Getman GN. The physiology of readiness. Minneapolis: Pass; 1964. 6 Frostig M, Orpet RE. Cognitive theories and diagnostic procedures for children with learning dificulties. New York: McGraw-Hill; 1972. 7 Luria AR. La organisación funcional del cérebro. Barcelona: Bluse; 1975. 8 Rossel G. Manuel d'éducation psycho-motrice. Paris: Masson; 1975. 9 Wallon H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Ed. 70; 1978. 10 Fonseca V, Mendes N. Escola, escola, quem és tu? Perspectivas psicomotoras do desenvolvimento humano. 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Influência da atividade física no desenvolvimento motor e rendimento escolar em crianças do fundamental [monografia]. Caucaia: Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual Vale do Acaraú; 2008. 22 Oliveira JA. Padrões motores fundamentais: implicações e aplicações na educação física infantil. Interação. 2002;6(6):37-41. 23 Barros SSH. Padrão de prática de atividades físicas de crianças em idade pré-escolar [disssertação]. Florianópolis: Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina; 2005. 24 Gaya A, Guedes C. Estilos de vida; um retrato da realidade; estudo associativo do nível socioeconômico sobre hábitos de vida dos escolares das escolas da rede pública municipal e privada de Porto Alegre. Rev Perfil. 2002;1(6):35-49. 25 Diniz A, Fonseca V, Moreira NR. Proficiência motora em crianças normais e com dificuldade de aprendizagem: estudo comparativo e correlacional com base no teste de proficiência motora de Bruininks-Oseretsky. Rev Educ Fis (Maringá). 2000;11(1):11-26. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):124-9 2010;17(2) 129 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.130-5, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Posicionamento da pelve e lordose lombar em mulheres com incontinência urinária de esforço Pelvis position and lumbar lordosis in women with stress urinary incontinence Thaís Helena Prado Araújo1, Luciana Teodora Pereira Francisco1, Raquel Freire Leite2, Denise Hollanda Iunes3 Estudo desenvolvido na Clínica de Fisioterapia da Unifenas – Universidade José do Rosário Velano, Alfenas, MG, Brasil 1 Fisioterapeutas 2 Fisioterapeuta; Profa. do Curso de Fisioterapia da Unifenas 3 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Thaís Helena Prado Araújo R. Amélio da Silva Gomes 278 Centro 37130-000 Alfenas MG e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO ago. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 130 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):130-5 RESUMO:O objetivo do estudo foi averiguar possível associação do posicionamento da pelve e da lordose lombar com incontinência urinária por esforço (IUE), por meio de análise fotogramétrica e radiográfica, comparando também os resultados dos dois métodos. Vinte mulheres com IUE foram comparadas a 20 mulheres controles, sem IU; de todas foram tiradas fotografias da região pélvica, onde se analisaram a simetria da pelve anterior e posterior, a lordose lombar (LL) e a báscula de pelve (BP). Na radiografia da coluna lombossacra foram mensurados os ângulos de Cobb, o lombossacro e de inclinação sacral. As comparações dos resultados foram tratadas estatisticamente, com nível de significância de 5%. Não foi encontrada diferença significativa na simetria da pelve ou na lordose lombar comparando-se os dois grupos, à exceção do ângulo BP (-3,69 nas incontinentes e -8,18, nas controles), indicando tendência à anteversão pélvica nessas últimas. Dos demais ângulos não houve diferenças entre os grupos, tendo as mulheres com IUE apresentado tantas alterações na pelve quanto as mulheres continentes, sugerindo que a LL e o posicionamento da pelve não influem na IUE. Na comparação dos dados obtidos por radiografia e fotogrametria, no conjunto da amostra, apenas uma fraca correlação foi encontrada entre a medida da lordose lombar por fotogrametria e a do ângulo sacral por radiografia. DESCRITORES: Incontinência urinária por estresse/etiologia; Lordose; Mulheres; Pelve/radiografia; Postura ABSTRACT: The purpose here was to search for associations between lumbar lordosis and pelvis position, on the one hand, and stress urinary incontinence (SUI) on the other, by means of photogrammetry and radiography, also comparing results obtained by the two methods. Twenty women with SUI were compared to 20 continent controls. Lumbar lordosis (LL), pelvis symmetry, and pelvic bascule (PB) were analysed on the photographs taken; on radiographies of the lumbosacral spine, Cobb, lumbosacral and sacral inclination angles were measured. Comparisons between results were statistically analysed and significance level set at 5%. No significant differences were found between groups as to pelvis symmetry or LL, but a difference was found in the PB angle (-3.69 in SUI group, -8.18 in control), pointing to a trend to pelvis anteversion in the latter. As to the other angles, no differences were found between the groups; both women with SUI and controls presented as many pelvic changes, thus suggesting that LL and pelvis position do not interfere in SUI. The comparison between data of the total sample obtained by photogrammetry and radiography showed only a poor correlation between LL as measured by photography and the sacral angle as measured by radiography. KEY WORDS: Lordosis; Pelvis/radiography; Posture; Urinary incontinence, stress/ etiology; Women Araújo et al. Pelve e lordose em mulheres com IUE INTRODUÇÃO Incontinência urinária (IU), segundo a Sociedade Internacional de Continência1, é qualquer perda involuntária de urina2,3, sendo classificada como incontinência urinária por esforço (IUE), de urgência ou mista2-4. A IU é muito pesquisada por ser uma afecção comum, principalmente em mulheres2, com tendência a aumentar sua prevalência devido ao aumento da expectativa de vida 2 . Tem sido subdiagnosticada devido ao constrangimento ou porque grande parte delas considera a perda urinária como um processo natural5,6. A IUE é o tipo mais comum e ocorre com freqüência entre as mulheres2,3,7,8, estima-se que em 25 a 40% das mulheres adultas9. Tem causa multifatorial, gera exclusão social, interferindo na saúde física, mental e na qualidade de vida da paciente2,9-11. As diferenças anatômicas do sexo feminino, alterações hormonais, os traumas relacionados às gestações e partos favorecem o deslocamento e enfraquecimento dos músculos do períneo, principalmente o músculo detrusor, explicando a vulnerabilidade à IUE7. Estudos relatam alta prevalência de IUE em mulheres no climatério8,11-15. Outros fatores de risco que predispõem à IUE são: número de gestações8,12,13,15,16, obesidade8,13,16,17, partos vaginais12,13,15,17,18, peso do recém-nascido13,15, deficiência estrogênica8,12-14,16,18, condições associadas a aumento da pressão intra-abdominal13, tabagismo13, doenças do colágeno13,16, neuropatias8,12-14 e histerectomia prévia13,17. Segundo Dedicação et al.12, a influência desses fatores ainda não é bem definida. A relação entre as alterações na posição da pelve e a predisposição à IUE é citada por alguns autores4,10,14. A posição da pelve é mantida pela ação equilibrada dos músculos abdominais, dos extensores vertebrais e do quadril4,19. Quando esses grupos musculares se encontram enfraquecidos para fixar e manter a posição da cintura pélvica, esta inclina-se para frente e os conteúdos abdominais e pélvicos pressionam com seu peso total a parede abdominal, que se estira. O aumento da pressão sobre o assoalho pélvico também pode promover prolapso genital4. A ação equilibrada dos músculos estria- dos do assoalho pélvico em combinação com suas fixações fasciais, atuando juntos na pelve10,19,20, pode evitar o deslocamento dos órgãos pélvicos, manter a continência e controlar as atividades expulsivas. Alguns estudos10,21 relatam que há ligação entre a pelve e a cavidade abdominal: ocorrendo variações de pressão na cavidade abdominal, esta se transmite para as estruturas pélvicas. O bom equilíbrio da bacia depende da condição postural, ou seja, a pelve bem posicionada propicia o equilíbrio dos órgãos pélvicos dentro da cavidade abdominal, favorecendo suas funções10,21. A reeducação postural é citada como essencial nesse mecanismo continente, uma vez que a pelve, estaticamente equilibrada, contribuirá para a manutenção de um posicionamento correto das vísceras abdominais e um perfeito funcionamento dos órgãos de sustentação, favorecendo a correta transmissão das pressões intra-abdominais10,21. Embora essa relação entre alterações no posicionamento da pelve e IU tenha sido descrita, não foram encontrados trabalhos investigando de forma quantitativa tais alterações em mulheres com incontinência. Portanto, o objetivo deste trabalho é verificar, por meio de radiografia e fotogrametria, se mulheres com IUE apresentam alterações no posicionamento da pelve e da coluna lombar, quando comparadas a mulheres continentes, bem como verificar se há relação entre os resultados encontrados pela fotografia quando comparados aos radiográficos. METODOLOGIA Para este ensaio experimental prospectivo e de distribuição não-aleatória dos casos, foram avaliadas 40 mulheres, divididas em dois grupos: grupo IUE, de 20 mulheres com diagnóstico de IUE, que iniciaram tratamento dessa condição na clínica de Fisioterapia da Unifenas, com idade média de 55,5±7,3 anos, peso médio de 68,4±12,8 kg e altura média de 1,57±0,08 m; no grupo controle (C) foram reunidas 20 voluntárias continentes, com idade média de 45,8±7,4 anos, peso médio de 63,8±14,2 kg e altura média de 1,60±0,06 m, escolhidas na população de Alfenas. Todas receberam informações e assinaram um termo de consentimento formal, concordando em participar da pesquisa, que foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Unifenas. O critério de inclusão no grupo IUE foi apresentar diagnóstico clínico de IUE; para o grupo C, mulheres continentes, sem qualquer tipo de IU, que concordaram em participar do estudo. Os critérios de exclusão foram estar grávida, apresentar alterações neurológicas, artrite reumatóide ou história de fratura de quadril e pelve; para o grupo IUE, excluíram-se as que apresentavam outros tipos de IU. As voluntárias foram avaliadas por um formulário de avaliação e pelo teste do absorvente (pad test)16 de uma hora, para seleção e comprovação do quadro de IUE ou de sua ausência. Esse formulário questionava a existência de perda urinária em algumas situações de esforço conforme descrito na literatura 18, como tossir, correr, pular, caminhar, relação sexual, levantar, ortostatismo, mudança de decúbito, sentar, espirrar, rir e por estímulos sensitivos (contato com água, frio, emoção, barulho). O teste do absorvente consistiu em solicitar inicialmente o esvaziamento da bexiga, seguido da colocação de um protetor íntimo, cujo peso foi aferido por uma balança digital (Filisola Baby). Em seguida, as voluntárias ingeriram 400 ml de água potável durante um período de 45 minutos, em repouso. Após esse período foram orientadas a realizar algumas atividades: deambulação por 30 minutos no plano horizontal; sentar e levantar 6 vezes; subir e descer 20 degraus de escada; tossir 10 vezes; correr por 1 minuto; lavar as mãos em água corrente por 1 minuto. A seguir, retirou-se o protetor íntimo e verificou-se o peso, para detectar a perda ou não de urina16. Após a avaliação, a voluntária foi fotografada em trajes sumários da cintura para baixo no plano frontal anterior e posterior e no plano sagital. Para o registro fotográfico, as participantes permaneceram em ortostatismo, posicionadas em local previamente marcado com uma distância padrão de 2,4 m da máquina fotográfica à voluntária22. Os seguintes pontos anatômicos foram marcados no corpo das voluntárias Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):130-5 2010;17(2) 131 para servir como referência para traçar os ângulos avaliados: espinhas ilíacas póstero-superior e póstero-inferior; espinhas ilíacas ântero-superior (bilateral) e póstero-superior22. Para a marcação, no plano frontal anterior e posterior, foram utilizadas etiquetas auto-adesivas brancas (Pimaco) e, no plano sagital, foram utilizadas hastes plásticas laranja aderidas à pele por fitas dupla-face, de modo a ficar mais visíveis na fotografia22. O registro fotográfico foi feito com uma máquina digital (Sony Cybershot 5.1 mega pixels), posicionada paralela ao chão, sobre um tripé nivelado, a 1 m do chão. A sala estava bem iluminada, com fundo não-reflexivo e reservada, permitindo a privacidade da fotografada. Em cada posição foi feito um registro fotográfico. Todos os registros e a aplicação dos marcadores foram feitos por uma única pesquisadora. Os registros fotográficos digitais foram analisados por meio do programa Alcimagem – 2000 (v.1,5). Um único examinador cego e treinado analisou as fotografias e recebeu instruções para padronização das medidas. A cada análise, o examinador realizou três medidas consecutivas22. Foram analisados os seguintes ângulos, descritos por Iunes et al.22: no plano frontal anterior, ângulo AS, para verificar a simetria das espinhas ilíacas ântero-superiores; no plano frontal posterior, ângulo PS para verificar a simetria das espinhas ilíacas póstero-superiores. No plano sagital foram analisados os ângulos lordose lombar (LL) e báscula de pelve (BP). O ângulo denominado LL é formado pela interseção da reta que une o processo espinhoso de T12 ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de L3 no fio de prumo, e a reta que une o processo espinhoso de L5 ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de L3 no fio de prumo. O ângulo denominado BP avalia a báscula pélvica, sendo formado pela interseção da reta que une a espinha ilíaca ânterosuperior à espinha ilíaca póstero-inferior e a reta paralela ao solo. Todas as voluntárias submeteram-se depois a radiografias da coluna lombossacra, nas vistas ântero-posterior e perfil, para avaliação do alinhamento da coluna vertebral. Todas as radiografias foram feitas no mesmo serviço. Os exames foram numerados aleatoriamente para que fossem analisados por um único examinador cego, que mediu os ângulos de Cobb, lombossacro e de inclinação sacral23. O ângulo de Cobb é obtido traçandose retas perpendiculares intersectantes, a partir das tangentes sobre a superfície superior de L1 (A) e superfície superior de S1 (B). O encontro dessas duas retas forma o ângulo de Cobb (Figura 1a), cujo valor normal varia de 40º a 60º; menor que 40º, ocorre uma retificação, e maior que 60º, corresponde a hiperlordose23. O ângulo sacral (AºS) mede a inclinação sacral, sendo formado pela interseção de uma linha traçada superiormente à primeira vértebra sacra (A) com uma linha (B) horizontal (Figura 1b). Seu valor médio é de 30º23. Valores superiores a 30º indicam um sacro horizontalizado e inferiores a 30º, verticalizado. O ângulo lombossacro (AºLS) é formado entre o eixo longitudinal da quinta vértebra lombar (A) e (B) o eixo do sacro (Figura 1c). Tem um valor médio de 140º, também avalia a posição sacral23: em valores inferiores o sacro é considerado verticalizado e superiores, horizontalizado. Os ângulos medidos (em graus) nas fotografias e radiografias das participantes dos dois grupos foram comparados pelo teste U de Mann-Whitney. Para a análise da correlação entre os resultados fotogramétricos e radiográficos foi usado o coeficiente de correlação linear de Pearson, no nível de significância de 5%. Foram utilizados os programas GMC (v.8.1, 2002) e SPSS (v.8.0, 1997). S1 Figura 1 132 a b c Ilustração do traçado em radiografia dos ângulos de Cobb (a), de inclinação sacral (b) e lombossacro (c) Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):130-5 Araújo et al. Pelve e lordose em mulheres com IUE RESULTADOS Na análise fotográfica, não foi encontrada diferença na simetria da pelve ou na lordose lombar comparando-se os dois grupos, à exceção do ângulo BP (báscula de pelve), cuja maior média no grupo controle sugere maior tendência a anteversão pélvica (Tabela 1). A análise do posicionamento lombar e sacral por radiografia também não revelou diferença entre os dois grupos (Tabela 1). las com IUE não apresentaram maiores alterações posturais de pelve do que as do grupo controle. Esse achado afasta a possibilidade de a alteração da pelve causar a IUE. Alguns autores10,24 afirmam que uma pelve estaticamente equilibrada nos planos frontal, sagital e horizontal contribui para a continência nas situações de aumento da pressão abdominal. Os resultados deste trabalho discordam daqueles achados, pois, ao avaliar a simetria das espinhas ilíacas Tabela 1 Ângulos medidos (em graus, média ± anteriores e posteriores na fodesvio padrão) por fotogrametria e por togrametria, não foi encontraradiografia nos grupos com incontinência da diferença em sua média urinária de esforço (IUE) e controle (C) para mulheres continentes (AS=0,53º e PS=0,9º) e inÂngulos Grupo IUE Grupo C continentes (AS=1,06º e Por fotogrametria PS=0,39º); além disso, as AS – ântero-superior 1,05±0,44 0,53±0,66 assimetrias encontradas não PS – póstero-superior 0,39±0,61 0,89±0,47 foram significativas nos dois BP – báscula de pelve -3,69±1,52 -8,18±1,97* grupos. LL – lordose lombar 38,80±2,31 39,03±2,34 Em relação às alterações no Por radiografia plano sagital, avaliadas pelo AºS – inclinação sacral 39,10±1,73 41,45±2,15 ângulo BP na fotogrametria, AºLS – lombossacro 137,15±1,69 141,65±2,58 a média angular (-3,69±1,52º) Ângulo de Cobb 51,15±2,39 56,50±2,31 nas incontinentes foi menor que a do grupo controle (* diferença significativa entre os grupos 8,18±1,97º), sugerindo uma Tabela 2 Correlação (r, p) entre o ângulo da lordose tendência maior à anteversão. Esses dados concordam com lombar e os ângulos medidos por os de Ellerkman et al.25, de radiografia (*p<0,05) que leves desequilíbrios na Ângulos r p pelve podem gerar pressões AºS – inclinação sacral 0,4251 0,0063* positivas na região do assoalho pélvico. Outros AºLS – lombossacro 0,1305 0,4223 autores10,24 afirmam que o Ângulo de Cobb 0,1881 0,2452 desequilíbrio pélvico em anteversão desencadeia maior Para buscar correlação entre a lordose tensão e distensão perineal, podendo lombar analisada na fotogrametria com colaborar para um funcionamento esfincos resultados da análise radiográfica, os teriano prejudicado. No entanto, neste esdois grupos foram analisados em con- tudo o grupo controle apresentou maior junto porque não apresentaram diferen- grau de anteversão pélvica que o grupo ças entre si. Na Tabela 2 observa-se que incontinente. não houve correlação entre os ângulos, Os valores de lordose lombar mediapenas uma fraca correlação entre a dos por fotogrametria (pelo ângulo LL) e lordose e o AoS. por radiografia (pelo ângulo de Cobb) não apresentaram diferença entre os grupos, pois os valores de normalidade, entre 40º e 60º, ocorreram em ambos. Neste estudo as mulheres com IUE e Também não foi encontrada diferença aquelas que não a têm apresentaram al- entre os grupos na análise da posição gumas alterações no posicionamento da sacral (medida pelos ângulos lombossapelve, tanto na avaliação pela fotogra- cro e de inclinação sacral). Esses resulmetria quanto pela radiografia, mas aque- tados discordam dos de Brown et al.8, DISCUSSÃO segundo os quais a mulher na menopausa e com aumento da idade apresenta um aumento da cifose torácica em função da alteração na região lombossacra, gerando um redirecionamento das forças intra-abdominais para o assoalho pélvico, além da falta de estrógeno, que causaria fraqueza dessa musculatura, predispondo à IUE. Também discordam de Haddad et al.26 que, em pesquisa com pacientes na menopausa com IUE, encontraram nelas desvios na região lombossacra. Neste estudo não se avaliou a atividade eletromiográfica das participantes, mas alguns trabalhos que tiveram esse objetivo encontraram uma atividade eletromiográfica menor em mulheres com IUE quando comparadas às continentes20,27,28. Em um desses estudos27, os autores avaliaram a musculatura pélvica e os abdominais por eletromiografia e observaram que, quando a mulher passava da posição sentada com apoio a sem apoio das costas, aumentava a atividade eletromiográfica desses músculos, exceto do reto abdominal, sendo que nas mulheres com IUE essa atividade eletromiográfica era menor. Avaliaram também a curvatura lombar com uma régua flexível e observaram que a lordose lombar das incontinentes quando sentadas era menor que das continentes, mas nada mencionaram sobre as mulheres com IUE apresentarem mais alterações de lordose lombar. No que se refere à posição do sacro medido pelo ângulo sacral (AoS), os dados deste estudo (valores médios superiores a 30º – Tabela 1) concordam com os achados de Fozatti et al.21, de maior incidência de sacro horizontal em sua amostra. No entanto, quando a mesma medida foi tomada pelo AoLS, a incidência de sacro horizontal ocorreu só no grupo controle (valor médio superior a 140o – Tabela 1), o que sugere ausência de relação entre os dois ângulos. Na literatura, a análise da lordose lombar por radiografia é normalmente realizada pelo ângulo de Cobb29-32 e a posição do sacro é normalmente analisada pelo ângulo lombossacro (AºLS) e pelo ângulo de inclinação sacral (AºS). De acordo com Gardocki et al.32, há poucos estudos correlacionando a posição do sacro, da pelve e lordose lom- Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):130-5 2010;17(2) 133 bar. E não foram encontrados estudos que comparassem análise radiográfica e fotogramétrica da lordose lombar. Ridola et al.30 sugerem que o aumento do peso corporal e do abdome predispõe a um deslocamento da pelve em anteversão, à horizontalização do sacro e ao aumento da lordose lombar. Esse raciocínio é difundido em escolas de formação de fisioterapeutas. No entanto, esses autores não conseguiram encontrar tais relações ao avaliar 28 jovens obesas. No presente estudo não se avaliou obesidade, mas tentou-se estabelecer correlação entre pelve e lordose lombar comparando posição do sacro por radiografia e lordose lombar por fotogrametria. Não existem na literatura valores de normalidade estabelecidos para análise da lordose lombar por fotogrametria. Portanto, classificou-se o posicionamento do sacro e a lordose lombar de acordo com a análise radiográfica, comparando-se os valores angulares encontrados na análise fotogramétrica. Não foi encontrada correlação entre posição do sacro pela radiografia e lordose lombar por fotogrametria, talvez porque não necessariamente quem tem um tipo de alteração sacral tenha o mesmo tipo de alteração da lordose lombar. Tampouco foi encontrada correlação entre lordose lombar analisada por radiografia e fotogrametria, o que pode estar relacionado ao fato de a radiografia analisar a lordose separada da posição sacral, enquanto por fotografia não se consegue isolar o segmento lombar do sacral, visualizando-se o conjunto sacro-lombar. Outra possível explicação para a ausência de relação entre os ângulos medidos pelos dois métodos seria o fato de que as radiografias foram tomadas em decúbito dorsal (para incidência ânteroposterior) e lateral (para incidência em perfil), enquanto as fotografias foram tiradas com as voluntárias em posição ortostática. Isso pode interferir nos resultados obtidos, uma vez que em pé a descarga de peso no assoalho pélvico é maior, podendo alterar a postura da coluna lombar e pelve. O padrão para a tomada de radiografia lombossacra é na postura deitada, sendo esta a adotada. No dia-a-dia dos consultórios fisioterapêuticos as radiografias são apresentadas em posição deitada e a análise física postural sempre em ortostatismo. Apesar de as mulheres com IUE deste estudo não terem apresentado mais alterações na posição da pelve e na lordose lombar do que as controles, tais alterações nesses segmentos ocorrem. Matheus et al.10, que trabalharam com 12 voluntárias incontinentes utilizando cones vaginais e exercícios perineais, observaram melhora da báscula de pelve em 10 voluntárias. É possível que a alteração da pelve predisponha à IUE. Novos estudos tornam-se necessários, inclusive com um número maior de voluntárias, para melhor investigar a correlação entre alteração postural e a disfunção urinária pois, segundo a literatura, a postura e a região pélvica têm influência na estática da musculatura do assoalho pélvico e, conseqüentemente, no surgimento da IUE. CONCLUSÃO Os resultados desta pesquisa não permitem concluir que alterações da lordose lombar ou o posicionamento da pelve sejam desencadeadores de IUE nas mulheres que apresentam a disfunção. Foram encontradas algumas alterações posturais em ambos os grupos, mas sem diferença significativa. A análise da báscula de pelve por fotogrametria indica tendência à anteversão pélvica entre as mulheres do grupo controle. Os dados obtidos por radiografia e fotogrametria são distintos, mas complementares; no conjunto da amostra, apenas uma fraca correlação foi encontrada entre a medida da lordose lombar por fotogrametria e o ângulo sacral medido por radiografia. 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Benjamin Constant 670 apto.301 97050-022 Santa Maria RS e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO ago. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 136 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):136-40 RESUMO: Escoliose idiopática é uma disfunção na coluna vertebral que tende a diminuir os diâmetros, a flexibilidade e a excursão da caixa torácica, com possíveis efeitos deletérios na função pulmonar. O objetivo deste estudo foi verificar se há relação entre o grau de curvatura escoliótica e a função pulmonar e capacidade de exercício em indivíduos com escoliose idiopática de grau leve e moderado. Dezessete indivíduos com escoliose idiopática leve e moderada e 19 controles foram submetidos a teste pulmonar em repouso e exercício em esteira. As médias das variáveis pulmonares em repouso encontraram-se dentro da normalidade nos dois grupos; as variáveis de exercício consumo de oxigênio de pico (p=0,81), tempo de exercício (p=0,68), freqüência cardíaca (p=0,39), ventilação minuto (p=0,82), produção de dióxido de carbono (p=0,95), quociente respiratório (p=0,09), equivalente ventilatório para o oxigênio (p=0,90), lactato sangüíneo (p=0,98) não mostraram diferença estatisticamente significante entre os grupos. Não foi possível estabelecer relação de causa e efeito entre o grau de escoliose, função pulmonar e capacidade aeróbia, sugerindo que a escoliose não implica necessariamente perdas funcionais, sendo o treinamento uma importante medida de prevenção. DESCRITORES: Escoliose; Espirometria; Medidas de volume pulmonar; Teste de esforço ABSTRACT: Idiopathic scoliosis is a disorder of the spine that tends to reduce rib cage diameter, flexibility, and excursion, which might affect pulmonary function. The purpose here was to assess whether there is a relationship between the degree of scoliosis and pulmonary function and exercise capacity in subjects with mild to moderate idiopathic scoliosis. Seventeen subjects with mild to moderate idiopathic scoliosis and 19 controls underwent lung test at rest and during exercise on a treadmill. Mean pulmonary variables at rest were within normal parameters in both groups; during exercise, oxygen uptake (p=0.81), exercise time (p=0.68), heart rate (p=0,39), minute ventilation (p=0.82), carbon dioxide production (p=0.95), respiratory quotient (p=0.09), ventilatory equivalent for oxygen (p=0.90), and blood lactate concentration (p=0.98) did not show statistically significant differences between the groups. No cause-effect relationship could be established between the degree of scoliosis, pulmonary function and aerobic capacity, thus showing that scoliosis does not necessarily imply functional loss, and pointing to training as an important preventive measure. KEY WORDS: Exercise test; Lung volume measurements; Scoliosis; Spirometry Trevisan et al. Ergoespirometria na escoliose idiopática INTRODUÇÃO A escoliose idiopática caracteriza-se por uma alteração tridimensional da coluna vertebral, de etiologia desconhecida, com inicio na adolescência, tendo seu grande momento de progressão associado ao estirão de crescimento1,2. As curvaturas tendem a evoluir no plano frontal, axial e sagital levando à diminuição dos diâmetros da caixa torácica e, freqüentemente, perda de flexibilidade e redução da excursão do gradil costal3. Além do efeito estético, uma importante conseqüência da escoliose é o risco de alteração cardiorrespiratória, especialmente nas escolioses de maior gravidade3-6 e iniciadas em idade precoce7,8. A disfunção ventilatória restritiva é relatada como um efeito deletério freqüente na escoliose idiopática6,7,9-14. Encontra-se, também, diminuição da força e resistência da musculatura respiratória3,6,9,15 e reduzida capacidade de exercício16-19, sugerindo-se que alterações funcionais podem ser encontradas como resposta comum, em todos os graus de escolioses. Por razões ainda não completamente esclarecidas, sujeitos com escoliose idiopática não-tratada tendem a evitar atividades aeróbias, o que pode ser decorrente da baixa eficiência ventilatória durante o exercício18. Barrios et al.19 não encontraram diferença significativa nos parâmetros ventilatórios basais de sujeitos com escoliose de grau leve e moderada quando comparados com normais; no entanto, os sujeitos com escoliose mostraram menor tolerância ao exercício, com menor velocidade máxima, menor eficiência ventilatória e menor consumo de oxigênio (VO2). Lenke et al.18 estudaram prospectivamente a função pulmonar e a eficiência ventilatória durante o exercício em pacientes com escoliose idiopática, antes e dois anos após cirurgia para redução do grau da curvatura escoliótica. Constataram que houve declínio na capacidade vital forçada, capacidade pulmonar total e no VO2; a maioria dos pacientes não mostrou aumento na eficiência ventilatória durante o exercício, mesmo tendo obtido redução do grau da escoliose após a cirurgia. A relação entre o grau de escoliose idiopática e os efeitos deletérios na fun- ção pulmonar e na capacidade de exercício ainda necessita ser melhor elucidada. Se o grau de escoliose afeta distintamente a função pulmonar em exercício, é possível que influencie o consumo de oxigênio em diferentes graus de escoliose. Assim, o objetivo deste estudo foi verificar se há relação entre o grau de curvatura escoliótica e a função pulmonar e capacidade de exercício em indivíduos com escoliose idiopática de grau leve e moderado, avaliando suas variáveis ergoespirométricas máximas. METODOLOGIA O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria. Todos os participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram selecionados 17 indivíduos com escoliose idiopática provenientes de clínicas de reabilitação e com acompanhamento de médicos ortopedistas, sendo distribuídos em dois subgrupos: com escoliose leve (com ângulo de Cobb de até 20°) e com escoliose moderada (com ângulo de Cobb entre 21° e 50°), segundo critérios adotados pela Sociedade de Pesquisa em Escoliose dos Estados Unidos (Scoliosis Research Society)20. O grupo controle foi constituído por 19 indivíduos sem deformidade na coluna vertebral, pareados em idade e sexo com os do grupo escoliose. Os critérios de exclusão foram evidência de doença cardíaca, neuromuscular ou alterações respiratórias não diretamente relacionadas com a deformidade escoliótica (por exemplo doenças obstrutivas), cirurgia prévia na coluna vertebral, uso de colete ortopédico, tabagismo e/ou resposta espirométrica ao broncodilatador (Bd). Na avaliação radiológica, as curvaturas escolióticas foram mensuradas pelo método de Cobb5, por meio de radiografia panorâmica da coluna vertebral (AP e perfil). As características radiográficas estudadas foram o número de curvas (única, dupla ou tripla), o ângulo de Cobb e o número de vértebras envolvidas. Escoliose leve foi definida como uma curvatura de até 20° Cobb; moderada, entre 21° e 50° Cobb; e grave, superior a 50°, de acordo com os critérios adotados pela Scoliosis Research Society20. O nível de atividade física foi investigado por meio do Questionário internacional de atividade física IPAQ21, sendo o gabarito pontuado em: (1) sedentário; (2) insuficientemente ativo B; (3) insuficientemente ativo A; (4) ativo; e (5) muito ativo. Os indivíduos se submeteram a espirometria em repouso e os parâmetros ventilatórios dinâmicos foram mensurados durante o teste de tolerância máxima ao exercício, em esteira. A espirometria e os volumes pulmonares em repouso foram testados com o Vmax Series 229 (SensorsMedics) usando os critérios da Sociedade Torácica Americana (American Thoracic Society)22, utilizando-se os valores referenciais de Knudson et al.23 para o cálculo dos valores previstos. O exame foi feito em pé, com os indivíuos utilizando um clipe nasal. A fim de excluir a presença de componente obstrutivo, realizou-se a espirometria antes e após a inalação de Bd, sendo que resposta espirométrica ao Bd24 foi critério de exclusão do estudo. Todos os testes realizaram-se em ambiente climatizado, a 18 a 26°C e umidade entre 55 e 60%25, no período da tarde. Os volumes espirométricos foram corrigidos para as condições corporais, temperatura corporal, pressão ambiente, saturada com vapor d’água. Foi utilizada a estatura para a determinação dos valores previstos para fluxos e volumes. O teste de esforço máximo em esteira seguiu o protocolo de Mader et al.26. Mediu-se a freqüência cardíaca (Polar Accurex Plus), o lactato sangüíneo (Biosen5030) e demais variáveis ergoespirométricas (Vmáx 229). A coleta para aferição do lactato sangüíneo foi feita após 10 minutos de repouso (em sedestação), ao final de cada estágio do teste e 5 minutos após a finalização do teste, momentos em que também se avaliou a saturação periférica da hemoglobina pelo oxigênio (SpO2) por meio de um oxímetro de pulso portátil de dedo (Ônix.Nonin). O VO2 e a freqüência cardíaca (FC) foram medidos desde o repouso até o final do período de recuperação. A percepção de esforço dispendido e de dispnéia foi avaliada pela escala modificada de Borg27. Todos os sujeitos realizaram o teste até a exaustão para determinar o pico de consumo de oxigênio (VO2 pico). Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):136-40 2010;17(2) 137 Análise estatística Os dados foram analisados pela estatística descritiva e a normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. Para as variáveis que apresentaram distribuição normal e homogeneidade nas variâncias foi utilizada a análise de variância unidirecional Anova para a comparação entre as médias e teste post hoc de Duncan, no caso de haver diferença estatisticamente significativa no nível de 5%. Para as variáveis que não apresentaram distribuição normal, empregou-se o teste Kruskal-Wallis para comparar as médias. A análise de correlação de Pearson foi usada para verificar a relação entre as variáveis grau de curvatura escoliótica e nível de atividade física com as variáveis ergoespirometricas máximas (consumo de oxigênio de pico, tempo de exercício, freqüência cardíaca, ventilação minuto, produção de dióxido de carbono, quociente respiratório, equivalente ventilatório para o oxigênio e lactato sangüíneo). As análises foram efetuadas por meio do pacote estatístico computacional SAS (v.8.2). RESULTADOS A amostra apresentou homogeneidade nas variáveis antropométricas e nível de atividade física. A média do nível de atividade física nos grupos variou de insuficientemente ativo A para ativo. A caracterização da amostra é apresentada na Tabela 1. No grupo de escoliose, seis casos (35,29%) foram de escoliose leve (EL) e 11 casos (64,71%) de escoliose moderada. As escolioses leves variaram de 18º a 20º Cobb e as moderadas, de 22º a 40º Cobb. De acordo com o tipo de curvatura, 15 indivíduos apresentaram o Tabela 1 Tabela 2 Medidas em exercício máximo (média ± desvio padrão) dos sujeitos do grupo controle (C) dos subgrupos escoliose leve (E leve) e escoliose moderada (E mod), e valor de p da comparação entre os grupos Variáveis T Exerc (min) -1 VO2 ml (kg.min) VO2 (l/min) VCO2 (l/min) RQ VE (l/min) VEO2 (l/min) FC (bpm) Lactato (mmol/l) GC (n=19) 19,37r5,95 38,5r9,3 2,06r0,7 2,04r0,7 1,03r0,05 81r21,5 39,7r4,1 202r10 8,8r2,2 GC (n=19) 15,2±2,8 158,5±8,7 53,4±9,2 20,3±5,8 3,8±1,2 tipo tóraco-lombar e dois o tipo torácico, sem diferença estatística entre os subgrupos (p=0,55). O número total de vértebras envolvidas nas curvaturas, considerando os dois subgrupos, variou de 6 a 15 vértebras, sem diferença significativa entre os subgrupos (p=0,69). As médias das variáveis pulmonares de espirometria em repouso apresentaramse dentro dos parâmetros da normalidade em todos os grupos. Os resultados do teste de exercício máximo são apresentados na Tabela 2. As medidas do teste de exercício não se diferenciaram significativamente nos grupos, e não houve correlação entre o grau de curvatura escoliótica e as variáveis ergoespirométricas, conforme a Tabela 3. DISCUSSÃO O objetivo deste estudo foi verificar se havia relação entre o comportamento de variáveis ergoespirométricas má- E leve (n=6) 16,3±3,1 163,8±6,7 51,6±10,6 20,7±3,3 3,6±0,8 E mod (n=11) 14,4±2,5 163,6±7,4 52,9±9,9 20,6±6,6 3,6±0,9 NAF = nível de atividade física; p = comparação entre os três grupos 138 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):136-40 E mod (n=11) 17,8r3,6 36,3r5,2 1,95r0,7 1,98r0,6 1,06r0,05 78r22 40,5r3,6 197r8 8,7r1,1 p 0,68 0,68 0,81 0,95 0,09 0,82 0,90 0,39 0,98 T Exerc = tempo de exercício; VO2 = consumo de oxigênio; VCO2, produção de dióxido de carbono; RQ = quociente respiratório; VE = volume minuto expirado; VEO2 = equivalente ventilatório para o oxigênio; FC = freqüência cardíaca; bpm = batimentos por minuto Características (média ± desvio padrão) dos sujeitos do grupo controle (C) e dos subgrupos escoliose leve (E leve) e escoliose moderada (E mod) Características Idade (anos) Estatura (cm) Massa (kg) % gordura NAF E leve (n=6) 18r4,1 36,7r2,7 1,89r0,4 1,96r0,6 1,06r0,03 75r12 40,3r3,6 197r13 8,8r2 p 0,42 0,24 0,68 0,98 0,67 ximas em indivíduos com escoliose idiopática de grau leve e moderado e o grau de curvatura escoliótica. Neste estudo, de acordo com a classificação de Cooper28 baseado no VO2, a média da capacidade aeróbia nos grupos variou de regular a boa. As variáveis em exercício máximo não se diferenciaram significativamente nos grupos. Investigações com exercício mostram que a escoliose leva a uma diminuição da capacidade aeróbia, inclusive em casos de deformidades leves e moderadas 16-19. Outros estudos6,7,9,11 também constataram diferenças na capacidade física e no padrão ventilatório em exercício, os quais foram atribuídos à escoliose. O consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) é considerado a melhor medida de capacidade cardiorrespiratória29. Se o grau de escoliose restringe a ventilação pulmonar devido à redução da flexibilidade e da excursão da caixa torácica, com diminuição da força e resistência da musculatura respiratória6,7,11,13, esta influenciaria negativamente o desempenho aeróbio e, conseqüentemente, seria de se esperar diferentes valores de VO2, conforme a gravidade da escoliose. A ausência de correlação entre o grau de curvatura escoliótica e VO2 pico sugere que outras variáveis, como o nível de treinamento, poderiam ter desempenhado papel mais importante na capacidade aeróbia e no desempenho físico que o grau da escoliose. Estes resulta- Trevisan et al. Ergoespirometria na escoliose idiopática Tabela 3 Correlação (r, p) entre nível de atividade física (NAF), grau da escoliose (°E) e variáveis ergoespirométricas T Exerc VO2 ml-1 VO2 (min) (kg.min) l/min NAF °E r p r p 0,27 0,10 -0,01 0,96 0,33 0,04 0,05 0,84 0,07 0,68 -0,02 0,92 VCO2 l/min RQ VE l/min. VEO2 l/min FC Lactato (bpm) (mmol/l) 0,01 0,92 -0,04 0,85 -0,21 0,20 -0,03 0,89 0,06 0,70 0,02 0,92 -0,02 0,98 0,18 0,48 -0,09 0,57 0,09 0,71 -0,33 0,04 0,07 0,77 T Exerc = tempo de exercício; VO2 = consumo de oxigênio; VCO2, produção de dióxido de carbono; RQ = quociente respiratório; VE = volume minuto expirado; VEO2 = equivalente ventilatório para o oxigênio; FC = freqüência cardíaca; bpm = batimentos por minuto dos são consoantes com as interpretações dos autores10,12-14 que sugerem ser a falta de atividade física, e não o grau de escoliose, o maior fator de influência no consumo de oxigênio. Tal influência foi constatada no estudo de Alves et al.13, que observaram melhora nas variáveis cardiopulmonares no teste de 6 minutos e na percepção de esforço, após treinamento de quatro meses em pacientes com escoliose. Por outro lado, os resultados do presente estudo diferem dos achados de Kesten et al.16, que avaliaram adultos com escoliose torácica moderada e grave detectando uma redução na capacidade vital e na tolerância ao exercício, bem como dos de Kearon et al.17, que estudaram 79 indivíduos com escoliose moderada e grave evidenciando redução na capacidade aeróbia. Esses autores sugerem que a escoliose provoca padrões ventilatórios patológicos e limitação do VO2máx especialmente nas escolioses de maior gravidade7,16,17. Nesta pesquisa o equivalente ventilatório ao oxigênio (VEO2) encontrou-se dentro dos valores relatados para crianças e adultos jovens30. Esses achados concordam com os de Barrios et al.19, que não encontraram diferença significativa nos parâmetros ventilatórios basais de sujeitos com escoliose leve e moderada quando comparados a normais; no entanto, esses sujeitos mostraram pior tolerância ao teste de exercício, o que não foi evidenciado no presente estudo. O quociente respiratório (RQ) não apresentou diferença estatística significativa demonstrando que os grupos de diferentes gravidades de escoliose e controle utilizaram semelhantes percentuais de substratos para cargas de trabalho e tempos de exercício semelhantes. A resposta fisiológica característica às situações de hipoxia manifesta-se pelo aumento na concentração de lactato sangüíneo. Assim, se respostas ventilatórias anormais forem expressões da gravidade da escoliose, será de se esperar que a concentração de lactato seja maior no grupo de escoliose moderada, que tem o maior grau da curvatura. Neste estudo, as médias de lactato nos grupos não se diferenciaram significativamente e, portanto, respostas ventilatórias ou circulatórias anormais não se manifestaram em esforço. Considerando-se que as variáveis VO2máx e lactato são utilizadas para avaliação da capacidade aeróbia, temse mais uma evidência favorável ao enunciado de que as respostas ventilatórias e circulatórias (resposta de FC) dos grupos estudados não foram expressivas para comprometerem a capacidade física. A capacidade aeróbia dos diferentes grupos não se diferenciou em função do grau de curvatura da escoliose, o que permite concluir que ao grau de curvatura isoladamente, não pode ser atribuído o baixo rendimento físico ou a pequena expressão quantitativa da maioria das variáveis respiratórias. CONCLUSÃO Não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre o grau de escoliose, a função pulmonar e a capacidade aeróbia, sugerindo-se que a escoliose não implica necessariamente perdas funcionais. REFERÊNCIAS 1 Velezis M, Sturm PF, Cobey J. Scoliosis screening revisited: findings from the District of Columbia. J Pediatr Orthop. 2002;22(6):788-91. 2 Dohnert MB, Tomasi E. 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Results of preoperative pulmonary function testing of adolescents with idiopathic scoliosis: a study of six hundred and thirty-one patients. Bone Joint Surg Am. 2005;87:1937-46. 13 Alves VLS, Stirbulov R, Avanzi O. Impact of a physical rehabilitation program on the respiratory function of adolescents with idiopathic scoliosis. Chest. 2006;130(2):500-5. 14 Newton PO, Perry A, Bastrom TP, Lenke LG, Betz RR, Clements D, et al. Predictors of change in postoperative pulmonary function in adolescent idiopathic scoliosis: a prospective study of 254 patients. Spine. 2007;32(17):1875-82. 15 Budweiser S, Moertl M, Jarres RA, Windisch W, Heinemann F, Pfeifer M. Respiratory muscle training in restrictive thoracic disease: a randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil. 2006;87(12):1559-65. 16 Kesten S, Garfinkel SK, Wright T, Rebuck AS. Impaired exercise capacity in adults with moderate scoliosis. Chest. 1991;99(3):663-6. 17 Kearon C, Viviani GR, Killian KJ. Factors influencing work capacity in adolescent idiopathic thoracic scoliosis. Am Rev Respir Dis. 1993;148(2):295-303. 18 Lenke LG, White DK, Kemp JS, Bridwell KH, Blanke KM, Engsberg JR. Evaluation of ventilatory efficiency during exercise in patients with idiopathic scoliosis undergoing spinal fusion. Spine. 2002;27(18):2041-5. 140 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):136-40 19 Barrios C, Peres-Encinas C, Maruenda JI, Laguia M. Significant ventilatory functional restriction in adolescents with mild or moderate scoliosis during maximal exercise tolerance test. Spine. 2005;30(14):1610-5. 20 Knoplich J. Enfermidades da coluna vertebral. 3a ed. São Paulo: Medgraf; 2003. 21 Matsudo SM, Araújo TL, Matsudo VKR, Andrade DR, Andrade EL, Oliveira LC, et al. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2001;6(2):5-18. 22 Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. 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Champaign, IL: Human Kinetics; 2006. 29 Foss ML, Keteyian SJ. Fox: bases fisiológicas do exercício e do esporte. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. 30 Prado DML, Dias RG, Trombeta IC. Comportamento das variáveis cardiovasculares, ventilatórias e metabólicas durante o exercício: diferença entre crianças e adultos. Arq Bras Cardiol. 2006;87(4)149-55. Agradecimento: À fisioterapeuta Juliana Corrêa Soares, pelo apoio e contribuição na elaboração do trabalho. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.141-6, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Força de preensão palmar e pinça digital em diferentes grupos de pilotos da Academia da Força Aérea brasileira Grip and pinch strength among different groups of Brazilian Air Force pilots Gláucia Helena Gonçalves1, Daniele Aparecida Gomes1, Marcela Donatelli Meibach Teixeira1, Suraya Gomes Novais Shimano2, Antonio Carlos Shimano3, Marisa de Cássia Registro Fonseca4 Estudo desenvolvido no Curso de Fisioterapia do RAL – Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor – da FMRP/USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil 1 Fisioterapeutas 2 Fisioterapeuta; doutoranda no RAL/FMRP/USP 3 Engenheiro mecânico; Prof. Dr. do RAL/FMRP/USP 4 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do RAL/FMRP/USP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Gláucia H. Gonçalves Curso de Fisioterapia / RAL / FMRP/USP Av. Bandeirantes 3900 14049-900 Ribeirão Preto SP e-mail: [email protected] Estudo apresentado pela autora 1 como trabalho de conclusão do Curso de Fisioterapia, FMRP/USP. APRESENTAÇÃO set. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 RESUMO: Pilotos da Academia de Força Aérea (AFA) brasileira, durante vôos, realizam movimentos com grande solicitação da musculatura da mão que comanda o manche, o que pode modificar a força muscular. Este estudo teve por objetivo analisar as forças musculares isométricas de preensão palmar e pinças polpa-apolpa, trípode e lateral de três grupos de pilotos da AFA. Foram avaliados 15 pilotos da Esquadrilha da Fumaça (EDA), 16 instrutores de vôo (PI) e 6 pilotos em treinamento (PT), todos do sexo masculino. Para a avaliação, o posicionamento corporal dos pilotos seguiu a padronização da Sociedade Americana de Terapeutas da Mão e a ordem dos movimentos analisados foi predefinida, evitando fadiga muscular. A força muscular isométrica máxima foi coletada em uma contração sustentada por 6 segundos. Os resultados mostram diferenças significativas na preensão, com superioridade das mãos dominantes em relação às não-dominantes em todos os grupos, tendo ainda o grupo EDA obtido valores significativamente superiores em relação aos demais. Nas medidas da pinça trípode, o grupo EDA apresentou significativos valores superiores aos do grupo PT, sendo encontrados valores das mãos dominantes superiores aos das não-dominantes nos grupos EDA e PI. Conclui-se que o treino específico da musculatura da mão durante o vôo, a especificidade e o período de treinamento interferem na força muscular isométrica da mão. DESCRITORES: Capacitação; Força muscular; Mãos; Medicina aeroespacial; Saúde do trabalhador ABSTRACT: Pilots from Brazilian Air Force Academy (AFA) perform strentgth- and accuracy-demanding hand movements, which may modify muscle strength. The aim of this study was to analyse hand isometric strength of grip and pulp-to-pulp, tripode and lateral pinch in three groups of male AFA pilots: ADS (Air Demonstration Squadron), n=15; IP (instructor pilots), n=16; and TP (training pilots), n=6. Pilots body positioning during tests followed the standards of the American Society of Hand Therapists; the sequence of assessed movements was predefined in order to prevent muscle fatigue. The maximum isometric muscle force was collected in a contraction kept for 6 seconds. As to grip, results show significant differences within all groups, favouring dominant hands; also, mean ADS grip values were significantly higher than the other groups’. Tripode pinch ADS mean values were significantly higher than training pilots’; and dominant hands significantly overtopped nondominant ones in ADS and IP groups. It may thus be said that specific hand muscle training during flight, as well as training specialization and duration influence hand isometric muscle strength. KEY WORDS: Aerospace medicine; Hand; Muscle strength; Occupational health; Training Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):141-6 2010;17(2) 141 INTRODUÇÃO A mão é considerada como um dos sistemas mais complexos e úteis do corpo1. É capaz de apreender com forças que excedem 445 N ou 45 kg, bem como segurar e manipular um fio delicado2. Para Napier3, grande parte da eficiência da mão depende do polegar, que pode opor-se a todos os outros dedos. A oposição entre os dedos reverte-se em vários tipos de preensões e/ou pinças. Entre as preensões, a palmar é mais usada para apanhar objetos e nela pode-se medir a ação dos músculos flexores extrínsecos da mão. Entre as pinças, as mais comuns são: polpa-a-polpa (polegar opõe-se ao indicador), trípode (polegar opõe-se ao dedo médio e indicador) e lateral (polegar opõe-se à face lateral da falange média do indicador)4,5. Alguns indivíduos, devido à profissão e à maneira particular de utilização da mão, aumentam sua força muscular6,7. Pilotos da Academia de Força Aérea (AFA) brasileira, durante vôos, realizam movimentos com grande solicitação da musculatura da mão que comanda o manche, movimentos estes que podem interferir na força muscular isométrica, distinguindo-os da população comum. Essa força pode ser avaliada por instrumentos específicos como os dinamômetros. Entre os aviadores da AFA existem diferentes categorias, como os cadetes aviadores, os instrutores de vôo e os pilotos do Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA), mais conhecido como Esquadrilha da Fumaça. Os cadetes são estudantes da AFA e pilotam aeronaves que solicitam muito a musculatura da mão para o comando contra a resistência do ar. Membros da Marinha Brasileira também treinam em vôos similares aos dos cadetes. Os instrutores de vôo são pilotos já formados, bem treinados e responsáveis pela supervisão das aulas práticas de vôo dos cadetes. Já os pilotos do EDA são treinados para vôos acrobáticos, que exigem manutenção de força de preensão palmar contra a resistência imposta pela força de aceleração da aeronave durante curvas, denominada força G. Tanto os instrutores quanto os pilotos do EDA são submetidos a uma grande freqüência de vôos. 142 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):141-6 A avaliação das forças isométricas de preensão e pinças desses pilotos possibilita a verificação de adaptações musculares às cargas impostas durante suas atividades específicas, tanto da musculatura extrínseca quanto intrínseca da mão, já que o aprimoramento do desempenho físico específico é alcançado com um treino em movimentos semelhantes aos que se deseja aprimorar8. Por meio de comparações entre os grupos de pilotos, pode ser revelado o desenvolvimento de adaptações de acordo com o tipo do treinamento peculiar a cada grupo. Assim, tanto para a seleção quanto para o treinamento físico dos indivíduos que buscam um aprendizado específico de pilotagem como profissão, a força das mãos deve ser um fator a ser levado em consideração, evitando fadiga e conseqüente alteração no desempenho. O objetivo deste estudo foi analisar e comparar as forças musculares isométricas dos movimentos de preensão e pinças das mãos dos pilotos da Academia da Força Aérea (AFA) de três diferentes categorias: oficiais da Marinha em treinamento, instrutores de vôo e pilotos do Esquadrão de Demonstração Aérea. METODOLOGIA O presente projeto foi parte integrante do projeto de pesquisa intitulado “Estudo biomecânico de pilotos das aeronaves EMB 312 T 27 – Tucano, durante realização de manobras em um simulador de vôo”, aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clinicas da FMRP-USP. Também foi obtida autorização do Comando da Aeronáutica para a pesquisa ser realizada com os pilotos da Academia de Força Área (AFA) Brasileira. Os dados foram coletados na sala de reuniões do EDA, na AFA, em Pirassununga, SP. Foram selecionados para análise 37 indivíduos (resultando num total de 74 mãos), dentre os quais 6 oficiais da Marinha que correspondem a pilotos em treinamento (PT), 16 pilotos instrutores (PI) de vôo e todos os 15 pilotos do EDA, Todos os pilotos eram do sexo masculino, sem histórico de lesões ou cirurgias nas mãos, sem sintomas dolorosos que evidenciassem alguma pato- logia e não faziam uso de droga cardiovascular que pudesse interferir na força muscular9. Não houve distinção de idade. Todos os pilotos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O critério de inclusão para o estudo foi fazer parte do corpo efetivo de pilotos da AFA. E os critérios de exclusão foram apresentar histórico de lesão na mão ou patologia crônica ou sistêmica que influenciasse a força muscular. Os pilotos foram previamente avaliados quanto às medidas antropométricas (peso e altura). O peso foi mensurado em uma balança antropométrica mecânica de braço de metal (Welmy), com precisão de 100 g, do Departamento Médico da AFA. E a altura com um estadiômetro próprio da balança, com precisão de 1 mm, utilizando o método da estatura alongada10. Para a tomada das medidas da força de preensão palmar foi utilizado o dinamômetro Jamar (Asimow Engineering, CAL, USA) na segunda posição de manopla e, das pinças polpa-a-polpa, trípode e lateral, o Preston Pinch Gauge (B&L Engineering, CAL, USA). A tomada das medidas seguiu a padronização recomendada pela Sociedade Americana de Estudos da Mão, Federação Internacional das Sociedades de Cirurgia da Mão e Sociedade Brasileira de Terapeutas da Mão e do Membro Superior5,11,12, onde o indivíduo fica em posição sentada, ombro levemente aduzido e em rotação neutra, o cotovelo fletido em ângulo reto, antebraço e punho mantidos neutros, polegar posicionado em discreta flexão interfalângica; e, no caso das pinças, os demais dedos não envolvidos ficaram mantidos em semiflexão. Nessa posição, foram realizadas três mensurações consecutivas das mãos para cada pinça e para a preensão palmar, alternadas entre os lados dominante e nãodominante, com intervalo mínimo de um minuto entre elas para evitar fadiga muscular13, sendo registrado como resultado final o valor médio das três mensurações, em quilogramas-força (kgf). Seguindo recomendações de Zwarenstein 14 , do grupo Consort (Consolidated Standards of Reporting Trials), os movimentos de cada sujeito foram avaliados na seguinte seqüência: Gonçalves et al. Força da mão de pilotos da AFA • piloto “1” = preensão, pinça polpa-a-polpa, pinça trípode e pinça lateral; • piloto “2” = pinça polpa-a-polpa, pinça trípode, pinça lateral e preensão; • piloto “3” = pinça trípode, pinça lateral, preensão e pinça polpa-apolpa; • e assim por diante até chegar ao piloto número 37. A ordem dos pilotos não pôde ser aleatória, como é recomendado, pois foi respeitada a disponibilidade de horários de cada um. Um único examinador coletou todos os dados. Antes da coleta propriamente dita foi realizado um treino, em que o piloto foi orientado quanto ao posicionamento correto do corpo e a forma de segurar o dinamômetro. O movimento foi repetido duas vezes para a familiarização do piloto com o aparelho. A coleta do valor da contração isométrica voluntária máxima foi feita sempre antes do vôo, pedindo-se ao piloto que, após o comando verbal “um, dois, três e vai...”, fizesse a força máxima capaz de gerar no movimento e sustentá-la por 6 segundos. Para a análise dos dados foi utilizado o modelo linear de efeitos mistos, utilizado em análises em que as respostas de um mesmo indivíduo estão agrupadas e a suposição de independência entre as observações num mesmo grupo não é adequada15; os modelos de efeitos mistos permitem considerar os coeficientes da regressão como efeitos aleatórios ou fixos; assume que o vetor das medidas repetidas de cada piloto segue um modelo de regressão linear, no qual alguns dos parâmetros de regressão são específicos da população em estudo, ou seja, são os mesmos para todos os pilotos, enquanto outros parâmetros são específicos para cada indivíduo. Isso é importante, pois nem sempre é possível o controle de todas as fontes de variação envolvidas no processo, como as decorrentes de fatores genéticos e biológicos, que são de difícil mensuração ou requerem um custo elevado para obtenção da informação. Nesse aspecto, os modelos de efeitos mistos tornam-se bastante vantajosos, pois os efeitos aleatórios permitem controlar a variação existente entre pilotos e que pode ser proveniente de fontes de variação não controladas no estudo. A análise estatística permitiu identificar as diferenças significativas (p<0,05) na comparação das médias das medidas de preensão palmar e pinças. RESULTADOS Os grupos formados foram: EDA (n=15); instrutores de vôo (PI, n=16); e pilotos em treinamento (PT, n=6). As médias de idade foram: EDA 37,3±2,9 anos; PI 29,2±3,2 anos; e PT 25,0±0,6 anos. Quanto à dominância, no grupo EDA dois pilotos (13,3%) eram sinistros Tabela 1 Diferença entre os valores médios de preensão palmar (em kgf) entre os grupos (ambas as mãos e para cada dominância) e em cada grupo entre mão dominante (d) e não-dominante (n-d); valor de p da respectiva comparação Grupo/ dominância Diferença p EDA x PI 4,90 0,05 EDA x PT 8,99 0,01 PI x PT 4,09 0,22 (d) EDA x PI 4,44 0,08 (d) EDA x PT 7,54 0,03 (d) PI x PT 3,10 0,36 (n-d) EDA x PI 5,36 0,04 (n-d) EDA x PI 10,44 <0,001 (n-d) PI x PT 5,08 0,13 EDA (d) x (n-d) 3,27 <0,001 PI (d) x (n-d) 4,19 <0,001 PT (d) x (n-d) 6,17 <0,001 e, no grupo PI, quatro (25,0%) o eram; no grupo PT todos eram destros. Na comparação dos valores médios (incluindo as duas mãos) da preensão palmar (Tabela 1) entre os grupos, o EDA apresentou valores significantemente maiores que os do PT (p=0,01). Em relação à dominância, em todos os grupos a mão dominante predominou (p<0,001, Gráfico 1). Comparando as médias apenas das mãos dominantes, Força de pinça lateral (kgf) 14,0 Força de preensão palmar (kgf) 75,0 65,0 55,0 45,0 35,0 13,0 12,0 11,0 10,0 9,0 8,0 7,0 25,0 Dominante EDA Nãodomin. Dominante Nãodomin. PI Grupos Dominante Nãodomin. PT Gráfico 1 Força de preensão palmar (em kgf – valor º, média Δ), segundo a dominância e o grupo: EDA = Esquadrão de Demonstração Aérea; PI = pilotos instrutores; PT = pilotos em treinamento Dominante Não- Dominante Não- Dominante Nãodomin. domin. domin. EDA PI Grupos PT Gráfico 2 Força de pinça lateral (em kgf – valor º, média Δ), segundo a dominância e o grupo: EDA = Esquadrão de Demonstração Aérea; PI = pilotos instrutores; PT = pilotos em treinamento Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):141-6 2010;17(2) 143 Força de pinça trípode (kgf) Força de pinça polpa-a-polpa (kgf) 14,0 11,0 10,0 9,0 8,0 7,0 6,0 5,0 13,0 12,0 11,0 10,0 9,0 8,0 7,0 6,0 4,0 5,0 Dominante Não-domin. Dominante Não-domin. Dominante Não-domin. EDA PI Grupos PT EDA Gráfico 3 Força de pinça polpa-a-polpa (em kgf – valor º, média Δ), segundo a dominância e o grupo: EDA = Esquadrão de Demonstração Aérea; PI = pilotos instrutores; PT = pilotos em treinamento ainda referentes à preensão palmar, somente o grupo EDA apresentou média significativamente maior que o PT (p=0,03). Nas médias das mãos não-dominantes, o grupo EDA mostrou valores significativamente superiores ao grupo PI (p=0,04) e ao grupo PT (p<0,001). Em relação à pinça lateral (PL), foi observado que tanto o grupo EDA quanto o PT apresentaram médias dos valores das mãos dominantes significativamente superiores aos das mãos não-dominantes (p<0,001). Nas comparações das mãos dominantes, não- dominantes e médias gerais entre os grupos não foram constatadas diferenças significativas (Gráfico 2). Na pinça polpa-a-polpa, o grupo EDA mostrou médias significativamente maiores na mão dominante em relação à mão não-dominante (p=0,00) e também maiores do que as do PT, quando comparadas somente as mãos dominantes (p=0,03, Gráfico 3). Não foram encontradas diferenças significativas entre os valores relativos às duas mãos e às mãos não-dominantes. Nas comparações entre os valores médios da pinça trípode (PT), o grupo EDA apresentou médias significativamente maiores do que o PT quando comparadas as duas mãos (p=0,04, Gráfico 4). Tanto o grupo EDA quanto o grupo PT obtiveram médias das medidas das mãos dominantes significativamente maiores que as das mãos não-dominantes (p<0,001. As comparações das mãos não-dominantes entre os grupos não mostraram diferenças significativas. 2010;17(2):141-6 144 Fisioter Pesq. 2010;17(2) Dominante Não-domin. Dominante Não-domin. Dominante Não-domin. Grupos PI PT Gráfico 4 Força de pinça trípode (em kgf – valor º, média Δ), segundo a dominância e o grupo: EDA = Esquadrão de Demonstração Aérea; PI = pilotos instrutores; PT = pilotos em treinamento DISCUSSÃO E CONCLUSÃO A realização freqüente de exercícios físicos em treinamento resistido (esportivo ou laboral) promove adaptações fisiológicas e bioquímicas que melhoram o rendimento muscular. Essa melhora da força muscular e da coordenação é explicada pelo princípio da especificidade16, onde a mudança provocada no tecido muscular é específica à sobrecarga do exercício realizado17. As atividades dos pilotos em vôo solicitam majoritariamente músculos dos membros superiores, tanto em movimentos bruscos de preensão no manche quanto em movimentos precisos, em acionamento de comandos (botões). Como a resistência muscular é constante durante a tarefa, esses movimentos podem ser considerados como treino específico da musculatura e podem resultar em aumento das forças de preensão e pinças. Os resultados encontrados neste estudo reforçam essa idéia. Para a variável preensão palmar, todos os valores do grupo EDA mostraram-se significativamente maiores que os dos demais grupos. O grupo EDA também apresentou superioridade significativa em relação ao grupo PT nas médias das mãos dominantes da pinça polpa-a-polpa e da pinça trípode. Considerando que os pilotos desse esquadrão são submetidos a sobrecargas musculares maiores e com maior freqüência, os resultados confirmaram a hipótese de que esse grupo teria uma força muscular maior. Além disso, esses pilotos apresentaram um histórico de horas de vôo muito superior ao dos pilotos em treinamento. Sabe-se que a atividade de pilotagem é caracterizada pelo comando do manche na mão direita e do manete na mão esquerda. Como o comando do manche exige força constante para sua movimentação, todos os grupos apresentaram valores de força muscular superiores na mão direita, que representa a mão dominante da maioria dos pilotos (83,8%). A escassez de valores significativos para a variável pinça polpa-a-polpa e pinça lateral pode representar a menor utilização desses movimentos isométricos durante as atividades de vôo, não exigindo grandes esforços da musculatura intrínseca da mão. No entanto, o grupo EDA apresentou médias das mãos dominantes significativamente superiores às do grupo PT para a pinça polpaa-polpa. E os grupos EDA e PI apresentaram valores superiores no lado dominante, o que pode ser explicado pelo fato de os comandos de botões estarem localizados no manche, diferentemente do manete que não possui comandos de dedos. Analisando dados normativos da população brasileira de valores de preensão palmar e pinças digitais apresentados por Caporrino et al.18 e Araújo et al.19, respectivamente, observou-se que os pilotos da AFA, em especial do grupo EDA, apresentam médias superiores aos valores da população brasileira de mesma faixa etária em todas variáveis avaliadas e nas duas dominâncias. Por outro lado, pilotos do grupo PT, que não pilotam com freqüência, apresentaram médias semelhantes de preensão palmar e pinça lateral, e até inferiores Gonçalves et al. de pinças trípode e polpa-a-polpa, quando comparados aos valores da população em geral, evidenciando que a prática em vôo influencia positivamente o ganho de força muscular. Neste estudo, não foram realizadas comparações com relação à idade dos pilotos, pois se apresentam em uma faixa etária estreita, na qual não há diferença significativa entre forças de preensão e pinças20. Porém, para garantir a confiabilidade das comparações com a norma nacional19, os valores foram comparados segundo faixas etárias. Alguns estudos21,22 mostram diminuição significativa da força acima da faixa etária das amostras deste estudo. Força da mão de pilotos da AFA Uma possível crítica ao estudo seria o fato de não terem sido realizadas análises comparativas com as horas de vôo dos pilotos, pois seus históricos de vôo variam de acordo com a especialização de cada um (piloto de helicóptero, de caça, de transporte). Dessa forma, as comparações não apresentariam boa confiabilidade. Conforme encontrado no estudo de Wind23, a força de preensão está relacionada com a força muscular global. Assim, os dados encontrados neste estudo sobre a força de preensão palmar poderiam dar uma estimativa da força muscular geral dos pilotos analisados e, portanto, atuariam como dados comparativos para o processo de seleção de pilotos. Neste contexto, sob condições de sobrecarga constante em vôo, os pilotos de forma geral respondem com adaptações positivas na musculatura. Mas como a atividade é laboral e pode não priorizar um tempo de descanso necessário à recuperação muscular, essa sobrecarga pode levar à fadiga muscular e até a sintomatologia dolorosa24. Por isso, apesar de confirmado o ganho de força muscular decorrente da atividade de pilotagem, um treinamento muscular específico da musculatura envolvida em vôo, como abordagem preventiva, garantiria um ganho de força muscular progressivo, evitando microlesões e preparando essa musculatura para sobrecargas. REFERÊNCIAS 10 Norton K, Olds T. Antropométrica. Porto Alegre: Artmed; 2005. 1 Imrhan SN. Trends in finger pinch strength in children, adults, and the elderly. Hum Factors. 1989;31(6):689-701. 2 Smith LK, Weiss EL, Lehmkuhl LD. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. Barueri: Manole; 1997. Cap.: Punho e mão, p.209-56. 3 Napier JR. The prehensile movements of the human hand. J Bone Joint Surg Br. 1956;38B(4):902-13. 4 Kapandji IA. Fisiologia articular: esquemas comentados de mecânica humana. 4a ed. São Paulo: Manole; 1980. 5 Fess EE. Documentation: essential elements of an upper extremity assessment battery. In: Hunter JM, Mackin EJ, Callahan HD, Skirven TM, Schneider LH, Osterman AL, editors. Rehabilitation of the hand and upper extremity. 5th ed. St. Louis: Mosby; 2002. p.263-84. 6 Tiwari PS, Gite LP, Majumder J, Pharade SC, Singh VV. Push/pull strength of agricultural workers in central India. Int J Ind Ergon. 2010;40:1-7. 7 Werle S, Goldhahn J, Drerup S, Simmen BR, Sprott H, Herren DB. Age- and gender-specific normative data of grip and pinch strength in a healthy adult Swiss population. J Hand Surg. 2009;34E(1):76-84. 15 Schall R. Estimation in generalized linear models with random effects. Biometrika. 1991;78(4):719-27. 8 Mcardle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997. p.395433. 17 Shinzato GT, Batistella LR. Exercício isocinético: sua utilização para avaliação e reabilitação musculoesquelética. Ambito Med Desportiva. 1996;1:11-8. 9 Ashfield TA, Syddal HE, Martin HJ, Dennison EM, Cooper C, Sayer AA. Grip strenght and cardiovascular drug use in older people: findings from the Hertfordshire Cohort Study. Age Ageing. 2010;39:185-91. 18 Caporrino FA, Faloppa F, Satos JBG, Réssio C, Soares FHC, Nakachima LR, et al. Estudo populacional da força de preensão palmar com dinamômetro Jamar®. Rev Bras Ortop. 1998;33(2):150-4. 11 Abdalla LM, Brandão MCF. Força de preensão palmar e pinça digital. In: SBTM – Sociedade Brasileira de Terapeutas da Mão e do Membro Superior. Recomendações para avaliação do membro superior. São Paulo; 2003. p.33-7. 12 Bell-Krotoski JA, Breger-Stanton DE. Biomechanics and evaluation of the hand. In: Hunter JM, Mackin EJ, Callahan AD, Skirven TM, Schneider LH, Osterman AL, editors.. Rehabilitation of the hand and upper extremity. 5th ed. St. Louis: Mosby; 2002. p.240-62. 13 Figueiredo IM, Sampaio RS, Mancini MC, Silva FCM, Souza MAP. Teste de força de preensão utilizando o dinamômetro Jamar. Acta Fisiatr. 2007;14:104-10. 14 Zwarenstein M, Treweek S, Gagnier JJ, Altman DG, Tunis S, Haynes B, et al. Improving the reporting of pragmatic trials: an extension of the CONSORT statement. BMJ. 2008;337:1-8. 16 Enoka RM. Neural adaptations with chronic physical activity. J Biomech. 1997;30(5):447-55. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):141-6 2010;17(2) 145 Referências (cont.) 19 Araújo MP, Araújo PMP, Caporrino FA, Faloppa F, Albertoni WM. Estudo populacional das forças das pinças polpa-a-polpa, trípode e lateral. Rev Bras Ortop. 2002;37(11/12):496-504. 20 Mathiowetz V, Kashman N, Volland G, Weber K, Dowe M, Rogers S. Grip and pinch strength: normative data for adults. Arch Phys Med Rehabil. 1985;66(2):69-74. 21 D’Oliveira GDF. Avaliação funcional da força de preensão palmar com o dinamômetro Jamar?: estudo transversal de base populacional [dissertação]. Brasília: Universidade Católica de Brasília; 2005. 146 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):141-6 22 Forrest KY, Zmuda JM, Cauley JA. Patterns and determinants of muscle strength change with aging in older men. Aging Male. 2005;8(3-4):151-6. 23 Wind AE, Takken T, Helders PJM, Engelbert RHH. Is grip strength a predictor for total muscle strength in healthy children, adolescents and young adults? Èur J Pediatr. 2010;169:281-7. 24 Bezerra TAR, Hentell LCP. Contribuição ergonômica à carreira dos oficiais aviadores do esquadrão de demonstração aérea Esquadrilha da Fumaça da Força Aérea Brasileira [TCC]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2002. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.147-52, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Pressões respiratórias máximas: equipamentos e procedimentos usados por fisioterapeutas brasileiros Maximal respiratory pressures: devices and procedures used by Brazilian physical therapists Dayane Montemezzo1, Marcelo Velloso2, Raquel Rodrigues Britto2, Verônica Franco Parreira2 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia da EEFFTO/ UFMG – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. 2 Profs. Drs. do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da EEFFTO/ UFMG ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Profa. Verônica F. Parreira Labcare – EEFFTO/UFMG Av. Antônio Carlos 6627 Pampulha 31270-901 Belo Horizonte MG e-mail: [email protected] O estudo foi parcialmente financiado pela Fapemig – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – e pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; a autora 1 foi bolsista da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. APRESENTAÇÃO out. 2009 RESUMO: A mensuração das pressões respiratórias máximas – método de avaliação das condições de força dos músculos respiratórios – é um teste voluntário e esforçodependente, com aplicações clínicas de ordem diagnóstica e terapêutica. Há uma grande variedade de equipamentos e interfaces para sua execução, o que acarreta uma relativa ausência de padronização. O objetivo deste estudo foi identificar os diferentes equipamentos, procedimentos e forma de interpretar a mensuração das pressões respiratórias máximas entre fisioterapeutas brasileiros. Dezenove fisioterapeutas respiratórios, de 13 diferentes instituições, situadas em três regiões do país, responderam a um questionário sobre esses aspectos. Os resultados mostram que prevaleceu o uso de manovacuômetro analógico (60%), com tubo de silicone (60%) e interface do tipo bocal tubular (53,4%), contendo orifício de fuga de 1 a 2 mm de diâmetro (86,6%), associado ao uso de clipe nasal (100%). Na mensuração, foi observado um número mínimo de três testes aceitáveis e reprodutíveis (80%) e, para a análise dos valores encontrados, todos usam valores de referência ou equações preditivas. Os dados sugerem que existe uma relativa uniformidade em relação à mensuração das pressões respiratórias máximas entre fisioterapeutas brasileiros. DESCRITORES: Equipamentos para diagnóstico; Fisioterapia (Especialidade); Prática profissional/estatística & dados numéricos; Ventilação voluntária máxima ABSTRACT: Measuring maximal respiratory pressures – a method for assessing respiratory muscle strength – is a voluntary, effort-dependent test broadly used for diagnostic and therapeutic purposes. There is a large variety of devices and interfaces available to perform this procedure, which leads to a relative absence of standardization. The aim of this survey was to ascertain devices, procedures and interpretation parameters used in measuring maximal respiratory pressures among Brazilian physical therapists. Nineteen respiratory physical therapists, in charge at 13 institutions in three regions of the country, answered a questionnaire on those issues. Results show prevalence of use of analogue respiratory pressure meters (60%), with a silicon tube (60%) and a cylindrical mouthpiece (53,4%) with 1- to 2-mm diameter air-leak opening, associated to use of nose clip (100%). When measuring, they perform a minimum of three acceptable and reproducible tests (80%), and in analysing pressure values all of them use reference values or predictive equations. Data suggest a relative uniformity in measuring maximal respiratory pressures among Brazilian physical therapists. KEY WORDS: Diagnostic equipment; Maximal voluntary ventilation; Physical therapy (Specialty); Professional practice/statistics & numerical data ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):147-52 2010;17(2) 147 INTRODUÇÃO Dentre os procedimentos de avaliação da função pulmonar, a mensuração das pressões respiratórias máximas (PRM) é o que permite investigar as condições de força dos músculos respiratórios. A PRM é definida como a pressão “que um indivíduo é capaz de gerar a partir da boca”; é considerada uma maneira simples de medir a força dos músculos inspiratórios (pressão inspiratória máxima, PImáx) e dos músculos expiratórios (pressão expiratória máxima, PEmáx), podendo ser realizada por meio de manobras involuntárias ou voluntárias, ou ainda, manobras estáticas ou dinâmicas. Nas manobras involuntárias, a pressão desenvolvida é músculo-específica, sendo desnecessária a compreensão e colaboração do indivíduo avaliado. Na manobra voluntária, esforço-dependente, é testada a ação sinérgica de vários grupos musculares inspiratórios ou expiratórios1-4. A pressão medida por esses testes reflete a pressão desenvolvida pelos músculos respiratórios associada à pressão passiva de recolhimento elástico do sistema respiratório3. São várias as aplicações clínicas da mensuração das PRM, tanto diagnósticas quanto de intervenção2,4. A mensuração da PImáx é mais utilizada na presença de disfunções relacionadas à fraqueza muscular e a mensuração da PEmáx reflete dentre outras a habilidade de tossir3,5. Os equipamentos utilizados para medir as PRM compreendem um tubo, uma peça bocal ou máscara facial e um manômetro de pressão, capaz de aferir pressões negativas e positivas, denominado manovacuômetro. Atualmente, estão disponíveis manovacuômetros aneróides ou analógicos e, também, os transdutores, de pressão ou digitais3,4,6. A forma, as dimensões e o modo de emprego da peça bocal, a presença de um orifício de fuga, o uso ou não de tubos conectando o bocal ao equipamento, bem como sua dimensão, são elementos capazes de influenciar os resultados das medidas2-4,6-9. Outro aspecto importante relacionado aos resultados da mensuração das PRM é o uso de clipe nasal, para evitar vazamentos; embora seu uso não seja recomendado nas 148 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):147-52 diretrizes da Sociedade Americana do Tórax (ATS, American Thoracic Society) e da Sociedade Respiratória Européia (ERS, European Respiratory Society), é amplamente utilizado tanto em pesquisas como na prática clínica1-4,6,10-20. Essa diversidade em relação à mensuração das PRM pode levar a uma considerável inconsistência entre os valores de referência e/ou equações preditivas. Resultados de um estudo recente com a população brasileira refletem essa particularidade15. A literatura revisada sobre equipamentos, procedimentos e interpretação dos resultados dos testes de PRM concentra as principais publicações nos últimos 20 anos. Atualmente ainda não está disponível uma padronização dos equipamentos e procedimentos utilizados1-4,7,12,15,16,21. Porém, recentemente foi publicada uma atualização das diretrizes da ATS e ERS22, na qual se pode observar que muitos aspectos relativos à avaliação da força muscular respiratória necessitam ser esclarecidos. Frente ao impacto dessa falta de padronização, muitos pesquisadores recomendam que os equipamentos e procedimentos sejam uniformizados1-4,12,13,15,16,22. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar os diferentes equipamentos, procedimentos e a forma de interpretar a mensuração das PRM entre fisioterapeutas brasileiros atuantes na área de fisioterapia respiratória. METODOLOGIA Neste estudo transversal os dados foram coletados por um questionário especificamente elaborado e enviado a 21 fisioterapeutas, oriundos de 13 instituições, representativas dos principais centros de pesquisa e assistência em fisioterapia respiratória no Brasil, pesquisadores com bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e membros da Assobrafir – Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva, entidade representativa da especialidade. A seleção dos fisioterapeutas para responder aos questionários foi feita inicialmente por busca sistematizada na plataforma Lattes (mediante as opções “Doutores”, na “área de atuação” grande área “Ciências da Saúde”, área “Fisioterapia e Terapia Ocupacional”, subárea “Fisioterapia Respiratória”). Além desse procedimento, foi feita também busca direta entre os membros de conselhos editoriais de revistas brasileiras de Fisioterapia e de representantes de serviços com reconhecido papel na formação de recursos humanos, com o intuito de contemplar as diferentes regiões geográficas brasileiras. O questionário foi elaborado com base na literatura específica sobre PRM1-4,10,15; contém 23 questões de múltipla escolha relativas aos equipamentos, procedimentos e forma de interpretação das medidas. Em algumas questões era possível mais de uma resposta. No início do questionário havia instruções para seu preenchimento e, ao final, um espaço reservado para eventuais comentários. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. Após a elaboração do questionário por dois especialistas, o mesmo foi submetido a revisão por um terceiro especialista, sendo elaborada a versão final. Em seguida, procedeu-se ao contato telefônico individual com os 21 fisioterapeutas selecionados, informando sobre o envio do questionário por correio eletrônico e o prazo para sua resposta e devolução. Nas instituições em que mais de um fisioterapeuta foi selecionado, deixou-se a critério de cada profissional optar pela resposta conjunta ou individualizada. Os dados foram expressos em freqüência (%). RESULTADOS Dos 21 profissionais que receberam o questionário, apenas dois não o responderam. Foram recebidos 15 questionários respondidos, dos quais dois continham resposta consensual de três profissionais cada um. A Tabela 1 apresenta os dados relativos às características dos equipamentos utilizados para a mensuração das PRM. Observa-se que o manovacuômetro analógico, submetido a procedimentos de ajuste periódico, com tubo de silicone e interface do tipo bocal tubular, com orifício de fuga de 1 a 2 mm de diâmetro, associado ao uso de clipe nasal, caracteriza o equipamento utiliza- Montemezzo et al. Tabela 1 Equipamentos para medir pressões respiratórias Distribuição das respostas segundo as características dos equipamentos utilizados Características dos equipamentos Analógico Tipo de manovacuômetro Digital Ambos Bocal tubular rígido de plástico ou papel Bocal tipo mergulhador Interface utilizada Bocal plástico Voldyne Outros Tubo liso transparente de silicone Conexão interfaceTubo corrugado de plástico equipamento Nenhum Sim, com diâmetro de 1 a 2 mm Orifício de fuga Não Utilização de clipe nasal Sim Realizam periodicamente Calibração e ajuste Não realizam Tabela 2 % 60,0 26,6 13,4 53,4 20,0 13,3 13,3 60,0 26,6 20,0 86,6 13,4 100,0 60,0 40,0 Distribuição das respostas segundo as características dos procedimentos utilizados Características dos procedimentos % o 80,0 Sentado, ângulo de 90 entre o tronco e os MMII Posicionamento 6,7 Em pé do paciente Outras posições 13,3 Lábios em torno do bocal 66,6 Posicionamento Compressão dos lábios sobre o bocal pelo avaliado 26,6 dos lábios em Compressão dos lábios sobre o bocal pelo avaliador 6,7 relação ao bocal Projeção dos lábios no interior do bocal 6,7 Execução prévia de ciclos Sim, por meio de peça de acrílico 53,3 Não 46,7 respiratórios Sim, pelo indivíduo avaliado 53,3 Compressão da musculatura facial Não 26,7 Sim, pelo avaliador 20,0 A partir do VR 66,6 Volume de início do teste de PImáx A partir da CRF 26,7 Ambos 6,7 A partir da CPT 86,6 Volume de início do teste de PEmáx A partir da CRF 6,7 Ambos 6,7 Verbal associada a demonstração 93,3 Instrução para os avaliados Apenas verbal 6,7 Estímulo verbal durante os testes Sim 100,0 Número mínimo de testes de cada 3 testes aceitáveis e reprodutíveis 80,0 3 testes aceitáveis 26,6 medida 5 a 10 testes Número máximo de testes de cada Não consideram medida Outras respostas Execução de testes de aprendizado Utilização de feedback visual Intervalo de tempo preestabelecido entre os testes Seqüência sistematizada das medidas de PImáx e PEmáx Orientações quanto ao vestuário do indivíduo avaliado Não Sim Não Sim Sim Não Sim Não Outras Não Sim 66,6 20,0 13,4 53,4 46,6 86,6 13,4 86,6 13,4 46,6 46,6 6,7 53,3 46,7 PImáx = pressão inspiratória máxima; PEmáx = pressão expiratória máxima; MMII = membros infeeriores; VR = volume residual; CRF = capacidade residual funcional; CPT = capacidade pulmonar total do na maioria das mensurações das PRM. A Tabela 2 apresenta os dados relativos aos procedimentos utilizados para a mensuração das PRM. Observa-se que a mensuração das PRM com o indivíduo sentado, com lábios posicionados em torno do bocal, associado com a execução prévia de ciclos respiratórios, compressão da musculatura facial pelo próprio individuo avaliado, início do teste de PImáx a partir de volume residual (VR) e da PEmáx a partir da capacidade pulmonar total (CPT), fornecimento de orientações verbais pelo fisioterapeuta associadas a demonstração, bem como comando verbal durante as manobras, um número mínimo de três testes aceitáveis e reprodutíveis e um número máximo de dez a intervalo de tempo preestabelecido, sem a realização de testes de aprendizado, sem feedback visual, sem orientações específicas em relação ao vestuário do indivíduo avaliado caracterizam os procedimentos utilizados na maioria das mensurações das PRM. Em relação à interpretação da mensuração das PRM, 66,7% dos fisioterapeutas consideram a pressão platô e 33,3% a pressão de pico como parâmetro de registro para análise; 100% dos fisioterapeutas interpretam os resultados por meio de equações preditivas e/ou valores de referência, dos quais 40% utilizam equações preditivas específicas para a população brasileira. O Gráfico 1 mostra que a maioria dos profissionais entrevistados (67%) são da região Sudeste, seguidos pelos das regiões Sul e Nordeste. Quanto à titulação, dentre eles 86% são doutores e 14% mestres. NE SE S 13% 20% 67% Gráfico 1 Distribuição dos respondentes segundo a região geográfica em que atuam (NE = Nordeste, SE = Sudeste, S = Sul) Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):147-52 2010;17(2) 149 DISCUSSÃO O principal resultado deste estudo foi a observação de uma uniformidade em relação aos diversos aspectos da mensuração das PRM, considerando que em apenas uma das perguntas do questionário não foi observada freqüência maior que 50%. O tipo de manômetro recomendado para a mensuração das PRM é aquele capaz de cumprir com os requisitos de confiabilidade, precisão e reprodutibilidade da medida a que se propõe; de registrar o pico de pressão e a pressão platô sustentada por um segundo; de possibilitar a visualização do manômetro, considerado um importante incentivo; de apresentar um intervalo operacional adequado ao teste em questão e a população alvo; ser de fácil manuseio, passível de calibração com manômetro de coluna d’água e com equipamentos elétricos; e ser de baixo custo2-4. Os equipamentos analógicos, utilizados pela maioria dos entrevistados, caracterizam-se por permitir apenas uma mensuração pontual e não nos diferentes momentos da curva de pressão exercida pelo individuo avaliado, o que pode dificultar a leitura, tendo em vista o pequeno tempo de pressão exercida. Além disso, apresentam procedimentos de calibração complexos e uma faixa de intervalo operacional que pode ser insuficiente, conforme as características do indivíduo avaliado. Os manovacuômetros digitais podem possibilitar a visualização da curva pressão versus tempo durante a execução do teste, conferindo maior facilidade na aquisição dos dados avaliados. Também podem apresentar um intervalo operacional consideravelmente maior e comportar a comunicação com softwares, permitindo que os resultados das mensurações sejam calculados, armazenados e exibidos conforme a necessidade do avaliador4,23. De uma maneira geral, a literatura relativa à mensuração das PRM relata o uso de manovacuômetros analógicos 6,7,10,11,15-17,24-28 embora, segundo Souza4, o uso de equipamentos digitais seja cada vez mais freqüente, principalmente após 19805,8,9,12,14,20,27,29-34. No entanto, algumas dificuldades quanto ao 150 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):147-52 acesso e manuseio ainda estão presentes. O equipamento digital produzido no Brasil não viabiliza a curva pressão versus tempo em momento real e apresenta um intervalo operacional equivalente ao dos equipamentos analógicos (www.globalmed.com.br). Em relação aos diferentes tipos de interface, neste estudo a maioria dos fisioterapeutas entrevistados utiliza o bocal do tipo tubular de modo que os lábios do indivíduo avaliado fiquem posicionados em torno do mesmo. A influência da forma, das dimensões do bocal e do modo de uso foi estudada em sujeitos saudáveis. Os resultados dos estudos apontam que esses fatores interferem na mensuração das PRM, pois exige ativação e coordenação de grupos musculares distintos de acordo com as características do bocal8,30. Em pacientes com diferentes níveis de lesão medular, durante a medida da PEmáx, o auxílio do avaliador pode evitar escape de ar ao redor do bocal possibilitando o registro de valores maiores. A fraqueza da musculatura perioral limitaria o uso do bocal tipo mergulhador, pela débil vedação labial34. No que se refere ao orifício de fuga, mais de 80% dos fisioterapeutas o utilizam, com dimensão de 1 a 2 mm. A influência do orifício de fuga e de sua dimensão foi investigada em pacientes com doença respiratória. Os resultados apontam que o orifício deveria ter entre 1 e 2 mm para prevenir o fechamento glótico durante a mensuração da PImáx e tentar eliminar a influência das pressões geradas pelos músculos faciais, principalmente os bucinadores, durante a medida de PEmáx4,9. As diretrizes ATS/ERS, assim como da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), recomendam o uso do orifício de fuga, ressaltando que deverão ser ponderadas as possíveis diferenças de dimensão entre os orifícios ao se compararem registros de PRM3,4. Quanto à postura corporal, mais de 80% relatam o uso da postura sentada, independente da condição de base dos indivíduos avaliados, procedimento recomendado desde que seja padronizado para medidas subseqüentes2-4. A mensuração das PRM não sofre influência da postura corporal nos casos em que são avaliados indivíduos saudáveis; porém, em pacien- tes com doença pulmonar obstrutiva crônica, a literatura relata que a postura é um dos fatores mecânicos capazes de interferir na mensuração das PRM35,36. O clipe nasal é utilizado por 100% dos fisioterapeutas entrevistados. Apesar de não recomendado pelas diretrizes ATS/ERS3, seu uso é muito freqüente na prática clínica, sendo descrito por vários estudos1,2,6,8-13,15-20,28,35,37. É possível que o clipe nasal diminua o escape aéreo, facilitando a aceitabilidade das manobras e eventualmente influenciando a magnitude dos valores. No presente estudo, a maioria dos fisioterapeutas responderam que orientam a execução dos testes por meio de demonstração associada a instruções verbais; e todos utilizam comando verbal durante a realização dos testes, ainda que não padronizado. Isso está de acordo com a recomendação da SBPT4. Considerando que as medidas de PRM são esforço-dependente, instruções cuidadosas e estímulos verbais vigorosos têm grande influência na capacidade do indivíduo em gerar força2-4. O volume pulmonar para iniciar os testes é um aspecto que pode influenciar de maneira importante os valores medidos. Na prática clínica as medidas de PRM são usualmente realizadas no nível do VR para a PImáx e da CPT para a PEmáx, condição encontrada nesta pesquisa. A mensuração da PImáx e da PEmáx a partir da capacidade residual funcional (CRF) foi estudada em indivíduos saudáveis e os resultados sugerem que ambos os volumes geram medidas confiáveis, mas esse aspecto não foi avaliado em indivíduos com disfunções respiratórias13. Quando se medem as PRM a partir da CRF, a pressão de recolhimento elástico do sistema respiratório não interfere nos valores aferidos, condição que ocorre quando as mensurações são feitas a partir da CPT e do VR2,3,30. No entanto, deve ser considerado que o uso da CRF como ponto de partida para as mensurações é praticamente inviável na prática clínica, considerando a dificuldade de sua monitoração. No presente estudo observamos que, embora não haja um consenso quanto ao número total de testes para cada medida de pressão, há um cuidado quanto à aceitabilidade e reprodutibi- Montemezzo et al. lidade das mensurações, sendo que aqueles que desconsideram o fator aprendizado executam um maior número de testes. Atualmente, este é um dos poucos aspectos consensuais em relação aos procedimentos, sendo recomendado um número máximo de cinco testes para cada mensuração da PImáx e da PEmáx4. Dentre eles, pelo menos três devem ser aceitáveis e, destes, pelo menos dois, reprodutíveis1,15. Em relação à interpretação dos resultados da mensuração das PRM, 66% dos fisioterapeutas entrevistados consideram a pressão platô para registro e avaliação da reprodutibilidade das medidas. Apenas 40% utilizam as equações preditivas específicas para a população brasileira. Estudos recentes indicam a necessidade de equações preditivas que sejam repre- Equipamentos para medir pressões respiratórias sentativas da região na qual a população estudada está inserida15,16. Por fim, os profissionais selecionados para responder aos questionários – 86% dos quais eram doutores, portanto de alta qualificação – em sua maioria (87%) são oriundos do eixo sul-sudeste do Brasil, onde se concentra a maior parte dos centros de ensino e pesquisa em Fisioterapia38. Esses resultados refletem as regiões com maior concentração dos profissionais no país e são similares aos observados em um estudo publicado sobre o perfil do fisioterapeuta que atua em unidades de terapia intensiva no Brasil, de que 81,2% das unidades situavamse no eixo sul-sudeste39. Nesse contexto, a abrangência das regiões geográficas nas quais os fisioterapeutas entrevistados estão inseridos poderia ser considerada uma limitação deste estudo, porém outros estudos recentes com fisioterapeutas brasileiros apresentam distribuição similar39,40. CONCLUSÃO Levando-se em consideração os resultados deste estudo e a relativa padronização em relação aos equipamentos, procedimentos e interpretação dos resultados da mensuração das PRM, muitos pesquisadores recomendam que os mesmos sejam uniformizados1-4,12,15,22. Nesse contexto, ainda não está disponível um consenso que considere os diferentes fatores capazes de influenciar as mensurações das PRM. Essa padronização poderia contribuir para se estabelecerem equações preditivas mais representativas. REFERÊNCIAS 1 Neder JA, Andreoni S, Castelo Fo A, Nery LE. Reference values for lung function tests, II: maximal respiratory pressures and voluntary ventilation. Braz J Med Biol Res. 1999;32:719-27. 2 Rodrigues F, Bárbara C. Pressões respiratórias máximas: proposta de um protocolo de procedimentos. Rev Port Pneumol. 2000;6:297-307. 3 Green M, Road J, Sieck GC, Similowski T. Tests of respiratory muscle strenght. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166:528-47. 4 Souza RB. Pressões respiratórias estáticas máximas. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S155-65. 5 Enright PL, Kronmal RA, Manolio TA, Schenker MB, Hyatt RE [Cardiovascular Health Study Research Group]. Respiratory muscle strength in the elderly: correlates and reference values. Am J Respir Crit Care Med. 1994;149:430-8. 9 Mayos M, Giner J, Casan P, Sanchis J. Measurement of maximal static respiratory pressures at the mouth with different air leaks. Chest. 1991;100:364-6. 10 Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values and relationship to age and sex. Am Rev Respir Dis. 1969;99:696-702. 11 Camelo Jr JS, Filho JT, Manço JC. Pressões respiratórias máximas em adultos normais. J Pneumol. 1985;11:181-4. 12 Brunetto AF, Alves LA. Comparação entre os valores de pico e sustentado das pressões respiratórias máximas em indivíduos saudáveis e pacientes portadores de pneumopatia crônica. J Bras Pneumol. 2003;29:208-12. 13 Windisch W, Hennings E, Sorichter S, Hamm H, Criee CP. 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Maximum inspiratory and expiratory pressures have no daytime variation in healthy men. Respir Med. 1996;90:231-3. 19 Forti E, Ike D, Barbalho-Moulim M, Rasera Jr I, Costa D. Effects of chest physiotherapy on the respiratory function of postoperative gastroplasty patients. Clinics. 2009;64(7):683-9. 33 Berry JK, Vitalo CA, Larson JL, Patel M, Kim MJ. Respiratory muscle strength in older adults. Nurs Res. 1996;45:154-9. 20 Battaglia E, Fulgenzi A, Ferrero ME. Rationale of the combined use of inspiratory and expiratory devices in improving maximal inspiratory pressure and maximal expiratory pressure of patients with chronic obstructive pulmonary disease. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90:913-8. 21 Fauroux B. Respiratory muscle testing in children. Paediatr Respir Rev. 2003;4:243-9. 22 Evans JA, Whitelaw WA. The assessment of maximal respiratory mouth pressures in adults. Respir Care. 2009;54:1348-59. 23 Silva JL. Desenvolvimento de um sistema digital de medição das pressões respiratórias máximas [monografia Curso de Graduação em Engenharia de Controle e Automação]. Belo Horizonte: Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais; 2006. 24 Wilson SH, Cooke NT, Edwards RH, Spiro SG. Predicted normal values for maximal respiratory pressures in Caucasian adults and children. Thorax. 1984;39:535-8. 25 Larson JL, Kim MJ. Reliability of maximal inspiratory pressure. Nurs Res. 1987;36(5):317-9. 26 Fiz JA, Montserrat JM, Picado C, Plaza V, Gusti-Vidal A. How many manoeuvres should be done to measure maximal inspiratory mouth pressure in patients with chronic airflow obstruction? Thorax. 1989;44:419-21. 27 Wen AS, Woo MS, Keens TG. How many manoeuvers are required to measure maximal inspiratory pressure accurately. Chest. 1997;111:802-7. 28 Wohlgemuth M, van der Kooi EL, Hendriks JC, Padberg GW, Folgering HT. Face mask spirometry and respiratory pressures in normal subjects. 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Changes in peak expiratory flow and respiratory strength during the menstrual cycle. Respir Physiol Neurobiol. 2006;150:211-9. 38 Costa D. Dez anos de pós-graduação strictu sensu em Fisioterapia no Brasil: o que mudou? Rev Bras Fisioter. 2007;11:1-2. 39 Nozawa E, Sarmento GJV, Minuzo JV, Costa D, Silva JEP, Feltrim MIZ. Perfil de fisioterapeutas brasileiros que atuam em unidades de terapia intensiva. Fisioter Pesq. 2008;15:177-82. 40 Coury H, Vilella I. Perfil do pesquisador fisioterapeuta brasileiro. Rev Bras Fisioter. 2009;13:356-63. AGRADECIMENTOS Agradecemos aos seguintes profissionais a disponibilidade e atenção nas respostas aos questionários, sem as quais este estudo não teria sido possível: Hospital Israelita Albert Einstein, SP – Leny Cavalheiro; Udesc – Anamaria Fleig Mayer, Darlan Laurício Matte, Elaine Paulin; UEL – Antonio Fernando Brunetto (in memoriam), Fábio de Oliveira Pitta; UFCSPA – Pedro Dall’Ago; UFPE – Armele de F. Dornelas de Andrade; UFRJ e Assobrafir – Sara Lúcia S. de Menezes; UFRN – Selma Sousa Bruno; UFSCar – Audrey Borghi Silva, Maurício Jamami, Valéria A. Pires Di Lorenzo; Unifesp – Andréa K. Carvalho, Luciana Chiavegato; Unimep – Dirceu Costa; Uninove – Simone Dal Corso; USP Ribeirão Preto – Ada Clarice Gastaldi. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.153-6, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Efeito de um programa de treinamento funcional no equilíbrio postural de idosas da comunidade Effect of a functional training program on community-dwelling elderly women’s postural balance Lygia Paccini Lustosa1, Larissa Alves de Oliveira2, Lidiane da Silva Santos2, Rita de Cássia Guedes1, Adriana Netto Parentoni3, Leani Souza Máximo Pereira4 Estudo desenvolvido na Clínica Escola de Fisioterapia do UniBH – Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil 1 Profas. Ms. do Curso de Fisioterapia do UniBH 2 Fisioterapeutas 3 Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG 4 Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Lygia P. Lustosa R. Álvares de Azevedo 122 Colégio Batista 31110-290 Belo Horizonte MG e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO nov. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 R ESUMO : Programas de treino funcional podem colaborar na redução de incapacidades, quedas, problemas emocionais e sociais em idosos. O objetivo do estudo foi verificar o efeito de um programa de oito semanas de exercícios funcionais em idosas da comunidade, avaliando o impacto nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e no equilíbrio unipodálico. Deste estudo quasi-experimental participaram sete idosas da comunidade (71±8,1 anos), sem distinção de raça e/ ou condição social, excluindo-se aquelas com alterações cognitivas, doenças agudizadas ou neurológicas, quadro álgico na coluna ou articulações, labirintite, distúrbios visuais não-compensados, fratura prévia no último ano e utilização de apoio para a marcha. Todas responderam ao questionário de Lawton e se submeteram ao teste de apoio unipodálico antes e depois do programa, administrado três vezes por semana. O programa consistia em exercícios de marcha em flexão plantar, dorsiflexão, permanência em alternância de apoio unipodálico, marcha lateral com flexão de quadril aumentada e marcha tandem. Os resultados indicam melhora (p=0,042) no nível funcional (índice de Lawton) após o programa e uma tendência à melhora no equilíbrio unipodálico, embora não-significante (p>0,105). O programa de exercícios proposto produziu pois melhora no desempenho das AIVD e uma tendência à melhora do equilíbrio estático, sugerindo ser relevante para aprimorar a autonomia das idosas. DESCRITORES: Atividades cotidianas; Idoso; Equilíbrio postural; Mulheres; Terapia por exercício ABSTRACT: Functional training programs may help reduce elderly disabilities, falls, and emotional and social problems. The aim of this study was to assess the impact of an eight-week functional exercise program on aged women’s instrumental activities of daily living (IADL) and one-foot stance balance. Irrespective of race and/or social condition, 7 community-dwelling elderly women (aged 71±8.1) were selected, being excluded those with cognitive impairment, acute or neurological diseases, spine or joint pain, labyrinth inflammatory disease, visual impairment, fractures in the previous year, and use of gait aid. All subjects were assessed by the Lawton IADL scale and the one-foot stance balance test, before and after the program. Exercises were performed three times a week and consisted of gait exercises in plantar flexion, dorsiflexion, alternation of sustained one-foot stance, sideways gait, gait with increased hip flexion, and tandem gait. Results show a functional improvement in IADL (p=0.042) as measured by the Lawton scale, and a trend towards better static one-foot stance balance, though not significant (p>0.105). The proposed program of functional exercises may thus be said to bring about improvement in older women’s functional performance and a trend towards improvement on static balance, suggesting its relevance to increase elderly women’s autonomy. KEY WORDS: Activities of daily living; Aged; Exercise therapy; Postural balance; Women Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):153-6 2010;17(2) 153 INTRODUÇÃO O aumento populacional de idosos é um fenômeno universal que ocasiona mudanças na pirâmide etária1,2. Dados de 2000 mostram que a população brasileira acima de 65 anos era de 5,85%, conferindo ao Brasil o sétimo lugar na lista dos países mais envelhecidos no mundo – e espera-se que em 2025 ocupe a sexta posição1,2. Associada a essa mudança demográfica, observa-se um aumento das morbidades2. No envelhecimento ocorrem modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que resultam na redução das reservas funcionais dos órgãos e sistemas1,3. Essas modificações, associadas às doenças crônicas, ao uso de medicamentos e ao sedentarismo são fatores que aumentam a incapacidade no idoso1. A perda da mobilidade, a diminuição da força muscular, o aumento no tempo de reação e o deficit de equilíbrio são fatores importantes do grau de dependência e da ocorrência de institucionalização3. Essas alterações afetam ainda a habilidade e aumentam o risco de quedas3. O sistema nervoso também está envolvido nesse processo, sendo o envelhecimento acompanhado por uma diminuição da velocidade de condução nervosa, interferindo na recepção das informações sensoriais e, conseqüentemente, tornando mais lenta a resposta motora necessária ao controle postural3,4. Por sua vez, todos esses fatores associados à institucionalização, perda cognitiva ou depressão, calçados inadequados, uso de vários medicamentos, perigos na residência e falta de atividade física regular aumentam o risco de incapacidade nos idosos3. Nesse contexto, são propostas intervenções específicas visando minimizar essas condições e suas conseqüências, que podem incluir imobilidade, dor, dependência, incapacidade funcional e até mesmo provocar a morte por fatores diretos ou indiretos5. Assim, é dada ênfase aos exercícios com mudanças de velocidade, amplitudes variadas, mudanças de direção e ambientes diferenciados, visando treinar habilidades específicas4,5. Dessa forma, o treino funcional tem como objetivo minimizar a incapacidade funcional5-7. No entanto, seus resul- 154 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):153-6 tados ainda são pouco investigados. Existem indícios de que, além da melhora funcional, as intervenções podem colaborar na redução de problemas emocionais e sociais atribuídos à incapacidade5,7. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito de um programa de dois meses de exercícios funcionais em um grupo de idosas da comunidade, avaliando o impacto nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e no equilíbrio unipodálico. A hipótese do estudo foi de que, após o treinamento funcional, as participantes tivessem melhora do equilíbrio e na execução das AIVD. METODOLOGIA Este é um estudo quasi-experimental, realizado na Clínica Escola do Centro Universitário de Belo Horizonte, onde foram recrutadas voluntárias, acima de 60 anos, cujos nomes estavam na lista de espera para atendimento fisioterápico. Todos os procedimentos éticos que envolvem pesquisa com seres humanos foram adotados e as voluntárias assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo faz parte de um programa de extensão aprovado na instituição para 2009. Participaram do estudo sete idosas da comunidade, sedentárias, sem distinção de raça e/ou classe social. Foram excluídas idosas com alterações cognitivas, avaliadas pelo mini-exame do estado mental8, com doenças neurológicas, quadros álgicos, fraturas ocorridas há menos de um ano, que utilizassem acessório de auxílio à marcha, quadros de labirintite e alterações visuais não-compensadas. As idosas foram recrutadas por telefone e convidadas a participar do estudo. Inicialmente, foi aplicado um questionário, criado especificamente para este estudo, para garantir os critérios de inclusão. Considerou-se quadro álgico o relato de dor nas duas semanas anteriores, em articulações dos membros inferiores e/ ou coluna, que pudessem interferir nas avaliações e nos exercícios. Aquelas que estavam elegíveis para participar foram submetidas a uma avaliação inicial para verificar o desempenho nas AIVD e no equilíbrio unipodálico. Para essa avaliação foram utilizados o Índice de Lawton9 e o teste de equilíbrio em um membro inferior. A escala de Lawton é usada para avaliação funcional de desempenho em atividades instrumentais de vida diária (AIVD), como capacidade de preparar uma refeição, realizar limpeza doméstica, tomar remédios, subir escadas, caminhar, controlar finanças, fazer compras e utilizar transporte coletivo. Marra et al.10 reportaram, com base em Lawton e Broody9, que a confiabilidade inter-examinador foi de 0,91 e o coeficiente de reprodutibilidade, de 0,96. O questionário foi aplicado em forma de entrevista, por apenas um examinador previamente treinado, em ambiente adequado e reservado. As respostas foram anotadas e o escore total foi calculado conforme a orientação dos autores. O escore final varia de 0 a 30 pontos sendo que, quanto mais elevada a pontuação, maior a independência do indivíduo. O equilíbrio estático foi avaliado pedindo-se à voluntária para ficar em apoio unipodálico o maior tempo que conseguisse, permanecendo com as mãos na cintura e os olhos abertos. Caso a participante conseguisse completar 30 segundos na postura, o teste era repetido com os olhos fechados, após um intervalo de dois minutos de descanso. O tempo de permanência na posição foi anotado em segundos, sendo considerado para análise o maior tempo, dentre três tentativas. O teste foi realizado com ambos os membros inferiores. Após a avaliação, todas as voluntárias iniciaram a intervenção, que consistiu em exercícios funcionais relacionados às tarefas executadas no dia-dia das participantes, tais como levantar e sentar, equilíbrio, caminhada e coordenação. Esses exercícios foram realizados sob a supervisão direta dos pesquisadores e em pequenos grupos. As sessões, de 50 minutos, foram realizadas três vezes por semana, durante oito semanas, totalizando 24 sessões. As voluntárias foram instruídas a não ter mais do que duas faltas consecutivas, para não serem excluídas do estudo. Cada exercício foi adequado de acordo com a capacidade física da voluntária. Durante a sessão era feito monitoramento da pressão arterial e da freqüência cardíaca de todas as participantes. Lustosa et al. Treino funcional em idosas da comunidade As sessões iniciavam-se por uma fase de aquecimento, uma caminhada 10 minutos no plano. Em seguida, passavase ao treino funcional que consistiu em exercícios de marcha em flexão plantar, dorsiflexão, permanecer em alternância de apoio unipodálico, marcha lateral, marcha com flexão de quadril aumentada e marcha tandem. Essas atividades tiveram progressão com a utilização de objetos nas mãos, como pequenos cones. Utilizou-se ainda treino em circuitos, nos quais as participantes deveriam contornar cones e bambolês, andar sobre colchonetes, subir e descer degraus de diferentes tamanhos e alturas; e, ainda, exercícios de membros superiores com bolas e bastões, atividades de alcance, exercícios de rotação e extensão de tronco em pequenas amplitudes, sentar e levantar da cadeira. A fase de resfriamento consistiu no alongamento dos grandes grupos musculares dos membros inferiores. Após o programa, as voluntárias foram submetidas aos mesmos testes já descritos. As medidas obtidas foram comparadas utilizando o programa SPSS (v.13.0). A análise de normalidade dos dados foi feita pelo teste de Shapiro-Wilk. Como os dados não apresentaram distribuição normal, utilizou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon para comparação dos resultados pré e pós-intervenção. O nível de significância considerado foi alfa igual a 0,05. ou reumáticas ou câncer, mas três informaram ser hipertensas (42,9%). Algumas referiram dores articulares esporádicas principalmente na região da coluna e joelhos, mas não apresentavam queixas no momento da avaliação inicial. Todas informaram utilizar, de forma regular, menos de três medicações por dia. Quatro voluntárias (57,1%) relataram uma queda nos últimos seis meses, no domicílio, sem lesões musculoesqueléticas como conseqüência. Na comparação entre os resultados antes e após o programa de exercícios, não foi observada diferença estatística significante na permanência de apoio unipodálico, medida em segundos, em ambos os membros inferiores (p>0,105), embora esse tempo tenha sido superior após o programa. Quanto à capacidade de realizar as AIVD, mensurada pelo índice de Lawton, houve diferença significativa entre antes e depois (p=0,042) – Tabela 1. Tabela 1 Valores (média ± desvio padrão) do tempo (em segundos) de apoio unipodálico e do índice de Lawton, antes e depois do programa, e valor de p da comparação entre os dois momentos Escores Antes Apoio MID (s) 5,9±3,3 Apoio MIE (s) 4,6±2,8 Índice Lawton 27,3±2,6 Depois p 7,1±4,1 0,105 5,7±4,3 0,340 29,0±0,8 0,042 MID = membro inferior direito; MIE = membro inferior esquerdo RESULTADOS O estudo teve início com 16 idosas, tendo sido excluídas 6, que faltaram em mais de duas sessões consecutivas; duas desistiram logo no início por alegar dificuldade em comparecer ao local e uma, por apresentar queixa de dor na região dos pés, impossibilitando a realização dos exercícios. Completaram o programa sete voluntárias, com média de idade 71±8,1 anos, variando de 64 a 88 anos. A maioria delas identificaram-se como brancas, viúvas, tendo freqüentado pelo menos três anos de escola (57,1%). Quanto às características clínicas, não apresentavam história de hospitalização no último ano; nenhuma informou apresentar diabetes, doenças neurológicas e/ DISCUSSÃO Este estudo teve como objetivo verificar o efeito de um programa de exercícios funcionais, com duração de dois meses, em um grupo de idosas da comunidade, nas AIVD e no equilíbrio unipodálico. Os resultados mostram que houve melhora na capacidade de realizar as AIVD após o programa, assim como uma tendência à melhora do equilíbrio estático unipodálico, pelo aumento da permanência no apoio, apesar de não ter sido significante. Acredita-se que um programa de treinamento funcional, embora não priorize especificamente ganho de equilíbrio, fle- xibilidade ou força muscular, gera modificações em todas essas variáveis, com conseqüente impacto na mobilidade, diminuindo a dependência funcional11-13. Essa condição foi observada no presente estudo, assim como no estudo de Brown et al.14 que, ao utilizar um protocolo de exercícios de flexibilidade, equilíbrio, coordenação e força muscular durante três meses, também observaram melhora na capacidade física e no equilíbrio estático e dinâmico de idosos. Esses resultados permitem supor que exercícios de baixa intensidade são capazes de melhorar a capacidade física dos idosos, tornando-os mais independentes. Da mesma forma, Pedrinelli et al.15 sugeriram que, apesar do fortalecimento muscular ser indicado e apresentar evidências de melhora da força e potência muscular, exercícios funcionais devem ser realizados visando à melhora do equilíbrio e independência do idoso. Province et al.16, em uma revisão sistemática, verificaram que, dentre as diversas intervenções como de fortalecimento muscular, treino de flexibilidade e exercícios de resistência, a intervenção que incluía treino de equilíbrio foi a única capaz de reduzir de forma significativa as quedas. Essa observação sugere que défices de equilíbrio poderiam ter uma relação mais direta com as quedas do que com a força, a flexibilidade ou o deficit de resistência16. A tendência observada neste estudo, de melhora do apoio unipodálico, apesar de não significativa, sugere que o programa realizado teve um efeito benéfico para a melhora do equilíbrio, podendo contribuir para prevenir as quedas. No entanto, este não foi o objetivo da presente pesquisa, podendo ser esta uma afirmação apenas especulativa. Autores que apontaram a efetividade de intervenções sobre o treino de equilíbrio, prevenindo quedas em idosos, sugeriram que isso ocorreria devido a um efeito cascata1,5,12,15,16. E ainda, a melhora do equilíbrio após intervenção poderia levar a um decréscimo na incidência de quedas, reduzindo morbidades e o declínio das AIVD, atividades físicas e sociais1,7,17. Sugere-se, pois, que estudos devem ser realizados para verificar o impacto do programa de exercícios funcionais na diminuição das quedas, o que não foi investigado neste estudo. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):153-6 2010;17(2) 155 A mobilidade, na perspectiva da capacidade funcional e da qualidade de vida do idoso, é uma condição importante para a manutenção da independência e é parte fundamental das atividades instrumentais da vida diária, como ir às compras, ao banco, visitar amigos, ir ao cinema, lavar e cozinhar17. Além disso, apesar de o processo de envelhecimento ser caracterizado pela diminuição da qualidade e quantidade das informações necessárias para um eficiente controle postural, esses défices parecem ter pouco efeito na realização das necessidades diárias da maioria da população ido- sa – mas podem colocá-los em risco de alterações do equilíbrio11,19. Este estudo apresentou como limitação a perda importante das voluntárias que iniciaram o tratamento, permanecendo ao final da análise menos da metade daquelas que iniciaram. No entanto, para avaliar o efeito de uma intervenção é necessário determinar critérios para que seja mantida sua continuidade. Excluir, da análise, aquelas que tiveram mais de duas faltas consecutivas pareceu ser uma decisão adequada para garantir esses preceitos e avaliar com critério o resulta- do do efeito da intervenção. Dessa forma, não pode ser descartada a possibilidade do erro tipo II na análise dos resultados e limitação em relação à validade externa do estudo. CONCLUSÃO Os resultados demonstraram que o programa proposto de exercícios funcionais gerou significativa melhora no desempenho nas AIVD, avaliada pelo índice de Lawton, e uma tendência à melhora do equilíbrio estático na amostra de idosas da comunidade. REFERÊNCIAS 1 Zambaldi PA, Costa TABN, Diniz GCLM, Scalzo PL. Efeito de um treinamento de equilíbrio em um grupo de mulheres idosas da comunidade: estudo piloto de uma abordagem específica não-sistematizada e breve. Acta Fisiatr. 2007;14(1):17-24. 2 Chaimowicz F. A saúde dos idosos brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev Saude Publica. 1997;31(2):184-200. 3 Alfieri FM, Werner A, Roschel AB, Melo FC, Santos KIS. Mobilidade funcional de idosos ativos e sedentários versus adultos sedentários. Braz J Biomotricity. 2009;3(1):89-94. Disponível em: http:// www.brjb.com.br/files/brjb_66_3200903_id2.pdf. 4 5 6 Goulart F, Chaves CM, Vallone MLDC, Carvalho JA, Saiki KR. O movimento de passar de sentado para de pé em idosos: implicações para o treinamento funcional. Acta Fisiatr. 2003;10(3):138-43. Alfieri FM, Teodori RM, Montebelo MIL. Mobilidade funcional de idosos submetidos a intervenção fisioterapêutica. Saude Rev (Piracicaba). 2004;6(14):4550. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/editora/ revistaspdf/saude14art06.pdf. Alves LC. Influência das doenças crônicas na capacidade funcional de idosos. Cad Saude Publica. 2007;23(8):1924-30. 7 Gill T, Baker DI, Gottschalk M, Peduzzi PN, Allore H, Byers A. A program to prevent functional decline in physically frail, elderly persons who live at home. N Engl J Med. 2002;347(14):1068-74. 8 Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O miniexame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52:1-7. 156 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):153-6 9 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people selfmaintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86. 10 Marra TA, Pereira LSM, Faria CDCM, Pereira DS, Martins MAA, Tirado MGA. Avaliação das atividades de vida diária de idosos com diferentes níveis de demência. Rev Bras Fisioter. 2007;11(4):267-73. 11 Brown M, Sinacore DR, Ehsani AA, Binder EF, Holloszy JO, Kohrt WM. Low-intensity exercise as a modifier of physical frailty in older adults. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(7):960-5. 12 Pedrinelli A, Garcez-Leme LE, Nobre RSA. O efeito da atividade física no aparelho locomotor do idoso. Rev Bras Ortop. 2009;44(2):96-101. 13 Province MA, Hadley EC, Hornbrook MC, Lewis A, Lipsitz LA, Miller JP, et al. The effects of exercise on falls in elderly patients. J Am Med Assoc. 1995;273(17):1341-7. 14 Bechara FT, Santos SMS. Efetividade de um programa fisioterapêutico para treino de equilíbrio em idosos. Rev Saude Pesq. 2008;1(1):15-20. 15 Patla AE, Shumway-Cook A. Dimensions of mobility: defining the complexity and difficulty associated with community mobility. J Aging Phys Act. 1999;7(1):7-19. 16 Maciel ACC, Guerra RO. Influência dos fatores biopsicossociais sobre a capacidade funcional de idosos residentes no nordeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2007;10(2):178-89. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.157-66, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Prevenção de incapacidade na hanseníase com apoio em um manual de autocuidado para pacientes Disability prevention in leprosy using a self-care manual for patients Fernanda Carvalho Batista Rodini1, Mayara Gonçalves2, Ana Regina de Souza Bavaresco Barros3, Nilton Mazzer4, Valéria Meirelles Carril Elui5, Marisa de Cássia Registro Fonseca6 Estudo desenvolvido no RAL/ FMRP/USP – Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. 2 Graduanda em Fisioterapia no RAL/FMRP/USP 3 Fisioterapeuta do Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas da FMRP/USP 4 Médico ortopedista; Prof. Dr. associado do RAL/FMRP/USP 5 Terapeuta ocupacional; Profa. Dra. do Depto. de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da FMRP/USP 6 Fisioterapeuta; Profa. Dra. RAL/FMRP/USP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Fernanda C. B. Rodini Curso de Fisioterapia - FMRP/ USP Av. Bandeirantes 3900 14049-900 Ribeirão Preto SP e-mail: [email protected]; [email protected] Este estudo teve financiamento do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. RESUMO: A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, de evolução lenta, que se manifesta por sinais e sintomas dermatoneurológicos, com lesões na pele e nos nervos periféricos. O objetivo deste estudo foi avaliar o status físico e funcional de olhos, mãos e pés de pacientes com hanseníase, em relação ao aparecimento e evolução de deficiências sensitivo-motoras, grau de incapacidade e qualidade de vida, tendo os pacientes recebido e utilizado durante um ano um manual especialmente elaborado, com orientações de autocuidados para prevenção de incapacidade. Foram realizadas e comparadas avaliações fisioterapêuticas inicial e após 12 meses de uso do manual, de 26 pacientes com hanseníase: palpação de nervos periféricos, teste de sensibilidade da córnea, teste de sensibilidade cutânea, teste manual de função muscular e dinamometria isométrica de preensão e pinças dos dedos, sendo aplicado ainda o questionário de qualidade de vida SF-36 e classificado o grau de incapacidade. Os nervos mais acometidos foram o ulnar e o tibial posterior. Embora o grau de incapacidade e as deformidades preexistentes tenham persistido, houve melhora significativa nos domínios dor e aspectos sociais do questionário SF-36, bem como na função muscular das mãos e dos pés e no ressecamento da pele. Como estas últimas são diretamente relacionadas ao autocuidado, sugere-se que o manual de orientações pode ter importante papel coadjuvante na melhora de sintomas dos pacientes com hanseníase. DESCRITORES: Deformidades adquiridas/prevenção & controle; Hanseníase; Qualidade de vida; Saúde da pessoa com deficiência ou incapacidade A BSTRACT : Leprosy is an infectious disease of slow evolution, manifested by dermatoneurological signs and symptoms, with skin and peripheral nerve injuries. The aim of this study was to assess physical and functional status of eyes, hands and feet of patients with leprosy, as well as to assess evolution of sensory-motor disabilities, degree of disability and quality of life, having specially produced and handed the patients an illustrated self-care manual for preventing disability. Twentysix patients with leprosy were assessed initially and after 12 months of using the manual as to: skin inspection, peripheral nerves palpation, corneal sensitivity, skin sensitivity, limb muscle function, hand muscle strength (finger grip and pinch strength); the disability degree was determined and patients answered the SF-36 questionnaire. Most affected nerves were the ulnar and posterior tibial ones. Results showed that, though the degree of disability and deformities persisted, there were significant improvements in SF-36 social aspects and pain domains, as well as improvements in skin dryness and hands and feet muscle function. Since the latter are directly related to self-care, this suggests that the self-care manual may have an important supporting role in relieving symptoms of patients with leprosy. KEY WORDS: Deformities, acquired/prevention & control; Disabled health; Leprosy; Quality of life APRESENTAÇÃO nov. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):157-66 2010;17(2) 157 INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença infectocontagiosa de evolução lenta. Para um diagnóstico precoce, é necessário que os profissionais da saúde estejam treinados e que a população esteja atenta para os sinais e sintomas iniciais. Os pacientes em tratamento podem conviver normalmente com sua família, seus colegas de trabalho e amigos sem qualquer restrição1. Pode manifestar-se de várias formas, desde à forma localizada às sistêmicas, podendo ser classificada em: indeterminada, tuberculóide, neural pura, dimorfa e virchoviana2,3. Se alterações nos nervos periféricos não forem identificadas, monitoradas e controladas adequadamente, poderá haver deformidades e incapacidade4 nos olhos (lagoftalmo parcial ou total, triquíase, opacidade da córnea, ausência de sensibilidade da córnea, madarose)5, nas mãos e nos pés (garras rígidas ou móveis, ressecamento de pele, hipotrofias, úlcera, reabsorção óssea)1. Porém, se as alterações sensitivo-motoras forem tratadas precocemente, incapacidades físicas podem ser minimizadas6,7. Estimativas sugerem que aproximadamente 2 a 3 milhões de indivíduos no mundo tenham algum grau de incapacidade como resultado da doença8. A hanseníase é endêmica no Brasil, registrando-se em média 47 mil casos novos por ano; é o país que tem o segundo maior número absoluto de casos no mundo1,8-11. Apesar da redução drástica no número de casos nos últimos 20 anos, a hanseníase ainda constitui um problema de saúde pública que exige uma rigorosa vigilância10,11. Por ser uma doença crônica de caráter dermatológico e neurológico, deve ter um acompanhamento em longo prazo com avaliações periódicas e padronizadas. O desenvolvimento de instrumentos que avaliam a qualidade de vida reflete, em parte, a necessidade de demonstrar a efetividade de programas de tratamento e cuidados na área da saúde, além de estabelecer os efeitos que uma doença ou seu tratamento causam na vida de um indivíduo12. Por meio desses instrumentos, é possível obter uma visão mais abrangente do paciente, quando incorporam a perspectiva deste em relação 158 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):157-66 ao tratamento realizado12. O SF-36 é um questionário genérico de qualidade de vida relacionada à saúde, dirigido ao paciente, traduzido e validado para o Brasil13. nhados ao serviço de fisioterapia da cidade de origem. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). A amostra de conveniência foi determinada pelos pacientes que fizeram parte de um grupo de discussão e orientação sobre hanseníase, coordenado por uma equipe multiprofissional, atendidos no Ambulatório de Dermatologia e no Centro de Reabilitação do HCFMRP-USP, (centro de referência nacional em Dermatologia Sanitária em Hanseníase) entre março de 2007 e julho de 2008. Foram selecionados pacientes maiores de 18 anos de ambos os sexos, mesmo que com comorbidades, desde que diagnosticadas, relatadas e controladas. Na aceitação de participarem da pesquisa, assinaram um termo de consentimento. Para avaliar as diferentes disfunções sensitivo-motoras e deformidades dos olhos, membros superiores e inferiores, foram realizados: anamnese, inspeção, palpação dos nervos periféricos (ulnar, mediano, radial, fibular comum e tibial posterior), teste manual da função muscular, testes isométricos de força de preensão dos dedos (com dinamômetro Jamar) e das pinças polpa-polpa, trípode e lateral (com dinamômetro Preston Pinch Gauge), de sensibilidade da córnea (fio dental) e o teste de limiar sensitivo cutâneo nas mãos e pés (estesiômetro Sorri, Bauru, SP). O estesiômetro consiste num conjunto de monofilamentos coloridos – são os mais indicados, pois fornecem um número absoluto e registro ilustrado para medidas comparativas do mesmo paciente. É um teste válido, preciso e barato para detecção do limiar sensitivo, quando calibrado e aplicado corretamente15. Os filamentos exercem diferentes pressões, podendo ser percebidos desde o toque leve até a pressão profunda: verde (0,05 g), azul (0,2 g), violeta (2,0 g), vermelho escuro (4,0 g), laranja (10,0 g) e vermelho magenta (300 g). Sentir o filamento verde corresponde ao limiar sensitivo mínimo, considerado normal para mão e pé; o azul refere-se à diminuição do toque leve e à discriminação fina na mão, podendo ser considerado normal para o pé; o violeta indica diminuição da sensibilidade protetora na mão, com discriminação de forma e temperatura diminuída; o vermelho escuro, limiar de perda da sensibilidade protetora na mão e às vezes no pé, com perda de discriminação quente/frio; o laranja, perda da sensibilidade protetora no pé; e o vermelho magenta, caracteriza a perda da sensação de pressão profunda, podendo ainda sentir dor. Quando o paciente não sentir nenhum filamento, significa que perdeu a sensibilidade à pressão profunda e não sente dor. Foram avaliados no início do estudo 55 pacientes, 36 homens e 19 mulheres. Ao todo, 29 pacientes foram excluídos porque não compareceram à avaliação final (12 meses), sendo que um faleceu por fatores não-relacionados à hanseníase. Os pacientes que precisaram de tratamento fisioterapêutico foram encami- Para identificar a presença do comprometimento funcional na hanseníase, um músculo referente a cada inervação deve ser testado rotineiramente16. Neste estudo, foram testados os músculos orbicular, abdutor do 5o dedo, abdutor curto do polegar, extensor radial do carpo, tibial anterior e extensor longo Os programas de prevenção de incapacidade em hanseníase têm como objetivo evitar as possíveis deformidades e incapacidade, visando interromper a propagação das perdas funcionais14. Os profissionais da equipe de saúde detêm atualmente subsídios teóricos para uma abordagem avaliativa e de tratamento físico específico7, mas os pacientes recebem apenas instruções verbais. O objetivo deste estudo foi avaliar o status físico e funcional dos olhos, mãos e pés de pacientes com hanseníase, em relação ao aparecimento e evolução de deficiências sensitivo-motoras, grau de incapacidade e qualidade de vida, tendo os pacientes recebido e utilizado durante um ano um manual especialmente elaborado, com orientações de autocuidados para prevenção de incapacidade. METODOLOGIA Rodini et al. do hálux 1 . As forças de preensão isométrica dos dedos e de pinças representam a interação combinada dos músculos intrínsecos e extrínsecos das mãos e fornecem informações acerca da função dos membros superiores17. As posições para a realização dos testes de preensão dos dedos e pinças no dinamômetro foram adotadas como recomendado pela Sociedade Americana dos Terapeutas da Mão, coletando o valor médio de três medidas alternadas18,19. O ressecamento da pele é avaliado por inspeção, bem como a presença ou não de úlceras, garras, hipotrofias, reabsorção óssea, fissuras, triquíase, madarose, entre outros. Foi aplicado também o questionário SF3612,13, subdividido em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, aspectos emocionais, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental. O escore em cada domínio é transformado em uma escala de 0 a 100, onde 100 indica a percepção do sujeito de melhor qualidade de vida relacionada à saúde nesse domínio. Com as informações coletadas foi possível determinar o grau de incapacidade estabelecido pela Organização Mundial da Saúde1. Os graus de incapacidade são classificados numericamente como 0, 1 ou 2; zero corresponde à ausência de dano nos olhos, mãos e pés (resposta positiva aos filamentos verde, azul e/ou violeta); grau 1 corresponde à diminuição da sensibilidade (ausência de resposta ao filamento violeta), sem dano ou deformidade visível nas áreas avaliadas; e 2 corresponde à presença de deformidades devidas à hanseníase1,20. Após a avaliação inicial, foi explicado e entregue aos pacientes com hanseníase um manual, elaborado pela pesquisadora, contendo orientações básicas e informações simples e ilustradas sobre prevenção de incapacidades físicas e sensoriais, para pacientes com diversos níveis de escolaridade. O manual contém explicações para os pacientes sobre a doença, autocuidados gerais com olhos, mãos e pés, como higienização, hidratação, lubrificação, alongamentos, exercícios, orientações sobre adaptação de instrumentos, objetos e calçados, entre outras dicas (Anexo 1). Manual para pacientes com hanseníase O manual foi detalhadamente apresentado ao paciente (e a seu cuidador ou acompanhante), de modo que entendesse o como e o porquê de cada atividade necessária ao tratamento, orientando-o sobre a forma de prevenir ou tratar alterações que porventura pudesse apresentar, estimulando o autocuidado. As atividades, todas passíveis de serem realizadas em casa, foram executadas ou simuladas com o paciente. É importante salientar que cada indivíduo apresenta problemas distintos, não sendo possível fixar uma conduta rígida, devendo o profissional adaptá-la segundo as necessidades de cada paciente. A comparação estatística entre os valores medidos na avaliação inicial e após um ano foi feita pelos modelos lineares de efeitos mistos e o teste exato de Fisher21,22. RESULTADOS A amostra analisada foi de 26 pacientes avaliados no início e após 12 meses. Nesse período todos os pacientes compareceram ao retorno agendado aos 6 meses de tratamento, para receberem medicação e orientações. A média de idade foi 51 anos, sendo 15 (58%) homens e 11 (42%) mulheres, de variados estados civis. Considerando o nível de escolaridade, 22 (85%) eram alfabetizados e 4 (15%) eram analfabetos. Do total, 7 (27%) estavam afastados das respectivas ocupações. Em relação ao tipo de hanseníase, 9 (35%) eram virchoviana, 5 (19%) dimorfa/tuberculóide, 7 (15%) dimorfa/virchoviana, 4 (15%) neural pura e 1 (3%) dimorfa. Todos os 26 pacientes receberam o tratamento com poliquimioterapia; na avaliação final, 17 (65%) terminaram o tratamento medicamentoso e 9 (35%) continuaram em tratamento; 19 pacientes (73%) não tiveram reação tipo 1 (reversa) nem tipo 2 (eritema nodoso hansênico) durante 12 meses; porém 7 (27%) tiveram reação tipo 1 ou 2 durante a evolução da doença. Para determinar o grau de incapacidade pela OMS foram utilizados vários itens da avaliação física. Durante a inspeção dos olhos foram verificadas triquíase e alteração na sensibilidade da córnea em um paciente e madarose em cinco. Na comparação entre a avalia- ção inicial e final houve melhora na sensibilidade da córnea. Em relação aos membros superiores, foram verificadas algumas alterações: na avaliação inicial foi detectada presença de cinco mãos com garras móveis ulnares, duas com hipotrofia e nove casos de ressecamento da pele. Na avaliação final, apenas quatro casos de ressecamento da pele, porém sem alteração do quadro instalado de deformidades e hipotrofia. Em relação aos membros inferiores, foi verificada inicialmente presença de duas úlceras plantares, uma deformidade em pé equino e 20 casos de ressecamento da pele. Na avaliação final, as úlceras tiveram um aumento, de duas para três; houve um pé com garra móvel dos artelhos, sem alteração da deformidade em pé equino. Houve melhora no ressecamento de pele nos membros inferiores de 20 para 6 casos. Foi relatada, em ambas as avaliações, durante a palpação, presença de dor em todos os nervos periféricos dos membros superiores e inferiores, principalmente nos nervos ulnar e tibial posterior, mas sem interferir nas atividades de vida diária. Em relação à função muscular dos olhos, não houve alterações no músculo orbicular. Na comparação entre as avaliações da função muscular dos membros superiores (abdutor do 5o dedo, abdutor curto do polegar e extensor radial do carpo), houve melhora da função em pelo menos um grau; nos membros inferiores, houve melhora da função nos músculos tibial anterior e extensor longo do hálux. Não foi observada diferença significativa na comparação entre as avaliações inicial e final quanto aos valores médios das forças de preensão e pinças dos dedos. Porém os valores médios da força dos pacientes estiveram sempre menores em relação aos parâmetros de normalidade da população brasileira18,19, como é em geral esperado, no caso da doença. Na comparação entre as avaliações da alteração de sensibilidade cutânea nas mãos, foi verificada nítida piora em quase todos os nervos, principalmente nos nervos ulnar e mediano. Nos pés, houve piora no nervo tibial posterior (Gráfico 1). Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):157-66 2010;17(2) 159 Inicial Final 30 Sensibilidade (g) 25 20 15 10 5 0 Mãos Pés Nenhuma alteração nervosa Mãos N. ulnar N. N. mediano radial Pés N. N. tibial Alteração em fibular posterior todos os nervos comum Gráfico 1 Sensibilidade cutânea (em gramas) das mãos e dos pés segundo os nervos envolvidos e a presença ou não de alterações nervosas, nas avaliações inicial e final (n=26) Quanto ao grau de incapacidade, na avaliação inicial, 6 pacientes apresentaram grau 0; 14 pacientes apresentaram grau 1; e 6 apresentaram grau 2. Um dos pacientes que foi classificado como grau 0 na avaliação inicial evoluiu na final para grau 2 e os demais não sofreram alterações. Ao comparar os escores obtidos no questionário SF-36 nas avaliações inicial e final, foi encontrada melhora estatisticamente significativa nos domínios dor (p=0,01) e aspectos sociais (p=0,03). Na avaliação inicial não houve diferença entre os pacientes alfabetizados e os analfabetos nos domínios do SF-36 mas, na avaliação final, houve diferença significativa apenas em relação aos aspectos sociais (p=0,04), com melhores resultados nos pacientes alfabetizados. Não foi encontrada correlação entre o grau de incapacidade e a força de preensão dos dedos, nem entre o grau de incapacidade e os domínios do questionário SF-36 sobre dor, capacidade funcional e aspectos sociais. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO A importância de diagnosticar a hanseníase precocemente, bem como de tratá-la adequadamente, detectar os prejuízos funcionais incipientes, estabelecer um plano de intervenções visando a 160 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):157-66 prevenção de incapacidade, bem como da educação dos pacientes sobre a doença, está bem estabelecida na literatura23,24. Diversos estudos têm procurado correlacionar programas de prevenção de incapacidade com um melhor desfecho clínico após determinado tempo de seguimento dos pacientes, baseados no grau de incapacidade23-25. Um estudo23 avaliou o grau de incapacidade dos pacientes em tratamento e após alta, em 11 municípios do Paraná, e verificou que 79,8% dos pacientes apresentaram grau de incapacidade 1 e 2. Um outro estudo24 acompanhou 1.215 pacientes com grau de incapacidade 1 e 2 por 3 anos em um programa de base comunitária que consistiu em treinamento e supervisão dos agentes de saúde; o programa mostrou-se efetivo, com boa aceitabilidade e houve cura de 62,8% das úlceras plantares. Na comparação da evolução da incapacidade dos pacientes atendidos em dois serviços no estado de São Paulo no período de 5 anos, houve uma evolução mais satisfatória, tendo as avaliações e orientações sobre prevenção de incapacidade sido mais freqüentes25. Embora o grau de incapacidade preconizado pela OMS seja um dos instrumentos mais utilizados para a avaliação dos pacientes com hanseníase, algumas limitações podem ser observadas quanto à sua utilização, pois a alteração do limiar de sensibilidade relativo aos graus 0 e 1 pode variar muito. O impacto da incapacidade para o paciente em sua função física e social é variável: uma pessoa com incapacidade grave pode continuar realizando suas atividades de vida diária sem maiores problemas e, para outras, uma mínima incapacidade dificulta a vida social26. Dentre os pacientes avaliados, a maioria (20 de um total de 26) já apresentava grau de incapacidade 1 e 2, provavelmente como conseqüência de diagnóstico tardio, o que tornou mais difícil a realização de uma abordagem preventiva. Uma dificuldade encontrada no estudo foi a taxa de abandono, pois dos 55 pacientes avaliados inicialmente, apenas 26 aderiram à intervenção completa. A não-adesão dos pacientes pode ser justificada pelas condições socioeconômicas e culturais, por sua procedência (pois muitas vezes dependem de transporte da prefeitura), pela baixa expectativa em relação a tratamentos nãomedicamentosos e por se tratar de uma doença crônica e estigmatizante, que gera resistência ao ambiente hospitalar. A qualidade de vida tem sido objeto de estudo nos últimos anos por interferir na evolução da doença e na autoestima dos pacientes27. A escolha do Questionário SF-36 para este estudo fundamentou-se na necessidade de utilizar um instrumento de avaliação genérica sobre a qualidade de vida relacionada à saúde e por abordar separadamente vários aspectos da vida, enquanto outros questionários (como DLQI e Salsa) apresentam uma pontuação única para avaliar as limitações dos pacientes em suas atividades de vida diária. Porém todos esses domínios envolvem atividades rotineiras e, em sua maioria, exigem funções neurais preservadas, comumente alteradas nos pacientes com hanseníase28-31. Apesar de o SF-36 ser um questionário auto-aplicável, nenhum dos pacientes avaliados conseguiu respondê-lo sozinho; foi lido pela pesquisadora em entrevista. Isso ocorreu provavelmente devido ao baixo grau de instrução, que não permitiu a leitura e compreensão do questionário. A comparação entre os pacientes alfabetizados e analfabetos nos domínios do SF36 na avaliação final indica que a melhora no item aspectos sociais pode ter sido mais pronunciada nos pacientes al- Rodini et al. fabetizados. É possível que, com uma menor taxa de abandono, e conseqüentemente uma amostra maior, houvesse resultados mais satisfatórios em outros domínios. Novos estudos clínicos randomizados com amostras maiores são necessários. Alguns dos benefícios do programa de prevenção de incapacidade só são verificáveis após alguns anos de implementação consistente do programa. Não se pode esperar que a prevenção de incapacidade produza sempre resultados imediatos, embora qualquer prevenção ou redução de impedimentos seja de grande benefício para os indivíduos, evitando a necessidade de reabilitação potencialmente onerosa. Os pacientes com hanseníase que chegam ao serviço de atenção à saúde do SUS, sem qualquer tipo de incapacidade, sendo monitorados e orientados durante todo o tratamento, têm grande chance de evitar o aparecimento de de- Manual para pacientes com hanseníase formidades e incapacidade quando seguem as orientações dos profissionais da saúde – na dependência também da evolução da doença, resposta imunológica do paciente ao bacilo e medicação. Esses profissionais, por sua vez, têm de utilizar estratégias para aumentar a adesão e envolvimento do paciente, tornando-o participante de seu tratamento. Pacientes que chegam ao serviço com diagnóstico tardio, em muitos casos, apresentam lesões irreversíveis, como foi observado nesta amostra. Nestes, medidas preventivas podem evitar o agravamento decorrente da lesão estabelecida e danos posteriores32. Na avaliação inicial, os pacientes apresentavam um leque amplo de acometimentos. Tendo em vista as características da evolução da doença, não era de se esperar melhoras uniformes na amostra, como se pode ver pelo fato de pouco mais de um terço ainda permanecerem em tratamento medicamentoso por ocasião da avaliação final. Com tantos fatores intervenientes, não é possível estimar o impacto da utilização do manual, paralela ao tratamento medicamentoso. A melhora significativa detectada pelo SF-36, dos aspectos sociais e da percepção de que a dor interferiu menos na qualidade de vida, pode dever-se ao conjunto das medidas terapêuticas adotadas. De modo geral, as deformidades e o grau de incapacidade permaneceram. No entanto, algumas melhoras foram constatadas, especialmente na função muscular das mãos e dos pés e no ressecamento da pele, que poderiam ser atribuídas à utilização do manual, já que são mais diretamente relacionadas ao autocuidado – lembrando que tal utilização foi enfatizada e acrescida de explicações, ao longo do monitoramento dos pacientes. Os resultados sugerem pois que o manual de orientações pode ter um importante papel coadjuvante na melhora de sintomas dos pacientes com hanseníase. REFERÊNCIAS 1 Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de prevenção e reabilitação em hanseníase: normas e manuais técnicos; manual de prevenção de incapacidades. Brasília; 2008. 8 Gonçalves SD, Sampaio RF, Antunes CMF. Fatores preditivos de incapacidade em pacientes com hanseníase. Rev Saude Publica. 2009;43(2):267-74. 2 Lehman LF, Orsini MBP, Grossi MAF, Villarroel MF. A mão na hanseníase. In: Freitas PP, editor. Reabilitação da mão. São Paulo: Atheneu; 2005. p.301-18. 9 Brasil. Ministério da Saúde. Painel de indicadores do SUS. Brasília; 2006. 3 Almeida JA, Almeida SND, Magalhães HM. Avaliação e tratamento dos membros inferiores para prevenção de incapacidades. In: Opromolla DVA, Baccarelli R. Prevenção de incapa-cidades e reabilitação em hanseníase. Bauru: Instituto Lauro de Souza Lima; 2003. p.112-5. 10 Brasil. Ministério da Saúde. 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Cad Saude Publica. 2009;25(4):857-67. Rodini et al. Manual para pacientes com hanseníase Anexo 1 Manual de orientações Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):157-66 2010;17(2) 163 164 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):157-66 Rodini et al. Manual para pacientes com hanseníase Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):157-66 2010;17(2) 165 166 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):157-66 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.2, p.167-72, abr/jun. 2010 ISSN 1809-2950 Efeitos do ultra-som terapêutico contínuo sobre a proliferação e viabilidade de células musculares C2C12 Effects of continuous therapeutic ultrasound on proliferation and viability of C2C12 muscle cells Paola Pelegrineli Artilheiro1, Elisangela Nascimento Oliveira2, Crislene Sampaio Viscardi1, Manoela Domingues Martins3, Sandra Kalil Bussadori3, Kristianne Porta Santos Fernandes3, Raquel Agnelli Mesquita-Ferrari3 Estudo desenvolvido no Mestrado em Ciências da Reabilitação, Laboratório de Pesquisa da Unidade Vergueiro da Uninove – Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil 1 Mestrandas no Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Uninove 2 Fisioterapeuta Ms. 3 Profas. Dras do Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Uninove ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Raquel A. Mesquita-Ferrari Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação / Uninove Av. Francisco Matarazzo 612 Água Branca 05001-100 São Paulo SP e-mail: [email protected] O estudo recebeu financiamento da Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – e da Uninove. APRESENTAÇÃO dez. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO RESUMO: O ultra-som terapêutico (US) é um recurso bioestimulante utilizado para propiciar reparo muscular de melhor qualidade e menor duração, mas o potencial terapêutico do US contínuo não está totalmente estabelecido. O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do US contínuo sobre a proliferação e viabilidade de células musculares precursoras (mioblastos C2C12). Mioblastos C2C12 foram cultivados em meio de cultura contendo 10% de soro fetal bovino e irradiados com US contínuo nas freqüências de 1 e 3 MHz nas intensidades de 0,2 e 0,5 W/ cm2, durante 2 e 5 minutos. A viabilidade e proliferação celular foram avaliadas após 24, 48 e 72 h de incubação. Grupos não-irradiados serviram como controle. Foram realizados experimentos independentes em cada condição acima, e os dados obtidos submetidos à análise estatística. Os resultados mostram que não houve diferença estatisticamente significativa na proliferação e viabilidade celular entre os mioblastos tratados com US e as culturas controles após os diferentes períodos de incubação, em todos os parâmetros avaliados. Conclui-se que o US contínuo, nos parâmetros avaliados, não foi capaz de alterar a proliferação e viabilidade dos mioblastos. DESCRITORES: Células musculares; Mioblastos; Proliferação de células; Terapia por ultrassom ABSTRACT: Therapeutic ultrasound (US) is a biophysical stimulation resource widely used in order to promote better, faster muscle repair, but the effectiveness of continuous US in treating injuries is not fully established. The aim of the present in vitro study was to assess the effects of continuous ultrasound on viability and proliferation of skeletal muscle precursor cells (C2C12 myoblasts). C2C12 myoblasts were cultured in a medium containing 10% foetal bovine serum and irradiated with continuous ultrasound at 1 and 3 MHz frequencies, at intensities of 0.2 and 0.5 W/cm2 for 2 and 5 minutes. Cell viability and proliferation were assessed after different incubation periods (24, 48 and 72 h). Non-irradiated groups served as control and data were statistically analysed. Results showed that no significant differences in cell viability or proliferation could be found between ultrasoundtreated myoblasts and control cultures under all test parameters and durations. Hence continuous ultrasound, at the used parameters, was unable to alter myoblast proliferation and viability. KEY WORDS: Cell proliferation; Muscle cells/ultrasonography; Myoblasts; Ultrasonic therapy abr. 2010 Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):167-72 2010;17(2) 167 INTRODUÇÃO O músculo esquelético é um tecido dinâmico com alta capacidade de adaptação frente a estímulos fisiológicos como, por exemplo, treinamento físico ou lesões severas. As lesões musculares são muito freqüentes na prática desportiva, podendo ocorrer por diversos mecanismos, abrangendo desde trauma direto como lacerações e contusões, até trauma indireto como distensão, isquemia e disfunção neurológica1,2. A formação do músculo esquelético ou miogênese é um processo complexo que envolve a expansão de células musculares mononucleadas progenitoras ao longo da via miogênica até se tornarem mioblastos que se fundem para formar miotubos e que, finalmente, se desenvolvem para se tornar miofibrilas do músculo esquelético maduro3,4. Quando um músculo sofre uma lesão, tem a habilidade de iniciar um processo de reparo altamente organizado de forma a prevenir a perda de massa muscular. Esse processo é semelhante à miogênese, porém as células que participam desse processo são as células satélites2,5. contraditórias, as evidências científicas que determinem com segurança os parâmetros dosimétricos e metodológicos necessários à aquisição desses objetivos por esse recurso11,13-18. Estudos in vitro demonstraram que os efeitos do US parecem depender do tipo celular: promoveriam a síntese de DNA em osteoblastos humanos, fibroblastos de gengiva e pele, células de periósteo, mas não em condrócitos6. Quanto ao efeito do US sobre a proliferação celular, foi verificado inicialmente por Johns et al.19 que o US contínuo e pulsado, em intensidades de 0,1 a 0,7W/cm2, foi capaz de diminuir a taxa de crescimento celular; porém, em estudos posteriores, evidenciou-se que o US nas freqüências de 1 e 3 MHz em intensidades variadas promovia aumento da proliferação de fibroblastos e osteoblastos20-22. Os estudos mais recentes que avaliaram o potencial terapêutico do US foram realizados em osteoblastos23,24, condrócitos25-27, fibroblastos 28 , células epiteliais 29 e células endoteliais30. Um estudo prévio (não publicado) destes autores evidenciou que o US pulsado não interferiu na proliferação e viabilidade de células musculares. Há grande interesse no estabelecimento de recursos e terapias a serem utilizados para tentar proporcionar um processo de reparo muscular de melhor qualidade e menor duração. O US terapêutico (US) é um desses recursos, que vem sendo cada vez mais utilizado para o tratamento de condições clínicas como lesões ligamentares, tendinites e lesões tendinosas, lacerações ou outros tipos de lesão tecidual, cicatrizes, úlceras varicosas, neuromas, processos inflamatórios articulares, fasceítes e, mais recentemente, no reparo de fraturas ósseas6,7, lesões musculares e trombose8-11. O objetivo deste estudo foi verificar os efeitos do US contínuo nas freqüências de 1 e 3 Mhz, nas intensidades de 0,2 e 0,5W/cm2, durante 2 e 5 minutos, sobre a viabilidade e proliferação de mioblastos após diferentes períodos de incubação (24, 48 e 72 h). Com esse propósito, foram utilizados mioblastos C2C12 que derivam de músculo esquelético de camundongos e exibem a maioria das características dos mioblastos normais (diferenciam-se em cultura), propiciando um bom modelo para estudar a regeneração muscular3,31-33. Segundo Mendonça et al.12, há um consenso de que o US promove efeito benéfico sobre diversos tecidos, destacando-se dentre outros o aumento da angiogênese, do tecido de granulação, do número de fibroblastos e da síntese de colágeno, e a diminuição de leucócitos e macrófagos, nos quais já foi demonstrado o aumento da velocidade de cicatrização, a diminuição do número de células inflamatórias e a melhora da qualidade do tecido neoformado. Entretanto, ainda são escassas, e por vezes METODOLOGIA 168 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):167-72 A linhagem celular C2C12 aqui utilizada é um subclone da linhagem celular de mioblastos C2, células derivadas de células-satélite de ratos adultos28,29. Essas células foram cultivadas no meio de cultura de Eagle modificado por Dulbecco (DMEM, Cultilab, Campinas, SP, BR) contendo 10% de soro fetal bovino (SFB – Cultilab) e 1% antibiótico solução antimicótica (Cultilab) e mantidas em estufa 37ºC, numa atmosfera úmida contendo 5% de CO2. O monitoramento do crescimento celular foi feito a cada 24 horas e, quando a monocamada celular se tornava subconfluente para a perpetuação da linhagem celular, foi realizado o subcultivo com lavagem tampão PBS1X (NaCl 140 mM; KCl 2,5 mM; Na2HPO4 8 mM; KH2PO 1,4 mM; pH 7,4) e solução de tripsina. As células foram centrifugadas a 1200 rpm e posteriormente ressuspensas em 1 ml de meio DMEM. A viabilidade das células foi avaliada por contagem com corante vital azul de trypan (0,4%) e foram utilizadas nos experimentos as células com viabilidade maior que 95%. Procedimentos O equipamento de US utilizado foi o Sonomaster Microcontrolled Comunicator (KW, Amparo, SP, BR) e os parâmetros de tratamento selecionados foram as intensidades de 0,2 e 0,5 W/cm2, freqüências de 1 e 3 MHz e modo contínuo de aplicação. A irradiação com US foi realizada conforme o modelo proposto por Mukai et al.27: as células, suspensas em meio de cultura num tubo cônico estéril de 50 ml foram centrifugadas a 1200 rpm (Centrífuga Excelsa4 modelo 280R – Fanem, São Paulo, SP, BR) para obtenção do precipitado celular. Em seguida, esse tubo foi submerso em água deionizada em temperatura de 37ºC, mantida constante com o auxílio de Banho-maria (Nova Técnica NT271, Piracicaba, SP, BR). A cabeça do transdutor foi posicionada perpendicularmente ao tubo de cultivo celular e fixada na armação, permanecendo a 3 cm da cultura celular. O tanque de água com dimensão interna de 16 x 30 x 49 cm foi revestido por placas de borracha com o intuito de eliminar reflexos múltiplos (Figura 1). O grupo controle sofreu a mesma manipulação, mas as células não foram irradiadas. A técnica subaquática foi utilizada, pois a água destilada ou desgaseificada permite melhor transferência da onda ultra-sônica, em termos de propriedade de impedância acústica27. As células foram divididas em nove grupos experimentais, sendo um controle (sem tratamento) e oito grupos tratados com o US utilizando diferentes parâmetros, como sintetizado no Quadro 1. Artilheiro et al. Ultra-som contínuo em células musculares três vezes, de forma independente, e cada amostra foi analisada em quadruplicata. Análise estatística A B Ilustração: equipamento para irradiação dos mioblastos com US (A) Aparato confeccionado com base no modelo proposto por Mukai et al.31 (B) Irradiação das células por US de forma subaquática Quadro 1 Grupos experimentais e parâmetros dosimétricos usados para a irradiação com US T irradiação Intensidd 2 Grupo Freqüência (MHz) (minutos) (W/cm ) 1C Só imersão 2 1 2 0,2 3 1 2 0,5 4 1 5 0,2 5 1 5 0,5 6 3 2 0,2 7 3 2 0,5 8 3 5 0,2 9 3 5 0,5 C = Controle; T = tempo; Intensidd = intensidade A viabilidade (proliferação) celular foi avaliada após 24, 48 e 72 h do procedimento de irradiação com US. A metodologia utilizada baseia-se na habilidade da enzima mitocondrial desidrogenase, encontrada somente em células viáveis, em clivar os anéis de tetrazólio do MTT – 3-[4,5-dimethylthiazol-2yl]-2,5diphenyltetrazolium bromide; thiazolyl blue (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA) – formando cristais azul-escuros de formazana, que são impermeáveis às membranas celulares, ficando então retidos no interior das células viáveis34. A posterior lise celular faz com que esses sais de formazana sejam liberados. O número de células viáveis é diretamente proporcional ao nível de cristais de azul de formazana formados. Após a irradiação com US, 1x103 células/poço, mantidas em DMEM con- tendo 10% SFB, foram adicionadas a placas de cultura de fundo chato de 96 poços estéreis (Costar) e incubadas a 37oC e 5% CO2 durante os diferentes períodos avaliados, ou seja, 24, 48 e 72 horas. Ao término do período de incubação, foi feita a lavagem dos poços com PBS1X (NaCl 140 mM; KCl 2,5 mM; Na2HPO4 8 mM; KH2PO 1,4 mM; pH 7,4) para remoção das células mortas e adicionado o MTT (0,5 μg/ml); as células foram então incubadas por 4 h a 37oC e 5%CO2. Em seguida, foi adicionado isopropanol para solubilizar os cristais formados. Por fim, foi realizada a leitura da absorbância a 620 nm com auxílio de um leitor de placas (Anthos2020, Anthos Labtec Instruments, Wals, Áustria)35,36. Todos os experimentos foram repetidos RESULTADOS Quanto ao efeito do ultra-som contínuo sobre a viabilidade e proliferação celular, os resultados mostram que não houve diferença significativa na viabilidade e proliferação celular, avaliadas pelo método MTT, entre as culturas celulares tratadas com US (todos os parâmetros testados) e as culturas controle, após os diferentes períodos de incubação avaliados, conforme ilustrado na Figura 2. Além disso, foi possível verificar que houve um aumento do número de células com o aumento do período de incubação, tanto no grupo controle quanto nos tratados, conforme esperado (Figura 2). 24h 0,6 Absorbância (620nm) Figura 1 As comparações entre os grupos foram feitas utilizando análise de variância Anova. O teste de Dunnett foi utilizado para determinar diferenças significativas entre os grupos experimentais e o grupo controle. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Os dados foram analisados por meio do programa GraphPad Prism 4.0 (GraphPad Software, San Diego, CA, USA). 48h 0,5 72h 72h 0,4 0,3 0,2 48h 0,1 24h 0 0,2 W/cm² 0,5 W/cm² 0,2 W/cm² 0,5 W/cm² 0,2 W/cm² 0,5 W/cm² 0,2 W/cm² 0,5 W/cm² 2 min 2 min 5 min 5 min 2 min 2 min 5 min 5 min Controle 1 MHZ 3 MHz Grupos experimentais Figura 2 Proliferação e viabilidade de mioblastos na ausência (controle) e presença de tratamento com US contínuo utilizando diferentes parâmetros dosimétricos Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):167-72 2010;17(2) 169 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Segundo Johns19, a cultura celular é, por definição, um artefato; no entanto, permite que o investigador tenha um controle rigoroso sobre diversas variáveis do processo e possa fazer questionamentos de maneira mais sistemática. Portanto, estudos in vitro avaliando o potencial do US são importantes complementos dos estudos in vivo, e podem trazer maiores conhecimentos de forma a permitir a utilização desse recurso de forma mais eficaz e segura. A linhagem celular C2C12 foi escolhida neste experimento porque essas células são um subclone da linhagem de mioblastos C2, isoladas de células-satélites de ratos adultos37, que apresentam a maioria das características dos mioblastos normais e são comumente usadas como modelo para estudar a proliferação e a diferenciação de células musculares. O uso de linhagens celulares como modelos para a análise da proliferação celular elimina a possibilidade de o US interferir na produção de fatores de crescimento de células não-miogênicas contidas em culturas primárias, como fibroblastos e macrófagos31,38,39. O presente estudo avaliou os efeitos do US contínuo em células musculares com o intuito de acumular maior conhecimento acerca da utilização desse recurso para o reparo tecidual após lesões, distrofias e outras condições nas quais a proliferação de células musculares é requerida. No entanto, os resultados evidenciam que o tratamento dessas células com o US não alterou sua proliferação, quando comparadas às células que não receberam tratamento. É importante ressaltar que, apesar de o US não ter induzido aumento de proliferação, tampouco causou sua inibição, o que garante a utilização desse recurso no tratamento das lesões musculares com segurança. 170 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):167-72 Foi demonstrado que o US pulsado aumenta a proliferação de células satélites e de fibroblastos em modelo experimental de lesão contusa em músculo gastrocnêmio de rato40. Além disso, em outro estudo verificou-se que o tratamento com US melhora a extensibilidade muscular41, a produção de força após lesão por contração42 e pode aumentar a diferenciação das células musculares em modelo animal43. Visto que o US acelera o processo de reparo em diversos estudos in vivo, é possível que esse efeito dependa da ação coordenada de diferentes tipos celulares presentes em tecidos adjacentes ao tecido muscular, como por exemplo o conjuntivo. No presente estudo, pela escolha da utilização da linhagem celular, foi verificado somente o efeito do US sobre as células musculares. Assim, há a possibilidade de que o efeito do US no processo de reparo seja dependente da estimulação de outras células, que passariam a secretar fatores de crescimento envolvidos na proliferação e diferenciação das células musculares, em resposta a irradiação com US. No entanto, outros autores que também utilizaram modelo experimental animal, foram igualmente incapazes de demonstrar aumento estatisticamente significativo na massa muscular ou na regeneração tecidual em lesões musculares tratadas com o US44-46. Essa controvérsia apóia a falta de evidência científica sobre a eficácia do US na reparação muscular19,43,47. Embora o US contínuo não tenha alterado a proliferação celular, o tratamento com esse recurso pode ter provocado uma modificação na síntese de fatores de crescimento e citocinas responsáveis pela diferenciação dessas células. Esta hipótese é respaldada pelo fato de que em experimentos in vivo o US aumentou a diferenciação das células musculares40,42. Dessa forma, estudos futuros, utilizando técnicas adequadas, serão realizados na tentativa de responder essa questão. Ikeda et al.48 avaliaram o efeito do US também sobre culturas de mioblastos C2C12, porém os parâmetros dosimétricos utilizados foram diferentes, dificultando a comparação com os presentes achados: foi utilizado o US pulsado e as células C2C12 foram cultivadas já em meio de diferenciação. Os autores verificaram que existe uma diferenciação das células musculares em osteoblastos e condroblastos em resposta ao tratamento com o US, nos parâmetros de 1,5 MHz a uma intensidade de 70 mW/cm2 por 20 min. Outros estudos in vitro demonstraram que os efeitos do US foram dependentes dos parâmetros utilizados e do tipo celular, sendo capaz de promover a proliferação de osteoblastos, fibroblastos 6,20,28,49 , células endoteliais 30 e condrócitos26. No entanto, outros autores não demonstraram de forma significativa os efeitos aditivos do US sobre a proliferação de fibroblastos50, de células provenientes de discos intervertebrais de bovinos26, de células uro-epiteliais29 ou de condrócitos51,52 ou até mesmo relatam diminuição no número de fibroblastos20 após o tratamento com US. Esse fato pode vir a reafirmar a possibilidade de que o US pode acelerar o processo de reparo muscular não diretamente pelo aumento na proliferação das células musculares e sim por estimular outros tipos celulares envolvidos no processo. Com base no exposto, fica evidente que o enorme potencial terapêutico do US está longe de ser estabelecido em virtude de novas aplicações serem adicionadas regularmente ao seu repertório7. O presente estudo permitiu concluir que o US contínuo nos parâmetros utilizados não foi capaz de alterar a proliferação das células musculares, porém há necessidade da realização de estudos posteriores para o melhor entendimento de outros possíveis efeitos do US sobre essas células como, por exemplo, no processo de diferenciação, para o estabelecimento de protocolos adequados a serem utilizados para o reparo muscular e recuperação clínica dos pacientes. Artilheiro et al. Ultra-som contínuo em células musculares REFERÊNCIAS 1 Crisco JJ, Jokl P, Heinen GT, Connell MD, Panjabi MM. A muscle contusion injury model: biomechanics, physiology, and histology. Am J Sports Med. 1994;22(5):702-10. 2 Shi X, Garry DJ. Muscle stem cells in development, regeneration, and disease. Genes Dev. 2006;20:1692-708. 3 Kumar A, Mohan S, Newton J, Rehage M, Tran K, Baylink DJ. 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Ms. do Depto. de Fisioterapia do Cefid/Udesc 2 Fisioterapeutas Ms. 3 Educador físico; Prof. Ms. do Depto. de Educação Física do Cefid/Udesc 4 Educador físico; Prof. Dr. do Depto. de Educação Física do Cefid/Udesc 5 Médico; Prof. Dr. do Depto. de Esporte e Informática da Universidade Pablo de Olavide, Sevilla, Espanha ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Profa. Soraia C. T. da Luz R. Dr. Odilon Galotti 433 apto 201 Estreito 88070-480 Florianópolis SC. e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO set. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2010 RESUMO: O objetivo do estudo foi verificar, por meio de termografia, a adaptação à prótese híbrida de extremidade superior de um sujeito do sexo masculino, 42 anos, amputado proximal de braço esquerdo. Imagens termográficas foram captadas por uma câmara de infravermelho imediatamente após a retirada da prótese, que vinha sendo usada por 8 horas ininterruptas, e 20 minutos de repouso mais tarde, quando foi alcançado equilíbrio térmico em ambiente a 21°C. As imagens foram adquiridas nos planos frontal anterior, sagital direito e esquerdo, tendo sido definidas e analisadas regiões de interesse em cada uma. Os resultados mostram que as temperaturas das regiões avaliadas reduziram-se em média 0,79°C (p<0,05) após a estabilização térmica. Na região do tórax e na axila contralateral ao coto, por onde passa o tirante de fixação da prótese, constataram-se elevadas temperaturas, coincidindo com queixa de desconforto do sujeito e indicando atrito; temperatura mais alta no ombro anterior homolateral à amputação caracterizou sobrecarga; e baixa temperatura no segmento residual à amputação indicou pouca circulação, assinalando dificuldade de adaptação. Os resultados sugerem que a avaliação termográfica pode contribuir para identificar desconforto de amputados com prótese de membro superior e ser utilizada no acompanhamento de sua reabilitaçao; no caso, sugere-se ainda o desenvolvimento de materiais de modo a aumentar o conforto na fixação das próteses de extremidade superior. DESCRITORES: Ajuste de prótese; Amputados/reabilitação; Braço; Membros artificiais; Termografia ABSTRACT: The aim of this study was to assess, by means of thermography, the adaptation to upper-extremity hybrid prosthesis by a male subject, 42 years old, with proximal amputation of left arm. Thermographic images were captured by an infrared camera immediately after prosthesis withdrawal (which had been used for full 8 hours) and 20 minutes later, when thermal balance was reached, in an environment of constant 21°C. Images were captured of frontal and sagittal planes (both right and left), on which seven regions of interest (ROI) were defined and analysed. Results showed that mean ROI temperatures decreased 0.79°C (p<0,05) after thermal balance was reached. Along the chest strap path and at the sound side axilla – which coincides with subject’s main discomfort complaint – high temperatures were found, indicating friction; high temperature in the ipsilateral to amputation anterior shoulder suggests overload; and low temperature on the residual limb suggests poor circulation, thus pointing to difficulty of adaptation. Results suggest that thermography may contribute to identifying amputees’ discomfort and may be used for monitoring upper-limb prostheses users’ rehabilitation; also, suggestion is made to foster developing new suspension systems in order to increase comfort in securing upper extremity prostheses. KEY WORDS: Amputees/rehabilitaion; Arm; Artificial limbs; Prosthesis fitting; Thermography Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):173-7 2010;17(2) 173 INTRODUÇÃO A amputação de membro superior é limitante tanto pela perda da função de mobilidade da articulação escápulo-umeral quanto da extrema motricidade e capacidade de movimentos de mão e punho, sendo relatada com maiores taxas de insucesso de reabilitação quando comparada à amputação de extremidade inferior1,2. Após uma amputação, a utilização de uma prótese oferece melhor imagem corporal, ajudando o indivíduo a desenvolver maior confiança em suas habilidades físicas, melhorando sua qualidade de vida3. É fundamental que o indivíduo receba atendimento específico desde o pósoperatório imediato até sua completa reabilitação, pois qualquer falha nesse processo poderá dificultar sua recuperação funcional4-6. Gaine et al.7 enfatizaram a necessidade de aprofundar os estudos de adaptação à prótese; em seu estudo, avaliaram a funcionalidade da prótese e a satisfação de amputados de extremidade superior e constataram que o grupo dos de etiologia traumática (como o presente caso) estavam menos satisfeitos com a habilidade funcional de suas próteses, destacando que nenhum paciente retornou ao trabalho remunerado após a completa reabilitação. Entende-se que o indivíduo com amputação de extremidade superior deve ser capaz de utilizar a prótese nas atividades diárias; no entanto, uma inadequada reabilitação pode estabelecer isquemias por compressão axilar do tirante de sustentação da prótese, processos inflamatórios e/ou desgastes nas articulações do membro não-amputado pelo uso excessivo, ou mesmo na articulação íntegra acima do nível de amputação. Poucos estudos científicos acompanham a adaptação à prótese de extremidade superior após a completa reabilitação do indivíduo. Tal enfoque pode ser útil tanto para a equipe que reabilita o amputado, como para as empresas que desenvolvem componentes protéticos. Ring et al.8 enfatizam as possibilidades de utilização clínica da termografia, técnica usada desde 1960, sugerindo que, apesar de suas múltiplas aplicações e estudos publicados, ainda não há su- 174 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):173-7 ficientes dados disponíveis. Para Bouzida et al.9, os estudos com imagem infravermelha são de grande importância para a compreensão da fisiologia de termorregulação do corpo humano em diferentes situações, sendo este um método simples, seguro e não-invasivo. A termografia possibilita analisar as regiões de interesse da superfície corporal pertinentes ao estudo na busca de pontos de atrito, assimetrias na temperatura quando comparadas de forma bilateral, auxiliando diretamente no diagnóstico de sobrecargas articulares, inflamação e isquemias – o que pode caracterizar ou não uma boa adaptação à prótese. Por exemplo, elevação da temperatura pode indicar sobrecarga ou atrito e baixas temperaturas podem ter relação com uma circulação insuficiente. O objetivo deste estudo foi verificar a adaptação à prótese híbrida de extremidade superior, por meio da análise das características termográficas de um sujeito com amputação proximal de braço esquerdo. METODOLOGIA O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina. Participou do estudo um sujeito adulto do sexo masculino com 42 anos de idade, contatado durante o III Encontro Brasileiro de Amputados em Itapema, SC, em 2008. O sujeito tinha massa de 73 kg e estatura de 1,7 m, com amputação proximal de braço esquerdo há oito anos devido a um trauma por choque elétrico. Há cinco anos utilizava prótese híbrida, que combina dois tipos de mecanismos: o mioelétrico para as funções da mão, combinado com um sistema de controle por cabo para as funções do cotovelo. A prótese é laminada em resina, suspensa por correias, com alça sobre o ombro e mão mioelétrica. Relatou que o tempo de sua adaptação à prótese foi de cerca de seis meses; atualmente, utiliza-a durante o dia todo em suas atividades diárias. Como queixa principal, o participante relatou que o tirante – alça de tecido acrílico com velcro – que contorna o tórax para fixação da prótese pressionava a axila direita, causando Figura 1 Termógrafo utilizado no estudo desconforto e dificuldade em atividades da vida diária como vestir-se e alimentar-se. Foi preenchida uma ficha de avaliação com dados da etiologia da amputação e do processo de reabilitação. Para captação das imagens termográficas foi utilizada uma câmera de infravermelho Electrophysics (modelo PV 320 T, EUA – Figura 1) com processamento digital de imagens, sensibilidade térmica de 0,08°C em faixa espectral de 3 a 14 micrômetros, adequada à aplicação no diagnóstico médico. Utilizou-se para análise dos dados o software de suporte Velocity 2.3 com calibração automática e emissividade de 0,9710. O sujeito foi esclarecido sobre as etapas da avaliação termográfica, assinando o termo de consentimento de participação no estudo. Previamente, o sujeito foi orientado a não realizar atividade física por 4 horas antes da avaliação, não consumir bebidas quentes e/ou medicamentos vasodilatadores, não fumar e não utilizar produto algum na pele como cremes etc.Foi então encaminhado à sala de avaliação com temperatura ambiente de 21°C, ausência de luz solar e iluminação por lâmpadas brancas. Foi orientado a retirar a camiseta e a prótese e sentarse em uma cadeira a 1,2 m da câmera. As imagens termográficas foram capturadas em duas situações: logo na chegada do sujeito à sala de avaliação, após 8 horas ininterruptas de utilização da prótese; e após o sujeito atingir o equilíbrio térmico. Para a estabilização da temperatura corporal o sujeito permaneceu sentado, sem a camisa e a prótese, instruído a não fazer movimentos e evitar contato da pele nos locais a serem avaliados, buscando equilibrar a temperatura corporal com a temperatura ambiente (21°C), durante 20 minutos11,12. Durante esse período de Luz et al. Definição de regiões (R) de interesse nas imagens termográficas: (A) do plano frontal anterior; (B) do plano sagital direito; (C) do plano sagital esquerdo espera foi aplicada a ficha de avaliação. Antes e após o equilíbrio térmico, foram adquiridas três imagens nos planos frontal anterior, sagital direito e sagital esquerdo. Para cada plano foram definidas as regiões de interesse (RI) para a avaliação termográfica. No plano frontal anterior, foram analisadas cinco RI: R1, peito homolateral à amputação; R2, peito homolateral ao membro íntegro; R3, ombro anterior homolateral ao membro íntegro; R4, ombro homolateral à amputação; e R5, braço anterior. No plano sagital direito foi descrita a R7, ombro íntegro lateral; e no plano sagital esquerdo analisou-se a R6, segmento residual da amputação (Figura 2). Nas imagens do plano frontal, também foi analisada a temperatura da região correspondente à posição do tirante ao longo do tórax, dada a queixa de desconforto do sujeito. Os dados coletados, analisados pelo programa Velocity, foram exportados para uma planilha do Microsoft Excel e organizados. Utilizou-se para tratamento estatístico o programa SPSS (v.17.0) e o teste t de Student (p<0,05) para comparar a temperatura antes e após a estabilização térmica. RESULTADOS Os valores medidos em todas as regiões de interesse nas situações antes e depois do equilíbrio térmico estão apresentados na Figura 3. Os valores das temperaturas reduziram-se após a estabilização em média 0,79°C, com diferença significativa (p=0,01). A região que apresentou a temperatura inicial mais elevada foi a R4, ou seja, a região do ombro anterior homolateral à amputação, com diferença significativa após a estabilização térmica (p=0,01). A temperatura que atingiu a mais baixa leitura após o equilíbrio térmico foi a da R6, região do segmento residual à amputação (coto), com diferença significativa (p=0,03). Quanto à simetria de temperatura entre hemitórax direito e esquerdo na vista anterior, foram encontrados os mesmos valores médios após o equilíbrio térmico, porém antes dessa estabilização, constatou-se uma assimetria entre os hemitórax de 1,1°C (com diferença significativa p=0,01) e maiores valores (36,7°C) para o hemitórax contralateral à amputação. Quando se compara a temperatura média no local da amputação e no ombro íntegro (R6 e R7), encontra-se uma diferença de 1,1°C (no local da amputação a temperatura média foi de 33,3°C e, no ombro íntegro, 34,4°C). Essa diferença foi significativa (p=0,01) e atingida somente após a estabilização térmica, pois antes as médias das temperaturas eram equivalentes. Devido às queixas de desconforto na região da axila do membro íntegro, em função do tirante que atravessa o tórax para sustentação da prótese, optou-se por analisar as imagens ao longo de sua posição, na diagonal do tórax, já que seu desenho foi nitidamente demarcado nas imagens adquiridas (Figura 4). No que constitui o principal achado clínico deste estudo, foram observadas temperaturas máximas de 36,7°C antes do equilíbrio térmico na região, tendo a temperatura média ao longo dessa faixa se reduzido após o equilíbrio térmico para 34,4°C, com diferença significativa (p=0,01); no entanto, a região proximal à axila continuou com a mesma temperatura máxima de 36,7°C, coincidindo com a região relatada de maior desconforto. DISCUSSÃO Neste estudo, as temperaturas observadas após o equilíbrio térmico10,11 reduziram seus valores nas RIs estudadas (p<0,05), sugerindo que o tempo de 20 minutos foi adequado. Isso se deve ao fato de que a pele humana, o maior órgão do corpo, é um eficiente termorregulador, sendo constante o balanço de vasodilatação (perda de calor) e vasoconstricção (manutenção de calor). Tal balanço é regulado permanentemente pelo sistema nervoso autônomo13. A RI que apresentou a temperatura mais elevada na chegada foi a R4, ou seja, a região do ombro anterior homolateral à amputação (Figuras 3 e 4). Isso pode estar ligado ao fato de o segmento residual e a região contígua do ombro permanecerem confinados no encaixe da prótese. A alta temperatura também pode caracterizar sobrecarga dessa região, Antes 37 Temperatura (°C) Figura 2 Avaliação termográfica na amputação Depois 36 35 34 33 32 31 R1 R2 R3 R4 R5 R6 R7 Regiões corporais Figura 3 Temperatura nas regiões avaliadas antes e depois do alcance do equilíbrio térmico Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):173-7 2010;17(2) 175 Figura 4 Antes Depois Região do tórax ao longo do tirante de fixação da prótese, antes e depois do equilíbrio térmico: temperatura mais elevada antes (faixa indicada por setas) e permanência de alta temperatura depois, na região da axila homolateral ao membro íntegro (seta), coincidindo com a região relatada de maior desconforto pois, sendo uma prótese híbrida, toda a massa, especialmente da mão mioelétrica, acaba por exigir maior sustentação, sobrecarregando essa região proximal ao encaixe do coto da amputação. Por outro lado, observou-se que a temperatura mais baixa após o equilíbrio térmico (p<0,05) foi a R6, do segmento residual à amputação (Figuras 3 e 4). Tal leitura pode estar ligada à dificuldade de se manter irrigação sangüínea eficiente na extremidade da região amputada. Para Uematsu 14 , a avaliação por termografia deve ser comparativa entre os hemicorpos direito e esquerdo. Como neste estudo foi encontrada diferença significativa de temperatura de 1,1°C antes do equilíbrio térmico entre os dois hemitóraces, segundo esse autor isso configuraria uma assimetria atípica (quando os valores de diferença ultrapassam os normais, de 0,5 a 0,9°C) – neste caso, sugerindo sobrecarga homolateral ao membro íntegro. Pode-se destacar também a diferença significativa de 1,1°C após a estabilização térmica, entre o local da amputação e o ombro íntegro (R6 e R7), com menores valores para R6. Segundo Zaproudina et al.12, as temperaturas de indivíduos saudáveis nessa mesma região apresentam-se em média de 30,9°C, variando de 29,4°C a 32,2°C. Mesmo considerando-se a maior temperatura (32,2°C) obtida por esses autores, as temperaturas aqui encontradas foram superiores, em R6 e R7 (respectivamente, 33,3°C e 34,4°C). A maior redução de temperatura na R6, após atingir o equilíbrio térmico, pode ser justificada tanto pela menor vascularização desse local quanto pelo fato de o aquecimento anterior ao equilíbrio térmico ser proporcionado, em grande parte, pelo encaixe da prótese. Na análise da temperatura média na região por onde passa o tirante, após o equilíbrio térmico houve uma redução significativa de 2,3°C. É possivel observar (Figura 4) que, após a estabilização térmica, a “imagem” do tirante no tórax não se apresentou tão marcante como na coleta inicial. Também foi possível notar que o local onde se concentrou a maior temperatura – região proximal à axila do membro íntegro – coincidiu com a região onde o sujeito relatou maior desconforto, tendo apresentado temperatura máxima de 36,7°C, antes e após o equilíbrio térmico. Segundo Tchou et al.15, a hipertermia generalizada ou localizada pode ser resultante de uma inflamação. Kelly et al.16, ao analisar vários tipos de próteses de extremidade superior, destacam que as próteses de suspensão estão indicadas nas amputações trans- 176 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):173-7 radiais e transumerais em sujeitos com necessidade da prótese para atividades simples da vida diária. Os autores complementam que as vantagens desse tipo de mecanismo de fixação da prótese são a durabilidade e fácil ajuste e indicam, como desvantagens, pressão na axila e desconforto. O tipo de prótese do sujeito em estudo é indicado para os casos em que não existem meios de outra fixação, em função do comprimento do coto, requerendo um tirante que envolve o ombro e a região do tórax para a fixação1. Segundo Lianza17, sempre que possível, deve ser evitada a desarticulação total do braço, pois a ausência da cabeça do úmero pode trazer deformidades acentuadas do ombro e desvio da coluna vertebral. Desse modo, uma boa adaptação do encaixe e do tirante para uma fixação perfeita e bom uso da prótese é dificultada para quem necessita realizar a desarticulação. Esse fato justifica o nível de amputação realizado no sujeito em estudo, ou seja, preservando a cabeça umeral. Kottke et al.18 acrescentam que, no caso das próteses funcionais, acionadas pelo próprio paciente mediante o movimento do segmento residual do membro pela tração de tirantes, faz-se necessário um intenso treinamento. Este se Luz et al. justifica, pois é exigido um esforço do segmento a fim de adquirir, de forma gradativa, o controle dos diferentes movimentos da prótese e evitar lesões que podem ser acarretadas por seu uso incorreto. Boccolini1 adverte que os tirantes devem ser confeccionados com as seguintes características: correia forte e macia para não ceder, ser confortável para o amputado, manter seu tamanho tanto seco quanto molhado; não deve ser muito espesso, ser de fácil limpeza e aparência agradável. Avaliação termográfica na amputação CONCLUSÃO A avaliação termográfica permitiu constatar elevada temperatura na região do tórax ao longo do tirante de fixação da prótese, especialmente na região axilar, indicando atrito; elevada temperatura no ombro anterior homolateral à amputação, caracterizando sobrecarga; e baixa temperatura no segmento residual à amputação, sugerindo pouca circulação e dificuldade de adaptação. A termografia foi capaz de captar o que outras tecnologias não permitem, sugerindo seu grande potencial para a classificação do conforto do usuário de prótese. A avaliação termográfica pode ser utilizada no acompanhamento da reabilitação e protetização de amputados, em especial no seguimento do tratamento, com enfoque nas queixas principais e verificação de possíveis sítios de lesão. Recomenda-se que novos materiais sejam desenvolvidos para melhorar o conforto na fixação das próteses de extremidade superior. REFERÊNCIAS 1 Boccolini F. Reabilitação: amputados, amputações, próteses. São Paulo: Robe; 2000. 2 Carvalho J. Amputações de membros inferiores: em busca da plena reabilitação. São Paulo: Manole; 2003. 11 Allen J, Oates CP, Chishti AD, Ahmed IAM, Talbot D, Murray A. Thermography and colour duplex ultrasound assessments of arterio-venous fistula function in renal patients. Physiol Meas. 2006;27:51-60. 3 Tonon SC, Avila AOV. 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Cesário Galeno 475 Tatuapé 03071-000 São Paulo SP e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO jun. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 178 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):178-83 RESUMO: O objetivo desta revisão sistemática da literatura foi analisar os instrumentos de avaliação da função de membros superiores em indivíduos que sofreram acidente vascular encefálico (AVE), bem como suas propriedades psicométricas e adaptação cultural para o Brasil. A busca nas bases de dados eletrônicas Medline, Lilacs e Scielo levaram à seleção de 57 artigos sobre instrumentos de avaliação da função motora global, da função específica da extremidade superior, bem como os relativos à validação e avaliação das propriedades psicométricas das escalas. Foram encontrados 11 instrumentos de avaliação da função de membros superiores. Destes, a escala de Fugl-Meyer, o teste de habilidade motora do membro superior e a medida de independência funcional são traduzidos e validados para a língua portuguesa e têm sua validade, confiabilidade e reprodutibilidade determinadas e adequadas. Esses instrumentos mostram-se complementares na avaliação da função de membros superiores de pacientes que sofreram AVE, pois incluem aspectos relativos à estrutura e função corporal, à capacidade de execução de tarefas, e ao cuidado pessoal e relações interpessoais, respectivamente, sendo portanto recomendáveis para o uso clínico. DESCRITORES: Acidente cerebral vascular/complicações; Avaliação; Extremidade superior; Questionários/utilização; Revisão ABSTRACT: The purpose of this systematic review was to analyse indexes and scales that assess poststroke patients upper extremity function, as well as their psychometric properties and cross-cultural validation for Brazil. The search through Medline, Lilacs and Scielo databases led to selecting 57 articles on instruments for assessing arms global motor and specific functions, as well as articles on their validation and psychometric properties. Eleven such instruments were found, among which the Fugl-Meyer assessment, the Arm Motor Ability Test, and the Functional Independence Measure have been translated and validated into Brazilian Portuguese, and had their validity and reliability properties established as appropriate. These instruments showed to be complementary for assessing upper extremity function in poststroke patients in as much as they respectively include structural and functional aspects, task performance, self-care and interpersonal relations, being therefore recommended for clinical use. KEY WORDS: Evaluation; Questionnaires/utilization; Review; Stroke/complications; Upper extremity Cavaco & Alouche Medidas funcionais no AVE INTRODUÇÃO A função normal do membro superior inclui a capacidade de alcance direcionado, preensão e manipulação de objetos. Tais componentes formam a base da capacidade motora requerida para a realização das atividades de vida diária (AVD) com eficiência. Apenas 50 a 70% dos indivíduos que sobreviveram a um acidente vascular encefálico (AVE) adquirem independência funcional1. A função motora mais comumente afetada nesses indivíduos é a do membro superior. A função do braço é alterada em um primeiro momento em 73 a 88% dos sobreviventes, sendo que 55 a 75% continuam com alteração na função, dificultando as AVD durante três a seis meses após o AVE2. Várias escalas foram desenvolvidas para avaliar as condições sensóriomotoras e funcionais de paciente que sofreram AVE. Tais escalas podem ser utilizadas na prática da reabilitação, em pesquisas para diagnósticos e prognósticos e resposta a tratamentos3. Esses instrumentos de avaliação são auxiliares na mensuração do nível de comprometimento do paciente, desde as funções sensório-motoras até a capacidade funcional4 e qualidade de vida, e evitam a subjetividade do auto-relato e a heterogeneidade de medida5. Em relação à função do membro superior, tais escalas podem fornecer informações genéricas sobre essa função em um contexto de atividade, bem como serem específicas à estrutura e desempenho do membro superior. Como são várias as escalas disponíveis na literatura, a escolha da escala apropriada requer a avaliação de sua aplicabilidade clínica, além de suas propriedades psicométricas, quais sejam a validade, a confiabilidade e a “responsividade” ou sensibilidade do instrumento. Um instrumento clinicamente útil deve ser apropriado para o estudo, breve, facilmente aplicável e pouco custoso. A validade considera o quanto o instrumento mede aquilo que é seu objetivo. A confiabilidade considera se a medida obtida é consistente e reprodutível. E a sensibilidade determina o quanto o instrumento é sensível a mudanças clinicamente relevantes e permite identificá-las6. Adicionalmente, é impor- tante ressaltar que a adaptação cultural de uma escala é um processo complexo que pressupõe equivalência não apenas lingüística, mas também conceitual e técnica, devendo ser prioritariamente considerada na escolha de um instrumento7,8. Mesmo considerando-se tais aspectos, muitas vezes a escolha de uma escala em detrimento de outra pode ser uma tarefa árdua. Nesse contexto, o objetivo deste estudo é revisar sistematicamente as escalas disponíveis de avaliação da função de membros superiores em indivíduos que sofreram AVE. Pretende-se descrever as propriedades psicométricas das escalas, incluindo as não-específicas para o membro superior, mas que o incluem, e apontar quais são adaptadas culturalmente para o Brasil. METODOLOGIA Foi realizada uma busca nas bases de dados Medline, Lilacs e Scielo de artigos publicados de 1998 a 2008. Com base nos artigos encontrados, outras referências relevantes para o estudo que antecediam o período revisado foram incluídas. Não houve restrição de língua. As palavras-chave em português utilizadas foram acidente vascular cerebral, membro superior e avaliação; e stroke, upper extremity, assessment em inglês. Foram selecionados artigos relacionados ao AVE e à funcionalidade do membro superior acometido especificamente e quando envolvido em uma atividade, sobre métodos de mensuração da função da extremidade superior, bem como aqueles referentes à validação e avaliação das propriedades psicométricas das escalas. Foram excluídos artigos referentes a medidas genéricas que não tivessem relação direta com a função do membro superior. RESULTADOS Foram encontrados inicialmente 363 artigos dos quais, com base nos critérios estabelecidos, 57 foram selecionados, referentes a um total de 11 instrumentos de avaliação da função de membros superiores em pacientes após um AVE. Instrumentos de avaliação da função de membros superiores EFM3 – Escala de Fugl-Meyer: é designada especificamente como avaliativa da recuperação do paciente hemiplégico. É dividida em cinco domínios: função motora, sensibilidade, equilíbrio, amplitude de movimento e dor. O domínio da função motora inclui mensuração do movimento, coordenação e atividade reflexa de ombro, cotovelo, punho, mão, quadril e tornozelo, totalizando 100 pontos, sendo 66 referentes à extremidade superior e 34 referentes à extremidade inferior3. Dependendo do escore total o paciente pode ser classificado como tendo comprometimento severo, moderado ou leve9. Em um estudo que revisou criticamente as propriedades psicométricas da EFM, os autores mostraram excelente confiabilidade e validade e sugeriram que a escala é sensível a mudanças9,10. A tradução da EFM para a língua portuguesa do Brasil4 baseou-se na versão original de 1975. Os resultados desse estudo demonstraram alta confiabilidade inter e intra-observador da EFM total (IC=0,99 e 0,98, respectivamente), bem como para a subescala de função do membro superior (interobservador IC=0,99 e intraobservador IC=0,98)4. ARAT11 – Teste de pesquisa-ação do braço (Action research arm test): contém 19 itens divididos em 4 subescalas, sendo que 6 itens avaliam a capacidade de apertar objetos, 4 itens a capacidade de segurar, 6 itens avaliam a pinça e os 3 itens restantes avaliam a motricidade ampla. O escore varia de zero a 57 pontos e quanto maior a pontuação melhor o desempenho do indivíduo11. Essa escala foi validada na língua inglesa em um estudo com 351 indivíduos, e os resultados indicaram que o escore das categorias da escala é aceitável (coeficiente H=0,92-0,97)11, porém não foi traduzida ou validada para o português. CAHAI12,13 – Inventário de atividade de braço e mão de Chedoke (Chedoke arm and hand activity inventory): avalia a extremidade superior e mão em tarefas funcionais de indivíduos tendo sofrido AVE – não validada para o português. Sua confiabilidade (ICC=0,98), vali- Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):178-83 2010;17(2) 179 dade (correlação 0,93 com ARAT) e sensibilidade (curva ROC 0,95) foram confirmadas em um estudo com 39 participantes, concluindo-se que é apta a discriminar e mensurar o comprometimento motor assim como distinguir as possíveis mudanças ocorridas ao longo de um tratamento12. A escala consiste na realização de 13 tarefas funcionais que incluem atividades unilaterais e bilaterais, pinça e preensão12. O escore varia de 13 a 91 pontos e quanto maior a pontuação maior a independência do indivíduo13. MAS14,15 – Escala de avaliação motora (Motor assessment scale): é composta por nove itens que avaliam tarefas de acordo com a qualidade de sua realização e quanto aos níveis de assistência requerida. Os aspectos observados são principalmente simetria, controle do movimento, tempo de execução e uso do lado afetado. Seu escore varia de zero (sem habilidade) a 48 pontos (máxima habilidade) 14. Em um estudo com 27 pacientes hemiparéticos foi avaliada a subescala para os membros superiores e sua confiabilidade e validade foram comprovadas15. Não há tradução para o português do Brasil. WMFT16 – Teste de função motora de Wolf (Wolf motor function test): nesse teste a realização das tarefas ocorre de forma organizada, de proximal para distal e das habilidades amplas para as finas. O teste é composto de 17 tarefas16 e seu escore varia de zero a 85 pontos, sendo que quanto maior a pontuação melhor a funcionalidade17. Em um estudo para avaliar a confiabilidade com 24 sujeitos, comprovou-se ser essa escala um excelente método quantitativo para avaliar a funcionalidade do membro superior16. Não há tradução ou validação dessa escala para o português do Brasil. Índice de Barthel18,19: é utilizado para avaliar a independência de pacientes na realização de AVD. Os 10 itens avaliam a capacidade de alimentar-se, vestir-se, realizar a higiene pessoal, controlar esfíncter urinário e anal, deambular, subir escadas e realizar transferência de uma cadeira para a cama. A pontuação varia de 50 a 100 pontos, sendo quanto maior o escore, maior a independência do indivíduo18. Sua confiabilidade e validade foram analisadas em um estudo com 126 indivíduos que tinham sofrido 180 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):178-83 AVE, resultando ser esse índice sensível a mudanças ocorridas ao longo do tempo19. AMAT20 (Arm motor ability test), originalmente desenvolvido em 1988, foi traduzido para o português como THMMS21 – teste de habilidade motora do membro superior. Mensura aspectos quantitativos e qualitativos das AVD que envolvem o membro superior em indivíduos que sofreram AVE20. O THMMS é composto de 13 tarefas que reproduzem atividades cotidianas, avaliadas em uma escala ordinal que varia de zero a 5, nos seguintes itens: (a) habilidade funcional (capacidade de executar uma meta) – onde zero = inexistente, 1 = muito pouca, 2 = pouca, 3 = moderada, 4 = quase normal e 5 = normal; e (b) qualidade do movimento (quão bem o movimento da tarefa foi executado) onde zero = não executou, 1 = muito pobre, 2 = pobre, 3 = moderada, 4 = quase normal e 5 = normal. O tempo de cada tarefa é cronometrado, sendo o limite 1 minuto para atividades unilaterais e 2 minutos para as bilaterais. Caso seja ultrapassado o limite, analisa-se apenas a qualidade do movimento20. A confiabilidade, validade e sensibilidade do teste foram avaliadas com 33 indivíduos, tendo suas propriedades psicométricas descritas e alta correlação entre cada item com o escore total20. Na tradução da THMMS para a língua portuguesa do Brasil, feita em 2006, a concordância entre os observadores para cada item do teste mostrou-se altamente significativa21. SMAF22 – Sistema de mensuração de autonomia funcional (Functional autonomy measurement system): avalia a autonomia do indivíduo. É composta por 29 itens divididos em 5 subitens, quais sejam atividades de vida diária, mobilidade, comunicação, função mental e atividades instrumentais de vida diária. O escore varia de zero a 87, sendo que quanto maior o escore, mais dependente é o paciente22. O SMAF teve sua confiabilidade comprovada em um estudo com 90 sujeitos. Nos resultados os autores descreveram uma boa confiabilidade entre o teste e o reteste e interavaliadores23. Não há tradução e validação dessa escala para o português do Brasil. Teste da caixa e blocos (Box and block test)24: avalia a destreza e habilidade manual, mensurando destreza manual ampla unilateral. É rápido, simples e barato. A tarefa envolve mover 150 blocos, um a um, para dentro de uma caixa em 60 segundos. Pode ser utilizado no Brasil, uma vez que não é necessária sua tradução. Sua validação e confiabilidade foram estabelecidas em 1994 em um estudo com 35 sujeitos saudáveis e 34 com comprometimento do membro superior; a diferença entre os escores que envolviam o membro superior acometido/dominante e os que envolviam o nãoacometido/não-dominante foi estatisticamente significante24. MIF25 – Medida de independência funcional ou, no original, FIM26 (Functional independence measurement): avalia a independência do indivíduo nos domínios mobilidade, cognição e atividades diárias. Sua pontuação varia de 18 a 126 pontos, sendo que quanto maior o escore, maior é a independência do indivíduo25. Sua validação, em um estudo com 72 pacientes, mostrou boa correlação entre todos os seus itens26. A validação para a língua portuguesa do Brasil teve a participação de 103 pacientes com lesão encefálica adquirida e 93 com lesão medular. Nos resultados notaram-se diferenças estatisticamente significantes em todas as tarefas, sendo os valores mais baixos encontrados entre os pacientes com lesão cervical e os valores mais altos entre os pacientes com lesões lombares25, indicando ser essa uma escala sensível para seu objetivo. Escala de independência em atividades da vida diária de Katz27 (Katz index of independence in activities of of daily living): contém seis itens que avaliam o desempenho do indivíduo nas atividades de autocuidado: alimentação, controle de esfíncteres, transferências, higiene pessoal, capacidade de vestir-se e tomar banho27. Seu escore varia de zero (dependente) a 6 (independente)28 e sua confiança e validade foram confirmadas em 198429. A tradução para o português do Brasil foi feita em 2008 e aplicada em 24 pacientes, resultando em uma adaptação transcultural eficaz27. DISCUSSÃO Esta revisão identificou onze escalas de avaliação da função de membros superio- Cavaco & Alouche res em pacientes com hemiparesia decorrente de AVE, incluindo algumas nãoespecíficas para o membro superior. Tais escalas englobam aspectos diferenciados da função de membros superiores e podem ser agrupadas de acordo com os constructos que enfatizam: aspectos estruturais e funcionais do corpo, capacidade de execução de uma tarefa e aspectos relativos ao cuidado pessoal e relações interpessoais30. A EFM é considerada uma das mais abrangentes medidas quantitativas do comprometimento motor pós-AVE9, havendo forte ponderação para o membro superior quando comparado ao inferior; apresentou alto índice de reprodutibilidade e confiabilidade31. A escala abrange aspectos relativos à mobilidade e estabilidade segmentar, movimento reflexo e voluntário e aspectos relativos à sensibilidade. Não há conflitos de interpretação na versão brasileira. Trata-se de uma escala de fácil aprendizado4 e que não requer equipamentos especiais para sua aplicação10. Apesar de a MAS também englobar itens estruturais (como o tônus muscular) e relativos ao movimento voluntário das mãos, além de ter boa consistência interna15, essa escala não avalia as funções sensoriais e não apresenta validação e adaptação para a língua portuguesa, o que inviabiliza seu uso no momento. Várias escalas enfatizam a avaliação da capacidade do indivíduo em realizar tarefas: ARAT, CAHAI, MAS, WMFT e Medidas funcionais no AVE AMAT ou THMMS. Destas, apenas o THMMS foi traduzido e validado para uso no Brasil. Utilizado para avaliar a habilidade e capacidade funcional do membro superior, o THMMS testa diversas tarefas unilaterais e bilaterais do membro superior, considerando um tempo máximo de execução20. O teste dos blocos na caixa não requer tradução e pode ser utilizado como complemento dos métodos de mensuração de tarefa simples que envolva a extremidade superior. No ARAT – cuja confiabilidade e validação foram comprovadas em 200632 – os itens avaliam habilidades utilizadas em atividades funcionais indiretamente, uma vez que grande parte das tarefas propostas não são exatamente funcionais, mas incluem movimentos necessários para tal. Embora suas propriedades psicométricas tenham sido pouco exploradas33, a escala poderia contribuir para a avaliação na prática clínica da extremidade superior em indivíduos que sofreram AVE. O inventário CAHAI abrange movimentos finos e amplos do membro superior e mão, sendo muito eficaz para avaliar manipulação, pinça e preensão12. O WMFT é o teste mais utilizado no exterior para avaliar o membro superior após AVE, pois abrange movimentos funcionais dos mais simples aos mais complexos e explora a capacidade dos movimentos16. Esse teste inclui a mensuração do dano e disfunção gerados no membro superior em decorrência do AVE17. Um estudo comparativo entre os testes THMMS e WMFT revelou que o primeiro é menos sensível à mensuração dos efeitos da reabilitação no membro superior acometido16. O uso do WMFT, no entanto, não é recomendado até o momento por não haver versão traduzida e validada para o português. Considerando-se os constructos relativos ao cuidado pessoal e relações interpessoais, os índices de Barthel e de Katz, a MIF e o SMAF englobam esses aspectos de avaliação. Destes, a MIF e o Índice de Katz são traduzidos e validados para a língua portuguesa. O Índice de Katz abrange um item de mobilidade (transferência) e outros cinco itens relativos ao cuidado pessoal. O MIF mostra-se mais amplo nesse aspecto, pois engloba a mobilidade (transferência e locomoção), o cuidado pessoal e relações e interações pessoais. CONCLUSÃO Diversas escalas disponíveis na literatura avaliam aspectos diferenciados da função de membros superiores pós-acidente vascular encefálico, como aspectos estruturais e funcionais do corpo, capacidade de execução de tarefas, e aspectos relativos ao cuidado pessoal e relações interpessoais. Assim, as escalas EFM, THMMS e MIF, adaptadas culturalmente para o Brasil, mostram-se complementares na avaliação da função de membros superiores de pacientes pós-AVE, já que englobam avaliações específicas e genéricas da função motora. REFERÊNCIAS 1 Rosamond W, Flegal K, Furie K, Go A, Greenlund K, Haase N, et al. Heart disease and stroke statistics – 2008 update: a report from the American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2008;117:e25-e46. 2 Cirstea MC, Levin MF. Improvement of arm movement patterns and endpoint control depends on type of feedback during practice in stroke survivors. 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Dra. titular do Depto. de Fisioterapia da UFMG ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Luci F. Teixeira-Salmela Depto. de Fisioterapia / UFMG Av. Antônio Carlos 6627 Pampulha 31270-010 Belo Horizonte MG e-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] APRESENTAÇÃO jul. 2009 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO abr. 2010 184 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):184-9 RESUMO: Teorias de controle motor tradicionais assumiam um modelo de representação interna responsável pela organização e regulação do alcance, tendo por controlador o sistema nervoso central (SNC). Perspectivas contemporâneas questionam a habilidade de somente o SNC controlar e regular os movimentos. Ações podem não ser guiadas apenas pelo SNC, mas também por informações presentes no ambiente, estando o controle no sistema indivíduo-ambiente. A detecção da informação é um processo ativo: o indivíduo explora o ambiente, percebe possibilidades de ação fornecidas por ele e age em reposta ao que é oferecido. O objetivo deste estudo foi descrever o desenvolvimento e a coordenação do alcance em uma perspectiva teórica fundamentada na abordagem ecológica à percepçãoação, para promover melhor compreensão do movimento humano. Discutem-se nesta revisão de literatura o desenvolvimento do alcance desde a infância até a idade adulta, formas de operacionalização, fatores extrínsecos e intrínsecos relacionados, relações invariantes entre indivíduo e objeto a ser alcançado. Esse referencial teórico pode permitir a compreensão de como intervenções alteram a estabilidade vigente no sistema, levando à emergência de novas soluções funcionais. Em uma visão ecológica, o alcance é entendido de forma ampla: para explicar a ocorrência do movimento, devem considerar-se as informações do ambiente, além das características intrínsecas do indivíduo. DESCRITORES: Atividade motora; Desempenho psicomotor; Fenômenos ecológicos e ambientais; Modelos teóricos ABSTRACT: Traditional motor control theories rely on a model of internal representation responsible for the organization and regulation of reaching movements, controlled by the central nervous system (CNS). Contemporary perspectives argue the ability of the CNS alone to control and regulate voluntary movements, since actions may also be guided by environmental information, wherein control would be exerted by the individual-environment system. The detection of information is an active process: subjects explore the environment, perceive possibilities of action, and act in response to the environment. The purpose of this study is to describe development and coordination of reaching movements from a theoretical perspective based on an ecological approach to perception-action, in order to provide better understanding of human movement. This literature review discusses the development of reaching movements from infants to adults, operational functions, related extrinsic and intrinsic factors, and invariant relations between the subject and the target object. This theoretical framework allows for a better understanding on how interventions may alter system stability, leading to the emergency of new functional solutions. In an ecological approach, reaching is understood in a broad way: in order to explain movement, environment information is considered, besides subjects’ intrinsic characteristics. KEY WORDS: Ecological and environmental phenomena; Models, theoretical; Motor activity; Psychomotor performance Lima et al. O alcance em uma visão ecológica INTRODUÇÃO O membro superior está envolvido em uma ampla variedade de tarefas que o requerem para produzir diferentes configurações articulares, regulações temporais ou seqüenciamento dos movimentos articulares para executar determinada função1. Dentre as possibilidades de ação dos membros superiores, destaca-se a capacidade humana para alcance – definido como posicionamento voluntário da mão no espaço em direção a um local ou objeto para atingir um objetivo específico2,3. Comumente, humanos alcançam objetos que permitem uma miríade de possibilidades para ações e atividades de vida diária, tais como beber, comer, ler e escrever3. Segundo Berthier e Keen4 a ação de alcance envolve a escolha de movimentos que levam a mão ao seu destino de modo rápido, acurado, coordenado e com o menor custo energético permitido, características presentes em padrões de movimento coordenados. De modo geral, humanos são capazes de gerar padrões comportamentais estritamente coordenados ao ambiente e direcionados a seu objetivo. A execução adequada desses movimentos implica uma adequada coordenação da ação – uma vez que diversos componentes musculoesqueléticos são temporariamente organizados em um padrão de movimento coordenado – e implica, também, a percepção de informações sobre o mundo e o corpo5. Nesse contexto, parece natural presumir, para essa organização do comportamento motor e do alcance humano, a existência de um controle centralizado da ação – gerador de padrão, plano de ação ou um modelo de representação interna responsável por sua organização e regulação5. Tradicionalmente, atribuise ao sistema nervoso central (SNC) o papel de controle e representação interna dos movimentos a serem executados2,6. Entretanto, perspectivas contemporâneas questionam a possibilidade de o SNC ser o controlador e único regulador dos movimentos humanos. Tais perspectivas baseiam-se nos questionamentos propostos por Nicolai Bernstein, que compreendia o movimento humano como um sistema cinemático complexo sugerindo que, nesse contexto, fatores extrínsecos ao indivíduo deveriam ser considerados na análise de sua capacidade de ação7,8. Também contrastando visões centralizadoras, Gibson9 propôs que ações podem não ser guiadas apenas pelo SNC, mas também por informação do ambiente, estando o controle, nesse caso, no sistema indivíduo-ambiente5,9. Informação, nesse contexto, refere-se a um padrão de energia que especifica precisa e fielmente a existência e as características de objetos e eventos do mundo real e informa fielmente sobre o mundo físico sem necessidade de processamento inferencial ou da existência de processos probabilísticos10. A perspectiva ecológica, defendida inicialmente por Gibson, traz a idéia de que indivíduos são capazes de captar as informações disponíveis no ambiente e agir (percepçãoação)10,11. Dessa forma, o objetivo deste ensaio foi descrever o desenvolvimento e a coordenação do alcance humano em uma perspectiva teórica fundamentada na abordagem ecológica à percepção e ação, para aprofundar a compreensão do movimento humano. METODOLOGIA Para execução do presente estudo foi realizada uma revisão da literatura na base de dados PubMed, assim como artigos e livros do acervo dos autores. Não foi estipulado limite temporal, visto que algumas referências importantes da área são antigas. Os descritores utilizados foram: reaching, ecological approach, perception-action. Estudos de pesquisadores renomados com publicações sobre a abordagem ecológica foram consultados, como por exemplo James Gibson e Michael Turvey. Nesta revisão foram finalmente consultados 20 artigos, uma dissertação de mestrado e três livros. RESULTADOS Novas perspectivas sobre a coordenação dos movimentos humanos diferem consideravelmente de visões tradicionais – neuromaturacionais – por propor que mesmo habilidades descritas como filogenéticas, como o engatinhar, andar e alcançar, são aprendidas por um processo de modulação dinâmica, no qual novas tarefas emergem, por meio de exploração e seleção, a partir de um determinado espaço de possíveis configurações restritas por leis naturais10,12. Outrora, considerava-se o SNC como o único responsável pelo planejamento e ação do alcance em um modo de controle hierárquico, no qual a informação espacial é convertida em padrões motores musculares e articulares para mover a mão no espaço. Uma série de complicadas transformações converte sinais sensoriais em trajetórias de mão e seriam capazes de corrigir possíveis erros de movimento, quando mantida a integridade do SNC2. Tais perspectivas tradicionais influenciaram por mais de três décadas o estudo do alcance, com base no pressuposto geral de que as transformações motoras ocorridas na infância resultam prioritariamente da maturação do SNC e que alterações na capacidade de alcance de adultos estariam estritamente condicionadas a danos nesse sistema, o que levaria à sua incapacidade de controlar adequadamente o movimento6. Como mencionado, alcance em uma visão contemporânea pode ser entendido como uma atividade funcional direcionada por objetivo3. Humanos alcançam objetos que possibilitam uma gama de possibilidades para outras ações. Fazem isso a partir da percepção da relação existente entre substâncias e superfícies do ambiente e características intrínsecas ao organismo, relativas a sua capacidade de alcançar 3. Existe uma enorme complexidade biomecânica e neural envolvida nessa atividade. Thelen e Spencer13 conceituam alcance como levar a mão para uma tarefa visualmente especificada em um espaço tridimensional. Nessa perspectiva, esses pesquisadores discutem a dificuldade de assumir um controle neurofisiológico de 1:1 entre padrões de ativação muscular e comportamento motor. O padrão de alcance é conseqüência do desenvolvimento de restrições intrínsecas e extrínsecas à tarefa, e não de processos maturacionais autônomos13. Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):184-9 2010;17(2) 185 Emergência e operacionalização do alcance Experimentalmente, o processo natural de mudanças e desenvolvimento de habilidades motoras é melhor observado em crianças quando avaliadas dinamicamente em tarefas propostas, permitindo análise de suas estratégias e ajustes para solução de problemas ou desafios 12. Nesse contexto, o desenvolvimento do alcance infantil tem despertado considerável interesse durante as últimas décadas4. Na criança a emergência do controle do alcance pode ser observada por mudanças nas características espaço-temporais do trajeto da mão durante a atividade. Sabese que o início do alcance infantil consistente ocorre entre três e quatro meses de idade. Contudo, nesses primeiros meses, o alcance ocorre de modo inacurado e o sistema demonstra pobre coordenação da trajetória da mão, apresentando típicos movimentos em ziguezague, cinematicamente identificados como múltiplos segmentos de aceleração e desaceleração, operacionalizados como unidades de movimento (UM)14. Progressivamente, o alcance infantil torna-se mais retilíneo e efetivamente direcionado ao objeto, observando-se menores quantidades de UM para caracterizar a ação. Concomitante com a redução do número de UM, observa-se que a primeira UM ocupa maior proporção do alcance, de modo que uma aceleração seguida de desaceleração é capaz de posicionar a mão tridimensionalmente próxima ao objeto. Esse método de alcance aproxima-se do padrão de alcance observado em adultos sem comprometimentos sistêmicos – movimento retilíneo caracterizado por uma única UM3,4,14. Outro fator usualmente considerado no desenvolvimento do alcance é denominado índice de retidão, definido pela razão entre a menor distância entre a mão e o alvo e a distância efetivamente percorrida pela mão, do início do alcance até o alvo. O índice de retidão de um adulto aproxima-se de 1, padrão que crianças progressivamente tendem a estabelecer4. 186 Fisioter Pesq. 2010;17(2) 2010;17(2):184-9 Aprimoramento do alcance Descreve-se considerável melhora nos parâmetros do alcance infantil durante os dois primeiros anos de vida4 e mesmo após esse período15. Entretanto tais mudanças são comumente observadas de forma não-linear, de modo que diferentes crianças exibem diferentes padrões de desenvolvimento e mesmas crianças podem apresentar aparente regressão a padrões motores iniciais – com maior número de UM e índice de retidão diferente de 1 – decorrente de novas imposições de tarefas ou modificações dos parâmetros de sistema relacionados ao crescimento corporal4,13,16. A coordenação da velocidade pode ser vista como indicativo de desenvolvimento no alcance. Inicialmente movimentos rápidos são gerados por contrações musculares fortes. Em uma unidade mecânica, multissegmentar, forças geradas em um segmento geram forças passivas em outros segmentos. Um aspecto crítico do movimento habilidoso é estabilizar os diversos segmentos, diminuindo-se a velocidade. Alcance estável emerge quando a criança aprende a diminuir a velocidade de seus movimentos, e usa estratégias para preservar as melhores trajetórias em diferentes velocidades13. A estabilidade acontece após maior tempo de exposição à informação e à ação propriamente13. O processo de desenvolvimento do alcance envolve autoorganização e descoberta de padrões mais úteis4. Segundo Corbetta e SnappChilds16, a emergência de um novo padrão demora a ocorrer; a criança precisa de muita prática para que aconteçam mudanças. A exploração do objeto tem importante papel no desenvolvimento da percepção-ação, pois permite à criança captar as propriedades do objeto, gerando informação para ação16. Fatores que interferem no alcance As características do objeto e o propósito do indivíduo interferem no posicionamento da mão para o alcance1. No adulto essa atividade acontece pela detecção da possibilidade de um modo de alcance (affordance), permitindo a ação que melhor se enquadre ao leiaute ou modo de distribuição dos elementos no ambiente3. Gibson9 originalmente definiu affordances como todas as “possibilidades de ação” latentes no ambiente, objetivamente mensuráveis e independentes da habilidade do indivíduo de reconhecê-las, mas sempre em relação ao ator, portanto dependente de suas capacidades. Para Choi e Mark3, affordance nesse contexto pode ser vista como a relação entre a capacidade de ação do indivíduo e as propriedades relevantes do ambiente para permitir determinada ação; por exemplo, o indivíduo deve ser capaz de perceber distâncias críticas que permitam um determinado modo de alcance. Quando esse modo de alcance específico não é mais possível (afforded), o indivíduo utiliza novas estratégias de ação coordenada e realiza transições entre modos de alcance, selecionando aquele que permite o cumprimento da tarefa3. Esses autores detalham possíveis modos de alcance, sugerindo que uma ação pode ser realizada utilizando-se apenas o braço, combinando movimentos de braço e ombro, com uso auxiliar de movimentos do tronco e, quando necessário, uso do levantar parcial ou completo para atingir o alvo3. Para serem alcançados, objetos posicionados além do comprimento do membro superior exigem ajustes posturais que permitem que o alinhamento do segmento corporal seja apropriado à perturbação que será causada pelo movimento do braço1. Independente do modo de alcance utilizado, são observadas relações invariantes no sistema indivíduo-ambiente, destacando-se o comprimento dos membros superiores do indivíduo em relação à distância em que o objeto se encontra e o peso do objeto em relação à força que o indivíduo pode gerar 3. Fórmulas propostas por pesquisadores em alguns estudos conseguiram representar essas relações invariantes entre ator e ambiente, determinando mudanças entre um modo de alcance para outro3, assim como em outras ações, como preensão e garra17,18. Lima et al. Características da relação indivíduoambiente irão influenciar diretamente o alcance. Os recursos dinâmicos do indivíduo, como força muscular, rigidez musculoesquelética, comprimento muscular, e recursos do objeto – como tamanho, peso, grau de fragilidade, fricção – guiam a relação entre ator e ambiente1. A capacidade de captar a informação visual e háptica é fundamental para estabelecimento dessa relação, e essas duas fontes de informação se complementam. Os atos de ver e tocar o objeto possibilitam sua exploração e são determinantes no desenvolvimento da percepção-ação16. Informação visual deve ser entendida não somente como captação de estímulo visual, mas sim captação de energia luminosa estruturada do ambiente e objetos, informando sobre as características do ambiente, o que possibilita ao indivíduo agir nesse contexto. O tamanho, formato e composição de uma determinada superfície estrutura a luz de tal forma que a luz refletida preserva as características dessa superfície. Esse processo é governado por leis naturais, físicas, e permite uma percepção direta do mundo real10. A visão do objeto possibilita guiar o alcance; quando não está disponível, a atividade é modificada, sendo necessárias outras fontes de informação para guiar a ação. Outra importante fonte de informação é a percepção háptica ou tátil. As pessoas podem perceber várias propriedades dos objetos sem necessariamente utilizar a visão, pelo toque19. O toque dinâmico (dynamic touch ou kinesthetic touch) gera informação das características do objeto e sua relação com o indivíduo e ambiente. Quando o objeto é segurado, os receptores do indivíduo são mecanicamente estimulados respondendo ao alongamento, compressão, torção e inclinação. A resposta coletiva à mudança de fluxo de energia mecânica é a base neural primária do toque dinâmico. Suas capacidades espaciais resultam da sensibilidade dos tecidos corporais a quantidades específicas de dinâmica rotacional sobre um ponto fixo, que não varia com mudanças nas forças rotacionais e movimentos. O contato com o objeto deforma os tecidos e traz informação sobre o objeto19,20. O alcance em uma visão ecológica O peso do objeto é uma propriedade dinâmica importante para guiar a ação. Considerando ser o peso a força pela qual a Terra atrai o objeto para seu centro, para alcançar e pegar um objeto o indivíduo deve gerar força suficiente para levantar o objeto da sua superfície de suporte3. A base física para percepção do peso do objeto requer consideração do sistema háptico. Mas não se trata somente de uma propriedade física. O peso deve ser percebido não como propriedade física comum ou um dado estado mental, mas como motivado, como sugere Gibson, por affordance. As propriedades constituintes da affordance seriam não somente as características do objeto isoladamente, mas do objeto tomado em referência às propriedades e comportamento do indivíduo21. O mais importante no desenvolvimento de qualquer ação é a relação entre as características do ambiente e do indivíduo. DISCUSSÃO Na perspectiva de Nicholai Bernstein8, teorias que pleiteiam explicar o movimento humano devem ser capazes de definir o modo como os diversos sistemas que compõem a estrutura biológica humana lidam com diversos graus de liberdade de maneira sincronizada e com a variabilidade, uma vez que esta é condicionada ao contexto da tarefa. Uma explicação baseada no controle de movimentos por endereço específico, que requer uma representação interna do mundo no SNC, não seria capaz de compreender plenamente os movimentos e ações humanas7,8. De acordo com Gibson9, a detecção de informação é um processo ativo, em que indivíduos exploram continuamente o ambiente; partes variadas do corpo estão diretamente relacionadas à captação de informação. O autor estabelece assim os princípios da perspectiva ecológica de percepção-ação, na qual os indivíduos são capazes de perceber possibilidades de ação (affordances) oferecidas ou suportadas pelo ambiente10,11. Estudos sobre a percepção-ação demonstram que, desde o início do desenvolvimento, crianças estão continuamente coordenando seus movimentos com base em informações perceptuais dispo- níveis, que indicam como manter o equilíbrio, alcançar objetos e se locomover em diferentes superfícies12. Existem múltiplos graus de liberdade em um membro superior articulado, determinando muitas possibilidades de mover as articulações de modo coordenado e percorrer um trajeto particular em direção a um alvo 12. Entretanto, como sugerido por Bernstein, as possibilidades de ação tornam-se progressivamente reduzidas à medida que o sistema biológico encontra soluções eficientes para a ação. Nesse contexto, o aparelho motor se ajusta às partes e às forças correntes para manter a coordenação do movimento. Essa auto-organização foi descrita por Tuller et al.22 como estrutura coordenativa, definida como grupo de músculos restritos a agir como única unidade funcional. Dessa forma, as trajetórias e a coordenação motora possivelmente não se apresentam representadas internamente no sistema e os movimentos emergem de modo não-determinístico a partir de uma variedade de condições iniciais e são condizentes com os parâmetros disponíveis nesse sistema8,12. A compreensão dos movimentos humanos como padrões emergentes em função das propriedades do sistema indivíduo-ambiente e das exigências da tarefa modifica o raciocínio na prática clínica e permite novas explicações de fenômenos observados, que usualmente tendem a ser relacionados a perspectivas centralizadoras de controle motor. No âmbito da clínica, vem ocorrendo um interesse maior na reabilitação do membro superior (MS) de indivíduos que sofreram lesão de SNC, possibilitando pesquisas nessa área. Esses indivíduos apresentam pobre recuperação do MS e modificam o alcance como padrão de adaptação, em resposta à fraqueza muscular, desequilíbrio funcional e aumento da rigidez musculoesquelética1. Um dos tratamentos que vem sendo explorado para reabilitação do MS é a terapia de contensão e induzida (TCI), técnica pela qual se faz a restrição do MS menos acometido funcionalmente, induzindo o movimento do MS mais acometido por um tempo prolongado, proporcionando seu uso23. Tradicionalmente, a explicação para os ganhos na funcionalidade do MS de indi- Fisioter Fisioter Pesq. Pesq. 2010;17(2):184-9 2010;17(2) 187 víduos hemiparéticos expostos à TCI seria a de uma reorganização cortical como causa primária. Entretanto, considerando ações como padrões funcionais específicos a determinada situação, o uso e as trajetórias do MS não são internamente processadas, mas percebidas e aninhadas no contexto atual da tarefa e do histórico de atividades realizadas pelo indivíduo12. De acordo com esse modelo, a TCI como forma de reabilitação impõe aos indivíduos uma restrição real a determinada forma de movimentação e permite explorar novas possibilidades de ação para cumprir determinada tarefa. Segundo Nascimento et al.24, o aumento do uso espontâneo do MS acometido sugere que esse método de intervenção promove motivação e percepção de possibilidades de seu uso em atividades funcionais, possivelmente reduzindo o desuso aprendido24. Essa possibilidade de exploração levaria à modificação em vários sistemas, dentre eles o SNC, como fator secundário a essa nova gama de possibilidades. Um estudo que utilizou a TCI25 comprova a correspondente modificação estrutural encefálica, ou seja, reorganização cortical. É importante ressaltar que deve ser feita, antes do uso de terapias que restringem o movimento, uma avaliação criteriosa dos parâmetros estruturais e funcionais dos sistemas envolvidos, uma vez que novos modos de ação emergem em sistemas capazes de executá-los. No que se refere ao uso espontâneo do MS em atividades de vida diária, descreve-se a importância de intervenções clínicas que não primem apenas por atividades unimanuais, envolvendo o MS mais acometido, mas incluindo atividades bimanuais que se aproximam da realidade das atividades usualmente realizadas1. Os membros superiores devem funcionar como uma estrutura coordenada, agindo de maneira cooperativa, para que as duas mãos interajam para conquistar um objetivo22. A velocidade e força de preensão em uma das mãos podem ser modificadas em função da outra para que ambas realizem a ação adequadamente1. Estudos observacionais longitudinais devem ser conduzidos de modo a avaliar modos de interação entre membros superiores e possíveis parâmetros de controle do movimento, visando à compreensão de como os sistemas agem cooperativamente. Por fim, um tema central é a indivisibilidade de percepção e ação na emergência e evolução de novas habilidades. A distinção entre perceber e agir é uma forma tradicional de estudar movimentos humanos; entretanto, ao se tentar compreender os mecanismos de coordenação de ações, deve-se questionar o quanto essa separação é de fato real ou meramente didática. Uma análise adequada das ações e de seu desenvolvimento não deve se basear em quais são as habilidades programadas de um sistema ou quais partes do comportamento são geneticamente ou internamente representadas, mas como partes cooperam de modo a produzir estabilidade ou determinar mudanças12. De acordo com Reed 26, todo movimento funcional, como o alcance, é relacionado a uma situação complexa e aninhado em um cenário postural. Ambos, contexto ambiental e contexto postural, afetam a natureza e o sucesso dos movimentos26. CONCLUSÃO Terapeutas envolvidos no estudo e reabilitação do comportamento motor devem compreender a estrutura de funcionamento do sistema biológico em toda sua complexidade, bem como a história pregressa do paciente, para selecionar adequadamente a teoria que melhor explica a ação de alcance e outros movimentos funcionais, direcionando a prática clínica de modo a compreender como intervenções podem alterar a estabilidade vigente e permitir a emergência de novas soluções para que o indivíduo seja funcional. Em uma visão ecológica, o alcance deve ser entendido de forma ampla, considerando-se as características intrínsecas do indivíduo e, também, as informações disponíveis no ambiente. REFERÊNCIAS 1 Carr J, Shepherd R. Reabilitação neurológica: otimizando o desempenho motor. São Paulo: Manole; 2008. Cap. Alcance e manipulação, p.131-59. 2 McCrea PH, Eng JJ, Hodgson AJ. Biomechanics of reaching: clinical implications for individuals with acquired brain injury. 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Pesq. 2010;17(2):184-9 2010;17(2) 189 INSTRUÇÕES PARA AUTORES A revista FISIOTERAPIA E PESQUISA, editada pelo Curso de Fisioterapia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, prioriza a publicação de pesquisas originais, cujos resultados possam ser replicados, publicando também ensaios de revisão sistemática ou crítica de literatura, relatos de casos e cartas ao editor. Os manuscritos apresentados à Revista devem ser originais, redigidos em português. Caso uma versão semelhante, em qualquer língua, já tiver sido publicada ou enviada a outro veículo, essa informação deve constar da folha de rosto, para que o Conselho Editorial possa ponderar sobre a pertinência de sua publicação. Processo de julgamento Todo manuscrito enviado para FISIOTERAPIA E PESQUISA é examinado pelo Conselho Editorial, para consideração de sua adequação às normas e à política editorial da Revista. Os manuscritos que não estiverem de acordo com estas normas serão devolvidos aos autores para adequação antes de serem submetidos à apreciação dos pares. Em seguida, o manuscrito é apreciado por dois pareceristas de reconhecida competência na temática abordada, garantindo-se o anonimato de autores e pareceristas. Dependendo dos pareceres recebidos, os autores podem ser solicitados a fazer ajustes (no prazo de um mês), que serão examinados para aceitação. Uma vez aceito, o manuscrito é submetido à edição de texto, podendo ocorrer nova solicitação de ajustes formais – nesse caso, os autores têm o prazo máximo de duas semanas para efetuá-los. O não-cumprimento dos prazos de ajuste será considerado desistência, sendo o artigo retirado da pauta da Revista. Os manuscritos aprovados são publicados de acordo com a ordem cronológica do aceite na secretaria da Revista. Responsabilidade e ética O conteúdo e as opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores. Artigos de pesquisa envolvendo sujeitos humanos devem indicar, na seção Metodologia, sua expressa concordância com os padrões éticos e com o devido consentimento livre e esclarecido dos participantes (de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata do Código de Ética para Pesquisa em Seres Humanos). As pesquisas com humanos devem trazer na folha de rosto o número do parecer de aprovação pela respectiva Comissão de Ética em Pesquisa, que deve estar registrada no Conselho Nacional de Saúde. Estudos envolvendo animais devem explicitar o acordo com os princípios éticos internacionais e instruções nacionais (Leis 6638/79, 9605/98, Decreto 24665/34) que regulamentam pesquisas com animais. A menção a instrumentos, materiais ou substâncias de propriedade privada deve ser acompanhada da indicação de seus fabricantes. A reprodução de imagens ou outros elementos de autoria de terceiros, que já tiverem sido publicados, deve 190 Fisioter Pesq. 2010;17(2) vir acompanhada da autorização de reprodução pelos detentores dos direitos autorais; se não acompanhados dessa indicação, tais elementos serão considerados originais do/s autor/es do manuscrito. Autoria Deve ser feita explícita distinção entre autor/es e colaborador/es. O crédito de autoria deve ser atribuído a quem preencher os três requisitos: (1) deu contribuição substantiva à concepção, desenho ou coleta de dados da pesquisa, ou à análise e interpretação dos dados; (2) redigiu ou procedeu à revisão crítica do conteúdo intelectual; e (3) deu sua aprovação final à versão a ser publicada. No caso de trabalho realizado por um grupo ou em vários centros, devem ser identificados os indivíduos que assumem inteira responsabilidade pelo manuscrito (que devem preencher os três critérios acima e serão considerados autores). Os nomes dos demais integrantes do grupo serão listados como colaboradores. A ordem de indicação de autoria é decisão conjunta dos co-autores. Em qualquer caso, deve ser indicado o endereço para correspondência do autor principal. A carta que acompanha o envio dos manuscritos deve ser assinada por todos os autores, tal como acima definidos. Envio dos manuscritos Os manuscritos devem ser submetidos por via eletrônica pelo site www.mdpesquisa.com.br/FP. Ao submeter um manuscrito para publicação os autores devem enviar: Declaração de responsabilidade, de conflitos de interesse e de autoria do conteúdo do artigo. Os autores devem declarar a existência ou não de eventuais conflitos de interesse (profissionais, financeiros e benefícios diretos e indiretos) que possam influenciar os resultados da pesquisa e a responsabilidade do(s) autor(es) pelo conteúdo do manuscrito. Declaração de transferência de direitos autorais (copyright) para Fisioterapia e Pesquisa, assinada por todos os autores, com os respectivos números de CPF, caso o artigo venha a ser aceito para publicação. No caso de ensaio clínico, informar o número de registro validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), cujos endereços estão disponíveis no site do ICMJE: www.icmje.org/faq.pdf. Preparação dos manuscritos 1 Apresentação – O texto deve ser digitado em processador de texto Word ou compatível, em tamanho A4, com espaçamento de linhas e tamanho de letra que permitam plena legibilidade. O texto completo, incluindo páginas de rosto e de referências, tabelas e legendas de figuras, deve conter no máximo 25 mil caracteres com espaços. 2 A página de rosto deve conter: a) título do trabalho (preciso e conciso) e sua versão para o inglês; b) título condensado (máximo de 50 caracteres) c) nome completo dos autores, com números sobrescritos remetendo à afiliação institucional e vínculo; d) instituição que sediou, ou em que foi desenvolvido o estudo (curso, laboratório, departamento, hospital, clínica etc.), faculdade, universidade, cidade, estado e país; e) afiliação institucional dos autores (com respectivos números sobrescritos); no caso de docência, informar título; se em instituição diferente da que sediou o estudo, fornecer informação completa, como em “d)”; no caso de não-inserção institucional atual, indicar área de formação e eventual título (a Revista não indica em quê nem em qual instituição o título foi obtido); d) endereços postal e eletrônico do autor principal; e) indicação de órgão financiador de parte ou todo o estudo, se for o caso; f) indicação de eventual apresentação em evento científico; g) no caso de estudos com seres humanos, indicação do parecer de aprovação pelo comitê de ética; no caso de ensaio clínico, o número de registro internacional. 3 Resumo, abstract, descritores e key words – A segunda página deve conter os resumos do conteúdo em português e inglês. O resumo em português deve ocupar o máximo de 1.500 caracteres com espaços (cerca de 220 a 230 palavras). Resumo e abstract devem ser redigidos em um único parágrafo, buscando-se o máximo de precisão e concisão; seu conteúdo deve seguir a estrutura formal do texto, ou seja, indicar objetivo, procedimentos básicos, resultados mais importantes e principais conclusões. São seguidos, respectivamente, da lista de até cinco descritores e key words (sugerese a consulta aos DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da Biblioteca Virtual em Saúde do Lilacs (http://decs.bvs.br) e ao MeSH – Medical Subject Headings do Medline (www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html). 4 Estrutura do texto – Sugere-se que os trabalhos sejam organizados mediante a seguinte estrutura formal: a) Introdução, estabelecendo o objetivo do artigo, justificando sua relevância frente ao estado atual em que se encontra o objeto investigado; b) em Metodologia, descrever em detalhe a seleção da amostra, os procedimentos e materiais utilizados, de modo a permitir a reprodução dos resultados, além dos métodos usados na análise estatística – lembrando que apoiar-se unicamente nos testes estatísticos (como no valor de p) pode levar a negligenciar importantes informações quantitativas; c) os Resultados são a sucinta exposição factual da observação, em seqüência lógica, em geral com apoio em tabelas e gráficos –cuidando tanto para não remeter o leitor unicamente a estes quanto para não repetir no texto todos os dados dos elementos gráficos; d) na Discussão, comentar os achados mais importantes, discutindo os resultados alcançados comparando-os com os de estudos anteriores; e) a Conclusão sumariza as deduções lógicas e fundamentadas dos Resultados e Discussão. 5 Tabelas, gráficos, quadros, figuras, diagramas – são considerados elementos gráficos. Só serão apreciados manuscritos contendo no máximo cinco desses elementos. Recomenda-se especial cuidado em sua seleção e pertinência, bem como rigor e precisão nos títulos. Note que os gráficos só se justificam para permitir rápida apreensão do comportamento de variáveis complexas, e não para ilustrar, por exemplo, diferença entre duas variáveis. Todos devem ser fornecidos no final do texto, mantendo-se neste marcas indicando os pontos de sua inserção ideal. As tabelas (títulos na parte superior) devem ser montadas no próprio processador de texto e numeradas (em arábicos) na ordem de menção no texto; decimais são separados por vírgula; eventuais abreviações devem ser explicitadas por extenso, em legenda. Figuras, gráficos, fotografias e diagramas trazem os títulos na parte inferior, devendo ser igualmente numerados (em arábicos) na ordem de inserção. Abreviações e outras informações vêm em legenda, a seguir ao título. 6 Remissões e referências bibliográficas – Para as remissões no texto a obras de outros autores adota-se o sistema de numeração seqüencial, por ordem de menção no texto. Assim, a lista de referências ao final não vem em ordem alfabética. Visando adequar-se a padrões internacionais de indexação, para apresentação das referências a Revista adota a norma conhecida como de Vancouver, elaborada pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org), também disponível em http://www.icmje.org/index.html#references. Alguns exemplos: Forattini OP. Ecologia, epidemiologia e sociedade. São Paulo: Edusp; 1992. Laurenti R. A medida das doenças. In: Forattini OP, editor. Epidemiologia geral. São Paulo: Artes Médicas; 1996. p.64-85. Simões MJS, Farache Filho A. Consumo de medicamentos em região do Estado de São Paulo (Brasil), 1988. Rev Saude Publica. 1988;32:71-8. Riera HS, Rubio TM, Ruiz FO, Ramos PC, Castillo DD, Hernandez TE, et al. Inspiratory muscle training in patients with COPD: effect on dyspnea and exercise performance. Chest. 2001;120:748–56. [nomear até seis autores antes de “et al”] Rocha JSY, Simões BJG, Guedes GLM. Assistência hospitalar como indicador da desigualdade social. Rev Saude Publica [periódico on-line] 1997 [citado 23 mar 1998];31(5). Disponível em: http://www.fsp.usp.br/ ~rsp. Correia FAS. Prevalência da sintomatologia nas disfunções da articulação temporomandibular e suas relações com idade, sexo e perdas dentais [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo; 1991. Sacco ICN, Costa PHL, Denadai RC, Amadio AC. Avaliação biomecânica de parâmetros antropométricos e dinâmicos durante a marcha em crianças obesas. In: VII Congresso Brasileiro de Biomecânica, Campinas, 2830 maio 1997. Anais. Campinas: Ed. Unicamp; 1997. p.447-52. Fisioter Pesq. 2010;17(2) 191 7 Agradecimentos – Quando pertinentes, dirigidos a pessoas ou instituições que contribuíram para a elaboração do trabalho, são apresentados ao final das referências. Apresentação eletrônica da versão final Após a comunicação do aceite do artigo, o autor deverá proceder aos eventuais ajustes sugeridos pelos pareceristas, para o quê terá o prazo de quatro semanas (findo esse prazo, se a versão final não tiver sido enviada à Revista, será considerada desistência). A versão final será ainda editada, ocasião em que o editor poderá solicitar novos ajustes e esclarecimentos – e, nesse caso, o prazo para os ajustes será de apenas duas semanas. Solicita-se que, na preparação da versão final, o autor: • use fonte comum, simples; use itálico apenas para títulos de obras e palavras em língua estrangeira; o negrito é reservado a títulos e intertítulos, claramente diferenciados; • não use a barra de espaço para recuos nem a tecla “tab”, apenas recursos de formatação do processador de texto; • não separe parágrafos com sinal de parágrafo adicional; • use o próprio processador de texto (e não planilhas) para elaborar tabelas; • use o próprio processador de texto (recurso “Desenho”) para elaborar diagramas simples, organogramas etc. (não insira figuras ou organogramas do Microsoft PowerPoint®); • inversamente, use programa apropriado (como Microsoft® Excel) para elaborar gráficos, e não o recurso “Gráficos” do processador de texto; • no caso de gráficos ou diagramas elaborados por softwares específicos, devem ser convertidos (exportados) em formatos que possam ser abertos por programas de uso comum (verifique os tipos de arquivos que podem ser aber- tos no Adobe Photoshop®, para figuras em escala de cinza, no CorelDraw®, para desenhos, ou no Excel® ou Origin®, para gráficos), para permitir eventuais ajustes, adequação de fonte etc.; • forneça fotografias ou outras ilustrações com resolução mínima de 300 dpi, e em tamanho compatível; • em qualquer caso, forneça simultaneamente um arquivo em TIFF do elemento gráfico, para permitir visualização e conferência. Envio dos arquivos Os dados de texto (em Word ou compatível) e de ilustrações devem ser enviados em arquivos separados. Os dados devem ser acompanhados da informação precisa de todos os programas utilizados, inclusive de compressão, se for o caso; sugere-se que os nomes dos arquivos sejam curtos e permitam rápida identificação (por exemplo, “sobrenome do autor fig1....”). Exemplares dos autores Será enviado ao autor principal um exemplar do número da Revista em que seu artigo for publicado, mais um exemplar para cada co-autor. *** No bojo do processo de aprimoramento de FISIOTERAPIA E PESQUISA, estas normas estão em construção, podendo sofrer alterações. Para informação atualizada, sugere-se a consulta ao site da Revista (http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/revista.php) ou às instruções do último número publicado. Para contato com a secretaria da Revista, use [email protected]. O endereço completo da Revista encontra-se na terceira capa, a seguir. Assinatura Para assinar Fisioterapia e Pesquisa, preencha o cupom abaixo e envie-o à revista, junto com um cheque nominal à Fundação Faculdade de Medicina (ver endereço ao lado, na 3a capa) no valor de R$ 64,00 ou recibo de depósito no Banespa (banco 033), agência 0201, cc 13004086-7. A ficha de assinatura está disponível no site da revista: <http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/ revista.php>. Números anteriores solicitar à revista. Valor unitário: R$ 16,00. FICHA DE ASSINATURA Assinatura anual (quatro números) de Fisioterapia e Pesquisa a contar de (data) _________________________ Nome: _______________________________________________________________________________________ Endereço: _____________________________________________________________________________________ CEP: ______________ Cidade: ___________________________________________________ Estado: _______ e-mail: _______________________________________________________________________________________ Instituição (opcional): __________________________________________________________________________ 192 Fisioter Pesq. 2010;17(2) Fisioterapia e Pesquisa Fisioterapia e Pesquisa em continuação a Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo. Revista do Curso de Fisioterapia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Fofito/FMUSP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor Prof. Dr. João Grandino Rodas Vice-Reitor Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz SECRETARIA Sarah Rúbia Ferreira de Meneses INDEXAÇÃO E NORMALIZAÇÃO BIBLIOGÁFICA Serviço de Biblioteca e Documentação da FMUSP e-mail: [email protected] Faculdade de Medicina Diretor Prof. Dr. Marcos Boulos EDIÇÃO DE TEXTO, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Tina Amado, Alba A. G. Cerdeira Rodrigues e Daniel Carvalho Pixeletra ME Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional IMPRESSÃO Chefe Profa. Dra. Selma Lancman Gráfica UNINOVE Tiragem: 500 exemplares Curso de Fisioterapia Coordenadora Profa. Dra. Carolina Fu FISIOTERAPIA E PESQUISA Fisioterapia e Pesquisa v.17, n.2, abr/jun. 2010 Fisioterapia e Pesquisa / (publicação do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) v.1, n.1 (1994). – São Paulo, 2005. v. : il. Continuação a partir de v.12, n.1, 2005 de Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo. Semestral: 1994-2004 Quadrimestral: a partir do v.12, n.1, 2005 Trimestral: a partir do v.15, n.1, 2008 Sumários em português e inglês ISSN 1809-2950 Curso de Fisioterapia Fofito/FM/USP R. Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP Brasil e-mail: [email protected] http://www.mdpesquisa.com.br/RFP Telefone: 55 xx 11 3091 8416 INSTITUIÇÕES COLABORADORAS INSTITUIÇÕES PARCEIRAS FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO / USP ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL APOIO 1. FISIOTERAPIA/periódicos I. Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Filiada à FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ISSN: 1809-2950 FISIOTERAPIA e PESQUISA REVISTA DE FISIOTERAPIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL Volume 17 – número 2 Abril – Junho 2010
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