“Quell` anima là sù c`ha maggior pena,” disse `l maestro, "è

Transcrição

“Quell` anima là sù c`ha maggior pena,” disse `l maestro, "è
A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516
Seção Verbare, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 149-151, jul./dez. 2010
Autor: Alex Soares Rios | e-mail: [email protected]
RESQUÍCIOS DE UMA VIDA — MONÓLOGO DE UM QUASE MORTO
“Quell' anima là sù c’ha maggior pena,”
disse ’l maestro, "è Giuda Scarïotto,
che ’l capo ha dentro e fuor le gambe mena.
Dante
Ploc... ploc...
Ploc... ploc...
Sons, apenas sons. Sob meus olhos um estranho impedimento.
Sob meus ouvidos “ploc... ploc...”. Um grande calor emana de meus
pulsos, concluo sem dúvida, minhas mãos estão atadas. Mas como? Por
quê? O que teria acontecido?... Não lembro... Não lembro... Ainda pouco
festejava meu aniversário e agora cá estou, deitado, sem visão e sem
poder mover minhas mãos, sem contar que tento insistentemente mover
minhas pernas, porém as não sinto. A dor atribuída à minha cabeça é
tamanha que sinto o peso de uma lápide sobreposta a ela. Sem vozes,
sem sons, apenas o insistente som de gotejar quebra o monótono e
intrigante silêncio.
Por instantes tive a sensação de ter conseguido mover o
primeiro pododáctilo direito. Nisso um alívio intercalava o medo, pois,
contudo, ainda tenho os movimentos das pernas, mas estranhamente
não obtivera a mesma façanha ao tentar mover o pé esquerdo.
Aflito, confuso, tentei esboçar alguma palavra, porém um tubo de
consistência maleável atravessara minha traquéia e meu aparelho
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A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516
Seção Verbare, Uberlândia, ano 3, n. 6, p. 149-151, jul./dez. 2010
Autor: Alex Soares Rios | e-mail: [email protected]
fonador estava impossibilitado de emitir sons que tenham algum
significado claro.
Sem explicação alguma o calor sob meus punhos e as dores da
minha cabeça amenizaram. O grande obstáculo sob meus olhos cessara
sua influência, e as minhas pálpebras penaram a moverem-se, pareciam
coladas, até me lembrara à infância, que quando criança acordava,
porém até concretizar a ação de abrir os olhos levava bons segundos
de reflexão sobre o por vir do dia. Por fim, abri os olhos. Logo em
seguida veio a reação de tentar deslocar meu pescoço para cima de
maneira que eu pudesse ver o que se passa a minha volta. Entretanto
tal movimento foi impossível, minha cabeça estava presa à cama (minha
cabeça, meus braços e possivelmente minhas pernas), contudo não foi
possível sentir amarra alguma que me apertasse o corpo, apenas
impediam qualquer simples movimento. Meu campo de visão limitava-se
apenas ao teto do quarto e meia parede na qual se via parte de um
quadro, que logo percebi ser uma réplica de um Da Vinci, muito comum
em ambientes cristãos.
De repente, o monótono “ploc... ploc...” tornou-se contínuo e
agudo, como um alarde do meu despertar, refleti. Pouco tempo após o
início do sucessivo som, o cômodo no qual estava, que antes silencioso
e vazio, enchera de pessoas ao meu redor, pessoas que nunca vira
antes, todos para soltar as minhas amarras e auxiliar-me com esse
tubo que tanto me angustiava, pensei. Alguns de tão felizes com o
meu despertar colocavam as mãos sobre meu peito e o apertavam por
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Autor: Alex Soares Rios | e-mail: [email protected]
vezes. Abraçavam-me exacerbadamente. Mas o que fiz para tanto? Não
sei, não sei.
Enfim estava livre, levantei rapidamente aludindo a todos que
estava bem. Em pé, próximo a réplica de Da Vinci, direcionei meus olhos
para a direita e vi, através de uma parede de vidro, todos que há
pouco festejavam comigo. A doce Trinité olhava fixamente para mim,
também pudera, éramos ligados por nossos sentimentos. Cassius, como
sempre, sombreava minha amada, sempre achei que ela seria o último
algoz que ele nunca obtivera. Pilatus, inquieto por natureza, andava de
um lado a outro com uma cara igual àquela que fizera há anos quando
derrubou vinho sobre a minha camisa de linho na primeira vez que me
visitou em minha nova residência. Bárbara também estava lá, porém não
direcionava seus olhares a mim, de maneira alguma, nem Bárbara, Cassius
ou Pilatus olhavam para mim. Segui seus olhos e vi que ainda olhavam
para a cama, assim dei-me conta que todos que segundos atrás me
soltaram ainda continuavam atentados à cama. Não entendi, não
entendia mais nada. Em nenhum momento eu realmente fora o centro
das atenções, até que o ápice daquela rapsódia aconteceu. A porta da
sala abriu, e junto a ela aparecera a figura de meu tio Rafá, alguém
que tinha perdido contato há anos. Ele olhou diretamente para mim e
disse algo do tipo “venha aqui garoto, temos muito para conversar”.
Até ele eu fui, e caminhei a seu lado por um longo tempo.
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