EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E

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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS vem,
com lastro nos artigos 127, da Constituição Federal; artigos 1.o e 5.o, inciso I, da Lei
Complementar n.º 75/93; artigo 522 e seguintes, com a nova redação dada pela Lei n.º. 9.139/95,
combinados com o artigo 188, todos do Código de Processo Civil; artigos 152, 198, 201, III e 202,
todos do Estatuto da Criança e do Adolescente , interpor, tempestivamente,
RECURSO DE AGRAVO,
pelas razões adiante alinhavadas, visando à desconstituição da decisão proferida à fl. 29 dos
autos de Adoção sob n.º 2002.01.3.001570-8, em curso pela Vara da Infância e da Juventude
do Distrito Federal, tendo como Adotantes A. D. e sua mulher, D. M. D., e, como Adotando, a
criança N. F. S., nascido aos 11 de abril de 2002, filho de E. F. S., decisão aquela que
indeferiu o pedido de citação da genitora biológica, feito pelo Ministério Público, à fl. 28.
Nestes termos, aguarda seja admitido e processado o referido recurso.
Brasília-DF, 28 de novembro de 2002.
LESLIE MARQUES DE CARVALHO
Promotora de Justiça
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1
RAZÕES DO AGRAVO
I- RELATÓRIO
A. D. e sua mulher, D. M. D., ajuizaram ação de adoção cumulada com destituição do
pátrio poder, em favor da criança N. F. S., filho de E. F. S.
Relatam os requerentes que a genitora do adotando, verbis, “por não reunir condições
financeiras decidiu entregá-lo à adoção, conforme declarações de fls. 08 dos autos de Pasta Especial de
nº 0357/02”, salientando que, verbis, “o abandono por parte da genitora já autoriza a perda do pátrio
poder”. (grifos nossos)
Por fim, requerem seja julgado, verbis, “PROCEDENTE o presente pedido de
ADOÇÃO, destituindo a genitora do pátrio poder, por sentença”. (grifos nossos)
A inicial, acompanhada de documentos, foi recebida por despacho que, a par de
determinar providências, inclusive a lavratura do registro civil da criança, concedeu a guarda provisória do
adotando aos adotantes até a decisão final e dispensou a oitiva da genitora biológica do infante, pelo fato
desta já haver sido ouvida, autorizando a colocação da criança em família substituta, nos autos da Pasta
Especial sob protocolo n.º 0724/2002.
Foi confeccionado estudo social do caso pela Seção de Adoção da Vara da Infância e da
Juventude do Distrito Federal, o qual concluiu pela conveniência da adoção, segundo os interesses da
criança envolvida.
A seguir, foi juntada cópia do termo de declarações prestadas pela genitora biológica da
criança, nos autos da Pasta Especial sob protocolo n.º 0724/2002, pelas quais a referida genitora entrega o
filho para ser cadastrado para adoção na Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal.
Finalmente, os autos vieram ao Ministério Público, tendo este oficiado pela citação da
genitora biológica da criança, ao entendimento de que o consentimento desta para com a entrega do filho
para ser cadastrado para adoção não implicava renúncia do pátrio poder, eis que este é irrenunciável e
ainda não houve a respectiva destituição, além do que o consentimento havia sido dado apenas um dia
após o parto, havendo, assim, a possibilidade de ser invalidado, uma vez que a genitora se encontrava em
estado puerperal.
Na seqüência, o Juízo a quo não acolheu a diligência solicitada pelo Ministério Público,
determinando o retorno dos autos ao Parquet para a sua manifestação de mérito, ao fundamento de que tal
exigência era desnecessária, por não haverem indícios de que a genitora estivesse em estado alterado de
consciência quando prestou declarações em Juízo, não as tendo retratado até a presente data, de forma a
ser considerado válido o seu consentimento; fundamentou, também, o Juízo a quo que, como a adoção
pressupõe o consentimento dos pais, uma vez manifestado este, torna-se despicienda a prévia destituição
do pátrio poder como pressuposto da adoção, já que a extinção pátrio poder é conseqüência lógica da
concessão da adoção, tudo nos termos do art. 45 do ECA e do art. 392, inciso IV, do Código Civil.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.a - PRELIMINARES
Preliminarmente, cabe averiguar sobre a presença dos pressupostos recursais, em
relevo o da tempestividade e o da adequação do recurso aviado.
Verifica-se, com efeito, que o recurso interposto é adequado, uma vez que desafia
decisão interlocutória, isto é, aquela que, apesar de não pôr fim ao processo, resolve questão incidente
surgida em seu bojo, estando previsto expressamente nos arts. 522 e seguintes do CPC.
É também tempestivo, porquanto interposto no prazo legal de dez (10) dias, contado em
dobro, a partir da ciência pessoal da decisão vergastada pelo Ministério Público (11.11.02), observadas as
disposições contidas nos arts. 188 e 522 do CPC.
Neste sentido, veja-se:
“Não há distinguir, na aplicação do art. 188 do CPC, entre os casos nos quais o
Ministério Público funciona como parte e os em que atua como custos legis, se nestes
sua função é tão importante senão mais do que naquelas” (Ac. unân. da 1.ª T. do STF
de 10.06.1983, no RE n.º 93.531-SP, Rel. Min. Oscar Dias Corrêa, RTJ 106/1.036; RT
578/253).
conhecido.
Nestes termos, sendo o recurso ora aviado adequado e tempestivo, deve, sem dúvida, ser
II.b - MÉRITO
Inicialmente, cumpre observar que os autores formularam, num só processo, pedidos
cumulados de adoção e destituição do pátrio poder, sendo este prejudicial àquele (vide item III-b da
inicial), nos termos do art. 169, caput, do ECA.
Quanto ao pedido de destituição do pátrio poder, observa-se que, em seu artigo 24, o
ECA estabelece, verbis:
“A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em
procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na
hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o
art. 22.”
Indica o referido dispositivo que a destituição do pátrio poder, traduzindo-se em pena
imposta aos pais que deixarem de cumprir suas obrigações legais, há de ser decretada judicialmente, em
procedimento contraditório, onde seja assegurado aos genitores sua ampla defesa.
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Tal procedimento está previsto nos arts. 155 a 163 do ECA e não pode prescindir da
citação do requerido – no caso, a genitora biológica – nos termos do art. 158.
A propósito, discorrem Cury, Garrido e Marçura, in Estatuto da Criança e do
Adolescente Anotado – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 35:
“A destituição do pátrio poder não pode ser decretada incidenter tantum nos
procedimentos de adoção, reclamando o devido processo legal, que obviamente não
prescinde de inicial na qual fatos ensejadores do pedido sejam devidamente descritos, a
possibilitar o exercício da ampla defesa. Nada obsta, contudo, a cumulação objetiva,
porquanto ´os dois pedidos, ainda que um deles (destituição do pátrio poder) esteja
implicitamente vinculado ao outro (adoção), podem ser tratados num único processo,
posto que compatíveis entre si, para ambos é competente o mesmo juízo e o tipo de
procedimento é adequado para todos´ (RT 692/58).”
Transparece, pois, claro e cristalino que, havendo cumulação de pedidos, nos moldes
como o ora examinado, torna-se inafastável a adoção do rito ordinário, viabilizando-se, assim, a citação da
genitora biológica do adotando.
Ocorre que a genitora biológica da criança foi ouvida nos autos da Pasta Especial sob
protocolo n.º 0724/2002, na presença do Juízo a quo e do Ministério Público, concordando com a entrega
do filho para adoção. Naquela oportunidade, foi, ainda, a genitora biológica do adotando advertida sobre o
caráter irrevogável da adoção e sobre todas as suas conseqüências, como a perda de todos os direitos sobre
a criança, inclusive o de visitas.
Deveras, ao manifestar concordância com a entrega do filho para adoção, a genitora
biológica justificou ter agido desta forma visando a resguardar ao infante melhores condições de vida,
garantindo-lhe um futuro mais promissor, uma existência feliz, livre de privações materiais e sofrimentos,
o que nem sempre seria possível se a criança permanecesse sob sua guarda (vide termo de declarações).
Porém, a entrega realizada nessas condições não se subsume a nenhuma das situações
legais ensejadoras da perda (destituição) do pátrio poder previstas em nosso ordenamento jurídico (art.
395, Código Civil).
De outro lado, é preciso observar que a anuência da genitora biológica da criança para
com a entrega desta para adoção não pode ser interpretada como renúncia ao pátrio-poder, visto que este,
consistindo num poder-dever dos pais em relação aos filhos e traduzindo-se em “um conjunto de direitos e
obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de
condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes
impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho” (segundo a definição de Maria Helena Diniz),
possui característica de munus público, sendo portanto, irrenunciável.
Neste sentido:
“Direito Civil. Pátrio poder. Dever irrenunciável e indelegável. Destituição.
Consentimento da mãe. Irrelevância. Hipóteses Específicas. Art. 392 do código civil.
Contraditório. Necessidade. Arrependimento posterior. Adoção. Situação de fato
consolidada. Segurança jurídica. Interesses do menor. Orientação da turma.
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I – o pátrio poder, por ser ´um conjunto de obrigações, a cargo dos Pais, no tocante às
pessoas e bens dos filhos menores´ é irrenunciável e indelegável. Em outras palavras,
por se tratar de ônus, não pode ser objeto de renúncia. I.i - as hipóteses de extinção do
pátrio poder estão previstas no Art. 392 do código civil e as de destituição no 395,
sendo certo que são estas exaustivas, a dependerem de procedimento próprio, previsto
nos arts. 155/163 do estatuto da criança e do adolescente, consoante dispõe o art. 24 do
mesmo diploma. I.ii - a entrega do filho pela mãe pode ensejar futura adoção (art. 45 do
estatuto), e, conseqüentemente, a extinção do pátrio poder, mas jamais pode constituir
causa para a sua destituição, sabido, ademais, que ´a falta ou a carência de recursos
materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder"
(art. 23 do mesmo diploma). I.iv - na linha de precedente desta corte, "a legislação que
dispõe sobre a proteção à criança e ao adolescente proclama enfaticamente a especial
atenção que se deve dar aos seus direitos e interesses e à hermenêutica valorativa e
teleológica na sua exegese". I.v - situação de fato consolidada enseja o provimento do
recurso a fim de que prevaleçam os superiores interesses do menor. “ (STJ, Rel. Min.
Salvio de Figueiredo Teixeira , 4ª Turma Cível , STJ, Resp 158920/SP ; Recurso
Especial -1997/0090947-6) grifos nossos
Conclui-se, portanto, que as declarações da genitora biológica, prestadas nos autos da
Pasta Especial sob protocolo n.º 0724/2002, não configuram renúncia ao pátrio poder, tampouco
dispensam a respectiva citação para a ação de adoção em comento, porque:
- a uma, o pedido de adoção foi cumulado com o de destituição do pátrio poder,
assumindo, destarte, natureza contenciosa;
- a duas, o consentimento da genitora foi dado para o cadastramento do filho para
adoção, e não para o pedido específico formulado pelos requerentes, muito
menos, para a destituição do pátrio poder;
- a três, o consentimento foi manifestado apenas um dia após o parto,
oportunidade em que a genitora ainda se encontrava em estado puerperal,
sendo, dessa forma, anulável;
- a quatro, o consentimento foi manifestado em procedimento apartado e de natureza
diversa da do processo de adoção cumulada com destituição do pátrio poder.
Neste passo, merece menção o fato do Estatuto da Criança e do Adolescente prever o
procedimento consensual para a adoção que contar com a adesão expressa dos pais, conforme se
depreende da leitura dos respectivos arts. 166 a 168. Em casos que tais, dispõe o parágrafo único do art.
166 que os pais serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público,
tomando-se por termo as declarações.
Com efeito, a adoção (consensual) depende do consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando, nos termos do art. 45 do ECA. Inexistindo tal consentimento, haverá
necessidade da destituição da tutela ou do pátrio poder, conforme o caso, em procedimento contraditório,
como pressuposto lógico para o deferimento da adoção, já que não há possibilidade de coexistência do
pátrio poder ou da tutela com a adoção, pela própria natureza contraposta desses institutos (art. 169,
ECA).
Vale lembrar, também, que o consentimento, mesmo quando manifestado expressamente
em relação a um pedido específico de adoção sob a forma consensual, não implica a renúncia ao pátrio
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poder, eis que, como já visto, este é irrenunciável. O que se verifica, nesta hipótese, é uma concordância,
por parte dos genitores ou tutores, conforme o caso, para com a adoção, da qual decorrerá a futura
extinção do pátrio poder ou da tutela, extinção essa que se operará naturalmente, por força de lei, como
conseqüência do deferimento da adoção (arts. 392, IV, e 442, II, ambos do Cód. Civil).
No caso dos autos, a genitora do adotando não manifestou o seu consentimento para com
a adoção requerida pelas pessoas dos autores, quer dentro, quer fora do processo; o pátrio poder dela ainda
subsiste; há pedido de destituição do pátrio poder, sobre o qual ela não foi ouvida. Não se trata, pois, de
adoção consensual.
Observe-se que, mesmo na adoção consensual, o consentimento deve ser expressado
relativamente a uma pretensão concreta de adoção e, em princípio, no cerne da própria ação de adoção,
haja visto que tal providência se encontra descrita no art. 166, parágrafo único, do ECA, estando o
mencionado dispositivo, por sua vez, inserido num contexto legal normatizador dos procedimentos de
colocação em família substituta em caráter consensual (Seção IV do Capítulo III do ECA), onde consta,
além de outras exigências, o requisito da qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge,
ou companheiro, com expressa anuência deste (art. 165, I). Por conseguinte, não há falar-se em
consentimento genérico, para eventual futuro pedido de adoção.
Como se pode ver, o Juízo a quo pretendeu dar validade a um dito “consentimento”
genérico, prematuro e deslocado. Não se encontra, no termo de declarações prestadas à fl. 08 dos autos da
Pasta Especial sob protocolo n.º 0724/2002, qualquer especificação quanto ao pretendente do recebimento
da criança em adoção, ou quanto às demais nuances do pedido de adoção formulado. Ora, a genitora,
ainda detentora do pátrio poder, deve ter assegurado o direito de conhecer e contestar todos os
contornos da pretensão deduzida em Juízo, segundo as diretrizes do art. 165 do ECA. Afinal,
simplesmente porque manifestou o desejo de entregar o filho em adoção, não mais pode ela discordar, por
exemplo, do novo nome que se pretende dar ao filho, ou de a quem deve ser deferida a adoção? Seria
aquele “consentimento” um “cheque em branco” para que “a justiça”, dali em diante, “tomasse conta” do
destino do filho?
Evidentemente que não, e é justamente essa tradição assistencialista, paternalista e
injurisdicional que o Estatuto da Criança e do Adolescente veio romper, sob as luzes da doutrina da
proteção integral e do devido processo legal.
Por conseguinte, as declarações prestadas pela genitora, nos autos da Pasta Especial sob
protocolo n.º 0724/2002, não fosse a circunstância de se encontrar aquela em estado puerperal, serviriam
apenas e tão somente para que o Juízo a quo, valendo-se do procedimento previsto no art. 153 do ECA (in
casu, a chamada “Pasta Especial” – um dos diversos nomes atribuídos, na Vara da Infância e da Juventude
do Distrito Federal, aos procedimentos sem rito próprio, referidos no art. 153 do ECA), desencadeasse
uma série de diligências visando à proteção da criança recém nascida, dentre elas, a tentativa de
reintegração familiar, para, somente após esgotada essa via, promover a colocação do infante em família
substituta, em obediência aos ditames do art. 23 do referido Estatuto.
A questão do estado puerperal não é menos relevante. Se não bastassem os diversos
vícios já apontados sobre o “consentimento” que o Juízo a quo pretende validar, ainda resta a inegável
circunstância de terem sido as declarações de fl. 08 dos autos da Pasta Especial sob protocolo n.º
0724/2002 prestadas apenas um dia após o parto da criança entregue para adoção.
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A vulnerabilidade psicológica e emocional da mulher, nesse estado, é evidente, donde,
por si só, ser discutível a validade da sua intenção manifestada em entregar o filho para adoção. Assim, o
consentimento para a entrega do filho para adoção, que pressupõe certeza inequívoca, não pode subsistir
diante da dúvida solidamente fundada quanto a estar a genitora sob a influência do estado puerperal (que
ela estava em estado puerperal, é certo; que estava sob a influência do estado puerperal, é duvidoso).
Neste caso, a presunção de dúvida é juris et de jure e conduz à nulidade do ato que não prescinde da
certeza absoluta, em virtude de se estar tratando de direitos indisponíveis. Não há necessidade, então, de
se provar que a dúvida se transformou em certeza fática (menos ainda, necessidade de retratação, como
sugeriu o Juízo a quo na decisão recorrida), justamente porque, talvez, as pessoas mais interessadas nessa
prova podem estar impossibilitadas de produzi-la. Há o interesse público no refazimento do ato de vontade
que se mostra duvidoso, como que equiparando, em matéria de efeitos, o ato anulável ao ato nulo.
O Prof. HÉLIO GOMES, em sua obra Medicina Legal. 30ª ed. Rio de Janeiro : Freitas
Bastos, 1993, ensina que:
“O puerpério (...) pode ser conceituado medicamente como o período post-partum, até a
volta do útero ao seu estado normal. Dura mais ou menos 40 dias (...)” p. 333
“O conceito obstétrico de estado puerperal ou puerpério não é pacífico. Uns chamam de
estado puerperal a gravidez, o parto e o puerpério que o segue; outros, só a este último;
terceiros entendem que o estado puerperal começa após o parto e dura o tempo da
involução clínica do útero. Existem ainda os que o admitem até o desaparecimento dos
lóquios ou aparição da menstruação.” (p. 369)
“(...) três outras ocorrências psicológicas podem surgir no decorrer do parto e do
puerpério. (...) O terceiro caso, o mais comum, é aquele a que se quis referir por certo o
legislador. Nele ingressam as gestantes normais, mas a quem as dores do parto, as
emoções do abandono moral, as privações sofridas antes, obnubilam a consciência,
enfraquecem a vontade (...)” p. 370
“A moral social entendeu que a maternidade só é moral dentro do casamento; fora do
tálamo é imoral.” p. 381
“As privações alimentares, a miséria orgânica, os sofrimentos morais acumulados, o
desespero da solidão na dor, tudo desorienta, desgoverna a mulher (...) ´A mãe solteira
aparece sobretudo nas classes trabalhadoras, entre operárias simples e desviadas, entre
modestas funcionárias e empregadas inconseqüentes, que são, por desdita, as mais
desprotegidas. (...) Sendo a parte fraca – mulher, as mais das vezes menor, pobre,
inculta, distante -, contra ela se voltaram desde velhos tempos os anátemas rigorosos e as
sanções inclementes (...)´” p. 382
Por esses ensinamentos, percebe-se, com facilidade, pela identidade das situações
descritas com a vivenciada nos autos ora discutidos, o quanto é verossímil a hipótese de ocorrência, não só
do estado puerperal, mas também da influência do estado puerperal quando da manifestação de vontade da
genitora. Senão, vejam-se:
“(...) que a declarante teve um relacionamento amoroso com o Sr. Wellington na cidade
de Alexania (sic)- Goiás; que desconfiava de estar grávida, mas não teve tempo de falar
para o namorado; que este não mais reside em Alexania (sic) e seu paradeiro é ignorado
pela declarante; que a declarante não tem condições de criar o filho, pois não tem
residência fixa neste (sic) Capital e trabalha como doméstica, não podendo dispensar os
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cuidados necessários para a criança; que a idéia de entregar o filho em adoção surgiu no
início da gravidez e desde então vem amadurecendo-a (...)” f. 08, PE prot. 0724/002
Em conclusão, Srs. Julgadores, o Ministério Público não está, aqui, pretendendo fazê-los
crer que a genitora em questão pode, a estas alturas, ter algum interesse em reaver o filho e, daí, a
necessidade de ser citada para, querendo, contestar os pedidos de destituição do pátrio poder e de adoção.
Sob outro aspecto, também não pretende o Ministério Público inviabilizar o
cadastramento e a entrega de crianças e adolescentes cadastrados para adoção, da forma mais ágil
possível, às pessoas inscritas para adotar, frustrando, de um lado, os sentimentos nobilíssimos daqueles
que estão aptos a acolher, e ceifando, de outro lado, oportunidades muitas vezes únicas de se evitar ou
restringir o abrigamento, com todas os benefícios biopsicossociais decorrentes de uma colocação em
família substituta bem direcionada.
De fato, trata-se, aqui, de zelar para que haja sempre, por parte dos cidadãos e dos
jurisdicionados, o sentimento de confiança e segurança quanto ao desempenho, pelo Estado, da difícil
missão de fazer justiça, “dando a cada um o que é seu”. E, conforme já foi dito, esse sentimento será tanto
mais forte, quanto mais atrelada estiver a Justiça ao devido processo legal e à doutrina da proteção
integral.
Sob essa ótica, não importa, no momento, qual seja a vontade da genitora ou qual será o
desfecho da ação de destituição do pátrio poder cumulada com adoção. Tanto é verdade, que sequer está
sendo postulado efeito suspensivo ao presente recurso.
O que realmente importa é conhecer e dar conhecimento, a todos os envolvidos no feito,
da forma mais fidedigna possível, sobre quais são as respectivas vontades e interesses, pois, ao final,
independentemente do resultado a que se chegar, desde que seja respeitada a condição peculiar da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, com todos os cuidados que essa situação implica, a
“Justiça” haverá sido feita e reconhecida como tal.
III- PEDIDO
Ante ao exposto, o Ministério Público espera ver conhecido e provido o presente
recurso, para o fim de ser reformada a decisão recorrida, acolhendo-se o pedido ministerial de citação da
genitora biológica do adotando.
Brasília-DF., 28 de novembro de 2002.
LESLIE MARQUES DE CARVALHO
Promotora de Justiça
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IV - NOMES E ENDEREÇOS DOS ADVOGADOS CONSTANTES DO PROCESSO (art. 524, III,
CPC)
- DRª. ESTHER DIAS CRUVINEL
OAB-DF n.º não informado nos autos
Assistente Jurídico
Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal
SGAN 909, Bloco C – Brasília-DF
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