Andando pelo Rio na Praça XV
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Andando pelo Rio na Praça XV
APOSTILA ANDANDO PELO RIO – PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO E ARREDORES ORIGENS DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO No remoto ano de 1567 surgia a primeira rua da cidade: a Ladeira da Sé. Com efeito, não poderia ser outra coisa que não a ladeira que descia da Matriz de São Sebastião, no alto do Morro do Castelo, até a várzea, onde existia um fortim de terra. Em março de 1583, na sua base, o Padre José de Anchieta inaugurou a Santa Casa de Misericórdia, para atender aos doentes da esquadra espanhola de Diogo Flores Baldez, que aportou ao Rio de Janeiro com peste a bordo. Devido ao hospital, o povo crismou esse primeiro logradouro de “Ladeira da Misericórdia”, existindo até hoje pequena porção dela, atrás do prédio do Museu Histórico Nacional. A “Ladeira da Misericórdia” emendava com a rua da “Misericórdia”, que existiu até idos de 1960. Terminava exatamente onde hoje está o prédio do Palácio Tiradentes. Provavelmente, no mesmo ano de 1567, essa rua era prolongada até um morrote lindeiro, que fora doado em sesmaria ao português Manuel de Brito Pereira (ou de Lacerda), dono de muitas casas na cidade e que, com certeza, concorreu financeiramente para a extensão dessa rua que, em última análise, valorizava suas terras. Teve vários nomes: “Caminho da Piaçava”, “Caminho da Praia Arqueada”, rua de “Manuel de Brito”, rua “Direita” e, desde 1870, rua Primeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai, ocorrida aquele ano. Antes de 1570, uma devota ergueu na rua Direita a capelinha dedicada a Nossa Senhora da Expectação e do Parto, e que o povo a crismou, por antonomásia, de Nossa Senhora do Ó, por não conseguir pronunciar com facilidade essa invocação da Virgem. Afirma-se, que pelo motivo da ladainha iniciar com a evocação “Ó Virgem Maria...”, passou a assim ser conhecida. Era a santa predileta das mulheres de então, que lhe dirigiam súplicas por um bom parto. Em 1589 essa capela foi doada aos frades carmelitas, chegados dez anos antes e que até então não possuíam pouso fixo. Mudaram a invocação da santa para Nossa Senhora do Carmo e trinta anos depois, em 1619, iniciariam seu convento, ao lado. Quanto à capela, foi reconstruída ao menos duas vezes, datando o templo atual de 1761, mais ou menos da mesma época em que ficou pronto o convento. Os frades seriam desalojados em 1808 por ordem do Príncipe D. João, que alojou no convento sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca; o Real Gabinete de Física, a Real Ucharia (no térreo) e a Real Biblioteca (nos fundos). A capela do convento foi convertida em Capela Real. Nela D. João seria sagrado em 1818 e seu filho e neto coroados, respectivamente em 1822 e 1841. Fronteiro a esse templo surgiu um pequeno adro, muito ampliado por aterros e pelo assoreamento da baía, haja vista que a vegetação ciliar dos rios foi a primeira coisa destruída pelos colonizadores. Se, ainda em fins do século XVI, uma baleia encalhou na rua “Direita”, já em 1605 existia terreno suficiente do lado do mar para o Governador Salvador de Sá levantar um fortim, o “Forte da Cruz”, provavelmente a primeira construção do lado da baía e, com certeza, igualmente a primeira da rua do Ouvidor (que naquela época tinha outros nomes, como por ex.: “Desvio do Mar”, rua de “Aleixo Manuel”, rua do “Gadelha”, e rua da “Cruz”. O atual nome “Ouvidor” data de 1780.). Esse forte nunca funcionou, sendo doado em 1623 a uma irmandade de militares, que em 1 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com seus horários de folga ergueram nele uma capela, inaugurada em 1628, e que deu origem à bela igreja da Santa Cruz dos Militares, cujo templo atual data de 1777/1811. Já em 1605 existem referências documentais ao “Terreiro do Carmo”, primeiro nome da futura Praça XV de Novembro, e que à época era um dos desembarcadouros de mercadorias da cidade. Provavelmente, nesta época, existiam muitas casas na rua Direita e, com certeza, mais uma capela do lado do mar, a de São José. Não se sabe por quem e quando foi fundada, mas, já existia em 1640, pois nesse ano foi reconstruída. O templo atual foi iniciado em 1808 e terminado apenas em 1842. Ao seu lado, surgiu em 1619 o casarão da “Câmara Municipal e da Cadeia”, inicialmente uma casa térrea de taipa. Seria depois reconstruída como sobrado no século XVIII e dela saiu para a glória o protomártir da Inconfidência, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado no Campo de São Domingos num sábado de sol, a 21 de abril de 1792. Após a Independência, foi a cadeia velha utilizada como “Câmara dos Deputados” em 1822. Noventa e oito anos depois foi demolida para ali ser erguido o Palácio Tiradentes, atualmente sede do Poder Legislativo Estadual. Voltando ao século XVII. Com a ida dos vereadores para a várzea do “Largo do Carmo”, mudou então o eixo do poder na Capitania, indo o legislativo municipal para um logradouro cuja importância não parava de crescer. Por esta época foi erguido em um de seus cantos o pelourinho ou “polé”, poste de alvenaria com o símbolo da municipalidade, dando origem ao segundo nome do logradouro: “Largo da Polé”. A praça daí por diante não pararia mais de crescer em importância, sediando o poder até 1889, quando a República relegou estes marcos a um ostracismo completo. Ainda em meados do século XVII, existiam algumas casas no lado esquerdo da praça, que eram alugadas pelos carmelitas a terceiros. Pouco depois, os próprios vereadores sugeriram ocupar a praça com casas de aluguel, com o fito de serem alugadas, por pura coincidência, é claro, a parentes dos ditos vereadores. O projeto foi vetado pelo Rei Pedro II de Portugal. Diga-se o que for, mas, por pouco a praça deixou de existir! Já para fins do século XVII, as tais casas dos frades carmelitas foram adquiridas pelo governo que as demoliu e construiu em seu local o armazém do sal, bem como o de açúcar. Em 1698, juntou-se a eles a “Casa da Moeda”, vinda da Bahia e agora importante no Rio de Janeiro, haja vista que nove anos antes o bandeirante Antônio Dias descobriu imensas jazidas de ouro em Minas Gerais, originando uma corrida pelo rico metal e transformando o Rio de Janeiro de antigo entreposto comercial em pôrto de escoamento do ouro mineiro. É sobre estas construções que se erguerá o edifício do Paço Imperial, primeira sede do executivo no Largo da Polé. Desde 1643 possuíam os governadores uma casa na rua Direita para o exercício de seus mandatos, casa esta comprada pelo Rei D. João IV para abrigar o Governador Luís Barbalho Bezerra, que faleceu antes de ocupá-la. Serviu como casa de govêrno por cem anos. Em 1733, assume o governo da Capitania e parte sul do Brasil o General Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela. Achandose mal instalado, enviou correspondência ao Rei D. João V de Portugal no sentido de obter outro lugar para o executivo da Capitania. 2 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Tendo conseguido resposta positiva, encarregou o engenheiro militar Sargento Mór José Fernandes Pinto Alpoim para reformar as casas do Largo da Polé e convertê-las em casa de governo. Assim foi feito. Alpoim acrescentou um segundo andar ao conjunto, usou vergas curvas nos vãos das janelas pela primeira vez no Rio de Janeiro e, em 1743, era entregue a primeira casa de governo erguida especificamente para tal na Capitania. Foi casa dos governadores por vinte anos. Em 1763, quando se transferiu o Vice-Reinado da Bahia para o Rio de Janeiro, serviu como palácio de despachos do Vice-Rei Conde da Cunha, sendo então rebatizada para Paço Vice-Real. Paço, subentenda-se, é o diminutivo de palácio, haja vista as leis coloniais proibirem os prédios administrativos do Brasil terem tal alcunha. Quando da chegada da Côrte, em 1808, continuou o edifício a ser usado como palácio de despachos do Rei, ganhando a alcunha de Paço Real. Com a Independência, em 1822, Paço Imperial. Na República foi repartição geral dos telégrafos, sendo apenas restaurado em 1980 e reaberto cinco anos depois como centro cultural. Ocorreram no Paço alguns eventos históricos significativos. Em 09 de janeiro de 1822, D. Pedro chegou à sétima sacada do sobrado para informar ao povo que ficava no Brasil. A 13 de maio de 1888, a sua neta, Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, informava da sacada central que não tínhamos mais escravos em nossas terras. Pela porta principal D. Pedro II e sua família saíram para o exílio a 17 de novembro de 1889, para nunca mais volverem vivos à terra brasileira. Do outro lado da praça, existiam umas casas postas ao chão em 1743, para naqueles terrenos subir uma série de sobrados da família do Juiz de Órfãos Antônio Telles de Menezes. Projetadas pelo engenheiro Alpoim, possuíam um notável arco abatido que passava pela travessa do mercado de peixe, hoje rua do Comércio. Este arco, apelidado de “do Telles”, era muito mal freqüentado, tendo sido conhecido nos primeiros anos do século XIX como reduto da bruxa Bárbara dos Prazeres, ex-prostituta, famosa por produzir poção rejuvenecedora com sangue de crianças. Na casa ao lado, onde hoje está a Tabacaria Africana, funcionou de 1747 a 1790 o Senado da Câmara, nome pomposo que tomou a Câmara de Vereadores depois de 1757, e que lá foi vítima de pavoroso incêndio, a 20 de julho de 1790, o qual, curiosamente, só queimou alguns documentos específicos sobre posses territoriais. O primeiro chafariz da cidade foi inaugurado no Largo da Carioca em 1726 pelo Governador Aires de Saldanha e Albuquerque e recebia as águas do Rio Carioca, canalizados por possante aqueduto inaugurado na mesma ocasião. Em 1747, o Governador Gomes Freire inaugurou outro chafariz, este já no Largo do Paço, no local onde em 1894 se ergueu o monumento à Osório. Durou pouco tempo esse chafariz, que era em mármore de lióz. Em 1779, o Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza iniciou um terceiro, na borda do mar, bem como um novo cais de pedra. Fez o projeto do novo chafariz o mulato Mestre Valentim da Fonseca e Silva, com ajuda do engenheiro Jean Jacques Funck. Inaugurado em 1789, fornecia água não só à cidade como aos barcos que ali acostavam. Foi afastado do mar por vários aterros depois de 1838. Quando D. João aportou nele em 1808, estava o Largo do Paço já ornado com seus principais marcos culturais. 3 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com O COMÉRCIO NA PRAÇA XV E ARREDORES Em matérias anteriores, escrevi sobre a Praça XV de Novembro e arredores, sua história e seus prédios antigos. Agora, escrevo sobre um assunto pouco enfocado: a sua importância para o comércio da cidade. Já em 1570, uma construção, à beira mar, definiria o futuro logradouro: a ereção da capela de Nossa Senhora da Expectação e do Parto, ou, como era mais conhecida, Nossa Senhora do Ó. Em sua frente, surgiu um descampado onde as pessoas se reuniam antes das missas, um adro, o qual, inicialmente, era muito amplo. Em 1589, quando a capelinha foi doada aos frades carmelitas, eles mudaram a invocação do templo para Nossa Senhora do Carmo e ao seu lado construíram em 1619 um convento. Anos depois, edificaram à sua frente algumas casas que alugavam a terceiros. Em 1605, o Governador Martim de Sá mandou erguer nas proximidades da rua Direita um forte, o qual deu o nome de “da Cruz”, cujo objetivo era proteger os desembarques dos navios que ali aportavam. Dez anos depois, a Câmara de Vereadores legislou no sentido de não se erguer defronte aos prédios do convento e forte construção alguma, com o fito de preservar aquela área como “rocio” da cidade. Rocio era o nome lusitano para “praça de comércio”, já determinando a primeira função institucional do local. No início do século XVII, duas instituições destinadas a estimular o comércio na jovem colônia foram estabelecidas em suas proximidades. Uma foi a Câmara de Vereadores, trazida do Morro do Castelo para um terreno ao lado da Igreja de São José em 1619. Era função dos vereadores, dentre outras, a de fiscalizar o comércio, bem como guardar os pesos e medidas oficiais, legislar sobre preços e custos, e colocar num poste de madeira, o “pelourinho” as novas leis exaradas, bem como os nomes dos fora-da-lei, comerciantes ou não. A câmara era situada onde hoje está o Palácio Tiradentes e foi, até 1808, a sede do Poder Legislativo Municipal. A outra foi a Alfândega, ou, como era poeticamente conhecida, a “casa de ver-o-peso”. Foi instalada em 1613 defronte ao caminho do “Capoeirussú” (literalmente “Capoeira Alta”, em tupi), depois rebatizado para Rua da Alfândega. Desde fins do século XVII até 1808 sua direção coube, por hereditariedade, à família Nascentes Pinto. A Alfândega fez crescer o pequeno comércio que marcaria a fisionomia das ruas do Ouvidor até a da Alfândega. Está aí a origem do popular “SAARA”, a primeira grande área de comércio popular da cidade. A importância do sítio logo cresceu e, dentre os nomes que a praça ganhou ainda no século XVII, estavam o de “Largo do Carmo”, “Terreiro da Polé” (Polé e pelourinho são a mesma coisa), “Terreiro do Carmo”, e outras denominações efêmeras. Entretanto, a cupidez estava falando mais alto e a Câmara de Vereadores tentou lotear o largo com o objetivo de ali construir casas que seriam vendidas (por coincidência, claro...) aos parentes dos próprios vereadores. Isso motivou um protesto dos frades carmelitas ao Rei Pedro II de Portugal, o qual, determinou, por Decreto de 27 de novembro de 1686, que ninguém construísse sobre o Terreiro do Carmo, pois sua existência era por demais importante como área comercial. Até prova em contrário, esta é a data oficial de nascimento da futura Praça XV de Novembro. No século XVII a grande falta de numerário no mercado fez com que o Governador Salvador Correia de Sá e Benevides autorizasse o pagamento de impostos em gêneros, e, como o principal gênero de produção no Rio de 4 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Janeiro daqueles tempos era o açúcar, todo mundo passou a pagar ao governo com caixas de açúcar. Logo os armazéns do governo ficaram abarrotados de açúcar, o que causou grande depreciação do produto. Para resolver o problema, agravado desde 1686 com a descoberta de ouro em Minas Gerais, resolveu o Rei Pedro II de Portugal transferir, em 1698, a casa da moeda, da Bahia para o Rio de Janeiro, acomodando-a num armazém no Terreiro do Paço, exatamente onde hoje se encontra o prédio do Paço Imperial. Em 1710 o Rio de Janeiro foi atacado pelas tropas francesas chefiadas pelo Corsário Jean François Duclerc, sofrendo o inimigo fragorosa derrota quando já havia chegado aos limites do Terreiro do Carmo. No ano seguinte, outro Corsário, René Duguay Trouin, foi mais bem sucedido, tomando a cidade após curta batalha e saqueando os armazéns do Terreiro do Carmo por mais de trinta dias, quando se retirou vitorioso para a França. Em 1743, o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, inaugurou no antigo Terreiro do Carmo a nova Casa dos Governadores, projetada pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim onde estavam os Armazéns Reais e a Casa da Moeda. O Paço substituiu a pequenina casa que os governadores ocupavam desde 1624 na antiga rua Direita, onde hoje está o prédio do Centro Cultural do Banco do Brasil. Vinte anos depois, o Terreiro, já rebatizado para Largo do Paço, passaria a sediar o Vice-reinado do Brasil, sendo seu primeiro Vice Rei o Conde da Cunha. Ele e seus sucessores se preocuparam com dois assuntos básicos da colônia: proteger a cidade de ataques estrangeiros promovendo a melhoria das fortificações e igualmente proteger o rico comércio do Rio de Janeiro, cujo ouro em circulação desenvolvera muito nos últimos anos. Quando o Príncipe D. João desembarcou, em março de 1808 no Largo do Paço, este já estava firmado há muitos anos como a praça comercial mais importante do reino português. D. João teve apenas que continuar o trabalho de seus antecessores. Já em 1808 ele liberou os portos brasileiros às nações amigas, e, em outubro do mesmo ano criou o Banco do Brasil, instalado num casarão da rua Direita. Onze anos depois, o comércio havia florescido tanto que se tornou necessário criar a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro, antepassada direta de nossa Bolsa de Valores. O prédio ainda está lá, na rua Visconde de Itaboraí, sendo hoje sede da Casa França Brasil. Estavam, pois, criados todos os instrumentos legais que transformaram o pequeno Terreiro Carmo na mais importante praça comercial da América Latina, primazia que só perderia para São Paulo em fins do século XIX. Hoje, as velhas casas comerciais da Praça XV de Novembro e arredores estão sendo reabilitadas pelas obras da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, sendo suas fachadas tombadas pelos órgãos de proteção ao patrimônio histórico, e se tornando, aos poucos, importante atração para os turistas que desejam conhecer um pouco de nossa história. PAÇO IMPERIAL - PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO - CENTRO Nos primeiros cem anos de existência da cidade, os governadores da Capitania do Rio de Janeiro, geralmente membros da poderosa família Sá ou seus prepostos, governavam de suas próprias casas. Em 1643, a Metrópole concordou em pagar um aluguel para o Governador Luís Barbalho Bezerra, que, empobrecido e doente nas lutas contra os holandeses no nordeste, não possuía condições de se manter. Com a morte de Bezerra, em abril de 1644, 5 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com sua casa passou a ser a casa dos governadores. Era na rua da Candelária, defronte ao prédio onde hoje está a Associação Comercial. Em 1698, a Câmara adquiriu a grande casa de sobrado de Pedro de Souza Pereira e adaptou-a para sede do governo. Era exatamente onde hoje está o Centro Cultural do Banco do Brasil. Um sobrado na rua Direita, com doze janelas no pavimento e capela no térreo, onde depois de 1743 funcionou a Casa Real dos Contratos, até 1808. Sediou depois diversas repartições públicas até ser demolida em 1870 e substituída pelo prédio atual. No Largo do Carmo, no local onde surgiu o Paço, existiam desde o século XVII algumas casas térreas que pertenciam ao patrimônio do Convento do Carmo, sendo alugadas a terceiros. Em fins do século XVII, foram adquiridas pela Câmara e demolidas, subindo em seu local o Armazém Real, onde eram guardados os carregamentos de sal e açúcar, bem como, desde 1698, a Casa da Moeda, transferida da Bahia para o Rio de Janeiro no ano anterior. Quando da ascensão de Gomes Freire de Andrade ao governo da Capitania do Rio de Janeiro, em 1733, ainda estava alojado o governador no sobrado da rua Direita. Achando-se mal acomodado, fez gestões junto à Metrópole para construção de nova sede governamental. Em 1738 chega ao Rio de Janeiro o engenheiro militar e Sargento-Mór (depois Brigadeiro) José Fernandes Pinto Alpoim. Gomes Freire logo o incumbiu de preparar a nova sede da Capitania. Alpoim aproveitou as construções existentes no Largo do Carmo, respectivamente os prédios do Armazém Real e Casa da Moeda, acrescentando-lhes um segundo pavimento, com janelas de sacada em arco abatido, novidade na colônia, tendo sido erguido mais um pavimento, o terceiro, dando para o Largo do Carmo, com quatro janelas. No térreo, manteve as janelas com vergas retas. Internamente, era o prédio ventilado por quatro pátios internos, ficando a área social e de trabalho no sobrado e voltadas para o mar, os aposentos para o Largo do Carmo e as dependências de serviço no térreo e sobrado, dando para a rua Direita. No térreo da fachada do Largo do Carmo continuaram a funcionar o Real Armazém e a Casa da Moeda até 1808. Foi todo o conjunto inaugurado em 1743 e inicialmente denominado nos documentos oficiais de “casa de governo”, haja vista uma lei do século XVII que proibia a construção de palácios em colônias de Portugal, estando tais residências apenas restritas a príncipes e nobres de sangue real. Nos vinte anos em que funcionou como casa dos governadores, talvez o fato mais pitoresco ali ocorrido tenha sido o baile oferecido aos oficiais franceses da esquadra do Conde D`Aché, chegados ao Rio de Janeiro em setembro de 1757. O Conde ofereceu uma recepção a Bobadela num de seus navios. Bobadela, por sua vez, diplomaticamente, ofereceu outra na casa do governo. Os franceses ficaram decepcionados, pois ao chegarem na casa, descobriram que não haviam mulheres na festa, e sim alguns rapazes travestidos. Bobadela explicou-se, afirmando que o povo não permitia a saída de mulheres para tal festividade, tendo os franceses que se contentar com o que ele pôde conseguir. Guardadas as devidas proporções, foi o primeiro baile de travestis do Rio de Janeiro. Com a transferência do Vice-Reinado da Bahia para o Rio de Janeiro, em princípios de 1763, passaram os vice-reis a administrar a colônia do edifício no Largo do Carmo, que passou a ser conhecido então como Paço, diminutivo lusitano de Palácio. O primeiro Vice-Rei, Conde da Cunha, não gostou do 6 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com prédio, tencionando sua transferência para o Colégio dos Jesuítas, no morro do Castelo, iniciativa gorada por sua substituição em 1767. Da administração do Conde de Azambuja, D. Antônio Rolim de Moura, pouco sabemos, haja vista o precário estado de saúde deste dirigente, que ficou menos de dois anos no cargo. Quanto ao seu sucessor, o Marquês de Lavradio, sabemos que residia na rua de seu nome, aberta em 1771, numa casa ainda existente. Ou seja: provavelmente o Paço era mais usado como local de trabalho que residência oficial, o que foi referendado pela Família Real depois de 1808. Com a chegada da Côrte neste último ano, o prédio foi promovido a Paço Real, e era realmente utilizado como palácio de despachos. D. João nele ficava nos horários da tarde, morando efetivamente em São Cristóvão. Só pernoitava no Paço quando as condições ou alguma cerimônia especial assim o exigia. Ainda em 1808 foi o Paço ligado ao Convento do Carmo por um passadiço, estabelecendo-se ali sua mãe, a Rainha D. Maria I, a Real Ucharia, o Real Gabinete de Física e, depois de 1810, a Real Biblioteca. A casa da moeda foi para um prédio na rua da Lampadoza, onde existira o primeiro museu da cidade. Um outro passadiço foi construído, ligando o Paço ao antigo sobrado da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para acomodação de funcionários da Casa Real. Foi o Paço Real a primeira casa na América a acomodar um Rei europeu sagrado em nosso solo, pois foi D. João assim entronizado em 1818, numa cerimônia inédita e única ocorrida no Largo do Carmo, onde se montou enorme pavilhão para a cerimônia. Na fachada dando para o mar, foi construída em 1817 um corpo elevado, onde se colocou a sala do trono, a primeira das Américas. Colocou-se na mesma ocasião quatro colunas internas para suportar o novo pavimento (estas colunas foram retiradas na restauração de 1980). Quando o Rei jurou a nova Constituição portuguesa, em fevereiro de 1821, o povo não esperou sua carruagem atingir o Paço vinda de São Cristóvão. Cercaram-no ainda na rua Direita, retiraram-no de dentro e carregaram-no nas costas, em triunfo. O Rei, assustado, desmaiou pensando que iam matá-lo. Levado ao Paço, verificou-se que estava bem, exceto por seus objetos pessoais, que haviam desaparecido. Foi no Paço que D. João VI transferiu ao filho, o Príncipe D. Pedro, o governo em 1821, dando o célebre conselho de que “...se o Brasil se libertar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que a qualquer um destes aventureiros...”. Foi nele que a 09 de janeiro de 1822, o Príncipe recusou-se a voltar à Portugal, permanecendo no Brasil, atendendo às súplicas do povo, transmitidas ao jovem príncipe pelo Presidente da Câmara de Vereadores, o Juiz José Clemente Pereira. Teria dito o Príncipe: “...se é para o bem de todos, e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico. E recomendo a todos união e tranqüilidade...”. Com este gesto simples, abriu o Príncipe o caminho para nossa Independência política. No segundo reinado foi o Paço utilizado da mesma forma que antes, local para os despachos oficiais, residência eventual da Família Imperial e, ocasionalmente, local de hospedagem de visitantes ilustres. Sofreu grandes reformas em 1841/45, quando lhe acrescentaram platibandas (removidas depois), bem como tendo sido fechado um de seus pátios, convertido em salão dos “Archeiros do Paço”. Mesmo depois destas reformas, conta-se que o Paço logo arruinou-se, bastando dizer que muitas de suas salas estavam já interditadas na década de setenta, com ameaça de desabamento. Isso não impediu que a Princesa Isabel Regente, na ausência de seu pai, o Imperador 7 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com D. Pedro II, que estava na Europa em tratamento médico, nele assinasse a lei no. 3.353, a 13 de maio de 1.888, a Lei Áurea, que libertou os escravos no Brasil. Dezoito meses depois, do Paço saía para o exílio o Imperador deposto pelo movimento de 15 de novembro de 1.889, partindo a Família Imperial para a Europa na madrugada do dia 17, depois de dois dias de prisão domiciliar no velho Paço. Foi, sem dúvida alguma, o episódio mais dramático e o mais constrangedor da jovem República nascente. A República não quis saber de utilizar o velho edifício para fins de sede do governo. Leiloado o mobiliário interno do prédio em 1890, foi o mesmo cedido ao Ministério da Instrução e dos Correios, então dirigido por Benjamin Constant, e convertido em Repartição Geral dos Telégrafos, depois, dos Correios e Telégrafos, atividade que, com poucas alterações, manteve por oitenta anos. Quase demoliram o velho Paço em 1919, para ali se construir a nova sede do poder legislativo federal, idéia abortada pelo Senador Paulo de Frontin. Reformado em 1929 durante a Presidência Washington Luís, foi acrescido de mais um pavimento. O prédio foi tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em abril de 1938, eliminando assim cogitações por sua demolição, tão desejada por famosa autarquia federal que almejava ali levantar sua sede geral. Em 1980 o então prédio da Repartição Geral dos Correios e Telégrafos foi permutado com o Ministério da Cultura, sendo submetido a uma restauração integral pelo arquiteto Glauco Campello do SPHAN, que lhe restituiu as formas de 1818. Foram retirados todos os acréscimos, reconstituindo-se assim a ambiência primitiva. Reinaugurado em 1985, foi convertido em centro cultural, o primeiro no centro da cidade, ponto de partida da revalorização da área central do Rio de Janeiro, tarefa que continua a acontecer no século XXI. No mês de outubro de 1987, ocorreu o último episódio político no Paço, quando um agitador à mando de determinada facção política bateu com uma picareta no vidro no ônibus que conduzia o então Presidente da República, José Sarney, que ia inaugurar uma exposição. O Presidente nada sofreu além do susto, o que não deixa de ser um final feliz, porém, até melancólico para um prédio histórico que foi palco das mais importantes decisões brasileiras em duzentos anos. JOSÉ FERNANDES PINTO ALPOIM - DADOS BIOGRÁFICOS Nasceu em Viana do Castelo, Portugal, a 14 de julho de 1700, filho do Sargento-Mór Vasco Fernandes Alpoim e de sua mulher, Da. Revocata Pinto. Seguiu carreira militar, onde chegou também à Sargento-Mór antes de vir para o Brasil. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em definitivo, em 1738. Exerceu suas atividades de engenheiro no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. No Rio deixou as seguintes obras: reconstrução do Aqueduto da Carioca (1738/44); Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (1738/56); Casa de Câmara e Cadeia (1738/50); Casa dos Governadores (1740/43); Hospício dos Barbonos (1742); arruamento do Largo de São Francisco (1742); Igreja da Sé (inacabada, 1742/95); Convento da Ajuda (1742/50); Claustro do Mosteiro de São Bento (1742/55); Casas dos Telles de Menezes (1743/47); Convento de Santa Teresa (1744/63); Chafariz do Largo do Paço (1747); fachada da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso (1760). 8 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Possivelmente são obras suas: Convento do Carmo (1750); Convento Franciscano de Santo Antônio (1750); Igreja do Carmo da Lapa (1751); Casa do Trem (1762), e todas as fortificações executadas na cidade entre 1738 e 1765, as quais eram a sua função principal de estar aqui. Em Minas Gerais, deixou as seguintes obras: Palácio dos Governadores de Ouro Preto (1738/56); Cadeia de Ouro Preto (1745/50, não construída); Planta da Cidade de Mariana (1738). No Rio de Janeiro, foi Mestre e fundador da Aula de Artilharia da cidade. Escreveu dois livros: Exame de Artilheiro (1744); Exame de Bombeiro (1748), sendo que o primeiro foi impresso no Brasil. Em 1760, atingiu o posto de Brigadeiro. Com a morte de Gomes Freire de Andrade, em janeiro de 1763, ficou no governo da Capitania, junto com o Bispo Frei Antônio do Desterro até a chegada do novo Vice-Rei, Conde da Cunha. Faleceu no Rio de Janeiro a 07 de janeiro de 1765, sendo enterrado no Convento de Santa Teresa. Serviu no Brasil 26 anos, 02 meses e 15 dias. GOMES FREIRE DE ANDRADE - DADOS BIOGRÁFICOS Militar e político, nasceu em Portugal em 1685. Ganhou do Rei D. João V o título de Conde de Bobadela. Nomeado em 1733 Governador e CapitãoGeneral do Rio de Janeiro, administrou esta capitania por vinte e nove anos e seis meses. Na cidade, deixou as seguintes obras: fez a Fortaleza de São José, na Ilha das Cobras (1733-39); mandou derrubar o muro da cidade (1733); fundou o Recolhimento do Parto (1736); reconstruiu o Aqueduto da Carioca (1738-44); construiu em 1740/43 a Casa dos Governadores (hoje Paço Imperial), no Largo do Carmo; mandou arruar o Largo de São Francisco (1742); fundou o Convento de Santa Teresa (1744-63), no Morro do Desterro; construiu o primeiro chafariz, no Largo do Carmo (1747); elevou a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro à condição de Senado (1747); remodelou as fortalezas de Santa Cruz e Villegaignon; cumprindo ordens de Portugal, procedeu ao seqüestro dos bens e expulsão dos padres jesuítas do Brasil (1759); construiu a Casa do Trem (1762), na Ponta do Calabouço; fundou as academias literárias “dos felizes” e “dos Seletos”, fundou a primeira tipografia do Rio de Janeiro, a de Antônio Isidoro da Fonseca; e muitas obras edílicas e administrativas de relevância. Administrou conjuntamente as Capitanias de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande. Em Minas Gerais, mandou construir um novo Palácio dos Governadores de Vila Rica (1741, hoje Museu da Escola de Minas e Mineralogia) e ordenou o arruamento da Cidade de Mariana (1738). Participou, como Ministro Plenipotenciário, das conferências internacionais sobre os limites do Brasil com os territórios de Espanha, logrando anexar à Portugal o Território das Missões. Venceu os índios guaranis nas missões jesuíticas ao sul do país. Foi denominado de “Pai da Pátria”, pelo Senado da Câmara. Com a invasão espanhola da Colônia do Sacramento, na Cisplatina, foi considerado culpado por essa derrota pela metrópole lusitana, caindo em depressão. Faleceu a 1o. de janeiro de 1763, no Rio de Janeiro. CHAFARIZ DE MESTRE VALENTIM - PRAÇA XV O primeiro chafariz do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1726 pelo Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque no Largo da Carioca. Esta obra coroou os esforços de mais de cem anos na luta pelo abastecimento de água 9 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com da cidade, até então precaríssimo. Até aquela época, os escravos apanhavam água na nascente do Rio Carioca, no Silvestre e vendiam-na na cidade por altos preços. Deste primeiro chafariz puxaram diversos ramais, que abasteceram os outros que depois se fizeram no Largo do Paço. Em 1747, o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, mandou erguer o primeiro chafariz no Largo do Paço, mais ou menos onde hoje se encontra o monumento ao General Osório. Era de mármore de Lióz, cuja planta proviera de Lisboa. Mais decorativo que funcional, não durou muito, sendo quebrado pelos aguadeiros que nele iam buscar a preciosa linfa. Em 1779, o Vice-Rei Luís de Vasconcellos e Souza ordenou a construção de novo chafariz no Largo do Paço, obra que não só abastecesse a cidade como aos barcos que ali aportavam. Na mesma época, seria construído um cais em pedra retificando o Largo, cujo projeto estava esboçado desde 1713, mas que nada se fizera até aquele momento. Incumbiu dessa missão o engenheiro militar Jean Jacques Funck, que projetou o novo cais em pedra, com escadas e rampas, e fez, ao menos, dois esboços para um novo chafariz colado ao dito cais de acostamento. Quanto a estes últimos, o primeiro esboço mostrava um chafariz horizontal, à semelhança do que fora feito no Largo da Carioca. O segundo esboço, executado em 1780, era de um chafariz vertical, feito em pedra, donde a água escorria por conchóides e baleias dispostas artisticamente pelos lados. Parece que o Vice-Rei não gostou dos dois desenhos, e teria então encomendado um terceiro ao Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que se baseou no segundo esboço de Funck, mas alterou-o substancialmente nos detalhes. É este o desenho que foi aprovado e executado. Construído em gnaisse facoidal, com detalhes em mármore de Lióz, foi coroado com um mirante e pirâmide. Dele saíam água por três conchóides, ficando no muro do cais duas outras saídas para abastecimento dos navios. Por algum motivo a obra se atrasou muito, sendo apenas entregue ao uso em 29 de abril de 1789. Numa placa de mármore adossada ao monumento, era louvada a figura de D. Luís de Vasconcellos e da Rainha D. Maria I, a quem o monumento era dedicado. Em estilo barroco e com fachadas curvilíneas, era de grande expressividade plástica e impressionou muito os visitantes que desde os fins do século XVIII descreveram-no com entusiasmo. Seria de uma escada lateral ao dito chafariz que o Príncipe D. João desembarcou no Largo do Paço, num festivo 08 de março de 1808, para uma longa permanência de 13 anos. Por esta mesma escada partiria choroso para Portugal. Por outra próxima, seu filho, o Imperador D. Pedro I partiria para o exílio a 07 de abril de 1831 e, por sua vez, por ali igualmente D. Pedro II sairia destronado na madrugada de 17 de novembro de 1889. Serviu de tribuna ao político republicano Lopes Trovão, quando da revolta popular em janeiro de 1880 pelo aumento das passagens de bondes (Revolta do Vintém). Quanto ao cais, foi aterrado em 1838 pela Regência, haja vista o assoreamento da praia. Sofreria outros cinco aterros até 1906, quando o ganhou os contornos definitivos, afastando o mar do velho chafariz. O chafariz forneceu água até 1896, com o desmonte do Aqueduto da Carioca, ficou como monumento inerte do passado até 1975, quando uma obra da CEDAE restaurou por alguns anos o fornecimento de água. Transformado por isto em banheiro de mendigo, foi restaurado em 1985, sendo-lhe restituído à luz o velho cais colonial, sem, no entanto, conseguir-se restituir sua primitiva 10 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com função de verter água. Esta obra não deu certo e novamente o chafariz tornouse pouso de desocupados e banheiro publico. Submetido a grandes obras em 1995, foi-lhe recomposto outra parte do velho cais, que agora ficou à mostra graças às obras de abertura da passagem subterrânea de veículos (apelidada de “buraco do Conde”), que lhe desobstruiu a fachada voltada para o mar. Ainda é uma meta do IPHAN torná-lo a verter água, se possível, pelos antigos canos coloniais de pedra, que em grande parte ainda existem no subsolo da rua Sete de Setembro. O monumento é tombado pelo IPHAN. MESTRE VALENTIM DA FONSECA E SILVA - DADOS BIOGRÁFICOS Nasceu em Serro Frio, Minas Gerais, em c. 1745. Era mulato, filho de um fidalgo português, contratador de diamantes, e de uma negra escrava. Foi escultor, entalhador e arquiteto, conhecido vulgarmente como Mestre Valentim, ativo no Rio de Janeiro. Estudou em Portugal, onde teve contato com o estilo rococó. De volta ao Rio de Janeiro, executou em 1774 o altar-mór da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, na rua do Rosário. No mesmo ano, trabalhou com Luís da Fonseca Rosa, talvez seu parente, na talha da capelamór da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita, tarefa que durou até 1778. Já independente, fez o altar-mór da Capela do Noviciado da mesma igreja (1774), executando vinte anos depois o altar de Nossa Senhora das Dores, sua primeira experiência com o estilo rococó. Em 1779, iniciou as obras do Passeio Público, inaugurado em 1783, bem como o Chafariz dos Jacarés e a Fonte do Menino; dois anos depois, terminou o Chafariz das Marrecas, na rua dos Barbonos (Evaristo da Veiga); fez o Chafariz do Largo do Paço (1779-89); reconstruiu o Recolhimento do Parto (1789), hoje destruído; fez o Chafariz das Saracuras (1791); as Pirâmides do Passeio Público (1791); e o Chafariz do Lagarto, na rua Frei Caneca; fez dois lampadários em prata para a capela do Mosteiro de São Bento (1793); e outro para a Igreja de Santa Rita; executou a talha da capela-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares (1801-12); idem, da capela-mór e de Nossa Senhora das Vitórias da Igreja de São Francisco de Paula (1801-1813); idem da Igreja de São Pedro dos Clérigos (destruída), Igrejas do Carmo da Lapa e da Candelária (também removida), e outras. Foi o primeiro artista a fundir ligas metálicas e bronze para fins artísticos no Brasil. Produziu igualmente peças em porcelana, as primeiras no Brasil, bem como decorações para festas, jóias, etc. Não era santeiro, entretanto, fez duas imagens em tamanho quase natural de São João e São Mateus, para a Igreja da Santa Cruz dos Militares. Teve muitos discípulos. Faleceu solteiro na Rua do Sabão, a 01o. de março de 1813, sendo sepultado na Igreja do Rosário. BOLSA DE VALORES - RUA DO MERCADO C/ PRAÇA XV - CENTRO Em 1835, a Ilustríssima Câmara Municipal decidiu a construção de um mercado que ordenasse a venda de pescado, e outros gêneros, até então feita em velhas barracas de madeira e pano, na antiga Praia do Peixe, embocadura da rua do Ouvidor. O arquiteto Auguste Henry Victor Grandjean de Montigny foi encarregado do projeto, e o imóvel edificado em 1842, ocupava todo o quarteirão onde hoje se ergue a Bolsa do Rio, em frente ao Chafariz de Mestre Valentim. O prédio original era térreo, mas em 1870 foi arrendado ao Coronel Antônio José Silva, que fez erguer um segundo pavimento, inaugurado em 11 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 1872. Na praça central do mercado havia um chafariz de granito, do qual a água jorrava, através de golfinhos de bronze. O mercado da Praça XV foi demolido depois de um incêndio, em 1911. Em maio de 1934 uma nova obra iniciava mais um marco na Praça XV de Novembro. Começava a construção do antigo prédio da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, na esquina da rua do Mercado. A Bolsa estava desde 1906 no prédio da antiga Praça do Comércio, na rua Primeiro de Março, onde hoje está sediado o Centro Cultural do Banco do Brasil. Em 1924 a Bolsa entrou em gestões com o Banco do Brasil, que cobiçava o edifício. O Banco deu em troca sua antiga sede, na rua da Candelária e o terreno da rua do Mercado com Praça XV, que era de sua propriedade desde o princípio do século. Em 1926 a troca foi realizada, indo a Bolsa de Valores para a rua da Candelária e o Banco do Brasil para a rua Primeiro de Março. Logo o prédio da rua da Candelária mostrou-se inadequado para as crescentes funções da Bolsa de Valores, que levou a construção da nova sede em 1934 na Praça XV. No antigo terreno da rua da Candelária ergueu-se, em 1935, o Palácio do Comércio. Sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Em sua nova sede, a Bolsa de Valores funcionou por quase seis décadas, período de grandes transformações e desenvolvimento do mercado de capitais. Ao longo deste tempo foram sendo adquiridos os imóveis anexos e, hoje, a Bolsa do Rio está sediada em toda a quadra composta pela Praça XV, avenida Perimetral e ruas do Mercado e do Ouvidor. Em outubro de 1996 foi inaugurado o primeiro bloco do novo prédio da Bolsa do Rio, na mesma histórica Praça XV, em cujas cercanias teve sua sede desde sempre. Projeto do arquiteto Maurício Roberto, é o mais moderno e atualizado edifício de todo o entorno da Praça. Em fins de 1999 foi demolido o velho prédio da Bolsa, de 1934, para se erguer ali o segundo bloco, que irá compor com o já existente um arrojado conjunto arquitetônico, fronteiro ao chafariz projetado por Mestre Valentim no século XVIII. Serão dois marcos e dois estilos, simbolizando as mutações e, ao mesmo tempo, a perenidade do antigo Largo do Paço. MONUMENTO AO GENERAL OSÓRIO - PRAÇA XV DE NOVEMBRO Monumento localizado na Praça XV de Novembro, obra do escultor Rodolfo Bernardelli. Sua estátua foi fundida com o bronze dos canhões tomados ao inimigo durante a Guerra do Paraguai e foi promovida sua ereção pela Sociedade Sul Riograndense do Rio de Janeiro, tendo sido organizada uma subscrição popular que começou em 1880 e durou quatorze anos. Pagouse 500 réis “per capita”. No pedestal de granito de Baveno, dos Alpes austríacos, estava até 1994 o corpo embalsamado de Osório, ali depositado em 1894. Existem dois baixos-relevos em bronze: um representando a batalha de 24 de maio de 1866, Tuiuti, e o outro, o ataque de Passo da Pátria. A estátua eqüestre, fundida em Paris, nas oficinas de Thibaut, foi colocada em agosto de 1893, sendo inaugurada a 12 de novembro de 1894, com a presença do Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, ministros e demais autoridades. Representa a figura de Osório, montado a cavalo, ligeiramente inclinado para direita, com a espada em punho. Foi motivo de grandes críticas à época o fato de Osório estar representado usando calçados comuns, e não a tradicional bota de cano alto, 12 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com própria para montaria e parte constante do uniforme de general. O escultor Bernardelli explicou o motivo de tal modificação. Na maquete em gesso, hoje no Museu Histórico Nacional, Osório foi representado de botas. Convocada a única filha viva do general para opinar, Da. Manuela Luísa Osório Mascarenhas, informou que o pai não se servia de tal apetrecho, pois tendo sido ferido nos pés durante a Campanha do Uruguai, estes infeccionaram, tendo sido a chaga agravada por problemas de pele e circulação. Osório passou a não mais usar botas, já que a ferida não mais cicatrizou e dava-lhe grande tormento calçar coturnos. Lutou toda a Guerra do Paraguai descalço, só usando sapatos em cerimônias oficiais. Bernardelli, não o querendo representar descalço e, ao mesmo tempo, atendendo ao reclamo da filha, colocou o velho cabo-de-guerra com mocassins de passeio. MANUEL LUÍS OSÓRIO (MARQUÊS DE HERVAL) - DADOS BIOGRÁFICOS Militar e político, nasceu em Santo Antônio do Arroio, Rio Grande do Sul, em 1808. Sentou praça com doze anos. Alferes com menos de 17 anos, participou dos combates no sul do continente, desde a Guerra Cisplatina, com as batalhas de Sarandi e Passo do Rosário (onde foi ferido), insurreição Farroupilha (1835-45) e Montecaseros. Organizou, no Rio Grande do Sul, a Força Brasileira que tomou parte na Guerra do Paraguai (1864-70), tendo sido o primeiro a pisar o solo inimigo (1866). Distinguiu-se nas Batalhas de Tuiuti (24 de maio de 1866), Humaitá (19 de fevereiro de 1868) e Avaí (dezembro de 1868), na qual foi ferido na boca. Assumiu, em 1877, o mandato de senador, tendo sido ministro da Guerra no Gabinete Liberal do Visconde de Sinimbu. É o patrono da arma de cavalaria. A casa em que morou e faleceu, na rua Riachuelo, no Rio de Janeiro, foi tombada em 1966 e desapropriada a fim de tornar-se um museu militar. Faleceu no Rio de Janeiro em 1879. RODOLFO BERNARDELLI - DADOS BIOGRÁFICOS Escultor, nasceu em Guadalajara, México, em 1852, irmão de Henrique Bernardelli; veio criança para o Brasil, tendo freqüentado a Academia Imperial de Belas Artes. Em 1876 ganhou o prêmio de viagem à Europa, onde permaneceu nove anos, a maior parte em Roma. Ao voltar, foi nomeado professor da Academia, e mais tarde seu diretor, cargo que ocupou até 1915. Sua produção é vastíssima em todo o Brasil, em especial o Rio de Janeiro, onde se destacam: Cristo e a Adúltera, no acervo do MNBA; Monumento a Osório, na Praça XV (1894); Monumento a José de Alencar, na Praça José de Alencar (1897); Monumento à Caxias, no Pantheon de Caxias (1897); Monumento à Carlos Gomes, na Cinelândia (1898); Descoberta do Brasil, na Glória (1900); Busto de Pereira Passos, atrás da Igreja da Candelária (1913); Esculturas da cobertura do Teatro Municipal (1906-09); Esculturas do prédio do MNBA (1903-08); fora bustos, hermas, placas e monumentos por toda a cidade, bem como alguns túmulos. Praticou também a pintura, mas nesse campo foi obscurecido pelo irmão. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931. IGREJA DE SÃO JOSÉ - AVENIDA PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS Não se sabe exatamente a data de fundação desta capela, pois seus documentos de há muito foram perdidos. Provavelmente já existia em fins do 13 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com século XVI, pois é citada num documento de 1619. De 1633 a 1640 foi reconstruída em pedra e cal por Egas Muniz. Por algum tempo, o cabido da Sé a utilizou como Matriz provisória, de 1704 a 1734, mas seu tamanho limitado logo impossibilitou um culto maior. Em 1751 foi elevada à condição de Igreja Paroquial. Em 1807 a Irmandade resolveu construir novo templo, haja vista o estado ruinoso do antigo. A 22 de dezembro de 1808 foi lançada a pedra fundamental com a presença do Príncipe D. João. A 10 de abril de 1824, o templo foi entregue ao culto ainda em obras, faltando o frontispício e a decoração interna. O projeto geral da igreja foi realizado por Félix José de Souza, que iniciou a construção, substituído em 1814 por João da Silva Muniz, arquiteto da casa real, e que também projetou o Real Teatro São João, em estilo neoclássico, no Campo dos Ciganos (onde hoje está o teatro João Caetano); e a Igreja do Santíssimo Sacramento, na avenida Passos. A igreja apresenta um risco clássico, com fachada ladeada por duas pesadas torres, sendo a nave única cercada por corredores encimados por tribunas, com sacristia transversal. A talha interna, de estilo rococó tardio, foi executada pelo artista brasileiro Simeão José de Nazaré, aluno de Mestre Valentim. Foi iniciada em 1824 e concluída em 1842. Em época posterior pintaram-na de branco. JOÃO DA SILVA MONIZ - DADOS BIOGRÁFICOS Arquiteto da Casa Real, veio com D. João para o Brasil em 1808, aqui exercendo seu ofício enquanto a Côrte permaneceu no Brasil. Remodelou a casa doada por Elias Antônio Lopes para receber o monarca e servir-lhe de moradia enquanto aqui permanecesse (1808-21); colocou o pórtico estilo Adam, na Quinta da Boa Vista (hoje entrada para o zoológico), doado pelo Duque de Northumberland à D. João (1810); realizou, em 1810, o plano do novo Real Teatro São João, no Campo dos Ciganos, cuja obra dirigiu (181013), hoje no local está o Teatro João Caetano; em 1814, fez o projeto para a nova Igreja de São José, ao lado da Cadeia Velha, que sugeriu ser mais larga que a anterior, o que foi aprovado e cuja obra dirigiu pessoalmente (1814-21); em fevereiro de 1816, fez o projeto da Igreja do Santíssimo Sacramento, com cinco altares, na rua da Lampadosa, atual avenida Passos, tendo igualmente dirigido os trabalhos (1816-21). Em agosto do mesmo ano, foi a São João Del Rei, opinar sobre o frontispício da Igreja do Carmo, cuja obra estava parada há muito tempo. Sugeriu que se demolisse o já construído e que se erguesse novo frontispício, segundo um outro plano, sugestão que foi seguida. No ano seguinte, em 1817, construiu a Varanda da Coroação, defronte ao Convento do Carmo, no Largo do Paço, que serviu não só ao fim original, como também à cerimônia de casamento de D. Pedro com a Princesa Leopoldina. Em 1821, jurou a nova Constituição de Portugal na qualidade de Primeiro Arquiteto dos Paços Reais. Voltou à Portugal com a Côrte no mesmo ano, nada mais se sabendo de suas atividades por lá. SIMEÃO JOSÉ DE NAZARÉ - DADOS BIOGRÁFICOS Escultor e entalhador. Nasceu no Rio de Janeiro em c. 1775, sendo batizado na Igreja da Candelária. Era filho de uma escrava com um boticário português, que no fim da vida tomou ordens sacras. Em c. 1795, seguiu 14 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com carreira de miliciano, assim permanecendo até 1801. Enviado para a oficina de Mestre Valentim, foi ironizado por este, retirando-se. Matriculou-se numa aula de música. A pedido de Valentim, retornou ao atelier do mestre, formando-se escultor. Praticava um estilo de talha tendente para o neoclássico, simples, limpa de ornatos e bem acabada. Ornou de talha a Igreja Paroquial da Vila de São João Marcos (destruída em 1941) e, no Rio de Janeiro, da Igreja de São José (1824-42). Faleceu no Rio de Janeiro em setembro de 1858, sendo enterrado no cemitério de São Francisco Xavier. A ORIGEM DA CÂMARA DE VEREADORES DO RIO DE JANEIRO. A primeira eleição para escolha de vereadores do Rio de Janeiro deu-se em dezembro de 1567, dois anos e nove meses após a fundação da cidade por Estácio de Sá. Votavam todos os homens da cidade, adultos, com residência fixa e sem passado criminoso. Curiosamente, escolhiam-se não os vereadores, mas sim doze eleitores, os quais, por sua vez, votavam em doze candidatos que não podiam ser parentes ou sócios dos eleitores. Os eleitos tinham seus nomes escritos em grupos de quatro em respectivas cédulas de couro envolvidas em cera, chamadas ”pelouros”, e postas dentro de um saco, donde uma criança sorteava uma delas, que era a dos vereadores sufragados. O mais velho era o Presidente da Câmara e Juiz Ordinário da Cidade, os dois do meio eram os vereadores e o último era o Procurador da Câmara. O mandato era de um ano, quando então procedia-se a outro sorteio que definia a chapa do ano seguinte. Os antigos vereadores passavam a servir como Juízes Almotacés, que eram os fiscais da Câmara. Os vereadores recebiam salário em cera, para fazer velas, e os Juízes Almotacés tinham direito a receber línguas de bois abatidos aos sábados. Só e nada mais. A sede da Câmara ficava num sobrado no Morro do Castelo, onde no térreo funcionava a cadeia, ficando os vereadores no andar superior. O povo já naquela época dizia que “quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão...” . Outra ironia é que o primeiro funcionário da Câmara foi o Procurador João de Prosse, nomeado por Estácio de Sá em julho de 1565, dois anos e meio antes da primeira eleição, tendo ficado todo esse tempo recebendo sem trabalhar. Um autêntico funcionário-fantasma! Ufa, ainda bem que isso é o passado... PALÁCIO TIRADENTES - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL Quando Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, transferiu a cidade do Rio de Janeiro do morro Cara-de-Cão para o do Castelo, ordenou a construção da primeira sede da Câmara de Vereadores no novo sítio. Era um sobrado, o primeiro da cidade, tendo no térreo a cadeia e no andar superior a vereança. Logo esta casa, construída em taipa e pouco sólida, apresentou problemas estruturais e uma série de reparos passaram a ser executados, sem que fossem capazes de impedir a ruína do prédio. Começou, então, a formar- 15 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com se no seio dos vereadores a idéia da transferência da casa para a várzea, até porque as principais autoridades da cidade para lá haviam se transferido. Em 1619 solicitou a Câmara de Vereadores um terreno ao lado da capela de São José. Tendo-o obtido, fizeram uma nova casa da câmara, térrea, e no mesmo ano para ela se transferiram. Erguida com material pouco sólido, sofreu inúmeras reconstruções e, por muito tempo, suas paredes foram seguras por pontaletes de madeira. Cem anos depois, teve-se início a uma construção mais sólida com projeto vindo de Portugal, um sobrado em pedra-ecal, cujas obras arrastaram-se por muitos anos, finalmente concluídas pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim em 1751. No térreo funcionava a cadeia pública e açougue da cidade, ficando a vereança e tribunal ordinário no andar superior. Seis anos depois, a câmara, agora elevada à “Senado da Câmara”, mudou-se para nova sede ao lado do “Arco do Telles”, no Largo do Paço, onde hoje está a “Tabacaria Africana” donde retornou em julho de 1790 após um incêndio criminoso naquela casa. Foi esta a cadeia que serviu de menagem aos personagens da “Conjuração Mineira”, onde todos foram reunidos entre 20 e 21 de abril de 1792. Dela saiu neste último dia o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes” (1746-92) para a fôrca, no Campo de São Domingos. Com a chegada da Família Real, em 1808, são os presos e a câmara desalojados para serem ali acomodados membros menores da nobreza e serviçais do Rei. Os detentos passam para o prédio do Aljube, antiga prisão eclesiástica, na rua do Aljube (hoje rua Acre). Os vereadores vão inicialmente para um sobrado na rua Direita, ao lado do “Estanco do Tabaco” (quase na esquina de rua do Ouvidor), mudando-se logo depois para uma casa na rua do Rosário e, finalmente, para a própria Igreja do Rosário, donde só saíram em 1825, já três anos depois da Independência, para sede própria levantada no Campo de Santana. Após a partida da Família Real, o prédio da velha “câmara-e-cadeia” foi convertida na sede da primeira Assembléia Nacional Constituinte, em 1823, tendo sido palco dos dramáticos episódios de novembro daquele ano, quando o jovem Imperador D. Pedro I mandou fechá-la sob ameaça de canhões. Funcionou dali por diante como Câmara de Deputados, sendo reformada muitas vezes, algumas já sob ameaça de desabamento. Durante todo o Império e princípios da República ali brilharam grandes homens cuja história enumera, em lista não pequena. De José Bonifácio, Antônio Carlos, Martim Francisco, até Afonso Arinos, Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, nomes que fizeram a história do país nos últimos duzentos anos. Continuou assim a ser usada na República, até que em 1920, já necessitando de inúmeros reparos, resolveu o Presidente da Câmara, Dr. Arnolfo de Azevedo, sua demolição e construção de novo edifício. Fez o projeto do novo edifício, batizado de “Palácio Tiradentes”, os arquitetos Archimedes Memória e Francisque Couchet, que se inspiraram no Grand Palais de Paris. Dum rebuscado ecletismo, onde não faltaram detalhes exóticos, como a imagem do Marechal Deodoro vestido à Romana, numa escultura do frontispício, bem como uma profusão de detalhes com “Fasces”, que eram pequenos troncos amarrados a um machado, utilizados de forma decorativa em vários elementos da fachada. Era no passado remoto o símbolo do Senado 16 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Romano, infelizmente convertido pelos radicais italianos em símbolo da ideologia “Fascista” depois de 1922. Quando foi inaugurado, em 1926, foi igualmente descerrada a imagem de Tiradentes, em bronze, colocado à frente do palácio, escultura de Francisco de Andrade, e que foi alvo de reparos à época, pois representava o Alferes Mór do Brasil muito velho, vestindo uma túnica de condenado que lembrava desagradavelmente uma camisola de dormir. Representava-o, igualmente, barbado e cabeludo, atributos pilosos que à época, já se sabia que Tiradentes nunca os tivera. Fechado o Palácio pela Revolução de 1930, reabriu suas portas três anos depois para sediar a segunda Assembléia Nacional Constituinte da República, que elaborou nova e moderna constituição ano seguinte, bem como nela empossou o Presidente eleito pelo Congresso, Getúlio Vargas. Em 1937, seria novamente o Tiradentes fechado, agora devido ao golpe de 10 de novembro, que instaurou no Brasil a ditadura do Estado Novo. Ironicamente, tal governo foi instaurado pelo próprio Vargas, que agora assumia-se um ditador. Por oito anos o prédio sediou o temível “DIP”, Departamento de Informação e Propaganda, órgão de censura da imprensa. Foi também o palácio utilizado para congressos e cerimônias cívicas. Com a redemocratização do país em 1945, nele deu-se a posse do novo Presidente José Linhares, bem como sediou nova Assembléia Constituinte no ano seguinte, funcionando normalmente como Câmara dos Deputados Federais até a transferência da capital federal para Brasília, em 1960. De 1960 a 1975, funcionou o Palácio Tiradentes como sede da Câmara de Deputados do Estado da Guanabara, alternando-se nessa função, algumas vezes, com o Palácio Pedro Ernesto, antiga Câmara de Vereadores, na Praça Marechal Floriano, que possuía instalações mais amplas para os escritórios dos Deputados guanabarinos. Com a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975, passou a sediar a ALERJ, Assembléia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro, atualmente em sua sexta legislatura. Na mesma ocasião, reconstruiu-se o prédio existente nos fundos, antigo edifício do Ministério da Viação e Obras Públicas, para funcionar como anexo da Assembléia e escritório de trabalho dos Deputados. Hoje, no Palácio Tiradentes, além de suas funções legislativas normais, funciona um pequeno museu, contando as peripécias do Poder Legislativo no Brasil em cinco séculos de história. ARCHIMEDES MEMÓRIA - DADOS BIOGRÁFICOS Arquiteto, construtor e professor, um dos maiores expoentes profissionais do ecletismo arquitetônico. Nasceu no Rio de Janeiro em 1895, tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Começou trabalhando com Heitor de Mello, cujo escritório assumiu, após a morte do mestre em 1920. Sua primeira obra foi a construção do Palácio Pedro Ernesto, na Cinelândia (1920-23), sob projeto de Heitor de Mello. Seguiram-se encomendas importantes: Palácio Tiradentes, no Centro (1920-26); Palácio da Grandes Indústrias, que era uma reforma da antiga Casa do Trem, no Castelo (1921-22); Cassino Beira Mar, no Passeio Público (1921-22, demolido); Fórum do Rio (1921, não construído); Balneário e Cassino da Urca (1921-22); Jóquei Clube, na Lagoa (1921-26); Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, na av. 17 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Passos (1922-26); Ampliação da Caixa Econômica, na rua Dom Manuel (1926); Sede Social do Botafogo, na rua General Severiano (1928); Vitrais do altar-mór da Igreja da Candelária (1929); Escadaria do hall do Museu Nacional de Belas Artes (1931); Igreja de Santa Terezinha, no Túnel Novo (1931-34); Capela da Usina Salgado, em Pernambuco (1935); decoração interna da Embaixada Britânica, hoje Palácio da Cidade, na rua São Clemente (1944-46); e muitos outros projetos, infelizmente vários já demolidos. Archimedes foi professor da cátedra de Composição de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, onde formou inúmeros profissionais de talento. Após ver seu projeto vencedor do novo Ministério da Educação (1935-36), preterido pelo de Lúcio Costa, seu rival, abandonou os concursos de arquitetura dedicando-se ao magistério. Memória atravessou várias fases da arquitetura brasileira neste século. Começou praticando um ecletismo classicizante, evoluiu para o neocolonial, onde foi mestre, e, em fins de carreira, abraçou o art-déco, buscando uma linguagem mais atual para a arquitetura. Faleceu em 1960. CARLOS CHAMBELLAND - DADOS BIOGRÁFICOS Pintor impressionista e designer. Nasceu no Rio de Janeiro em 1884, irmão de Rodolfo Chambelland, também grande pintor. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes. Trabalhou muito no Recife, onde executou trabalhos na Igreja da Graça e no Colégio da Estância. Expôs no Salão Nacional e no Salão Paulista de Belas Artes, em ambos com estrondoso sucesso. No Rio de Janeiro, fez as decorações murais das salas nobres do Palácio Pedro Ernesto, bem como um vitral decorativo, junto com o irmão Rodolfo (1923). A convite do deputado Arnolfo de Azevedo, fez a decoração interna do Palácio Tiradentes (1925-26), decorando o plenário com um grande vitral e painéis murais de cunho patriótico. Faleceu no Rio de Janeiro em 1950. FRANCISCO ANDRADE – DADOS BIOGRÁFICOS Não se sabe muita coisa desse escultor, nascido no Brasil em c. 1900. Estudou escultura com José Otávio Correia Lima na antiga Escola Nacional de Belas Artes. Recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional de Belas Artes de 1920, com um gesso retratando o arquiteto Francisco dos Santos, bem como a pequena medalha de prata no Salão Paulista de Belas Artes de 1938. Figura no Museu Nacional de Belas Artes com o trabalho “Cabeça de Menina”. São de sua autoria a estátua de Tiradentes (1926), em frente à ALERJ e as hermas de Luiz Paixão (1934) e Lima Barreto (1931), ambas na Ilha do Governador. No Palácio Pedro Ernesto, existem de sua autoria os bustos de Benjamin Constant e José Bonifácio. Já é falecido. ESTAÇÃO DAS BARCAS - PRAÇA XV O primeiro serviço regular de navegação à vapor entre a Côrte e a Província do Rio de Janeiro, data de 14 de outubro de 1835, quando começaram a funcionar três barcas inglesas, da Companhia de Navegação de Niterói. Trafegavam de hora em hora, das 06:00h da manhã às 18:00h, e faziam a travessia em trinta minutos. Até então, o percurso era feito em botes, faluas e saveiros, durando a viagem mais de duas horas. 18 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Seguiu-se a Companhia de Navegação de Niterói a das Barcas Ferry, cujo serviço foi solenemente inaugurado numa manhã de domingo, 29 de junho de 1862. Começou com três barcas norte-americanas, com rodas e capacidade para 300 passageiros. A Companhia Ferry ergueu então uma bonita estação em estilo neoclássico no Largo do Paço, inaugurada em 1862 por D. Pedro II. Correram os anos e, em 1o. de outubro de 1889, com a fusão da Companhia das Barcas Ferry e a Empresa de Obras Públicas no Brasil, organizou-se a Companhia Cantareira e Viação Fluminense. De 1903 a 1908, quando a administração passou para o dinâmico Visconde de Moraes, realizou a Cantareira grandes melhoramentos, dentre eles, a compra de novas barcas, renovação dos cais e reconstrução das estações da Praça XV e Praça Martim Afonso (Niterói). A da Praça XV aproveitou-se o arcabouço da velha estação das barcas Ferry, tendo o arquiteto Adolpho José Dell Vecchio, que projetou anos antes o palacete da Ilha Fiscal, refeito a fachada em estilo eclético, com vistosa cúpula bulbosa e pavilhões anexos no mesmo estilo. Foi inaugurada em 1911, tornando-se logo ponto de referência na Praça. Por duas vezes as estações da Praça XV e Praça Martim Afonso foram duramente depredadas. A primeira, em 1925, quando se aumentou as passagens em dezembro. Ambos os prédios foram vandalizados pela turba enfurecida, bem como as barcas, que foram destruídas. A segunda foi pior. A Companhia Cantareira fechou as portas em meados da década de 50, sendo os serviços de transportes marítimos arrendados aos “Irmãos Carreteiro”, de Niterói. O serviço caiu muito e as barcas atrasavam, num dia de muito atraso, em 1959, o povo raivoso incendiou a estação Niterói e destruiu todo o interior da estação Praça XV. Várias barcas foram igualmente incendiadas e afundadas. A estação de Niterói acabou ficando irrecuperável e foi demolida. Algum tempo depois, em 1960, foram os serviços assumidos pelo Estado da Guanabara, tendo sido em 1975, após a fusão, fundada a CONERJ Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, que até hoje mantém os serviços com regularidade. A estação da Praça XV, antiga Estação da Companhia Cantareira, foi tombada pela municipalidade e recentemente restaurada. MONUMENTO À D. JOÃO VI - CAIS PHAROUX - PRAÇA XV Num pedestal de granito retangular, sob base de cimento armado, olhando para o mar, eleva-se a estátua eqüestre de D. João VI, tendo na mão direita a esfera armilar, símbolo da monarquia portuguesa, É de autoria do escultor Professor B. Feyo, fundida em bronze na oficina de José Guedes, em Vila Nova de Gaia, Portugal. Foi oferta do Governo Português às comemorações do IV Centenário da Cidade em 1965. Foi inaugurada naquele lugar pelo Governador Carlos Lacerda, como lembrança do desembarque da Família Real naquele sítio em 08 de março de 1808. JOÃO VI - DADOS BIOGRÁFICOS João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael, nasceu em Lisboa, a 13 de maio de 1767, segundo filho da Rainha D. Maria I, a “louca”, e de D. Pedro III, seu tio e marido. D. João VI, 27o. Rei de Portugal, exerceu a regência desde 1792 até 1816, quando faleceu sua mãe. Reinou apenas dez anos. Foi, inicialmente, destinado à carreira eclesiástica, mas em menos de dois anos, morreu-lhe o irmão mais velho, D. José II; e o 19 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com pai, ambos de bexigas. Casou-se contra a vontade, em 1775, com a princesa Carlota Joaquina, filha do Rei Carlos V de Espanha, união que lhe traria mais dissabores que todos os outros problemas. A má esposa sempre o detestou e logo começou a conspirar contra ele. Como se fosse pouco, ainda em 1789 sua mãe perdia a razão para nunca mais recuperá-la. Enfrentou a crise política que envolveu Portugal, oriunda da expansão do Império de Napoleão pela Península Ibérica (1806-07), fugindo para o Brasil junto com sua côrte, em novembro de 1807 para não ser aprisionado pelos franceses. Chegou à Bahia, em 20 de janeiro de 1808. Logo ao chegar, seu primeiro cuidado foi o de dar maior expansão à Colônia. Insinuado pelo Visconde de Cairu, brasileiro insigne e ardoroso patriota, decretou a liberdade do comércio e navegação, assinando logo a 28 de janeiro de 1808, a abertura dos portos às nações amigas. Percebendo que Salvador não possuía mais condições de sediar uma côrte, demandou-se para o Rio de Janeiro, onde desembarcou no Largo do Paço em 08 de março de 1808. Sua primeira preocupação foi a de acomodar a côrte, formada por quase quinhentos áulicos, o que teve de fazer invocando a triste lei das aposentadorias, dando aos nobres o direito de tomar as residências particulares, o que causou grande descontentamento popular. D. João, logo ao desembarcar, recebeu a dádiva da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, acomodando sua mãe no antigo Convento do Carmo. Precisando dotar o Rio de Janeiro de uma infra-estrutura capaz de sediar a capital de seu reino, efetuou realizações com o escopo de promover o progresso da colônia, entre elas: a fundação do Banco do Brasil (1808); da Imprensa Régia (1808); Fábrica de Pólvora da Lagoa (1808); Real Horto Botânico (1808); Intendência Geral de Polícia (1809); Real Biblioteca (1810); Real Academia Militar (1810); Escola Anatômica de Cirurgia Médica (1811); Real Academia dos Guardas-Marinha (1811); Real Academia de Artes e Ofícios (1816); Museu Real (1818); Praça do Comércio (1819); e outras úteis instituições. Assinou a primeira lei destinada a acabar com o tráfico de escravos no nosso território (1810); e foi o primeiro a estimular a imigração para o campo, com a vinda de colonos suíços (1818). Tal foi o impulso imprimido ao Brasil que a 26 de dezembro de 1815, foi ele elevado à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O maior benefício que a presença de D. João legou ao nosso país foi, sem sombra de dúvidas, a unidade nacional. Não fosse sua presença entre nós, com certeza teria acontecido à nossa terra o que ocorreu com nossos vizinhos de colonização espanhola. Quatro Vice-Reinados transformaram-se em vinte pequenos países, quase sempre envolvidos em guerras fratricidas e disputas fronteiriças. Seu reinado manteve o Brasil unido, que permitiu que a grandeza territorial de nosso país não se fracionasse em estados estéreis. Apesar da oposição de sua mulher, que sempre trabalhou contra ele e que nos detestava fidagalmente, D. João daqui só se afastou compelido pelo movimento constitucionalista do Pôrto (1820). Em abril de 1821 seguiu para Portugal, aqui deixando como regente seu filho D. Pedro I. Chegando a Lisboa, jurou a nova Constituição, mas sua mulher D. Carlota Joaquina se recusou a tal e por isso foi exilada com seu filho D. Miguel. Promoveram os dois uma contra-revolução com fulcro em Vila Franca de Xira, a “Vilafrancada”, que restabeleceu o absolutismo. Em abril de 1824, o movimento denominado “Abrilada” obrigou D. João VI a se recolher a bordo de 20 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com uma nau inglesa. Restaurado no poder, foi D. Carlota internada e D. Miguel exilado no estrangeiro. O dissabor sofrido com a ingratidão do filho D. Miguel e a revolta da mulher D. Carlota, abalou profundamente o monarca, nunca mais recuperando seu bom humor. Um ano depois, a 29 de agosto de 1825, D. João reconheceu a Independência do Brasil. Após um jantar, D. João passou mal e morreu subitamente a 10 de março de 1826. A moderna ciência, examinando seus restos mortais conservados em álcool, encontrou vestígios de arsênico em dose suficiente o bastante para matar um “elefante”. D. Carlota Joaquina, a possível mandante de tal atentado, não saboreou o sucesso. Enlouqueceu como a sogra, suicidando-se tomando veneno em 1830, aos 55 anos. Dizem, que de uma dose cavalar de “arsênico”. IGREJA E CONVENTO DO CARMO, RUA PRIMEIRO DE MARÇO, PÇA. XV Uma capela dedicada à Nossa Senhora da Expectação e do Parto foi erguida em 1570 na rua Direita por uma devota em cumprimento de uma promessa. Como a invocação era de difícil pronúncia pela população humilde, era conhecida como capela de “Nossa Senhora do Ó”, devido à oração de invocação desta santa iniciar com esta interjeição (Ó Virgem Maria! Ó Mãe de Deus!). Em 1589, foi esta capela doada pela Câmara aos frades carmelitas, que alteraram sua invocação para a Virgem do Carmelo. Em 1611 obtiveram um terreno do lado esquerdo do templo, onde em 1619 iniciaram a construção de um convento, com pedras tiradas da Ilha das Enxadas. No século XVII o templo arruinou e foi reconstruído, mas mesmo assim ainda era uma pequena capela. O convento, ao lado era em sobrado e foi ampliado na mesma época. Assim ficaram estabelecidos os carmelitas até o século XVIII. O belo templo barroco atual foi iniciado em 1761, sob provável risco de Mestre Manoel Alves Setúbal, que ergueu a Igreja dos Terceiros, logo ao lado. A fonte de inspiração foi o Convento do Carmo do Pôrto, Portugal, com o qual revela afinidades estilísticas. Quando da chegada do Príncipe D. João, em 1808, só estava pronto o Convento, tendo a igreja de ser completada às pressas com um frontispício de madeira, haja vista ter o Príncipe tê-la convertido em Capela Real por ser a mais próxima do Paço. O convento ao lado foi desocupado pelos frades, nele se instalando a Rainha D. Maria I, a “Louca”, o Real Gabinete de Física e, no térreo, a Real Ucharia, que era o depósito do Palácio. Nos fundos, numa ala pertencente aos Irmãos Terceiros do Carmo, onde fôra um hospital, foi instalada em 1810 a Real Biblioteca, com livros recuperados da Biblioteca do Infantado e da Real Biblioteca da Ajuda. O convento foi ligado ao Paço por um passadiço. Internamente, os sete altares e as duas capelas da igreja foram iniciados em 1785 por Mestre Inácio Ferreira Pinto. O conjunto, de decór rococó, mostra grande unidade de estilo, que prova ter sido a execução realizada segundo um projeto de conjunto. O arco cruzeiro é encimado por um magnífico ornato recortado. A ornamentação da nave é dividida por pilastras de estilo coríntio, o mesmo se dando mais tarde na igreja vizinha dos Terceiros. Pinturas ovais de José Leandro de Carvalho, representando os doze apóstolos, são distribuídas pela nave, entremeando as tribunas. Durante o reinado de D. Pedro I foi completado o frontispício, segundo o projeto do engenheiro-arquiteto Pedro Alexandre Cavroé. Êste era interessante, pois como o da Cruz dos Militares, mostrava, sob influência 21 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com clássica, a volta às formas das igrejas romanas da época de Vignola. Infelizmente, foi a fachada substituída no século XX dando lugar a um frontispício descaracterizado, terminado em 1923. D. Pedro I igualmente concebeu que um dos pátios do Convento fosse convertido em Mausoléu Imperial, mas sua renúncia em 1831 fez abortar o projeto. Em 1856 foi prolongada a antiga rua do Cano até a rua Direita, sendo a primeira rebatizada para Sete de Setembro. Sendo assim, foi feito um corte no Convento, que passou a ser ligado ao templo por outro passadiço, que foi demolido em 1890. Em 1888/1900 passou o templo por grandes obras. Reconstruiu-se toda a fachada que dava para a rua Sete de Setembro num estilo eclético, depois extendido à fachada principal. Em 1905, a pesada torre sineira foi demolida por ameaçar ruir, sendo erguida outra projetada pelo arquiteto italiano Raphael Rebecchi. Demoliu-se o pórtico da capela dos Passos, colocando em seu lugar duas janelas geminadas. As janelas foram ampliadas para acomodar vitrais. Essas obras foram inauguradas em 1900. Em 1903, o Prefeito Francisco Pereira Passos mandou retirar o gradil do adro para alargar a rua Primeiro de Março (ex-rua Direita). Internamente, foram feitas muitas alterações. Retirou-se uma pintura do altar-mór representando a Família Real, demoliu-se dois corredores laterais, aprofundando-se os seis altares laterais, para ampliar a nave. Refez-se a pintura da capela-mór e outras obras. Essa reforma foi ordenada pelo Ministro Antônio Ferreira Viana, incumbindo-se dos trabalhos o engenheiro Adolpho José Dell`Vecchio e o artista Thomaz Driendl. Quanto ao Convento, igualmente não escapou de adulterações. Em 1840 D. Pedro II nele instalou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ali ficou até 1896. Em 1907 ganhou uma fachada eclética, projetada pelo arquiteto Henrique Fleiuss, removida pelo SPHAN em 1970, sendo recomposta em seus elementos originais. Ainda em 1896 foi nele instalada a Escola Técnica de Comércio, e, em época mais recente, a Universidade Cândido Mendes. Nos anos 80, foi construído no pátio do Convento um enorme prédio de escritórios, o Centro Empresarial Cândido Mendes, projetado por Harry Cole, que acabou desvirtuando toda a escala da praça e de seus monumentos. A Igreja foi Capela Real de 1808 a 1822. Capela Imperial de 1822 a 1889, Catedral Metropolitana, de 1889 a 1976. Sediou, à partir de 1894, a primeira Cátedra Cardinalícia da América Latina. Hoje é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé. A Família Real e, depois a Imperial prestigiavam as procissões, particularmente a do Senhor dos Passos e a de São Sebastião, que eram, guardadas as devidas proporções, eventos mais carnavalescos que religiosos. Foi a única igreja nas Américas que serviu de palco da Sagração de um Rei, D. João, em fevereiro de 1818; e da Coroação de dois Imperadores, D. Pedro I, em dezembro de 1822 e D. Pedro II, em julho de 1841. Ali se batizaram e casaram todos príncipes de sangue real entre 1808 e 1889. D. Pedro I confirmou nela seu casamento em 1817; bem como D. Pedro II, em 1843; tendo ali se casado a princesa Isabel com o Conde D`Eu, em 1863. Num corredor lateral da capela foram depositados em 1903, por iniciativa do Bacharel Alberto de Carvalho, parte dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, transladados de Portugal. Foram regentes da Capela Real, dentre outros, Padre José Maurício Nunes Garcia, nosso maior compositor sacro colonial; Marcos Portugal, maestro que veio com D. João em 1808; Sigismundo Neukomm, discípulo de Haidn, que veio com a 22 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Missão Artística Francesa, em 1816. Nesta igreja, começou como simples violinista, o futuro maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional Brasileiro. À época de D. João VI, nela tinham coro os famosos “Castrati”, jovens emasculados para manter a voz aflautada. Presentemente, está a igreja necessitando de grandes reparos, tendo sido elaborado um projeto de restauração integral, externa e internamente, que visa restituir ao templo suas características originais. O RAPTO DAS GALINHAS O velho Convento do Carmo, hoje sede da Universidade Cândido Mendes, situado na Rua Primeiro de Março, entre as ruas da Assembléia e Sete de Setembro, é um dos mais veneráveis monumentos do Rio. Erguido pelos frades carmelitas aqui chegados em 1589, ficou concluído em 1619. No século XVIII, com o afluxo do ouro oriundo de Minas Gerais, foi totalmente reconstruído depois de 1761. Entretanto, com a chegada da Côrte portuguesa ao Rio de Janeiro em março de 1808, o convento teve seu destino mudado. O Príncipe D. João, se utilizando da lei das aposentadorias, a qual o facultava requisitar qualquer prédio da cidade para uso próprio, mandou desalojar os carmelitas ainda em março de 1808. Os frades acabaram indo para uma pequena igreja, no Largo da Lapa, onde ainda se encontram. No velho convento, D. João mandou alojar sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca. Como o espaço era generoso, D. Maria ainda dividiu o espaço do convento com o Real Gabinete de Física e, nos fundos, onde existia o Hospital da Ordem Terceira do Carmo, em prédio ainda existente, o Príncipe mandou ali instalar em 1810 a Real Biblioteca, reunindo os livros arrebanhados às bibliotecas da Ajuda e do Infantado, trazidos ao Brasil em grandes caixotes quando da fuga da Família Real. Entretanto, foi no pavimento térreo onde se instalou a repartição mais polêmica daqueles tempos: a Real Ucharia. Ucharia era o armazém de alimentos do Palácio Real. Era onde ficavam os secos e molhados, os animais e vegetais que abasteciam a real mesa de D. João. E, no caso dele, era uma mesa bem farta. D. João se alimentava muito, e mal. Comia demais. Testemunhos de época relatam com minúcias as glutonarias do Príncipe. Ao acordar bem cedo, D. João fazia suas orações e logo depois realizava sua primeira refeição, o almoço (naquela época não se tomava café da manhã). Comia, sem talher algum, de quatro a seis frangos de leite assados, pequenos como pintos. Segurava-os com as mãos e deles só se separava quando restavam apenas ossos. Não havia acompanhamento nesse prato. Eram só os frangos. Algumas vezes, D. João também devorava algumas fatias de pão torrado com manteiga, que somente seu cozinheiro sabia fazer. Bebia apenas água da Ponta da Armação, em Niterói, a qual mandava buscar em grandes batelões. De sobremesa, laranjas da Bahia (as do Rio ele as julgava muito doces). No jantar, que era às 13:00h, os pratos eram quase idênticos, variando apenas em ocasiões solenes. Na ceia, às 18:00h, tomava canja de galinhas. Após essa refeição, D. João dormia a sono solto até o dia seguinte, quando a rotina alimentar se repetia. Com essa péssima alimentação, mal balanceada e muito gordurosa, D. João sempre sofreu gravemente de problemas gastro-intestinais, os quais 23 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com motivaram episódios cômicos ocorridos em público. Às vezes, por força das circunstâncias essa dieta variava, mas nunca faltavam os frangos, prato que ele apreciava com veneração. Desnecessário dizer que a maior parte da Ucharia era o galinheiro, o qual ocupava todo o pátio do velho convento. Em 1817, quando D. João se tornou Rei, foi nomeado chefe da Real Ucharia seu barbeiro, Plácido Antônio Pereira de Abreu. Esse patife era um notório espertalhão e serviria com igual eficiência ao Imperador D. Pedro I, como barbeiro, secretário e alcoviteiro. Com a nomeação de Plácido, a roubalheira na Ucharia atingiu níveis inimagináveis. Plácido fazia imensas requisições de alimentos a seus fornecedores. Às vezes, requisitava toda a produção de determinado gênero alimentício. Esses alimentos, comprados em quantidade muito além da necessária, eram sorrateiramente revendidos a particulares por altos preços. Em 1819, por sugestão de Plácido, D. João requisitou que seus guardas recolhessem à Real Ucharia todos os frangos da cidade do Rio de Janeiro. Todos, inclusive os dos hospitais! Podiam os doentes ficar sem sua canja de galinha, mas o Rei não dispensava frango algum! Claro, a roubalheira rendeu bons frutos, pois só era possível se obter galinhas pagando as propinas que Plácido arbitrava dos pobres cariocas. Sem imprensa nem justiça para defender o povo, este apenas protestava nas esquinas e tabernas. A coisa ficou assim até que um dia de novembro de 1819 um grupo de cidadãos tomou coragem e enviou uma carta de protesto ao Rei, carta esta que se encontra na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional e que vale a pena ser aqui reproduzida em seu trecho inicial, bem pitoresco: “Dizem os moradores desta cidade, que eles, suplicantes, se vem na maior consternação possível pela falta de galinhas e mais criação de penas para o socorro dos enfermos particulares, pois por dinheiro algum as podem encontrar senão em mão do Galinheiro da Real Ucharia.” “Os habitantes desta Côrte, Real Senhor, são contentes, com a maior satisfação, que a Real Ucharia tenha a preferência com a maior abundância possível, mas não que o Galinheiro, a título dela, faça os maiores insultos possíveis, que é andar com atravessadores pelos recôncavos desta cidade tomando e apreendendo toda a criação a título de contrato, e não satisfeito com estes insultos, passa o suplicado em pessoa a andar pelo mar, embarcado, revistando quantos barcos navegam para a Côrte a fim de as tomar pois todas chegam embargadas e nenhuma se vende para as necessidades das ditas moléstias por mais diligência que façam os suplicantes a concorrerem às praças na sua procura.” As mesas fartas demais geram fatalmente o desespero em torno das mesas vazias... Não precisamos dizer que o Rei não respondeu à petição e esta foi parar no limbo da burocracia joanina. A roubalheira da Real Ucharia continuou até abril de 1821, quando D. João retornou à Portugal e o Príncipe D. Pedro desativou aquela repartição, não sem antes nomear Plácido como seu Valetede-Chambre. Depois seria Comendador e acabaria casando com a filha do Marquês de Inhambupe, Ministro da Fazenda. Naqueles tempos, a roubalheira do governo ficava impune e o povo era quem pagava a conta... 24 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com ORIGEM DOS DESFILES DAS ESCOLAS DE SAMBA NO RIO DE JANEIRO. Pouca gente conhece, mas ao lado da velha igreja de N. Sra. do Carmo, nas esquinas das ruas Primeiro de Março com Sete de Setembro, está a capela que deu origem aos desfiles das escolas de samba no Carnaval. A igreja do Carmo já existia desde o século XVI, mas o templo atual data da última reconstrução, iniciada em 1761. Em 1785, o entalhador Mestre Inácio Ferreira Pinto iniciou a bela obra de talha interna em estilo rococó e, em saleta anexa à nave, no lado esquerdo do templo, Mestre Inácio construiu uma pequena capelinha para a Irmandade do Senhor dos Passos. Com a vinda da Côrte, em 1808, a velha Igreja do Carmo passou a ser a Capela Real, sendo que a própria Família Real passou a utilizar a pequenina Capela do Senhor dos Passos para suas orações particulares. Essa tradição manteve-se com D. Pedro I, após a Independência, bem como com D. Pedro II, até 1889. Com essa ligação tão forte com as casas Real e Imperial, ganhou especial relevo a capelinha, sendo então muito disputada a famosa procissão do Senhor dos Passos, a qual saía por ocasião dos festejos da Semana Santa. Era tão importante essa procissão, que o próprio D. João VI dela participava. A tradição se manteve com os dois imperadores, sendo que, com Pedro II, até o ministério se fazia presente. Dela participava grande massa popular, e até os escravos a ultimavam, com suas danças africanas. A procissão corria as ruas do centro, possuindo uma comissão de frente, banda ou bateria, carro abre-alas, carros alegóricos, porta-bandeira, pastoras, etc, até os passistas escravos, ficando no final uma ala de negras baianas. A 28 de setembro de 1871 o senado aprovou a Lei do Ventre Livre, libertando as crianças escravas, mas sob o furioso protesto dos escravocratas. Com a revolta das elites que não aceitavam a liberdade dos negros, começou então no Rio de Janeiro um movimento dos reacionários escravocratas em favor de uma “eugenia cultural” no Brasil. Os negros acabaram sendo proibidos de participar de todas as festas populares, inclusive da procissão do Senhor dos Passos, restando-lhes, somente no final, os festejos carnavalescos. Muito perdeu em alegria as festas tradicionais no Brasil, mas, ironicamente, justamente a partir desta data, cresceram muito em importância os folguedos carnavalescos, enquanto que as antigas procissões religiosas definharam até desaparecerem quase que por completo. Cinqüenta anos depois da proibição de 1871, quando surgiram as primeiras escolas de samba na Cidade Nova, a estrutura dos desfiles de carnaval copiou quase que sem alterações a disposição da procissão do Senhor dos Passos, tradição que se mantém até hoje. Hoje, a linda capelinha do Senhor dos Passos ainda resiste intacta, apesar de estar precisando de urgente restauração, coisa que vem sendo protelada por falta de verbas, recurso que, aliás, nunca parece faltar às escolas de samba. JOSÉ LEANDRO DE CARVALHO - DADOS BIOGRÁFICOS Pintor da antiga Escola Fluminense de Pintura, nasceu em Muriqui, Distrito de Itaboraí, em c.1770. Mostrando propensão para a arte, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, onde começou a estudar desenho com um artista pardo chamado Manuel Patola. Começou pintando painéis para a Igreja do Bom Jesus, trabalho que se perdeu; fez muitos retratos de D. Maria I e D. João VI (1808), estando alguns 25 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com no acervo do Museu Histórico Nacional; e pintou cenários para o Teatro São João, hoje João Caetano (1813), trabalhos perdidos; em 1817, encarregou-se do douramento da Capela Real. Para esta capela, realizou as pinturas ovais dos doze apóstolos que ornam as pilastras. Pintou um retrato da Família Real, que foi colocado no altar-mór da Capela Real, trabalho que teve de recobrir de cal após a renúncia de D. Pedro I, em 1831. Em 1826, pintou estandartes com a efígie dos quatro Doutores da Igreja para o templo de São Francisco de Paula, no Largo de São Francisco, e dois anjos para a capela-mór da mesma igreja. Fez também muitas pinturas com temas sacros para o Mosteiro de São Bento. Após o episódio que aconteceu com seu painel na Igreja do Carmo, caiu em depressão, falecendo a 09 de novembro de 1834, sendo enterrado nas catacumbas da Igreja de São Francisco de Paula. Em 1850, o painel foi restaurado por Manuel de Araújo Porto Alegre, mas depois foi retirado e perdido em 1889. Em seu lugar, está uma pintura sacra de Antônio Parreiras. MARCOS DO DESCOBRIMENTO NO RIO DE JANEIRO Faltando pouco mais de duzentos dias para a comemoração do quinto centenário da descoberta do Brasil muitos cariocas desconhecem existir na cidade do Rio de Janeiro dois importantes marcos da era dos grandes descobrimentos. O primeiro deles é o túmulo que guarda os resíduos mortuários do capitão-mór Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, depositados desde 30 de dezembro de 1903 no corredor esquerdo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, na rua Primeiro de Março, defronte à Praça XV. A história destes restos é, no mínimo, curiosa. O jazigo de Cabral, perdido desde o século XVI, foi localizado em 1839 por um brasileiro, o diplomata e historiador Francisco Adolfo de Varnhagem, Visconde de Porto Seguro, no piso da Capela de São João da Igreja do Convento da Graça em Santarém, Portugal, onde estava desde 1526. Em 1871 o Imperador D. Pedro II, quando visitou o túmulo, duvidou de sua autenticidade. Para tirar a prova, arqueólogos lusitanos o abriram em 1882, onde, para surpresa geral, encontraram três esqueletos inidentificados. Nada foi tirado e a campa foi novamente fechada. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro insistiu na exumação e, em 1903, mandou a Portugal com esse intento o historiador Bacharel Alberto de Carvalho que, com ajuda de arqueólogos lusos, procedeu a nova exumação em 14 de março do mesmo ano. Qual não foi o espanto de todos em encontrar não três, mas seis esqueletos adultos, fora os de uma mulher e uma criança. Como foi impossível determinar qual deles era o de Cabral, recolheu-se um pouco de cada esqueleto adulto mais um punhado de terra, e é esse “sétimo esqueleto” que se encontra hoje na Igreja do Carmo. O outro marco dos nossos quinhentos anos é o raro e belo oratório de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, erguido há 235 anos atrás num beco entre a Igreja do Carmo e a da Ordem Terceira Carmelita, na rua do Carmo n. 38. O Cabo da Boa Esperança, antigo das “Tormentas”, era ponto de passagem obrigatório das caravelas portuguesas no sul da África com destino ao oriente. Desde o século XVIII, todo navio português com esse destino antes aportava no Rio de Janeiro, onde a marujada saltava e ia em romaria até o oratório da rua do Carmo pedir à santa proteção para a travessia, deixando lá algumas moedas. Por sua vez, quando o navio percorria o sentido inverso, 26 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com igualmente aportava aqui, indo os marujos agradecer a boa travessia no oratório citado, deixando lá alguns cobres. Este antepassado dos seguros marítimos criou uma tradição que se manteve viva por mais de cem anos e não foi à toa que o oratório foi dos poucos que sobreviveu às demolições na cidade. Verdade seja dita, andou um pouco. Construído no beco em 1763 pelo mestre Manoel Alves Setúbal para a Ordem Terceira do Carmo, foi transferido em 1812 para a esquina seguinte, onde hoje se abre a rua Sete de Setembro, retornando ao sítio original em 1924. Em 1948 foi erguido ao seu lado um prédio de escritórios, onde, como se fosse uma sina local, estão sediadas a Associação Nacional de Transportadores de Turismo, a Associação Brasileira de Jornalistas Especializados em Turismo, A Turistrade e a Marc Apoio Consultoria e Treinamento em Turismo. Isso é que é um oratório com tradição em viagens! IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO - RUA 1O. DE MARÇO A Ordem Terceira do Carmo foi fundada em 1648, e funcionou numa capela erguida nos fundos da igreja conventual. Desentendimentos com os frades carmelitas levou a Ordem a construir seu próprio templo, num terreno doado em 1749 na rua Direita. Em 1752 foi decidida a construção do novo templo, cujas obras, entretanto, só começaram em 16 de julho de 1755, após muitas divergências. Atribui-se o projeto do templo ao Mestre Manoel Alves Setúbal, que foi seu construtor. Em 1755, um novo risco, proposto por Frei Xavier Vaz de Carvalho foi aprovado para o interior do templo. A porta principal e uma lateral em mármore de Lióz foi encomendada a canteiros de Portugal em 1760 e colocadas na igreja no ano seguinte. No ano de 1770, a igreja foi declarada terminada, à exceção das torres, sendo rezada a primeira missa no dia 10 de julho, durando as festividades quatro dias. Em 1772, foi decidido construir a Capela do Noviciado, no lado oposto à sacristia. Quanto às torres, só foram projetadas em 1846 e construídas de 1847 a 50 pelo professor de desenho da Academia Imperial de Belas Artes, Manuel Joaquim de Melo Corte Real. A talha interna foi confiada ao Mestre Luís da Fonseca Rosa, que segundo se consta, foi mestre de Valentim da Fonseca e Silva, que também ali trabalhou. Fonseca Rosa trabalhou no retábulo da capela-mór de 1768 a 1780. Mestre Valentim executou pequenos trabalhos de 1780 a 1800 na capela-mór. A talha do corpo da igreja data do século XIX, executada em 1855 por Mestre Antônio de Pádua e Castro, em estilo rococó tardio. A Capela do Noviciado, construída em 1772, recebeu um altar-mór feito entre 1772/73 por Mestre Valentim da Fonseca e Silva. Em 1796/97 o mesmo artista fez em estilo rococó o altar de Nossa Senhora das Dores. Os painéis à óleo desta capela, com temas sacros, são atribuídos à Manuel da Cunha. A policromia em branco e ouro desta capela foi executada apenas em 1852. Recentemente foi a mesma restaurada. MANUEL ALVES SETÚBAL - DADOS BIOGRÁFICOS Mestre de obras, entalhador e marceneiro, pelo nome, presume-se que era português, nascido em Setúbal, Portugal, em c. 1720. Atuou no Rio de Janeiro. Considerado um dos principais mestres de obras do Rio de Janeiro na 27 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com sua época, trabalhou nesse sentido para a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita, construída entre 1755 e 1770. Provavelmente foi também o autor do projeto do templo, bem como da vizinha igreja da Ordem do Carmo, vizinha, com quem estilisticamente se afina. Deve ser de sua lavra o belo oratório de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, existente na rua do Carmo, 38. Terminou de executar em 1745 um grande arcaz de dois lances, com espaldar, para a sacristia do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Sua última citação ocorre em 1778. ANTÔNIO DE PÁDUA E CASTRO - DADOS BIOGRÁFICOS Escultor, entalhador e professor. Nasceu a 07 de março de 1804 na Vila de Magé. Órfão muito jovem, foi enviado por uma tia a um seminário de padres, onde se pretendia que saísse frade do Convento de Santo Antônio. Rebelouse, abandonando os estudos. Inscreveu-se como aprendiz no ateliê do entalhador Brás de Almeida, tendo depois aprendido mais de arte torêutica com os artistas Francisco de Paula Borges e Francisco Xavier Soares, ambos discípulos de Mestre Valentim. Seu primeiro trabalho foi um nicho para o altar lateral de Nossa Senhora das Dores, na Igreja da Candelária, trabalho hoje perdido. Em 1828, reformou a carruagem do Imperador D. Pedro I para a cerimônia do seu 2o. casamento. Logo depois, fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, na Ilha do Governador, obra que foi depois destruída num incêndio em 1871, tendo Pádua e Castro novamente redecorado todo o seu interior em 1872. Fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, em Irajá; e fez os dois altares laterais da Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, na rua da Alfândega; em 1853, recobriu de talha a nave-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares, na rua Direita, tendo feito os altares laterais, aberto as tribunas e colocado as atuais portas. Em 1855, foi encarregado de recobrir em oito meses a nave-mór da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita. Ainda nesse mesmo ano apresentou um projeto de talha para a nave-mór da Igreja de São Francisco de Paula, projeto que foi preterido pelo de Mário Bragaldi, mas arrematou a execução do mesmo, executando-a no ano seguinte. Por respeito, alterou o projeto, que era em estilo neoclássico, para harmonizá-lo com a talha da capela-mór rococó feita por Mestre Valentim. No Hospital da Misericórdia, fez a talha da Capela do Santíssimo Sacramento. Entre 1855 e 1857, revestiu de talha a Igreja do Santíssimo Sacramento, na atual Av. Passos, aí se incluindo altares laterais, quatro tribunas, coro e decoração do corpo do referido templo. Revestiu de talha a Capela do Noviciado da Igreja da Ordem Terceira da Penitência, no morro de Santo Antônio; e refez, de 1869 a 1879, toda a talha interna da Igreja da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, tendo também dirigido os trabalhos de remodelação da arquitetura externa. Em 1863, substituindo Honorato Manuel de Lima, foi nomeado professor da cadeira de Escultura de Ornatos da Academia Imperial de Belas Artes, atividade que exerceu até a morte. Em 1877, reconstruiu a fachada da Igreja de São Francisco Xavier, no Engenho Novo, e a revestiu internamente de talha, trabalho que depois se perdeu. Foi sua última obra. Morreu no Rio de Janeiro, a 10 de novembro de 1881, sendo enterrado no Cemitério da Ordem de São Francisco de Paula no dia seguinte. Antônio de Pádua e Castro possuía um 28 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com estilo muito peculiar, mesclando ornatos do rococó com elementos neoclássicos. O resultado final, um rococó acadêmico, o qual, entretanto, em geral estava em harmonia com a talha setecentista. Seu estilo foi recentemente batizado pelos críticos de arte como “barrochetto”, um rococó tardio, o que mostra a sobrevivência dessas formas na arte brasileira, aceitas, inclusive, pela exigente Academia. ARCO DO TELLES E CASAS 32/34 - PRAÇA XV DE NOVEMBRO Antônio Telles Barreto de Menezes nasceu no Rio de Janeiro em 1682, filho do Doutor em artes e filosofia Luís Telles Barreto e de Da. Mônica Godinho. Antônio bacharelou-se em Cânones, em Coimbra, sendo em 1728 Juiz de Órfãos no Rio de Janeiro e, em 1735, Provedor da Irmandade da Misericórdia. Era herdeiro de vasto latifúndio em Jacarepaguá, onde plantava cana de açúcar. Casou-se em 1715 com Da. Catarina Josefa de Andrade, sendo pais de vários filhos. Antônio comprou todo o lado direito do Largo do Paço, contratando o engenheiro militar Sargento-Mór José Fernandes Pinto Alpoim para projetar um correr de casas de aluguel no logradouro que, em 1743, ao sediar o Governador Geral, tornara-se o mais importante da Capitania. Alpoim, por sua vez, terminara naquele ano a obra da Casa dos Governadores, tendo se dedicado à construção de 1743 a 47. Sobre a travessa do Mercado do Peixe, Alpoim traçou amplo arco abatido para que a mesma não ficasse obstruída pela nova construção, sendo de imediato apelidada de “Arco do Telles”. Antônio Telles faleceu em 1757. No mesmo ano, seu filho mais velho e herdeiro, Francisco Telles Barreto de Menezes, Bacharel em Cânones como o pai e igualmente Juiz de Órfãos, alugou uma das casas, próxima à rua Direita para o Senado da Câmara, nela permanecendo até 1790. O Senado da Câmara era o título que o Governador Conde de Bobadela obtivera de Lisboa para galardoar a velha Câmara de Vereadores, igualando-a, em titulação, à da Metrópole. O térreo das casas dos Telles de Menezes, por sua vez, eram alugados a diversos lojistas que ali exerciam os mais diferentes negócios de secos e molhados. No dia 20 de julho de 1790, na loja térrea próxima à rua Direita, onde existia uma venda de objetos usados do português Francisco Xavier, mais conhecido pela alcunha de “O Caga Negócios”, irrompeu violento incêndio que destruiu o prédio, matando Xavier e um jovem ajudante. O fogo passou para o andar superior, consumindo o arquivo do Senado da Câmara, perdendose assim toda a documentação referente aos primórdios da cidade. No século XIX, o Vereador Haddock Lobo, ao averiguar os registros do incêndio feitos pelo Ouvidor Balthazar da Silva Lisboa, concluiu que o sinistro fora criminoso, pois alguns documentos não foram perdidos e o arquivo incinerado era, em sua maior parte, relativo às propriedades fundiárias e seus respectivos impostos. Após o incêndio, as casas e Arco do Telles atravessaram por longo período de decadência. Era o Arco do Telles em fins do século XVIII um antro de prostituição e, apesar de nele existir um oratório dedicado à Nossa Senhora dos Prazeres, as cenas ali ocorridas eram tão vergonhosas que levou um morador das redondezas, Manoel Machado de Oliveira, a remover a imagem da santa para a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, onde ainda se encontra. Das mais famigeradas figuras que freqüentavam o Arco em fins do século XVIII, ficou conhecida a da prostituta Bárbara dos Prazeres. Bárbara quando jovem se casou duas vezes e, diz-se, matou seus dois maridos. À partir daí, 29 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com caiu na vida, prostituindo-se no Arco do Telles. Prostituta famosa, possuía clientela vasta, que começou a perder quando do avanço de sua idade. Desesperada, passou a freqüentar casas de feiticeiros e pagés atrás de uma fórmula que impedisse o avanço de sua idade. Alguém lhe ensinou uma beberagem que seria feita com sangue de crianças. Bárbara passou a perseguir famílias de mendigos atrás de crianças para matar. Esperava sorrateiramente na Roda dos Expostos, atrás de crianças abandonadas. O que se sabe de verídico é que Bárbara, apelidada de “Onça”, viveu muitíssimos anos, existindo registros policiais seus que vão desde 1809 até 1830. Era proprietário daquelas casas nesse período, desde 1806, o Dr. Luís Telles Barreto de Menezes, o qual, depois que casou em 1810 não deu muita atenção a essas casas de aluguel, permitindo que o uso fosse residencial fosse desvirtuado, originando daí a decadência do imóvel. Bárbara desapareceu da história em 1830. Nessa ocasião, acharam um cadáver feminino boiando na praia. Alguns afirmaram que era Bárbara, mas outros não a reconheceram. Se realmente obteve uma fórmula de rejuvenescimento, talvez ainda esteja entre nós, quiçá, talvez, ainda freqüentando a noite carioca. A herdeira das casas em 1826, Da. Ana Maria Telles Barreto de Menezes, não se interessando em manter propriedades tão decadentes, vendeu-as a diversos negociantes. Em 1827, as casas dos Telles próximas à rua Direita foram transformadas no “Hotel de France”, um dos mais bem afamados estabelecimentos hoteleiros do Rio de Janeiro no Segundo Império e ponto de hospedagem obrigatória de todos os viajantes ilustres que visitaram nossa cidade no século XIX. Durou até os primeiros anos da República. Era seu vizinho desde 1830 o “Hotel do Fanha”, este, por sua vez, de péssima reputação. Em 1860, estabeleceu-se no térreo do “Hotel do Fanha” a loja da “Tabacaria Africana”, ainda hoje existente. Na República, as casas dos Telles de Menezes atravessaram enorme decadência, o que levou o Prefeito Pereira Passos em 1905 a mandar intervir policialmente no local para dissolver as freqüentes balbúrdias provocadas por bêbados e vagabundos. Demolidas as casas depois de 1930, em 1955 as duas últimas restantes, bem como o Arco do Telles foram adquiridos pelo industrial e mecenas Raymundo Ottoni de Castro Maia, que os restaurou às suas linhas primitivas e construiu o moderno edifício Arco do Telles, projetado em 1963 pelo arquiteto Francisco Bologna, e que aproveitou inteligentemente os casarões e o Arco para fins comerciais, sem desvirtuamento da arquitetura colonial. Os dois casarões e o Arco do Telles são tombados pelo IPHAN. BÁRBARA DOS PRAZERES - DADOS BIOGRÁFICOS Prostituta e feiticeira, nascida em Portugal, em c. 1770, de onde veio casada. Já aqui no Rio, teria matado o marido para ficar com um amante, dando cabo do mesmo algum tempo depois. Passou então a prostituir-se fazendo ponto no Arco do Telles, situado no Largo do Paço, onde granjeou vasta clientela. Com a criação da Intendência Geral de Polícia, pelo Príncipe D. João, em 1809, começam os registros de ocorrências com esta senhora. Por esta época, a idade começou a cobrar-lhe um preço, perdendo a clientela para concorrentes mais jovens. Parece que dores ósseas, talvez oriundas de alguma doença venérea, também a incomodavam muito. Desesperada, correu 30 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com entre as casas de feitiçaria e magia então abundantes no Rio de Janeiro, atrás de uma poção que lhe restituísse a juventude. Por incrível que pareça, houve quem lhe formulasse uma fórmula, onde teria de banhar-se com sangue de crianças misturado com certas ervas. Passou então a perseguir famílias de mendigos ou a rondar a roda dos expostos da Santa Casa, atrás de crianças que pudesse roubar para cumprir seu lúgubre afazer. Ganhou então, a partir dessa época, o apelido de “Bárbara Onça”, que é como aparece nos registros do intendente geral de polícia, desembargador Paulo Fernandes Vianna. Bárbara dos Prazeres (ou Bárbara Onça), levava as crianças obtidas por rapto ou outros meios para a Cidade Nova, onde residia, onde as matava, suspendendo os corpos dos inocentes por uma corda, postando-se abaixo para ser recoberta pelo jorro de sangue que fluía de seus corpos inanimados. Viveu até 1830. Nesse ano, desapareceu. Algum tempo depois, encontraram um corpo feminino boiando próximo ao Largo do Paço. Alguns apostaram que era ela, mas as feições estavam irreconhecíveis. Se obteve uma poção de rejuvenescimento, talvez ainda ande pelo Arco do Telles, quiçá, apostando na Bolsa de Valores, ali ao lado, onde a bruxa de vez em quando anda solta... PANCADARIA NO ARCO DO TELLES Francisco Gomes da Silva nasceu em Lisboa, a 22 de setembro de 1791, filho de Maria da Conceição Alves, empregada doméstica, e de seu patrão, o Visconde de Vila Nova da Rainha. Anos depois, quando o Visconde se casou com a Condêssa de Rezende, expulsou o filho bastardo de casa, internando-o no Seminário de Santarém. Em novembro de 1807 foi chamado a Lisboa pelo pai, que devia acompanhar a fuga da Família Real para o Brasil, e apressadamente deixou o seminário. Chegado ao Rio de Janeiro junto com D. João, em março de 1808, passou a trabalhar no nada honroso ofício de faxineiro do Palácio de São Cristóvão. De lá foi expulso pela Rainha Da. Carlota Joaquina, que o flagrara na própria cama com uma Dama do Paço. Amancebou-se com uma tal de Maria Pulquéria, vulgo “Maricota Corneta”, dona de uma hospedaria na Rua das Violas (hoje Teófilo Ottoni), dali saiu em 1809 para se associar com Sebastião Cauler, num botequim no Arco do Telles. O botequim prosperou, se bem que era freqüentado por boêmios, cantadores, valentes e rufiões. Não raro estouravam brigas e confusões. Numa noite, em 1818, dois encapuzados entraram no boteco, sentaramse num canto e pediram bebida por muitas rodadas. Ora, naquela época, quem andava encapuzado era paulista, para fugir da garoa. Naqueles tempos, a animosidade entre cariocas e paulistas era muito grande, e, logo depois, um negro enorme, José Januário, encarou os dois e cantarolou uma música provocativa, que começava assim: “Paulista é pássaro bisnau”, sem fé, nem coração; é gente que se leva a pau, a sopapo ou pescoção.” Um dos pseudo-paulistas se levantou e abaixou o capuz. Era nada mais nada menos que o Príncipe D. Pedro, filho do Rei D. João VI e futuro Imperador do Brasil. O outro era seu guarda-costas. D. Pedro mandou o guarda-costas bater em todos e quebrar tudo. Os valentes sumiram, com exceção de um: Francisco Gomes da Silva. Depois de rápida luta, Chico, que 31 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com era corpulento, venceu fácil o guarda-costas. Após o feito, respeitosamente ele se apresentou a D. Pedro: - “Francisco Gomes da Silva apresenta a Vossa Alteza os seus respeitos e serviços.” D. Pedro sorriu e entabulou conversa com Chico, donde saíram grandes amigos. Ganhou de D. Pedro o apelido de Chalaça (palhaço), por ser um gozador. Nosso futuro Imperador o fez seu secretário particular, alcoviteiro, Comendador da Ordem da Rosa e, pasmem, Embaixador do Brasil na França! Quando D. Pedro morreu, em 1834, pediu antes ao Comendador Chalaça que tomasse conta da Imperatriz viúva, Da. Maria Amélia Napoleona de Leutchemberg. Chalaça cumpriu-lhe o prometido. Aliás, cumpriu tão bem que teve dois filhos com Da. Maria Amélia. Era assim que eram feitas as autoridades no Brasil... TRAVESSA DO COMÉRCIO As casas da travessa foram antigos entrepostos construídos no século XIX, com depósitos, senzalas ou comércio no térreo e residência no andar superior, numa disposição típica dos antigos sobrados portugueses, partido arquitetônico tipicamente colonial brasileiro, e que perdurou até fins do século XIX. A travessa foi aberta antes de 1730 com o nome de “Beco da Praia do Peixe Nova”, pois ali próximo se instalou o novo mercado do peixe. No ano de 1747 foi iniciada a construção na sua vizinhança de uma capela dedicada à N. Sra. da Lapa dos Mercadores, ou dos Mascates, por pequenos negociantes, chamados mascates, sinônimo de fanqueiro ou capelista (pessoa que vende em loja de capela, ou seja, loja de miudezas). Daí surgiu o nome de “Beco da Capela”. Mais tarde, em 1750, surge o nome de “Beco do Arco do Telles”, devido ao arco levantado de 1743 a 1747 pelo Brigadeiro Alpoim nas casas que pertenciam ao Dr. Francisco Telles Barreto de Meneses, licenciado em Cânones, as quais chegavam até a esquina da hoje Rua do Mercado. No incêndio de 20 de julho de 1790 as casas dos Telles ficaram parcialmente destruídas. O fogo começou numa loja do térreo pertencente a um comerciante de quinquilharias português apelidado de “O Caga-Negócios”, tendo êste falecido, bem como uma criança. Porém, o arco não foi atingido. Num dos prédios sinistrados funcionava o Senado da Câmara, cujo arquivo foi totalmente destruído. A Partir de 1 de setembro de 1863 passou a chamar-se Travessa do Comércio, por ficar próxima da Praça do Comércio, edifício que veio a abrigar a Associação Comercial, tendo depois de 30 de abril de 1926 passado ao Banco do Brasil e desde 1989 sedia o Centro Cultural banco do Brasil. Residiram na dita Travessa figuras pitorescas. A mais lúgubre foi a da bruxa Bárbara dos Prazeres, apelidada de “Bárbara Onça”, prostituta em sua juventude e feiticeira na velhice, tendo se especializado em poções de rejuvenescimento feito com sangue de crianças, as quais ela recolhia pela rua. Morreu em 1830. Alguns afirmam que isso não é verdade, estando a mesma ainda viva e até apostando na Bolsa de Valores, ali do lado. Já neste século, nela residiu, no n. 13, a cantora luso-brasileira Maria do Carmo Miranda da Cunha, ”Carmem Miranda” , a “Pequena Notável”. Dois episódios curiosos nela tiveram palco. 32 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Em 1893, o Encouraçado Aquidabã disparou um balaço ao Palácio Itamaraty durante a Revolta da Armada contra o govêrno do Marechal Floriano Peixoto. A bala errou o Itamaraty, mas acertou a cúpula da Igreja da Lapa dos Mercadores, jogando ao chão, de uma altura de quase trinta metros, a estátua de mármore do topo e que era uma alegoria à religião. À parte uma lasca no dedo, a estátua nada sofreu e hoje está recolhida, bem como a bala, ao interior do templo, gozando desde então reputação de milagrosa (a bala idem...). O outro episódio foi o encontro, em dezembro de 1996, pelas obras do Rio-Cidade, de um cemitério de escravos defronte ao Arco do Telles, e que datava de 1613. Foram recolhidas doze ossadas, mas muitas outras continuam por debaixo de nossos pés... CARMEN MIRANDA - DADOS BIOGRÁFICOS Cantora popular, foi a mais famosa sambista do Brasil. Nasceu em Marco de Canavezes, Portugal, em 1909. Seu verdadeiro nome era Maria do Carmo Miranda da Cunha, tendo chegado ao Brasil, em companhia do pai, com um ano de idade, indo morar numa casa, a “Pensão de Dona Maria”, ainda existente na Travessa do Comércio, onde o pai trabalhava numa barbearia. Após seu primeiro emprego numa casa de modas como chapeleira, iniciou sua carreira de intérprete ainda adolescente, em 1921. Sua primeira gravação foi uma toada canção “Triste Jandaia”. Em 1930 conquista seu primeiro sucesso com “Taí”, marchinha de Joubert de Carvalho. Em 1931 já mudava-se para uma mansão, em Santa Teresa. Ouvida no Cassino da Urca em 1938 pelo empresário americano Lee Schubert, nasceu desse contato sua carreira internacional, indo no mesmo ano para os Estados Unidos, sem saber falar inglês. Sua estréia neste país se deu na revista “Streets of Paris”, na qual apresentou como verdadeira criação suas famosas baianas. Participou de 18 filmes em Hollywood, onde se casou com o produtor David Sebastian. Era a seu tempo uma das artistas mais bem pagas dos Estados Unidos e a maior contribuinte individual do Imposto de Renda daquele país. Faleceu de colapso cardíaco em 1955, no auge da carreira, em conseqüência da falta de descanso devido à vida de shows que levava. Seu corpo, transladado para o Brasil, foi motivo de um dos maiores velórios e enterros já ocorridos. Entre os seus maiores sucessos figuram: “Boneca de Piche”, “No Tabuleiro da Baiana”, “O que é que a Baiana Tem”, “Cachorro Vira-Lata”, “Adeus Batucada”, Camisa Listada “. Sua imagem virou referência” cult “para diversas manifestações artísticas. RUA DO OUVIDOR A mais conhecida rua da cidade, “coração” do comércio carioca, como todas as primitivas ruas, sofreu uma série de transformações em sua denominação. Assim foi chamada “Desvio para o mar” (1578), “Aleixo Manuel” (fundador do Rio de Janeiro e seu primeiro médico, talvez seu primeiro morador, em 1590), “Brás Luís” (século XVI), “Que-vai-do-mar para o sertão”, “Manuel da Costa”, “Canto de Francisco Monteiro Mendes”, “Canto de Lucas do Couto”, “Canto dos Meirinhos”, “Gadelha” (que era neto de Aleixo Manuel em c. 1650), “Barbalho” (por causa do Governador Agostinho Barbalho Bezerra, que nela residiu), “Salvador Correia” (por ter este governador algumas casas nela), “Santa Cruz” ou “Cruz” (devido à igreja da Santa Cruz dos Militares, inaugurada em 1628), “Padre Pedro Homem da Costa Albernaz” (1659), “Sé Nova” (1748), 33 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com “Moreira César” (já na República, em 1897, lembrando o Coronel morto em Canudos), para finalmente ser mantido como rua do Ouvidor (1750), onde se realizava a residência dos Ouvidores, mandados para o Brasil. Esta residência era mantida pela Câmara, ficava nas proximidades da rua da Quitanda. O primeiro Ouvidor a nela morar foi o Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, que exerceu o cargo de 1746 a 1747. Porém, foi o segundo Ouvidor Francisco Berquó da Silva Pereira (1748-1750) que ficou conhecido, dando a nova denominação de rua do Ouvidor. Até a chegada de D. João, nada a distinguia das demais, com poucas casas e muitos quintais. A partir de 1808, começou a impor-se como centro da moda, devido a comerciantes, cabeleireiros, modistas, doceiros, da comitiva real, que nela se instalaram. Continuava, entretanto, a ser iluminada por azeite de baleia e com carros de boi a percorrê-la de ponta a ponta. Em 1829, com o novo calçamento, foi proibido o tráfego livre de carros de boi. Só em 1857, foi-lhe dado um calçamento de paralelepípedos, sendo baixada nova proibição de trânsito de viaturas e cavaleiros, a partir das 09:00h da manhã. Foi, junto com a rua Direita, das primeiras a ter iluminação à gás (1854), e a primeira a ter iluminação elétrica (1891). Desta época em diante, passou a ser o “centro da cidade”, com importantes acontecimentos político-literários e sociais. Sede dos jornais mais populares. Local dos comícios, manifestações públicas e do carnaval, com seu concurso de fantasias. O primeiro telefone fabricado no Brasil (1879) e o primeiro cinema (1897), partiram desta rua. Sobre ela escreveram vários autores: Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Maria Machado de Assis, José França Júnior, e Joaquim Manuel de Macedo, que lhe dedicou um livro: “Memórias da rua do Ouvidor”. IGREJA DE NOSSA SENHORA DA LAPA DOS MERCADORES No ano de 1743, vários comerciantes e moradores da rua do Ouvidor, no trecho denominado “da Cruz” (entre a rua do Mercado e Primeiro de Março), ergueram um oratório dedicado à N. Sra. da Lapa dos Mercadores na esquina de uma casa. Em 20 de junho de 1747, os comerciantes dos arredores da rua da Cruz se reuniram para decidir a formação de uma irmandade e a conseqüente edificação de um templo em honra à Nossa Senhora da Lapa. Esta igreja foi chamada “dos Mercadores”. Emitida a provisão para sua edificação a 04 de novembro de 1747, em dezembro seguinte, foram lançadas as fundações deste gracioso templo de planta elíptica. Desde 06 de agosto de 1750, já se podia benzer uma parte da igreja que estava pronta para o exercício do culto. De 1753 a 1755, concluíramse os trabalhos. A decoração interna ficou pronta em 1766. De 1869 a 1879, a igreja sofreu uma remodelação que eqüivalia a uma reconstrução. Nessa ocasião fez-se a entrada por uma galilé de três arcos fechada por grades de ferro e construiu-se a torre sineira central. A capela-mór foi muito ampliada. Durante as obras, foi encontrado enterrado atrás da igreja um grande medalhão circular em mármore de Lióz representando a coroação da Virgem. Provavelmente estava destinado à Igreja da Ordem Terceira da Penitência, a qual pertencia o aludido terreno, e que, por algum motivo, não foi aproveitado. Foi então afixado à fachada principal, sobre a janela do coro. Duas esculturas em vulto redondo de santos em mármore de Lióz, feitas em 34 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Portugal, foram colocadas em nichos da fachada. Uma terceira, representando a religião, foi posta na torre. Na decoração interior, muito colorida como era do gosto da classe comercial, as talhas de madeira se confundem com o estuque. Toda a obra de talha foi executada por Antônio de Pádua e Castro e os trabalhos em estuque por Antônio Alves Meira. Este último era de uma família de estucadores, cujo irmão trabalhou no interior da Candelária. Apesar da data tardia, a decoração da Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores possui um estilo rococó tardio muito razoável e um conjunto muito gracioso. Quando estourou a revolta na armada brasileira, em 06 de setembro de 1893, um tiro disparado alguns dias depois pelo encouraçado Aquidabã atingiu a torre sineira do templo, derrubando a estátua da Religião, que, apesar da queda de mais de vinte e cinco metros, sofreu poucos danos, sendo o fato considerado milagroso. Tanto a estátua quanto a bala encontram-se hoje na sacristia. Na torre, por sua vez, foi depois instalado o primeiro carrilhão da cidade, anterior ao da Igreja de São José. ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUZA LOBO - DADOS BIOGRÁFICOS Pintor, litógrafo e fotógrafo. Nasceu em Campos, Rio de Janeiro, em 1840. Freqüentou, a partir de 1854, a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde ainda estudava em 1865, quando conquistou a grande medalha de ouro. Em 1867, fundou, juntamente com seu irmão, o pintor Carlos Alberico de Souza Lobo, no Rio de Janeiro, uma empresa dedicada à execução de retratos e paisagens e à restauração de obras de arte, que funcionou pelo menos até 1890. Recebeu, em 1874, a condecoração de cavalheiro da Imperial Ordem da Rosa. Trabalhou principalmente no campo da pintura de retratos, entre os quais cabe destacar os do Imperador D. Pedro II, atualmente no acervo do Museu Nacional de Belas Artes; do Visconde do Rio Branco, no Museu Imperial de Petrópolis; Paisagem, datada de 1886, igualmente no Museu Imperial; e um retrato do Marechal Floriano Peixoto, encomendado pela municipalidade de Florianópolis. Executou quatro painéis sobre a vida da Virgem Maria para a Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, feitos quando da grande reforma sofrida por este templo em 186982. Dedicou-se também, na parte final de sua vida, à litografia e fotografia. Morreu no Rio de Janeiro em 1909. A PRIMEIRA “BALA PERDIDA” Nos últimos anos, a mídia tem cedido espaço para noticiar com freqüência as pessoas, em grande maioria inocentes, que são feridas ou mortas em conseqüência de balas perdidas. Termo que se generalizou, as balas perdidas são como ficaram conhecidos os petardos disparados em guerras urbanas ou não, normalmente envolvendo traficantes e policiais. Como sempre acontece, pessoas que nada tem a ver com o caso acabam sendo atingidas e, claro, nenhum dos dois lados assume a responsabilidade de ter dado o tal tiro, ficando o incidente em geral impune. Com a degradação da autoridade pública no Rio de Janeiro, fenômeno ocorrido nos últimos vinte anos, o número de vítimas inocentes só tem aumentado, contribuindo para a insegurança geral em que vivemos e o enlutamento das famílias das vítimas. 35 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Entretanto, séculos antes de Brizola, Benedita, Garotinho e Rosinha, o Rio de Janeiro já sofria de problema semelhante, se bem que, é forçoso dizer, em escala muito menor que nos dias atuais. No século XVI, o problema eram as flechas perdidas. Com efeito, quando Estácio de Sá fundou a cidade no morro Cara-de-Cão em 1565 o malefício já existia, tendo os moradores que colocar telhas de barro em suas casas para evitar as flechas dos índios Tamoios. Mandaram vir telhas de São Vicente, mas logo se começou a produzi-las aqui pelas mãos do oleiro português Duarte Martins Mourão. Esse homem ganhou muito dinheiro e no fim da vida arrendou para si uma lagoa, justamente onde hoje é o Largo da Carioca, para ali melhor produzir suas preciosas telhas. Isso não impediu que nosso primeiro governador e fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá, morresse em conseqüência de uma flechada no rosto, fato ocorrido durante a Batalha das Canoas, na Glória, em 20 de janeiro de 1567. Anos depois, em 1586, o vereador Antônio de Mariz Coutinho morreu em conseqüência de uma flechada às margens da Lagoa do Boqueirão, onde hoje está o Passeio Público. Com a evolução das armas de fogo, vulgarizadas aqui à partir do século XVII, o problema só piorou, mas, como tais armas eram ainda muito imperfeitas, por algum tempo os cariocas não as temeram. Entretanto, um fato ocorrido em fins do século XIX marcou a história de nossa cidade e repercutiu no seio da população por muitos anos. A 6 de setembro de 1893 estourou em nossa marinha de guerra uma revolta contra o Presidente Floriano Peixoto, rebelião que usava como pretexto não só um alegado descumprimento de nossa constituição, como igualmente interesses de uma restauração monárquica em nosso país. A Marinha do Brasil era, à época, uma das maiores do mundo e nossos navios bastante poderosos. Uma vez revoltados pelo Almirante Custódio José de Mello, ficou muito difícil a situação do governo, que já enfrentava uma revolução no sul do país. Floriano Peixoto reagiu com prontidão e mandou armar com canhões as colinas e a orla da cidade, mas essa medida defensiva por sua vez também expôs a população inocente aos tiros da armada rebelada. Alguns dias após o início da quartelada, o Almirante Mello intentou arrebanhar para sua frota o maior rebocador da esquadra, o Audaz, que estava ainda em mãos do governo e tentadoramente ancorado em frente da esquadra revoltada, nas docas da Alfândega, onde hoje existe o edifício da CONAB. Mello mandou uma guarnição se apoderar do navio, mas os marinheiros legalistas do Audaz reagiram vigorosamente, sendo apoiados por canhões postados na Praça XV de Novembro. Em represália, Mello ordenou que o encouraçado Aquidabã, a maior unidade revoltada, disparasse em resposta com o fito de dar cobertura aos atacantes. Pois bem, uma das balas do Aquidabã passou longe do Audaz, atingindo a torre sineira da Igreja da Lapa dos Mercadores, na esquina de Rua do Ouvidor com a Travessa do Mercado. A bala derrubou do alto da torre uma grande estátua de mármore português de Lióz, e que representava a Religião, na figura de uma bela jovem que segurava com a mão direita uma Cruz e a Bíblia. A estátua caiu de uma altura de 25 m e, mesmo assim, sofreu danos apenas num dos dedos e na base. A bala, por sua vez, prosseguiu sua trajetória destrutiva, indo se cravar no terceiro andar do prédio no. 22 da Rua Primeiro de Março, onde, na época, funcionava a maior relojoaria da Cidade, a Casa Norris, a qual, curiosamente, 36 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com era fornecedora dos cronômetros dos navios da esquadra. O tiro destruiu o observatório astronômico da loja, causando perda total dos equipamentos. O fato de uma bala tão poderosa não ter destruído uma imagem sacra de mármore repercutiu na imprensa, sendo considerado tal fato um milagre. Após o término da revolta em fevereiro de 1894, com a derrota de Custódio de Mello, a torre da igreja foi reconstruída pelo arquiteto Antônio Januzzi, sendo a estátua não mais ali recolocada e sim guardada na sacristia do templo, onde começou uma poderosa adoração que se perpetua aos dias atuais. A Casa Norris, por sua vez, amargou um prejuízo enorme, mas isso não a impediu de doar a dita bala à igreja da Lapa dos Mercadores, cuja Irmandade a tratou como relíquia, erguendo para ela um nicho na sacristia, ao lado da famosa estátua, onde ambas ficam expostas à curiosidade pública até hoje. Por vezes, tenho presenciado a pessoas devotas fazerem suas orações não só para a dita estátua, como até para a bala, como se ela fosse um santo moderno! Hoje, 110 anos depois, a Casa Norris não existe mais, estando em seu lugar o Restaurante Grill 22, mas tanto a estátua de mármore quanto a bala ainda continuam a chamar a atenção dos fiéis na sacristia da Igreja da Lapa, como a marcar uma época de tranqüilidade que se encerrava, prenunciando um século onde a violência seria um recurso banal e cada vez mais utilizado. MOLIÉRE NO “GERAES” Quando, em 1664, o teatrólogo francês Moliére escreveu a comédia “Le Mariage Forcé” (O Casamento Forçado), não lhe podia ter passado pela cabeça que, cento e vinte e oito anos depois, num país remoto, de existência política ainda duvidosa, viesse a sua comédia servir de afronta ao povo brasileiro no dia da morte de Tiradentes. Na noite de sábado, 21 de abril de 1792, subiu a cena a peça clássica de Moliére no Rio de Janeiro, num terreno baldio, defronte à igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, exatamente aonde hoje existem o prédio da Irmandade da Santa Cruz dos Militares e o sobradão onde está o Restaurante Geraes. O Vice Rei do Brasil, Conde de Resende, querendo marcar a data do enforcamento de Tiradentes duma forma original, contratou a equipe de teatro da única ópera em funcionamento no Rio, a de “Manuel Luís”, e que funcionava desde 1757 num casarão ao lado do Paço, onde hoje estão os fundos do Palácio Tiradentes. O elenco foi composto dos artistas “Lapinha”, “Marucas”, o José Inácio da Costa, com o apelido pouco lisonjeiro de “Capacho”, e o “Ladislau”, o cômico querido e festejado pela platéia. Dirigiu o espetáculo o teatrólogo Inácio Nascentes Pinto. Pouco depois do enforcamento de Tiradentes, ocorrido no Campo de São Domingos, onde hoje é a esquina de Avenida Passos com Rua Buenos Aires, o Vice Rei, sua família e autoridades pajeadas por grande massa popular, se dirigiram para a Igreja do Carmo, onde ocorreria um Te-Deum pelo malogro da Conjuração Mineira. Enquanto isso, na Rua do Ouvidor, onde, defronte à igreja citada da Lapa, estava sendo montado um tablado alto feito com tábuas e sarrafos oferecidos pelos madeireiros da travessa do Paço dos Governadores. Estavam postas palmas e bandeiras por toda a extensão da área baldia. O palco estava enfeitado com cortinas de seda adamascada e 37 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com sanefas de cetim-Macau oferecidas pelos marejantes das Índias, aqui estacionados, em despejo de suas embarcações. À tarde, enquanto o Vice Rei ainda estava na Igreja do Carmo, saiu à rua o bando anunciador do espetáculo da noite. Eram três as principais figuras do entremez, o “Gracioso” e dois “Barbas”, o primeiro vestido de arlequim e os segundos enfronhados em negro camisolão, burlescamente sarapintados, tendo ambos na cabeça um longo chapéu afunilado. À noite abriu-se o palco aos olhos da multidão. Moliére foi certamente “assassinado” como, ao meio dia, caíra assassinado na fôrca o pobre Tiradentes. Também não sabemos se o povo riu das patuscadas de Ladislau, ou se sorriu por medo da reação do Vice Rei. Em 1808, esse terreno livre foi ocupado por uma linha de sobrados coloniais que iam desde a Rua do Mercado à travessa do Comércio. Eram casarões erguidos por força do grande incremento das atividades comerciais devido à abertura dos portos brasileiros às nações amigas, ato assinado por D. João em 28 de janeiro daquele mesmo ano. No pavimento térreo, funcionavam lojas diversas. Num mezanino existiam os depósitos, e as famílias dos comerciantes residiam no anda superior. Estes velhos sobrados viram a Independência do Brasil, as peraltices de D. Pedro I na rua do Ouvidor, a Regência, todo o segundo Império, a Proclamação da República, a passagem para o século XX, e as reformas urbanas operadas em 1903/5 pelo Prefeito Pereira Passos. Demolidos na primeira década do século XX, em seu lugar surgiram vários sobrados novos, em rebuscado estilo eclético, acompanhando a moda no Rio de Janeiro. Num deles, o de esquina com a travessa do Comércio, justamente no local onde foi encenada a peça de Moliére, está já, há alguns anos, o Restaurante Geraes, cujo nome lembra, de forma muito feliz, o berço de Tiradentes. HISTÓRICO DO PRÉDIO DA “RIO PRAÇA XV LOGÍSTICA LTDA” – RUA DO OUVIDOR 18 – CENTRO A história da antiga praia entre a rua de Aleixo Manuel (Ouvidor) e a esquina de rua de André Dias Homem (Rosário) é bem conhecida, apesar de algumas lacunas subsistirem até hoje. Em tempos idos, no que é hoje a esquina de Rua Primeiro de Março com a do Ouvidor, existiu um forte, denominado “da Santa Cruz”, construído em 1605/8 por Martim de Sá. Recuando o mar e tornando-se imprestável o pequeno baluarte, ele foi doado em 1623 à Irmandade de São Pedro Gonçalves, festejado patrono dos negociantes e mercadores do tempo, constituída por militares, que em seu lugar ergueram uma capela dedicada à Santa Cruz, levantada pelos soldados em suas horas de folga e patrocinada com sobras de seus minguados soldos. Em 1628 foi a capelinha inaugurada, sendo muito pobres seu feitio e decoração. A Irmandade requereu à Câmara de Vereadores que lhes dessem o domínio das terras que o mar ia deixando atrás do pequeno templo, tendo obtido na ocasião a permissão de posse. Entretanto, em fins do século XVII, a Câmara voltou atrás e não só cancelou a posse dos terrenos, como os colocou em praça pública o que de direito já pertencia à Irmandade por mais de cinqüenta anos. Para melhor garantia de seus direitos, a Irmandade fez um pedido diretamente ao Governador do Rio de Janeiro, Francisco Xavier de Távora, o 38 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com qual, na ocasião, era também o juiz da própria Irmandade, e deste obtiveram pela carta de sesmaria de 16 de fevereiro de 1716 a propriedade de todos os terrenos de marinha, podendo fazer casas para maior rendimento da fábrica, do culto e do cemitério que se intentava fundar. Foi imposta apenas uma condição: todas as vezes que a Fazenda Real necessitasse dos ditos chãos para neles fazer alguma obra de defesa, a Irmandade consentiria nisso sem pedir indenização qualquer pela benfeitoria dos prédios demolidos. A Câmara protestou, pois existia uma carta régia datada de 23 de fevereiro de 1713, que vedava aos governadores do Rio de Janeiro dar sesmarias dentro da cidade, por pertencer esse direito a Câmara, competindo somente aos mesmos governadores conceder as dos sertões. Levada a questão ao Rei D. João V, a metrópole ratificou em 03 de outubro de 1722 a decisão de Távora, não como forma de sesmaria, mas a título de esmola com todas as cláusulas do documento de 1716. Firmada em tão generosa doação, foi a mesma mandada cumprir em 09 de setembro de 1723 pelo Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque. Somente assim pôde a Irmandade da Santa Cruz, associada à de São Pedro Gonçalves e depois só, construir prédios em todo o lado da Rua do Ouvidor até a Praça das Marinhas (Rua do Mercado). Mais folgada de rendimentos, pôde as duas irmandades levantar mais tarde novo templo (a atual Igreja da Santa Cruz dos Militares), cuja construção foi iniciada em 1777 e completada em 1811/2. Na sessão de 20 de janeiro de 1780, a Irmandade da Santa Cruz tomou para si a tarefa do erguimento do novo templo, pois a Irmandade de São Pedro Gonçalves não mais dispunha de numerário suficiente. À guisa de compensação, os Irmãos de São Pedro resolveram ceder e dar a parte que tinham em comum nos prédios da Rua do Ouvidor, ficando portanto, a partir desta data, a Irmandade da Santa Cruz como única proprietária dos imóveis. Pela confirmação de 1722, tudo quanto o mar fosse deixado na mesma testada era do domínio da Irmandade. Assim sendo, entre 1723 e 1750 mandou a Irmandade levantar naqueles chãos um grande sobrado com térreo, jirau e andar, o qual ia do beco da Lapa dos Mercadores (atual Travessa do Comércio), até o início da Rua do Ouvidor, continuando pela Rua do Mercado até quase a do Rosário. Esse imenso sobrado, um dos maiores do centro antigo, era alugado pela Irmandade a vários comerciantes de secos e molhados que ali mantinham seus negócios e residência. O mapa do Rio de Janeiro elaborado em 1750 pelo engenheiro militar André Vaz Figueira para o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela já definia o contorno da Rua do Mercado como chegou aos nossos dias. Um grande desenho em perspectiva, realizado em 1760 pelo engenheiro militar Miguel Ângelo Blasco para o mesmo Conde de Bobadela já mostrava o grande sobrado erguido na Rua do Mercado, bem ao lado do Trapiche da Cidade, na Rua do Rosário. Outro desenho, este feito em 1775 por Luís dos Santos Vilhena, confirma os dois documentos anteriores. Em 1792, depois de mais um conflito com a Câmara, que não se conformara com os privilégios obtidos pela Irmandade, esta obteve com o Vice Rei D. José Luís de Castro, Conde de Rezende, uma nova confirmação da carta de 1716. O artista austríaco Thomas Ender, que veio ao Brasil em 1817 com a comitiva da Imperatriz Leopoldina, deixou uma linda aquarela do casarão, o qual contava, do lado da Rua do Mercado, ao menos doze portas e igual número de janelas nos dois pavimentos superiores. É também de 1817 a 39 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com primeira listagem de ocupantes do casarão, com suas respectivas atividades. Em continuação da zona pertencente à Irmandade, hoje lado par da Rua do Mercado, até a do Rosário, tinham quatro braças (8,80m, ou quatro portas e janelas): Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiros, com armazém de secos e molhados; também com quatro braças, seguia-lhe José Antônio Barreto, varredor da Casa Real, com tanoaria e depósito de lenha; e, por último, com três braças (6,60m, ou três portas e janelas), o estrangeiro Alexandre Azupard, com açougue e depósito de lenha. Defronte ao dito sobrado existiam uns telheiros erguidos à partir de 1790 pela Irmandade para guarda de materiais para a obra da nova igreja da Santa Cruz. Entretanto, em 1817 o Intendente Geral de Polícia Paulo Fernandes Vianna se apossou deles e os aforou a terceiros, no que só fez iniciar um longo pleito judicial com a Irmandade, a qual saiu vitoriosa, retomando seus disputados telheiros a 22 de outubro de 1821. Treze anos depois, a Municipalidade mandou indenizar a Irmandade e botou abaixo os ditos telheiros, erguendo em seu lugar uma praça de mercado, a primeira projetada como tal no Rio de Janeiro, desenhada pelo arquiteto da Missão Artística Francesa, Grandjean de Montigny. Esse mesmo arquiteto, naquela ocasião, projetou o novo edifício da Segunda Praça do Comércio, um grande casarão na esquina da Rua Direita (hoje Primeiro de Março) com a do Rosário. Esses dois prédios, mais o da já existente alfândega do Rio de Janeiro, fundada no século XVII e que ocupava todo um quarteirão, da Rua do Hospício (Buenos Aires) até Rosário, transformou todo o trecho direito do Largo do Paço (atual Praça XV de Novembro), no grande pólo atacadista da cidade. Como conseqüência do crescimento econômico do Rio de Janeiro em fins do século XIX, resolveu a Irmandade da Santa Cruz dos Militares colocar abaixo o velho casarão e outras propriedades e em seu lugar erguer várias casas menores. Isso foi feito em partes. Em 1874, o prédio ainda aparece, mas já reformado, com o jirau convertido em andar e agora reduzido apenas a nove portas no térreo e igual número de janelas nos dois pavimentos superiores. A Irmandade mandou reforma-los novamente entre 1894 e 98, sendo que, no caso da fachada da Rua do Mercado, aproveitaram-se algumas das sólidas paredes externas, todas construídas em pedra, cal e óleo de baleia, colocandose nelas uma decoração eclética, tão ao gosto da época. Uma descrição vívida do comércio desse pequeno trecho da Rua do Ouvidor, entre as ruas Primeiro de Março e Mercado, nos é dado por Luís Edmundo, cronista do Rio antigo, que a descreve em 1901: ...”Ao invés de vitrines ou de lojas, mesmo de aparência regular, o que se vê é o armazém mal arranjado e sujo, com as réstias de cebola dependuradas pelos tetos, mantas de carne seca enodoando portais, o toucinho de fumeiro, à mostra o bacalhau da Noruega, o polvo seco em falripas, crucificado em ganchos, e, em meio a todo esse mostruário de comestíveis, a clássica, a eterna, a infalível ruma de tamancos!” “Desagradável e imundo esse trecho onde abunda o homem de indumentária reles, sobrancelhas carregadas, a berrar, no meio da rua, como num campo, em plena praia ou num deserto:” “-Ó estupoire, mande-me daí o António, que el tem de lebar o raio do cesto das compras à Saúde!” “E o Antônio responde, também, aos berros. O vendilhão retruca. Entra no diálogo o homem do burro-sem-rabo, espécie de Centauro da viação 40 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com urbana, que chega banhado em suor a maldizer o sol, atrelado aos varais do seu carrinho. Isso quando em meio a esse linguajar áspero, onde a obscenidade de permeio resvala, não irrompe o brado do italiano do peixe, de cesto ao ombro, vendendo a tainha, o badejo, o peixe-galo e o bagre, ou o assobio do moleque que vende puxa-puxa e bate com o pauzinho em uma caixa de folha, ou, ainda, o grito tornitroante do carroceiro apressado, mandando o transeunte trepar para a calçada, porque ele quer passar com a carroça:” “-Olhe, aí, este caminho, ó sua besta!” “Há de se concordar que a elegância da Rua do Ouvidor, nesse trecho, é um tanto precária. E cheira em demasia ao pouco amável tempo da Colônia. Os palavrões à parte.” “Imundo quarteirão!” -Sentenciava Edmundo. Em 1911, após um incêndio, o Prefeito Bento Ribeiro mandou demolir o velho mercado da Praça XV, transferindo todo o comércio de grosso para o novo mercado de ferro no Largo de Moura, inaugurado em 1907 com dezesseis ruas e mais de duzentas lojas, e do qual, hoje, só nos resta um torre onde funciona o Restaurante Albamar. Em 1924 o terreno do mercado foi permutado com a Bolsa de Valores, a qual, dez anos depois, mandou erguer sua nova sede. Com isso, diminuiu muito as atividades do comércio atacadista nas redondezas, atraindo comércio e serviços de maior categoria. O século XX foi, para o casarão da Rua do Ouvidor, canto da do Mercado, uma sucessão de múltiplos usos, desde armazém de secos e molhados até sede de uma instituição bancária. Pela sua vetustez, o grande sobrado serviu de pano de fundo a algumas cenas de produções cinematográficas e televisivas. Assim sendo, podemos vê-lo em algumas tomas dos filmes históricos “Mauá, o Imperador e o Rei”; “Policarpo Quaresma, o Herói do Brasil”; “O Xangô de Baker Street” e a minissérie da Rede Globo “O Quinto dos Infernos” Depois de anos de uma longa decadência, foi o prédio ocupado em fins do milênio pela Rio Praça XV Logística Ltda., a qual, depois de uma reforma, ocupou o casarão com serviços de carga e correspondência expressa da VARIG, mantendo naquele lugar uma tradição de mais de duzentos e oitenta anos no abrigo, transporte e expedição de cargas na cidade do Rio de Janeiro. O PRIMEIRO GOLPE DA GRAVIDEZ NO RIO Nos últimos anos, a imprensa em geral tem dado grande destaque a uma série de escândalos particulares de diversas personalidades no Brasil e no mundo. Um desses descalabros prediletos pela mídia é o chamado “golpe da gravidez”, que é praticado basicamente por belas jovens de amplos dotes físicos, mas de estreita moral, e que procuram dormir com atores, artistas, desportistas, enfim, qualquer figura endinheirada, com o fito dela engravidar e cobrar na justiça milionárias pensões para seus rebentos, claro, tudo devidamente amparado cientificamente pelo moderno teste de DNA. Essas mães, mais preocupadas com o dinheiro que vão embolsar, nunca pensam no que pode passar pela cabeça de seus espúrios filhos quando crescerem, até porque nem lhes interessam esse pormenor. O que importa é dar uma “facada” nas finanças do incauto, que passa a pagar pensão não para os inocentes bebês, mas para sustentar o luxo das impudentas mães. 41 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Pois bem, poucos sabem que o estratagema remonta, no caso brasileiro, a 1828; e o incauto, nesse caso, foi o Imperador D. Pedro I. Pudera, nosso primeiro monarca foi um grande conquistador de corações e exímio fazedor de filhos, bastando dizer que, em quinze anos de vida sexual ativa, D. Pedro I foi pai de 28 filhos, dez em seus dois matrimônios e dezoito fora dele. Até a quituteira negra do Palácio de São Cristóvão teve a honra de uma gravidez real, como também uma freira, na Ilha Terceira! Entretanto, o caso mais rumoroso e caro foi, sem dúvidas o de Da. Clemência Saisset. Em 1828, a rua mais importante do Rio de Janeiro era a do Ouvidor, local onde existiam as casa comerciais mais refinadas da cidade, em geral de propriedade de franceses. D. Pedro I, quando vinha de São Cristóvão para o Paço da Cidade, na atual Praça XV, passava com sua carruagem por ela e, com certeza, observava o animado comércio e, principalmente, as modistas francesas ali estabelecidas, com as quais não poucas vezes teve casos amorosos. Ultimamente, sua atenção estava voltada para a casa no. 98, defronte à Rua Nova do Ouvidor (atual Travessa do Ouvidor) um fino estabelecimento de modas e papéis pintados de Bernardo Wallenstein & Companhia. Mas sua atenção não era dirigida às roupas ou papéis de parede ali exibidos, nem era a figura do solteirão Bernardo ou de seu sócio, Pierre Joseph Félix Saisset, mas sim à bela figura da esposa do segundo, Da. Clemência Saisset, née Mëes, modista e bela mulher de vinte e cinco anos e já mãe de dois filhos, o último deles nascido em março daquele ano. D. Pedro I percebeu que a jovem lhe correspondia e concebeu engenhoso plano para conquista-la. Contratou Pierre Félix para colocar papéis de parede em todo o Paço de São Cristóvão. Enquanto o marido colocava os papéis nos salões imperiais, D. Pedro colocava-lhe chifres! De certa feita, Pierre Félix retornou mais cedo para casa e veio a encontrar D. Pedro I totalmente despido em sua cama! A esposa o convenceu que nosso imperador havia sofrido uma queda de um cavalo defronte à casa, e Da. Clemência, fazendo jus ao nome, o recolhera e despira (tudo no maior respeito, é claro...) para aplicar uma massagem de socorro. O marido fingiu acreditar, pois logo percebeu o quanto poderia lucrar com a situação. D. Pedro inclusive o autorizou posteriormente a colocar uma placa na fachada da casa, indicando o negócio de papéis pintados ser “Fornecedor da Casa Imperial”, motivo de muita gozação entre os vizinhos. Em novembro, Da. Clemência engravidou de D. Pedro e, para o escândalo não aumentar, no dia 30 de dezembro de 1828 o casal Saisset partia para a Europa, não sem antes ter todo seu negócio indenizado a peso de ouro pelo Imperador, recebendo Da. Clemência, dentre muitos presentes e dádivas, um saque de setenta e cinco mil francos e um título de pensão vitalícia. De quebra, D. Pedro ainda prometeu pagar a educação do pimpolho com mesada régia, às custas dos contribuintes. Em Paris, às seis horas da tarde do dia 23 de agosto de 1829, à rua Bergère, no. 17 bis; nasceu um menino, que passou a chamar-se Pedro de Alcântara Brasileiro, oficialmente filho de Pierre Saisset, antigo oficial de cavalaria francesa, de 32 anos; e de Da. Clemência Saisset. Durante a gravidez da esposa, tanto o Sr. Pierre, bem como Da. Clemência endereçaram muitas cartas ao Imperador e a seus procuradores, todas tratando de dinheiro, é claro. Os Saisset depois se mudaram para a Avenida de Sceaux, no. 2, em 42 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com Versailles, onde granjearam fama na sociedade local, tendo o casal feito larga propaganda do filho tido com o Imperador do Brasil, fato que o próprio Sr. Saisset alardeava como de grande mérito. Costumava Da. Clemência exibir aos amigos e visitantes os presentes oferecidos à ela pelo Imperador do Brasil, em especial um papagaio falante, bem como toda a correspondência amorosa de ambos. Entretanto, a renúncia do Imperador ao trono do Brasil, ocorrida a 07 de abril de 1831, bem como a morte precoce de D. Pedro, em Lisboa, a 26 de setembro de 1834 interromperam a remessa de dinheiro ao casal, fato que não passou sem poucos protestos. Após alguns anos, a Imperatriz viúva, Da. Maria Amélia, concedeu uma pequena pensão à criança, por alguns anos. Pedro de Alcântara Brasileiro foi educado num dos melhores colégios de Paris, o liceu “Louis le Grand”, e se bacharelou em letras. Casou-se e foi pai de duas meninas, indo afinal residir em San José de Guadalupe, São Francisco, Califórnia. Em outubro de 1864 recebeu a notícia do falecimento da mãe, morta aos 61 anos. Só então, por meio do advogado da família, recebeu uma pasta de documentos e veio a saber que era filho do ex-Imperador do Brasil. Pedro de Alcântara enviou então uma missiva ao seu meio-irmão brasileiro, nada mais nada menos que o Imperador D. Pedro II, pedindo uma ajuda de custo para a educação de seus dois filhos, haja vista que sua mãe, a finada Da. Clemência, havia torrado toda a fortuna da família em luxos e superfluidades. O Imperador não retornou a correspondência e o assunto morreu. Alguns anos depois, em 26 de agosto de 1877, quando D. Pedro II esteve em Londres, um dos filhos de Pedro de Alcântara, o Capitão de Fragata Ernest de Saisset tentou se encontrar com o Imperador, sem sucesso. E tudo ficou assim. IGREJA DA SANTA CRUZ DOS MILITARES - RUA PRIMEIRO DE MARÇO A Irmandade dos soldados da guarnição do Rio de Janeiro foi fundada em 1611 e, em 1623, estabeleceu sua capela no forte desocupado de Santa Cruz, fundado em 1585, da qual recebeu o nome. A capela da Vera Cruz, a partir de 1628, também serviu de local de reunião para os comerciantes e navegantes que festejavam São Pedro Gonçalves. A primitiva capela de Santa Cruz, foi construída pelos militares em suas horas de folga. As obras duraram cinco anos. Era tão sólida que serviu de catedral duas vezes, De 1703 a 1704 e de 1734 a 1737, pois a velha sé no morro do Castelo estava em precárias condições. Durante a invasão francesa ao Rio que ocorreu em 1710, comandada pelo corsário Jean François Duclerc, foi a capela de Santa Cruz atacada pelo famoso corsário. Próximo dela ele se rendeu. Foi saqueada ano seguinte pelas tropas de Duguay Trouin durante o segundo ataque francês, mas não foi destruída. Desde algum tempo tencionava a Irmandade em erguer novo templo. Em 1777 fez a planta o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, tendo sido lançada a pedra fundamental em 1o. de setembro de 1780, durando a construção um total de 22 anos. Foi seu construtor Mestre Antônio de Azevedo Santos, que levantou o grosso da obra entre 1794 e 1800. A talha foi feita entre 1805/12. A nova fachada do templo foi inaugurada em 1811 por D. João. A torre seria inaugurada ano seguinte, com os sinos. Quando pronta, Santa Cruz era a melhor expressão da arquitetura barroca jesuítica no Rio de Janeiro. Trabalhou 43 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com na obra de talha Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745 - 1813), artista genial que esculpiu a capela mór, arco cruzeiro e parte da nave. Continuou o trabalho Mestre Antônio de Pádua e Castro (1804 - 1881), que a concluiu em 1853. Ainda no século passado era o conjunto muito elogiado pelos visitantes. Nos nichos da fachada, foram colocadas as estátuas de São Mateus e São João Evangelista, esculpidas por Mestre Valentim. Hoje encontram-se ambas no Museu Histórico Nacional. As grades foram postas em 1830 e retiradas em 1903. A igreja contou sempre com bons protetores. O Governador Martim de Sá em 1623, D. João em 1811, D. Pedro I em 1828, o qual deu o título de Imperial à Irmandade e D. Pedro II em 1840. Como provedores, destacamos o Duque de Caxias, em 1870, e o Conde D`Eu, Ministro da Guerra de D. Pedro II. Em 1869, a pedido da tropa que combateu na Guerra do Paraguai, 10 bandeiras tomadas ao inimigo na Batalha de Avaí, no dia 11 de dezembro de 1868, foram entregues à Irmandade para ficarem depositadas na Igreja. Em seu interior foi rezada a missa de corpo presente em sufrágio da alma do Irmão Senhor Conde D`Eu, falecido a bordo do “Massilia” em 31 de agosto de 1923. Pouco tempo depois um incêndio quase destruiu o templo, que a custo foi salvo, sendo feita criteriosa restauração. Já no século XX, continuou a Igreja da Santa Cruz dos Militares a despertar respeito pela sua preservação, haja vista a riqueza artística de seu conjunto. Tombada pelo IPHAN em 1938, instalou-se na Irmandade a Sede do Secretariado do Ano Santo em 1955. De 1623 a 2000 são quase quatrocentos anos de participação da Irmandade na história do Rio de Janeiro. JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA - DADOS BIOGRÁFICOS Engenheiro militar e arquiteto. Nasceu em Portugal em c. 1720. Chegou ao Brasil no pôsto de Sargento-Mór de Infantaria, com exercício de Engenheiro, integrando a “Expedição Científico-Militar da América Portuguesa”, destinada a proceder a demarcação da fronteira sul. Em 21 de setembro de 1753, com este objetivo, chegou à cidade de Assunção na qualidade de comissário da terceira partida encarregada dos limites entre os rios Igurei e Jauru. A 24 de fevereiro de 1764, foi nomeado governador da Capitania do Rio Grande do Sul, tomando posse a 16 de junho seguinte. Foi promovido a Coronel em 18 de março de 1767 e, em 1775, empregado em trabalhos de fortificações na Ilha de Santa Catarina. Quando estava no Rio de Janeiro, em 1767, projetou uma muralha para o Rio de Janeiro e a planta da nova Igreja da Santa Cruz dos Militares, em estilo barroco jesuítico. Aliás, Sá e Faria foi 28o. Juiz da Irmandade da Santa Cruz dos Militares. Em 1777, com a invasão espanhola à Ilha de Santa Catarina, passou para o lado dos espanhóis, com eles passando o resto de sua vida. Projetou então a Catedral de Montevidéu e o Convento de São Francisco, em Buenos Aires. Fez também um projeto de catedral para esta cidade, não executado. Faleceu em fins do século XVIII, em Buenos Aires. Milton de Mendonça Teixeira. 44 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com