história da nossa família

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história da nossa família
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 36
CINCINATO PAMPONET
Em 1965 Maria e Virgilio resolvem mudar mais uma vez. Desta vez para um local melhor. Mudamos
para um apartamento na Rua Cincinato Pamponet. Era um prédio de dois andares e uma loja no
térreo: a CASA ALEGRIA de calçados. No mesmo andar tinha um apartamento que era ocupado
comercialmente pelo FOTO KUSSABA. O apartamento tinha água encanada, banheiro, sala, dois
quartos e cozinha.
Valfredo, jubilado no Olavo Bilac, vai para o Colégio Jácomo Stavalli na freguesia do Ó. Naqueles
tempos o aluno que repetisse duas vezes a mesma série era jubilado. É o que aconteceu com
Valfredo.
Já com namoradinhas, os filhos mais velhos promoveram algumas vezes bailinhos regados a Cuba
Libre (coca cola com rum) e Hi-Fi (vodca com Crush), que eram preparados em caldeirões e servidos
alegremente por Virgilio, enquanto Maria se encarregava dos salgadinhos. Tocava na vitrola músicas
da Jovem Guarda, principalmente Roberto Carlos, as baladas românticas italianas, Ray Connif,
Beatles.
A Jovem Guarda foi um fenômeno musical no Brasil. Na esteira dos rocks das décadas de 1950 e
1960, com Litle Richard, Elvis Presley, e o recente fenômeno Beatles, organizou-se, em 1965, um
programa na TV Record reunindo os jovens cantores comandados por Roberto Carlos, Erasmo Carlos
e Vanderléa. Rocks e Baladas Românticas eram os ritmos cantadas por vários cantores, duplas, trios,
quartetos e bandas, fazendo o maior sucesso com os jovens da época. Esse programa, além das
músicas, ditou a moda e o comportamento de uma geração inteira.
Nessa época entre os jovens ainda se dançava a dois. Eram músicas românticas, boleros, fox-trots,
sambas, bossa nova. Fazia muito sucesso, e fez por várias décadas, Ray Connif com seu suingue
dançante que embalava os pares. As músicas italianas faziam o maior sucesso no Brasil; eram
baladas lentas que os casais, agarradinhos, ficavam dançando no meio do salão, quase sem sair do
lugar, e que a gente chamava de “mela cueca”. Soltinho dançava-se o rock, o hully-gully, e a grande
sensação daquele momento: o Twist. Ritmo lançado com maior sucesso pelo cantor norte-americano
Chubby Checker com sua música LET TWIST. Tocava-se, e muito, os Beatles, tanto soltinho como
dançante a dois. E naturalmente as músicas que eram lançadas no programa Jovem Guarda.
Izildinha entra no ginásio no Jácomo Stavalli.
Em 1966, Pedro é convidado a ser gerente na Loja do AO BARULHO DA LAPA no bairro da Penha. O
grande sonho de Pedro era entrar na Medicina, o que era apoiado por Maria. Quando do convite,
Pedro cursava o terceiro do Cientifico no Anhanguera, e os exames vestibulares aconteceriam no
final do ano. Ficou a dúvida, continuar estudando e tentar os exames ou partir para a vida de
comércio. Pedro resolveu tentar os dois. Foi para a Penha em maio e se transferiu para o colégio
estadual da Penha. Ficou morando em um cômodo nos fundos da loja que servia de depósito de
mercadoria, na companhia de baratas e ratos que infestavam o depósito. A experiência durou quatro
meses. Resolveu se dedicar aos estudos, e retornou para o trabalho no escritório e ao colégio
Anhanguera. Wlademir foi substituir Pedro na loja da Penha.
Elias Nagib Breim, o irmão e sócio de Antonio Nagib no AO BARULHO DA LAPA, precisando
substituir o gerente da filial de Campinas, chama Pedro para conversar e o convence a gerenciar a
loja. Nesse caso era uma excelente oportunidade. A loja da Penha era pequena, portanto o ganho
como gerente, que recebia por comissão, era pouco. No caso de Campinas não, pois era uma loja de
seiscentos metros quadrados e a possibilidade de ganhar muito bem. Analisando as possibilidades,
Pedro sentiu que seria muito difícil cursar Medicina nas condições que a família vivia. Precisaria se
dedicar alguns anos só aos estudos sem poder trabalhar e ganhar para o sustento. A família vivia
com dificuldades financeiras, dez pessoas, sendo a maior parte abaixo dos quinze anos, como bancar
seus estudos? Percebendo que a oportunidade de trabalho nessa loja seria importante para todos,
com muita angustia desiste do projeto de ser médico, e em outubro de 1966 torna-se gerente da filial
de Campinas.
A loja estava em uma situação péssima de desempenho. Mal gerenciada, com suspeita de desvios,
estava mal abastecida de mercadorias e com prestigio abalado no comércio local. Ela ocupava o
quinto lugar de vendas na organização, que tinha sete lojas. Com a confiança renovada, Elias Nagib,
que acreditava muito no trabalho de Pedro, apesar de ter só dezoito anos, abastece a loja com tudo
que o novo gerente pedia. Em dois anos a loja passou a disputar com a Matriz o primeiro lugar em
vendas. Isso permitiu auferir ganhos altos com comissão e prêmios, o que trouxe um alívio para as
despesas da família. Outro fator para melhora de ganhos familiar foi que Pedro semanalmente trazia
cortes de tecidos e forros – naquele tempo os vestidos e saias tinham que ter um forro, normalmente
de alpaca, mais barata, ou cetim, para as roupas melhores, pois as mulheres não podiam deixar
transparecer suas formas. Com isso Maria foi ampliando suas vendas de costura, pois as clientes
poderiam, agora, escolher com ela os cortes de tecido, ganhando no feitio e na venda do pano, que
ficava integralmente para o orçamento familiar.
Com o Wlademir gerenciando a loja da Penha, apesar de pequena, ganhando suas comissões,
Vircério com um bom salário trabalhando na contabilidade, Valfredo defendendo seu salário de
menor como auxiliar de lojas, a família respira melhor.
Vircério termina o curso Técnico de Contabilidade no Colégio Olavo Bilac.
Pedro termina o científico no Instituto de Educação anhanguera.
Valfredo, então moleque de tudo, volta a ser jubilado e vai para o Colégio Estadual Piqueri.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 35
A MORTE DA VÓ MARIINHA
No dia que Vanderlei nasceu, a Vó Mariinha não se sentiu bem, mas minimizou o fato alegando
emoção por mais um neto. Na verdade ela tinha escondido de Maria que tinha tido um enfarto dois
anos antes. Sabíamos que ela tinha estado mal naquela altura, mas não que tinha tido problema com
coração. Ela sabia que Maria ficaria extremamente preocupada ainda mais que a irmã Amélia e o
irmão Zórdis tinham morrido recentemente de infarto fulminante. Morreu no colo de Maria no dia
três de fevereiro, quatro dias após o nascimento do Vanderlei.
Com um recém-nascido e ainda fraca do parto, lembremos que ela tinha trinta e nove anos, Maria
teve que lutar contra a dor e a fraqueza, e procurar um lugar adequado para sepultar a mãe, sem ter
dinheiro para comprar uma campa. Só tinha campa pública em cemitério longe, o que ela não queria
de modo nenhum. Usando o telefone da loja onde os rapazes trabalhavam, ligou para o cemitério
Bela Vista de Osasco, que nos informaram ter campa pública, mas que no final de cinco anos teria
que ser removida para um ossário na parede do cemitério. Foi a melhor solução. Osasco era mais
próximo e era onde viviam muitos Itamogienses conhecidos dela. Maria jurou que um dia compraria
uma campa para a mãe. O que realmente aconteceu alguns anos mais tarde, quando a Prefeitura de
Osasco vendeu, para os interessados, os terrenos do cemitério.
O corpo foi velado na sala de casa e na manhã do dia seguinte levado para Osasco. Fomos de carro
com motorista gentilmente cedido pelo Antonio Nagib, dono do AO BARULHO DA LAPA.
Mesmo com a dor da perda da mãe, da fraqueza do parto, Maria volta a costurar logo após o
enterro. Afinal tinha entregas de costura programadas e precisava receber algum dinheiro, as
despesas não paravam de acontecer.
Vamberto entra no Jardim da Infância, era a pré-escola. Mas dois acontecimentos o afastaram de lá.
Primeiro foi em uma festinha que cada um tinha que levar um pratinho de salgado ou doce. Com
muito sacrifício Maria compra um bolo Pullman. Mas sem dar nenhuma satisfação, não serviram o
bolo, alguma professora levou para casa ou dividiram entre si. A segunda foi mais grave. Com um
cheiro estranho no ar, a professora chegou perto da mesa que Vamberto estava sentado com outros
três colegas e, sem mais nem menos, o acusou de ter feito coco na calça e nem se deu o trabalho de
certificar se era ele mesmo. Lembremos que o Vamberto estava com quatro anos. Revoltado, foi
embora e não quis mais voltar à escola. Maria só soube do que realmente tinha acontecido alguns
dias depois em uma reunião com a professora. Mas não teve jeito de convencê-lo a voltar às aulas.
Vamberto fez algumas amizades na vizinhança. Fez amizade com o filho do dono da padaria e com o
filho do dono de um bar. Com isso ganhava algumas vezes guloseimas. Ele descobriu um depósito de
doces perto de casa, onde, vez por outra, descarregavam caminhão de sacas de amendoim.
Vamberto ficava esperando o final da descarga das sacas. Quando terminava, o pessoal do caminhão
varria o chão da carroceria, cheio de amendoim, que jogavam para dentro de um saco que ele
levava. À vezes enchia dois sacos. Com isso tínhamos, por vários dias, amendoim torrado, pé de
moleque, paçoca. O próprio Vamberto moía os amendoins em um moedor de ferro muito velho.
Vircério começa a namorar Naides, que trabalhava na loja também.
Virgilio volta a morar com a família. Com folga no orçamento compra um rádio-vitrola e uma coleção
de discos orquestrados em uma das ofertas das SELEÇÕES DO READER’S DIGEST, da qual Pedro
era um leitor voraz. Os sábados à tarde e os domingos de manhã eram com fundo musical desses
discos.
Pedro começa a namorar Elea, que trabalhava também na loja.
O trabalho do Valfredo, com 13 anos, no AO BARULHO era, entre outras coisas, ir de loja em loja
levar e buscar correspondência. Em uma dessas vezes encontrou-se comigo na loja da Penha. Fomos
embora juntos e pegamos o ônibus Penha-Lapa. Eu ia voltar para a Lapa e Valfredo ia passar na loja
do Bras. Desceu do ônibus e alguns segundos após, o motorista solta um grito e comenta alto: “O
garoto que desceu aqui foi atropelado”. Corri para frente do ônibus e vi que era o Valfredo. Pedi
para abrir a porta, desci correndo e fui até o carro que tinha atropelado. Já tinham posto Valfredo
dentro do carro. Gritei que eu era irmão e me puseram para dentro também. Valfredo me explica
que ao descer do ônibus atravessou a rua por entre os carros e na frente de um bonde que transitava
no mesmo sentido do ônibus. Ao passar o bonde olhou para o lado contrário na rua para ver se vinha
carro. Como estava livre continuou atravessando e, nisso, um carro que vinha na contramão o pegou
em cheio. No veículo vinham três vereadores de Santo André mais o motorista, que atrasados para
uma reunião na Assembléia Legislativa, avançaram pela contramão para passar os veículos parados
no semáforo. Os vereadores desceram do carro, puseram-nos para dentro e orientaram o motorista a
nos levar ao hospital mais próximo. Do hospital liguei para loja avisando o ocorrido, que estava no
hospital e que seríamos levados para casa assim que o Valfredo fosse atendido. Felizmente nada de
grave. Mas a angustia de Maria, dos irmãos e de muitos funcionários da loja, só acabou quando, já
noite, chegamos, com todos nos esperando na rua em frente de casa.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 34
VANDERLEI PRADO
O período de existência do VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS foi muita rica de vivência. Foram cerca
de dez anos de muitas atividades. Em uma idade que os garotos não teriam o que fazer, a não ser
estudar, eles ensaiavam quase todos os dias e faziam suas apresentações nos fins de semana. Mas
graças a isso, alem de auferir os cachês para sustento da família, viajaram, dormiram em hotéis,
comeram em restaurante; freqüentaram festas, quermesses; assistiram shows, apresentações de
circo; brincaram em parques de diversões; ganharam inúmeros presentes; freqüentaram televisão,
rádios. Coisas que, de outro modo, não teriam condições. Com todas as dificuldades e privações, foi
uma fase intensa, muito rica em experiências e acontecimentos felizes. Como disse Roberto Carlos:
“Se sofri ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.”
A família decide mudar de casa, voltando para a Lapa em 1962, para a Rua Felix Guilhem. Sala,
quarto, cozinha. O quarto tinha uma divisória de madeira, dividindo em dois cômodos. Banheiro no
quintal, para o qual se descia por uma escadaria. Era um sobrado antigo, na parte de baixo morava
outra família. O telhado velho, quando chovia muito, tinha várias goteiras, precisávamos pôr baldes
e bacias para aparar a água. Virgilio ergue um cômodo no quintal, ampliando o banheiro e
improvisando um chuveiro. Como não tinha água encanada, colocou um tambor em cima da laje, que
enchíamos com água quente e fria, abastecendo o chuveiro. Ao lado da casa, tinha um depósito de
papelão, repositório de muitos bichos e ratos.
Wlademir começa a trabalhar no AO BARULHO DA LAPA. Alguns meses depois Valfredo se emprega
também na loja. Em dezembro de 1963, Pedro muda de emprego e começa a trabalhar na mesma
loja.
Valfredo entra no ginásio no Colégio Olavo Bilac.
Apesar dos quatro mais velhos trabalharem, a condição de vida ainda era muito difícil. Um amigo do
Vamberto, que morava na vizinhança, quase cinqüenta anos depois observou: “Vamberto, eu era
pobre naquela época, mas vocês eram muito mais!!!!!!!”. Os seis mais velhos estudavam. Era muita
boca para alimentar, muito corpo para vestir e muito material escolar para comprar. Vircério ainda
fez algumas apresentações, mas VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS não mais se apresentavam,
deixando de auferir os cachês.
Apesar de toda dificuldade Maria engravida novamente. Não tinham acesso ou conhecimento de
prevenção, deixavam à vontade de Deus.
Vircério e Pedro terminam o ginásio no final de 1963. Vircério vai para o Colégio Olavo Bilac cursar
Técnico em Contabilidade. Pedro ingressa no Científico, como era então chamado o curso que levava
ao vestibular de Medicina, o sonho dele.
As brigas do casal continuavam deixando cada vez mais tensa a convivência. Até que, novamente, se
separam. Virgilio deixa a casa.
Sozinha, Maria continua se virando com a costura para por dinheiro em casa.
Chega de viagem a vó Mariinha para ajudar a cuidar da criançada durante o parto de Maria e sua
convalescença.
Sonia Ribeiro e Blota Junior oferecem maternidade para Maria, mas ela prefere dar à luz em casa
com uma parteira.
Em 30 de Janeiro de 1964 nasce o último filho, mais um homem. Chega ao mundo VANDERLEI
PRADO.
O nome VANDERLEI PRADO RIGONATTI estava prèviamente escolhido, caso nascesse menino, para
manter a tradição dos nomes masculinos com VPR e com a mesma quantidade de letras.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 33
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS
O FIM
Logo após a gravação do disco, Vircério foi trabalhar na editora do Mario Zan. O conjunto continuou
com suas apresentações em circo, radio e televisão. Em 1960 o conjunto foi contratado para tocar na
filial da loja do AO BARULHO DA LAPA em Pinheiros que pertencia a Antonio Nagib Ibrahim, que já
conhecia Maria desde que alugou a sala para a sua oficina de costura e que levava o Vircério à sua
casa para tocar com sua filha Tania. A gerente da loja queria que os garotos tocassem na frente da
loja, o que Maria não permitiu, ela queria que o conjunto tocasse dentro da loja. Com o impasse não
houve apresentação. Antonio, mesmo assim, pagou o cachê e convidou o Vircério para trabalhar na
loja.
Vircério estava entrando na fase de adolescência. Começaram as alterações físicas própria do
período com o rosto cheio de espinhas e, principalmente, a mudança de voz, que já tinha se
manifestado por ocasião da gravação da música Canção do Jornaleiro.
O Vircério era a alma do grupo. Era um grande músico, tinha a capacidade de ouvir uma canção
nova e tirar no acordeão. Tinha uma voz bonita, afinada e sabia interpretar com competência
qualquer música. Ele orientava os irmãos como tocar, como cantar os refrões. Pedro, apesar de
aulas de violão, não tinha bom ouvido para música, precisava do Vircério para saber o tom das
músicas e a sequência das posições. Wlademir tocava bem padeiro, começou a aprender bateria,
mas não se revelou um bom músico. Da mesma forma Valfredo, que tocava reco- reco e aprendeu a
tocar bongô, não se tornou bom percursionista. Izildinha, com seis anos, que dançava em algumas
músicas e era anunciada como A BONEQUINHA DO QUARTO CENTENÁRIO, por ter nascido em
1954, não desenvolveu o lado artístico. Assim o grande músico, cantor, o astro enfim, era Vircério.
Na medida em que foi mudando a voz, perdeu aquela voz aguda, limpa, encantadora. Com as
mudanças físicas perdeu o encanto do MENINO PRODÍGIO. Talvez faltasse alguém para orientá-lo e
o incentivasse a continuar como músico, para o qual não faltava competência. Trabalhando e
estudando, pouco tempo restava para desenvolver a música.
É de se admirar a trajetória do Vircério nesse período. Observe um garoto de cinco anos, imagine
com uma sanfona de tal tamanho que ele nem consegue ver o teclado tocando em um palco com
muita gente assistindo e ele tocando sem se intimidar. Coisa de MENINO PRODÍGIO. Observe um
garoto de oito anos, imagine ele ouvindo uma música e em seguida tocando essa música no
acordeão, de ouvido, ao mesmo tempo em que ensina aos irmãos como cada um deveria tocar em
seu instrumento e o que e quando cantariam. Coisa de MAESTRO. Imagine esse mesmo garoto de
oito anos, participando de comercial na TV, de peça teatral na televisão, em quadros humorísticos e
peças teatrais no picadeiro de circo, apresentando-se ao microfone, anunciando os irmãos e as
músicas que ia cantar, interagindo com o público, tocando e cantando todos os sucessos da época,
encantando o povo. Coisa de SHOW MAN. Imagine um garoto de doze anos em um estúdio gravando
com um artista consagrado, Mario Zan, com músicos experientes, sem tremer, com a maior
naturalidade. Coisa de ASTRO. Imagine um garoto com todos esses atributos, se relacionando com
artistas, empresários, homens de negócios, pessoas de diversas posições sociais, de igual para igual
com a maior desenvoltura e sem petulância. Coisa de GÊNIO.
Nossa admiração e reverência ao Menino Prodígio, Maestro, Músico, Cantor, Ator, Show Man, Astro,
Gênio. VIRCÉRIO.
Como o líder não se interessava mais pela vida artística, chegou ao fim VIRCÉRIO E SEUS
MANINHOS.
Maria, naturalmente, frustrou-se com a interrupção desse sonho, de ver seus filhos artistas. Afinal,
desde que notou dotes artísticos no Vircério, ela foi fundo no desenvolvimento da carreira dele.
Vinda do interior, morando na periferia, nada sabendo da vida do mundo artístico, Maria saiu em
busca de informação e do know-how desse meio. Contatou donos de circo, empresários, Rádio, TV, e
foi desenvolvendo a carreira musical do Vircério e posteriormente dos outros filhos. Aprendeu a
contratar shows, negociar cachês, optando, às vezes, pela divisão da bilheteria. Tornou-se uma
empresária dos filhos. Apostou nessa atividade uma maneira de vencer na vida. Contratou
professores para o Vircério, arrumou professor de violão para o Pedro, comprou bateria para o
Wlademir e o colocou com professor, comprou bongô para o Valfredo. Imagine fazer tudo isso sem
telefone, sem carro, morando na periferia, dependendo de ônibus, bonde, trem, normalmente duas
ou três conduções para chegar ao seu destino, muitas vezes não encontrando as pessoas certas, ter
que voltar, insistir, para arrumar um show, e, naturalmente, fazer toda peregrinação para levar os
meninos nas apresentações. Mas fazia com muita força mental, muita determinação, lutando e
acreditando que iria conseguir seus objetivos. Maria sabia que esse caminho só seria possível com o
Vircério. Assim, quando ele foi desistindo da carreira, foi muito difícil para ela assimilar. Buscou
outros caminhos, insistia com todos para estudar muito, trabalhar e conhecer pessoas que tinham
influencia e poder. Foi pondo na cabeça de cada um a busca por um objetivo: Vircério falava em
estudar advocacia, Pedro medicina, Wlademir engenharia. Enquanto isso incentivou a todos a
trabalhar no comércio, para ganhar seus salários e poderem pagar seus estudos. Sem saber, Maria
encaminhou os filhos para um ramo que no futuro iriam atingir os objetivos pretendidos por ela.
Vircério sofreu nessa fase uma mudança profunda de personalidade, de extrovertido passou a
introvertido. Isso preocupou muito Maria. Pediu para que eu falasse com um professor nosso no
ginásio, que era médico, para fazer alguma coisa por ele, porém sem sucesso. Com o tempo ela foi
entendendo que o caso do Vircério era o desencanto pela perda daquela vida de conto de fada. Foi
muito difícil para ele assimilar isso sem ajuda. Naquele tempo não havia recurso de terapia, nem
dinheiro para pagar alguém que pudesse ajudá-lo na superação da mudança de perspectiva de vida.
Maria contou para ele e, depois para mim, que certa vez uma vidente havia dito que o Vircério teria
aquele desempenho até a adolescência, que depois disso ele se tornaria um rapaz introvertido. Como
ela relatou isso alguns anos depois, na minha maneira de ver, ela elaborou essa previsão como uma
forma de confortar o filho, ajudá-lo a superar esse trauma. Era seu jeito de agir, arranjar uma
explicação paranormal para acomodar as coisas.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 32
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS
BRINCANDO DE ESCOLA COM MARIO ZAN
O auge da carreira do VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS foi a gravação de um disco, convidados pelo
grande Sanfoneiro do Quarto Centenário MARIO ZAN. Grande músico, segundo Luiz Gonzaga era o
sanfoneiro mais completo, Mario ficou famoso com a música QUARTO CENTENÁRIO. Feita para o
concurso de música em homenagem aos quatrocentos anos da cidade de São Paulo. Interessante é
que a música não foi a preferida pelo júri do concurso, pegou em segundo lugar, mas junto ao
público foi o maior sucesso, a música que ganhou ninguém se lembra. Mário Zan teve a idéia de
fazer um disco de músicas de crianças gravadas por crianças. Naquele tempo as músicas voltadas
para o público infantil eram gravadas por artistas adultos como CRIANÇA FELIZ que foi gravada por
CHICO ALVES, cantor de muitos sucessos. Mario escolheu vários artistas infantis. Fomos
selecionados porque Vircério era dono de uma voz bonita, afinada, e que interpretava muito bem as
músicas. Os MANINHOS fariam parte do coral que acompanhava as músicas. Vircério foi o solista
em três músicas: NOSSO BRASIL, uma linda música ufanista falando da beleza do nosso país,
CRIANÇA SAPECA, uma divertida música de um garoto que deixou o pai careca e a mãe velha
depressa. E BRINCANDO DE ESCOLA COM MARIO ZAN, a música que deu nome ao LP, e que foi
muito tocada nas rádios. Na música Vircério convida as crianças para brincar de escola, sendo ele o
professor que faz a chamada dos alunos, que respondem presente, e depois ensina o abecedário.
Para essa música Mário convidou a Izildinha, com cinco anos, e a Teresa, com tres anos, para
responderem presente na chamada. Naquele tempo uma música era gravada com todos participando
ao mesmo tempo: o cantor, o coral e os músicos. Se alguém errasse, interrompia a gravação e tinha
que começar tudo de novo, não se tinha o recurso de mixagem. Na chamada a expectativa era se as
duas responderiam certinho. A Izildinha não teve problema, deu seu presente de maneira firme e
bonita. Quando chegou a vez da Teresa, que estava no colo da Maria, ela não respondeu, apesar dos
cutucões que a mãe dava. Interrompeu a gravação e o Mário, muito amável, brincou com a Teresa
lembrando que ela tinha que falar presente. Começou nova gravação e, de novo, Teresa ficou muda.
Maria, envergonhada, pois não queria atrapalhar, sabendo que o estúdio era alugado por tempo
determinado, brincou com a Teresa dizendo: “Pronto, você já gravou”. Teresa, que não era boba nem
nada, desandou a chorar, dizendo que não tinha gravado e que queria gravar.
Mario, gentil mais uma vez, brincou e disse: “Vamos gravar de novo e dessa vez a Teresa vai falar
presente”. Recomeçou novamente e na vez da Teresa todos os olhares se voltaram para ela que, um
pouco atrasada, falou seu PRESENTE. Ufa. A última música a ser gravada houve uma disputa entre
o Vircério e um garoto da mesma idade de nome Vanderlei, que acabou ganhando a disputa. A
preferência era para o Vircério, mas quando ele gravou deu uma falseada, fruto dos problemas de
mudança de voz que já se manifestava nele. Como não havia tempo para uma nova gravação, aliado
ao fato do Vircério ter gravado três músicas e o Vanderlei nenhuma, acabaram dando a gravação
para ele. Poucos anos depois Vanderlei estourou nas paradas com essa música, em um disco solo. A
música chamava-se CANÇÃO DO JORNALEIRO e o cantor ficou conhecido como VANDERLEI
CARDOSO, que fez parte da JOVEM GUARDA.
BRINCANDO DE ESCOLA COM MARIO ZAN foi bastante tocado nos rádios e teve boa venda nas
lojas. Foi feito cartazes grandes com a capa do disco e colocado nas principais lojas do ramo.
Tocamos em todos os shows que fazíamos sempre com sucesso.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 31
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS
OS SHOWS
Fizemos
inúmeros shows aonde iam artistas já consagrados e outros que se iniciavam. Carlos
Gonzaga, em início de carreira, fazia shows conosco. Uma vez, sem dinheiro, pediu dinheiro
emprestado à Maria para poder pagar a condução para ir embora. Logo ganhou fama com a música
DIANA. Ficou famoso.
Tinha um sujeito, misto de empresário e apresentador, que fazia parceria com donos de circo. Em
troca de divisão da arrecadação da bilheteria, o proprietário entrava com o circo e ele montaria as
apresentações, contratando os artistas necessários. Todo final de semana fazia parceria com três
circos: abria o show em um, partia para o segundo fazendo o meio do espetáculo e encerrava o show
do terceiro circo. Por várias vezes contratou os MANINHOS para se apresentar em um dos circos.
Era chamando, então, de “Peru Que Fala”, apelido que foi lhe dado porque ficava muito vermelho
quando falava. E falava muito. Mais tarde tornou-se o famosíssimo SILVIO SANTOS. Como todos
aqueles artistas em inicio de carreira, Silvio também sofria com falta de dinheiro. Certa vez
estávamos todos esperando por ele na Radio Record, na Rua Quintino Bocaiuva, de onde sairíamos
para um show. Atrasadíssimo, chegou esbaforido, dizendo que seu carro, uma perua, tinha quebrado
e que teríamos que ir de taxi. Só que cada um teria que pagar o seu pois ele estava sem dinheiro.
Reembolsaria no final do show quando recebesse. Assim é a vida.
Em uma das apresentações que fizemos na Radio Record, cantou, também, Brenda Lee, americana,
dois anos mais de idade que o Vircério, e que estourava nas paradas nos Estados Unidos e aqui com
a música JAMBALAYA.
Tocamos na TV Paulista no mesmo programa que se apresentou um gaúcho chamado TEIXEIRINHA
que fazia o maior sucesso com uma música que contava a história da mãe que “morreu queimada no
fogo, morte triste e dolorida”. Popularmente a música ficou conhecida como “CHURRASQUINHO DE
MÃE”.
Tocamos no circo Piolin em uma temporada que tinha, também, um grupo de músicos composto por
pais e filhos. Entre eles tinha um garoto da idade do Vircério que tocava diversos instrumentos. Seu
nome era MANITO que fez sucesso mais tarde participando da banda OS INCRÍVEIS.
Fizemos algumas apresentações no famoso programa GINKANA KIBON, e tivemos a honra de
sermos apresentados por VICENTE LEPORACE e CLARISSE AMARAL, e posteriormente por
DURVAL DE SOUZA e CIDINHA CAMPOS. A GINKANA KIBON era o programa de variedades de
maior audiência de televisão da época. Era transmitido ao vivo aos domingos direto do auditório da
TV RECORD próximo ao Aeroporto de Congonhas. Participamos de um programa comemorativo
direto do Ginásio do Pacaembu, assistidos pelos jogadores do Corinthians que estavam concentrados
no estádio para o jogo que ia acontecer à tarde.
Tocamos em programa da saudosa SONIA RIBEIRO e fomos apresentados em outros programas por
BLOTA JUNIOR. Casal de apresentadores simpáticos que fez muito sucesso no rádio e na TV
RECORD.
Uma apresentação que marcou muito foi um show no circo de um misto de palhaço e dono de circo
chamado Xororó. Fomos contratados para abertura da apresentação do cantor mais famoso da
época: NELSON GONÇALVES. O espetáculo só seria ele e nós. Naturalmente fomos contratados
para entreter os espectadores até a apresentação do Nelson em função do nosso cachezinho, porque
trazer um artista daquele quilate era uma fortuna. Havia dois problemas: um era a expectativa se ele
teria condições de cumprir o compromisso. Usuário de drogas, ele deixava sempre os empresários
com insônia. A outra Xororó explicou para o público na abertura da, como se falava, função. Contou
Xororó que na semana anterior o artista contratado não compareceu e o público, furioso, quebrou
cadeiras, rasgou a lona do circo, fez o maior estrago, apesar de ter pedido para todos se dirigirem à
bilheteria para pegar o dinheiro de volta. Explicou, para a platéia, que não era culpa dele, pois o
artista contratado recebia 50% adiantado para participar. Ele lamentava o ocorrido e pedia
desculpas pela ausência. Mas, anunciou, “nessa noite não haverá surpresas desagradáveis, pois
teremos o grande NELSON GONÇALVES”. E completou: “Enquanto aguardamos a apresentação do
Nelson, vamos ficar com as músicas dos fabulosos VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS.” Entramos
apreensivos pela história do público furioso e sabíamos que o Nelson ainda não tinha chegado.
Estava programado tocarmos seis músicas. Quando acabou a última e o Vircério se preparava para
agradecer e dar boa noite, Xororó entra apressado no palco e, brincando, diz: “Vircério, o público
esta adorando as músicas de vocês, vou pedir para que vocês toquem mais algumas.” Pego de
surpresa, mas desenvolto, Vircério improvisa novo repertório. Porem, nós percebemos que na
verdade o Nelson Gonçalves não tinha chegado. Cada música que íamos terminando, olhávamos para
a coxia e víamos Xororó gesticulando, nervoso, para tocarmos mais uma. Estávamos apavorados,
com medo que, de repente, o público ficasse furioso e começasse a atacar cadeiras em nós. E foram
mais músicas. Notávamos que o povo já estava saturado de nos ouvir, gostaram, mas o que eles
queriam mesmo era o famoso cantor. No meio de uma música, vimos Xororó com os braços erguidos,
sorrindo e gritando: “Ele chegou”. Ufa, que alívio. Terminamos rapidamente e, recompostos,
assistimos a magnífica apresentação do grande NELSON GONÇALVES.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 30
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS
O CIRCO
Fizemos inúmeras apresentações em circo. O circo tinha uma importância enorme naqueles tempos.
Era onde todos os artistas se apresentavam para o grande público. A televisão estava começando e
era pequeno o número de casas que possuíam um aparelho de TV. Algumas rádios tinham auditórios
que eram salas pequenas. Outras rádios faziam shows em cinemas do bairro como o programa
RONDA DOS BAIRROS, mas eram poucos. O grande espaço, mesmo, eram os circos. Alguns em
lugares fixos como o circo do PIOLIN, e a maioria mudava de bairro em bairro, de cidade em cidade.
O formato de apresentações dos circos se estabeleceu na Inglaterra no século XVIII, mas os números
de contorcionismo, malabarismo, ginástica, ilusionismo, animais, já existiam há milênios. Foram
encontradas referências há cinco mil anos na China. No Egito, Grécia, Índia, também foram
encontrados registros. Em Roma foi erguido o CIRCO MAXIMUS, no século VI antes de Cristo, onde
havia apresentações de animais, gladiadores, disputas de bigas. No mesmo local do CIRCO
MAXIMUS, após sua destruição, foi construído o COLISEU. Da Inglaterra o circo, no formato que se
conhece, se espalhou pelo mundo todo. Perdeu, hoje, a importância que tinha, mas ainda existe em
bom número. Ganhou em sofisticação com o CIRQUE DE SOLEIL, mas, na essência, o formato são os
mesmos, com seus palhaços, mágicos, equilibristas, trapezistas, animais, malabaristas, ginastas e
apresentações musicais.
A programação do circo tinha, alem de músicos, palhaços, etc, um teatro. Nas matinés de domingo,
era encenada uma peça voltada para as crianças. Participamos algumas vezes da BRANCA DE NEVE
E OS SETE ANÕES no Circo Umuarama. Como éramos seis, até a Teresa participava, ficava fácil,
para o dono do circo, completar o elenco. O dono desse circo era um português, Sr. Batista, que
ficava na entrada controlando os ingressos e as apresentações dos artistas. O Vircério participou de
vários quadros de humor.
Toda segunda-feira empresários, donos de circo e artistas, encontravam-se na esquina do Largo
Paissandu com a Avenida São João. Durante um período foi na esquina com a Rua Dom José de
Barros, depois mudou para o outro lado da rua. Ficavam todos na calçada em frente a um bar. Como
se tomava muitos cafés, o local ficou conhecido como CAFÉ. Lá os empresários e os donos de circo
contratavam os artistas e acertavam os cachês. Íamos toda semana ao CAFÉ para arrumar nossos
shows. Normalmente ia a Maria com algum dos filhos, mas muitas vezes um de nós ia sozinho com a
instrução de procurar empresário conhecido para saber se tinha algum show.
Havia inúmeros circos naquela época que se espalhavam pelos bairros e cidades circunvizinhas. Em
geral tínhamos que pegar três conduções. Muitas vezes dormíamos no local, pois fazíamos o show do
sábado à noite, a matiné e a noite do domingo. Quando fazíamos apresentação só à noite, pedíamos
para tocar o mais cedo possível e corríamos para não perder o último ônibus para casa. Fomos tocar
certa vez em Bertioga. Para chegar lá tivemos que pegar ônibus do Piqueri até a Lapa, trem até a
Estação da Luz, trem até Santos e a balsa até Bertioga. O artista tem que ir onde o povo está.
Quando dormíamos no local, podíamos assistir a todos os quadros da noite. O que nos maravilhava.
Mesmo que o circo fosse dos mais simples, os shows variados que um circo apresenta deixa
encantado qualquer espectador.
Nosso repertório era de músicas conhecidas e que faziam sucesso na época. Tocávamos todos os
gêneros. Uma música que tocávamos em toda apresentação foi DIANA, a versão da música de PAUL
ANKA gravada com maior sucesso por CARLOS GONZAGA. Se não incluíamos no repertório o
público pedia, tínhamos que tocar. Naturalmente depois da gravação do BRINCANDO DE ESCOLA
COM MARIO ZAN tocávamos as três músicas que o Vircério fez o solo.
Alem dos cachês das apresentações, vendíamos, também, fotos do conjunto, tendo no verso algum
patrocinador. Depois de tocarmos, corríamos o auditório oferecendo a lembrança. Reforçava nosso
caixa.
A vida de artista não é fácil. Não importa os problemas pelo qual esta passando, o artista tem que
entrar no palco e fazer seu número de modo a entreter a platéia, fazer rir mesmo que esteja
querendo chorar. Certa vez, em um circo, estávamos prontos para entrar no palco. O número que
nos antecedia estava terminando e já estávamos alinhados na coxia aguardando ser anunciados.
Nisso o Valfredo deixa cair o pauzinho com o qual tocava o reco-reco. Por infelicidade o pauzinho cai
em um vão do tablado e ele corre para buscar. Mas havia um cachorro enorme amarrado bem no
local onde o Valfredo entrou. Ouvimos latidos e os gritos dele. Bem nesse momento o locutor
anunciou VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS. Tínhamos que entrar, o público já aplaudindo nos
aguardava. Entramos tremendo, assustados, sem saber o que tinha acontecido com o irmão.
Acalmamos um pouco quando, já tocando o primeiro número, fizeram sinal que estava tudo bem.
Soubemos depois que o cachorro tinha mordido o joelho do Valfredo.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 29
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS
O COMEÇO
Tudo começou com uma brincadeira. Enquanto Maria costurava, tocava no rádio uma música com o
sanfoneiro Mario Gennari Filho. Para provocar Vircério, ela diz que o sanfoneiro era um garoto da
mesma idade dele, quatro anos. Vircério não se fez de rogado e responde: “compra uma sanfona pra
mim que eu toco também.” Insistiu tanto que Maria arrumou uma professora e comprou uma
sanfona. Sem saber, Maria encontrou o caminho que levaria a família a suas conquistas.
Com ótimo ouvido, boa memória e talento, Vircério aprende rápido. Desenvolve melhor seu ouvido
por não conseguir olhar direito para o teclado da sanfona, ele ficava meio escondido atrás do
instrumento. Com sucesso nas apresentações para os conhecidos, Maria se anima em buscar
oportunidades para o filho. Vai ao radio Piratininga, à TV Tupi, empresários de circo. Reconhecendo
talento, dão oportunidade para Vircério se apresentar. O primeiro show foi em um circo, mal tinha
completado cinco anos. Ele foi anunciado como atração principal, ficando sua apresentação para o
final. Enquanto o espetáculo se desenrolava, comeu cachorro quente, pipoca, guaraná, doce, corria
por toda parte do circo, tanto que, exausto, pegou no sono. Na hora de entrar no palco, não teve
jeito de acordá-lo. A solução foi entrar com ele no colo e mostrar para o público que o artista estava
presente, mas que exausto pelas brincadeiras, não conseguia acordar e pedindo desculpas para o
público, anunciaram o fim da função. De repente alguém jogou uma moeda no palco, que foi seguido
por outros. Vircério ouviu o barulho das moedas, abriu o olho e ao ver aquele monte de moeda,
desceu do colo e começou a catá-las. O povo entusiasmado e rindo daquele garotinho correndo atrás
do dinheiro, jogou mais ainda, tanto que o Vircério precisou pegar seu chapéu para catar tudo.
Desperto, pegou a sanfona e deu seu show, fazendo seu primeiro sucesso. Logo o artista vai pegando
traquejo, aumenta o repertório, aprende a falar com desenvoltura no microfone e, logo, se torna um
MENINO PRODÍGIO. Faz apresentações em diversos programas de rádio, shows em circo, programa
de TV, como o CLUBE DO PAPAI NOEL da TV Tupi. Foi tocar, com sucesso, em algumas cidades do
interior. Em uma delas, o delegado de policia local, se encantou com o garoto, pegou-o no colo e
começou a brincar com ele. Sem querer, Vircério da uma cabeçada na boca do homem e lhe quebra
um dente. Desinibido, logo é convidado para fazer comercial na TV Tupi do Biotônico Fontoura e
fazer uma ponta em um teledrama para a TV sobre a Revolução Constitucionalista, com o diretor
Vicente Sesso. Toca no Teatro Colombo, que era palco dos grandes artistas da época, em show que
contava com a presença da Hebe Camargo e outros renomados artistas. Participou, em 1954, da
inauguração do Parque Ibirapuera, tocando com a banda do GENÉSIO ARRUDA. Em circos
participava de quadros de humor, sendo em alguns o protagonista principal. Deixo registrado um:
alguns homens no palco para quem é perguntado o que mais admira na mulher. Após a resposta um
padre ia dando a penitência: quem falava do cabelo tinha que rezar um Pai Nosso, quem falava dos
seios tinha que rezar um credo e dez Pai Nosso, quem falava dos lábios tinha que rezar dez Ave
Maria. O penúltimo falou das pernas: o padre mandou rezar um terço completo. Aí perguntam para o
Vircério: ele argumenta: “bem se os castigos foram esses para o que eles admiram na mulher, então
eu vou direto para o inferno”. Vircério tinha oito anos.
Com o relacionamento que ia desenvolvendo nas apresentações do Vircério, Maria vai deixando
aquele mundo limitado em que vivia. Vai percebendo que para crescer na vida tinha que conhecer
gente que tinha influência e poderes.
Nos shows a que o Vircério ia, Maria me levava também. Muitos começaram a questionar porque eu
também não aprendia um instrumento. Maria achou boa a idéia e me pôs a aprender reco-reco.
Tinha sete anos. Uma noite em um circo, enquanto Vircério tocava, o empresário Julio Moreno me
questionou se já tocava o reco-reco, disse que sim, e ele perguntou quando eu ia começar a tocar
nos shows. Disse que não sabia, ele respondeu: “então é hoje”. Maria, meio assustada, contestou,
mas não houve jeito. Entrou no palco assim que o Vircério terminou a música e disse: “Vircério, você
tem um irmão que toca reco-reco, não é?”. “Sim”, respondeu. “Bem, então tenho a honra de
apresentar mais um novo músico na família. Com vocês: Pedrinho”. Fui orientado a, quando
entrasse, cumprimentasse o público. Naturalmente era para falar no microfone. Porem, nervoso,
com as pernas bambas, vermelho de vergonha, assim que entrei no palco, levantei o braço e gritei:
“Boa noooooiiiiiiiiite”. O público entre surpreso e divertido respondeu boa noite enquanto ria muito e
batia palmas. No fim do show, na rua, quando íamos embora, muitos me reconheciam e gritavam:
“Ei! Pedrinho. Boa nooooiiiiiiiite”. Foi minha noite de glória.
Logo Maria teve a idéia de por o Wlademir para aprender a tocar pandeiro e o Valfredo a tocar recoreco. Arrumou um professor e pôs Pedro para aprender violão. Em um ano de aprendizagem e
ensaio, nascia VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS.
A estréia do conjunto se deu em um show da Radio Piratininga na Casa de Portugal na Liberdade.
Maria fez quatro camisas xadrez vermelho e branco para os garotos. Foi uma grande emoção para o
Wlademir e o Valfredo que se apresentavam pela primeira vez em um palco.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 28
A TELEVISÃO
A família, agora com sete crianças, alternava momentos tranquilos com dinheiro para as despesas e
ocasiões de falta total de recursos para comprar o que comer. Em um desses dias de penúria, em
que não havia nada em casa, nem comida nem dinheiro e nem era tempo de abacate, nosso mata
fome, Virgilio combinou com Maria que iria arrumar alguma coisa com o dono de uma casa que
estava construindo e traria na hora do almoço. Porem as horas passava e Virgilio não retornava. Já ia
pelas duas da tarde, Maria angustiada e as crianças com fome. Estávamos no quintal da frente
brincando quando um frango adentrou pelo portão. Ele havia escapado de um engradado de um
caminhão que subia lentamente a ladeira em frente da casa. Gritamos pela mãe enquanto corremos
para fechar o portão. Ela veio depressa e cercamos o franguinho. Maria pegou a ave e correu para
avisar o dono do caminhão. Mas, felizmente, o caminhão já estava longe para ouvir os gritos da
Maria, que, talvez, não foram tão altos assim. Com a consciência tranquila, pois tentou devolver,
Maria, com prática, torce o pescoço do bichinho, pega uma faca e corta o pescoço e deixa todo o
sangue se esvair para dentro de uma bacia. O sangue é um ótimo alimento, dá um saboroso molho
pardo. Com um pouco de arroz pedido emprestado à vizinha, Maria preparou o almoço. Com os
ossos e mais um pouco de arroz fez uma sopa saborosa na janta.
Nessa época comprava-se arroz e feijão a granel. Na feira ou no “vendão”, havia sacos de cereais
que se comprava por kilo ou fração. O problema é que, no caso do arroz, tinha-se que peneirar para
tirar impurezas, pedrinhas, palhas e marinheiro, que eram grão de arroz que não foi descascado nas
máquinas de beneficiamento. O feijão era esparramado na mesa e escolhidos tirando, alem das
pedrinhas e impurezas, feijões carunchados. A quantidade de perdas era grande. Leite comprava-se
em litros. Pra comprar óleo levava-se garrafa. Na venda, na feira ou nos postos da COAB havia
tambores com um dispositivo que sugava o óleo e enchia a garrafa. Muitas vezes havia
racionamento: faltava óleo, açúcar, sal, arroz, feijão. Pão fresco comprava-se filão, muitas vezes
comprava-se pão amanhecido que era mais barato. Manteiga, quando podia, comprava-se a granel.
Levávamos de lanche, no ginásio, pão com tomate, ou, quando não tinha nada, com açúcar. Para
lavar roupa e louças comprava-se sabão em pedra. Usavam-se pacotinho de anil para quarar roupas.
Quando havia dinheiro comprava-se, aos domingos, macarrão da Petibon que vinha em um pacote
azul. Para o molho latinha de extrato de tomate ELEFANTE que se acrescentava água para render e
misturar na carne moída de “segunda” ou pedaços de linguiça. Bebidas só quando dava o dinheiro
para comprar limão e fazer limonada. Às vezes tubaína para acompanhar a macarronada dos
domingos. Guaraná Antarctica quando era festa.
Uma das diversões dos meninos era o carrinho de rolimã com o qual brincavam em uma rua próxima
que tinha um bom declive para isso. Nos fins de semana fazíamos nosso tobogã. O fundo da casa
dava para um matagal, não tinha muro nem cerca. Tinha uma descida de terra onde tivemos a idéia
de jogar água e descer sentados em uma tábua de madeira. Todos participavam. Maria e Virgilio
ficavam assistindo, jogando água e morrendo de rir dos nossos tombos.
Curiosidade. Esse matagal no fundo da casa ia até a rua de baixo. Observávamos na rua caminhões
de feira pertencentes a alguns moradores feirantes. Em uma dessas casas tinham umas meninas
bonitinhas da nossa idade, mas não tivemos amizade com elas. Uma delas, a Mara, casou, anos
depois, com o Wlademir.
Os irmãos mais velhos brincavam com estilingue. Valfredo, certa vez, mirou uma estilingada na
árvore, mas a pedra passou entre a folhagem e caiu em uma vidraça. Alem da bronca da mãe, teve
que enfrentar o pai à noite. Virgilio chamou-o e mandou trazer o estilingue e disse: “Pegue a tesoura
da tua mãe e corte a borracha”. Cabeça baixa, cortou em vários pedaços. “Agora quebre a
forquilha”, disse Virgilio. A forquilha era de tronco de árvore, que pegávamos no matagal do fundo
do quintal. Por mais força que fizesse não conseguiu. Virgilio pegou de suas mãos e em um só golpe
quebrou a forquilha e não falou mais nada. Mas Valfredo não se deu por achado, dias depois fez
outro estilingue, agora com uma forquilha de plástico, inquebrável! Valfredo era o mais levado de
todos. Sumia durante o dia para ir nadar em uma lagoa formada ao lado do rio Tiete.
Virgilio fez um carrinho de madeira que os filhos brincavam levando as meninas pequenas. Valfredo,
Wlademir e Pedro saíam com ele à cata de latas pelas ruas do bairro, que vendiam para um depósito
próximo. Com o dinheiro ganho compravam doces e figurinhas para seus álbuns e bater a bafo.
Valfredo defendia alguns trocados polindo sapatos com sua caixa de engraxate.
VIRCÉRIO E SEUS MANINHOS faziam shows em circo e muitos eram distantes. Íamos, por exemplo,
à Mogi das Cruzes. Para se chegar lá pegávamos o ônibus do Piqueri até a Lapa, o trem até o Bras e,
em seguida, o trem da Central do Brasil, que tinha má fama, pois aconteciam muitos acidentes nas
suas linhas, sendo chamados de “trem da morte”. Em uma das vezes chegamos atrasados na estação
e perdemos o trem programado. Tivemos que esperar um bom tempo para pegar outro. No caminho
o trem parou e não pode seguir adiante, pois o trem da frente, o que perdemos, acidentou-se.
Escapamos por pouco. Nessas viagens passando de uma condução para outra, Maria ia carregando a
sanfona do Vircério e nós, atrás, os outros instrumentos e os mais velhos cuidando dos mais novos.
Maria andava um bom trecho e parava para dar um descanso do peso da sanfona, virava e contava
as crianças, todos os seis em ordem, retomava o caminho. Na volta dos shows se passássemos pela
Praça da Sé comíamos em um bar cachorro quente com muito molho, ou na Lapa, bem na esquina
da12 de outubro com a Cincinato Pamponet e Jorge Harrison, em frente às porteiras dos trens para
alcançar a Lapa de Baixo, comíamos pastéis em uma pastelaria existente nesse local. Que delícia.
Muitas vezes, porém, quando o dinheiro do cachê dos shows já estava comprometido com as contas
a pagar, passávamos diretos por esses pontos. Crianças, sem entender os problemas da vida, nós
ficávamos aborrecidos e, com certeza, Maria com o coração partido.
Em nossas idas à shows, fazer entregas das costuras da Maria, ou para ir trabalhar, pegávamos,
muitas vezes, os bondes abertos da Companhia Light, concessionária dos bondes. Nesses bondes os
passageiros entravam já direto nos bancos. Havia o motorneiro, que conduzia o bonde e o cobrador,
que ia de banco a banco pelo estribo lateral cobrando os passageiros. Esses cobradores eram muitos
espertos, sabiam de cada banco os que tinham ou não pago. Para fugir à cobrança a gente passava,
quando o bonde parava no ponto, de trás à frente ou vice versa até chegarmos ao destino. Fazíamos
sem sentimento de culpa pois sabíamos que os cobradores também desviavam dinheiro. Cada vez
que o cobrador recebia o dinheiro de um passageiro ele tinha que puxar um cordão que se estendia
ao longo do bonde até um relógio contador que ficava na frente e que fazia “Tlim”. Porem ele não
acionava tudo que cobrava. Na boca do povo dizia-se: “Tlim Tlim, dois pra Light um pra mim”.
Em 1961, com um pouco de folga no orçamento, decidiu-se comprar uma televisão. Naquele tempo
era um objeto de luxo, poucas casas tinham. Foi comprada financiada em 24 vezes. Vircério e Pedro
levaram as promissórias para o Blota Junior, que foi o fiador. Enquanto assinava toda a papelada
dava conselhos para eles trabalharem e honrarem o compromisso. Naquele tempo a televisão tinha
que ter uma antena, interna ou externa. A externa tinha que ser instalada no telhado para captar
melhor a imagem, um fio descia até o aparelho onde era acoplado. Para melhor qualidade da
imagem a antena tinha que estar voltada para os transmissores das TVs. Virgilio subia no telhado e
ia movimentando a antena, enquanto nós, embaixo, íamos gritando se estava bom ou não, gira um
pouco mais, passou, volta um pouco, até que a imagem ficasse nítida. Quando chovia muito e/ou
ventava forte a antena se movimentava perdendo a sintonia. Às vezes era necessário colocar um
pedaço de Bombril na conexão do fio da antena com a televisão para a imagem ficar melhor. Os
próprios transmissores das emissoras eram algo precário, muitas vezes a emissora saia do ar ou por
falta de energia ou por razões técnicas. Nessas ocasiões a TV ficava com a tela como se fosse um
chuvisco. Quando voltava a transmitir aparecia uma imagem de ajuste de sintonia. No aparelho de
TV havia um botão para ajuste de sintonia vertical e outro horizontal. Muitas vezes durante a
transmissão tinha-se que ajustar os botões, principalmente o vertical. A programação começava,
durante a semana, no final da tarde e terminava antes da meia noite. Assistíamos desenhos
animados no programa PULMANN JUNIOR: desenhos do Pato Donald, Mickey, Tom e Jerry, Pica
pau, e outros. Shows humorísticos: Chico Anisio, Moacir Franco, Show União. Circo do Arrelia,
Ginkana Kibon. Luta livre aos sábados e futebol aos domingos. Filmes: Bonanza, Patrulheiro Toddy.
O Wlademir enviou uma carta e foi sorteado no Patrulheiro Toddy, ganhando um uniforme completo
e fazendo inveja a todos nós. Os programas e os comerciais eram ao vivo, sujeitos a inúmeras gafes e
uma porção de erros, muitos hilariantes. Os comerciais eram feitos pelas famosas garotas
propaganda, que tinham status de Estrelas, ao vivo, e muitas vezes elas erravam, se atrapalhavam.
Em um comercial, por exemplo, uma voz masculina dialogava sobre o produto com a garota
propaganda, ela cometeu um erro e o locutor brincou sobre a gafe e a menina desandou a rir e não
conseguia parar, não terminando o comercial. Os anúncios do “programa a seguir” também eram ao
vivo o que permitia alguma brincadeira improvisada como aconteceu quando ia entrar o filme
Bonanza. Justamente nesse momento uma forte tempestade deixou a transmissão fora do ar.
Voltando após uns longos minutos, o locutor não perdeu a deixa e anunciou: “após a tempestade vem
a BONANZA”. Tempos românticos.
O relacionamento de Maria e Virgilio alternava bons momentos e discussões ásperas. Essas brigas
contaminavam a todos nós. Maria fazia nossas cabeças contra o Virgilio tornando a relação com ele
muito tensa. Virgilio não tinha nem paciência nem jeito para tratar com as crianças. Nervoso
discutia muito com os filhos.
Maria não era de tratar os filhos com muito carinho, porem não batia em nenhum, mas continuava
com suas ameaças de sumir, seu jeito de controlar a prole. Ela tinha um cuidado que muitas vezes
nós mais velhos não gostávamos: ela ia de cama em cama, à noite, caçando pulgas, que eram muitas,
em nossos pijamas e corpos e, como nos acordava, acabávamos brigando com ela.
As meninas, Izildinha e Teresa, entram no primário. Wlademir e Valfredo entram no ginásio.
Vircério foi convidado para trabalhar no AO BARULHO DA LAPA. Um dos proprietários, Antonio
Nagib Ibrahim, conhecia Maria, pois tinha alugado em 1950 uma sala na Lapa onde ela montou sua
oficina de costura. Ele levou algumas vezes o Vircério até sua casa para tocar com sua filha Tania. E
dessa relação surgiu oportunidade de trabalhar nessa empresa. Pedro substitui Vircério na Editora
do Mario Zan. Portanto mais um salário “de menor” para o orçamento da família. Não demorou
muito para Wlademir e o Valfredo irem trabalhar também na loja, o mesmo acontecendo alguns
meses depois com Pedro. Começava, então, a trajetória da família no comércio.
Vircério e seus Maninhos encerram suas atividades artísticas.
HISTÓRIA DA NOSSA FAMÍLIA –
CAPÍTULO 27
FÉRIAS EM ITAMOGI – Parte 3
Em 1961 Maria viajou pela última vez à Itamogi com a sua mãe viva.
Como o trem da Paulista chegou atrasado a Campinas, ao pegar a Mogiana não havia lugares
disponíveis, estava super lotado. Fomos todos sentados sobre as malas até chegar a Casa Branca,
metade do caminho. Outro desconforto foi perceber que a locomotiva não era mais a romântica
Maria Fumaça, ela foi substituída por uma sem graça locomotiva à Diesel.
Por causa do atraso do trem, a chegada à casa da Vó Mariinha foi tumultuada, pois estávamos em
cima da hora para o casamento de uma prima. Com casamento na igreja e almoço na casa da mãe
dela a Bina vizinha da Vó, desfizemos as malas ràpidamente para passar as roupas. O ferro de passar
daquele tempo era enorme e pesado dentro do qual se colocava carvão em brasa. Estava eu sentado
ao lado da mesa onde a Vó passava a roupa. O ferro era colocado sobre um tripé alto enquanto ela
preparava a roupa para passar. Em uma dessas paradas, dei uma esbarrada no tripé e o ferro caiu
em cheio sobre meu braço, provocando uma enorme queimadura. Colocaram pasta de dente e uma
atadura para proteger, visto que tinha que por a camisa branca de manga comprida e terno. Fomos
ràpidamente para a igreja, a noiva já estava entrando. Terminada a cerimônia fomos todos para a
casa da Bina para o almoço.
Hoje, com a liberdade e liberação sexual, tem-se uma idéia de que antigamente as moças eram muito
recatadas, principalmente em uma cidade interiorana. O que vou contar da uma idéia de que as
coisas não eram bem assim. Estava sentado, almoçando, quando uma moça muito bonita, que devia
ter uns 17 ou 18 anos, aproxima-se de mim, encosta os seios no meu ombro e com o rosto bem
próximo pergunta o meu nome e se poderia sentar ao meu lado. Meio sem jeito, afinal tinha 13 anos,
disse que sim. Ela conduziu a conversa e a cada argumentação minha ela tocava minha mão e,
algumas vezes, apertava meu braço, justamente na parte onde tinha queimado. Via estrelas, mas
com vergonha e empolgado por aquele assédio, não falava sobre o ferimento e agüentava firme. Ela
me convidou para visitá-la em São Sebastião do Paraíso onde morava. Aceitei e, dias depois, fui
visitar a Neguita, uma prima que morava na cidade. Encontrei com a menina e fomos ao cinema. Ela
levou uma amiga. Sentadas uma de cada lado não sabia bem o que fazer. Se com uma eu não tinha
experiência, imagine com duas. Mas elas tinham experiência e conduziram as ações. Isso é para
retratar que naquele tempo muitas coisas aconteciam. Tanto assim que muitos casamentos se
realizavam depressa. E interessante que com esses casais o primeiro filho nascia prematuro, com 6
ou 7 meses. Os demais filhos nasciam no tempo certo, com 9 meses.
Essa visita ficou marcada por ser a última vez que ficamos naquela casa. Aproveitamos bastante,
curtimos muito, principalmente Izildinha e Teresa que eram muito pequenas na visita anterior.
Vamberto, naturalmente, não se lembra, pois tinha um ano e meio.
Fomos muito felizes no pouco tempo que passamos na casa da Vó. Após a morte da mãe, Maria
vendeu a casa. Ela ainda existe, foi modificada por fora, por dentro não sabemos. Nas nossas idas
posteriores à Itamogi nunca nos animamos a pedir, aos novos proprietários, permissão para uma
visita. Não teria sentido. Ficamos com as lembranças.

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