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Psicologia das
Organizações
Gilberto Gnoato
Afonso Carlos Spina
Maria Inez Antonia Pelacani Spina
2009
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escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
G572
Gnoato, Gilberto. / Psicologia das Organizações. / Gilberto
Gnoato; Afonso Carlos Spina; Maria Inez Antonia Pelacani
Spina. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
164 p.
ISBN: 978-85-7638-759-6
1. Psicologia organizacional. 2. Comportamento organizacional.
3. Comportamento humano. 4. Psicologia. 5. Administração.
I. Título. II. Afonso Carlos Spina. III. Maria Inez Antonia Pelancani Spina.
CDD 158.7
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A
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Gilberto Gnoato
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Especialista em Antropologia
Filosófica e em Psicologia Clínica e Psicologia
Social pela UFPR. Graduado em Psicologia. Professor das áreas de Ciências Sociais e Humanas na
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e na Faculdade Dom Bosco. Psicólogo clínico, consultor e
palestrante.
Afonso Carlos Spina
Mestre em Administração Financeira com ênfase
em Custos. Especialista em Administração Hospitalar e da Saúde pela Faculdade São Camilo,
Controladoria e Auditoria Interna pela Faculdade SPEI, Finanças pela FAE/DCA e Gestão de
Negócios pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Graduado em Ciências Econômicas. Professor na área de Administração da Faculdade
Dom Bosco. Consultor na área da Saúde.
Maria Inez Antonia
Pelacani Spina
Mestre em Geografia com ênfase em Gestão e
Análise Ambiental pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Especialista em Educação pelo
IBPEX, Geografia pela UFPR e Literatura Brasileira e História Nacional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Graduada em
Estudos Sociais e Geografia. Professora e consultora Educacional e Ambiental.
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sumário
sumário
mário
9
Introdução ao estudo da Psicologia
9 | A Psicologia e seu objeto
22 | A história da Psicologia
41
Psicologia e organizações
41 | A Psicologia Social
44 | A Psicossociologia
45 | Identidade, personalidade e grupo
47 | Psicologia nas organizações
59
Abrangência do estudo psicológico
59 | Desenvolvimento da personalidade
63 | Percepção social
66 | Motivação
72 | Emoção
83
A Psicologia aplicada à Administração
86 | O comportamento humano nas organizações
92 | Processo de liderança
97 | Resolução de conflitos
108 | Estratégias motivacionais
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117
O indivíduo e o grupo
118 | O indivíduo
121 | O grupo
126 | A equipe
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Apresentação
Psicologia das Organizações
As empresas não são compostas apenas por máquinas e recursos financeiros, mas também por pessoas. Daí a importância do
estudo da Psicologia no âmbito empresarial. É necessário compreender como se formam os grupos e equipes, a influência da
personalidade na formação desses grupos, e como o ambiente
de trabalho pode interferir no desempenho profissional de cada
indivíduo. Assim, este livro foi estruturado de modo a construir
o conhecimento desde os primórdios da Psicologia até suas
contribuições para o desenvolvimento da Administração.
O primeiro capítulo discorre sobre as primeiras considerações
sobre a Psicologia e seu nascimento como ciência. Retrata a
noção de indivíduo no decorrer dos séculos, o surgimento dos
primeiros psicólogos e suas principais contribuições acerca da
Psicologia, assim como as principais correntes psicológicas.
Em seguida, no segundo capítulo, resume-se o surgimento da Psicologia Social e suas principais vertentes, entre elas a Psicossociologia, bem como sua visão sobre os conceitos de personalidade,
identidade, grupo. Introduz a Psicologia na esfera empresarial, diferenciando os principais aspectos da Psicologia Organizacional,
da Psicologia do Trabalho e da Psicologia Industrial.
O capítulo três abrange aspectos da estrutura psicológica do
indivíduo aplicado às questões cotidianas e profissionais, abordando temáticas referentes à personalidade, percepção, motivação e emoção, fundamentalmente, bem como as formas
pelas quais essas variáveis interferem na atuação empresarial
por parte da ação dos agentes nela inseridos.
Os últimos dois capítulos evidenciam as vantagens obtidas pela
empresa com a inserção da Psicologia como ciência colaboradora no entendimento das relações organizacionais sob o aspecto
de seus recursos humanos, bem como a valorização do trabalho
em equipe e/ou em grupos, pelas quais as práticas sociais se
viram enriquecidas, sobretudo no que tange às questões pertinentes à resolução de conflitos, sustentadas por importantes
correntes teóricas da Psicologia e da Administração, aplicadas e
comprovadas na prática cotidiana da vida empresarial.
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Introdução ao estudo da Psicologia
A Psicologia e seu objeto
Este capítulo apresentará, resumidamente, um relato histórico-crítico
dos caminhos percorridos pela Psicologia, na busca de uma teoria própria
e na definição do seu método e do seu objeto de investigação. Possuir uma
teoria, definir um método e ter um objeto específico são as três condições
mínimas para que o conhecimento se torne científico. No entanto, veremos
que a maneira pela qual o pesquisador se apropria de uma dada posição
perante o seu objeto de conhecimento, ou os motivos que levam-no a escolher esta e não aquela teoria, parece-nos tão fascinante quanto o estudo da
própria ciência.
As primeiras indagações que propiciaram o desenvolvimento da Psicologia foram motivadas por um problema que até hoje permanece como o
centro das reflexões dos estudos psicológicos. Isso se traduziria pela seguinte pergunta: há um indivíduo na sociedade ou uma sociedade no indivíduo?
Todo trabalho dos primeiros psicólogos, no final do século XIX e começo
do século XX, tinha a árdua tarefa de entender a relação existente entre o
mundo interno e o mundo externo. A partir desse contexto, as correntes da
Psicologia começaram a divergir para duas tendências opostas. De um lado,
aqueles que enfocavam mais a experiência do indivíduo na sua relação com
o mundo externo e, de outro, os teóricos que enfatizavam mais a exterioridade como modeladora do comportamento individual. O impasse acerca da
definição do seu objeto de investigação redundou na formação de diferentes correntes da Psicologia.
Bem mais recente, Sigmund Freud, em 1900, publica A Interpretação de
Sonhos. Ao fazer a análise do psiquismo, revela-nos, com mais propriedade
que seus antecessores, a existência de uma dimensão mental que estaria
fora da consciência, da lógica e da razão. Ele introduz a investigação do inconsciente ao fundar a Psicanálise. Os estudos da vida interior e individual
encontram sentido e significado com o desenvolvimento da Psicanálise. No
entanto, depois da publicação sobre os sonhos, o próprio Freud (1969) analisa os motivos que levam o indivíduo a viver em grupo e o comportamento
das massas. Esse trabalho mostra a preocupação que o pai da Psicanálise
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Psicologia das Organizações
tinha a respeito da relação entre indivíduo e sociedade ou, ainda, sobre as
fronteiras do mundo externo com o mundo interno:
[...] desde o começo, a Psicologia individual, nesse sentido ampliado mas inteiramente
justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também Psicologia Social. (Freud, 1969, p. 91).
[...] A Psicologia de grupo interessa-se assim pelo indivíduo como membro de uma
raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição, ou como parte
componente de uma multidão de pessoas que se organizaram em grupo numa ocasião
determinada, para um intuito definido. (Freud, 1969, p. 92).
[...] Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos, acha-se ligado por
vínculos de identificação [...] Cada indivíduo portanto partilha de numerosas mentes
grupais. (Freud, 1969, p. 163).
Para Freud, em alguns momentos de nossas vidas, o aspecto individual
pode preponderar sobre o mundo externo e as pessoas, mas, na maioria das
vezes, o indivíduo é o resultado do conflito das tendências interiores com as
forças da exterioridade e da ordem sociológica. Bem antes de Freud e mesmo
fora da Psicologia, o estudo das paixões sempre intrigou grandes pensadores. Benedictus em latim, Bento em português, ou ainda Baruch de Spinoza
(1632-1677), faz uma profunda categorização das paixões humanas, definindo a essência do homem pelo desejo. Dizia Spinoza (1979) que o homem
livre é aquele que não se deixa vencer pelas forças do mundo externo, e que
a liberdade é alcançada quando se consegue fazer algo que aumente a força
e o poder do desejo. A Psicologia Social, nos meados do século XX, coloca
em xeque a autonomia de uma interioridade governada pelo indivíduo.
Para a Psicologia Social, o sujeito não age como indivíduo quando está num
grupo. Ele age quase sempre tentando suprir a expectativa do seu grupo de
pertencimento.
A Psicologia é uma ciência nova. No Brasil, o reconhecimento da profissão e do curso de Psicologia se deu oficialmente no dia 27 de agosto de
1962, através da Lei 4.119. No entanto, o primeiro projeto de uma Psicologia
científica, surgiu no final do século XIX, na Alemanha, através do fisiologista
W. Wundt (1833-1920). Naquela época a Psicologia sofreu fortes influências
da Biologia, já que os primeiros psicólogos, de maneira geral, buscavam as
raízes biológicas do comportamento humano, acreditando que o biológico
organizava a vida psicológica dos indivíduos.
Assim como na história das outras disciplinas das Ciências Sociais e Humanas, também a Psicologia esteve presa a outras áreas do conhecimento. Sua emancipação sofreu um certo “atraso”, tal como aconteceu com a
Antropologia.
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Introdução ao estudo da Psicologia
A seguir, será apresentado um breve histórico acerca do atraso da emancipação científica da Antropologia, considerando sua fundamental importância para a formação do mundo acadêmico. Esta teve suas primeiras reflexões, antes de constituir-se como projeto científico, no século XVI, quando
se deu na Europa o período das grandes navegações. As viagens marítimas
levaram à descoberta dos novos continentes (o Novo Mundo) e, por conseqüência, a descoberta de novas terras revelaria também aquilo que seria
o futuro objeto de investigação da Antropologia: o exótico. No entanto, a
forma de compreender a diferença cultural naquele tempo passou pelo crivo
do pensamento vigente, qual seja: o estatuto religioso. Assim, as primeiras
indagações que o europeu fez acerca dos nativos do Novo Mundo passaram
por questões religiosas, tais como “Será que eles têm alma?” “Será que são
humanos?” “Eles acreditam em Deus?” Leia mais em Laplantine (1989).
O século XVII e o século XVIII foram marcados pela Filosofia. Especialmente
no Século das Luzes, quando o filósofo Jean Jacques Rousseau (1712-1778) é
convidado pela Academia de Dijon para escrever sobre por que somos diferentes. Ele escreve, então, o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens e conclui, ainda que através de um fundamento
moral, que o homem nasce bom naturalmente, mas a sociedade o corrompe.
Ver Rousseau (1993).
No século XIX, a Antropologia esteve presa à História e às idéias do evolucionismo biológico de Darwin, redundando na formulação da teoria do “Evolucionismo Social”. Os primeiros teóricos da Antropologia, sob o efeito da
Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, entenderam que, se houve uma
evolução tecnológica, poderia haver também uma evolução social, já que,
segundo o darwinismo, os humanos teriam vindo de uma espécie comum e
evoluído até ao homem moderno. Essa constatação produziu uma tendência
sociológica de que também as sociedades evoluem, mas algumas estariam
atrasadas no tempo, enquanto outras não. O problema dessa teoria está nos
“critérios medidores” utilizados pelos europeus, para compararem o atraso.
Foram usados, nesse estudo comparativo, fatores como crenças e valores,
tipicamente cabível do contexto “civilizado” e que não caberiam nos novos
continentes. Ver mais sobre tendências etnocêntricas em Rocha (1989).
O “espírito da época” marcou as Ciências Humanas de maneira diferente
das Ciências Naturais ou físicas, para citar dois exemplos. O problema existente nas Ciências Humanas é que nelas o investigador e o objeto de investigação fazem parte de uma mesma categoria. Ambos são humanos; ambos
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Psicologia das Organizações
têm consciência do elo que há entre eles e que os une como humanos e das
diferenças que os separam, na condição de pesquisador e sujeito de pesquisa. Essa particularidade não ocorre por exemplo com a Matemática ou com a
Astronomia. Nelas o objeto de estudo não contém a natureza humana. Não
contraria o pesquisador, não manifesta sentimentos e opiniões nem conduz
a pesquisa. No caso da Psicologia, essa relação se torna mais complexa ainda,
por tratar, em parte, do campo das emoções e dos sentimentos.
A plasticidade do objeto da Psicologia
O filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) queria uma Filosofia útil e
propôs uma reforma nas ciências. Acreditava na evolução do pensamento e
por isso propôs uma mudança radical na forma de se pensar o mundo. Por
exemplo, propôs, no seu Calendário positivista a substituição de Deus e da
religião pela ciência, por acreditar que a evolução do pensamento segue
de um estado teológico para a fase positiva (científica). O conhecimento
positivista caracteriza-se pela “previsibilidade” (ver COMTE,1980). Observase que esse modelo aplica-se com mais precisão para as ciências em que
o objeto de investigação é de natureza observável, descritível e objetiva,
diferente do caráter elástico e subjetivo contido no objeto da Psicologia.
No entanto, a corrente norte-americana dos estudos psicológicos adotou o
método positivista. Imagina-se que essa adoção tenha-se dado muito mais por
razões culturais do que científicas, se for considerado que a própria sociedade
estadunidense é funcionalista e mecanicista. O povo americano possui uma
mentalidade tecnicista e indutiva. Daí a identificação com o método comtiano.
Pelas mesmas razões, a Psicanálise não se arraigou nos Estados Unidos com
tanta profundidade como se desenvolveu na França. A tradição filosófica
francesa se identifica mais com a reflexão dedutivista e talvez, por esse motivo,
tenha se aproximado com mais familiaridade da tendência interpretativa do
método psicanalítico. Nota-se que a busca de um método para acessar o
objeto da Psicologia não segue a trajetória de um único caminho.
Outro ponto a ser considerado a respeito da “relativização” do objeto de
investigação e método da Psicologia está no fato de que as
Ciências Naturais estudam fatos simples, eventos que presumivelmente têm causas
simples e são facilmente isoláveis [...] A matéria-prima das Ciências Naturais, portanto,
é todo o conjunto de fatos que se repetem e têm uma constância verdadeiramente
sistêmica, já que podem ser vistos, isolados e, assim, reproduzidos dentro de condições
de controle razoáveis, num laboratório. (DAMATTA,1987).
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Introdução ao estudo da Psicologia
A matéria-prima das Ciências Sociais pode mudar de significado, não só
de acordo com o contexto em que ela se encontre, como também com a
tendência do pesquisador. Isso porque não é fácil isolar causas, motivações,
sentimentos e subjetividades, de tal forma que muito provavelmente dois
ou três psicólogos desenvolvendo um mesmo trabalho chegarão a conclusões diferentes. A esta altura, você deve estar se perguntando se a Psicologia
é ou não “ciência de verdade”. A resposta é que, dependendo da natureza do
objeto de investigação, a Psicologia poderá acolher tanto um método objetivo e indutivo, quanto um método dedutivo e interpretativo. Isso implica em dizer (apenas para citar um exemplo ao leitor) que se o pesquisador
quiser saber se as diferenças de gênero marcam as formas de estudantes
carregarem suas bolsas na universidade, tal trabalho parece convocar muito
mais um método observacional do que interpretativo. Por outro lado, se o
pesquisador quiser identificar, entre os mesmos estudantes, quais as representações mentais que um gênero tem a respeito do outro, possivelmente
a abordagem interpretativa parece estar mais aparatada para o propósito
desse trabalho.
Aproveitemos o exemplo dado por Geertz (1989) que utiliza a ilustração
do filósofo Gilbert Ryle (1900-1976), quando este descreve duas crianças piscando os olhos. A cena, muito óbvia, serve para que possamos refletir sobre
qual teoria o pesquisador vai utilizar para explicar um fato, aparentemente,
tão simples e “incontestável”:
Vamos considerar, diz ele, dois garotos piscando rapidamente o olho direito. Num deles,
esse é um tique involuntário; no outro, é uma piscadela conspiratória a um amigo. Como
movimento, os dois são idênticos; observando os dois sozinhos, como se fosse uma
câmera, numa observação “fenomenalista”, ninguém poderia dizer qual delas seria um
tique nervoso ou uma piscadela ou, na verdade, se ambas eram piscadelas ou tiques
nervosos. No entanto, embora não retratável, a diferença entre um tique nervoso e uma
piscadela é grande.
DaMatta (1987) retrata uma comparação semelhante à de Geertz, mas a
cena se passa em uma festa de aniversário. A questão levantada pelo antropólogo é a seguinte: como saber os motivos que levam um convidado a
comer uma fatia do bolo, oferecida pela efusiva aniversariante? Já que Roberto DaMatta defende a idéia de que não existe fenômeno social de causa
única, a gama de motivos que levariam os presentes até ao bolo, poderiam
variar desde fome a solidariedade ou mesmo por obrigação social de não recusar uma fatia da aniversariante. Além do que um observador que pudesse
ver o convidado comendo o bolo jamais poderia afirmar, não pela observação, sobre as razões que levaram-no a comê-lo.
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Psicologia das Organizações
Outro aspecto enigmático desse cenário é o fato de que toda atividade
humana carrega em si uma dimensão concreta e ao mesmo tempo uma dimensão simbólica. Se estamos com fome, com vontade de comer o bolo, a
ação concreta é comê-lo. No entanto, ao mesmo tempo que comemos, realizamos uma série de rituais que parecem satisfazer também a fome simbólica
e imaginária do ser humano. Há quem diga que o homem se satisfaz mais
discutindo o cardápio do que enchendo seu estômago. O biológico nesse
momento é preenchido pela segunda natureza humana: a cultura.
Imagine uma mão humana colocada a sua frente. Em princípio você diria
que essa mão representa apenas a natureza biológica do homem. No entanto, se colocado nela um anel de compromisso, o biológico se transforma em
cultural, já que agora o dedo anular será daqui para frente o representante
simbólico de um tipo de aliança social denominada de casamento.
Pudemos observar até aqui que há diferentes enfoques da Psicologia e
diferentes tendências em Ciências Sociais. Algumas correntes mais voltadas
para o comportamento individual enfocam mais os aspectos da interioridade. Outras, ainda, abordam a exterioridade. Convém, também, relembrar o
leitor, de que os primeiros psicólogos, no final do século XIX, sofreram forte
influência da Biologia. Por esse motivo achamos pertinente mostrar aqui algumas diferenças entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas. Não se
pretende com isso ignorar os aspectos orgânicos da vida ou abortar o Positivismo do campo da Psicologia: tendência adotada por algumas facções da
Psicologia Sócio-Histórica brasileira. Esta adota uma posição militante e vigilante no contexto das universidades e dos conselhos contra o Positivismo, o
Funcionalismo e a Psicanálise. Não nos incomodaria admitir a existência de
um certo grau da “natureza humana” desde que não fosse tão determinístico
e reducionista, como é parte da corrente Sócio-Histórica no Brasil.
O nascimento do objeto da Psicologia
Os animais morrem. O homem sabe que vai morrer. Por possuir uma consciência do seu eu, um bebê humano próximo ao oitavo mês de idade já consegue se reconhecer no espelho. Diferente de todas as outras espécies, o ser
humano se destaca nesse aspecto por ter desenvolvido mais que os animais
a noção de auto-imagem. Porém, esta é apenas uma face da sua identidade.
Somente a consciência cerebral não lhe garante resposta à célebre pergunta
feita perante o espelho da cultura e da sociedade: “Quem sou eu?”, perguntaria o indivíduo, cego à sua própria resposta e igualmente temeroso perante
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Introdução ao estudo da Psicologia
o que a sociedade vai responder. Aquele que procura saber sobre o seu eu
possivelmente encontrará melhor resposta se perguntar ao outro.
Sua racionalidade e sua sapiência não são suficientes para a existência
de uma criatura autônoma e independente. A começar por suas emoções e
sentimentos que acabam conduzindo a lógica e as idéias para os caminhos
imprecisos, e não menos verdadeiros, do desejo e da volição. Se a razão
cartesiana do século XVII colocou o homem na razão: “Penso! Logo existo”,
a Psicanálise de Lacan, no século XX, coloca o homem fora da razão:
“Existo também onde não penso”. O objeto da Psicologia não é apenas
subjetivo, como também não pode ser separado e destacado daquele
que procura investigá-lo. Ambos, pesquisador e o sujeito da investigação,
se interpenetram irreflexivamente, dando à Psicologia, como ciência, um
caráter relativo. Além do mais, existem diferentes enfoques acerca do que
é o objeto da Psicologia, se forem considerados os aspectos sociais, além
dos aspectos psíquicos que constituem o ser humano. Para ilustrar essa
afirmação, será apresentado a seguir um pequeno esclarecimento acerca
das categorias indivíduo, pessoa e sujeito.
A concepção do termo pessoa é adotada pela Sociologia, e também pela
Psicologia Social. Elas concebem a idéia de que, quando em grupo, o ser
humano age como pessoa e não como indivíduo. Isso quer dizer que a sociedade imprime papéis no indivíduo e este age como um ator social. Age
conforme aquilo que os papéis determinam que seja feito. Isso retira a noção
de interioridade psicológica, enfraquecendo sua determinação individual,
mas, por outro lado, fortalece os laços sociais.
Por outro lado, a noção de sujeito em Psicanálise designa um ser sujeitado ao seu próprio inconsciente. A consciência, a lógica e a razão não teriam
forças suficientes para produzir uma autodeterminação. Ao contrário, o
desejo inconsciente e desrazoado seria o senhor de si. Já, em Psicologia, o
indivíduo é aquilo que sua razão supõe que ele seja. Se, em Psicanálise, o
sujeito é aquilo que lhe falta ser, na Psicologia Social, a pessoa seria a junção
daquilo que ela diz ser, acrescido àquilo que o grupo espera que ela seja.
Já a noção de indivíduo foi adotada pela Psicologia, nas primeiras décadas
do século XX. Esta entendia que cada ser era portador de uma unicidade. Uma
espécie de essência própria que os psicólogos chamaram de personalidade. O
indivíduo, diferente da categoria pessoa, seria “senhor de si”, guiado pela vontade da sua consciência e orientado pela determinação da razão própria. Seria
um ser livre, com um grau de suficiência maior que o da categoria pessoa.
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Psicologia das Organizações
A noção de indivíduo
A seguir, será exposto o histórico acerca de como a noção de indivíduo
foi construída no ocidente. Apoiaremo-nos predominantemente nas idéias
de dois pensadores: o antropólogo Louis Dumont, conhecido na Antropologia com seus estudos sobre o individualismo nas sociedades modernas do
ocidente; e o sociólogo, médico e profundo conhecedor da Psicologia e da
Psicanálise, Norbert Elias.
Antes do século XVI, o indivíduo não existia. Sua vontade era a vontade de
Deus. O cristianismo produziu, segundo Dumont (1992), um “indivíduo fora
do mundo”, isto é, um indivíduo em relação a Deus. Ser cristão é ser como
Cristo, um ser abdicante da vida mundana. Tal como se dá entre os cristãos,
também na Índia, renunciar o mundo social seria a condição fundamental
para o desenvolvimento espiritual. Cristo, Buda ou os indianos desvalorizam
a vida social. A união dos indivíduos na Terra seria apenas um passo para se
encontrarem fora deste mundo; como descreve o antropólogo, “numa comunidade que caminha na Terra, mas tem seu coração no céu”(DUMONT,
1992, p. 41). Experimentar a vida social aqui seria possível, mas desde que
reduzida a uma “condição” abjudicada ao clero e ao cosmos.
O grande mestre introdutor da doutrina eclesiástica foi Santo Agostinho
(354-430). Seus ensinamentos fazem uma leitura da Filosofia a partir da fé
e, por fim, se apossam do homem introduzindo Deus na razão humana. Na
obra Cidade de Deus, ele propõe uma teocracia hierarquizando a Igreja, colocando-a acima da Filosofia e do Estado. Na sua lógica, o Estado deveria
prestar contas a Deus; dessa forma, o doutor da doutrina católica cristianizou a justiça. Trabalho que os iluministas, no século XVIII, tentaram inverter,
banindo da Filosofia e das Luzes a religião, as superstições e as crenças do
homem. Posteriormente, o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) reafirma essa posição no seu Calendário positivista, propondo a substituição de
Deus pela ciência. No entanto, até que o indivíduo viesse a nascer, teria que
aguardar a valorização ideológica da vida privada, fonte de onde provém a
noção de indivíduo.
A “complementaridade hierárquica” à qual refere-se Dumont (1992) atrasaria sua aparição, já que estaria ele preso à cumplicidade entre o Estado e a
Igreja. Materialmente o papa dependia do rei e, espiritualmente, o rei dependia do papa, o que equivale dizer, nos termos de Dumont (1922, p. 57), que “A
Igreja está dentro do Império para as questões do mundo e o Império dentro
da Igreja para as coisas divinas”.
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Introdução ao estudo da Psicologia
A Reforma da Igreja no século XVI
e o nascimento do indivíduo
O movimento renascentista marcou esse século pelo “florescimento
de especulações teosóficas e místicas que revelam a elaboração cada vez
mais livre do dogma e a tendência de acentuar a intuição livre e pessoal.”
(ROSENFELD, 2006, p. 51). O estudo do homem aos poucos vai diminuindo
a força da imagem central que até então ocupara a mente humana: Deus.
Aos poucos, o antropocentrismo se difunde e o interesse sobre a paixão
e a interioridade do homem se manifesta para além do sagrado. O marco
fundamental da libertação da razão divina foi a Reforma, iniciada por Lutero,
desenvolvida na Alemanha e prolongada por Calvino, na Suíça e na França.
Martinho Lutero (1483-1546) inicia a Reforma criticando a venda de indulgências, ou o perdão dos pecados através de donativos à Igreja. Também
criticou a veneração dos santos e outras coisas materiais, como o enriquecimento do clero. Tal como Calvino, não reconhecia o papa como chefe da
Igreja, mas sim a Cristo. Foi excomungado pelo papa Leão X em 1520 e em
resposta à excomunhão queimou a bula papal em praça pública. Dessa
forma, colocou a Bíblia e a fé acima da Igreja e dos santos. Traduziu o livro
sagrado para o alemão e abandonou os “hábitos monásticos” para depois
casar-se com Catarina von Bora, uma freira que abandonou o convento.
João Calvino (1509-1564): suas idéias principais encontram-se na obra,
escrita por ele, Instituição da Religião Cristã. Homem enérgico, colocava Deus
com total soberania sobre o indivíduo. Na sua teoria da predestinação, Deus
escolheria os indivíduos que seriam salvos e condenaria os não eleitos. Essa
posição provocou revolta entre os próprios calvinistas. Os revoltosos foram
chamados de “libertinos”, pois defendiam a liberdade humana. Em Genebra,
Calvino implantou a teocracia para a administração da cidade.
Conseqüências da Reforma
Coloca o indivíduo um passo à frente da Igreja, já que ele agora pode
falar diretamente com Cristo, sem a mediação do clero.
O indivíduo fica livre da instituição.
O indivíduo adquire auto-suficiência na relação com Deus.
Ocorre a “conversão do indivíduo no mundo” em oposição ao “indivíduo fora do mundo” nos termos de Dumont (1992).
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Psicologia das Organizações
Em Calvino, Deus daria a vontade aos homens. Anuncia-se o nascimento de uma interioridade, ainda que meio humana, meio divina.
O Estado moderno, a partir da Reforma, não tem mais cumplicidade
com o clero. Ele é governado pelo indivíduo livre.
Anuncia-se o arquétipo do individualismo.
Com o intuito de reafirmar que o caráter religioso institucionalizado retardou o nascimento do indivíduo e da sua subjetividade, convém lembrar
que de forma geral, a Filosofia moderna rejeita a presença de Deus na interioridade do homem. Segundo o filósofo alemão Friedrich W. Nietzsche,
considerado por alguns como aquele que abriu os caminhos da Psicologia,
a presença de Deus aprisiona a humanidade em falsos valores e limita seu
poder de conhecimento. Deus, em Nietzsche, seria a resposta para tudo que
o homem não sabe. Sendo assim, a crença na sua existência viria apaziguar
a ignorância humana. O filósofo propõe a morte de Deus para que o indivíduo possa nascer (lembramos que essa concepção se assemelha à de muitos
outros pensadores, como Comte, Marx, Freud, Foucault, Morin, entre outros).
Também ressalta-se a dependência do ser humano às divindades, que virão
salvá-lo da sua finitude, pois, sem a presença de uma entidade do “outro
mundo”, a consciência da morte tornaria insuportável a vida do homem. O
pensamento de Nietzsche propõe um indivíduo livre e soberano, identificado consigo mesmo e não à imagem e à semelhança de Deus. Sugere um
indivíduo liberado da moral e dos costumes, um “super-homem”. Este não estaria sujeito a crenças, costumes e valores da sua época. “O super-homem é
assim o indivíduo autêntico que cria seus próprios valores” (JAPIASSU; MARCONDES, 1990). Veremos que na Psicologia moderna, especialmente para a
Psicologia Social, as idéias de Nietzsche sobre o indivíduo são impraticáveis,
já que este, quando está na sociedade ou na presença de grupos, não age
como indivíduo, mas sim como pessoa, ou seja, um ator que cumpre “obrigatoriamente” os papéis sociais. Além do mais, o indivíduo não está livre da cultura, categoria de extrema importância para a constituição do psiquismo. A
cultura engloba o indivíduo de tal forma que seria ilustrativo, já que estamos
falando de religião, lembrar o que afirma o ateu convicto José Saramago: “[...]
quer queira, quer não, sou culturalmente cristão”.
A seguir, será feita uma análise de alguns pontos fundamentais que, no
século XVII, contribuíram para a emancipação da auto-imagem do homem.
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Introdução ao estudo da Psicologia
A noção de indivíduo no século XVII
Inicialmente, o leitor deverá levar em conta que, nas ciências do homem,
os fatos não falam por si e, diferentemente da Matemática, “onde os números
não mentem”, em Ciências Sociais essa afirmação é duvidosa. Os fatos nas
Ciências Sociais e Humanas passam a “existir de fato” quando uma teoria os
elege à condição factual. O leitor poderá lembrar agora das “piscadelas” de
Geertz, ou dos motivos que levam um convidado a comer um bolo de aniversário, no exemplo de DaMatta, citado anteriormente.
Pois bem, a mesma lógica dada à piscadela e ao bolo aplica-se às crianças, aos nativos do Novo Mundo, aos negros e assim por diante. Até a Idade
Média, as crianças eram tratadas como miniaturas de adultos. Tão logo adquirissem autonomia física para força de produção, eram postas a trabalhar.
Não havia o reconhecimento de um “mundo próprio” com uma lógica própria
da infância, porque não existia ainda nenhuma teoria do desenvolvimento
infantil. Logo, as crianças não existiam (ARIÈS, 1981). Hoje, existe o Estatuto
da Infância, em que a criança é reconhecida como um indivíduo e, por vezes,
abusivamente confundida, como categoria jurídica. A história da Antropologia nos mostra que os nativos do Novo Mundo não foram reconhecidos
como gente, pois, pela lógica eurocêntrica, foram considerados “povos sem
lei, sem rei e sem fé” (LAPLANTINE, 1989). Quatro séculos depois, com o esvaziamento da teoria do evolucionismo social, estabelece-se o relativismo cultural. Isto é, Franz Boas e Bronislaw Malinowski descobrem que cada cultura
possui uma lógica própria.
O século XVII concede ao filósofo francês, René Descartes (1596-1650),
as primeiras reflexões acerca da auto-imagem do homem. Descartes se perguntava se havia alguma certeza da existência que não fosse possível duvidar em circunstância alguma. Seu dilema se iniciou com a dúvida de ser
e existir. Perguntava-se Descartes: “Poderia eu acabar me convencendo que
eu mesmo não existo? Não, eu existo. Pois posso convencer-me de que sou
capaz de pensar em alguma coisa”[...] “Não me é possível pensar que não
penso e o pensar só é possível se eu existir” (ELIAS, 1994, p. 83). Logo, eu
existo. Eu existo porque penso, diria Descartes. Daí sua célebre afirmação:
“Penso! Logo existo”. As conseqüências das conclusões de Descartes produziram a partir do século XVII convicções como:
a concepção de um eu humano baseado na razão;
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Psicologia das Organizações
a certeza de uma “auto-imagem”;
o mundo agora existe, não apenas mediado por Deus, mas pela experiência do homem através dos sentidos (sensações, observações).
Anuncia-se uma outra realidade além do cosmos. A realidade da experiência mundana;
a experiência do indivíduo adquire sentido e significado;
agora o homem pensa por si próprio sem precisar recorrer à autoridade de Deus;
o indivíduo adquire a certeza não só de uma auto-imagem, mas da
própria existência;
Descartes utilizou-se do raciocínio dualista para entender a relação
mente–corpo. O dualismo seria uma “doutrina segundo a qual a realidade é composta de duas substâncias independentes e incompatíveis”
(JAPIASSU; MARCONDES, 1990). Descartes imaginava que o corpo era
constituído de matéria, mas a razão, a consciência e o eu, não seriam
feitos de matéria nem seriam a extensão do corpo. Teriam apenas uma
sede nele. Portanto, estariam ali instalados sem ser parte da sua extensão. Esse modelo de pensamento influenciou, no começo do século
XX, a forma de se pensar a relação entre indivíduo e sociedade, concebida pelos psicólogos desta época como categorias distintas.
René Descartes também marcou profundamente o fundador do Positivismo, Auguste Comte. O método positivista foi adotado pela Psicologia do
Comportamento (o Behaviorismo), nas primeiras décadas do século XX, nos
Estados Unidos.
A seguir serão apresentadas algumas idéias do filósofo Rousseau, opositor do pensamento cartesiano.
A noção de indivíduo no século XVIII
A concepção do filósofo Jean Jacques Rousseau, acerca da noção de indivíduo, difere frontalmente das idéias de seu antecessor René Descartes.
Vale destacar aqui a posição antagônica de ambos, porque ela nos será útil
para a compreensão das diferentes tendências da Psicologia moderna, pela
preocupação que ela dedica à dicotomia indivíduo e sociedade. Descartes
constrói a noção de “eu”, a partir da suposta autonomia do próprio eu, pois
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Introdução ao estudo da Psicologia
tinha a certeza de um eu dual e independente: “eu penso!”. Rousseau coloca
o “outro” na frente do eu, sendo que o reconhecimento de um eu se dá, antes
de mais nada, através da posição do outro.
Lévi-Strauss trata Rousseau como o fundador da ciência do homem, já que
esta, tal como a Psicanálise, enfatiza muito mais a questão do outro, (guardadas as devidas diferenças entre o que venha a ser o outro para ambas)
do que a questão do eu e do indivíduo, como enfatiza a Psicologia tradicional. Recentemente, sob influência indireta da dialética marxista, a Psicologia
Social de Abordagem Sócio-Histórica adotou o termo identidade, em oposição ao termo personalidade, por enfatizar mais a exterioridade, portanto
as condições históricas e sociais na constituição do sujeito (LANE, 2003). O
conceito de personalidade advém da tradição de que existe uma essência
única no ser. Essa concepção segue a raiz etimológica da palavra indivíduo
que designa algo único e indiviso; alguma coisa que contém características
próprias que as diferenciam das demais. Tal abordagem se aproxima mais do
dualismo cartesiano, enquanto que a noção de identidade pressupõe uma
dialética relacional entre o eu e algo com o qual esse eu se identifica. Estamos falando, portanto, de um outro. Diria que essa lógica é mais rousseauniana do que cartesiana.
O século XVIII foi marcado pelo Iluminismo, um movimento iniciado por
filósofos da época e que ultrapassou os limites da Filosofia, alcançando uma
dimensão também artística e política. O Século das Luzes, ou da Razão e
também conhecido como do Esclarecimento, baniu definitivamente da razão
humana o campo das crenças e superstições. Caracterizou-se pela defesa da
ciência e da racionalidade contra a fé. O projeto iluminista acreditava que o
conhecimento libertaria o “filósofo-homem” do apego às crenças e o tornaria
um ser autônomo pela razão e pela individualidade.
“O programa do Iluminismo era livrar o mundo do feitiço, sua pretensão,
a de dissolver os mitos e anular a imaginação por meio do saber.” (HORKHEIMER, 1980, p. 89).
O Século das Luzes, por fim, defendeu assim as liberdades individuais,
contra qualquer tipo de poder que estivesse acima do conhecimento e do
indivíduo.
Entre o século XVI e o século XVIII, o indivíduo estaria pronto para nascer.
Aquilo que seria o objeto de investigação da Psicologia clássica. Porém, esta
aguardaria ainda o século XIX para despertar apenas no início do século XX,
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Psicologia das Organizações
já que aquele século foi marcado pelo nascimento das ciências da sociedade,
e o século seguinte com o nascimento das Ciências Humanas.
A seguir, serão resumidamente apresentadas as tendências mais significativas para a compreensão cronológica da história da Psicologia, desde a Grécia
antiga até as tendências contemporâneas da relação indivíduo–sociedade.
A história da Psicologia
A gênese do pensamento psicológico
Há 400 anos a.C., entre os gregos, já havia uma preocupação sobre a
possível existência de um espírito que conduziria as ações humanas. Esse
espírito, chamado de psiché que do grego se traduz por “alma”, seria uma
entidade cósmica que antecede o indivíduo, ou seja, ela já existiria bem antes
de cada indivíduo nascer. Para o filósofo Sócrates (470-399 a.C.) a psiché é um
ser divino e imortal que vai além da pessoa, já que com a morte do indivíduo
a psiché reintegraria o sujeito numa ordem cósmica maior e impessoal.
Portanto, segundo Vernant (1987), a noção de indivíduo entre os gregos
não compartilha com a idéia de unicidade e interioridade, mas ao contrário,
ela concebe uma “existência” relacional. Uma espécie de continuação maior
entre o particular e o universal.
A origem do termo Psicologia vem do grego e quer dizer psiché (= alma)
e logos, logia (= estudo); o “estudo da alma”. No entanto, a própria noção de
alma entre os gregos foi se modificando.
Depois de Sócrates, especificamente a partir de Platão (428-348 a.C.) e
Aristóteles (384-322 a.C.), a psiché adquiriu uma personalidade mais humana,
esvaziando um pouco seus atributos cósmicos, na medida em que esses filósofos passaram a estudar características como a memória, a sensibilidade, a
paixão e os prazeres do homem.
O mundo da cidade cria o cidadão grego, um homem livre, possuidor
de direitos quanto ao espaço onde vive. A figura do cidadão parece ter
personalizado mais ainda os atributos humanos na alma. Ela se individualiza
e se humaniza na medida que se afasta da condição impessoal e cósmica de
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Introdução ao estudo da Psicologia
Sócrates, para adquirir sentido como cidadão que tem memória, sensibilidade
e paixão. O objeto de investigação de uma verdadeira Psicologia poderia ter
nascido antes, se não fosse o atraso provocado pela difusão do cristianismo
e a consolidação da Igreja. Esta se apropria da lógica aristotélica acerca da
teoria de como as coisas se movimentam. Ver Araújo (1998). Para Aristóteles,
o movimento pressupõe uma tração para que o mesmo não cesse. Sem esses
vetores, tudo voltaria ao estado de repouso. Essa força de tração inicial seria
natural e de causa única. Essas idéias serviram durante toda a Idade Média
para que a Igreja colocasse a presença de Deus no lugar onde Aristóteles
colocou a natureza.
Se pensarmos sobre a origem das primeiras indagações acerca das paixões, da inveja e de outros sentimentos que governam a vida humana, teríamos que admitir a existência de inúmeras “Psicologias” em tempos mais
remotos que o da ciência.
O apóstolo Paulo foi o maior difusor do cristianismo, através das suas conhecidas “epístolas”. Quando escreve aos corintos, fala sobre a importância do
amor para a vida humana. Para Rosenfeld (2006), Paulo atribuiu ao homem
carnal todas as faculdades psíquicas dos gregos: sensação, pensamento,
impulso etc. Porém, essas faculdades permanecem terrenas e naturais; não
seriam espirituais. Paulo funda um dualismo que separa o homem em um ser
carnal e um ser espiritual. Ambos providos de virtudes, mas apenas a parte
espiritual coloca o homem na proximidade com Deus. Isto é, sua “natureza
moral” estaria acima das suas qualidades intelectuais e físicas. Paulo torna a
alma imortal, enquanto que, entre os gregos, ela era mortal.
Durante dois mil anos, a vontade dos homens fora a vontade de Deus.
Isso implica em dizer que o homem ocidental cristão não era possuidor de
sentimentos próprios ou de uma interioridade passional que não fosse os
desígnios da Igreja. O cristianismo transforma então essa elevação a Deus
de um estado de êxtase, entre os gregos, a um estado de graça, entre os
cristãos.
De fato, o homem não existia. Até o século XVI, sequer sua imagem aparecia na arte. Apenas existia a arte sacra com afrescos e mosaicos de anjos,
virgens e santos. Foi necessário descobrir a subjetividade e a interioridade
humana para que a Psicologia pudesse surgir no quadro das ciências. É o que
veremos a seguir.
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Psicologia das Organizações
Os primeiros psicólogos
George Berkeley (1685-1753), segundo Rosenfeld (2006, p. 71), apresentou o primeiro trabalho puramente psicológico. Questionou o empirismo
experimental ao afirmar que as coisas somente adquirem o status de realidade quando passam a ser percebidas subjetivamente pelo sujeito. “Dissolve todo o mundo material em favor de um espiritualismo puro”; “Ser é ser
percebido”.
Em termos de um projeto baseado nas ciências concretas, o fisiologista
alemão, Wilhelm Wundt (1832-1920) é considerado como o primeiro psicólogo, dentro da história da Psicologia, porque foi o primeiro pesquisador a
apresentar um projeto que colocou a Psicologia como ciência independente
(FIGUEIREDO, 1992, p. 39). Também fundou o objeto da Psicologia, que para
Wundt é a “experiência imediata” do indivíduo com o mundo. “Experiência
imediata é a experiência tal como o sujeito vive antes de se pôr a pensar
sobre ela, antes de comunicá-la, antes de conhecê-la. É, em outras palavras,
a experiência tal como se dá”. Priorizou o estudo da consciência e processos mentais simples, como sensação e percepção. Para isso, utilizou-se do
método experimental e técnicas de observação do comportamento.
Procurou encontrar leis que ele imaginava que pudessem organizar as
funções mentais (sensação e percepção). A concepção de homem em Wundt
dá ênfase aos aspectos biológicos e à busca da “natureza humana”. No entanto, Wundt reconhecia uma independência da vida mental, isto é, “uma causalidade psíquica” que ia além dos princípios que explicam o funcionamento
dos organismos e além de uma “fisiologia”. Também reconhece a importância da cultura como o lugar onde se manifestam os processos superiores da
vida mental, por exemplo, a criatividade, a imaginação, o pensamento. Ao
analisar os processos superiores com os processos simples da vida mental,
Wundt conclui que
a experiência imediata não é nem uma coisa desorganizada nem uma mera combinação
de elementos: a experiência imediata seria o resultado de processos de síntese criativa,
em que a subjetividade se manifestaria como vontade, como capacidade de criação.
(FIGUEIREDO, 1992).
Assim, pode-se dizer que o projeto de Wundt para a Psicologia reconhece tanto uma causalidade física (aspectos biológicos ambientais) como uma
causalidade psíquica (criatividade, pensamento, imaginação etc.)
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Introdução ao estudo da Psicologia
As correntes da Psicologia
O Estruturalismo
Edward Bradford Titchener (1867-1927), o principal difusor das idéias de
Wundt nos Estados Unidos, foi um dos seus mais famosos alunos. Titchener
colocou a Psicologia no campo das Ciências Naturais, pois não reconhecia a
experiência imediata como Wundt o fazia. Justificou os fenômenos da vida
mental através de uma causa fisiológica. “Titchener não nega a existência da
mente, mas esta perde sua autonomia: depende sempre e se explica completamente em termos do sistema nervoso” (FIGUEIREDO, 1992, p. 42). Denominou sua teoria de Estruturalismo e elegeu, como Wundt, a consciência como
objeto de estudo. Definiu-a como sendo a soma das experiências humanas.
Buscou a “natureza” dos processos mentais simples (sensação, percepção),
conectando-os aos processos fisiológicos (SANCHES; KAHHALE, 2003). Não
há lugar para a subjetividade e criatividade em seu projeto, demasiadamente reducionista, na medida em que sua concepção de homem é apenas mecanicista e fisiológica. Com isso, a Psicologia perde sua independência, como
queria Wundt.
O Funcionalismo
William James (1842-1910) introduziu o Funcionalismo na Psicologia. A
partir dele, desenvolveu-se nos Estados Unidos a corrente dos psicólogos
funcionalistas, como J. Dewey (1859-1952), J. Angel (1869-1949) e H. Carr
(1873-1954). Partem de um pressuposto organicista concebendo o homem
como um “organismo”, tal como qualquer outro ser vivo e, sobretudo, depende da capacidade de adaptação ao meio, para evoluir. O homem seria
o resultado de “uma interação adaptativa”. A natureza humana oferece possibilidades de sobrevivência; no entanto, cada indivíduo teria uma capacidade própria e peculiar de se adaptar. Essa teoria teve origem nas idéias de
Darwin.
A contribuição maior de James foi enfatizar a influência do ambiente para
a compreensão do processo de adaptação e sobrevivência. Isso implica em
reconhecer a importância dos “contextos” e das “condições de vida” na sua
relação com a consciência. Ela não é apenas fisiológica, como no processo de
Titchener. Aliás, faz oposição à esta escola e às idéias de Wundt, na medida
em que entende que a sociedade funciona como um corpo humano, no qual
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Psicologia das Organizações
as funções de cada órgão estariam ajustadas a funcionarem integradamente,
de forma a produzirem um equilíbrio na sua totalidade, integrando e interagindo com os indivíduos.
O Funcionalismo foi a primeira escola americana de Psicologia e teve
como sede para seus estudos a Universidade de Chicago. Além dos funcionalistas citados acima, temos também representantes como Baldwin (18611934); Judd (1873-1946); Ward (1843-1925); Stout (1860-1944); Höfftding
(1843-1931); G. H. Mead (1871-1936). Essa corrente rompe com o método da
observação, muito freqüente nas escolas anteriores, porque “as funções não
podem aparecer na experiência direta e, portanto, não podem ser objetos de
observação” (HEIDBREDER, 1981, p. 181). Também rompe com o tradicional
dualismo, mente–corpo. Em seu esquema, os aspectos mentais e físicos da
experiência são tratados como uma unidade funcional.
O Behaviorismo ou Psicologia do Comportamento
Destaca-se por rejeitar alguns elementos da consciência, para enfocar o
comportamento explícito. Essa corrente é marcada pela influência da Biologia e das idéias de Charles Darwin (1809-1882). Categorias como reforço,
condicionamento e aprendizagem são pontos centrais do Behaviorismo.
Essa corrente se divide em duas tendências. O Behaviorismo radical, preso à
Biologia, e o Behaviorismo cognitivo que afasta-se mais das Ciências Naturais para levar em conta as relações sociais na constituição do indivíduo.
Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) ao estudar o reflexo salivar observou
ser possível provocar a salivação, entre cães, sem a presença do alimento.
Um estímulo externo, como luz, campainha etc., se associado ao momento
da refeição, passa a ser um “reflexo condicionado”. Ao associar o som com a
comida, um toque da campainha seria suficiente agora para provocar saliva
no animal. No entanto, foi Watson quem desenvolveu uma Teoria Comportamental aplicada aos humanos. Apesar disso, tanto Pavlov como Watson
poderiam ser enquadrados na categoria de behavioristas radicais.
John Broads Watson (1878-1958), fundador da corrente behaviorista,
partiu do princípio de que a Psicologia deveria romper com o passado e
livrar-se do conceito de consciência. Considera todo conceito de consciência uma crença, uma herança medieval e supersticiosa sobre a alma, “não
merecedora de consideração científica” (HEIDBREDER, 1981, p. 207). Watson
dizia que, para a Psicologia se tornar ciência, deveria deixar de ser como as
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Introdução ao estudo da Psicologia
Psicologias até então “mentalistas” e “seguir o exemplo das Ciências Naturais: tornar-se materialista, mecanicista, determinista e objetiva. Pressupor o
mental é abrir caminho para o místico e para a magia.” (HEIDBREDER, 1981,
p. 208). Watson rejeita a consciência, dizendo que seu conceito nada mais é
do que uma substituição ao conceito de alma dado pela tradição religiosa.
No entanto, mesmo que ela existisse, não seria passível de estudo, pois não
poderia ser colocada num laboratório, nem experimentada ou observada.
Watson formou-se na Universidade de Chicago, Estados Unidos, e recebeu
dela o primeiro título de doutor dado a um psicólogo por aquela instituição.
Watson valoriza a experiência imediata do indivíduo com o meio. Substitui o
estudo da consciência pelo estudo do comportamento, fundando uma Psicologia comportamentalista.
B. F. Skinner (1904-1990), ao contrário do Behaviorismo radical, leva em
conta a experiência subjetiva, afastando-se da experiência imediata do indivíduo com o meio. Faz o caminho inverso. Parte da sociedade para o indivíduo,
já que ela seria o grande molde da aprendizagem individual. A manutenção
do comportamento dos indivíduos depende muito mais das conseqüências
das respostas que a sociedade dá ao comportamento do que pela força da sua
“autonomia”.
Os behavioristas modernos concebem o homem como sendo o resultado
de três composições:
a filogênese (a história da espécie humana);
a ontogênese (a história de vida do indivíduo);
o meio e a cultura.
A força dessas três combinações atuaria na produção do indivíduo. Por
exemplo: uma criança que tenha nascido num meio inóspito, mas que tenha
tido bons cuidadores (estilos parentais adequados), e que estes tenham influenciado satisfatoriamente a criança, possivelmente se tornará uma criança saudável. Mas, se as contingências do ambiente exercerem uma influência maior no comportamento infantil, mesmo com uma família estruturada,
haverá maior probabilidade de essa criança ser o produto do meio.
A espécie humana nasce prematuramente. Um bebê recém-nascido, se
deixado sem cuidadores, morre de frio e de fome. Diferente dos outros animais que ao nascerem já são capacitados geneticamente de locomoção e
outras defesas. Biologicamente, os bebês humanos precisam de cuidados
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Psicologia das Organizações
afetivos para que se tornem crianças seguras. Geneticamente, a espécie
herdou dos antropóides (chimpanzés, gorilas e outros macacos sem rabo)
sua dependência afetiva dos genitores. A Teoria do apego, de J. Bowlby, assinala para a extrema dependência que os bebês humanos têm dos pais. No
entanto, como foi visto acima, se esses pais falharem e o bebê for acolhido
por outros cuidadores substitutos da função paterna e materna, poderá essa
criança se desenvolver normalmente como uma outra criança saudável.
Os behavioristas valorizam os processos cognitivos da aprendizagem
como um instrumento de mediação com o ambiente. As respostas do meio,
ao comportamento de uma criança, são mais significativas e reforçadoras do
que a ação voluntária da criança. Isso significa dizer que, conforme o tipo de
reação, estimulante ou punitiva ao comportamento da criança, esta se sentirá encorajada ou inibida para seguir adiante. Pode-se dizer que a criança
aprende através da esquiva de atitudes que produzam uma resposta aversiva do seu grupo de pertencimento, e se aproxime das pessoas, ou mesmo
que repita comportamentos com os quais ela tem a aprovação dessas pessoas. Assim, a exterioridade, o grupo de pertencimento, os agentes socializadores e o processo de aprendizagem nesses contextos são mais relevantes
na constituição do indivíduo do que a sua própria “individualidade”.
Veremos a seguir que uma outra teoria faz o caminho inverso ao reafirmar
mais as dimensões da subjetividade e da interioridade humana, para aquém
de uma “aprendizagem”.
A Psicanálise
Sigmund Freud nasceu na Morávia em 6 de maio de 1856 e aos três anos
de idade sua família, de origem judaica, mudou-se para Viena. Passou praticamente toda sua vida por lá, até poucos anos antes da sua morte, em 1939,
quando fugia do nazismo em Londres. Sua formação inicial foi em Medicina.
Enquanto médico, ouvindo seus pacientes, descobriu que havia uma contradição entre o mundo falado e o mundo vivido; isso quer dizer que havia uma
discrepância entre os fatos empíricos ocorridos na vida das pessoas e as teorias e representações que elas utilizavam para explicar tais fatos. O paciente
tornava-se, portanto, uma pessoa suspeita quando passava a falar da sua própria vida. Problema semelhante ao de Malinowski, em Trobriand, perguntado a um trobriandês por que eles trocavam colares e braceletes na cerimônia
chamada Kula. Não necessariamente o ponto de vista nativo traduziria o fato.
Notadamente, os motivos que levam um trobriandês a construir teorias sobre
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Introdução ao estudo da Psicologia
a sua cultura são menos defensivos e bem diferentes das razões que levam
pacientes a construírem teorias sobre a sua própria história de vida.
Ele iniciou as especulações sobre a interioridade profunda do sujeito,
ao publicar, em 1900, A Interpretação de Sonhos, investigando a simbologia
humana. Relegou o estudo da consciência e da razão a um nível de menor
importância que o estudo do inconsciente e das pulsões. Sua concepção de
homem concebe um ser em constante conflito entre as forças do desejo, do
inconsciente e das paixões contra as forças do mundo externo. Para Freud,
o inconsciente impera sobre a lógica e a racionalidade. O homem teria sua
liberdade intelectual condicionada às forças da afetividade.
Sua teoria pressupõe que, ao manifestar os impulsos da agressividade e da
sexualidade, o homem foi castrado pela interdição das regras sociais. No ocidente, os Dez Mandamentos seriam o mapa de orientação para a vida social.
A repressão da sexualidade e da agressividade gerariam um “mal-estar” inevitável no homem civilizado. Essa angústia é apaziguada por um mecanismo de
defesa nominado por ele de sublimação. Esse dispositivo canaliza aquela energia reprimida em atividades socialmente aceitas, isto é, em vez de matar seu
rival, o homem vai praticar esporte, vai ao cinema ver filmes violentos e assim
também se aplica à sexualidade. Sem repressão não haveria civilização em
Freud. O seu método clínico apoiado pela análise interpretativa, pôde alcançar
uma dimensão da mente até então não explorada. “A noção de subjetividade
que se constituiu como objeto da Psicologia no século XX apareceu quando
o homem perdeu as referências coletivas e tornou-se indivíduo, ser racional,
livre e capaz de tomar decisões.” (SANCHES; KAHHALE, 2003).
Freud rompeu com o empirismo e a observação da experiência imediata,
também porque pela observação seria impossível extrair os elementos do
inconsciente. O funcionalista William James também rompe com a observação empírica ao referir-se à consciência, pois suas funções não estariam visíveis ao nível da observação. Porém, no caso de Freud, o caráter simbólico e a
ênfase da subjetividade pela qual cada sujeito conta a sua história, de longe,
sequer estão presentes nas correntes apresentadas até aqui.
A Psicanálise nasce da experiência clínica de Freud e encontrou uma série
de resistências no meio científico vienense, quer porque seu método interpretativo não coincidia com os moldes científicos da época, quer pela extrema ênfase que deu à sexualidade na formação das estruturas psíquicas da
criança. Freud retirou o caráter moral da família e do amor, introduzindo a
sexualidade. Afirmar, no período vitoriano, que há um desejo erótico na re29
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Psicologia das Organizações
lação pais e filhos foi uma das razões pela qual a Psicanálise inicialmente foi
refutada pelo círculo de Viena. Também provoca um desconforto local a respeito da noção de infância até então. O pensamento freudiano mostra que a
partir dos cinco anos, aproximadamente, uma criança deixa de ser criança e
torna-se um menino ou uma menina dotados de identidade sexual.
Ainda hoje, especialmente pela abordagem da Psicologia Sócio-Histórica
no Brasil, há uma forte militância contra a ênfase dada por ele acerca da diferença da sexualidade e do gênero masculino e feminino. A inveja do falo (representação simbólica do pênis) gerou no feminismo acadêmico uma série
de críticas à teoria freudiana. Outro aspecto refutado pela Psicologia SócioHistórica é o fato de que Freud partiu de um modelo funcionalista para explicar a sexualidade, adotando em parte uma concepção das Ciências Naturais
acerca do entendimento humano.
As idéias de Sigmund Freud partiram inicialmente do contato que fez com
Josef Breuer (1842-1925), interessados pelas desordens neuróticas. Posteriormente, em 1885, viaja a Paris, ao encontro de Charcot (1825-1903), na época,
a maior autoridade em transtornos mentais. Este tratava a histeria através da
hipnose. A idéia era fazer o paciente relembrar, sob o efeito hipnótico, a sua
história pregressa, reproduzindo a experiência vivida. Essas recordações provocariam a liberação do conteúdo emocional reprimido, o que foi chamado
de catarse. Freud acreditava que, por motivos ainda desconhecidos, as experiências trazidas da infância teriam impedido a manifestação espontânea do
conteúdo emocional. Assim, a criança ficava impedida de escoar seus sentimentos naturais. Esses procurariam outra saída, manifestando-se, então, sob
a forma de sintoma. “Freud chamou este processo de conversão, e se referiu
ao sintoma como sendo a conversão do efeito original.” (HEIDBREDER, 1981,
p. 329). No entanto, essa forma de tratamento não esgota a teoria freudiana.
Ela é apenas o início da Psicanálise. A verdadeira Psicanálise começa quando
Freud abandona a hipnose, pois percebe que não havia atingido a verdadeira causa, já que muitos pacientes regressavam posteriormente, sob o efeito
de uma outra sintomatologia.
Freud abandona a hipnose e inicia o método da conversação consciente. Pede ao paciente para que fale espontaneamente aquilo que lhe vem à
mente. À essa técnica ele chama de “associação livre”. Ela consiste, por parte
do paciente e do terapeuta, em fazer associações entre uma idéia e outra.
Porém, percebe que o paciente não consegue, somente através das lembranças da consciência, atingir a carga afetiva procurada, pois há mecanis30
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Introdução ao estudo da Psicologia
mos que impedem esse acesso direto. Mais tarde, Freud e seus sucessores
vão desenvolver estudos sobre uma imensa quantidade de mecanismos de
defesa da mente. O próprio indivíduo estaria protegido, se não fosse melhor
dizer “enganado” por ele mesmo. O mecanismo da “resistência” foi a primeira
defesa que Freud notou entre os primeiros pacientes que atendeu. A partir
da resistência, ele descobre que
um fato esquecido, porém incômodo, tornou-se inconsciente não apenas por haver sido
esquecido ou porque saiu da consciência, mas porque foi forçado a isto. E tendo sido empurrado é mantido ali à força. (FREUD, apud HEIDBREDER, 1981, p. 332).
Freud percebe que há um material reprimido que fica preso numa outra
dimensão da mente: o inconsciente. Esse material guardado ali sob sete
chaves se torna uma lembrança carregada de emoções. Funda então a
teoria do recalque, coluna onde se assenta o edifício da Psicanálise, segundo o próprio Freud. A experiência recalcada não é uma lembrança comum
como qualquer outra. Ela está impedida de se manifestar, porque revelaria
outros códigos cuja decifração seria, para aquele momento, insuportável ao
paciente.
Faltava ainda descobrir um caminho que levasse ao conteúdo recalcado.
Freud notou que seus pacientes desenvolviam, invariavelmente, um sentimento de hostilidade e repulsa pelo analista, ou o contrário, uma forte ligação afetiva com ele, o que equivale dizer que, numa linguagem mais simples,
os pacientes se apaixonavam pelo analista. Freud entende que tanto a repulsa, quanto o fascínio, fazem parte de um mesmo sentimento de amor. O
grande destaque dado a ele, na sua teoria, para a sexualidade humana, o faz
concluir que a remoção do conteúdo emocional, feito pela análise, estimula
o paciente a transferir ao analista as dificuldades de ordem sexual que ele
não pôde manifestar, ou dirigir a quem deveria. Freud chama esse processo
de “transferência” e conclui que finalmente a análise se inicia quando a transferência aparece. Estabelece-se assim uma ligação direta entre o paciente, o
sintoma e o analista. No entanto, o atendente deve estar atento para “evitar”
fazer o mesmo caminho do paciente, ou seja, uma “contra-transferência”.
Freud conclui também que cada mal psíquico, trauma ou sofrimento não
era um episódio isolado na vida do paciente. Cada acontecimento tinha “uma
história”. Por esse caminho, cada vez mais, conduz sua teoria à interpretação
do passado, tal como um arqueólogo que remove a terra e os obstáculos
para descobrir o material escondido. O ser humano torna-se uma criatura em
constante conflito entre o mundo da consciência e o mundo inconsciente.
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Psicologia das Organizações
É o resultado de duas forças, quais sejam, o princípio do prazer, dado pelos
impulsos básicos como a sexualidade e a agressividade e o princípio da realidade, dado pela ordem sociológica. Esta reprime e impede a satisfação imediata produzida pela energia sexual e agressiva que Freud chama de libido.
Ele conclui também que o centro das neuroses está instalado na infância,
através da repressão da sexualidade infantil.
Destacam-se dois discípulos do mestre: Alfred Adler (1870-1937) e Carl G.
Jung (1875-1962). Ambos tentam alterar os ensinamentos de Freud acerca da
sexualidade, dando a ela uma importância secundária na teoria da constituição do sujeito, embora reconheçam sua importância. O destaque maior dá-se
aqui a Jung. Ele funda a Psicologia Analítica através da busca das camadas
mais primitivas do inconsciente e a relação do homem com o cosmos. Produz
a noção de um inconsciente coletivo organizado por estruturas míticas que
estariam na base da mente humana, às quais ele chamou de arquétipos.
A partir da discórdia de ambos, o mestre rompe com seus discípulos afastando-se destes para continuar o seu caminho e marcar na história da humanidade as revelações de um verdadeiro gênio da alma humana. A extensão
e a profundidade do seu pensamento não vieram do ensinamento acadêmico, como a leitura repetitiva e a reprodução das falas, tão perpetuadas nas
universidades. Ao contrário, seu mergulho no mundo do outro originou-se
da sua própria experiência clínica. Ao fazer essa investigação fascinante e
quase arqueológica do espírito humano, podemos concluir, com as palavras
de (HEIDBREDER, 1981, p. 341) sobre o homem freudiano: “O pensamento
e a razão podem ser tudo menos forças dominantes na natureza humana;
existem somente para servir aos grandes impulsos e desejos primaciais, que
são os verdadeiros donos da conduta humana”.
Ampliando seus conhecimentos
Por uma Antropologia da condição humana
nas organizações
(CHANLAT, 2001)
Há mais de um século, nossa sociedade é palco de inúmeras transformações econômicas, sociais, políticas e culturais. Mudanças que têm suas origens
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Introdução ao estudo da Psicologia
em épocas mais antigas (Braudel, 1979) e desembocaram sobre o acontecimento que o historiador e sociólogo americano I. Wallerstein qualificou de capitalismo histórico (1985), que se caracteriza pela ascensão da racionalização
(Weber, 1971), pela acumulação do capital (Marx, 1970), pela hegemonia
das categorias econômicas (Polanyi, 1983), pelo desenvolvimento do individualismo (Dumont, 1983), pela obsessão do progresso (Rostow, 1968),
pela urbanização (Castells, 1975) e pela explosão tecnológica (Ellul, 1964;
Landes, 1975). Esta nova ordem social, em perpétuo movimento, viu também
nascer e proliferar grande número de organizações (Presthus, 1978). Estas
organizações formais tornaram-se um dos principais pontos de alavancagem
e de estruturação individuais e coletivas (Meyer e Rowan, 1977; Zucker,
1977) e por isso se transformaram em objeto de estudo, pesquisa e reflexão
independentes (Chanlat e Séghuin, 1983, 1987; Morgan, 1986).
Este interesse por estruturas organizadas tomou diferentes caminhos:
os da economia (Ouchi e Barnes, 1986; Williamson, 1985), da Sociologia (Perrow, 1979; Crozier e Friedberg, 1977; Warriner, 1984;
Sainsaulieu, 1987; Balle, 1990), da Psicologia (Schein, 1980), das
Ciências Políticas (Hardy, 1987), das Ciências da Administração (Koontz e
O’Donnell, 1955; Mintzberg, 1973), e mesmo da Antropologia (WARNER
e LOW, 1947; WHYTE, 1948) e da Psicanálise (Jaques, 1951; Zaleznik e Kets
de Cries, 1985; Amado, 1980; Kets de Vries e Miller, 1984), enquanto que
o estudo do comportamento humano nas organizações transformou-se gradativamente em um objeto de estudo científico específico (Audet e Malouin,
1986; Cote et al., 1986; Lorsch, 1987; Cooper e Robertson, 1987).
Amplamente dominado pelos anglo-saxões e mais especificamente pelos
norte-americanos, este campo de estudo desenvolveu-se inicialmente à
sombra de alguns departamentos universitários, principalmente os de Psicologia e de Sociologia e, mais recentemente, pelas escolas de administração
com o modismo das ciências do management e do culto da empresa (Rousseau, 1988).
O fenômeno se reproduz com maior ou menor amplitude na maioria dos
países industrializados. Esta disciplina, que pertence, antes de tudo, ao universo
das ciências administrativas, está atualmente em plena expansão. Caracterizase ao mesmo tempo pela sua preocupação com a eficácia organizacional, sua
vontade de mudança, sua inspiração predominantemente comportamental e
positivista, seu caráter aplicado e pluridisciplinar. Seus métodos são diversos,
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Psicologia das Organizações
bem como os contextos organizacionais estudados. Sua teoria é igualmente
marcada pela heterogeneidade (Lorsch, 1987; Cooper e Robertson, 1987;
Staw e Cummings, 1987, 1988). “Definido brevemente, como escreveram recentemente dois autores de um manual americano, o Comportamento Organizacional é um campo que é orientado para o desenvolvimento da melhor
compreensão do comportamento humano e que utiliza este saber para tornar
as pessoas mais produtivas e mais satisfeitas nas organizações” (Mitchell e
Larson, 1987, p. 4). Uma revisão sistemática das publicações neste campo
nos últimos sete anos confirma este ponto de vista, como confirma também
a focalização dos autores sobre os temas que, para vários deles, datam ainda
dos anos cinqüenta – é o caso, principalmente, da motivação e da liderança
– enquanto outros temas remontam aos anos sessenta – como, por exemplo,
o papel exercido pelas estruturas e pela tecnologia, sendo ressaltados alguns
aspectos nos últimos anos –, é o caso em particular das noções de stress e de
cultura organizacional.
O Comportamento Organizacional, um campo
heterogêneo e um desenvolvimento isolado
Herdeiro simultaneamente das relações humanas, de alguns ramos da Psicologia Industrial, da Sociologia e das Teorias das Organizações, da Abordagem Sócio-Técnica, da dinâmica de grupos, do Behaviorismo anglo-saxão, das
diferentes correntes do management, o Comportamento Organizacional apresenta-se hoje como uma imensa colcha de retalhos, um campo aberto a quase
todos os ventos teóricos. Porque, além do ecumenismo aparente, completamente relativo sem sombra de dúvida, observa-se no interior desse conjunto
teórico heterogêneo, mesmo heteróclito, a ocultação ou ausência de certas
dimensões humanas que são objeto do presente livro: a dimensão cognitiva
e da linguagem, a dimensão espaço-temporal, a dimensão psíquica e afetiva,
a dimensão simbólica, a dimensão da alteridade, a dimensão psicopatológica.
Como as ciências administrativas, o campo do Comportamento Organizacional parece ter se desenvolvido até o presente isoladamente, negligenciando
em larga medida os conhecimentos mais recentes das Ciências Humanas básicas (Audet e Malouin, 1986; Déry, 1988a, 1988b; Whitley, 1984).
Esse isolamento da produção intelectual tem duas causas: de um lado,
tendo instalado o econômico, o quantitativo e as organizações no centro de
seu universo, nossa sociedade parece ter esquecido o resto, isto é, tudo o que
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Introdução ao estudo da Psicologia
não é redutível à formalização (Gorz, 1988; Caillé, 1989); por outro lado,
como todo recurso a um pensamento externo e forçosamente crítico pode
sempre ameaçar a ordem organizacional estabelecida, o mundo da gestão
tem com freqüência preferido as visões que lhe são menos incômodas. Esta
profunda economicidade do mundo organizado moderno, esta “economização”, diria Gorz (1988) – fenômeno relativamente recente na história da humanidade – e esta vontade de assegurar um sistema de controle de inspiração taylorista ou burocrática produziram alguns impactos perversos sobre a
orientação tecnocrática desta disciplina, antes de tudo gerencial.
O interesse da Psicologia Organizacional pela motivação e sua falta de interesse pelo
simbólico no trabalho caracterizam bem sua orientação tecnocrática. Os objetos de
estudo abordam questões estreitas e bem definidas, as respostas a estas questões
constituem a base de um fragmento de engenharia social cujo objetivo é amortecer
as tendências nascidas da divisão do trabalho e do empobrecimento das tarefas”
(Alvesson, 1987, p. 105).
Ou seja, a obsessão pela eficácia, pelo desempenho, pela produtividade,
pelo rendimento a curto prazo que encontramos até hoje nas nossas organizações e na sociedade levou a maioria dos pesquisadores a concentrar seus
interesses nestas questões e a reduzir seus esforços a simples técnicas de controle (Alvesson, 1987; Desmarez, 1986; Dufour e Chanlat, 1985; Rose,
1988; Villette, 1988).
Desde então, pode-se compreender por que, a partir de alguns anos, cada
vez mais os pesquisadores em geral, e, mais particularmente na cultura latina,
contestam esta concepção instrumental, adaptativa, e mesmo manipuladora
do ser humano, interrogando-se sobre as dimensões esquecidas, voltandose para outras disciplinas ou outras perspectivas teóricas. Deste modo, procuram, cada um a seu modo, tornar compreensível a experiência humana e
captar sua complexidade e riqueza. Estes questionamentos tornam-se cada
vez mais pertinentes à medida que as críticas são mais numerosas em relação à formação que recebem os futuros gestores e quando os problemas que
surgem no cotidiano não são resolvidos de acordo com o que se pensa ou se
ensina.
O questionamento da formação do administrador
Vinte e cinco anos após o famoso relatório da Fundação Ford que reivindicava uma real formação acadêmica e profissional em que as ciências do comportamento ocupassem seu justo lugar (PIERSON, 1959; Gordon e Howell,
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Psicologia das Organizações
1959), o ensino e a formação do administrador são novamente contestados.
Seja nos Estados Unidos (Herzberg, 1980; Behrman e Lévi, 1984; Porter
e McKibbin, 1988), no Canadá (Chanlat, 1984; Chanlat e Dufour, 1985;
Association dês Manufacturiers Canadiens, 1986; Devlin, 1986)
na França (Galambaud, 1988; Delwasse, 1988) ou em outros países (Lê
Monde Campus, 1988), não se hesita em denunciar em graus diversos o elevado grau de especialização, a rigidez, o antiintelectualismo, o etnocentrismo,
o quantitativismo, o economismo, a incultura, a ausência de consciência histórica, a inaptidão para comunicar ou interagir nos programas e no comportamento dos estudantes.
Essas críticas e lamentações que, em certos casos, poderiam ser menos ferozes, não estão isentas de uma ligação com a situação observada no mundo
do trabalho. Com efeito, mesmo se alguns acreditam que a condição humana
nas organizações parece satisfatória, resta a evidência de alguns estudos realizados em profundidade que nos mostram que a realidade não é tão rósea
assim (Aktouf, 1989; Bouchard, 1985; Chanlat, 1984; Linhart, 1978;
Pagès et al., 1979; Dejours, 1987, 1978; Terkel, 1976; Applebaum, 1984;
Kanter e Stein, 1979; Kets de Vries e Miller, 1984; Jones, Moore e
Snyder, 1988). [...] Segundo a imagem da célebre peça de Arthur Miller, A
Morte do Caixeiro Viajante, a organização não é sempre a boa mãe que ela gostaria de ser. A nostalgia dos operários, o desconforto existencial em relação ao
trabalho dos executivos, mencionados com freqüência, são ao mesmo tempo
o reflexo da formação geralmente recebida nas universidades e a imagem que
se cultiva na sociedade global. Em um mundo essencialmente dominado pela
racionalidade instrumental e por categorias econômicas rigidamente estabelecidas, os homens e as mulheres que povoam as organizações são considerados, na maioria das vezes, apenas recursos, isto é, como quantidades materiais
cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima. Associados ao universo das coisas,
as pessoas empregadas nas organizações transformam-se em objetos. Em
alguns casos, só acontecimentos extraordinários fazem emergir sua condição
humana. “Na maioria das sociedades (...) as relações entre as pessoas são mais
importantes e mais valorizadas que as relações entre pessoas e coisas. Essa
primazia é invertida na sociedade moderna em que as relações entre pessoas
são, ao contrário, subordinadas às relações entre pessoas e coisas” (Dumont,
L. 1977, Homo Aequalis: gênese et épanouissement de l’idéologie économique.
p. 13). A principal causa da inversão dessa primazia nas organizações pode ser
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Introdução ao estudo da Psicologia
atribuída, então, à sua subordinação ao universo dos objetos-mercadorias e à
racionalidade econômica.
Logo, pode-se compreender melhor porque, no momento atual, numerosos trabalhadores, sobretudo os mais jovens, procuram cada vez mais realizarse enquanto pessoas fora do trabalho tradicional (Andret, 1977; Gorz, 1988;
Offe, 1985), e também numerosos executivos e golden boys das finanças não
parecem mais manter nenhuma lealdade com relação às instituições para as
quais trabalham (Porter e McKibbin, 1988; Davis, 1986). Eles refletem a
imagem de uma sociedade que levou o individualismo às suas últimas conseqüências (Sennet, 1979; Lasch, 1984); de uma sociedade em que reina o
pensamento a curto prazo e que não se preocupou em transformar o trabalho
em um meio de vida, ocupada que estava antes de tudo em acumular riqueza
(Gorz, 1988; Le Monde diplomatique, 1988a).
Atualmente, tudo nos conduz a olhar mais longe: a complexidade dos problemas tanto em nível nacional como internacional (crise ecológica, desemprego, endividamento dos países, precariedade dos empregos, dualização da
sociedade), a primazia do cultural, as aspirações à individualização que Michel
Foucault tinha carinhosamente chamado de “cuidado de si mesmo”, a exigência de certa solidariedade, os imperativos éticos, a revolução da informática,
tudo nos conduz com efeito a impulsionar as modalidades de gestão que se
apóiam atualmente sobre uma verdadeira Antropologia da organização.
Atividades de aplicação
1. Comente uma ou duas questões fundamentais que motivaram o nascimento da Psicologia.
2. A qual modelo de ciência a Psicologia esteve presa, no início da sua
formação como ciência?
3. Quais as razões culturais que levaram o método positivista desenvolver-se nos Estados Unidos e não na França?
4. Entre quais períodos se deu a construção da noção de indivíduo?
5. Quais as diferenças entre a noção de pessoa e indivíduo?
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Psicologia das Organizações
6. Quais as consequências da Reforma no século XVI para o avanço do
conceito de indivíduo?
7. Qual era a idéia central do Funcionalismo na Psicologia?
8. O que é o homem para Freud?
9. Como Freud descobriu o inconsciente?
10. Por que Freud afastou-se de Jung e Adller?
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Gabarito
Introdução ao estudo da Psicologia
1. As primeiras reflexões acerca de uma “Psicologia” vieram da Grécia e
questionavam a existência de uma entidade invisível e impalpável que
dominaria a vida humana. Os gregos chamaram-na de psiché que significa “alma”. Somente no início do século XX abriu-se uma questão
fundamental para o avanço dos estudos da Psicologia científica: “Há
um indivíduo na sociedade ou uma sociedade no indivíduo?”.
2. No início da sua formação como ciência, a Psicologia esteve presa ao
paradigma das Ciências Naturais.
3. A mentalidade do povo americano coincide com a lógica positivista.
Isto é, a sociedade estadunidense é pragmática, mecanicista. Aprecia
um método objetivo, relatável e mensurável. Já a tradição metafísica
da França encontrou nesse país uma simpatia maior pela “reflexão” filosófica, afinando-se mais com um método interpretativo e subjetivo,
do que com o Positivismo.
4. A noção de autoconsciência e de indivíduo foi construída entre o século XVI e o final do século XVIII.
5. A Psicologia Social, nos meados do século XX, vai colocar em xeque
a autonomia de uma interioridade governada pelo indivíduo. Para a
Psicologia Social, o sujeito não age como indivíduo quando está num
grupo. Ele age quase sempre tentando suprir a expectativa do seu grupo de pertencimento; portanto age como um ator social, isto é, como
uma pessoa.
6. As conseqüências da Reforma foram:
Colocou o indivíduo um passo à frente da Igreja, já que ele agora
pode falar diretamente com Cristo, sem a mediação do clero.
O indivíduo ficou livre da instituição.
O indivíduo adquiriu auto-suficiência na relação com Deus.
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Psicologia das Organizações
Ocorreu a “conversão do indivíduo no mundo” em oposição ao “indivíduo fora do mundo” nos termos de Dumont (1992).
Em Calvino, Deus daria a vontade aos homens. Anunciou-se o nascimento de uma interioridade, ainda que meio humana, meio divina.
O Estado moderno, a partir da Reforma, não teve mais cumplicidade com o clero. Ele passou a ser governado pelo indivíduo livre.
Anunciou-se o arquétipo do individualismo.
7. William James (1842-1910) introduziu o Funcionalismo na Psicologia.
A partir dele, desenvolveu-se nos Estados Unidos a corrente dos psicólogos funcionalistas, como J. Dewey (1859-1952), J. Angel (1869-1949)
e H. Carr (1873-1954). Partem de um pressuposto organicista concebendo o homem como um “organismo”, tal como qualquer outro ser
vivo e, sobretudo, dependente da capacidade de adaptação ao meio
para evoluir. O homem seria o resultado de “uma interação adaptativa”. A natureza humana oferece possibilidades de sobrevivência; no
entanto, cada indivíduo teria uma capacidade própria e peculiar de se
adaptar. Essa teoria teve origem nas idéias de Darwin.
8. Ao fazer essa investigação fascinante e quase arqueológica do espírito
humano, podemos concluir, com as palavras de Heidbreder (1981, p.
341) sobre o homem freudiano: “O pensamento e a razão podem ser
tudo menos forças dominantes na natureza humana; existem somente para servir aos grandes impulsos e desejos primaciais, que são os
verdadeiros donos da conduta humana”.
Sua teoria pressupõe que, ao manifestar os impulsos da agressividade e da sexualidade, o homem foi castrado pela interdição das regras
sociais. No ocidente, os Dez Mandamentos seriam o mapa de orientação para a vida social. A repressão da sexualidade e da agressividade
gerariam um “mal-estar” inevitável no homem civilizado. Essa angústia
é apaziguada por um mecanismo de defesa nominado por ele de sublimação. Esse dispositivo canaliza aquela energia reprimida em atividades socialmente aceitas, isto é, em vez de matar seu rival, o homem vai
praticar esporte, vai ao cinema ver filmes violentos, e assim também se
aplica à sexualidade. Sem repressão não haveria civilização em Freud.
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Gabarito
Sua concepção de homem concebe um ser em constante conflito entre as forças do desejo, do inconsciente e das paixões, contra as forças
do mundo externo. Para Freud, o inconsciente impera sobre a lógica e
a racionalidade. O homem teria sua liberdade intelectual condicionada às forças da afetividade.
9. Freud percebe que há um material reprimido que fica preso numa
outra dimensão da mente: o inconsciente. Esse material guardado ali
sob sete chaves torna-se uma lembrança carregada de emoções. Funda então a teoria do recalque, coluna onde se assenta o edifício da
Psicanálise, segundo o próprio Freud. A experiência recalcada não é
uma lembrança comum como qualquer outra. Ela está impedida de se
manifestar, porque revelaria outros códigos cuja decifração seria para
aquele momento, insuportável ao paciente.
Foi através da sua experiência clínica, como médico, que Freud percebeu nos relatos de seus pacientes, conteúdos que se manifestavam
nos sonhos, nos “atos falhos” e na “resistência” de alguns pacientes em
contar aspectos específicos de suas vidas. Foi a clínica que o levou ao
inconsciente.
10. Destacam-se dois discípulos do mestre: Alfred Adler (1870-1937) e Carl
G. Jung (1875-1962). Ambos tentam alterar os ensinamentos de Freud
acerca da sexualidade, dando a ela uma importância secundária na teoria da constituição do sujeito, embora reconheçam sua importância.
O destaque maior deve ser dado a Jung. Este funda a Psicologia Analítica, através da busca das camadas mais primitivas do inconsciente e a
relação do homem com o cosmos. Produz a noção de um inconsciente
coletivo organizado por estruturas míticas que estariam na base da
mente humana, às quais ele chamou de arquétipos.
A partir da discórdia de ambos, o mestre rompe com seus discípulos
afastando-se destes.
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