Inventário de Imagens

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A memória é uma casa de cômodos onde a parafernália
brasileira vai se decantando em tralhas, tragédias e comédias.
Uma porta se abriu. Lá estavam eles a brincar de pular o calmo
rio suburbio com vara de bambu. Mas, esse calmo rio nas chuvaradas de verão, de repente se transformava em correntes enfurecidas,
invadindo os campos de futebol, e eventualmente roubava uma
criança.
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Índice
3.
3.
4.
5.
8.
11.
15.
15.
20.
22.
23.
23.
24.
27.
28.
29.
34.
34.
35.
35.
36.
36.
39.
45.
45.
48.
50.
52.
55.
56.
57.
59.
Fugas e abismos carnavalescos
Os mistérios da escola
Roxo
A primeira confusão
As frestas de Hollywood
Niterói
Paquetá
A barca de Paquetá
Aldir Blanc
Leia Di Franco
O topete do Alex
Leolo e a Lua
São Jorge Guerreiro
Tempo maluco
Naya
Vida e morte num filme de 35/36 pb
A venda transparente da justiça cega
A religião e as águas
Sei não
O circo globalizado
Poesia cabeluda
Ah! Arte
Mergareth Mee e Neslon Cavaquinho
Filha
Baia de Guanabara
Microfone sem fio
O dia em que eu e Hernest Hemingway
ficamos lado-a-lado com Van Gogh e Gaugin
A orelha do Van Gogh e o sapato da Cinderela
Paulhinho Albuquerque
Feiras
O vento e o tempo em Santa Teresa
Os filhos do Brasil
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Fugas e abismos carnavalescos
Olhar o nublado verde véu das odaliscas
nos carnavais da infância
era cair no abismo,
abismo do seu olhar,
lança perfume que transpassava o coração
do menino sem fantasia.
Então fugiu.
O olhar caiu imerso
nos lagos de águas cristalinas
das ruas de terra do subúrbio,
onde vulcões submersos
lançavam lavas de areia
dos canos furados.
A água vazava pros meios fios
formando rios,
onde confetes coloridos
começavam a disputa pela dianteira:
nas curvas, quedas e corredeiras,
alternando posições
nos túneis de serpentina,
transbordando barreiras
até subitamente
desta vez
sem poder fugir,
o olhar cair
no abismo dos bueiros.
Os Mistérios da Escola
No final do ano escolar doía muito no menino ver os coleguinhas
correrem felizes para suas mães com o boletim nas mãos. Ele ia
devagar, tentando retardar a tristeza. Ela parava de costurar, e com as
mãos pentiava seus cabelos numa espécie de acalanto e força – Ano
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que vem, filho, se você estudar, vai ser tudo melhor.
A didática de decorar números e palavras não o atraía. A goiabeira
que ficava ao lado da sala de aula tinha muito mais atrativos.
– Desce daí Zequinha, vem pra sala!
Pedia a voz macia da professora. Essa voz virava um suave fundo
musical, enquanto o olhar do menino passeava disperso pelas
superfícies, desenhando os rostos dos amiguinhos, o Aluísio tem o
cabelo em pé na cara assustada. A Marli não tem queixo e o Hugo
tem cara de Hugo. Na parede do prédio antigo, os descascados
também desenhavam. Uma tabuleta pendurada com letras grossas
sempre lembrava: “Antes de P e B, só escreva M!” Que mistérios
guardam essas letras entre sí para serem tão seletivas? Um dia a
borracha caiu no chão e as tábuas corridas separadas pelo tempo
levaram-na a uma fresta e o porão engoliu-a.
– Professora, a borracha...
E a voz macia: Vai lá Zequinha, vai lá!
Imaginando encontrar mistérios no porão, curvado, entrou devagar
e deparou-se com o visual que jamais esqueceria: A luz da sala que
vazava através das finas frestas das tábuas corridas desenhava no
escuro chão de terra batida, incríveis e irregulares riscos de giz. Por
algum tempo sem saber por que, ficou olhando hipnotizado até a voz
macia chamar:
– Zequinha, cadê você?
Mas claro antes de ir tinha que conferir através das frestas a
visão da sala e, sem esperar, um novo mistério se descortinou: O
olhar saiu embaixo das pernas de voz macia.
E assim as borrachas foram se caindo.
Hoje em dia, sei que antes de P e B, só M. Mas as vezes tenho
dúvidas se vou me embora pra Pasárgada com S ou Z, mas de uma
coisa tenho certeza: que iria com aquela voz de pernas macias.
Roxo
Estranha e linda cor é o roxo
Tinge a tristeza
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no cheiro de vela e no choro,
ná lágrima no acolchoado caixão no coche.
Tinge a beleza
na leveza do véu,
sobre o rosto nublado odalisca.
Tinge alegria no balé da pipa pião
e no balão de seda papel
levado ao léu.
Estranha e linda cor é o roxo,
tinge coisas que passeiam pelo céu!
A primeira confusão
“Amanhã de manhã vocês tem que estar de alma limpa para
receber Jesus através da hóstia consagrada.
Façam fila para o confessionário”.
Os rostos dos inocentes iam se ajoelhando ansiosos e
envergonhados. Pela janelinha, o perfil pontilhado do padre esperava:
– Senhor, me confesso porque pequei.
– Fez saliência?
– Fiz.
– Só ou acompanhado?
– Nós três.
– QUÊ??!!
– Foi nada não, foi nada não, seu padre.
– COMO NADA NÃO?
– Éeee...no fundo do quintal da dona Zuleica, eu e dois
amiguinhos fizemos um campeonato: quem se masturbasse primeiro
seria campeão!
– VAI, VAI, VAI! Reza vinte Pai Nossos e vinte Ave Marias! E pare
com esses campeonatos, viu? E preste atenção,: amanhã de manhã
quando fizer a primeira comunhão, você não poderá ter nenhum
pecado! Nenhum pecadinho ouviu? Se não, espinhos vão nascer na
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sua goela, e quando Jesus descer irá se arranhando todo!
Saiu do confessionário arrasado com tanta responsabilidade.
E assim os anjos foram pra casa de alma limpa. Sophia estava
feliz. Ela já tinha perdido as esperanças que o filho chegasse ao
“papado” mas pelo menos tinha que fazer uma bonita primeira
comunhão”. Costurou na máquina os panos brancos, a blusa de
mangas compridas e a calça curta com suspensório do mesmo
tecido. A igreja deu o rosto do senhor na fita amarela e as meias
e sapatos brancos foram emprestados do franzino primo Ramon.
Experimentou o número. Era menor. Pressentiu que percorreria o
mesmo calvário do Senhor.
Hora do almoço. Não tinha ninguém na rua. Pediu à mãe para
soltar um pouquinho de pipa, ela ponderou:
– Filho, você já se confessou. Lembra-se do que o padre falou?
Engoliu seco:
– Mas mãe, só um pouquinho!
O vento fraco apontou para onde deitaria a pipa de barriga, deu
um pouco de linha, olhou para a pipa, olhou para frente e correu. A
linha estanca! Volta o olhar e lá estava o César, seu desafeto, com o
pé em cima da linha.
– Filho da puta!
Partiu para cima e ele sumiu na vila. Aí se deu conta do palavrão
e levou a mão à boca. Sentiu crescer espinhos na goela. E agora,
como vai ser? Arrasado, não teve coragem de contar para a mãe. À
tarde, começou a questionar o poder que um simples palavrão teria
para encher uma goela de espinhos. Será que o padre ficou chocado
com o campeonato e exagerou nas conseqüências? Dentro desse
dilema foi dormir. Sonhou que voava junto com balões de S. João.
Acordou cedo, jejum e espinhos. Sophia começou o ritual:
Após o banho, o topete com gumex, a blusa e a calça, a fita do
Senhor no braço e o calvário branco nos pés. Estava pronto. Os anjos
iam saindo de suas casas e formando uma nuvem branca pelas
ruas em direção da igreja de S. Pedro do Encantado. Dessa vez não
poderiam escorregar no corrimão da escadaria. Entram na casa do
Senhor e vão sentando. Entreolham-se puros como se estivessem no
céu. Silêncio. O coral entoa cânticos e a missa começa. O padre entra
cheio de ouros e inicia o sermão:
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“O comportamento dos anjos...” “Evangelho de S. Mateus,
versículos, etc”.
E chega finalmente a hora de receber Jesus. Pausadamente
vão saindo dos bancos em fila e se ajoelhando no altar. Diante dos
céus os rostos dos anjos em perspectiva vão abrindo as inocentes
bocas e Jesus vai se deitando suavemente nas pequenas línguas.
Chega a vez dele. As pernas custam a obedecer mas vão. Ajoelha-se,
espinhos sufocam. Finalmente em frente à hóstia branca na mão do
padre, os olhos nervosos acompanham o seu balé no sinal da cruz.
A boca se abre, os olhos se serram, entregando Jesus à sua própria
sorte. A língua cola a hóstia no céu. A boca saliva abundantemente,
Jesus se solta e vai descendo suavemente goela à baixo. Será que
houve algum arranhão? Chega à conclusão que o padre exagerou
por causa do campeonato. Na correria a culpa vai se dissipando, já
era hora de ter um pouco de felicidade na sua primeira comunhão.
Pomba!
E finalmente com a notícia que haveria queijo minas no café
do salão paroquial, a felicidade se completa, pois seria apresentado
ao queijo minas pela primeira vez. A fome dos anjos em jejum na
fila pelos estreitos corredores causava impaciência. Foi averiguar e
viu que ainda tinham que pagar mais um pedágio celestial: sentado
numa cadeira cheia de espaldares um Bispo grande, gordo e roxo
conversava com um padre preto, enquanto oferecia sua mão com
um enorme anel de ouro, brilhantes e um grande rubi para os anjos
beijarem.
Voltou e deu a notícia para o desespero geral dos anjos em
jejum. O enorme anel ia se aproximando, já dava pra ver a mão
babada. Ao chegar a sua vez, o cheiro de azinhavre da saliva dos
anjos no metal recendia e o fez dar o único beijo de orelha, e correu
logo para o burburinho do salão paroquial. As compridas mesas
estavam quase lotadas. Sentou e a primeira providência foi tirar o
calvário dos pés cheios de bolhas. Veio café com leite e pão com
manteiga. A primeira leva do queijo minas acabou no meio do
caminho.
– Não há de ser nada. Espero a segunda.
Começa finalmente a matar o jejum, quando sente que algum
anjinho filha da puta escondeu os sapatos do primo Ramon.
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Desesperado, sai na zoeira para procurá-lo sem perder o queijo minas
de vista. Sobe o palco do salão, remove caixas de papelão, levanta
os panos da cortina e vai encontrá-lo, no final do corredor, atrás
de um tapume nos pés de um boneco surrado jogado num canto,
olhando-o com um sorriso sarcástico.
Volta correndo para a mesa e decepcionado vê que a terceira
e última leva de queijo minas se foi. A festa termina. Sophia toda
feliz com o diploma da primeira comunhão, vem ao seu encontro e
juntos vão para a casa de mãos dadas, ele com os sapatos na outra
mão, as bolhas nos pés e lamentando não ter conhecido o queijo
minas, mas por dentro muito feliz com a certeza de que Jesus não se
arranhou.
As frestas de Hollywood
Nas noites dos sábados no Engenho de Dentro as famílias
suburbanas conversavam à porta das casas enquanto as crianças
brincavam de teatro. O palco era a calçada e a platéia o degrau
da vila, onde Marilu, Marly, Lolinha e Janete sentavam juntinhas e
esperavam ansiosas o início do espetáculo. Então os dois meninos
anunciavam o nome da peça:
–Apresentaremos! “Rua Honey Bosta”!
Abrindo um pano imaginário, eles vinham de lados opostos e
distraidamente ao se avistarem cumprimentavam-se mudos numa
mímica exacerbadada, abraçavam-se, sibilavam, riam, acendiam
cigarros imaginários, se coçavam, e de repente paravam. Então o
nariz se esticava, pressentindo um odor no ar, um cheirava o traseiro
do outro, enquanto o outro cheirava a cabeça do um. Se apoiando
mutuamente lado a lado, levantavam a sola dos pés descalços para
então apressadamente sairem arrastando-os pelo chão, quando então
se enganchavam e na tentativa de desatá-los, faziam mil palhaçadas
chaplinianas até cairem. As meninas gargalhavam, mas gargalhavam
tanto que se contorciam em risadas agudas pelo chão. No terceiro
sábado, a peça alcançou tanto sucesso, que os pais aderiram a
platéia.
Foi quando, no meio da semana, o Hugo veio correndo trazer a
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última notícia. O Hugo era um amiguinho que vinha sempre correndo
trazer a última, falava e deixava no ar uma dúvida ou uma tragédia,
e depois sumia. Caiu um avião em Madureira, ou ele tinha a figurinha
mais difícil das balas Ruth, e agora dizia:
– Vai abrir um cinema naquele tapume ao lado da minha casa.
Mesmo dando um desconto pro Hugo os meninos sentiram uma
estranha sensação de perda.
No sábado seguinte, o Hugo tinha razão. Foi a noite da préestréia do Cine Afonso Ferreira. A modesta bilheteria era ensimada
por um enorme cartaz de lâmpadas reluzentes onde o Randolph Scott
com sua cara-de-pau e de mau prometia dizimar implacavelmente
todos os apaches.
Tomou banho, vestiu a roupa menos puída que a mãe separou
e estava pronto para a noite de estréia. Atravessou a rua de terra e
foi pra porta do cinema e lá os dois diretores da Rua Honey Bosta
ficaram na esperança do reconhecimento e serem convidados. Em
vez de tapetes vermelhos como no Oscar, a calçada apresentava
algumas rachaduras por onde as famílias da rua e redondezas iam
passando e entrando. Os não-convidados como no Oscar também,
ficavam lateralmente para sentirem inveja dos convidados. Foi
quando as meninas Marilú Marly, Lolinha e Janete com seus vestidos
de domingo passaram na frente deles e abriram aqueles enormes
olhos de felicidade, pegaram rapidamente suas mãos e os puxaram
para entrarem juntos, sendo impedidas delicadamente pelos pais e
o bilheteiro. E assim os olhos delas foram se despedindo dos deles,
embarcando para Hollywood... Ficaram esperando a saída do Oscar
quando quase no final o gerente mandou: entrem mas fiquem em
silêncio. Foram comentando: será que as meninas também não
poderão rir?
Na escuridão viram logo que a situação não estava pra risos:
Randolph Scott com cara-de-pau e de mau estava sentado feito buda
em frente ao cacique Touro Sentado. Entre eles uma fogueira os
delineava. Ao fundo, uma linda noite de estrelas, onde a Via Láctea
saía da tela e se espalhava pelo teto, ou melhor, o Cine Afonso
Ferreira não tinha teto. Incrível, mas não tinha teto. Era maravilhoso
ver a noite das estrelas da tela se misturarem com as deles. O olhar
ainda estava na Via Láctea quando Randolph pegou sua Winchester
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e dizimou toda tela de apaches, e aí The End. As luzes laterais se
acenderam, apagando as estrelas. O cinema era mambembe, as
tábuas dos bancos não eram aparadas e prendiam as calças. Os
tapumes laterais eram improvisados e desalinhados. Foi quando as
meninas, ao vê-los, vibraram e vieram com mil comentários sobre
o filme, o teto e as estrelas. Foram dormir com a sensação de que a
temporada da Rua Honey Bosta realmente se acabara naquela noite.
Vieram outros sábados, e o bilheteiro sempre embarreirando. O filme
mudou. Num reluzente cartaz, Rita Hayworth chegou resplandescente
como “Gilda”, arrasando corações dos meninos e dos homens. Os
meninos, para mostrar mais initmidade com ela, divergiam sobre
a pronúncia do seu sobrenome, se era Rita Raivort ou Rita Reivort,
e assim Gilda foi embora sem conferirem o rasgo no seu vestido e
deixando saudades nos meninos e alguns casais desestruturados.
No novo cartaz reluzente, James Cagney prometia muita porrada
num ringue de boxe em “Dois contra uma cidade inteira”. O filme já
tinha começado quando Hugo, sempre o Hugo, veio correndo com a
última:
– Podemos ver o filme lá de casa!
– Mas como?
– Vamos lá!
O terreno de matagal ficava ao lado do cinema. Com uma
escada improvisada de cadeiras e caixotes, elevava o olhar dos
meninos a uns 3m do chão de matagal. Os 3 se equilibrando,
orelha com orelha, viam através de uma fina fresta metade da tela
horizontalmente. Ou seja, as pernas das estrelas. Pelas condições,
ficavam sem entender a história, mas era hilário imaginar o restante,
onde James Cagney na parte de baixo da tela, de botinha, fazia uma
dança nervosa no ringue e na parte de cima devia se requebrar tipo
Carmem Miranda com cestinha e tudo. No quinto round ele recebe
um punch de direita, e beija a lona sem cestinha. E assim novos
roteiros iam sendo reescritos pra Hollywood.
Quando Chaplin entrou em cena na metade da tela, ele foi mais
rápido que o adversário do James Cagney: em apenas 1 minuto
desequilibrou e derrubou os meninos das cadeiras e caixotes ao
rirem desbragadamente de suas gags jogando-os no capinzal numa
barulhada ao ponto de perderem o fôlego de tanto rir.
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No dia seguinte, claro, as frestas foram fechadas.
Anos depois revi alguns filmes, e lembrando do meio da tela me
segurei para não ser o único a rir no cinema.
E quanto ao Chaplin, que nos derrubou da escada improvisada
de cadeiras e caixotes, ele copiou as gags da Rua Honey Bosta
muitos anos antes dos meninos nascerem.
E quanto ao cara-de-pau e mau do Randolph Scott, este só sabia
dizimar apaches. E pensa que também dizimou a Rua Honey Bosta.
Enganou-se porque até hoje as risadas agudas de Marilu, Marli,
Lolinha e Janete ainda ecoam na memória.
Niterói
O mar o grande amor,
dança na dança das suas marés.
Na cheia,
o olhar se enche de alegria
na rasa vaza uma certa melancolia.
Apaixona-se pelos reflexos prata do meio dia
e afoga-se no vermelho espelho do por
Ah! Mar
Ah! Mar
Lentamente abraça o amor
e aprende a nadar.
Barreto ficava no entorno da baía de Guanabara, bairro simples,
bonito e organizado. Rua principal asfaltada, uma grande praça,
limpa, com gramados e flores, no centro um lago ladrilhado com um
chafariz de águas dançantes. Ladeando a praça, casas simples com
nomes. “Lar de Vanja”, “Lar de Nohêmia”. Um palco na frente do
mercadinho, em formato de concha com boa acústica, apresentava a
cultura popular brasileira,
Vê pela primeira vez
o boi bumbá na praça,
e corre nos trilhos
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atrás da última das marias
lançando fumaça,
em cima de céus
coloridos de pipas bailarinas.
Tinha a fábrica de fósforo marca Olho. Uma fábrica de tecido
que apitava igual a do Noel, e que garantia o emprego às famílias
do bairro. Havia um centro cultural onde nas matinês dançantes, o
piso de madeira do segundo andar balançava no ritmo dos sambas
e boleros. Uma praia de areia grossa e águas limpas. E um cais de
madeira, onde inventa a brincadeira de piparujo, e começa a sonhar o
exercício da liberdade e da perda:
No cais da maresia brincava de piparujo.
Empinava a pipa
e amarrava a linha dela
num barquinho que fazia
e soltava os dois.
E lá se ia o olhar
a navegar tufões e tempestades pela baía.
O barquinho era feito com sobras de madeira de uma fábrica
de tamancos. O galpão era antigo. A serragem e o tempo pintavam
em tons sépia as máquinas e os homens. As formas instigantes e
sinuosas das sobras dos cortes dos tamancos, ficavam desprezadas
num canto. Hoje em dia, aquelas formas modernas seriam
convidadas a se expor num museu, junto com a foto das mãos de
quem as cortava na serra circular. Nas duas mãos do artesão, só
sobraram seis dedos.
Foram-se os dedos, e ficou a beleza. Como pensamento da via crúcis
da arte.
No Barreto a pobreza vivia com mais beleza e dignidade. Foi
nesse clima que nasceram dois grandes amores.
O primeiro foi o mar, intenso e eterno. O segundo, também
intenso, mas o destino tramou...
Ele tinha 9, e ela talvez 14. Chegou o no balcão da discoteca
do do centro cultural, ela apareceu hipnotizando o menino com dois
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olhos cinzas, lembrando tardes de chuva. Esguia, rosto expressivo,
pequenos seios, cabelos pretos curtos. – Oi, tudo bem? Qual música
você deseja escutar? – Envergonhado e hipnotizado pelos faróis
cinzas – Oi, chama-se L’amer.
– Ah sim, é com Charles Trenet, tá tocando no rádio né?
– Vamos ver qual o número dela aqui na lista.
Enquanto ela folheava, ele discretamente se perdia naquelas
tardes de chuva.
– Ah, é número 18. Preencha esta fichinha e me dá, tá?
E assim nasceu o amor platônico. Ela não sabia, mas era muito
mais intenso do que ele sentiu pela Rita Hayworth, afinal, ela nunca
desceu daquele cartaz iluminado do cine Afonso Ferreira. Após
ouvir L’amer, ele se despedia dela e ia junto com ela para o cais de
madeira soltar o piparujo. No barquinho, como velho lobo do mar,
ele segurava o leme de caravela e ela se protegendo das ondas
espumantes, abraçava-o por trás, e juntos enfrentavam tufões e
tempestades. E assim nas tardes de sábado e domingo, passava
alguns momentos junto ao amor, ouvindo L’amer e depois iam ao
mar. Mas como a vida nos guarda surpresas, num sábado, o destino
tramou com a língua portuguesa um inesperado desenlace. Entrou e
preencheu a ficha. Ela apareceu pronta para ir embora, pois já eram
18 horas. Ele se deu conta, e recuou. Ela, carinhosamente: Nada
disso, vou colocar a música até porque você me fez gostar dela. Mas
ele insistiu:
– Não, não quero incomodá-la, já está na sua hora... – Num
impulso, segurando a intenção dela pela mão, ela voltou, e colocando
a outra mão sobre a dele, disse com afeto – Não, não é incômodo.
Você não quer ouvi-la? – E ele, parado entre as mãos macias do amor,
e perdido nas tardes de chuva... Ela insiste:
– Não quer ouvi-la? Fala! – Ele responde:
– Ovo.
Ela entra e ele deixando-se cair na cadeira como um ovo,
pensou: Tem algo errado aí... não é ovo... não é ovo... Nãaaao! Não é
ovo, é ouço!
Realmente, como um ovo, se espatifa por dentro. Com vergonha
e sem coragem de olhar as tardes de chuva, foge no meio da música,
e correndo atravessa o pátio, a rua, a praça, e chega no fim do cais
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ofegante. Vê o barquinho sozinho no meio da baía, sem ninguém
dentro, sem pipa, nem vento. Triste, nunca mais voltou à discoteca.
Era uma dor estranha, que se misturava com cheiro de terra nas
tardes de chuva. Passou um mês, e quando a dor começava a se
dissipar, a Núbia, filha do senhorio da casa da frente, chamou-o:
– Zequinha, vai agora correndo na loja de ferragens, e compra
um pinico bem grande. Papai não está passando bem. Mas olha, é
um pinico bem grande. Tá?
Eventualmente, ele fazia compras para mãe, e ia no seu carro
imaginário a 100 km/h. E assim fez. Saiu, engatou a quinta, e
correndo descalço, fez a curva da esquina derrapando no chão de
cimento com areia a 100 por hora, e nessa velocidade, olhando pros
dois lados atravessou a rua, e entrou direto na loja de ferragens,
derrapando e freiando ao longo do balcão, e parou bem em frente a
dois faróis lembrando tardes de chuva.
– Ah, bobinho! Você sumiu, isso não se faz. – E segurando a
mão dele
– Por que você sumiu? Hein, diz? – Ele, catatônico, olhava as
tardes de chuva e pensava no “ovo”.
– Saudade de você, o que quer agora?
E diante daquele terrível silêncio, ela insistiu:
– Fala! O que você deseja?
E ele sem saída, jogou a pá de cal na paixão e fez o pedido.
Voltou pra casa a 3 km por hora, pneus furados e sentindo-se
literalmente dentro e abraçado ao maior pinico embrulhado que o
bairro do Barreto já viu.
__________________________________
Na Praia das Flechas havia um mistério.
No casarão perdido no meio dos verdes,
viu do portão as moças de camisola na varanda
abraçarem o irmão mais velho.
A mais branca magra
veio até o menino
levantou a barra da saia
e limpou a maçã que trazia,
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partiu-a e deu-lhe a metade.
Nela viu o parto, o fruto proibido,
e as coxas brancas.
__________________________________
Paquetá
Em Paquetá viu a mãe rezar pelos filhos na matriz
e sentiu Iemanjá no mar.
Na rasa, a maresia.
Na cheia, o cheiro da chuva que viria.
Nas manhãs, o buquê dos flamboyants
avermelhavam os dias.
E nas noites,
o lirismo do cemitério
curava o porre dos anjos.
A barca de Paquetá
Tornou-se embarcadiço na poesia
ao vê-la desfilar pela baía,
levando e trazendo seus filhos
pelos repetidos dias:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
O olhar a seguia
fascinado pelo seu belo desenho naval antigo.
Casco forte,
nem se mexia quando o mar batia!
Leme de caravela,
largos bancos, escadarias, cantos...
Ah! Cantos...
Cantos que a modernidade aboliu.
Onde vamos namorar ? Guardar segredos, poesias, desencantos?
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Nos verões em Paquetá
ela apitava na curva dos lobos
dizendo que a ilha enchia:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Os pic-nics das escolas de samba suburbanas
derramavam-se pela ilha,
numa profusão de alegrias, bicicletas, bóias pretas,
garfo no farnel de frango com farofa, galhofas,
banho de mar, má digestão, confusão,
congestão... Hospital Villaboin.
E a tarde na volta,
a praça da ponte era uma festa!
Na fila quilométrica,
a faca no repique do prato
e o Samba de roda na palma da mão
e no pé, pernada, porrada, confusão...
contusão... Hospital Villaboin
e distrito policial...
Onde o delegado Poli,
fazia um Spa
e liberava o pessoal,
mas no final,
o sol e o sal benziam
os negros, brancos e mulatos.
E todos. Todos voltavam vermelhos
e com uma leve sensação,
que levavam de Paquetá
uma recordação:
muita areia no saco do calção!
A barca terceira, a quinta, a sétima, a trigésima
engolia os furdunceiros
e satisfeita lá se ia,
no batuque do samba pela baía.
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Nas festas de S. Roque.
ela apitava na curva dos lobos
dizendo que trazia os divinos
para a seresta dos Tamoios:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Sabendo disso,
a maré subia e trazia a lua,
pra pratear o mar
e iluminar as estrelas:
Pixinguinha, Elizeth, Sílvio Caldas, Anacleto, Noel
Roberto Martins Pai, Orestes Barbosa, Braguinha, Nazareth,
e tantos outros grandes boêmios, cantores, poetas, músicos,
escritores, pintores...
Ah! Paquetá...
Virtuosos violões,
a sirizada incrementada
com a pinga da boa
e o chuá, chuá do mar
acompanhavam canções inesquecíveis
pela noite adentro.
Até Haroldo Barbosa cantar:
“luminosa manhã... pra que tanta luz”.
A maré completava seu ciclo e descia,
levando a lua, a barca e as estrelas embora.
No delírio das férias de verão,
ela apitava na curva dos lobos
chamando os garotos pra fuzarca:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Eles desciam das mangueiras
lambuzados de mangas maduras!
E corriam... Corriam...
E subiam no teto dela.
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E lá do teto.
Lá de cima do teto,
topo do mundo!
Fazendo visagem pras moças,
os anjos voavam num lento mergulho
de encontro às águas claras
Ah... Então nadavam...
Nadavam por nadar,
nadavam porque podiam nadar,
nadavam entre ilhas,
entre botos e sereias.
De tanto amor,
nadavam pra afagar o mar
e as vezes,
nadavam pra afogar o amor.
Nos invernos solidão.
Nos invernos
a caldeira a vapor agasalhava
e na curva dos lobos avisava
que a ilha vazia:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Na ponte,
poucos pares esperavam.
Uns...... encontravam esperanças
Outros..... faltavam pedaços.
Ultimamente,
se perdia nos nevoeiros das manhãs.
Parava
e silenciosa no meio da baía
apitava pros mistérios da névoa.
Não sei se voces se lembram... não sei... mas estavamos nós,
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aqui neste mesmo lugar. Era uma dessas noites em que Paquetá
começava a mergulhar na solidão, quando Luis Belo e Ivan Birulhinha
falaram – Vamos esperar a última barca – no meio do caminho, ali,
pela altura da casa do Edinho, uma densa névoa desceu, nublando
nossos rostos.
Ao chegarmos na ponte, incrível surpresa. Outros rostos também
nublados vieram esperar a última barca: Leão, Orlando Bambu, Luso,
Wilson Papinha, Helinho, Bruno, Jolá, Sueco, Munir Bacil, minha
adorável mãe Sofia, o grande Abreu do escondidinho, Pai da Leila...
Ah, e tanto outros... digam, digam nomes... Eram rostos, que em
Paquetá mal se via mas que a barca, como mãe, em suas viagens
unia, fazendo os ilhéus saírem de suas ilhas.
Foi quando na curva dos lobos, ela avisou:
– phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Na ponte, todos se cumprimentaram e se abraçaram. E de
repente, uma negra gargalhada se fez soar no ar – Ha, ha, ha... – Era
o Manoel Batanga que como sempre fazia ao pé da estatua dizia
– Pedro Bruno, meu pintor de Paquetá, mas desta vez a estátua
respondeu e Batanga não correu – Manoel Batanga, meu poeta
popular. Descansou a paleta e o pincel desceu e veio ate nós. Foi
quando o ranger da atracação roubou nossa atenção e somente um
vulto dela desceu e postado nublado a nossa frente – boa noite... boa
noite, pintor Pedro Bruno... – Boa noite, Gabriel. Gente, esse é o poeta
Gabriel Garcia Márquez. – Gabriel, estes são meus ilhéus, gerações e
gerações que amaram e amam Paquetá, nas noites, manhãs, marés,
flamboians. Esses rapazes e moças são dos clubes: Jaca`s Society,
Iate, Municipal, Barreirinha, Mocidade Atômica... Mais conhecidos
como a turma da fuzarca. Gabriel, chamei-o especialmente para vir
nesta última barca para nos dizer somente uma frase, uma única
frase. Pois não Pedro...
Gente, a vida... A vida é essa sucessão de fatos, emoções etc.
Mas a vida não é aquela que a gente viveu, e sim a que a gente
recorda, e como recorda para contá-la. Dito isto, embarcou. E pela
última vez, a última barca das estacas da ponte desfez as amarras...
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– phuuuuuuu... phuuuuuuu... phuuuuuuu...
Lentamente a silhueta nevoada foi esmaecendo, sumindo e
sumiu. Mas, assim como imagem de mãe... Ela também nunca foi
embora.
Aldir Blanc
Paquetá na década de 60 era assim: nos invernos uma gostosa
solidão. No verão a Ilha enchia de amigos. Os moradores tradicionais
passavam a cultura histórica da Ilha para os mais jovens. Estes com
muita criatividade, fervilhavam a Ilha. Mergulhos da barca nas águas
claras, praia, vôlei, basquete, frescobol, festinha com muita dança na
casa das amigas, no Texeira, sede do clube da turma “Jaca’s Society”,
no Paquetá Iate Clube, Barreirinha, Municipal, e todos regados a cuba
libre. Namoros, sarros, pesca de siris, bohêmia e serestas. E assim o
ciclo dos invernos e verões iam se passando gostosamente.
Nas férias de 1967 acontece nas praias dos Coqueiros, uma
memorável seresta de jovens. Marcão, era um amigo que eu tinha,
Aldir Blanc
e a filha Mariana
tipo armário 3 X 4 e grande coração. Veio correndo ao meu encontro,
cheio de alegria e falou:
– Pô Zeca, consegui. Tô há um mês tentando sair com a
Rose. Aquela coxudinha. A mãe vinha embarreirando, mas até que
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enfim permitiu levá-la logo mais na seresta que vai ter na praia dos
Coqueiros.
– Que seresta? – perguntei.
– Sei lá pô! A praia fica cheia e eu só só sei que vou conferir a
Rose com aquele shortinho curto... que pernas!
Resolvi também conferir o chortinho e a seresta. Às oito horas
da noite, enquanto o sol se deitava lá no outro lado da Ilha, na praia
dos Coqueiros a lua subia e se deitava prateando o mar para o Luau.
A areia era tomada por casais jovens que assim como o Marcão viam
na seresta um ótimo fundo musical para o sarro. No meio da turma,
uma dupla de compositores desconhecidos: Aldir Blanc e Silvio da
Silva Júnior.
O Silvinho é um músico extraordinário, violonista e compositor
com uma bagagem de composições fabulosas junto com o Aldir,
inclusive “amigo é pra essas coisas”.
A música da dupla que fazia sucesso, na seresta, era o poema
dos navegantes. Após a introdução do violão, Aldir começava a
cantar, com sua voz bonita, e no meio recitava poemas, e finalizava
cantando. Era incrível ver como uma música conseguia emocionar e
calar uma praia inteira de jovens.
Após a seresta, me apresentei a dupla.
No dia seguinte encontro o Marcão e vibro:
– Pô cara, o que foi aquilo??? Foi demais! Você viu que poesia,
que música! – E ele caladão.
– Pô, qual é cara?! Você não gostou?
– Não, é o seguinte...Tô há um mês tentando sair com a moça.
Quando consigo, levo-a a uma seresta. Preparo a areia da praia,
toalha e etc, puxo ela pro aconchego. Aí lá no meio da turma, o poeta
comprido começa a dizer umas coisas, uns versos. Tento então dar
uma bitoca nela, e vejo que ela está chorando. Claro, penso comigo,
emocionei a moça. Então dou um tempo e tento outra vez. E ela
chorando diz:
– Só um instantinho, peraí, ouve só a poesia...
– Chego a conclusão que esse poeta, Aldir Blanc, é um empata
foda!
Marcão de certa forma tinha razão, e foi profético. Quando a
poesia impede até a libido, o poeta é bom. E assim começou uma
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amizade entre nós que já se estende há 40 anos.
________________________________________
Então nadavam...
Nadavam por nadar.
De tanto amor,
nadavam pra afagar o mar
e às vezes,
nadavam pra afogar o amor.
________________________________________
Léia Di Franco
Em Paquetá,
a Léia Di Franco,
de blusinha e short branco,
desfilava seu charme
ondulando seus cabelos
num balanço a Hollywood.
O cine Di Franco
era o cinema do pai dela,
onde ela nunca ia
mas estava sempre na tela.
Lauren Bacall
se confundia com ela
e no final do filme
piscava o olho e nos dava good night.
De manhã deslumbrante
esquiava na Cris Craft
e tirava uma onda cool light
em cima dos sonhadores meninos
do Jaca’s Society.
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O topete do Alex
Terezinha se apaixonou pelo Alex
quando ele, todo pra frentex,
do teto da barca
deu um triplo mortal duplex.
Mergulhou e saiu na praia
molhado espadaúdo e penteado.
Aí Terezinha perguntou:
– Alex, qual o segredo
do seu topete preto sex?
E Alex respondeu: gumex!
Hoje em dia,
o topete do Alex,
assim como os nossos também
pratearam.
Dizem que foi o luar de Paquetá
que nas noites de maré cheia,
purpurina pratas
sobre o mar,
sobre nossos sonhos
e tinge o nosso olhar.
O Lelo e a Lua
O Lelo deu da barca
um belo mergulho pé na lua.
A lua magoada
minguante ficou
e não mais iluminou o mar
pro Lelo namorar.
O Lelo então se desculpou
e disse que sua intenção
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era apenas girar,
bailar o corpo no ar!
A lua então
de minguante tornou-se cheia
e de repente iluminou o amor na areia!
O Lelo, a Regina e o mar.
São Jorge guerreiro
Serve o exército no ministério da guerra. Após um curso de
três meses é graduado como sargento desenhista, trabalhando
meio expediente no Ministério da Guerra. Estuda desenho na
Fundação Getúlio Vargas e nas Belas Artes. Apesar de servir na
parte burocrática, desenhando, tinha que também cumprir uma
parte disciplinar e isso o angustiava. Resolve pedir baixa, deixando
amigos e saudade. Começa a trabalhar na agência Ribamar Borgnet
de publicidade, e posteriormente, na McCann Erickson. No estúdio
da McCann havia um rapaz simples chamado Tuninho. Às vezes
sentávamos às sextas-feiras e tomávamos uns chopps, então ele se
abria e filosofava sobre o sofrimento de ser negro, preconceito, etc.
Comentava com ele que, longe de comparação, conhecia
também um pouco dessa dor. Pois na rua da infância no Engenho
de Dentro, a maioria dos amiguinhos eram negros e levei muito mais
cascudos do que dei.
Numa sexta-feira cheguei e falei:
– Tuninho, hoje nada de filosofia. E ele:
– Claro! Hoje vamos a um rendezvous e você vai conhecer a
mulata mais gostosa do mundo.
– Tô brigado com a namorada, mas...não to afim.
– Escuta cara, não tem nada a ver com namorada. A mulata não
vai querer casar com você. É uma pequena festa, coisa de homem.
Mais alguns chopps e fomos. Os dois de terno de nicron e
gravata foram espantando as pombas pela Cinelândia, Arcos da
Lapa e chegamos á rua do Senado. Uma escada estreita e antiga de
madeira nos levou á uma pequena sala verde de espera. Comecei
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realmente a gostar do programa. Uma senhora, com seus cabelos
vermelhos e com o rosto igual a modelo do Toulouse Lautrec
“Ivette Guilbert” estava sentada em frente a uma caixa registradora
antiga, grande e cheia de números. Eu disse uma caixa registradora
antiga e cheia de números! Na sala de espera três sofás pés palito
e uma mesinha de centro idem meio comida por cupins com uma
antiga revista do rádio em cima. Estavam os olhos a degustar esse
ambiente, quando alguém sobe as escadas e adentra ao recinto. Um
grisalho cinquentão, cumprimenta madame Ivette, senta e abre seu
jornal dos Sports cor-de-rosa, e é quando na cortina da porta aparece
um rosto lindo e deslumbrante de mulata e um de seus seios.
Tuninho me cutuca pra ir. Quando ela vê o cinquentão:
– Osvaldo!
Eu que ameacei me sento rápido. Ela:
– Não meu querido, é você mesmo! – O cinquentão e madame Ivette, também concordando:
– Vai, meu rapaz.
Ela sai da cortina com seu corpanzil maravilhoso, apenas
de calcinha, me pega pelas mãos feito um garoto de cinco anos,
vou pelo corredor e adentro a alcova. O quarto era simplesmente
fabuloso. O constrangimento foi se dissipando. A minha atenção
voltou-se para ela e o ambiente. Enquanto ela ia me despindo, a
penumbra do quarto era quebrada pela fina fresta de luz das cortinas
das Casas Pernambucanas, cheia de florões que se espalhavam
também pela colcha da cama alta. No chão eu tinha um par de
chinelos e ela um par de pantufas. Uma estante escura, grande
e meio barroca com o tampo de mármore de carrara, estava
congestionada de garrafas com o preço num cartão display sobre
a tampa: Drink Dreyer $, Cinzano $, Vermute $, Gim $ e quinhentos
outros destilados. Ao lado fazendo par no estilo, uma mesinha de
cabeceira com abajour e sobre ela uma maravilhosa pequena estátua
de São Jorge guerreiro cujo dragão tinha uma luz vermelha na boca.
Parecia um quarto pintado, era um cenário inesquecível. Foi quando,
derrepente, ela deu um berro:
– Chiiiiiiiiiii!!!!
Dei um pulo e falei:
– QUE FOI???
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– Você está com chato!
– EEEEUUUU?!?!? (como se não fosse o único ali).
– É, quer ver?
E puxando um pentelho, colocou o pequeno algoz ao lado de
São Jorge. O mínimo chato se moveu. Ela mais do que depressa,
pegou a estátua de São Jorge, e com a pata do cavalo, matou meu
chato! – NÃO...NÃO...Não é possível com todo respeito a São Jorge,
seu cavalo matou meu chato, não...
Num misto de nervoso, diante de uma situação absurda,
constrangedora e hilariante comecei a ter um acesso de riso.
Madame Ivette batia na porta:
– Não permitimos taras aqui!
Enquanto a moça me acalmava: Tudo bem, tudo bem... Só tinha
aquele. Vamos continuar.
– Não querida, muito obrigado, estou satisfeito.
E ela:
– Que isso, calma...
Me vesti meio desalinhado, dei um beijo na testa dela, e passei
rápido pela saleta, pra espanto do Oswaldo e de Madame Ivette,
deixei uma nota na registradora, peguei Tuninho pelo braço e
descemos. Na rua, ainda rindo, Tuninho querendo saber o que
houve, enquando ela da janela berrava:
– Passa pó sargento!
Aí mesmo que eu morria de rir.
– Tuninho, com todo respeito a São Jorge guerreiro que é
o protetor dos fracos e oprimidos, mas agora lá em cima ele foi
também protetor dos oprimidos contra os chatos, com todo o
respeito.
E assim voltamos rindo e galhofando pelos arcos da Lapa.
Hoje em dia, sempre nos picnics que faço com amigos nos
quiosques do Santos Dumont, trago comigo uma pequena imagem
de São Jorge com flores e tudo em homenagem e reconhecimento
ao santo guerreiro. O samba fica mais animado, gostoso e protegido.
Afinal de contas, nunca se sabe. Tem tantos chatos por aí...
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Tempo maluco
Atenção corpo de bombeiros,
Atenção!
O fogo vai consumir em breve,
o prédio e a repartição
do corrupto de plantão!
O tempo maluco
com pouco apreço,
derrubou patrimônios,
desfez relações, valores
e elegeu vilões.
Diluiu consciências,
alastrou mediocridades,
corrompeu comportamentos,
e desordenou cidades.
Inchou, favelizou,
perdeu beleza, delicadeza, qualidade.
Poluiu e entupiu saneamentos,
mudou a rua de mão,
o chafariz de praça,
o praça pra sargento,
a amada de amante
e endereço.
Complexo e mutante,
perpetua guerras santas
e bomba sexos.
O tempo maluco mandou a moda mudar,
o beijo vermelho virou roxo mácula,
e beijei a boca do Conde Drácula!
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Mandou a moda ficar
e a juventude ficou... legal !
Liberou geral !
Mas banalizou a liberdade.
Tatuou no corpo a ficada do momento,
a ficada voou no vento
e a tatuagem ficou no tempo.
Voraz ignorante e insano,
o tempo ainda lucra com a escravidão e a fome.
E em nome do progresso agora
mata a fauna e a flora,
queimam árvores,
cortam em toras
e expulsam o Deus que nela mora.
A fumaça sobe e fura o ozônio,
por onde Deus passa e vai embora.
Aí rezar carece,
porque a terra aquece,
esquenta a calota
e cobra a cota em valores.
Secando e inundando as almas nos penhores.
Nessa poesia,
o tempo calado
foi todo tempo acusado de maluco.
Sabemos que é o homem
quem faz o tempo e a hora.
Então que se faça justiça agora!
E é o próprio tempo que responde
lá do relógio de cuco:
homem maluco... homem maluco... homem maluco...
Naya
E o Naya hein?!
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........Tá solto
Botou areia de praia
no cimento do apartamento
e vendeu como caixão de funerária
.........Tá solto
____________________________________
Dona Sophia dedicou a vida toda a deus, e morreu com
Alzhimer. Acho que merecia um final mais digno. Descrente da
ingerência de uma força maior na vida das pessoas, torno-me então
“ateu comungado”.
____________________________________
Vida e morte num filme 35/36 pb
Viajo junto com Aldir Blanc e João Bosco, numa turnê que João
faz por Ouro Preto, Ponte Nova e Belô. Fui testemunha da vibração e
do reconhecimento com que as platéias retribuíram a uma dupla de
compositores em início de carreira, e que irão marcar de forma toda
especial e inconfundível a cultura musical carioca-brasileira. Fotografo.
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Para aqueles que amam
esta cidade, sua vida cultural e
sua arquitetura, uma pequena
ausência redobra o prazer
da volta. Mas nesse dia, a
boca da Baía estranhamente
estava sombria e premonizava
tempestades. Fotografo.
O telefone toca:
– Alô Mello, é o Aldir. Não sai do estúdio agora, também fui
pego de surpresa. Pelão veio de São Paulo e estamos indo, com o
Hermínio Bello de Carvalho, para o seu estúdio.
Junto conosco vai o compositor da velha
guarda da mangueira, Carlos Cachaça. Somente
agora aos 60 anos, ele vai assinar seu primeiro
contrato na vida, e ganhar algum dinheirinho.
Será com a gravadora Continental. Nós estamos
indo junto para dar força, e também assinar
como testemunhas. Você vai fazer a capa do LP
Clementina e Carlos Cachaça, e aproveita para
fotografá-lo.
A turma chegou atrasada. Foi o tempo de fotografar o Carlos
Cachaça, e descemos
O bloco dos edifícios Civita é em forma de trapézio, e tinha
uma passagem pelo meio, ligando a México à Rio Branco. Ao
atravessá-la, olho para cima afim de conferir a
tempestade, e vejo o espetacular ângulo que
o grande mestre Cartier Bresson fotografou
(sem tempestade) na Paris da década de 30.
Lamento não estar com a grande angular,
fotografo.
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Completo a passagem, e pressinto algo
caótico vindo da Rio Branco. Mas obstáculos
na visão do corredor estreito impede de
ver o que é, e até por estarmos atrasados,
subimos. A diretoria da Continental já
esperava. Apresentações, etc. Aldir, Pelão,
Carlos e Hermínio assinam o contrato.
Brindes, champagne, etc.
Fotografo e descemos.
A turma vai para o tradicional bar
Villarino, que ficava ao lado, na Santa Luzia, comemorar com o
Carlos. Eu iria depois, antes tinha que conferir aquele pressentimento
caótico que vinha da Rio Branco, e ao chegar na avenida, vejo uma
das maiores atrocidades que podem fazer contra uma cidade. Parecia
Londres bombardeada pelos fascistas na 2ª Guerra. O palácio Monroe
estava sendo derrubado à marretadas, numa visão dantesca. O
que era aquilo? Não estávamos em guerra! Eles estavam apagando
da memória arquitetônica da cidade, um de seus mais belos
monumentos.
Com uma sensação de perda, raiva, injustiça e impunidade,
fotografo.
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Muitas gerações posteriores à 1975, ficaram privadas de ver um
dos mais belos e históricos palácios da cidade. Que hoje poderia ser,
talvez, um maravilhoso centro cultural. A imprensa dizia na época,
que a sua demolição era para permitir a passagem do metrô. Diante
da importância do patrimônio, esse motivo era inconseqüente,
absurdo e infantil, mas foi o que ficou na memória do público. E na
minha também. Recentemente, almoçando num restaurante natural,
peguei o excelente tablóide Folha Cultural, editado no centro do Rio,
e leio uma reportagem do jornalista Milton de Mendonça Teixeira, sob
o título: Palácio Monroe – O maior atentado já sofrido por esta cidade.
Renascendo em mim com toda a força, 33 anos depois, a mesma
sensação de perda, raiva, injustiça e o pior: Impunidade. Destaco
alguns trechos da reportagem para a compreensão dos fatos.
O palácio Monroe era uma reprodução exata do pavilhão
brasileiro, que figurou na Lousiana purchase exposition, de São
Luis, estado do Missouri, 1904. Nesse grandioso certame, fizeramse representar quase todos os estados da união norte-americana.
E mais cinquenta países. O pavilhão do Brasil ganhou a grande
medalha de ouro, pela beleza de sua arquitetura. A concepção
arquitetônica do edifício é do Gen. Francisco Marcelino de Souza
Aguiar. Foi inaugurado lá em 24 de Maio de1904, e sua réplica aqui
foi inaugurada em 23 de Julho de 1906.
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O palácio foi sede de diversas entidades e eventos. Reuniões
científicas, literárias, políticas, congressos nacionais e internacionais,
ministérios, e foi sede do senado federal até sua transferência para
Brasília, em 1960.
Apesar de todos os esforços, feitos por diversas entidades
como o Jornal do Brasil, o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Clube
de Engenharia, intelectuais , artistas e até o prefeito do Rio Marcos
Tamoio, para salvar o precioso edifício, em outubro de 1975, o
presidente Ernesto Geisel, expediu uma ordem recomendando a
demolição do prédio. Esta começou em novembro, perdurando
até novembro do ano seguinte. Esculturas, vitrais e obras de arte,
inclusive os 4 Leões de Mámore de Carrara das escadarias, foram
leiloados e vendidos em grande parte para fazendas em Minas Gerais
e uma boate em São Paulo.
Porque demoliram um prédio tão importante para a história da
arte e da própria cidade do Rio de Janeiro? Na época a imprensa
foi obrigada a silenciar sobre o motivo, mas a boca pequena, no
recôndido das repartições públicas, se sabia da marmelada. A coisa
vinha de longe...
Em 1960, quando Juscelino Kubitchek fundou Brasília, foi
igualmente criado o comando militar da capital. O exército então
indicou para o cargo o general Ernesto Geisel; mas o esperto JK
que sabia que a peça “não era nada confiável”, não aceitou a figura
e prefiriu indicar para o cargo o general Souza Aguiar, filho do exprefeito do Rio e projetista do palácio Monroe, o ínclito marechal
Francisco Marcelino de Souza Aguiar.
Geisel não gostou nem um pouco de ter sido preterido ao
cargo e, como ódio velho não cansa, 15 anos depois, guindado
pelos tacões militares ao cargo máximo da nação, aproveitou-se
pra
alfinetar a família Souza Aguiar, destruindo sem piedade o belo
palácio Monroe, orgulho deles há décadas.
E foi assim que por força e ódio de um bandido, guindado por
um golpe à condição de dirigente do país, perdemos para sempre
esse importante marco cultural do povo carioca.
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A venda transparente da justiça cega
Por questão de segurança, os abutres são transparentes.
Mas suas sombras insistem em seguí-los e revelam rastros que
não sorriram para a câmera indiscreta, mas sorriram para escuta
autorizada pela justiça, trocando intimidades, combinando preços,
partilhas e a morte. Pegos na carniça voam. Para defendê-los aparece
na tela da TV um ET que me levanta pela gravata e diz que a prova
do crime de seu cliente foi simples bravata. Assinaturas, imagens,
gravações, provas... tudo bravata. Será que a venda transparente da
justiça cega vai ficar surda e muda também?
A religião e as águas
Olhando cisudo, o rosto barbado me perguntou:
– Você não é filho da dona Sophia? – Sim. – A sua expressão se
abriu. – Sua mãe era uma santa. Foi ela quem me catequizou. – Assim falou o homem no caixa da pastelaria em Paquetá, onde
fui com amigos matar saudades. Na viagem de volta vim pensando
naquele bom homem, e em Paquetá. Era uma época de águas claras,
transparentes. Mergulhávamos da barca e apanhávamos no fundo
moedas jogadas pelos turistas. Na igreja, Sophia passava o evangélio
para as crianças de forma simples, sem grandes mistérios, com
a preocupação maior de intuir comportamentos e valores naturais
para a vida. Na medida em que essas recordações iam passando
na viagem de volta, outras águas da Guanabara, não aquelas, iam
passando também sob a barca. Águas turvas, poluidas, cheia de
sacos plásticos, junto com uma dor e uma imensa tristeza.
A barca chega à Praça XV. A maré baixa mostra as cavernas do
cais, e as canelas das estacas, sem cracas, sem vida. A atracação
remove do fundo um caldo grosso. Desembarco com um sentimento
triste. Vou atravessando a Praça XV, quando uma grande algomeração
em círculo me chama atenção. Será um camelô? Tem um chapéu
cheio de dinheiro no centro. Não, não é. É um falso pastor evangélico.
Tem a bíblia na mão, tá de gravata, e é pai de santo também. Tá
tirando o diabo do corpo de uma mulher coxuda, que se estrebucha
no chão. Com um mis-en-scene convincente, passa por mim para
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atender um senhor que reclama de dores no estômago. Penso em
consultá-lo sobre como curar a tristeza e a pilantragem.
Sei não
Sei não, esse cara não presta!
Na apresentação
algo de estranho no ar,
pressentimentos...
E no seu desenrolar
atitudes dúbias e erustidas,
soluções disfarçadas
e desumanas,
causando sustos
e revelando um único e pérfido objetivo:
o lucro a qualquer custo!
Agora sei...
Esse cara não presta!
O circo globalizado
Atento ao tempo,
me seguro no trapézio.
Mas a situação
tira a rede, o rumo, o plano e o prumo.
O saldo bancário avisa:
– Seja mágico!
Mas me sinto um palhaço,
no tênue e tenso
fio das emoções.
Domestico feras,
engulo espada
e cuspo fogo.
Tento a mega-sena sorte em vão.
O macaco colado no poste avisa:
– Cuidado...
A globalização é o globo da morte.
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Poesia cabeluda
Meninos, eu vi.
Eu vi em Ipanema,
posto 9 geração 80,
tribos praianas
lançarem a nova moda cabeluda.
Acreditem!
Por baixo dos panos,
Das partes púdicas e suvacais,
brotarem inesperadamente
tufos fenomenais!
Domingo praia cheia
sol a pino,
Ipanema parecia faroeste,
rolavam touceiras ao vento leste.
A moda passou.
A moda mudou.
Foram-se as touçeiras
e a praia ficou.
Ficou legal !
A tribo liberou geral!
Mas banalizou a liberdade...
Tatuou no corpo a ficada do momento,
a ficada voou no vento
e a tatuagem ficou no tempo.
Ah! Arte
Dúvidas contemporâneas.
Durante algum tempo,
a obra de areia, tijolo e cimento
ficou por muito tempo exposta e elogiada
no canto do museu.
Inventário de Imagens
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A curadoria consultada,
constatou que equivocada,
a obra de areia, tijolo e cimento,
não era obra de arte.
E sim simples esquecimento
de um mestre de obras desatento.
Se detém com riscos abstratos,
obra composta a bosta
na tela estrategicamente exposta
para o rabo do jumento.
Eita que tempos!
Em Santa Teresa,
o olhar passeia pelas superfícies
e se surpreende com as formas do acaso.
Nos tapumes descascados,
restos de cartazes rasgados
estão prontos pra Bienal !
Abstrações mofadas
pintadas pelo tempo,
invadem os muros do convento
e as incríveis esculturas
dos seus encanamentos.
O computador maluco pirou!
Transgrediu formas e cores inesperadas.
E cheio de razão
foi fazer exposição
abstrapop-op-concreta-virtual !
O homem maluco feriu a arte!
Tristeza...
Fez a moda anomia.
Vale tudo!
E usurpou da obra o que ela mais queria:
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expressão, emoção, beleza.
No seu lugar o marketing
plantou na mídia
the New Art:
enigmas, dogmas
mictórios, formas vazias,
altares, batistérios...
Na sua explicação
adjuntam na mídia
mais confusão e religião.
Isto porque a obra não pode ser explicada,
senão a aura do sagrado
e o preço no mercado
caem no chão.
O povo sai dos museus subjugados
e sentindo-se ultrapassados
por não entender a arte de nossos dias,
se benzem nas pias
e com o gosto do sal dos batistérios,
dizem que entenderam equívocos e mistérios.
Saudades do Chacrinha...
Confundia, não explicava,
mas divertia.
__________________________________
As marés da Guanabara
são bailarinas...
Dançam na cheia
pro olhar vazar alegria,
os ventos elevam as velas,
espumam proas e pedras,
mudam rumos,
atiçam cardumes
e após o clímax...
Descansam.
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E lentamente na rasa,
a maré vaza
um pax de deux
com a melancolia.
Margareth Mee e Nelson Cavaquinho
Na décaada de 70, montei meu ateliê de pintura e fotografia
em Santa Teresa, onde pintei a segunda e terceira exposição. Santa
Teresa era linda. Havia menos favelas, menos tráfico, sem tiros,
fogos, funk, caos. Havia sim, muito samba.
As suas ruas sinuosas eram silenciosas e com menos casas. O
estúdio ficava num apartamento na rua Júlio Otoni. Ao lado morava
um cara do “DOPS” (Departamento de Repressão da Ditadura Militar)
e na casa após Margareth Mee. Atrás dos nossos terrenos havia um
matagal em declive que batizei de Kurosawa em homenagem ao
grande diretor do cinema japonês. Num dos seus belos filmes, um
casal corre por um matagal numa noite de chuva e ventania onde os
raios iluminam como flashes as ondulações como onda nos mares. O
mesmo acontecia com o meu matagal.
A amizade com Aldir Blanc e João Bosco, levou-me a outras:
Paulinho Albuquerque, Ivan Lins, Fátima Guedes, Nei Lopes, o crítico
musical Roberto Moura, Oscar Castro Neves e outros. Acontecia então
no estúdio, rodas de samba e MPB com feijoadas, churrasco etc.
Naturalmente se provocava na vizinhança uma certa curiosidade.
Uma tarde estava pintando e fui atender a porta. Abri a portinhola
e uma rosto branco de uma senhora se apresentou num sotaque
inglês:
– Shou shua vishinha (sou sua vizinha).
Abri a porta e convidei-a. Sentamo-nos. Seu rosto com algumas
rugas, olhos azuis, suavemente delineados a lápis e com um cabelo
de quem vai ao chá das cinco:
– Shou shua vishinha, meu nome é Margareth Mee.
Apresentei-me também e apesar de fazer minhas festas durante o
dia pedi desculpas de um possível incomodo. Ela falou que gostava
de alegria também e sabia que eu era pintor e falou que gostava de
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desenhar também, que era especialista em botânica particularmente
em bromélias. Ficamos conversando até ela tocar no assunto
principal
– Jouse Calo (José Carlos), gostaria de fazer uma pergunta. O
senhor conhece o vizinho que mora aqui ao lado? – Realmente não
conhecia – Ele é do DOPS.– Ele é muito mau. Está aterrando o terreno
dele, sem fazer uma contenção e o muro está adernando, e é onde
penduro minhas bromélias! Já falei com ele mais não adiantou nada,
continua aterrar é um safadow!
A conversa continuou e me predispus a falar com ele, mas o
cara estava sempre viajando, informava o rapaz da obra.
A vida continuava e as vezes eu andava pela manhã e
eventualmente cruzava com Ms. Margareth:
– Oh, como vai Ms. Mee?
– Mal, Jouse Calo o safadow não voltou de viagem.
– Esse cara não presta! – Acrescentava eu.
E assim íamos nos encontrando nas manhãs.
O Aldir me liga – Mello vamos jogar uma sinuca lá na praça
Tiradentes, vai o Bosco e o Paulo Emílio, ás 10h lá! – Cheguei um
pouco antes e fiquei esperando a turma na última mesa apreciando
o jogo dos profissionais e seus apostadores. Chamei o coff-coff. Era
o garçom um senhor que atendia tossindo, ia e voltava tossindo.
Tacadas incríveis, sinucas e seqüências de matadas aumentavam as
apostas e os cascos de cerveja ao meu lado.
Pô, são meia noite, esses putos não vem mais.
Resolvi ir embora. Desço a escadaria estreita de madeira e saio
na lateral ao Teatro João Caetano. A rua estava tranqüila, tinha
menos gente no mundo. Olho pra esquina e vejo a silhueta baixinha
e inconfundível de Nelson Cavaquinho com seu terno branco
amarfanhado em pé no meio da rua falando à janela de um táxi,
e a um metro atrás uma moça com sua bolsinha o aguardava. De
repente o táxi arranca deixando ele de braços abertos lamentando.
Mais que depressa arranco e paro ao lado dele:
Nelson! Sou seu fã. Tu não me conhece. Tenho todos os seus LPs.
E agora sou seu chofer, vais para onde?
Ele surpreso vira para a moça e com voz rouca:
Cara bacana esse! Abre a porta do Chevete para ela, e entra
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também. Ele pede para ajeitar o banco do carona para ficar mais à
vontade:
– Nelson você manda nos nossos corações, e nesse Chevete!
E lá fomos nós pelo subúrbio em direção ao Jardim América
num papo animado sobre suas músicas com Cartola e Guilherme de
Brito. Após atravessarmos quinhentas vezes por baixo dos trilhos da
Central começamos a chegar. Ele pede então para parar num bar:
– Vem comigo.
Naquela época aquele bar já tinha grades no balcão. Ao
entrarmos ele é ovacionado. Então ele fala:
– Chicão, dois rabos de galo! Gente, esse é o Mello, meu
amigo e meu chofér. Riso geral. A moça sempre se mantendo num
distanciamento discreto. Após alguns rabos de galo, retomamos a
viagem e logo chegamos na sua casa de vila. Ele ia andando meio
depressinha, atrás eu, e mais atrás a moça. De repente pára, e me diz
baixo:
– Qualquer coisa a moça está contigo.
– Claro, Nelson!
Entramos. Casa simples. A moça sentou-se na extremidade
de um sofá pé palito e eu na outra. Mesinha de centro com flores
de plástico e na mesinha lateral um abajur lilás. Eu e a moça num
silêncio sepucral que só era quebrado pelo barulho que um cachorro
bassê fazia à nossa frente, impresso sobre quinhentos posters
pendurados na parede verde. Ele sentava, ficava em pézinho,
plantava bananeira, dava tchau, ria, etc. Foi o tempo do Nelson
aparecer na sala após uma chuveirada, camisa trocada, cheiroso, e
no mesmo terno amarfanhado.
– Vamos lá!
E voltamos pelo mesmo trajeto e animação. Ao chegarmos na
esquina da Constituinte com Praça Tiradentes falou:
– Mello, esse é o nosso bar! Vamos lá!
– Grande Nélson, te agradeço mas vou ter que me recolher.
– Pô, que é isso, rapaz! Vamos lá!
E se chegando ao meu ouvido:
– Escuta, tu num quer dar uma bimbadinha na moça?
– Não, Nelson, obrigado! Estou “sastifeito”!
E assim deixei Nelson Cavaquinho e a moça, que enfim sorriu
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e deu tchau. Fui-me rindo por dentro pela aventura. Eram tempos
românticos com menos perigos. Cheguei ao estúdio, abri a janela pro
matagal do Kurosawa e pro Cristo na noite de lua cheia. Fui à cozinha
comer alguma coisa e vi um ovo: – Ah, o maravilhoso ovo, o princípio da vida com sua forma
perfeita!
Peguei e voltei à janela e em homenagem a Haroldo de Campos,
poeta concreto e ao Roberto Campos, político economista que, se
dependesse dele, hoje em dia não teríamos mais a Petrobrás, e em
homenagem aos dois, chuto uma poesia “cocrete”:
–”A distância que o ovo faz do cu da galinha ao omelete é a
mesma que faz ao crepe Suzete.” – E vupt! Mando o ovo lá pro
matagal do Kurosawa.
Dia seguinte saio para caminhar e não deu outra:
– Jouse Calo, o safado jogou ôfo no meu terreno!
– Não! Não é possível, Mrs! Pô, esse cara não presta mesmo!
Fiquei pensando, como o vento pode mudar a trajetória de um
ovo. Tentando me redimir sem confessar, seria patético demais,
procurei saber se a casa do cara do Doups era própria ou alugada.
Era alugada. Consegui falar com a proprietária e expliquei o que
estava acontecendo. Então o aterro foi sustado.
Tempo passa. Blanc me liga:
– Chamei o Bosco e o Paulo Emílio. Vamos numa sinuca na
Uruguai. Aldir e Bosco jogavam muito bem, Paulo Emílio e eu éramos
mais suicidas. Às vezes eu sugeria recriar a regra do jogo: se a bola
da vez em movimento fosse matada, seria ponto ou perda dobrado,
etc. O Blanc se irritava e dizia:
– Sinuca é jogo sério! Mas no final, todos ríamos.
Nessa sexta cheguei às quatro da manhã. Quando o sono
pesou, comecei a sonhar com Mrs. Margareth me chamando:
– Jouse Calo, Jouse Calo! JOUSE CALO!
Começo a sentir que não é sonho. Olho no relógio: seis horas.
– Nossa, o que Mrs Margareth quer a essa hora?
– JOUSE CALO!
Levanto, abro a janela e o clarão da manhã me cega.
– Jouse Calo, veja! Tragédia! Catástrofe! Veja lá!
– Lá onde, Mrs?
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– Lá em baixo no matagal!
Claro que eu não via nada.
– Lá em baixo está saindo uma fumacinha e pode se tornar
uma tragédia! O fogo pegando de baixo pra cima no matagal
alcançará proporções trágicas, incendiando e explodindo os carros
estacionados na rua acima.
– Éeee...., mas tem fumacinha Mrs...?
– Claro, Jouse Calo, tragédia! Corre e chama logo o Corpo de
Bombeiros agowra!
Eu sem saber ainda se estava sonhando, botei a bermuda, entrei
no Chevete e fui acordando pelo caminho, e vi que talvez ela tivesse
razão, se tinha fumacinha...
Na sinuosidade das ruas de S. Teresa, das nossas casas via-se
o corpo de bombeiros à distância e vice-versa. Cheguei empolgado,
saltei e fui logo chamando:
– O comandante, o comandante!
– Pois não. Sargento Prates.
– Graaande, sargento! Abracei-o e apontando nossas casas lá
longe disse:
– Tá vendo aquele matagal? A minha vizinha Margareth Mee me
acordou dizendo que lá em baixo está saindo uma fumacinha e pode
acontecer tragédia e catástrofe, pois o fogo se alastrando explodirá os
carros estacionados na rua acima.
– ÉEEEE?!
– É, sargento, reúna os homens e vamos lá agowra!
Sentindo-me um comandante fui na frente de chevete com uma
emoção única na vida: estava capitaneando três guarnições do Corpo
de Bombeiros com quinhentos bravos soldados do fogo, sirene total
pelas ruas de S. Teresa. Chegamos. Os bombeiros saindo dos carros
pareciam formigas e rapidamente meu apartamento lotou.
Da janela eu apontava:
– Olha lá! Deve estar por ali! Mrs. Margareth!
– Ali aonde? Onde está a fumacinha?
– Mrs. Margareth!!!!
E berrava pelo seu testemunho, e ela naturalmente quando viu
todo aquele aparato, se mandou lá pra dentro e eu já começava a
ouvir gozações “A fumacinha voou...”.
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A turma desapontada e também rindo, foram voltando para os
carros. Lamentei o alarme falso junto ao Sargento Prates que me
gozando falou:
– É natural, vocês pintores vêem muitas fumacinhas.
– Até que não sargento, prefiro chopps!
Em homenagem a Mrs Margareth, e a gloriosa corporação dos
bravos soldados do fogo, fantasiei-me de bombeiro no carnaval
seguinte.
Na breve e bizarra amizade que tive com Mrs. Margareth Mee,
o destino mudou duas de nossas intenções, provocando
resultados inesperados e repletos de
humor. Duas semanas depois mudeime para a Rua Monte Alegre em Santa
Teresa também, e então me despedi
dela, perdendo contato.
Tempos depois fiquei feliz ao vê-la
fazendo sucesso na mídia com suas
bromélias, publicando seus desenhos
em revistas nacionais e internacionais.
Ela volta então à Inglaterra,
e é quando acontece a tragédia.
Infelizmente ela veio a falecer num
acidente de trânsito.
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Filha
O seu coração
mandou você entrar na moda.
E o piercing furou sua língua.
Eu senti a dor.
Tita:
eu sei que o seu coração
vai chegar a conclusão,
que parafuso
só na língua de mulher faladeira!
A sua voz mansa e delicada
não merece ser presa.
Esse prego vai impedir seu paladar
e sei que você tem bom gosto.
O que me acalma é saber que
quando a vida chamar seu coração,
você levará junto
um pouquinho de razão.
Baía de Guanabara
Para apreciar a beleza da Guanabara,
sento com amigos
ali no aeroporto,
bem ao lado do Santos Dumont.
Discreto e elegante,
ele observa como é belo e majestoso o Pão de Açúcar!
E que apesar,
pousa leve e lindo sobre o mar...
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E pra alegria geral
a sua criação o avião,
sobre o mar
passa deslumbrante no olhar.
De repente,
da boca da baía
surge uma caravela!
E vejam só quem solta dela!
O grão mestre navegador
Estácio de Sá!
Que meio irritado
vai logo falando:
– Porra!
Fui eu que fundou essa cidade!
Porque está faltando claridade,
montes verdes,
azul no mar?
Respondo que:
– Lamentamos também, grão mestre...
Mas certos políticos
só souberam se locupletar
e exercitar sabedoria eqüestre!
Triste e chateado
faz menção de voltar,
Quando en passant
seduzindo o Sá,
a morena índia semi-pelada,
pedalando passa
e tinge o guerreiro e desarmado olhar!
E Cristo lá do alto num largo abraço
pede calma Sá! E convida-o a ficar:
– Garçom! Chope geral e um guaraná.
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Sá, já solto e enturmado
e até arrependido de atos do passado,
exalta a beleza delas... pelas passarelas...
E das velas...
Em regatas pelo mar.
E diz que as baleias que aqui vinham
para dar a luz e amamentar,
fizeram os índios poetizarem
ao verem na baía, o seio do mar.
Então batizaram-na de:
Seio do mar: Guaná bará!
Estende o olhar através da diversidade
dos verdes coloridos
das árvores do aterro do Flamengo,
e vê seu autor,
o passarinho paisagista pintor
Burle Marx,
se aninhar ao vento
entre flores e folhas,
cantando com as irmãs
flora e fauna,
trovas e traviatas.
Segreda-me que também gosta
de ver balão no céu
e pro Dumont, ao pé do ouvido:
– Bela volta na Torre Eiffel!
Mas como dizia seu compadre Pessoa:
– Navegar é preciso!
Despede-se de todos com forte abraço
e um largo sorriso.
Evitando o mar encapelado,
pega um atalho por cima do Redentor
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e sumindo num cumulus nimbus
brada lá do castelo de popa:
– Ô PA, O PÁÁÁ!
Cuidem bem da Guanabara,
de suas baleias,
da cidade do Rio de Janeiro,
e de suas sereias!
Microfone sem fio
Meu caro Chico Paula Freitas:
O Pão de Açúcar ficou todo feliz
ao se sentir no melhor cenário
pra sua maravilhosa festa de aniversário!
Você elegante como sempre,
ao lado de sua namorada Glorinha,
recebia os amigos
com muita atenção e carinho.
A festa começou
com nosso professor de química Serjão,
ensinando alquimia ao nosso paladar
de como as picanhas, maminhas e chuletas
mal passadas e ao ponto
devem se comportar.
O baixo barítono Chico Caruso,
como se estivesse no Scala de Milão,
fortíssimo recebia Pavarotti,
com muita verve e emoção.
O baixo baiano, como se estivesse
em afogados da Ingazeira,
arretadíssimo!
Perdia as estribeiras,
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xaxava na jutaieira
e recebia Zé Limeira.
Enquanto isso nosso escritor filarmônico
Hugo Sukman,
sincopava as Quiálteras e colcheias,
semifusas e fugas do brasileiro
através dos Zé Kétis, Casquinhas
e Jacksons do Pandeiro!
O nosso homem show genial
Luiz Carlos da Vila,
que junto com Candeia
tornou-se arquiteto musical,
ao “erguer o pilar de um mundo mais feliz.”,
ao lado do também genial
elegante malandro maneiro,
amigo de Nei Lopes e de São Jorge guerreiro:
o imperial Zé Luis!
Foi quando o sol em sua homenagem
avermelhou no horizonte.
Para melhor anunciá-lo
peguei o microfone
e o seu enrolado fio
nos meus pés se enrolou,
sem saber atado
e ao tentar andar,
fui de cara no chão
num grande mico
já registrado no meu currículo.
Chico... Chico...
Êta fio fia da puta!
Nem as mangas do nosso Méier
se estabacavam dessa maneira.
Mas meu caro Chico Paula Freitas,
tem nada não... tem nada não...
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Daqui pro futuro, juro.
Tomei uma decisão.
Em nome do meu brio,
após o copo vazio,
só microfone sem fio!
O dia em que eu e Ernest Hemingway
ficamos lado-a-lado com Van Gogh e Gaugin
Aldir me ligou:
– Zé, Paulo Emílio vai fazer uma rabada no bar espetacular de
um amigo seu lá em Jacarepaguá. Vai o Silvinho, Marco Aurélio,
Marcio Proença e toda turma.
Realmente, rabada feita pelo Paulo Emílio, como dizia Blanc, é
imperdível!
O bar espetacular não dizia nada pela fachada, mas na medida
em que se entrava ia se descortinando um lindo Atrium, com
mesinhas e uma árvore fina e clara no centro a céu aberto. Aos
poucos o pessoal foi chegando, as músicas e poesias da turma
começaram a tomar conta do aprazível ambiente e a rabada estava
genial.
A certa altura me destaquei um pouco da roda para observar
as figuras. Quando um tipo todo especial adentrou ao recinto:
cinquentão, magro, nariz aquilino, rosto chupado, mal barbeado,
cabelos grandes, escassos, pintados, e no final ainda cacheava.
O pescoço fino era sufocado por um colarinho fechado pardo e
puído, e o paletó grande num surrado cinza segurava uma pasta de
desenhista. Enquanto eu o mapeava, ele fazia o mesmo. Veio até
minha lateral e sem me olhar curvou-se discretamente e perguntou:
– O cavalheiro gosta de arte?
– Sim!
– Então, por favor.
Acompanhei-o até uma mesa mais afastada e sentamo-nos.
Num comedido ritual começou a desfazer os 3 laços laterais da pasta
e eu já me perguntava o que que vai sair daí de dentro? Enfim, pasta
aberta e eis que surge o maravilhoso Van Gogh com sua expressão
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atormentada, meio esmaecida e quase sem a outra orelha.
– Magnífico, não?
– Bela gravura. – respondi.
Viro a página e surge seu amigo, o selvagem Gaugin com “sus
muchachas taitianas con flores de mango”. Também um pouco
desbotadas pro Taití. Não importava. Desde o cara até as gravuras,
era tudo carente, maravilhoso e inusitado. Enquanto me deliciava
com toda situação, ia deduzindo como o nosso amigo tornou-se
marchand. Ele deve ter comprado o esquema de um camelô que
eu já conhecia da Cinelândia. De dia armava a banca e vendia a
pasta inglesa, com demonstração e tudo. A pasta era passada numa
gravura de revista e prensada a um papel branco, este absorvia as
cores da gravura, dando-lhe até um caráter de cópia, com falhas, etc.
E a noite entre as mesas cheias do amarelinho anunciava baixinho e
rapidinho:
– Pomada japonesa, pomada japonesa, pomada japonesa...
Provocando velados sorrisos dos casais, pois todos sabiam que
a tal pomada garantia o sucesso viril dos homens.
O cara era o rei das pastas e pomadas. Enquanto essas
conjecturações rolavam na minha cabeça, passo a gravura de Gaugin
e quem aparece? Ernest Hemingway, num ambiente azulado, sentado
a mesa de um bar de calçada na Paris da belle époque, de calção,
luvas de boxe, vinho tinto à mesa, e com a torre Eiffel ao fundo, e
próximo, uma prostituta com meia arrastão, esperava. Essa ilustração
me foi encomendada pela revista Ele e Ela sobre uma biografia do
grande escritor. Quando vi a gravura, invertida e com falhas, fiquei
meio confuso e não a reconheci de imediato, até porque acho que
nosso amigo deve ter trocado a pasta pela pomada, pois as cores
estavam muito entusiasmadas. Foi quando Silvinho e Marcio se
chegaram e, reconhecendo a gravura, falaram ao meu ouvido:
– Pô, esse cara te copiou!
– Calma turma, não falem assim de um grande marchand.
Quanto é senhor?
– 3 reais cada.
Paguei.
Discretamente agradeceu, e no mesmo lento ritual fechou os
3 laços da pasta, levantou-se e de forma comedida e sem olhar
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cumprimentou a todos com a cabeça. E lá se foi com a pasta
embaixo do braço andando como um lord marchand suburbano.
Circundou a fina árvore central do bar e o Sol do final da tarde vazou
sombras sobre ele fazendo-o sair de um quadro de Renoir.
Guardei essas gravuras durante muitos anos na minha estante
até recentemente descobrir que cupins fizeram uma releitura
contemporânea e comeram-nas todas, só sobrando a orelha
desbotada de Van Gogh.
A orelha do Van Gogh e o sapato da Cinderela
Guardei a orelha do Van Gogh por muitos anos até sumir entre
os guardados, pastas e mapotecas.
Espero que um dia ela me ouça e apareça.
Sempre tive a mania de guardar objetos, coisas que tiveram
algum significado expressivo escritos sobre fatos e emoções. Mas
com o sapato da Cinderela foi diferente. Num rompante de raiva, ele
tomou outro destino.
Na década de 80 a macrobiótica ficava em frente a estátua
do Mahatma Gandhi ali na Cinelândia, no segundo andar do belo
edifício Odeon, estilo art noveau, no centro do Rio. O orientador
nutricional era o Gentil. A turma mastigava 20 vezes enquanto ele,
ao microfone, entre microfonias falava sobre os poderes do inhâme
e outros tubérculos. Entre as pessoas que buscavam a macrô, por
algum problema pessoal, vi cabelos ralos se congestionarem no
maior topete, moças rechonchudas ficarem finas, e outras secarem,
fazendo me lembrar das rechonchudas.
Um dia estava almoçando e olhando pro Mahatma Gandhi,
perguntei-me se valeu a pena ele ter apanhado tanto dos ingleses,
quando uma voz feminina na mesa compartilhada perguntou:
– Que que você acha do tofu?
Expliquei que a macrobiótica era uma espécie de compensação
para as maravilhosas agressões que no final de semana aconteciam
graças a chopps e churrascos, junto com amigos da roda de samba
“Torresmos e Moelas”. Ficamos conversando e trocamos telefones.
Saímos algumas vezes para museus e cinemas. Num final de tarde
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na Cinelândia, casais nas mesas, e os pombos aos nossos pés, tudo
lembrava Mont Parnasse. Quando ela descansou o chopp na mesa e
me fitando, perguntou:
– Como é você sexualmente?
Vi as pombas corarem, os casais voarem, e respondi:
– Posso ser um garanhão ou um fracasso.
– Que tal testarmos?
E fomos. Deixei-a às 4:30h da manhã na porta do seu endereço
no Leblon, e felizes nos despedimos. E com a calma dos felizes
fui dirigindo pela Lagoa quando antes da boite Cowboy que ficava
no antigo estádio de remo, de longe vi uma mulher de longo preto
acenar carona. Aí pensei: a moça saiu da boite cansada e sem
condução, vou ajudá-la! Parei meu Carmangia verde musgo perolado
que, por ser baixinho, não vi o rosto da moça. Abri a porta e ela
entrou, junto com seu bafo de whisky.
– Ainba bem que o abor ixiste, lindo!
Falou o rosto barbeado, congestionado de maquiagem, com a
peruca de banda.
– É companheiro, houve um engano aí. Houve um engano,
lamento...
– Calba beu jobem, sempre ixiste uma pribeira vez!
Senti que pela reação dele era encrenca pura.
– Repito, lamento, não é meu caso, por favor espere o ônibus.
– O digstino nusjuniu...
– É, mas vai nos separar agora!
Saí, dei a volta e abri a porta dele, quando reparei que a 20m
vinha em nossa direção o Cosme e Damião, que era polícia da época
e andava em dupla. Rapidamente bati a porta dele, entrei e arranquei
nervoso.
– Sabia, sabia que bocê não rigistiria ao abor...
Eram quase 5 da manhã e já começava a ter pessoas na rua. Fui
pela Voluntários espanando sua mão do meu cangote e arquitetando
como tirá-lo do carro. Parando num sinal, tentei apelar para a razão:
– Cara, escuta... me escuta, você tá muito de porre, não se
aguenta em pé. Onde você mora, eu te levo a porta da sua casa e
você vai dormir.
– Só se phor com bocê beu bem!
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Infelizmente cheguei a conclusão que teria que tirá-lo a força. Na
pista de Botafogo parei o carro numa freiada nervosa, saí, abri a porta
dele e pegando seu braço com as duas mãos, puxei-o. Ele fazendo
trava com o corpo esticado, minhas mãos escorregaram pelos
braços, pulsos e pumba! Caí de bunda no chão! Só então percebi que
umas 6 pessoas numa fila de ônibus, perplexas, assistiam as cenas
de um casamento em crise. Irado, me levantei e pensando rápido
dei-lhe um chambão nos peitos. Ele se contraiu e pude então puxálo, arrastando-o para fora do carro, rapidamente batendo o trinco e a
porta, voltei ao volante, e fiquei acelerando em ponto morto, pois ele
estava entre a roda e o meio-fio. A cabeça dele ia e voltava, quando
enfim se levantou. Arranquei com o carro e pelo retrovisor pude vêlo correndo de braços abertos de encontro ao abor, para espanto e
reprovação da fila do ônibus, com um marido tão cruel e desalmado.
Triste, e tenso com a atitude que tive que tomar, fui dirigindo pra
casa lamentando como, em nome de uma gentileza, fui entrar numa
fria dessas e logo após uma noite tão bonita. Não, eu não merecia
isso! Já me acalmando,e chegando em casa, estacionei, e quando
ia fechar o carro reparei que na refrega ficou no chão uma imagem
inesquecível: “O sapato da cinderela”. Peguei-o, lindo, novinho, todo
forrado com cetim preto, salto agulha 12, laços longos e soltos, e
num acesso de fúria rodopiei-o pela longa fita e como uma marimba
mandei-o lá para o matagal do Kurozawa, para um segundo após me
arrepender... Não, não! Não deveria tê-lo jogado fora... foi estressante,
patético, triste, mas deveria tê-lo guardado como lembrança da minha
única experiência homossexual conturbada.
__________________________________
Lá vai ela
entre frutas e legumes,
quebrando a calma dos feirantes,
com a cadência dos quadris.
Deixando torcicolos n’alma
e pedidos de bis.
__________________________________
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Paulinho Albuquerque
Tive quatro irmãos, Renato, Flávio, Vicente e Francisco, e duas
irmãs, Norma e Teresa.
Renato, ainda em vida, volta e meia eu via nos mais diferentes
locais. Uma vez foi num circo mambembe lá em Niterói. Avistei-o de
longe e fui até ele:
– Renaaaaato!
O cara se virou e eu:
– Opa! Desculpe, foi engano.
Atualmente essa situação está acontecendo com o Paulinho
Albuquerque.
Noutro dia eu fui chamado por uma agência para um trabalho.
A equipe reunida na sala de criação quando entra o cliente. Era o
Paulinho Albuquerque. Levei algum tempo para me concentrar. O
cara era igualzinho a ele. A verdade é que não estamos preparados
para o fim que todos teremos. Nesses últimos trinta anos encontrei
o Paulinho nas mais diferentes situações. Aniversários no quiosque
do Santos Dumont, reuniões para criação de capas de LPs e CDs, no
Free Jazz, nos bastidores dos shows, nas festas, etc. Ele se divertia
ao me ouvir cantar no meu inglês castiço. Ganhei dele de presente a
cópia de uma coleção rara
do crooner Johnny Hartman,
o preferido dos band leaders
americanos. Havia sempre
uma roda ouvindo-o contar
seus “causos” sobre o
mundo do samba, do jazz,
da turma do casseta, etc.
Dois “causos” que
vivenciamos juntos:
Ele me liga:
– Mello, vamos lá no
show do Ivan Lins hoje.
Após o maravilhoso
show, bastidores e tudo
mais, o Paulinho me leva até
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um gringo baixinho e diz:
– Mello, esse aqui é um dos maiores compositores americanos: Johnny Mandel.
– Mandel, esse é o seu intérprete no Brasil. Manda uma dele aí
Mello.
Aí eu:
– De Mandel e McDonald’s: A cheddar of your smile when you
have gone...
A canção seguia enquanto todos riam e o Mandel bem humorado
dizia:
– What is this?
Ou seja: que merda é essa?
Logo após fomos comemorar com o Ivan e metade da MPB
na churrascaria Plataforma. Mesa quilométrica, papo animado, mil
chopps, quando pela porta lateral entra um senhor e uma senhora.
Ele andando com uma certa dificuldade e ela de branco, parecendo
uma enfermeira. Esse inusitado quadro chamou a atenção somente
do Paulo e minha, que discretamente acompanhamos o desenrolar
até os dois sentarem-se à mesa a nossa frente. A emoção juntou-se
a certo desespero quando reconhecemos aquele bravo bohêmio. Era
o poeta maior Vinicius de Moraes, e quando ele reconhece o Mandel,
que está sentado de costas para ele, se levanta devagar abraça o
Mandel. Ele querendo reconhecer o autor do afago se vira e antes que
o reconhecimento demore, o Paulinho se adianta e diz:
– Mandel, esse é o Poeta Vinícius de Moraes.
O Johnny quase joga o poeta pro alto de satisfação e todos
aplaudem.
Estar com o Paulinho era viver essas coisas. Havia sempre um
clima de humor e criatividade. Amanhã devo encontrá-lo em algum
lugar.
Feiras
Gostaria de saber misturar as cores,
assim como na feira
a raça brasileira mistura os seus pigmentos.
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Sábados, domingos, segundas, terças
quartas, quintas e sextas-feiras.
Ah! Santas feiras...
Delírios, cores, colírios
aromas, sabores.
Pregões brincantes
no sotaque brasileiro,
do samba, do fado,
forró, fandango, xaxado.
Cantam mil matizes:
amarelos laranjas, verdes alfaces
mangas rosas, melancias,
repolhos roxos, morangos vermelhos
salmão, prata!
Flores? Todas as cores!
Fêmeas cheirosas,
margaridas, angélicas e rosas.
A tez em tantos tons,
do jambo à tapioca.
São rostos, colos, ancas,
e a bela brasileira,
bunda pêra carioca.
O vento e o tempo em Santa Teresa
Hoje de manhã,
fortes ventos de novembro vieram,
sacudiram as roupas nos fios
e turvaram os olhos
ao ver os filhos
a brincar no varal do tempo.
Ah... Que tempos minha Santa Teresa...
Que tempos...
Há muito tento sonhar com a tua beleza.
Mas meu sono é interrompido
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pelas tempestades e estampidos:
funk pornô, fogos, caos...
Ah... tristeza minha Santa Teresa,
tristeza...
Apesar disso não desisto.
Acordo cedo,
vou caminhar com borboletas azuis
e ouvir o canto
dos seus tucanos e sabiás
pousados entre os galhos verdes,
e me deslumbrar
ao ver o Pão de Açúcar amanhecer.
No outro dia gente,
eu me apaixonei!
Não sei o nome delas,
Lindas... Lindas!
Se dão as mãos pelas raízes
exalando beleza
de suas imensas copas.
O vento,
esse inconstante pintor amante,
acaricia suas frondes
e suavemente despe seu manto amarelo
tingindo o chão
e pincelando flores bailarinas
no vão dos trilhos...
Ah... Vejo riscos amarelos
no chão de Santa Teresa!
Ali o vento pintou a poesia
e sobre ela o tempo passará um bondinho
amarelo passarinho.
Beleza... minha Santa Teresa,
beleza...
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Mas... Como o vento
semeia trigais
e intrigas no tempo.
Tempos depois,
muito tempo depois,
aquele mesmo vento,
agora, furioso e enciumado
com tanta beleza aflorada
e tenho certeza!
Sabedor de minha paixão
implacavelmente
tombou as árvore
sobre postes, fios e trilhos.
Desfigurando um terrível quadro
pós abstrato de cores retorcidas.
Ah... tristeza, minha Santa Teresa,
tristeza...
O vento...
o vento derrubou.
Desfez a paisagem.
Mas o tempo...
O tempo decantou...
Decantou... E a refez em poesia...
Os Filhos do Brasil
O crente comungado
caminha.
Pula a cerca
de fio farpado eletrônico do curral eleitoral,
deixa a enxada, o fandango, o xaxado,
na seca do sertão serrado,
e vai pra cidade grande.
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Lá, esperançado.
O crente comungado, desempregado,
caminha...
Vai morar no crescimento desordenado,
tempestades e estampidos,
funk pornô, fogos, caos...
O sono dorme acordado...
Acordado com a pregação alienante e voraz
dos pastores da futura guerra santa,
Igrejas medievais,
que em nome de deus e do diabo a quatro
cobram o último centavo.
O crente ateu comungado,
caminha desiludido e desembestado.
Fica refém nas avenidas, vielas,
informalidades, favelas, febéns...
Uns viram noticia de jornal,
poucos vão às faculdades,
outros vão chutar a bola
sonhando vê-la descrever
a lenta parábola no céu,
para marcar encontro com a arte.
A galera em delírio,
vê o corpo se elevar
e parado no ar,
marcar de bicicleta o encontro marcado.
O crente ateu comungado espera no ponto
o bonde da historia de dona Esperança.
Confere o bicho e a sorte,
o macaco colado no poste avisa:
– No grupo,
a globalização é o globo da morte.
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Na dezena,
cobras corruptas.
Na centena,
o impagável papagaio
intromete-se no jogo
e diz que a dívida já tá paga.
No milhar
a águia não pisca.
Vamos nascer morrendo,
viver pagando
e morrer devendo...
Pego o bondinho de Santa Teresa
junto com os filhos do Brasil.
Eu, passageiro ateu comungado,
creio.
Creio no encantamento das árvores
porque Deus mora nelas.
Ontem mesmo, havia duas aqui.
Davam-se as mãos pelas raízes,
exalando beleza de suas imensas copas amarelas.
Creio na beleza misteriosa, fabulosa
e caudalosa do mar.
O eterno amor.
Nado pra afagar o mar
e às vezes,
nado pra afogar o amor.
Pinto o movimento da vida,
a passagem do crente ateu comingado por aí.
Seus entornos e contornos
extremamente mutantes e fugazes...
Atalhos, trilhas e encruzilhadas...
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A vida em movimento pelas estações:
trilhos paralelos,
invernos, verões
A vida em movimento
divergentes e convergentes
pra pontos de fugas,
encantamentos,
encontros,
descarrilhamentos...
Pinto a vida em movimento.
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