Tempestade Tiroideia – revisão
Transcrição
Tempestade Tiroideia – revisão
ARTIGO DE REVISÃO CUIDADOS INTERMÉDIOS EM PERSPECTIVA Tempestade Tiroideia – revisão Susana Garrido1-2, Rui Carvalho1, Fátima Borges1 Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Centro Hospitalar do Porto - Hospital de Santo António 1 Autor correspondente: Susana Garrido 2 | [email protected] ABSTRACT RESUMO This review adresses the clinical presentation, diagnosis and treatment of thyroid storm. Neste artigo serão revistos as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento da tempestade tiroideia. Keywords: Thyroid storm, thyrotoxicosis Palavras-chave: Tempestade tiroideia, tireotoxicose Thyroid storm is a rare syndrome, defined by an exarcebation of thyrotoxicosis associated with organ dysfunction. It is a medical emergency, so prompt management is essential. Cuidados Intermédios em Perspectiva A tempestade tiroideia é uma síndrome rara, que traduz um quadro de tireotoxicose grave com disfunção orgânica associada. É uma emergência médica e, como tal, exige uma actuação imediata. NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 10 | 17 CIP INTRODUÇÃO A tempestade tiroideia é uma emergência médica, rara, cujo diagnóstico se baseia na evidência de disfunção orgânica num doente com sintomas e sinais de tireotoxicose.[1] A incidência é difícil de calcular, já que não existem critérios de diagnóstico específicos e pode cursar com uma apresentação clínica muito variável.[2] No entanto, esta tem vindo claramente a diminuir nos últimos anos [2], possivelmente pela maior precocidade no diagnóstico e tratamento da tireotoxicose [1,3]. A tempestade tiroideia ocorre habitualmente no contexto de um evento agudo precipitante [Tabela 1] [2]. No passado, doentes submetidos a tiroidectomia total desenvolviam frequentemente tempestades tiroideias no período pós-operatório imediato, por aumento da libertação de hormonas tiroideias durante a manipulação cirúrgica.[2] Actualmente esta apresentação é extremamente rara [4], uma vez que os doentes são submetidos a tratamento médico da tireotoxicose previamente à cirurgia, sendo operados em eutiroidismo [2]. Os precipitantes mais comuns passaram então a ser as infecções e a descontinuação dos anti-tiroideus de síntese [4]. Infecção Cirurgia, trauma Descontinuação dos anti-tiroideus de síntese, ingestão excessiva de hormona tiroideia Palpação vigorosa da tiróide Sobrecarga de iodo (ex: produtos de contraste iodados, amiodarona) Parto Stress emocional intenso Tratamento com iodo radioactivo Cetoacidose diabética Enfarte agudo do miocárdio, tromboembolismo pulmonar, acidente vascular cerebral Tabela 1 | Eventos predisponentes à ocorrência de tempestade tiroideia Cuidados Intermédios em Perspectiva Os mecanismos que conduzem à descompensação não estão totalmente esclarecidos, mas é provável que vários factores estejam implicados.[2, 3] Os níveis de hormona tiroideia, por si só, não justificam totalmente o quadro, não existindo um cut-off que diferencie hipertiroidismo grave de tempestade tiroideia.[5] No entanto, este parece ser o mecanismo mais importante em alguns doentes.[6, 7] O aumento transitório das fracções livres de hormona tiroideia, consequência de uma diminuição da ligação às proteínas de transporte induzida por certas situações clínicas (cirurgia, stress, infecção, cetoacidose diabética), pode estar também implicado.[8, 9] Outros mecanismos potencialmente envolvidos incluem o aumento da densidade de receptores beta-adrenérgicos e alterações nas vias de sinalização intracelular, com aumento da responsividade às catecolaminas.[10, 11] A causa mais frequente de tempestade tiroideia é a doença de Graves sendo, por isso, mais frequente em mulheres adultas.[4] No entanto, todas as causas de tireotoxicose podem evoluir para uma situação desta gravidade.[12, 13] DIAGNÓSTICO O diagnóstico de tempestade tiroideia é clínico [2], baseado na evidência de descompensação orgânica em doentes com sinais e sintomas sugestivos de tireotoxicose [1]. Habitualmente os doentes apresentam sintomas óbvios de hipertiroidismo, como emagrecimento, hipersudorese, intolerância ao calor, ansiedade, hiperdefecação, trémulo e palpitações.[14] Contudo, mais raramente, podem apresentar uma clínica atípica, com apatia, prostração e insuficiência cardíaca, sem manifestações francas de tireotoxicose (“tireotoxicose apática”).[15] Ao exame objectivo, pode ser evidente a presença de bócio, de oftalmopatia e de uma pele quente e húmida, assim como de hiperreflexia e trémulo.[14] As principais manifestações de descompensação incluem febre, normalmente com temperaturas superiores a 38,5ºC e associada a diaforese excessiva; taquicardia, por vezes desproporcional à febre; dor abdominal difusa, náuseas, vómitos, diarreia e icterícia; e sinais neurológicos vários, desde agitação a coma.[2, 16] Para além da taquicardia sinusal, outras taquiarritmias podem estar presentes, mesmo na ausência de patologia cardíaca de base. [3] Estas são sobretudo supra-ventriculares, mas não exclusivamente.[17] É igualmente frequente a presença de insuficiência cardíaca, que pode surgir também na ausência de doença cardíaca estrutural.[1] NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 11 | 17 ARTIGO DE REVISÃO Apesar do diagnóstico ser essencialmente clínico, este deve ser sempre confirmado através da função tiroideia que, regra geral, evidencia uma TSH suprimida e fracções livres das hormonas tiroideias elevadas.[14] No entanto, há excepções a este padrão, como a toxicose a T3 (em que a T4 livre se encontra normal ou apenas ligeiramente elevada), e a síndrome do eutiroideu doente (em que a T3 livre se encontra normal ou ligeiramente elevada).[1, 2] Como já referido, não existe um cut-off que discrimine entre hipertiroidismo grave e tempestade tiroideia.[5] Outras alterações analíticas podem estar presentes, como hiperglicemia, por aumento da glucogenólise e diminuição da secreção de insulina induzida pelas catecolaminas; hipercalcemia, por aumento da reabsorção óssea e hemoconcentração; e leucocitose com desvio esquerdo da fórmula leucocitária.[2] Em casos mais graves, por disfunção hepática, pode haver elevação das transaminases e da lactato desidrogenase, assim como hiperbilirrubinemia [18], esta última associada a um pior prognóstico. [4, 19] A elevação da fosfatase alcalina resulta, pelo contrário, da maior reabsorção óssea induzida pelo hipertiroidismo.[2] Parâmetro Clínico Não existem critérios de diagnóstico universalmente aceites, sendo difícil diferenciar uma tempestade tiroideia de um hipertiroidismo grave. Numa tentativa de padronizar e objectivar esta síndrome, Burch e Wartofsky criaram uma escala que pontua os vários graus de disfunção orgânica associados à tempestade tiroideia [Tabela 2].[19] É uma escala que se encontra amplamente difundida e que facilita o estabelecimento deste diagnóstico permitindo, assim, um tratamento mais atempado.[20] Esta escala, apesar de sensível, é pouco específica, já que casos de doença grave podem cursar com scores “positivos” na ausência de tempestade tiroideia [21], dependendo a decisão de tratar do julgamento clínico da equipa médica. Tendo em conta a gravidade associada a esta emergência endócrina e em caso de dúvida, é mais prudente assumir o diagnóstico e tratar como tal.[2, 22] Mais recentemente surgiu uma nova proposta de critérios diagnósticos, que partiu de um comité organizado pela Associação da Tiróide do Japão, numa tentativa de simplificar este diagnóstico [tabela 3] [4]. Esta, no entanto, ainda é pouco referida na literatura. Pontos Parâmetro Clínico 37,2 – 37,7 5 99 – 109 5 37,8 – 38,2 10 110 – 119 10 38,3 – 38,8 15 120 – 129 15 38,9 – 39,3 20 130 – 139 20 39,4 – 39,9 25 ≥ 140 25 ≥ 40 30 Temperatura (ºC) Pontos Frequência cardíaca (bpm) Disfunção do Sistema Nervoso Central Insuficiência cardíaca Ausente 0 Ausente Ligeira (agitação) 10 Ligeira (edemas periféricos) 5 Moderada (delírio, psicose, letargia) 20 Moderada (crepitações bibasais) 10 Grave (convulsões, coma) 30 Grave (edema pulmonar) 15 Ausente 0 Ausente 0 Moderada (diarreia, vómito, dor abdominal) 10 Presente 10 Grave (icterícia sem causa aparente) 20 Disfunção Gastrointestinal e Hepática 0 Fibrilhação auricular Evento precipitante TOTAL Ausente 0 Presente 10 <25 – improvável 25-44 – iminente ≥ 45 – altamente provável Tabela 2 | Escala de Burch-Wartofsky Cuidados Intermédios em Perspectiva NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 12 | 17 CIP TRATAMENTO Tempestade tiroideia “definitiva” Como já referido, o tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível, de modo a evitar a alta morbi-mortalidade associada à tempestade tiroideia. [2] Assim, a instituição da terapêutica não deve depender da confirmação analítica de tireotoxicose. [16] A monitorização clínica deve ser apertada, idealmente numa Unidade de Cuidados Intermédios ou Intensivos.[3] Tireotoxicose + 1 critério major + 1 critério minor Tireotoxicose + 3 critérios minor Tempestade tiroideia “suspeita” Tireotoxicose + 2 critérios minor 1 critério major + 1 critério minor, na ausência de tireotoxicose confirmada 3 critérios minor, na ausência de tireotoxicose confirmar O objectivo do tratamento é não só diminuir os níveis plasmáticos de hormonas tiroideias, mas também controlar os sintomas adrenérgicos e tratar a descompensação sistémica e o evento precipitante.[2] Critérios major - Manifestações SNC (agitação, delírio, psicose, sonolência, letargia, convulsão, ECG≤14) O controlo eficaz e rápido dos níveis plasmáticos das hormonas tiroideias é assegurado através da utilização de vários fármacos, que actuam em diferentes passos da produção de hormona tiroideia [tabela 4]. Critérios minor - Febre (Tauric ≥ 38ºC) - Taquicardia (FC ≥ 130 bpm) - IC descompensada (NYHA classe IV ou Killip ≥ III) - Manifestações GI/hepáticas (náuseas, vómitos, diarreia, BT ≥ Os anti-tiroideus de síntese, propiltiouracilo (PTU) e metimazole (MMI), são utilizados para bloquear a síntese de hormona tiroideia. Estes, são tipicamente administrados por via oral, mas podem ser também administrados por sonda nasogástrica [3], via rectal [23, 24] ou endovenosa [25]. As doses recomendadas variam entre os 800-1500 mg/dia de PTU e 80-120 mg/ dia de MMI, ambos em 4 a 6 administrações diárias. [2, 19, 22, 26] O PTU, para além de ter um início de acção mais rápido, tem o efeito adicional de bloquear a conversão periférica de T4 em T3, pelo que é o anti-tiroideu de síntese de eleição no tratamento da tempestade tiroideia.[3,16,20,27] 3mg/dL) Tabela 3 | Critérios de tempestade tiroideia da Associação da Tiróide do Japão Bpm – batimentos por minuto, BT - bilirrubina total, ECG – Escala de Coma de Glasgow, FC – frequência cardíaca, GI – gastrointestinais, IC – insuficiência cardíaca, NYHA – New York Heart Association, SNC – sistema nervoso central, Tauric – temperatura auricular. Fármacos Mecanismo Notas Anti-tiroideus de síntese - Inibição da síntese de HT - PTU apresenta efeito adicional de inibição da desiodação (PTU, MMI) periférica Iodo inorgânico - Inibição da libertação de HT - Administrar pelo menos 30 minutos após anti-tiroideu de (ex: solução de Lugol, iodeto síntese de potássio, lítio) Glucocorticóides - Controlo das manifestações clínicas de - Propranolol apresenta efeito adicional de inibição da (ex: hidrocortisona) tireotoxicose desiodação periférica - Utilizar agentes car-dioselectivos se hiper- -reactividade bronquica Glucocorticóides - Efeito inibitório da desiodação periférica (ex: hidrocortisona) - Prevenção de crise adrenal Outros Terapêutica de suporte Tratamento do precipitante Tabela 4 | Tratamento médico da tempestade tiroideia HT – hormonas tiroideias, MMI - metimazole, PTU - propiltiouracilo Cuidados Intermédios em Perspectiva NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 13 | 17 ARTIGO DE REVISÃO O protocolo utilizado no nosso centro hospitalar sugere a utilização de PTU na dose de 250mg de 4 em 4 horas, após uma dose de carga inicial de 500-1000mg, à semelhança do recomendado nas guidelines da American Thyroid Association/American Association of Clinical Endocrinologists.[27] Assim que o doente esteja compensado, deve alterar-se de PTU para o MMI, uma vez que este tem uma semivida mais longa e menos efeitos laterais.[28] Os anti-tiroideus de síntese têm um efeito exclusivo na síntese de hormona tiroideia, não interferindo na libertação de hormona tiroideia pré-formada, que se encontra armazenada nos folículos tiroideus.[2] Este efeito é possível, no entanto, pela administração de doses elevadas de iodo (através do mecanismo fisiológico conhecido como efeito de Wolff-Chaikoff. [14] Para isso, devem ser administrados iodo inorgânico (ex: solução de Lugol, iodeto de potássio) [27] ou carbonato de lítio, sendo este último utilizado sobretudo nos doentes com alergia ao iodeto [20]. O protocolo aplicado no nosso centro hospitalar sugere a utilização de 4 a 8 gotas de solução de Lugol a cada 6-8 horas. Em caso de indisponibilidade da via oral, existem formulações rectais e endovenosas de iodeto que podem ser utilizadas.[20] Qualquer que seja a opção, esta deve ser sempre administrada pelo menos 30 minutos a 1 hora após a primeira toma do antitiroideu de síntese, para evitar que haja estimulação da síntese de hormona tiroideia induzida pelo aumento do seu substrato (iodo).[2] Outra opção possível é a utilização de produtos de contraste iodados, como o ácido iopanóico, e de amiodarona que, para além do efeito de redução da libertação de hormonas tiroideias (pelo alto teor em iodeto), condicionam também uma diminuição da conversão periférica de T4 em T3.[29] Estes são, no entanto, raramente utilizados: os primeiros, por não estarem disponíveis na maioria dos países [1], e o segundo, pelas suas características farmacocinéticas desvantajosas, já que tem uma semivida muito longa e fornece iodo durante vários meses [2]. Este efeito inibitório do iodo é transitório, havendo um escape a este bloqueio ao fim de 7 a 14 dias, com eventual exacerbação da tireotoxicose.[14] Os beta-bloqueadores são utilizados para controlar as manifestações clínicas secundárias ao excesso de hormona tiroideia. Os efeitos mais notórios são o controlo da frequência cardíaca, a melhoria da agitação e do trémulo, a resolução da hiperdefecação/diarreia e a redução da hipersudorese.[1] O propranolol é o beta-bloqueador tradicionalmente utilizado [20], uma vez que tem um efeito adicional, embora discreto, sob a conversão periférica de T4 em T3 [30]. Normalmente são necessárias doses mais elevadas do que aquelas utilizadas nos doentes hipertiroideus, devido a um aumento da metabolização do fármaco[3]. O nosso Cuidados Intermédios em Perspectiva protocolo sugere a utilização de 60 a 80mg de propranolol, por via oral, a cada 4 horas, com ajuste da dose de acordo com a frequência cardíaca e tensão arterial do doente. Em alternativa, se for necessário um efeito mais imediato, o propranolol pode ser utilizado por via endovenosa, com uma dose inicial de 0.5 a 1mg, seguido de 1 a 2mg a cada 15 minutos, até uma dose máxima de 10mg.[16] O esmolol é também uma opção nestes casos.[31] Nos doentes com contraindicação ao propranolol (p.ex, por asma) podem ser utilizados agentes selectivos ß1, como o atenolol, o metoprolol ou o diltiazem.[16] A fibrilação auricular associada à tempestade tiroideia é relativamente resistente à acção da digoxina.[32] Está igualmente recomendada a utilização de glucocorticóides em doses elevadas. Estes estão aconselhados não só pelo efeito inibitório na conversão periférica de T4 em T3 [2], mas também pela possibilidade teórica de insuficiência adrenal relativa secundária ao aumento do metabolismo do cortisol associada ao hipertiroidismo [33]. No protocolo utilizado no nosso centro hospitalar está recomendada a administração de 100mg de hidrocortisona a cada 8 horas, por via endovenosa, com descontinuação após melhoria clínica e exclusão de insuficiência adrenal. As medidas de suporte e o tratamento das disfunções associadas à tempestade tiroideia são também fundamentais e incluem o tratamento da hipertermia, desidratação, insuficiência cardíaca descompensada e disritmias. A febre deve ser tratada preferencialmente com paracetamol e medidas de arrefecimento externo. [1, 2] Os salicilatos estão desaconselhados, uma vez que podem interferir com a ligação das hormonas tiroideias às proteínas de transporte, condicionando um aumento transitório das fracções livres de hormona tiroideia, com consequente agravamento do quadro clínico.[34] A fluidoterapia endovenosa é fundamental nos doentes com depleção do volume. Esta deve ser efectuada preferencialmente com soros glicosados, numa perspectiva de aumentar as reservas hepáticas de glicogénio, podendo acrescentar-se suplementos vitamínicos para corrigir eventuais défices associados[2]. A suplementação com vitaminas do complexo B é especialmente importante, pelo risco de encefalopatia de Wernicke.[5] Conforme o estado clínico do doente, podem ser administrados diuréticos (se insuficiência cardíaca descompensada), antiarrítmicos (se taquidisritmias) ou vasopressores (se hipotensão refractária ao volume).[2] O recurso à sedação e suporte ventilatório pode também ser necessário.[16] NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 14 | 17 CIP Outro aspecto fundamental do tratamento da tempestade tiroideia diz respeito aos eventos precipitantes associados; estes devem ser activamente pesquisados e tratados.[3] Uma vez que a infecção é o precipitante mais frequente, deve ser sempre efectuado o rastreio séptico. Outros precipitantes devem ser pesquisados de acordo com a suspeita clínica.[1] A utilização de antibioterapia de largo espectro, na ausência de evidência de infecção, não está recomendada pela maioria dos autores.[1, 3, 22] Com a instituição destas medidas, há geralmente uma melhoria clínica significativa nas primeiras 1224 horas [16] e passadas 72-96 horas, a febre e os sintomas neurológicos habitualmente já se encontram resolvidos [2]. Se todas as medidas acima descritas forem tomadas, é possível normalizar a TSH ao 4º-5º dia de terapêutica.[35] Nos casos mais graves e refractários às medidas descritas, podem ser tentadas terapêuticas alternativas. A plasmaferese é uma opção que tem sido utilizada com sucesso em alguns doentes, por diminuir rapidamente os níveis de hormonas tiroideias em circulação, assim como a diálise peritoneal e a hemoperfusão com carvão activado.[36, 37] A utilização de plasmaferese está recomendada pela American Society of Apheresis nos casos refractários à terapêutica de primeira linha, em associação com o tratamento médico.[38] Outra alternativa é a administração de colestiramina, que diminui os níveis plasmáticos de hormonas tiroideias por interferência com a sua circulação entero-hepática.[39] Este efeito é discreto, pelo que deve ser usada apenas quando há refractoriedade ao tratamento de primeira linha. Em caso de necessidade de suspensão dos antitiroideus de síntese, por toxicidade, está indicada a realização de tratamento cirúrgico emergente. Nestas situações, é fundamental controlar rapidamente as hormonas tiroideias, idealmente durante a primeira semana de terapêutica, para evitar que haja escape ao efeito de Wolff-Chaikoff.[20] Vários esquemas têm sido tentados com sucesso, utilizando os mesmos fármacos descritos para o tratamento da tempestade tiroideia.[28, 40] O beta-bloqueador só deve ser suspenso após uma semana de pós-operatório, visto que as hormonas tiroideias têm uma semivida de 7-8 dias.[40] Após a compensação do doente, é possível suspender o iodo inorgânico e o glucocorticóide. O beta-bloqueador, pelo contrário, só deve ser suspenso quando se atingir o eutiroidismo.[22] Nesta fase, o doente deve ser orientado para um tratamento definitivo.[1, 3] Mesmo na doença de Graves, apesar Cuidados Intermédios em Perspectiva de existir a possibilidade de manter o anti-tiroideu de síntese até à recorrência da tireotoxicose, a maioria dos clínicos opta pelo tratamento definitivo.[2] A terapêutica com iodo radioactivo só é possível ao fim de várias semanas, devido à sobrecarga de iodo utilizada durante o tratamento da tempestade tiroideia. [2] Outra alternativa, mais atractiva, é a tiroidectomia total, já que é possível a mais curto prazo, desde que o hipertiroidismo esteja compensado.[2, 3] PROGNÓSTICO O prognóstico da tempestade tiroideia depende da instituição atempada da terapêutica acima descrita. A melhoria dos cuidados médicos e o diagnóstico mais atempado desta emergência endócrina fez com que a taxa de mortalidade diminuísse nos últimos anos. No entanto, esta continua a ser significativa, variando entre 10-30%.[3, 4, 20, 22] Um grupo japonês identificou como preditores de mortalidade a presença de choque, coagulação intravascular disseminada e disfunção multiorgânica. A presença de scores APACHE II e SOFA elevados foram igualmente preditores positivos de mortalidade.[4] A morbilidade, nos doentes que sobrevivem, é também elevada, sendo que um número significativo de doentes desenvolve complicações irreversíveis, sobretudo neurológicas e renais.[4] CONCLUSÃO A tempestade tiroideia é uma emergência endócrina rara, mas que está associada a uma taxa de morbimortalidade importante. Na maioria dos casos surge no contexto de um evento precipitante secundário, mais frequentemente infeccioso. É fundamental que seja reconhecida atempadamente, com instituição imediata das medidas médicas e de suporte necessárias, idealmente numa unidade de cuidados intermédios ou intensivos. LEARNING POINTS • A tempestade tiroideia é uma emergência médica rara, que surge habitualmente no contexto de um evento agudo precipitante, mais frequentemente infeccioso; • O diagnóstico é clínico, devendo ser considerado nos doentes com sintomas e sinais de tireotoxicose e disfunção orgânica associada (disfunção gastrointestinal, cardiovascular e do sistema nervoso central e febre); NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 15 | 17 ARTIGO DE REVISÃO • • • O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível, idealmente numa Unidade de Cuidados Intermédios ou Intensivos, com o objectivo de diminuir os níveis plasmáticos de hormona tiroideia, controlar os sintomas adrenérgicos e tratar a descompensação sistémica e o evento precipitante; 9. A terapêutica de primeira linha inclui um antitiroideu de síntese (habitualmente o PTU; dose de carga 500-1000mg per os, seguido de 250mg de 4-4 horas), um beta-bloqueador (habitualmente o propranolol; 60-80mg per os, a cada 4 horas, com ajuste da dose de acordo com a frequência cardíaca e tensão arterial do doente), um glucocorticóide (habitualmente a hidrocortisona; 100mg de 8-8 horas, por via endovenosa) e iodo inorgânico (por exemplo, solução de Lugol per os, 4-8 gotas a cada 6-8 horas), este último iniciado 30 minutos a 1 hora após os restantes fármacos; 11. J. P. Bilezikian, J. N. Loeb. The influence of hyperthyroidism and Após compensação, o doente deve ser orientado para um tratamento definitivo (tiroidectomia total ou iodo radioactivo) M. H. Brooks, S. S. Waldstein. Free thyroxine concentrations in thyroid storm. Annals of internal medicine, vol. 93, no. 5, pp. 694–7, Nov. 1980. 10. J. E. Silva, S. D. C. Bianco. Thyroid-adrenergic interactions: physiological and clinical implications. Thyroid : official journal of the American Thyroid Association, vol. 18, no. 2, pp. 157–65, Feb. 2008. hypothyroidism on alpha- and beta-adrenergic receptor systems and adrenergic responsiveness. Endocrine reviews, vol. 4, no. 4, pp. 378–88, Jan. 1983. 12. J. L. Swinburne, S. H. Kreisman. A rare case of subacute thyroiditis causing thyroid storm. Thyroid : official journal of the American Thyroid Association, vol. 17, no. 1, pp. 73–6, Jan. 2007. 13. S.-J. Yoon, D.-M. Kim, J.-U. Kim et al. A case of thyroid storm due to thyrotoxicosis factitia. Yonsei medical journal, vol. 44, no. 2, pp. 351–4, Apr. 2003. 14. S. J. Mandel, P. Larsen Reed, T. F. Davies. Thyrotoxicosis. in Williams textbook of endocrinology, 12a edição., S. Melmed, K. Polonsky, P. Reed Larsen, and H. Kronenberg, Eds. Philadelphia: Elsevier, 2011, pp. 362–406. 15. M. Feroze, H. May. Apathetic thyrotoxicosis. International journal of clinical practice, vol. 51, no. 5, pp. 332–3. 16. R. Carroll, G. Matfin. Endocrine and metabolic emergencies: BIBLIOGRAFIA 1. J. Klubo-Gwiezdzinska, L. Wartofsky.Thyroid emergencies. The Medical clinics of North America, vol. 96, no. 2, pp. 385–403, Mar. 2012. 2. L. Wartofsky. Thyrotoxic storm.The thyroid A fundamental and clinical text, 7a edição., L. Braverman and R. Utiger, Eds. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, 1996, pp. 701–7. 3. N. J. Sarlis, L. Gourgiotis. Thyroid emergencies. Reviews in endocrine & metabolic disorders, vol. 4, no. 2, pp. 129–36, May 2003. 4. T. Akamizu, T. Satoh, O. Isozaki et al. Diagnostic criteria, clinical features, and incidence of thyroid storm based on nationwide surveys. Thyroid, vol. 22, no. 7, pp. 661–79, Jul. 2012. 5. S. T. Tietgens, M. C. Leinung. Thyroid storm. The Medical clinics of North America, vol. 79, no. 1, pp. 169–84, Jan. 1995. 6. J. Reed, E. L. Bradley. Postoperative thyroid storm after lithium preparation. Surgery, vol. 98, no. 5, pp. 983–6, Nov. 1985. 7. M. T. McDermott, G. S. Kidd, L. E. Dodson, F. D. Hofeldt. Radioiodine-induced thyroid storm. Case report and literature review. The American journal of medicine, vol. 75, no. 2, pp. 353–9, Aug. 1983. 8. R. Colebunders, P. Bourdoux, J. Bekaert, C. Mahler, G. Parizel. Determination of free thyroid hormones and their binding proteins in a patient with severe hyperthyroidism (thyroid storm?) and thyroid encephalopathy. Journal of endocrinological investigation, vol. 7, no. 4, pp. 379–81, Aug. 1984. Cuidados Intermédios em Perspectiva thyroid storm. Therapeutic advances in endocrinology and metabolism, vol. 1, no. 3, pp. 139–45, Jun. 2010. 17. D. Anjo, J. Maia, A. C. Carvalhoet al. Thyroid storm and arrhythmic storm: a potentially fatal combination. The American journal of emergency medicine, vol. 31, no. 9, pp. 1418.e3–5, Sep. 2013. 18. P. Burra. Liver abnormalities and endocrine diseases. Best practice & research. Clinical gastroenterology, vol. 27, no. 4, pp. 553–563, Aug. 2013. 19. H. B. Burch, L. Wartofsky. Life-threatening thyrotoxicosis. Thyroid storm. Endocrinology and metabolism clinics of North America, vol. 22, no. 2, pp. 263–77, Jun. 1993. 20. M. Chiha, S. Samarasinghe, A. S. Kabaker. Thyroid Storm: An Updated Review. Journal of intensive care medicine, Aug. 2013. 21. L. Wartofsky. Clinical criteria for the diagnosis of thyroid storm. Thyroid, vol. 22, no. 7, pp. 659–60, Jul. 2012. 22. B. Nayak, K. Burman. Thyrotoxicosis and thyroid storm. Endocrinology and metabolism clinics of North America, vol. 35, no. 4, pp. 663–86, vii, Dec. 2006. 23. N. Nabil, D. J. Miner, J. M. Amatruda. Methimazole: an alternative route of administration. The Journal of clinical endocrinology and metabolism, vol. 54, no. 1, pp. 180–1, Jan. 1982. 24. R. M. Walter, W. R. Bartle. Rectal administration of propylthiouracil in the treatment of Graves’ disease. The American journal of medicine, vol. 88, no. 1, pp. 69–70, Jan. 1990. NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 16 | 17 CIP 25. S. P. Hodak, C. Huang, D. Clarke, K. D. Burman, J. Jonklaas, 33. A Tsatsoulis, E. O. Johnson, C. H. Kalogera, K. Seferiadis, O. N. Janicic-Kharic. Intravenous methimazole in the treatment Tsolas. The effect of thyrotoxicosis on adrenocortical reserve. of refractory hyperthyroidism. Thyroid : official journal of the European journal of endocrinology, vol. 142, no. 3, pp. 231–5, American Thyroid Association, vol. 16, no. 7, pp. 691–5, Jul. Mar. 2000. 2006. 34. P. R. Larsen. Salicylate-induced increases in free triiodothyronine 26. “Thyroid Storm | Endotext.” [Online]. Available: http://www. endotext.org/chapter/thyroid-storm/. in human serum. Evidence of inhibition of triiodothyronine binding to thyroxine-binding globulin and thyroxine-binding prealbumin. 27. R. S. Bahn Chair, H. B. Burch, D. S. Cooper et al. Hyperthyroidism and other causes of thyrotoxicosis: management guidelines of The Journal of clinical investigation, vol. 51, no. 5, pp. 1125–34, May 1972. the American Thyroid Association and American Association 35. L. Wartofsky, B. J. Ransil, S. H. Ingbar. Inhibition by iodine of of Clinical Endocrinologists. Thyroid : official journal of the the release of thyroxine from the thyroid glands of patients with American Thyroid Association, vol. 21, no. 6, pp. 593–646, Jun. thyrotoxicosis. The Journal of clinical investigation, vol. 49, no. 1, 2011. pp. 78–86, Jan. 1970. 28. “Thyroid storm.” [Online]. Available: http://www.uptodate.com/ 36. E. Kreisner, M. Lutzky, J. L. Gross. Charcoal hemoperfusion contents/thyroid-storm?detectedLanguage=en&source=sear in the treatment of levothyroxine intoxication. Thyroid : official ch_result&translation=thyroid+storm&search=thyroid+storm&se journal of the American Thyroid Association, vol. 20, no. 2, pp. lectedTitle=1~38&provider=noProvider. 209–12, Feb. 2010. 29. S. Y. Wu, I. J. Chopra, D. H. Solomon, D. E. Johnson. The 37. J. Tajiri, H. Katsuya, T. Kiyokawa, K. Urata, K. Okamoto, T. effect of repeated administration of ipodate (Oragrafin) in Shimada. Successful treatment of thyrotoxic crisis with plasma hyperthyroidism. The Journal of clinical endocrinology and exchange. Critical care medicine, vol. 12, no. 6, pp. 536–7, Jun. metabolism, vol. 47, no. 6, pp. 1358–62, Dec. 1978. 1984. 30. W. M. Wiersinga. Propranolol and thyroid hormone metabolism. 38. Z. M. Szczepiorkowski, J. L. Winters, N. Bandarenko et al. Thyroid : official journal of the American Thyroid Association, vol. Guidelines on the use of therapeutic apheresis in clinical 1, no. 3, pp. 273–7, Jan. 1991. practice--evidence-based 31. D. D. Brunette, C. Rothong. Emergency department management of thyrotoxic crisis with esmolol. The American journal of emergency medicine, vol. 9, no. 3, pp. 232–4, May 1991. 32. “Graves’ Disease and the Manifestations of Thyrotoxicosis - Thyroid [Online]. Disease Available: ManagerThyroid Disease Manager.” http://www.thyroidmanager.org/chapter/ graves-disease-and-the-manifestations-of-thyrotoxicosis/#tocsymptoms-and-signs-of-graves-disease-and-thyrotoxicosis. approach from the Journal of clinical apheresis, vol. 25, no. 3, pp. 83–177, Jan. 2010. 39. B. L. Solomon, L. Wartofsky, K. D. Burman. Adjunctive cholestyramine therapy for thyrotoxicosis. Clinical endocrinology, vol. 38, no. 1, pp. 39–43, Jan. 1993. 40. R. W. Langley, H. B. Burch. Perioperative management of the thyrotoxic patient. Endocrinology and metabolism clinics of North America, vol. 32, no. 2, pp. 519–34, Jun. 2003. Cuidados Intermédios em Perspectiva Apheresis Applications Committee of the American Society for Apheresis. NOVEMBRO 2013 VOLUME 3 | pag | 17 | 17
Documentos relacionados
Tiróide e Fármacos - spedm
A amiodarona pode provocar alterações da função tiroideia tanto no sentido da hipofunção como da hiperfunção. O hipotiroidismo é mais frequente em áreas onde a ingestão de iodo é elevada e o hipe...
Leia mais