0 universidade potiguar – unp alquimy art pós
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0 UNIVERSIDADE POTIGUAR – UNP ALQUIMY ART PÓS-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE LIANA SANTOS DE SOUZA NATAL/RN 2004 1 LIANA SANTOS DE SOUZA A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE Monografia apresentada à Universidade Potiguar – RN e ao Alquimy Art, de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de especialista em Arteterapia. Orientadora: Profª Mest. Regina F. Chiesa NATAL/RN 2004 2 LIANA SANTOS DE SOUZA A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE MONOGRAFIA APRESENTADA PELA ALUNA LIANA SANTOS DE SOUZA AO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA EM 26/01/2005 E RECEBENDO A AVALIAÇÃO DAS PROFESSORAS. ___________________________________________ Profª Mest. Regina Fiorezze Chiesa, Orientadora. _________________________________________________________ Profª Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização ___________________________________________ Profª Mest. Deolinda M. C. Fabietti, Co-Orientadora 3 “A arte não existe para reproduzir o visível, mas para tornar visível àquilo que está além dos olhos”. Paul Klee “A arte é uma fada que transmuta e transfigura o mau destino”. Manuel Bandeira 4 AGRADECIMENTOS Agradeço este trabalho a todos os que acreditam e me apoiaram nos bons momentos durante esse percurso de transformação, amadurecimento e ganho de conhecimento. Agradeço aos meus familiares que direto ou indiretamente me ajudaram e tiveram paciência comigo neste período. A Coordenadora do Curso Professora Doutora Cristina Dias Allessandrini da Alquimy Art de São Paulo que teve a brilhante idéia de abrir está pós-graduação em Natal. Pela sua dedicação, respeito e valorização do grupo como pessoa e passando seus conhecimentos. A Professora Mestra Regina Fiorezze Chiesa, meus agradecimentos pela sua dedicação, paciência e seriedade ao me orientar na maior parte do trabalho. A minha filha Beatriz Cristine Santos de Souza e minha nora Luceara Alves de Araújo de Souza pela disponibilidade em me ajudar no que era necessário. 5 RESUMO A proposta deste estudo é revelar como se processa a arteterapia, através da pintura em porcelana, como alimento terapêutico, vivenciado a partir das atividades realizadas por pessoas da Terceira Idade no espaço de um atelier. Essa experiência é relatada tomando como base o trabalho que a autora desenvolve dentro de um atelier com pessoas da idade. Baseado na criação artística com essa parcela da sociedade, procura-se observar, através de vivências, como a arteterapia contribui para a valorização da auto-estima e uma melhor qualidade de vida nessa fase da vida, fazendo uso de terapias expressivas na pintura em porcelana. Enfim, o que se pretende revelar é que a pintura em porcelana é mais um material diferente que surge na arteterapia, proporcionando bem-estar às pessoas, sendo um grande parceiro nas áreas de doenças mentais, como também um tipo de fazer artístico, onde o ser pode entrar em contato com seus sentimentos mais íntimos, restaurando assim a sua alegria de viver. Palavras-chaves: arteterapia – pintura em porcelana – terceira idade 6 ABSTRACT The proposal of this paper is to expose how does the art therapy works, through the painting in porcelain, as therapeutical stoke, lived deeply from the activities carried through for elderly in the area of an atelier. This experience is related based on the task that the author develops inside of an atelier with elderly people. Based on the artistic creation with this parcel of the society, it aims to observe, through experiences, how the art therapy contributes to the valuation of self-esteem and a better quality of life in this stage of life, using expressive therapies in the painting in porcelain. At last, this paper what if it intends to disclose that the painting in porcelain is a different material that appears in the art therapy, providing well-being to the people, and to be a great partner in the areas of insanities, and also a type of artistic occupation, where people can be in contact with its closer feelings, thus restoring its joy of living. Word-keys: art therapy - painting in porcelain - elderly 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – A sensibilização................................................................................. 45 Figura 2 – Verbalização ..................................................................................... 45 Figura 3 – 1º encontro – pintura livre ................................................................. 47 Figura 4 – 2º encontro – risco e rabisco ............................................................. 48 Figura 5 – 3º encontro – brincando com a bucha .............................................. 49 Figura 6 – 4º encontro – pintar o que mais gosta .............................................. 50 Figura 7 – 5º encontro – pintar como eu me percebo......................................... 51 Figura 8 – 6º encontro – colcha de retalhos ....................................................... 52 Figura 9 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos (sensibilização dança com as cangas)....................................................................... 53 Figura 10 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos.............................. 53 Figura 11 – 8º encontro – linha da vida (sensibilização)....................................... 54 Figura 12 – 8º encontro – linha da vida ................................................................ 55 Figura 13 – 8º encontro – linha da vida....................................................................... 55 8 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9 2. A ARTE .............................................................................................................. 12 2.1 Arte................................................................................................................... 12 2.2 Arteterapia ....................................................................................................... 14 2.3 Atelier Terapêutico .......................................................................................... 19 3. ATELIER DE ARTE EM PORCELANA .............................................................. 25 3.1 História da Porcelana ....................................................................................... 28 3.2 Relação da Pintura em Porcelana com a Arteterapia ...................................... 33 4. TERCEIRA IDADE............................................................................................. 40 5. METODOLOGIA ................................................................................................ 43 5.1 Apresentação................................................................................................... 43 5.2 Coleta de Dados............................................................................................... 46 5.3 Resultados Observados ................................................................................... 55 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 58 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 60 9 1. INTRODUÇÃO Diante de um mundo tão conturbado, como o de hoje, cada vez mais as pessoas vivem buscando meios de aliviar o estresse e os problemas de depressão, e muitas delas encontram nas artes o instrumento ideal para aliviar suas angústias. Essa preocupação, também, tem se evidenciado na Terceira Idade. O processo de aposentadoria e doenças preexistentes, juntamente com a ociosidade, estão fazendo com que essa parcela da população busque uma melhor qualidade de vida ou algo em que se possa ocupar de forma prazerosa, para fugir da ociosidade e depressão próprias dessa idade. Nesse sentido, a proposta deste estudo é revelar como se processa a arteterapia, através da pintura em porcelana, como forma de terapia, vivenciado a partir das atividades realizadas por pessoas da Terceira Idade no espaço de um atelier. Essa experiência é relatada tomando como base o trabalho que desenvolvo dentro de um atelier com pessoas da Terceira Idade. No processo de criação artística com meus clientes, procuro observar, através de vivências, como a arteterapia contribui para a valorização da auto-estima e uma melhor qualidade de vida nessa fase da vida, fazendo uso de terapias expressivas na pintura em porcelana. Além disso, tenho observado, durante as vivências, que as atividades de pintura em porcelana, ajudam na saúde mental desses clientes, visto que as terapias expressivas contribuem para estimular sua criatividade, fazendo-os se sentirem motivados, recuperando a sua auto-estima. Nesse sentido, percebe-se que a pintura em porcelana, pode vir a auxiliar muitas pessoas nessa idade, especialmente as se encontrem deprimidas ou ociosas. 10 Sabe-se também que num contexto tão conflitante como é o da vida moderna, que todo ser humano experimenta, de diferentes maneiras, as várias crises de sua existência à medida que evolui e as enfrenta. Assim, quanto mais capaz de enfrentar e sobrepujar essas crises, menos sintomas desenvolverá. Diante disso, a arteterapia oferece oportunidades para o desenvolvimento de potencialidades pessoais por meios verbais e não-verbais, através da reequilibração dos recursos físicos, cognitivos e emocionais em experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas. Ao se utilizar a arte, através da pintura em porcelana, como terapia, pode-se realizar um processo criativo, que pode tanto reconciliar conflitos emocionais como facilitar a auto-percepção e o desenvolvimento humano. Há várias formas de se realizar tal atividade, no entanto, os meios mais utilizados são as artes plásticas (pintura, desenho, modelagem), as artes corporais (dança e teatro), a música (com utilização de instrumentos musicais, voz/canto ou audição musical), os fantoches/marionetes, contos de fadas, a escrita livre e criativa, entre outros. De acordo com o que se lê na literatura sobre o assunto, há algum tempo, a arteterapia vem sendo aplicada com sucesso no campo das profilaxias em clínicas de reabilitação de saúde mental e física, hospitais, empresas e escolas. E, nessas últimas décadas, vem crescendo muito sua aplicação junto a equipes multidisciplinares, na clínica e na educação, nas artes, com o objetivo de prevenção e tratamento de distúrbios emocionais. Alguns benefícios da arteterapia já são conhecidos mundialmente como: aumento da criatividade e senso estético, melhor integração consigo e com a realidade externa, aumento da auto-estima, desenvolvimento pessoal e estética da singularidade-restituidora do equilíbrio emocional. 11 Dessa forma, o sentido da pesquisa em questão, tem o objetivo de “fazer arte” possibilitando o auto-conhecimento, a resolução dos conflitos pessoais, além de favorecer a desinibição das pessoas, levando-as a canalizarem seus sentimentos para o conhecimento de si mesmas e o desenvolvimento de sua criatividade. Tal sensação pode brotar na interação do ser com o mundo, valorizando a sua autoestima. O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro aborda os pressupostos teóricos sobre a arte, arteterapia, atelier terapêutico; o segundo trata do atelier de arte em porcelana, a história da porcelana e relação da pintura em porcelana com a arteterapia. No terceiro capítulo trata-se das vivências através dos resultados com o grupo da Terceira Idade, e no último capítulo uma abordagem sobre a metodologia utilizada e os resultados das oficinas criativas com os participantes. 12 2. A ARTE 2.1 Arte Para que se possa compreender a dimensão que tem o mundo das artes na vida da humanidade e, para o estudo em análise, é preciso fazer uma travessia por alguns teóricos, e perceber a concepção de cada um sobre o assunto. Tal passeio visa, neste sentido, a estabelecer uma ligação entre o teórico e o prático, no espaço dedicado ao exercício da arte de modo amplo, no caso o atelier de pintura, que foi utilizado para essa experiência com pessoas da Terceira Idade. As expressões artísticas têm seu valor conhecido dentro das culturas humanas, uma vez que ela possibilita expressar e perceber os significados atribuídos à vida com o meio circulante. É através dela que o homem pode sair de sua individualidade e partir para uma experiência coletiva, tomando-se das experiências de outras pessoas. O ser humano precisa da arte para conhecer e transcender o mundo através de um sonho, desejo ou intuição. Como é estimulada a liberar os sentimentos e emoções, através da música, pintura e outros meios, a arte passa a ter uma função terapêutica, visto que todos os métodos do psiquismo humano advêm da simbolização. De acordo com Morais, (2001): A arte é o que eu e você chamamos de arte. A arte com mais de quarenta mil anos de história, a pintura continua sendo, neste final de século, um espaço aberto à reflexão e ao prazer (MORAIS, 2001, p.17). 13 Ainda, segundo Morais (2001), não se pode matar uma tradição pictórica. O homem tem necessidade da arte para se libertar de suas limitações, opressões e dar vazão aos seus desejos mais secretos. Assim, as manifestações artísticas convivem no plano da eternidade, não havendo progresso, nem decadência. Na dinamicidade de uma sociedade, o que muda são as técnicas, os materiais empregados pelo artista, as formas de representação e os meios de expressão, mas as artes permanecem. A história da arte remonta da pré-história. Naquela época, como o homem não dominava a escrita, ele utilizava-se de símbolos para se expressar, ou seja, se comunicava através de imagens. Os estudos que se fazem, atualmente, sobre as inscrições rupestres que os pré-históricos inscreviam nas cavernas são verdadeiras obras de artes. Percebe-se desse modo, que arte é uma necessidade vital para o homem. Como produto da ação do homem, ela apresenta mudanças e com o passar dos tempos, apresenta características próprias. A arte é um leque de opções. Ela está presente em tudo, na sociedade, na filosofia, na política, na natureza, na religião e, principalmente, na inconsciência e no inconsciente do mundo. Nesse sentido, de acordo com Mário Pedrosa Apud Morais, (2001, p. 154). Uma das funções mais poderosas da arte é a revelação do inconsciente e este é tão misterioso no normal como no chamado anormal. As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que esta imagem ou sinais sejam, além do mais harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, construindo em si verdadeiras obras de artes. Diante do exposto, observa-se a importância da arte na vida do homem, pois é através do belo, da perfeição, da expressão e da espontaneidade dos traços, das tintas e das mil formas, que pode se expressar o mundo do seu inconsciente. O 14 estudo da arte pode ser canalizado para diversos fins e, entres estes, há a arteterapia. 2.2 Arteterapia A arteterapia é uma área bastante recente, que cresce a cada dia. O seu surgimento ocorreu no pós-guerra, dando uma conotação diferente à arte-ofício na qual a beleza e a perfeição eram o ideal. Há várias formas para conceituar arteterapia. Uma delas é a de considerá-la como um processo terapêutico resultante da utilização de modalidades expressivas e criativas que servem à materialização de símbolos. Tais criações simbólicas expressam e representam níveis profundos e inconscientes da psique. Outra forma de dizer pode ser apenas terapia através da arte. No entanto, nesse caso, a arte deve ser entendida como um processo expressivo de forma mais ampla e abrangente, pois não deve, aqui, enfatizar a preocupação estética e técnicas, porém deve se privilegiar o acesso à expressão, à comunicação, e o resgate da ampliação de possibilidades criativas. Desde 1940, a expressão estética, como o desenho, dança e dramas, já era usada no diagnóstico e no trabalho psicoterápico na Psicologia Clínica Brasileira. Afirmações como as de Carvalho (1995) e Andrade (2000), Apud Chiesa, (2003), mostram que as primeiras pesquisas sobre arte usada como terapia tiveram início no século XIX. Já no final do século passado, psiquiatras começaram a olhar para as obras de arte de seus pacientes com mais interesse. Ao mesmo tempo, pedagogos começaram a incentivar nas crianças o uso da expressão criadora. 15 Sabe-se que a arte quando adequadamente estimulada, desperta as mais diversas sensações no indivíduo, melhorando a sua auto-estima, equilíbrio e desenvolvimento psicomotor. Maria de Andrade faz uso da expressão “a arte abre um dos caminhos”, constante na obra de Frederico Morais, (2001, p.10), no sentido de que, na verdade ela oferece ao ser humano a possibilidade de criar, de enxergar o mundo de outra maneira. Uma maneira onde o feio torna-se belo, causando uma sensação de bem-estar e dissolvendo as angústias provocadas pelo dia-a-dia do ser humano. O seu interesse pela arte reside no fato de compreender a emoção que ela provoca como um elemento transformador do quadro clínico do paciente. Nesse sentido, Freud afirma que: O artista pode estar em contato com um “conhecimento”, “inconsciente” e simbolizá-lo concretamente em sua produção, retratando conteúdos de seu psiquismo, bem como expressando e condensando aspectos de sua contemporaneidade (ANDRADE – 2000, p.37). Já de acordo com Jung, no tratamento psicoterápico era usada a linguagem artística, pois, para ele, a criatividade é uma função psíquica natural usada tanto na compreensão intelectual quanto na emocional, possibilitando ao cliente uma organização de seu caos interno. (Carvalho, 1995; Andrade, 2000 Apud Chiesa, 2004). A arteterapia foi utilizada, pela primeira vez, como processo clínico por Margaret Naumburg em 1941, quando esta pôs em prática com seus pacientes a observação de Freud: desenhar os sonhos ao invés de contar, isto é, verbalizá-los. Outra que usou esse método foi Edith Kramer, em 1958 Apud Andrade (2000) observando, nos trabalhos de seus pacientes, o processo de fazer arte sem 16 verbalização. A função do arteterapeuta é a de transformar a interpretação do produto na compreensão da linguagem plástica, tomando como base o produto realizado e a compreensão do processo criativo. Nesse sentido, o fundamento do trabalho de Edith Kramer Apud Andrade (2000) é a sublimação dos instintos através de processos criativos na arte (ANDRADE, 2000, p.53,55). Já Natalie Rogers, filha de Carl Rogers, desenvolveu um trabalho de terapia expressiva, em 1974, com mais cinco colaboradores em “Workshops”. Gradativamente, ela foi criando um estilo próprio mesmo dentro dos princípios da abordagem rogeriana do pai (ANDRADE, 2000). Neste trabalho Natalie Rogers criou novas opções dentro da arteterapia possibilitando, assim, o surgimento de novas técnicas como a arte, a dança, o teatro, bem como a pintura em porcelana, fazendo uma complementação na parte verbal. Através disso, a terapeuta estimulava os participantes a revelarem suas emoções, seus pensamentos, gerando o relacionamento entre si. O trabalho de Natalie Rogers é bem diverso das demais terapeutas, visto que propõe uma integração entre movimentos e escrita. De acordo com Rogers, (1989), a Terapia Expressiva ou Terapia da Arte Expressiva é uma forma de terapias não-verbais. Nesse processo, a pintura em porcelana faz combinação com diversos processos de psicoterapia, onde são aplicadas dentro de uma estratégia a conduta pertinente aos princípios teóricos da abordagem centrada na pessoa, (ANDRADE 2000). Nas artes plásticas, a abordagem é focalizada na pessoa, usando um trabalho de psicoterapia onde a linguagem utilizada é uma forma de expressão. 17 Sob esse aspecto, o arteterapeuta apenas ajuda o indivíduo a liberar suas energias criativas. Para Andrade (2000), Um propósito da arteterapeuta é ajudar ao indivíduo a liberar sua energia criativa, daí para frente à escolha é sua, até mesmo a habilidade e disciplina necessárias tornando esta criatividade um produto profissional (NATALIE ROGERS - 1989, p.18 Apud ANDRADE). Tal técnica vem sendo usada há vários anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem cursos isolados de arteterapia com a finalidade de desenvolver o potencial criativo do indivíduo, utilizando as diversas formas de expressão artística. O uso dessa arte vem, a cada dia, atraindo mais adeptos, especialmente porque as experiências desenvolvidas nesse campo com pacientes têm mostrado resultados bastante positivos. Ainda, de acordo com Rogers Apud Andrade, (2000). O que uma terapeuta expressiva faz é ajudar as pessoas a abrir o hemisfério direito de seu cérebro, que é a parte que nos permite ser intuitivos, holísticos, emocionais, subjetivos (ROGERS Apud ANDRADE, 2000, p.139). Já na visão de Allessandrini, (1999): Criar é tocar a essência mais profunda do ser humano. É sentir a beleza do sutil, em um espaço onde antes era nada, e que de repente passa a ser uma forma, um contorno, enfim, a expressão de um sentimento presente dentro de nós. É redimensionar o que existia em direção a algo que passa a ser, conectado com os valores internos e constituintes do ser (ALLESSANDRINI, 1999, p.31). O processo de criação é fonte fundamental do homem; criar é colocar para fora o que está sentindo, é esvaziar o inconsciente de tudo aquilo que está 18 guardado, passando pelo consciente em forma de expressão em suas múltiplas e variadas formas. No Brasil, a utilização da arteterapia como curso é bastante recente. O surgimento aconteceu em 1990, no Instituto Sedes Sapientiae, por Selma Ciornai, que estudou com Jane Rhyne. O fato ocorreu com um curso de abordagem gestáltica que impulsionou o crescimento da arteterapia nas outras áreas, como na psicopedagogia, na reabilitação, na saúde e nos ateliês terapêuticos, (CHIESA 2003). Os principais nomes brasileiros que se destacaram nessa área foram Osório César e Nise da Silveira. Osório César (1972) realizou um trabalho de arte no hospital do Juqueri, com seus pacientes. Esse autor afirmava que a arte por si só já cura. A técnica utilizada por ele era a de usar a arte com os alienados de forma espontânea (CHIESA, 2004). A psiquiatra Nise da Silveira realizou um trabalho de grande importância em arte com seus pacientes no hospital de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Em 1946, no centro psiquiátrico de Engenho de Dentro, ela contesta os tratamentos vigentes na terapêutica psiquiátrica e adota outro procedimento, o da terapia ocupacional, percebendo que, dentre as várias atividades, a pintura e a modelagem permitiam mais fácil acesso ao mundo interno do esquizofrênico (SILVEIRA , 1992). A autora, em suas pesquisas, verificou que desde 1948, já se havia observado que a pintura e a modelagem tinham em si mesmas qualidades terapêuticas, pois davam forma às emoções tumultuosas, despotencializando-as e resultando-se em forças autocurativas que se moviam em direção à consciência. Diante disso, a pintura em porcelana é mais uma forma de expressão na qual a arteterapia pode ser utilizada de maneira criativa dando oportunidade ao grupo de se 19 expressar artisticamente usando a técnica adequada. Por isso a pintura e a modelagem permitem mais fácil acesso ao mundo interior do esquizofrênico. Além disso, é importante observar, ainda, que a arteterapia vem sendo utilizada em outros espaços como atelier terapêutico e atelier de arte. Segundo Allessandrini (1996), Apud Chiesa, (2004), o atelier terapêutico é um espaço onde o participante expressa de maneira criativa uma imagem interna por meio de uma atividade artística, um processo de descoberta, de sensibilização, de expressão, de elaboração e de avaliação. No caso do atelier de arte, além de sua função social, passa a desempenhar, também, uma função terapêutica, em que o cliente exterioriza o seu mundo interior e o expressa por símbolos seus pensamentos, seus sentimentos através da expressão e da criatividade. É nesse espaço de um atelier, em princípio de arte, e posteriormente terapêutico que esta pesquisa será conduzida. Isso se realizará através da observação das atividades e transformação de um grupo de alunas da Terceira Idade. Antes de relatar a experiência dos clientes, no contato com a pintura e suas transformações, será exposta a minha trajetória pessoal no encontro com a arte. 2.3 Atelier terapêutico O trabalho no atelier terapêutico é de grande importância para o terapeuta. Ele é o responsável pelo acompanhamento e pelo processo do paciente ou do grupo. O trabalho é desenvolvido de maneira que o terapeuta tenha domínio teórico e técnico que lhe permitam observar os comportamentos de cada paciente ou do grupo. 20 Andrade (2000, p.142), assim definiu sobre o papel do profissional que atua em atelier terapêutico: O terapeuta visa criar uma atmosfera suficientemente acolhedora onde o cliente possa experimentar uma comunicação direta com a cor, a linha, o movimento. Diante dessa definição, fica bem claro que o papel do terapeuta é acompanhar o processo do cliente, ajudar a superar os obstáculos encontrados, observando-os de um modo objetivo e subjetivo. Para isso, é necessário que haja normas para que o terapeuta possa intervir oportunamente no que foi proposto neste encontro. O objetivo principal de um atelier terapêutico é a criatividade. Nele, são encontradas condições para que seus clientes tenham possibilidades de expressar, de se construir e se comunicar . O atelier terapêutico difere de um Atelier de arte. Neste último, tanto o professor como o aluno têm necessidade de buscar e desenvolver a expressão artística, a sensibilidade, a percepção e a criatividade através das técnicas. Segundo Alessandrini (1996), as oficinas criativas são um espaço onde o participante expressa criativamente uma imagem interna por meio de uma atividade artística, um processo de descoberta, de sensibilização, de expressão, de elaboração e de avaliação. Já Chiesa (2004, p.39) descreveu o atelier terapêutico como sendo um local onde o terapeuta oferece ao grupo o material escolhido, a técnica de acordo com a necessidade do grupo e facilita o despertar para o criativo. É por meio do diálogo com o material e a técnica que o grupo toma posse de sua potencialidade e de seu estilo próprio quando se percebe na corporificação de sua obra. 21 Este processo se dá no atelier de pintura em porcelana quando esta é pintada de modo criativo e expressivo. Geralmente, nos ateliês, os clientes descobrem como utilizar o material que chega às suas mãos. Outro ponto interessante é mandar pintar sem fazer antes um desenho, pois isso geralmente surpreende o cliente deixando-o mais à vontade, sem a obrigatoriedade de mostrar que não é necessário saber pintar para fazer arteterapia, onde ali não é valorizada a estética. Na pintura ou em qualquer outra atividade plástica, a condição necessária para um desenvolvimento da percepção do conhecimento de si mesmo é o silêncio. De acordo com Pain e Jarreau (1996), o silêncio relativo que poderá ser também fonte de angústia, torna-se plenamente suportável uma vez que cada um sente-se visto seguido e acompanhado em seu processo. Quando o grupo é grande, a tensão criativa diminui. A quantidade ideal para uma sessão em grupo é de no máximo oito pessoas, pois assim o arteterapeuta tem condições de observar com mais cuidado e carinho o desenvolvimento do grupo. Esse profissional deve poder seguir os diferentes processos de elaboração das imagens como também as atitudes de cada um, os monólogos e diálogos do grupo. Ainda segundo Pain e Jarreau (1996), as pinturas modernas e contemporâneas são trabalhos aparentemente simples, mas são, às vezes, uma “depuração”, ou melhor, uma reflexão que o cliente está fazendo. A abstração pode parecer espontaneidade. A pessoa que procura sempre fazer abstração está evitando mostrar dificuldades psicológicas, isto é, esconder-se através da abstração. Nesse tipo de atelier, o grupo trabalha as imagens internas por meio da arte de forma expressiva e criativa. 22 Allessandrini (1996, p. 43), diz que, nas oficinas criativas, mostra o processo terapêutico que inicia-se com uma sensibilização onde o indivíduo faz uma relação diferenciada de contato com o mundo, apoiando-se na sensibilidade e na percepção de seu eu. Trabalhando o seu mundo INTRA - o valor do ser, a relação dele consigo, como também estabelece uma relação com o INTER, com a qualidade do TRANS. O desenvolvimento das oficinas criativas foi feito a partir de estudos desenvolvidos por Kagin e Lusebrink (1978), sobre o contínuum das Terapias Expressivas (ETC), modelo construído para ser utilizado no campo de psicoterapias artísticas e expressivas. De acordo com Fagali (1987) Apud Alessandrini (1996, p.42), na prática da sensibilização, há de se considerar alguns aspectos importantes no ponto de vista psicológico e metodológico, os quais são: proporcionar a integração das sensações sensoriais, intelectuais e emocionais; possibilitar a observação de estímulos dinâmicos - isto é, o indivíduo observa um objeto aparentemente parado de uma forma não passiva; favorecer na sensibilização várias formas de comunicação, introversão e extroversão; enfocar nas sensibilizações, conteúdos ou imagens que vem dos sentimentos. Numa segunda fase, o indivíduo expressa através de uma vivência artística seus sentimentos e pensamentos. Neste momento, o indivíduo ou o grupo externa as imagens internas por meio da expressão artística, dá forma aos conteúdos internos por meio de uma linguagem não-verbal. Em um atelier terapêutico, a criatividade é estimulada de maneira que deixa emergir a ação de um potencial criador na qualidade do “ser-sentir-fazer e aprender." Allessandrini (1996, p.51). 23 Na abordagem de Rogers (1989), o enfoque no ser, quando se trata de trabalho de psicoterapia onde a linguagem utilizada é uma forma de percepção do cliente, usam-se atividades agradáveis nas quais seja possível descarregar os sentimentos, emoções consideradas positivas ou negativas. Sobre isso, Rogers (1989) assim se pronuncia: Um propósito da arte terapia é ajudar ao indivíduo a liberar sua energia criativa (daí para frente a escolha é sua até mesmo adquirir as habilidades necessárias tornado esta criatividade um produto profissional). A perda da inibição pelo uso de materiais de arte é um grande passo. Fomos condicionados, por muitos anos para nos tornarmos inibidos, principalmente por nossos professores que nos graduaram em trabalhos de arte ou que nos disseram que não poderíamos desenhar. Agora leva tempo desatar estes fios apertados que nos amarraram. Algumas pessoas arrebentam esses fios, outras vão se desenvolvendo lentamente (NATALIE ROGERS, 1989, p.18 Apud ANDRADE). Acrescentando mais sobre o conceito de criatividade, Guilford (2002) mostrou o importante papel que traços de personalidade desempenham na expressão artística. Destacou, também, a importância de se estar aberto, ser tolerante às ambigüidades e de ser sensível às novas informações, características essas, de acordo com o autor, ligadas à personalidade criativa. Assim, o trabalho de um atelier terapêutico é representado pelo ato de criar forma terapêutica. No momento em que é realizada a expressão, o cliente, integral, compreende e vivencia aspectos do mundo interior e exterior ao mesmo tempo, e durante esse processo, permite-se fazer algo que o represente e lhe faça sentido. (ANDRADE, 2000). Existem várias formas de se trabalhar em atelier. Tem ateliês multidisciplinares, onde cada participante escolhe sua técnica, já outros oferecem atividades artísticas diversificadas, pois acham difícil prever quais as melhores técnicas de arteterapia que se adaptam para cada paciente. Por outro lado, existem 24 ateliês que são especializados em uma só técnica. No caso da pintura em porcelana, o atelier utiliza várias técnicas que podem ser aplicadas dependendo de cada grupo. Para Pain e Jarreu (1996), os ateliês pertencem a três categorias: a das técnicas das atividades plásticas, a da psicologia e da representação da expressão e, por último, a da arte com sua significação e sua história. Diante disso, a criatividade deve ser sempre o principal fator dentro do atelier, ela deve estar presente do começo ao fim de cada encontro, permitindo ao menos a produção. Atelier terapêutico ou oficinas criativas, conforme Allessandrini (1996, p.49) em seu livro “Oficinas Criativas”, representa um lugar que deve favorecer à criação onde o “imaginário cria formas, adquire cor, aproximando-se de um real personalizado, sentido e vivido com alegria, como se fosse um mundo mágico, onde o limite é a própria criação". Constitui-se em um lugar diferente dos demais. Lá, o cliente cria e se recria a cada encontro. De acordo com Arieti (1979) Apud Allessandrini (1996, p.53): No momento em que uma pessoa está realizando uma atividade criativa, sua mente está estabelecendo um diálogo entre duas áreas corticais específicas e o restante do córtex cerebral. Essas áreas seriam as responsáveis pelo desencadeamento do ato criador. Nos encontros realizados nesse atelier, o cliente realiza a sua criatividade de forma sutil sem que se perceba. Daí, começam a participação, o desenvolvimento do cliente no atelier terapêutico. É importante perceber como o participante se integra e se permite aos desafios, quando entra em contato com as técnicas e os materiais propostos a cada encontro. 25 3. ATELIER TERAPÊUTICO E A PORCELANA O atelier de arte em porcelana é um local onde o cliente se delicia, pintando as peças brancas, dando um colorido, criando históricos, usando estilos mais variados, além de expressar imagens internas através de atividades artísticas. O espaço desse tipo de atelier deve ser amplo, ventilado, com cadeiras, mesas, com uma pequena biblioteca de livros, revistas de pinturas, história da porcelana e história da arte, enfim, um local onde os clientes sintam-se à vontade e seguros. Na realização de suas atividades, cabe ao arteterapeuta oferecer os materiais e orientar qual a técnica usada, dependendo da necessidade do cliente. No atelier de porcelana os alunos passam três horas conversando, trocando idéias, pintando o que deseja com a orientação do professor. O grupo é pequeno, no máximo seis alunos por turma. Sempre antes da primeira aula, o professor deve ter uma conversa em particular, onde pergunta a razão que levou ao aluno a procurar um atelier de pintura em porcelana e o que pretende aprender . Diante dessas perguntas, existe uma variação de desejos. Uns procuram por estarem em depressão; outros, para passarem o tempo, outros porque o médico indicou. Há ainda aqueles que procuram por querer aprender a técnica e ganhar dinheiro pintando de forma profissional. Além disso, há aqueles que querem pintar para se integrar em um grupo, conhecer pessoas, fazer amizades. Especialmente, pessoas idosas, quando se aposentam ou se sentem solitárias. Durante o processo criativo, cada participante escolhe sua técnica, sendo mediado pelo professor. Alguns fazem suas próprias criações, outros pedem orientações das cores, qual estilo que deve ser usado, se o formato da peça é adequado para pintar este ou aquele desenho. Há ainda questões sobre se o 26 desenho está bom para aquela peça. No caso do estilo, quem deve orientar é o professor. Embora haja outros dependentes que aguardam, exclusivamente, pelo orientador (professor) para escolher as técnicas, as cores, desenhos, enfim, tudo que deseja fazer. Eles pedem até os pincéis que pretendem usar. Essa parcela caracteriza-se pela insegurança e dependência. Tais comportamentos, também, ocorrem nas vivências realizadas com alunos de Terceira Idade no atelier de pintura em porcelana. Alguns apresentam muita dependência e insegurança na hora de realizar as atividades artísticas. Para essa clientela, o professor deve se dedicar de maneira especial, ajudando e percebendo quais as técnicas, os desenhos e o formato das peças que por ele pode ser usado. Isso possibilita ao aluno perceber que deve iniciar seus trabalhos com técnicas mais simples para que haja uma seqüência e aprimoramento para uma pintura de quantidade no futuro próximo. Os alunos que praticam a técnica da pintura em porcelana com paciência, amor e dedicação, podem construir gradativamente a sua cura. Com isso os alunos vão de descobrindo e se construindo por meio das técnicas da pintura em porcelana. Sobre essa postura, Gropius (Bauhaus) Apud Pain, (1996, p.17) comenta que: “todo artista deve ter uma competência técnica. É lá que está a verdadeira fonte da imaginação criadora". É no sentir a beleza ou a expressão criadora em um espaço antes liso e branco e que, de repente, passa a ter forma, cor, contorno surgindo de um sentimento dentro do ser humano. Na visão de Allessandrini (1999, p.31-32), criar é tocar a essência mais profunda do ser humano. E redimensionar o que existia em direção a algo que possa ser, comentado com os valores internos e constituinte do ser". Sabe-se que o ser humano é criativo por natureza. Diante disso, é necessária a realização de um 27 exercício orientado no fazer arte que, gradativamente, revelará o potencial criador que está no inconsciente adormecido. Nesse clima, o grupo vai crescendo, na troca de conhecimento, amizade, aprendendo a se concentrar, a ter sensibilidade, a usar gradativamente a criatividade, usando a imaginação, contando seus problemas e percebendo que o grupo sabe escutar, entende e, às vezes, dá opiniões nas quais são aceitas e agradecidas com um sorriso, um abraço e um olhar. Todos esses momentos são vividos intensamente por todos que formam aquele grupo. Outro ponto muito interessante é a ajuda mútua, percebida quando o professor está orientando um aluno em alguma técnica e eles se ajudam entre si. Portanto, o atelier é um lugar onde todos respeitam e zelam por ele. Lugar que todos eles sentem bem. O lugar, segundo Allessandrini, (1996), onde a expressão artística pode proporcionar ao homem condições para que estabeleça uma relação de aprendizagem diferenciada com o seu semelhante e com o mundo que o rodeia. Percebe-se que a pintura ou qualquer forma plástica possibilita o ser humano a relaxar, a se soltar das amarras do consciente, ou melhor, da realidade. No entanto, desde que a atividade consciente descanse sobre a estabilidade básica dos instintos e dos arquétipos, representa grande utilidade para a saúde psíquica, estabelecendo, assim, diálogo entre consciente e inconsciente. A pintura em porcelana faz parte de uma das técnicas usadas na arteterapia, em função da cura. O material e a técnica desperta um diálogo entre o material, o criativo, o processo do fazer e por fim a forma final de sua pintura, retratando o que realmente sentiu no momento. 28 3.1 História da Porcelana Considerando que a pesquisa, aqui desenvolvida trata-se da pintura em porcelana como arteterapia, faz-se necessário realizar uma breve travessia sobre sua origem e evolução. O surgimento da porcelana só aconteceu depois de ter sido descoberta a cerâmica, a argila sob a designação genérica de “barro” onde são agrupamos corretamente inúmeros de misturas de argila com as mais variadas espécies de impurezas. Entre 5000 a 4000 a.C., numa região situada entre os rios Tigre e Eufrates, a Mesopotâmia, já se produzia uma cerâmica de forma globular, que se decorava com desenhos lineares, geométricos ou incisos. Nos anos de 4500 e 4000, a.C. foi descoberta a técnica de cozer a peça, isto é, levá-la ao forno, para evitar que a peça com o tempo ficasse negra. No Egito, entre 5000 a 4000 a.C., também se fabricava uma cerâmica de paredes finas que era decoradas com incisões lineares e em seguida polida. Para confecção desta peça, usava-se a argila do Nilo. Aproximadamente entre 2700-2100 a.C., começou a se usar o torno, permitindo, assim, uma preparação mais elaborada da argila para obtenção de peças mais perfeitas e finas. A cerâmica ibérica estende-se desde a Andaluzia até o Mediterrâneo, como também à Península até o sul da França. Porém, é na Grécia que a cerâmica irá alcançar um enorme desenvolvimento artístico, com decorações de grande beleza. Assim, a cerâmica foi desenvolvendo-se, os estilos foram aparecendo em cada lugar, cada época. 29 Um dos modelos ocorreu com a descoberta do caulim pelos chineses em que se permitiu a criação de peças alvas e transparentes. Durante muitos séculos, eles esconderam o segredo dessa arte, pois só no século XV os japoneses, através dos coreanos, tomaram conhecimento desse segredo e passaram a fabricar objetos em porcelana. A porcelana, produto cerâmico de massa muito fina, vitrificado e translúcido, comumente recoberto de esmalte incolor e transparente, branca ou com as mais variadas pinturas e desenhos, teve sua origem na China, entre os anos 618 e 900 d.C., durante a dinastia T’ang. O continente europeu passou a conhecer a porcelana em 1295, no século XIII, através de Marco Pólo, que descreveu as peças que lá conheceu, no entanto, só no século XVI a porcelana começou a chegar à Europa através da Rota das Sedas e depois pelo caminho marítimo para as Índias. No século XVI, em Rouen, na França, teve início a fabricação da porcelana azul e branco imitando a porcelana chinesa. Em 1707, na Alemanha, na fábrica de Meissen foi fabricada a porcelana dura. Daí, surgiram várias fábricas como: Viena em 1918, em 1735 surgiu a fábrica de Sèvres, na França, onde fabricavam porcelanas finas de pasta forte translúcida, composta principalmente de caulim, feldspato e quartzo queimado em alta temperatura. Surgiram várias fábricas como Limorges, em Paris, em Nápolis (Itália), Vista Alegre (Portugal) e várias outras. As melhores porcelanas até hoje são das fábricas Meissem e Sèvres. Desde então, a porcelana vem adquirindo características baseadas nos estilos de arte que predominam em cada época e lugar, surgindo novas técnicas dentro dos movimentos. 30 Por ser uma superfície branca e lisa, a porcelana pode ser decorada em todos os estilos, em todas as épocas e, a cada dia surgem técnicas que se adequam a todos os conhecimentos artísticos que vão do clássico ao abstrato, podendo criar e expressar artisticamente, revelando sentimentos. As pessoas que têm o conhecimento da porcelana pode utilizar esse saber como forma de crescimento interno, pois ela adapta-se a toda criação. No caso estético, a arte da decoração é o resultado da união entre a técnica e a expressão, a criação e a estética. A decoração começa uma vez terminada a forma e decidida a função a que se destina. Nesse sentido, encontramos em cada porcelana as características próprias de sua época, sua religião e sua cultura. As primeiras decorações em porcelanas eram feitas com motivos geométricos, símbolos ou de caráter religioso, ou apresentavam figuras que encorajavam poderes maléficos. Desde a pré-história, o homem expressava suas necessidades em mostrar o que sente, o que está passando naquele momento, e assim expressar seu mundo e sua vida. E isso ele realizava através de algum tipo de arte como a pintura nas cavernas, as inscrições rupestres. Com relação à pintura grega, são mostradas figuras negras lutando e como também os deuses. A pintura em porcelana é uma arte milenar. Na China, essa arte foi desenvolvida passando das mais antigas peças, classificadas como “portoporcelanas” até as peças ricamente decoradas da Dinastia Ming. A sua evolução ocorreu simultaneamente em áreas diferentes na China, porém, todas na parte Oeste e Sudeste daquele país. Em Samarra, foram encontradas peças tipo casca de ovo, atribuídas à época da Dinastia Tang (de 618 a 960 d.C.). Também, nesta época, foram atribuídas às 31 primeiras peças com vidrados verde-jade - “celadon” - obtidas pela adição de óxido de ferro ao vidrado (AGOSTI, 1995) As peças com vidrados azuis e violeta são datadas da Dinastia Sung (960 a 1279 d.C.) às quais são as mais belas. No começo da fundação da porcelana de Dresden, predominava o estilo oriental, principalmente o dos chineses, e o estilo Kakiemon – japonês. Em 1719, iniciou-se uma nova fase, os estilos mais nacionais, onde gradativamente a sensibilidade européia se faz mais evidente. Foi a partir de 1730, que se completou o grau de transformação, surgindo as famosas flores “germânicas”, ou melhor, flores de “Dresden” – sua origem se deu da estilização oriental das flores através de seus diferentes estilos. O estilo de Sèvres teve sua origem na fábrica de Vicens (França), fundada em 1738, no castelo de Vicens. Em 1753, a fábrica ficou sob a proteção de Madame Ponpadour. Em 1756, a fábrica foi transferida para Sèvres, arredores de Paris. Em 1768, a decoração se desenvolve formando seu próprio estilo fundamentado no Rococó (TOLEDANO1987). De acordo com Toledano, (1987): no estilo Rouen as cores são azul e branca chegando até cinco cores ou tons de azul e vermelho tendo surgido no século XVI na província de Normandia. O estilo japonês – suas rosas de cerejeira contornadas em tinta preta, em seguida pintadas no centro – fica em floral bem harmonioso, e no estilo egípcio – seu desenho é o frontilismo com seus símbolos. A criação do concretismo, um movimento essencialmente poético e literário, é manifestado na porcelana através do uso de todas as técnicas possíveis, a combinação das cores foscas ou brilhantes pode fazer parte do jogo estético final (TOLEDANO, 1987). 32 No entanto, as técnicas em porcelanas foram evoluindo e apresentam bastante diversidade, indo desde o pontilhismo tracejado no bico de pena, espatulado, aquarela, natureza morta, impressionismo, clássico, moderno, até o expressionismo no qual a porcelana faz parte com a arteterapia, onde trabalha a criatividade, percepção, coordenação motora e o conhecimento de si mesmo, quando faz descobrir o que se tem de mais belo em nós mesmos, o nosso interior ou melhor, o inconsciente que trabalha também com sentimentos nos quais são colocados para fora. Gouveia, (1989, p. 25) diz que: “A imaginação diz respeito ao âmago de ser, ao self, às entranhas do ser que se cria em si mesmo”. A pintura na porcelana dá ao indivíduo possibilidade de criar novas técnicas, dependendo do que se quer criar. Como Gouveia (1989) diz: o encontro do desconhecido que é o material se funde com o homem e traz à tona uma nova vida, uma nova imagem, uma eterna imagem. Esse encontro é a criação. Nesse tipo de pintura, a facilidade de criar meios que possibilite a criação do homem criador é grande. Basta saber como usar seus materiais. A porcelana é como a cerâmica que vem da terra, possuindo, dessa forma, os quatro elementos terra, ar, água e fogo. A entrada da porcelana no Brasil ocorreu, inicialmente, através da Companhia das Índias. Essa denominação foi recebida pela antiga porcelana chinesa fabricada no Sul da China, comercializada e transportada do Oriente para o Ocidente através de empresas de navegação (companhia de comércio), que passou a ser conhecida como Companhia das Índias Orientais ou Ocidentais, no final do século XVI. Historicamente, foram os portugueses que iniciaram o comércio de porcelana quando, no início do século XVI, venderam com facilidade, em Portugal, todas as peças trazidas da China. No caso da técnica de aplicação do vidrado sobre a 33 decoração é característica da porcelana da Dinastia Ming, que até hoje é usada para se pintar e em utensílios de porcelana - Porcelana Portuguesa. A sua presença no Brasil, segundo alguns historiadores, ocorreu na Bahia e em Pernambuco, onde chegaram os primeiros exemplares, procedentes da Índia, em fins do século XVI, mas foi nos fins do século XVIII, quando o espírito inventivo de João Mando Pereira se mostrou capaz de fabricar com argilas do país “obras semelhantes às da Saxônia e de Sèvres”, tendo produzido três medalhões ovais com as figuras da nobreza reinante. A primeira fábrica no Brasil foi inaugurada em 1913, em São Paulo, no bairro da Água Branca, denominada “Fagundes e Ranzin”. 3.2 Relação da pintura em porcelana com a arteterapia O trabalho que se desenvolve na pintura em porcelana tem uma relação muito estreita com a arteterapia. Essa relação já vem sendo exposta em capítulos anteriores, pois se tem observado, durante as vivências terapêuticas que muitos clientes com problemas psicológicos têm encontrado, nessa arte, a cura para seus males. Especialmente aqueles problemas ligados ao estresse e depressão, esquizofrenia, entre outros. Assim, pode-se observar, neste tópico, o que grandes estudiosos da mente humana expressam a esse respeito. Freud, Apud Carvalho, Andrade (1995), por exemplo, durante suas experiências psicanalíticas junto a seus pacientes, observou através das obras de artistas que “o inconsciente se manifesta por meio de imagens, tendo essa uma comunicação simbólica com função catártica e que tais imagens escapam da 34 censura da mente com mais facilidade que as palavras, transmitindo mais diretamente seus significados”. Nesse sentido, os autores supracitados comungam na mesma linha de pensamento: O artista pode estar em contato com um conhecimento inconsciente e simbolizá-lo concretamente em sua produção, retratando conteúdos de seus psiquismo, bem como expressando e condensando aspectos de sua contemporaneidade (CARVALHO e ANDRADE 1995 p. 28). Retomando a teoria freudiana, o que caracteriza o artista a realizar a atitude de criar arte é que: “A arte é uma forma não neurótica de satisfação substitutiva”, Freud também percebeu que os recursos artísticos ou expressivos do ser humano eram uma forma de comunicação do inconsciente, como a linguagem dos sonhos. Para esse psicanalista, “toda obra feita ou sonhada é sempre uma tentativa de resolução de conflitos do autor em relação às figuras importantes de sua vida”. (ANDRADE E CARVALHO,1995, p. 29). Tal descoberta, do indivíduo representar o inconsciente através de uma imagem simbólica sem medo de qualquer censura do consciente, foi de grande importância para o desenvolvimento na arteterapia ou terapias expressivas, que englobam todas as atividades artísticas. Para Jung, Apud Andrade e Carvalho (1995), a arte deve ser usada como componente de “cura”, pois a criatividade, segundo ele, é uma função psíquica natural e tem função estruturante. Diante disso, esse processo natural se realiza por intermédio de símbolos, que está presente em todas as expressões artísticas, como também nos sonhos e fantasias do ser humano. 35 Andrade e Carvalho comentam que Jung, em seus tratamentos psicoterápicos, usava a expressão artística pedindo a seus clientes que desenhassem imagens de sonhos, situações conflitantes, entre outros, sendo que ele usava as duas linguagens: a expressão verbal e a não-verbal em que uma auxiliava a outra. Assim, todas as imagens desenhadas eram consideradas como simbolização do inconsciente individual e do inconsciente coletivo, que dependiam da cultura humana e das civilizações. Sendo assim, para ele, a linguagem expressiva representa a verbalização e ajuda ao cliente a se organizar interiormente. Cita: Todas as expressões humanas na cultura, como a religião, os mitos, as crenças, as ciências são formas de o ser humano organizar os dados oferecidos pelo mundo ao seu sistema perceptual (JUNG Apud CARVALHO e ANDRADE 1995, p.32). As atividades plásticas, junto ao trabalho de compreensão intelectual e emocional, facilitam o processo de evolução da personalidade como um todo. Ao realizar essas atividades, desde que o ser humano dê livre curso às expressões das imagens internas, ele vai se transformando, vai conhecendo aspectos próprios que se recria, se educa e, sobretudo, reorganiza a sua ordem interna, ao mesmo tempo em que reconstrói a realidade. De acordo com Silveira (1986), os estudos de Jung ajudaram Bleuber, diretor do famoso hospital de Zurique – Burgholzli, onde Jung era seu assistente, a descobrir que o distúrbio comum é a dissociação psíquica que deu o nome de esquizofrenia. Bleuber se pronunciava desta forma, segundo Silveira “toda a existência psíquica do passado e do presente em todas as suas experiências e lutas, reflete-se 36 na atividade associativa. Essa atividade é, portanto, índice de todos os processos psíquicos que necessitamos decifrar a fim de conhecer o homem total” (SILVEIRA, 1986, p.30). Jung continuou realizando vários estudos sobre o distúrbio psicológico. Com base nesses estudos, Bleuber descobriu que tal distúrbio era o resultado de uma dissociação psíquica. A essa dissociação, ele deu o nome esquizofrenia. Este termo vem do grego e significa separar ou fender (SILVEIRA 1986, p. 31). Esses conceitos são bastante relevantes para a atividade que exerço no campo da arte. Ao me propor a usar a pintura em porcelana como mais uma atividade plástica na arteterapia, percebo que a pintura na porcelana, superfície lisa e delicada, possibilita a pessoa relacionar-se, entregar-se, descobrir-se, sentir e transformar, pintando seus desejos, suas alegrias, suas tristezas, suas esperanças e também seus sonhos. Sobre isso, Gouveia (1989) expressa que o barro é como um corpo presente nas mãos e por meio dele é possível entrar em contato com o seu mundo interno, expressando-se com as mãos sem precisar verbalizar. Essa sensação, também, é liberada quando se pega uma peça de porcelana e procura decorá-la. Nessa atividade, você pode expressar seus pensamentos, liberar seu estresse, uma vez que seu inconsciente trabalha jogando para fora tudo sem precisar verbalizar. A porcelana tem a mesma função de uma folha de papel ou uma tela. Suas técnicas são várias. Estudando seu formato, observa-se as inúmeras possibilidades que existem ao usá-las, adequadamente, dentro das possibilidades de cada cliente. Nesse sentido, usar a pintura em porcelana como processo criativo permite descobrir significados da vida, ajudando, assim, a expandir a consciência. 37 Quando se trabalha com a pintura em porcelana de forma criativa revela-se o caminho para descobrir o grau de potencialidades que cada indivíduo tem, possibilitando expandir os seus conhecimentos. De acordo com Pain e Jarreau (1996, p.100), “as cores dentro de uma qualidade específica dão a sensação correspondente a função exclusivamente psicológica, participa da construção do pensamento e do comportamento”. A pintura em porcelana permite acessar o processo criativo, fazendo descobrir significados da vida, ajudando na expansão da consciência, proporcionando um conhecimento tanto pessoal quanto cultural. Na medida em que se tem um conhecimento melhor de suas técnicas, seus materiais, suas queimas, percebe-se a surpresa que temos ao tirá-la do forno. Tudo isso faz parte de um conhecimento que, lentamente, vai levando o indivíduo a se construir, a se perceber, buscando conteúdos guardados no seu inconsciente. Ao pegar a porcelana nas mãos, senti-la, uma superfície lisa, translúcida e dura, mas convidativa a pintar, ela é suave, lisa e fácil de colocar a tinta. A cor branca não se usa, é da própria peça. O deslizar da tinta na peça provoca uma sensação de leveza, como se tudo fosse tão fácil e sem problema. Daí, você vai brincando com as cores, as formas vão surgindo. Tudo que se pinta, realça. O medo desaparece no momento em que se tem consciência de que, não gostando, pode ser desmanchado e recriar tudo novamente. A paciência é o fio condutor da criação, da percepção, do significar e ressignificar, chegando até a transformação, tanto do indivíduo que pinta como da porcelana após a queima. A queima faz com que haja uma transformação das cores, e essa modificação leva o indivíduo a pensar e refletir sobre o processo vivenciado 38 visando a uma mudança interior. Existem alguns deslumbramentos, tais como: algumas cores mudam, as peças podem quebrar, rachar, tudo isso faz com que surja um desafio do indivíduo e da peça. As peças de porcelana têm várias funções: A utilitária, aquela que é usada para alimentação, uso doméstico. A artística serve para decoração. As miniaturas servem para lembranças de casamento, aniversário, bodas de ouro e prata, nascimento de bebês, chá de panela. As bijuterias servem para fazer colar, pulseiras, brincos e adornos. Crianças, adultos e idosos podem se beneficiar com a técnica de pintar porcelana. O canetado é uma técnica na qual é feita com bico de pena. Serve para concentração e coordenação motora. A técnica de riscar a porcelana consiste em usar um lápis adequado ou pintar diretamente na peça. Todo esse processo vai abrindo novos horizontes e possibilidades no ser humano como pessoa criativa. O pincel serve para usar as tintas como se fosse na tela, no papel ou na parede. A técnica é a mesma, porém quando se pinta a porcelana, a sensibilidade tátil, sem querer, vai à flora, pois a superfície é lisa convidando-nos a brincar, uma vez que a tinta desliza com muita suavidade, fazendo com que desperte o desafio entre você e a pintura. A pintura desperta um diálogo interno, isto é, quando toca você, então, nesse momento, promove o que há de mais sublime: a verdade de si mesmo. Segundo Gowan, Apud Wechsler (2002 p.34), durante a criação artística, as fases de conflitos iniciais passam e se manifestam um sentimento de amor. Oaklander (1980), Apud Chiesa (2004) explica que devido à flexibilidade da argila, ela pode ser adaptada a um número variado de necessidades. Assim, a pintura na porcelana proporciona um número variado de necessidade, devido às 39 suas inúmeras técnicas que podem e devem ser aplicadas em indivíduos diferentes com problemas diferentes. Quando Oaklander (1980) afirma que a argila pode ser um elo, que ajuda crianças que não falam, como também as que falam demais, isso acontece na porcelana. Todo indivíduo, seja ele criança, adolescente ou adulto, ao pintar uma peça de porcelana, a pintura proporciona-lhe uma sensação de calma. Essa atividade artística proporciona criatividade ao indivíduo. No primeiro momento cria-se a dúvida; em seguida, desperta o desafio; depois, a descoberta que pode pintar, surgindo, assim, a criatividade, trabalhando a paciência, o equilíbrio e, por fim, a transformação de si mesmo. Na verdade, a finalidade dessa atividade é estimular os clientes (alunos) a soltar a imaginação, permitir a expressão de pensamento e sentimento, apurar a percepção, a coordenação motora se percebendo através da pintura, da beleza, das cores e na harmonia dos tons, suas nuances e seus encontros. 40 4. TERCEIRA IDADE Ser velho é um processo extremamente complexo e quase desconhecido, tendo várias implicações tanto para quem vivencia o processo como para a sociedade que o assiste. A idade do indivíduo é uma das duas grandes variáveis nas quais regulam tanto o comportamento social como as relações entre indivíduo e grupo em todas as sociedades. O drama da condição do idoso dentro da sociedade atual está dividido em três partes: dentro da perspectiva econômica, a aposentadoria faz com que diminua o padrão de vida, pois é o momento que as doenças aparecem e as condições sócio-econômicas diminuem. Dentro da perspectiva social, os velhos são sujeitos ao isolamento, pois a estrutura de nossa sociedade é para os jovens (trabalho, lazer, etc). Dentro da perspectiva familiar, o fato de conviver gerações diferentes em uma mesma residência faz com que os conflitos sejam grandes e o velho fica sem o apoio. Na saúde, a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas de saúde, é de esperar que a velhice se torne cada vez mais doente. Platão, assim, verbalizou: “Por que a velhice não vem sozinha. Os idosos são pessoas, enquanto o envelhecimento é um processo”.(DEEPAK CHOPRA, M.D. 2004, p. 31 Apud FABIETTI). Já Simone de Beauvoir, Apud Fabietti & Chiesa (1997, p.76), afirma que: “uma sociedade desvenda seus princípios e fins, ao revelar de que modo se comporta em relação aos seus velhos”. 41 Sabe-se que o Brasil sempre foi considerado um país de jovens. No entanto, de algumas décadas para cá esse quadro tem mudado. Hoje, nos deparamos com um país com um número acentuado de idosos. Essa parcela da população é pouco assistida em sua afetividade, tanto no ambiente familiar quanto no social. Além do processo de aposentadoria, que deixam os idosos inativos, padecendo de sintomas como estresse, solidão. No entanto, observa-se que, para fugir desse círculo vicioso, muitos têm procurado outros mecanismos de defesa como ginástica, pintura, música e outras atividades artísticas ou físicas para melhorar suas qualidades de vida. Segundo Dangott e Nallia, (1999) Apud Chiesa e Fabietti, (1997), nos dias atuais, há um reflexo mais positivo da imagem da velhice; em busca desses mecanismos, o idoso tem procurado viver de forma mais dinâmica e criativa no desenvolvimento humano. Diante disso, vamos perceber que a inteligência, por exemplo, permanece imutável em você. E não há barreiras para a aprendizagem, pois em qualquer momento da vida sempre pode se aprender. A capacidade para a atividade física pode permanecer constante durante a vida, dependendo mais do estilo de vida e de fatores culturais e ambientais do que propriamente da idade. A criatividade ocorre em qualquer idade e é facilitada pela maturidade. Nesse sentido, quanto maior o nível educacional, maiores as chances de gozar de boa saúde e capacidade de adaptação; a personalidade não muda; o senso de realização sexual aumenta com a experiência; a idade é um indicador pobre de diferenças interpessoais quanto à capacidade de reencontrar prazer e ser feliz (FABIETTI, 1997, p.77). Essa parcela da população já se encontra muita limitada pela escola da vida. Os idosos não se julgam capazes de ressurgir. Diante disso, pretende-se, através da 42 arte, exercitar a habilidade ainda existente nos idosos, de julgar e de formular significados, de reencontrar o sentido da vida. O universo está em constante transformação, recriando-se a cada instante. Relacionar-se amorosamente e ludicamente com a vida é estar conectado com a alma criativa. Uma vida plena e saudável é uma vida criativa. Para isso surgiu uma maneira saudável e criativa de ocupação e em entretenimento para idosos e que se aposentam e não sabem o que fazer, ou melhor, em que ocupar. 43 5. METODOLOGIA 5.1 Apresentação A experiência, aqui, relatada, aconteceu em forma de oficinas criativas durante oito encontros. Tais encontros eram sistematizados em um por semana no espaço de um atelier de pintura em porcelana. O universo escolhido para este estudo foi de um grupo de oito pessoas da Terceira Idade. A metodologia utilizada seguiu o modelo da utilizada nos encontros de Oficinas Criativas. Tal modelo baseou-se no que Allessandrini (1996) define sobre o tema: “as oficinas criativas de psicopedagogia são compostas de três etapas. Em primeiro lugar, a sensibilização; no segundo momento, a expressão livre e no terceiro momento, a verbalização ou escrita criativa”. Neste contexto, o objetivo das oficinas é buscar o indivíduo de seu mundo escondido nas sombras do inconsciente, através da pintura em porcelana com uma variedade de técnicas, em que o indivíduo vai se descobrindo, a partir de sua criação, trazendo à tona toda riqueza bloqueada como um universo de possibilidades e descobertas. Este trabalho visa um estudo com a arte em porcelana como um instrumento dinâmico e eficaz. Sob essa perspectiva, as Oficinas Criativas em porcelana proporcionam lazer e ao mesmo tempo contribuem para o auto-conhecimento do idoso. O lazer é caracteristicamente uma procura de um estado de satisfação. O indivíduo se concentra somente naquilo que o interessa, despendendo grande quantidade de energia na conquista de certos estados de satisfação. O indivíduo se 44 lança na ação como ele é, reconquista seu estado biológico, libertando-se da fadiga física, dá asas à imaginação, liberando-se das limitações impostas pela rotina das atividades parceladas e dos estereótipos. A arte tem como função a busca de expressões de algo mais elevado do que o comum. As pessoas se tornam, através do fazer artístico, conscientes de si mesmas e do processo no qual estão envolvidas, desejando participar do processo de evolução. Não se pode esquecer que somos transformadores e criadores. Através da arte, vamos perceber que “a criatividade e a atividade artística podem ser facilitadoras e catalisadoras no processo de resgate de qualidade de vida, do sentido mais humano do viver” (CIORNAI, 1994, p.60). A representação plástica visual ajuda à comunicação verbal. É fundamental, nessa proposta, que ocorra a internalização da ação cognitiva ao fazer artístico. Emoção e cognição interagem. Através dos recursos expressivos e artísticos, o indivíduo vai concretizar sua imagem interna de modo significativo. Ao fazer arte há uma significação do ser humano, ao encontrar o equilíbrio de suas emoções. Os conteúdos que se apresentam são ligados a experiências já vividas, possuindo uma força simbólica porque traçam o caminho do consciente para o inconsciente (FABIETTI & CHIESA, 1997). Antes do fazer artístico se dá início a uma sensibilização do grupo e uma percepção dos objetos que cercam seu universo. Em seguida, realiza-se a vivência artística, onde o grupo trabalha sentimentos perceptivos, concentração, auto-estima e criatividade. Essa atividade segue de uma elaboração da expressão, onde o sujeito trabalha o conteúdo emergente e depois de uma transposição para a linguagem verbal, ressignificando o processo (ALLESSANDRINI, 1999/2002). 45 Figura 1 – A sensibilização No terceiro momento, vem a verbalização. Nessa etapa, o grupo expressa como se sentiu fazer arte de maneira tão singular. Esse processo trabalha o autoconhecimento. O grupo descobre de forma especial o “aprender” para a vida, apostando na sua força interna para crescer e construir um mundo melhor de afetividade e ações. Figura 2 - Verbalização Esta oficina, expressa abaixo, deu oportunidade de mostrar a experiência vivida em um grupo da Terceira Idade, retomando esses conceitos para as oficinas 46 criativas, no sentido de canalizá-los ao estudo da arteterapia. Sob essa visão, a experiência a ser relatada faz com que a pintura em porcelana seja um meio ou veículo de expressão e criatividade na arte terapia. Os encontros foram organizados voltados para a autopercepção e a criatividade. Para entrar num universo das vivências, inicialmente o cliente passa por um processo de sensibilização. Esse processo é realizado através de várias dinâmicas que vão de exercícios respiratórios à mentalização. Só após essa dinâmica, é que o cliente é estimulado a expressar suas sensações através da pintura. 5.2 Coleta de dados Após essa atividade de apresentação, são desenvolvidas as oficinas criativas. 1º encontro: “Pintura livre” foi assim vivenciado: coloquei o material na frente de cada uma e pedi para que pintassem o que quisessem, ou melhor, o que estavam pensando naquele momento. Antes, foi feita uma sensibilização através de respiração e movimentos de relaxamento. Essa abordagem foi realizada com a intenção de vivenciar livremente o material. A oficina foi realizada através da expressão da criatividade, liberando a imaginação do grupo numa pintura feita sem a preocupação com a estética. A ênfase dada a esse processo é a de que a pessoa possa expressar as suas sensações de pintar algo vindo de seu próprio interior. Através disso, o ser humano vai liberando as suas angústias e encontrando o seu equilíbrio. 47 Figura 3 – 1º encontro – pintura livre Para Lesner & Hillman Apud Wechsler (2002), a criatividade se desenvolve em três fases: a) enriquecimento criativo interno, que vai da infância a adolescência. Nessa etapa, o ser desenvolve o senso de identidade, e o instinto criativo está direcionado ao eu; b) enriquecimento criativo externo, que estende-se da adolescência até a idade madura. É nessa fase que o indivíduo utiliza o sentimento da identidade para enriquecer tanto a si quanto ao outro; e c) auto-avaliação criadora que se inicia na velhice até a morte. Nesse estágio, a criatividade se volta para o enriquecimento interno, visando à autoavaliação. Esse retorno ao universo interior é algo que pode ser mais utilizado nas vivências em prol de uma melhor qualidade de vida para as pessoas idosas. Depois disso, houve o 2º encontro: “Risco e Rabisco”. Inicialmente, foi feita a sensibilização, ao som de uma música clássica. Após, solicitei que andasse pela sala respirando e sentido a música. Tal atividade provocava nos mesmos uma 48 sensação de calma e relaxamento. Em seguida, fizeram um grande círculo, onde cada um tocava a si mesmo. Nesse momento, eles iam se percebendo e descobrindo as suas formas. Ao terminar, o grupo ficou em posição de ground, dando início a um relaxamento por todo corpo. Silenciosamente, formaram uma dupla. E ambas expressavam entre si algo que mais gostasse. Após essa etapa, fizeram um círculo onde todos expressavam o que sua dupla havia dito. O resultado da dinâmica foi transferido em forma de arte para a pintura em porcelana. A técnica utilizada foi realizada através de um palito sob um azulejo pintado, onde o grupo retirava a tinta e criava o desenho imaginado. A finalidade terapêutica dessa oficina era expressar o momento vivenciado nas vivências através dos desenhos criativos. Ao experienciar tal atividade, o grupo passava suas expressões artísticas liberando seus problemas, angústias e frustrações sem a preocupação estética. Para se Ciornai, Apud Chiesa (2004 p.10), a pessoa se sente bem com o que cria, mesmo achando feio os desenhos. Ela se sente feliz no momento da criação. "Ao expressar raiva, revolta, indignação, a pessoa percebe a força de seu poder pessoal.” (Chiesa, 2000, p 10). Figura 4 – 2º encontro – risco e rabisco 49 Passamos para o 3º encontro: “Brincando com a bucha”. Essa vivência foi direcionada para o grupo sentir o poder de criar movimento com as cores. Para isso, a vivência que o grupo realizou foi através do som de uma música infantil. Foi pedido que eles andassem em círculos, cantando e procurando se sentir como crianças. Durante a atividade, muito riam, cantavam felizes como crianças, retomando a idade infantil sem medos. De posse dos azulejos pintados nas cores que desejavam, com a bucha na mão fizeram movimentos sob os azulejos de onde foram saindo formas difusas diversificadas. Esses movimentos são dados pelo consciente, mas à medida em que cada uma deseja algum desenho, o inconsciente se revela produzindo formas inesperadas. É uma pintura bem relaxante. Nesse sentido, Jung, Apud Bello (2003), acredita que o inconsciente reflete as potencialidades do indivíduo e seu propósito de vida. Figura 5 – 3º encontro – brincando com a bucha O 4º encontro: “Pintar o que mais gosta”. Nessa oficina, o objetivo é a percepção. Nela, o grupo percebe que a pintura com técnica e preocupação da estética é bem diferente da pintura feita através da expressão. Observa-se, ainda, que o processo criativo é mais importante que o resultado final. Foi isso que o grupo 50 sentiu quando pintou, numa porcelana, uvas, frutas, porta-jóias com barrados, canecas e flores. Figura 6 – 4º encontro – pintar o que mais gosta Essa experiência, usando as técnicas, não foi bem aceita pelo grupo, e muitos preferiram pintar o que vinha na sua imaginação. Eles sentiam-se melhor expressando-se livremente. Comentários: J… “Percebo que criar algumas coisas não é fácil, em alguns minutos me sinto perdida, mas quando começo não quero parar, pois me sinto bem”. M.J, “Gostei, achei melhor pintar sem técnica, pensei que não ia conseguir pintar o que imaginei, mas consegui, sinto-me livre e leve. Estou feliz”. (Apêndice D). No 5º encontro, a oficina era: “Pintar como eu me percebo”. Este exercício deu continuidade ao anterior. O objetivo era o de realizar uma pesquisa interior de cada um, através de um diálogo de como fui, como sou e o que pretendo ser. Nessa vivência, eles tiveram a oportunidade de começar a se perceber como pessoa, estabelecendo uma conversa interna a partir dos sentimentos, das sensações através das imagens que lentamente iam surgindo na pintura do azulejo. 51 De acordo com Toro, Apud Bello, (2003), a gente não entra em contato profundo com o outro e que precisamos expandir a percepção de quem somos… e sentir a intensidade de cada momento. Esse fato gera muitos conflitos internos, por isso é sempre saudável o uso de uma terapia através da arte que leve o ser humano a se conhecer e perceber o outro. Figura 7 – 5º encontro – pintar como eu me percebo O 6º encontro chamado “Colcha de Retalhos” foi realizado num prato grande, onde foi sugerido que pintassem uma colcha de retalho, mas que fosse utilizado apenas a metade do prato. A finalidade dessa atividade era a de juntar todos os momentos bons e ruins da vida. Eles fizeram uma retrospectiva de coisas que ficam guardadas no inconsciente. No momento de pintar a colcha de retalhos, o grupo passou a resgatar e avaliar os tempos vividos. Jung Apud Bello (2003, p.35) “acreditava que o inconsciente reflete as potencialidades do indivíduo e seu propósito de vida”. 52 Para Ciornai (1994), a pintura é um tipo de linguagem um pouco regressiva, no entanto é mais facilitadora de contato, é mais individual onde símbolos e signos são criados pelo indivíduo. Figura 8 – 6º encontro – colcha de retalhos Por isso que ao usar tal técnica, o grupo teve a possibilidade de resgatar momentos vividos, visando à auto-avaliação. Esse encontro só foi finalizado numa etapa seguinte. Porém, ao final desse, pedi que comentassem como haviam se sentido. J.., “Estou me sentindo bem em poder viver momentos que jamais tive coragem de dizer. E hoje consigo expressar através da pintura em porcelana.” Vou revelar quando terminar de costurar a minha colcha”. I.., “Isto me faz perceber o quanto eu fiquei a minha vida toda emendando os pedaços para os outros. Estou cansada. Ao emendar cada pedacinho, fui percebendo que minha vida não era linear, tinha muitos coloridos que eu não gostava”. 53 O 7º Encontro: “Continuação da Colcha de retalho”. J.., (senhora de 60 anos, três filhos). “Ao terminar esta colcha tão cheia de cores, me vi fazendo a estamparia da fronha do travesseiro de minha mãe, quando ela foi embora, abandonando a casa, a qual guardo até hoje. Eu tinha seis anos quando ela se foi e a única coisa que eu vi em cima da cama foi a fronha. Hoje, saiu um peso muito grande dentro de mim. Estou me sentindo leve”. Figura 9 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos (sensibilização dança com as cangas) Figura 10 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos 54 E, finalmente, o 8º Encontro: “A linha da Vida”, que foi feita na outra metade do prato. Nessa vivência, foi solicitada que o grupo fizesse, de modo criativo e expressivo, a linha da vida relatando o passado, o presente e o futuro. O resultado desse trabalho foi bastante significativo. Na verdade, este oitavo encontro foi a soma dos outros, no sentido de que, nesse momento, o grupo podia expressar tudo que havia vivenciado e qual o tipo de transformação que havia sido operada em cada um. O trabalho de cada um revelava, para mim, a resposta às vivências realizadas. Com vistas a isso, a satisfação foi muito grande, pois as pinturas criadas, tomando como base a linha da vida, ficaram encantadoras e bastante significativas. Nelas, o grupo manifestou suas impressões e sensações, de forma positiva. Percebi que esses exercícios fizeram com que essas pessoas da Terceira Idade adquirissem auto-estima e valorizassem mais sua vida em sociedade. Vale ressaltar que todas as vivências foram iniciadas com uma sensibilização. Essa técnica é bastante eficaz no ramo da arteterapia, visto que prepara a mente do indivíduo para aquisição de novos conhecimentos. Figura 11 – 8º encontro – linha da vida (sensibilização) 55 Figura 12 – 8º encontro – linha da vida Figura 13 – 8º encontro – linha da vida 5.3 Resultados Observados Durante o trabalho realizado nesses encontros, pude observar como essa técnica contribui para as pessoas que me procuram. Como já foi relatada, essa vivência são capazes de proporcionar momentos de relaxamento, concentração, delicadeza nos transformações. gestos, trazendo paz interior às pessoas, promovendo 56 No caso da experiência com um grupo da Terceira Idade, um desses momentos foi efetivado, quando uma cliente (J.) revelou um segredo que havia guardado há 53 anos. Essa memória veio à tona na hora em que estava pintando uma colcha de retalho na porcelana. É a partir de fatos como esse que se pode perceber a dimensão que a pintura em porcelana pode ter na vida das pessoas. Isso porque, na ação de pintar, de forma expressiva, algo que está adormecido no inconsciente de cada um desperta, e libera para o mundo exterior, provocando no ser, muitas vezes, sensações de alívio. De acordo com Bello (2003), é importante desenvolver programas de educação emocional, aumentando as potencialidades humanas e da personalidade criativa. A pintura como forma de expressão permite atingir uma dimensão potencial da mente não controlada pelo conhecimento racional. Nesse sentido, esses oito encontros tiveram a finalidade de trabalhar a concentração, a percepção, a ajudar a auto-estima dessas pessoas, usando a criatividade através da expressão. Além disso, no trabalho com várias oficinas criativas, percebi como se processam as transformações internas dos clientes. Nessa hora, observa-se como a arte desperta e mobiliza os sentimentos. Durante esse processo, duas clientes chamaram, particularmente, a minha atenção. Isso posto, por essas pessoas demonstrarem mudanças bem visíveis de comportamentos. Além disso, em suas próprias falas, elas relataram suas experiências diante do grupo. Os encontros fizeram com que elas percebessem pontos importantes de sua vida na qual elas não tinham ainda despertados. Isso foi constatado através dos vários testemunhos. Esses foram acontecendo, à medida que fui percebendo que havia uma energia no grupo, na qual 57 a confiança, a possibilidade de sentir-se capaz de fazer pintura sem compromisso com a estética. Senti que o grupo foi adquirindo a confiança em si mesmo. Isso tudo sendo resgatado através da arte. A partir deste estímulo, eles descobriam novos caminhos para seu auto-conhecimento. Outro aspecto importante ocorrido durante os encontros, foi que gradativamente o grupo foi se integrando, havendo, assim, mais sociabilização e troca de idéias, aumentando a confiança entre os mesmos. Nesse ponto, os depoimentos iam surgindo com a maior naturalidade. Uma senhora (J, 59 anos) disse: ds “Estes encontros estão me fazendo muito bem”. “Sempre fui muito complicada, sofro de síndrome do pânico, estou aprendendo a conviver comigo e com o outro.” “Aprendi a não ficar mais só e encontrei aqui carinho, compreensão, e o que é mais importante, encontrei alguém que sabe me escutar”. Nas sensibilizações, por exemplo, eram usados os movimentos. A água representava a forma de música da natureza. Cada encontro era estudado e trabalhado de modo que todas percebessem o carinho, o poder que cada uma tem dentro de si, e que nada é impossível, só dependia de cada uma ver o mundo com outros olhos. Assim, as vivências iam acontecendo, num clima de segurança, percepção, a sensibilidade e a criatividade, contribuindo para o bem-estar dos envolvidos nesse processo. 58 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, percebe-se que a arteterapia em pintura em porcelana pode servir como alimento terapêutico para aquelas pessoas que se encontram num mundo solitário, ocioso ou vivendo outros problemas emocionais que, às vezes, tiram o gosto pela vida. Isso ocorre porque toda forma de arte contribui para o ser humano liberar, livremente, as suas angústias e preocupações, de forma lúdica. No caso em estudo, observou-se que a criação artística levou um grupo da Terceira Idade a encontrar-se consigo mesmo, recuperando a sua auto-estima e valor pela vida. Muitas das atividades realizadas suscitaram nelas sentimentos de delicadeza, paciência, emoção e sensibilidade através da criação livre, onde o objetivo era a percepção do próprio conhecimento e valorização de si mesmo. Essas vivências se processam terapeuticamente, na medida em que despertam no ser humano à vontade de expressar seus sentimentos mais íntimos, indo ao encontro de si mesmo e do outro através da aquisição de uma percepção mais profunda sobre as coisas que o cerca. Na verdade, o ser passa por uma transformação, onde a humanização de sentimentos e valores são peças fundamentais porque, no processo de pintura em porcelana, são trabalhados todos os sentidos do ser humano. Observa-se que essa atividade mexe com as sensações táteis, visuais, perceptivas, expressivas e até gustativas. A tinta quando colocada no pincel ou mesmo com o dedo, desperta no indivíduo sensações diversas, onde a energia do indivíduo é transformada em expressão com o movimento das tintas, das cores, tanto com pincel na porcelana ou com o próprio movimento dos dedos em contato com a tinta em porcelana. Mas é preciso ressaltar que um dos níveis mais importantes é o afetivo, pois é este que 59 garante o equilíbrio emocional do indivíduo. É esse nível que motiva o ser a ir em busca de seus sonhos ou projetos de vida. Enfim, o que se pretende mostrar, nesse trabalho, é que a pintura em porcelana é mais um material diferente que surge na arteterapia, proporcionando bem-estar às pessoas, sendo um grande parceiro nas áreas de doenças mentais, como também restituindo alegria de viver para a Terceira Idade. 60 7. REFERÊNCIAS A cerâmica: A Técnica e a Arte de fazer a Cerâmica explicados de modo mais simples e atraente. Tradução Rui Pires Cabral. Lisboa: Editora Estampa, 1997. (Coleção de Arte e Ofício). A DECORAÇÃO de Cerâmica: a técnica e a arte da decoração de Cerâmica aplicadas do modo mais simples e atraente. Tradução Rui Pires Cabral. Lisboa: Editora Estampa, 1997. (Coleção de Arte e Ofício). AGOSTI, Geraldo. Pintura sobre porcelana: uma moderna arte antiga e seus aspectos técnicos. 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