Resgate Histórico e Social de Cacimba do Silva e

Transcrição

Resgate Histórico e Social de Cacimba do Silva e
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH III
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA
CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – ECSAB
RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA
RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO:
PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS
JUAZEIRO-BA
JULHO 2012
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RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA
RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO:
PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Educação Contextualizada para Convivência com o
Semiárido Brasileiro, Universidade do Estado da Bahia –
DCH III, como requisito parcial para obtenção do título de
Especialista em Educação Contextualizada.
Orientador: Prof. Dr. Edmerson dos Santos Reis.
JUAZEIRO-BA
JULHO 2012
2
Oliveira, Rute Ferreira de.
Resgate histórico e social de Cacimba do Silva e Sertãozinho: pensando a educação contextualizada para a
convivência com o semiárido brasileiro – avanços ou retrocessos. / Rute Ferreira de Oliveira. – Juazeiro, 2012.
103 f. il.
Orientador: Edmerson dos Santos Reis
Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) – Universidade do Estado da Bahia – Campus III. 2012.
Contém referências.
1. Educação – aspectos sociais
2. Educação – Semiárido - Bahia
– Departamento de Ciências Humanas.
II. Título
I. Universidade do Estado da Bahia
CDD 370.1930981
3
RUTE FERREIRA DE OLIVEIRA
RESGATE HISTÓRICO E SOCIAL DE CACIMBA DO SILVA E SERTÃOZINHO:
PENSANDO A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO – AVANÇOS OU RETROCESSOS
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Contextualizada para
Convivência com o Semiárido Brasileiro, promovido pela Universidade do Estado da Bahia –
UNEB por meio do Departamento de Ciências Humanas - DCH III, como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista em Educação Contextualizada.
Juazeiro – BA, 16 de Julho de 2012
Aprovado em 25 / 07 / 2012
_______________________________________________
Prof. Dr. Edmerson dos Santos Reis (Orientador)
________________________________________________
Avaliadora: Francisca de Assis de Sá
__________________________________________________
Avaliadora: Rosangela da Costa Castro
4
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
O Sr. Valdemar na sua residência em Cacimba do Silva .........................
24
Figura 2
O Sr. Valdemar com a família em 1974 ..................................................
24
Figura 03
O produtor Marcio Irivan passos em Salvador, firmando o acordo com
Governador Paulo Souto, no projeto Cabra Forte, registrado no Diário
Oficial do dia 26 de novembro de 2004 ...................................................
37
Sistema de abastecimento de água implantado com o apoio do Cabra
Forte em 2006 ..........................................................................................
37
Templo da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Sertãozinho no
dia da inauguração em 2008 ....................................................................
43
Primeira leva de blocos para a construção do novo templo da igreja
evangélica na Cacimba do Silva em 16 de junho de 2012 .......................
44
O Sr. Valdemar com a sua criação de caprinos em 09 de agosto de
2006 .........................................................................................................
74
O Sr. Valdemar com a esposa Carolina em suas Bodas de Ouro em 30
de julho de 2005 .......................................................................................
76
O Sr. Pedro Rodrigues à esquerda, de terno e ao seu lado os jovens
dessas comunidades na inauguração do templo Sede das Assembleias
de Deus em Juazeiro-BA em ju1ho de 1982 ...........................................
80
Figura 10
Uma típica residência de taipa .................................................................
88
Figura 11
Uma D10, parecida com a C10 que tinham nestas localidades ...............
90
Figura 12
Enlace matrimonial dos jovens João Batista e Maria Nilza, celebrado
pelo Pr. Manoel Marques de Souza, presidente da Igreja Assembleia de
Deus em Juazeiro-BA ..............................................................................
91
Figura 13
Sede da Associação de Cacimba do Silva e Sertãozinho .........................
91
Figura 14
A Srª. Joana Ferreira Passos ....................................................................
95
Figura 04
Figura 05
Figura 06
Figura 07
Figura 08
Figura 09
5
LISTA DE SIGLAS
ADAB
Agência de Defesa Agropecuária da Bahia
ADAC
Associação de Desenvolvimento e Ação Comunitária
AGETEC
Assistência Gerencial e Tecnológica
ASA
Articulação no Semi-Árido Brasileiro
CERB
Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia
CETEC
Centro Transdiciplinar de Educação do Campo
COPERCAR Cooperativa dos Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e Região Ltda.
CTSI
Ciência Tecnologia Sociedade Inovação
DCH III
Departamento de Ciências Humanas Campus III
EBDA
Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A
ECSAB
Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro
EMBRAPA
Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária
ERUM
Escola Rural de Massaroca
EUA
Estados Unidos da América
FAFICH
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
FENGRI
Feira Nacional da Agricultura Irrigada
INEP
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IRPAA
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada
MOBRAL
Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
NPC
Núcleo Piratininga de Comunicação
ONGs
Organizações Não Governamentais
RESAB
Rede De Educação do Semiárido Brasileiro
SAB
Semiárido Brasileiro
SEAGRI
Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Reg. Fundiária
SEBRAE
Agência de Apoio ao Empreendedor e Pequeno Empresário
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SENAR
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
TCC
Trabalho de Conclusão de Curso
FMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFSC
Universidade Federal de Santa Catarina
UNB
Universidade de Brasília
UNEB
Universidade Do Estado Da Bahia
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AGRADECIMENTOS
À Deus, toda a minha gratidão e adoração, pelo dom da vida, pelas inspirações, por me
direcionar em todos os caminhos abrindo portas impossíveis e me dando tudo que jamais
poderia ter sozinha, através de oportunidades importantes que com sua misericórdia eu pude
perceber e aceitar.
Esse curso foi para mim uma oportunidade de mudança de vida, no sentido de
transmitir saberes que não tinha e outros que havia me esquecido, também me repassou
valores e sentimentos que havia abandonado e sabores que já estavam me fazendo falta,
tornando-se para mim nesse momento um elemento inovador, coerente, contextualizado e
familiarizado com as necessidades e práticas de convivência com esse lugar, o Semiárido
Brasileiro.
Não foi fácil chegarmos até aqui, abdicando de lazeres, passeios e momentos com a
igreja, sociedade, família e amigos. Mas, graças à compreensão de todos, as coisas foram
contribuindo positivamente para essa realidade. Portanto, me sinto bastante honrada em ter
sido parte integrante desta turma de Especialização em Educação Contextualizada para
Convivência com o Semiárido Brasileiro.
Agradeço à minha maravilhosa mãe Maria Nilza e ao meu companheiro Jonas, pela
compreensão, sustentação, apoio e tolerância nas horas difíceis e no que era preciso, vocês são
minha razão de ser cada dia uma pessoa melhor, minhas alegrias dependem de vocês para
serem completas e minhas dificuldades só são superadas por que sei o quanto posso contar
com vocês. Saibam do meu imenso amor e grande satisfação de poder existir para viver ao
lado de vocês;
Ao Professor Edmerson dos Santos Reis, pela luta indispensável em trazer para a
UNEB propostas dessa natureza, com uma educação contextualizada e tão significativa para a
formação de tantas pessoas, sem fazer distinção de nenhuma delas, apenas disposto em nos
orientar e atentamente dispensar com simplicidade observações a este trabalho, e também por
ter confiado que eu pudesse, quando não mais acreditava em mim mesma, fazer com que esse
trabalho fosse possível;
Às pessoas da ADAC, Érica Vanessa, Ana Paula e Paulo por me darem a primeira
oportunidade de conhecer seus trabalhos voltados para o desenvolvimento e ação comunitária,
incluindo as propostas de educação do município de Juazeiro-BA;
Aos colegas de turma, pelo convívio tão gratificante e incentivo prestado no momento
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da decisão de enfrentar esse desafio, especialmente a Ana Valéria, amiga querida que me fez
acreditar no início deste curso que eu poderia chegar onde cheguei, valeu a pena suas palavras
e por elas eu não desisti.
À Silvana, que também com a sua equipe pedagógica da Escola RENASCER, e
Lucineide foram companheiras na produção dos trabalhos em equipe deste curso, vocês me
fizeram perceber a vida de novo na escola, não sabia mais como eram importantes essas
experiências.
À amiga que encontrei, como se fosse uma irmã, Rosiane da RESAB, pela constante
presença nessa caminhada, e no desvelar de artigos e eventos ligados a discussão de ECSAB;
Ao pessoal do IRPAA, pela abertura e confiança demonstradas, especialmente a
Lucineide Araujo Martins, que me confiou uma porta de trabalho condizente com a linha
desta pesquisa e a Haroldo, Tiziu, Tiago e André Luiz, meus coordenadores de trabalho, a
Sandra, Nice, Delma, Deise e Bruna, que me facilitaram o aprendizado necessário no
desenvolvimento das atividades do Projeto ATER que me rendeu acesso aos conhecimentos
para a pesquisa de campo;
A Thaise e Alaíde Régia também do IRPAA, pela disponibilidade demonstrada para
me ajudarem com livros que abrangessem os conhecimentos necessários à minha formação e
Edneusa por me oportunizar de perto, conhecer as diretrizes da proposta de Educação
Contextualizada para Convivência com o Semiárido;
Aos colegas do Departamento de Ciências Humanas – DCH III da UNEB, professores
e funcionários por todo o apoio, em especial a bibliotecária Gerluce, na procura dos teóricos
constantes nas referências bibliográficas desta pesquisa e pela gentileza com que sempre nos
atendeu; à diretora do Departamento de Ciências Humanas – DCH III, Aurilene Rodrigues e
aos ilustres coordenadores Edmerson e Luzineide e demais professores deste curso por
abrilhantarem a nossa formação, oferecendo contribuições significativas na construção deste
trabalho.
Especialmente aos moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho, por nos abrirem as
portas para nos contarem seus relatos de experiências vividas compondo assim, o resgate
histórico da memória deste lugar neste trabalho. Valeu a pena confiar e esperar os resultados!
E a todos que contribuíram direto ou indiretamente para que esse projeto se tornasse
realidade, muito obrigada! Só Deus pode recompensá-los com infinitas bênçãos na vida de
vocês pelos esforços a mim dispensados.
Novamente, agradeço a Deus pela benção desta pesquisa, só Ele é digno de toda a
honra e glórias!!!
9
“Nunca como hoje, tivemos uma consciência tão
nítida de que somos criadores, e não apenas
criaturas, da história. (…) A inscrição do nosso
percurso pessoal e profissional neste retrato histórico
permite uma compreensão crítica de “quem fomos”
e de “como somos” (NÓVOA, 2006, p. 11).
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RESUMO
No presente trabalho tentamos responder a seguinte questão norteadora: como o estudo dos
processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revela a contribuição da
escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o
Semiárido nessas comunidades? Dialogando com a teoria e a prática dessa proposta de
Educação Contextualizada, numa abordagem qualitativa em que buscamos descrever
significados que são socialmente construídos, enfatizando as interações do seu contexto, e
ainda considerando as implicações epistemológicas e metodológicas que envolvem seu estudo
a partir de uma abordagem interpretativa. Compreendendo os processos da colonialidade
enquanto instrumento retrógrado ao desenvolvimento sustentável, tendo na contextualização o
fomento da convivência com o Semiárido, embora os sujeitos dessas localidades tenham na
ausência da escola, mais um elemento negativo ao seu desenvolvimento local e à melhoria das
condições de vida dos seus moradores. Assim, essa proposta envolveu os moradores,
dirigentes das instituições presentes nas referias comunidades, como Associação, Cooperativa
e Igreja Evangélica, ex-professores, bem como as implicações da autora, contando ainda com
o apoio dos autores apresentados na bibliografia estudada. Portanto, os resultados dessa
pesquisa, certamente, poderão ser úteis para a reflexão e a prática desses sujeitos e para a
nossa formação profissional enquanto educadora. Nesse sentido, essa pesquisa vem servir de
base para compreendermos que a vida no campo, também é uma construção e reconstrução de
práticas e valores úteis, dignos e viáveis para a permanência deste povo nestas localidades
rurais do Semiárido Brasileiro.
ABSTRACT
In this paper we attempt to answer the following question: How olves the study of historical
and social processes of Sertãozinho and Cacimba do Silva reveal the contribution of the
school, its advances and setbacks for the sustainable development and coexistence with the
semiarid in these communities? In dialogue with the theory and practice of this Contextual
Education proposal I have used a qualitative approach in which we seek to describe meanings
that are socially constructed, emphasizing the interactions of context, and considering the
epistemological and methodological implications involving their study from an interpretative
approach. Understanding the processes of colonialism as an instrument of absolet sustainable
development, considering the context of promoted coexistence with the semiarid, although the
subjects of these locations have in the absence of the school, some negative elements for its
local development and improved living conditions of its residents. Thus, this proposal
involved the residents, leaders of institutions present in the mentioned communities, such as
Association, Cooperative, the Evangelical Church, former teachers as well as the implications
of the author, relying on the support of the author's knowledge presented in the studied
literature. Therefore, the results of this research will certainly be useful for reflection and
practice of these individuals and for our training as educators. In this sense, this research
could be used as the basis for trying to understand life in the countryside is also a construction
and reconstruction of practical and useful values, worthy and viable for the permanence of
this people in these rural localities in the Brazilian semiarid.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
13
CAPÍTULO I – DAS MEMÓRIAS IMPLICADAS À CONSTRUÇÃO DO OBJETO
DE ESTUDO ....................................................................................................................... 16
1.1. Implicações da pesquisadora sobre as experiências de Cacimba do Silva e
Sertãozinho – reflexos da Educação Contextualizada para a Convivência com o
Semiárido ...................................................................................................................
18
1.2. Memórias de convivência em Cacimba do Silva e Sertãozinho ......................... 21
1.3. Objetivos da pesquisa .........................................................................................
36
1.3.1. Justificativa ......................................................................................................
37
CAPÍTULO II – PROCESSO METODOLÓGICO DA PESQUISA – DIALOGANDO
ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E OS SABERES E SENTIRES LOCAIS....
39
2.1. Unidades de análise da pesquisa ......................................................................... 46
CAPÍTULO III – DA COLONIALIDADE ENQUANTO RETROCESSO AO
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
À
CONTEXTUALIZAÇÃO
COMO
FOMENTO DA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO ................................................. 48
3.1. Elementos da Colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido
Brasileiro .................................................................................................................... 48
3.2. Método Paulo Freire promotor da educação contextualizada para a
convivência com o Semiárido e a pós-colonialidade ................................................. 54
3.3. Ausência da Escola: retrocessos na formação cidadã e nos processos de
desenvolvimento rural da Cacimba do Silva e do Sertãozinho – BA ........................ 57
CAPÍTULO IV – PROCESSOS HISTÓRICOS E SOCIAIS NA RELAÇÃO ESCOLA
E DESENVOLVIMENTO: DO OLHAR DOS SUJEITOS AOS FUNDAMENTOS
12
TEÓRICOS .........................................................................................................................
65
4.1. Histórico da localidade, a partir das experiências do morador Valdemar
Ferreira Passos – linha do tempo de Cacimba do Silva e Sertãozinho ......................
74
4.2. Como essa família conheceu as doutrinas da Igreja Evangélica Assembleia de
Deus nestas localidades? ............................................................................................ 80
4.3. Linha de base para a trajetória de desenvolvimento local ..................................
84
4.3.1. A linha do tempo e o desenvolvimento das comunidades ...............................
87
4.4. Sujeitos da pesquisa – pessoas-chaves – agricultores/produtores e instituições
afins ............................................................................................................................ 94
CONSIDERAÇÕES DE UM PROCESSO QUE CONTINUA........................................... 96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 101
13
INTRODUÇÃO
A pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra, porque dizer
a palavra é realmente tirar de dentro dela o que ela tem de mais profundo, mais
sagrado e mais original. E só ela é que pode fazer isso. Então ela precisa, ao dizer a
palavra, de consciência e liberdade. Essa consciência e liberdade que a levam a ser
responsável. Alguém se torna cidadão ou cidadã quando contribui numa cidade,
numa comunidade, com aquilo que ela tem de único e “irrepetível”, que é o seu
próprio ser. A partilha desses projetos comuns é que forma democraticamente uma
cidade, uma sociedade. (GUARESCHI citado por GIL, 2003, p. 1).
Pensando neste trecho da entrevista concedida por Gil (2003, p. 1) ao Núcleo
Piratininga de Comunicação – NPC, foi que fizemos uso da palavra, enquanto cidadã que nos
tornamos, contribuindo com o que temos de único sobre as localidades pesquisadas,
almejando, portanto, refletir o contexto dessas localidades a fim de fazer esse resgate histórico
e social de Cacimba do Silva e Sertãozinho: pensando a educação contextualizada para a
convivência com o Semiárido Brasileiro e destacando seus avanços ou retrocessos.
Assim, o presente Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação
Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro tomou por base a pesquisa
qualitativa onde buscou descrever significados que são socialmente construídos, enfatizando
as interações do seu contexto partindo da observação dos fatos, das análises e comparação de
experiências pessoais de convivência com o Semiárido.
Tomamos por base também a pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material
já elaborado, como evidencia GIL (1996, p. 48), “constituído principalmente de livros e
artigos científicos. Embora em todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta
natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”, entre
outras referências metodológicas que empregamos diante das necessidades que se
apresentaram no desvelar da pesquisa.
Procuramos ainda adquirir os conhecimentos necessários para argumentar de forma
objetiva e concisa sobre a presente temática, abordando na pesquisa as lembranças de
possíveis fatos históricos e sociais destas comunidades, pensando a Educação Contextualizada
para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, seus avanços ou retrocessos, e garantindo
uma apresentação e reconhecimento deste lugar como um espaço de experiências possíveis e
que são capazes de transformar e formar outros sujeitos em seu seio para a continuidade dos
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trabalhos e das culturas tradicionais existentes, perpassadas por seus antepassados ao longo
dos tempos.
Apresentamos os avanços ou retrocessos no desenvolvimento destes, com seus
projetos e apoios de subsistências, aplicados e realizados com os produtores/agricultores,
principais agentes de transformação dessas localidades e difundidos por seus dirigentes da
associação, da igreja evangélica e da cooperativa.
Buscamos compreender as ideias da Convivência com o Semiárido, bem como do
desenvolvimento sustentável local, como estratégias para ultrapassarem as “barreiras”
colonialistas ainda impregnadas nos seus fazeres e sentires cotidianos da lida do/no campo.
Também, procuramos contribuir com a construção de novas alternativas para a convivência
com o SAB, de forma que essas comunidades atinjam condições dignas e justas para todas as
pessoas, minimizando inclusive o maior de seus problemas, o êxodo de moradores para outras
áreas que julgam melhores e que disponham de escola e outras formas e condições para a vida
e o trabalho.
Sendo assim, o principal desafio foi tentar responder a seguinte questão norteadora –
Como o estudo dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revelam
a contribuição da escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a
convivência com o Semiárido nessas comunidades?
Tentando responder a esse questionamento, o presente trabalho organiza-se da
seguinte forma:
No Capítulo I – Das memórias implicadas à construção do objeto de estudo,
abordando a história e a memória de Cacimba do silva e Sertãozinho sob o ponto de vista das
implicações da autora, justificando-se a escolha por essa pesquisa, a metodologia empregada,
a questão norteadora e os objetivos pretendidos.
No Capítulo II – Processo metodológico da pesquisa – dialogando entre os
fundamentos teóricos e os saberes e sentires locais, fazemos um estudo das entrevistas com os
moradores resgatando os processos sociais e históricos das comunidades bem como da
memória desses sujeitos com seus jeitos e saberes, atrelados aos da pesquisadora.
No Capítulo III – Da Colonialidade enquanto retrocesso ao desenvolvimento
sustentável à contextualização como fomento da convivência com o Semiárido, onde
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apresentamos uma discussão teórica sobre um dos agravantes ao progresso dessas
comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, destacando a ausência da escola como
retrocesso à formação cidadã e ao desenvolvimento local, entre outras considerações sobre os
elementos da colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido Brasileiro, bem
como o método Paulo Freire como promotor da educação contextualizada e pós-colonial,
fomentando a convivência com o Semiárido.
No Capítulo IV – Processos históricos e sociais na relação escola e desenvolvimento:
do olhar dos sujeitos aos fundamentos teóricos, buscamos compreender como esses processos
estão relacionados à vida dos sujeitos e por meio dos seus olhares tentamos responder a
questão norteadora desta pesquisa; construindo uma linha de base para a trajetória do
desenvolvimento local aproveitando o histórico de vida do morador Valdemar Ferreira
Passos, para perceber que a escola não é mais um elemento social que povoa um lugar, mas
que através dela as comunidades se sentiriam mais seguras na disseminação dos seus valores e
culturas, promovendo seu crescimento pessoal, econômico, político e social.
Em seguida, nas Considerações de um processo que continua..., destacamos quem são
os atores responsáveis por ministrarem as dinâmicas existentes nestas comunidades, bem
como relatamos as dificuldades e os resultados encontrados, ambos tornando-se elementos de
grande importância para a conclusão deste trabalho, reforçando o objeto que moveu a
preocupação para o estudo da temática, suas contribuições para nossa formação pessoal e
profissional, voltado a uma prática mais contextualizada, apta para um fazer que possibilite a
valorização e transformação cada vez melhor desse espaço, primando pela qualidade de vida
dos sujeitos, bem como do próprio espaço social tendo como base para tal a convivência com
o Semiárido Brasileiro.
Por isso, esperamos que os resultados desse trabalho, possam ser úteis para a reflexão
e a prática dos sujeitos, agentes e atores da mudança social das localidades de Cacimba do
Silva e Sertãozinho, bem como dos possíveis educadores na lida com seus aprendizes, para
um fazer dinâmico, contextualizado e de fato satisfatório à convivência com o Semiárido
Brasileiro.
16
CAPÍTULO I
DAS MEMÓRIAS IMPLICADAS À CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
Este capítulo aborda a história e a memória de Cacimba do Silva e Sertãozinho sob o
ponto de vista das implicações da autora, justificando a escolha por esse tema de pesquisa,
bem como a metodologia empregada, a questão norteadora e os objetivos pretendidos, voltada
ao fomento do desenvolvimento local dessas localidades. Traz ainda a pertinência social e a
contribuição para a reflexão da proposta de educação contextualizada para convivência com o
Semiárido Brasileiro.
As localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho são duas comunidades bem unidas
em todas as suas manifestações, embora sejam diferentes e fiquem um pouco afastadas uma
da outra, estão locadas próximas da pista, na rodovia recém-asfaltada, da BA 210 que liga
Juazeiro a Curaçá.
Mas o que nos traz aqui, por meio deste capítulo é apresentar e fazer conhecidas essas
duas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, embasando os conhecimentos teóricos
adquiridos no decorrer deste Curso de ECSAB ao qual estamos a concluir, na prática dos
sujeitos que vivem nestas localidades, a partir de interações que constituem nosso olhar, que
produzem nossas identidades e que se inscrevem em nossas memórias e nas memórias dos
nossos entrevistados, moradores e protagonistas destas localidades.
Até participar deste curso, não pensava nas experiências destes atores enquanto partes
do Semiárido, às vezes também me reportava ao Semiárido como um lugar distante,
indiferente às minhas experiências, não tinha um conceito próprio, formado sobre esse
território, do qual sou também integrante dos seus processos históricos e sociais, assim me via
cúmplice dos falsos discursos depreciativos e preconceituosos que ora ainda reforçam a falsa
imagem desse espaço como lugar feio, seco, pobre e miserável.
Não imaginava o Semiárido como espaço de transformações, rico em diversidades
ambientais da região, de natureza, ora com vegetação seca e sem esperança, ora também cheia
de vida, força e resistência, capaz de potencialidades mobilizadoras e transformadoras, capaz
de uma convivência significativa aos seus moradores, como um fenômeno mais que natural,
um milagre da vida no Semiárido.
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Apesar de inexplicadamente sentir prazer de viver neste lugar, querer permanecer e
nele me estabelecer enquanto sujeito, social, cultural e com a identidade Semiaridiana, esse
sentimento de pertencimento não me era revelado, abrochando-se a partir dos conceitos, das
experiências e dos resultados trazidos e apresentados pelos docentes deste Curso, que durante
este tempo de aprendizagem, me conduziram a revelar nesta pesquisa, a base de toda a minha
vida, que está ligada, enraizada e entrelaçada nestas localidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho.
Foi neste Curso, que retomei o gosto pelos sentimentos adormecidos, quanto ao
pertencimento a este lugar, construtor de subjetividades e da minha identidade sertaneja,
reportando-me ao lugar em que vivi com a minha família, durante toda essa existência. E que
lugar era esse?
Era o mesmo em que eu estava, mas não o enxergava como sendo parte de mim e nem
eu dele, que está associado ao próprio Território do Semiárido Brasileiro. Estava numa
espécie de transtorno psíquico severo que se caracterizava classicamente pelo conjunto de
sintomas: alterações do pensamento, alucinações visuais, sinestésicas e sobretudo, auditivas,
com delírios e alterações no contato com a realidade, diria que era uma esquizofrenia quase
aguda, e seus efeitos repercutiam também no comportamento e nas emoções.
Daí então, porque não relacionar com este curso às vivências e experiências deste
espaço, seu resgate histórico e social, seus avanços ou retrocessos, pensando a educação
contextualizada como fomento ao desenvolvimento local e empoderamento das famílias
moradoras com seus jeitos, fazeres e sentires pertencentes a este lugar e que como eu, ainda
não refletia seus aspectos históricos, sociais e a própria experiência de convivência com o
Semiárido, suas tecnologias e propostas apropriadas para um fazer cotidiano mais
significativo e condizente com sua realidade social.
Com isso, buscamos compreender e construir uma nova concepção de Semiárido,
“baseada no reconhecimento de que o seu povo também é cidadão, com direitos a serem
respeitados, deixando-se de lado a postura de que as ações e políticas voltadas à região são
atos de bondade de pessoas, governantes ou organizações” (ASA, 2012, p. 5), mas de toda
uma articulação positiva entre todos os agentes do desenvolvimento social, provando a
capacidade inovadora das famílias da região na construção coletiva de saberes e na troca dos
conhecimentos desta convivência com o Semiárido Brasileiro, nas localidades de Cacimba do
Silva e Sertãozinho.
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Assim, nos subtemas que seguem destacaremos as memórias e recordações sobre as
experiências das localidades pesquisadas, através dos relatos pessoais e extratos de entrevistas
realizadas com representantes destas localidades, bem como apresentamos os objetivos e
metodologias que justificam a escolha pela temática abordada nesta pesquisa, pensando uma
educação contextualizada que satisfaça a vida dos seus moradores nestas comunidades rurais
do Semiárido.
1.1. Implicações da pesquisadora sobre as experiências de Cacimba do Silva e
Sertãozinho – reflexos da Educação Contextualizada para a Convivência com o
Semiárido
O presente Trabalho pretende apresentar as localidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho, distrito de Itamotinga, no município de Juazeiro Bahia, através das observações e
análises enquanto moradora e expectadora do desenvolvimento destas localidades, onde temos
testemunhado todas as condições para reflexão e análise desse modelo de desenvolvimento
que vem se estabelecendo nestas localidades, desde que nascemos e que ficaram na memória e
na lembrança dos seus moradores.
Dessa forma, valho-me dessas experiências que nos motivaram a elaborar esta
pesquisa, a fim de fazer conhecida e resgatar a história da memória dos moradores e seus
processos sociais na luta pela convivência com o Semiárido nestas localidades.
Por isso, pesquisamos essas localidades para também registrarmos a história desses
lugares e das pessoas que vivem neles, pois não encontramos registros com essas
características, com o intuito, principalmente, de tocar a quem ler e a quem se interessar por
essas histórias, para nos ajudar no possível, a pensar esta educação escolar significativa para
essas localidades como fundamentação do seu desenvolvimento rural sustentável.
Com tudo, por conta da ausência desta escola, é que vem se configurado um grande
problema: seus moradores se sentem ameaçados pelo abandono que vem aumentando a cada
ano nestas localidades, pois os sujeitos saem para estudar em outros lugares e não retornam
para ajudar na convivência com estas comunidades. E de certo modo, não entendem ainda
sobre a proposta de convivência com o Semiárido.
19
Desse modo, a preocupação deste instrumento de análise e reflexão teórica é encontrar
uma forma de trazer a essas localidades, junto com a proposta de convivência sugerida na
pesquisa e durante o Curso em formação, com recursos práticos-metodologicos e materiais
significativos, uma “posição” no que diz respeito ao retorno de uma escola nas referidas
comunidades.
Ressalvo que essa escola não necessita “ser como uma prisão 1”, ou um prédio para
acontecer às aulas, mas que seja uma instituição capaz de propor melhorias e mobilidade
social dessas pessoas, nestas localidades, como algo novo e importante, útil para superarem
seus obstáculos na vida no geral e fortalecer o desenvolvimento local, bem como o
empoderamento das famílias destas localidades.
Assim, procuramos nos precursores da proposta de educação contextualizada para
convivência com o Semiárido, reforçar, nas análises da temática exposta, para as pessoas
destas localidades e para quem mais esse material servir, uma idéia revolucionária, passando a
“conscientiza-los sobre a ideologia opressora”, tendo como compromisso a “libertação dos
oprimidos”, segundo Freire (1987, p. 17), guiando-nos pelas ideias dos autores, com ênfase
para Caldart (2007), Dowbor (2006), Freire (1996), Guareschi (2000), Martins (2011), Molina
(2008), Reis (2004), entre outros autores dispostos nas referências bibliográficas.
Esses autores nos movem de esperança e de sonhos, sonhos que partem daqui, do
local, nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, dos processos que movimentam
as lutas e conquistas desenvolvidas para o bem comum dos seus moradores, pensando na sua
história, avanços ou retrocessos, mas, também compreendendo que esses sonhos começados
no local podem terminar no global, no mundo.
Por isso, iniciamos através desta pesquisa, a realizar um desses sonhos, tentando fazer
com que outros saibam da nossa existência, daquilo que temos e pretendemos ou que
podemos produzir, se nos forem dadas às oportunidades e as condições de trabalho,
ferramentas certas para nossa produção ser de qualidade e que satisfaça as nossas
necessidades e das futuras gerações.
1
Termo usado pelo colega Maurício, durante apresentação do Estado da Arte deste TCC, aos docentes da
disciplina de Estágio de Monografia II, pela UNEB-DCH III, em Maio de 2012. Maurício se referiu a escola
como uma prisão, por que os alunos não se formam para mudar as estruturas sociais de injustiças e
desigualdades, mas, por ser uma escola sem condições adequadas para o preparo dos mesmos, estes alunos agem
como marginais vândalos presos dentro de uma estrutura semelhante à prisão, com grades nas janelas e rodeada
de muros que os impedem de “ver a vida” fora da escola.
20
Portanto, estamos aqui para mostrar também que, embora os moradores não tenham
recebido a educação como de direito, que apesar da ausência da escola, os mesmos possuem
estímulos e autoconfiança para irem além das suas limitações, demonstrando para o mundo
que o aprendizado não está apenas nos métodos, quadros, salas, paredes, etc., presentes na
escola, mas também nas relações sociais dos sujeitos pertencentes a esta sociedade, através
dos valores e princípios associativistas e cooperativistas, com seus jeitos, sentires e fazeres.
Segundo Canterle2 (2004, p. 1), o associativismo “é tido como uma das melhores
possibilidades, pois faz com que a troca de experiências e a convivência entre as pessoas se
constituam em oportunidades de crescimento e desenvolvimento”, tanto para as pessoas,
quanto para as localidades nas quais se estabelecem tais valores.
Essa autora apresenta ainda as ideias desses princípios associativistas e cooperativistas
à luz da Constituição Federal Brasileira de 1998, no seu Artigo 174, § 2º, onde está
consagrada a liberdade de associação quando estabelece que “a lei apoiará e estimulará o
cooperativismo e outras formas de associativismo”. Ela determina ainda em seu Artigo 5º Inciso XVIII que a “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem
de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”.
Muitas vezes esses valores, sentires e fazeres, tomados pelos sujeitos sociais nestas
localidades, são vistos e pensados como estando na contra mão dos paradigmas hegemônicos
dos colonizadores, mas que, dando às mãos as tecnologias apropriadas, produzem tanto
quanto os efeitos atrelados à proposta de convivência com o Semiárido Brasileiro.
Nesse sentido, com a pesquisa exploratória nestas comunidades, descobrimos que os
moradores não compreendem o que são essas tecnologias de convivência, apesar de as terem
implantadas na localidade, mesmo dando importância a elas, construindo práticas
significativas e potencializadoras para o provimento das necessidades humanas,
socioculturais, econômicas, políticas e ambientais, básicas e primando pela qualidade da vida
destas e das futuras gerações nestas localidades.
Dessa forma, ao analisar as questões levantadas durante a coleta dos dados, foi que nos
sentimos direcionados a expressar aqui um pouco da nossa relação com essas comunidades e
através desta pesquisa, transmitir aos sujeitos de Cacimba do Silva e Sertãozinho os
conhecimentos relacionados à convivência com o Semiárido e a proposta de educação
2
Professora do Curso de Administração e Ciências Econômicas da UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão.
21
contextualizada que desconhecem, valorizando suas histórias, suas potencialidades e seus
saberes como um avanço positivo ao desenvolvimento local, bem como uma oportunidade de
melhoria das condições de vida nesta sociedade.
1.2. Memórias de convivência em Cacimba do Silva e Sertãozinho
Nessa linha, nos colocaremos como atriz social dos processos que movem a vida nesse
lugar e com isso nos implantaremos como elemento das suas memórias, história e
acontecimentos sociais.
Embora a minha história nessas localidades seja simples, ela também é comum às dos
diversos sujeitos do Semiárido. Sou filha de pais humildes, que sobreviveram sempre da
agricultura familiar, que na época não era entendida desse modo, mas que com sacrifícios
conseguiram educar seus três filhos, até o dia que por motivos da falta da escola, meu pai
resolveu nos tirar desse espaço rural para o do urbano, o que lhe revelou uma preocupação
maior com a nossa educação e formação para viver não só no SAB, mas em qualquer lugar do
mundo, pois pensava ele que seguiríamos seu mesmo caminho, o da evangelização dos povos
na sua missão cristã evangélica.
Mas cada um de nós, através desta “educação”, democrática, com direitos para fazer
nossas próprias escolhas, procuramos nossos próprios caminhos, ligados ora à agricultura de
subsistência familiar, compreendendo-a basicamente, quando a plantação era feita geralmente
na pequena propriedade de minifúndios, e a finalidade principal, como ainda é, era a
sobrevivência do agricultor e de sua família, não para a venda dos produtos excedentes, em
contraposição à agricultura comercial, ora com a produção irrigada em outra localidade, nesta
contraposição para a comercialização em escala maior, ligada ao modo capitalista de
produção onde permitia que o capital realizasse todo o excedente produzido no conjunto da
economia, como mais-valia o que lhe pertencesse, isso tudo por compreendermos mais tarde,
que não era só de “pão” que vivíamos, mas precisávamos também comercializar nossos
produtos, para gerar renda e manter as demais despesas familiar.
Conhecendo as vias desta comercialização, procuramos as ramificações do comércio,
que já não era mais com a agricultura, mas com o trabalho informal da cidade, no Mercado
22
Municipal em Juazeiro, e depois na própria educação, não por dom, mas por ter sido esta a
nossa opção de vida naquele momento. Tudo isso porque ao término do ensino médio, não
tínhamos ainda uma fonte definida e autossustentável com recursos apropriados para manter a
produção e a renda da família, para retornarmos para estas localidades rurais.
O processo produtivo presente em Cacimba do Silva e Sertãozinho precisava de
implementos tecnológicos, que no momento, ainda custosos às nossas condições financeiras e
à produção da caprinovinocultura como fonte de renda, para nós não era viável.
Assim, contra vontade, continuamos na cidade, dando sequência aos estudos, onde
prestando o vestibular na única universidade pública que existia na localidade a UNEB/DCH
III, passei e fui para o curso de Pedagogia.
Embora não me visse na sala de aula para aplicar os conhecimentos adquiridos, mas
me prontificava a passar para todos os espaços de minha atuação os conhecimentos desta
formação. Não só na escola onde fui trabalhar, mas na vida em geral, em que a pedagogia
serviu de base para resolvermos as questões de toda a ordem, facilitando a organização e a
prática dos trabalhos e condições em que me encontrava e também do ensino e da
aprendizagem.
Por conta dos meus pais serem evangélicos, meu nome foi escolhido da Bíblia por
minha mãe, Maria Nilza e assim aceito e registrado por meu falecido pai João Batista, em
Juazeiro-Bahia, no dia 18 de agosto de 1984, data em que nasci, e posteriormente educada por
eles, me transformei em tudo que sou hoje.
Na época meus pais residiam no interior do Distrito de Itamotinga, num roçado
chamado Águas Corredeiras, onde passei junto com eles e com os meus irmãos Josué e
Geiziane a perceber a dualidade natural do bioma do nosso Semiárido com seus desafios da
seca durante a estiagem nas áreas longe do Rio São Francisco, onde se localiza a Cacimba do
Silva e Sertãozinho, e da irrigação nas áreas próximas dele, onde esse roçado se encontrava.
Lá as adaptações que utilizávamos como recursos tecnológicos, eram fáceis, tinha
água em abundância e energia elétrica para o motor irrigar as fruteiras que meu pai cuidava,
contudo, não favorecia no manejo de caprinos e ovinos, pois os animais eram presos no meio
das fruteiras e mesmo com muito cuidado, ainda assim eles comiam e destruíam a plantação.
23
Assim, enfrentávamos uma dupla jornada, durante a semana vivíamos no roçado a
beira do rio e no fim de semana retornávamos para a fazenda na Cacimba do Silva e
Sertãozinho, para ajudar meus avós com a criação dos caprinos e bovinos e ajudar na corrida
“contra a seca”, na época era uma corrida em busca de água do rio para essas localidades, para
abastecer os humanos e os animais criados soltos no Fundo de Pasto. Que segundo Sabourin3
(1997, p. 2) são as “reservas de pastagem, em terras utilizadas para o pastoreio comunitário.
Essas “terras comuns” fazem parte do patrimônio coletivo de comunidades rurais”, como
dessas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho.
Também ajudávamos na criação de galinhas e quando chegavam às chuvas,
preparávamos o solo, entre outras coisas que desenvolvíamos por lá, junto com meus
familiares nestas comunidades, para subsistência da família e com a produção para
comercialização dos produtos irrigados na roça do Rio.
Os alimentos que nos eram de subsistência nestas localidades eram os derivados da
mandioca, pois fazíamos farinha na Casa de Farinha que tínhamos na Cacimba do Silva.
Ainda cultivávamos abóboras, melancias enormes, milhos, tudo sem agrotoxos, entre
outros trabalhos na confecção de roupas, bordados artesanais, em tecido ou couro, cordas de
caroá, etc. que serviam de base para o sustento de toda a família e dos amigos que sempre
estavam a visitar, bem como servia de empoderamento da família e fortalecimento da
comunidade em que vivíamos nos finais de semana. Produtos das “tecnologias apropriadas” e
possíveis na época, sem auxílios teóricos ou técnicos, mas da cultura tradicional local, ora
com auxílio da eletricidade na área da irrigação, ora com as próprias forças braçais na área de
sequeiro destas localidades, o que geravam o nosso pão de cada dia.
Como nas proximidades do roçado em que vivíamos e passávamos a semana
trabalhando há o Rio São Francisco, não sentíamos as mesmas dificuldades quando
retornávamos nos fins de semana para o seio do patriarca Valdemar Ferreira Passos, que por
coincidência é o meu avô, em sua humilde casa na Fazenda Cacimba do Silva, localidade
pouca falada, porém bem conhecida pelos andarilhos que por lá repousavam, a fim de uma
conversa ou de conhecimentos comuns, mas que davam certo, ensinados pelos seus
antepassados sobre a produtividade rural que ele guardava. Esta é uma propriedade típica dos
3
Agrônomo e antropólogo; pesquisador del Centro de Cooperação Internacional en Pesquisa Agronômica para o
Desenvolvimento - CIRAD, Departamento Território, Meio Ambiente. Professor visitante na Universidade
Federal da Paraíba, Campina Grande. [email protected].
24
sertanejos com áreas cercadas por troncos de madeiras e arames farpados para proteção do
plantio de palmas e de outras plantas forrageiras, entre outras áreas abertas que servem de
Fundo de Pasto.
Um humilde, mas aconchegante lar.
Lugar onde me sinto a vontade, aonde aprendi
meus primeiros passos, na terrinha quente e
seca na beira da alta calçada, frente à porta e
ao lado meu avô se sentava. Quem, pela
primeira neta observava, e ao seu colo aboiava
histórias de gado e caçadas na caatinga rumo
abaixo.
Figura 1: O Sr. Valdemar na sua residência em Cacimba do Silva.
Lá eles caçavam animais típicos da
caatinga (tatu, caititu, gambá e meleta) que sempre à mesa estavam nas horas difíceis quando
o boi e bode faltavam, por motivos óbvios, que na seca eles definhavam. Mas ali não faltava
nada. Parecia que essas coisas estavam logo ao lado. Meu avô entrava pela porta da frente,
saia pela porta do fundo e voltava com a caça viva ou morta para minha avó Calú preparar. O
fogão a lenha já estava preparado e o fogo aceso ela nunca apagava, bem cedinho quando o
galo cantava, lá estava ela com o leite fervendo, derramando na brasa. O café bem fresquinho
com o seu cheiro nos despertava e minha mãe comigo acordava.
Na casa toda tinha gente espalhada, cerca
de 15 filhos meu avô tinha morando com ele,
cada um com sua missão, o dia inteiro
trabalhavam, bagunçando e fazendo a farra. E
ainda cuidávamos do filho mais novo que apesar
de nascer com paralisia infantil e com todas as
suas necessidades, éramos nós quem as realizava
Figura 2: O Sr. Valdemar com a família em 1974.
por/para ele sobreviver, até seus 24 anos de
idade quando faleceu naturalmente. Esse filho era para nós motivo de fé e esperanças, nos
encorajando para continuarmos na lida da vida.
Pendurada na cerca via os bois no curral, meu avô sempre apressado tirava o leite das
vacas. E minhas tias, muito corajosas, no meio destas ficavam, arriavam os bezerros para
25
depois ordenhá-los. Tinha um touro muito violento que sempre ali estava e toda vez que eu
passava ele me olhava, sendo solto do curral eu corria por que ele de mim não gostava.
Quantas quedas e arranhões eu sofria correndo da caatinga até em casa, com medo de
bicho e da vaca Raposa4 que também comigo se zangava. Minha mãe sempre dizia para não
vestir roupas vermelhas por que os bois não gostavam, mas eu sempre esquecia e às carreiras
eu dava quando eles me avistavam.
Aos gritos e choros meu avô me abraçava e com carinhos dizia que – isso era o que
dava criança solta no meio das vacas! Ria muito e me acalmava, falando com as suas vacas
para me deixarem em paz.
Na roça do Rio São Francisco plantavam tudo que podiam e na hora de colher nos
chamavam, tinha algodão, pimentão, melancia, cebola, feijão, maracujá e melão eram os
alimentos que mais davam, soltando os bichos na roça depois que a safra acabava. Caminhão,
trator e burro eram os que mais ajudavam, levando as frutas para o Mercado Produtor da
cidade, ou para os vizinhos ao lado, que revendiam o que compravam.
Tinha medo das máquinas, quando meu pai as contratava para arar a terra além dos
seus cuidados, gostava mesmo era do burro que trabalhava calado, com ele já estava
acostumada, só com os coices me preocupava, mas desse jeito eu podia viver pelo meio da
roça, brincando de agricultora, trabalhando para ajudar meus pais.
Lembro-me que corria no meio dos sucos cheios d’água, cantando alegre em
disparada. Pai me pedia pra não pisar nas covas com sementes plantadas, porque se não elas
morriam e com a culpa eu ficava. Por isso me preocupava com cada uma que plantávamos.
Também tinha medo de cobras, lagartixas e lagartos, camaleões e preguiças que por lá
também andava, de nenhum eu sabia distinguir o nome e nem nada, achava todos parecidos,
só o tamanho mudavam. Chamava por “tixas” cada um com um medo danado e mãe já sabia
de que assunto se tratava, me abraçando corríamos, por que com medo ela também ficava.
Meu pai sabia de uma raposa que estava sempre na moita comendo as galinhas no
mato. Um dia ele arrumou uma arataca5 bem reforçada e na hora certa da raposa já
acostumada, a entrar bem disfarçada para comer as galinhas que pela frente, sempre
4
Nome dado à vaca, por que tinha uma mancha, da cor de uma raposa, na cara.
Armadilha de ferro, com uma corrente que fica presa em algum lugar, com a boca aberta e cheia de dentes,
feita para pegar animais silvestres, que invadiam a roça para comer alguma criação ou a plantação.
5
26
encontrava, a arataca desarmou e ouvimos o ruído da danada. Era a pata da raposa que se
quebrando, deixou-a presa na cilada.
Meu pai correu pra vê-la e com pena trouxe-a para casa, amarrou-a numa árvore que
tinha ao lado da casa até que a raposa se recuperasse da pata quebrada. Nesses dias passei a
observar de perto aquele bicho assanhado, parecia muito esperta, até pude tocá-la, mas como
não era domesticada quis me morder, e fiquei apavorada.
Pai ria de mim, porque de longe me espiava e percebendo a sua presença questionei
por que a raposa era tão brava? Respondendo, ele me disse por que ela era um bicho do mato
e eu era a comida dela que faltava.
As horas se passavam todos os dias iguais, não mudava, só a minha mãe quem dava
um jeito no tempo dela, mesmo cansada, depois do jantar nos passava uma lição de casa, com
os conteúdos das revistinhas da Escola Dominical da igreja evangélica que meu pai cuidava e
nos fazia soletrar o B + A = BA que ela ditava.
Foi com ela que aprendemos todas as letras do alfabeto da cartilha que nos dava e a
escrevê-las no caderno de caligrafia que comprara, com letras maiúsculas e minúsculas, de
fôrma ou cursiva, desenhando-as bem direitinho nas folhas de papel velho e usadas ou nos
papelões que encontrávamos pelo chão que pisávamos, quando brincando de escolinha a meus
irmãos eu ensinava, imitando a professora, que a noite nos ensinava.
Minha mãe fazia provas orais e repetições das letras e junções silábicas que
caprichosamente eu fazia nos papeis que achava. No começo era bem complicado e meus
irmãos com sono nem ligavam, eu e ela acordadas a aula toda ficávamos. As dificuldades
eram grandes, não tínhamos os materiais adequados e nem livros de nada para a aprendizagem
ser mais prazerosa e/ou comparada a da escola que bem longe dali estava.
Mas mesmo assim ela dizia que era importante ensinar o que sabia para seus filhos,
ajudando a perceberem a vida como era lá fora. Não se deixava abater e nem sabia se estava
certa ou errada, ensinando-nos, ela continuava até a idade certa que exigiam para a matrícula
na escola.
Seus materiais eram muito simples, só tinha uma caixinha de lápis e outra de
borrachas, que guardou do seu tempo de professora leiga na escola que tinha quando era
solteira na fazenda de seu pai na Cacimba do Silva.
27
Ao se casar com meu pai teve que deixar a escola, preocupada com os alunos repassou
para sua irmã Coralina continuar. Só estudou até 3ª série do ensino fundamental I e não deu
mais para se formar. Como se casou, e a regra do município dizia que para ser professora
tinha que morar no lugar, infelizmente, minha mãe não pôde mais ficar. Indo morar no lugar
onde seu esposo tinha construído sua casa, nesta roça Águas Corredeiras, a margem do Rio
São Francisco, próximo de Itamotinga onde foram morar.
Embora não soubessem na época o que significava contextualizar, ela usava os
artifícios do meio onde morávamos para nos educar. O livro didático eu não conhecia, só de
ouvir ela falar, nem histórias de nada sabíamos, só as que da Bíblia meu pai em suas
pregações dava tempo escutarmos, na igrejinha à noite, ou na Escola Bíblica Dominical.
Televisão não se tinha e nem novelas sabia o que significava, notícias não ouvíamos e só uma
radiola velhas às vezes conseguíamos escutar as músicas que ensaiávamos para na igreja
cantar.
No meio da roça ficavam sacos velhos de adubos e fertilizantes, alguns tóxicos que a
agricultura comercial exigia na época para que as plantações fossem regadas, latas de
sementes, etc., das plantas que meu pai plantava, e nestes materiais era como eu percebia a
leitura, a escrita e a forma dos textos científicos que por ali também se apresentavam. Nesse
contexto eu questionava a minha mãe o que aquelas letras formavam e ela tranquilamente me
explicava sobre as coisas que os textos falavam.
Num saco de URÉIA ela me fazia soletrar as letras que formavam as palavras e assim
ia comparando as letras aos nomes que podíamos formar: – U de uva, R de Rute, É de éter e
escova, I de igreja e A de água, eu ainda curiosa, questionava, – e esse risco em cima do É, é
o que? – “É o acento agudo que depois você vai aprender o que é”, ela me respondia.
Com os numerais não foi diferente, ela nos fazia contar as sementes de cada coisa que
iríamos plantar. Para cada suco aberto que meu pai fazia na área irrigada para plantar, ela nos
dizia a quantidade de sementes que tínhamos que colocar.
Sem saber o que eram os números, a essas horas, cansados, já sabíamos contar, e até o
dinheiro ela nos ensinava como reconhecê-los, para ninguém nos enganar na hora de vender
os produtos da roça e as coisas que faziam para revender, tais como remédios caseiros, cascas
de pau, artesanatos, entre outros bens diversos de cama, mesa, banho, roupas e alumínios que
eles também comercializavam como incrementos a renda familiar naquela época.
28
De vez em quando eles nos pagavam pelos serviços prestados, para nos motivar. Claro
que era apenas uma forma criativa de nos avaliar se a teoria que eles nos ensinavam estava
dando certo com a prática na hora de ajudá-los a trabalhar.
Todos esses conhecimentos eles nos repassavam e estavam todos relacionados com as
nossas atividades cotidianas, experiências da nossa casa e do meio em que vivíamos, hora na
roça com bastante água, hora na fazenda com a falta dela e com as atividades totalmente
diferentes, uma na agricultura, outra com a pecuária, inclusive com aspectos sociais
diferentes, pois na roça não havia interação com outras pessoas como havia na Cacimba do
Silva com os parentes e os demais moradores da comunidade.
O tempo de matricular as crianças com seis anos de idade passou, eu já estava com
sete anos e minha mãe continuava esperando por meu irmão mais novo para completar os seis
anos, quando nos levou para a cidade de Juazeiro para estudar. Na época, o prezinho era a
série inicial da alfabetização e a professora não quis me ensinar, julgou-me adiantada para
nessa etapa ficar, além de ser a mais velha em idade, com os demais alunos da turma eu não
podia continuar.
Daí então, com uma semana ajudando-a a ensinar o ABC e os Numerais para a turma,
ela chamou minha mãe para conversar e juntamente com a direção da escola me conduziram à
1ª Série para estudar, quando eu aprendi a ler, porque que eu ainda não conseguia decodificar
as palavras e juntá-las para soletrar e de lá até aqui com muito esforço e dedicação, buscando
esse estudo para me especializar.
Gostava de matemática e só notas boas eu tirava, colocadas em meu boletim a minha
mãezinha se orgulhava, dizia que eu seria médica e toda roupa branca ela me fazia usar. Tinha
mania de fazer “xuxinha” em meus cabelos para não arrepiar, doía muito até bonita eu ficar.
Com a necessidade de ir embora do campo para morar na cidade de Juazeiro, primeiro
pela obrigatoriedade do ensino e por que não havia escola no lugar, meu pai como evangélico
e dirigente da igreja local, foi chamado para cooperar na Sede desta igreja da cidade. Unindo
o útil ao agradável, ele achava que sua vida seria mais fácil e que nós teríamos condições de
vida melhores que a dele, não sendo mais agricultores, seríamos ao menos como ele,
determinados a seguir os “caminhos” do Senhor.
Foi então, nesta cidade onde descobri as interfaces entre o campo e a cidade, das
diferentes pessoas que existem e das classes sociais e que havia ainda os “pré-conceitos” de
29
toda a cor, religião e opção sexual, que existiam perigos, mesmo dentro de casa, só que agora
o medo não era só de bicho animal, mas era maior que isso, o medo pelo bicho gente, e do
“ser” social.
Muitas coisas não sabíamos e meus pais nos ensinavam, tentando cumprir sua missão
de que era precisavam “educar a criança no caminho em que deve andar; e até quando
envelhecer não se desviará dele” (PROVÉRBIOS, 22, 6 apud ALMEIDA, 2002). Já que
éramos evangélicos, a dificuldade que eles tiveram que enfrentar era maior ainda, pois na
cidade tudo era novo e muito “permissivo”, e dependendo do que víamos, era considerado
lícito, mas no nosso “caso” não convinha ter e nem podíamos fazer por conta da doutrina da
igreja que não aceitava, até a TV nesse momento ainda não era fácil possuir.
Tínhamos que driblar as vistas dos nossos pais para acompanhar nossos colegas,
durante as atividades mais comuns de crianças na cidade e que às vezes a escola preparava
como complemento lúdico das aulas, tais como assistir algo na TV, brincar com jogos
didáticos e eletrônicos, sair para ver o circo, teatro, cinema, isso eu nunca podíamos realizar
enquanto meus pais se responsabilizavam, acho que fui numa roda gigante só depois de
casada, ir na praça, entre outras coisas que estão na cidade e os para uso dos cidadãos mais
comuns realizarem e que são práticos e específicos para as crianças e adultos em geral.
Além de termos poucas condições financeiras, sermos evangélicos e meus pais
trabalharem muito, a vida na cidade não era fácil, era muito corrida e agitada, nada ficava no
mesmo lugar por muito tempo, as transformações eram/são constantes e até uma rua que era
sem asfalto num dia, no outro já estava programada para asfaltar, todo dia uma confusão,
poluição de todas as formas, dava vontade de chorar, com saudades de nossa rocinha aonde a
raposa vinha nos assustar.
O alívio era maior quando meus pais resolviam visitar meu avô Valdemar, na Cacimba
do Silva e Sertãozinho, onde tudo voltava ao lugar e a gente sentia que os nossos valores e as
crenças tinham mesmo um significado pessoal, nos equilibravam e nos fortaleciam aos
propósitos da fé e da esperança do mundo melhorar.
Lembro-me do dia em que entrei na escola para estudar, na “escola de verdade”, como
minha mãe costumava chamar. Quando conheci a escola, e vi as diferenças da cidade e a falta
que sentia do campo preferi ter a escola de “mentira” que minha mãe nos ensinava na rocinha
na margem do Rio São Francisco.
30
Em Juazeiro também passa o mesmo Rio, mas como éramos crianças, não podíamos
nem se quer ir por lá, pois ficava longe de casa e havia os perigos para a nossa idade, havia
também um mito sobre um tal “Papa Figo6” que mais nos deixava arrepiados só de lembrar,
que ele arrancava os órgãos das crianças e vendia para outros lugares. Se era crendices
popular não sabíamos, mas algumas crianças sumiram ou morreram desse tempo para cá.
Vivíamos enfurnados dentro de casa sem sair para outro lugar, que não fosse à escola
ou a Igreja, porque nossos pais trabalhavam e não tínhamos com quem ficar, aproveitávamos
o tempo juntos para brincar. Agora era de carrinho e boneca por que não podíamos nos sujar.
Andar descalços não podia, porque era coisa de quem não tinha pais, moleques abandonados
que víamos nas ruas e as pessoas os rejeitavam, ficar na calçada ou em frente de casa só
quando tinha adulto ao lado para nos observar a brincar.
A alegria só chegava quando íamos para a escola com outras crianças ficar. Pois
compreendi a escola como diz a poesia de Paulo Freire (2007, s/p) que a “escola é (...) o lugar
onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos”.
Estava contente, apesar do medo do novo que agora ia enfrentar, mas prestava atenção em
tudo e percebia as diferenças destes conhecimentos com os que havíamos aprendido com
minha mãe na roça.
Pensava na escola como um lugar cheio de cores, desenhos e brincadeiras, papéis
coloridos com figuras e desenhos, diferente das letras que minha mãe desenhava para a gente
ver com uma única cor, a do lápis de escrever.
Nessa escola tinha algumas cores, as aulas eram mais atrativas, tinha mais criatividade
da professora para chamar nossa atenção, embora o número de alunos fosse muito grande e
ela tinha que se desdobrar em várias professoras ao mesmo tempo para dar conta do seu papel,
inclusive eu a auxiliava nas atividades com os colegas que não sabiam ainda o que a Pró
ensinava, e com minha mãe, com três alunos, era uma briga todo dia se nós não olhássemos
para o que ela nos fazia estudar.
Nessa escola tinham materiais didáticos adequados, carteiras e quadros, mas para mim
aquilo não era novidade, eu já imaginava que a escola fosse como esta se apresentava, algo
6
A lenda do Papa-Figo, um sujeito estranho, que sofre de uma doença rara e sem cura, que dizia atrair as vítimas
para aliviar os sintomas da sua terrível doença ou maldição, onde precisava se alimentar do Fígado de uma
criança. Era uma espécie de Lobisomem da cidade. (www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/literatura-infantillendas-e-mitos-do-folclore/papa-figo.php#ixzz1y7D0kiQA).
31
parecido com aquilo mesmo, embora sonhasse com uma escola diferente, sem “prisões”, sem
cobranças e sem avaliações, com mais conhecimentos e mais exemplos que fossem úteis ao
meu dia-a-dia fora dela, melhor que os saberes que minha mãe nos ensaiava em sua casa na
roça, nos educando para o trabalho e para não sermos enganados por pessoas estranhas e mal
intencionadas.
Ela dizia-nos até para não recebermos presentes, doces ou dinheiro de estranhos na rua
por que havia um acentuado índice de crianças desaparecidas que eram pegas desse modo, nas
ruas da cidade, mesmo sem ter os conhecimentos, materiais e métodos de ensino apropriados,
gostava mais da forma que ela me explicava às coisas, comparados à realidade em que
vivíamos com sementes e sacos de adubo, do que os que víamos nesta escola, que se
baseavam em coisas que ainda não tinha visto, nem sabia do que se tratavam, até os livros e
figuras eram de lugares distantes ou mesmo fora do nosso território.
A idéia que eu tinha era de que devíamos ter vergonha do nordestino, do meu avô na
fazenda. Isso eu não entendia e ficava revoltada, quando os alunos me perturbavam, me
chamando de catingueira, por ser do interior e gostar dos jeitos, fazeres e sentires das áreas
rurais.
A forma da professora nos tratar era carinhosa, parecia com o aconchego de casa, uma
única coisa que me angustiava, é que tinha na sala um armário cheio de livros, com histórias
engraçadas, mas a professora não nos deixava pegar, tinha os dias marcados para ela abrir e
distribuir os livros para descobrirmos seus mistérios, aquilo me deixava ansiosa e acabou que
eu sai da turma dela e não conheci os mistérios daquele armário, sempre que voltava lá para
ver se ela tinha aberto o armário, ela me mandava retornar a minha outra sala de aula.
Nunca tinha visto um livro de escola, só os que meu pai usava para aperfeiçoar suas
pregações sobre a Bíblia e desses eu já sabia do que tratavam e também sabia distingui-los da
Bíblia, que hoje tem disponibilizado modelos de todos os formatos, com estudos diversos e
até especificas, para homens, pastores, mulheres, e também só para crianças, embora eu nunca
pudesse ter uma, de qualquer de suas formas que viessem.
Outra coisa que me chateava era a hora de sair da escola, a professora só deixava
sairmos depois de corrigir a atividade no caderno e anotar alguma coisa para casa, isso por
ordem alfabética, e meu nome com a letra R sempre ficava até o fim, muito revoltada, eu não
sabia dessas regras do alfabeto, e ela usava-as para a chamada também. Nessa hora eu queria
32
que meu nome iniciasse com a letra A, para ela me deixar sair logo dali ou ver os livros que
mais me interessavam.
Na turma nova que ela me transferiu tudo era diferente e mais independente da
professora. Exigia a leitura, que eu ainda não sabia e foi um tédio ficar lá, ia para a escola
triste e preocupada com as perturbações dos colegas, que me chamavam de “burra” na hora da
leitura, até o dia que saímos de férias do meio do ano e a professora sugeriu a leitura de um
livro.
Finalmente, era para recontarmos a sua história na sala quando retornássemos das
férias. Peguei o livro com tanta força, achando que era pesado, mesmo sendo fino, com tanta
curiosidade para ver o que tinha dentro e fui às pressas para casa.
Nunca tinha ficado tão próxima de um livro dessa forma e ainda mais de levá-lo para
casa. Em geral os livros ficavam em lugares altos, para que crianças como eu não rasgassem
ou danificassem. Tive um cuidado absurdo, com medo de tudo.
Era fim de semana e como sempre fazíamos, na sexta feira ao acabar a aula, íamos
para a Cacimba do Silva. Dessa vez para passarmos todas as férias e lá me debrucei sobre o
livro para aprender aquilo que mais me angustiava, nas horas difíceis chamava minha mãe e
ela me ajudava. Nesse dia aprendi a ler e nunca mais passei nervoso na escola e nem na série
que fui transferida sem ter passado pelas etapas da alfabetização como deveria,
principalmente quando a professora chamava meu nome para ler o ditado.
Passei para outra série onde peguei recuperação em matemática, o livro didático que
ganhei não tinha os conhecimentos que a professora falava, e eu não tinha outras fontes de
pesquisa em casa, tirava nota boa em tudo, mas em matemática, nesta série, a nota era sempre
insuficiente, até chegarmos à recuperação.
Todos ficaram de férias no final do ano e eu saí chorando, a professora percebeu
minhas lágrimas e me levou num canto da sala, lhe contei que tinha ficado triste pela
recuperação e ela complacente me deu um livro novo para rever os assuntos da prova. Fiz
com esse livro o mesmo que tinha feito com o outro para aprender a ler. Observei todas as
páginas e estudei minuciosamente cada operação matemática, as de adição, subtração,
multiplicação e divisão eram as que eu mais errava, mas era por que não compreendia a
fórmula dessas equações.
33
Daí, um dia eu vi que meu pai estava construindo uma parte da nossa casa e fazendo
suas contas para comprar os materiais da construção ele usava as mesmas operações que eu
estava sem compreender no livro didático, então perguntei o que era aquilo que ele estava
fazendo e aprendi a fazer os cálculos com ele, depois eu fui aprender no livro as formas
geométricas que também iam cair na prova e vendo os desenhos do livro, percebi que se
pareciam com os quadros e formas da planta da casa que meu pai estava construindo.
Acho que foi a partir desse momento que surgiu meu interminável gosto pela
construção civil e a minha batalha até hoje para entrar num curso de Engenharia Civil.
Assim, no dia da prova, cheguei afiada, fiz a prova toda em menos tempo que os
demais alunos da recuperação. A professora pegou minha prova numa tristeza, achando que
estava tudo errado, como sempre, mas se surpreendeu quando olhou a primeira questão
acertada. Corrigiu a prova ali mesmo e me deu a primeira nota 10 em matemática do ano e
que eu precisava para passar desta série para outra em outra escola em Carnaíba do Sertão
aonde fomos morar, por que meu pai havia sido enviado pela igreja para fazer a obra
missionária.
Neste dia da prova saí feliz e contente com o resultado e nunca mais tive problemas
com matemática. Essa foi a primeira e última vez em tantos anos de estudo que fiquei de
recuperação. E através do susto, foi à matéria que mais me identifiquei nos cursos com essa
disciplina.
Foi assim que aprendi a valorizar os conhecimentos dos livros e a perceber suas
dicotomias também. Inclusive entendo-os hoje como descontextualizados. Sei que eles são
materiais importantes no auxilio da prática pedagógica e que podem nos ajudar, mas se não
tivermos cuidados com os seus conteúdos, eles também podem nos prejudicar.
Penso que o professor precisa está atento a esses detalhes para não prejudicar seus
alunos, como essa professora quase me fez perder um esforço de todo um ano, trocando meu
livro didático por outro com os conhecimentos que ela havia de colocar na prova, e se não
tivesse meus pais que sabiam contextualizar, mesmo sem saber o que isso significava na sua
prática, enfiada apenas nos livros descontextualizados, que eram aos montes, distribuídos para
estudarmos na escola, teria repetido o ano e sofrido as mesmas dificuldades no ano seguinte.
Por que os livros que eu estudava eram os mesmos que meus irmãos recebiam na vez deles na
34
série em que eu passava. Acho até que os mesmos desafios eles venceram, por que estávamos
sempre juntos.
É assim que relato nessa pesquisa, um pouco da minha história de aprendiz nas
primeiras séries da escolarização. Deixo um alerta, para analisarmos bem os livros que
chegam às nossas escolas, mas feliz e satisfeita com o progresso dos educadores que se
prezam, em estar neste Curso de Especialização de Educação Contextualizada para a
Convivência com o Semiárido Brasileiro, para zelarem dos seus métodos e de uma educação
de qualidade, condizente com a vida e as experiências dos sujeitos à nossa volta, percebendo
que as nossas contribuições enquanto educadores/as são de fato pérolas, que não podem e não
devem ser jogadas ao vento sem nos preocuparmos com os efeitos que surtirão na vida dos
nossos educandos.
Desse modo, essa pesquisa busca resgatar a história de Cacimba do Silva e
Sertãozinho, por que apesar de sair desse lugar para estudar, também encontrei nessas
localidades as condições que me conduziram a tudo que sou hoje, enquanto ser e sujeito
social; não foram riquezas materiais que alcancei, mas foi algo mais importante que isso, os
saberes que apoiados às “tecnologias” e experiências certas me ajudaram a pensar e buscar
melhorias para a minha vida e para as pessoas que querem permanecer nestes lugares.
Nesse sentido, esse resgate histórico vem servir de base para compreendermos que a
vida no campo, também é uma construção e reconstrução de práticas e valores úteis, dignos e
viáveis para a permanência deste povo nestas localidades rurais do Semiárido Brasileiro. Vale
ressaltar, que nessas localidades há também empenho e articulação com outras iniciativas para
o fortalecimento dos processos de desenvolvimento social, tais como busca ao crédito,
assessoria técnica adequada e qualificada e várias outras ações que no seu conjunto vão
ajudando a constituir a efetiva convivência com o Semiárido.
Observando esse processo, percebemos que as peculiaridades das referidas
comunidades, como abertura a inovação e ao cooperativismo vão ressignificando esse espaço
como um lugar de características próprias e que as tecnologias, inovações e experiências
precisam das condições ideais para a sua implantação.
Assim, essa pesquisa pretende contribuir ainda com a construção de alternativas para a
convivência com o SAB nestas localidades, de forma que estas atinjam as condições dignas e
35
justas para todas as pessoas, minimizando inclusive o maior de seus problemas, o êxodo de
moradores para outras áreas ou lugares com escola e melhores condições para o trabalho.
Sendo assim a questão norteadora desse trabalho foi – Como o estudo dos processos
históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revelam a contribuição da escola, seus
avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido
nessas comunidades? Que nos conduziu a outras questões complementares para entender os
processos históricos e sociais das comunidades pesquisadas, bem como a escola se
desenvolve nelas e quais suas contribuições para o desenvolvimento comunitário.
Partindo disso, descobrimos que o fechamento da escola se fez a partir de 2001. Dai
por diante as pessoas ficaram sem uma referência de desenvolvimento cultural e do
conhecimento formal. Mas, mesmo assim procuram formação, adequada, para darem
segmento as atividades locais, embora que essa formação concebida fosse a partir da relação
com outros órgãos, ou seja, na educação não-formal com as intervenções da EBDA,
SEBRAE, EMBRAPA, AGETEC, entre outros.
O fechamento das escolas do/no campo, como bem defende o MST é um crime! Na
Página do MST na internet (2012) informa dados que mais de 24 mil escolas no campo
brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra
o drástico problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural.
De acordo com o Censo Escolar do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, do Ministério da Educação, existiam 107.432 escolas em 2002.
Em 2009, o número de estabelecimentos de ensino reduziu para 83.036, significando o
fechamento de 24.396 estabelecimentos de ensino, sendo que 22.179 de escolas municipais.
Dessas escolas se incluiu a escola do campo de Cacimba do Silva e Sertãozinho.
Desse modo, Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST afirma que,
O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que
está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os
governos têm demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio
– o agronegócio, que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem
gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola. (apud MST, 2012, p.
2).
Assim, procuramos com essa pesquisa, propor uma escola contextualizada para essa
gente poder formar, com os conhecimentos necessários a Convivência com o Semiárido,
36
garantindo a esperança de políticas públicas para esse Território Semiárido, dignificando a
vida dos sujeitos sertanejos que assim quiserem melhorar, sem que para isso precisem sair
dele para outros lugares.
Por isso, deixamos expectativas, sonhos e recordações, certas ‘verdades’ que
resgatamos dos processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho para o
desenvolvimento destas localidades, compreendendo dessa forma que é impossível pensar o
desenvolvimento sem se pensar a relação com a educação.
1.3. Objetivos da pesquisa
O objetivo geral deste trabalho foi analisar e resgatar os processos históricos e sociais
de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a proposta de Educação Contextualizada para a
Convivência com o Semiárido Brasileiro, bem como perceber os avanços e retrocessos
presentes na construção da identidade dos moradores e no desenvolvimento sustentável destas
localidades.
O que nos levou a pensar nos objetivos específicos, onde ressaltamos significados
relevantes desses processos do local para o global, em relação a suas histórias e interferências
externas na convivência destes com o Semiárido, bem como seus problemas, soluções,
projetos e apoios de subsistências que têm sido aplicados e desenvolvidos com os
beneficiários, principais agentes de transformação dessas localidades, elaborados e difundidos
por dirigentes de associação, da igreja evangélica e da cooperativa local.
Tais objetivos específicos buscam contribuir na reflexão da proposta de educação
contextualizada para convivência com o Semiárido, bem como levar essa proposta para
pensarmos o retorno da escola nestas localidades; conhecer os projetos de desenvolvimento
sustentáveis voltados à implantação de técnicas de manejo e produção de caprinos e seus
derivados como geração de emprego e renda; e por fim agregar valores no pensar e repensar
as práticas de educação contextualizada para convivência com o Semiárido, na organização
social de comunidades de fundo de pasto para a permanência de seus atores neste espaço
social.
37
1.3.1. Justificativa
Por se tratar tanto de movimentos sociais e práticas de convivência com o Semiárido
Brasileiro que têm dado certo é que surge a necessidade em fazer conhecidas as experiências e
vivências dos sujeitos das localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho.
Neste lugar, foi palco da realização do Projeto Cabra Forte a partir de 2003, programa
do Governo do Estado da Bahia. Quando foi implantado, atendia aos pequenos produtores de
caprinos e ovinos do Semiárido baiano.
Figura 03: O produtor Marcio Irivan Passos em salvador, firmando o acordo com
Governador Paulo Souto, no projeto Cabra Forte, registrado no Diário Oficial do dia
26 de novembro de 2004.
A iniciativa foi uma estratégia adotada com o objetivo de possibilitar a inserção social
dos produtores através da geração de renda proveniente da ovinocaprinocultura e,
conseqüentemente, melhorar a qualidade da vida
de suas famílias que concluiu seus objetivos em
2006,
construindo
abastecimento
de
também
água
de
sistemas
poços
de
nestas
localidades.
Aqui também foi/é um lugar movido
pelos cuidados da AGETEC – Assistência
Gerencial e Tecnológica, responsável em tornar
Figura 04: Sistema de Abastecimento de Água implantado com
o apoio do Cabra Forte em 2006.
38
a gestão da propriedade rural mais eficiente e competitiva, aplicada em quatro regiões da
Bahia com criadores de ovinos e caprinos, inclusive nestas localidades de cacimba do Silva e
Sertãozinho, apoiados pelo SEBRAE, entre outras instituições que têm se articulado com
interesses em investir, apoiar e fortalecer a propostas de convivência com o Semiárido.
Com tecnologias apropriadas que têm dado certo, essas instituições servem de subsídio
para a melhoria de vida de seus moradores de forma digna, com qualidade e equidade,
inclusive na implantação da “Cooperativa de Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e
Região, onde serão comercializados animais, leite e derivados produzidos na localidade”,
como divulgou o SEBRAE (2010, p. 1).
Iniciativas como estas dão aos moradores deste lugar uma oportunidade mais lucrativa
e uma expectativa de vida mais elevada, comparada a dos que se encontram abaixo da linha
da pobreza neste Semiárido.
Desse modo, esse TCC do Curso de Especialização em Educação Contextualizada
para Convivência com o Semiárido Brasileiro vem propor uma reflexão sobre a temática
apresentada a respeito de Cacimba do Silva e Sertãozinho, pensando a Educação
Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro e propondo uma retomada da
prática educativa na localidade, como avanço dos processos históricos e sociais da localidade,
considerando em suas experiências os elementos fundamentais para o desenvolvimento da
mesma e dos sujeitos como um todo.
39
CAPÍTULO II
PROCESSO METODOLÓGICO DA PESQUISA – DIALOGANDO ENTRE OS
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E OS SABERES E SENTIRES LOCAIS
Durante esta pesquisa, tomada como um processo de aprendizagem tanto pra mim que
a realizo, quanto para a sociedade na qual esta se desenvolveu, onde buscamos na
metodologia empregada à abordagem qualitativa, em que tentamos descrever significados que
são socialmente construídos, e por isso entendida como subjetivista, pois enfatizamos as
interações do seu contexto, sendo de inspiração do tipo indutivo, já que parte da observação
dos fatos presentes na comunidade e das experiências pessoais de convivência com o
Semiárido, realizadas neste lócus.
Considerando ainda as minhas implicações epistemológicas e metodológicas no
desenvolvimento deste estudo, a partir de uma abordagem interpretativa, essas implicações se
fazem segundo Schneider7 (2011), sob uma ótica que clama pela imparcialidade científica
consciente, que não desconsidera a produção do autor como parte do universo pesquisado.
Como diz a referida autora,
A ótica da abordagem interpretativista integra linguagem e ação. Esta abordagem
compreende o sujeito como ativo neste processo, de forma mais ampla do que
apenas a interpretação do conteúdo bibliográfico, quando apresenta dados com valor
científico, nascidos do confronto internalizado pelo pesquisador, dos diversos
autores revisados (SCHNEIDER, 2011, p. 1).
Mas também, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já
elaborado, como evidencia o autor Gil (1996).
Abrangendo uma leitura atenta e sistemática que se fez acompanhar de anotações e
fichamentos que servirão à fundamentação teórica dos estudos, entre outras referências
metodológicas que empregamos no pendente das necessidades que se apresentaram no
desvelar desta pesquisa, tais metodologias seguiram os seguintes procedimentos:
Implicação da pesquisadora sobre os assuntos abordados, bem como no desenrolar dos
registros da memória e vivências da pesquisadora com os moradores; entrevistas com
7
Mestre pela UFSC – Engenharia e Gestão do Conhecimento, que tem por objetivo a formação de pesquisadores
e profissionais responsáveis pela codificação de conhecimento organizacional, em nível tecnológico.
40
questões diversas direcionadas para moradores, sócios, dirigentes da associação de moradores
e da igreja, bem como alunos e ex-professoras da escola extinta da localidade, com relatos da
memória dos mesmos; transcrição das entrevistas e relatos; elaboração de diários de bordo;
análises documental dos registros da Associação de moradores, bem como apoiando-se na
pesquisa bibliográfica relacionada ao tema escolhido com intuito de contemplar às indagações
motivadoras deste estudo, sobre o resgate histórico e social de Cacimba do Silva e
Sertãozinho, pensando a proposta de ECSA, seus avanços e retrocessos.
Por fim, refletimos e analisamos os fundamentos teóricos apresentados na pesquisa
bibliográfica, numa produção monográfica de conclusão do Curso de Especialização em
Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, constituindo essa
produção.
Procuramos transmitir os conhecimentos necessários sobre a temática exposta,
abordando na pesquisa as lembranças de fatos ocorridos da memória dos moradores,
garantindo aos leitores informações precisas deste lugar compreendendo-o como um espaçotempo de experiências possíveis e capazes de transformar e formar outros sujeitos em seu seio
para a continuidade dos trabalhos e das culturas existentes, perpassadas de pais para filho ao
longo dos tempos.
Também tentamos nos valer das referências da literatura de cordel, em alguns
momentos da escrita, típica da nossa região Semiárida, que pensando como o mestre de
Pombal, Leandro Gomes de Barros, o primeiro escritor Brasileiro de literatura de cordel, e
ainda considerado o maior poeta popular do Brasil em todos os tempos, dizemos neste verso,
“esta peleja que fiz, não foi por mim inventada, um velho daquela época a tem ainda gravada
minhas aqui são as rimas exceto elas, mais nada”. (BARROS, 1889).
Compreendendo essa literatura com temas que incluem fatos do cotidiano, episódios
históricos, lendas, temas religiosos, entre muitos outros, como acompanharam as façanhas do
cangaceiro Lampião e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, alguns dos assuntos de cordéis
que tiveram maior tiragem no passado e que condizem com as questões abordadas nesse
trabalho de TCC. Pretendendo com isso, fazer com que as necessidades dos sujeitos de
Cacimba do Silva e sertãozinho, com a falta da escola nestas comunidades, toque os corações
dos colonizadores que orientam as práticas de desenvolvimento, em todas as suas
modalidades no Estado da Bahia e no Brasil, como tocou o cordel assim que chegou no
Brasil, mas precisamente em Salvador-BA e depois se espalhou por todo o Semiárido
41
Brasileiro.
Assim, realizamos algumas visitas às localidades pesquisadas, onde reconhecemos os
espaços de articulação de atividades para convivência presentes no lócus. A priori esses
espaços não discutem a proposta de convivência com o Semiárido Brasileiro, nem sobre a
educação em seus aspectos, mínimos que sejam, para o desenvolvimento local. Embora
busquem junto às organizações sociais existentes, associação, cooperativa, igreja, e outras
afins que chegam para apoiá-los nas suas iniciativas, mecanismos úteis para o trabalho e para
a dinâmica da vida neste espaço, do vasto Território do Sertão do São Francisco.
Portanto ao chegarmos nestas localidades e nos deparamos com muitas de nossas
lembranças da infância, e as pessoas agiram com surpresa quando informamos sobre o
objetivo das visitas, mas nos receberam com muita receptividade e a boa vontade em contar
tudo das suas memórias, sobre suas vidas nestes lugares onde vivem há mais de 80 anos e
dessa forma não foi estranha a nossa presença no lugar.
Fomos com um intuito incomum do costume em visitar parentes, dessa vez, foi para
pesquisar e conhecer suas histórias e experiências de convivências nestas localidades,
buscando assim outro olhar sobre essa realidade tão naturalizada em outros momentos.
Vale ressaltar que, a memória dos entrevistados foi reconstruída mediante conversas
com questionamentos embasados na convivência dos mesmos com suas histórias, desafios e
enfrentamentos, experiências da vida em sociedade, primando pelo desenvolvimento rural de
forma sustentável nestas localidades.
Por isso, uma atitude inesperada, aguçando perspectivas e curiosidades entre os
moradores, que de imediato entenderam que nossa visita serviria também para fazerem
críticas a algumas coisas e reivindicações por outras que contribuíssem para garantir a
melhoria de vida nestas localidades (políticas ou programas do governo), ou mesmo, para
corrigir algumas mazelas impostas que se estabelecem na comunidade.
O que tratamos logo de corrigi-los e explicar nosso interesse, de apenas saber como e
o porquê da comunidade existir, das suas histórias, razões de não terem mais a Escola, os por
quês e os significados das organizações existentes nas comunidades, bem como da construção
e participação social e religiosa da igreja Evangélica Assembleia de Deus na localidade.
Daí então, percebemos o valor sentimental e a importância da permanência destas
42
pessoas nestas localidades. Pois em suas falas notamos a dependência e o pertencimento que
fazem deste lugar como parte de suas identidades sociais. Nos surpreendemos, em alguns
momentos com o inesperado, ou seja, com os acréscimos de informações que nos
possibilitaram novas composições de idéias que abrilhantaram as questões presentes neste
trabalho. Assim, baseando-me na ideia de Oliveira (2010, p. 19-20),
Se pode perceber que a pesquisa nem sempre é permeada pela certeza, é preciso, que
o pesquisador esteja disposto a correr o risco de percorrer caminhos os quais não
estavam nos seus planos, deixar-se conduzir-se pelas recordações (manifestações da
memória) dos entrevistados e estimular o nascimento de suas lembranças.
Em outras palavras tentamos ouvir os participantes/autores/construtores das histórias e
acontecimentos, com suas peculiaridades, valorizando a vida e as experiências existentes dos
sujeitos presentes, com seus jeitos e fazeres, nestas localidades de Cacimba do silva e
Sertãozinho.
Essas e outras questões foram abordadas, a fim de conhecermos da vida e das
experiências dos projetos de subsistência dos seus moradores, sócios da Associação dos
Pequenos Produtores Rurais das Fazendas Integradas de Cacimba do Silva e Sertãozinho, que
completou seus 16 anos em 26 de março de 2012, bem como da Cooperativa dos
Empreendedores Rurais de Cacimba do Silva e Região – COPERCAR instalada na localidade
desde 2010, e da Igreja Evangélica Assembleia de Deus construída há quatro anos na
localidade de Sertãozinho.
Segundo relatos dos moradores, esta igreja vem para a localidade como forma de
expressão da fé em Deus, onde as pessoas externam suas gratidões por crerem nas
transformações que obtiveram mediante aceitação a Ele e às regras doutrinárias da igreja para
servi-lo, entendo-o como único e suficiente salvador de suas vidas/almas.
De acordo com alguns sermões pregados na igreja, essa tem grande importância para
os crentes, segundo os registros na Bíblia Cristã, traduzida por Almeida (2002), em suas
passagens diz que essa importância se dá por que “é a igreja quem proclama e protege a
verdade divina e a sua sã doutrina cristã. A igreja é o lugar principal de edificação e
crescimento espiritual” (EFÉSIOS, 4.11-16; II TIMÓTEO, 3.16,17; I PEDRO, 2.1,2). Para
seus muitos crentes, a igreja é também e principalmente, “a plataforma de lançamento para a
evangelização do mundo” (MARCOS,16.15; TITO, 2.11).
43
Essa igreja, que os membros/moradores dessas
localidades congregam, segundo relatam, não é apenas
a igreja, como templo, num espaço físico e material,
eles se reunem neste espaço para cultuarem juntos ao
seu Deus, mas nesse espaço eles aprendem e valorizam
a igreja que representa para eles o templo do Espírito de
Deus, que é o próprio corpo, “santuário e morada do
Espírito Santo”, relatam os membros. Segundo a
Bíblia (ALMEIDA, 2002, II TIMÓTEO, 2.2), “a
igreja é o ambiente em que se desenvolve e
amadurece uma liderança espiritual forte”.
Figura 05: Templo da Igreja Evangélica Assembleia de
Deus em Sertãozinho no dia da inauguração em 2008.
Conjecturam seus membros que um crente
sem igreja é como uma criança sem família, um soldado sem exército, um jogador sem
equipamentos, uma brasa sem braseiro, um estudante sem escola, um marinheiro sem navio,
uma ovelha sem rebanho, como se sentiam quando não havia a igreja evangélica nestas
localidades. “Não temos de pertencer a uma igreja para sermos salvos, mas se formos salvos
passamos a pertencer à Igreja”, ressalta morador crente desta igreja.
A Bíblia (ALMEIDA, 2002) diz para “não desprezarmos a Igreja” (I CORÍNTIOS,
11.22), “para andarmos nela” (I TIMÓTEO, 3.15). Nessa compreensão, os crentes afirmam
que esta igreja sim é tão importante que o Senhor amou-a “e a Si mesmo se entregou por ela”
(EFÉSIOS, 5.25).
Na verdade, esses sujeitos compreendem que essa instituição é bem mais do que uma
forma de obterem o conhecimento teológico, pois também orientam seus passos no bom
convívio em sociedade, mas ajudam a participarem de algo novo que é envolvente para fazer
a vida valer a pena neste lugar tão monótono e vazio de movimento.
Ela é tão relevante para os moradores que já se iniciaram as campanhas para a
construção de mais um templo dessa mesma igreja na localidade. Há rumores que seja maior
que a primeira e fruto das perspectivas do morador mais antigo da localidade e também na
conversão Cristã, em 1975 tem sonhado com a construção desta igreja no seu povoado em
Cacimba do Silva, deixando muitos curiosos e descrentes perplexos com as maravilhas que
seu Deus tem feito na sua vida, relata o morador alegre com a realização prévia desse sonho.
44
As pessoas acreditam que a chegada desta Igreja nestas comunidades tem promovido
uma união e melhor comunicação entre os
irmãos, educando também os cidadãos a serem
mais humanitários, compreendendo o sentido
de ser social, fortalecendo e facilitando a
introdução do Evangelho de Cristo a esses
povos, relata o Presbítero Francisco, dirigente
da igreja local, quem pontuou ainda que “a
igreja é à “luz” da Bíblia, uma agência
espiritual que prepara as pessoas para ter uma
Figura 06: Primeira leva de blocos para a construção do novo
templo da igreja evangélica na Cacimba do Silva em 16 de
junho de 2012.
vida melhor com Deus, resgatando as almas
perdidas nas drogas, no pecado, etc., a serem
justos e amantes da palavra e da obra de Cristo”, reforça o dirigente da igreja evangélica
nessas localidades.
Nessa perspectiva, a igreja passa a provocar de certa forma esses sujeitos, para que se
encontrem mais e se percebam frente aos demais semelhantes e sintam as necessidades uns
dos outros, cooperando e contribuindo solidariamente para melhorar a qualidade de vida
nestas localidades, oferecendo instrução para os jovens serem pessoas melhores amanhã.
Podemos correlacionar essas ideias as de Morin (2001) sobre como “ensinar a compreensão”.
Segundo esse autor, esse saber apontado, diz respeito à “ética do gênero humano” (MORIN,
2001, p. 105). É o que ele chama de “antro-po-ético”, porque os problemas da moral e da
ética se diferem a depender da cultura e da natureza humana.
Existe aí um aspecto individual, auto social e outro genético de espécie. Algo como
parafraseando Morin (2001, p. 105) uma trindade em que as terminações são ligadas: “a
antro-po-ética”. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia
pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as
responsabilidades pessoais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois
compartilhamos um “destino comum”.
Essa “antro-po-ética” tem um lado social que não tem sentido se não for na
democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão
deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas
responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule,
45
de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar.
Assim, nossas visitas tiveram inicialmente a intenção de investigar o processo de
ensino-aprendizagem dos moradores, bem como da extinção da escola local e forma/ação dos
professores leigos dela, seguindo com alguns questionamentos abertos e aleatórios, para
entrevistar as professoras e moradores destas localidades. Mas, ao chegarmos nelas,
percebemos a dificuldade com a precisão das informações prestadas pelos entrevistados, que
não tinham mais registros e documentos da escola e nem das aulas e conteúdos repassados aos
alunos da época.
Por essa razão fomos refazendo e reconstruindo na hora outras questões respeitando as
limitações de fala e escrita dos mesmos, compreendendo como se falam e se percebem nesse
espaço do Semiárido Brasileiro, onde precisam e esperam por uma proposta de educação com
qualidade e de projetos sociais condizentes com suas realidades, suprindo suas necessidades
básicas e oportunizando-os uma formação profissional qualificada que garanta a convivência,
mas também a permanência e sobrevivência nestas localidades.
Fortalecendo e cooperando com a economia solidaria, com a agricultura familiar
presentes e no desenvolvimento sustentável destas localidades que ainda são insuficientes e
por isso, sem assessoria técnica adequada para formalização e legalidade de seus produtos,
que por hora só alcançam a alguns dos cooperados, diminuindo os prejuízos com as
fiscalizações dos produtos quando são comercializados por eles fora destas localidades,
garantindo ao consumidor seus direitos e assegurando a legitimidade do trabalho dos
agricultores destas localidades na produção de caprinos e seus derivados, entre outros
produtos que são comuns a vida rural.
Mas percebe-se que lhes faltam ainda conhecimentos e investimentos apropriados na
criação de galinhas e seus derivados, de forma orgânica e de subsistência às famílias
existentes, bem como para criarem outras oportunidades aos jovens e crianças, que se limitam
apenas a repetirem os passos dos pais na agropecuária e não têm outras fontes de lazer,
esporte, cultura e geração de renda.
Esperamos poder contribuir com as experiências dessas localidades em outros
momentos futuros, para construirmos juntos uma proposta de convivência significativa, e
quem sabe, até para implantarmos uma escola que de fato sirva para articular as pessoas,
propondo conhecimentos importantes para mobilizar os sujeitos para a melhoria da qualidade
46
de suas vidas nestes lugares e aos demais sertanejos presentes, não só em Cacimba do Silva e
Sertãozinho, como também nas demais regiões circunvizinhas.
Assim, esses conhecimentos servirão de espelho a outras realidades que como estas
ainda se encontram sem esses saberes contextualizados que complementam a vida, as
condições de trabalho e as atividades realizadas neste espaço de desenvolvimento humano,
social, ambiental e cultural, servindo de mais um elemento importante aos processos que
existem nas representações sociais.
Estas representações, para Guareschi (2000, p. 251) viriam a ser “realidades sociais e
culturais, e não apenas meras produções simbólicas de indivíduos isolados”, ou seja, elas “são
um ambiente” como diria Farr e Moscovici (1984) citado por Guareschi (2000, p. 251). As
representações sociais “existem tanto na cultura como na mente das pessoas, expressam e
estruturam tanto a identidade, como as condições sociais dos autores que as reproduzem e as
transformam” (GUARESCHI, 2000, p. 251).
Desse modo, percebemos que as práticas nestas localidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho revelam verdadeiramente a representação social dessa população de agricultores.
Seus costumes, suas crenças e seus valores orientam as pessoas de forma popular e informal e
não tecnicamente, em conhecimentos da sua natureza e da sua área de trabalho, bem como
não se mobilizam para trazer para suas vivências outras experiências que possam ser
relevantes e positivas ao empoderamento das famílias e à permanência dos sujeitos nestas
localidades.
2.1. Unidades de análise da pesquisa
Para compreendermos do que se tratam as Unidades de análise, refletiremos segundo
Siglenton (1988, apud FROTA8, 1998, p. 1), que diz ser “os objetos ou eventos aos quais as
pesquisas sociais se referem, o que ou quem será descrito, analisado ou comparado”.
A partir das unidades de análise, descrevemos os fatos ocorridos da memória local,
para compreender os avanços e/ou retrocessos no desenvolvimento rural sustentável dessas
8
Professora do Curso de Mestrado em Ciência da Informação da Escola de Biblioteconomia da UFMG. Mestre
em Sociologia pela FAFICH/UFMG. [email protected]
47
comunidades. Analisando a ausência da escola como elemento descontextualizado e ilegal dos
ideais da convivência com o SAB, e do próprio desenvolvimento social, político, econômico e
cultural.
Assim nos valemos desse resgate histórico e social para concluirmos que a educação é
um termômetro para percebermos as condições e as melhorias das nossas comunidades, e sem
ela o processo social não se desenvolve e nem se estabelece como fonte de recursos
renováveis, significativos e estruturantes para uma vida de qualidade neste Território rural do
“ser-tão-árido” Brasileiro.
Por isso, os resultados dessa pesquisa revelam uma denúncia de que embora hajam
mecanismos vivos de representatividade do povo, através da Associação, Cooperativas e a
Igreja, sem a escola essas representações perdem força, tanto no social como na economia,
pois os trabalhos sem moradores diminuem, constituindo um outro problema social, o êxodo
rural que sofre essa população, desestabilizando a cultura e as perspectivas dos produtores,
que cansados da lida, não tem mais para quem transmitir seus conhecimentos milenares da
agricultura nestas localidades.
Assim, essa pesquisa vai dizer que os resultados obtidos através da análise dos dados
estão classificados em algumas categorias ou unidades de análise, que destacaremos cada
uma, como segue, surgidos a partir dos dados levantados, tais como:
Quais os processos que motivam os moradores para permanecer vivendo em Cacimba
do Silva e Sertãozinho; quais as lições e aprendizagens de convivência com a natureza; a
escola e o desenvolvimento local; entre outras unidades de análises.
Portanto, as suas unidades de análise são as histórias da memória desse lugar para
fazer delas registros legais neste trabalho, já que durante a pesquisa não se encontrou
materiais dessa natureza, revelando com esse trabalho os pormenores desse espaço sob o olhar
da pesquisadora que também é parte desse processo de desenvolvimento local, juntamente
com a sua família, que por coincidência são os desbravadores dessas comunidades.
Desse modo, na pesquisa foi realizado um estudo panorâmico do desenvolvimento
local, devido à formação de instituições representativas do povo na localidade, observando a
evolução das práticas colonizadoras e desarticuladas do seu contexto com a nova concepção
de convivência com o SAB, considerando as memórias e as implicações dos seus sujeitos,
autores/construtores dos fazeres e sentires em Cacimba do Silva e Sertãozinho.
48
CAPÍTULO III
DA COLONIALIDADE ENQUANTO RETROCESSO AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL À CONTEXTUALIZAÇÃO COMO FOMENTO DA CONVIVÊNCIA
COM O SEMIÁRIDO
3.1. Elementos da Colonialidade presentes na experiência cultural do Semiárido
Brasileiro
A vida dos sujeitos sociais e culturais do Semiárido foi sempre pautada na luta pela
sobrevivência e conquista legal desse espaço enquanto lugar de possibilidades e
potencialidades capazes de garantir e suprir suas necessidades básicas e dos demais
indivíduos aqui presentes, sem que para isso haja a necessidade destes saírem em busca de
melhores condições de vida nas realidades lá fora.
Com isso, percebemos que tanto no Semiárido, quanto nos demais espaços sociais
existentes no planeta, existiram e sempre existirão os monopólios das desigualdades e dos
bens em geral, fomentando a colonização e a colonialidade, estas sendo o carro chefe da
construção/desconstrução da história da humanidade, bem como das suas vertentes políticas,
culturais, religiosas, científicas e sociais, sobretudo da educação. Em todo caso, como
instrumento retrógrado, porém de muita força e resistente para manter o poder nas mãos dos
colonizadores.
Assim, faremos referências dos pensamentos do autor Martins (2011, p. 45), em
algumas partes deste tema, e guiados pelas ideias do mesmo tentaremos compreender que
“embora a colonização diga respeito aos processos de ocupação de terras e territórios” entre
outras apropriações pelos nossos colonizadores, a colonialidade diz respeito “a processos mais
sutís, pois se trata de operar pela produção e disseminação de valores, de visões de mundo,
através de laboriosos processos de produção e disseminação de ideologias e do investimento
na produção de subjetividades”, problematiza este autor.
Isso diz respeito, portanto, “à forma como a cosmovisão, enquanto conjunto mais
vasto de valores (incluindo o próprio desenvolvimento da racionalidade ordinária) é
desenvolvida, distribuída e internalizada” segundo afirma Martins (2011, p. 48).
49
Desse modo, compreendemos que o baixo acesso a mecanismos que lhes garanta terra,
saúde, educação e participação nas decisões políticas e econômicas em suas comunidades têm
explicações históricas, dai então, colonização e expropriação fundiária são responsáveis por
esses indicadores. Colonialismo tem a ver com momentos históricos específicos. Já a
colonialidade é a lógica de repressão, opressão, despossessão, racismo.
Desse modo, essas palavras colonização e colonialidade, juntas parecerem significar a
mesma coisa, porém, a colonialidade é prática na exposição de suas condições ideológicas e
na intenção de obter seus resultados, imediatista, ocupando e se apropriando de tudo como
donos e, portanto, ditadores das normas a serem seguidas e obedecidas pelos seus
colonizados.
A colonização é subjetiva, digamos que aparenta-se mais sutil, sem constranger ou
maltratar diretamente e física/materialmente, seus sujeitos, objetos alvos de sua opressão,
embora também seja ameaçadora, porém mais efetiva e ativa no alcance de seus objetivos.
Embora uma se estabelece sobre a outra, como forma de tornar os processos de colonização
mais prático, rápido e eficaz. Assim, a colonialidade se apresenta como tomada de decisão
nas mentes dos sujeitos colonizados, com ideias impostas e definitivas, reproduzindo o
pensamento e as ideologias dos colonizadores.
Neste sentido, “os processos educacionais e comunicacionais são os principais
responsáveis por produzir ‘outros’ no interior dos sujeitos aos quais se dirigem que restam
estranhos a eles mesmos, sonhando com um mundo que lhes aparece como fábula”
(MARTINS, 2011, p. 48).
Um exemplo melhor dessa forma de opressão, colonizadora e colonialista,
encontramos na referência assistida na representação de uma diretora escolar, apresentada
pela atriz Madge Sinclair em seu papel como a Srª. Scott, presente no filme produzido em
1974 com direção de Martin Ritt, intitulado Conrack, em que o branco Pat Conroy,
representado pelo ator Jon Voight, que no passado fora racista, e chega para ser professor
nessa escola que tem como alunos crianças negras e pobres.
Na verdade toda a ilha é habitada por negros, pobres, com exceção de um comerciante,
que tem um pequeno negócio. A Srª. Scott, diretora da “escola”, não ensina aos alunos como
se convém, estes por sua vez, no isolamento social criaram seu próprio idioma. São
50
analfabetos, que não conseguem contar e nem sabem em qual país vivem. A propósito o filme
se desenvolveu na Ilha de Yamacraw, Carolina do Sul – EUA, em março de 1969.
Como diretora, a Srª. Scott faz a vontade do seu chefe “branco” e se impõe como
autoridade na escola, assumindo uma postura colonizadora, passando a agir e a pensar que é
diferente da sua gente na comunidade, implantando métodos antiliberais ou antidemocráticos,
achando que a sua cor negra, depois de empossada ao cargo e as novas posturas
colonizadoras, mudou para “preta”, como se esta não fosse à mesma cor da outra,
considerando-se agora uma “estranha” entre eles.
Achando que, por ter se tornado representante do “poder do Estado” neste lugar,
através da educação, neste contexto, é portanto “superior” as ideias do seu grupo social, tendo
em sua tola compreensão que esta última cor é mais significativa, e ao mesmo tempo uma
ameaça contra si mesma, por transparecer autoridade e às vezes até não querendo, mas se
sentindo obrigada pelo poder a ela empossado, disseminando a discórdia, rebelião e opressão
entre os discentes da referida escola, diferenciando-se do seu povo e das suas tradições.
Sendo uma nova criatura mais imponente e “preta” que a diferencia da cor negra
anterior, caracterizando-a dócil, simples, humanizada e aberta a reconsiderações que agora
não se presta mais em ser e mesmo que lhe deixa insegura entre os seus outros negros da ilha.
Tudo isso, reflexos do comportamento colonialista disseminado pelo seu “chefe
branco”, representado pela figura do ator Hume Cronyn em cena como o Sr. Skeffington, que
é o temido e único detentor do poder de suas decisões, naquela localidade, de suas atitudes e
de sua “liberdade”.
Assumindo, portanto, em sua gestão as condições pré-estabelecidas por ele,
reproduzindo e distribuindo critérios de verdades como absolutas, porém, deturpadas e
descontextualizadas da sua realidade, achando que está fazendo o certo e a defini-las como
únicas, eficientes, necessárias e corretas aos seus semelhantes negros na ilha.
E isso vai tomando proporções cada vez maiores, tornando-as como discurso legítimo
dos “poderosos”, colonizadores que silencia ou desautoriza outros argumentos, como os
inovadores e adequados argumentos e metodologias do professor Pat Conroy e dos alunos ou
integrantes desta sociedade, que não estão alinhados aos discursos dos mesmos.
51
O professor Pat responde jogando fora o livro de regras e lições pedagógicas. Os
estudantes respondem avidamente quando ele toca música, lhes mostra filmes, lhes ensina a
nadar e explica a importância de escovar os dentes e serem pessoas “livres” com
potencialidades e valores significativos para reconstruírem seu papel dentro desse espaço e
melhorarem suas condições de vida na localidade. Esses conhecimentos repassados por esse
educador, serve-nos de exemplo para compreendermos a proposta de educação
contextualizada para convivência, não só com o Semiárido Brasileiro, mas para convivência
em qualquer espaço social do mundo.
Mesmo que essa ação desestabilize as estruturas constituídas como padrão na
localidade, contrariando os interesses do chefe “branco”, que nesse caso não importa a cor
que este tenha, é mais um elemento importante para minimizarmos essa prática de opressão
que toma sobre os diversos territórios ocupados e administrados por esse grupo de indivíduos
com poder.
Ainda bem e que maravilha ou sorte até, que existem outros “peões” que não se
baixam nem se rebaixam às colonizações e às colonialidades impregnadas e propagadas em
nosso meio, com a postura idêntica ou melhorada que a do professor Pat Conroy, buscando
contextualizar e dinamizar sua prática para fazer dela algo significativo para a realidade dos
seus educandos, mesmo com todos os riscos e obstáculos enfrentados.
Dando aos estudantes novas oportunidades de viver e experimentar coisas,
pensamentos e atitudes diferentes e de certo modo, condizentes com as perspectivas dos
mesmos, para construírem um mundo mais justo e com uma proposta de educação mais
adequada as vidas e atividades culturais da sua comunidade, nesta Ilha de Yamacraw, ou neste
Território Semiárido que vivemos.
Diríamos que essa proposta inovadora é o que estudamos, durante esse processo em
formação da Especialização em Educação Contextualizada para Convivência com o SAB e
que estamos trazendo ao conhecimento dessas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho,
representada pelos professores/educadores, que como Pat Conroy, Paulo Freire, Edmerson,
Pinzoh e diversas instituições como a UNEB, IRPAA, RESAB, ADAC, entre outros
especialistas que como nós em formação, tentam trazer para as nossas escolas.
Assim, o que pensamos, é que essa seja a educação de melhor nível, que propõe
jogarmos fora o livro de regras e lições pedagógicas colonialistas, ganhando o respeito dos
52
nossos estudantes, com um ensino condizente com as suas necessidades, para que possam se
desenvolver com autonomia e sejam democraticamente capazes de fazerem suas próprias
escolhas, independentes e significativas para uma vida mais digna no lugar em que vivem ou
que escolherem viver, seja nesta Ilha Yamacraw, do filme Conrack, ou em qualquer outro
lugar real do mundo, inclusive aqui no nosso Semiárido, nas localidades de Cacimba do Silva
e Sertãozinho, ou em qualquer outro Território do Brasil, sendo estes sujeitos cada vez
melhores dentro ou fora deles.
Dessa forma, encontramos esses e outros elementos da colonialidade presentes nas
experiências culturais da nossa gente e da nossa história no Semiárido. Tais elementos se
baseiam também em princípios de universalidade, racionalidade, normalidade, entre outros,
para definir quais modos de fazer, pensar, sentir, dizer, agir e viver, como mais legítimos do
que outros, por vezes declarados como incorretos e inapropriados as intenções dos
colonizadores que continuam querendo e conseguindo nos colonizar.
Percebemos isso, com mais ênfase, na forma como a sociedade em geral se organiza e
se estabelece, cada vez mais seletiva, excludente, desigual e preconceituosa, concedendo aos
poucos selecionados como “conservadores” de suas regras, poderes para continuarem sua
missão de colonizar e propagar suas ideias como sendo de verdades absolutas.
Entre outras formas que estabelecem também na distribuição de cargos e salários
numa determinada instituição de ordem pública ou privada, referente a administração e gestão
das mesmas, sempre com ordens e regras a serem seguidas dos altos para os baixos escalões
chamados de diretores/chefes, gerentes/encarregados e funcionários/empregados. Todos
obedecendo às mesmas ideias e se comportando como subordinados aos seus colonizadores,
donos do negócio/instituição.
Assim, são estabelecidas as diversas relações de colonialidade entre um centro
hegemônico e seus “outros”. “No caso da educação, a principal expressão desta colonialidade
é a persistência de um ensino completamente descontextualizado nos quatro cantos do país,
que trata de conceitos abstratos, sem tocar na realidade concreta dos sujeitos destinatários dos
processos educativos” (MARTINS, 2011, p. 49-50).
Esses conceitos e contextos reproduzidos pelos docentes nas escolas diferem das
experiências e convivências dos alunos do Semiárido com os de lá, digo lá, como o lugar das
ideias, vindas de fora do Semiárido e que constam nos nossos livros didáticos, sem permitir
53
aos daqui, dessa região, conhecerem seu próprio meio onde vivem, oferecendo uma imagem
distorcida de si mesmos e do seu ambiente, sem considerar suas potencialidades naturais,
minerais e culturais da sua localidade e conseqüentemente tomando pra si noções precipitadas
e utópicas dos lugares de fora como sendo eles melhores para se viver.
A isso se deve, talvez, as causas de evasão escolar, dos problemas de aprendizagem e
mesmo do êxodo para outras regiões. Como diz Reis (2004, p. 25), “em parte, esta dicotomia
presente nas maneiras de se olhar para o mesmo sentido que é dado ao morar no campo e na
cidade pode ser explicado sob a ótica dos que moram no campo e acham que o bom para se
viver é na cidade”.
Tudo isso porque falta investimento, apoio e aplicações de políticas públicas eficientes
para a vida nessa região, que sempre sofrem por não possuírem as condições mínimas para
viver dignamente neste espaço.
Por isso, precisamos pensar em planos e projetos de educação voltados para sua
realidade local, contextualizados, devendo ser criados com o envolvimento de todos, não só
dos professores, coordenadores e gestores, ou introduzidos por obediência aos poderes
superiores impostos, no caso da educação, implantados pelas Secretarias Municipais e outros
órgãos ligados ao ensino-aprendizagem.
Mas que esses projetos sejam construídos também com a participação dos educandos,
pais e a comunidade onde a escola está inserida, considerando as suas necessidades,
trabalhando questões de sua natureza, do seu meio político e social, bem como da sua gente,
urbana, rural, sertaneja ou de outra origem, porém integrante do desenvolvimento dessas
localidades, tocando as questões do êxodo rural para outras áreas e regiões a fora em busca de
melhores condições de vida, entre outros, discutindo possibilidades e potencialidades da
região.
Bons projetos, baseados no desenvolvimento local devem oportunizar aos mesmos um
novo olhar sobre a área Semiárida e, ao mesmo tempo, mostrar a importância da
implementação de novas tecnologias para seu desenvolvimento, compreendendo e respeitando
“os sujeitos do processo educacional, com seus jeitos e modos, sem impor um conhecimento
adquirido na Academia, mas aliado aos conhecimentos científico, filosófico e popular, no
54
sentido de construir ou fazer emergir saberes” como diz o Sr. Antonio Martins9 citado por
Reis (2010, p. 1).
Com essas experiências teremos uma educação de fato significativa e possível para os
nossos educandos do Semiárido Brasileiro.
É nesse sentido que o Método Paulo Freire surge para nos ajudar a produzir uma
educação contextualizada e pós-colonial, fomentando a proposta de convivência com o
Semiárido, como instrumento possibilitador das transformações sociais no território
Semiárido Brasileiro.
3.2. Método Paulo Freire promotor da educação contextualizada para a convivência com
o Semiárido e a pós-colonialidade
O Método Paulo Freire (1987), apresentado através de suas obras: Pedagogia do
Oprimido vem como um dos fundamentos para a pedagogia crítica, que propõe um
relacionamento novo, e que pensamos ser adequado, inovador e contextualizado, entre
professor, aluno e sociedade, e Freire destaca que os educadores devem assumir uma postura
revolucionária passando a conscientizar as pessoas da ideologia opressora, tendo como
compromisso a libertação dessa classe; e em sua obra Educação como Prática da Liberdade,
Freire (2001) destaca que esta prática implica a negação do homem abstrato, isolado, solto,
desligado do mundo e portanto, a negação do mundo como uma realidade ausente dos
homens.
Assim, compreendemos que essas obras surgem, com suas experiências, inovadoras,
contextualizadas e promotoras de outras formas de (re) fazer e (re) pensar a educação,
“rompendo com o pedantismo dos saberes supostamente “neutros” ou “universais” do “centro
emanador do discurso legítimo” que envia, através dos materiais didáticos e discursos que
produz e faz circular sem se preocupar com uma educação de qualidade”, segundo Martins
(2011, p. 57).
9
Antônio Martins, professor e fundador da ERUM – Escola Rural de Massaroca – distrito de Juazeiro/BA, em
1995.
55
Percebemos com isso que Paulo Freire foi o primeiro a sistematizar os contornos
didáticos e dar sentido prático aos ideais de contextualização da educação.
Desse modo, beneficiando-se das contribuições de Freire, compreendemos que para
essa educação contextualizada acontecer rompendo com a “situação colonizadora”, é preciso
fazer com que a educação se vincule à vida, tratando dos temas, da cultura, dos saberes, dos
sentires, dos diversos sujeitos implicados nos processos de educação.
Fazendo com que os sujeitos reais, desse processo, possam participar legitimamente,
considerando que a educação tenha “este universo específico como seu manancial de
produção de conteúdos, de novos saberes, e de produção de sentido para o próprio ato
pedagógico”, afirma Martins (2011, p. 57).
Assim, entendemos que, os caminhos da libertação só estabelecem sujeitos livres e a
prática da liberdade só poderá se concretizar numa pedagogia em que o oprimido tenha
condições de descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica.
Nessa perspectiva, o método Freire promove uma educação contextualizada que é o
que pretendemos alcançar com esforços para uma convivência significativa e de fato
condizente com as necessidades dos nossos educandos no Semiárido Brasileiro e nas escolas
do nosso sertão, principalmente das áreas rurais e das comunidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho. Percebendo que esse método com seus princípios norteadores, estruturam os
passos deste trabalho pedagógico no cuidado com a formação dos nossos aprendizes,
possibilitando uma vida melhor para os mesmos com suas famílias, nesse Território.
Tais princípios norteadores da educação contextualizada, segundo as contribuições de
Freire, dizem respeito à politicidade do ato educativo, ou seja, de que todo ato de educar
precisa ter uma intencionalidade, digo, um objetivo, que não é “neutro”; à dialogicidade do
ato educativo, se referindo à base da relação pedagógica, o diálogo. Tais proposições
freireanas trazem a ideia, cujo significado é “dar a luz”, ou seja, conduzir o homem ao
conhecimento verdadeiro no interior de si mesmo. Num processo construído de diálogo, em
que “os homens produzem saber, se transformam e transformam o mundo em que vive”,
reforça Martins (2011, p. 59).
Assim, para darmos sentido prático a estes princípios freireanos, de uma educação
contextualizada, também precisamos seguir as coordenadas que ele organizou para os
momentos de realização da prática do processo educativo:
56
A Investigação Temática, “uma espécie de pesquisa sociológica, voltada para
conhecer o universo vocabular (léxico e semântico) dos sujeitos e fazer um estudo dos modos
de vida da/na localidade a partir disso”, é em muitos casos, o chamado estudo de realidade; a
Tematização, que diz respeito “à sistematização dos conhecimentos produzidos sobre/com os
sujeitos em forma de temas”. O que Martins (2011, p. 59-60) diz que é a partir deste material
que os chamados “conteúdos” são estabelecidos; e por fim, a Problematização, que é o
momento em que as informações obtidas na pesquisa inicial, e organizadas em temas e
palavras geradoras, agora devem ser problematizadas, discutidas, aprofundadas.
Ou seja, “buscando-se a superação da visão ingênua do mundo e a construção de uma
nova visão crítica, ampliada, mais informada, capaz de transformar o mundo vivido” dos
sujeitos (idem, ibidem). Mas esse autor nos alerta para o cuidado!
Educação Contextualizada não é um modo de reduzir as exigências formativas e de
tratar daquilo que as pessoas já sabem. É o contrário: Educação Contextualizada
exige posturas maduras e seguras, dispostas a aprofundar conhecimentos já
existentes e a produzir novos conhecimentos, pelo uso regular da pesquisa e da
sistematização. (MARTINS, 2011, p. 61).
Entendemos com esse autor que “a vida é dinâmica e temos o desafio de tomar a
própria dinâmica da vida e do mundo como o grande lastro da contextualização
contemporanizada e atualizada da Educação” (MARTINS, 2011, p. 62). Só assim teremos
uma educação de mudança e de fato satisfatória aos sujeitos educandos do nosso lugar e das
nossas práticas pedagógicas de modernidade e pós-colonial no Semiárido.
Pensando assim é que fomos confrontados pela realidade das comunidades de
Cacimba do Silva e Sertãozinho, objetos de estudo desta pesquisa, onde se tinha a escola, e
através dela muitos dos filhos de seus moradores foram alfabetizados, ainda pelos métodos
educativos insurgentes da época e fruto dos colonizadores, que as humildes professoras leigas,
se desdobravam para transmitir conceitos e conhecimentos aos estudantes destas e de outras
localidades vizinhas.
Hoje, graças às transformações nos modelos da Educação do/no Campo, essas
comunidades não se beneficiam mais da escola com as capacitações e formações através dos
saberes formativos e normativos, norteadores do crescimento intelectual necessários aos
sujeitos, para permanecerem nestas localidades e deles se guiarem para as transformações e
mobilizações socioculturais.
57
Portanto, esses sujeitos não ampliaram seus conhecimentos para garantirem o sustento
e a qualidade das condições de suas vidas nas mesmas, de forma adequada, sustentável e (re)
produtora das propostas de convivência com o Semiárido, ideia contextualizada e significativa
para a produção de saberes diversos, que respeita os saberes locais, populares, construídos na
dinâmica social desses espaços ao longo dos anos e por todos os agentes que passam e
perpassam no seu desenvolvimento.
Este, por sua vez, conciliado aos novos saberes dessa proposta, poderia lhes render
mais saberes e sabores na qualidade das relações e atividades sociais desenvolvidas pelos
sujeitos, cidadãos deste território rural, locados em Cacimba do Silva e Sertãozinho, também
partes integradas ao vasto Semiárido Brasileiro.
Assim, apresentamos a seguir outra discussão presente nestas comunidades de
Cacimba do Silva e Sertãozinho, quanto à ausência da escola ser um retrocesso na formação
cidadã, pois acredita-se que a escola seja um elemento importante para a formação e/ou (re)
construção identitária dos sujeitos, enquanto seres sociais e também por ser um dos
retrocessos ao desenvolvimento destes para com o mercado de trabalho e/ou na sua atuação
com o “mundo”.
Desse modo, impedindo o progresso local, econômico, político, etc., impossibilitando
a mobilização sistematizada para o crescimento, evolução e transformação, não só desta
sociedade, bem como das relações interpessoais que se estabelecem, nos sentires e fazeres
humanos, construídos no geral ou no particular, coletivo ou individual, das ações presentes
em cada ser, sujeito ou “objeto”, desse espaço social e que podem servir para o fortalecimento
e empoderamento das famílias com seus meios de produção para a comercialização existentes.
3.3. Ausência da Escola: retrocessos na formação cidadã e nos processos de
desenvolvimento rural da Cacimba do Silva e do Sertãozinho - BA
As comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, situadas no distrito de
Itamotinga, estão distantes aproximadamente a 54 km do município de Juazeiro da Bahia, a
margem da BA 210 que liga esta cidade à Curaçá. Entre suas histórias e fatos relevantes para
sua trajetória comunitária, está uma situação que consideramos um dos retrocessos na
58
formação cidadã dos seus atores sociais e para os processos de desenvolvimento rural destas
localidades: a ausência da Escola, tendo em vista a problemática sobre colonialismo,
apresentada anteriormente, que é também uma política de exercer o controle ou a autoridade
sobre um determinado território.
Os moradores dessas comunidades consideram a escola como “uma instituição que
educa e prepara o aluno para o exercício da cidadania, para o reconhecimento dos direitos
associados às suas responsabilidades; procurando formar pessoas conscientes e críticas”,
como dizem os autores Souza e Souza (2009, p. 1).
Embora não compreendam explicitamente essa importância como está apresentada nas
palavras destes autores, mas os moradores dizem em outras palavras que “se tivesse uma
escola aqui era muito bom. Antigamente a escola era algo muito caro, só tinha ela quem podia
pagar, hoje tem tudo, o estado dá tudo, tem até carro, mas aqui só não tem escola por que a
gente é pouca” nos relatou o Sr. Valdemar Ferreira Passos, que reside em Cacimba do Silva
há mais de 80 anos, quem presenciou muitos dos possíveis processos de desenvolvimento
destas localidades por participar de todos, juntamente com os demais moradores.
Seu Valdemar se refere a “não ter escola por que a gente é pouca”, no sentido de não
terem muitas pessoas morando nestas localidades em fase de estudar, pensando que só quem
pode estudar sejam as crianças ou jovens, ou como se a falta desses sujeitos fosse um
problema insuperável para a possibilidade do retorno da escola para essas localidades, mas
nos conta com saudades do tempo em que seus filhos estavam na localidade e estudavam por
ali mesmo, afirmando que tinha escola, e que algumas de suas filhas foram professoras desta
escola.
E quando não eram elas as professoras, antes delas foi a sua irmã Josefa, mais
conhecida por “Mãe Zefa”, e é como as crianças e todos os moradores lhe chamam até hoje.
Essa senhora, também foi a professora dos seus filhos e dos filhos dos demais moradores
dessa região, e assim, antes delas tinham outras mais velhas que ensinavam para eles o B + A
= BÁ, mas essas aulas, antes da escola na localidade, eram particulares, nos tempos da sua
juventude, quando aprendera o ABC e a escrever o seu nome em 15 tardes, contou-nos seu
Valdemar, muito orgulhoso dessa façanha.
Em meados dos anos de 1989, no tempo da sua filha mais nova, com seus 13 anos
iniciou seus estudos, já não eram mais as suas filhas e nem a sua irmã que davam as aulas,
59
pois desde os anos de 1977 a esposa do seu sobrinho no Sertãozinho, se tornou professora e
diretora da escola na localidade. Essa senhora conhecida por Mariazinha, ficou responsável
pela escola e foi quem ensinou a nova leva dos filhos desses povoados e da circunvizinhança,
com um ensino infantil até a 4ª série, na sua casa, por que nunca tiveram prédio para a escola.
Com recursos precários, como tinham as escolas do campo naquela época, essa
professora recebia os materiais didáticos e funcionais para o ensino e para o provimento da
merenda dos alunos do Município de Juazeiro-BA, quem também pagava o seu humilde
salário como professora, merendeira, diretora e o que mais a escola na sua casa necessitasse
fazer. Essa e as demais professoras eram leigas, estudaram até a 4ª série também, não
obtiveram na época nenhuma capacitação, só esta última professora que recebeu algumas
vezes formação continuada em Carnaíba do Sertão para poder ensinar nesta escola e no
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.
Na época essa escola do Mobral era mantida pelo estado, e funcionava no turno
noturno com os adultos que se interessassem, durante aproximados 6 meses de curso.
Segundo a professora Mariazinha, esta tinha a idéia de “aprender nas reuniões da Secretária
de Educação do Município, tudo direitinho, para transmitir aos seus alunos nestas localidades,
pois pretendia formá-los para serem professores e outros profissionais que desejassem se
tornar, embora que o meu estudo era pouco”.
Em 2001, perto da idade de se aposentar, além de lhe faltar os estudantes suficientes
para continuar recebendo a ajuda do município para a sua escola, a mesma teve que fechar as
portas da sua casa como escola no Sertãozinho, sendo orientada a conduzir-se com os seus
poucos alunos que restaram destas localidades, cumprindo seus tempos de trabalho escolar em
outra escola distante destas localidades e na contra mão dos seus fazeres profissionais e
domésticos de mãe de família e produtora rural, que garantiam sua renda e o sustenta da sua
casa, para também sustentar os estudos dos seus muitos filhos longe de casa, nas cidades a
fora, para estudar.
Sua nova atividade nesta outra escola era de bibliotecária, lhe deixando frustrada, pois
o espaço da biblioteca era pequeno e como participava ativamente da lida com o ensino e a
aprendizagem dos alunos, nesse ambiente se sentia solitária e sem utilidade, pois a biblioteca
não era procurada pelos alunos. Daí por diante não se viu e nem ouviu mais falar de educação
para as pessoas nestas localidades rurais de Cacimba do Silva e Sertãozinho, todas que
estudaram nela concluíam até a 4ª série do ensino fundamental, relata a ex-professora.
60
Assim, quem não foi embora, para continuar os estudos, como os seus filhos e os
filhos dos outros moradores que podiam bancar seus estudos longe dali, por falta de condições
financeiras, depois de concluir a 4ª série, acompanhavam os pais na lida com os animais, no
roçado afastado da casa, na dinâmica do clima dessa região, entre seca e chuva, obtendo
retorno ou não nas plantações, da forma como aprendiam ali com eles mesmos e repassados
por saberes dos seus antepassados.
Uma escola deixou de existir, que pudesse assegurar com qualidade o aprendizado
para essas pessoas, para esclarecer-lhes que não há como investir ‘contra a seca’, já que as
mesmas não entendem ainda que a seca seja “um fenômeno natural que ainda se apresenta
como algo atípico, do qual os sujeitos e seus governantes e gestores (em todas as escalas) não
sabem ainda como lidar e se veem pegos de surpresa!”, desabafa a docente Luzineide
Dourado Carvalho10, em conversas online na internet com os alunos deste Curso em
formação.
Para aproveitar dessa escola, o máximo de conhecimentos e possibilidades para uma
existência mais digna nestas localidades. Essa escola servia como elemento formador da
cidadania das diferentes pessoas existentes a sua volta, e é o que essas comunidades precisam,
já que entendem a escola como um espaço em que podem ser aproveitadas todas essas
diferenças para o enriquecimento de si mesmas, socializando-as com o contato e o confronto
entre os sujeitos de várias origens socioculturais, religiosas, etnias, costumes, hábitos e
valores, fazendo dessa diversidade um campo privilegiado da experiência educativa.
Ou seja, tem-se a ideia da necessidade, bem como da sua importância, mas não se sabe
ainda é como ser possível uma escola nestas localidades que transmitam aos mesmos saberes
necessários e condizentes as suas práticas, considerando que o que se tem, com relação a
dinâmica social, são conceitos e valores individuais que somados à convivência coletiva, com
preparo adequado e bem elaborado, possa trazer aos moradores uma valorização de suas
potencialidades e uma produção mais significativa para suas permanências nestas
comunidades.
Mas nos referimos a ausência da escola nestas comunidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho como um retrocesso, porque percebemos que por sua falta os moradores
10
Doutora em Geografia (UFS). Núcleo de Pós-Graduação em Geografia/NPGEO. São Cristóvão, Sergipe.
Professora da UNEB e Coordenadora do Curso de Especialização em Educação Contextualizada para a
Convivência com o Semiárido Brasileiro pela Universidade do estado da Bahia – UNEB/DCH III.
[email protected].
61
presentes não tiveram acesso, ainda, aos conhecimentos “formais” adequados, no sentido de
aprenderem as técnicas apropriadas do manejo rural em áreas de sequeiro, com a falta d’água
e dos conhecimentos suficientes de captação e conservação da água da chuva para uma
atividade mais digna e plena às experiências do convívio nestes lugares do Semiárido.
Aqui trazemos o pensamento de Caldart (2007, p. 2), quando apresenta que “há então
quem prefira tratar da Educação do Campo tirando o campo (e seus sujeitos sociais concretos)
da cena, possivelmente para poder tirar as contradições sociais (o “sangue”) que as constituem
desde a origem”. E há aqueles que segundo a autora, “ficariam bem mais tranquilos se a
Educação do Campo pudesse ser tratada como uma pedagogia, cujo debate originário vem
apenas do mundo da educação, sendo às vezes conceituada mesmo como uma proposta
pedagógica para as escolas do campo”.
Segundo essa autora, precisamos ter cuidado,
Pensar os termos separados significa na prática promover uma desconfiguração
política e pedagógica de fundo da Educação do Campo. E mais: se queremos ajudar
a construir uma concepção que seja fiel à sua materialidade de origem, além de
pensar as relações é preciso pensar em uma determinação primeira: foi o campo, sua
dinâmica histórica, que produziu a Educação do Campo. (CALDART, 2007, p. 2).
Ou seja, o campo é mesmo o primeiro termo da tríade. E não uma “idéia” de campo,
mas o campo real, das lutas sociais, da luta pela terra, pelo trabalho, de sujeitos humanos e
sociais concretos; campo das contradições de classe efetivamente sangrando, reforça Caldart
(2007).
Desse modo, embora haja uma preocupação dos moradores de Cacimba do Silva e
Sertãozinho, em estimular os seus descendentes a irem às escolas próximas da região ou fora
delas, para alcançarem o conhecimento que eles não obtiveram, mesmo enfrentando todos os
obstáculos que comumente vemos e ouvimos muitos dos nossos educandos do campo
discutirem e apresentarem em nossas salas de aulas e encontros rumo a fora, sobre a distância
até a escola, do transporte escolar de má qualidade, das estradas não oferecerem segurança e
dos perigos constantes de assaltos, etc.
Diante desses problemas, esses moradores ainda não fazem ideia de como garantirem
a estes estudantes, fruto de suas lutas e testemunhas de suas conquistas também, uma
permanência rentável e de qualidade neste espaço rural em que vivem, compreendendo que a
sua participação na família ou na sua comunidade presta um papel fundamental e favorável,
62
ao empoderamento das mesmas, no sentido de contarem quanti/qualitativamente de todos seus
membros na produção agropastoril desenvolvidas, como fonte de emprego e renda, para o
sustento de suas necessidades básicas da vida e para a construção de suas potencialidades e
possibilidades dentro deste contexto social.
Assim, fazendo uso das ideias de Santos11 (2002, p. 23), compreendemos essas
possibilidades como “o movimento do mundo”. Ou seja,
Os momentos dessa possibilidade são a carência (manifestação de algo que falta), a
tendência (processo e sentido) e a latência (o que está na frente desse processo). A
carência é o domínio do Não. A tendência é o domínio do Ainda-Não e a latência é o
domínio do Nada e do Tudo, dado que esta latência tanto pode redundar em
frustração como em esperança. (SANTOS, 2002, p. 23).
Esses moradores são obrigados a presenciarem constantemente, o êxodo rural, e o
descompromisso por parte da nova geração, no uso dos seus recursos naturais, não só dos
solos, deixando-os inférteis para o plantio, por conta dos ensinos que não foram ainda
ensinados aos mesmos, mas e principalmente por não estarem interessados em ficar nesses
lugares, nem tão pouco por as escolas existentes nas redondezas transmitem saberes
contextualizados que possam servir de estímulos aos mesmos, para produzirem nestas
localidades os seus “sonhos”, as suas esperanças da ‘latência do Tudo’, como diz Santos
(2002).
Se a escola tivesse esses saberes contextualizados, uteis aos esses sujeitos, permitiria a
estes, o conhecimento de pertencimento deste espaço, a valorização e apropriação adequada
dessas riquezas herdadas dos seus antepassados, que aliadas às novas técnicas de convivência
com o Semiárido, são capazes de propor descoberta de potencialidades e possibilidades
condizentes para as suas vidas nestas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, e que
não são possíveis em outros territórios;
A escola que precisamos, deve vir com essa proposta de educação contextualizada,
com um ensino de qualidade e diferente das experiências educativas predominantes ainda do
modelo tradicional, com seus métodos de certo modo, colonizador, sem as técnicas
apropriadas para fortalecer a produção da autonomia cidadã e da democracia nas articulações
para o desenvolvimento local para uma convivência com o Semiárido mais justa, etc.
11
Boaventura de Sousa Santos. Um Projeto publicado em três volumes: Santos (2002a), (2002b) e (2003),
podendo ser consultado também no site: http://www.ces.uc.pt/bss/documentos/sociologia_das_ausencias.pdf.
63
Com conhecimentos, para preservar os solos áridos e “desertificados”, ou inférteis
para as produções agrícolas. Mas se for uma educação sem essa preocupação, também
‘desertificará’ até os pensamentos e os corações humanos dos sujeitos alheios a esses
conhecimentos. Embora que, “pior do que a aridez das terras é a aridez das mentes”, ressalva
Silva12 (2010, p. 2).
Nesse sentido os indivíduos que desistem da escola e dos aprendizados que esta
propõe, sejam estes de que modo for, imbricados ou não com a formação dos sujeitos em seu
seio, colonizadora – retrógrada, ou contextualizada e inovadora, continuam degradando seu
ambiente, suas mentes, entre outros problemas, repercutindo os desmandos dos seus
antepassados,
colonialistas,
desarmonizados
das
novas
tendências
sociais
de
desenvolvimento. Manifestando-se contra as especificidades e potencialidades do âmbito
local nos processos de reestruturação política, econômica e social que ocorrem nas sociedades
contemporâneas.
Os que por alguma razão se sobrepõem a esses reprodutores das mesmas condições
estabelecidas pelos seus antepassados, por terem uma identidade de base local, estão sendo
conduzidos, vagarosamente, mas já serve de progresso, para se sentirem como partes do
“mundo”, globalizado e com tecnologias distantes das que os seus antepassados sonhavam
possuir.
Por esses motivos é que temos visto muitos desses moradores saírem destas
localidades, deixando para trás crianças e velhos que não possuíram e nem quiseram possuir
conhecimentos e as condições adequadas para os cuidados com a terra, com o pasto, animais,
entre outras coisas possíveis dentro desse espaço rural, nem tão pouco com a qualidade da
convivência ou da conservação da sua natureza nestes lugares.
Assim, o que percebemos nessas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, são
apenas discussões sobre benefícios de bolsas de toda sorte para ajudarem na renda de suas
famílias, de seguros safras, que por conta das estiagens prolongadas nessa região Semiárida
Brasileira, atrapalham no desenvolvimento rural dessas áreas de sequeiro e na produção da
agricultura familiar com base na água da chuva e que por consequência da seca, serão sempre
de safras perdidas. Não conhecem das possibilidades e potencialidades que possuem e os
12
Engenheiro Agrônomo com Mestrado em Sociologia da Agricultura e Ph.D. em Sociologia da Ciência e Tecnologia. Na
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) é pesquisador da área de gestão das relações ciência-tecnologiasociedade-inovação (CTSI) e formador em gestão da inovação institucional.
64
poucos que conhecem dessas coisas não possuem investimento ou disposição para fazer a vida
neste espaço ser mais proveitosa e satisfatória.
Assim, gostaríamos que esse processo da luta pela Convivência com o Semiárido se
projetasse como uma política pública, dando suporte para a educação que trata seu contexto e
desse modo possibilita o processo de desenvolvimento econômico e o movimento de
superação da cultura colonial nestas comunidades.
Desse modo, as temáticas que apresentaremos neste trabalho, vêm trazer uma
esperança e uma busca não desesperada, mas necessária e urgente, nas relações dos sujeitos
de Cacimba do Silva e Sertãozinho, para o retorno da escola, a fim de priorizar que ela seja,
junto com a proposta da Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido
Brasileiro, uma forma de garantia da permanência dos sujeitos nessas áreas rurais do nosso
sertão, bem como convivendo nele com a sua diversidade.
Sendo assim, compreendemos que também é possível se ter uma vida de qualidade e
uma educação significativa no campo que satisfaça as necessidades dos seus aprendizes e da
sua comunidade, transmitindo aos mesmos valores culturais e sociais para uma ação eficaz no
possível desenvolvimento rural sustentável dessa região, mas também no desenvolvimento
humano dos seus atores envolvidos.
65
CAPÍTULO IV
PROCESSOS HISTÓRICOS E SOCIAIS NA RELAÇÃO ESCOLA E
DESENVOLVIMENTO: DO OLHAR DOS SUJEITOS AOS FUNDAMENTOS
TEÓRICOS
Iniciamos essa temática reforçando o que nos propusemos a discutir/investigar nesta
temática: os processos históricos e sociais das localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho,
pensando a escola como avanço ao desenvolvimento local, analisando a memória local,
através do olhar dos sujeitos da pesquisa, para propor uma reflexão condizente com a vida e
as condições estabelecidas para permanência nesses lugares do Sertão do São Francisco.
Os processos históricos citados estão relacionados ao dia-a-dia da vida dos sujeitos
destas localidades, com seus contos e recontos da memória vividos ao longo dos anos com
todas as suas implicações, produto de suas crenças, sonhos e fazeres possíveis, dentro das
suas condições psico-sócio-materiais. Esses processos sociais vêm em função do meio, ou
seja, dos processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições
existentes nestas comunidades.
Nesse sentido, através do olhar dos sujeitos das comunidades de Cacimba do Silva e
Sertãozinho, participantes da pesquisa, é que tentamos responder a questão norteadora de que
os processos sociais destas localidades revelam que a contribuição da escola não tem sido
satisfatória e a falta dela é um agravante aos avanços, portanto retrocesso para o
desenvolvimento sustentável e a convivência com o semiárido nessas comunidades.
Ou seja, percebem que a escola não é mais um elemento social que povoa um lugar ou
uma comunidade, mas que através dela as comunidades se sentem mais fortalecidas
promovendo o desenvolvimento local. Dessa forma, construímos uma linha de base para
compreendermos esse desenvolvimento com suas respectivas considerações para a qualidade
da vida neste espaço do Semiárido Brasileiro.
Nos últimos anos a perspectiva de combate à seca vem se modificando, visto que os
problemas do Semiárido Brasileiro não estão restritos à escassez de água. Assim, percebe-se
uma modificação de paradigma, se outrora era a luta contra a seca, agora é a convivência com
ela, compreendendo que é possível coexistir bem com o Semiárido, desde que através de
66
políticas públicas e práticas sustentáveis, para seu desenvolvimento, através de diversas
implicações tais como o uso racional da água e a mobilização social para desencadear
articulações de convivência com a semiaridez.
Entrelaçado por outros temas como água, meio ambiente e distribuição de renda,
dentre o conjunto de elementos que compõem os recursos naturais, a água vem ganhando
mais notoriedade frente à sua contaminação e/ou poluição. Este é um recurso de suma
importância tanto para a vida dos animais como para o ser humano, afinal, é um elemento
essencial à vida.
Por esse motivo, os moradores de Cacimba do Silva e Sertãozinho tentaram se valer
dos recursos da água e do meio ambiente que possuem nestas localidades para implantar
tecnologias apropriadas que satisfazem a sobrevivência dos animais e a soberania alimentar
dos humanos que se utilizarem desses animais como alimento, preservando assim a saúde do
homem,
‘porque
animais
sadios,
fornecem
alimentos
sadios’,
fortalecendo
a
caprinovinocultura como implemento a distribuição de renda local e o empoderamento das
famílias dessas comunidades rurais do Semiárido Brasileiro.
Essas tecnologias nestas localidades se referem ao cultivo intensivo da palma, que
vem sendo desenvolvida desde o início dos anos 90, no sentido de minimizar o problema da
desertificação no Semiárido. Com a combinação dessa técnica a assistência técnica da
AGETEC – Assistência Gerencial e Tecnológica aponta que aproximados 20% das
propriedades locais já possuem módulos implantados no sistema adensado. Ou seja, esse
recurso garante a manutenção e a produção dos rebanhos, a baixo custo, inclusive nos
períodos de estiagem prolongada. Entre outros recursos técnicos adequados a convivência
com o Semiárido.
Tais recursos como, produção de milho hidropônico, que é,
Um processo fácil de ser feito e não requer muitos investimentos. É uma técnica de
cultivo de milho sem a utilização de terra, servindo como substrato o bagaço de
cana, palha de arroz e o capim napier. O milho hidropônico tem um crescimento
rápido, e possui um alto valor protéico que pode ser empregado na alimentação de
bovinos, ovinos, suínos e aves. Além disso, tem como grande vantagem a produção
de forragem de qualidade durante todo o ano, inclusive no período seco onde a
maioria das regiões brasileiras não tem alimentação suficiente para os animais.
(SIMÃO, 2009, p. 6).
67
Esse processo, além de ser uma tecnologia apropriada às necessidades locais, também
é um recurso sustentável que possibilita uma experiência mais significante à produção de
caprinos nestas comunidades. Fazendo com que se cheguem à compreensão de que precisam
preservar seus recursos naturais para propor qualidade de vida na sobrevivência das futuras
gerações.
Embora os conhecimentos repassados sejam de forma não-formal, é uma educação de
fora da escola, popular, com saberes da cultura, ou das capacitações técnicas promovidas por
instituições assistenciais presentes, que investem e apoiam nos seus fazeres e produções
agropastoris, mesmo assim, fora dos padrões da formação escolar, mas com saberes inerentes
ao processo de construção da identidade social, sertaneja, rural dos sujeitos moradores, bem
como promotora dos movimentos e transformações na vida e na convivência destes com o
Semiárido.
Assim, esses saberes fazem na prática desses agricultores uma diferença básica dos
que possuem formação escolar, mas eles compreendem valores significativos e condizentes
com seu contexto, formando trabalhos relevantes e com uma força solidária, sustentável e
embasada no poder da responsabilidade social, com um comércio justo, onde procura criar os
meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho dos produtores,
especialmente os desfavorecidos.
Promovendo, portanto a equidade social, a proteção do ambiente e a segurança
econômica através de um consumo consciente, com produtos da agricultura familiar, com
recursos renováveis que serão transformados em bens para atender às necessidades das
pessoas e auto valorizando-se e sentindo-se protagonistas/autores desta prática que dá certo na
localidade.
A equidade social, segundo Sales (apud SIMÃO, 2009, p. 32), “seria fruto de uma
reforma agrária eficiente e de recursos que tornassem viável o trabalho dos expropriados da
terra”. Isso não aconteceu em Cacimba do Silva e Sertãozinho, por que as terras já eram de
posse dos seus moradores.
Embora, esses sujeitos não tenham sido expropriados dessas terras, mas em vez disso,
constituiu-se o êxodo rural, em que os mesmos passaram a abdicar suas terras e suas culturas
agropastoris nestas localidades, por que nessas comunidades, como em tantas outras dessa
68
região Semiárida Brasileira, faltavam condições dignas a sobrevivência dos sujeitos neste
espaço social.
E a falta da escola foi o principal motivo desse êxodo e ainda tem sido o fator mais
forte dessa escolha para seus moradores. Norteando-os a moradia em outras regiões, urbanas e
distintas das origens que os mesmos se orientavam, criando-se outros problemas, por esses
seguirem em outras áreas de atuação que não condiziam com as suas de origem e desse modo,
não conseguindo mais retornar para suas terras para implantar as técnicas que aprenderam
fora, inapropriadas para essas localidades, etc.
Assim, essas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, tem em seu quadro de
moradores, pessoas acima da idade de trabalhar na agricultura ou abaixo do que se é exigido
para iniciarem esse trabalho, são pessoas idosas e crianças, sem educação, lazer e cultura,
apropriados para seu grau de necessidades e os sujeitos do meio termo, que podem trabalhar e
estudar, não os fazem por se beneficiarem dos recursos da aposentadoria dos seus idosos, sem
se preocuparem com seus destinos comuns no sentido de buscarem melhorias, através da
educação para suas vidas.
A escola que existia na localidade foi fechada e com ela a esperança de transformação
social foi diminuída, encontrando sujeitos desestimulados e acomodados ao fracasso e as
mesmas condições que viveram seus antepassados. Os moradores e pais interessados em
melhores condições de vida para seus filhos, se sentem obrigados a conduzirem seus filhos
para outros espaços, longe de suas vistas, com outras expectativas irrelevantes para o manejo
e as mobilizações dessas localidades.
Esse problema aumenta a cada ano, pois os filhos dos moradores partem cada vez mais
para longe, tomando gosto pelos deslumbres que as sociedades urbanas oferecem aos mesmos
nessa fase da vida jovem, badalações que a vida no campo não tem.
Mas mesmo assim, organizaram-se, e com os meios de que dispunham fizeram
parcerias com instituições de pesquisa, formaram associações de moradores, cooperativas,
abriram canais conjuntos de comercialização dos animais criados na localidade para não
depender de atravessadores, e hoje constituem uma das regiões que consideravelmente se
desenvolve a agropecuária, mediante o cultivo de plantas e da criação de animais como bode,
entre outros, praticada em geral pelos pequenos produtores que utilizam práticas tradicionais,
onde o conhecimento das técnicas é repassado através de gerações.
69
E não estão dependendo de uma grande corporação que de um dia para outro podem
mudar suas vidas nestas ou partirem para outras localidades, mas compreendem que a
mudança depende de si mesmos. Como diz Dowbor (2006, p. 1),
Esta visão de que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e
social, de que o desenvolvimento não se espera mas se faz, constitui uma das
mudanças mais profundas que está ocorrendo no país. Tira-nos da atitude de
espectadores críticos de um governo sempre insuficiente, ou do pessimismo passivo.
Devolve ao cidadão a compreensão de que pode tomar o seu destino em suas mãos,
conquanto haja uma dinâmica social local que facilite o processo, gerando sinergia
entre diversos esforços.
Assim, para esse autor a idéia da educação para o desenvolvimento local está
diretamente vinculada a esta compreensão, e à necessidade de se formar pessoas que amanhã
possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de
gerar dinâmicas construtivas.
Percebemos nestas localidades que seus moradores em todas as suas idades,
desconhecem o valor da sua história, das suas conquistas e não tem a escola como elemento
facilitador da mudança social, nem das condições estruturantes à vida neste espaço. Embora
compreendam que a falta dela é um agravante a esse desenvolvimento local, pois os sujeitos
ficam desconfiados das intenções dos que ‘aparentemente’ buscam melhorias e passam a
tratá-los como aproveitadores. Comprometendo a função da associação e das demais
instituições que vagarosamente se estabelecem nestas localidades, tais como a cooperativa e a
igreja evangélica.
Por sua vez, entendem a Associação como uma ferramenta, que o povo tem a seu
favor. É um espaço de luta ao serviço do bem comum da comunidade local ou da cidade.
Sabendo que não deverá ser, nunca, um meio para a constituição de Milícias Populares Esquadrões da Morte, entre outros puníveis por Lei, mas um espaço onde a população reunida
e organizada possa utilizar, por sua conta e risco, esses métodos para atingirem um fim, ao
não serem encontradas respostas por parte do poder político.
Segundo relatos de Sr. Valdemar é bom ter a associação na localidade, quantas mais
quiserem construir, entendendo que como fundador raiz teve muitas oportunidades para
adquirir conhecimentos e créditos, articulados com Bancos para financiar e melhorar sua
produção agropastoril. Embora declarando que não gosta de tomar emprestado dinheiro de
Banco, por que cobra taxas de juros. Mas tudo isso, só foi mais simples, por que estava
70
envolvido com a associação, que correu atrás de tudo para os interessados, é claro que nem
todos podiam receber, mas na época, quem pegou esse dinheiro já pagou e os que não
puderam pagar, por que se sabe dos problemas que tem, mas estão sempre enviando cartas,
solicitando mais tempo para renegociarem suas dívidas e poderem financiar mais outras.
Esse relato, reforçou mais ainda o que se sabe do valor da associação numa
comunidade e que através de sua mobilização comum, entre sócios e moradores da
comunidade é que as questões de seus interesses são resolvidas, são implantadas e garantidas
na localidade, embora seus dirigentes, muitas vezes, tomados de interesses próprios, puxem
dessas questões, proveitos pessoais que em nada ofereçam essas condições almejadas para
seus associados e ainda não consigam perceber que a educação escolar deve ser um direito
constituído e dever do Estado para suas vidas.
Esse direito, “ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e
específico, mas geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais”,
enfatiza a filósofa Marilena Chauí (2002, p. 334) citada por MOLINA13 (apud SANTOS,
2008, p. 21).
Assim, essa compreensão de Molina sobre o pensamento de Chauí (2002), esta ideia é,
A principal característica da ideia de direito: ser universal, ou seja, referir-se a todos
os seres humanos, independentemente da sua condição social. A educação é um
direito! E como tudo que diz respeito a nós, seres humanos, a ideia de educação
como um direito humano e, mais que isso, a ideia dos direitos humanos é fruto de
uma longa construção histórica da luta de milhares de pessoas até nós chegarmos a
essas conquistas. (MOLINA apud SANTOS, 2008, p. 21).
Ou seja, essa educação como direito humano deve ser pensada como recurso norteador
dos seus discursos, pois ela é um lugar específico, ao menos deve ser preparada para ensinar
os sujeitos a pensar e a dialogar com os colegas e professores, entre outros sujeitos,
respeitando as opiniões diferentes das nossas, mas sabendo como defender nossos pontos de
vista com argumentos coerentes e bem fundamentados. Muito mais do que apenas saber
conteúdos e encontrar respostas para todas as perguntas, é importante aprender a fazer
perguntas, e descobrir quais são os verdadeiros e importantes problemas que precisamos
investigar.
13
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UnB e coordenadora do Centro
Transdisciplinar de educação do Campo – CETEC/UnB.
71
A Constituição Brasileira estabelece os direitos e deveres de todos os cidadãos que
vivem em nosso país, bem como define responsabilidades dos Municípios, Estados, Distrito
Federal e da União. Nesses Direitos sociais também se encontra a educação num capítulo
específico, dedicado ao assunto, onde estabelece a educação como direito humano
fundamental que deve ser garantido pelo Estado a fim de promover o desenvolvimento do
país e de seus cidadãos.
Além da Constituição Federal existem as Constituições Estaduais, a do Distrito
Federal e as Leis Orgânicas dos Municípios que completam a Carta Magna. A
regulamentação dessas normas é feita pelas leis que podem ser federais, estaduais (ou do
Distrito Federal) ou município e, por sua vez, são mais detalhadas pelos Decretos, Portarias e
normas complementares (Resoluções ou Deliberações).
Interpretando a legislação há os Pareceres, que no campo da educação podem ser
originários dos Conselhos de Educação (Nacional, Estadual, do Distrito Federal ou
Municipal). Quando o assunto vai à apreciação pela Justiça surgem às sentenças e, ocorrendo
recursos, os acórdãos. Esse conjunto de documentos constituem os direitos na educação ou,
mais modernamente chamado, o Direito Educacional.
Esses são, na prática, milhares de textos legais que dizem o que deve e o que não pode
ser feito e, em inúmeros casos, há divergências e conflitos de interpretações, causando
grandes dúvidas pelos alunos e demais membros da comunidade educacional. Assim, a
Cartilha dos Direitos e Deveres na Educação, tem por objetivo facilitar a vida de todos,
transmitindo, de uma forma clara, os itens já pacificamente aceitos tanto pelo Governo, como
pelas escolas e pelos alunos.
Isso tudo são formas para reforçarem a ideia destas comunidades de que a escola não é
mais um elemento social que povoa um lugar ou uma comunidade, mas que através dela as
comunidades se sentem mais fortalecidas e de certo modo, legalmente reconhecidas, pois é na
escola que as suas culturas são repassadas e a sua história e condições de vida existentes são
contextualizadas, tornando-se instrumentos do currículo escolar e das atividades pedagógicas
dela, formando sujeitos aptos ao convívio no local e nos mais espaços que pretendam atuar.
De acordo com os objetivos da Campanha Nacional contra os Fechamentos das
Escolas do Campo, apresentado na Página do MST (2011, p. 3), “o primeiro grande objetivo é
fazermos um amplo debate com a sociedade, tendo em vista a educação como um direito
72
elementar, consolidado, na perspectiva de que todos possam ter acesso”. O que precisamos
fazer é justamente frear esse movimento que tem acontecido, do fechamento das escolas do
campo, sobretudo no âmbito dos municípios e dos estados.
Segundo esse objetivo, constante nesta publicação do MST (2011, p. 3),
Pensar isso significa garantir esse direito tão consolidado no imaginário social, como
uma conquista social à educação, garantir que as crianças e os jovens possam se
apropriar do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, que esse
conhecimento esteja vinculado com sua prática social e que, sobretudo, esse
conhecimento seja um mecanismo de transformação da vida, de transformação para
que ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana.
Atrelado a essa ideia, temos que fazer esse debate da educação como um direito
básico, e que nós não podemos, do ponto de vista da sociedade, dar passos para trás nesse
sentido, ao negar esse direito historicamente consolidado.
Assim, encontrando a “chave” para termos cidadania ativa, devemos compreender que
para ter uma cidadania informada, isto começa cedo. Assim, a educação não deve servir
apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região, deve dar-lhe os
conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la, ressalva Dowbor (2006).
De acordo com esse autor, “há uma dimensão pedagógica importante neste enfoque.
Ao estudarem de forma científica e organizada a realidade que conhecem por vivência, mas
de forma fragmentada, as crianças tendem a assimilar melhor os próprios conceitos
científicos, pois é a realidade delas que passa a adquirir sentido” (DOWBOR, 2006, p. 1).
Assim, a intenção desta pesquisa foi poder propor um pensamento que fortaleça a
convivência desses moradores nestas localidades através da educação contextualizada,
respondendo crítico e reflexivamente a essa pergunta norteadora: como o estudo dos
processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho revela a contribuição da
escola, seus avanços e retrocessos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o
semiárido nessas comunidades?
De forma contextualizada, respeitando as limitações e implicações de cada um, do
modo de vida a que estão adaptados, fazendo com que seus saberes sejam aproveitados e
aliados aos novos saberes da escola, surtam oportunidades satisfatórias e possíveis de
crescimento pessoal e local dos sujeitos em suas comunidades.
73
Pois essa educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o
fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais,
favorecendo a compreensão, a tolerância e a amizade entre todos os homens.
De tal modo, vislumbramos para essas localidades uma escola que abranja essas
expectativas e uma educação que vise tanto esse desenvolvimento da personalidade humana,
como social. Transmitindo valores essenciais à vida e ao empoderamento das famílias.
Essa escola passa então, segundo Dowbor (2006, p. 5),
Ser uma articuladora entre as necessidades do desenvolvimento local, e os
conhecimentos correspondentes. Não se trata de uma diferenciação discriminadora,
do tipo “escola pobre para pobres”: trata-se de uma educação mais emancipadora na
medida em que assegura ao jovem os instrumentos de intervenção sobre a realidade
que é a sua.
Assim, estima-se que nestas comunidades o número de saídas dos moradores para
outras localidades, em busca de melhores condições de vida, sejam minimizados com a
presença e participação ativa de uma escola nesta região, a fim de que haja coerência
sistêmica das numerosas iniciativas desses sujeitos, neste espaço do Semiárido, com uma
cidadania informada. Ou seja, com um bom conhecimento da realidade, com sólidos sistemas
de informação, e transparência na sua divulgação, podem permitir iniciativas inteligentes por
parte de todos.
Essas e outras informações é que pretendemos que cheguem a essas comunidades de
Cacimba do Silva e Sertãozinho, sobre as suas potencialidades e possibilidades locais para
convivência com o Semiárido e para a permanência nelas, fomentando o desenvolvimento
local sustentável e a proposta de educação contextualizada que rompe com o pedantismo dos
modelos tradicionais, colonizadores, para uma experiência condizente e democrática para a
vida do/no campo.
Nessa perspectiva, destacaremos a seguir o histórico da localidade, com base nas
experiências dos moradores, com uma linha do tempo criada a contar de sua chegada nestas
localidades, bem como apresentaremos os sujeitos da pesquisa, pessoas importantes para o
registro desse resgate histórico e social destas localidades, bem como para análise e resultados
dos dados, surgidos ao longo desse processo de construção de TCC, pensando a educação
contextualizada para convivência com o Semiárido.
74
4.1. Histórico da localidade, a partir das experiências do morador Valdemar Ferreira
Passos – linha do tempo de Cacimba do Silva e Sertãozinho
De
acordo
com
registros
já
realizados por técnicos da EBDA e outros
órgãos,
governamentais
e
não
governamentais, nas comunidades de
Cacimba do Silva e Sertãozinho em 2006,
através de coleta de dados com os
produtores rurais em suas propriedades, a
pesquisadora Edneuma e sua equipe de
Figura 07: O Sr. Valdemar com a sua criação de bodes em 09 de
agosto de 2006.
técnicos e cooperadores realizaram na Cacimba do Silva algumas entrevistas a fim de se
conhecer as criações dos mesmos e das suas histórias pessoais na agropecuária.
O primeiro entrevistado no dia 08 de agosto de 2006, foi o Sr. Valdemar, na época
com a idade de 77 anos, em sua residência. A entrevista está embasada em questionários
dirigidos ao agricultor para conhecerem da sua produção agropecuária nesta localidade,
embora para chegarem a essa questão a pesquisadora faz um longo percurso para descobrir
quando o morador chegou à localidade, de onde veio, como era a localidade quando chegou,
como tomou posse das terras, o que compreendia de Fundo de Pasto, entre outras questões,
até saber da forma como criavam os animais e plantavam sem chuva e sem irrigação.
Considerando os jeitos, falas e conhecimentos comuns e informais do produtor na sua
prática da criação do bode, entre outros produtos, sem assessoria técnica apropriada e durante
tantos anos como a principal atividade deste trabalhador. Objetivando assim ajudá-lo de forma
técnica com os cuidados e manejos com os animais nestas localidades.
Nessa entrevista a pesquisadora Souza (2006) traz suas perguntas sobre a vida pessoal
do produtor, relacionadas às suas atividades do dia-a-dia no campo. E as respostas estão na
íntegra como o mesmo respondeu, com suas peculiaridades e simplicidades nestes lugares,
escrevendo como ele falou e como se posicionou durante a entrevista com a pesquisadora.
Essa entrevista, nos fala das técnicas implantadas pelos agricultores, repassadas aos
mesmos por seus antepassados, até os dias de hoje, que tem dado certo e conciliadas as
tecnologias modernas de convivência com o Semiárido dão aos produtores resultados
75
positivos no manejo animal e na agricultura familiar. Tornando-se ao longo desses anos
referência para implantação em 2010 da Cooperativa de bode e possivelmente de seus
derivados na localidade que garantirá aos produtores cooperados mais segurança na produção
do bode e selo nos seus produtos comercializados para fora destas localidades.
Com o Sr. Márcio Irivan Passos, no dia 20 de agosto de 2006, a pesquisadora
Edneuma fez a entrevista também relacionadas às suas experiências de agricultor, mas ainda
da vida pessoal antes dos doze anos, na escola, da sua relação com os pais, e da seca, entre
outras questões, de água, luz, alimentação, trabalho, etc. revelando a tentativa de mudarem
seus jeitos e saberes do senso comum na criação do bode, que era por intuição, e depois disso
“começou a coisa a sair daquele dom que a gente tinha”, diz esse agricultor, passando a
perceber que a realidade agora exigia outros implementos e parcerias.
Através da criação da Associação em 1996, “aí sim, mudou tudo”, reforçou o morador
Março, que continua dizer “eu já comecei a ficar na linha de frente, que era o presidente, aí já
veio curso, e esses cursos sempre dizia: melhorar, tem que mudar”. Segundo Março (apud
Souza, 2006, p. 16) diz que foi com o surgimento da associação que mudou a mentalidade das
pessoas, que começaram a trabalhar em grupo e a povoar mais o lugar.
Naquela época tinham poucas residências nestas localidades e a associação povoou um
número maior de moradores nessas comunidades, filhos leigos dos moradores ou préalfabetizados na escola que existia, esses sujeitos foram morar em outras regiões por
buscarem melhores condições de vida lá fora.
Nesse momento histórico, a associação foi se estabelecendo, e as reuniões aconteciam
embaixo de uma árvore ou na casa da mãe desse presidente. Todos jovens e solteiros e só os
pais, amadurecidos, observavam os discursos e as manifestações que aconteciam em busca de
melhores condições de vida nestas localidades. Havia viagens, cursos, intercâmbios, feiras,
etc. em outros espaços e localidades, participavam da Feira Nacional da Agricultura Irrigada –
FENGRI, bem como de vários encontros e palestras para aproveitarem dos conhecimentos e
implementos a agropecuária na região, levando sempre esses conhecimentos para suas
práticas nestas localidades.
Com o passar dos anos as coisas foram mudando e esses encontros passaram a ser
restrito para os moradores, e apenas uma pequena parcela dos sócios se beneficiaram dessas
formações, possibilitando a esses poucos os saberes necessários para montarem a
76
Cooperativa, que aliada a outras parcerias, ainda não deu total abertura para a produção local,
segundo depoimento de moradores que não estão ainda como cooperados.
Assim,
esse
trabalho
vem
apresentar
as
experiências
desses
moradores,
compreendendo a linha do tempo de desenvolvimento a partir das memórias e relatos do Sr.
Valdemar, um dos precursores na luta por recursos e melhorias para o desenvolvimento local,
a fim de garantir uma vida mais digna para sua família e demais moradores deste espaço do
vasto Território do Sertão Brasileiro.
Esse morador veio para estas localidades com os pais, quando ainda era criança, com
dois anos de idade, eles vieram para tomar posse dessas terras e assim foram construindo as
relações e as experiências existentes, criando suas famílias nestas comunidades, e pautando-se
informalmente na noção do desenvolvimento sustentável – que, segundo o Relatório
Brundtland, documento intitulado Nosso Futuro Comum, publicado em 1987 pela Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e que faz parte de uma série de iniciativas
anteriores à Agenda 21, é o desenvolvimento que vem para atender às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas
necessidades.
Essa abordagem realizada por Souza (2006)
foi importante para nos trazer os dados que
buscávamos sobre a realidade local e as relações
existentes entre seus moradores. Embora já
tivéssemos recebido do Sr. Valdemar, um histórico
anteriormente elaborado, para sua festa de
aniversário de Bodas de Ouro de seu casamento,
Figura 08: O Sr. Valdemar com a esposa Carolina em suas
Bodas de Ouro em30 de julho de 2005.
realizado em 30 de julho de 2005.
Esse senhor é um dos moradores mais velhos da localidade de Cacimba do Silva.
Nasceu no dia 17 de novembro de 1928, na Fazenda Bom Será, e seus pais José Ferreira e
Joana Ferreira, passam a chama-lo de Valdemar Ferreira Passos. Este crescera forte e valente,
sempre obediente aos pais.
Muito amado e respeitado pela família, esse homem procurou aprender com os
mesmos o seu valor, a sua coragem, o seu caráter, a sua lealdade, dignidade e integridade em
lutar e ser vencedor, sem denegrir seus adversários e nem se deixar-se vencer por eles.
77
Um homem dedicado em seus ofícios, de filho, irmão, amigo, homem, esposo e pai,
vaqueiro, agricultor e produtor de bode e gado, um guerreiro em busca dos seus ideais.
Sempre disposto a conquistar seus objetivos com muita determinação.
Aprendeu muito cedo com seu pai, a lavrar a terra para plantar e colher dela o alimento
pra sobreviver e para vender e aumentar sua renda a de sua família. Aprendeu a cuidar dos
animais e ser um bom vaqueiro, ou mesmo um típico “coronel”, fazendeiro forte destas
bandas, dono de trabalho e da terra. Correu diversas vezes atrás de gado valente na caatinga,
sempre forte e destemido para enfrentar o novo que lhe surgia.
Tinha até um dom, de curar gado e criações feridas no mato, pelo rastro, afirma esse
morador, mesmo correndo risco de uma cobra ser alcançada e ferida de morte também
sobreviver, por que a reza era forte e o resultado era imediato como se pretendia.
Na sua época não teve oportunidade de ser alfabetizado e de se especializar em alguma
profissão que o mercado de trabalho exigia, mas com muito esforço, dentro de quinze tardes
aprendeu a escrever seu nome completo.
Tinha um ideal a conquistar, casar e constituir uma família. E ser um esposo capaz de
poder dá o melhor para sua esposa e filhos que viriam ter, sendo um futuro pai amoroso e
zeloso por seus filhos. Ensinado aos mesmos todos os ofícios que aprendeu com seus pais e
que desde cedo ajudou a ser o homem que és.
Foi como muitos rapazes da época, charmoso, um galanteador, deixava muitas moças
apaixonadas. Até o dia que conheceu e se apaixonou pela jovem Carolina.
Esta mulher, que nascera no dia 26 de novembro de 1934 na Fazenda Pontal, distrito
de Itamotinga – Juazeiro/BA e que seus pais Antônio Vieira de Sousa e Ana Rosa de Sousa
deram-lhe o nome de Carolina Vieira de Sousa, fora uma criança amorosa, temente e educada
com os pais e com todos que lhes rodeassem, por isso foi sempre muito querida pela família.
Sendo carinhosamente chamada por seus irmãos mais novos de Dindinha Calú.
Era uma moça prendada e charmosa aos olhos de muitos rapazes das redondezas, que
pretendiam conquistar-lhe, por ser filha de fazendeiro, na época um senhor milionário na
criação de boi e dono de engenho, mas por nenhum seu coração se agradou.
Aprendeu com a sua mãe o papel de uma dona do lar e a ser uma mãe responsável e
dedicada ao seu ofício. Tornando-se uma esposa exemplar, amiga, companheira, fiel, sincera,
78
bondosa, uma verdadeira pérola criada por Deus. Tudo isso conta no referido histórico
familiar dessa família. Dona Carolina foi e é uma mãe como poucas, para seus 15 filhos,
sempre meiga, compreensiva, muito emotiva e preocupada com eles, comenta a mesma,
emocionada.
Com o falecimento de José Ferreira Passos, pai do jovem Valdemar, este foi a uma
festa de casamento na Fazenda Jacaré, em 1952, e lá conheceu a bela jovem Carolina.
Esta se dirigiu ao rapaz para cumprimentá-lo, pela morte do pai e para saber se o
mesmo estava bem, depois do que tinha lhe acontecido.
O jovem muito charmoso, respondeu que tudo estava bem. Embora a tristeza fosse
grande e que sentia muito a falta do pai. Daí por diante, o tempo para eles mudou, sempre que
se encontravam iam passando e se olhando.
A festa passou e depois de algum tempo, o moço andava com o seu irmão Pedro (in
memoriam), a procura de uma vaca, quando novamente viu a Carolina. Ela estava sentada à
porta de sua casa ao lado de sua prima Maria, no Mané Vermelho.
Esse histórico revela que as moças estavam a conversar, quando viram os moços
passarem na porteira em frente da casa. Os jovens se aproximaram ofegantes e cansados da
longa cavalgada, mas aparentando estarem paquerando as moças. Pararam e as
cumprimentaram. Elas com intenção de que eles se aproximassem para conversar, pediram
que entrassem. Porém, os rapazes preocupados com as altas horas que viajavam, responderam
que estavam com pressa. Eles foram embora, e as moças ficaram a questionar-se, a prima de
Carolina queria saber se ela estava gostando de Valdemar.
Carolina, feliz, mas desconfiada com a pergunta da prima, respondeu que tinha
coragem de namorar ele.
Novamente o tempo se passou e em dezembro de 1953, numa novena realizada na
Fazenda Jacaré, festa cheia de gente, com muitos fogos, Valdemar encontrou a prima Maria,
esta lhe parou para conversar e pedir que ele namorasse com a sua prima Carolina.
Que tempo aquele, em que os arranjos de casamentos davam certo e os
relacionamentos duradouros, a família arrumava os noivos e o tempo, senhor de todas as
coisas dava seu jeito certo em fazer as famílias se constituírem de forma honrosa e respeitosa
durante toda a vida, até que a morte os separassem.
79
Assim, o jovem animado e ansioso com aquela conversa da prima Maria, partiu dali ao
encontro de Carolina, ela estava recostada num canto bem reservado da festa, contemplando a
solta dos fogos. Então, ao encontrar-se com a jovem, ele foi direto ao assunto, ali tinha gente
para todos os lados, e perguntou-lhe: – “Calú, você quer namorar comigo?”.
A moça nervosa e envergonhada, respondeu rapidamente: – “Sei não, você quem
sabe”. Daí por diante, os jovens acertaram o namoro e se despediram. De repente, quando
Carolina estava indo embora, veio-lhe ao encontro uma ex-noiva do rapaz, que estava a
observá-los durante a festa, e interrogou-lhes dizendo, com ar de ciúmes do moço, que o
Valdemar não pretendia casar-se com ela, pois se ele quisesse se casar teria casado com ela,
que tinha sido sua noiva e ele só quis lhe enganar.
Com ar de superioridade, percebendo o ciúme da moça, Carolina respondeu-lhe que
não estava namorando com ele com intenção de se casar, pois ainda era muito jovem.
Sem querer partir pra briga, Carolina se despediu da moça dizendo que não queria
confusão, pois a escolha era dele e ela não podia fazer nada. Deixando a outra jovem ainda
mais decepcionada, disse-lhe: – “se a felicidade vem pra uma, a outra não poderia impedir”.
O tempo se passou e depois de alguns meses sem se verem, em março de 1954, lá na
localidade de Maroto, os pais de Carolina, estavam numa caiçara14, lidando com o gado e com
os requeijões, que na época eram de fartura, quando surgiu por lá o jovem Valdemar. Ele
tinha ido visitar sua irmã Diomar (in memoriam), que morava ali por perto. Ao chegar lá, a
mãe de Carolina mandou que seu filho José (in memoriam), fosse buscar sua irmã Carolina na
casa da Fazenda, no Mané Vermelho.
Quando a moça chegou, deparou-se com o jovem Valdemar. Estes foram conversar
sério, em assuntos de amor, a respeito do namoro. Com isso, ela alegou que a ex-noiva dele
tinha lhe dito que ele era um enganador de moças e que não pretendia casar-se com nenhuma.
Ele muito decepcionado, demonstrando sinceridade nas suas palavras de amor, tentou
convencer a namorada, dizendo-lhe que era mentira da outra, com despeita por não ter se
casado com ela, e pediu-lhe que não se preocupasse. Os jovens se entenderam e após alguns
meses noivaram.
14
É uma palavra de origem tupi, que designava-se apenas a indivíduos que viviam da pesca de subsistência.
Mais tarde, o termo caiçara veio designar diversos itens de cunho cultural no litoral brasileiro. Nesse contexto é
também uma espécie de afastamento das influências das áreas mais movimentadas das comunidades para o
trabalho de busca e apreensão de animais soltos na caatinga para levarem para o curral.
80
Foram pensar em construir um futuro melhor, então Valdemar chamou um carpinteiro
para fazer a casa de taipa15 na Cacimba do Silva, lugar este, em que residem até os dias de
hoje, numa casa melhor de alvenaria, comum aos tempos e as residências das demais pessoas
da localidade. Segundo eles, as coisas agora são outras, inclusive no cuidado com a terra e
com os animais e na produção para comercialização. Pois, antes era mais simples e todos
confiavam em seus produtos e até se reuniam para ajudar na matança dos bichos e dos
preparos no corte e vendas das carnes. Tudo ao ar livre e sem nenhuma preocupação com
infecção e higienização de ferramentas ou lugar adequado e resfriado para o abate e
conservação da carne, como as normas da ADAB exige.
Assim no dia 25 de julho de 1955, às dez horas da manhã, os jovens se casaram.
Oferecendo aos convidados uma festa que durou o dia inteiro.
4.2. Como essa família conheceu as doutrinas da Igreja Evangélica Assembleia de Deus
nestas localidades?
Depois de casados, com seus
três filhos mais crescidos que os
demais que nasceram posteriormente,
com idades para compreenderem dos
assuntos dos adultos, nas décadas de
1970 chegou à sua casa um tio de sua
esposa Carolina, quem sendo crente e
dedicado à obra de Deus, chamandose de Pedro Rodrigues (in memoriam),
Figura 09: O Sr. Pedro Rodrigues à esquerda, de terno e ao seu lado os jovens
dessas comunidades na Inauguração do templo Sede das Assembleias de Deus
em Juazeiro-BA em ju1ho de 1982.
quem lhes pregou a palavra de Cristo e às demais pessoas desta região, de Cacimba do Silva,
Sertãozinho, Lagoa dos Cavalos, Fortuna, Baraúna, Rodeadouro, Canoa, entre outras
localidades circunvizinhas, dizendo que as crenças e oferendas das culturas existentes não
agradavam a Deus.
15
É o barro armado com madeira. Consiste numa estrutura de ripas de madeira ou bambu, formando um
gradeamento, cujos vazios são preenchidos com barro amassado. Uma forma sustentável de viver que já está em
desuso e pouco ainda se vê nestas localidades.
81
Nessas localidades existiam muitas crendices populares, muitas festividades pagãs e
outras culturais e religiosas, novenas aos santos católicos, bem como rodas de São Gonçalo,
reisados, corridas de argolinha, batizados, romarias, consultas a videntes, feiticeiros e
macumbeiros, sem contar que o Sr. Valdemar frequentava o espiritismo.
Seu Pedro Rodrigues dizia que para eles serem salvos precisavam se converter a esse
Deus que criou os céus e a terra e tudo que nela há, e então os convidou a todos para aceitar
Jesus e a vim servi-lo na sua religião na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, com sede em
Juazeiro-BA, dizendo que esse Senhor os amava muito e tinha grandes planos para suas vidas
e para sua família. Esse Senhor perdoaria os seus pecados e escreveria os seus nomes no livro
da vida, para serem novos herdeiros do trono de Deus.
Valdemar, já havia escutado uns amigos relatarem das doutrinas dessa religião, que
tinha normas rígidas sobre o comportamento cristão e a respeitar a Bíblia, e pensava nessa
Igreja como a melhor coisa que poderia servir para ele e a sua família, pois como tinha
muitas filhas, essas sem doutrina, seriam iguais as muitas moças “perdidas16” que conhecia
por essas regiões.
Porém muito curioso para conhecer esse Deus e “beber da água da vida”, revela o
Evangelista São João (4. 14 apud ALMEIDA, 2002), que disseram-lhe que só Jesus podia
lhe dá, conversou com sua esposa para aceitar com ele o convite do tio Pedro Rodrigues e
se entregarem ao Senhor. Ela, porém, muito católica e fiel aos seus costumes e juntamente
com o esposo devotos de imagens de esculturas e festejavam muitas festas em sua casa
para a sua gente, não quis aceitar o convite de se tornar crente em um Deus desconhecido
por eles, mas não o proibiu de se converter primeiro, ela temia que sendo crente antes dele,
ele ia ficar mais solto para os festejos mundanos.
Ele também tinha o mesmo pensamento quanto às ideias da esposa. Achava que, ele
sendo crente e ela não, não ia dá certo, pois as filhas estavam crescendo e também se
perderiam com os deleites mundanos.
Ficou pensando no assunto com o coração cheio de desejo em “experimentar” de
Jesus. Daí, algum tempo mais tarde, veio a sua casa e hospedou-se por dez dias a saudosa
irmã Maria Nelça, uma senhora desbravadora da palavra de Deus, muito conhecida nessa
16
Termo utilizado para as mulheres que tinham relações sexuais antes do casamento, quem eram expulsas de
casa, prostitutas e mesmo sem moral, por desrespeitarem os padrões pré-estabelecidos da sociedade da época, em
que as mulheres eram obrigadas a se casarem virgens.
82
igreja, por ser uma mulher de fé e possuir muitas experiências da vida cristã, cheia de
milagres, trazida pelo irmão Pedro Rodrigues, onde teve a oportunidade de falar mais de Jesus
e pregando-lhe todos os dias desta visita, deixando o Sr. Valdemar ainda mais decidido e
ansioso para aceitar a esse Jesus Cristo, que no seu tempo de vida, ainda não tinha ouvido
falar, não desta maneira, como estas duas pessoas haviam lhe contado agora.
Só que, ele tinha amigos que sempre frequentavam a casa, que não conheciam desse
Jesus e nem tinha vontade de conhecer como ele estava querendo, avisaram a um outro amigo
também espírita e aparecendo por lá, tomou conhecimento do seu interesse em aceitar Jesus, e
tratou logo de o fazer desistir, que disse-lhes que essas coisas eram vans e contraditórias, não
tinha sentido ele segui-los nessa palavra sobre a verdade que liberta os oprimidos do poder
das trevas e constrói o ser em uma nova criatura apta para adentrar no reino de Deus.
A decisão de Valdemar em ser um crente, uma pessoa “transformada e liberta do
poder das trevas”, segundo palavras do mesmo, fez o amigo espírita ficar furioso com as
novas tendências de Valdemar, então o abandonou, quando entendeu que na vida desse
homem, já habitava as provas da transformação de vida, que supostamente as palavras
pregadas sobre o grande amor de Deus, realizaram em si.
Valdemar relata que, apesar de está muito ansioso para se converter a Deus, esperou
com paciência na decisão da esposa, que por sua vez não se decidia logo e deixou que a vida
lhe pregasse uma peça. Em 1974, depois dela dá a luz a um dos seus penúltimos filhos, passou
mal e teve que ser levada ao Hospital Regional de Juazeiro, tendo que se internar por tempo
indeterminado, e com suspeita de morte.
Geralmente as mulheres destas localidades tinham seus filhos em casa, era de costume
os partos serem realizados por mulheres mais experientes da comunidade, que não existem
mais nestas localidades e que na época eram parteiras sem formação, apenas com
conhecimentos empíricos e populares, como aprendiam das suas antepassadas. Em muitos
casos não era preciso ir ao hospital, e todos os outros partos já realizados com a Carolina não
foi preciso e nem ela sabia como era um hospital, porém desta vez, a sorte não foi a mesma,
sendo de urgência a sua ida até o mesmo.
No quarto onde ela ficou, tinha uma paciente evangélica que lhes pregou sobre Jesus,
quem operou maravilhas com a multiplicação dos peixes e pães, do vinho num casamento,
ressuscitou dos mortos, curou doentes, a cegos fez enxergar, oferecendo a ela mais uma
83
oportunidade de ouvir as palavras que lhe deixaram cientes do tamanho do poder de Deus.
Fazendo com que Carolina e seu esposo, fizessem um voto com esse Deus.
Eles disseram que se esse Deus a curasse naquele momento, tanto Valdemar quanto
toda a sua família se renderiam ao Senhor. Inocentemente, crerão que Deus ouviria aquele
voto, passaram aqueles dias no hospital e Deus cumpriu com o seu papel, segundo
testemunham esse casal, depois de quinze dias Carolina recebeu alta e foi levada para casa.
Então, eles muito satisfeito, lembraram do voto e ali na sua casa agradeceram a Deus
pela cura de Coralina, pediram ao tio Pedro Rodrigues que fizesse um culto em sua casa. Este
culto foi depois realizado no dia 18 de maio de 1975 às sete horas da noite, e ao término do
culto, Valdemar e toda a sua família se renderam aos apelos de conversão ao Senhor,
proferidos por aquele homem, representando a Igreja Evangélica Assembleia de Deus na
Cacimba do Silva.
A partir daí, contam esses moradores que sobrevieram provas, que, permitiu a cada
um, se firmar cada vez mais nos caminhos desse Senhor, se fazendo cumprir todos os planos
que lhes prometeu, que promete e que ainda está prometendo.
Em 07 de março de 1976, Valdemar, sua esposa e seus três filhos mais velhos se
batizaram nas águas, como a Bíblia lhes ensinava e logo após, o Senhor os concedeu o
batismo com o Espírito Santo, que segundo testemunham esses moradores, selou-os de poder
e de fogo que queimou toda a carne e os seus pecados para viverem em santidade de vida,
com o espírito da verdade a cada dia, até os dias de hoje e com fé para toda a eternidade!
Ressalta o casal com os seus filhos durante essa pesquisa.
Contam-nos ainda que seu casamento foi abençoado a cada dia. Sendo agraciados
também, pela misericórdia de Deus, com os 15 filhos que tiveram, destacando os nomes de
casa um na ordem dos seus nascimentos: Maria Nilza (1956), Maria do Carmo (in memoriam,
1958-1958), Nilton (1959), Maria do Socorro (1960), Coralina (1962), José Valdemir (1964),
Rosa (1965), Luciene (1966), Maria José (1968), Josilene (1970), Rozania (1971), Ileno
(1973), Cícero (1974), Noêmia (1976) e Noé (in memoriam, 1976-2001).
Esses dois últimos nasceram de gêmeos e no parto, após o nascimento da Noêmia,
quando a mãe soube do outro bebe que estava esperando, se assustou e com o susto o Noé
teve paralisia infantil, sendo cuidado por todo o tempo de vida pelos pais e irmãos, quem
davam-lhes todo o amor e atenção que precisava até seus 24 anos de idade quando veio
84
falecer de causas naturais no querido colo de sua mãe Carolina, quem dedicou todos os dias
de sua vida aos cuidados de seu filho, tão lindo e tão esperto, apesar de toda a dificuldade com
a paralisia que o deixou acamado pra sempre e onde suas refeições e higiene pessoal eram
realizadas constantemente com auxilio de suas meigas mãos.
4.3. Linha de base para a trajetória de desenvolvimento local
Para os atores e agentes de desenvolvimento engajados na melhoria das condições de
vida da população dessas localidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho, a preocupação é,
como diz ADAC (2011, p. 19),
Recorrer a uma abordagem dinâmica do apoio ao desenvolvimento local, baseada
numa melhor compreensão da realidade e da sua complexidade onde a educação
figura como peça essencial a um modelo novo e participativo de pensar o
desenvolvimento local, tendo na escola um agente fundamental e na comunidade um
agente avizinhador das vontades.
Assim, compreendendo o papel da escola, como agente fundamental para o
desenvolvimento local, é que resgatamos as experiências sociais destas comunidades para
pensarmos a ECSAB como fomento a vida e as condições nela existentes. Pois, “viver aqui é
bom, criar o nosso criatoriozinho, mesmo com todo sofrimento é bom. Me preocupo é que se
não tiver a escola, daqui pra frente não vai ter também quem labute com nossos criatórios, por
que os jovens querem sair daqui, mas aqui é melhor”, ressalva o dirigente da Associação de
moradores.
Então, será através da família do Sr. Valdemar Ferreira Passos, pais, irmãos, parentes e
a sua esposa e filhos, que contaremos como se estabeleceram na localidade, bem como
tiveram as primeiras manifestações sociais em Cacimba do Silva e Sertãozinho.
Conta a história da memória desse povo que esse nome de Sertãozinho, localizado à
margem da rodovia que liga Juazeiro a Curaçá, surgiu por uns forasteiros que viajando se
hospedaram ali e criaram por um bom tempo suas famílias e seus criatórios, seu primeiro
morador se Chamava Raimundo Mota, que passou a ser dono das terras da Fazenda
Sertãozinho.
85
Já na Cacimba do Silva, era esta conhecida pelos moradores por Fazenda do Baltazar,
que foi o primeiro morador desta localidade, depois veio outro morador com sobrenome de
Silva e unindo-se a busca por água de cacimbas que havia em grandes quantidades no riacho
desta localidade, os moradores da época formaram o nome da localidade – Cacimba do Silva.
Como não se tem registro dessa história na localidade, os mais velhos têm cada um a
sua própria ordem dos acontecimentos na localidade, inclusive contam que o primeiro
morador não foi esse anteriormente citado e sim Quintino Ribeiro, que era o dono dessas
terras. Desse modo, sem terem mais esses sujeitos para comprovarem esses fatos, preferem
cada um falar como lhe convém.
Nestas regiões, todos tinham as mesmas funções profissionais dos pais e antepassados,
os homens ajudavam aos pais e as mulheres ajudavam as mães, algumas dessas mulheres
precisavam e até gostavam também de ajudar nos trabalhos braçais da lida no campo,
acompanhando os pais nas roças, nas criações de bois e bodes, as demais mulheres se
esforçavam apenas nos cuidados da casa, nos artesanatos que aprendiam com as mães, com
costuras, bordados de ponto cruz, crochês e renda, e ainda na fabricação de cordas de caroá e
arrumação dos enfeites dos gibãos e artigos de couros fabricados pelos pais e filhos, utilizados
quando saiam para as corridas de vaquejadas, argolinhas e caçadas na caatinga, onde se
apresentavam demonstrando bravamente os conhecimentos e a cultura do lugar às pessoas que
os assistiam.
As moças também eram coroadas rainhas e princesas, entre outras atividades que
realizavam na convivência diária desse lugar, sem terem ainda as tecnologias de captação de
água da chuva como políticas públicas surgidas através de ONGs ou empresas da região, mas
já cavavam cacimbas nos riachos e poços em busca de água ou então contratavam máquinas
para fazerem tanques que nas épocas de chuva sangravam e serviam para guardar água por um
bom período até que chovesse novamente.
Esses tanques se enchiam também de peixes e na seca serviam de alimento para as
pessoas e famílias destas comunidades de Cacimba do Silva e Sertãozinho. Nada que durasse
muito tempo, mas que iam servindo de paliativos para sobreviverem diariamente com a seca
predominante nessa região. As pessoas do lugar eram todas muito amigas e compartilhavam
de todas as atividades existentes.
Se alguém matava um animal para vender, vendia na localidade, e se esse animal era
86
para seu sustento e de sua família, tinham o hábito de o repartirem com os demais moradores.
Em algumas residências locais ainda tem esse costume ou ainda fazem essa negociação para
comercialização dos seus produtos na localidade, e só depois, com o que sobrava é que
levavam para outras localidades para ser comercializado ou trocado por produtos que estes
estavam precisando, tais como peças de tecidos, couros, linhas de costuras, cordas, sacos de
comidas e outros materiais para suprimento pessoal e familiar, além das coisas para cuidar dos
animais e da agricultura neste lugar.
Eles tinham também a boa ideia de guardar e conservar os alimentos produzidos da
agricultura familiar, e até mesmo remédios e bens de consumo comum e coletivo que, devido
a dificuldade de se locomoverem até a cidade, encomendavam aos amigos e vizinhos para
trazer.
Todos tinham respeito uns pelos outros e tudo que compartilhavam era motivo de mais
união e fortalecimento destas comunidades, representadas por seus familiares. Essas famílias
eram sempre grandes de filhos e trabalho, o que aumentava a compreensão e a força para
adquirirem bens e renda no trabalho.
Este trabalho era realizado para obtenção de riquezas em comum nestas localidades,
tanto na agricultura familiar, onde quem ajudava, dela tirava seu sustento e da sua família,
quanto na busca pela água, na criação dos animais e no tirado de cercas para as roças e
cercados de plantas, animais e divisão de terras, demarcadas em comum acordo entre seus
moradores, combinando e articulando tudo para a melhoria da qualidade de suas vidas na
região.
Por isso construímos uma linha de acontecimentos nestas localidades de Cacimba do
Silva e Sertãozinho, a contar pelas experiências desse morador Valdemar, que juntamente
com seus amigos que já se foram, restando ele em Cacimba do Silva, seu cunhado Francisco e
seu sobrinho Pascoal, ambos em Sertãozinho. Estes são os representantes mais idôneos dessas
localidades, braços fortes para o início do desenvolvimento local, pois alem de criarem a
Associação, também construíram a igreja evangélica no Sertãozinho e estão construindo outra
igreja na Cacimba do Silva.
Foi por meio desses homens que os variantes da divisão de terras foram organizados
para as partilhas com os novos moradores, que inclusive pretendem construir uma nova
associação de moradores para alcançarem os meios de formarem legalmente outro povoado
87
dentro dessas localidades.
Isso demonstra também que esses sujeitos são “outros” dentro desse processo de
desenvolvimento rural que trazem ideais de organização social, com planejamento para uma
vida mais dinâmica e um projeto de convivência mais condizente com as atividades que se
anseiam desenvolver, pensando numa educação contextualizada para fomento desse
desenvolvimento e empoderamento das famílias dessa região.
Como diria SACHS17 (2007, p. 31) “não podemos nos omitir de buscar formas de
gerar oportunidades de emprego e auto-emprego no campo, apesar das dificuldades que essa
tarefa implica”. Segundo esse autor,
Não podemos nos omitir, portanto, da discussão de um novo ciclo de
desenvolvimento rural gerador de oportunidades de trabalho decente. Ao mesmo
tempo, todos os esforços devem ser envidados para que o campo se urbanize, no
sentido de condições e amenidades de vida e de acesso à educação, proteção da
saúde e cultura. (SACHS, 2007, p. 33).
Portanto, visando essa “urbanização” no campo, como refere Sachs (2007), é que esse
trabalho se pauta em resgatar os processos históricos e sociais das localidades de Cacimba do
Silva pensando a educação contextualizada para convivência com o Semiárido, essa, portanto,
deve ser de valorizar esse meio social com todas as suas condições e oportunizar esse
“desenvolvimento rural gerador de oportunidades de trabalho decente” citado por Sachs
(2007, p. 33).
4.3.1. A linha do tempo e o desenvolvimento das comunidades
A linha do tempo se constitui da seguinte maneira, o ano de 1955 será a data base para
o desenrolar dos fatos e antes dele, apresentaremos apenas como esse morador, o Sr.
Valdemar veio para essas localidades com a sua família.
17
Ignacy Sachs (Varsóvia, 1927) um economista polonês, naturalizado francês. Também é referido como
ecossocioeconomista, por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico,
aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental.
88
Segundo conta esse morador, ele veio em 1930, com a idade de dois anos, para essas
comunidades juntamente com a sua mãe, pai e irmãos mais velhos. Para tomarem conta das
terras herdadas de seus antepassados. Seus pais construíram, do outro lado do riacho que corta
a comunidade de Cacimba do Silva, sua moradia de taipa, uma técnica primitiva, desprezada
não só pelas elites, mas até mesmo pelas classes populares, este tipo de construção ficou
ligado à miséria e traz embutido um caráter de moradia provisória, um abrigo passageiro
contra a opressão da natureza.
Embora que essa opressão da natureza
não pode ser controlada em 1960, quando
houve uma enchente na localidade e o riacho
“botou”, como costumam dizer, tanta água que
destruiu toda a casa de seus pais e a sua, pois
nessa época já estava casado e com dois filhos
ainda bebês. A enchente fez dessas residências
Figura 10: Uma típica residência de taipa.
(http://www.csaarquitetura.com.br/index3.htm)
e das produções agropastoris uma tragédia.
Perderam tudo, juntamente com eles a enchente abalou as estruturas sociais tanto desta
família como dos demais moradores que tiverem que reconstruir tudo, dessa vez do lado mais
alto que estão até hoje, afastados do riacho da localidade.
Retornando a linha do tempo, em 1930 houve a revolução que derrubou oligarquias e
colocou Getúlio Vargas no poder. O capitalismo vivia um momento de crise provocado pelo
colapso das especulações financeiras que, inclusive, provocaram o “crash” da Bolsa de Nova
Iorque, em 1929. Os governos oligárquicos preferiam manter a nação sob um regime
econômico agroexportador. Ou seja, a economia brasileira só ia bem quando as grandes
potências industriais tinham condições de consumir os produtos agrícolas brasileiros.
Nesse contexto, de um lado, as camadas populares sofriam, cada vez mais, o impacto
de governos que não criavam efetivas políticas sociais e, ao mesmo tempo, não dava atenção
aos setores sociais emergentes (militares, classes média e operária). E crescia o jovem
Valdemar com a sua família nestas localidades, trabalhavam muito, cavando poços e
cacimbas em busca de água para sobreviverem.
Ainda no foco da revolução pelo fazendeiro gaúcho Getúlio Dorneles Vargas que
prometia um conjunto de medidas reformistas, em 1940, Valdemar lembra que estava com 12
anos de idade e ainda sofria com os assombros no lugarejo de que possíveis cangaceiros de
89
Lampião se escondiam pelas redondezas, transtornados pela morte inesperada do seu líder, e
que conseguiram escapar da polícia. Segundo ele foi encontrado partes dos cabos das armas
que esse bando usava como os do cangaceiro Lampião em cima do serrote na Cacimba do
Silva.
1955 – Enlace Matrimonial de Valdemar com a esposa Carolina, o então patriarca
dessa localidade de Cacimba do Silva.
1956 – Foi o nascimento da filha mais velha e daí por diante dos demais filhos
sucessivamente.
1960 – Houve a enchente, como já citamos anteriormente. E passaram a reconstituir
suas vidas nesta outra parte do riacho.
1970 – Surgiu o desbravamento da palavra de Deus, como dizem os membros da
Igreja Evangélica Assembleia de Deus na localidade, através do falecido Pedro Rodrigues
juntamente com a também falecida Maria Nelsa.
1974 – Uma enfermidade grave acomete a senhora Carolina, deixando os moradores e
a sua família em estado de cuidados e atenção com o filho recém-nascido que a esposa
deixava para ser internada no Hospital Regional de Juazeiro-BA, às pressas.
Em 18 de maio de 1975, houve a conversão desses moradores nas doutrinas desta
referida Igreja evangélica na localidade. Iniciando um novo comportamento na sociedade, que
passa a rejeitar os ideais de novo homem. O Valdemar, promotor das festas, algazarras e
procissões na sua casa e em toda a comunidade, abandona seus costumes para operar sinais e
maravilhas em nome de Jesus Cristo. Ganhando inimigos da sua nova fé, que os chamavam
de loucos por renunciarem todos os costumes da época. Segundo este morador, passou a
perceber que na sua vida antes tinha prejuízos, gastando o seu pão com pessoas que se diziam
seus amigos e agora tinha fartura, por que descobriu seu verdadeiro amigo, o Cristo.
Depois disso, os amigos perderam as forças financeiras para investirem nas
festividades locais, pois esse morador possuía a maior parte dos gados dessa região e era
quem promovia os eventos, portanto, sem mais contribuir, a cultura desta localidade ficou
restrita apenas para reuniões religiosas dos católicos e dos evangélicos, pois os moradores
compreenderam que a postura desse homem fez com que melhorasse ainda mais entre eles,
mesmo quando o rejeitavam.
90
Nessa época as rodovias ainda não eram asfaltadas também e a sua ida a cidade só
acontecia se fosse, montado à cavalo, jumento, a pé ou quem tinha bicicleta. Passando
inclusive a dormir no mato durante a viagem de ida e volta por alguns dias. Inclusive foi
numa dessas viagens que foi picado por cobra e só não morreu por que deu tempo chegar em
casa e fez como os curandeiros lhes recomendaram. Mas diz que até hoje sente em algumas
épocas do ano, dores na região da cabeça, aonde a cobra o picou.
Em 1976, foi a vez do nascimento dos gêmeos, Noêmia e Noé, seus últimos filhos. E
um fato aconteceu que marcou a sua família por durados 24 anos, quando este veio falecer. O
Noé nasceu com paralisia infantil, uma doença desconhecida para eles, que foi ao longo do
tempo paralisando todos os órgãos do menino. Mas o que achavam ser doença ruim,
fortaleceu-os ainda mais nos “caminhos” do Senhor, conta-nos esses moradores.
Em
1982,
compraram
seu
primeiro
transporte familiar, que se tornou também
coletivo entre seus moradores e depois passou a
ser um meio de trabalho para os filhos desse
morador na localidade. Usavam a camioneta C10,
Chevrolet bege, para transportar gente, animais,
fretes com tudo que se precisava. Ajudando na
renda da família e na grande mobilidade social
dessa gente do campo com a cidade. Ajudando
Figura 11: Uma D10, parecida com a C10 que tinham nestas
localidades.
também no transporte das mercadorias produzidas para comercialização na cidade, pois antes
disso, seus produtos serviam mais como moeda de troca entre os moradores.
Em se pensando a escola neste processo, tinham-na a partir de 1963 até 1968 sob a
direção da Srª Josefa Ferreira Felix que aposentando-se, passou a escola para a senhorita, sua
sobrinha, Maria Nilza Ferreira, dirigindo-a desde essa data até 1983 quando se casou para ir
embora desta localidade para outra também nas proximidades rurais do distrito de Itamotinga.
Neste tempo, o município rezava uma cartilha para os professores leigos serem moradores da
localidade, se fossem embora perdiam o cargo, mesmo que o novo endereço fosse próximo da
localidade.
91
Então em 08 de outubro de 1983
houve o primeiro casamento civil realizado
por um pastor, o Sr. Manoel Marques de
Souza (in memoriam), nesta região, pois os
anteriores eram os padres que faziam ou um
juiz de paz. Nesse dia reuniu muitas pessoas
para assistir o casamento; era a professora,
uma crente, que estava se casando. Tudo
ainda era novidade para esse povo, que se
Figura 12: Enlace Matrimonial dos jovens João Batista e Maria Nilza,
celebrado pelo Pr. Manoel Marques de Souza, presidente da Igreja
Assembleias de Deus em Juazeiro-BA.
surpreendeu com o casamento diferente dos
que celebravam os padres na região.
Esse casal fez também o trabalho missionário nessa região e circunvizinhança,
ganhando muitos crentes para essa religião. Mas numa dessas missões, João Batista sofreu um
acidente e morreu em novembro de 1993, abalando mais uma vez as estruturas dessa família
nestas localidades. Mas com essa morte, esta viúva precisou legalizar seus documentos para
aposentar-se e descobriu a necessidade e o poder que tem uma Associação na comunidade,
que se houvesse e nela fosse membro, facilitaria no
tramite dos processos que lhe asseguravam como
agricultora rural.
Assim, em 26 de março de 1996 os
moradores criaram a Associação dos Pequenos
Produtores Rurais das Fazendas Integradas Cacimba
do Silva e Sertãozinho do Distrito de Itamotinga. Um
Figura 13: Sede da Associação de Cacimba do Silva e
Sertãozinho.
instrumento de fortalecimento no desenvolvimento
local e da formação para cidadania dos seus sujeitos, bem como para o empoderamento das
famílias locais.
Depois desse acontecimento, foi que os moradores procuraram se cadastrar no
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Juazeiro e passaram a se reunir com o intuito de se
organizar enquanto comunidade, associados para propor e alcançar benefícios dignos a vida
nestas comunidades. Buscando inclusive apoio em outros órgãos para trazerem movimento e
transformação na localidade. Um desses órgãos foi a Companhia de Engenharia Ambiental e
Recursos Hídricos da Bahia – CERB, uma empresa de economia mista, vinculada à Secretaria
92
do Meio Ambiente que tem como missão garantir a oferta de água para melhoria da qualidade
de vida e desenvolvimento sustentável, com ênfase no saneamento rural.
Entre outras organizações governamentais e não governamentais, parceiras que
deliberam recursos e investimentos nas ações destas instituições na localidade, estão a
Prefeitura de Juazeiro, a Universidade do Estado da Bahia – UNEB - Campus III, a Empresa
Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A – EBDA, com a missão de contribuir para o
desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura
familiar, viabilizando as condições necessárias para o pleno exercício da cidadania e a
melhoria da qualidade de vida dos (as) agricultores (as), tem-se ainda apoio da EMBRAPA
Semi-Árido, do SEBRAE, do SENAR, e outros.
Nesse contexto descobrimos que as pessoas da localidade não têm assessoria técnica,
por não serem informadas corretamente desse benefício como direito, sendo esses serviços
fornecidos para uns poucos moradores da localidade, quem estão mais engajados com os
projetos da Associação e da Cooperativa. E é um direito que o governo delibera para esse
povo do campo e os mesmos não se inscrevem sem saber e com medo de que serão lesados
nas suas formas de produções. Uma falta de informação coletiva, que os impede de evoluir e
sair da informalidade.
Diante desse processo, a viúva e ex-professora da localidade, com seus três filhos
pequenos teve que deixá-los estudar em Juazeiro, pois a qualidade da educação nestas
localidades já não servia mais, aos padrões da educação urbana, onde a mesma sonhava
manter seus filhos quando ficassem maiores. E outro fato prejudicial ao desenvolvimento
local, era que esta escola só oferecia educação para o nível do ensino fundamental de até a 4ª
série. E seus filhos fariam outras séries e faculdades, como preferissem.
Sendo assim, em 2001, a escola, sob os cuidados da Srª Maria Lurdes de Oliveira
Passos no Sertãozinho, deixou definitivamente de exercer seu papel na formação dos
indivíduos destas localidades, obrigando os filhos destas comunidades a irem para outras
regiões.
De 2003 até 2006 houve a implantação do Projeto Cabra Forte, a disposição da
Associação, que disponibilizou dois poços tubulares e ainda conveniou o contrato de 25
funcionários, entre eles técnicos, médicos veterinários e outros, para dá assessoria técnica aos
moradores dessas localidades. Daí por diante surgiu a energia solar e recentemente foi trocada
93
pela energia elétrica em todas as 29 casas dessa região, mobilizando o acesso a outros bens,
que com eletricidade tornaram-se possíveis para essas localidades.
Veio a TV como instrumento de comunicação, já que as informações que possuíam de
fora dessas localidades eram transmitidas pelo sinal da Rádio de Juazeiro AM 1190, quando
tinham pilhas suficientes para ligar o rádio. Aumentou o número de aparelhos de telefones
celulares na região, e hoje com a associação, também dispõem de computador e internet rural.
Mas esses dois últimos recursos apenas para seus dirigentes e em ultimo caso, os associados.
Tudo isso, por que não pensaram ainda num programa que viabilize acesso à rede e às
informações para seus moradores, por que já existem debates e ações para esse acesso desde
2010, no I Simpósio Indígena ocorrido no dia 26 de novembro, na Cidade Universitária da
Universidade de São Paulo, sobre Usos de Internet nas Comunidades Indígenas do Brasil,
promovido pelo Núcleo de História Indígena e do Indigenismo.
Os moradores não possuem uma dinâmica nestas localidades que sirva de base para
fortalecer o bem do conhecimento comum entre seus moradores, nem que oportunize aos
mesmos, diversão, lazer e cultura. Só quando há interesses de comercializar ou se fazer
conhecidos os seus produtos para outros sujeitos nesse processo.
Em 16 de fevereiro de 2010, a Cooperativa dos Empreendedores Rurais de Cacimba
do Silva e região Ltda. foi criada, sendo a primeira da região que vem para fortalecer tanto à
produção local de caprinos e ovinos, mas também para beneficiar os produtores rurais desta
região e circunvizinhos. Pois ainda não tinham um instrumento legalizado para o comércio e
abate desses animais nas normas de controle e vigilância sanitária da Agência de Defesa
Agropecuária da Bahia – ADAB.
Tudo isso, porque a ADAB tornou-se uma autarquia sob regime especial, vinculada à
Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Reg. Fundiária – SEAGRI, com personalidade
jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira e patrimônio próprio, com
sede e foro na cidade de Salvador, Bahia e jurisdição em todo território do Estado. Criada pela
Lei nº 7.439 de 18 de janeiro de 1999, regulamentada pelo Decreto nº 7.518 de 08 de
fevereiro de 1999 e alterada pelo Decreto nº 9.023 de 15 de março de 2004, a ADAB tem a
missão de garantir a segurança sanitária no Estado da Bahia, preconizando o desenvolvimento
de um agronegócio sustentável e competitivo.
Em 2011, ressurgiu a mobilização dos moradores evangelizados por uma congregação
94
na localidade, que tentando se reunir na Sede da Associação, sentiram-se expulsados de lá, o
que revoltando-se, construíram o templo, que representa a doutrina Cristã das Igrejas
Evangélicas Assembleias de Deus do Brasil, empossada no terreno doado pelo morador
Pascoal, na Fazenda Sertãozinho.
Essa construção foi erguida e hoje tem uma união maior entre os membros e a
sociedade em geral, primando pela vida espiritual, mas também pelo reforço na formação
cidadã dos seus envolvidos, como destaca o atual dirigente, Presbítero Francisco Alves da
Silva.
Com o surgimento dessa igreja na localidade, o povoado que já tinha notoriedade por
conta das visitas dos demais crentes da cidade e das demais localidades vizinhas que vinham
fazer os cultos na casa do Sr. Valdemar e dos demais crentes deste lugar, e das organizações
governamentais e ONGs que se propõem ajudar no desenvolvimento local, os moradores têm
realizado feiras para mostrarem seus produtos locais e gerar renda para essas comunidades,
bem como já estão construindo outro templo desta mesma igreja na Fazenda Cacimba do
Silva, um espaço maior que a primeira e sonhado por muitos anos por esse morador e doador
do espaço para sediar a construção.
Com todas essas conquistas, só não se compreendeu ainda é onde está a escola ou da
educação formal, que não existe nestas comunidades, e seus agentes interessados ainda
continuam sem direito a ela ou obrigando-se a ir buscá-la fora da sua localidade, contribuindo
passo à passo para o êxodo rural e a defasagem da educação do campo.
4.4. Sujeitos da pesquisa – pessoas-chaves – agricultores/produtores e instituições afins
Bem, nessa subtemática apresentamos os sujeitos que foram agentes importantes dessa
pesquisa, sem eles esse processo acadêmico não seria possível, pois foi por eles que, desde a
inscrição neste curso de especialização, buscamos fundamentação teórico-metodológica e
prática para apresentá-los à proposta de Educação Contextualizada para a Convivência com o
Semiárido Brasileiro, bem como para alcançarmos subsídios necessários para pensarmos essa
educação no seu contexto, ou do possível retorno da escola para essas localidades.
95
Claro que essa ideia inicial de pesquisarmos sobre o retorno da escola para essas
comunidades não foi possível nesse momento, mas com as entrevistas realizadas e as diversas
conversas nos bastidores dessa monografia, com os seus diversos atores/autores/moradores de
Cacimba do Silva e Sertãozinho, objetos dessa pesquisa, fomos tentando aos poucos
disseminar a importância desse retorno da escola e a relevância da proposta dessa Educação
Contextualizada para Convivência com o SAB.
Nesse sentido, os sujeitos pesquisados foram os próprios moradores, dentre eles,
Valdemar Ferreira Passos e Pascoal Ferreira Passos, o atual dirigente da Associação
Comunitária, José Gilvando da Silva e o ex-dirigente Márcio Irivan Passos, atual dirigente da
Cooperativa de Bode, quem, inclusive nos forneceu alguns arquivos, imagens fotográficas,
entrevistas de jornais e pesquisas realizadas sobre essa gente e seus fazeres históricos e sociais
no campo, o Presbítero Francisco Alves da Silva – dirigente da Igreja Evangélica Assembleia
de Deus da localidade, três ex-professoras da escola extinta, Josefa Ferreira Felix, Maria
Lurdes de Oliveira Passos e Maria Nilza Ferreira, bem como alguns dos seus ex-alunos e
diversos moradores, que se sentiram a vontade para nos contarem e recontarem fatos e
processos relevantes ao desenvolvimento rural destas localidades.
Dessas pessoas, gostaríamos de mencionar gratidões à aquelas que, embora in
memoriam, pois já descansam na eternidade, também foram importantes para esse
desenvolvimento local, quem formaram os primeiros moradores e fundaram os costumes do
lugarejo, bem como as ideias e culturas centenárias que movimentam a vida neste lugar.
Em especial, a Srª Joana Ferreira Passos, mãe do Sr.
Valdemar Ferreira Passos, quem lhes trouxe juntamente com
os seus demais irmãos para esse espaço, ensinando-o a
conviver harmoniosamente com seus irmãos, sobrinhos e
amigos na localidade, formando um homem com caráter
humanitário e social coerente com as práticas e perspectivas
desenvolvidas para o fomento da convivência com o
Semiárido.
Figura 14: A Srª. Joana Ferreira Passos.
96
CONSIDERAÇÕES DE UM PROCESSO QUE CONTINUA...
Durante o desenvolvimento dessa pesquisa, requisito parcial para a conclusão do
Curso de Especialização em Educação contextualizada para a Convivência com o Semiárido
Brasileiro, promovido pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB por meio do
Departamento de Ciências Humanas – DCH III, buscou-se na metodologia apresentada uma
observação direta sobre os processos históricos e sociais de Cacimba do Silva e Sertãozinho,
base de estudo para obtenção desta análise dos dados.
Com uma instigação para relatarem suas experiências da convivência nestas
localidades, buscamos resgatar a história local a partir das memórias e lembranças dos seus
moradores, questionando por tanto, três professoras da escola extinta, três alunos e também
moradores e ainda integrantes da associação e cooperativa da localidade, apropriando-se da
pesquisa bibliográfica relacionada ao tema escolhido com intuito de contemplar às indagações
motivadoras deste estudo.
Essas questões sugiram no diálogo com os moradores, no resgate das suas memórias,
para responder a questão norteadora desta pesquisa. Assim, buscou-se compreender a
educação para convivência com o Semiárido como implemento ao desenvolvimento local e ao
empoderamento das famílias dessas região, sendo observada a existência de vinte e nove
residências, com aproximadamente uma família de seis ou mais dependentes, na maioria
velhos e crianças, e dois em idade de trabalhar.
Desse modo, os sujeitos envolvidos nesta pesquisa foram os referidos moradores,
antigas professoras, atuais dirigentes da associação e cooperativa local, membros das mesmas
e da igreja evangélica da comunidade, bem como a própria autora com suas implicações sobre
as experiências de convivência nestas localidades.
Nesse referido espaço de atuação humana e social, da vida do/no campo, esses atores
são responsáveis por ministrarem as dinâmicas existentes, na luta por uma vida melhor,
embora sem as interferências da escola para fomentar essas mudanças nas estruturas históricas
e sociais dessas pessoas, com um ensino e aprendizagem distante dos modelos pedagógicos da
escola formal que almejamos retornar para essas comunidades rurais do Vale do São
Francisco, mas acreditando que mesmo sem essa escola, os princípios da colaboração mútua,
97
solidária e conjunta são subsídios também essenciais para se promover o desenvolvimento
local.
Entre as dificuldades encontradas durante a construção desta pesquisa, uma a destacar
foi de obter recursos financeiros suficientes para chegar nestas localidades, tantas e quantas
foram às vezes que tivemos de ir para confirmar os fatos da lembrança da pesquisadora com
os relatos da memória dos moradores. Outra dificuldade foi fazer com que o discurso da
convivência com o Semiárido, e da proposta de educação contextualizada se tornasse um ideal
para eles também, pois apesar de terem as tecnologias adequadas já implantadas na
localidade, não sabem na teoria o que elas significam de fato para a qualidade de suas vidas.
Também foi possível perceber que o ensino para as crianças, que estão sendo
conduzidas para as localidades vizinhas, não são adequadas às condições da vida dos mesmos,
e tornando-se descontextualizado e inapropriado as condições de vida dos adultos que se
estabelecem nesta região, causando o êxodo rural, agravante dessa população, que
desestrutura as bases sociais e de produção de renda nestas localidades, ficando sem melhores
condições para essas famílias, reforçando a triste realidade brasileira, em que aumenta-se o
desemprego, e com ele as desigualdades sociais, pois são poucas as pessoas com formação
específica para atuarem como sujeitos sociais úteis para promoverem um desenvolvimento
sustentável capaz de garantir a vida de outras gerações.
Embora encontrado essas e outras dificuldades na construção desta pesquisa, houve
também os resultados, não os esperados, mas que se constituíram a partir dessa interferência,
da “pesquisa-ação”, em que visa produzir mudanças (ação) e compreensão (pesquisa), com
conhecimentos e informações sobre a proposta de Educação Contextualizada para
Convivência com o Semiárido, denotando outro tipo de movimento social local, um
movimento “neoliberal” de transformação para essa sociedade e para a nova que os moradores
estão pretendendo formar. Para trazer cultura, esporte, lazer e o mais necessário conhecimento
pela educação contextualizada que não se tem ainda nestas comunidades de Cacimba do Silva
e Sertãozinho.
Usamos esse termo neoliberal por entender que as posições dos agentes nele
envolvidos, buscam uma forma melhor de ver, entender e julgar seu “mundo” social, para a
partir dele se sobressaírem, sem que tenham que sair da localidade ou buscarem fora
conhecimentos que não importam para esse contexto. Organizando ideias, conceitos e a força
98
popular desses sujeitos, para a geração de novos e adequados programas, de difusão e
promoção do desenvolvimento sustentável nestas comunidades.
Surgiu então, uma nova proposta de associação comunitária que irá a partir dos ideais
de educação contextualizada para convivência com o Semiárido Brasileiro, fortalecer mais
ainda a vida e as condições desta em Cacimba do Silva e Sertãozinho, claro que isso ocorrerá
se estas intenções forem mesmo concretizadas pelos moradores que estão se reformulando
para “brigar” e deliberar propostas de uma moradia mais adequada, útil e com qualidade para
esses sujeitos sociais.
Por isso, chegamos nesse ponto, revisando o objeto que moveu a preocupação para o
estudo da temática, suas contribuições para nossa formação pessoal e profissional, com uma
prática mais contextualizada, apta para um fazer que possibilite a valorização e transformação
cada vez melhor desse espaço, primando pela qualidade de vida dos sujeitos, bem como do
próprio espaço social, para uma convivência com o Semiárido Brasileiro de fato significativa,
e promotora de desenvolvimento sustentável.
Trazendo ainda os olhares e contribuições que tivemos da teoria, as principais
descobertas e dificuldades encontradas, para que esse trabalho pudesse ser concluído, levando
para essas comunidades pesquisadas um pensamento inovador, condizente com as práticas de
todos os atores deste processo em Cacimba do Silva e Sertãozinho.
Por isso, pensamos no que reflete e nota Caldart (2007, p. 8),
A questão crucial para qualquer sociedade estabelecida, é a reprodução bemsucedida de (...) indivíduos cujos ‘fins próprios’ não negam as potencialidades do
sistema de produção dominante. Essa é a verdadeira dimensão do problema
educacional: a ‘educação formal’ não é mais do que um pequeno segmento dele. (...)
Assim, além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as
quais a atividade produtiva não poderia ser levada a cabo, o complexo sistema
educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da
estrutura de valores no interior da qual os indivíduos definem seus próprios
objetivos e fins específicos.
Esta discussão pode ser uma referência importante para um balanço políticopedagógico das iniciativas educacionais apoiadas/realizadas pelas lutas da associação de
moradores dessas localidades a fim de que se constitua o retorno da escola para essas
comunidades e portanto, esta venha ajudar seus agentes a buscarem saberes mais relevantes
para sua permanência na região.
99
Assim, escolhi essa temática, por notar que nas localidades pesquisadas não se tinha
ainda o conceito formado, nem compreendido sobre a proposta de convivência com o
Semiárido, embora tivessem os recursos práticos e tecnológicos dessa proposta implantados
nestas localidades, nem tão pouco da educação como direito do/no campo, prejudicando o
crescimento da economia solidária, e, portanto, da agricultura familiar, imbricadas na cultura
dos seus moradores.
Nesse sentido, percebemos que essa pesquisa foi importante, tanto para a formação
pessoal da pesquisadora, bem como dos sujeitos destas localidades que se sentiram movidos
para a criação de outra associação de moradores e de projetos que possam trazer a educação e
os demais incentivos à melhoria da qualidade de vida dos seus moradores. Tornando-se um
ponto inovador, de avanço ao desenvolvimento local que pouco a pouco vem se configurando
neste espaço, mas que não percebem suas relevâncias por desconhecerem dos conhecimentos
nele interligados, desfavorecendo-o e configurando o êxodo que suas famílias têm enfrentado.
Desse modo, e como em todo estudo, sentimos dificuldades para expor melhor as
problemáticas retratadas. Nos vendo, mais de fora, na busca pelas informações, nos relatos da
memória dos moradores, etc., do que dentro, participante dos discursos, da construção desse
resgate histórico e social da localidade, escrevendo sobre essas informações e mesmo sobre o
que pensamos sobre elas, tímida e contribuindo muito pouco para a transformação e
reconstrução dessa sociedade com os novos saberes para implemento da proposta de educação
contextualizada para convivência com o semiárido.
Porém, esperamos que esse material acadêmico, sirva como material de apoio a
pesquisas, que reflitam sobre a problemática exposta, objetivando, enquanto instrumento de
informação, informar aos leitores que os sujeitos desse espaço, também são dignos de uma
política publica de desenvolvimento rural adequada, com as mesmas condições de vida que os
demais sujeitos urbanos do Semiárido e demais regiões do Brasil possuem, com direito à
educação que não pode ser esquecida no processo de formação destes para atuarem com
qualidade no exercício da cidadania, sejam em qualquer lugar onde esta possa se apresentar.
Nesse sentido, recomendamos aos diversos sujeitos desse espaço, que se utilizem das
variadas formas de saber para atuarem com eficiência e qualidade nas suas localidades,
oportunizando aos demais sujeitos alcançados por essa ação, uma (re) formação ou
transformação/construção do pensamento, que atendendo as necessidades de suas escolhas,
tanto beneficiaram o desenvolvimento local como o seu próprio desenvolvimento, econômico,
100
político, cultural, tendo uma educação que estimule seu crescimento pessoal e social,
compreendendo o seu contexto e as suas condições de vida, possibilitando novas opções
facilitadoras ao pleno desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades.
101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia de estudo da mulher. Belo Horizonte: Atos, 2002.
Articulação no Semi-Árido Brasileiro. Caminhos para a convivência com o Semi-Árido.
Espinheiro-Recife/PE: ASA, 2012.
Associação de Desenvolvimento e Ação Comunitária. Linha de base de desenvolvimento da
Educação – Escola Municipal Piloto Mandacaru e Escola Municipal Bolivar Santana –
Nossa escola... nossa comunidade. Juazeiro: Bahia: ADAC/IRPAA/PMJ, 2011.
BARROS, Leandro Gomes de. Literatura de cordel. 1899. Disponível
http://pt.wikipedia.org/wiki/Literatura_de_cordel. Acesso em julho de 2012.
em:
CALDART, Roseli Salete. Sobre educação do campo. III Seminário do Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), Luziânia-GO, 2 a 5 de outubro de 2007.
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Publicado
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