Para ler a justificativa de cada Enunciado apresentado

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Para ler a justificativa de cada Enunciado apresentado
ENUNCIADOS APROVADOS NO II ENCONTRO NACIONAL DE DELEGADOS DE POLÍCIA
FOZ DO IGUAÇU, 6, 7 E 8 DE AGOSTO DE 2015
Enunciado 1
O poder geral de cautela administrativo do Delegado de Polícia encontra-se em consonância com os
postulados da reserva relativa de jurisdição e da dignidade da pessoa humana, sendo consectário lógico do
sistema acusatório e da busca da verdade.
Justificativa
O sistema processual penal constitucional outorgou ao Delegado de Polícia o poder geral de cautela
administrativo, de natureza garantista, a fim de que o Estado-Investigação possa tomar sponte sua todas as
providências para conduzir a apuração criminal, exceto aquelas albergadas pela reserva absoluta de
jurisdição.
O Delegado de Polícia pode e deve exercer verdadeiro freio ao juízo de instrução quando estiver em
desconformidade com o ordenamento constitucional e supralegal.1
Esse poder tem como missão a salvaguarda dos direitos fundamentais, garantindo que procedimento de
investigação criminal busque de forma efetiva a verdade, protegendo o suspeito de imputações
infundadas, açodadas ou levianas. Até mesmo em face da cautelaridade do procedimento de investigação
criminal:
O inquérito policial é uma medida complexa, pois é formada por diversas outras medidas, todas
direcionadas à sua meta optata: servir de base e apoio à atividades que se desenvolverão em juízo.
Não parece, outrossim, que haveria inconveniência em designar o inquérito policial como um
procedimento administrativo cautelar. 2
De mais a mais, se o magistrado não pode presidir a investigação criminal e determinar seu rumo,
conforme sedimentada posição do Supremo Tribunal Federal3 4 5, é pressuposto do sistema acusatório que
o Estado-Investigação, por meio do Delegado de Polícia, possa decidir sobre medidas acautelatórias que
não estejam sob a reserva absoluta da jurisdição.
Finalizando, acerta a doutrina quando ensina que:
O sistema de investigação preliminar policial caracteriza-se por encarregar à Polícia Judiciária o
poder de mando sobre os atos destinados a investigar os fatos e a suposta autoria (...). Todas as
informações sobre os delitos públicos são canalizados para a polícia, que decidirá e estabelecerá
qual será a linha de investigação a ser seguida, isto é, que atos e de que forma. Praticará ela mesma
1
STJ, HC 165.145, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 28/05/2012.
RAMOS, João Gualberto Garcez. A tutela de urgência no processo penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 260.
3
STF, Tribunal Pleno, ADI 1570, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 22/10/2004.
4
STF, Tribunal Pleno, ADI 1.115, Rel. Néri da Silveira, DJ 17/11/1995.
5
STF, RHC 81.326, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 06/05/2003.
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as provas técnicas que julgar necessárias, decidindo também quem, como e quando será ouvido. (...)
É importante destacar que neste sistema a polícia não é um mero auxiliar, senão o titular (verdadeiro
diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na
investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos
juízes e promotores. (...) O inquérito policial brasileiro é um bom exemplo de sistema de
investigação preliminar policial. 6
6
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 6364/154.
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Enunciado 2
A Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e a Guarda Municipal não possuem autorização
constitucional para lavrar termo circunstanciado de ocorrência, criar cartórios de investigação de crimes
comuns, conduzir civis a destacamentos militares, tipificar condutas em Boletim de Ocorrência, apurar
crimes não militares pela P2, lavrar flagrantes de crime comum de homicídio praticado por militar contra
civil, representar ou executar autonomamente busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica ou
qualquer outra medida cautelar, sob pena de ilicitude das provas, violação ao princípio da eficiência,
condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de responsabilização pessoal
por improbidade administrativa e crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade.
Justificativa
As atribuições de polícia judiciária e investigação de crimes comuns incumbem à Polícia Civil 7,
comandada por Delegado de Polícia. Os demais órgãos de segurança pública possuem esferas de atuação
distintas, a saber, a Polícia Militar de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública 8, a Polícia
Rodoviária Federal de patrulhamento ostensivo das rodovias federais 9, e as Guardas Municipais de
proteção de bens, serviços e instalações municipais.10
O discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos fundamentais e a
escancarada afronta à divisão de atribuições.11 A perseguição do crime pode e deve ser feita sem
necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais.12
A repartição orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato administrativo
impedem que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia exerça a função de
Autoridade Policial13. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na investigação criminal os fins
não podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto. 14 15 16
Destarte, o conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de Polícia. 17
Todo policial militar, policial rodoviário federal ou guarda municipal é agente da Autoridade Policial, 18
19
, integrante de carreira não jurídica20, diferentemente do Delegado de Polícia. 21
7
Art. 144, §§1º e 4º da CF, art. 4º do CPP e art. 2º, §1º da Lei 12.830/13.
Art. 144, §5º da CF, art. 8º do CPPM, art. 3º do Decreto-Lei 667/69, art. 2º do Decreto 88.777/83.
9
Art. 144, §2º da CF.
10
Art. 144, §8º da CF.
11
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 169/171.
12
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2008, p.
50.
13
Art. 37 da CF, arts. 2º, 11, 13, III e 53 da Lei 9.784/99, art. 2º da Lei 4.717/65, arts. 1º e 2º da Resolução 34/169 da ONU.
14
LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. XXVI
e 23.
15
SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 273
16
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal Brasileiro. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p.52.
17
NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57.
18
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 827.
19
TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 406.
20
STF, RE 401243, Rel. Min. Marco Aurelio, DP 18/10/2010.
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O Supremo Tribunal Federal possui posição pacífica, fruto de diversos julgados do Plenário, no sentido de
que nenhum outro agente público está autorizado a exercer função de Autoridade Policial.22 23 24
O Superior Tribunal de Justiça não destoa. 25
A doutrina também repele qualquer investida de órgão diverso da Polícia Civil nas atribuições de
apuração de infrações penais e polícia judiciária.26 27
Por tudo isso, a PM, PRF e GM não possuem autorização constitucional para lavrar termo circunstanciado
de ocorrência28, criar cartórios de investigação de crimes comuns, conduzir civis a destacamentos
militares29, tipificar condutas em Boletim de Ocorrência30, apurar crimes não militares pela P231 32, lavrar
flagrantes de crime comum de homicídio praticado por militar contra civil 33 34 35 36, representar ou
executar autonomamente busca e apreensão domiciliar37 38, interceptação telefônica39 40 ou qualquer outra
medida cautelar.
As consequências do desrespeito ao regramento constitucional passam pela ilicitude das provas 41, violação
ao princípio da eficiência42 43, condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos44, e
21
STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06.
STF, Tribunal Pleno, ADI 2.427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006.
23
STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 09/03/2007.
24
STF, Tribunal Pleno, ADI 1570, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 12/02/2004.
25
STJ, RMS 37.248, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 27/08/2013.
26
ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H.. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado: cada um
no seu quadrado. Justificando.com. 07/01/2014.
27
FREITAS, Jéssica Oníria Ferreira de; PINTO, Felipe Martins. Da ilegitimidade dos atos probatórios desenvolvidos pela
Polícia Militar: uma análise sob a ótica do princípio da legalidade. Revista Duc In Altum - Caderno de Direito. v. 4. n. 6. juldez. 2012.
28
STF, Tribunal Pleno, ADI 3614, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 23/11/2007.
29
LOPES JÚNIOR. Aury Lopes. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 811.
30
STJ, HC 7.771, Rel. Min. Gilson Dipp, DP 17/02/1999.
31
Art. 2º, XI da Resolução 8/12 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
32
NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57-58.
33
STF, Tribunal Pleno, RE 260.404, Rel. Min. Moreira Alves, DP 21/11/2003.
34
STJ, CC 45134, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/11/2008.
35
SODRÉ, Filipe Knaak. Crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil – quem tem atribuição para investigar?
Boletim IBCCRIM, mar. 2015, n. 268.
36
Art. 2º, I da Resolução 8/12 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
37
Art. 241 do CPP.
38
ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto de Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2014, p. 101-106.
39
Art. 3º, I da Lei 9.296/96.
40
STJ, RHC 28.281, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 21/02/2013.
41
CARVALHO, Ricardo Cintra Torres de. A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, ano 3, n. 12, p. 172, ou./dez. 1995.
42
STF, RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, DP 03/04/2007.
43
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 93.
44
CIDH, Caso Escher e Outros vs Brasil, Sentença de 06/07/2009. (tradução livre)
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responsabilização pessoal do policial por crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade 45 e
improbidade administrativa46.
Há que se atentar ao alerta feito pela Corte Suprema, no sentido de que:
É preciso advertir esses setores marginais que atuam criminosamente na periferia das corporações
policiais que ninguém, absolutamente ninguém – inclusive a Polícia Militar – está acima das leis. 47
45
STF, RE 702.617, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/08/2012.
Art. 11 da Lei 8.429/92.
47
STF, ADI 1494, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 09/04/97.
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Enunciado 3
O Delegado de Polícia é a autoridade que exerce a presidência exclusiva do procedimento policial, seja
inquérito policial, termo circunstanciado de ocorrência ou outro procedimento investigatório, de maneira
discricionária e segundo seu livre convencimento técnico-jurídico.
Justificativa
Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por
meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.48
O Supremo Tribunal não se cansa de afirmar que a presidência do inquérito policial é incumbência
exclusiva do Delegado de Polícia:
A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. 49
Inexistem quaisquer disceptações a propósito da atribuição funcional, constitucionalmente
outorgada à Polícia Judiciária, de presidir ao inquérito policial, de promover a apuração do evento
delituoso e de proceder à identificação do respectivo autor. 50
A doutrina tampouco deixa dúvidas no sentido de que cabe à Autoridade de Polícia Judiciária a condução
da investigação criminal, com total discricionariedade e mediante livre convencimento motivado:
O inquérito policial é conduzido de maneira discricionária pela autoridade policial, que deve
determinar os rumos das diligências de acordo com as peculiaridades do caso concreto. (...) O
Delegado de Polícia, na qualidade de autoridade policial, continua conduzindo o inquérito policial
de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico.51
O sistema de investigação preliminar policial caracteriza-se por encarregar à Polícia Judiciária o
poder de mando sobre os atos destinados a investigar os fatos e a suposta autoria (...) É importante
destacar que neste sistema a polícia não é um mero auxiliar, senão o titular (verdadeiro diretor da
instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na investigação
e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juízes e
promotores. (...) O inquérito policial brasileiro é um bom exemplo de sistema de investigação
preliminar policial.52
Os demais atores jurídicos que atuam na persecução penal, tais como Juiz de Direito e Promotor de
Justiça, por mais importantes que sejam suas funções, não podem presidir inquérito policial. Esse
48
Art. 2º, §1º da Lei 12.830/13.
STF, Tribunal Pleno, ADI 1570, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 22/10/2004.
50
STF, Tribunal Pleno, RE 593.727, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 14/05/2015.
51
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 177/180.
52
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 6364/154.
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entendimento segundo o qual não pode outra autoridade pública se imiscuir no procedimento policial é
chancelado pelo Supremo Tribunal Federal 53 54 55 e pela doutrina.56 57
53
STF, HC 95.009, Rel. Min. Eros Grau, DJe 18/12/2008.
STF, RHC 81.326, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 06/05/2003.
55
STF, RE 205.473, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 15/12/1998.
56
AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2014, p. 180.
57
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2014, p. 456.
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Enunciado 4
O Delegado de Polícia goza dos predicados da independência funcional e inviolabilidade de suas decisões
fundamentadas confeccionadas no bojo da investigação criminal, que devem ser documentadas para
possibilitar controle interno e externo, não respondendo por crime ou infração disciplinar em razão de suas
deliberações motivadas.
Justificativa
A atividade de Delegado de Polícia é motivada pela sua livre convicção, amparada na Constituição
Federal e no ordenamento supralegal e legal. Nessa vereda, as decisões do Delegado de Polícia, enquanto
atos procedimentais que resolvem questões controvertidas e definem situações jurídicas, com repercussão
inclusive na liberdade de locomoção, devem ser devidamente fundamentadas, e protegidas pelo manto da
inviolabilidade, em verdadeira garantia do cidadão no sentido de que não será investigado por influência
política, social econômica ou de qualquer outra natureza, sendo tratado sem discriminações benéficas ou
detrimentosas.
Ensina a doutrina que:
O modelo de investigação “inquérito policial” implica não apenas o domínio fático da investigação
pela polícia, como, também, a autonomia plena dos atos investigativos, sem que, necessariamente, o
Ministério Público a priori se manifeste sobre esses atos. Da mesma maneira, para os atos que não
impliquem necessária invasão em direitos fundamentais, também não se cogita de qualquer
interferência judicial.58
Verdadeira aula proferiu o Tribunal de Justiça do Acre ao sacramentar:
A atividade do delegado de polícia, quanto aos atos de polícia judiciária, é motivada pela sua livre
convicção, respeitados os limites da legalidade, conforme os ditames da lei. (...)
Nesta linha, pode-se consolidar que o delegado de polícia no exercício das atividades de polícia
judiciária, de acordo com sua convicção, atua de forma independente, em obediência às normas
regentes no sistema jurídico brasileiro, não estando forçado, em qualquer hipótese, a adotar o
mesmo entendimento jurídico de seus superiores hierárquicos.59
Espancando eventuais dúvidas, o Poder Legislativo registrou sua posição em diversas oportunidades:
O delegado de polícia não é um mero aplicador da lei, mas um operador do direito, que faz análise
dos fatos apresentados e das normas vigentes, para então extrair as circunstâncias que lhe permitam
agir dentro da lei, colhendo as provas que se apresentarem importantes, trazendo a verdade à tona.60
Para que a condução dos trabalhos de investigação possa ser realizada com a eficiência que a
sociedade clama, faz-se necessária a garantia de autonomia na investigação criminal. (...)
58
CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 78.
TJSP, AC 1002489-43.2014.8.26.0053, Rel. Des. Moreira de Carvalho, DJ 28/01/2015.
60
Parecer 328/2013, acerca do Projeto de Lei 132/12 (convertido na Lei 12.830/13), Rel. Senador Humberto Costa, DP
24/04/2013.
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Com tais medidas, a investigação ganhará em agilidade, qualidade e imparcialidade, pois o
Delegado de Polícia não sofrerá interferências escusas na condução do inquérito policial ou do
termo circunstanciado.61
Trata única e exclusivamente das investigações conduzidas e produzidas pelo delegado de polícia,
que devem ser técnicas e imparciais, protegendo-se os direitos individuais dos cidadãos. (...) A
atividade de investigação criminal deve ser isenta e imparcial, conduzida segundo critérios técnicojurídicos.62
Apesar de todo esse substrato, não raras vezes outros atores jurídicos, tais como magistrados e
membros do MP, tentam coagir o Delegado de Polícia a seguir seu posicionamento jurídico, por
meio da ameaça de responsabilização criminal por prevaricação ou desobediência, ou solicitando a
ação da Corregedoria de Polícia.
Quanto ao delito de desobediência, ensina a doutrina:
O crime de desobediência (art. 330 do CP) encontra-se no capítulo dos crimes praticados por
particular contra a administração e, portanto, não o caracteriza a contumácia de Delegado de Polícia
que deixa de instaurar inquérito ou de realizar diligências requisitadas, pois o fez no exercício do
cargo, na condição de funcionário público, e não como particular.63
Esse entendimento é sustentado pela ampla maioria dos estudiosos64 65 66 e pela jurisprudência dos
Tribunais Superiores:67 68 69
Impossível o Delegado de Polícia cometer o crime de desobediência (art. 330 de CP), que somente
ocorre quando praticado por particular contra a Administração Pública.70
Ademais, se o Delegado de Polícia fundamenta sua decisão num determinado sentido, fica evidente a
ausência de dolo. 71 72
61
Justificativa ao Projeto de Lei 132/12 (convertido na Lei 12.830/13), Dep. Arnaldo Faria de Sá, DP 21/12/2012.
Deliberação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania acerca do Projeto de Lei 132/12 (convertido na Lei
12.830/13), Senador Humberto Costa, DP 01/05/2013.
63
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. 9. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 420.
64
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 302; JESUS, Damásio E. de. Direito penal. v. 3.
São Paulo: Saraiva, 1999, p. 217; DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto;
DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal comentado. São Paulo, Renovar, 2000. p. 583.
65
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 875.
66
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. V. 3. São Paulo: Método, 2014, p. 739.
67
STF, RHC 64142, Rel. Min. Celio Borja, DJ 03/10/1986.
68
STF, HC 76888, Rel. Min. Carlos Veloso, DJ 20/11/1998.
69
STJ, HC 6000, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 19/12/1997.
70
STJ, RHC 4546, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ 05/06/1995.
71
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 3, p. 354.
72
STJ, HC 130981, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 14/02/2011.
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Quanto ao crime de prevaricação, somente é possível sua caracterização se restar comprovada a finalidade
específica do agente:
Se o funcionário público recebeu ordem legal que deveria cumprir, e não o fez, deverá ser
responsabilizado pelo crime de prevaricação, desde que presente a finalidade específica de satisfazer
interesse ou sentimento pessoal.73 74
O elemento subjetivo do tipo é assim explicado pela doutrina:
Interesse pessoal é qualquer proveito ou vantagem obtido pelo agente, de índole patrimonial ou
moral. (...) Com efeito, o interesse pessoal de natureza moral não pode ser confundido com o mero
comodismo (preguiça). (...) Sentimento pessoal, por sua vez, é a posição afetiva (amor, ódio,
amizade, vingança, inveja etc.) do funcionário público relativamente às pessoas ou coisas a que se
refere a conduta a ser praticada ou omitida.75
Por fim, no que se refere à infração disciplinar, é imperioso grifar que inexiste hierarquia funcional entre
delegados de polícia, mesmo entre o Corregedor-Geral e o Delegado de Polícia da menor Delegacia do
interior do estado. A hierarquia entre Delegados na Polícia Judiciária é meramente administrativa, e não
funcional. Isso significa dizer que o superior hierárquico não tem o poder de determinar como a
Autoridade Policial deve agir na condução do procedimento policial, ou tampouco impingir-lhe sanção
disciplinar por sustentar entendimento jurídico diverso.
73
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. v. 3. São Paulo: Método, 2014, p. 681.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 510.
75
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. v. 3. São Paulo: Método, 2014, p. 682.
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Enunciado 5
O Delegado de Polícia, que integra carreira jurídica, age stricto sensu em nome do Estado, sendo o
primeiro garantidor da legalidade e da justiça.
Justificativa
O Plenário da Corte Constitucional confirmou a natureza jurídica do cargo de Delegado de Polícia,
constituindo-se em agente político:
De se ver que, desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição Federal, o cargo de Delegado de
Polícia vem sendo equiparado àqueles integrantes das chamadas “carreiras jurídicas”, a significar
maior rigor na seletividade técnico-profissional dos pretendentes ao desempenho das respectivas
funções. E essa exigência constitucional tem a sua explicação no fato de que incumbe aos delegados
de polícia exercer funções de polícia judiciária, além de presidir as investigações para a apuração de
infrações penais, o que requer amplo domínio do ordenamento jurídico do país.
Em palavras outras, para cumprir o seu mister constitucional de apurar as infrações criminais, o
Delegado de Polícia de carreira tem de presidir o inquérito policial, modalidade de investigação que
tem seu regime jurídico traçado a partir da própria Constituição Federal, mecanismo que é das
atividades genuinamente estatais de “segurança pública”. Segurança que, voltada para a preservação
dos superiores bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é
constitutiva do explícito “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (art. 144, cabeça, da
CF).76
O cargo de Delegado de Polícia é exercido por cidadão com curso superior de direito, após
aprovação em concurso público. Exerce atividades em que lhe são exigidos conhecimentos técnicos
específicos.77
Se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de caráter jurídico.78
Dada essa inegável importância, afirma a doutrina:
A função de polícia judiciária, muito embora não figure expressamente no capítulo das funções
essenciais à Justiça (arts. 127 a 135, CRF/1988), implicitamente trata-se de função essencial à
justiça em razão de fortalecer o sistema acusatório na medida em que o juiz está despido da função
de investigar o que está entregue a órgão próprio para tanto.79
Ora, se levarmos em consideração que o cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em
Direito (Lei nº 12.830/13, art. 3º) e que o exercício de suas funções guarda relação direta com a
aplicação concreta de normas jurídicas aos fatos que lhe são apresentados, como ocorre, por
exemplo, com a lavratura de auto de prisão em flagrante, indiciamento, representação por decretação
76
STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 09/03/2007.
STF, Tribunal Pleno, ADI 2427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006.
78
STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06.
79
NICOLITT, André, Manuel de processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 73.
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de medidas cautelares, é no mínimo estranho admitir que o exercício de tais funções não tenha
natureza jurídica.80
Exerce o Delegado, portanto, uma carreira jurídica, sendo polícia judiciária, no vestíbulo da ação
penal, como “longa manus” do Poder Judiciário, para garantir a imparcialidade do inquérito,
ofertando idênticas possibilidades de atuação ao Ministério Público e à Advocacia.81
Daí o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:
[Há] cargos públicos cujos ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, incluído nesse rol o
cargo de Delegado de Polícia.82
O Delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça (Min. Celso de Mello).83
80
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 175-176
MARTINS, Ives Gandra Silva. Delegados de carreira e o Ministério Público. Carta Forense, 04/05/2015.
82
STJ, RMS 43172, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 22/11/2013.
83
STF, HC 84.548, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 21/06/2012.
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81
Enunciado 6
Consiste em atribuição exclusiva do Delegado de Polícia a decisão sobre a lavratura ou não de auto de
prisão ou apreensão em flagrante, através de análise técnico-jurídica do fato, não se sujeitando a
requisição de qualquer autoridade ou órgão.
Justificativa
O Delegado de Polícia, por deter tão importante responsabilidade de decidir sobre o direito de ir e vir dos
cidadãos, não deve atuar como automático chancelador de capturas, como se fosse mera máquina
encarceradora. A Autoridade de Polícia Judiciária possui ampla liberdade na análise acerca da privação da
liberdade por estado de flagrância, seja por delito ou ato infracional. Corrobora esse entendimento a Lei de
Investigação Criminal que impõe ao Delegado de Polícia não apenas o poder, mas o dever de realizar
análise técnico-jurídica do fato sob seu exame (art. 2º, §6º da Lei 12.830/13).
Esse é o dominante entendimento doutrinário84 85 86 e jurisprudencial:
Com efeito, como primeiro receptor do caso concreto, não é dado ao delegado de polícia agir sem a
devida cautela e sem senso de prudência, porquanto existe insofismável proximidade entre as suas
atribuições e o direito fundamental da liberdade da pessoa. (...) Portanto, resta claro que o Delegado
de Polícia tem a faculdade, nas hipóteses de flagrante delito, conforme seu juízo de valor, levar a
cabo a melhor decisão que lhe indicar a consciência, procedendo a lavratura do auto de prisão em
flagrante ou não, de conformidade com a apreciação daquilo que for mais conveniente e oportuno
em face do caso concreto.87
É incontestável a possibilidade de análise do juízo de tipicidade da conduta. Caso contrário,
dispensada seria a figura do delegado de polícia; desnecessário concurso público na escolha de
profissional qualificado com atribuição, unicamente, para homologar todas as prisões que lhe
fossem apresentadas, independentemente do condutor e das razões.
Ao delegado de polícia é dado o poder discricionário de formar convicção acerca da existência ou
não das situações que cabem flagrância, tudo, por óbvio, dentro dos limites constitucionais. (...)
Não é possível querer que o delegado de polícia homologue o que quer que seja que a policia militar
– ou qualquer outra pessoa ou instituição – apresente em sua delegacia. (...)
O delegado de polícia não está obrigado a homologar prisão alguma se não for este seu
convencimento.88
A lavratura do auto de prisão em flagrante e o indiciamento possuem pressupostos semelhantes, a saber, a
existência de indícios de autoria ou participação do suspeito em relação a uma infração penal. Logo, a
requisição de lavratura do auto de custódia flagrancial resulta, ainda que por via indireta, em uma
requisição de indiciamento.
84
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 339-340.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2000, p. 379.
86
BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 114.
87
TJSP, HC 990100785710, Rel. Des. Camilo Léllis, DJ 23/09/2010.
88
Processo 11300950499, Comarca de Porto Alegre/RS, 2ª Vara da Fazenda Pública, DJ 11/2013.
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85
E a malfadada requisição de indiciamento é enfaticamente rechaçada não somente pela doutrina 89 90 91 e
legislação92, mas especialmente pelo Supremo Tribunal Federal:
Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento
jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o
indiciamento e determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema
acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de modo a
impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei
12.830/2013.93
89
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 119.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 142.
91
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 126.
92
Art. 2.°, § 6.°, da Lei 12.830/2013.
93
STF, HC 115.015, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 27/08/2013.
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Enunciado 7
O Delegado de Polícia pode reconhecer a existência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade
e deixar de lavrar auto de prisão ou apreensão em flagrante, sem prejuízo da instauração de investigação
policial e do controle interno e externo.
Justificativa
Inexiste dispositivo no CPP limitando a análise do Delegado de Polícia à tipicidade, impedindo-o de
analisar os demais substratos do conceito analítico do crime. Entender de modo diverso equivaleria a
forçar a Autoridade Policial a prender em flagrante, por exemplo, o oficial de justiça que cumpriu
mandado de penhora domiciliar e violou domicílio alheio (praticou fato típico amparado pela justificante
de estrito cumprimento do dever legal), ou o atleta amador que dá um carrinho no adversário (praticou
fato típico protegido pela excludente de exercício regular de direito), ficando sua liberdade condicionada à
assunção de compromisso de comparecimento ao Juizado Especial.
Tanto que, se a Autoridade Policial optar por lavrar o flagrante, a providência do magistrado deve ser
relaxar a prisão em flagrante, em face da sua ilegalidade, com fulcro no art. 5º, LXV, da Constituição
Federal, e no art. 310, I do Código de Processo Penal.
É o entendimento da melhor doutrina 94:
Muito embora o fato típico, como dissemos, autorize a prisão em flagrante, não se pode olvidar que,
em dadas circunstâncias, deve prevalecer o bom senso. (...) Deve-se considerar a existência de uma
margem subliminar de discricionariedade, capaz de elidir imputações abstratas de omissão no dever
de ofício caso se abstenha a autoridade policial de realizar a prisão em flagrante, preterindo esta
conduta em face de outras diligências investigatórias. Estamos nos referindo às situações em que a
presença de excludentes de ilicitude mostrar-se evidente, notória, sem margem para dúvidas, assim
constatado no momento da abordagem realizada pela autoridade policial, levando em consideração o
seu conhecimento e experiência no exercício da profissão.95
A verdade é que o delegado de polícia – autoridade com poder discricionário de decisões
processuais – analisa se houve crime ou não quando decide pela lavratura do auto de prisão. E ele
não analisa apenas a tipicidade, mas também a ilicitude do fato. Se o fato não viola a lei, mas ao
contrário é permitido por ela (art. 23 do CP) não há crime e, portanto, não há situação de flagrante.
Não pode haver situação de flagrante de um crime que não existe (considerando-se os elementos de
informação existentes no momento da decisão da autoridade policial). O delegado de polícia analisa
o fato por inteiro. A divisão analítica do crime em fato típico, ilicitude e culpabilidade existe apenas
para questões didáticas. Ao delegado de polícia cabe decidir se houve ou não crime. E o art. 23, I a
III, em letras garrafais, diz que não há crime em situações excludentes de ilicitude. 96
94
FRANCESCHI, Marino. As excludentes de ilicitude penal e a possibilidade de reconhecimento pelo delegado de polícia na
atividade policial. In: LOPES, Fábio Motta; WENDT, Emerson (Org.). Investigação criminal: ensaios sobre a arte de investigar
crimes. Rio de Janeiro: Brasport: 2014, p. 37-39.
95
AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2013, p. 889-890.
96
BIANCHINI, Alice; MARQUES, Ivan Luis; GOMES, Luiz Flavio; CUNHA, Rogério Sanches; MACIEL, Silvio. Prisão e
medidas cautelares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 139.
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No plano vertical está o direito, isto é, os elementos jurídicos referentes à existência do crime vistos
a partir do seu conceito formal (fato típico, ilícito e culpável). O IP deve demonstrar a tipicidade, a
ilicitude e a culpabilidade aparente.97
Tanto que, se a Autoridade Policial optar por lavrar o flagrante, a providência do magistrado não deve ser
conceder liberdade provisória, mas:
Relaxar a prisão em flagrante, em face da sua ilegalidade, com fulcro no art. 5º, LXV, da
Constituição Federal, e no art. 310, I do Código de Processo Penal. Sem dúvida alguma, a
ilegalidade da prisão em flagrante repousa na ausência de crime.98
O controle externo do membro do Ministério Público não fica prejudicado pois, ao cumprir seu dever de
visitar a Delegacia de Polícia, possui acesso às informações99, podendo eventualmente sustentar posição
diversa dentro de sua esfera de seu convencimento motivado. Prejuízo tampouco há para o Juiz de Direito,
cuja livre convicção fundamentada, de igual modo, permanece intacta.
Além do mais, o procedimento estará sujeito à fiscalização da Corregedoria da Polícia, não para interferir
na independência funcional do Delegado de Garantias, mas a fim de constatar que fundamentou sua
decisão; e também da sociedade, já que a Polícia Judiciária é inegavelmente um dos mais fiscalizados
órgãos públicos.
97
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 298.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. São Paulo: Método, 2013, p. 388.
99
Art. 9º, I e II da Lei Complementar 75/93 e art. 4º, I e V da Resolução 20/07 do Conselho Nacional do Ministério Público.
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98
Enunciado 8
O Delegado de Polícia pode aplicar o princípio da insignificância e deixar de lavrar auto de prisão ou
apreensão em flagrante, sem prejuízo da instauração de investigação policial e do controle interno e
externo.
Justificativa
Com a evolução dos estudos do Direito Penal, a tipicidade, que era vista sob o aspecto exclusivamente
formal, como mera subsunção do fato à norma, passou a ser vista sob outra ótica, abrigando também juízo
de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.100 101 102
A jurisprudência dos Tribunais Superiores seguiu o mesmo norte, no sentido de que, ausente a relevante
lesão a bem jurídico tutelado, não há que se falar em crime, incidindo o princípio da insignificância.103 104
Essa análise deve constatar a presença ou não dos requisitos autorizadores da aplicação do princípio da
insignificância segundo o Supremo Tribunal Federal105 e o Superior Tribunal de Justiça106, quais sejam,
(a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica
provocada. Deve ainda levar em conta que nem a reincidência nem a reiteração criminosa, tampouco a
habitualidade delitiva, são suficientes, por si sós e isoladamente, para afastar a aplicação do denominado
princípio.107
Também não se discute que o inquérito policial representa um constrangimento (strepitus) ao investigado,
embaraço este que só será legal se houver justa causa a motivar a instauração do procedimento.
Com efeito, a aplicação do postulado pode e deve ser feita pelo Delegado de Polícia, conforme orientação
doutrinária:
O princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para a autoridade
judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial.108
Não sendo a narrativa real, ou não constituindo fato típico, o Delegado de Polícia não estará
obrigado a instaurar o inquérito policial. É o que ocorre, por exemplo, diante da incidência do
princípio da insignificância.109
Não só os Delegados podem como DEVEM analisar os casos de acordo com o princípio da
insignificância. Merecem aplauso e incentivo os Delegados que agem dessa forma, pois estão
cientes do papel que lhes cabe na investigação preliminar, atuando como filtros de contenção da
100
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 225.
BITENCOURT, Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 2012, p. 49.
102
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 134-135.
103
STF, HC 119778, Rel. Min, Carmen Lúcia, DP 21/11/2013.
104
STJ, RHC 42454, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 01/04/2014.
105
STF, HC 92.463, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/10/2007.
106
STJ, HC 89.357, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 11/03/2008.
107
STJ, HC 299.185-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJ 09/09/2014.
108
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. São Paulo: Método, 2013, p. 36
109
NICOLLIT, André. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 86.
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irracionalidade potencial do sistema penal. Em outras palavras, deve o Delegado desempenhar papel
condizente com a estrutura racional-legal de contenção do poder punitivo e para tanto, é natural que
disponha de atribuição para fazer os juízos necessários ao sentido apropriado da tipicidade no marco
contemporâneo: se o fato é atípico, não pode ensejar persecução penal e manutenção do indivíduo
preso em flagrante em função de situação insignificante.110
Registre-se que juízes e tribunais são intérpretes finais da Constituição e das leis, mas não são os
únicos. Boa parte da interpretação e aplicação do Direito é feita, fora de situações contenciosas, por
cidadãos ou por órgãos estatais.111
Até porque, caso o Delegado de Polícia se aventure a instaurar inquérito policial (por portaria ou auto de
prisão em flagrante) sem justa causa, por iniciativa própria ou pressão do Poder Judiciário ou Ministério
Público, o procedimento policial deve ser imediatamente trancado.112 113 114
O controle externo do membro do Ministério Público não fica prejudicado pois, ao cumprir seu dever de
visitar a Delegacia de Polícia, possui acesso às informações115, podendo eventualmente sustentar posição
diversa dentro de sua esfera de seu convencimento motivado. Prejuízo tampouco há para o Juiz de Direito,
cuja livre convicção fundamentada, de igual modo, permanece intacta.
Além do mais, o procedimento estará sujeito à fiscalização da Corregedoria da Polícia, não para interferir
na independência funcional do Delegado de Garantias, mas a fim de constatar que fundamentou sua
decisão; e também da sociedade, já que a Polícia Judiciária é inegavelmente um dos mais fiscalizados
órgãos públicos.
110
KHALED JR, Salah H.; ROSA, Alexandre Morais da. Delegados relevantes e lesões insignificantes: a legitimidade do
reconhecimento da falta de tipicidade material pela autoridade policial. Justificando. 25/11/2014
111
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 331-333
112
STF, HC 218234, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 13/03/2012.
113
STJ, HC 72234, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 09/10/2007.
114
STJ, RHC 42454, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 01/04/2014.
115
Art. 9º, I e II da Lei Complementar 75/93 e art. 4º, I e V da Resolução 20/07 do Conselho Nacional do Ministério Público.
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Enunciado 9
A decisão de indiciamento ou desindiciamento insere-se no plexo de atribuições exclusivas do Delegado
de Polícia, não sujeitando a requisição de qualquer autoridade ou órgão.
Justificativa
O indiciamento traduz a decisão do Delegado de Polícia através da qual atribui a autoria da infração penal
à pessoa investigada, indicando materialidade e circunstâncias do fato. A contrario sensu, o
desindiciamento consiste na deliberação da Autoridade Policial por meio da qual afasta a suspeita
anteriormente existente em relação a alguém.
A Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, dentre
outras questões, estabeleceu:
Art. 2º. (...)
§6º. O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante
análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
Destarte, por se tratar de ato privativo, fica afastada a possibilidade de qualquer autoridade ou órgão
requisitar ao Delegado de Polícia que indicie ou desindicie alguém.
O Supremo Tribunal deixou bem clara sua posição quando afirmou:
Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento
jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o
indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o
sistema acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de
modo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei
12.830/2013.116
A doutrina não destoa:
Requisição de indiciamento: cuida-se de procedimento equivocado, pois indiciamento é ato
exclusivo da autoridade policial, que forma o seu convencimento sobre a autoria do crime, elegendo,
formalmente, o suspeito de sua prática. Assim, não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de
requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar
à força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito.117
Não é adequado que o ato de indiciar seja requisitado pelo juiz ou pelo Ministério Público. làis
autoridades podem determinar a instauração da investigação. Todavia, a definição subjetiva do foco
investigativo é de atribuição do titular do inquérito.118
O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado
como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo do Delegado de Polícia
116
STF, HC 115.015, Rel. Min. Teori Zavaski, DP 27/08/2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 96.
118
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 126.
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117
(...). Portanto, se a atribuição para efetuar o indiciamento é privativa da autoridade policial (Lei n°
12.830/13, art. 2o, §6°), não se afigura possível que o juiz, o Ministério Público ou uma Comissão
Parlamentar de Inquérito requisitem ao delegado de polícia o indiciamento de determinada
pessoa.119
119
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p 143.
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Enunciado 10
O controle externo da atividade policial incide sobre a atividade-fim da Polícia Judiciária, a saber, a
investigação criminal, não abrangendo as atividades-meio consistentes nas tarefas policiais
administrativas.
Justificativa
O controle administrativo, enquanto conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos
quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade em qualquer das esferas de Poder120,
consubstancia-se em importante instrumento de qualquer Estado Moderno.
O controle externo da atividade policial consiste em uma das atribuições do Ministério Público, ex vi do
art. 129, VII da Constituição Federal. Cuida-se de importante função outorgada ao Parquet, no sentido de
fiscalizar a atividade das Polícias Administrativa e Judiciária, zelando para que o desempenho das missões
de polícia preventiva e repressiva ocorra sempre nos limites impostos pelo ordenamento jurídico.
No Estado Moderno não há espaço para órgãos públicos que atuem sem um mínimo de vigilância, seja a
Polícia, seja o próprio Ministério Público, pois como afirmava Montesquieu “todo homem que possui
poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites”.121 Assim, não se trata de relação
hierárquica, mas de uma forma de verificação das ações estatais pelo próprio Estado, representado pelo
órgão de acusação.
O controle externo da atividade policial foi regulado pela Lei Complementar 75/93, posteriormente
complementada pela Resolução 20/07 do Conselho Nacional do Ministério Público. A referida lei
estabelece no Capítulo destinado ao controle externo da atividade policial:
Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de
medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida,
ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou
fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder.
Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e
Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação
do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.
Fácil perceber que em nenhum momento a norma autorizou (e nem poderia, sob pena de
inconstitucionalidade) que o MP interfira na atividade-meio da Polícia Judiciária. O controle deve ser
exercido única e exclusivamente sobre a atividade-fim policial, sob pena de afronta ao secular postulado
da separação dos poderes.
120
121
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 953.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 166.
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Inexiste subordinação hierárquica da Polícia Judiciária em relação ao Ministério Público, que não tem
qualquer poder disciplinar sobre a Polícia.
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Enunciado 11
O Delegado de Polícia pode determinar todas as providências necessárias à elucidação de um delito,
incluindo-se a condução coercitiva de pessoas para prestar esclarecimentos, ainda que sem mandado
judicial ou estado de flagrância.
Justificativa
É plenamente possível a condução coercitiva de suspeitos à Delegacia de Polícia, sempre por ordem do
Delegado de Polícia, para prestarem maiores informações, sem que haja a necessidade de mandado
judicial ou que estejam em situação de flagrante delito.
Esse é o entendimento das Cortes Superiores:
1. De acordo com os relatos e informações constantes dos autos, percebe-se claramente que não
houve qualquer ilegalidade na condução do recorrente à delegacia de polícia para prestar
esclarecimentos, ainda que não estivesse em flagrante delito e inexistisse mandado judicial.
2. Isso porque, como visto, o recorrente em momento algum foi detido ou preso, tendo sido apenas
encaminhado ao distrito policial para que, tanto ele, quanto os demais presentes, pudessem depor e
elucidar os fatos em apuração.
3. Consoante os artigos 144, 4º, da Constituição Federal, compete "às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares" , sendo que o artigo 6º do
Código de Processo Penal estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade
policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito.
4. A teoria dos poderes implícitos explica que a Constituição Federal, ao outorgar atribuições a
determinado órgão, lhe confere, implicitamente, os poderes necessários para a sua execução.
5. Desse modo, não faria o menor sentido incumbir à polícia a apuração das infrações penais, e ao
mesmo tempo vedar-lhe, por exemplo, a condução de suspeitos ou testemunhas à delegacia para
esclarecimentos. 122
I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser
tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas
dispostas nos incisos II a VI.
III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º
do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a
condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais
dos conduzidos.
IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída
pela Suprema Corte norte-americana e e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que
há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil
122
STJ, RHC 25.475, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 16/09/2010.
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para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia
judiciária. 123
Como se depreende da posição adotada pela Corte Suprema, a condução coercitiva de pessoas à Unidade
Policial, sem situação de flagrância ou mandado judicial, somente pode se dar por ordem do Delegado de
Polícia.
Ademais, esse poder insere-se no plexo de atribuições da Polícia Judiciária, a fim de levar a cabo com
eficiência a missão constitucional de apuração das infrações penais. Trata-se de poder expresso,
decorrente do art. 44, §4º da Constituição Federal, do art. 6º do Código de Processo Penal e do art. 2º da
Lei 12.830/13, sendo desnecessária a invocação da teoria dos poderes implícitos.
123
STF, HC 107.644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/10/2011.
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Enunciado 12
Caso o perito destinatário de requisição do Delegado de Polícia não encaminhe o laudo pericial no prazo
de 10 dias, deve requerer fundamentadamente dilação de prazo, a ser deferida pela Autoridade de Polícia
Judiciária apenas em casos excepcionais, sob pena de responsabilização criminal do perito recalcitrante.
Justificativa
O Delegado de Polícia possui o poder, outorgado pelo art. 144 da Constituição Federal, art. 6º, VII do
Código de Processo Penal e art. 2º, §2º da Lei 12.830/13, de requisitar perícias quando julgar necessárias
para a investigação criminal.
Por meio desse domínio a Autoridade de Polícia Judiciária leva a cabo sua prerrogativa de presidir o
procedimento policial com isenção e discricionariedade, na linha do que afirmam o Supremo Tribunal
Federal e a doutrina:
Inexistem quaisquer disceptações a propósito da atribuição funcional, constitucionalmente
outorgada à Polícia Judiciária, de presidir ao inquérito policial, de promover a apuração do evento
delituoso e de proceder à identificação do respectivo autor. 124
O inquérito policial é conduzido de maneira discricionária pela autoridade policial, que deve
determinar os rumos das diligências de acordo com as peculiaridades do caso concreto. (...) O
Delegado de Polícia, na qualidade de autoridade policial, continua conduzindo o inquérito policial
de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico.125
A requisição de perícia é apenas uma das várias possibilidades que tem o Delegado de Polícia para
descortinar a verdade, podendo também apreender objetos, determinar acareação e reprodução simulada
dos fatos126 e determinar a condução coercitiva de pessoas ainda que sem flagrante ou mandado
judicial.127 128
O perito é um auxiliar, que apesar de ter liberdade para manifestar sua conclusão amparada em
conhecimentos técnicos, não possui margem de ação para recusar o atendimento à ordem ou para
livremente desatender o prazo legal.
Nessa linha, o laudo deverá ser encaminhado pelo perito no prazo máximo de 10 dias (art. 160 do CPP).
Esse prazo vem sendo insistentemente descumprido pelos agentes periciais, sem que indiquem os motivos
da demora.
Caso o prazo não possa ser cumprido por motivos alheios à vontade do perito, deve o requisitado formular
requerimento fundamentado de dilação de prazo ao Delegado de Polícia, que deferirá a prorrogação do
prazo apenas em casos excepcionais (art. 160, parágrafo único do CPP).
124
STF, Tribunal Pleno, RE 593.727, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 14/05/2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 177/180.
126
Arts. 6º, VI e 7º do CPP.
127
STJ, RHC 25.475, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 16/09/2010.
128
STF, HC 107.644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/10/2011.
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125
Caso o perito opte pela omissão no seu dever, poderá incorrer em crime de prevaricação (art. 319 do CP),
desobediência (art. 331 do CP) ou falsa perícia (art. 342 do CP) – este em especial na modalidade típica
“calar a verdade como perito”, conforme se trate de perito oficial ou nomeado.
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Enunciado 13
O poder requisitório do Delegado de Polícia abarca o prontuário médico que interesse à investigação
policial, não estando albergado por cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do médico ou gestor de
saúde atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.
Justificativa
Não se desconhece que o sigilo profissional encontra-se amparado no art. 5º, X da Constituição Federal,
que assegura a inviolabilidade da intimidade. Todavia, o sigilo médico-profissional, assim como os
demais direitos, até mesmo aqueles que configuram cláusulas pétreas, não são absolutos, conforme
pacífico entendimento da Corte Suprema.129
Além do mais, o segredo que envolve a relação médico-paciente não foi protegido pela Constituição
Federal pelo manto da cláusula de reserva de jurisdição, isto é, não consiste em ato cuja efetivação se
atribua com exclusividade aos membros do Poder Judiciário.130 As exceções em que se demanda ordem
proveniente do Judiciário estão expressamente indicadas na Carta Política, não sendo o caso do prontuário
médico.
Por isso mesmo o poder requisitório do Delegado de Polícia, estampado no art. 144 da Constituição
Federal, art. 6º, III do Código de Processo Penal e art. 2º, §2º, in fine da Lei 12.830/13, abrange o
prontuário médico.
O legislador, ao conferir esse poder de requisição ao Delegado de Polícia, buscou municiar a Autoridade
Policial dos meios necessários para coletar provas de forma célere e eficaz, independentemente de
autorização judicial. Não por outra razão entendem as Cortes Superiores131 132 que pode a Autoridade
Policial determinar todas as providências aptas a esclarecer o delito, inclusive condução coercitiva de
pessoas sem mandado judicial ou estado de flagrância. É dizer, os poderes de condução coercitiva e de
requisição nada mais são que instrumentos à disposição da Autoridade Policial para bem desempenhar seu
mister constitucionalmente delimitado.
Por isso mesmo o art. 77, §1º da Lei 9.099/95 e o art. 12, §3º da Lei 11.340/06 admitem o documento
médico como prova pericial, dispensando-se a perícia técnica, com o objetivo de simplificar a obtenção de
prova. Se a perícia, procedimento mais moroso, dispensa autorização judicial, com mais razão o boletim
médico.
Nesse sentido, o dever legal de fornecimento do prontuário médico ao Delegado de Polícia requisitante
consubstancia-se em expressa exceção do sigilo médico (arts. 73 e 102 do Código de Ética Médica Resolução 1.931/09 do Conselho Federal de Medicina).
De outro lado, cabe destacar que, por não haver prazo expresso para o cumprimento da diligência, pode e
deve o Delegado de Polícia estabelecer um prazo, utilizado por analogia (art. 3º do CPP), por exemplo, o
lapso temporal de 15 dias hospedado no art. 8º da Lei 7.347/85.
129
STF, MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/09/99.
CANOTILHO, J. J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. 2003. Coimbra: Almedina. p. 580.
131
STJ, RHC 25.475, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 16/09/2010.
132
STF, HC 107.644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/10/2011.
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Destarte, a intencional recusa do médico ou gestor de saúde no atendimento à requisição do Delegado de
Polícia pode caracterizar delito de prevaricação (art. 319 do CP) ou desobediência (art. 330 do CP)
conforme se trate de médico legista oficial ou particular.
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Enunciado 14
O poder requisitório do Delegado de Polícia, que abrange informações, documentos e dados que
interessem à investigação policial, não esbarra em cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do
destinatário atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.
Justificativa
O Delegado de Polícia possui o poder, outorgado pelo art. 144 da Constituição Federal, art. 6º, III do
Código de Processo Penal, art. 2º, §2º, in fine da Lei 12.830/13, art. 17-B da Lei 9.613/98 e art. 15 da Lei
18.850/13, de requisitar dados quando julgar necessários para a investigação criminal.
Além disso, cabe destacar que, por não haver prazo expresso para o cumprimento da diligência, pode e
deve o Delegado de Polícia estabelecer um prazo, utilizado por analogia (art. 3º do CPP), por exemplo, o
lapso temporal de 15 dias estabelecido no art. 8º da Lei 7.347/85.
Pelo exame da Constituição (CF, artigo 5º, XII), nota-se que sigilo de dados distingue-se do sigilo das
comunicações. A proteção mencionada pelo dispositivo se refere à comunicação de dados, e não aos
dados em si.
A requisição direta de dados não se confunde com a interceptação de comunicações, para a qual se exige
decreto judicial, conforme art. 5º, XII da Constituição Federal.
Os dados cadastrais não estão protegidos pelo direito à intimidade (art. 5º, X, da CF), que nem mesmo
exige ordem judicial para ser excepcionado, diferentemente dos direitos estampados nos incisos XI (busca
e apreensão domiciliar), XII (interceptação telefônica) e inciso LXI (prisão). É dizer, com relação ao
direito à intimidade, inexiste cláusula de reserva de jurisdição.
A opção do constituinte pela flexibilização de acesso decorre do fato de essa categoria de dados ser a
imagem jurídica do indivíduo na coletividade. Com efeito, quando a Polícia Judiciária tem acesso direto
aos dados cadastrais, objetiva-se tão somente o conhecimento das informações constantes em banco de
dados de órgãos públicos e privados, a exemplo do nome, endereço, CPF, RG e telefone. Tais elementos
não revelam qualquer aspecto da vida privada ou da intimidade do indivíduo, por consistirem em dados
objetivos que não permitem juízo de valor sobre a pessoa.133 O acesso direto aos dados cadastrais não fere
a intimidade do cidadão, pois não revela seus gostos, afeições, afiliações, pretensões, pensamentos nem
ideias:
A vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são informadas sem
constrangimento. São dados que, embora privativos – como o nome, endereço, profissão, idade,
estado civil, filiação, número de registro público oficial, etc. -, condicionam o próprio intercâmbio
humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação
possível, corrente e segura. Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. (...)
Em consequência, simples cadastros de elementos identificadores (nome, endereço, RG, filiação,
etc) não são protegidos.134
133
CONSERINO, Cassio Roberto; VASCONCELOS, Clever Rodolfo Carvalho; MAGNO, Levy Emanuel. Crime organizado e
institutos correlatos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 69.
134
JUNIOR, Tercio Sampaio Ferraz. Sigilo de Dados: o Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado.
In: Revista da Faculdade de Direito. São Paulo. USP, v. 88, 1993, p. 449.
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Os Tribunais Superiores não divergem:
O inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o sigilo das comunicações telefônicas,
nas quais, por óbvio, não se inserem os dados cadastrais do titular de linha de telefone celular.135
Acesso ao computador que não desvelou o próprio conteúdo da comunicação criminosa, mas
somente dados que permitiram identificar o seu autor. Desnecessidade de prévia ordem judicial e do
assentimento do usuário temporário do computador quando, cumulativamente, o acesso pela
investigação não envolve o próprio conteúdo da comunicação.136
A proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação “de dados” e não dos
“dados em si mesmos”, ainda quando armazenados em computador.137
Pela mesma razão pode o Delegado de Polícia requisitar, independentemente de ordem judicial, dados
telefônicos que não revelem o teor das comunicações:
A obtenção direta pela autoridade policial de dados relativos à hora, ao local e à duração das
chamadas realizadas por ocasião da prática criminosa não configura violação ao art. 5º, XII, da
CF/88.138
2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive,
proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de
proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da
comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder
à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda
eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade
policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a
esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o
executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha
investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para
a investigação.139
O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois
celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios
aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa
responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas,
tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. É dever da
Autoridade policial apreender os objetos que tiver em relação com o fato, o que, no presente caso,
135
STJ, HC 131836, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 04/11/2000.
STF, HC 103425, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 26/06/2012.
137
STF, RE 418416, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/12/2006.
138
STF, HC 124.322, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ 21/09/2015.
139
STF, HC 91867, Rel. Min. Gilmar Mendes, 19/09/2012.
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136
significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação
com a ocorrência investigada.140
Não se constata ilegalidade no proceder policial, que requereu à operadora de telefonia móvel
responsável pela Estação Rádio-Base o registro dos telefones que utilizaram o serviço na localidade,
em dia e hora da prática do crime.141
Nessa vereda, a intencional recusa do particular ou agente público no atendimento à requisição do
Delegado de Polícia pode caracterizar delito de prevaricação (art. 319 do CP) ou desobediência (art. 330
do CP) conforme se trate de agente público ou particular, ou o crime previsto no art. 21 da Lei 12.850/13.
140
141
STJ, HC 66368, Rel. Min. Gilson Dipp, DP 29/06/2007
STJ, HC 247331, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 03/09/2014.
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Enunciado 15
Em razão da inamovibilidade do Delegado de Polícia, sua remoção somente ocorrerá por ato
fundamentado no interesse público que indique concretamente as circunstâncias fáticas justificadoras, não
sendo suficientes ilações, meras referências a dispositivos legais ou utilização de termos genéricos.
Justificativa
A Lei de Investigação Criminal veio, em boa hora, consagrar o princípio da inamovibilidade do Delegado
de Polícia:
Art. 2º. § 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
Essa inamovibilidade não significa a absoluta impossibilidade de movimentação da Autoridade de Polícia
Judiciária, mas a colocação de limites à remoção do Delegado de Polícia, sendo a baliza fundada no
interesse público.
Nesse sentido, o postulado da motivação assume especial importância, como ensina a doutrina:
O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de
direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais
espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos
vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua
obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para
permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. (...)É pela motivação que se verifica se o
ato está ou não em consonância com a lei e com os princípios a que se submete a Administração
Pública. Verificada essa conformidade, a escolha feita pela Administração insere-se no campo do
mérito. A exigência de motivação, hoje considerada imprescindível em qualquer tipo de ato, foi
provavelmente urna das maiores conquistas em termos de garantia de legalidade dos atos
administrativos.142
Cumpre sublinhar que, assim como nas decisões judiciais, não há mais espaço para decisões que se
limitem à mera explicitação textual de dispositivos legais ou referências doutrinárias. Exige-se que a
decisão esteja lastreada em elementos concretos. Meras ilações ou conjecturas desprovidas de base
empírica concreta não autorizam que a Administração Pública afete a esfera de direitos do servidor
público de forma a prejudica-lo. É indispensável que o administrador aponte, de maneira concreta, as
circunstâncias fáticas que apontam no sentido da adoção da medida, sob pena de manifesta ilegalidade.
Não satisfazem parâmetros unicamente subjetivos. Há que se perquirir a presença de indicadores palpáveis
da exigibilidade da medida restritiva.
O Superior Tribunal de Justiça não deixa dúvidas:
Admitir que as remoções possam ser operadas com base em justificações abstratas de interesse
público – que já constitui em si um conceito jurídico indeterminado por excelência – equivaleria a
admitir a prática de ato administrativo à total revelia de justificação legítima, o que conduziria à
impossibilidade de sindicar a sua juridicidade.143
142
143
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 82-83.
STJ, RMS 37.327, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 20/08/2013.
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Deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e
na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples
reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos
abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.144
144
STJ, HC 86.113, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 17/03/2008.
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Enunciado 16
O Delegado de Polícia não é obrigado a atender requisições ministeriais de instauração de inquérito
policial ou de diligências que não se revistam de legalidade ou que não indiquem elementos mínimos.
Justificativa
É indubitável que a presidência da investigação criminal deve ser exercida pelo Delegado de Polícia.
Nesse ínterim, pode e deve exercer juízo de legalidade e oportunidade sobre diligência indicada pelas
futuras partes.
Essa conclusão pode ser extraída tanto da doutrina quanto da inteligência do Supremo Tribunal Federal:
Não pairam dúvidas de que o Ministério Público poderá requisitar a instauração do inquérito e/ou
acompanhar a sua realização. Mas sua presença é secundária, acessória e contingente, pois o órgão
encarregado de dirigir o inquérito policial é a polícia judiciária.145
A presidência do inquérito policial compete, exclusivamente, à autoridade policial, nos precisos
termos de nosso ordenamento positivo, não se justificando, por isso mesmo, qualquer conclusão que
objetive conferir ao Ministério Público o exercício dessa relevante atribuição. 146
145
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2008, p.
154.
146
STF, RE 593727, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 14/05/2015
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Enunciado 17
O Delegado de Polícia não está obrigado a instaurar inquérito policial se entender que lhe falta justa causa,
podendo determinar a verificação de procedência das informações mediante decisão fundamentada.
Justificativa
É cediço que a deflagração de inquérito policial depende da existência de justa causa, entendida como o
conjunto de elementos mínimos capazes de estabelecer um liame entre autoria e materialidade delitiva.
Essa conclusão é extraída não só da legislação (art. 648, I do CPP) como também da jurisprudência das
Cortes Superiores.147 148
Tal providência encontra expresso amparo legal (art. 5º, §3º, 2ª parte do CPP).
O legislador confirmou sua posição no sentido de admitir a investigação preliminar ao emitir Parecer
acerca do Projeto de Lei 132/12, que após aprovação foi convertido na Lei 12.830/13:
Quando nós falamos em outros procedimentos previstos em lei, em termos de investigação, nós
estamos falando, em primeiro lugar, da chamada verificação preliminar de informações: quando o
delegado recebe uma informação ou uma denúncia de alguém do povo e, obviamente, antes de
iniciar uma investigação, procede a um processo preliminar de informação para ver que tipo de
fundamento têm aquelas denúncias. Isso é previsto no art. 5º, §3º do Código de Processo Penal.
(Parecer 409/2013, Rel. Senador Humberto Costa, DP 29/05/2013).
Como se não bastasse, esse entendimento encontra guarida na jurisprudência das Cortes Superiores, senão
vejamos:
A autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar diligências
preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denúncia" são materialmente verdadeiros,
para, só então, iniciar as investigações.149
Na hipótese específica dos autos, a instauração do Inquérito Policial n. 09/2009 não ocasionou
nenhum constrangimento ilegal ao paciente na medida em que somente culminou na ordem de
serviço para a realização de diligências investigatórias, as quais poderiam ter sido perfeitamente
requeridas por via de VPI (Verificação de procedência de informação), como cotidianamente ocorre
no meio policial. Desse modo, constatado que o inquérito policial deflagrado a partir da delação
apócrifa se limitou a ordenar a realização de diligências que poderiam ser – e possivelmente seriam livremente determinadas sem a formalização da investigação; que o inquérito em comento não
culminou em nenhuma medida cautelar em desfavor do paciente - tais como, prisão cautelar, busca e
apreensão e interceptação telefônica - e que nem sequer houve indiciamento, afigura-se excesso de
formalismo proclamar, no caso, a ilegalidade da deflagração do Inquérito Policial n. 09/2009.150
147
STF, HC 106314, Rel. Min. Carmen Lucia, DP 23/08/2011.
STJ, RHC 9852, Rel. Min. Felix Fischer, DP 11/06/2001.
149
STF, HC 95244, Rel. Min. Dias Toffoli, DP 30/04/2010.
150
STJ, HC 199086, Rel. Min. Jorge Mussi, DP 21/05/2014.
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148
A instauração de VPI (Verificação de Procedência das Informações) não constitui constrangimento
ilegal, eis que tem por escopo investigar a origem de delatio criminis anônima, antes de dar causa à
abertura de inquérito policial.151
Confira-se também a decisão da Justiça Federal:
Declarações prestadas à autoridade policial no curso de simples VPI (Verificação de Procedência de
Informação - art. 5º, § 3º, do CPP), anteriores, portanto, à instauração do inquérito: nessa fase, o
declarante é tido como mero informante da polícia; sendo irrelevantes digressões sobre obediência
às formalidades do interrogatório.152
Além de o inquérito policial não precisar ser instaurado de imediato, admite-se mesmo nesse momento
preliminar a decretação de medidas restritivas tais como a interceptação telefônica, conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da
instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse
procedimento. A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto,
de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação
penal.153
151
STJ, HC 103566, Rel. Min. Jane Silva, DP 01/12/2008.
TRF2, RCHC 130 2002.51.01.501285-8, Rel. Des. Sergio Feltrin Correa, DP 22/07/2003.
153
STJ, HC 43.234, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 21/11/2005.
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Enunciado 18
É poder-dever do Delegado de Polícia dispensar a fiança que houver arbitrado, mediante decisão
fundamentada, no caso de preso pobre.
Justificativa
O Delegado de Polícia, após arbitrar a fiança, pode dispensá-la, se o preso ostentar situação econômica de
miserabilidade, conforme autorização legal estampada nos arts. 325, §1º e 350 do CPP.
O art. 325 preleciona que a “autoridade” (sem restringir à Autoridade Judicial) que conceder a fiança
fixará seu valor. Ainda que se sustente que o dispositivo remete ao art. 350, que por sua vez emprega o
termo “juiz”, o art. 3º do Diploma Processual Penal autoriza o emprego de analogia como técnica de
colmatação de lacuna, que no caso servirá para evitar a criminalização do hipossuficiente
economicamente. Entendimento diverso significaria a extensão da desigualdade entre o rico e o pobre
também para o âmbito criminal.
Sublinhe-se que a providência, além de amparo legal, possui igualmente guarida doutrinária:
O arbitramento, a isenção, a redução ou o aumento da fiança podem ser feitos pela autoridade
policial ou pelo magistrado. Isso porque a fixação do valor (...) será feita pela autoridade que a
concedeu.154
A própria autoridade policial poderá dispensar a fiança e colocar o réu em liberdade. Tal posição
encontra amparo, inclusive numa interpretação histórica, já que na lei 1060/50, antiga redação do
art.4º, a autoridade policial atestava pobreza.155
A análise da condição de pobreza pelo Delegado de Polícia é chancelada pelo Supremo Tribunal Federal:
A demonstração do estado de miserabilidade pode resultar de quaisquer outros meios probatórios
idôneos, além do atestado de pobreza fornecido por autoridade policial competente.156
154
MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Manole, 2012, p. 769.
NICOLITT, André. O novo processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Campus Jurídico: 2001, p. 95.
156
STF, HC 72.328, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 11/12/2009.
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Enunciado 19
É ínsito ao feixe de atribuições decisórias do delegado de polícia e imbuído da qualidade técnico jurídica
dos fundamentos de uma carreira exclusiva de Estado a declaração de invalidação de norma jurídica que
afronte as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e as interpretações por esta realizada
nos casos contenciosos e nas opiniões consultivas, exercendo controle de convencionalidade.
Justificativa
Tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal consolidado o status hierárquico supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos (RE 466.343), restaram confirmados como fundamentos de validade157
das normas do direito interno.
Nesse sentido, aumentou a importância de o Delegado de Polícia, no contexto de suas funções
administrativas com poder decisório, atuar como garantidor dos direitos humanos fundamentais e dar
eficácia prática aos diplomas internacionais de direitos humanos.
Nesse diapasão, devem os delegados se orientar sob o prisma do human centered approach, a lógica
empregada por Norberto Bobbio158, qual seja lente ex parte populi, que significa que o Estado serve e
protege direitos e não o oposto, na qual os cidadãos devem proteger os direitos dos Estados os colocando
numa posição de subserviência absoluta, lógica imanente da lente ex parte principe.
Sabendo que a Polícia Judiciária é um dispositivo democrático159, é evidente que não há nenhum óbice em
se efetivar uma interpretação sistêmica e definir o resultado hermenêutico por meio de controle de
convencionalidade160. Sempre será cabível esta função, seja pelo Delegado de Polícia ou qualquer outra
função jurídica da qual emane poderes decisórios.
A investigação preliminar não representa meros amontoados de informações, mas exerce primordialmente
uma função garantidora de filtro contra imputações açodadas, precipitadas, eleitoreiras, irresponsáveis,
que possam enterrar a sete palmos atributos inerentes á personalidade161.
O Delegado de Polícia é o primeiro jurista (intérprete da norma) a ter acesso ao fato criminoso, ou seja, é
o primeiro juiz do caso concreto, tendo a atribuição de analisar juridicamente os fatos ocorridos e
promover eficiente investigação criminal. Precisa agir com atenção e cautela diante da iminência de suas
atribuições com o direito fundamental de liberdade da pessoa humana, tendo sido esta a razão da
157
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Controle de Convencionalidade das Leis. Disponível em <http://www.lfg.com.br. 06
de abril de 2009>, acesso em 12/05/2014. Segundo este renomado autor, pioneiro na tese sobre o controle de
convencionalidade, "Apenas havendo compatibilidade vertical material com ambas as normas – a Constituição e os tratados – é
que a norma infraconstitucional em questão será vigente e válida (e, consequentemente, eficaz).
158
BOBBIO, Norberto, Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1998, apud ob cit. p. 120
159
BARBOSA, Ruchester Marreiros. in "A Polícia Judiciária é um dispositivo democrático na Justiça Transicional. Revista
Consultor Jurídico. Disponível: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-21/academia-policia-policia-judiciaria-dispositivodemocratico-justica-transicional), acesso em 03/08/2015.
160
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro Revista Informação
Legislativa. Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009 , p.113 a 137
161
GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia - Luiz Flávio Gomes e
Fábio
Scliar.
Disponível
em
<http://www.lfg.com.br>
21
outubro.
2008.
<
http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081020154145672&mode=print>, acesso em 21/05/2014
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promulgação da lei 12.830/13, na qual o Delegado de Polícia figura como cargo de natureza jurídica e
essencial ao Estado Democrático de Direito.162
O art. 7.5 do Pacto de San Jose da Costa Rica dispõe que:
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou
outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em
prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua
liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
Em outras palavras, o Delegado de Polícia exerce função jurisdicional ao analisar liberdade provisória,
concedendo ou não fiança ou sua prisão. È plenamente convencional e constitucional gabaritar
juridicamente outro órgão que tenha estrutura para a análise da prisão e liberdade ainda em fase de
investigação criminal. Principalmente porque nosso Código de Processo Penal, em seu artigo 282,§2º,
veda expressamente a atuação do juiz em fase de investigação criminal, podendo exercer sua função nesta
fase como um segundo garantidor dos direitos fundamentais e analisar a juridicidade da prisão em
flagrante e convertê-la em prisão preventiva, desde que devidamente representada.
Assim, o Delegado de Polícia deve, no exercício de sua função garantidora dos tratados e convenções
sobre direitos humanos, realizar o controle de convencionalidade e efetivar concretamente as garantias
fundamentais nele trazidas a todos que foram alvos da persecução criminal, efetivando-se o máximo
possível garantias não realizadas pelo legislador ordinário.
162
Art. 2º da Lei 12.830/13. "As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de
polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado."
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Enunciado 20
A lei 12.830/13 é norma materialmente constitucional por garantir ao investigado o instituto do delegado
natural, necessário à democraticidade do sistema, assim como os postulados do juiz natural, do promotor
natural e do defensor natural.
Justificativa
A Polícia Judiciária, não obstante estar alocada na Carta Política no capítulo sobre Segurança Pública,
insere-se no Título V "Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas", o que não a exclui da
função precípua de ser uma garantidora dos direitos fundamentais do investigado. A Polícia Investigativa
exerce o papel, como ensina o juiz André Nicolitt163, de "protagonista da investigação criminal exerce
função essencial à justiça, como garantia implícita na Constituição".
Na doutrina, os professores Nestor Távora, advogado, e Rosmar Rodrigues Alencar, juiz federal 164,
atentos a esta maturidade institucional de ideologia democrática, entendem que este princípio está
consagrado em nosso ordenamento diante do seu art. 2º, §4º da lei 12.830/13:
(....) o §4º, do seu art. 2º, que suscita a ideia de um princípio do delegado natural, na esteira noção
mais geral de um princípio da autoridade natural (juiz natural, promotor natural e defensor
natural).
Mais adiante seguem afirmando:
Conquanto haja resistências da jurisprudência e da doutrina majoritária em admitir tal princípio
do delegado de polícia natural, entendemos que já se trata de princípio positivado no sistema.
Ainda sobre a garantia de independência e imparcialidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se
pronunciou sobre a necessidade de se garantir os órgãos administrativos que atuam no sistema de justiça
criminal a mesma imparcialidade e independência dos juízes165:
Dichas garantías deben ser observadas en cualquier órgano del Estado que ejerza funciones de
carácter materialmente jurisdiccional, es decir, cualquier autoridad pública, sea administrativa,
legislativa o judicial, que decida sobre los derechos o intereses de las personas a través de sus
resoluciones.
Para não deixar dúvidas de que a Corte IDH exige que aos órgãos da investigação criminal sejam
atribuídas as mesmas garantias aos investigados como garantias do próprio órgão de ingerências políticas,
destacamos o trecho decido por ela no Caso González y otras Vs. México166, conhecido como o caso do
"Campo Algodonero":
163
NICOLITT, Manual de Processo Penal, 5ªed., São Paulo: RT, p. 172
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 10º ed. Salvador: JusPodivum,
2015, p. 118
165
No mesmo sentido Opinión Consultiva OC-9/87 del 6 de octubre de 1987. Serie A No. 9, párr. 27.
166
Caso González y otras Vs. México. Sentencia de 16 de noviembre de 2009. Serie C No. 205, párrafo 291.
164
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(....) deberá asegurarse que los distintos órganos que participen en el procedimiento de
investigación y los procesos judiciales cuenten con los recursos humanos y materiales necesarios
para desempeñar las tareas de manera adecuada, independiente e imparcial, y que las personas
que participen en la investigación cuenten con las debidas garantías de seguridad.
No Caso Jesús Vélez Loor Vs. Panamá a Corte foi além. Entendeu que o órgão administrativo responsável
pela investigação, que tenha poder de decidir sobre a liberdade ou manutenção da prisão de uma pessoa,
exerce função materialmente judicial, que no Brasil é o delegado de polícia, além do juiz, devendo, por
isso, ser dotado de independência e imparcialidade, conforme se depreende do trecho da sentença:
Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida en el artículo 7.5 de la
Convención en materia migratoria, la legislación interna debe asegurar que el funcionario
autorizado por la ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las características de
imparcialidad e independencia que deben regir a todo órgano encargado de determinar derechos y
obligaciones de las personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas
características no solo deben corresponder a los órganos estrictamente jurisdiccionales, sino que
las disposiciones del artículo 8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos
administrativos. Toda vez que en relación con esta garantía corresponde al funcionario la tarea de
prevenir o hacer cesar las detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho
funcionario esté facultado para poner en libertad a la persona si su detención es ilegal o arbitraria.
Há, portanto, uma orientação de ordem internacional e humanística de que emancipemos os conceitos de
garantias fundamentais do processo para considerar também a fase investigatória, o que implica garantir
ao investigado que seus direitos sejam assegurados pelo delegado natural.
Não restam dúvidas que o princípio do Delegado de Polícia natural é consagrado internamente pela Lei
12.830/13, e efetiva uma garantia constitucional de imparcialidade e independência funcional do Estadoinvestigação, sendo, portanto, norma materialmente constitucional. De igual maneira, representa, no
âmbito internacional, nos moldes do art. 4º, II da CR/88, norma materialmente convencional, diante dos
ditames do órgão máximo de interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Tal garantia, por ser uma conquista fundamental do modelo político atual, pós transição de um sistema
autoritário para o democrático, não poderá sequer ser revogada, o que acarretaria um verdadeiro retrocesso
social, vedado pela doutrina mais balizada do Direito pós-positivista.
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Enunciado 21
A avocação de qualquer procedimento investigatório presidido por Delegado de Polícia viola frontalmente
o princípio do delegado natural, quando desprovida de motivação que tenha como parâmetro as razões
explícitas que motivariam o interesse público, bem como os motivos da inobservância dos procedimentos
previstos em regulamento, que tenham prejudicado a eficácia da investigação.
Justificativa
O procedimento de avocação é corolário lógico da previsão legal e materialmente constitucional do
delegado natural.
O observância do delegado natural implica necessariamente em vedação a retirada da presidência do
procedimento investigatório.
A distribuição dos procedimentos de investigação criminal no âmbito da polícia judiciária, quando houver
pluralidade de delegados de polícia na respectiva unidade de polícia judiciária, deve ser pautado por
critérios objetivos de alternância e igualdade.
Para garantir o princípio do delegado natural, os critérios devem objetivos, eletrônicos e formalmente
instituídos pelo órgão da administração da polícia judiciária, seja por órgão da administração superior ou
correcional da polícia civil do respectivo Estado e da polícia judiciária federal, pela União.
Insta salientar, que para não haver direcionamento da distribuição de notitia criminis a ensejar
direcionamento de investigação criminal lembramos a lição de Fábio Gomes, no escólio de Hélio
Tornaghi167, aplicáveis analogicamente:
(....) a alternatividade da distribuição não preestabelece a regra da sucessão, nada impedindo o
sorteio, desde que cada juízo sorteado não volte a concorrer com os demais, senão depois de
esgotado o número total, revelando tal critério mais eficiência para evitar a fraude, na medida em
que o distribuidor não pode aguardar a vez de determinado juízo para nele encaixar o processo.
Esse deve ser o escopo que dá sentido ao dispositivo da lei 12.830/13, in verbis:
Art. 2º. § 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá
ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo
de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento
da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
Não seria a ausência de normatividade que seria o óbice para a adoção dos critérios acima mencionados,
principalmente, por que há total incidência da lei 11.419/06, conforme dispõe o art. 1º, §1º, aplicável ao
processo penal. Investigação é matéria processual penal, conforme já decidiu o STF.168
167
GOMES, Fábio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3 – Do Processo de Conhecimento – arts. 243 a 269. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 96/97.
168
Em sede da ADI 2886 foi declarada inconstitucional em abril de 2015, o art. 35, IV da LC 106/03, que trata da lei orgânica
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, ao prevê o trâmite direto entra órgão do MP e a unidade de polícia
judiciária, por entender que a lei estadual não poderia dispor sobre matéria processual que é competência da União e não dos
Estados, conforme art. 22, I da CR/88
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Entender a investigação criminal como um procedimento ou processo administrativo de viés democrático
é adotar elementos de conectividade democrática, que corresponde a uma ideologia democrática muito
além dos cânones que hoje entendemos sobre o sistema acusatório. pois vai muito mais além do que isso,
conforme asseverou Rui Cunha Martins em seu artigo "O Mapeamento Processual da Verdade"169:
o sistema processual de inspiração democrático-constitucional só pode conceber um e um só
‹‹princípio unificador››: a democraticidade; tal como só pode conceder um e um só modelo
sistémico: o modelo democrático. Dizer ‹‹democrático›› é dizer contrário de ‹‹inquisitivo››, é
dizer contrário de ‹‹misto›› e é dizer mais do que ‹‹acusatório››.
A conotação meramente formal de que a investigação não seja "processo" não pode ser um óbice a
caracterização de um procedimento de ideologia democrática, em razão da máxima efetividade da
dignidade da pessoa humana, de valor muito superior à a uma reles distinção formal entre processo e
procedimento. A interpretação literal do art. 5º, LV da CR/88 já passou da hora de ser superada.
Atento ao ideal democrático os professores Nestor Távora, advogado, e Rosmar Rodrigues Alencar, juiz
federal, asseveram que:
Corolário do princípio do delegado natural, é a imposição de limites à remoção da autoridade
policial, que só poderá ocorrer por ato fundamentado (§5º, do art. 2º, da lei nº 12.830/2013). O
art. 3º, por outro prisma, dá realce a esse princípio e à característica de bacharel em Direito,
devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os
membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
É forçoso concluir, portanto, que se trata de uma garantia constitucional, norma materialmente
constitucional e convencional, diante dos diversos precedentes da Corte Interamericana de Diretos
Humanos, que exigem dos Estados dotarem os órgãos de justiça criminal, a começar da investigação, de
garantias de imparcialidade e independência.
169
PRADO, Geraldo, MARTINS, Rui Cunha; CARVALHO, L.G. Grandinetti Castanho de. Decisão Judicial. A Cultura
Jurídica Brasileira na Transição para a Democracia. Madrid, Barcelona, Buenos Aires, São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 80
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