Cultura - Info

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Info-Angola
Cultura
As populações do Cunene beneficiaram muito pouco da colonização em termos de infra-estruturas (vias de comunicação,
água potável, electricidade) e de serviços como a saúde e a educação.
AÂ província sempre foi a que teve mais baixa taxa
de urbanização (2% até 1975 e uma estimativa de 4% actualmente) e uma
população portuguesa em muito pequena quantidade. O seu território
esteve integrado no da província (então distrito) da Huíla até 1970.
Tudo isso explica, talvez, uma maior preservação de usos e costumes
“tradicionais” e provoca a ideia — frequentemente pejorativa - de que
se trata de populações “conservadoras ou atrasadas”.
Estas
populações têm um conhecimento bastante razoável do meio ecologicamente
frágil em que vivem e sabem tirar partido dele sem o destruir de forma
irreversível. Organizados em sociedades sem tradição escrita e que
praticam o culto dos antepassados, elas respeitam e por vezes veneram
os “mais-velhos”, que representam a memória e os saberes colectivos, e
que, ao mesmo tempo, servem de barreira ao aumento do conhecimento e à
mobilidade social por parte das gerações mais jovens e das linhagens
subalternas.
Apenas na área de influência das missões cristãs —
principalmente católicas (cinco) e luterana (uma) — se nota uma maior
aderência aos usos e costumes ocidentais. Curiosamente, um dos aspectos
mais valorizados actualmente pelos Ovambo de Angola na sua relação com
os da Namíbia é o resgate de práticas culturais que haviam sido
perdidas em Angola e conservadas do outro lado da fronteira.A família
Uma
família tem, em média, nove pessoas e os homens são polígamos. Apesar
da presença de missões na região desde longa data (finais do século
XIX), o número de não-cristãos é bastante significativo e as
influências do cristianismo sobre a estrutura familiar são pouco
assinaláveis. O ehumbo integra a casa do chefe e as casas das esposas
com os respectivos filhos menores, e ainda alguns filhos e sobrinhos
adultos com as respectivas esposas. As mudanças mais significativas
verificam-se no sistema de herança, notando-se a preocupação de certos
pais em transmitirem aos filhos, ainda em vida, parte do seu património
em gado, para impedir que os sobrinhos fiquem com todo ele; e, mais
raramente, numa certa diminuição da poligamia, ou pelo menos da sua
assumpção. O chefe de um ehumbo tem normalmente idade superior a 30
anos, porque antes não é reconhecido pela comunidade como pessoa
madura, nem tem suficientes bens materiais, principalmente gado,
acumulados. A regra de residência é patriarcal ou avunculocal.
Para
além da ligação a família na concepção ocidental, o indivíduo tem uma
ligação estreita ao clã (epata), grupo de pessoas com uma origem comum
que se reconhecem em determinados aspectos místicos e simbólicos. O clã
materno predomina nas relações familiares e sociais, com maior
incidência nos aspectos identitários e de solidariedade. Para o
casamento o homem procura a esposa fora da sua linhagem uterina, sendo
a união negociada entre as duas famílias com o acordo dos noivos, o que
só é possível depois do rito de passagem da rapariga (efiku), cerimónia
muito valorizada, e do pagamento do dote ou alembamento (oyoonda) que
funciona como penhor, constituído normalmente por uma ou mais cabeças
de gado e bebidas. Esse penhor legitima que os casos de adultério sejam
resolvidos através de uma multa a que se obriga o homem com quem ela
teve relações. O divórcio é muito frequente, principalmente em casos de
adultério ou infertilidade por parte da mulher.Divisão de género
As
comunidades Ovambo — e também as Vahumbi e Vahelelo — são muito
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Criado em: 1 de Outubro de 2016 às 07:34
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conservadoras em termos de igualdade de género. Todo o trabalho
doméstico é da responsabilidade da mulher, que também transporta água
(normalmente a distâncias muito grandes) e lenha, prepara a farinha de
massango e cuida da sua própria lavra e ainda de uma parte (em regra
uma quarta parte) da lavra do homem. Na altura da colheita, o massango
(base da alimentação) que é consumido em primeiro lugar sai do celeiro
ou tulha da mulher e só depois da do homem, onde também se deposita o
que tem origem naquela quarta parte.
Para se aliviar destas
penosas tarefas, a mulher transmite-as às filhas logo que elas atingem
uma certa idade. Ao homem resta o trabalho “pesado” — desbrava a terra,
dirige o trabalho da charrua, faz o cerco da casa e do chumbo. O homem
é responsável pela criação dos bovinos e caprinos e a mulher pela das
galinhas e dos suínos, mas esta não pode decidir sobre a sua venda.
Algumas mudanças registadas nas relações e papéis entre homem e mulher
são considerados, do ponto de vista físico, prejudiciais para a mulher
por obrigá-la a despender mais tempo, mas que podem representar
progressos do ponto de vista social, como é o caso — ainda vago — da
ida da mulher vender para o mercado, ou da confecção de makau (bebida
de massambala) para o onjambi (entreajuda), pois essas práticas
permitem uma aproximação ao homem.
Em caso de morte do marido,
a mulher não pode herdar, nem a terra, nem o gado, que vão para os
sobrinhos ou, como se viu e de acordo com práticas recentes, para os
filhos (e em alguns casos, mais raramente, para as esposas) quando essa
transmissão é feita ainda em vida do proprietário. Com o aumento da
oferta educativa regista-se um facto curioso: como as crianças do sexo
masculino e os jovens têm de levar o gado a pastar e a beber, eles não
podem frequentar devidamente a escola e perdem muitos anos. As
raparigas, por sua vez, avançam no nível de escolaridade e isso provoca
desequilíbrios relacionais, pois as jovens começam a recusar o
casamento com rapazes sem instrução. Esta é uma mudança que deve ser
acompanhada. Diferenciação social
Apesar
da existência de gado, os níveis de pobreza são muito elevados e marcam
relativas diferenças sociais. Um homem “rico” é considerado normalmente
detentor de mais de 50 cabeças de gado (mas o número é difícil de medir
pelo secretismo que envolve a questão) e produz massango suficiente
para constituir reservas alimentares para mais de dois anos. Os sobas
são normalmente os mais “ricos” por possuírem mais mulheres, mais terra
e mais gado.
No outro extremo situam-se as famílias
(principalmente chefiadas por viúvas) que não têm gado (dados da MIAA
referem que apenas 50% das famílias possuía gado nos anos 70) e
produzem 200 (ou menos) quilos de massango por ano, o que é
manifestamente insuficiente para uma família, ainda que pequena, se
alimentar.
Segurança alimentar
A
base da alimentação das populações rurais na província do Cunene é o
leite e o massango. O leite é consumido pelas crianças e pelos adultos
depois de acidificado (mahine ou o oshitaka) como acompanhante do pirão
de massango.
Cada pessoa consome, anualmente, cerca de 200
quilos de massango em média. A dieta é complementada com carne
consumida, em regra no período seco, em ocasiões especiais
(festividades religiosas, rituais), abrangendo pessoas de vários
ehumbo’s, ou quando há acidentes com os animais. Outros componentes da
meta ou da venda para obtenção de alimentos têm origem em folhas de
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vegetais secos (mavanda) e na recolha de larvas e insectos e de frutos
silvestres, podendo de alguns destes serem feitas bebidas como o
onombe, que os sul africanos usam para o fabrico de amarula.
A
pesca no rio Cunene e em outros cursos de água, e principalmente nas
lagoas, proporciona alimentação importante, com destaque para a famosa
tilápia da região (kimaia), o bagre, a “sardinha” e o “bacalhau do
rio”. O makau é uma bebida fermentada a partir da massambala e, em
algumas regiões (Kwanhama e Namacunde) também com massango, e que é
consumida no seio da família ou vendida. Do massango também se faz uma
bebida para crianças (bulunga) e até se mistura com leite (mahine).
Devido
à escassez e irregularidade das chuvas há períodos de fome, que atinge
principalmente aquelas famílias que não conseguem fazer lavras
suficientemente grandes para garantir os 200 quilos por pessoa adulta.
Para uma família de nove pessoas, e com produtividade da ordem dos 300
Kgs de massango por hectare, seriam necessários, pelo menos, cerca de
cinco hectares de cultivo de massango, o que muito raramente acontece.
Isso explica porque, em algumas áreas e períodos mais críticos, ocorrem
mortes devido à fome.
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