Experiência masculina da paternidade nos anos - Pagu

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Experiência masculina da paternidade nos anos - Pagu
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Departamento de Sociologia
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE
NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens
de camadas médias
S ANDRA G. U NBEHAUM
Dissertação de mestrado, sob a orientação do Prof.
Dr. Antônio Flávio Pierucci, apresentada ao
Departamento de Sociologia da Faculdade de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas
da
Universidade de São Paulo.
São Paulo, julho de 2000
Banca Examinadora
Dr. Sérgio Carrara (IMS/UERJ/RJ)
Dra. Cristina Bruschini (FCC/SP)
Dr. Antonio Flávio Pierucci (orientador)
2
À memória de Erika Elfriede Mewes
Unbehaum, dona-de-casa, 5 filhos.
Aos 32 anos, sem mais nem menos,
partiu deixando-me a revelação de que a
vida pode ser breve e por isso merece ser
intensamente vivida.
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Agradecimentos
Ao ler o romance autobiográfico de Marguerite Duras – Escrever –
achei as exatas palavras para o sentimento que não poucas vezes me
acompanhou durante a elaboração desta dissertação:
Escrever. Não posso. Ninguém pode.
É preciso dizer: não se pode. E se escreve.
É o desconhecido que trazemos conosco: escrever,
é isto o que se alcança. Isto ou nada. (...)
A escrita é o desconhecido. Antes de escrever, nada se sabe do que se vai
escrever. E em total lucidez. (...)
Se soubéssemos algo daquilo que se vai escrever, antes de fazê-lo,
antes de escrever, nunca escreveríamos. Não ia valer a pena.
Escrever significa tentar saber aquilo que se escreveria se fôssemos escrever –
só se sabe depois – antes, é a coisa mais perigosa que se pode fazer. Mas
também a mais comum.
A escrita vem como vento, nua, é de tinta, a escrita,
e passa como nada mais passa na vida ,
nada, exceto ela, a vida.
Foi exatamente assim, nem sempre consegui manter a serenidade
de quem sabe que com esforço e perseverança pode escrever, deixar as
idéias fluírem sem censura, sem medo; quanta insegurança! Havia
sempre alguma coisa mais urgente, que precisava de minha atenção.
Houve, é claro, também muitas outras tarefas a serem conciliadas, já
que a vida não se sustenta fazendo mestrado! E mudanças na rota da
vida pessoal, bom não esquecer!
Algumas vezes sentia-me fora de lugar, uma imigrante de
Rolândia (PR) na cidade grande, denunciada pelos “erres” carregados e
pelo desconhecimento de um certo tipo de cultura “erudita” e
acadêmica. Mas em nenhum momento me senti sozinha e estes
vínculos foram decisivos na minha trajetória pessoal e profissional. Ao
longo desses anos aqui, em São Paulo, fui colhendo amigos que de
diferentes maneiras participaram de minhas pequenas conquistas,
entre as quais esta dissertação de mestrado.
Uma dissertação pode tomar corpo em poucos meses, mas sua
alma é gestada ao longo de muito mais tempo, não se cria sozinha.
Algumas idéias e reflexões expostas nesta dissertação são devedoras
dos incontáveis diálogos que travei com esses amigos e amigas nos
últimos cinco anos. Como nos encontros, desde 1994, do Edges (Grupo
de Estudos de Educação, Gênero e Cultura Sexual, FE/USP) com
Cláudia Vianna, Miriam Morelli, Diana Vidal, Marília Carvalho, Thereza
Pegoraro, Teresa Citeli, Daniela Auad;
Nas reuniões mensais do Gesmap, desde 1995, (Grupo de
Estudos sobre Masculinidades e Paternidade, na Ecos) com Margareth
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Arilha, Wilza Villela, Susana Kalckmann, Reginaldo Bianco, Sérgio F.
Barbosa, Sandra Garcia, minha Xará, Jorge Lyra, Benedito Medrado,
Leandro Feitosa, Malvina Muszkat, Bete Cruz, Bete Pinto, Iara
Guerriero, Elisiane Pasini, Marko Monteiro, Pedro Paulo M. Oliveira,
Silvia Cavasin, Silvani Arruda.
Nestes grupos pude discutir o projeto inicial, meu texto de
qualificação,
trocamos
referências
bibliográficas,
discutimos
metodologias e meus primeiros ensaios. Foram verdadeiros laboratórios
para esta “aprendiz a pesquisadora”.
Na Fundação Carlos Chagas, onde iniciei minha jornada, declaro
minha dívida com Cristina Bruschini, pelo primeiro empurrãozinho em
direção aos estudos de gênero. Obrigada pela confiança e pelo apoio
inestimável e pelo suporte que garantiu o desenvolvimento desta
pesquisa, agradeço também à Bernardete Gatti, coordenadora do DPE.
Na FCC conheci Heloísa Padula, amiga que se tornou irmã, não
faz idéia de quanta coisa me ensinou. Não posso esquecer da mãe da
Heloísa, que me deu Santa Rita, abençoada, para me proteger! Agradeço
às meninas da BAMP, Zezé, Ana e Helena, pela ajuda nos
levantamentos bibliográficos, na aquisição de livros etc. Com Gisela
Tartuce, agora, mais recentemente, parceira de sala e amiga, os
desabafos, a troca de impressões sobre orientadores, a sociologia e suas
diversas tendências teóricas. As caronas e conversas com Celso Ferreti.
Albertina O. Costa, conselheira e amiga, pelos bate papos e sugestões.
Não esqueço de Danielle Ardaillon, do rico aprendizado e das
trocas durante a nossa construção do TEG (Tesauro para Estudos de
Gênero e sobre Mulheres); das nossas saídas para tomar um vinho e
falar da vida, de relacionamentos, de cinema e de uma paixão comum: a
natação. A generosidade e o carinho de Teresa Citeli, amiga querida, e
nossas histórias compartilhadas. Neide Rezende, amiga para a vida
toda, colocou-me frente a frente com o desafio da escrita. Agradeço a
leitura cuidadosa dos primeiros capítulos: de fato, nem sempre a
palavra escrita consegue expressar o que gostaríamos de dizer. Cláudia
Vianna, amiga querida, sempre presente, generosa, ajudou-me a juntar
as primeiras peças, quando as idéias ainda estavam confusas, perdidas
em algumas páginas. Obrigada também por “orientar-me” na finalização
do texto. Thereza Pegoraro, amiga-anjo da guarda, segurou as “pontas”
nos momentos de sufoco e esteve ali sempre pertinho. Tudo teria sido
mais difícil sem essa ajuda. Miriam Morelli, saudades das nossas
conversas...
Jorge Lyra, parceiro de tema, de artigo, amigo, irmão tanto
quanto Benedito Medrado, agradeço o carinho, a força, o entusiasmo,
perto ou longe, sempre presente.
Paulo Baroukh, uma amizade inesperada iniciada na pesquisa de
campo.
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Luiz Ramirez, primeiro apenas um professor de inglês, hoje um
amigo querido, a quem admiro e respeito pelo empenho diário para
evitar que a diferença não se submeta à intolerância.
Agradeço aos professores da Pós-Graduação, Antônio Flávio
Pierucci, Eva Blay, Vera Silva Telles, James Holston (professor visitante
Universidade da Califórnia, San Diego), José Machado Paes (professor
visitante Universidade de Lisboa, Portugal) que ao longo do curso de
mestrado alimentaram minhas reflexões sobre o tema de minha
pesquisa; a Lucila Scavone (Unesp-Araraquara) sou agradecida pela
disponibilidade para discutir no Seminário de Projetos meu pré-projeto.
A James Holston agradeço também sua participação em minha banca
de qualificação e seus estimulantes comentários. Agradeço a Isabel,
Sonia e Samara da Secretaria de Pós Graduação pela simpatia e
atenção. À CAPES pela bolsa de estudos, fundamental nos dois
primeiros anos da pesquisa.
Agradeço a Antonio Flávio Pierucci por aceitar-me como
orientanda. Em nossos encontros foi gentil, respeitoso com minhas
idéias.
Não poderia deixar de mencionar Benício, Carlos, Leonel,
Luciano, Luiz, Marcos, Mauro, Péricles, Renato, Saulo, nomes
inventados para os personagens reais dessa história. Obrigada pela
disponibilidade e pelo respeito ao meu trabalho.
Carlito, Helga, Clóvis e André; Ivan e Claudia, Silvana e Diego;
Simone, Gabriel e Artur; Flávia, Beto, Eric e agora a Nicole. Tão longe,
lá em Rolândia e Londrina, nem imaginam como são importantes.
Colho hoje um fruto que foi semeado há muito mais tempo, num
outro momento de vida, numa outra história que deve ser lembrada.
Agradeço a Marcelo Ridenti, Márcia Ridenti e Stela Ridenti que foram
especiais nesta minha trajetória.
Marco Antonio e Luis Guilherme Ridenti, meus filhos, iluminam
minha vida. Agradeço a paciência pelos fins de semana diante do
computador ou dos livros, pelos atrasos por ter ficado até mais tarde na
FCC, pelo mau humor, às vezes inevitável.
E, finalmente, a Jefferson Alves da Costa Jr., presença amada,
agradeço o apoio revelado dia a dia em pequenos e grandes gestos, o
carinho e respeito com os meninos, por colocar música logo pela manhã
para animar o dia, pelas panquecas com melado de cana no inverno,
pelo feijãozinho bem temperadinho à moda da vó Julieta, pelo brinde a
cada refeição só para saudar mais um dia, pelas longas conversas ao
redor da mesa, enfim, pelo sorriso contagiante e pela mão segurando
firme a minha na hora de dormir...
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Resumo
Um acelerado processo de transformações socioculturais tem marcado a vida
de homens e mulheres, mais especificamente destas, que passaram por significativa
mudança, como atestam estudos realizados nas ultimas três décadas. O advento da
pílula anticoncepcional, por exemplo, permitiu que as mulheres tivessem autonomia
quanto a sua sexualidade e ampliou o poder de decisão sobre quando ser mãe ou
parar de trabalhar. Há expressivo aumento da taxa de participação das mulheres,
especialmente as casadas, no mercado de trabalho, bem como aumento de sua
participação em espaços antes de domínio masculino. A opção pelo trabalho fora de
casa traz para as mulheres e para os homens a necessidade de articular
responsabilidades familiares e profissionais, além de administrar conflitos de ordem
pessoal. Tais transformações fomentam especulações sobre a presença de um “novo”
homem, de um “novo” pai, mais participativo na esfera doméstica, particularmente
nas famílias de camadas médias. Este é o panorama que suscitou meu interesse em
pesquisar as dimensões que a paternidade adquire nos anos 1990.
A análise está restrita a um grupo de 10 homens, com escolaridade de nível
superior, profissionais qualificados, residentes na cidade de São Paulo, casados e pais
de filhos(as) com idade até 10 anos. A escolha deste universo social e cultural se
baseia em uma bibliografia que aponta para sinais de transformações nas relações
entre homens e mulheres e para deslocamentos dos significados tradicionalmente
atribuídos à paternidade e à maternidade. Esta pesquisa procura verificar se diante de
tantas mudanças, a experiência masculina da paternidade, também tem se alterado e
se tais transformações têm, de fato, estimulado, por parte dos homens, processos de
negociação com suas parceiras no que diz respeito ao cuidado com os filhos pequenos
e à distribuição de afazeres domésticos.
Abstract
Lives of women and men have been marked with a hasty process of
sociocultural changes. Many studies show that these changes had a more profound
meaning to women’s life. The advent of new methods of birth control, like the
contraceptive pill, allowed women to be more free towards their sexuality and enlarge
their power of decision about being a mother or stop working. There was an impressive
increase in the number of women in the work market, especially the married ones. At
the same time, there was an expansion in their involvement in some spaces previously
occupied by men. Working outside the household brought to both women and men the
need of dealing with family and working responsibilities, besides the fact they have to
handle personal conflicts. From the thought about these sociocultural changes was
born the idea of a “new man”, a “new father”. This idea asserted that this “new man”
was more involved with household affairs.
The analysis was made with 10 graduates, married men that live in the city of
Sao Paulo. All of them have children with ages from 0 to 10. This universe was chosen
based on a bibliography which shows some signals of changing in the relation between
women and men and that brings new meanings to the concepts of fatherhood and
motherhood. The research wants to show if the father roles are being affected by these
sociocultural changes; if these changes have stimulated an increase on men
involvement towards child care and the division of house work.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 10
A PROPOSTA DE PESQUISA ....................................................................................................................... 17
O GÊNERO COMO REFERENCIAL DE ANÁLISE ............................................................................................ 19
CAPÍTULO 1 DA MATERNIDADE À PATERNAGEM: ...................................................................... 31
UMA QUESTÃO DE GÊNERO ............................................................................................................... 31
A INVENÇÃO SOCIAL DA MATERNAGEM .....................................................................................................
E O LUGAR DA PATERNIDADE ...................................................................................................................
34
34
Cuidar: atribuição f eminina? ................................................................................................... 47
Paternagem e maternagem: a contradição na divisão das taref as............................... 49
CAPÍTULO 2 A PATERNIDADE EM FOCO ........................................................................................ 53
Estudos sobre paternidade ...................................................................................................... 54
O LUGAR DO PAI ..................................................................................................................................... 65
CAPÍTULO 3 O CONTEXTO DA PESQUISA....................................................................................... 72
A FAMÍLIA COMO LOCUS DE MUDANÇAS ................................................................................................... 78
A f amília de classe média:........................................................................................................ 83
locus privilegiado de mudanças .............................................................................................. 83
CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DO UNIVERSO EMPÍRICO ............................................................................ 91
A COLETA DE DADOS ............................................................................................................................... 96
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ...................................................................................... 100
APRESENTAÇÃO DOS ENTREVISTADOS .................................................................................................... 101
CAPÍTULO 4 A FAMÍLIA DE ORIGEM: ............................................................................................ 107
A DESMITIFICAÇÃO DO PAI-HERÓI ................................................................................................ 107
O ESPAÇO DOMÉSTICO, EXPRESSÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO ....................................................... 117
A divisão das taref as domésticas ........................................................................................ 119
A empregada doméstica .......................................................................................................... 125
PAI: PROVEDOR, HERÓI......................................................................................................................... 127
RELAÇÃO PAI-FILHO: ............................................................................................................................ 136
O CONFLITO COMO UMA DIMENSÃO DA PATERNAGEM ............................................................................. 136
Adolescência e sexualidade: o conf lito geracional ........................................................... 140
A DESTRADICIONALIZAÇÃO DA PATERNIDADE ........................................................................................ 145
CAPÍTULO 5 A PATERNIDADE NOS ANOS 1990 ........................................................................... 147
PLANEJAMENTO FAMILIAR E GRAVIDEZ .................................................................................................. 151
A gravidez não planejada e não desejada: a opção pelo aborto ................................. 153
A “GESTAÇÃO” DA PATERNIDADE: A GRAVIDEZ DESEJADA ..................................................................... 157
Pré-Natal e Parto........................................................................................................................ 162
Sentimentos e contradições do ser “pai” ............................................................................ 167
O pai ajudando a cuidar do bebê: o desaf io de dividir as taref as .............................. 170
O papel da avó ........................................................................................................................... 173
O RELACIONAMENTO DO CASAL E A ROTINA DA CASA .............................................................................. 177
Rotina Doméstica e Familiar .................................................................................................. 179
Taref as de homem, taref as de mulher ................................................................................ 182
AFINAL, O QUE É SER PAI?..................................................................................................................... 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................... 192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................... 201
ANEXO ................................................................................................................................................... 218
ROTEIRO DE ENTREVISTA ....................................................................................................................... 218
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— (...) Eu acho uma missão fudida de super herói. E o primeiro
filho que eu tive, achava que não entendia, que isso não
acontecia comigo, mas aos poucos você vai vendo que a gente
tem instinto, a gente é bicho, sabe criar, sabe pegar. Você pensa
que só vai ensinar coisa, você vê que não sabe tanta coisa,
aprende coisa com o filho, aprende coisas por ter que cuidar de
criança. Então, para mim, ser pai é muito um aprendizado
pessoal. Eu não vou ser piegas aqui e falar “Pô, que coisa mais
legal, ah, meus filhos!”, bem por aí, mas eu acho assim, é um
puta exercício para você, para pessoa humana, é ser pai. Mas
ser pai direito, não é simplesmente ser, chegar de noite, ver o
que ele está fazendo, o que ele não gosta, dar umas porradas
nele, comprar um monte de brinquedos e sair fora, eu acho que
não. Paternidade é assim, é dar tapas sim, sair na chuva para
se molhar, não tem como. Fez, não tem como não, ou você some
do mapa e desiste, deixa para alguém criar, mas se você está
dentro, cara, é uma coisa que (...) é uma atividade mutante! Você
pega o tempo do meu pai, era de um jeito, você pega hoje é outro,
não tem regra, não tem...(Benício, músico, 2 filhos)
— Sei tudo, sou aquele que escutei as tias falarem, sei tudo.
Falava “sai da frente, que eu faço tudo”. Esse negócio de blá,
blá, blá comigo não tem não. Eu peguei, lavei, fiz, bordei no
primeiro dia.
— Você que deu o primeiro banho?
— Não, eu não, a enfermeira. Aí foi para casa, aí, eu deixei ela,
ela é a mãe, deixei ela fazer. ‘Posso fazer agora?’ Posso. ‘Tchum,
pá, pá, como é que é?’ ‘É aqui, faz assim ó’. ‘Tó’, ‘Ohhh!’. Lógico,
vocês têm medo do quê? Por quê? Eu assisti a enfermeira dando
banho, fazendo tudo, eu fiquei quatro horas olhando pelo vidro,
e aquilo gravou, memorizou, então é só juntar o pescoção aqui,
acabou.(Renato, gerente de correio, 2 filhas)
— E você costumava ficar com a Lara sozinho, quando sua
mulher tinha plantão?
— Então, eu que sou a mãe da Lara, nesse sentido assim, se for
comparar com a minha infância, quem é que fica, eu fiquei com a
minha mãe. E a Lara fica comigo. (...) (Saulo, produtor de
vídeo, 1 filha)
9
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Introdução
Escolhi como epígrafe trechos de 3 depoimentos de homens,
casados, com filhos até 10 anos de idade, entrevistados para esta
pesquisa. Estes trechos sintetizam a complexidade que envolve as
relações de gênero e a dificuldade de ter que estabelecer modelos
explicativos para paternidade, maternidade, para o masculino e o
feminino. A fala desses homens sugere que ser pai é uma “missão”, de
“super-herói”, mas é também diferente do que era há uma ou duas
gerações anteriores. Não se pode ser pai de qualquer jeito. Além disso, a
mãe parece não deter mais o monopólio do cuidado: os filhos “ficam”
também com o pai. O discurso deles sugere ainda que o pai pode ser
mesmo diferente da mãe, porque há algo que é da “natureza” da
maternidade e que, por sua vez, é diferente da paternidade. E ainda, o
pai dos anos noventa pode saber tudo sobre como cuidar dos filhos,
aprende observando as tias ou a enfermeira a dar banho, trocar fraldas
etc.; e sabendo como fazer deixa que as mulheres continuem cuidando
elas próprias de seus filhos.
Muitos são os fatores que influenciam a construção social da
paternidade: a relação familiar (com o pai, com a mãe e depois com a
própria mulher ou mãe de seu filho); as condições sociais e econômicas;
a relação com o grupo de pares etc. A estrutura sociocultural de uma
dada sociedade marca a vida de homens (e de mulheres) e por
conseqüência exerce efeito sobre a paternidade, até mesmo na
disponibilidade de tempo que os homens tem para se dedicar aos filhos
e à família. Algumas tarefas com relação aos filhos e a casa demandam
mais tempo do que outras, influenciando a divisão social e sexual do
trabalho (Nauhardt, 1996). Da mesma forma que certos valores e
costumes estabelecem expectativas com relação à masculinidade e à
paternidade. Deve-se considerar também, segundo Marcos Nauhardt
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
(1996: 2): “A idade, a maturidade, o tipo de emprego e salário e o status
atribuído a esta ocupação, o nível de educação e informação, a
qualidade de relação com os próprios pais; fatores relevantes na
maneira como os pais (e os homens em geral) formam uma cosmovisão,
de como entendem a vida e a importância das relações nela contidas,
assim como, a aceitação dos papéis paternos e as possibilidades de
mudanças desses papéis.”
As falas de Benício, Renato e Saulo são emblemáticas da
heterogeneidade que caracteriza o grupo de homens entrevistados,
embora todos pertençam a um mesmo segmento social, e das
contradições que envolvem as relações de gênero que, por sua vez,
ajudam a constituir a paternidade nos anos 1990. Está presente a idéia
de que a paternidade (e também a maternidade) não deve ser a mesma
que a de seus próprios pais. Não há regra, não há modelo, a
paternidade “é uma atividade mutante”, como afirma Benício. Não há
um modelo “novo” de paternidade (modelos são sempre questionáveis,
porque escamoteiam a complexidade e a diversidade da realidade
social), mas há no discurso desses homens uma clara reflexividade
sobre o que é ser pai e uma auto-confrontação com o ideal de chefeprovedor.
Essas primeiras elucubrações, estimuladas por trechos dos
depoimentos, como aqueles, antecipam as reflexões que irão se seguir.
Antes de prosseguir, todavia, retorno ao início do processo que resultou
nesta pesquisa de mestrado.
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Meu interesse pelo tema da paternidade decorreu da pesquisa
Família e Trabalho Domiciliar em São Paulo1, realizada de agosto de
1992 a fevereiro de 1992, e da qual participei como assistente.
Na ocasião, foram entrevistados homens e mulheres de diferentes
segmentos sociais que realizavam suas atividades profissionais no
interior do espaço domiciliar. Essas pessoas encontravam-se em
diferentes situações no curso da vida familiar — solteiras, casadas, sem
filhos ou com filhos pequenos ou adultos. A distinção fundamental
entre os homens e as mulheres foi o destaque dado por elas à
maternidade como o principal motivo para a opção pelo trabalho
remunerado realizado na moradia2.
Essa justificativa, recorrente entre as entrevistadas, aguçou
minha curiosidade em relação à persistência de certa estrutura familiar
e de uma certa modalidade de divisão sexual do trabalho, segundo as
quais cabem prioritariamente às mulheres as responsabilidades com o
mundo doméstico e em especial com o cuidado e a criação dos filhos. A
princípio, a conciliação da maternidade e dos afazeres domésticos com
uma atividade profissional realizada no domicílio parecia ser uma opção
espontânea e uma solução bastante sensata. Mas, por outro lado, as
falas daquelas mulheres sugeriam uma certa resignação diante do “sermãe” e da responsabilidade que essa tarefa representa, atribuição que
aparentemente assumiam como sendo natural e inexorável. Cuidar da
casa e dos filhos era visto por elas como uma atividade feminina, uma
obrigação.
1
2
Pesquisa realizada na Fundação Carlos Chagas, sob a coordenação da pesquisadora Drª
Cristina Bruschini, no período de agosto de 1992 a fevereiro de 1994. A pesquisa resultou no
artigo “Desvendando o oculto: família e trabalho domiciliar em São Paulo”, publicado na
coletânea organizada por Abreu e Sorj (1993), e no artigo “Trabalho Domiciliar Masculino”,
Revista Estudos Feministas ( v.3, n.2, 1995).
As mulheres eram costureiras, professoras particulares, manicures e profissionais liberais,
compondo uma amostra bastante heterogênea; tinham em comum, além de trabalhar na
moradia, a necessidade de conciliar as responsabilidades profissionais e familiares. Entre os
homens havia dois marceneiros, um ourives, um professor de desenho/arquiteto, um
restaurador de cadeiras, um eletricista, um relojoeiro, um artista plástico, um artista gráfico e
um tintureiro.
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Em nossa análise, observamos que para as trabalhadoras, os
limites entre a identidade profissional e a familiar revelavam-se tênues
em função da concomitância das atividades profissional e doméstica e
do uso do tempo e do espaço para a sua realização. O trabalho era
realizado, muitas vezes, nos intervalos de tempo entre os afazeres
domésticos, não dispondo a maioria de um espaço específico para
executar a atividade profissional, nem havia grande preocupação com
investimento em capacitação ou aperfeiçoamento da atividade. A
exceção ficava por conta das solteiras ou chefes de família, ou daquelas
cujas atividades eram mais formalizadas. Para esse grupo, o doméstico
e
o
familiar
sobrepunham-se
ao
profissional
com
um
certo
questionamento.
Os homens, por sua vez, procuravam garantir uma relativa
separação entre o espaço doméstico e o profissional, mesmo quando os
limites físicos entre os ambientes de vida familiar e de trabalho não
eram tão claros. Ou seja, conforme o sexo do entrevistado, o espaço e o
tempo domésticos eram vivenciados de maneira distinta do espaçotempo profissional.
Imaginávamos que o fato de estes homens permanecerem mais
tempo no domicílio deveria favorecer uma maior integração com o
cotidiano doméstico e a dinâmica que o acompanha. Muitos deles eram
casados, mas o fato de trabalharem no espaço doméstico não significou
a garantia de uma divisão sexual do trabalho mais eqüitativa, pois, por
trás de todo afazer doméstico havia sempre mãos femininas. Poucos
foram aqueles que demonstraram efetivo envolvimento com esses
afazeres: cuidando das compras, levando ou buscando os filhos na
escola, fazendo a limpeza da casa.
Ao mesmo tempo, no meu cotidiano eu observava um número
significativo de homens assumindo as mais diversas tarefas com as
crianças e com a casa: nas reuniões na escola de meus filhos, homens e
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
mulheres estão presentes em proporção quase equivalente; no cinema,
nos parques, nos restaurantes é sempre possível encontrar homens
sozinhos com seus filhos, enfrentando situações de indisciplina,
preocupados com o menor que não quer comer, perdendo o fôlego no
jogo de futebol ou ainda ensinando-os a andarem de patins ou bicicleta.
Outros levam as crianças ao pediatra ou ao dentista sem nenhum
constrangimento, enquanto suas mulheres estão no trabalho ou
estudando. No bairro onde moro é comum cruzar com homens levando
seus bebês para a creche ou para tomar sol ou simplesmente
acompanhando-os à padaria no meio de uma manhã de terça ou
quinta-feira. Onde estaria a mãe daquelas crianças, por que o pai estaria
com elas? – ocorreu-me. Em conseqüência de que atividades o pai se
envolve e se responsabiliza cotidianamente por seus filhos? Meu
estranhamento não deixava de revelar um certo preconceito, decorrente
de uma ideologia de gênero na qual se espera que aquele homem,
naquele horário, esteja no trabalho e não cuidando dos filhos.
Apresentava-se a necessidade de definir e caracterizar melhor a
experiência masculina da paternidade.
Em geral, a atuação do pai é definida como extradomiciliar, e a
princípio não é equiparável a atividades que visam atender certas
necessidades infantis, como, por exemplo, dar banho, preparar
alimentos, acompanhar nos deveres de casa, levantar durante a noite
quando a criança está doente, enfim, tarefas que as mães estão
habituadas a enfrentar em seu dia-a-dia, trabalhando fora ou não.
Aquele pai poderia ser descrito como o encarregado de inserir a criança
no espaço “fora da casa”: leva-a à escola, para passear, brincar no
parque, cortar o cabelo, enquanto a mãe provavelmente a ensina a
portar-se à mesa, a cuidar da higiene corporal, a lidar com as tarefas
escolares.
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Para muitos, as atividades exercidas pelas mães envolvem uma
certa habilidade, para as quais os homens não estariam preparados;
elas são especialistas no assunto filhos. Em geral, a referência para essa
idéia de distribuição de tarefas é o trabalho doméstico, que na maioria
das culturas ocidentais é realizado pelas mulheres: limpar a casa,
cozinhar, lavar e passar roupas, cuidar dos filhos (e isso envolve: dar
banho, trocar roupa, alimentar, zelar pela disciplina, acompanhar nas
tarefas escolares etc.), enfim toda a rotina doméstica. O envolvimento
masculino na vida familiar é então formulado a partir desses critérios.
Quando a divisão sexual do trabalho é questionada, pressupõe-se uma
redivisão das tarefas domésticas, pelas quais o homem deveria ser
também responsável.
A trajetória do meu argumento até este ponto chega a um
primeiro obstáculo conceitual ou etimológico: o que estou entendendo
por paternidade? A aparente obviedade merece uma tentativa de
esclarecimento.
Paternidade e maternidade, se referem à condição ou qualidade
de ser pai e mãe, respectivamente. Isto é, referem-se à capacidade
biológica de reproduzir. Porém, com a possibilidade de adoção de
crianças e o avanço das tecnologias reprodutivas, não só casais
heterossexuais, mas também casais homossexuais (de ambos os sexos)
e pessoas individualmente podem ascender à qualidade de ser pai ou
mãe, sem necessariamente vivenciar uma gravidez. Neste sentido,
paternidade e maternidade dizem respeito mais a uma relação social,
estabelecida entre dois adultos ou apenas a um deles e um ou mais
bebês, e menos a um vínculo estabelecido por herança genética. Ou
seja, o aspecto biológico (a junção do espermatozóide com um óvulo e a
sua gestação) é apenas uma dimensão da condição de ser pai ou de ser
mãe, não a sua condição primordial; homens e mulheres podem tornar–
se pais ou mães de crianças que não possuem seu material genético.
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Não obstante deve-se reconhecer que a sociedade moderna não se
desprende tão facilmente dos laços biológicos e a celeuma com exames
de DNA para comprovar paternidade, e a crescente demanda por
tecnologias reprodutivas reforçam em certa medida a ideologia de
família “natural”.
Alguns estudos, na tentativa de estabelecer uma diferença entre a
capacidade biológica para a reprodução — encerrada nos termos
paternidade e maternidade — e a dimensão social do ato de cuidar dos
filhos, de ampará-los, optam pelos termos maternagem (uma tradução
quase literal da palavra mothering3) e paternagem (fathering). Ambos,
paternagem e maternagem, são termos êmicos, próprios às ciências
sociais, e respondem mais à uma tradução literal a partir de textos
americanos, não constando inclusive nas versões mais recentes dos
dicionários da língua portuguesa.
Na cultura brasileira, os termos maternidade e paternidade
designam muito mais do que mera capacidade biológica de gerar;
significam
também
responsabilidade
social,
responsabilidade
que
apresenta uma conotação distinta conforme o gênero: a mãe, podendo
ser biológica ou não, é responsável pelo bom desenvolvimento da
criança, pela sua educação, alimentação, saúde; e o pai é visto como
responsável por prover as necessidades materiais da família, sendo seu
condutor moral4. O que se constata é que tanto a paternidade como a
maternidade englobam significados que são construções socioculturais,
e, por isso, fortemente influenciadas pela constituição das identidades e
dos papéis de gênero. Nesta pesquisa, interessam-me as relações que
certos
3
4
homens
estabelecem
no
espaço
familiar,
decorrentes
da
Ver Nancy CHODOROW. Psicanálise da Maternidade. Uma crítica a Freud a partir da mulher.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990.
Sobre os significados do termo responsabilidade e sua apreensão pelos homens, em particular,
ver a dissertação de mestrado de Margareth Arilha Silva(1999). Masculinidades e gênero:
discursos sobre responsabilidade na reprodução. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, (Mestrado em Psicologia Social).
16
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
experiência de ter um filho, explorando as condições individuais,
culturais e sociais que contribuem para o exercício da paternagem e
para o desenvolvimento da masculinidade e suas implicações nas
relações de gênero.
Hoje,
algum
tipo
de
envolvimento
masculino
nas
tarefas
domésticas e no cuidado com os filhos parece ganhar destaque; já não é
como nos tempos de nossos avós ou mesmo de nossos pais. Contudo,
por que então na divisão das atribuições domésticas o peso maior
parece ainda recair particularmente sobre as mulheres? Não caberia
perguntar qual a lógica que determina serem certas tarefas
definidas
como maternas e outras como paternas? Mais: se os homens
passassem a trocar fraldas, dar banho em seus filhos, ir ao
supermercado e lavar a louça do jantar, isso significaria igualdade?
Bastaria para romper com a idéia de que desempenhar com êxito as
tarefas domésticas é uma prerrogativa do gênero feminino? O princípio
da igualdade de oportunidades na vida pública, baluarte de feministas e
de movimentos de mulheres, pode ser transposto para a vida privada?
Era preciso saber mais sobre a relação dos homens com o espaço
doméstico e familiar, sobre o que pensam a respeito da gravidez e da
paternidade, sobre cuidar dos filhos e de como conciliam essa tarefa
com a carreira profissional sua e da companheira.
A proposta de pesquisa
Estas reflexões, que foram surgindo no processo da Pesquisa
sobre Família e Trabalho Domiciliar em São Paulo e durante as leituras
sobre relações de gênero, levaram-me a essa dissertação, uma vez que
mostraram a necessidade de estudar as diferentes formas de expressão
das desigualdades de gênero, sendo uma delas a responsabilidade
quase exclusiva das mulheres pelo cuidado com os filhos. Optei, então,
17
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
por
examinar
qual
a
experiência
vivida
por
homens
casados,
pertencentes a um certo segmento das camadas médias paulistanas e
com filhos até 10 anos de idade, observando o seguinte contexto:
-
o significativo aumento, na última década, da taxa de participação
das mulheres, especialmente as casadas, no mercado de trabalho;
-
as necessidades econômicas, mas também o desejo de ascensão
social e de realização profissional de ambos os sexos;
-
a divisão do orçamento doméstico entre os cônjuges;
-
os indícios de mudanças de valores e costumes, apontados pela
mídia e por estudos acadêmicos, que indicam alterações nos
arranjos familiares e o questionamento de significados atribuídos à
maternagem e à paternagem;
procurei, a partir dos depoimentos, apreender:
1) se, para esses homens, essas mudanças têm provocado processos
de negociação no que diz respeito ao cuidado com os filhos
pequenos, à prática da anticoncepção e à distribuição de afazeres
domésticos;
2) se, para eles, essas mudanças resultaram numa maior participação
masculina e como ela se manifesta.
Esta minha proposta de investigação se justifica porque, apesar
de uma série de pesquisas mostrarem que as mudanças têm ocorrido
muito mais nas relações das mulheres com o mundo “lá fora” — por
meio de sua inserção no mercado de trabalho e de sua participação
política e social —, e menos por transformações em seu cotidiano
doméstico, tem sido veiculada tanto na mídia como em pesquisas
acadêmicas uma “nova” representação da participação do homem, na
qual se estimula seu envolvimento na gravidez, durante o parto, e na
18
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
criação dos filhos. Essa representação pretensamente revela mudanças
nas relações conjugais, em particular nos casais de camadas médias,
fato apontado por vários estudiosos (Salem, 1980, 1985, 1989; Velho,
1983; Dauster, 1987; Romanelli, 1986; Novelino, 1989, entre outros).
Por outro lado, há indícios também de que prevalece a hierarquia
de gênero, que associa as mulheres à esfera da produção da vida e não
da riqueza (Izquerdo, 1994). Senão como explicar o fato de a grande
maioria das mulheres ainda se concentrar em atividades de cuidado
com outros, particularmente em atividades de prestação de serviços e
ganhando
salários
inferiores
aos
dos
homens
para
funções
semelhantes? Ou, então, invertendo a questão: por que tem sido difícil
ampliar a participação de homens em atividades que envolvem o
cuidado com o outro, tais como em pré-escola, creches, no ensino
fundamental (em geral os homens são os professores de educação física)
ou como enfermeiros numa pediatria etc.?
O gênero como referencial de análise
Essas e outras questões levaram-me a orientar a análise segundo
a categoria gênero, por entender que ela permite desvelar significados
atribuídos às relações sociais e aos comportamentos individuais em
nossa sociedade. O gênero têm sido uma categoria analítica importante
para a compreensão do que representam as desigualdades entre
homens e mulheres, entre o masculino e feminino em determinada
sociedade e período histórico5. O gênero, porém, é mais do que uma
categoria analítica; juntamente com raça/etnia e classe social opera na
5
Minhas reflexões sobre gênero se devem às discussões que travamos no Edges (Grupo de
Estudos sobre Educação, Gênero e Culturas Sexuais, FEUSP), particularmente à síntese que
elaboramos a quatro mãos, apresentada no Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, 1996: “O uso analítico do gênero: balanço crítico de estudos
contemporâneos” (Vianna, C.; Morelli, M.; Pegoraro, T. e Ridenti, S.)
19
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
realidade empírica como categoria histórica que permite a compreensão
da organização das relações sociais.
A historiadora Joan Scott tem sido, nas diferentes áreas de
conhecimento, a principal referência dessa perspectiva entre os estudos
de gênero no Brasil. Suas idéias oferecem pistas para uma possível
compreensão do modo como as sociedades representam o gênero e o
apreendem, estabelecendo as regras das relações sociais (Scott, 1990).
A história, para Scott, é o registro das mudanças da organização
social dos sexos, e é também participante da produção do conhecimento
sobre a diferença sexual. Participa, portanto, da construção do discurso
que estabelece significados para a diferença sexual. Esse raciocínio
permite chegar a outro conceito importante em sua teoria e que vai ser
fundamentado a partir de Foucault6: se o saber é o significado de
compreensão produzido pelas culturas e sociedades sobre as relações
humanas, este significado e o seu uso nascem de uma disputa política,
por meio da qual as relações de poder – de dominação e subordinação –
são construídas. O saber é, assim, um modo de ordenar o mundo e,
como tal, não antecede à organização social, mas é inseparável dela.
Os significados podem variar no tempo de acordo com as culturas
e os grupos sociais, contrariamente a uma concepção universalizante da
realidade social que tende a tornar secundárias as diferenças, a
exemplo da sexual. Uma das características do significado é a sua
variabilidade, volatilidade e natureza política de construção. Ou seja, os
6
As implicações da filiação de Scott aos principais céticos do modernismo, entre eles Jacques
Derrida, Michel Foucault, Jacques Lacan não serão objeto de análise dessa dissertação. Para
acompanhar essas discussões ver Harding (1993); Lovibond (1990); Sorj (1992), entre outras.
Minha intenção é situar sua elaboração teórica, extraindo pistas para a análise. Sem deixarme seduzir por um certo relativismo sociológico, o discurso pós-moderno tem se revelado
atraente justamente porque as categorias e explicações universalizantes surgem frágeis diante
de questões como a da desigualdade social, dos conflitos étnicos e religiosos. Sabine Lovibond
(1990), por exemplo, argumenta contra a idéia de que a modernidade constitua um projeto já
acabado, bastando ver a situação das mulheres e os níveis de desigualdades a que estão
submetidas em diferentes instâncias sociais. É a heterogeneidade que se faz presente e exige
reconhecimento, se contrapondo ao modernismo e às concepções de unidade, de geral e
universal.
20
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
significados dos conceitos não são fixos no repertório de uma cultura;
são, ao contrário, dinâmicos, se estabelecendo por meio de processos
conflitivos.
Para Scott (1994) é fundamental entendermos como ocorre a
construção das hierarquias entre os gêneros. E isto pode ser feito
mediante um estudo dos processos, das causas múltiplas, da retórica,
do discurso. Não se trata, contudo, de abandonar a explicação via
estruturas e instituições; trata-se de entender o que elas significam. O
papel do pesquisador, neste sentido, é o de interpretar como os
significados subjetivos e coletivos de homens e mulheres foram
construídos.
Apreender a dimensão da construção social do gênero através da
história e nas diferentes culturas nos coloca no interior da proposta
metodológica de Joan Scott de estudar sistematicamente os processos
conflitivos que produzem “os significados variáveis e contraditórios
atribuídos à diferença sexual, os processos políticos através dos quais
esses
significados
são
criados
e
criticados,
a
instabilidade
e
maleabilidade das categorias 'mulheres' e 'homens' e os modos pelos
quais essas categorias se articulam uma em termos da outra, embora
de maneira não consistente ou da mesma maneira em cada momento”
(1994, p.25-6).
Ao desenvolver essa proposta, Scott permite pensar que todo
significado se apoia na negação ou repressão de algo que está em
oposição
a
esse
significado.
Ou
seja,
cada
conceito
oculta
contraditoriamente, tal como Lilith – o outro lado da lua – uma faceta
reprimida ou negada. E como tal, as oposições binárias fixas escondem
a heterogeneidade de cada categoria, bem como a extensão da
interdependência que se estabelece entre as oposições. Segundo ela,
essa interdependência "é comumente hierárquica, um termo sendo
21
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
dominante,
prioritário
e
visível
e
seu
oposto
subordinado
e
freqüentemente ausente invisível”. (1994, p. 21).
Como desvelar essa relação analiticamente? Estudando, segundo
Scott, sistematicamente os processos conflitivos que produzem o
significado, o que implica a introdução de novas oposições, a reversão
das hierarquias, a tentativa de expor termos reprimidos, de contestar o
estatuto
natural
das
dicotomias
aparentes
e
de
expor
sua
interdependência e instabilidade interna.
É na literatura que ela vai buscar suporte teórico-metodológico.
Mais especificamente, na análise de texto, pois esta permitiria a
decomposição
dos
processos
pelos
quais
os
significados
são
constituídos. Tanto a história quanto a literatura como formas de saber
permitiriam “uma análise dirigida aos conceitos, aos significados, aos
códigos e à organização da representação”. Scott pretende uma análise
crítica da história através do estudo dos processos pelos quais o saber é
e tem sido produzido, inclusive a produção do saber de gênero.
Mas será possível transportar essas reflexões para uma análise
sociológica? Como ela mesma observa, isso é possível se o gênero não
for considerado meramente uma categoria descritiva das relações entre
homens e mulheres. Gênero é um conceito que permite visualizar como,
em
tempos
históricos
distintos
e
em
sociedades
distintas,
os
significados construídos para as diferenças sexuais corroboram o
conjunto das relações sociais (Scott, 1992).
Todavia, Heleieth Saffioti (mimeo., s/d), numa leitura crítica de
Scott, destaca que a ênfase na desconstrução do discurso não é
suficiente para a compreensão de como operam as relações de gênero e
22
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
as estruturas sociais e sua inter-relação7. Ela credita às raízes
derridianas e foucaultianas a rejeição de Scott ao conceito de estrutura.
Para Saffioti, “o discurso está sempre, negativa ou positivamente,
referido às condições materiais e não-materiais da existência concreta
de seus produtores. Ou seja, a linguagem não é apenas instituinte; é
também instituída. Donde não se pode resolver o problema da
transformação pela mera desconstrução do discurso” (mimeo., s/p).
Mas Saffioti relativiza dizendo que não há que se desprezar a força do
discurso para o poder da ideologia, é preciso considerar que linguagem
e posição estrutural dos sujeitos estão imbricados, sendo o sujeito
constituído por gênero, classe e raça na mesma medida em que é autor
dessas subestruturas e expressão de suas contradições.
Uma das dificuldades em enxergar o gênero para além do
discurso sobre as diferenças sexuais, está o fato de que muitas teorias,
mesmo afirmando o caráter de construção social das diferenças entre
homens e mulheres, utilizam o corpo, os fatores biológicos — a
natureza, enfim —, para estabelecer generalizações para as sociedades
em geral e explicar os significados do que é socialmente compreendido
como masculino e feminino (Nicholson, 1994). Estudos sociológicos
sobre reprodução e sexualidade, por exemplo, talvez
por
estarem
lidando com questões muito próximas da biologia, tendem a tomar o
corpo como base para descrever diferenças e semelhanças entre
7
Louise Tilly (1994) e Eleni Varikas (1994) também questionam a opção de Scott pela
desconstrução como método. Para elas a proposta de Scott subestima a ação humana e
superestima a coerção social. Segundo Varikas, Scott “parece conceder uma parte importante
à intervenção dos sujeitos agentes quando, por exemplo, trata da instabilidade do sentido dos
conceitos como resultado dos processos de contestação e de redefinições múltiplas, dos quais
eles são o resultado. Mas, por outro, a impessoalidade das forças discursivas que, segundo
ela, constróem o sentido (mesmo múltiplo e instável) de uma cultura, assemelha-se de
maneira inquietante à impessoalidade das forças produtivas que por muito tempo
determinaram o curso da história na historiografia. (...) se no centro da sua teoria da
produção do sentido e da formação do gênero se encontram relações conflitantes em
confronto permanente, os atores deste conflito são ‘as forças de significação’,
‘oposições fixas’, ‘duplas oposicionais’ ou ‘procedimentos de diferenciação’ que (...)
fazem desaparecer do horizonte as pessoas implicadas nesses ‘jogos de poder e de saber
que constituem a identidade e a experiência’.” (Varikas, 1994:77-78, grifo meu).
23
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
homens e mulheres. Como aponta Marília Carvalho, em sua leitura de
Nicholson, “A dificuldade está em que certos domínios da vida social
têm sido sistematicamente associados à natureza e assim retirados à
ação humana, à história e às relações sociais: a infância, a família, a
sexualidade, as mulheres são alguns exemplos. Parte do esforço das
teóricas feministas tem sido exatamente de desnaturalizar estes
domínios [...] construindo sua história, afirmando sua variabilidade e
sua inserção no campo da cultura” (Carvalho, 1999: 31).
Em muitas sociedades ocorre a distribuição das tarefas entre os
sexos como uma espécie de extensão das diferenças procriativas entre
homens e mulheres. A atribuição às mulheres da responsabilidade pelo
cuidado dos filhos, estabelecida então como “natural” nas sociedades
ocidentais, está em parte fundamentada na capacidade que elas têm de
engravidar, dar à luz e amamentar e na suposição decorrente de que
elas são mais ternas, mais carinhosas e habilitadas para cuidar da
prole (Durham, 1983, Heilborn,1992).
Não se trata de eliminar o corpo e as implicações biológicas de
nossas análises, mas de considerá-los como objeto de investigação
histórica e de variação cultural e social. Ou seja, o sexo não é algo que
podemos separar do gênero8. Nas palavras de Joan Scott: “o gênero é a
organização social da diferença sexual percebida” (1994:13).
Neste sentido, a adoção do conceito de gênero repercute
diretamente nas análises sobre a identidade feminina e masculina9.
8
9
Linda Nicholson (1994) defende a impropriedade das generalizações afirmando que a
população humana é formada por grupos distintos e que diferem quanto às expectativas
sociais sobre como cada um pensa a si mesmo, sente e age; da mesma forma que também
diferem nas variadas formas culturais de atribuir significados ao corpo e nas interpretações
sobre o significado do ser mulher ou homem. Ver Marília Carvalho (1999), que seguindo as
pistas de Nicholson, faz uma análise crítica de algumas teóricas feministas que tendem a
generalizações essencialistas sobre as diferenças de gênero.
De acordo com Arango, Leon, Viveros (1995) “a identidade de gênero é trabalhada como uma
problemática transversal, cuja análise requer uma aproximação pluri e interdisciplinar e um
questionamento das categorias binárias que mapeiam a análise social, tais como
natureza/cultura,
público/privado,
produção/reprodução
e
incluindo
também
masculino/feminino” (p. 25) (tradução minha).
24
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Maria Luiza Heilborn (1992) observa que, quando a antropologia fala de
identidades socialmente construídas, refere-se "à perspectiva relacional
e sistêmica que domina o jogo de construção de papéis e identidades
para ambos os sexos" (Heilborn, 1992, p.40).
Segundo Heilborn, a centralidade da mulher no domínio familiar
e, em particular, do seu papel reprodutivo tende a constituir a base da
determinação das identidades femininas. Da mesma forma que a
identidade masculina, particularmente na cultura latina, é muitas vezes
construída com base na força física e na virilidade. Caracterizado a
partir do complexo simbólico honra-vergonha que organiza a sociedade
ocidental, o masculino está associado ao machismo latino e refere-se ao
prestígio e ao poder, cujo exercício se expressa no controle sobre as
mulheres e na centralidade da moral. Ao feminino, por sua vez, estão
relacionados aspectos mágicos, profanos, de negatividade. A sociedade
ocidental assim organizada estabelece distinções entre o público e o
privado, vendo no lar o refúgio e o espaço de culto aos ancestrais.
A casa é também o espaço destinado à mulher. Como então, sendo a
mulher representante do mal, a casa pode ser o espaço de culto aos
antepassados? Para Heilborn, esta incongruência é resolvida com a
santificação das mulheres, o que implica em sua assexualização. Essa
situação, porém, não deixa de ser permeada por conflitos e tensões,
uma vez que a impossibilidade do homem não conseguir garantir o
controle sobre a mulher se mantém latente. A afirmação da virilidade
implica a capacidade de controle e ao mesmo tempo a transgressão da
honra (Heilborn, 1992).
O que se conclui dessa explicação é que a identidade feminina,
em particular, é influenciada pela centralidade da função reprodutora
na vida das mulheres, e que, por intermédio de mecanismos ideológicos,
tende a se estender a outros campos da vida social. E a identidade
masculina, por sua vez, teria como fundamento de sua elaboração uma
25
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
dimensão mais social (moral, prestígio e poder) e menos biológica.
Heilborn ressalta a assimetria valorativa entre os gêneros, fundada na
diferença sexual e cultural e simbolicamente reelaborada.
A questão, de fato, é que o corpo também inscreve a identidade
masculina. Na sociedade atual não só os corpos femininos tornaram-se
“corpos
dóceis”,
numa
acepção
foucaultiana,
sujeitos
ao
poder
disciplinar da modernidade, ao aperfeiçoamento, mas também os corpos
masculinos estão inseridos numa cultura narcisista e disciplinadora. É
interessante observar como corpos masculinos têm sido bombardeados
por uma estética do homem saudável e pelo conhecimento científico, em
particular pela medicina — por exemplo, a incidência do câncer de
próstata frente a resistência de muitos homens ao exame preventivo
(parte do exame implica o toque retal, execrado pela maioria dos
homens que temem pela sua masculinidade) registra a importância da
construção social de um certo dado biológico na determinação da
identidade
masculina.
Masculinas
expressam
representações
sobre
e
femininas,
masculinidade
as
e
identidades
feminilidade
e
diferentes formas de apropriação do corpo num dado momento e
contexto histórico.
Estudar as relações de gênero envolve, assim, dois tipos de
análise: do gênero como uma construção ou categoria do pensamento
que ajuda na compreensão de histórias e mundos sociais particulares; e
do gênero como relação social que entra em todas as outras atividades e
relações sociais e parcialmente as constitui (Flax, 1991). Este último
significa adotar o gênero numa perspectiva relacional, na qual as
relações de gênero se constituem e são constituídas nas relações
sociais, ou seja, sem considerar o próprio conceito gênero como
unívoco, capaz de explicar, por si só, toda a trama social. Como já
mencionado anteriormente, outras variáveis devem ser acionadas e
estar articuladas ao gênero, tais como: classe, raça, religião, diferenças
26
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
regionais e etárias. As relações de gênero não se estabelecem, portanto,
a partir de uma simples extensão das diferenças biológicas, são, pois,
resultado de um processo de aprendizagem e de trabalhos contínuos
(Almeida, 1995).
Para exemplificar as implicações dessas variáveis na diferenciação
de gênero cito a pesquisa realizada por Maria Luiza Heilborn (1995) em
bairros populares do Rio de Janeiro, na qual ela buscava analisar o
tempo gasto por crianças de ambos os sexos com trabalho dentro de
casa. Ela observou que as meninas em função da socialização para um
determinado papel de gênero usavam boa parte dos seu tempo em
atividades voltadas para o grupo doméstico — a partir dos 5 anos de
idade exerciam tarefas como varrer a casa, lavar e passar roupa, cuidar
dos irmãos menores. Enquanto que, em comparação, os meninos
dispunham de muito mais tempo livre para brincar e desempenhavam
tarefas domésticas “externas” à casa, tais como levar o lixo, varrer o
quintal. Esse exemplo ilustra como no processo de socialização certos
valores — meninas em casa/meninos na rua — marcam a diferença de
gênero, caracterizando a assimetria das relações entre homens e
mulheres.
Se consideradas as relações de gênero e sua dinâmica particular,
a análise da divisão sexual do trabalho permite, na opinião de Teresita
de Barbieri (1991), revelar conflitos de poder, por ser esta divisão uma
arena de controle da capacidade reprodutiva. O esquema binário, que
coloca o masculino e o feminino como oposição, e designado segundo o
sexo — masculino/homem, feminino/mulher — dificulta pensarmos as
relações sociais de outras maneiras. Essa relação dicotômica se estende
para as definições que temos do que é ser pai e mãe em nossa sociedade
e cristaliza concepções do que devem ser as relações de homens e
mulheres com seus filhos. O cuidado, por exemplo, exercido por
mulheres, é visto como uma característica de gênero feminino e
27
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
portanto– para alguns como manifestação “natural”, para outros, fruto
da socialização das mulheres. Muitas atividades profissionais, por
exemplo, que se relacionam ao cuidado são consideradas femininas
(enfermagem, babás, professoras de pré-escola e creches etc.)10, e como
trabalho são socialmente pouco valorizadas.
É preciso, pois, desvelar os sistemas de significados, ou seja,
perceber como as sociedades representam o gênero e o utilizam para
articular regras que conformam a divisão sexual do trabalho e que, por
sua vez, tem definido a maternagem e a paternagem. Assim sendo,
nesta
pesquisa
procuro
apreender
a
concepção
de
paternidade
socialmente construída, expressa no discurso de homens de camadas
médias; observar se os indícios de mudanças nas relações familiares,
apontados pela literatura, se confirmam; e até que ponto têm alterado
as relações de gênero na esfera privada.
***
É com esta preocupação que escolhi o tema da paternidade: verificar as
mudanças e permanências que definem as dimensões sociais de ser pai
nos anos 90. Um eixo básico norteia minha argumentação: as
distinções socialmente construídas do gênero e que definem atribuições
especificas para homens e para mulheres no que se refere ao cuidado
com os filhos pequenos.
Esta dissertação explicita nos capítulos que se seguem a definição
desta opção analítica. No Capítulo 1, com a intenção de melhor
compreender por que o cuidado com os filhos se constituiu na cultura
ocidental como uma atribuição exclusiva das mulheres, recorro aos
textos
de
Nancy
Chodorow
e
Elisabeth
Badinter.
As
distintas
abordagens dessas autoras sobre a maternidade e maternagem —
10
Sobre a definição de atividades de gênero masculino e feminino ver Maria Jesus Izquerdo,
28
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
considerando os distintos campos de conhecimento em que estão
situadas e enfoques teóricos, bem como suas limitações —, subsidiaram
a elaboração do problema de minha pesquisa, encaminhando minhas
preocupações para a questão da paternidade e da paternagem.
A partir daí percorri, até onde foi possível, parte da bibliografia
sobre paternidade e outros temas a ela relacionados, procurando
destacar aspectos relevantes que pudessem ajudar na análise da
construção social da paternidade em um segmento social das camadas
médias paulistanas. Uma síntese sobre os estudos da paternidade
constitui o capítulo 2.
No Capítulo 3, a intenção é situar a pesquisa, particularmente
considerando o lugar onde ela foi realizada – a cidade de São Paulo – e a
importância desse posicionamento na visão de mundo das pessoas que
nela vivem. Como parte da contextualização da pesquisa, desenvolvo o
tema da família, pensada como uma das instituições onde, nos últimos
anos, muitas mudanças vêm acontecendo. Neste aspecto, destaco a
literatura sobre as famílias de camadas médias, grupo no qual se
situam os homens que entrevistei para a pesquisa. A presença
masculina na vida familiar contemporânea, o envolvimento masculino
no cuidado com as crianças e a relação entre os diferentes significados
de paternidade e maternidade podem ser decisivos para a compreensão
de como operam as hierarquias e desigualdades de gênero no espaço
familiar. O exame dos significados que homens de camadas médias
atribuem à paternidade e ao seu envolvimento com os filhos pequenos,
suas perspectivas e conflitos em relação à educação das crianças estão
diretamente relacionados à investigação dos padrões de gênero que
constituem socialmente a paternagem. Neste capítulo apresento ainda
os
critérios
para
a
definição
dos
sujeitos
entrevistados,
os
1994.
29
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
procedimentos utilizados na coleta dos dados e na análise das
entrevistas, bem como o perfil dos 10 entrevistados.
No quarto capítulo, desenvolvo a análise dos depoimentos. Inicio
com a família de origem, pois estou levando em conta que a vivência
com o pai nos diferentes momentos da trajetória de vida pode
influenciar não só na construção de sua própria paternagem, mas
também na autocrítica e na construção de um outro significado para a
família e para a relação conjugal.
No Capítulo 5, procuro desvelar os conflitos e as ambigüidades
que a experiência da paternidade apresenta para esses homens, bem
como os processos de negociação entre os casais e que expressam os
limites e as possibilidades da experiência masculina de paternagem.
E, por fim, faço um balanço de minhas reflexões iniciais e das
revelações da análise, destacando os obstáculos para uma efetiva
constituição de “novos padrões” de paternidade, bem como os avanços
em direção a essa constituição presente nas formas que esses homens
têm
encontrado
para
dar
outros
significados
à
paternidade,
paternagem e às relações de gênero na família.
30
à
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Capítulo 1
Da maternidade à paternagem:
uma questão de gênero
(...) do cuidado das mulheres depende a primeira educação dos
homens; das mulheres dependem ainda os seus costumes...assim,
educar os homens quando são jovens, cuidar deles quando grandes,
aconselhá-los, consolá-los...eis os deveres das mulheres em todos os
tempos.
Rousseau
Como expus na introdução a esse trabalho, as concepções de
maternidade e maternagem presentes tanto na literatura sobre família e
nos estudos sobre as mulheres, como nos resultados da Pesquisa
Família
e
Trabalho
Domiciliar
em
São
Paulo,
mencionada
na
Introdução, ofereceram as primeiras pistas para o desenvolvimento do
projeto desta pesquisa. Embora eu supusesse que as mudanças nas
relações entre homens e mulheres estivessem forjando uma concepção
de paternidade distinta daquela até então descrita em estudos
sociológicos sobre família — e que merecia ser investigada —, prevalecia
em minhas próprias concepções a força da relação mãe-filho como
definidora de uma paternidade mais (ou menos) participativa.
Nas
sociedades
ocidentais,
não
só
a
naturalização
da
maternagem, mas também da instituição família torna-se especialmente
marcante pela manipulação de concepções científicas para a sua
legitimação,
contaminando
a
própria
reflexão
científica
sobre
a
paternidade. O fato das mulheres gestarem e a longa dependência do
recém nascido aos cuidados maternos, tornaram “legítimas” concepções
como a de Rousseau, descrita na epígrafe deste capítulo, sobre o lugar
das mulheres na sociedade ocidental.
31
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Até mesmo o parentesco é tido como uma extensão natural dos
laços familiares. A divisão sexual do trabalho —como decorrência dessa
naturalização — acaba por vincular as atribições sociais das mulheres,
derivadas de sua capacidade reprodutiva, a funções biológicas. A
paternidade, em contrapartida, não é formulada a partir da participação
do homem no processo reprodutivo. Na divisão sexual do trabalho, o pai
tem sido socialmente definido com a função de garantir e possibilitar a
maternidade e esta função nem sempre está associada ao vínculo
biológico,
genético
como
mostram
os
estudos
antropológicos
(Strathern,1995).
O fato de o pai ser sempre nomeado, presumido — o homem pode
até se autodenominar o pai da criança, mas é a mulher que define quem
é o pai — contribuiu para reforçar a idéia de que o homem não é um
ator no processo reprodutivo. Como observa Margareth Arilha (1998):
“Se a reprodução é aprendida e apreendida pela maior parte das
pessoas como um processo biológico que se concretiza essencialmente
num corpo do sexo feminino, como provocar novas linguagens acerca da
reprodução? Seria possível valorizar menos a gestação e mais a
concepção, apontando para uma posição compartilhada em termos de
significados, de mulheres e homens diante da reprodução biológica da
vida?” (Arilha, 1998:73, grifos meus).
A questão parece um pouco mais complexa, na verdade. Não se
trata de uma graduação na valorização da produção da vida, mas de
valorização da participação individual, de homens e de mulheres, nesse
processo. A proposta de uma gravidez do casal, muito em voga nos anos
oitenta entre alguns grupos de classe média, estava centrada na
valorização da participação masculina no processo gestacional; as
novas tecnologias reprodutivas são também um mecanismo que aloca a
participação masculina no processo de concepção, concretizando o seu
lugar biológico na reprodução. Ou seja, avento a possibilidade de que a
32
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
suposta “exclusão masculina” do processo reprodutivo está para o
homem da mesma forma que estava para as mulheres a sua exclusão e
desvalorização do processo produtivo e dos postos de tomada de
decisões.
Mesmo considerando alguma relutância dos homens em assumir
os cuidados com os filhos e as tarefas domésticas, deve-se levar em
conta que há uma indeterminação cultural quanto às formas de
conduta para homens, quando se pensa em outras que não aquela do
macho bem-sucedido, do chefe-provedor, contrariamente à mulher, cujo
sucesso profissional é aceito e estimulado, desde que não se
sobreponha à mãe e esposa dedicada (Quadros, 1996). O “homem
andrógino” — aquele que corporifica elementos masculinos e femininos,
mas atenuados de seus atributos mais radicais — tem alimentado mais
a criatividade de diretores e atores, de escritores e publicitários do que
fundamentado
o
homem
concreto,
em
particular
o
homem
heterossexual. As mudanças na experiência masculina da paternidade
nos últimos anos, convivem com a permanência de valores que
reproduzem algumas dimensões da divisão sexual do trabalho.
Há todo um conhecimento elaborado, como veremos mais adiante,
que busca explicar e compreender por que são as mulheres que cuidam
dos
filhos
e
das
tarefas
domésticas.
Mais
especificamente,
a
maternidade sempre foi tema importante entre aqueles que se
debruçaram sobre a condição feminina e mesmo entre as militantes
feministas. O enfoque da maternidade como uma função natural da
mulher, responsável exclusiva pelos deveres e obrigações na criação dos
filhos, alimentou ao longo dos anos 70 o discurso de algumas correntes
do movimento feminista, que atribuíam a essa concepção a causa da
opressão feminina e das desigualdades entre homens e mulheres
(Scavone, 1995).
33
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Numa
outra
perspectiva,
o
diferencialismo
inspirado
pela
psicanálise, a maternidade é concebida como um poder insubstituível, e
por isso invejado pelos homens. Essa dimensão definiu a pauta de
feministas
que
reivindicavam
uma
divisão
mais
eqüitativa
das
responsabilidades familiares. Segundo Lucila Scavone, foi uma tomada
de posição decisiva para “um processo de construção de uma escolha
reflexiva da maternidade e abriu espaço para debates sobre o lugar do
pai” (Scavone, p.8, grifos da autora).
A invenção social da maternagem
e o lugar da paternidade
Nesta direção, a literatura sobre maternidade/maternagem foi,
num primeiro instante um ponto de partida para o desenrolar das
minhas reflexões, voltadas para a compreensão das relações parentais
na sociedade contemporânea. Duas leituras, em particular, que
focalizam a construção social da maternidade, direcionaram minhas
preocupações para a apreensão da experiência que certos homens, nos
dias atuais, num contexto de muitas mudanças, manifestam sobre a
paternidade e a paternagem. Assim, a paternidade foi se estabelecendo
como foco de análise, acompanhada de uma preocupação: afastar-me
da expectativa de que os homens deveriam cuidar dos filhos e assumir
as atribuições domésticas segundo um modelo feminino, como única via
para a equidade de gênero. Antes, é preciso saber como eles têm
vivenciado a paternidade e negociado as relações conjugais, num
contexto cultural e social que não corresponde àquele da sociedade de
Rousseau ou mesmo ao modelo de pai-herói/provedor tão marcante em
décadas passadas.
Nancy Chodorow
34
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Na tentativa de explicar por que as mulheres “maternam”, Nancy
Chodorow, em Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir
da mulher (1990)11, argumenta que a reprodução do sistema (sóciopolítico-econômico) patriarcal estaria relacionada à exclusividade das
mulheres no cuidado dos filhos. As idéias de Chodorow, de que a
estrutura das relações de gênero pode ser explicada pela dinâmica
psíquica dos indivíduos, têm influenciado não só feministas como, mais
recentemente, estudiosos da masculinidade12. Uma das críticas a esta
autora está em sua fundamentação teórico-metodológica, com base na
psicanálise (teoria das relações-objetais), e em sua tentativa de tecer
interpretações
“sociológicas”,
atribuindo
distinções
de
gênero
a
características de personalidade, necessidades, defesas e capacidades
particulares; criadoras, por conseqüência, das condições para a
reprodução da divisão sexual do trabalho.
A teoria de Chodorow é bastante
simples.
A
reprodução
contemporânea da maternagem ocorreria por meio de processos
psicológicos
estruturalmente
induzidos.
Para
ela,
as
mulheres
maternam porque foram maternadas por mulheres e essa capacidade e
necessidade nasceriam da própria relação mãe-filha. Seguindo esse
raciocínio, a capacidade dos homens de cuidarem de seus filhos, por
oposição, estaria sendo sistematicamente reprimida. Nancy Chodorow
defende que a teoria das relações objetais, como base para uma
utilização sociológica da psicanálise, pode esclarecer como a família
produz mulheres para serem mães e preocupa-se com os modos como a
estrutura e o processo familiar, em especial a organização assimétrica
dos cuidados maternos e paternos, afetam a estrutura psíquica e os
processos inconscientes. As diversas formas de identificação acabariam
determinando funções adultas de gênero que situam as mulheres
O título original norte-americano é The reproduction of mothering: Psychoanalysis and the
sociology of gender (Berkley/Los Angeles, Univ. of California Press, 1978).
12 Uma leitura crítica a respeito dessa influência pode ser lida em Oliveira, 1998, e Carvalho,
1999.
11
35
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
sobretudo na esfera da reprodução. Na visão de Chodorow, a alteração
desse quadro dependeria basicamente da maior integração dos homens
no cuidado com os filhos. Ou seja, seria a destradicionalização13 da
família, em que as práticas tradicionais — tal como a maternagem —
seriam questionadas e reconstruídas.
A maternagem das mulheres seria um aspecto central e definidor
da organização social do gênero, implicando a própria construção e
reprodução da dominação masculina. Para ela é possível distinguir em
todas as sociedades aspectos domésticos e públicos da organização
social. Seria então pertinente definir e articular certas assimetrias
universais dos sexos na organização social do gênero, em decorrência
da maternagem das mulheres. Essa atividade determinaria a posição
das mulheres na esfera doméstica como sendo a principal, gerando a
diferenciação estrutural entre as esferas pública e privada. A dominação
cultural e política da esfera privada pela esfera pública estabeleceria a
dominação masculina sobre as mulheres14.
A ideologia que cerca a atividade de maternar, formulada ao longo
do tempo, tem, ainda hoje, influenciado a dinâmica das relações de
gênero. Sabe-se que não é possível sustentar a separação das esferas
privada (como feminina) e pública (como masculina) como áreas opostas
(auto-excludentes)
e
hierárquicas,
quando
na
realidade
elas
se
articulam, se influenciam mutuamente, envolvendo relações que
De acordo com Anthony Giddens (1993,1997) a sociedade moderna está vivendo um processo
no qual as tradições só persistem na medida em que se tornam passíveis de justificação
discursiva. O contexto social da atualidade confronta práticas tradicionais com outras
tradições e outros modos alternativos de fazer as coisas.
14 O trabalho de Nancy Chodorow está diretamente influenciado por Gayle Rubin, de quem
empresta a categoria de análise “sistema sexo/gênero”. Segundo esta autora, o “sistema
sexo/gênero” organiza a sociedade em dois gêneros, com domínio do gênero masculino.
Referindo-se ainda a Rubin, os cuidados maternos e paternos e a organização da família
formariam o núcleo do “sistema sexo/gênero” de qualquer sociedade.
13
36
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
também são de poder. E, mais do que isso, é preciso considerar que é
no público que muitas decisões sobre o privado são tomadas15.
Chodorow se permite criticar algumas teorias, feministas e não
feministas16, por não questionarem e muito menos explicarem pelo
prisma cultural a reprodução da própria maternagem nas sociedades
modernas. Essa omissão estaria associada à definição corrente em
alguns estudos de que a estrutura da noção de cuidado materno e
paterno é explicativa por si mesma do ponto de vista biológico; levando
os cientistas sociais a reificarem a organização social do gênero e a
considerar como um produto natural e não uma construção social.
É interessante observar que, se de um lado, Chodorow parece
operar uma destradicionalização da maternagem, ao propor uma
construção social, por outro acaba reafirmando a idéia (essencialista e
a-histórica) de que as mulheres sempre cuidaram das crianças. Esse
comportamento social definiria, por sua vez, um processo psicológico
estruturante: mulheres maternam porque sempre foram maternadas
por
mulheres.
Sua
explicação
não
rompe
com
argumentos
funcionalistas da teoria dos papéis sociais. Ao contrário, em sua
Quando menos se percebe, essa abstrata separação público/masculino, privado/feminino é
reforçada, dificultando avanços teóricos e políticos para a equidade de gênero. Uma
interessante discussão crítica sobre o papel do feminismo, em particular do “feminismo
social”, nessa questão é apresentada por Mary Dietz (1998). Esta autora retoma Aristóteles
para mostrar que tanto a vida familiar e privada, como a econômica e social estão no âmbito
das decisões políticas e, portanto, públicas: “[o que] ele quer sugerir é que a política é uma
experiência integradora, todos os outros atos e as ações humanas são examinados sob sua luz
e transformados em sua matéria. (...) que a vida familiar e privada, bem como as práticas
sociais e os assuntos econômicos, são questões que concernem a uma decisão política. As
práticas familiares, o controle sobre a propriedade familiar, os direitos das crianças, a
natureza das leis sobre a educação e o trabalho das crianças, benefícios para as mães
solteiras, o controle de natalidade - todas estas coisas, gostemos ou não, estão potencialmente
abertas ao controle político e podem ser politicamente determinadas. (...) Este exercício do
poder se estende através de toda nossa vida e determina as condições do que consideramos ‘
privado’ e do que consideramos que são objetivos ‘públicos’.” (p. 53-4, tradução livre)
16 Discorda daqueles antropólogos que combinam uma interpretação funcionalista das
sociedades coletoras-caçadoras com uma explicação evolucionista do homem. Ou seja, o
homem teria uma composição biológica mais apropriada à caça e as mulheres ao cuidado dos
filhos e à coleta de alimentos. Para a autora essas explicações são questionáveis, uma vez que
o comportamento humano é mediado culturalmente e não apenas determinado
instintivamente. Nem mesmo escapam de suas críticas a psicanálise e teorias psicológicas que
reforçam a existência de um suposto instinto maternizante, dando portanto como natural que
as mulheres maternem.
15
37
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
análise, as diferenças sexuais são constitutivas das diferenças sociais
nas relações de gênero.
Elisabeth Badinter
Com o objetivo de mostrar que a relação mãe-filho é apenas mais
uma relação humana entre tantas outras — e portanto, não é nem
essencial, nem inerente às mulheres —, a historiadora Elisabeth
Badinter (1985) em Um amor conquistado: o mito do amor materno17
busca demonstrar que o instinto materno é um mito e que não há
conduta materna universal e necessária. Mesmo sendo passível de
críticas18, especialmente quanto aos argumentos de que a infância não
existia como conceito antes do século XVIII, Badinter foi citada em
inúmeros trabalhos para contestar a maternagem como uma atribuição
feminina universal.
Procurando traçar um panorama histórico, demonstra a oscilação
do comportamento materno entre a dedicação e a indiferença e rejeição,
num período que durou cerca de dois séculos. Descreve como desde
Aristóteles o poder paterno vem acompanhando a autoridade marital,
fundamentado principalmente na idéia da desigualdade natural entre os
seres humanos. Passa pelos escritos da bíblia cristã, que vieram,
posteriormente, reforçar a submissão da mulher à autoridade do
homem. Estado e Igreja, sustentando-se em concepções que defendem a
existência de uma hierarquia natural entre os indivíduos, teriam
arbitrado durante centenas de anos a arena da desigualdade entre
homens e mulheres. Ao homem cabia chefiar a família, os negócios, as
questões políticas, e à mulher, o cuidado dos filhos, o gerenciamento da
casa. A análise histórica operada pela autora revela que durante um
longo período a criança esteve relegada, tanto pela sociedade quanto
17
18
O título original é L’amour en plus (Paris: Flamarion,1980).
Ver o artigo de Maria Lygia Q. de Moraes. Infância e Cidadania. Cadernos de Pesquisa. São
Paulo : Cortez; FCC, n.91, nov. 1994.
38
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
pelos estudos históricos e científicos, a um segundo plano. Badinter
ilustra esta afirmação com vários exemplos: a medicina infantil só teria
surgido no século XIX, a literatura até o final do século XVIII pouco se
referia às crianças e a amamentação mercenária era adotada em quase
todas as classes sociais. Comportamentos como esses, associados a um
alto índice de mortalidade infantil, pareceriam algo de escandalosos
para os valores das sociedades ocidentais nos dias atuais, mas não
naquela época19.
O que teria motivado as transformações na sociedade com relação
às crianças, à família e às mulheres? Segundo Badinter, uma das
principais razões teria sido a valorização do ser humano como mão-deobra em potencial, produtor de riqueza e garantia de poderio militar.
Datam do final do século XVIII, por exemplo, os primeiros estudos
voltados para a questão demográfica. Ao final desse mesmo século há
uma mudança radical na imagem da mãe: pululam publicações que
recomendam às mães cuidar pessoalmente dos filhos e amamentá-los.
O discurso da igualdade, do amor e da felicidade, de um lado, e o apelo
ao senso do dever, da culpa, da ameaça, de outro, foram os principais
instrumentos ideológicos usados para conduzir a mulher à função
nutrícia e maternante, apregoada desde então como uma manifestação
natural e espontânea.
Essa condição promoveu mudanças de todas as ordens, inclusive
nas relações de poder. Se antes do século XIX o pátrio poder era
inquestionável, podendo ser até mesmo injusto — o pai podia, por
exemplo, deixar toda a sua herança para o filho primogênito, podia
19
Badinter conta, por exemplo, que quase não havia manifestação de luto pela família e, em
algumas regiões, nem mesmo iam ao enterro dos filhos menores de 5 anos, uma vez que a
morte infantil era vista como uma conseqüência natural da vida. As mulheres de segmentos
sociais mais altos, não amamentavam seus filhos e as tarefas domésticas eram rejeitadas pela
pouca valorização e pelo não reconhecimento da sociedade. A solução, então, eram as amas de
leite, pobres em sua maioria, que além de terem seus próprios filhos para amamentar
acolhiam outros bebês, a fim de ampliar o rendimento familiar. Quando crescidas, essas
crianças eram geralmente entregues à governanta ou a um preceptor, ou ainda colocadas
num internato.
39
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
decidir o destino das filhas —, a partir daí ele se mantinha, só que
justificado pelo bem-estar da criança. Por outro lado, se muitas
mulheres
relutavam
às
mudanças,
outras
descobriram
que
a
maternidade, vista então como uma tarefa necessária e nobre, tornavase, de um lado, a porta para o reconhecimento social e, de outro, espaço
de poder nas relações familiares. É o período de pensadores como
Rousseau, Montesquieu, Voltaire e Condorcet. As idéias, desenvolvidas
por Rousseau em sua obra Émile teriam influenciado o comportamento
das mulheres burguesas20. Com o objetivo de estimular e justificar a
maternagem, surgem obras científicas que comparam o amor materno
animal ao humano, exaltando o amor instintivo nos animais, cujas
fêmeas se privam de muitas coisas em função dos filhos21.
Esses discursos moralizantes, segundo Badinter, não foram
suficientes para modificar os hábitos e costumes das mulheres em
geral, o processo de mudança foi longo e lento. Mesmo porque para
muitas delas esse novo comportamento com relação à maternagem
representava
a
possibilidade
de
desempenhar
um
papel
mais
gratificante no seio da família e na sociedade. Aleitar o próprio filho, por
sua vez, tornou-se um sinal de modernidade. Mas esse comportamento
é, até meados do século XIX, heterogêneo e variável segundo a classe
social: as burguesas teriam sido as primeiras a incorporar as
mudanças,
influenciadas
principalmente
por
Rousseau22;
já
as
A epígrafe na abertura deste capítulo ilustra o pensamento de Rousseau sobre o papel das
mulheres na sociedade da época.
21 Estudos comparando a vida de animais de outras espécies com o ser humano são freqüentes
até hoje, numa tentativa de justificar e explicar comportamentos mediante uma natureza
comum. A mídia é pródiga em divulgar informações dessa ordem. Um exemplo é a revelação
de comportamento homossexual entre animais de várias espécies, inclusive entre os leões,
publicada na Revista Superinteressante em 1999. Ver também, Citeli, Maria Teresa. Ciência e
gênero: a tenacidade das metáforas deterministas. Campinas:IFCH/Unicamp, 1999.
(apresentado no Seminário Gênero e Reprodução). (mimeo) e Citeli, Maria Teresa. Fronteiras
em litígio: mídia, ciência e humanidades. Campinas:NEPO/Unicamp, 1999. (apresentado no
Seminário Saúde Reprodutiva na Esfera Pública e Política na América Latina). (mimeo).
22 O discurso moralizador herdado de Rousseau, segundo Badinter, revelava uma nova imagem
de mulher: passiva e submissa, feita para agradar ao homem; elegante e prendada; deveria
aprender a ler e escrever essencialmente o necessário para governar a casa e ser uma boa
educadora.
20
40
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
aristocratas e as pobres foram as últimas a assimilar o novo perfil
materno.
A interpretação histórica de Badinter procura demonstrar que a
relação mãe-filho não é nem universal e nem natural, tendo sido a
maternagem uma construção social, a partir de interesses sóciopolíticos específicos, entre os quais a sobrevivência das crianças,
necessária para o desenvolvimento da sociedade burguesa.
A autora aponta também o papel da psicanálise e do discurso
médico na consolidação da mulher como personagem central da família
e da maternagem23. Discursos como o de Winnicott, por exemplo, para
quem a boa mãe é aquela que se dedica ao filho, sendo até mesmo a
responsável pela boa paternidade do marido, contribuíram para a
culpabilização das mulheres com relação à maternagem e incitaram,
por outro lado, várias feministas a questionar os fundamentos da teoria
da mãe naturalmente devotada. Mais recentemente, entre alguns
estudiosos da masculinidade, esses argumentos têm contribuído para
explicar por que os homens dominam as mulheres ou por que negam
suas necessidades afetivas.
É o que Pedro Paulo Martins de Oliveira (1998) definiu como
“discurso vitimário”, no qual o homem é visto por alguns autores como
um sexo que também é frágil e sujeito à opressão de gênero. O “homem
vítima” seria fruto de um conjunto de fatores sociais e psíquicos,
corroborados por dados estatísticos alarmantes, como taxas de
homicídios, uso de drogas, incidência de acidentes etc. O nãoenvolvimento dos homens no cuidado dos filhos, a falta de expressão
afetiva seria apenas reflexo de sua sujeição a um modelo de
masculinidade e feminilidade, no qual a paternagem estaria fundada em
23
Como foi visto anteriormente, as pesquisas sobre as diferenças anatômicas contribuíram em
parte para a construção de um saber sobre as diferenças de gênero, ao difundir justificativas
para os papéis socialmente distintos para homens e mulheres (Laqueur, 1987).
41
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
outras
bases,
distintas
da
maternagem.
O
distanciamento
das
demandas afetivas é, em nossa sociedade, reconhecido como inerente a
um certo modelo heterossexual de masculinidade e que norteia o
comportamento masculino. A crítica a esse modelo e a falta de clareza,
de certeza sobre uma outra forma de comportamento, ou de significados
para certas práticas estaria o cerne da crise da masculinidade. É neste
contexto que surgem tentativas midiáticas (jornais, revistas, filmes) de
estabelecer novos padrões de comportamento, tais como o do homem
que parece gay, se comporta como gay, mas não é. Esse “tipo”
heterossexual seria “admirado” e desejado pelas mulheres, ainda que a
adoção de comportamentos refinados, mais sensíveis não deve, no
entanto, anular a independência, autonomia, capacidade de prover,
segurança (emocional e material) atribuídos ao velho modelo masculino
heterossexual.
Enfim, Chodorow ataca a maternagem mostrando que ela se
reproduz mediante mecanismos psicológicos e sociais estruturalmente
induzidos, Badinter, por sua vez, aponta para o amor materno como um
sentimento não inerente às mulheres, mas fruto de uma construção
histórico-social. Para a construção da maternagem tal como pensada
por ambas, corresponderia também a construção de um certo tipo de
paternagem. Maternagem e paternagem não são apenas relações entre
pais e filhos, mas relações contraditórias entre homens e mulheres. A
dimensão tradicional de maternidade e paternidade pode estar sendo
questionada, mas fica ainda uma pergunta a anuviar minhas reflexões:
por que a organização do trabalho doméstico e a divisão das
responsabilidades familiares é ainda desigual, segundo o gênero?
A invenção social da maternagem, de acordo com Anthony
Giddens (1993), deu forma concreta à idéia de que é a mãe quem deve
atender às necessidades específicas da criança. A maternidade, vista
como uma função natural da mulher, passa a ser o componente central,
42
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
definidor, da identidade feminina. Maternidade e feminilidade são
associadas como sendo qualidades da personalidade. E embora a
dissociação entre sexualidade e reprodução tenha se tornado possível
nos dias atuais, a relação mulher-mãe mantém a sua força no
imaginário e nas representações sociais sobre o gênero feminino24.
Maternidade e feminilidade continuam a se confundir e, segundo Aida
Novelino (1989), recusá-la significaria para muitas mulheres, no
mínimo, desviar-se do curso evolutivo que caracteriza o gênero
feminino, negando-se a experimentar de forma plena a condição de
mulher. As mulheres acabam enredadas no ideal da maternidade: fonte
de realização, prazer e necessidade. É comum a idéia de que filho e mãe
vivem uma relação simbiótica: a mãe “sabe” quando alguma coisa não
está bem com suas crias. Seguindo esse raciocínio, a construção social
da maternidade e da maternagem favorece uma menor participação
masculina no cotidiano familiar.
Operar a desnaturalização de uma evidência biológica – mulheres
procriam,
bebês precisam de cuidados por longo tempo, mães
amamentam e por isso maternam (evidência social) – tem funcionado
mais no discurso do que na prática. O ponto está justamente em que
uma necessária divisão de tarefas (relativa à procriação) tem se
estendido a outras dimensões da vida social, definindo e determinando
uma divisão social de trabalho baseada nas diferenças sexuais,
estabelecendo uma desigualdade de gênero que se reflete, por exemplo,
no lugar ocupado pelas mulheres no mercado de trabalho e por
discriminações salariais (Bruschini, Lombardi, 1996) e no lugar
ocupado pelos homens na vida familiar. Isso aponta
24
para
as
É preciso considerar, todavia, que o advento da pílula anticoncepcional foi importante no
processo de emancipação da mulher nessas últimas décadas. O controle sobre sua
sexualidade e sobre a procriação ampliou o poder de decisão das mulheres quanto ao seu
destino. Elas podem escolher quando ser mãe, quando começar ou parar de trabalhar.
43
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
dificuldades de evitar algum tipo de essencialização quando se discute
maternidade ou mesmo paternidade25 .
Nem a maternagem nem a paternagem existem isoladamente,
ambos são aspectos constituintes da divisão do trabalho por sexos, e,
por conseguinte, encontram-se estruturalmente relacionados a outros
arranjos institucionais e formulações ideológicas que justificam essa
divisão de trabalho. A socialização, por exemplo, é importante na
reprodução da estrutura social e, conseqüentemente, na construção
social de modelos ideais de maternagem e paternagem. Os meios de
comunicação, a distribuição de renda, as escolas e a família, ou seja, as
relações sociais e econômicas, as instituições, os valores e a ideologia,
atuam diretamente na viabilização do cuidado com os filhos pelas
mulheres e não pelos homens. Para Chodorow, a desigualdade de
oportunidades e a menor remuneração das mulheres no mercado de
trabalho, por exemplo, servem como justificativa para explicar de forma
“racional” a divisão de atribuições: as mulheres cuidariam dos filhos e
da família por não compensar financeiramente a sua saída de casa.
Nos dias atuais, a desigualdade de gênero não pode mais ser
explicada apenas segundo essa lógica. Sabe-se que as mulheres estão
inseridas no mercado de trabalho e ocupam vários espaços antes
masculinos e não se limitam a ficar em casa maternando. A decisão,
inclusive, de ter filhos tem sido cada vez mais adiada, cedendo lugar a
outras prioridades, como a carreira profissional. Sabe-se também que o
salários das mulheres, em alguns setores do emprego, tem favorecido a
ascensão social e em outros é fundamental para o sustento familiar.
Ainda assim, os salários, em geral, são mais baixos do que os dos
homens e sua ascensão ocupacional é permeada de obstáculos. Como
explicar de “forma racional” essa disparidade?
25
Parceval (1986) e Corneau (1995) também apontam para o engodo do papel materno.
44
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Todavia uma outra questão se impõe: a mulher grávida, ao se
olhar no espelho vê barriga concreta e mamas concretas aumentarem;
as contrações, o trabalho de parto, estão longe de ser uma construção
social. Difícil não ceder aos apelos do bebê que precisa ser alimentado,
limpo e acarinhado para sobreviver. Após longa convivência intrauterina, como contestar que os cuidados infantis não sejam uma função
feminina?
Como
contrariar
as
teses
psicanalíticas,
religiosas
e
pedagógicas de que o melhor para a criança é ser cuidada pela mãe ou,
na impossibilidade desta, por outra mulher? Inventa-se a maternagem,
que transfere o ato de procriar para uma outra atribuição culturalmente
destinada às mulheres: a de cuidar dos bebês e criá-los.
Mais do que isso: no caso específico da sociedade brasileira, a
tradição patriarcal, reforçada pela formação católica, contribuiu para
estruturar, ao longo de nossa história, as relações familiares em uma
rígida divisão de atribuições. Percebe-se que a maternagem se mantém
atrelada a aspectos biológicos (necessidades físicas do bebê que só a
mãe pode satisfazer) e psicológicos (o bom desenvolvimento da criança
depende de uma boa maternagem), em oposição à paternagem que se
define social e culturalmente (o pai deve prover a família e dar-lhe
respaldo moral) e aparece desvinculada do processo reprodutivo.
Não caberia questionar, entretanto, se expressões masculinas tais
como “fiz um filho” ou “ quem foi que te fez...” não estariam indicando
que o homem de alguma maneira está posicionado no processo
reprodutivo? O argumento de que o homem se encontra ausente desse
processo precisaria ser mais bem elucidado. Esta exclusão pode estar
se constituindo culturalmente como parte do processo de diferenciação
e hierarquização dos sexos. Thomas Laqueur (1987) em sua análise
sobre a literatura médica a respeito da anatomia humana mostra como
o
conhecimento
contribuíram
sobre
para
os
justificar
corpos,
sobre
supostas
as
diferenças
diferenças
morais
físicas,
e
de
45
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
comportamento. A própria forma de conceber o corpo é uma construção
social26.
Segundo Laqueur, os séculos XVII e XVIII pontuam a passagem
de um conhecimento teleológico do mundo para uma explicação mais
racional, baseada no conhecimento científico. Foi neste período que o
corpo passa a ser visto como constituído de dois sexos distintos. Até
então os corpos masculinos e femininos não eram definidos por uma
diferença em termos biológicos, mas em termos de grau de perfeição,
compondo uma hierarquia vertical: os orgãos reprodutivos vistos como
iguais em essência, sendo o corpo masculino o padrão. A partir do
Renascimento, o modelo do dimorfismo, da diferença biologicamente
determinada impôs uma anatomia de diferenças incomensuráveis; as
teorias médicas que despontavam, centradas no aparelho reprodutor
feminino,
geraram
justificativas
biológicas
que
instituíram
uma
diferença radical entre o masculino e o feminino (Spink, 1994).
Laqueur
nos
mostra
que
a
historicidade
do
corpo,
cujo
conhecimento esteve atrelado a demandas específicas, de momentos
históricos específicos, favoreceu a justificação das diferenças de gênero.
A fundação dessas diferenças não estaria mais baseada em algum fator
transcendental, cosmológico, mas na diferença biológica. A ciência, em
franco progresso no período, era convocada a validar o debate
ideológico. A natureza distinta de homens e mulheres fornecia um modo
de explicar diferenças sociais27.
O conhecimento sobre o corpo e a forma como esse saber foi formulado,
destacando a bipolaridade dos sexos, e a persistência ao longo do tempo, na forma como
a diferença entre os sexos é explicada, alerta-nos para a reprodução de modelos autoexplicativos, como já observei anteriormente: o homem excluído do processo
26
27
Ver também o artigo de Fabiola Rohden (1998) sobre Laqueur.
A comparação entre a conformação dos esqueletos de um homem e de uma mulher,
associando a diferença do tamanho do crânio da mulher com uma menor capacidade
intelectual é um exemplo. Ver Laqueur (1987), Rohden (1998) e Citeli (1999).
46
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
reprodutivo porque a gravidez ocorre no corpo feminino, tendo essa exclusão se
espraiado para outras dimensões da paternidade, tal como a educação e o cuidado com
os filhos.
Cuidar: atribuição feminina?
A noção de cuidar de alguém, na sociedade ocidental, está
associada
à
figura
feminina
(mãe,
enfermeira,
babá,
dama
de
companhia)28. Bren Neale (1995) observa que mesmo a lei tende a
reforçar essa idéia no caso de disputa dos pais pela custódia dos filhos.
Embora muitos homens venham conquistando não só a custódia dos
filhos como o direito à adoção, a regra geral ainda é o vínculo da mulher
com seu filho, interpretado como um direito “natural”. Esse mesmo
discurso norteia as políticas de bem-estar social, apoiadas no fato de
que, na maioria dos casos, são mesmo as mulheres que cuidam das
crianças e dos velhos.
Para se contrapor a isso, algumas feministas procuraram
problematizar a noção de cuidado. Basearam-se em trabalhos sobre
identidade de gênero, como os de Nancy Chodorow, e em psicólogas
como Carol Gilligan (1982), que desenvolve a idéia de uma “ ética do
cuidado”. Em um destes trabalhos, Joan Tronto (1997) contesta a
concepção de que o cuidado é um atributo feminino intrínseco ao
desenvolvimento moral das mulheres, argumentando que as feministas
“não
podem
supor
que
qualquer
atributo
das
mulheres
seja
automaticamente uma virtude digna de ser defendida como causa”
(p.187). Tronto distingue duas formas de cuidado: cuidado com/caring
about (forma mais geral de compromisso) e cuidar de/caring for
(implicando um objeto específico, que seria o centro dos cuidados). Essa
distinção é apenas instrumental e permite apreender como o ato de
cuidar pode ser generificado.
28
Ver Carol Gilligan, 1982.
47
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Tanto homens como mulheres “cuidam”, uma vez que cuidar
envolve responder às demandas particulares, concretas, físicas e
emocionais de outra pessoa ou grupo de pessoas. O que distingue a
forma desse cuidado é que cuidar de refere-se às estruturas privadas,
localizadas particularmente na família29. Não fica difícil, então,
compreender por que muitas atividades femininas envolvem cuidado: as
mulheres cuidam de (dos filhos, dos netos, dos velhos, dos doentes, da
família, enfim). O cuidado com remete a preocupar-se: com o trabalho,
com a família, com a justiça ou injustiça etc. instituindo aí o seu valor
moral. A questão, porém, é quando o cuidar de adquire significado
moral, não pelo fato de se referir à atividade de cuidar de alguém, mas
como essa atividade se reflete nas obrigações sociais atribuídas a quem
cuida e em quem detém essa atribuição, neste caso, as mulheres.
Tronto não localiza nessa lógica um espaço onde julgamentos de moral
têm lugar. E é a esse aspecto e às suas defensoras que as críticas de
Tronto se dirigem, particularmente à psicóloga Nell Noddings, Carol
Gilligan e Sara Ruddick30. O incômodo manifestado por Tronto localizase na pressuposição de que há uma ética diferente das mulheres,
baseada não em princípios morais abstratos, mas expressão da
atividade de cuidar31.
Mesmo que na atualidade as posições de homens e mulheres na
família não sejam mais aquelas definidas segundo o modelo teórico de
Parsons, que distingue claramente as atribuições maternas e paternas,
e no qual a atividade de cuidar se sobressai como atribuição exclusiva
Tronto chama atenção para o fato de que “as profissões que proporcionam cuidados são
muitas vezes interpretadas como um apoio ou um substituto para cuidados que não podem
mais ser proporcionados dentro da família.” (1997, p.188) É o caso, por exemplo, da
enfermagem, da medicina, da docência etc.
30 Noddings, N. Caring: a Feminine Approach to Ethics (Berkley: University of California Press,
1984); Gilligan, C. In a Different Voice (Cambridge: Harvard University Press, 1982) e
Ruddick, S. Maternal Thinking (Boston: Beacon Press, 1989).
31 Destaco o livro de Marília Carvalho (1999) como outra referência de uma análise crítica das
concepções de Noddings e Gilligan, e de suas influências no feminismo da diferença e na
educação. Carvalho está particularmente interessada em compreender o trabalho docente nas
séries iniciais do ensino fundamental, espaço privilegiado de atuação feminina (mas não só) e
29
48
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
das mulheres, a força dessa estrutura parece ainda se manter. Mais
ainda, soma-se a ela um modelo idealizado de maternagem e
paternagem,
difundido
pela
mídia
e
referendado
por
teorias
psicologizantes, que não correspondem à realidade social. Na mídia, a
figura de um homem cuidador está quase sempre associada à imagem
do efeminado, ou então do homem pouco habilitado para uma tarefa tão
bem executada pelas mulheres, como observou Benedito Medrado
(1998) em sua análise dos comerciais televisivos veiculados em âmbito
nacional por uma rede de grande audiência, ao longo de 1996. Ou seja,
a atividade de cuidar ainda aparece como um delimitador de atribuições
e responsabilidades. E se observarmos ao redor, de fato, as atividades
que envolvem cuidado são maioritariamente exercidas por mulheres.
Diante desse quadro, como situar a paternagem?
Paternagem e maternagem: a contradição na divisão das tarefas
Segundo Eunice Durham (1983), todas as sociedade apresentam
uma divisão de trabalho baseada na diferença entre homens e
mulheres, no que é masculino e feminino. Essa divisão se constituiria
em torno de uma tendência praticamente universal de separação da
vida social: a esfera pública, associada ao homem (a política e a guerra)
e a esfera doméstica, privada, vinculada à reprodução e ao cuidado com
as crianças. Atribuir a todas as culturas os mesmos critérios para a
separação entre as esferas pública e privada é, no mínimo, precipitado.
Contudo, é possível concordar com a autora que a divisão sexual do
trabalho se constrói socialmente a partir das diferenças biológicas,
sendo que cada sociedade organizaria e modificaria essa divisão de
modo
a
ressaltar
fundamentação
ou
suprimir
biológica
de
as
acordo
características
com
valores,
que
possuem
costumes
e
interpretações específicas. A maternidade, por exemplo, pensada como
desenvolve sua análise problematizando a inter-relação entre a atividade docente e a noção de
49
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
uma capacidade natural e exclusiva das mulheres, em algumas
sociedades se constitui como base para a divisão do trabalho entre os
sexos, estabelecendo posições diferenciadas para homens e mulheres
na sociedade.
Nas sociedades ocidentais, segundo Durham, o modelo tradicional
de divisão sexual do trabalho determina que o trabalho remunerado é
função do marido, chefe de família, que, portanto, deve prover o
sustento dos membros. As mulheres são responsáveis pelo trabalho
doméstico e pelas crianças. Esse modelo tradicional, observa a autora,
vem se mantendo, apesar de as mulheres estarem sendo motivadas a
buscar ocupações remuneradas dentro ou fora de casa. Essas
atividades, contudo são complementares ao orçamento doméstico,
preservando, pois, a posição de subordinação da mulher na família e na
sociedade. Durham localiza aí uma ambigüidade: a conquista pelas
mulheres do direito à igualdade na esfera do trabalho se mantém ao
lado de sua desigualdade como mulher, porque ancorada na esfera da
reprodução.
Esses argumentos revelam, por outro lado, que se a esfera da
reprodução é atribuída à mulher, o homem é excluído como coparticipante, contribuindo para naturalizar a diferença entre os sexos e
justificar a maternidade como uma atribuição feminina e para reafirmar
a desigualdade entre homens e mulheres em relação ao espaço privado.
A divisão de tarefas baseada em diferenças sexuais foi apontada por
alguns
teóricos
(entre
complementaridade
das
eles
Parsons)
funções,
não
como
um
havendo,
exemplo
portanto,
de
uma
hierarquia das atividades, dada a dependência recíproca de ambas as
esferas, pública e privada.
cuidado como uma característica intrínseca do gênero feminino.
50
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A disseminação de técnicas contraceptivas permitiu a liberdade
sexual e a autonomia em relação à reprodução, em parte garantindo a
individualidade das mulheres. Somente em parte, uma vez que a
responsabilidade social associada à maternidade e à paternidade
continua sendo um entrave à igualdade entre os sexos. Curiosamente,
as diversas propostas de solução para a questão dos filhos acabam
reforçando a desigualdade entre os sexos. Durham (1983) nos fala das
estratégias dos movimentos hippies e dos Kibutzin, que encontram na
coletivização do cuidado infantil a solução para promover a igualdade
entre homens e mulheres e garantir a liberdade individual. Ou ainda
outras propostas que colocam nas mãos do Estado a responsabilidade
de prover a assistência necessária para atender as crianças e liberar a
mulher para o mercado de trabalho. Todas essas soluções tendem a
privilegiar a participação igualitária das mulheres no mercado de
trabalho e a liberação de sua sexualidade, mas também, retiram do
casal a responsabilidade com a prole.
Em nossa sociedade cobra-se do Estado auxílio tanto para
garantir a liberdade sexual das mulheres, através da implantação do
planejamento familiar e de técnicas reprodutivas, como de participação
no cuidado infantil por meio de creches e/ou escolas em tempo integral,
para que as mulheres possam trabalhar. Durham vê aí a persistência
de um conflito básico marcado por dois aspectos: a livre expressão da
individualidade
(que
pode
enfraquecer
o
vínculo
conjugal)
e
a
responsabilidade conjunta em relação aos filhos comuns (que exige o
fortalecimento do vínculo conjugal). Para ela,
A competição individual de cada cônjuge no mercado de
trabalho estabelece para cada um deles, separadamente, um
conflito entre o tempo dedicado às tarefas domésticas e o
tempo de trabalho e do lazer, que pode se refletir numa luta
interna à família no sentido de fazer com que ‘o outro’ assuma
uma carga doméstica maior. Na inexistência de novos modelos
estáveis, o estabelecimento de padrões de divisão do trabalho
na família fica na dependência do confronto interpessoal entre
51
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
os cônjuges, criando uma enorme área de conflito aberto
possível (p.40).
A meu ver, o conflito pode ser também um momento de barganha, de
negociação, diversificando as formas de distribuir as responsabilidades
e tarefas concretas. É neste contexto que as relações conjugais e os
arranjos familiares na sociedade contemporânea devem ser analisadas.
É preciso observar quais os critérios que têm sido usados por homens e
mulheres para negociar suas relações, sejam elas familiares ou
pessoais. Avento até mesmo a possibilidade de que a divisão atual das
funções parentais pode estar sendo redefinida, mantendo-se entretanto
uma seleção generificada das atividades, que não é necessariamente
complementar, mas fruto de negociações e de condições sociais
concretas.
52
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Capítulo 2
A paternidade em foco
Na tentativa de desvincular o cuidado infantil da maternidade e
associá-lo também a uma atividade realizada pelo pai, a paternidade
vem sendo pesquisada sob diferentes prismas. Em muitos casos, esses
estudos são tributários das concepções de Chodorow na idéia de que a
participação masculina na socialização primária das crianças é a única
forma para alterar a representação corrente da maternagem; ou seja,
bastaria que mulheres e homens mudassem seu comportamento para
que a história da desigualdade de gênero fosse outra. Além disso,
embora as pesquisas empíricas constatem alguma tendência para
transformações
envolvimento
nas
relações
masculino,
a
parentais,
maioria
até
desses
mesmo
estudos
um
maior
continuou
apontando um comprometimento das mulheres com os seus filhos
maior que o dos homens32.
Essas reflexões, reforçam a idéia de que, em nossa sociedade, a
dimensão econômica da paternidade é socialmente reconhecida e
valorizada. Embora muitas vezes homens e mulheres sejam hoje em dia
responsáveis ambos pelo sustento do grupo familiar, ainda é possível
sustentar o argumento de que socialmente espera-se que o homem seja
o principal provedor e o chefe da família. Os dados demográficos
ilustram essa afirmação: são eles que lideram como chefes de família.
Na cidade de São Paulo, segundo a Pesquisa de Condição de Vida –
PCV, realizada pelo Seade para 1994, taxa de distribuição das famílias
segundo o sexo do chefe era de 78,4% para os homens e 21,6% para as
53
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
mulheres. Essa mesma pesquisa realizada em 1998, indicava para a
Região Metropolitana de São Paulo um percentual de 77,1 de homens
chefes de família contra 22,9 de mulheres. Esses dados mostram que,
provavelmente, mesmo entre as famílias de “dupla carreira”, isto é,
famílias nas quais ambos os cônjuges têm atividade remunerada (e,
possivelmente, dividem as despesas e responsabilidades familiares), o
homem continua sendo nomeado como o chefe33. O status masculino é
definido pelo seu sucesso profissional e pela chefia da família, e o
desempenho da paternidade está atrelado a esses fatores (exemplo disso
é o impacto que o desemprego causa sobre o homem e sobre a família).
Embora o status da mulher “moderna”, de certa maneira, também se
defina como o masculino, ainda está marcado pelo sucesso em articular
trabalho profissional e família, mais especificamente a responsabilidade
pelos filhos.
Estudos sobre paternidade
Se há uma vasta produção sobre maternidade e sobre famílias,
pouco foi produzido sobre paternidade no Brasil34. Foram localizadas
dezenove teses e dissertações, a maioria delas na área de psicologia
social e de jurisprudência, como os próprios temas indicam: Ausência
paterna: correlatos cognitivos e de personalidade dos filhos na idade préescolar, CAMPOS, J. C. (1979); Políticas de controle de natalidade e
ideologia da paternidade responsável, OLIVEIRA, Célia C. de (1983); Os
preconceitos sobre o papel, dever e direito do pai na legislação brasileira:
um estudo psicológico, ALMEIDA,
Heloisa
A.
D.
R.
de
(1985);
A maioria das pesquisas consultadas sobre famílias de camadas médias (anos 80 e 90) e
mesmo sobre paternidade, aponta para a mesma tendência: Bruschini (1990); Salém (1980);
Romanelli (1986); Quadros (1996) entre outros.
33 Sabe-se que a partir do Censo de 1980, o recenseador deve instruir o informante sobre a
tarefa de designar a pessoa que acredita ser a chefia familiar, isto é, cabe ao informante
indicar quem considera como a pessoa de referência na família. (Bruschini, 1998).
34Informações completas, ver em Referências Bibliográficas. Parte desse levantamento foi
realizado por Jorge Lyra para sua pesquisa de mestrado, em Psicologia Social, sobre a
paternidade adolescente, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
32
54
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Paternidade: uma forma de existir, CARUSO, Ilda A (1986); Reflexões
sobre o pai: um estudo sobre a construção da paternidade na história de
vida e no desenvolvimento do sujeito, CARVALHO, Lilian A (1989); Pai
divorciado: auto-percepção de seu papel paternal antes e após o divórcio,
BREDA, Virgínia B. dos S. (1991); Paternidade: um enfoque evolutivo do
homem-menino ao homem-pai, DIAS, Isabel M. Q. (1991); Paternidade
presumida: do código civil a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
FACHIN, Luiz Edson (1991); Papel da figura paterna na formação da
personalidade: um estudo com adolescentes toxicômanos, SILVA, Alzira
S. B. P. da (1991); A construção do papel paterno, STINGEL, Ana
M.(1991); As representações sociais da paternidade e da maternidade:
implicações no processo de aconselhamento genético, TRINDADE, Zeide
A.(1991); Paternidade negada: contribuições ao estudo sobre o aborto,
VON SMIGAY, Karin Ellen (1992); Ser/estar pai: uma figura de
identidade,
MACIEL,
Alexandrina
A.(1994);
Paternidade
em
transformação: o pai singular e sua família, SOUZA, Rosane M. de
(1994); Pais e filhos: uma relação co-construída, CRUZ, Elaine V. de
A.(1995); A experiência de ser pai de uma mulher, MATOS, Diva M. S.
(1995);
Construindo
uma
nova
paternidade?
As
representações
masculinas de pais pertencentes às camadas médias em uma escola
alternativa do Recife, PE , QUADROS, Marion T. (1996); A paternidade
ativa na separação conjugal, SILVA, Evani Z. M. (1996); Paternidade
adolescente: uma proposta de intervenção, FONSECA, Jorge LYRA da
(1997).
Ao acompanhar o fluxo desta produção, percebe-se que nos anos
90 o tema da paternidade ganha um fôlego especial, aglutinando a
maioria das pesquisas desenvolvidas. É também neste período que o
tema da masculinidade aparece com maior ênfase, tanto na academia
como na mídia. Até então nos estudos sobre a vida privada a fala de
mulheres de diferentes camadas sociais é predominante. São poucas as
55
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
informações sobre o impacto do processo de modernização reflexiva35 na
vida privada dos homens. Sobre a intimidade masculina paira um
quase silêncio, quebrado apenas por pesquisadores/psicanalistas que
chamam atenção para uma “crise da masculinidade”. Pedro Paulo
Martins de Oliveira (1998) já havia chamado atenção para uma dada
característica na emergência deste tema entre alguns autores: “a
percepção de uma crise no modelo de comportamento masculino
socialmente sancionado”, com ênfase em supostas prescrições sociais
impostas ao gênero masculino. Além disso, a ausência de informações,
de dados sobre os homens (em particular sobre sua vida reprodutiva e
sexual e sobre sua participação na esfera privada) também estimulavam
o interesse por uma área de reflexão interdisciplinar, denominada nos
Estados Unidos e em alguns países da Europa, como Men’s Studies.
Na América Latina, incluindo o Brasil, o assunto ganha força na
década
de
90
mediante
pesquisas
de
mestrado
e
doutorado,
publicações, eventos e concursos de incentivo à pesquisa sobre
masculinidades36. Vários pesquisadores reúnem às suas próprias
reflexões e publicações, artigos de autores anglo-saxãos, que tornamse referências constantes em estudos sobre os homens e sobre a
masculinidade, entre os quais: ARANGO, Luz G., LÉON, Magdalena,
VIVEROS, Magdalena (org.). Género e identidad: ensayos sobre lo
femenino y lo masculino, 1995; VALDÉS, Teresa, OLAVARRIA, José
(eds.).
Masculinidad/es:
poder
y
crisis,
1997;
VALDÉS,
T.
&
Para Giddens (1993, 1997),a sociedade moderna vem passando por etapa que denomina de
“modernização reflexiva” e de “destradicionalização”, referindo-se a uma ordem social na qual
a tradição muda de status, mas não desaparece. Compartilhando dessa idéia, Ulrich Beck
(1997) argumenta que a sociedade moderna em seu dinamismo tem transformado suas
formações de classe, os papéis sexuais, as relações familiares, os modos de produção, a
organização do trabalho – num processo de destruição e reconstrução fruto da autoconfrontação dos indivíduos com o processo de globalização e o dominio de determinadas
certezas da sociedade industrial que ainda povoam o pensamento e a ação das pessoas, como
por exemplo o consenso para o progresso ou a abstração dos efeitos e dos riscos ecológicos
(1997, p. 16).
36 Arilha, Ridenti e Medrado (1998); Heilborn e Carrara (1998) contextualizam o interesse por
esse assunto no Brasil. Para América Latina ver Valdés e Olavarria, 1998.
35
56
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
OLAVARRIA, J. (eds.). Masculinidades y equidad de género en América
Latina, 1998.
Estas coletâneas incluem artigos de autores americanos e
europeus, cujas principais obras — KIMMEL, Michael S. (ed). Changing
men: new directions in research on men and masculinity,1987;
KIMMEL, Michael S., MESSNER, Michael. A (orgs). Men’s Lives. 1994;
CONNELL, Robert W. Masculinities: knowledge, power and social
change. 1995; CONNEL, Robert W. Políticas da masculinidade. 1995
(artigo traduzido); ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de si: uma
interpretação antropológica da masculinidade. 1995; BOURDIEU,
Pierre. La Domination Masculine. 1998 (traduzido para o português em
1999, pela Editora Bertrand do Brasil)37 — vêm subsidiando pesquisas
brasileiras, além de serem também objeto de reflexões críticas38,
consolidando o tema da masculinidade entre os estudiosos das relações
de gênero no Brasil.
Em parte, essa temática surge como reflexo do desenvolvimento
que os estudos feministas e de gênero alcançaram desde a década de
1970 e que demonstravam a necessidade de novas e diferentes
estratégias para maior eqüidade entre homens e mulheres bem como,
para expressão das sexualidades e subculturas sexuais. Os modelos
hegemônicos de masculinidade e feminilidade heterossexuais como via
única na conformação das identidades sexuais e dos comportamentos
têm sido colocados em xeque. Em minha pesquisa, optei em não
abordar a (vasta) literatura que discute o conceito de masculinidade(s),
suas limitações e possibilidades para os estudos de gênero. Contudo,
pareceu-me importante registrar alguns do principais autores que têm
O arrolamento destas referências bibliográficas apenas ilustra e contextualiza o tema da
pesquisa; não é pois exaustivo, destaca, no entanto, obras mais recorrentes, citadas nos
textos consultados.
38 Garcia (1998); Oliveira (1998); Heilborn, Carrara (1998), Correa (1999) entre outros.
37
57
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
influenciado as discussões sobre o assunto, na medida em que
subsidiam as pesquisas sobre paternidade.
Completa o levantamento uma série de artigos e livros de autores
americanos, europeus e latino-americanos, onde a paternidade e o
envolvimento masculino com os filhos vêm sendo estudados mais
atentamente
há
pelo
menos
duas
décadas39.
Boa
parte
desta
bibliografia tem subsidiado as pesquisas no Brasil.
Os estudos sobre a paternidade poderiam ser classificados em,
pelo menos, dois recortes: 1) estudos de caráter histórico40 (incluindo
uma abordagem a partir da mitologia); 2) estudos sobre identidade
masculina. Dentre esses últimos, alguns trabalhos fundamentam-se
sobretudo em depoimentos autobiográficos41, numa
tentativa
de
mostrar que é perfeitamente possível ao homem falar de suas
experiências
cotidianas
intencionalmente,
tendem
e
conflitos
a
pessoais;
essencializar
a
mesmo
não
masculinidade,
generalizando uma experiência que pode ser socialmente distinta.
Os estudos sobre identidade masculina são uma interface das
discussões sobre paternidade. Ser ou não pai, biológico ou não, é um
dos elementos que caracterizam, em cada cultura, de maneiras
distintas, a identidade masculina. Os estudos sobre o “novo pai” direta
ou indiretamente acabam remetendo à existência de um “novo homem”
Ver Lamb (1982); Lamb, Sagi (1983); Lamb (1983); Eisikovits (1983); Jalmert (1990); Näsman
(1990); Combes, Devreux (1991); Singly (1993); Sachs (1994); Engle (1995); Evans (1995);
Neale, Smart (1995).
40 A partir de uma perspectiva histórica há o livro de Jacques Dupuis: Em nome do pai: uma
história da paternidade. São Paulo : Martins Fontes, 1989. Trata-se de uma análise histórica
que atribui ao período neolítico a descoberta da paternidade. Para o autor teria sido no quinto
milênio que egípcios e indo-europeus se conscietizaram do papel do homem na procriação.
Esse conhecimento teria dado origem à revolução social que subverteria particularmente as
estruturas familiares, a vida sexual, as religiões e suas mitologias. Sobre um análise da
paternidade a partir da mitologia ver Colman, Arthur, Colman, Libby. O pai: mitologia e
reinterpretação dos arquétipos. São Paulo : Cultrix, 1991.
41 Cito como exemplo na literatura brasileira: Gadotti (1985); Montgomery (1992); Von (1992),
Nolasco (1993, 1995). Nos EUA a principal referência do denominado “movimento mitopoético”
é o best seller Iron John, de Robert Bly, traduzido no Brasil como João de Ferro. Rio de
Janeiro : Campus, 1991.
39
58
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
e
evidentemente
problematizam
o
modelo
de
masculinidade
hegemônico42.
Ao contrário dos estudos sobre mulheres, as pesquisas sobre
paternidade não surgiram exatamente a partir de reflexões sobre a
condição masculina, menos ainda sobre a opressão masculina. Em
geral, enfatizam as conseqüências da ausência paterna ou do divórcio
na relação pai-filho e, em alguns casos, não deixam de lado
preocupações quanto aos efeitos da paternidade no desenvolvimento
moral da criança e na definição da identidade sexual heterossexual
(Lamb, 1982). Curiosamente, a ênfase parece recair muito mais na
necessidade de ampliar a presença física e simbólica do pai —
referência para modelar comportamentos e minimizar os efeitos de uma
ausência no ajustamento psicológico das crianças —, e menos na crítica
ao modelo de estrutura das relações de gênero.
A influência da psicologia nesses estudos é bastante evidente. De
maneira geral, a paternidade é focalizada a partir de dois eixos que
destacam: 1) uma suposta mudança na identidade masculina e nas
relações familiares — o “novo homem” e o “novo pai” são expressões
recorrentes; 2) a necessidade do envolvimento masculino na vida
familiar e com os filhos, como meio de viabilizar transformações nas
relações de gênero, além de atender às necessidades básicas das
famílias, particularmente das crianças43.
Sobre esse assunto consultar: Connel (1995); Kimmel (1987; 1992); Almeida (1995); No
Brasil, Medrado (1998); Oliveira (1998); Nolasco (1995); Nascimento (1999) entre outros.
43 Judith Evans (1995) conta que em 1994, Ano Internacional da Família, discutiu-se em vários
países a respeito das políticas sociais que pudessem auxiliar famílias carentes. Em geral,
essas políticas são voltadas para as mulheres e crianças (e por isso as políticas sociais para
famílias acabavam sendo vistas como uma questão das mulheres), mas nesse a ênfase das
discussões foi a importância do homem para a vida das crianças. Uma recomendação do
Conselho de Ministros Europeus sugeria a promoção e o encorajamento de uma maior
participação masculina na vida familiar. Isso implicaria em discutir o envolvimento de homens
em serviços para as crianças, uma mudança cultural do ambiente de trabalho de forma a
apoiar esse envolvimento no cuidado infantil, atuação junto à mídia como divulgador da
importância dessa participação etc.
42
59
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Nas pesquisas sobre o “novo pai”, a “nova paternidade” e mesmo
“novo homem”, o psicólogo Michael Lamb aparece como a principal
referência entre os que pontuam as mudanças contemporâneas nas
relações parentais a partir de uma participação mais efetiva dos
homens no cotidiano familiar. Lamb e seus colaboradores (1983) têm
enfatizado a necessidade de analisar mais detidamente a atuação do
homem na família e de investimentos em políticas sociais para dar
suporte à participação masculina. O tema da paternidade tem sido
também abordado por pesquisas que relacionam identidade masculina e
paternidade. Há uma tendência, nestes casos, a situar as discussões
sobre uma suposta “nova paternidade”, com o surgimento de um “novo
homem”, configurando uma “nova heterossexualidade”, da qual faz
parte a crítica a uma masculinidade hegemônica que se pensa no
singular.
Numa perspectiva não muito distinta, no Brasil, Sócrates Nolasco
(1995) reforça os estudos sobre a paternidade, em especial os mais
recentes, que procuram desmontar um modelo tradicional de pai e de
masculinidade, questionando denominações tais como “bom pai”, “pai
honrado”, “pai provedor”, que se sobrepõem a expressões como
virilidade, iniciativa e objetividade. Há um esforço em afirmar a
importância do envolvimento paterno com o filho: “do vínculo da
obrigação passa-se para o vínculo de afeto e prazer”. Autores como
Nolasco têm-se preocupado em questionar o papel masculino na
sociedade contemporânea, que restringe e constrange as subjetividades
masculinas, propondo um outro modelo de comportamento, que não
aquele do “homem máquina”.
Outra tendência nos estudos é a de explorar as denominadas
famílias não-tradicionais (Lamb, 1982), nas quais os homens têm maior
ou igual responsabilidade pelo cuidado diário com seus filhos,
motivados por um novo estilo de vida ou porque ambos, homem e
60
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
mulher, trabalham em tempo integral. Algumas pesquisas mostram que
os efeitos dessas mudanças não são tão perversos quanto poderia se
supor. Graeme Russel (1982) constata, por exemplo, que nas famílias
australianas em que homens e mulheres trabalham fora, o pai tende a
contribuir mais no cuidado com as crianças do que os maridos de
mulheres que não trabalham44. Outra pesquisa, realizada por Phyllis
Moen
(1982),
mostra
que
homens
cujas
mulheres
trabalham
despendem 1,8 hora em trabalho doméstico e 2,7 horas no cuidado com
os filhos por semana a mais do que maridos de mulheres que não
trabalham. Cabe destacar que a natureza do trabalho de cada cônjuge,
que afeta, por exemplo, a disponibilidade de tempo, interfere na forma
como ocorre a divisão do trabalho doméstico.
Mais recentemente, na década de 90, as discussões sobre
maternidade e paternidade têm sido influenciadas especialmente pela
introdução de novas tecnologias reprodutivas e suas implicações para
os direitos reprodutivos e para a saúde das mulheres. A crescente
interferência da medicina procriativa tem fomentado um novo leque de
discussões e estudos, reavivando as indagações sobre a dicotomia
natureza (feminino) e cultura (masculino). Certos autores destacam a
polêmica provocada pelo desenvolvimento de algumas tecnologias
reprodutivas como formas de apropriação pelos homens do corpo
reprodutor feminino e conseqüentemente das crianças, ou então como
forma de questionamento da paternidade e da maternidade45. A essas
discussões, somam-se pesquisas sobre identidades sexuais, vida
reprodutiva e sexualidade masculina, e questões relacionadas à
violência.
Na pesquisa de Graeme Russel (1982) com famílias australianas, dentre os motivos
apontados para a opção de um estilo de vida no qual as responsabilidades com os filhos são
divididas, 6 famílias disseram que era porque o marido estava desempregado, 19 por causa
dos benefícios financeiros, 12 por causa da carreira (inclusive da mulher), 13 pela crença de
que essa é uma tarefa que deve ser compartilhada.
45 Mais adiante irei explorar essa questão a partir da análise de Marilyn Strathern do impacto
das tecnologias reprodutivas sobre a cultura urbana contemporânea, naquilo que tange o
parentesco, a paternidade e maternidade (ver também: Ferrand, 1989; Scavone, 1995).
44
61
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A paternidade tem sido objeto de investigação de autores também
preocupados com o crescimento, nas famílias carentes, do desemprego
masculino — muitas vezes apontado como uma das causas da
desagregação familiar — e das famílias chefiadas por mulheres —
fenômeno associado à pauperização das mulheres. Essas pesquisas, em
geral, visam subsidiar políticas sociais, especialmente para os países do
Terceiro Mundo. Nessas abordagens o homem é apontado como um ator
importante
para
a
saúde
e
para
o
desenvolvimento
infantil.
Argumentam, por exemplo, que os homens, em muitas sociedades, ao
ocuparem espaços de poder fora da família, atuando como líderes
religiosos, comunitários, como professores, agentes de saúde etc. podem
contribuir para a implementação de programas sociais (Evans, 1995,
Mundigo, 1995).
No
Brasil,
as
pesquisas
sobre
paternidade
não
diferem
substancialmente das anteriormente citadas. A maioria delas situa-se
no campo da psicologia social e sustenta seus argumentos a partir das
concepções de Nancy Chodorow e Michael Lamb.
A idéia de que uma “nova paternidade” estaria surgindo situa
várias dessas pesquisas numa mesma linha de argumentação: a da
paternidade como um momento de redefinição do lugar do homem na
família e na sociedade contemporânea. Esse homem é marcado por
ambigüidades, por conflitos etc., pois atrelado a valores tradicionais. A
literatura psicológica tende a analisar a paternidade a partir do impacto
de uma participação mais ou menos efetiva no desenvolvimento infantil
e a partir dos efeitos do divórcio e a conseqüente disputa pela custódia
dos filhos. A participação dos homens no pré-natal e durante o parto é
definida como um marco na passagem para a “nova” paternidade
(Souza, 1994).
62
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Karin Von Smigay (1992), por exemplo, investiga a “paternidade
negada” a homens de camadas médias e altas, cujas parceiras
praticaram aborto. Esta psicóloga destaca que a vivência da gravidez
intensifica um sentimento de ambivalência em relação ao próprio pai,
com manifestação de disputa e inveja da capacidade geradora da
mulher. Há uma reativação dos conflitos relativos à sexualidade e
sentimentos
de
incapacidade
quanto
ao
papel
paterno.
Esses
fenômenos são denominados por ela de “psicose da paternidade”. A
paternidade é analisada como um ritual de passagem marcado por
conflitos e expressões de afetividade.
Focalizando o impacto das experiências vividas por homens na
construção da paternidade, Ilda Caruso (1986) analisa o depoimento de
dez homens, com diferentes níveis de escolaridade e origem sócioeconômica. A partir de uma perspectiva psicológica, conclui que a
paternidade
é
representada
como
possibilidade
de
garantir
a
continuidade genética, sendo o filho o meio dessa perpertuação;
significa crescimento, reajustamento psicológico e independência em
relação à família de origem.
Investigando
o
processo
de
transformação
da
identidade
masculina, a partir da paternidade de homens que ficam com a
custódia dos filhos após o divórcio, Rosane M. Souza (1994) observou
que os homens entrevistados por ela de início concentravam-se na
organização da casa e no ajuste da rotina dos filhos, perseguindo na
vida familiar um padrão semelhante ao do mundo do trabalho; depois,
diante das necessidades afetivas dos filhos, as dificuldades favoreceram
um funcionamento familiar mais flexível e incitaram a um processo de
transformação individual, sem, contudo, questionamento da função de
provedor. Para Souza, o fato de os homens não lutarem pela custódia
dos filhos após a separação reforça a idéia de que a paternidade diz
respeito mais à satisfação pessoal de ter um filho (reafirmação da
63
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
masculinidade e, mais do que isso, a garantia da perpetuação) e menos
ao desejo de estabelecer uma relação concreta com o filho.
As representações de paternidade a partir de uma perspectiva de
trajetória de vida, isto é, a relação avô-pai-filho, foram investigadas por
Lilian A. Carvalho (1989). Segundo suas conclusões, muito do padrão
da família de origem permanece, mesmo quando as mulheres trabalham
fora. A aproximação com os filhos é maior do que em relação à família
de origem e se expressa num diálogo mais aberto.
No campo da saúde, destacam-se dois trabalhos: o de Célia C.
Oliveira (1983) e de Alexandrina Maciel (1994). O primeiro faz uma
análise do sentido ideológico da política de controle da natalidade no
período das décadas de 1970 e 80 no Brasil. Já Maciel, focalizando a
gravidez e o parto, entrevista pais e profissionais da saúde com o intuito
de verificar a possibilidade de uma nova definição para o “ser homem”.
Suas considerações finais indicam que, embora o homem esteja
receptivo às transformações (participando do processo de gestação e do
parto), ele ainda está preso ao estereótipo masculino representado na
figura do pai protetor e provedor material.
Numa perspectiva antropológica, Marion T. de Quadros (1996)
investigou as representações masculinas do papel de pai e de mãe no
cotidiano de famílias de camadas médias recifenses. Procurou verificar
a existência ou não do fenômeno da “nova paternidade” e de como
ocorre o envolvimento e a participação do pai no cotidiano familiar.
Conclui que os pais mais participativos tendem a apresentar maior
proximidade e afinidade com o cônjuge e com os filhos, porém a maioria
dos pais que entrevistou participava pouco do cotidiano familiar,
reafirmando relações conjugais assimétricas e conflituosas.
A gravidez na adolescência tem sido um tema vastamente
abordado, mais especificamente como um fenômeno social afetando
64
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
precocemente a vida de milhares de meninas, contudo a paternidade
adolescente tem sido pouco explorada. Pretendendo suprir essa lacuna,
Jorge Lyra (1997) não só desenvolveu uma pesquisa sobre o menino
adolescente e sua vida sexual e reprodutiva, como elaborou uma
proposta de intervenção específica nesse grupo. Trata-se do projeto
Paternidade Adolescente: Construindo um Lugar, desenvolvido com bolsa
individual do Fundo de Capacitação e Desenvolvimento de Projetos da
Fundação MacArthur (1997-1999). O projeto resultou no Programa
PAPAI, que tem promovido ações e estudos em saúde e relações de
gênero. As ações estão voltadas particularmente para a participação de
jovens adolescentes (com ênfase na população masculina de Recife,
Pernambuco) no campo da sexualidade e reprodução. A iniciativa de
Lyra se coaduna com uma proposta mais ampla de organismos
internacionais
de
promover
políticas
sociais
de
atendimento
à
população masculina quanto às demandas saúde, sexualidade e
reprodução, sem contudo, neste caso, deixar para um segundo plano a
reflexão teórica46.
O lugar do pai
Procurei
apresentar
um
sucinto
panorama
da
produção
acadêmica sobre paternidade. Alguns desses estudos discorrem a
respeito das vantagens, tanto para os homens como para as mulheres e
as crianças, de um maior envolvimento masculino com as atribuições
familiares. Se há vantagens é preciso pensar em como se constitui o
lugar do pai na família contemporânea.
Estudos etnográficos revelam que em todas as sociedades há
sempre alguma forma de organização do trabalho, no interior da qual os
homens participam na criação dos filhos. Margaret Mead (1971), por
46
Para maiores informações consultar o site: http://www.ufpe.br/papai.
65
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
exemplo, interpreta como uma conduta nutridora do homem a busca
por alimentos para a mulher e a prole47. O homem aprende que deve
alimentar e cuidar daqueles que fazem parte do seu núcleo de
convivência, podendo ser a família consangüínea ou não. Em muitas
culturas, o pai representa uma importante figura na educação e
formação do jovem, em especial dos meninos, não só no aspecto moral,
mas de aprendizado dos costumes, tradições e ofícios. Rivka Eisikovits
(1992) cita o exemplo dos esquimós que levam seus filhos de 6 e 7 anos
para as caçadas, assim como os Kpelle da Libéria. A atividade dessas
crianças consiste em observar os adultos e eventualmente ajudar em
alguma coisa, iniciando seu aprendizado. Outro autor (Evans, 1995)
lembra os costumes dos muçulmanos, cujas mulheres raramente
podem sair de casa. O pai muçulmano é o elo da criança com o mundo
fora da casa, é ele quem a leva para a escola e o médico. O pai precisa,
neste caso, saber quais são as necessidades de seus filhos. No entanto,
esse envolvimento paterno não se traduz em relações mais igualitárias
(ao menos segundo uma concepção ocidental de igualdade de gênero);
ao contrário, nesse caso, a ideologia religiosa reforça a distinção de
gênero: homens na rua (na vida pública/política), mulheres em casa.
A organização do trabalho e a concepção de que as mulheres e as
crianças devem ser sustentadas e protegidas variam de cultura para
cultura; em nossa sociedade, por exemplo, o padrão é geralmente o do
homem sustentando sua família biológica. No entanto, o crescente
número
de
famílias
chefiadas
por
mulheres
que
assumem
as
responsabilidades pelos filhos demonstra a exigüidade do tempo de
relação pai-filho nas sociedades contemporâneas, podendo facilmente
ser abolida, ao contrário do elo mãe-filho.
47
Na sociedade trobriandesa, estudada por Malinovski, o homem também desempenha uma
função nutriz. No intercurso sexual com uma mulher grávida, o homem garante o
desenvolvimento do feto, dá-lhe forma e feição, é, portanto, nutridor e criador (Ver Strathern,
1995).
66
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Recentemente,
tal
exigüidade,
aliada
às
novas
tecnologias
reprodutivas, veio à baila com a polêmica da “Síndrome do Nascimento
Virgem”. Marilyn Strathern (1995) explica que a Síndrome48 foi assim
denominada a partir das reivindicações de um grupo de mulheres, na
Grã-Bretanha em 1991, pelo direito de gerar filhos sem relações
sexuais, recorrendo à inseminação artificial.
Um desejo, aparentemente tão natural, pois é esperado que as
mulheres queiram ter filhos, causou significativo impacto na imprensa e
na comunidade científica. A “Síndrome do Nascimento Virgem” gerou
polêmica porque essas mulheres buscavam o processo de inseminação
sem uma necessidade aparente, movidas apenas pelo desejo de
engravidar sem ter relações sexuais. Em circunstâncias como essas a
concepção não tinha o objetivo de unir pessoas, não criava a
parentalidade. Para existir a parentalidade, segundo Strathern (1995),
pressupõe-se o parentesco, a existência de dois indivíduos iguais em
termos de doação genética e desiguais nas relações sociais que
estabelecem entre si e com a criança.
O debate promovido a partir do desejo desse grupo de mulheres
reavivou, de um lado, as discussões em torno das práticas das clínicas
de inseminação e, de outro, a importância da família nuclear
heterossexual, mais especificamente, a família como a vêem os euroamericanos49,
uma
formação
de
relacionamentos
com
base
na
procriação, que atribui significado à parentalidade.
Um aspecto polêmico é que a iniciativa dessas mulheres
desmonta a relação existente entre o ato sexual e a concepção na
Essa polêmica, segundo a autora, já havia aparecido nas décadas de 60 e 70, denominada
então de Polêmica do Nascimento Virgem e referia-se a depoimentos etnográficos (de
comunidades da Austrália, Melanésia, mais especificamente nas ilhas Trobriand) sobre
concepções que desvinculavam a reprodução do ato sexual.
49 A autora embora utilize um acontecimento europeu para tecer sua análise, considera que
trata de “características de sistemas de parentesco que abrangem tanto a América do Norte
quanto a Europa” (p.306) e por isso usa o termo euro-americanos.
48
67
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
definição do pai. Tanto na representação da classe médica quanto no
senso comum euro-americano, a problemática estava em que, ao negar
a relação sexual, aparentemente essas mulheres estariam negando a
necessidade da presença de um pai. As tecnologias reprodutivas
deveriam ter um único objetivo, ajudar as relações físicas, o intercurso
sexual,
mantendo
intacto
o
processo
“natural”
da
procriação.
Entretanto, as mulheres virgens que solicitam os tratamentos de
fertilidade a fim de evitar relações sexuais desmontam esse princípio e
evidenciam o lugar “generificado” (gendered) do clínico que concebe com
a ajuda da tecnologia um bebê. O pedido de inseminação para evitar o
intercurso
significa
que
não
há
nenhum
pai
pretendido,
e
simbolicamente transforma o médico no único parceiro sexual.
A princípio não é imperativo explicar a “necessidade da mãe”, ela
é presumida, por ser socialmente inconcebível para os euro-americanos
(eu acrescentaria, para os latino-americanos também) que um filho
nasça sem mãe50. A legislação sobre o uso de tecnologias reprodutivas
prevê em algumas circunstâncias a fertilização a partir de material
genético de uma terceira pessoa — nos
casos
de
doação
de
espermatozóides é garantido o anonimato do doador, isto é, o pai
biológico não é reconhecido. Além disso, socialmente a idéia de que um
filho nasça sem pai não é um sentimento que provoque indignação
moral. Há, porém, a pressuposição da possibilidade de existência de um
pai, se não biológico, ao menos social. Os homens podem desejar uma
relação sexual e não desejar o filho que dela resulta, e isto não
incomoda. O desejo das mulheres da “Síndrome do Nascimento Virgem”
é justamente o contrário. Para Strathern, essa polêmica se revela
incoerente, uma vez que culturalmente é esperado que as mulheres
tenham filhos e é socialmente aceito o descaso paterno.
50
Supõe-se que com os avanços das novas tecnologias num futuro bem próximo já será
possível desenvolver em útero artificial um embrião humano.
68
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Aparentemente, a questão, nesse caso, seria que essas mulheres
estariam negando aos homens o exercício da opção de assumir ou não a
paternidade: eles dependem da presença física das mulheres para se
constituírem como pais; elas, por sua vez, não dependem diretamente
deles para serem mães — as tecnologias reprodutivas garantem a
fertilização. Por outro lado, o que também causou indignação foi o fato
de elas deixarem evidente que não queriam jamais ter relações sexuais.
Na sociedade euro-americana, é desejável que as crianças
convivam com os pais para que possam aprender o significado do
relacionamento amoroso. A relação sexual seria o fundamento do amor
conjugal, cuja importante função simbólica consistiria em realizar uma
necessidade
biológica,
estimular
o
amor
entre
os
pais
e
conseqüentemente o amor destes pelos filhos. Essa seria a descrição de
uma família ideal e, portanto, deveria ser preservada como forma de
manter o sistema social. As mulheres da “Síndrome do Nascimento
Virgem”, ao planejarem ter filhos sem o intercurso sexual e, portanto,
negando a existência de um pai, ameaçariam esse ideal.
(...) as mulheres são as guardiãs do ideal. São elas que têm de
mostrar que a procriação é um fato natural, estabelecer a
possibilidade de sua criança ter um pai, e, dispondo-se ao
intercurso
sexual,
mostrar
que
os
filhos
nascem
necessariamente de relacionamentos (Strathern, 1995, p. 3145).
Strathern chama a atenção para o fato de que essa argumentação, ao
pressupor que o intercurso faria o pai e a mãe e, por tabela, a família,
desconsidera que o ato sexual reúne pessoas que são diferenciadas pelo
gênero e que, portanto, atribuem significados específicos não só ao ato
em si, mas à relação que dele poderá eventualmente decorrer. Isto
posto, a autora afirma que para as sociedades euro-americanas a
relação mãe-filho em si e por si não significa sociabilidade, havendo a
necessidade de uma terceira pessoa – o pai –, que teria a função de
promover essa sociabilidade.
69
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Outra questão importante levantada por Strathern diz respeito às
interferências de ordem biológica que a cultura incorpora na definição
de pai e mãe. Por exemplo, a definição da parentalidade física e jurídica
é fundamentada no caráter biológico (a mulher engravida e tem o parto).
O filho, porque gestado no ventre materno, é quem define a mãe,
estabelecendo um processo no qual o ato sexual está subsumido. E é a
mãe quem, por sua vez, define o pai. No caso da polêmica, o implante
de um embrião não bastaria para criar uma mãe e muito menos um
pai. É preciso o desejo dos parceiros conjugais um pelo outro e
conseqüentemente pelo filho. O esforço humano estaria em promover o
relacionamento que fará o filho e a gravidez seria um processo biológico
(quase) inevitável.
Mesmo que a gravidez seja fruto de um intervenção clinica, está
presente a idéia de um pai social, ou seja, a criança nasce como uma
pessoa que necessita de relacionamentos. É o filho quem cria a
possibilidade de união entre indivíduos que são primeiramente distintos
quanto ao sexo e, segundo, quanto ao gênero, uma vez que cada um,
homens e mulheres, atribuiria significados diferentes à relação. É o
filho quem determinaria o pai e a mãe.
Não é objetivo desta pesquisa discutir o impacto das tecnologias
reprodutivas nas representações de família das sociedades ocidentais,
porém a discussão posta por Strathern nos mostra que o pai
desempenha uma outra atribuição além daquela de sustentar sua
família ou de exercer a autoridade moral. O lugar de pai lhe é
assegurado até mesmo independentemente do vínculo biológico.
Este pai soma um conjunto de valores simbólicos, presentes
mesmo quando se encontra fisicamente ausente, mas considerados
socialmente fundamentais para a organização de qualquer arranjo
familiar. Strathern tem o cuidado de não afirmar que a necessidade do
pai é a necessidade de família, ela fala em relacionamentos. E talvez seja
70
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
uma expressão adequada, se considerarmos os diversos arranjos, que
sempre acabamos denominando como “famílias”, que alteram o
referencial fundado no modelo de família conjugal heterossexual. A
paternidade,
relacionamento
portanto,
que
irá
virá
conformar-se
a
ser
por
intermédio
estabelecido
do
entre
homem/mulher/criança; relacionamento por sua vez mediado por
variáveis como gênero, geração (diferencial de idade) e contexto sóciocultural.
Por suposto, o lugar do pai, atrelado a valores simbólicos, parece
marcado particularmente por um conjunto de obrigações para com os
filhos. A partir desse pressuposto todo um sistema defensivo é
construído, desde o legislativo até às políticas sociais, que determina a
paternidade a partir de suas conseqüências familiares e institucionais:
o sobrenome que é dado pelo pai, o reconhecimento paterno, as
diversas obrigações jurídicas para o sustento dos filhos, as leis
referentes à herança etc. (Parceval, 1986).
Até aqui busquei descrever o percurso de minhas reflexões a
partir de uma série de leituras que culminaram na proposta de
investigar como a paternidade e a paternagem vêm sendo elaboradas
por homens de camadas médias, que residem na cidade de São Paulo.
Entendo que o lugar de onde as pessoas falam imprime alguma
especificidade à sua visão de mundo, sendo este lugar referente a uma
posição social de classe, de idade, de sexo e até mesmo de localidade.
Assim, antes de debruçar-me sobre os temas que explorei a partir dos
depoimentos, apresentarei um capítulo contextualizando a pesquisa, o
lugar de onde os homens/pais que entrevistei estão falando. Aproveito
para situar a pesquisa em relação aos estudos sobre família, tema
relacionado à pesquisa. E, por fim, apresento os critérios de seleção dos
entrevistados e um perfil biográfico sobre eles, com o objetivo de
introduzi-los como sujeitos desta história que estou construindo.
71
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Capítulo 3
O contexto da pesquisa
Onde foi a esquina já não é. Já não é
a torre onde ficou. E a praça, a grama,
o angico, onde foram? Onde foi
o rio, agora é rua, e essa em que te
enuncias é pedra que foi antes
sol que será lodo. Onde hoje é o
café, pois aí foi livraria.
Onde foi o silêncio não será jamais.
(...)
Branco universo de aço e papel,
nunca o imprevisto, nunca a surpresa
em tua agenda terão lugar.
Tuas cores faltam, tuas flores cautas
mal se advinham. Fragor é música
aos teus ouvidos. Martelo e estaca
embalam sonhos aterradores.
(...)
(Afrânio Zuccoloto, Porto Geral)
Este poema de Afrânio Zuccoloto foi citado por Florestan
Fernandes no artigo O homem e a cidade-Metrópole (1974), publicado a
primeira vez em abril de 1959, no Diário de São Paulo. O poema fala de
um lugar que já não é o mesmo, de um lugar metaformoseado pela
urbanização,
pela
industrialização,
um
processo
constante,
ininterrupto, cadenciado no som barulhento do martelo e da estaca, dos
motores de carros. São Paulo, a capital, é assim dinâmica, febril,
barulhenta, tumultuada, onde se pode ser tudo e nada ao mesmo
tempo, é moderna ou, como querem alguns, pós-moderna. Com seus
quase 10 milhões de habitantes, caras e bocas de diferentes etnias e
nacionalidades, é uma cidade de “fronteiras móveis, capaz, de manter,
alimentar e expandir extensas zonas suburbanas, compensando assim
pela extensão horizontal o rápido crescimento vertical que a afetou”
(Fernandes, 1974).
72
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A industrialização acelerada e a transformação urbana definiram
um cenário ecológico caótico. Se de um lado, o crescimento urbano
favoreceu a distribuição e ocupação do espaço social, de outro essa
ocupação foi também marcada por condições precárias de serviços
públicos. Como bem observou Florestan Fernandes há quatro décadas:
“No conjunto o homem conquistou o espaço, mas não o domesticou no
sentido urbano”.
Maior cidade da América Latina, graças à uma mobilidade
demográfica intensa, São Paulo recebe pessoas do interior do Estado, de
outros Estados brasileiros e de países estrangeiros. Aqui primeiro os
senhores rurais e os estrangeiros conseguiram depressa afirmar-se
econômica e socialmente. Em busca dessa mesma oportunidade de
ascensão social e de enriquecimento, muitos migrantes continuam
chegando a São Paulo51. As “tradicionais famílias” paulistanas do final
do século passado foram diluídas em meio a uma massa de
“estrangeiros” vindos de todas as partes, que traziam na bagagem
interesses, costumes e valores próprios instituindo uma ordem moral e
social peculiar, credenciando São Paulo à modernidade. Em suas
avenidas e praças centrais acontecem manifestações sociais e políticas,
cujo berço foi a luta contra a escravidão e as campanhas republicanas.
As minorias e os contestadores de toda ordem e ideologias encontram
em São Paulo espaço e ouvido para seus clamores. Esse contexto
urbano foi sendo desenhado por uma divisão social do trabalho e
desenvolvimento industrial que inaugurou um processo de mudanças
significativas em todas as esferas da vida social.
Como
observou
Florestan
Fernandes,
o
acelerado
desenvolvimento sócio-econômico de São Paulo estabeleceu “condições
51
Sobretudo nos anos 60 e 70 o processo de migração foi marcante, como parte de um processo
de expansão econômica e intensa urbanização. Boa parte do contingente de migrantes se
instalou na periferia paulista e compõe a massa de trabalhadores: operários, autônomos de
baixa renda, pequenos comerciantes, ambulantes etc. Ver Durham, 1978, Sarti, 1996.
73
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
favoráveis à expansão da sociedade de classes, ao funcionamento da
democracia e à constituição de um sistema educacional complexo,
suscetível de servir como um canal de peneiramento e de ascensão
sociais.”(1974:299). E por isso é uma cidade de contrastes sociais
marcantes, conseqüência de seu crescimento desordenado, de uma
distribuição de renda desigual refletida na coexistência do luxo com a
miséria. São Paulo congrega bairros sofisticados fronteiriços com
bairros populares e favelas.
O crescimento urbano, comercial e industrial associado a
políticas
econômicas
e
sociais
pouco
eficazes
favoreceu
essa
segmentação: de um lado segmentos sociais carentes de infraestrutura
básica e de outro o desenvolvimento de um segmento médio constituído
de
profissionais
liberais,
pequenos
comerciantes,
industriais
e
funcionários públicos. O ideário desenvolvimentista, da década de 50,
expandiu esse segmento social, fortalecendo-lhe uma característica — a
flutuação social, econômica e política — descrita já em 1959 por
Florestan Fernandes:
Estas constituem uma condição importante ao equilíbrio de
uma sociedade de classes e à estabilidade do regime
democrático. Apesar de sua insegurança econômica e de sua
labilidade política, as classes médias exercem papel influente
nos movimentos de opinião e nas decisões que ponham em
choque valores centrais da ordem estabelecida. Pois bem, as
tendências à ampliação das classes médias em São Paulo, e à
diferenciação dos níveis de vida no seio delas estão sofrendo
rudes golpes sob o processo inflacionário. Seus estratos mais
baixos tendem a nivelar-se com o proletariado; enquanto os
estratos mais altos se encontram na contingência de recorrer
ao endividamento para manter um nível de vida conspícuo e
salvar as aparências. (1974:303).
O
desenvolvimento
brasileiro
sempre
esteve
marcado
por
um
movimento de fluxo e refluxo, que imprimi significativas mudanças na
estrutura social, econômica, política, geográfica e espacial em todo
território nacional, e em particular nos grandes centros urbanos.
74
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O panorama econômico da década de 1980 e início de 90 está
associado
a
desequilíbrios
decorrentes
dos
sucessivos
planos
econômicos, déficit público e inflação. Em apenas uma década (19861994), logo após o processo de abertura política, o país passou por seis
planos de estabilização econômica (o Cruzado I, Cruzado II, Plano
Bresser, Plano Verão, Brasil Novo e Real). Período que também
correspondeu à consolidação democrática e a elaboração de uma nova
Constituição em 1988, e um longo processo de eleições livres. Tratou-se
de um processo de mobilidade social e expansão da sociedade de
consumo acompanhada de desigualdade, de mudanças na estrutura de
ocupação no mercado de trabalho; marcada pela insuficiência na
criação de empregos na indústria e pela concentração da pobreza nas
áreas metropolitanas (Faria, 1984). Esse processo de mudanças de
ordem política, social e econômica afeta a vida cotidiana e as relações
sociais.
Já em 1902, Georg Simmel (1979), observa que nas metrópoles
convivem e se confrontam visões de mundo diferenciadas, e tantas
vezes antagônicas, que produzem combinações geradoras de novos
significados. Mais do que nunca a metrópole está associada à
pluralidade de modos específicos de recortar e construir a realidade,
com concepções particulares de tempo, espaço e indivíduo.
As reflexões de Simmel parecem ter inspirado Gilberto Velho
(1995) a descrever vivamente o estilo de vida urbano contemporâneo,
retratando elementos que se assemelham às reflexões de Ulrick Beck,
Anthony Giddens e Scott Lash (1997) sobre a modernização reflexiva, já
referida no capítulo anterior:
A cidade tornou-se o locus, por excelência, dessas mudanças
não como receptáculo passivo, mas como produtora de novas
formas de sociabilidade e interação social, de modo genérico.
A explosão demográfica, resultado de mudanças sócioeconômicas, com progressos médicos e sanitários, multiplicou
75
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
muitas vezes em curtos períodos de tempo o número de
habitantes dos principais centros urbanos. As correntes
migratórias e os diversos deslocamentos de população
alteraram a relação tradicional entre cidade e campo. A
divisão social do trabalho, com novas regras e características
do capitalismo em ascensão, destruiu modos de vida
tradicionais, alterando drasticamente tanto as estruturas
sociais como o ambiental natural. As sucessivas inovações
econômicas e tecnológicas, aceleradas a partir do século XVIII,
cujas origens recentes remontavam, pelo menos, aos séculos
XV e XVI, geraram um processo inédito de globalização ao
estabelecerem vínculos econômicos, políticos e culturais entre
quase todas as grandes regiões do planeta (Velho, 1995:228).
Uma metrópole como São Paulo não inaugura a heterogeneidade, mas
associada a todos esses elementos transformadores revela-se como um
espaço paradigmático de novos modos de vida. Ou como diz Velho, a
“interação intensa e permanente entre atores variados, circulando entre
mundos e domínios, num espaço social e geograficamente delimitado, é
um dos seus traços essenciais” (p.229); e que só pode ser compreendido
se associado, segundo este antropólogo, à formação de um mercado
mundial, à expansão da moeda como meio de troca universalizante e à
ampliação do horizonte de trocas materiais e simbólicas.
A divisão do trabalho numa sociedade como São Paulo propicia o
surgimento de tarefas e carreiras, profissões que expandem quantitativa
e qualitativamente as alternativas; oferecendo-se como espaço de menor
controle social e de maior autonomia, ainda que relativa. O alto nível de
especialização da sociedade moderna oferece a possibilidade do
indivíduo transitar entre mundos e esferas diferenciadas; a própria
fragmentação do trabalho tende a desenvolver áreas e domínios
especializados de sociabilidade, crenças religiosas, atividade política etc.
Nesse
trânsito
o
confronto
com
valores
tradicionais
produz
combinações, sínteses conflituosas que caracterizam a reflexividade
institucional apreciada por Giddens (1997), e que permitem aos
indivíduos “transitar entre domínios e papéis, num processo de
76
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
constante metamorfose”, na expressão de Gilberto Velho (1995, grifo do
autor). Isto não significa, como ele mesmo alerta, que “poderosas forças
históricas e sociais — e, por que não dizer tradicionais52 —, que
estabelecem tendências, direções e limites” atuem sobre as biografias
individuais ou sobre determinados estilos de vida.
A clareza de que uma metrópole como São Paulo incorpora visões
de mundo e estilos díspares, que produzem formas alternativas de
arranjos sociais e de formas de identidade social, reforça a necessidade
de situar o lugar de onde falam os homens que entrevistei para esta
pesquisa. A visão de mundo destes sujeitos está contaminada pela
agitação febril característica de uma sociedade reflexiva. O bombardeio
cultural, o acesso quase ilimitado a todo tipo de informação, os
modismos, a necessidade de estar “antenado” nas últimas novidades ou
de rejeitá-las e, mais do que isso, de estar integrado a um grupo
formado por pares, são elementos que devem ser considerados na
leitura do discurso destes sujeitos.
É neste contexto que deve ser pensada a paternidade, como
relação que ainda comporta significado constituído a partir de uma
“verdade formular”53 e por isso aceito como verdade incontestável.
Porém, se for considerado o momento histórico atual como “póstradicional”, essa verdade é tratada pela sociedade – então reflexiva –
como verdade proposicional contestável, aberta à crítica. A própria
família aglutina valores como verdades incontestáveis, ainda assim, é a
Refiro-me a tradição no sentido em que Giddens (1997) formula: estruturas normativas de
conteúdo moral obrigatório, relacionadas a memória coletiva e que ao reconstruir o tempo
passado, permitem organizar o tempo futuro.
53 A verdade formular, segundo Anthony Giddens, está restrita ao domínio de alguns que detêm
sua compreensão; envolve aceitação incondicional e atribui eficácia causal aos ritos. Para
pensar a paternagem e a paternidade como um domínio sob a mira da ação reflexiva adotei a
analogia de Scott Lash (1997) para a ciência: “ a ciência, por exemplo, em uma modernidade
precoce, é um campo de especialistas, mas o público aceita suas verdades
inquestionavelmente, como verdades formulares. Somente na modernidade tardia as
afirmações científicas são tratadas pelo público – agora reflexivo – como verdades
proposicionais contestáveis, abertas à ‘articulação discursiva’ e à crítica.” (p. 240).
52
77
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
instituição social que maiores transformações sofreu nas últimas
décadas.
A família como locus de mudanças
Uma das lições aprendidas no desenrolar da pesquisa Família e
Trabalho Domiciliar em São Paulo, foi a de que, quando se vai falar
sobre qualquer tema associado à família, é preciso esclarecer o que se
está entendendo por família.
A literatura sobre esse tema é vasta e percorre várias áreas de
conhecimento: História, Antropologia, Sociologia e Demografia. Em cada
uma delas é possível encontrar uma ampla discussão sobre o
significado do termo família e sobre seu estatuto teórico54. No Brasil,
esse tema só veio ganhar fôlego como objeto de estudo a partir da
década de 70, cujo interesse foi despertado por estudos sobre as
estratégias de sobrevivência das camadas populares e a reprodução do
trabalhador. Também as pesquisas sobre a condição das mulheres
convergiram para o tema das relações familiares. Percebia-se que a
inserção da mulher no mercado de trabalho estava submetida, entre
outras coisas, à sua posição na família, aos ciclos de vida familiar, à
presença ou não de filhos e aos valores. A articulação trabalho e família
(trabalho produtivo/reprodutivo) e a crítica do mito presente na
definição do espaço doméstico como “espaço natural” da mulher,
mobilizaram muitos pesquisadores. Posteriormente, a noção de que a
família deveria ser tomada como grupo de pessoas, cada uma delas com
individualidade própria, inspiraria na década de 80 vários outros
54
Uma primorosa revisão bibliográfica sobre os estudos de família, as várias tendências
teóricas e suas limitações foi realizada por Cristina Bruschini (1989; 1990). Ver também na
Antropologia: Correa, M. (1981); Durham, E.; Sarti, C. (1996); na História (1983); Samara, E.
(1983); Almeida et. al. (1987); Ribeiro, Ribeiro (1995); na Demografia: Berquó (1989); Goldani
(1993), entre outros.
78
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
pesquisadores, notadamente antropólogos, voltados, particularmente,
para as camadas médias.
O nível da formulação teórica a respeito da família demonstra
certo grau de dificuldade em estabelecer uma definição a partir de uma
única vertente teórica. Como bem observou Cristina Bruschini (1989),
os
limites
e
possibilidades
aparecem
em
todas
as
áreas
de
conhecimento que se dedicam ao assunto :
Se na Antropologia predomina a noção de família como grupo
de pessoas ligadas por relações afetivas construídas sobre
uma base de consangüinidade e aliança, durante muito tempo
o pensamento sociológico foi dominado por uma representação
de família como grupo conjugal coincidente com a unidade
residencial. Esse modelo foi reforçado pelos estudos
históricos, que descreviam a transformação de famílias que se
supunha anteriormente mais extensas e que se nuclearizavam
com a industrialização. Na Demografia, que se interessou pela
família em seu papel mediador na reprodução, predominou o
modelo da sociologia funcionalista, para a qual a família é
definida como núcleo conjugal composto do casal e seus
filhos, nos limites de um domicílio comum. (1989 : 9)
É certo, porém, que de lá para cá muitos desses limites foram sendo
superados e a discussão crítica dos estudos sobre família se mantém na
agenda do dia, permitindo que novas pesquisas possam apreender a
diversidade e riqueza das relações sociais que marcam o grupo familiar.
Basta acompanhar as discussões do GT Família e Sociedade, da
ANPOCS e a literatura mais recente.
Tradicionalmente, a representação de família presente em muitas
pesquisas tem sido aquela da família nuclear composta por um casal e
seus filhos, abrigados sob o mesmo teto, nos limites da unidade
doméstica. De acordo com Bruschini (1989, 1990), várias razões podem
ser apontadas para explicar o predomínio dessa forma de organização
familiar nas pesquisas. Entre elas a influência de teorias sociológicas
americanas (marcadas pelas teorias funcionalistas e particularmente
79
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
por
Talcott
industrializadas
Parsons55),
onde
essa
que
analisam
forma
de
sociedades
organização
urbanas
familiar
é
predominante. Outra razão é a possibilidade de investigar formas de
organização e vivência familiar mediante pesquisas domiciliares, com a
adoção de um modelo de família coincidente com a unidade doméstica.
De fato, a organização familiar conjugal é predominante em
muitas sociedades, inclusive na brasileira. Deve-se, porém, ter cuidado
para não descrevê-la ou analisá-la tomando como referência o modelo
tipíco-ideal universal e a-histórico pensado por Parsons, para a
sociedade americana de uma determinada época. A família é mais do
que um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco ou
consangüinidade; é mais do que um grupo cujos indivíduos têm
obrigações específicas. A família, tal como foi definida por Bruschini, é
“um grupo social composto de indivíduos diferenciados por sexo e por
idade, que se relacionam cotidianamente, gerando uma complexa e
dinâmica trama de emoções; ela não é uma mera somatória dos
indivíduos que a compõem, mas sim um conjunto heterogêneo
composto de seres com sua própria individualidade e personalidade. (...)
É também no cotidiano da vida familiar que surgem novas idéias, novos
hábitos, novos elementos, através dos quais os membros do grupo
questionam a ideologia dominante e criam condições para a lenta e
gradativa transformação da sociedade” (1990:80-81).
A História e a Antropologia, em particular, mostram que as
relações sociais observadas no dia a dia entre o grupo conjugal, a rede
de parentesco e a unidade doméstica ou residencial podem apresentar,
55
Talcott Parsons é uma das principais referências nos estudos sobre a família nuclear. Ele a
descreve como pequeno grupo-tarefa, no qual os membros adultos desempenham papéis
altamente diferenciados, assimétricos e complementares, cuja distinção de gênero é marcante.
O homem se caracteriza por ser o líder “instrumental” do grupo, enquanto que a mulher, de
natureza “expressiva”, estaria voltada para os assuntos internos da família, sendo acima de
qualquer coisa mãe e esposa. Mesmo sendo apenas um modelo teórico de análise, essa
descrição de família muitas vezes foi tomada como expressão da realidade social. Entre os
autores que ressaltaram as limitações da concepção parsoniana de família, cito Bott (1976),
Bruschini (1990), Romanelli (1986).
80
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
em diferentes momentos históricos, uma significativa diversidade. A
Antropologia lembra que as relações de parentesco, o casamento e a
divisão sexual do trabalho existem em todas as sociedades, variando
apenas as formas como que se combinam. Alguns historiadores (Ariés,
1977; Poster, 1979), por exemplo, destacam que o modelo nuclear de
família só se consolidou por volta do século XVIII, com a privatização da
instituição familiar e a passagem das funções socializadoras para o
âmbito mais restrito do lar. A família deixa de ser unicamente uma
unidade econômica, tornando-se um espaço de refúgio, de afetividade,
de relações de sentimento entre o casal e os filhos.
No período contemporâneo, dois aspectos irão reforçar, segundo
François de Singly (1993), um certo domínio do destino pessoal sobre o
familiar: um sistema de valores que aprova de certa maneira a
autonomia, desvalorizando a herança material e simbólica, e as
condições objetivas — entre elas o progresso científico-tecnológico —
que aumentam a facilidade desse controle pessoal, autônomo, tal como
a contracepção. Os indivíduos estariam envolvidos numa busca,
explícita ou não, de autonomia pessoal, o que tende a desvalorizar
qualquer relação de dependência com as instituições comunitárias
adscritas. Há uma recusa declarada das pessoas de se prenderem aos
hábitos e uma tentativa de transformar os papéis sociais de marido e
esposa. A recusa é expressa por um duplo movimento de contestação:
da instituição casamento (o crescimento de uniões consensuais é um
exemplo)
e
uma
crítica
à
divisão
do
trabalho
por
sexo
(homem/provedor, mulher/dona-de-casa). Vemos aqui novamente a
idéia de destradicionalização da sociedade moderna, defendida por
Giddens (1993), processo no qual certas práticas tradicionais podem
mudar de status, mas não desaparecem necessariamente.
Com o desenvolvimento das instituições modernas, que deixaram
a família nuclear em um enorme isolamento, declarou-se amplamente
81
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
que as relações de parentesco foram se destruindo. Para Anthony
Giddens (1993) trata-se de uma visão equivocada: para ele, na
sociedade
da
separação
e
do
divórcio,
a
família
nuclear
em
transformação gera uma diversidade de novos laços de parentesco — e
não sua destruição — associada, por exemplo, às chamadas famílias
“recombinadas”56. A natureza desses laços modifica-se à medida que os
indivíduos estão sujeitos a uma negociação maior que a anterior. Tratase da natureza reflexiva das relações sociais, conseqüência da
modernidade, tal como sugerido por Giddens.
Também no Brasil houve a tendência, entre alguns autores, de
apontar para a existência de uma suposta crise/desagregação na
família. Atribuída ao crescimento populacional, à crise econômica, à
violência, aos menores abandonados, a explicação para mudanças era
quase sempre negativa. Ou atribuída a mudanças estruturais, tais
como: padrão de comportamento, diferentes tipos de união, declínio da
fecundidade, aumento das famílias monoparentais, divórcios etc.
(Goldani, 1993)
Cláudia Fonseca (1995) observa que não só no senso comum,
mas também no interior de estudos progressistas – reforçados por uma
retórica da “desagregação”, das “estratégias de sobrevivência” etc. – tem
prevalecido uma idéia evolucionista de família, ou seja, a família antes
extensa, na qual a figura paterna personificava a autoridade, teria se
transformado
na
família
conjugal
contemporânea.
A
crítica
à
desagregação da família, em função da estrutura social capitalista,
remete à idéia de que existiria uma família ideal e que esta
corresponderia à família conjugal comum das camadas médias, quando,
na
realidade,
segundo
essa
autora,
as
sociedades
tendem
historicamente a oscilar entre a conjugalidade e a consangüinidade nos
diferentes segmentos sociais.
56
Cônjuges com filhos de relacionamentos anteriores, mais os filhos (ou não) da atual relação.
82
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O modelo de família conjugal, com o qual se está acostumado a
pesquisar ou trabalhar, não pode ser tomado como estrutura única,
mas como uma dentre outras formas válidas de organização social, tais
como as famílias que contam com apenas um dos cônjuges, entre elas
as chefiadas por mulheres.
A família de classe média:
locus privilegiado de mudanças
A família de classe média, em particular, tem sido considerada
um locus privilegiado da ideologia do individualismo e por isso
possibilitando
comportamentos
inovadores.
De
acordo
com
as
premissas de uma vertente antropológica marcante na década de 80 —
refiro-me particularmente aos antropólogos do Museu Nacional do Rio
de Janeiro57 —, homens e mulheres de camadas médias metropolitanas
apresentariam uma maior predisposição — em função de um nível de
escolaridade mais alto, maior acesso às informações, inclusive às
teorias psicanalíticas e pedagógicas —, para relações mais igualitárias.
É preciso observar que estas características fazem referência a um certo
segmento do conjunto denominado como classe média.
Alguns fatores podem ser apontados como promotores, nas
últimas décadas, de uma acelerada transformação na área dos
costumes. Maria Luiza Heilborn (1995) enumera, por exemplo, a forte
concentração de renda, a existência de um mercado de consumo mais
sofisticado, a redução do tamanho da família, a eclosão dos movimentos
de liberação das mulheres e dos homossexuais, entre outros. Além
disso, o atual comportamento das mulheres em relação ao espaço
familiar e doméstico e uma possível valorização da escolha profissional
57
Vários desses estudos trataram de uma fração muito específica das camadas médias, isto é,
grupos intelectualizados e psicanalizados da zona sul do Rio de Janeiro. Ver particularmente
Velho (1983, 1985), Dauster (1987, 1984, 1990), Salém (1985, 1986,1989), Heilborn, 1992
entre outros. As orientações teóricas que pautam esses estudos repousam em autores como
Georg Simmel e Louis Dumont.
83
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
podem ser, no segmento das camadas médias, um fator desencadeador
de mudanças na relação com o companheiro e nas atribuições
domésticas e com os filhos. E como não há indícios de reversão no
ingresso das mulheres no mercado de trabalho — ao contrário, tem-se
verificado
um
aumento
da
participação
das
mulheres
casadas
(Bruschini, Lombardi 1996) —, pode-se supor que a participação
masculina no cuidado com as crianças e nas tarefas domésticas estaria
se ampliando.
As
famílias
igualitárias
(modernas)
contestariam
a
divisão
tradicional de papéis sexuais e propagariam o esmaecimento das
diferenças
entre
o
masculino
e
o
feminino.
Enquanto
que
o
relacionamento doméstico na família tradicional estaria pautado na
assimetria da autoridade e respeito, na família moderna prevaleceria
uma relação mais aberta, baseada no diálogo e na dedicação aos
aspectos subjetivos e psicológicos da personalidade individual58. Essa
dimensão atingiu, por exemplo, a educação dos filhos, manifestada na
década de 1970 e 80 no crescimento de escolas cuja proposta
pedagógica se mostrava "alternativa” em oposição a um modelo
tradicional de ensino (Revah,1994). Havia aí coerência com a ideologia
do “individualismo libertário” que percorreu o imaginário social da
classe média intelectualizada dos anos 60, trazendo no seu bojo o
questionamento radical de todas as formas de poder e de autoridade, de
negação do sistema político vigente e de contestação aos valores
tradicionais (Salém, 1991).
Apesar de trazer uma significação mais libertária e igualitária
para a família nuclear, destacada da rede de parentesco, esse modelo de
família esbarra em algumas contradições, como quando há separação
dos cônjuges ou o nascimento de uma criança, muitos valores se
aproximam da família tradicional (Salém, 1986 ).
58
Ver também Bruschini (1990).
84
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Parece ser ainda difícil explicar a tensão entre os princípios
individualizantes e os hierárquicos, ou o que é chamado pelos
estudiosos das camadas médias de dilema de mudar ou permanecer. Os
autores analisados por Tânia Salém “sustentam que a tensão e a
oscilação entre os modelos ‘moderno’ e ‘tradicional’ resultariam de uma
descontinuidade entre sistemas simbólicos internalizados em diferentes
momentos da biografia dos sujeitos” (1986:33). O principal autor que
trabalha essa idéia no Brasil é Sérvulo Figueira (1985), mediante o
conceito de desmapeamento, empregado como metáfora para designar a
presença de ordens, formas e mapas contraditórios – a convivência de
um processo de mudança com formas internalizadas de processos
anteriores, nem sempre explícitos e por isso, geradores de conflitos.
O problema dessa abordagem, na visão de Geraldo Romanelli
(1986), está no fato de que a resposta a esses conflitos estaria no plano
individual e o universo psi surgiria como instância mediadora59. O
confronto se daria entre sistemas simbólicos e a família seria o
instrumento para se pensar a oposição entre os valores tradicionais e a
ideologia individualista.
Numa outra direção, Gilberto Velho (1981) prefere interpretar a
oscilação dos sujeitos entre códigos dispares e contraditórios como um
fenômeno da coexistência de visões de mundo concorrentes e de
domínios sociais operando com linguagens próprias, que levariam os
sujeitos a internalizarem códigos diferentes e oscilarem de acordo com o
contexto. Para ele, numa sociedade como a brasileira, na qual a
hierarquia
determinada
59
exerce
um
família
é
papel
crucial,
elemento
o
pertencimento
fundamental
no
a
sistema
uma
de
Para Figueira (1985) a solução desses conflitos estaria na psicanálise, um recurso utilizado
por uma parcela das camadas médias. Geraldo Romanelli (1986) observa que o processo de
modernização, responsável pelo surgimento de novos códigos culturais, teria sido responsável
também por um boom psicanalítico dos anos 70. Os conflitos gerados no plano das práticas
sociais teriam encontrado seu ponto de chegada no nível das soluções individuais (p. 16). Ver
também Salém (1991).
85
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
classificação dos grupos que investigou, até mesmo nos processos mais
radicais de individualização. Ou como argumenta Anthony Giddens
(1997), a vida pessoal na sociedade globalizada ou pós-tradicional, como
ele prefere denominar, constitui um projeto aberto a novas demandas e
ansiedades, ainda que alguns elementos da tradição não tenham sido
tocados, em especial aqueles que se referem à família e às diferenças de
gênero.
As
pessoas
têm
sido
afetadas
por
acontecimentos,
universalizados por meio dos processos de globalização, que extrapolam
os limites de sua comunidade. Isto é, são influenciadas e influenciam
acontecimentos que podem afetar outros indivíduos para além de sua
vizinhança. Um exemplo típico é qualquer agressão ao meio ambiente.
Inauguram, assim, um tipo de confrontação das bases da
modernização e de suas conseqüências a partir da apropriação reflexiva
do conhecimento, vertida em ação reflexiva. Essa ação levaria, segundo
Scott Lash (1997), os indivíduos a se libertarem das expectativas
normativas das instituições da modernidade simples e a se engajarem
no acompanhamento reflexivo dessas estruturas, assim como na autoavaliação da construção de suas próprias identidades. O caráter aberto
da auto-identidade e a natureza reflexiva do corpo, que se manifesta por
exemplo na luta das mulheres para se libertar dos papéis sexuais e na
contestação
dos
estereótipos
heterossexuais
dominantes,
são
características fundamentais de uma sociedade de alta reflexividade
(Giddens , 1993). Mais do que nunca, podemos escolher como será
nosso estilo de vida, podemos decidir como ser e como agir. Para
Giddens até os vícios são escolhas, pois são maneiras que as pessoas
têm encontrado para enfrentar a multiplicidade de possibilidades que a
vida cotidiana “destradicionalizada” oferece. Um exemplo é o consumo
de cigarro. Todas as campanhas publicitárias de cigarros são obrigadas
a divulgar que o fumo é prejudicial a saúde; ainda assim a população
fumante
não parece decrescer, a despeito de todo o movimento pró-
saúde que permeia o cotidiano. Não surpreende que o consumo do
86
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
tabaco tem crescido particularmente entre as mulheres, sobretudo
entre as mais jovens.
É certo, porém, que essas escolhas estão condicionadas pela
necessidade de rotinas exigidas e algumas vezes até obrigatórias, ou
seja, “todas as escolhas, mesmo aquelas dos mais pobres ou
aparentemente impotentes, sofrem refração das relações de poder
preexistentes. Por isso, a abertura da vida social à tomada de decisão
não deve ser identificada ipso facto com o pluralismo; é também um
meio de poder e de estratificação.” (Giddens, 1997:95-6)
Essas
aspirações,
próprias
de
uma
sociedade
reflexiva,
coadunam-se com o princípio de individualização, de desincorporação
de um modo de vida que não se ajusta mais aos interesses individuais e
coletivos de um dado grupo social ou mesmo de toda uma sociedade. As
lutas dos movimentos feministas, associadas a mudanças estruturais
têm provocado uma série de questionamentos sobre os lugares que
homens e mulheres ocupam na estrutura social, sobre os significados
de masculinidade e feminilidade e suas decorrências na constituição da
identidade dos indivíduos. Isto significa, seguindo a análise de Giddens,
que os comportamentos e as atitudes precisam ser justificados, ou seja,
as razões devem ser explicitadas e ao fazê-lo dão visibilidade às relações
de poder, provendo seu questionamento.
De certa maneira, esses argumentos estão por trás do crescente
interesse que os homens e temas a eles associados (tais como
paternidade, violência, sexualidade, masculinidade etc.) têm despertado
nas ciências humanas. Esse interesse está relacionado, no âmbito mais
geral, à necessidade de mudanças nas relações de gênero, e na
inadequação dos paradigmas explicativos frente a complexidade da
dinâmica social; no âmbito mais restrito, político até, relaciona-se à
constatação de que a compreensão das práticas masculinas, por
exemplo, pode contribuir para melhorar os resultados de programas
87
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
voltados para a saúde das crianças, para a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis e para as decisões de planejamento
familiar. Conseqüência, de certo modo, de uma agenda política
mundial, expressa nas últimas conferências internacionais relativas aos
direitos das mulheres e sobre população, que destacaram a necessidade
de incorporar os homens como alvo de políticas públicas (Arilha, Ridenti
e Medrado, 1998; Garcia, 1998; Silva, 1999).
Militantes engajados em campanhas de prevenção contra doenças
sexualmente transmissíveis estão a cada dia mais convencidos de que
somente obterão melhores resultados se sensibilizarem os homens.
Estudiosos americanos e europeus de várias áreas têm, desde a década
de 80, insistido para que as políticas voltadas para as famílias se
preocupem com o envolvimento masculino no cuidado com os filhos,
uma vez que a eqüidade entre os sexos depende fundamentalmente da
participação dos homens em todas as instâncias da vida privada,
inclusive em decisões sobre planejamento familiar e sexualidade.60
Esse interesse surge também de um contexto no qual vários
estudos, que versam sobre o cotidiano das mulheres e suas relações
com o mundo do trabalho, argumentam que são pequenas as
transformações com relação à assimetria heterossexual das atribuições
em relação aos filhos, a despeito do processo de individualização das
mulheres e de sua autonomização (Novelino; 1989; Di Ciommo, 1990;
Massi, 1992; Ardaillon, 1997).
A profissionalização das mulheres, como observou Danielle
Ardaillon (1997), representa para elas a aquisição de outra identidade,
envolvendo outro modo de sociabilidade. O trabalho fora de casa é um
“projeto individualizador”, em particular para as mulheres de camadas
médias. E se nesse processo as mulheres têm caminhado passo a passo
60
Lamb, 1982; 1983; Jalmert, 1990; Näsman, 1990; Evans, 1995; Neale, 1995; Mundigo, 1995
entre outros.
88
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
rumo à igualdade na valorização de sua condição de profissional, o
mesmo não acontece quando ao homem e à mulher é associada a
condição de pai e mãe:
Ao acoplar “pai” ou “mãe” às categorias originais, a via
iluminada da igualdade prometida entre os profissionais se vê
totalmente obstruída. Por que o desempenho ativo de sua
profissão não é requerido igualmente do profissional-pai e da
profissional-mãe? Mais competente profissionalmente, mais
bem-remunerado, melhor pai. Mais amamentadora, mais
caseira, melhor mãe. Dois pesos, duas medidas. De um lado a
valorização da paternidade no seu aspecto social, do outro, a
valorização da maternidade no seu aspecto biológico.
(Ardaillon, 1997 : 34-35)
Apesar de todas as conquistas femininas, o cuidado com os filhos
continua recaindo sobre as mulheres. O desafio proposto às mulheres é
o de integrar, da melhor forma, seu mundo pessoal às várias
conquistas. Esta mudança exige uma nova estruturação da organização
familiar e das relações entre homens e mulheres, além de envolver,
inclusive, outros significados para a maternidade e a paternidade. Nem
sempre o discurso, o desejo se coaduna à prática cotidiana, ainda que a
autoreflexão, o questionamento, a confrontação dessas práticas possa
ser localizada nos depoimentos de mulheres em várias pesquisas ao
longo dos anos 80 e 90.
Marina Massi (1992), por exemplo, descreve que, embora o
trabalho profissional representasse para muitas das mulheres que
entrevistou
a
possibilidade
de
desenvolvimento
pessoal
e
independência, em seus relatos a maternidade aparece fortemente como
a maior contribuição social da mulher. “O trabalho fora de casa é
considerado mais como um complemento ao desenvolvimento pessoal”
(p.42). Massi observou que são poucas as mulheres que trabalham
seguindo a carreira que escolheram, que são bem remuneradas e bemsucedidas. A socialização da mulher é baseada preponderantemente na
89
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
construção da família, na maternidade e nos cuidados com a casa. Para
a mulher, a relação entre trabalho fora de casa e maternidade parece
acontecer entremeada pelo conflito da realização pessoal e da formação
moral/social que delega à mulher os cuidados com os filhos e com a
família, como sendo um atributo natural.
A partir de outro enfoque, Maria Isabel Mendes de Almeida (1987)
realizou uma pesquisa que considera a maternidade como uma das
possíveis portas de entrada para uma reflexão sobre o processo de
modernização
da
família
de
classe
média
urbana
no
Brasil.
Constatando a formação, no início dos anos 80, de grupos de
preparação e orientação de casais para a gravidez e o parto, conduzidos
por psicólogos, médicos homeopatas e outros especialistas, Almeida
acreditava
que
se
iniciava
a
implementação
de
uma
proposta
“alternativa” a uma visão tradicional da maternidade e a um conjunto
de valores e comportamentos tidos como ultrapassados. A busca por
essa “maternidade alternativa” estaria ocorrendo em função de um
sentimento de perda, de ausência de referências, mapas e guias diante
da maternidade, além de representar também uma fuga do modelo de
suas mães. Sua pesquisa, entretanto, demonstrou que a experiência da
maternidade, da forma como foi observada e relatada por suas
entrevistadas – um grupo de gestantes e suas respectivas mães –, não
chegou a configurar uma marcante mudança na visão de mundo entre
as duas gerações. Revelou, na realidade, a coexistência de um amplo
conjunto de valores ditos “modernos” com modalidades tradicionais de
vida61.
O longo período de dependência que garante o desenvolvimento
do ser humano e o fato de a gravidez ocorrer no corpo da mulher
poderiam ser consideradas justificativas para que certas atribuições se
61
Para Gilberto Velho (1981) os grupos de camadas médias vivem o dilema de mudar ou
permanecer mais do que outras camadas sociais, justamente por estarem mais expostos à
ideologia da modernização.
90
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
mantenham atreladas às mulheres. A “natural” vocação da mãe para
cuidar da criança e compreender suas necessidades é argumento usado
por médicos, educadores, psicólogos e mesmo cientistas sociais, dando
fundamento aos discursos tanto de instituições como a Igreja e o
Estado, como do senso comum.
Observa-se, no entanto, que a separação das atividades segundo
o sexo cria um significativo grau de dependência entre os indivíduos e
atribui, por outro lado, a cada um, homens e mulheres, uma área de
autonomia
e
independência62.
Uma
análise
do
possível
não-
envolvimento masculino no cuidado dos filhos deveria, no meu
entender, levar em consideração o fato de as mulheres serem
culturalmente consideradas habilitadas para cuidar dos filhos e dos
afazeres domésticos. Deter esse conhecimento revela duas dimensões:
de autonomia e, portanto, de poder (uma mãe não precisa de um
homem para aprender como criar seus filhos) e ao mesmo tempo de
dependência (há a suposição de que os homens e as crianças precisam
das mulheres para suprir suas necessidades, enquanto elas precisam
dos homens para garantir o exercício de uma boa maternidade),
tornando
complexa
subordinação
a
(feminina),
relação
entre
desvalorizando
dominação
essa
(masculina)
ordem
e
hierárquica,
ameaçando sua naturalização.
Critérios para a definição do universo empírico
A posição dos indivíduos numa dada sociedade — podendo ser
marcada por classe social, etnia, idade e sexo e espaço geográfico —,
influencia seus modos de pensar e ser, contribuindo para a diversidade
nas relações sociais. Se essa posição influencia a maneira de os
62
A reprodução, por exemplo, seria uma área de autonomia das mulheres e, portanto, de poder
(Durham , 1983).
91
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
indivíduos atuarem na vida pública, ela define critérios para as relações
familiares e interpessoais.
Desta forma, algumas variáveis foram privilegiadas na definição
do universo empírico: o sexo dos sujeitos pesquisados — masculino; a
situação
de
conjugalidade
—
homens
que
estivessem
vivendo
maritalmente e com filhos até 10 anos idade; e a que se refere à posição
sócio-econômica dos sujeitos — classe média. Esta variável, assim
denominada, se baseia, não somente na escolaridade de nível superior,
mas também na renda, no acesso a um mercado de consumo
sofisticado e por aceitar e compartilhar valores e comportamentos que,
em princípio, deveriam expressar uma ideologia igualitarista, tais como:
a afirmação da liberdade do exercício da sexualidade para os dois sexos,
a aceitação da proliferação de arranjos conjugais, do divórcio, da
maternidade voluntária fora do casamento etc. (Heilborn, 1995).
Considerando que a classe média se caracteriza por ser propícia a
aceitar mudanças e mesmo a difundi-las, circunscrevi minha pesquisa
a este universo, cujas informações, do ponto de vista sociológico para os
estudos de gênero e sobre família, são importantes para a compreensão
da desigualdade de gênero e do processo de transformação nas relações
sociais entre homens e mulheres. Minha meta é saber como homens
deste segmento social elaboram e vivenciam a paternidade, num
contexto no qual significativas mudanças têm sido apontadas.
Os homens de minha pesquisa são de uma geração cujos valores
culturais mesclam ideais libertários com a medicina “alternativa”
(filosofia antroposófica, homeopatia, acupuntura), alimentação natural,
experiência com drogas (mais especificamente a maconha) e uma busca
por relações interpessoais mais afetivas e sinceras, por relações mais
harmoniosas com o corpo e a sexualidade. Esse estilo de vida teve, com
certeza, inspiração nos ideais libertários dos anos 70 e 80, período
histórico marcado por movimentos sociais e políticos de contestação do
92
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
sistema político vigente (ditadura); por uma pedagogia e psicologia
influenciadas
em
idéias
socialistas
e
anarquistas
e
pelas
transformações culturais que vinham se desenvolvendo desde os anos
60 (Revah, 1994).
Cabe
observar,
todavia,
que
os
critérios
que
definem
a
denominada classe média ou camadas médias ou ainda setor médio não
são suficientes para circunscrevê-la como homogênea. O fato de possuir
nível de escolaridade superior ou razoável poder aquisitivo e acesso a
um mercado de consumo mais sofisticado (em comparação ao setor
popular) não significa necessariamente defesa de uma ideologia
igualitarista (o que a distinguiria das elites sociais e dos setores
populares). Do mesmo modo, considerar que sujeitos psicanalizados,
afeitos ao mercado “alternativo” sejam menos conservadores, também
pode ser precipitado. Obviamente, as classes médias (talvez, seja
mesmo mais seguro usar a expressão no plural) apresentam uma certa
especificidade em relação aos setores populares e a elite; sendo uma de
suas particularidades a heterogeneidade. Tal como metáfora bem
empregada por Francisco de Oliveira (1988), as classes médias são
como a Medusa e sua cabeça cheia de serpentes, cada qual apontando
em uma direção.
Feita essa mediação, a escolha deste universo sócio-cultural se
baseou em uma bibliografia que aponta mudanças nas relações entre
homens e mulheres e deslocamentos dos significados tradicionalmente
atribuídos à paternidade e à maternidade.
Isto não significa, porém, que outros segmentos sociais não
possam
apresentar
padrões
de
comportamento
autodenominados
“modernos”. As diferentes formas de inserção desses grupos no espaço
urbano, a difusão de informações nesse meio e a própria dinâmica das
relações sociais não permitem a cristalização de um modelo familiar e
93
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
conjugal em um único segmento social em detrimento de outro63,
inclusive porque os limites entre os segmentos populares e médios se
flexibilizam a cada nova crise econômica. Mas não só: o grau de
reflexividade atingido também relativiza o peso estrutural da classe em
cima do ator individual.
A
pesquisa
se
restringe,
portanto,
a
dez
profissionais
qualificados, todos do sexo masculino, com escolaridade de nível
superior, vivendo maritalmente, e pais de filhos com idade até 10 anos,
residentes na cidade de São Paulo. A variável idade do sujeito foi
negligenciada, uma vez que o recorte etário foi fixado segundo a idade
dos filhos. Já a etnia não foi considerada como critério de seleção.
Os critérios que se referem à situação conjugal e à presença de
filhos respondem a um interesse bastante específico: criar uma situação
“ideal” que pudesse balizar a análise a partir do problema de pesquisa.
Isto é, foram entrevistados homens casados, que têm filhos numa idade
em que o grau de dependência em relação aos pais ainda é significativo.
Além disso, compartilho do mesmo critério de Marion T. Quadros
(1996), em sua pesquisa de mestrado sobre a “nova” paternidade nas
camadas médias de Recife, ao selecionar casais que tivessem filhos
entre 2 e 7 anos: a possibilidade de focalizar uma geração que teria
desenvolvido sua socialização primária nos anos 1970, sob a influência
de importantes acontecimentos tais como a contracultura, a difusão da
pílula e de métodos anticoncepcionais, o movimento feminista, que
traziam em seu bojo o questionamento dos papéis de gênero.
A opção por esse tipo de família foi meramente um recurso
metodológico. É certo que a sociedade das décadas de 1980/90
apresenta mudanças nas formas de conceber e viver as relações
63
São vários os autores brasileiros que procuram desmistificar uma concepção unívoca de
família recorrente em alguns estudos acadêmicos, que está na verdade baseada em um
modelo conjugal de camada média idealizado. Ver Fonseca, 1995; Duarte, 1995, Sarti, 1996,
entre outros.
94
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
familiares como, por exemplo, as famílias conjugais constituídas a
partir de segundas uniões, muitas vezes com a presença de filhos de
casamentos anteriores, de ambos os cônjuges. A maioria das famílias
não compartilha mais o modelo idealizado de uniões baseadas no amor
romântico. O crescimento das dissoluções dos casamentos é um dado a
toda prova: as separações e divórcios por casamento apresentavam, em
São Paulo, um percentual de 22.2% em 1988, passando para 32,4% em
1991 (Oliveira, 1996).
Alguns
trabalhos
sugerem
que
as
famílias
adotivas
ou
reconstituídas a partir de um segundo casamento estabelecem relações
distintas
das
famílias
biológicas.
Essas
relações
refletiriam
ambigüidades quanto à parentalidade e confusão sobre as expectativas
individuais (Hanson, 1985). Incluir essas especificidades complexificaria
a pesquisa, o que, por um lado, poderia ser extremamente rico; mas,
por outro, as famílias nucleares, formada pelo casal e seus filhos ainda
são predominantes na sociedade brasileira e acredito ser relevante uma
análise mais cuidadosa dos impactos das mudanças e resistências aí.
Mesmo consciente da diversidade, optei por essas famílias, por
considerar que, apesar do crescimento de famílias chefiadas por
mulheres, do aumento da taxa de divórcio e da própria contestação da
instituição casamento, marcada pelo crescimento de uniões informais,
há indícios de que elas estão se reestruturando, por meio de um
processo de negociação, a partir de uma ética da vida cotidiana, numa
tentativa de transformar suas relações como marido e esposa, pai e
mãe, homem e mulher64.
A preocupação em selecionar homens cujas esposas trabalhassem
fora se refere à possibilidade de averiguar se a inserção das mulheres
no
mercado
de
trabalho
promoveria,
forçosamente,
um
maior
envolvimento masculino com os filhos e com os afazeres domésticos,
64
Singly (1993) e Giddens (1993)
95
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
favorecendo a simetria nas relações de gênero. Estou considerando que
um dos aspectos das relações igualitárias deva ser a contestação de um
princípio básico do modelo familiar parsoniano: o homem provedor e a
mulher dona-de-casa.
É preciso salientar que a delimitação do campo de pesquisa leva
em conta dois aspectos: 1) circunscrever um campo de investigação do
qual se pressupõe dar conta; 2) consciência de que a escolha de um
determinado grupo de sujeitos, a partir de critérios bem definidos, não é
sinônimo de um bloco monolítico em relação a outros segmentos sociais
ou mesmo internamente. Sempre haverá diferenças e foi minha tarefa
buscar as relações de convergência e de divergência a respeito da
maneira pela qual esses sujeitos pensam e constróem a paternagem.
Vale destacar ainda que os depoimentos de cada um desses homens, ao
mesmo tempo únicos em sua singularidade, são reveladores de códigos
culturais e simbólicos que denunciam sua inserção em uma certa
fração de classe social e isto funda a possibilidade de um certo grau de
generalização, mesmo porque possibilita comparações com grupos
semelhantes em outros contextos.
A coleta de dados
Para localizar estes sujeitos recorri à “rede de relações”. Informei
amigos e conhecidos sobre a pesquisa e os critérios para a seleção de
possíveis
entrevistados.
intermediárias,
Essas
responsáveis
pelo
pessoas
primeiro
fariam
contato.
as
vezes
de
Preocupei-me
também em diversificar características ideológicas dos entrevistados
(diversidade de profissões, universo cultural e político).
Marquei as entrevistas após o primeiro contato já ter sido
realizado pela minha “rede de relações”. Ao telefonar, os homens sabiam
quem eu era e por que os estava procurando. Normalmente aproveitava
96
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
para falar um pouco mais dos objetivos da pesquisa, mesmo quando era
evidente que aceitariam dar a entrevista. Todos os que me foram
indicados demonstraram significativo interesse em falar sobre o
assunto, curiosos também com o fato de haver alguém pesquisando
sobre paternidade. As entrevistas foram realizadas ao longo de 1997.
Procurei deixar que eles próprios definissem o local para a
entrevista, somente observando que caso escolhessem o domicílio era
importante que a esposa e os filhos não participassem do depoimento.
Seis entrevistas aconteceram no local de trabalho, sendo que das outras
quatro, dois usavam o domicílio como principal ambiente de trabalho e
um estava desempregado. De todas as indicações que recebi, apenas
duas não resultaram em entrevista. Não por recusa, mas por
desencontros de agenda, viagem etc.
Cabe destacar que um dos entrevistados, fugindo à regra de ser
meu total desconhecido, era morador do edifício onde eu residia, por
ocasião da pesquisa de campo. Por ter o perfil definido para a pesquisa
e como não tínhamos nenhum laço mais estreito de convivência, achei
que poderia testar com ele o roteiro de entrevista. Realizei a entrevista
no domicílio e após comparação com as demais entrevistas, não
encontrei nenhuma razão para descartá-la.
As entrevistas duraram, em média, duas horas. Apenas uma
delas, coincidentemente a última, durou apenas quarenta e cinco
minutos.
Tratava-se
de
um
sujeito
bastante
falante,
mas
que
propositadamente iniciou a entrevista dizendo que era bastante objetivo
sobre qualquer assunto relativo a sua vida, não ficava “dramatizando” e
assim foi, minimalista. Apesar de tão sintética entrevista, e talvez por
isso mesmo, decidi mantê-la para análise.
A delimitação de 10 sujeitos deve-se mais a uma estratégia de
tempo e de recursos financeiros, do que propriamente a um critério
97
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
metodológico. Considerando que cada uma das entrevistas durou, em
média,
2
horas,
disponho,
aproximadamente,
de
30
horas
de
depoimentos; material suficientemente extenso para uma análise sobre
a paternidade, sem a pretensão de esgotar o assunto. As informações
colhidas a cada entrevista foram se somando às demais e após o último
depoimento,
nenhum
dado
novo
surgiu,
que
exigisse
um
redirecionamento das entrevistas. Atribuo esse fato aos critérios para
seleção dos sujeitos, que favoreceram o estabelecimento de um certo
padrão, inclusive para as contradições.
A técnica de pesquisa privilegiada foi a de depoimentos gravados,
a partir de um roteiro semi-estruturado (em anexo). Com o claro
objetivo de perseguir os dados que me revelassem o processo de
construção da paternidade, o roteiro foi organizado em dois blocos
principais
de
questões.
O
primeiro
apresenta
uma
estrutura
fundamentalmente biográfica. É a reconstituição dos acontecimentos
mais significativos, a trajetória de vida à luz das lembranças da família
de origem que permite captar mudanças e permanências em relação à
família de procriação. A entrevista foi iniciada com a descrição da
família, o número de irmãos, a escolaridade, a profissão dos pais,
seguido de relatos sobre o cotidiano familiar e escolar durante a
infância e a adolescência, o relacionamento familiar, e, sempre que
possível, colocando a figura paterna como o elemento desencadeador da
memória. Como dizem Jacqueline Gysling e Maria Cristina Benavente
(1996), essa narrativa permite que o indivíduo se tome como objeto,
olhando-se à distância, expressando uma consciência reflexiva sobre si
mesmo, interpretando o mundo que o rodeia e sua própria vida.
“Revela-se e revela ao outro como quer que o vejam”.
Na seqüência, o depoimento fala do período da adolescência até o
momento atual, enfocando aspectos como métodos contraceptivos
durante o relacionamento com a atual companheira e depois no
98
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
casamento; a gravidez e o nascimento do filho, explorando o cotidiano
do casal com a chegada do bebê; a organização da rotina familiar no
atendimento à criança, abordando inclusive a divisão de algumas
tarefas domésticas.
Para encerrar a entrevista, fiz algumas questões que defini como
“provocativas”. Foram perguntas com o objetivo de captar eventuais
contradições, ambigüidades em relação à narrativa desenvolvida
durante a entrevista. Como, por exemplo, qual a opinião dos
entrevistados sobre homens que solicitam na justiça a custódia dos
filhos em caso de separação65, e o que pensam sobre homens solteiros
adotarem crianças.
O roteiro foi elaborado de tal maneira que a narrativa dos
informantes
pudesse
revelar,
mediante
fatos
e
acontecimentos
marcantes, suas concepções sobre a temática da pesquisa. Este
procedimento induz o informante a seguir uma ordem de questões,
dando à entrevista a forma de seu próprio pensamento, a partir de um
objeto de interesse arquitetado pelo pesquisador. Mesmo com um
roteiro semi-estruturado, a imprevisibilidade se manteve e muitas vezes
acabou precipitando a formulação de novas questões que conduziram a
conversa para outros caminhos, não previstos inicialmente. A fala
pertence, portanto, sempre ao contexto do diálogo; o roteiro apenas
desencadeia o processo e o mantém vivo.
Adotei como parte de meus procedimentos de pesquisa um
caderno de campo para registrar após cada entrevista não só uma breve
identificação do entrevistado, mas também minhas impressões. Nele
constam observações sobre as características do entrevistado, suas
reações às minhas perguntas e anotações de conversas importantes
65
As reflexões sobre essa questão deram origem ao artigo A desigualdade de gênero nas
relações parentais: o exemplo da custódia dos filhos, de minha autoria (Ridenti, 1998) e,
portanto, não foram retomadas aqui.
99
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
ocorridas depois de encerrada a entrevista. Esse procedimento já se
revelara bastante útil durante a pesquisa Família e Trabalho Domiciliar
em São Paulo, permitindo que descrevêssemos, por exemplo, o local de
trabalho, que era também residencial e pequenas situações domésticas
impossíveis de serem captadas pelo gravador. É nesse caderno que
também anotei, a cada leitura das transcrições das entrevistas, fatos
importantes que me vinham à memória, completando meus registros
sobre cada um dos contextos de diálogo.
Procedimento de análise das entrevistas
A análise das entrevistas seguiu os seguintes procedimentos:
! leitura das entrevistas acompanhada do áudio da fita gravada;
O objetivo é rememorar a situação de entrevista e anotar no
caderno de campo pequenos detalhes trazidos pela lembrança. É
também nesta fase que sublinhei as falas “interessantes”, que remetem
às questões da pesquisa. Tratou-se de uma leitura vertical das
entrevistas, cada uma sendo analisada individualmente.
! segunda leitura, ainda vertical;
Nesta etapa procurei captar se havia um roteiro subliminar ao
roteiro utilizado para conduzir a entrevista. Afinal, em decorrência da
própria dinâmica da entrevista e da relação (de conflito e de poder) que
se estabelece entre informante e entrevistador outras questões podem
se interpor. Teoricamente falando, essas questões poderiam reorganizar
a problemática da pesquisa, até mesmo refutar o problema inicial.
!
última leitura: a visão do conjunto;
100
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Nesta fase procurei reconstruir as entrevistas horizontalmente,
numa nova totalidade, captando convergências e divergências no
conjunto dos depoimentos a partir dos recortes que havia feito na
leitura de cada entrevista isoladamente e na qual defini temas, em
consonância com as questões de pesquisa, para desenvolver em minha
análise.
Apresentação dos entrevistados
Com base nas informações anotadas no diário de campo e na
leitura dos depoimentos, elaborei um sintético perfil dos entrevistados
que permite visualizar a composição do grupo familiar de origem e de
procriação. Cada um deles recebeu um nome fictício, evitando que
possam ser identificados.
Benício é músico, tem 37 anos. Nasceu em São Paulo e até
os 14 anos morou na Vila Olímpia. O pai, publicitário, nasceu em
Campinas e a mãe na capital. A mãe exerceu várias atividades: deu
aulas de piano, trabalhou no INPS e foi micro-empresária. Ambos
têm curso superior. Na casa dos pais sempre tiveram empregada
doméstica. Benício é o primogênito, têm mais dois irmãos.
Saiu da casa dos pais aos 25 anos, quando se casou com Luiza, 30
anos, professora numa grande escola privada. Eles têm um casal de
filhos: Marlon com 6 anos e Manoela com 3. Ele fez jornalismo e a
mulher pedagogia. A primeira gravidez aconteceu um ano e meio
depois do casamento, não foi planejada, a tabelinha “furou”. Usam
camisinha, preferida por Benício à pílula, que considera prejudicial
à mulher. Tem empregada doméstica e moram em casa própria.
Carlos tem 48 anos. O pai nasceu no interior de São Paulo,
trabalhou a vida toda como gerente de banco federal e por isso
Carlos nasceu no Paraná. A mãe é do sul de Minas, mas morava no
norte do Paraná quando conheceu o marido. Ele é o irmão mais
velho, de cinco, dois homens e três mulheres. Na primeira
oportunidade o pai se transferiu para o Estado de São Paulo, onde
nasceram os outros irmãos. A mãe nunca trabalhou fora.
A mulher de Carlos tem 46, é da região do triângulo mineiro. Ela é
cineasta e professora universitária. Ele cursou a Poli e atualmente é
professor titular numa universidade pública. Ambos fizeram
especialização na Europa. Moram em casa própria com os 2 filhos,
um menino de 11 anos e uma menina de 7. Antes do nascimento do
primeiro filho fizeram dois abortos. A mulher usava pílula e
101
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
diafragma. A gravidez do primeiro filho foi planejada e aconteceu 10
anos após o último aborto. Tem empregada doméstica.
Leonel, 39 anos, é engenheiro. Nasceu na Ilha da Madeira,
em Portugal, vindo para o Brasil aos cinco anos com a família. Ele é
o caçula de seis irmãos, quatro mulheres e dois homens. O irmão
mais velho, aos onze anos foi morar na Venezuela, na casa de
parentes. Lá trabalhou e ajudou a família que continuava em
Portugal. Com a falência do pai vieram para o Brasil. Mais tarde o
irmão se juntaria à família em São Paulo. Aqui o pai de Leonel teve
uma panificadora e depois um posto de gasolina, no qual ele
trabalhou quando adolescente e depois por um período como sócio.
A mãe não estudou, sempre foi dona de casa. Nunca tiveram
empregados domésticos. Leonel e a irmã mais nova são os únicos
filhos que possuem curso superior.
Morou na casa dos pais até os 27 anos, quando se casou. À época
da entrevista Leonel estava desempregado. A mulher, 40 anos, é
funcionária pública da prefeitura, na área da saúde. Eles têm uma
filha de 7 anos. Usavam a tabelinha como método contraceptivo. A
gravidez ocorreu 4 anos após o casamento, numa falha da
tabelinha. Por contenção de despesas, no momento da entrevista
não tinham empregada doméstica. Moram em apartamento próprio.
Luciano, 35 anos, é descendente de poloneses judeus nãoortodoxos, nascido no interior de São Paulo, veio com dois anos
para a capital, se considera paulistano. O pai nasceu no interior e a
mãe no Rio Grande do Sul. Primogênito, tem mais uma irmã.
Moraram por muitos anos no Bom Retiro em apartamento próprio;
lá o pai teve uma loja de móveis e depois de tecidos. A escolaridade
do pai é ginásio incompleto, a mãe concluiu o segundo grau. A mãe
trabalhava inicialmente com o pai na loja de tecidos e tinha outras
atividades, uma delas numa escola pública onde substituía
professores. Até a adolescência dos filhos sempre tiveram
empregada doméstica. Luciano formou-se em química pela
Mackenzie, logo depois fez extensão para Química Industrial e
outros cursos de especialização. Atualmente, trabalha na área
comercial e de marketing.
Luciano saiu da casa dos pais com 28 anos, quando casou. Sua
esposa, 37 anos, formou-se em Engenharia Química. Por ocasião do
casamento estava desempregada e não quis voltar a trabalhar,
optando por cuidar da casa e dos filhos que pretendia logo ter.
Moram com as duas filhas, uma de 4 anos e outra de 2 anos, em
apartamento próprio. Usavam pílula alternando com tabelinha e
camisinha. A gravidez foi planejada e aconteceu 2 anos após o
casamento. Tem faxineira.
Luiz tem traços orientais, herança do pai nascido no Japão.
O pai era protético, habilitação adquirida num curso técnico de
segundo grau. A mãe, brasileira, neta de italianos, completou o
segundo grau. Após o casamento dedicou-se à família e aos filhos,
não exercendo nenhuma atividade profissional. Nunca tiveram
empregada doméstica. Tiveram 3 filhos, dois homens e uma mulher.
Luiz é o filho mais velho.
Aos 39 anos, ocupa o cargo de diretor de sistemas e processos,
numa empresa multinacional. Formou-se pela Politécnica em
102
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
engenharia de produção com especialização nos Estados Unidos. A
mulher de Luiz tem 37 anos, formada em Psicologia, atualmente
coordena o sistema de creches de uma universidade pública. Eles
tem uma filha de 6 anos. Moram em apartamento próprio. Após três
anos do nascimento da filha, o casal passou por uma crise e
separou-se por um ano e meio. Luiz conta que o distanciamento da
mulher após o nascimento da filha e sua exclusão dessa relação foi
responsável pela separação. Usavam camisinha como método
contraceptivo. A gravidez foi planejada e ocorreu 7 anos após o
casamento. Tem empregada doméstica.
Marcos, 37 anos, é formado em engenharia, mas atua na
área de finanças, no apoio a financiamentos e execução de projetos.
Marcos nasceu no interior de São Paulo. Tem mais 4 irmãos, 2
homens e 2 mulheres. Ele é o segundo. O pai é fazendeiro e a mãe
professora, mas quando as filhas nasceram deixou de trabalhar
fora, em casa fazia bordados e enxoval para bebês. Sempre tiveram
empregada doméstica. Os pais têm escolaridade superior. Marcos
morou no interior até os 14 anos quando veio para São Paulo
estudar.
A mulher de Marcos, que também é do interior, tem 30 anos,
formou-se em publicidade, após o nascimento da primeira filha
parou de trabalhar. Atualmente está montando uma confecção
infantil. Eles têm 3 filhos, a mais velha tem 7 anos, o menino tem 4
e a mais nova 2 anos. Usavam camisinha e tabelinha como método
contraceptivo. A primeira gravidez não foi planejada e aconteceu 1
ano após o casamento. Tem empregada doméstica.
Mauro, 35 anos, nasceu em São Paulo, filho de imigrantes
egípcios, judeus. Ambos se conheceram e se casaram em São Paulo.
O pai, já falecido, era engenheiro químico, formado por escola
Britânica, no Cairo. A mãe, quando solteira, trabalhou numa
empresa de aviação, casou-se aos 18 anos deixando os estudos e o
trabalho. Mauro nasceu primeiro, depois vieram mais dois irmãos.
Sempre tiveram empregada doméstica. Depois da morte do pai, a
mãe de Mauro voltou a estudar, fez colegial e cursinho e formou-se
há dois anos em psicologia. Está começando a clinicar e casou-se
novamente.
Atualmente, ele é produtor de vídeo, cursou até o terceiro ano de
jornalismo mas não concluiu. Mauro namorou a mulher por 2 anos
e estavam casados há 8. Porém, ao final da entrevista, revelou que
há duas semanas morava no escritório de sua produtora. Estavam
passando por uma crise conjugal, que poderia resultar em
separação definitiva, o que de fato aconteceu posteriormente. A
mulher de Mauro, 33 anos, é formada em pedagogia e jornalismo;
leciona numa escola privada. Eles têm dois filhos, um menino de 5
anos e uma menina de 3. A primeira gravidez foi interrompida.
Usavam como método contraceptivo camisinha e diafragma. A
gravidez do filho foi planejada e aconteceu dois anos após
casamento. A mulher tem empregada doméstica.
Péricles, 39 anos, único negro entre os entrevistados, é
formado em engenharia eletrônica, com mestrado em administração
financeira. Atuava como juiz classista do trabalho e pelo Instituto
Nacional de Mediação em Arbitragem, na área de conflitos da vara
103
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
de família e civil. Também leciona matemática financeira para
executivos. Mineiro, nasceu em Governador Valadares, sendo o
mais velho de seis irmãos, 4 homens e 2 mulheres. O pai é
fazendeiro e a mãe dona-de-casa. Tinham empregada doméstica.
Até os setes anos Péricles morou na fazenda, mudou-se para a
cidade quando foi à escola. O pai tem o segundo grau completo e a
mãe, incompleto.
Péricles morou na casa dos pais até os 18 anos, quando foi para a
faculdade em outra cidade. Aos 24 anos conheceu a esposa e em
um ano estavam casados. Sua mulher tem 39 anos, formada em
administração de empresa, trabalha num banco federal. Eles têm
duas filhas, a mais velha com 9 anos e a segunda com 7. Usavam
pílula como método anticoncepcional e a gravidez foi planejada,
ocorrendo 3 anos após o casamento. Tem empregada doméstica.
Renato tem 39 anos e sua esposa 32. Sempre viveu em São
Paulo; onde seu pai trabalhou por 45 anos numa concessionária e
há um ano e meio está aposentado. A mãe quando solteira
trabalhou numa fábrica de sapato, depois de casada tornou-se
dona-de-casa. Ambos têm o segundo grau completo. Renato tem
apenas uma irmã, que é mais velha.
Ele cursou somente até o segundo ano de administração e deixou a
casa dos pais aos 31 anos para morar com a atual esposa. Há 4
anos tem uma franquia dos Correios. Sua mulher cursou
matemática e pedagogia, foi gerente de banco, mas no momento não
trabalha. Eles moram em casa própria com as duas filhas, de 7 e 2
anos. Usavam pílula como método anticoncepcional, a primeira
gravidez ocorreu sem planejamento 3 meses após o casamento. Tem
empregada doméstica.
Saulo, 39 anos, é formado em engenharia mecânica, mas
atua como produtor de vídeo. Os pais de Saulo são nascidos no
interior de São Paulo e vieram para a capital para cursar faculdade.
Ele é cirurgião dentista e ela fez pedagogia, mas nunca trabalhou na
área. Saulo é o quarto filho, entre seis, mas o primeiro homem. São
3 mulheres e 3 homens. Moraram sempre numa mesma casa, no
bairro da Lapa. Depois de casada a mãe não trabalhou mais. A
família dispunha de empregados domésticos, arrumadeira e
cozinheira.
Saulo deixou a casa dos pais aos 27 anos, quando passou a morar
com sua atual mulher. Ela tem 35 anos e é formada em
enfermagem, com especialização em pediatria; trabalha como
coordenadora de uma creche, numa empresa do setor de
cosméticos. Eles têm uma filha de nove anos. Saulo e a mulher
passaram por dois abortos, um provocado, antes do casamento e
outro involuntário, logo após o casamento. Usavam tabelinha e
camisinha como método contraceptivo. A gravidez da filha foi
planejada, 2 anos após um segundo aborto. Tem empregada
doméstica e moram em casa alugada.
Para situar os entrevistados em relação à sua família de origem,
algumas informações básicas foram organizadas no quadro 1 e
apresentam dados sobre a ocupação dos pais do entrevistado,
104
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
escolaridade, número de irmãos, ordem de nascimento e presença de
empregada doméstica.
Quadro 1
Características principais da família de origem
Nº de
ordem
Ocupação
Nome
Escolaridade
Pai
Mãe
Pai
Mãe
Nº de irmãos
Ordem de
nascimento
Empr.
doméstica
Idade
que saiu
de casa
1
Benício
Publicitário
Funcionária
pública
Superior
Superior
2 (H)
Primeiro
Sim
25
2
Carlos
Gerente de
Banco
Dona de
casa
Médio
Médio
1 (M)
Primeiro
Sim
14
3
Leonel
Comerciante
Dona de
casa
Fundamental
Analfabeta
1(H) e 4 (M)
Sexto
Não
27
4
Luciano
Comerciante
Funcionária
pública
Fundamental
Médio
1 (H)
Primeiro
Sim
28
5
Luiz
Protético
Dona de
casa
Médio
Médio
1 (H) e 1 (M)
Primeiro
Não
22
6
Marcos
Fazendeiro
Dona de
casa
Superior
Superior
2 (H) e 2 (M)
Segundo
Sim
14
7
Mauro
Engenheiro
Químico
Dona de
casa
Superior
Superior
2 (H)
Primeiro
Sim
22
8
Péricles
Fazendeiro
Dona de
casa
Médio
Médio
3 (H) e 2 (M)
Primeiro
Sim
18
9
Renato
Gerente de
Oficina
Dona de
casa
Médio
Médio
1 (M)
Segundo
Sim
31
10
Saulo
Dentista
Dona de
casa
Superior
Superior
2 (H) e 3 (M)
Quarto
Sim
27
Apresento no quadro 2 alguns dados sobre a família do
entrevistado: idade dele e da cônjuge, escolaridade e ocupação de
ambos, número de filhos e idade a por fim a indicação da presença de
empregada doméstica e de casa própria.
105
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Quadro 2
Características da família do entrevistado
Nº de
ordem
Nome
Dele
Cônjuge
Dele
Cônjuge
Dele
Cônjuge
H
M
1
Benício
37
30
Superior
Superior
Músico
Professora
1
1
05 - 02
mensalista
Casa
2
Carlos
48
46
Superior
Superior
Prof. Univ.
Prof. Univ. e
Cineasta
1
1
11 - 07
mensalista
Casa
3
Leonel
39
40
Superior
Superior
1
7
não
Apto.
4
Luciano
35
37
Superior
Superior
Diretor
Comercial
Dona de
casa
2
4-3
faxineira
Apto.
5
Luiz
39
37
Superior
Superior
Diretor de
Sistemas
Coord. de
Creche
(func. publ.)
1
6
mensalista
Apto.
6
Marcos
37
30
Superior
Superior
Diretor de
Finanças
Dona de
casa
1
2
7-4-2
mensalista
Casa
7
Mauro
35
33
Superior
Incompl.
Superior
Produtor de
vídeo
Professora
1
1
5-3
mensalista
Casa
8
Péricles
39
39
Superior
Superior
Juiz Classista/
Bancária
2
9-7
mensalista
Apto.
Idade
Escolaridade
Ocupação
Nº de
filhos
Engenheiro
Funcionária
(desempregado)
Pública
Idade
dos
filhos
Empregada Residência
doméstica
própria
Professor aut.
9
Renato
39
32
Superior
Incompl.
Superior
Gerente de
Correio
Dona de
casa
2
7-2
mensalista
Apto.
10
Saulo
39
35
Superior
Superior
Produtor de
vídeo
Coord. de
Creche
(empr.
Privada)
1
9
mensalista
Não
Considerando que a vivência com a família de origem, o relacionamento
com o pai, a mãe e os irmãos são geradores de experiências,
conflituosas (ou não), mas fundamentais no processo de construção da
pessoa, inicio o próximo capítulo descrevendo a família de origem e
analisando os depoimentos que aludem à figura do pai, em particular,
com o objetivo de apreender quais aspectos da experiência de filho
incidiram sobre a experiência de pai. Os relatos sobre a vivência com a
família de origem permitem ainda visualizar como a desigualdade de
gênero se expressava num outro momento histórico e como, no
106
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
momento presente, em que a destradicionalização do modelo de
paternidade na família de origem possibilitou mudanças, ainda se
manifesta como uma das faces da constituição da paternidade nos anos
90.
Capítulo 4
A família de origem:
a desmitificação do pai-herói
Com o objetivo de recuperar a trajetória de vida dos homens desta
pesquisa e estabelecer correlações entre a vivência com o pai e a
construção da própria paternagem, iniciei cada uma das entrevistas
com questões sobre a família de origem: o cotidiano familiar, as
brincadeiras com o pai, o lazer da família, as questões de disciplina e
como descreviam o pai, a mãe, enfim, sobre o relacionamento e a rotina
doméstica na infância e adolescência. A idéia era buscar na memória do
entrevistado sobre a relação pai-filho, mãe-pai, mãe-filho o repertório
que poderia estar favorecendo, ou não, uma paternidade reflexiva e,
portanto, aberta a questionamento e à reformulação de seu conteúdo
tradicional. A tradição, tal como pensada por Anthony Giddens (1997)
está ligada à memória e tem uma força de união que associa conteúdo
moral e emocional. A memória se refere à organização do passado em
relação ao presente; sendo que o passado não é preservado, mas
continuamente reconstruído, tomando como base o presente, a partir
da experiência acumulada, das relações sociais e familiares, num
processo que é, por isso, apenas parcialmente individual (Giddens,
1997:81).
107
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Pensada como estratégia metodológica, a fala inicial sobre a
infância facilitou o diálogo e permitiu que eu apreendesse os aspectos
relevantes sobre a família de origem. Por outro lado, a possibilidade de
ouvir sobre essa relação pai-filho com o olhar da vivência, com uma
experiência
de
paternidade
já
constituída,
possibilitou
aos
entrevistados, diluir críticas e atenuar eventuais ressentimentos com
relação ao pai. Ter seus próprios filhos habilitou-os, de certa maneira, a
entender as razões que levaram o pai ou a mãe a adotar um
comportamento mais ou menos autoritário, mais ou menos ausente,
bem como para descrever a sua própria experiência de paternidade,
através da analogia por negação ou por aproximação com um modelo de
paternagem e de relação conjugal.
Embora o enfoque deste capítulo seja o entrevistado e sua relação
com a família de origem, em particular com seu pai, algumas questões,
suscitadas no decorrer da análise, levaram-me a antecipar algumas
reflexões sobre a experiência presente do entrevistado com a cônjuge e
com os filhos. Neste sentido, estabeleci uma interrelação entre o tempo
presente (relação com a cônjuge e filhos) e o tempo passado (relação
com o pai e com a mãe) que permite visualizar o processo reflexivo de
construção da paternidade e da masculinidade. Esse vai e vem permite
apreender indícios de mudanças e, algumas vezes, permanências de
comportamentos e valores que estão relacionados à vivência com a
família de origem, à socialização, bem como revelar formas de
resistência encontradas por esses homens para instituir uma forma
própria de posicionar-se no mundo.
O perfil registrado da família de origem mostra que, de maneira
geral, os pais dos entrevistados ascenderam às camadas médias na
esteira do processo de industrialização e urbanização que caracterizou a
sociedade brasileira nos primeiros cinqüenta anos do séc. XX. A
ascensão da família de origem se reflete especialmente na atual posição
108
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
social dos entrevistados — todos têm curso superior e apenas um não
tem casa própria. A trajetória de vida da família de origem registra tanto
a migração dos pais que vieram de outros estados ou cidades para a
capital, como a imigração (o pai de Luiz veio do Japão; os pais de Leonel
de Portugal quando ele ainda era pequeno e os pais de Mauro vieram do
Egito). As dificuldades econômicas e culturais enfrentadas pela família
marcam a atuação paterna. O pai dos entrevistados é um pai provedor,
a quem cabe também a tarefa de encaminhar um futuro melhor para os
filhos e garantir o status familiar. Quase sempre essa expectativa é
conduzida para o filho primogênito de quem se espera que possa
conquistar uma carreira promissora, avançando no projeto familiar de
ascensão.
A história pregressa da família, as dificuldades financeiras, os
sacrifícios são elementos resgatados para explicar o autoritarismo, a
rigidez,
que
conformam
um
certo
tipo
de
paternidade
e
de
masculinidade:
(...) A família do meu pai era pobre. Então, é assim, eles tentaram
segurar a barra lá. Tentaram achar que “isso vai passar”. Eles
sofreram muitos atentados, meu tio foi esfaqueado lá, ele tem origem
judaica. Eles ficaram muito com isso não resolvido. Não sei se isso
tem a ver, então ele tinha essa coisa de ser autoritário demais,
machista demais, rígido demais com as coisas. E ele realmente
queria que eu, como filho mais velho, fosse um cara que... tinha muita
expectativa em cima do filho mais velho. Então, tinha que ser bom na
escola, tinha que ter objetivos parecidos com os dele. Coitado, foi tudo
ao contrário. Acabou saindo tudo ao contrário (Mauro, produtor de
vídeo)66.
Mauro, filho primogênito, frustou as expectativas de seu pai ao não se
tornar nem engenheiro (tal como o pai), nem médico, nem advogado67.
Ele acredita que para seu pai as dificuldades enfrentadas pela família
66
67
Esse trecho do depoimento de Mauro se refere ao relato sobre a questão da disciplina.
Contrariando o desejo paterno Mauro não só abandonou a faculdade de engenharia, mas
passou por outras três faculdades na área das ciências humanas, não concluindo nenhuma.
Atualmente, é um bem sucedido produtor de vídeo.
109
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
de origem deveriam ser recompensadas na forma de uma condição de
vida melhor, oferecida pelos filhos mediante uma carreira profissional
bem sucedida. A escolarização e uma boa carreira profissional seriam
os instrumentos. Essa mesma frustração, por supostamente não ter
correspondido aos anseios do pai, aparece na fala dos demais
entrevistados
— Qual é a principal lembrança, qual a principal referência que
você tem dele? Quem vem primeiramente, que te marca, que é a
marca do teu pai, assim, na tua vida?
— Olha, o que me marca hoje é que meu pai nunca foi empregado, ele
sempre trabalhou por conta, foi caminhoneiro, mas sempre teve o
caminhão dele, mas foi caminhoneiro. Depois trabalhou com meu avô
na casa de móveis, mas ele que fazia o carregamento, loja pequena;
isso nós estamos falando da década de 50, início da 60, mas ele
nunca foi empregado, mesmo na vida profissional dele, mesmo nos
momentos baixos, quando teve um sócio, tiveram problemas, brigas
tal, perda de dinheiro e tal. Mas ele sempre teve o seu afazer, daí o
seu ganha pão, na qual constituiu toda a família. Eu tenho quase
certeza de que ele gostaria.... por exemplo, meu pai tem uma loja,
uma fábrica pequena, tem quatro funcionários e tudo mais, mas é o
que garantiu a sobrevivência da família e o que eu tenho hoje, muitas
coisas da minha irmã também. Eu acho que ele queria que a gente
continuasse isso, e dessa loja criasse outras lojas, por aí. Tanto eu
como minha irmã tivemos profissões completamente diferentes. Eu
nunca fui dono de nada, sempre fui empregado, continuo sendo até
hoje. Minha irmã não, minha irmã é fono, tem um consultório. Então,
meu pai sempre fala o seguinte “que basta você ser empregado, para
você ser despedido amanhã”. Então, ele fala de não se envolver
muito, eu ouço isso dele há muito tempo, acho que desde a época que
eu optei por alguma profissão, na época do vestibular. Então, ele
falou, isso é o que me marca. “Basta ser empregado para amanhã
você estar desempregado”. Isso é algo que me marca, sei lá, como
filosofia de vida, mas como coisa que ele fez, assim, eu não tenho
não, nada marcante. (Luciano, diretor comercial)
Mesmo apresentando uma trajetória social distinta, que garantiu-lhes
uma ascensão relativa através da escolarização ou de ocupações
profissionais
qualificadas,
os
relatos
enfatizam
as
dificuldades
enfrentadas pela família de origem para chegar aonde estão. Destaca-se
neste contexto a dedicação ao trabalho e que conforma a categoria pai110
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
de-família e chefe-provedor. A idealização deste tipo de paternidade e de
masculinidade, fortemente marcada na figura do chefe provedor, do
homem trabalhador, capaz de sustentar o grupo familiar se revelou
persistente no imaginário social e por isso presente nos depoimentos.
Para Cynthia Sarti (1996) a ética do trabalho se constitui em ética
do provedor em razão de uma concepção de trabalho e de relação de
trabalho em que fatores econômicos se articulam a elementos morais.
Sarti está se referindo aos trabalhadores pobres, da periferia paulistana
que estudou para sua pesquisa de doutorado, na década de oitenta.
Essa mesma articulação ética entre trabalho e provedor pode ser
identificada no discurso dos entrevistados ao falarem sobre o pai:
— Como você descreveria seu pai?
— Descreveria da seguinte forma, um cara quatrocentão. Cara assim
da antiga, que foi criado da mesma forma que ele me criou, meio
seco, meio ríspido, assim. Pegava muito pouco [no colo], deveria ter
pego mais (...) ele passou a infância com muita dificuldade, então
acredito que por falta de estudo ele se tornou aquele cara meio o
chefão, dono da família. Tem que sair lá fora, resolver tudo para todo
mundo e aqui dentro quem manda é ele. Então mais ou menos desta
forma (...) uma pessoa muito trabalhadora, muito honesta, meu pai
era o que todo mundo queria ter e que amigos invejavam...(Renato,
gerente de correio)
O trabalho se impõe como referência e afirmação da identidade
masculina e atua sobre o modo de conceber a paternidade, como
veremos mais adiante. Sarti (1996) observou que “A identidade
masculina, na família e fora dela, associa-se diretamente ao valor do
trabalho, não apenas para os pobres. O trabalho é muito mais do que o
instrumento da sobrevivência material, mas constitui o substrato da
identidade masculina, forjando um jeito de ser homem.” (p.66).
A ascensão social da família dos entrevistados foi particularmente
favorecida pelo processo de industrialização dos anos 1950. O nível de
escolaridade é o diferencial, ao qualificar o pai para o exercício tanto de
111
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
uma profissão liberal como para ocupar um cargo no funcionalismo
público ou ainda na indústria: quatro pais tinham curso superior e os
demais haviam no mínimo completado o ensino fundamental e exerciam
atividades técnicas qualificadas: protético dentário, metalurgia, gerência
de banco. Os de menor escolaridade tornaram-se comerciantes: o pai de
Leonel era proprietário de uma padaria e posteriormente de posto de
gasolina; o pai de Luciano possuía uma loja de tecidos no Bairro do
Bom Retiro.
Entre as mães, o nível de escolaridade se assemelha ao dos
cônjuges, com exceção da mãe de Leonel, que era analfabeta. Filho de
pais imigrantes portugueses, vindos da Ilha da Madeira, somente Leonel
e a irmã caçula tiveram oportunidade de cursar a universidade. Os
outros 4 irmãos (3 homens e 1 mulher) trabalharam desde cedo para
ajudar
no
sustento
da
família.
A
família
se
constitui
num
“empreendimento cooperativo” na ascensão social e na educação dos
filhos, principal investimento, facilitado por um sistema público de
ensino de boa qualidade.
O nível de escolaridade das mães e o fato de muitas delas terem
trabalhado antes do casamento não impediram que a maioria
interrompesse a carreira profissional após o casamento e a chegada dos
filhos: oito mães eram donas-de-casa. Só três delas têm 2 filhos, as
demais têm entre 3 e 6 filhos.
Sabe-se que o estado conjugal e a maternidade são fatores
determinantes na trajetória profissional das mulheres. Estudos sobre a
força de trabalho feminina indicam que somente a partir da década de
1970 a participação da mulher casada no mercado de trabalho começou
a se expandir. Até então as mulheres casadas apresentavam uma taxa
de atividade de apenas 9,8%, sendo que em 1980 esse percentual sobe
para 19,5% e em 1993 para 49,7% (Bruschini, 1989, 1998). Ou seja, o
casamento e a educação dos filhos tinham, na geração dos pais dos
112
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
entrevistados, primazia sobre uma eventual carreira profissional, como
é possível ver pelo relato de Luiz:
— Ela nunca pensou em voltar a trabalhar, já que ela era uma
mulher que trabalhava fora?
— Acho que não. Até porque... quer dizer, minha mãe tinha um pouco
uma coisa... um pouco nessa linha, de ter se preparado para casar,
de ter feito enxoval, e na família dela tem várias, tinha muitas
mulheres na família, várias que morreram solteiras. Então acho que
tinha muito essa coisa de se preparar para se casar, de se dedicar ao
marido... Assim, ela tinha uma coisa de obediência cega, assim até
de matar totalmente a opinião dela e a vontade dela em função do
marido ou dos filhos. Então a minha mãe, assim, estar omitindo
opinião...Sei lá, submissão, falta de iniciativa, vontade própria. A
vontade era... do marido e da família. (Luiz, diretor de sistemas)
O fato da mãe não trabalhar fora é avaliado, em parte, como uma
postura de submissão ao marido e, de outra, falta de vontade própria,
como mostra o relato acima. Ou ainda, resultado de “bloqueio interno”:
— E a sua mãe, como você descreveria a sua mãe?
— A minha mãe é aquela mulher que queria muita coisa, mas foi
sempre muito submissa ao marido (...) eu descrevo a minha mãe,
mais ou menos assim, aquela mulher muito submissa ao marido, com
a vontade muito grande de ter as coisas, de batalhar, de crescer,
mas sempre foi meio... é... bloqueada por aquelas regras internas.
Ela era muito mais atirada e meu pai muito mais pé no chão. Mas
também uma pessoa maravilhosa, passava muito carinho, tratava
muito bem todo mundo. (Renato, gerente de correio)
A vontade do marido associada a valores tradicionais sufoca desejos
pessoais e, em alguns casos, somente após a viuvez o desenvolvimento
pessoal da mãe pôde ser conquistado:
— E qual era o nível de escolaridade dos seus pais?
— (...) a minha mãe quando eu nasci, eu sou o primeiro filho, tinha 18
anos. Portanto, segundo os padrões da época, ela largou a vida dela
toda, parou de estudar...Ela trabalhava antes, porque como eles
eram imigrantes, mesmo as mulheres precisavam trabalhar para
trazer dinheiro (...) E a minha mãe a vida inteira ela quis muito
estudar, ela tentou muito estudar, mas meu pai era muito machista,
muito autoritário e dificultou o que pôde. Apesar disso ela fez o
madureza para terminar o ginásio, que ela não tinha terminado e só
113
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
depois que ele morreu, que ela ficou viúva, que ela conseguiu fazer
daí o colegial, o cursinho e entrou na Faculdade e há dois anos atrás
se formou em Psicologia. Ela está começando a atender agora, como
ela se formou no ano passado, ela está começando, está com alguns
pacientes, tal. Casou de novo. (Mauro, produtor de vídeo)
A submissão da mãe à vontade do marido e dos filhos não significava
necessariamente passividade, como bem demonstra o relato de Mauro.
A casa é considerada um espaço de autonomia feminina. A mãe é, em
geral, descrita como uma mulher forte no comando da disciplina, da
vida familiar e presença marcante na vida dos filhos:
— Mas ela era mais severa?
— Ela era mais severa, controladora, né. Dona do pedaço. Sempre
essa impressão de matriarcado, né. Ela era a galinha da casa
mesmo. Tinha os pintainhos ali... Respeitava demais meu pai, mas a
gente sentia que a força da minha mãe era muito grande. Transmitia
força para meu pai, essa era a sensação que até hoje eu tenho.
Sensação de criança. (Leonel, engenheiro, desempregado)
Os estudos sobre família68, em especial aqueles desenvolvidos nos anos
80, mostram que para as mulheres ser boa mãe, boa dona-de-casa têm
um forte significado de realização e é fundamental na construção da
identidade feminina. A persistência de um certo modelo cultural de
maternidade e de feminilidade foi discutido por Danielle Ardaillon
(1997) em sua pesquisa de mestrado realizada nos anos 80. Para ela, o
impacto da maternidade sobre a vida das mulheres, no caso mulheres
profissionais, expõe o choque entre o modelo tradicional da mãe que se
dedica à família e o desejo/necessidade do trabalho profissional:
No discurso das mulheres profissionais, a referência ao modelo de
“boa mãe” é fonte de dúvidas quanto ao seu desempenho cotidiano
por mais de um motivo. A sensação que eu tenho é de que ELAS
tentam responder a vários apelos, não somente dos outros
(maridos, filhos, empregadores, colegas etc.), como seus próprios,
de indivíduos com direitos dos mais diversos: à liberdade, à
68
Ver Salém (1990), Dauster (1987), Di Ciommo (1990), Buschini (1990), Sarti (1996), Ardaillon
(1997) entre outros.
114
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
igualdade, à cidadania. Assim, as ambigüidades com as quais
ELAS se defrontam não são apenas aquelas da profissional versus
a “boa mãe”, mas do indivíduo livre e criador, sujeito de suas ações
versus aquele outro, determinado por uma sujeição a papéis
sociais pré-moldados. ELAS deixam claro que não se trata de
deixar de ser mãe porque profissional, ou vice-versa, e começam a
estar conscientes de que estão desbravando caminhos
desconhecidos (Ardaillon, 1997, p.140).
Ao mencionarem a submissão da mãe à família e à vontade do marido e
dos
filhos,
ressaltando
a
abdicação
daquelas
mulheres
à
vida
profissional, os entrevistados sinalizam os primeiros indícios de
confrontação ao ideal de maternidade e de relação conjugal. A
independência da mulher, proporcionada pelas conquistas feminista,
pelo trabalho e pelo investimento em uma carreira profissional, é um
aspecto de significativa mudança na geração desses homens em relação
a de seus pais: as esposas de sete entrevistados trabalham fora e eles
consideram fundamental para “a
relação do casal” e para ela que
mantenha um projeto próprio de desenvolvimento pessoal. Mais do que
isso, reconhecem que a dedicação exclusiva a família não é um fator de
realização pessoal. Mesmo entre aqueles cuja mulher optou por dedicarse à família, está presente no discurso o receio de que essa opção possa
no futuro ser motivo de insatisfação e cobrança. É o que expressa
claramente Luciano quando perguntei-lhe sobre o que pensava sobre as
mulheres trabalharem fora:
— As crianças já estão grandes, as duas estão na escola. No meu
modo de ver ela já devia estar retomando um pouco. Eu sempre a
incentivei para não parar de trabalhar, mas eu não vejo ela
querendo retomar o mercado de trabalho. Apesar de com alguma
freqüência eu tocar no assunto, sempre escuto desculpas mais
esfarrapadas. Na época das crianças ela falou que queria curtir
ser mãe, não tinha nenhuma intenção...ela queria viver essa fase
de mãe até a pré-escola, era o objetivo dela, ser mãe. Mas eu
tenho muito medo disso, eu falo para ela que a gente não sabe o
dia de amanhã e amanhã ela pode jogar na minha cara que ela
se dedicou à família e perdeu a atividade profissional dela. Tem
hora que eu tenho medo do meu casamento...(Luciano, diretor
comercial)
115
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O trabalho profissional da mulher, a sua realização pessoal é visto como
vital, menos pelo fator financeiro e mais pela satisfação dela e,
conseqüentemente,
como
garantiria
para
o
bom
relacionamento
conjugal. Por outro lado, a maternidade parece não mais sustentar o
vínculo conjugal. Espera-se que a cônjuge desenvolva outros interesses,
minimizando desta forma possíveis expectativas em relação ao parceiro
e à própria relação conjugal:
— Eu acho que é vital. Assim, eu acho que eu não conseguiria casar
com uma mulher que não tivesse a vida dela, que não gastasse a
energia dela, não tivesse as ambições dela, não cruzasse outras
pessoas, sabe? Eu acho vital até para o casamento funcionar,
areja sabe? Não fica em cima do marido, não fica em cima do
filho, tem as próprias coisas que ninguém precisa saber, leva a
vida, passa o tempo fora de casa, eu acho que é vital...(Benício,
músico)
— Você acha importante a mulher trabalhar fora?
— Super...faz parte hoje, não tem porque não trabalhar. A Tãnia, se
Tãnia não trabalhasse ela não existiria. (...) hoje ela é cineasta,
trabalha com montagem, que é o que ela mais gosta (...) Fico
imaginando a vida da Tânia sem o cinema. Ela simplesmente não
ia existir. Tem as suas dificuldades, claro, com relação aos filhos,
eu vejo nela que ela sempre acha que é devedora com os filhos por
conta do trabalho. Acho isso meio bobagem, acho ainda coisa de
cultura que vem arrastando aí, também não precisa ficar grudado
no filho o tempo todo. (...) (Carlos, professor universitário)
— Eu lembro que no começo, no primeiro ano que a gente estava
namorando, ela não trabalhava. Então tinha até uma certa...não
uma briga, mas uma insistência para ela começar a fazer isso.
Quer dizer, da mesma forma que para mim hoje seria ruim a
Isadora não estar numa escola, não estar tendo uma vida mais
ampla do que ela teria dentro de casa, para mim é ruim ver uma
mulher que não trabalha. Um pouco como eu vejo a minha mãe,
de ter uma limitação em uma série de aspectos, de como ela vê o
mundo, porque há quase 40 anos ela está dentro de casa... então
sempre tive uma insistência com a Débora para ela
trabalhar...Não é nem por questão financeira (...) eu me sentiria
muito incomodado por ela deixar de ter toda uma relação...acho
que não daria certo se ela não trabalhasse. (Luiz, diretor de
sistemas)
116
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
As falas deixam transparecer uma crítica a um certo ideal de
maternidade, no qual a mãe dedica-se exclusivamente aos filhos —
mais do que isso — prevalece a idéia de que as crianças não necessitam
de tanto empenho materno para se desenvolverem. Diferentemente da
geração de seus pais, a realização pessoal da mulher está associada ao
investimento numa carreira profissional. No entanto, a condicionam ao
mero desejo da mulher (basta querer) e não identificam eventuais
obstáculos que podem ter levado algumas delas a abandonarem ou a
adiar a carreira profissional. Para esses homens nem a casa nem a
presença de filhos justifica a opção de não trabalhar fora. A questão que
se coloca é: como operacionalizar a carreira profissional e as imposições
do mercado de trabalho frente à dinâmica da vida familiar, que inclui
demandas diversas com os filhos pequenos ?
O espaço doméstico, expressão da desigualdade de gênero
Os entrevistados relatam que era a mãe quem cuidava dos
afazeres domésticos ou orientava o trabalho da empregada doméstica,
assumindo para si as atividades relativas aos filhos e ao preparo da
comida. Apenas dois deles não relataram a presença da doméstica:
Leonel e Luiz. A família de Luiz era de imigrantes; pai japonês e mãe
filha de italianos; moraram durante algum tempo com familiares
maternos, estabelecendo com a rede de parentesco a divisão das tarefas
domésticas. Mesmo quando passam a morar em casa própria é a mãe
que continua a assumir os afazeres domésticos. Leonel, por sua vez,
também filho de imigrantes, vem de uma grande família com muitas
irmãs (quatro). Todo o trabalho doméstico e de sustento da família era
dividido entre o grupo familiar. As mulheres tanto ajudavam nos
afazeres domésticos como na atividade comercial dirigida pelo pai e,
diante da necessidade, até os filhos homens podiam ser convocados
117
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
para ajudar nos afazeres domésticos, se não estivessem trabalhando,
como foi o caso de Leonel, o caçula da família:
— Todo mundo se empenhava em fazer a limpeza, fazer as coisas da
casa e trabalhar no negócio junto com o meu pai. Então fazia aquele
revezamento. Também uma das minhas irmãs casou na Madeira e foi
para a África do Sul, depois é que veio para o Brasil, muitos anos
depois. Então a idade era... as duas mais velhas, eram duas,
ajudando meu pai e na limpeza da casa, e os pentelhos, eu e a Tita,
atrapalhando e de vez em quando até ajudando alguma coisa.
Enxugar a louça era basicamente a minha tarefa. A Tita gostava de
lavar. E eu não tinha muito o que opinar, se gostava ou não, tinha
que enxugar. (Leonel, engenheiro desempregado)
Cabe destacar que Leonel, na ocasião da entrevista, por estar
desempregado, era responsável por boa parte dos afazeres domésticos
de sua casa, já que o orçamento não permitia custear uma faxineira. A
experiência vivida na casa dos pais, durante a infância e adolescência,
foi providencial:
— E você, tem alguma tarefa sua na casa?
— Tenho. Arrumar a casa (risos). Atualmente...fazer limpeza,
vassoura, lustra móveis, lavar louça... Enxugar a louça eu não
enxugo muito, deixo escorrer, passo um paninho e largo. Antes
também fazia [de estar desempregado], mas como nós dispensamos
a faxineira, já um período grande, nós dispensamos a faxineira e eu
passei a fazer. Mas antes quando não tínhamos faxineira, também
fazia. A Julia era pequenininha, e eu que saía limpando apartamento,
lavando azulejo, chão. Era um apartamento no térreo, tinha um
quintalzinho, lavava o quintal...
— E a Raquel te ensinou a fazer isso ou você foi fazendo?
— Não, eu fazia isso em casa. Fazia em casa, meus pais... o quintal
dos meus pais era um horror. Duas horas limpando aquele quintal...
meu Deus do céu... Também tinha minhas irmãs, ‘não, você vai
limpar o seu quarto’, aí vai lá e limpava o quarto, lavava o banheiro,
faxina. Vai limpar não sei o quê...(Leonel, engenheiro,
desempregado)
Diferente da geração de Leonel, o envolvimento paterno nos afazeres da
casa era restrito a algum auxílio com a arrumação da mesa para as
118
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
refeições (normalmente o jantar), ou algum conserto. Ou ainda, o pai
podia fazer as compras de supermercado ou da feira. Todos foram
unânimes em responder que o cuidado da casa era uma tarefa da mãe,
que muitas vezes contava com a presença de uma empregada doméstica
ou com a ajuda das filhas. Ao pai cabia o trabalho remunerado, externo
à casa.
A divisão das tarefas domésticas
Na fase da primeira infância o pai não é citado como alguém que
divide ou ajuda nas tarefas domésticas. A ele cabe prover o sustento, e
em relação a família, agir na disciplina quando fosse necessário. Seu
envolvimento com os filhos, no entanto, não era desprezível, e muito
provavelmente representou um avanço em relação à geração anterior.
Um exemplo é a disponibilidade de alguns para sentar com os filhos e
ensinar matemática ou inglês, acompanhando as tarefas escolares.
Como foi observado, o investimento na educação dos filhos é valorizado
como forma de ascensão social.
Ainda assim, o relato dos entrevistados mostra que a família de
origem estava organizada de maneira tradicional, cabendo à mãe o
gerenciamento da casa. As mães, como mencionado anteriormente,
apresentavam
um
bom
nível
de
escolaridade
e
muitas
delas
trabalhavam antes do casamento ou antes do nascimento dos filhos.
Contudo, o casamento e a maternidade se impuseram como um destino
pouco questionado naquele contexto cultural (anos 50 e 60). O relato de
Saulo é bastante revelador deste quadro e da reprodução das
desigualdades de gênero no processo de socialização. Saulo tem três
irmãs mais velhas e um irmão mais novo:
— E a sua mãe, depois do casamento, não trabalhava?
119
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Não trabalhava mais. Ela ficou em casa cuidando da gente, muito
presente em casa.
— Mesmo assim vocês tinham empregadas domésticas?
— Eu costumo dizer, na forma pejorativa, que minha mãe foi uma
dondoca, porque a família dela era muito rica, um chegou a ser
deputado federal, e a família do meu pai já não, meu pai já veio de
um meio humilde. Então, a impressão que passou é que o meu pai
quando casou com ela quis mantê-la no mesmo padrão, desatou a
trabalhar que nem um alucinado para manter esse padrão. Então ela
teve sempre uma ou duas empregadas em casa, lembro muito da
infância que tem assim, a arrumadeira e a cozinheira. Geralmente a
arrumadeira cuidava da gente também. Essa história de dar banho
ou mandar para o banho, hora do lanche, gerenciava essa situação
(...) Eu sempre lembro da minha mãe trocando botão, dando trato na
roupa, bainha, esse tipo de coisa. E na cozinha, ela fazia os quitutes,
assim, pratos especiais, um doce, ela sempre fez doces deliciosos, tal.
Então, ali na rotina era isso.
— E você e seus irmãos, eram irmãs, né, eram responsáveis por
alguma tarefa doméstica?
— As meninas, com certeza.
— Você ficava livre...
— Ah... noventa por cento dos casos. Eu não era envolvido...
— Nem a sua cama você precisava arrumar?
— Nunca. Nem pegar cueca do chão, nada. Zero. Já as minhas irmãs,
tinham atribuições de deixar o quarto em ordem, elas tinham... e
assim eu lembro de levantar, de ir para o banheiro, tomar café, e
quando eu voltava, minha mãe já tinha feito a minha cama. A ação
era ela, ela arrumava.
— E você se lembra do teu pai ajudando em alguma tarefa na casa?
— (...) em casa ele fazia muito pouco, muito pouco mesmo. Trazia... a
impressão que me passa, ‘a minha função é equipar a casa, vocês se
viram. Eu providencio a entrada em grana, e vocês se viram’. Ele...
vamos ver, tem que dividir um pouco as etapas da vida, porque na
primeira infância, ele com seis filhos, crianças, trabalhava de manhã,
de tarde e de noite no consultório, e à noite ia dar aula num cursinho,
cursinho pré vestibular. Então ele ia para o consultório e para o
cursinho. Quando ele vendeu o cursinho, ele começou a comprar
fazendas, a administrar fazendas, tal. Ele ia para o consultório,
ficava até tarde no consultório, e nos dias em que ele não ia para o
consultório ia para as fazendas. O tempo inteiro fora. Essas coisas
de... do dia a dia, ele não se envolvia. Não se envolvia mesmo! Mais
tarde, ele teve alguns acidentes de percurso, acidentes físicos de
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
carro (...) algumas rotinas acabaram sendo mudadas. Então nessa
segunda fase, que eu já estou adolescente, jovem, ele acaba se
comprometendo a de manhã levantar e comprar um pão. Isso ele
fazia. Mas por épocas.... Aí de repente vem uma empregada que
chega todo dia às sete da manhã, já traz o pão. Que eu acho que o
formato de hoje é esse, a empregada chega e traz o pão (...) Gozado,
se tem alguém ele não faz absolutamente nada. Se não tem, ele faz.
Só que estou falando essas coisas, de um pai jovem. Hoje ele tem 72
anos, eu vejo ele e a minha mãe super dividindo, ele fazendo as
coisas, lavando... agora ele está mais doméstico... (Saulo, produtor
de vídeo)
O relato de Saulo sintetiza o processo de socialização no qual se
estabelece uma clara divisão sexual do trabalho e que compõe um certo
padrão de gênero adotado em nossa sociedade. Às meninas cabem
arrumar o quarto, ajudar a mãe nos afazeres domésticos. Tarefas
femininas. A Saulo, por sua vez, nem mesmo é cobrado “pegar as
cuecas do chão”. Saulo é menino69.
Maria Luiza Heilborn (1995), em pesquisa realizada em bairros
populares do Rio de Janeiro identificou um processo de socialização
semelhante ao relatado por Saulo, no qual é estimulado o envolvimento
feminino nos afazeres domésticos, ao contrário dos meninos, que são
incentivados a exercer pequenas tarefas externas à casa.
O comportamento em relação ao envolvimento do pai, não é muito
distinto. Ele, como chefe-provedor, sai cedo para o trabalho, volta muito
tarde e está ocupado em ganhar dinheiro para o sustento da família.
Não há porque esperar que ele divida os afazeres domésticos. Sua
participação é mencionada como ajuda e não há questionamento desta
ordem das coisas. Diferentemente do que virá a acontecer com a
unidade familiar do entrevistado, no qual mesmo que ele mantenha
uma posição de provedor (até porque seu rendimento em geral é o maior
69
A maioria dos homens entrevistados tinham filhas (são 14 meninas e 4 meninos), assim não
foi possível avaliar como se processava a educação dos meninos com relação às tarefas
domésticas, por exemplo, comparativamente às meninas. Há que se considerar também a
idade das crianças, a maioria tem menos de 7 anos, além da presença da empregada
doméstica. Não houve registro de preocupação com a educação das crianças, com relação a
uma maior equidade de gênero.
121
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
no orçamento doméstico) é esperado da cônjuge uma outra forma de
atuação na estrutura familiar, e que não deve limitar-se ao espaço
doméstico.
No caso da família de origem, somente num outro momento de
vida, o da aposentadoria, há por parte do homem disponibilidade para
uma maior participação na esfera doméstica. Sem ter que sair para
trabalhar, sem estar sujeito aos horários rígidos ele divide com a sua
companheira os afazeres domésticos. Esta diferença do ciclo de vida foi
observada também por Luiz, Luciano e Marcos, que vêem o pai mais
envolvido nesta fase de sua vida com as coisas da casa, do que outrora.
Os depoimentos mostram que é a mãe quem normalmente levava
os filhos ao médico ou dentista e a justificativa é sempre a mesma: “o
pai trabalhava o dia inteiro”. Levar os filhos para escola é uma tarefa
para o pai somente quando a mãe não pode ou porque o trajeto até o
trabalho é o mesmo.
— Quem costumava levar você e seus irmãos ao médico, ao
dentista?
— Minha mãe.
— Sempre ela?
— Sempre ela. Na escola, meu pai levava por que tinha aquela coisa
da condução familiar, meu pai saía de manhã para trabalhar, já
levava, deixava todo mundo na escola. Nessa época de infância, a
gente tinha um carro só. A partir do momento que a gente teve dois
carros, minha mãe sempre fez isso. (Mauro, produtor de vídeo)
— Quem costumava ir às reuniões escolares?
— Minha mãe.
— E quem costumava te levar ao dentista, ao médico?
— Minha mãe.
— Sempre ela?
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— É, por que ela era do lar. Meu pai que trabalhava das oito às oito,
às dez ou as doze. (Renato, gerente de correio)
A mãe é do lar e por isso é “natural” que seja ela e não o pai a levar os
filhos para o médico, para a escola, enfim acompanhá-los em suas
necessidades cotidianas. Por outro lado, nenhum dos entrevistados se
referiu, ao longo das entrevistas, à própria mulher como sendo “do lar”
ou “dona-de-casa”, mesmo entre aqueles cuja cônjuge não desempenha
atividade profissional. Como destaquei anteriormente, não é “natural”
para esses homens que a mulher não trabalhe fora. Poderíamos pensar
que neste subtexto há a indicação de que as tarefas domésticas podem
estar sendo negociadas, diferentemente do que ocorria no caso do grupo
familiar de origem.
O pai de Carlos levava os filhos ao médico, quase como um ritual
anual, que acontecia quando iam a São Paulo, já que na época
moravam no interior do estado. No entanto, esse seu comportamento
não significava conhecimento sobre o estado de saúde dos filhos;
apenas acompanhava os meninos ao médico. Diferentemente do
comportamento do pai, Carlos acompanha os filhos ao médico, sozinho
ou com a esposa.
— Quem te levava ao médico?
— Meu pai. isso eu lembro direitinho. Ele que me levava. Ao médico,
médico a gente ia uma vez por ano, que era tradição, tivesse onde
estivesse a gente vinha para São Paulo, as tias minhas, irmãs do
meu pai que moravam aqui no Ipiranga, então era tradição, nas
férias, pelo menos uma semana das férias, era gasto em São Paulo
para ir em médico, fazer exame de fezes, porque no interior não tinha
nada disso. Fazia um check-up.
— E aí nessas situações iam os dois, ou ia a sua mãe?
— Não, ia o meu pai. Acho que minha mãe cuidava de outras coisas,
eu não lembro direito, mas eu lembro que quem ia no médico era meu
pai, e quem cuidava dessas coisas era ele. Comigo foi assim. Eu não
sei dizer com os outros irmãos, como é que foi, mas comigo foi assim.
123
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
No dentista era ele que me levava... eu lembro direitinho porque era
um escarcéu para ir ao dentista.
— Quer dizer, para levar uma criança ao médico você devia saber
um pouco da rotina da criança, né, das coisas, o que come, o que
não come, o que faz e não faz...
— Eu não sei se a consulta passava tanto por aí naquela época, não,
viu Sandra. Porque o meu pai era uma pessoa assim de poucas
palavras, acho que ele não sabia o que eu comia, ele cumpria essa
função, tinha que levar, ele levava, mas...examinar, e acho que ele
não saberia responder muita coisa a meu respeito não. Minha mãe
sim, mas ele não. Mas era ele que levava. Acho que ele confiava em
exame clínico, essas coisas. Diferente de hoje, quando a gente vai
num pediatra homeopático, que tem toda uma conversa, vou eu e
Tânia junto, essa...
— Você costuma ir, costuma levar os seus filhos?
— Vou, algumas vezes a gente divide. Vou eu ou vai Tânia; sempre
que possível a gente vai junto. (Carlos, professor universitário)
Esse comportamento, de acompanhar os filhos ao médico, à escola,
enfim, compartilhar o cotidiano dos filhos com a mulher, é outra marca
de distinção entre a geração dos entrevistados e de seus pais. No
capítulo seguinte, ao explorar o envolvimento desses homens com seus
filhos, veremos que muitos deles estão empenhados não só em
participar, mas em “saber” sobre o filhos: o que sentem, o que pensam.
No entanto, destaco em minha análise dos depoimentos, que a
negociação entre o casal para estabelecer uma divisão das demandas
familiares leva em conta critérios tais como a disponibilidade de tempo
de cada um; a possibilidade de ganho (renda); o tipo de ocupação (que
por
sua
vez
define
a
disponibilidade
de
tempo),
além
de
escolhas/decisões de ordem subjetiva. O resultado desta negociação
tende a manter a divisão sexual das tarefas. Em geral, os depoimentos
revelam que as demandas impostas pelos filhos acabam por absorver
mais tempo de dedicação das mulheres.
124
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A empregada doméstica
A presença da empregada doméstica entre as camadas sociais de
melhor poder aquisitivo, como é o caso nesta pesquisa, constitui uma
característica
da
sociedade
brasileira70.
Os
afazeres
domésticos,
culturalmente definidos como uma responsabilidade da mulher, são
condicionados por relações afetivas entre ela e os demais membros do
grupo familiar. Isto é, o trabalho doméstico quando realizado pela donade-casa não é considerado como trabalho, sendo socialmente pouco
valorizado, mesmo quando remunerado, como no caso das empregadas
domésticas. Ao contratar uma terceira pessoa para desempenhar essa
atividade, a mulher com melhor poder aquisitivo se libera das tarefas
que exigem esforço, porém menor habilidade, para trabalhar, estudar
ou exercer outras atividades domésticas, mais valorizadas, como por
exemplo cuidar dos filhos pequenos. A presença da empregada tem o
efeito perverso de reforçar o trabalho doméstico como uma seara
feminina. Ao passar os afazeres da casa para outras mãos femininas, a
estrutura de gênero não é questionada. O que é reafirmada é a
hierarquia de classes.
A presença da empregada doméstica é particularmente marcante
no período da infância, ou seja, na fase em que as crianças são
pequenas e a demanda por atenção é redobrada. Na fase da
adolescência esse padrão muda, mas é a mãe quem continua
assumindo a casa, cabendo aos filhos participarem eventualmente de
alguma tarefa.
— Vocês tinham empregados domésticos?
70
Para um aprofundamento sobre o emprego doméstico e sua decorrência para a desigualdade
de gênero ver Saffioti, Heleieth I.B. Emprego Doméstico e Capitalismo. Petrópolis:Vozes, 1978.;
Chaney, Elsa M.; Castro, Mary G. (eds.) Muchacha/ cachifa/criada/emp leada... Trabajadoras
domésticas en América Latina y el Caribe. Venezuela: Editorial Nueva Sociedad, 1993.; Melo,
Hildete Pereira de. De criadas a Trabalhadoras. Revista de Estudos Feministas. Rio de Janeiro:
IFCS/UFRJ/PPCIS/UERJ.2, v.6, 1998, p.323-357.
125
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Ó, eu acho que a gente era bem mimado em casa, pelo fato de ter
empregadas antigas, sabe, que nem a minha madrinha de
casamento, é uma, cara, que foi empregada, há uns trinta anos,
estava lá. Tinha essa preta velha, que pô, que me ensinou um monte
de coisa, também criou metade da minha família. Então, a gente
tinha uma mordomia legal nesse ponto. Algumas coisas, eu tendo a
ser bagunçado com minhas coisas, como você vê aqui, eu sei onde
está tudo, mas eu sou bagunçado, até porque como eu não tenho um
trabalho fixo, estou sempre trazendo coisa para trabalhar e nem
sempre arrumo ou jogo fora tudo. Eu sempre ajuntava muita
papelada, muita coisa, então a minha [empregada] de vez em quando
dava uma arrumação, e o que eu costumava fazer? Eu costumava
arrumar a minha cama, não sei de onde eu peguei esse hábito,
mesmo tendo quem fizesse. E uma época que eu andei natureba,
assim, eu cuidava do meu café da manhã e tal, mas eu acho ... Eu
tinha uns dezesseis, dezessete, sei lá. Mas era isso, uma parte da
minha alimentação teve uma época em que eu fazia pão, essas
coisas. Mas de modo geral acho que a gente era bem mimado...
(Benício, músico)
Lembro de empregado doméstico desde Assis, eu lembro da gente ter
empregado em casa. Quando a gente era em três filhos. Pres.
Wenceslau também lembro...É, uma pessoa que ajudava a minha
mãe nas tarefas da casa. Quem cozinhava sempre foi a minha mãe, e
que eu me lembro, a empregada ajudava na limpeza da casa. Mas
algumas vezes, eu me lembro, provavelmente porque estava sem
empregada, eu lembro de encerar, passar escovão...(Carlos,
professor universitário)
No grupo familiar de procriação a presença da empregada doméstica é
também marcante. Entre os entrevistados, apenas um deles não conta
com
ajuda
nem
desempregado.
Na
de
diarista,
família
de
nem
de
origem
mensalista,
a
porque
empregada
está
doméstica
desempenhava o papel de ajudar a dona-de-casa com os afazeres
domésticos, liberando-a para atender outras necessidades da família e
particularmente dos filhos e menos para um trabalho profissional. Na
atualidade, a presença da empregada em famílias de dupla carreira
(quando ambos os cônjuges trabalham), como é o caso nesta pesquisa,
garante não só o funcionamento da casa como complementa o
atendimento às necessidades dos filhos. A empregada não é responsável
somente pelo serviço doméstico, suas atribuições incluem também levar
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
as crianças à escola e buscá-las, colocar os filhos para dormir, quando
os pais chegam mais tarde do trabalho etc.
A presença da empregada doméstica garante a autonomia para a
mulher, que pode dedicar-se ao trabalho profissional. De certa maneira,
a presença dela minimiza os conflitos de gênero, pois tira das mãos da
cônjuge os afazeres domésticos que são repassados para as mãos de
uma outra mulher de classe social inferior. Na ausência da empregada,
os afazeres domésticos teriam que ser negociados e divididos entre os
membros da família. O que se observa é que há ainda uma relativa
dificuldade quanto à negociação dos afazeres domésticos.
Essa
negociação implicaria em adequação dos horários de trabalho de cada
um dos cônjuges às necessidades dos filhos e da rotina doméstica.
Veremos mais adiante que o tipo de ocupação profissional, tanto dos
homens como das mulheres, contribui para determinar a intensidade e
a forma de participação do casal na rotina familiar e doméstica.
Pai: provedor, herói
Como vimos, o grupo familiar de origem é organizado de forma
tradicional, sendo o pai o chefe provedor e a mãe, dona de casa,
responsável pelo gerenciamento da casa e pelas necessidades dos filhos.
O pai, além da figura de provedor, é relembrado como o pai-herói
da infância, o pai forte que sabe e pode tudo. Na medida em que o filho
também se torna adulto essa imagem se desfaz, transformada em outra:
a do homem com qualidades e com defeitos, do homem que também é
frágil. Essa constatação sobre o pai é também o reconhecimento de seus
próprios limites como pai. Afinal, na infância e na adolescência há um
certo olhar sobre a figura paterna, diferente daquele da maturidade,
quando filho e pai se aproximam, se identificam:
127
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Como é que você descreveria o teu pai?
— Esses dias eu vi, essas coisinhas que tem em banca de jornal. Vi
uma de pai, que falava um negócio bem estereotipado e eu falei, “um
dia vou pensar assim”, e no fim acaba sendo mais ou menos isso.
Então... no começo da minha infância meu pai era o super homem, o
super herói, um cara super alto, meu pai... Eu sou baixinho, ele é
mais baixo que eu. Mas para mim ele era o mais alto do mundo, o
mais forte... sabia tudo, tinha aquela coisa de autoridade muito
presente, e tal. Então isso, até essa fase quase até os dezoito anos,
quando a gente começou a divergir, aí foram também divergências
profundas... (Luiz, diretor de sistemas)
— Como é que ele era? Como é que ele foi para você?
— Como toda criança, até os dez anos de idade, pelo menos, do que
eu me recordo, era um pai herói. Teve alguns momentos,
extremamente amigo, menos pai mais amigo, em outros momentos
muito menos amigo e mais pai. É difícil colocar isso no tempo, mas,
como eu podia dizer, papai foi sempre muito preocupado com as
coisas dele mesmo, muito possessivo com as coisas dele (...) Depois,
de uma certa época, ele deixou de ser possessivo com os bens, deixou
de ser possessivo com tudo, numa outra Era. Agora que ele está
entrando numa outra fase, ele percebe que tem muito mais para
receber do que para dar, então, ficou carente, aquelas coisas. Meu
pai está com sessenta anos, mas está com o Mal de
Parkinson...(Péricles, juiz classista)
Como chefe provedor o pai quase sempre está ausente; trabalha em
período integral, às vezes também durante a noite e nos finais de
semana, dependendo da atividade profissional, como foi o caso do pai
de Leonel que mantinha a padaria aberta todos os dias da semana; ou o
pai de Marcos e Péricles, ambos fazendeiros; ou ainda o pai de Saulo,
dentista, professor e fazendeiro de ocasião. Se há um qualificativo
comum para descrever o pai, este é o trabalho. Paternidade e trabalho
estão intrinsecamente relacionados, mesmo quando o assunto era sobre
lazer com o pai:
— E você se lembra de brincadeiras com teu pai?
— Olha, com o meu pai a única situação de brincadeira que ficou,
muito forte foi de brinquedos de pilha, brinquedos elétricos, essas
coisinhas. Na verdade, na época era muito caro, não era como hoje
que a gente compra na feira. Então, ele comprava esses brinquedos e
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
não deixava a gente brincar. O barato era... ‘pai, vamos brincar com
aquilo’, tal, então ele reservava uma tarde de domingo para descer
todos os brinquedos e montar, e eu lembro de brincar com ele, assim
mas na verdade acho que era ele que brincava. Tipo, não podia
encostar naquilo ali, eram os brinquedos dele. E a presença dele em
casa era muito rara. A impressão que me passa era que ele estava
sempre trabalhando. Mesmo nos fins de semana, porque ele teve
fazenda, nos fins de semana ou a gente ia para o sítio, fazenda. Ou
ele ficava ou ele realmente ia para a fazenda. Então, em casa não
lembro dele, muito. Nem em fim de semana. (Saulo, produtor de
vídeo)
— Então, meu pai por esse trabalho muito grande na padaria, um
tempo muito grande, na infância e mesmo assim boa parte da
adolescência, eu lembro pouco assim do meu pai porque ele estava
muito tempo fora de casa. E eu, por outro lado, também saía para
brincar na rua, então tinha um contato pequeno...no domingo, na
hora do almoço... Então lembro mais do meu pai, numa fase dos 14
anos em diante, que aí eu comecei a estar lá junto com ele no posto,
era o posto de gasolina, ia lá ajudar... mas uma pessoa carinhosa, na
minha idéia sempre muito alto, grande... depois acabei ficando mais
alto que ele, mas uma pessoa muito alta, muito forte, né. Mas
carinhoso, carinhoso. (Leonel, engenheiro, desempregado)
A afetividade do pai é lembrada pela dedicação aos assuntos escolares e
pela preocupação em relação ao futuro dos filhos. Se ele não podia
acompanhar
a
rotina
escolar
diariamente,
o
fazia
quando
o
aproveitamento escolar não ia bem e nestes momentos dedicava algum
tempo para ensinar a matéria ao filho. Esse dado reforça ainda o
argumento de que o investimento na educação, na formação dos filhos
era significativo para as famílias em projeção social:
— E alguém te acompanhava nas tarefas escolares?
— Meu pai, sempre foi assim atento ao boletim. Era o tipo rigoroso.
Então, conforme o andamento do boletim, ele se empenhava. Fins de
semana, me lembro assim... na... primeira série do ginásio, por
exemplo, eu observo agora no meu filho, começa a ter a primeira
vontade de malandragem, fazer cola, essas coisas. Eu me lembro
assim, na época tinha francês e inglês no ginásio. E eu me lembro
que eu ia mal, não gostava, não entendia e relaxava. Eu sempre fui
bem aplicado, só em francês e inglês eu não fui com a cara e não me
empenhava. Então quando veio minha primeira nota, não lembro qual
mas deve ter sido muito baixa, eu lembro que tive vários fins de
semana com o meu pai, que não entende de inglês nem francês, mas
sentava comigo sábado e domingo inteirinho. Na prova seguinte eu já
faturei e daí embalei, fiquei por conta. Entrei no ritmo. Ele era bom de
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
matemática, isso ele sempre acompanhava.. Ele era assim, muito
ligado, não podia ter nota baixa nem em matemática nem em
português. Isso eu lembro bem. Ele não admitia. (Carlos, professor
universitário)
— (...) Vários momentos, ele investiu na minha educação, quem sabe
eu não tenha dado o retorno que ele esperava.
— Você acha que ele tinha expectativa, quer dizer, ele tinha um
projeto, assim, para você?
— Eu acho. Não que ele me cobrasse, mas ele com muita dificuldade,
ele sempre dava aulas de inglês para mim, até hoje eu não falo
inglês, mas por uma culpa minha não porque ele não investisse em
mim. Eu faço, eu estudo inglês há anos, hoje eu estou investindo em
mim, mas meu pai investiu há muito mais tempo, então, alguns
retornos, ele sabia ou porque ele estava fazendo isso, eu que não tive
consciência na época de aproveitar. Mas ele nunca deixou de investir.
(Luciano, diretor comercial)
O pai rigoroso com as coisas da escola é também o pai severo com
relação à disciplina, ainda que convocado somente quando a mãe não
consegue resolver o assunto. A disciplina desta maneira aparece como
uma responsabilidade de ambos, pai e mãe. A mãe, mais presente no
cotidiano, é quem cuida de resolver os aperreios do dia a dia e, em
geral, recorre mais aos castigos físicos do que o pai. Os relatos, no
entanto, deixam transparecer a severidade, a autoridade paterna
sempre presente e ameaçadora. Ser repreendido quotidianamente pela
mãe era menos ruim do que sentir a “voz autoritária do pai”, mesmo
que uma única vez. Esse poder era, de certa maneira, alimentado pela
própria mãe, que transforma a autoridade paterna num instrumento de
coação e de controle contra os filhos:
— Quem cuidava da disciplina?
— Os dois. Ele mais pela imposição de pai mesmo. Me lembro dele ter
me dado um tapa só na vida, e minha mãe era no chicote mesmo.
Minha mãe não sei se era fruto de ficar ali em casa com os
capetinhas rondando em volta era mais intempestiva. Então lembro
de muita surra que eu e meu irmão levamos por conta dela. (Carlos,
professor universitário)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Minha mãe, no meu caso, o caçula. Dos outros eu não lembro, mas
acho que era minha mãe também. Eu só lembro de um safanão do
meu pai, o único que levei. Devia ter uns sete, oito anos. Estava lá
pentelhando a vida dele na padaria e ele me deu...do jeito que bateu
eu entrei pela casa adentro. Foi o único que levei do meu pai. Da
minha mãe não, uma infinidade, né. De cinta...(Leonel, engenheiro,
desempregado)
— Era um problema, por que quem me dava bronca no dia-a-dia era a
minha mãe, mas o pior era o meu pai. Então, quando eu tinha que
mostrar o vermelho [notas escolares] era castigo direto. E é
interessante que com tudo isso, minha mãe me protegia, por exemplo,
para meu pai castigo era não ir no jogo do São Paulo, então, porque
meu pai sempre me levou, desde pequenininho (...) Então, quando era
época de provas, que a gente ia mal e tinha que mostrar o boletim e
minha mãe sabia que eu queria ir no jogo tal, deixava passar: ‘não
vou contar para o teu pai nesse final de semana, vou esperar
segunda ou terça-feira’. Então, ela sempre dava essa canja, mas no
dia-a-dia ela é quem me cobrava (...) (Luciano, diretor comercial)
— Quem era, estava ali, era minha mãe, mas quem era a voz,
autoritário, era o meu pai. A gente tinha até um certo medo da
historia, porque meu pai, como trabalhava muito, chegava em casa só
para dar bronca, assim: ‘Espera só o seu pai chegar’, ‘seu pai chegar
e vai te dar uma dura’, era essa a ameaça. Então se o meu pai
entrasse na... na discussão da disciplina, aí a coisa pegava. A gente
tentava sempre manter a negociação no nível da minha mãe, que ela
ainda era mais mansa. Havia muita ameaça, tipo vai pegar o chinelo,
dar dois quentes e três fervendo, minha mãe costumava dizer, para
tentar acalmar a moçadinha. Mas a grande autoridade era o meu pai.
Tinha muita ameaça, puxão de orelha, tapinha na bunda, uma
coisinha assim. Mas a coisa era oprimida na ameaça do ‘vou te
trucidar’, não era bem essa palavra, não lembro qual era, mas era
muito verbal. (Saulo, produtor de vídeo)
Esse mesmo pai, forte, autoritário passa a ser desmistificado quando o
filho, ao tornar-se adulto, descobre que na vida real, ele pode sim
mostrar-se frágil e inseguro. Aqui repousa uma diferença em relação à
geração da família de origem, para alguns dos entrevistados é possível,
e
necessário,
mostrar
a
fragilidade
em
certos
momentos.
A
masculinidade apoiada no conceito do homem machão, durão, é uma
referência fundamental na constituição da própria identidade, mas
permite também o questionamento das premissas que embasam este
modelo
de
masculinidade
tido
como
hegemônico
na
sociedade
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
latinoamericana. A fragilidade encontra um espaço para se manifestar e
esboçar outras formas de conceber a masculinidade heterossexual:
— (...) se você fosse fazer um retrato dele, como é que você o
descreveria?
— Meu pai era uma pessoa assim muito... meu pai era muito..., eu
acho que a característica principal, que eu lembro, principalmente
por ele já ter morrido, ele era muito íntegro, muito honesto, levava
a honestidade e integridade até as últimas conseqüências. Ele
sofreu muito com isso, porque no Brasil tem aquela coisa do
jeitinho, que ele nunca conseguiu entender, e, ao mesmo tempo,
muito autoritário, muito rígido com as coisas. Ele queria que as
coisas funcionassem do jeito que ele idealizava, muito idealista
mesmo. Eu vou te falar uma coisa, eu vou te falar uma única vez
que eu vi meu pai frágil: morto. Foi a única hora que eu olhei para
ele e disse “pô!”, foi a única hora que eu percebi que ele era
mortal, porque ele sempre se colocou como um imortal. Então, eu
procuro sim mostrar a fragilidade, quando é a hora, quando eu
estou realmente frágil, mostrar a dúvida, quando eu estou em
dúvida. Agora, por exemplo, eu estou numa fragilidade prá
caramba e também mostrando força, porque para haver essa
ruptura, para haver essa iniciativa,[a separação] que foi minha,
foi preciso uma grande força, uma grande coragem, mas ao
mesmo tempo, assumindo todas as minhas fraquezas, minhas
fragilidades, meus complexos. Não vou falar com eles [com os
filhos] na mesma linguagem que eu estou falando com você, mas
vou falar e espero que eles entendam. Eu acho importante se
manter maleável. (Mauro, produtor de vídeo)
— Como é a sua relação com ele hoje?
— Ele sempre foi a referência de poder para mim, de autoridade,
pouquíssimas vezes eu o questionei, se ele falou eu não entrava em
celeumas com ele, não discutia. Eu tinha uma... dificuldade de
conversar com ele assim olhando no olho, ele começava a falar eu já
abaixava, às vezes chorava e me sentia oprimido por esse pai. E ele
acabou sendo uma referência masculina para mim, de poder, de
força. Referência de trabalho. Eu sempre o vi um grande trabalhador,
uma pessoa que... não mede esforço para trabalhar, atividade sete
dias por semana, férias eu não lembro dele tirar, as férias que a
gente tirou dá para lembrar três ou quatro, sempre trabalhando,
trabalhando, trabalhando... Tanto é que aos 72 anos continua
trabalhando, não pára de jeito nenhum. É... ele não tem...
movimentos de carinho. Eu sinto falta disso, senti falta disso, hoje eu
consigo lidar com isso muito mais fácil ‘ele não me dá carinho, fodase, eu dou carinho a ele’. (Saulo, produtor de vídeo)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A irrestrita dedicação ao trabalho com objetivo de garantir o sustento
familiar
é
também
explicativa
da
dificuldade
daqueles
homens
expressarem afeto. Um relativo esmaecimento nas décadas mais
recentes do ideal de chefe provedor (relativo porque é crescente a
participação das mulheres no orçamento doméstico e no gerenciamento
da
família)
abre
fissuras
que
desencadeiam
um
processo
de
confrontação em relação às expectativas sociais e individuais da
masculinidade
e
da
paternidade.
Paradoxalmente,
há
uma
“necessidade” de expressar sentimentos, muito alimentada pela mídia e
pela literatura psi.
Ao observar o passado, os entrevistados são levados a captar e
compreender certas atitudes de seu pai. A falta de tempo em
decorrência da dedicação integral ao trabalho, é vista hoje como
referência masculina, referência de trabalho. Mesmo assim, o pai que
na infância é o herói, na adolescência é posto em questionamento,
pequenos defeitos aparecem e os conflitos surgem na vida adulta e a
vivência da paternidade torna o olhar sobre o próprio pai, de certo
modo, condescendente:
— Como é que você descreveria o seu pai?
— Eu acho assim, hoje, eu descreveria diferente de vinte anos atrás,
até porque hoje eu sou pai, até porque eu descrevo como sou hoje,
com a crítica... Ele tinha um lado muito bem humorado e tinha essa
coisa dele não ser ditador, então, tinha um lado mais folgado com ele,
não era muito tradicional, a coisa de ser publicitário, um cara muito
rápido na idéia e tal. Então, tinha essa coisa dele ser divertido, acho
que a principal coisa de quando eu era pequeno, era isso. Depois,
quando eu estava adolescente, eu fiquei meio cismado, eu falei ‘pô o
cara não é ditador, mas também o cara não se coloca muito, ele não
está aí nunca’.
— Você sentia falta da presença dele?
— Eu acho que sentia, ou pelo menos, eu acho que na hora do pau ele
não estava lá mesmo, porque não era um assunto, o assunto
doméstico não era muito dele, o esquema da casa. E depois, que eu
tive filho, eu revi mesmo, eu pensei assim, ‘bom, essa coisa do
homem ficar fora de casa o dia inteiro, tudo bem, ela tem um lado que
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
é uma imposição, tem um lado que é uma folga que todo homem pode
ter’. Porque a coisa doméstica enche o saco, se você for ver, desgasta
mais do que a vida profissional. Mas, eu dei todo desconto depois que
eu tive filho, sabe? Eu pensei assim, era outra geração, de uma
geração de transição, não sei. E acho que até dentro da geração
deles, eles estavam tentando abrir para cabeça da gente rolar. Eu
acho que eles fizeram o possível, eu acho que eu não tenho, hoje eu
não tenho tanta crítica (...) eu acho que, por um lado, tem a cabeça de
italiano e, por outro lado, tem uma coisa de modernizar os hábitos
entre aspas, que é você cair na... sabe, significa um pouco não ter
amarre, significa ser, bem ou mal, você respeitar a liberdade de todo
mundo se movimentar. E essa coisa de ser casa de homem, eu acho
que influencia seguramente. Eu sinto o fato de não ter tido irmão
mulher, eu acho que a casa ia ser diferente, na dinâmica (...).
(Benício, músico)
O relato de Benício é paradigmático das mudanças e das contradições
que engendram a paternidade e o lugar do homem no espaço privado.
Já na adolescência ele percebe a ausência do pai como uma ausência
de quem não quer enfrentar os problemas domésticos. Diferente dele,
que hoje como pai e, muito provavelmente, por estar mais presente no
espaço doméstico, em função de sua atividade profissional, acaba mais
envolvido com a rotina familiar. Reconhece que a rotina doméstica
“desgasta mais do que a vida profissional”. Porém, “dá um desconto” ao
comportamento do pai, pouco envolvido com as coisas da casa, afinal
ele era de uma outra geração. Ao mesmo tempo, o fato do pai “ não
estar muito aí” é interpretado como uma forma de abrir espaço para a “
liberdade de cada um”, para a individualidade e neste sentido,
representava para Benício, naquele momento, uma modernização das
relações familiares.
A contradição está na justificativa usada para explicar o
comportamento masculino do próprio pai, no passado, e o dele, na vida
adulta: a casa ser só de homens. Isso teria imprimido uma dinâmica
diferente, menos sensível às necessidades domésticas, o que não quer
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
dizer que eles não fossem afetivos, eram sobretudo tímidos. A mãe,
neste caso, era durona:
— (...) o lance do meu pai é o seguinte: ele é muito afetivo agora que
está mais velho. É até mais claro . Mas também era muito tímido,
mas muito tímido. A afetividade ela era muito devagar para sair, mas
sem dúvida é afetivo. Minha mãe é até mais durona do que ele.
(Benício, músico)
Outra expressão de contradição aparece quando o assunto é a
disciplina dos próprios filhos. Todos os entrevistados situam a
disciplina em relação aos filhos como uma responsabilidade de ambos,
pai e mãe. Ainda que a mãe possa ser mais atuante por estar mais
presente no cotidiano dos filhos. Há neste aspecto muitas semelhanças
com as atitudes tomadas na família de origem, em particular com a
questão da “autoridade paterna”. A autoridade e o autoritarismo
acabam se confundindo quase como sinônimos em alguns momentos e
são referidos como um instrumento necessário para impor limites aos
filhos:
— Bom, a gente estava falando dessa coisa da disciplina, dessa
divisão da disciplina, aí você estava dizendo que tem, quer dizer, a
Lú cuida da disciplina no varejo, mas...
— Assim, eu estou muito presente também, eu também cuido desse
varejo, porque o varejo é a bronca, é o cara estar brigando com a
outra, você separa, essa coisa. Agora quando a coisa é mais grave,
assim, ou é os dois, ou tem que ser eu, como se... não que eu mando
mais que a Lú, mas, porque não sei, “Ó, vai falar com seu pai”, não
sei de onde vem essa expressão “vai falar com seu pai”...
— A Lú usa essa expressão?
— A Lú usa porque ela também é filha de mineiro, o pai dela era
bravo para burro, um puta mineiro estourado. E mesmo na minha
casa, onde o meu pai não mandava nada, também minha mãe falava
“Ó você vai falar com o seu pai”, isso é da cultura brasileira, não sei o
que quer dizer. Outro dia a Lú reclamou para mim “Pô, o Marlon não
tem medo de você como eu tinha medo do meu pai”, eu falei “Graças
a Deus que ele não tem medo de mim”. Eu não sou, eu jamais vou
dar um esporro no cara, eu sou contra isso, mas assim, uma certa
disciplina, vou lá e dou uma dura, mas não vou. As coisas não vão
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
ser sem argumentos, mas eu sinto que o cara tem um certo respeito,
assim que...Até por que quando eu fico invocado com um negócio não
tem muita conversa, acho que não tem nem que conversar muito,
porque eu acho que o cara é inteligente, ele sabe qual é a história. E,
as vezes, ele faz para provocar ou ele está de sacanagem, então não
tem conversa
— Aí, é a bronca, mesmo?
— Dou bronca ou dou umas palmadas no cara, também, que eu acho
importante. Não acho nada lógico dar palmadas, mas o cara precisa
tomar umas também, por que não sei por quê, acho que isso é da
educação, e até faz parte do afetivo, assim...
— Teu pai fazia isso com você?
— Um pouco. Minha mãe dava um pouco de (porrada). Eu acho,
assim, a gente lá em casa, a gente discute isso, a gente precisava ter
tomado uns, a gente precisava ter apanhado e ter sofrido
autoritarismo, para gente ter até mais limite ...é que se você é criado
solto, até você fabricar teus limites, cara, isso demora até os trinta
anos, então, acho que a gente está sendo prático dentro do limite,
muito limite. (Benício, músico)
Benício identifica a “autoridade paterna” como uma característica da
cultura brasileira: é assim, o pai representa a autoridade e deve ser
acionado quando necessário, mesmo que na prática essa divisão não
seja tão nítida, pois como ele mesmo se refere ao pai:“(...)ele não manda
em casa” . Por outro lado, ele questiona a necessidade de uma atitude
mais enérgica para educar os filhos, o melhor é usar argumentos. Mas
quando a “conversa” não funciona, Benício acha legitimo o uso de algo
mais convincente e admite que seu próprio pai deveria ter recorrido a
um certo “autoritarismo” para impor limites que ele mesmo hoje sente
falta.
Relação pai-filho:
o conflito como uma dimensão da paternagem
Ao descrever o perfil da família de origem destaquei a idade com
que o entrevistado deixou a casa dos pais. Essa informação, em
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
particular, chamou atenção, uma vez que cinco entrevistados saíram da
casa dos pais após os 25 anos, quando constituíram sua própria
família. Nesta fase de sua trajetória de vida já haviam concluído os
estudos e exerciam alguma atividade profissional. A princípio busquei
uma explicação na hipótese de que esses jovens pertenciam a uma
geração cujo modelo familiar era pouco autoritário e que, portanto, não
havia estímulo para grandes rupturas, próprias das relações entre
gerações. Além disso, tratava-se de um segmento social em que o valor
da educação (escolarização) era maior do que o do trabalho. Isto é, a
família investe nos estudos dos filhos, adiando o ingresso no mercado
de trabalho para quando estivessem com o “diploma nas mãos”. Este
investimento, além de garantir a manutenção do status social da família
ou de ampliá-lo, possibilita alguma forma de retorno para os pais, em
sua velhice.
Contudo, os conflitos estão presentes e não só se mantém como
expressam um rito de passagem, que pode ser interpretado como um
confronto
necessário
de
idéias,
de
valores
e
princípios;
de
questionamento e afirmação da própria identidade. É a partir deste
confronto que a pessoa se realoca no mundo, redefinindo seus
princípios. Esse processo ganha uma nova luz quando é entendido
como um processo de destradicionalização, tal como pensado por
Giddens (1997). Dispor de um emprego, de um salário que permita
garantir o sustento é fundamental para desencadear o processo de
independência da família. Vejamos o depoimento de Luiz (diretor de
sistemas) contando-me sobre os conflitos com o pai e sua saída de casa:
— Foi um momento de ruptura com a tua família?
— Foi. Inclusive... eu não falei assim que estava saindo de casa,
falei que ia passar um tempo na casa deles [de amigos]. Foi uma
linguagem cifrada que eu estava... saindo, eles sabiam que eu
estava saindo, mas oficialmente estava indo passar um tempo...
sei lá porque. Aí, foi uma ruptura. Porque aí, no período
imediatamente anterior, estava ficando bastante... difícil a relação
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
principalmente com o meu pai, que estava muito ruim, porque a
gente estava divergindo completamente. E para mim o problema
maior... não é que eu tinha uma idéia diferente da dele, era que
ele não aceitava as pessoas terem outra idéia. Independente de
ser oposta, mais ou menos igual, mas o fato da gente... eu, em
particular, ter uma linha de raciocínio que não era exatamente a
mesma da dele. Aí tanto é que depois que eu saí, aí a minha
relação com ele melhorou profundamente. Porque aí, rapidamente
ele aceitou isso daí...
— Você já estava trabalhando naquela época?
— Já. (...) do ponto de vista financeiro, sempre me virei. (...) eu
sempre tive uma independência, entre aspas, né. Aí quando me
formei, estava trabalhando no Itaú, aí já tinha um salário, vamos
dizer, razoável, estava me formando, então dava para eu me virar,
quer dizer, mais tranqüilamente.
É preciso salientar que os conflitos se iniciaram porque Luiz, filho mais
velho, manifestou desinteresse em seguir carreira militar, a exemplo do
avô. Tendo sido imigrante, o pai de Luiz não pôde seguir a tradição da
família e esperava que o filho o fizesse.
A situação de imigrante é acrescida de outros fatores, como a
educação, a socialização em outra cultura, e intensifica o conflito
geracional. Esse aspecto é apontado por Boris Fausto (1998) em seu
ensaio sobre a vida privada dos imigrantes em São Paulo:
Seria equivocado, porém, associar a família tão-somente a um
signo positivo, como suporte afetivo e material, pois, no seu
interior, ocorrem fortes e às vezes explosivas tensões. Sob esse
aspecto, membros da família imigrante — assim como de
qualquer família — descarregam, em certas situações, no
âmbito privado, problemas e frustrações reprimidos na vida
social. Para além desse quadro geral, alguns elementos
específicos integram a complexidade do relacionamento
doméstico no âmbito familiar do imigrante e seus
descendentes. Entre eles, destaquemos o conflito geracional,
decorrente entre outros fatores da educação, trazendo como
conseqüência a apreensão de dimensões diferentes da vida, o
aprendizado da norma culta da língua do país, os contatos
com gente de outras etnias, os quais conduzem a amizades e
ligações afetivas não controláveis (Fausto, 1998:36)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
É interessante observar que o pai de Luiz, japonês, já havia ele próprio
rompido com a regra endogâmica, típica de sua etnia, casando-se com
uma descendente de italianos, revelando ele próprio uma postura de
resistência aos costumes de seu povo. Mas nem sempre a ruptura com
o tradicional é definitiva; ao contrário persistem comportamentos que
são
claramente
não-reflexivos.
Coube
a
Luiz
avançar
na
desincorporação de valores tradicionais nas esferas mais imediatas da
vida cotidiana: na relação pai-filho, neste caso. O conflito com a
autoridade paterna, no plano da vida privada, ganha força com a
resistência à autoridade política, do período da ditadura que marcou a
adolescência de Luiz.
— (...) Tanto é que até essa idade, até os 18 anos, eu diria que nunca
tive nenhum grande problema em casa, nenhum grande atrito, até a
hora em que eu comecei a ter algumas atitudes próprias, da minha
cabeça. Quer dizer, comecei a falar isso por causa do período de...
tanto é que quando comecei a ir para a faculdade, um período que
tinha uma agitação política muito grande...
— Você fazia parte do movimento estudantil?
— É, eu entrei na faculdade exatamente no ano que o movimento
estudantil foi retomado no Brasil, foi o ano em que começaram a se
reorganizar as entidades estudantis, depois de anos de ditadura, de
repressão. Então essa coisa para mim estava ficando muito colocada
de... se rebelar contra a, vamos dizer, a repressão... até hoje eu
tenho... se vou num lugar, o cara fala de uma maneira muito rígida,
muito enérgica, é um negócio que me incomoda. E isso de alguma
maneira, tinha esse mesmo sentimento dentro de casa. Tinha
algumas coisas que eu estava brigando fora de casa, e dentro de
casa eu também sentia só cobrança... Na minha cabeça, eu não
estava fazendo nada errado, continuava cumprindo minhas
obrigações, vamos dizer assim, estava na melhor universidade do
país, estava... estudando, e estava sendo... comecei a ser cobrado em
casa. Quer dizer, comecei a sair de uma situação, que eu sempre quis
tudo dentro dos conformes, mas não tinha nenhuma vida externa. A
partir do momento que comecei a ter isso, começou a ter um conflito
dentro de casa. A partir daí, minha relação em casa sempre... quer
dizer, começou a ser mais complexa, principalmente com o meu pai.
O direito de se expressar negado pelo pai ao filho, de ter atitudes
próprias é o mesmo direito reivindicado pelo estudante inconformado
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
com a autoridade do “superpai” (superpadre na expressão utilizada por
Regina Nava, 1995) corporificada “no conjunto de instituições que,
dirigem, controlam e detém, em diferentes níveis, os poderes políticos,
econômicos e sociais e, simultaneamente estabelecem os conjuntos de
normas que conformam os modelos hegemônicos para organizar a
sociedade”, tais como o Estado, os partidos políticos, as classes
dominantes e os meios de comunicação de massa (Nava, 1995, tradução
livre).
O enfrentamento de Luiz à autoridade paterna, sua resistência às
imposições do pai sobre seu futuro têm o mesmo significado da recusa
de Mauro a cursar uma faculdade apenas para satisfazer um desejo do
pai. Saulo encontrou outra estratégia de enfrentamento: fez o curso de
engenharia, como o pai desejava, entregou o diploma ao pai, e seguiu a
carreira profissional de seu agrado: produção de vídeos. Percebe-se que
nestes embates familiares, valores e comportamentos são questionados
e reavaliados. A negação, num primeiro momento, de tudo o que a
família e o pai representam age como esteio para a conformação da
identidade. O modelo hegemônico de masculinidade (e por suposto de
paternidade) está presente, como verdade secular, mas é a todo
momento confrontado, questionado e neste sentido, permite que outras
formas de atuação, mediadas por valores tradicionais e outros póstradicionais (ou modernos), possam co-existir.
Adolescência e sexualidade: o conflito geracional
A fase da adolescência é reconhecida como momento de transição,
como período de transformação física e comportamental, na qual se
destaca a iniciação da vida sexual. Os homens que entrevistei embora
tenham feito parte de uma geração de transição dos comportamentos
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
sexuais desvendaram os mistérios de sua sexualidade da mesma forma
que seus próprios pais, isto é, entre amigos ou sozinhos.
— Olha, um pouquinho de falta, eu senti, talvez, foi nessa parte
sexual, que eu acho que ele devia ter falado mais comigo, vai,
primeiro por ser homem. Você vai falar “mas, a tua mãe que deveria
ter falado com você” Não, minha mãe, naquela época, seria um pouco
difícil, mas ele podia ter chegado e “Ó meu, o papo é o seguinte: Ó lá
na rua, vai rolar isso, isso, isso, fica esperto com isso, com isso, com
aquilo”. Essa é uma parte que eu acho que ele faliu, do resto tudo que
ele fez, fez muito bem feito e na hora certa. (Renato, gerente de
correio)
A vivência da sexualidade masculina é perpassada por repressões e
desconhecimento; não havia espaço para falar naturalmente sobre a
sexualidade. Mesmo entre aqueles que tiveram algum tipo de diálogo, a
orientação sexual se limitou a aspectos “técnicos” da questão e não
emocionais, afetivos. Neste sentido, não só a sexualidade feminina é
cercada de interdições, de regras de comportamento ou exigências. A
idéia de que a sexualidade masculina é valorizada e evidenciada, de que
o exercício da sexualidade dos meninos é estimulado está mais presente
no imaginário social do que na prática. O próprio ocultamento é uma
maneira de falar sobre a sexualidade, como aponta Foucault. É certo
que sempre houve um controle explícito da sexualidade feminina,
porém, a sexualidade dos meninos sofre interdições menos rígidas, mas
que têm conseqüências sobre a identidade masculina.
Benício é um homem que vem fazendo terapia há algum tempo o
que lhe permite refletir sobre os conceitos de masculinidade que lhe
foram
impingidos.
Fez-lhe
falta
uma
dose
de
afetividade,
de
sensibilidade, e que atribui entre outras coisas ao fato de ter sido criado
numa família predominantemente masculina:
— Você teve algum tipo de conversa sobre orientação sexual com
seu pai?
141
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Teve com meu pai e com minha mãe, saca, de dar um papo e tal.
Mas, assim, acho que o que eu conversei com meu pai sobre a minha
iniciação sexual, tecnicamente até resolve para você perder algum
medo, mas assim o afetivo, a geração é bem diferente. Então, eu até
quebrei a cara quando eu tinha que quebrar, mas eu levei uns anos
para entender que pelo menos o meu temperamento funcionava mais
afetivamente, para coisas que na geração dele, acho que se resolvia,
não digo friamente, mas o macho tinha que desempenhar mais antes
do que agora, e eu acho que dá para ser mais afetivo.
— Essa mudança que você sente em relação a essa pressão de ter
um determinado comportamento do homem, na adolescência, isso
te marcou muito?
— Para mim, se é sexualmente? Me marcou, me marcou. Acho que
não tanto quanto se a minha casa fosse tão tradicional, sabe, se
fosse família de italiano, assim, mas não deixou de influenciar. E eu
acho que o fato da casa ser uma casa de homens também
influenciou, talvez, até mais isso do que a pressão, a pressão natural
de educar esse homem. Pô, porque uma casa de homens você não
tem uma mulher para ver o outro lado da iniciação, por exemplo. E
casualmente, o colégio do Estado que eu estudei, nos anos 70,
quando eu estava entre os dez e quatorze, era só de homem. O
diretor achava que homem e mulher não combinavam, isso também
me influenciou, assim, a cabeça. Não é que você fica machista, mas
você fica com um certo tipo de falta de finesse, que dá quando um
sexo fica muito perto da própria prática, acho que isso vai para
mulher também, muita mulher junto também acho que não dá certo.
(Benício, músico)
A fala de Benício é expressiva de um comportamento autoreflexivo sobre
masculinidade. O modelo paterno é reconhecido por ele como aquele do
“macho que tem que desempenhar”. Benício questiona este modelo e,
mais do que isso, se permite ser mais afetivo do que socialmente é
esperado do homem macho heterossexual latinoamericano. Ao refletir
sobre a influência do modelo masculino recebido em sua socialização,
atribui à falta de convivência no ambiente familiar, e mesmo na escola,
com mais mulheres. Neste sentido, reconhece que há um código de
conduta próprio aos homens, aos seus pares e que poderia ser
corrompido se mesclado a uma maior convivência com o universo
feminino.
142
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Se para muitos falar de sexo com os pais não era uma tarefa fácil,
para alguns o contato com outras famílias mais liberais permitiu
contrabalançar as dificuldades enfrentadas com o próprio pai. Saulo
conta uma longa passagem de sua adolescência sobre isso:
— Ah, essa passagem é interessante. Eu gosto de falar dela. Eu...
sempre quis namorar, desde muito cedo, eu queria namorar. Não
tanto pela parte sexual do namoro, mas pela coisa de querer estar
junto com uma menina, era uma coisa que eu morria de vontade.
E tinha uma dificuldade absurda, porque na primeira fase da
adolescência, dos treze aos quinze, eu rapidamente ficava amigo
das meninas, então na escola, eu era tipo o líder da classe, mas
não o líder assim de ser o conquistador, é que todas elas eram
muito amigas minhas (...) Mas logo que eu consegui dar um jeito
na história e consegui uma namorada, devia ter uns 16 anos, 17
anos, eu grudei na menina. Grudei! Os pais da menina, super
cabeça aberta, deixaram a gente namorar à vontade, então saí de
casa, praticamente desapareci da minha casa e fui morar na casa
da menina. Mas o morar, era um morar super careta, eu ia para a
escola, à tarde eu ia passar a tarde na casa dela, e à noite
voltava para casa. Não tinha aquela coisa de dormir na casa da
menina. Mas meus pais ficaram tudo de orelha em pé: ‘como?
que história é essa? Como os pais deixam?’ Essas coisas todas.
Aí um dia, estou na casa dela, jantando, no meio da semana, meu
pai liga dizendo que eu tinha que ir para casa que ele tinha que ir
para o sítio e queria que eu fosse junto. Eu falei , ‘não estou a fim,
não vou’ . Imagina, tinha 17 anos...trocar pelo sítio.. Só que quem
falou isso foi minha mãe, não foi meu pai. Minha mãe pegou o
telefone e falou, ‘olha, vem prá cá que você tem que ir para o sítio’,
‘Eu não vou, não sei quê’. Aí ela começou com a ameaça, ‘olha,
vem, que o seu pai quer que você vá’, fez aquela pressão
psicológica e falei ‘está bom, vamos lá’. E saímos de casa, umas
nove horas da noite, até Cabreúva, Itú, para ir para o sítio. Falei
‘o que você vai fazer à noite, no meio da semana’... E a ida para o
sítio era para uma conversa porque estavam ficando apavorados
com as questões sexuais. Mas eu já com 17 anos, trepando com a
menina à vontade, e ela... eles agora tinham acordado que podia
acontecer alguma coisa. Aí, abordou a questão toda só para o
lado da medicina, da medicina da época, nem tinha Aids. ‘Você
pode pegar uma sífilis, uma gonorréia, uma coisa’, e falei ‘pai,
estou namorando uma menina de 15 anos, sou o namorado dela,
é com ela que eu trepo, não vou para uma zona, nada disso’.
‘Não, são as meninas mais direitas que acabam tendo as
doenças’. Um papo totalmente equivocado, em termos de conceito
e linguagem para aquela situação. Foi a única vez que houve
abordagem direta, do assunto, do caso. A minha mãe não
conseguia nem falar no assunto, zero e com ele foi esse papo. Só.
A descoberta da mecânica do sexo, com nove, dez anos, foi com
143
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
amigos. ‘Ei, sabe como é que é?’, e pega e conta, e ‘nossa, mas é
assim, não é possível!’, né. A partir daí, com amigos, nem com os
irmãos a gente conversava, era um assunto super tabu, assim,
não se falava. Por outro lado, a minha casa tem uma biblioteca
fantástica. E tem muitos livros, não atualizados, porque... hoje
eles estariam superados, mas com informações claras, técnicas,
assim ‘a nossa vida sexual’, ‘sexo no casamento’, coisas assim,
que na hora que eu comecei a me interessar eu mesmo fui na
biblioteca, pesquisei, eu lia e tirava minhas dúvidas nos livros,
pesquisando, eu mesmo...
O depoimento de Saulo mostra a dificuldade da família, mesmo entre os
mais
instruídos,
de
orientar
seus
filhos
para
a
vida
sexual,
particularmente com relação à gravidez. O relato de Saulo sobre a
descoberta
da
entrevistados,
mecânica
que
do
também
sexo
se
recorreram
assemelha
a
amigos,
a
de
outros
primos
para
“aprender” sobre a vida sexual. Por tratar-se de um menino, a
orientação
é
dirigida
aos
riscos
das
doenças
sexualmente
transmissíveis. A gravidez, como veremos na seqüência do depoimento
de Saulo, era um assunto para as mães das meninas:
— E como é que você, porque, pelo que você me fala da preocupação
do teu pai, em relação a isso, era em relação a possíveis doenças
que você podia ter. Mas e a questão de uma gravidez? Como você
lidou com isso?
— Não se abordou, com ele pessoalmente não teve esse tipo de
abordagem. As questões da gravidez, para mim, aconteceram quando
eu comecei a transar com a Liliana. Os pais dela, muito diferentes
dos meus, eram muito abertos, o pai dela era médico, a mãe dela era
professora de português, então tinha um nível cultural super legal,
tal, quer dizer... com eles a gente acabava conversando. Me lembro
que a menina, perguntou para a mãe se podia usar O.B, a mãe falou,
‘se você ainda é virgem, é meio complicado, precisa fazer uma coisa
mais bem feita’, e ela ‘não, mãe, já não sou mais virgem’. Aí a mãe
‘mas como, você e o Saulo já estão transando?’, ‘é, estamos’. Aí ela
sentou com a gente, a mãe da menina, para ter um papo a respeito
de perigos, de como funcionava, anticoncepção... Só que eram todas
conversas, que bem ou mal a gente já tinha tido eu e ela. ‘Olha,
funciona assim, tem que esperar a menstruação, não pode transar no
intervalo’... Informações que a gente sabia de boca a boca, e por
pesquisar, eu tinha pesquisado nos livros. Eu queria saber dessas
coisas. (Saulo, produtor de vídeo)
144
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
É interessante notar que se havia dificuldades para a família de Saulo
abordar assuntos relativos à sexualidade, para outras o assunto podia
ser abertamente discutido, inclusive como forma de controle. Saulo
usufruiu do contanto com uma destas famílias, mais liberais e de sua
própria curiosidade que o levou a pesquisar o assunto em livros,
estabelecendo a partir daí seus próprios critérios para o exercício de sua
vida sexual.
A destradicionalização da Paternidade
Anthony Giddens (1993,1997) argumenta que na sociedade
moderna, ou pós-tradicional, como ele prefere, as tradições se mantém
somente quando bem justificadas. Os relatos desses 10 homens, de um
segmento das classes médias, corroboram o argumento de Giddens, na
medida em que seu discurso sobre o pai, sobre o cotidiano familiar está
permeado
por
críticas,
avaliações
e
questionamentos
sobre
masculinidade, paternidade e sexualidade, como é possível apreender
nos depoimentos.
Vimos que o pai-herói, provedor dedicado à família se constitui
numa referência masculina positiva, ainda que passível de crítica e até
mesmo de reformulação. O olhar crítico sobre o comportamento do pai e
a vivência pessoal com a paternidade, com a vida conjugal, mais o
capital cultural adquirido em sua trajetória de vida (adquirido num
momento de muitas transformações sociais, mudanças de valores e
costumes) favoreceu que esses homens formulassem outras formas de
conceber a masculinidade heterossexual, na qual a afetividade e a
fragilidade puderam encontrar espaço para manifestação.
O olhar crítico se espraia também sobre as relações com as
mulheres. Os homens que entrevistei compreendem a atitude de
145
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
submissão da mãe que abdicou de uma carreira profissional, mas
entendem que esse comportamento não cabe às mulheres de sua
geração. Percebe-se que a ideologia da mulher independente está
incorporada pela geração destes homens e a consciência de viver uma
relação onde o outro tem autonomia em suas decisões desencadeia um
processo no qual os arranjos familiares e a participação de cada um na
estrutura familiar é articulada de maneira distinta daquela na família
de origem. Pode-se afirmar que há um movimento favorável às
mudanças nas relações de gênero, no espaço da vida privada.
No capítulo seguinte procuro apreender dos depoimentos as
diferentes formas de expressão das desigualdades de gênero, sendo
uma delas o cuidado com os filhos. Temas como gravidez e parto, a
rotina com os filhos e com a casa, a relação do casal com a chegada do
filho, e o significado de ser pai emergem como um roteiro, descrevendo
como esses homens expressam a paternidade e a paternagem e como
essa experiência se faz em suas vidas.
146
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Capítulo 5
A paternidade nos anos 1990
A experiência paterna de que trata esta pesquisa é constituída a
partir de uma relação entre um homem e uma mulher, ou seja, a partir
de uma relação heterossexual, assentada na família. Esta experiência
foi construída também ao longo da vivência na família de origem,
constituída por um pai e uma mãe, seguindo um determinado padrão
hegemônico de organização das relações familiares. Ainda que se saiba
que a sociedade vem apresentado formas variadas de organização
familiar, o modelo conjugal, heterossexual, mantém caráter hegemônico
e normativo respondendo à necessidade de assegurar a reprodução
biológica e sócio-cultural da sociedade brasileira.
O pai, seguindo a definição de Regina Nava (1999), é aquele
homem que se vincula afetivamente com seus filhos, de maneira
permanente e cotidiana, exercendo sobre eles poder de gênero e
geracional, em conseqüência da diferença de idade. Uma série de
fatores afeta a maneira como um homem exercerá sua paternidade.
Nava (1999) destaca os seguintes: 1) características individuais de sua
personalidade psicológica e de sua inserção na hierarquia social, ou
seja, de acordo, com sua classe social, raça, nível de escolaridade, tipo
de ocupação, afiliação política e religiosa, idade etc.; 2) a forma como
exerce sua masculinidade, ou seja, a forma como se relaciona com
outros homens e com as mulheres; 3) a forma como se realiza e mantém
a relação conjugal, que, por sua vez, depende do grau de flexibilidade e
dos arranjos na divisão do trabalho doméstico e extradoméstico;
dependendo também da relação de poder no interior da família e do
processo de tomada de decisões, cotidianas e a curto prazo.
147
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A forma como se materializa o compromisso afetivo, emocional,
amoroso e erótico, se traduz em relações que podem ser duradouras ou
não. Nava (1999) destaca a influência da rede familiar e de compadrio,
que favorece a reprodução dos esquemas aprendidos na família de
origem, bem como sua transgressão, buscando modelos diferentes, a
partir da reflexão de sua própria experiência como filho; 4) depende
também do número real e ideal de filhos, assim como da forma como a
paternidade ocorreu, se foi de uma gravidez planejada, acidental, ou
meramente resultado de obrigações sociais e conjugais.
Esses fatores permitem mediar a análise dos depoimentos quanto
à forma como os entrevistados elaboram a paternidade e exercem a
paternagem. Procuro ressaltar dos depoimentos diferentes dimensões
da paternidade expressada nos distintos momentos de sua trajetória na
constituição da família de procriação, atendo-me sobretudo ao período
da gravidez, dos primeiros anos de vida dos filhos.
É preciso observar que a participação, o envolvimento do homem
com seus filhos pode apresentar graus de intensidade e de significado
de acordo com as diferentes fases da trajetória familiar. A relação
marido-mulher ganha contornos distintos durante
a
gravidez
e
posteriormente com a chegada da criança, quando a relação pai-filho (e
mãe-filho) se concretiza. A partir daí diferentes experiências irão se
somando ao longo do exercício da paternagem: os primeiros dias com o
bebê, a etapa escolar, a adolescência, a entrada dos filhos na faculdade
e no mercado de trabalho, a relação do pai com o filho adulto e depois
com os próprios netos. Nesta pesquisa, a análise estará restrita à
primeira fase na constituição da paternagem, qual seja, da primeira à
segunda infância, segundo critérios estabelecidos para a seleção do
grupo entrevistado, que previa homens-pais, com filhos até 10 anos de
idade.
148
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O grupo de homens que entrevistei tem idade média de 38 anos.
Todos com curso superior, sendo que apenas um não concluiu a
faculdade. Dois deles tem especialização no exterior. Entrevistei um
músico, dois produtores de vídeo, um gerente de correio (detém uma
franquia), um diretor comercial e de marketing, um diretor de sistemas
e processos, um juiz classista, um diretor de financiamentos, um
engenheiro de produção (desempregado) e um professor universitário da
rede pública. Todos vivendo maritalmente71 há pelo menos 8 anos, em
média. Porém, um deles, Mauro (produtor de vídeo, 2 filhos), revelou-me
ao final da entrevista que passava por uma crise conjugal, na qual a
separação estava sendo fortemente cogitada, vindo a se confirmar
tempos depois. Optei por manter a entrevista ainda assim, pela riqueza
do depoimento e pelo fato dela expressar a dinâmica que envolve as
relações familiares e os conflitos que permeiam as relações de gênero.
Outro caso foi o de Luiz (diretor de sistemas, 1 filha), além de
estar no segundo casamento (o primeiro durou um ano, sem filhos),
viveu um período de separação da atual companheira, três anos após o
nascimento da filha, vindo a reatar o casamento um ano e meio depois.
Neste caso, as mudanças no relacionamento do casal decorrentes do
nascimento da filha foram decisivas na crise conjugal e trazem
interessantes elementos para a compreensão do impacto da paternidade
na vida do homem e do casal.
Ambos os casos desmontam a pressuposição de que podemos, a
partir de critérios pré-definidos, controlar nosso objeto de estudo e,
portanto,
a
realidade
social.
Nesse
sentido,
permiti-me
uma
transgressão nos critérios de seleção definidos a priori e mantive os dois
depoimentos para análise. O modelo parsoniano de família constitui-se,
pois, num recurso metodológico que, absolutamente, não dá conta da
71
Uso essa expressão para caracterizar a relação conjugal, não me limitando ao estado civil, já
que alguns dos entrevistados não se casaram nem no civil, nem no religioso.
149
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
realidade social, muito mais dinâmica e complexa. Deste modo, os
homens entrevistados para esta pesquisa compõem famílias conjugais,
formadas pelo casal e seus filhos, sem a presença de enteados. As
singularidades de cada uma das entrevistas, como no caso de Mauro e
Luiz, são apenas um elemento a mais no tratamento dos dados.
Todas as cônjuges têm curso superior e trabalhavam antes do
nascimento dos filhos. Três delas não exerciam atividade profissional no
momento da entrevista. É interessante observar que, com exceção da
esposa de Carlos, que é professora universitária e cineasta, as demais
exercem atividades profissionais que, em geral, apresentam significativa
concentração de mulheres: duas são professoras do ensino fundamental
e médio; duas são coordenadoras de creche; uma é bancária e a outra
funcionária pública na área de saúde. Essas atividades, por sua
característica, favorecem uma relativa flexibilidade nos horários,
permitindo que elas possam conciliar o trabalho profissional com as
demandas familiares. O tipo de ocupação profissional, tanto dos
homens como das mulheres, contribui para determinar a intensidade e
a forma de participação do casal nas atribuições domésticas e
familiares.
A idade média das mulheres por ocasião do nascimento do
primeiro filho foi de 29 anos, seguindo a tendência, descrita pelos
estudos sócio-demográficos de que as mulheres vêm adiando a gravidez
e tendo menos filhos (média de filhos desse grupo é de 1,8, enquanto
que a da família de origem era de 2,8), atendendo a outros interesses
pessoais e profissionais. Destaco que a idade média dos homens por
ocasião da primeira gravidez era de 32 anos. Dados sobre o
comportamento
levantados
pela
reprodutivo
Pesquisa
e
sexual
Nacional
da
sobre
população
Demografia
masculina,
e
Saúde
(PNDS/96), realizada pela BEMFAM (1999), mostram que 88% dos
homens entrevistados com menos de 25 anos de idade não tinham
150
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
filhos; enquanto que na faixa etária de 25 a 34 anos de idade, 45% têm
1 ou 2 filhos72. Esses dados indicam que há uma tendência entre
homens e mulheres de adiar a gravidez, investindo primeiro em sua
própria formação escolar e profissional.
Planejamento familiar e gravidez
O método anticoncepcional adotado pela maioria dos casais foi
preferencialmente o preservativo masculino. Esse dado chamou minha
atenção, pois a camisinha masculina é um método administrado pelo
homem e nestes casos o controle da reprodução cabe, de certa maneira,
a ele. A camisinha é citada como a preferida e os outros métodos
entram como substitutos ou mesmo como complemento. A opção pela
camisinha indica dois aspectos: um, o da negociação, a mulher não
podendo usar algum outro método contraceptivo, a camisinha entra
como uma opção. Outro aspecto é que a camisinha é uma forma de o
homem evitar a gravidez, de controle masculino da concepção.
Ainda assim, os relatos deixam transparecer que há uma
expectativa de que a mulher esteja cuidando para evitar uma gravidez
indesejada, principalmente porque a camisinha era, em muitos casos,
usada em concomitância com outros métodos contraceptivos femininos
(DIU, tabelinha, diafragma). Uma gravidez não planejada é considerada
assim descuido, “relaxo da mulher”, e não dele como expressa Renato.
Nos relatos em que ocorreu uma gravidez não planejada, o resultado,
em alguns casos, foi recorrer ao aborto, e noutros foi levá-la a termo,
72
A PNDS/96 é uma pesquisa domiciliar, por amostragem, desenhada a partir de uma
subamostra da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/95) do IBGE. Envolveu o
Rio de Janeiro, São Paulo, e as regiões Sul, Centro-Leste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Foram entrevistados 2.949 homens, com idade entre 15-59 anos, a partir de uma subamostra
de 25% do total da amostra de domicílios. O trabalho de campo da pesquisa foi realizado em
1996 e os dados divulgados em novembro de 1999.
151
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
pois, nestes casos, avaliou-se que “ já era a hora” ou porque o desejo
por um filho já se manifestara.
— Foi uma gravidez planejada, já que ela tomava pílula?
— Pode-se dizer planejada, que devia ter pílula, mas vou saber
quando? Então, acho que ela parou ...
— Você sabia que ela tinha parado?
— Ah, sim. Não! Minto, minto, até foi uma discussão. Ela tomava
pílula e ela engravidou com a pílula. Tomando pílula, aí, foi saber
do médico, não sei o quê? Disse que na época, sei lá eu, que essa
pílula não fazia efeito há muito tempo e continuava tomando.
Talvez, ela tinha aquela coisa de ir no médico, sempre, ver.
Relaxo, relaxo da mulher, sabe? De relaxo. Então, ela ficou
grávida, dois, três meses, depois. Mas ótimo, tinha tudo a ver, o
que eu mais queria era filho, não queria nem casar, entendeu?
(Renato, gerente de correio, 2 filhas)
— Foi uma gravidez planejada?
— Acho que... a gente não estava assim, não falamos sobre. Mas
achamos que já estava no momento.
— Mas vocês estavam controlando, evitando...
— É, a gente continuava na tabelinha, com certeza. (...) Camisinha de
vez em quando. E ela usava... na época de casada ela usou
anticoncepcional. Mas tinha, usava durante dois anos, aí
parava... um ano, uma coisa assim. Faz tempo, não me recordo
desse detalhe.(...) Fizemos uma tabelinha meio errada e deu um
gol (risos). (Leonel, engenheiro de produção, 1 filha)
A gravidez que resultou no nascimento do primeiro filho foi planejada
por seis, entre os dez entrevistados. Planejamento que significa a
interrupção deliberada do método contraceptivo com a intenção de
engravidar. Um primeiro esboço do projeto/desejo de ser pai e ser mãe.
O primeiro filho nasce, de maneira geral, dois ou três anos após o
casamento. Há um investimento do casal em estabilizar a relação
conjugal e a vida profissional, adiando a vinda do filho para um
momento apropriado. As falas de Luciano e de Saulo expressam essa
afirmação:
152
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Foi uma gravidez planejada?
— Foi, tanto a primeira como a segunda, planejadas. Nós sabíamos
direitinho o que nós queríamos, sabemos até hoje, quando a gente
casou tinha que comprar o apartamento, tinha que mobiliar o
apartamento, quando tudo isso tivesse pronto, nós partiríamos para o
filho, até pela, como a Elena, ela casou com trinta anos, a gente não
podia esperar muito, também, então, foi planejada, a gente sabia que
em dois anos, mais ou menos, a gente iria ter o primeiro filho e logo
depois, a gente, teria o segundo, foi planejado os dois juntos, como
está certo não ter o terceiro. (Luciano, diretor comercial, 2 filhas)
— Dia, hora, local, ascendência, tudo. Aí foi assim tipo uma
cerimônia, a gente.... decidiu uns meses antes, passou pelo
ginecologista, fez exames, tudo em cima, o.k., legal.. Aí a gente fez
um cálculo do período dela. Bom, está no período fértil, a gente fez
um jantar, acendemos um incenso tal, fizemos uma noite super
bonita, gostosa, tipo assim: é hoje, e realmente foi. (Saulo, produtor
de vídeo, 1 filha)
A gravidez não planejada e não desejada: a opção pelo aborto
Entre os dez entrevistados três relataram-me suas experiências
com o aborto antes da gravidez planejada. O assunto surgiu porque
para eles tratava-se de um acontecimento pontual em suas vidas,
envolta em menor ou maior conflito. Falar em gravidez significava falar
também na gravidez não concretizada.
O aborto, nestes casos, foi a saída para uma gravidez não
planejada e, mais do que isto, não desejada. Em todas as situações os
casais estavam usando algum método anticoncepcional que
foi
negligenciado ou ineficaz. A opção pela interrupção aparece como uma
decisão conjunta, tomada antes mesmo da gravidez acontecer e
relacionada a um momento da trajetória de vida, na qual outras eram
as prioridades, como por exemplo a carreira profissional.
A fala dos sujeitos deixa transparecer a complexidade da
negociação entre os casais, que envolve não só a decisão por um método
contraceptivo, como do próprio controle da reprodução, que por sua vez
153
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
condiz com aspectos subjetivos diferenciados, conforme o gênero,
fundamentalmente relacionados a um determinado momento da
trajetória de vida pessoal. Vejamos a fala de Saulo e em seguida a de
Carlos:
— Você falou que viveu várias experiências de aborto, no caso
anterior à Carla, eram sempre decisões que partiam de você, da tua
namorada? Como é que era essa coisa de decidir, de optar pelo
aborto?
— A primeira namorada, a Julia, era muito esclarecida... de dentro de
casa tinha uma formação super legal e era muito responsável. A
gente não permitia qualquer tipo de deslize e risco. Então com ela,
fiquei quase quatro anos, três anos e meio, e nunca aconteceu
absolutamente nada. A gente sempre seguiu as regras certinhas, não
teve problema. Com a Patrícia, que foi outra namorada que eu fiquei
bastante tempo, e as outras nesse ínterim eram rápidas tal, Eu... foi
comigo que ela iniciou a vida sexual e eu acabei passando toda a
experiência que tinha construído com a Julia, e a gente conseguiu ir
segurando a onda durante algum tempo. Até que um dia rompeu uma
camisinha, foi um negócio assim. E ela acabou engravidando, e entre
a gente era muito claro, que a gente não ia ter filho, não queríamos
ter filho, com isso tomávamos cuidado, e quando aconteceu eu não
me lembro da gente ter titubeado, lembro assim ‘vamos tirar o filho’,
nem pensamos na possibilidade desse filho. Eu estava no meio da
FEI, ela estava na FAAP, quer dizer...
— E com a tua mulher, vocês também viveram uma experiência de
aborto.
— Agora com ela... imagino talvez que a gente estivesse num
momento da vida que valia a pena correr risco. Assim, se correr risco
a gente vê, se for o caso até casa, ou se não, não casa, sabe.
Começou a se considerar, ponderar a possibilidade de ter um filho.
Super inconsciente, tá, porque para mim era bem claro, eu não quero
ter filho. O discurso era esse. Na época até falava que não queria ter
filho, mas hoje vejo que era não quero ter filho agora. ‘Não quero
casar enquanto estiver nos vinte, não quero casar’. Acabei não
casando nunca, mas naquela época era discurso panfletário. E como
ela veio da área de saúde, formada em Enfermagem, estava fazendo
já especialização... então a impressão que me passa é que eu dei
uma relaxada, ‘bom, você cuida disso, tá? me diz se pode ou se não
pode, se está no período ou se não está, tal’. E com ela não teve
acidente, foi uma super valorização da tabelinha, a gente esticou as
margens de segurança e entrou nas margens de risco. E com ela
tinha tido papo... acho que a gente tinha tido uma transa só, no
máximo, e veio esse papo de engravidar e eu falei ‘olha, eu não vou
ter filho. Ponto. Eu não vou, não adianta, se for para ter filho a gente
nem começa’. Aquelas coisas bem radicais. E ela não, ‘eu vou ter
154
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
filho, eu quero ter filho’. ‘Tudo bem, mas que não seja agora, comigo
principalmente, e agora’. ‘Ah não, então tá’. ‘Então o seguinte, se por
acaso acontecer de você engravidar, a gente tira, está bom?’ ‘Ah, tá’.
Acordos feitos, legal, seguimos viagem. Deu três meses depois,
estava grávida. Então no momento em que saiu essa gravidez da
Carla, não houve discussão, a gente já tinha discutido. ‘Está grávida,
bom, então vamos marcar hora no cara, ele vai te examinar (...) A
gente começou a namorar no dia 04 de julho, e casou no dia 06 de
julho, no ano seguinte. Então nesse período, houve o caso da primeira
gravidez. E depois de três meses, ou quatro meses a gente fez o
aborto, e depois de mais... seis meses, mais ou menos, ela
engravidou de novo, então falei ‘vamos casar’. Casar não, vamos
montar a nossa casa. (Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
— Mas a decisão [de aborto] foi dos dois, foi uma coisa... como é que
foi?
— Nem imaginava ter filho nessa época, não fazia parte dos nossos
planos. A gente nem sabia se... foi no começo da nossa relação.
Tinha um ano, acho. Nenhum dos dois se sentia assim pai ou mãe.
— E... depois que vocês estavam já juntos, quanto tempo depois a
Vera ficou grávida do Marlon?
— Ah, demorou. Demorou exatos dez anos. A gente casou em fins de
75, o Marlon nasceu em fins de 85. Ele é de outubro, a gente casou
no comecinho de 76, vai.
— E nesses dez anos, ela tomava pílula, como é que vocês
evitavam?
— No começo tomava, depois usava diafragma. Grande parte depois
foi com diafragma, a anticoncepção. É engraçado porque... quando a
gente cismou, bateu aquela vontade louca de ter filho, a gente ficou
quase um ano tentando ter filho e Vera não engravidava. E a gente já
estava achando que era punição (Carlos, professor universitário, 2
filhos).
Carlos e a mulher passaram por dois abortos, um no Brasil e outro na
Europa, onde moraram durante a pós-graduação e somente vieram a
ter o primeiro filho dez anos depois. Ou seja, ter filhos era um projeto,
mas um projeto para ser colocado em prática num certo momento da
vida pessoal. O aborto se inscreve nesse contexto, aparentemente, como
uma decisão racional, objetivando determinados fins.
155
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A racionalidade da decisão, discutida, pensada, não evita uma
certa ambigüidade nas negociações, revelada, por exemplo na fala de
Saulo. Para ele era ponto pacífico não ter filhos naquele momento; para
a primeira namorada, durante a faculdade provavelmente também, mas
já com Carla, sua atual mulher, embora ela tenha aceitado fazer um
aborto se surgisse uma gravidez, estava também implícito o desejo de
ter um filho. O controle da reprodução foi delegado a ela, uma vez que
ela trabalhava na área da saúde, e a gravidez ocorre assim mesmo,
levando-os a um aborto e meses depois a uma segunda gravidez.
Quanto à contracepção, não houve negociação, essa ficou restrita à
atitude a ser tomada no caso de uma gravidez indesejada. É preciso
dizer que o primeiro aborto foi traumático, resultando numa perfuração
de útero. Ou seja, a segunda gravidez meses depois ganha um outro
significado na vida de Saulo, levando-o a mudar de idéia, decidindo pelo
casamento. Essa gravidez resulta num aborto espontâneo adiando a
vinda da filha para três anos depois.
A questão do aborto leva-me a pensar nos parâmetros das
negociações
que
se
estabelecem
entre
o
casal
sobre
métodos
contraceptivos e planejamento familiar. Sabe-se que, de uma maneira
geral, a anticoncepção é delegada, em maior ou menor grau, à mulher.
Afinal, é no corpo dela que ocorre a gravidez. Todavia, mesmo para os
casais entre os quais se estabelece ao menos algum diálogo, onde a
opção de ter ou não filhos num determinado momento é colocada em
discussão, a decisão final pode acabar circunscrita à mulher, sem que o
homem nada possa fazer. Digo isso, porque mesmo que o homem
decida pela camisinha, se ela se romper e a gravidez acontecer, a
decisão pela interrupção não é controlada por ele. A interrupção pode
até acontecer a partir de um acordo prévio, mas é preciso que a mulher
não queira aquela gravidez. Se for desejo da mulher dar seguimento à
gravidez, o homem nada poderá fazer. Trata-se a meu ver de uma
situação complexa, que envolve um jogo de poder desigual e, neste caso,
156
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
desigual em relação ao homem. O homem não tem o direito de decidir
sobre o corpo de sua parceira, porém como equilibrar essa questão?
Como pensar o lugar do homem na reprodução a partir desta
perspectiva?
Trata-se de uma questão para a qual não tenho resposta, mas
que permite refletir sobre as diversas dimensões das relações de gênero,
na qual o poder é parte constitutiva, podendo inclusive oscilar de
posição. É possível apenas especular que a participação ativa dos
homens no processo reprodutivo, desde a decisão de como evitar uma
gravidez indesejada, até quando engravidar e quantos filhos ter, poderia
favorecer a negociação também quanto às decisões a tomar com relação
às demandas que a chegada de um filho impõe ao casal.
A “gestação” da paternidade: a gravidez desejada
A fala dos entrevistados mostra que a gravidez, mesmo que não
planejada mas desejada, se configura no momento em que a
paternidade começa a ser delineada. Entre magia e conflitos, a gravidez,
que é concreta no corpo feminino, se constitui abstratamente no
homem, embora alguns autores, entre eles Parseval (1986), relatem
casos de homens, em diferentes culturas, que manifestam dores de
cabeça, náusea, vômitos, aumento do stress durante a gravidez de suas
mulheres, sinais conhecidos como “síndrome de couvade”. De acordo
com essa autora, na Antropologia a couvade indica um ritual mágico
observável em muitas culturas, que acontecem durante o período
gestacional ou logo após o parto. Para a Psiquiatria as modificações
corporais
podem
ser
consideradas
como
uma
elaboração
psicopatológica da inveja da capacidade feminina, tendo um caráter
defensivo em relação às angústias de tornar-se pai.
157
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
No Brasil, a pesquisa desenvolvida por Karin Von Smigay (1992),
detendo-se na perspectiva psicanalítica, observa que uma nova
representação da paternidade estaria surgindo com o impacto de
descobertas
psicanalíticas
acerca
da
importância
emocional
da
paternidade, além de redefinições culturais da masculinidade. Para
alguns homens a gravidez estaria associada a sentimentos de medo por
ter que assumir filhos e mulher, envolvendo crises e conflitos conjugais;
para outros o sentimento seria de realização por se tornarem pais e
chefes de família e, por fim, alguns homens tendem a negar ativamente
qualquer transformação da identidade a partir da gravidez. Em geral, a
literatura psicanalítica mostra que o tornar-se pai envolve um processo
em direção à maturidade, permeado por ambigüidades, diante dos
desejos que conflitariam com a repressão das expressões de afetividade
e ternura em relação ao filho, repressão respaldada por uma cultura
machista (Smigay, 1992).
Minha intenção não é desconsiderar a importância que a mulher,
de fato, tem nos primeiros anos de vida de um bebê, mas refletir sobre
as implicações que certas idéias (muito veiculadas na mídia, na área
médica, que acabam tornando-se senso comum e naturalizando a
maternagem) têm para a conformação da assimetria nas relações de
gênero,
a
partir
das
concepções
que
os
homens
entrevistados
apresentam sobre a gravidez, por exemplo.
Segundo o relato dos entrevistados, o casal estava sempre
utilizando algum tipo de método contraceptivo e quase sempre métodos
combinados. Nenhum deles “casou grávido”, mas para alguns a gravidez
aconteceu sem planejamento. Como já viviam maritalmente, e amigos já
tinham filhos, a relação se mostrava estável, e assumir a gravidez
parecia algo “natural”:
— Quanto tempo depois de casados vocês engravidaram?
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Acho que um ano, um ano e meio. Ela engravidou sem querer, foi
na tabela (...) foi meio sem querer, mas muitos amigos da gente
estavam tendo filhos, veio de bom grado, foi um sem querer
querendo. Agora, fatalmente, se a gente conseguisse não ter tido o
primeiro filho ali, num ano e meio, por aí, não lembro quanto, a gente
teria demorado bastante, a gente ia juntar uma grana, ir para
Europa, dar uma curtida, viajar...(Benício, músico, 2 filhos)
— Acho que... a gente não estava assim, não falamos sobre. Mas
achamos que já estava no momento. A gente já estava sentindo,
fizemos uma tabelinha meio errada e deu um gol! (Leonel,
engenheiro de produção, 1 filha)
As falas de Benício e de Leonel revelam que uma gravidez não planejada
não é necessariamente indesejada, ainda que possa implicar em
mudanças de projetos pessoais e profissionais. Fatores como o
casamento estar indo bem, o tempo de relacionamento, amigos
próximos com filhos pequenos, acabam contribuindo para que o casal
assuma a gravidez. Benício reconhece que não tinha planos de ter filhos
logo, queria viajar, melhorar as condições da família. No entanto,
quando a gravidez ocorre, ele a assume e se envolve sensivelmente.
— Você participava, ia no médico com ela?
— A gente esteve muito junto, foi uma época que a gente estava
muito junto, ia no ultra-som, ia no médico...Por acaso, a médica
era minha tia, irmã da minha mãe, a que fez o parto da minha
mãe, fez todos os partos da família. Então, a gente tinha essa
boiada de médico, a gente ia na tia e tal, ultra-som íamos juntos,
essas coisas, foi bem junto. Eu estava bem à disposição, por
causa do meu trabalho ser, ter folgas. Até nos desejos de
madrugada, eu fiz na boa, sabe como é querer chocolate, jaca,
essas bobagens. E nós transamos muito na gravidez. Ela ficou
grávida numa época que a gente estava sexualmente muito legal,
do primeiro e na segunda gravidez também, nós transamos muito,
até quando deu. E foi legal cara, eu não sabia que a mulher ficava
tão bonita grávida, assim, barriga de grávida, você tem um... Até
hoje, eu acho grávida um tesão, assim, coisa que eu não achava
antes da gravidez dela. Então, foi uma gravidez sossegada, curti
muito... (Benício, músico, 2 filhos)
— A gente estava super... eu estava assim, pai bobo antes dela
engravidar, né. Estava muito a fim. não sei, bateu, não sei
explicar a razão, objetiva, mas o fato é que me pegou nesse
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
período da minha vida, me senti com uma vontade ferrenha de ser
pai.
— Como foi o período de gravidez?
— Foi ótimo. Tânia passou bem, que eu me lembre não teve...a
proximidade é muito grande, né. Eu nunca fui tão preocupado com
a Tânia como eu fui... com certeza.
— Você acompanhava a Tânia no pré natal?
— Sempre.
— Você participou do parto?
— Participei dos dois. No da Tati eu tive uma participação mais
efetiva, estava um pouquinho mais complicado. O Dudu ele
nasceu prematuro. Parto normal, os dois. Mas o da Tati, eu lembro
que estava um pouquinho mais trabalhoso. Eu lembro que no da
Tati eu tive uma participação assim mínima, de segurar no braço,
segurar um tubo lá de soro que tinham colocado na Tânia, mas
fora isso era só estar do lado... lembro que nas contrações do
Dudu várias vezes a gente ia no banheiro tomar uma ducha, eu ia
com ela, coisas desse tipo. Ah, eu que cortei os dois cordões.
(Carlos, professor universitário, 2 filhos)
Se Benício e Carlos sentiram-se à vontade com a gravidez de suas
mulheres, inclusive sexualmente, o mesmo não aconteceu com Renato.
A gravidez do casal também não foi planejada, mas havia por parte dele
um imenso desejo de ter filhos, maior até do que o próprio desejo do
casamento. Ainda assim, Renato manifesta dificuldade para lidar com
sua sexualidade durante a gravidez:
— Como foi a gravidez para o casamento, a relação de vocês?
— Olha, para mim foi tudo ótimo, para ela não deve ter sido muito
ótimo, pelo seguinte, a partir do momento que ela estava com dois,
três meses de gravidez, foi só pintar uma barriga, o sexo parou. Eu
tinha problemas com isso, ela não. Mas eu tinha, punha a mão,
ficava esquisito, me arrepiava aquilo...
— Não era uma coisa dela, não querer transar?
— Não, não. Uma coisa minha. Eu via ela com aquele negócio, falava
“meu Deus, meu filhinho aqui, como vou fazer isso com ela, com meu
filho.” Aquelas coisas, de cabeça de homem, que às vezes pinta um
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
negócio que não tem jeito e foi toda gravidez, assim, a primeira e a
segunda. (Renato, gerente de correio, 2 filhas)
A gravidez do primeiro filho e a expectativa com sua chegada cria um
redemoinho de sentimentos e sensações, não só no homem, mas
também na mulher que atinge o relacionamento do casal. Essa visão é
exemplificada no depoimento de Mauro. A explicação é fundamentada
em pressupostos essencialistas, que reforçam a idéia da existência de
uma natureza feminina. O corpo da mulher muda com a gravidez, sua
forma de ser muda em função dos hormônios. A explicação é biológica.
A mulher deixa de ser a companheira exclusiva para preparar-se
fisicamente para receber o bebê, esta mudança, mesmo que passageira
segundo os próprios entrevistados, é entremeada por conflitos:
— Como é que foi esse período da gravidez, da primeira gravidez?
Como é que você lembra dessa questão?
— Olha, eu lembro assim, eu lembro de um grande conflito, um
conflito muito grande, de um lado eu senti uma sensação poética
muito grande,” Nossa vamos ter um filho!”. Só voltando um pouco,
é uma coisa que desde os 18, 20 anos, desde que eu me conheço
por gente, que eu tenho atração pela idéia de ter um filho, eu
sempre quis ter um filho. Então, assim, veio essa coisa, “Puxa!
Estou realizando um sonho”, legal. Por outro lado, ela mudou
muito do que ela era, mudou organicamente mudou, os hormônios
dela mudaram, o humor dela mudou, o jeito dela me ver mudou. A
gente começou a remexer muito com traumas de infância, com
complexos de coisas que a gente não tinha mexido até então. Hoje
em dia, eu vejo que um pouco que preparando o terreno para esse
filho que ia vir. Então, é gozado, eu lembro muito da primeira
gravidez, de como que a situação era de conflito, que oscilava
entre a poesia, que legal, o carinho da barriga, que a gente estava
escutando e não sei o quê e ao mesmo tempo muito ajuste, coisa
que na segunda gravidez não aconteceu, a segunda gravidez foi
mais, só bonita porque a gente já sabia o que ia acontecer, eu já
sabia que ela estava alterada, os humores, que era só deixar
passar que tudo voltaria.(Mauro, produtor de vídeo, 2 filhos)
Renato ao ver o corpo da mulher que se transformava trazendo-lhe o
filho que tanto desejava (...o que eu mais queria era filho, não queria nem
casar,
entendeu?)sente-se
bloqueado.
O
corpo
feminino
naquela
161
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
situação não era mais um corpo sexual, e por isso não devia ser
profanado. Para Mauro, os conflitos foram de outra ordem. Há uma
mistura de insegurança com a nova situação e de expectativa, mas há a
mudança feminina e neste caso não é só física. Mauro sente-se
incomodado com a situação, mas entende e atribui o conflito em parte à
falta de experiência, tanto que na segunda gravidez as dificuldades
foram superadas. Saulo (produtor de vídeo, 1 filha) também menciona
um certo esfriamento da relação, e sua fala indica uma tentativa de
compreensão em relação àquele momento:
— Você acha que a gravidez afetou o seu relacionamento?
— Ah, essa é uma pergunta óbvia, né...Nossa, é o equilíbrio da casa
deslocado. Mudou... ao mesmo tempo que mudou...obviamente, a
simples presença de uma outra pessoa altera uma série de
coisas. Mas entre eu e a Carla sempre houve uma atenção muito
grande nas coisas do casal. Então, durante a gravidez houve um
período de esfriamento de desejo dela absurdo. Eu até brincava,
vou pegar uma espiriteira para ver se esquento isso aí, porque
não é possível. E... eu fiquei meio ressentido assim... nos quatro
últimos meses não teve relação sexual, não havia possibilidade.
Não havia lubrificação, não havia... ela não se dispunha.
— Ela estava voltada para a gravidez...
— Para a gravidez. Apesar de tudo isso, havia muito carinho, havia
até uma masturbação, assim para... ela me atender mesmo, uma
coisa assim de atenção. Eu com muita atenção a ela, ela com
muita atenção a mim. Na hora que nasceu a Lara, a gente
manteve essa atenção não só na cama mas no dia a dia (...)
(Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
Pré-Natal e Parto
A participação do homem durante o pré-natal e mesmo durante o
parto
é
uma
tendência
desde
os
anos
oitenta,
quando
esse
comportamento começou a ser estimulado particularmente entre casais
de camadas médias, que tinham acesso a serviços de saúde privados
(Salém, 1985).
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Você acompanhava a Tânia no pré natal?
— Sempre.
— Você participou do parto?
— Participei dos dois. No da Tati eu tive uma participação mais
efetiva, estava um pouquinho mais complicado. O Dudu, ele
nasceu prematuro. Parto normal, os dois. Mas o da Tati, eu lembro
que estava um pouquinho mais trabalhoso. Eu lembro que no da
Tati eu tive uma participação assim mínima, de segurar no braço,
segurar um tubo lá de soro que tinham colocado na Tânia, mas
fora isso era só estar do lado... ia com ela tomar... lembro que nas
contrações do Dudu, várias vezes a gente ia no banheiro tomar
uma ducha, eu ia com ela, coisas desse tipo. Ah, eu que cortei os
dois cordões.(Carlos, professor universitário, 2 filhos)
— Participei, dos dois filhos, eu participei. Do primeiro eu estava mais
com medo, assim... os dois normais, mas a gente fazia um grupo
de eutonia que a professora tinha um curso de parto para o
marido e para mulher. É o cara ajudando ela a respirar, falando
“olha vai acontecer isto, se estourar a bolsa não fique histérico,
porque dá tempo de chegar na maternidade”. Então foi bom
porque eu não imaginava como era, eu achava “pô, a mulher
começa a ter contração, nasce em dez minuto, então, ela explicou
isto, foi legal. No dia que estourou a bolsa da Luiza, foi de
madrugada, assim, a Luiza foi muito tranqüila, começou a
cantar...Aí eu fiquei histérico, levantei, pulei, fui, ela começou a
cantar, aí eu fique tranqüilo, sabe. Ela estava contente, estava
afim de ter.(...) (Benício, músico, 2 filhos)
A presença na hora do parto insere o pai no processo de constituição da
paternidade, de sua concretização. O homem não engravida, não
carrega o bebê na barriga, mas pode ajudá-lo a nascer. A presença do
pai na hora do parto não é um procedimento comum nos hospitais e
maternidades. Trata-se de um procedimento adotado em hospitais
conveniados ou particulares e depende muito da filosofia adotada pelo
médico. Deve-se ter em mente que o fato desses homens pertencerem a
um certo segmento social , facilitou esse tipo de participação.
— Você participou dos partos?
— Dos dois. Foram partos normais, naturais e participei dos dois.
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Isso, o fato de você ter participado, isso marcou, teve algum
significado?
— Eu estava falando com uma amiga ontem, anteontem, não, foi
ontem, porque eu estava comentando que eu ia dar uma
entrevista e aí eu comecei a falar de alguns aspectos da
paternidade. Uma das coisas que eu falei para ela é que eu fiquei
muito com a sensação de que por ter participado dos partos, eu
fiquei muito com a sensação de que eles saíram de dentro de mim,
um pouco também, você entende? Tinha um pouco aquela
sensação de inveja, de dizer “pó está saindo de dentro dela”, mas
ficou um pouco a sensação de que eles saíram de dentro de mim,
fui eu que aparei eles para eles nascerem, então, eu não
conseguia cortar o cordão, eu estava muito emocionado, depois eu
cortei, dei banho, eu pus no seio dela para ela amamentar. Então,
tem um vínculo forte com esses momentos... (Mauro, produtor de
vídeo, 2 filhos)
— E você participou do parto, você assistiu?
— Sim, estava na sala. Ela achou que eu fosse desmaiar, eu também
achei, mas eu queria ver. Só olhei, só. Pôr a mão, nada. Aí é
demais. Ver aquele monte de sangue... É... um pouco trêmulo,
tal...a outra dopada na mesa, e eu acompanhando a nenê para
fazer os primeiros... aspiração... então foi muito gostoso. Depois
botei, ela estava ainda assim dopada, segurava na mão...Dá uma
coisa assim... esplendorosa. Aquele ser vivo, que nós geramos,
vindo ao mundo... sabe lá o que vai passar aí, mas naquele
momento indescritível. (Leonel, engenheiro de produção,
desempregado, 1 filha)
Se para alguns a presença na hora do parto é um sentimento
indescritível, para outros não é isso o que define a participação. O pai
deve estar presente, acompanhando a mulher, filmando, mas seu
envolvimento não implica em cortar o cordão umbilical, dar o primeiro
banho, papel que pertence aos médicos e enfermeiros:
— Você só assistiu ou você teve alguma participação, embora ter
sido cesária, você teve alguma participação? Pegar o bebê, botar
para mamar, esse tipo de coisa?
— O pai só serve para filmar e pagar a conta do hospital.. Não,
porque acho que isso é coisa para profissional. No momento, eu
fiquei mais com a Elena, ficava do lado dela, passando algodão,
ajeitando o rosto dela, coisa assim, e quando nasceu eu vi
cortando, mas logo que essas coisas não gosto de ver, tanto é que
a filmagem, comecei ela depois que o nenê está limpinho. Depois
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
eu acompanhei, das duas, a pesagem, lavar o nenê, por aquele
nitrato, soro... (Luciano, diretor comercial, 2 filhas)
Para alguns homens, a gravidez e todo o ritual que o envolve, inclusive
o pré-natal, é um momento feminino, do qual eles não sentem-se
autorizados a participar, mesmo quando o médico sugere:
—
Não, porque... a Silvia, o primeiro parto foi cesárea, né. E a gente
usa uma medicina que é chamada medicina antroposófica. Então
você participa do parto, não sei o que... quer dizer, eu não sou
muito chegado a essas coisas. É uma coisa muito legal, muito
interessante, tal. Vale a pena, hoje a gente segue... não somos
fiéis, mas as crianças estão numa escola antroposófica. Você
participava, você vai no pré natal, quer dizer, os que eu faltei foi
por extrema necessidade, assim, ou estava viajando, enfim
alguma coisa assim. Mas o que eu me recordo é que eu ia em
quase a todas... eu não entrava na sala de exame porque
realmente não é o meu forte. Não porque não pudesse. Eu entrei
algumas vezes, quando o médico chamava. (Marcos, diretor de
finanças, 3 filhos)
— O médico deixava você entrar na sala para os exames?
— Sim, em tudo, sem problema, embora, nunca quisesse entrar.
Nunca entrei, embora tivesse toda a liberdade de entrar, nunca
entrei.
— Por quê?
— Por que eu acho que é o momento dela, a minha presença iria
constrangê-la de alguma maneira. Era importante para ela que eu
estivesse do lado de fora, perto dela. Mas, não, é um momento
muito íntimo da mulher, não sei, eu sou contra essas coisas...
— Você não assistiu o parto?
— Não, de forma nenhuma. Acho que não devia, mesmo porque não
gosto muito de ver sangue.(Péricles, juiz classista, 2 filhas)
Participar do ritual, do pré-natal pode tornar-se uma atividade pouco
prazerosa, pois em geral implica em horas no consultório médico e
imprevistos:
— E você, como que você viveu essa gravidez?
165
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
—
Eu acho que, algo que me marcou, por exemplo, eu comecei a
sentir a gravidez, a estar grávido junto, a partir do momento que
eu ouvi o coração do nenê, de repente, eu ia todo mês...Sempre
não, eu minto, eu acho que eu fui três vezes, depois eu não
agüentei mais, por que é um saco.
— Por que é um saco?
— Porque você ia, aí, você estava no consultório, já esperava horas e
horas, porque ia chegar a sua vez, chegava uma senhora grávida,
tinha que sair correndo, ele mandava esperar. Teve dia de eu
ficar, teve uma visita que nós ficamos seis horas no consultório,
nessa de ir, ter que sair, chegar mulher quase para dar luz,
porque a situação é isso, engraçado e constrangedor ao mesmo
tempo. Mas eu ia, colocava o vídeo, depois eu ficava em casa com
ela vendo, nós nunca quisemos saber o sexo. Aí você ficava lá,
tentando adivinhar, olha aqui, eu acho que é isso, aquilo. Então,
teve essa fase de vídeo, acompanhando, ouvindo o coração.
(Luciano, diretor comercial, 2 filhas)
Apesar de alguma resistência masculina, os relatos mostram que o
incentivo do médico na fase do pré-natal e do parto contribuem para
que o pai sinta-se participando do processo gestacional e essa
participação é significativa na experiência da paternagem. O estimulo
do médico mobiliza o homem a de fato acompanhar a mulher. É claro
que esse acompanhamento é movido também por um desejo pessoal, de
estar presente. :
— Na fase do pré-natal, você acompanhou a sua mulher no médico,
como é que era?
— Fiz questão de ir em todas as consultas, acompanhei muito de
perto, li, estudei sobre o assunto (...) Olha, o médico obstetra da
gente era um médico, assim, enquanto cientista, ele era muito fera
e ele fazia questão, por isso a gente escolheu ele, de que os pais
entendessem muito bem o que estava acontecendo. Então, era
proposta dele, quem estava grávido era o casal, apesar de que
organicamente a mulher estava grávida, tem os hormônios, o feto
crescendo, a barriga crescendo, o corpo se deformando, tudo, mas
o casal é que estava engravidando. Então, ele indicava literatura,
xerox de textos, ele falava muita coisa, ele tinha uma vertente um
pouco mística, não religiosa, mas mística de todo um
encaminhamento dessa chegada dessa criança, de como ela
deveria ser recebida, mesmo antes de nascer e tal. E nós tivemos
dois filhos com este mesmo médico, que eu considero um cara
super... (Mauro, produtor de vídeo, 2 filhos)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Observei também que há um movimento desses homens em procurar
profissionais específicos, em geral, ligados à medicina alternativa, na
qual se destaca a vertente antroposófica. Não raro, o médico escolhido é
parente ou conhecido:
— E você participava dos exames, do pré natal, você ia junto com
ela...
— Todos, inseparavelmente. O dia do exame já avisava na empresa,
não posso.
— Você participou do parto?
— Fazendo força. Que a gente fez, a Carla fez o parto de cócoras,
então para isso ela fez ioga, fez exercício e na hora do parto. A
Carla, uma das colegas de faculdade dela, seguiu obstetriz. Aí, o
momento do parto foi tudo preparado, o campo, de fazer o parto,
uma dessas escadinhas, para subir na maca, onde a Carla ficou
sentada e eu fiquei de pé atrás segurando a Carla. A Carla ficava
sentada ali e eu de pé. Na hora que ela fazia força, ela fazia força
e segurava em mim, então eu digo que eu fiz a força do parto de
segurar o peso dela...
— Vocês tinham ensaiado antes, tinham treinado antes?
— Não. Foi... fomos sendo orientados na hora, pela Priscila e pelo
Rogério. E não foi assim rápido, tem todo um trabalho, e vai
contrai, contrai e na hora da expulsão inclusive ele diagnosticou
que tinha o cordão, e ele ficou meio ressabiado, deu um toque
para a enfermeira, para ela ficar de olho tal, mas conseguiu dar
um toque no nené e saiu certinho. A Lara saiu certinha. E aí ‘é
uma menina!’, Ah, foi lindo! (Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
Sentimentos e contradições do ser “pai”
A chegada do primeiro filho é marcada por uma certa magia, que
desperta também sentimentos de conflito, de questionamento. Esses
questionamentos revelam a pressão do ideal masculino de pai provedor,
de homem bem sucedido, que deve ser capaz de sustentar os filhos.
Este ideal está baseado na figura paterna da família de origem e a
capacidade de ajustar-se a ele é confrontada com outros ideais. Há
167
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
também o reconhecimento de que uma outra fase de sua vida se inicia
com o nascimento do filho:
— Voltando a gravidez, especialmente na do primeiro filho, quais
eram os seus temores? Que medos você tinha?
— (...) eu tinha fantasma, “meu Deus não vou conseguir” o fantasma
que vinha muito dessa história do meu pai de ele ter pré
determinado que é assim, você só vai sustentar a sua família se
você seguir esses passos, passos que eu não segui, quer dizer eu
fui para Ciências Humanas, voltei para as artes que meu pai
tinha sempre muito medo disso, “pô artista é vagabundo”. ‘É
miserável, vocês vão viver na miséria, não vão conseguir, o seu
casamento vai dar errado, seus filhos vão ficar na miséria’. Então,
tinha essa coisa cultural de imigrante mesmo, que nessa hora
voltou. (...) Então, assim, eu vinha de uma situação econômica
financeiramente instável e, eu tinha muito esse receio “puxa, vou
sair da produtora, vou largar uma empresa que eu fiquei oito
anos, para cair num vazio, será que eu vou conseguir sustentar e
tal?” E assim, na verdade, muito pouco tempo depois, eu percebi
que eu podia me sustentar com facilidade, vendendo meu
conhecimento, meus serviços de todos esses oito anos, que era um
conhecimento que eu tinha e que eu não sabia que eu tinha, do
que eu aprendi e que o mercado precisava dele. Vai fazer quatro
anos que eu estou assim, como free-lancer, trabalhando
absolutamente como free-lancer e tenho conseguido sustentar todo
mundo.(Mauro, produtor de vídeo, 2 filhos)
— Como é que foi, nasceu aquele menino, a partir daí os primeiros
dias do bebê novinho em casa?
— (...) Fiquei junto os quatro dias no hospital, mas eu estava
praticamente sem emprego, então, eu fiquei direto, e teve muita
coisa emocional, tipo, instantaneamente eu entendi meu pai e
minha mãe diferente do que eu entendia. É a coisa de pegar o
moleque no colo, sem nunca ter pego uma criança, de repente
pegar e a coisa, naturalmente, sem saber pegar, mexer, trocar,
olhar. Então, foi super natural, para mim foi um espanto eu ter
isto dentro de mim e não saber, e quando eu voltei para casa foi
esquisito porque eu tive uma deprê de uns dez dias, eu fiquei
muito ruim, fiquei muito deprimido. Não sei, de pensar, pensei no
meu pai, no meu avô, a coisa da morte veio muito na minha
cabeça, de eu estar ficando velho, de estar cruzando ciclos e
pensar, bom, que tem coisa que não tem mais, que não vai ter
mais, chances ou liberdades ou que fosse, mas teve uma caída
real da minha idade, do meu ciclo, talvez isso....(Benício,
músico, 2 filhos)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A mudança na vida do casal, gerada pelo nascimento do filho, provoca
também conflitos para a mulher. Mauro, por exemplo, sentia-se culpado
por ter que ir para o trabalho e não poder ficar em casa com o bebê, e
percebe que a mulher, antes independente, se sente incomodada com o
fato de estar dependendo do marido.
— Você trabalhava, você saía de casa, mas você também procurava
estar envolvido. Ela ficou nesse período um ano em casa, em
função do filho. Você acha que isso, de uma certa forma,
interferiu no fato dela estar mais voltada para criança, havia
uma cobrança, como que era isso?
— Acho que era um conflito pró dois, o fato de, por exemplo, se eu
saía para trabalhar, eu saía culpado, eu me sentia culpado por
estar saindo para trabalhar, mas tinha que trabalhar, porque
alguém tinha que trazer grana, ela estava de licença. Se eu ficava
em casa, eu me sentia culpado porque não estava trabalhando.
Então, esse conflito super grande, o tempo inteiro. E ela foi uma
pessoa que trabalhou desde muito cedo, desde os quinze anos,
ela tinha essa coisa de trabalhar como prazer e como sentido de
independência e de repente pela primeira vez na vida, não tinha
mais sentido de independência, ela dependia efetivamente de que
eu saísse para trabalhar, para trazer dinheiro para ela comer.
Então, na cabeça dela ficava muito esse conflito.(Mauro,
produtor de vídeo, 2 filhos)
Os conflitos atingem o relacionamento do casal, na medida em que se
conscientizam de que a relação, antes de dedicação exclusiva de um
para o outro, será alterada. Além disso, um deles estará menos
disponível e, mais do que isso, terá alguém dependente de sua atenção
por um longo período. O relacionamento ganha um outro status, que
nem sempre é conquistado com tranqüilidade.
— Olha, existia sempre a sensação de estar sendo preterido, em
detrimento de outro ser, apesar de ser amado, ser super desejado
e tal, eu acho que tinha sempre essa pontinha, esse fantasma, de
“pó de repente ela vai se dedicar a ele”, coisas que efetivamente
acontece e que tem que ser trabalhado, e coisa que no primeiro
filho foi difícil para mim e para ela. Quer dizer, ela se sentia um
pouco culpada de não me dar tanta atenção como ela me dava e
eu me sentia também abandonado. Eu acho que acaba, se você
viver isso com atenção, eu acho que acaba sendo uma terapia
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
quase, quer dizer, você é obrigado a se rever e dizer “pô”, né, ali
dava essa sensação de abandono, “pô”, eu estou sendo
abandonado, mas espera aí, que está acontecendo?” e você se
situa melhor. E também, eu te digo que na segunda gravidez e no
segundo filho tudo isso soou muito mais tranqüilo, porque você
sabe que tem um cuidado X, mas que existe um momento onde
acaba isso e volta e não volta como era, não, Sandra. A gente não
volta a ser namorado ou um casal sem filho, a gente tem que
voltar a se relacionar de uma maneira legal, dar atenção, a gente
é obrigado a investir na qualidade, porque a quantidade diminui
muito, quantidade eu estou dizendo de tempo, a quantidade de
tempo que se fica junto, você consegue olhar um para cara do
outro e se relacionar de verdade, você está no meio de uma transa
o neném chora e tal, não é a mesma coisa. Então, eu vejo muito
isso, eu vejo muito ter filho, um dos aspectos é o processo
terapêutico. Mesmo se você não souber viver isso com atenção,
não é fácil ter um filho.(Mauro, produtor de vídeo, 2 filhos)
Se antes da chegada do filho o casal mantinha um relacionamento no
qual a autonomia e a individualidade de cada um podia ser preservada
mediante uma negociação equânime, nesta nova fase é possível
perceber que as regras do acordo conjugal são forçosamente alteradas
em função das necessidades de uma terceira pessoa, sem nenhuma
autonomia. Os depoimentos deixam transparecer que as mulheres são
particularmente afetadas por essas alterações. As necessidades do bebê
alteram a rotina do casal, mas afetam sobretudo a vida profissional das
mulheres.
O pai ajudando a cuidar do bebê: o desafio de dividir as tarefas
O tipo de atividade profissional que o homem exerce determina,
de certa maneira, uma maior ou menor disponibilidade para participar
do cuidado com os filhos. Benício, por exemplo, é músico, tinha uma
banda, e o fim dela justamente durante o nascimento do primeiro filho
permitiu que ele pudesse estar mais presente para cuidar do bebê.
Favoreceu inclusive o ritual antroposófico para o desmame da criança:
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Mas você participava também depois dessa época que ela voltou
a trabalhar, você tinha uma rotina com o bebê? Ele estava com
um ano, um ano e pouco, como é que vocês faziam?
— (...) Quer ver, isso que eu digo, o meu trabalho não é de eu estar o
dia inteiro fora e tem a coisa, também, de eu chegar sempre de
madrugada, eu acabo, porque estou acordado (...) muitas vezes eu
cuidava e também que o antroposófico na hora de desmamar o
nenê, a mamada da madrugada é trocada por um chá e quem
deve dar o chá é o pai , por conta da criança não sentir o cheiro do
leite da mãe, desmamar mesmo e dormir, tipo das oito às oito.
Essa mamada das cinco, quatro, cinco, seis da manhã era eu que
dava o chá. (Benício, músico, 2 filhos)
De maneira geral, os entrevistados se mostram interessados e
disponíveis para ajudar a cuidar do bebê. Porém, o fato do homem em
geral não poder contar com a flexibilidade de horário de trabalho, em
particular
durante
os
primeiros
meses
do
bebê,
limita
a
sua
participação na divisão das tarefas. A licença maternidade torna a
mulher mais disponível do que o homem para a rotina estafante dos
primeiros dias com o bebê:
— Quem costumava levantar à noite?
— No início os dois, depois só ela mesmo. Porque ela teve um período
mais longo, os quarenta e cinco dias, quarenta dias da licença,
depois, estava dando leite, mais seis meses pela frente. Eu como
não tinha isso, voltei a minha, aí eu não acordava de madrugada
para nada. (Péricles, juiz classista, 2 filhas)
— Quem costumava levantar durante a noite, a Lara chorava à
noite, tinha aquela rotina de mamar durante a noite? Como
vocês se ajeitavam?
— Na primeira fase, bem no começo, eu acabava acordando também,
levantando, tal, mas a Lara mamava exclusivamente no peito.
Pouco tinha para fazer. Nem precisava trocar a fralda ou outra,
não era rotina. Era mais um apoio logístico da coisa. E eu tinha a
história que devia acordar cedo para trabalhar. Aí a Carla, bem
ou mal, podia fazer o sono junto com a Lara, então tinha meio que
um acordo, que à noite se houvesse algum tipo de intervenção, a
Carla daria conta. A menos que precisasse. Se ela falava ‘Saulo’,
aí eu levantava. E a Lara sempre teve um sono muito bom, muito
tranqüilo. Então nos primeiros dias ela acordava para mamar, era
bem espaçado, mas rapidamente ela entrou assim na última
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
mamada às onze e depois de manhã.(Saulo, produtor de vídeo,
1 filha)
A divisão das tarefas e do cuidado com os filhos pode seguir uma
racionalidade determinada pela disponibilidade de cada um dos
cônjuges e pela função de cada um naquele momento, no grupo
familiar. A mulher de Luciano, deixou de trabalhar fora logo que se
casaram, pois planejava ter filhos assim que o apartamento estivesse
montado. Para Luciano era, então, natural e esperado que ele fosse
poupado da rotina com a filha, pois necessitava de várias horas de sono
para poder trabalhar no dia seguinte. A racionalidade de Luciano
surpreende:
— Quem é que levantava a noite quando tua filha chorava?
— Sempre foi a Elena, eu nunca levantei. As vezes eu não acordava,
as vezes eu acordava, mas fingia que estava dormindo.
— Virava para o lado?
— É, porque eu sempre fui de precisar dormir bem para acordar no
outro dia, acordar bem para trabalhar, então, 8 horas de sono,
sempre foi assim, independente da ...é uma coisa de dormir cedo.
Como a Elena não trabalhava aí, virou regra geral, aqui nessa
casa. A Elena ela fez cesária, a operação dela foi super boa, eu
não dei moleza, não.(Luciano, diretor comercial, 2 filhas)
Esta postura de Luciano se mantinha no momento da entrevista, já que
Elena não voltara a trabalhar. Para ele, a divisão das tarefas segue a
seguinte lógica: ele cuida do sustento da casa e ela das tarefas
domésticas. Elena cuida inclusive de administrar o dinheiro, faz o
imposto de renda do marido e cuida de toda a rotina com as meninas.
Mas ele amplia o exercício de sua paternagem para além do provimento
material, ao se atribuir outras funções como pai, como por exemplo
“educar para a vida”. Por estar mais presente no mundo externo,
considera que está melhor habilitado para orientar as filhas quanto às
questões do mundo da rua. Luciano se atribui também a tarefa de
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
“corrigir” atitudes da mãe em relação às filhas e que considera
equivocadas:
— Olha, o meu papel é ser um gerenciador, eu acho que eu até, é
meio machista ser gerenciador...
— O que significa ser gerenciador?
— Ah, como eu estou mais de fora, eu consigo ver coisas que a Elena
no dia-a-dia não consegue ver. Por exemplo, eu acho que saber
tirar a manha de uma criança é fundamental. A mãe, que está no
dia-a-dia, que é o caso da Elena, não sabe mais o que é manha e
o que é uma dor mesmo. Eu acho que consigo distinguir, e aí
encaminhar as coisas, eu acho que isso é ser gerenciador,
conseguir encaminhar as coisas, sem estar no dia-a-dia. A Elena,
acho que está fazendo o trabalho mais braçal, o negócio mais do
dia-a-dia. Eu consigo colocar, eu não preciso estar levando o
tempo todo na escola, indo em reuniões com a professora para
saber se a Carina vai bem, sabe ler, se ela sabe qual que é a letra
dela, coisa dessa forma, eu não preciso estar no dia-a-dia. (...)
Então, são momentos, assim, que não é a educação do dia-a-dia,
é educação de vida, uma experiência de vida, e essa parte acaba
puxando para o meu lado: por que tem bêbado, por que tem
homem mal? Essas coisas... por que os carros se batem? Essa
percepção que ela tem no dia-a-dia, essa percepção do dia-a-dia
fica comigo, na minha percepção do dia-a-dia, e as questões
educacionais, da escola... (Luciano, diretor comercial, 2 filhas)
O papel da avó
Embora os casais tendam a organizar sua rotina doméstica e a
enfrentar eventuais dificuldades, a rede de parentesco e de amigos
ainda é um recurso acionado pelas famílias. A avó, em particular, é
uma presença constante nos relatos, sobretudo nos primeiros dias com
o bebê. O papel da avó, em geral mãe da cônjuge, é dar alguma ajuda,
orientação, acompanhar a filha nos primeiros dias com o recém
nascido:
— Como é que foram os primeiros dias com a chegada da Lara em
casa, vocês tinham alguém para ajudar a Carla, a mãe dela veio,
tinha empregada, como é que foi?
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— A gente tinha uma empregada duas vezes por semana. Naquela
época não tinha fralda descartável barata como tem hoje, então
tinha aquela coisa de ficar lavando fralda uma atrás da outra. E...
a minha sogra vinha durante os primeiros quarenta dias, aquela
coisa da quarentena, cinco horas da tarde, com uma cesta com
frutas e uma sopa. Era assim, a função dela nos primeiros dias
foi essa. E eu adorava, porque eu adoro sopa, então ‘oba! hoje
tem a sopinha da sogra’. Todo dia chegava a sopinha da sogra,
tal, que era para a Carla eu acabava com a sopa. No
quadragésimo dia, a sogra chegou e falou ‘olha, hoje é o último
dia da sopa, e acaba com essa história’. Todo o tempo, quem
cuidou de tudo foi a Carla. Ela é especialista na história, não
tinha porque alguém...(Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
A presença da avó não dispensa a empregada, também presente para
auxiliar nos afazeres da casa. No caso de Luciano, optaram por
contratar uma enfermeira que pudesse orientar Elena no cuidado com a
filha e paralelamente ela ia à casa da mãe, onde podia contar com sua
ajuda, já que não dispunha de empregada, naquele momento e nem da
presença do marido:
— Quando a Carina veio para casa, tinha alguém para ajudar a
Elena? Vocês tinham empregada, como é que funcionou, como
vocês organizaram essa rotina? Você estava trabalhando?
—
Nos primeiros dias a mãe da Elena veio ajudá-la. Não tinham
empregada, mas contrataram uma enfermeira para as primeiras
orientações. (...) Era uma senhora que tinha muita experiência com
nenê, mas não era uma enfermeira, uma pessoa com experiência
em nenê. Ela ficou uma semana, quinze dias, aqui. Só para
encaminhar a Elena, mas ela é que sempre deu banho, trocou
fraldas, sempre foi a Elena, ela só ficava para dar apoio e fazer
encaminhamento. Vinha com freqüência aqui em casa a mãe da
Elena, morava próximo daqui, então, as vezes, eu saia, a Elena
passava o dia todo na mãe dela, depois eu pegava as duas e
vinha para casa. Mas, a mãe da Elena, quase 100%, 90% do
período, ficava com a Elena, mais na casa dela do que aqui. A
Elena sempre se deslocava, mas era isso...(Luciano, diretor
comercial, 2 filhas)
A participação da família de origem nos primeiros dias com o bebê pode
apresentar também efeitos perversos. Quando o casal se encontra
sozinho para lidar com as primeiras dificuldades na arte de cuidar de
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
uma criança, a possibilidade de troca e participação do casal pode ser
maior. Essa é a opinião de Luiz, que sentiu-se excluído de qualquer
participação no relacionamento com a filha, durante as três semanas
que passou na casa dos sogros:
— E vocês tinham empregada, nessa época? Teve alguém para
ajudar a Débora?
— Não, a gente saiu do hospital, foi para a casa da mãe dela e
ficamos lá durante um tempo. (...) sempre foi uma coisa não muito
bem...não conseguia tratar essa questão, de estar na casa dos
pais dela.
— Você preferia ter ido para a sua casa...
— É que para ela... para a Débora foi meio... pela vida que a gente
tinha, quer dizer, como eu tinha que voltar para trabalhar,
trabalhava muito, chegava tarde... ela não queria ficar sozinha, e
acho que é justo, então... quando saiu [do hospital] foi para a casa
da mãe...
— E aí você nesse período, você pôde participar assim, dar banho
na Isadora, trocar fraldas, a Isadora era um bebê que chorava
muito, quem acordava à noite... como foi essa fase?
— Aí já começou a não ser tão tranqüilo. Quer dizer, para a gente,
tem esse marco da, desse primeiro ano da Isadora, que foi, eu
diria que foi muito difícil. Estava até conversando sobre o
segundo, eu falei que topava desde que ela não me esquecesse
completamente. Até entendo que por um lado... tem uma coisa
física, hormonal, da mulher, em relação... da mãe em relação ao
filho, que não dá. Ela vai ficar hiper protetora... então para mim
foi uma situação... claro que era legal ter uma filha, legal um
monte de coisas, mas principalmente esse primeiro ano, toda a
minha imagem é de estar fora do processo. Primeiro porque a ...
própria criança não te identifica como pai até, sei lá, uns meses.
Então ela tem a mãe, que é uma coisa muito clara, identificada e o
resto do mundo. O pai, a avó, a cadeira, porta, quer dizer, está
tudo na mesma categoria. Você não se sente identificado, ao
contrário da mãe. Então tem uma coisa que é... natural, biológica,
sei lá. Então já tem essa certa... exclusão dessa maneira.
Segundo que a atenção da mãe, estou falando sempre da Débora,
mas vai lá conversar com as outras pessoas vai ver que tem
sentimentos parecidos, né... a atenção da mãe fica 220% na
criança, a prioridade é só essa daí, e qualquer outra coisa passa
a não ter nenhuma importância.
— Você acha que o fato de terem ficado esse tempo na casa dos pais
dela potencializou um pouco essa exclusão?
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Acho que sim. Acho que sim porque... se você está num lugar que
só estou eu, pelo menos você tem que participar um pouco mais.
Então, o fato de ter a minha sogra, meu sogro, com certeza
reforçou... Ficamos lá e quando a gente voltou para cá, depois de
bastante tempo, aí já tinha uma dinâmica da qual eu não estava
participando. Por exemplo, eu nunca, raramente eu acordava
quando a Isadora chorava à noite. Por causa disso, porque...
entendeu, essa situação toda me deixou meio excluído, de uma
maneira acabei também não... não lembro de acordar à noite,
pegar a Isadora... (Luiz, diretor de sistemas, 1 filha)
Uma exceção no grupo de entrevistados, Mauro conta que tirou um mês
de licença paternidade por conta própria, já que era autônomo. Sócio de
uma empresa produtora de vídeos, simplesmente avisou aos sócios que
iria tirar licença. Conta ainda que os amigos que não tinham filhos
reagiram à atitude dele.
— Como é que foram os primeiros dias depois de que a teu filho
nasceu?
— A gente era, eu e a Renata. a gente era muito criança, assim,
olhando hoje. Então, a gente tratou aquela coisinha, assim, a
gente não conseguiu, por exemplo, fazer com que ele dormisse
num berço separado da gente. Ele ficava no mesmo quarto e na
mesma cama, nos primeiros dias. A gente tinha muito medo, sei
lá, morresse dormindo, tivesse um troço, que todo mundo dizia,
tinha uma médica pediatra falava “olha, todo mundo sente isso”,
tudo bem, mas a gente sentia. A gente não dormia porque ficava
com medo de rolar para cima dele. E também tem as histórias de
terror de mães que sufocam o filho dormindo em cima . Tem tudo
isso, por a mão no coração, escuta para ver se está vivo e tal. E a
gente dormia muito mal e ele também. A gente não deixava ele
dormir porque ficava lá porque queria que ele reagisse como ser
vivo. Então, tinha essa coisa, ele acordava muito para mamar a
noite deixava a gente exausto, tinha hora que, eu lembro muito de
situação que a Renata., por ter acabado de ter filho e tal, estava
debilitada fisicamente, ela sentava na cama e ela cochilava, ela
não conseguia ficar acordada e eu segurava ele para mamar,
porque ela não agüentava. Ela dizia “meu, segura porque eu
tenho medo de deixar cair”. Um ano sem dormir oito horas
contínuas na noite, porque a gente não tinha a simples idéia de
dizer: “vamos revezar”, era uma avidez muito grande com aquele
filho, os dois queriam participar muito. Se ele acordava à noite
quando ele já dormia no quarto dele, se acordava à noite eu que
ia buscar e ela dava de mamar, entendeu? E no fim nenhum dos
dois dormia, nenhum descansava, porque eu ia buscar, daí não
conseguia voltar a dormir, dali a pouco leva de volta por eu já
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
estar dormindo de novo, então ficava aquele clima de função a
noite inteira.
— E com o segundo filho foi diferente?
— Foi, muito diferente, muito diferente. Com o primeiro filho depois
do primeiro ano, já foi meio diferente. Porque daí a gente teve a
brilhante idéia de que você dorme uma noite eu durmo outra,
porque aí ele já não mamava mais no peito, ou mamava, ele
mamou até um ano e dois meses, por aí (...) (Mauro, produtor de
vídeo, 2 filhos)
A experiência do primeiro filho é quase sempre mais traumática do que
no segundo. Os erros da primeira vez podem ser evitados, os fantasmas
já estão exorcizados. No caso de Mauro, a experiência de dividir tudo,
ou melhor, de não dividir, mas estar presente junto com a mulher,
fazendo as coisas ao mesmo tempo, na mesma hora, mostrou-se
infrutífera, quase levando o casal à separação. No segundo filho, o
discernimento permitiu que dividissem as atividades, alternando os
tempos e o envolvimento de cada um. Curiosamente, no segundo filho e
já em outra situação econômica, Mauro não pôde tirar sua própria
licença paternidade de 30 dias. Ainda assim, por exercer uma atividade
profissional que permite uma relativa flexibilidade, Mauro procurou
estar sempre presente na rotina das crianças.
O relacionamento do casal e a rotina da casa
A chegada de uma criança muda o status do relacionamento do
casal, como vimos acima. Administrar essa mudança e seu impacto no
relacionamento é um dos maiores desafios enfrentados pelo casal. Para
alguns, trata-se de uma mudança esperada, exigida pela presença de
um terceiro que requer cuidados. O tempo ocupado pela criança pode
ser um tempo compartilhado pelo casal, como mostram Benício e
Leonel:
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— A gravidez foi super legal, foi uma lua de mel, e agora, tinha um
terceiro, tinha um bebê, que demandava uma rotina, certos
cuidados. Como é que foi esse primeiro ano, isso alterou?
— Eu acho que não muito porque quando o bebê é pequenininho,
você ainda leva muito uma vida a dois, porque ele está lá, ele
dorme, ele mama, mas ele fica lá. Eu acho que, tanto quanto ela,
tirava uma parte do tempo, que antes era meu, para cuidar do
nenê. Então, eu acho que o tempo que a gente tirou entre a gente,
foi o tempo que a gente tirou junto para cuidar do nenê, a gente
curtiu muito. (Benício, músico, 2 filhos)
— E... você acha que a gravidez afetou o relacionamento de vocês?
— A gravidez assim em si acho que não, até aproximou mais. Mas
depois que a criança nasceu, os cuidados foram centralizados na
criança. Depois que ela nasceu. Durante a gravidez propriamente
dita houve uma troca de carinho muito grande, uma curtição muito
forte da gestação. Mas depois que ela nasceu acho que houve
uma canalização dos dois para a criança, que eu acho que é
tradicional. (Leonel, engenheiro de produção, 1 filha)
Por outro lado, a criança pequena mesmo demandando cuidados, não
necessariamente é o centro exclusivo das atenções da família. O casal
sabe que deve dar atenção ao bebê ao mesmo tempo que se permite
partilhar atenção entre si, às necessidades mútuas. Saulo relata como
uma aspecto positivo em seu relacionamento o fato de não terem
deixado de manter uma vida de casal, mesmo depois do nascimento de
Lara:
— (...) Amamentou seis meses, e assim que começamos a sair de
casa, a primeira vez que a gente saiu foi para ir à casa da minha
sogra. Jantamos, almoçamos lá no domingo, e acabamos de
jantar, saímos os dois para o cinema. Então assim, foi a primeira
oportunidade que a gente teve de estar junto, eu e ela, voltamos a
estar juntos. Apesar da Lara ter um mês. E... era assim, o tempo
de uma mamada, duas horas, saímos e voltamos. Então essa
atenção do casal não mudou com a presença da Lara, a gente
mantém essa atenção viva até hoje. Mas o que mudou é que é um
serzinho novo. Então a geladeira era vazia, a gente almoçava de
vez em quando em casa, tal. Passou a ter uma geladeira cheia de
coisas, para manter. (Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Rotina Doméstica e Familiar
Como foi observado no início do capítulo, a presença da
empregada tem uma significativa importância na forma como o casal
estabelece a rotina da casa. A empregada doméstica tem a função de
cuidar do serviço mais pesado da casa, em geral é ela quem cozinha e
pode regularmente buscar ou levar as crianças até a escola, se esta for
próxima à casa. Contudo, há uma certa divisão das atribuições entre o
casal. A mulher ainda é a maior responsável por administrar a rotina da
casa. O homem até pode dar algumas ordens para a empregada, mas é
mais provável que ele se reporte à mulher, para que esta fale com a
empregada. Os filhos são acompanhados pelo casal, o que determina
quem faz o quê é a rotina profissional e a disponibilidade do trabalho.
No caso daqueles que trabalham próximo à residência ou têm uma
atividade profissional com horário mais flexível, a possibilidade do pai
acompanhar mais de perto os filhos é maior.
Há um claro desejo de estar mais presente, mais atuante do que
foram os próprios pais. Essa participação pode não se concretizar se o
trabalho profissional envolver viagens e horas extras.
De todo modo, os homens tendem a cuidar de coisas masculinas
tais como levar o carro à oficina, providenciar o conserto de algum
objeto em casa. Não é uma regra, porém. Embora sejam os homens que
cuidam do dinheiro, das contas, não há uma clara divisão de quem
paga o quê. Ou mesmo que haja uma divisão para organizar o cotidiano
doméstico, os entrevistados investem na idéia de que não há divisão, a
conta conjunta é um exemplo. Um fundo comum para pagar as
despesas que são comuns. Estaria aí presente, de certo modo, uma
concepção de igualdade: uma vez que não há o dinheiro meu ou
dinheiro seu. A repartição das contas é aleatória e são pagas conforme o
dinheiro entra. Mesmo tratando-se de famílias de camadas médias, o
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
que pressupõe poder aquisitivo melhor do que nos segmentos
populares, o salário da mulher aparece como claramente importante
para manter o status familiar, especialmente se ela é assalariada e ele
não.
— Quem cuida das contas?
— Tem uma certa divisão, eu acho que a Luiza fica com um
pouquinho mais. Ela acaba levando as crianças no clube, eu acho
que ela fica um pouquinho mais com as crianças, eu fico um
pouquinho mais com as burocracias. As contas, praticamente,
95% eu cuido. Isso não tem jeito, eu acho que é por eu estar na
rua, eu lidar com burocracia minha também. Eu me produzo, eu
tenho a minha microempresa, então eu acabo tendo que estar em
banco. Eu organizei para que tudo que for débito automático, ou
seja, o que puder sabe; o imposto de renda vai para o contador,
as contas da minha empresa vão para o contador, então, até
gasto um pouco mais para tentar me livrar disso aí.
— Quem paga a empregada?
— É rachado, que nem, tem mês, por exemplo janeiro, janeiro é um
mês que tradicionalmente o músico não ganha. Esse mês, esse
ano eu até ganhei, teve um trampo legal em janeiro. Mas que eu
só fui receber em fevereiro. Então, é variável, mas o dinheiro
daqui a gente não reparte, entra, a gente bota na conta conjunta.
Aliás, nunca passou pela minha cabeça, em pensar “quem paga a
empregada?” É a gente que paga, aqui, realmente é a comunhão
de bens. Tem época de crise, assim, que um cobre o outro e cobra
mais que o outro. Por ela ser assalariada é mais difícil para ela
entender que tem mês que eu não ganho e tem coisas que a gente
não consegue fazer. Às vezes, às vezes, pesa nela essa
instabilidade minha, então, às vezes, dá uns, acho que é um lado
que dá uns arranca turco, no cara. Mas de modo geral, o dinheiro
é coletivo. (Benício, músico, 2 filhos)
— Então, tem contas que ela paga e outras você paga?
— Na verdade, o que acontece é assim, ela... é gozado a gente nunca
conversou sobre isso. Porque as coisas ficam funcionando assim,
como as minhas entradas de dinheiro são completamente
malucas, ela recebe no quinto dia útil do mês, então ela paga a
empregada, ela recebe e paga a empregada e o que sobra ela
deposita numa conta nossa conjunta, que é a mesma conta que
ela usa para fazer as compras de casa. Então, acaba servindo
para cobrir os pré-datados, na época que a gente comprava
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
fraldas, era nessa conta que caía, só que ela não controla, não
tem nenhum controle sobre o dinheiro.
— Você é quem controla?
— Ela me diz “olha, depositei tanto”. (Mauro, produtor de vídeo, 2
filhos)
O que se pode apreender dos depoimentos é que o assunto “
dinheiro” é delicado, mexe com as fronteiras do que é individual e
coletivo e quando se está “ em família” o interesse deve ser coletivo.
Quando os questionei sobre quem paga o quê? a reação geral era de um
certo incômodo com a pergunta e a saída foram respostas que
começavam com “nunca falamos disso...”; “ é tudo misturado”, “Não, lá
em casa não tem divisão assim de despesas. Orçamento único!” . Ainda
assim, ao final quem cuida das contas são eles. Elas em geral pagam a
empregada, a comida, coisas relacionadas ao dia a dia da casa. Nada de
novo. Pesquisas como a de Cristina Bruschini (1990) e Danielle
Ardaillon (1997) indicam comportamentos semelhantes. Ardaillon
observou que a parte formal da questão da contas, inclusive a que se
refere à aplicação financeira e declaração de imposto de renda é
entregue para o cônjuge. Deve-se ressaltar que o trabalho remunerado
da mulher proporciona um espaço de negociação. O dinheiro ganho com
o próprio trabalho tem um efeito individualizador , garantindo relativa
autonomia, porém, concordo com Ardaillon, quando diz que a divisão de
tarefas
pode
ser
utilizada
muitas
vezes
de
maneira
bastante
conveniente, tanto para eles como para elas. Cuidar da burocracia do
dinheiro pode ser uma tarefa mais fácil para eles (da mesma forma
como levar o carro para a oficina) e cuidar de delegar as tarefas para a
empregada, demití-la etc.pode ser mais fácil para as mulheres (já faz
parte de seu universo) e assim o ciclo que separa tarefas femininas das
masculinas se mantém, agora, talvez mais do que antes, de maneira
consensual.
181
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Tarefas de homem, tarefas de mulher
Em função da ausência durante o dia, da rotina familiar, a noite
reserva um momento de maior possibilidade de participação ao pai. Os
homens que entrevistei relataram que costumam colocar as crianças
para dormir, são responsáveis pela escovação dos dentes dos filhos etc.
Há algumas tarefas para as quais os homens se sentem mais
habilitados ou mais a vontade e em alguns casos há uma clara
distinção de gênero:
— (...) Minha especialidade é banho. Eu também dou bastante
quando dá. Agora, tem sido mais a moça aqui, porque a gente
está chegado mais tarde para o banho. Mas banho é um troço que
eu faço bastante, especialmente no Marlon, porque menino tem
essa coisa que tem que lavar o pinto direito e a mulher não sabe
lavar o pinto do homem, porque o cara tem que arregaçar a
cabecinha, senão gruda, essas coisas...
— Você acha que mulher não sabe fazer isso?
— Até sabe, mas como ela não tem pinto, então, pô, você sabe de
quando você era pequeno, o que você passou para arregaçar a tal
da cabecinha. Se você não operou de fimose, logo que você
nasceu, se não fez... então, o Marlon é vagabundo para lavar
pinto, bunda e cabeça. Então, essas três coisas, eu fico em cima
do cara.
— E com a Manuela você não se preocupa?
— A Manuela não, porque, eu, assim, lavar mulher é mais difícil,
lavar a xoxota é mais difícil, e ela é menos, menos malandra do
que o Marlon para tomar o banho dela. O Marlon para lavar a
cabeça desde sempre foi um problema tal, o cara chorava quando
ia água na cabeça; agora, que ele perdeu o medo de água com
quatro, cinco anos. E a Manuela sempre foi mais sossegada no
banho. Então, o banho do Marlon era um banho mais rude, assim,
era um banho de homem mesmo, um pouco mais truculento. Ele
tem banheira, então, eles tomam banho de banheira, vai e brinca
tal, mas na hora do cabelo, o pente gruda no cara... (Benício,
músico, 2 filhos)
Ajudar a cuidar dos filhos, acompanhar o desenvolvimento na
escola, levá-los ao médico sozinho ou acompanhado da mulher, dar
182
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
banho etc. são tarefas prazerosas e que em geral esses homens
gostam de fazer. Em todos os depoimentos há um forte desejo de
estar mais presente na vida doméstica, diferentemente do que seus
pais foram. Mas quando o assunto é a divisão das tarefas
domésticas, o humor é outro. E de fato, o conflito (se é que chega a
haver um conflito) ele é resolvido pela empregada. Os entrevistados
podem fazer o supermercado, arrumar as camas, ajudar a por a
mesa para o jantar (como os seus pais já faziam), a cozinhar, mas
não se trata de uma obrigação, não é visto como parte de sua
rotina diária:
—
Bom, fora ligar a televisão, porque as vezes, nem desligar, eu
desligo. Eu vou comprar o pão, enquanto ela faz o café. Aas vezes,
eu faço o café...Supermercado e feira, você não vai me ver nunca,
dentro de supermercado e feira. As vezes, eu ponho a roupa na
máquina de lavar; as vezes, eu penduro uma roupa no varal,
coisa de por mesa da cozinha, as vezes, mesa, os pratos ...por os
pratos sou eu quem faço. Coisas de eletrônica, por exemplo, de
colocar uma caixa de som, isso eu faço, não coisas de chuveiro,
quebrou chuveiro, torneira elétrica, isso não, mas coisas voltadas
a equipamentos ou instalar um telefone, isso eu faço Arrumar a
saleta, coisas assim, organizar a gaveta do computador, dos
jogos, sou eu que faço, poucas coisas, na verdade. (Luciano,
diretor comercial, 2 filhas)
— Adoro cozinhar e cozinho, e teve uma época nossa de casado que
a gente brigava para ver quem é que ia cozinhar. Cozinho toda
hora, todo dia, toda...
— Aí quem cozinha não arruma a bagunça depois, como é isso?
Tem uma divisão? Por exemplo, você cozinha a bagunça é da
Carla?
— Não, é que eu tenho que assumir uma coisa que eu não concordo
comigo mesmo. Eu não arrumo a cozinha. Assim, se eu fizer, eu
vou fazer como um fardo pesado e ‘não quero fazer isso, que
droga’. E quando eu faço, capricho para caramba. Então aquela
panela que está eu limpo... então, acho... eu não sei passar uma
aguinha, então não faço. Acabo não fazendo. (Saulo, produtor de
vídeo, 1 filha)
183
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O fato de não assumirem a divisão das tarefas como parte dos
acordos que envolvem o relacionamento, do arranjo familiar é um
obstáculo para se pensar a igualdade de gênero na vida privada.
Esses homens colocam o assunto como uma questão de opção:
posso escolher não arrumar as camas, não lavar a louça, não ir ao
supermercado. Caberá então a alguém assumir essas tarefas ou
não. E neste sentido não há uma divisão das tarefas. Os afazeres
domésticos acabam sobrando para a mulher, que tanto pode ser a
cônjuge, como pode ser a empregada, a diarista. A explicação para
este tipo de arranjo e a resistência a uma mudança efetiva,
especialmente num tempo em que muito se fala sobre “relações
igualitárias” pode ser encontrada no depoimento de Mauro
(curiosamente
um
dos
pais
mais
participativos
entre
os
entrevistados):
— Tem uma questão que é séria, que a gente não falou até agora,
que é a situação financeira. Quer dizer, a Renata ganha um X ,
ganha um quarto do que a gente precisa enquanto orçamento
familiar, eu ganho os outros três quatro, sendo que um quarto
dela é salário, é um salário fixo, que não vai ser mexido. O meu
três quartos é maleável, quer dizer, existem, às vezes, situações,
onde eu possa ganhar um pouco mais, tem meses bons,
especialmente bons, em que eu ganho um pouco mais, tem meses
especialmente ruins, onde eu ganho um pouco menos. O que eu
estou querendo te dizer, que é assim, por eu ser um profissional
sempre o potencial é de estar ganhando mais, e esse um pouco
mais é o que toda família quer e precisa. Quer dizer, se você quer,
esses quatro quartos que eu te falei, é o dinheiro que a gente
precisa para manter ali, pagar contas, escola, material, roupas,
não sei o que. Agora, se você quiser trocar de carro, se você quiser
uma reforminha na casa, precisa desse a mais, que eu tenho em
potencial, entende? Por isso, que eu tenho que ficar mais livre que
ela. E outra , ela tem aquele horário dela, ela está da uma a cinco
na escola, da uma a cinco e meia. Eu posso ser solicitado às
quatro da manhã, eu posso ser solicitado para viajar, como eu já
te disse, domingo a tarde estou indo viajar para fazer um trabalho
de quatro dias que é considerado um bom trabalho, bem pago e,
portanto, não posso me dar ao luxo de dizer “Não, preciso de
dividir as tarefas”. Então, acaba assim, acontece uma vez,
acontece outra....A mulher, eu estou falando da mulher, mas é
assim, a Renata acaba tomando mais as rédeas da casa. Eu viajo
quatro dias, ela não pode ficar esperando os quatro dias para eu
184
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
voltar e resolver fazer supermercado com ela, ela tem que ir lá e
fazer sozinha. Então, ela fez sozinha uma semana, na outra
também fez, acaba virando tarefa dela. É sacanagem! Eu só faço
supermercado hoje em dia, quando, assim, “olha, não está dando,
não tenho como fazer, tá ”, então, tudo bem, eu largo meu
potencial de estar ganhando dinheiro. Então, ela acaba fazendo
sozinha. (Mauro, produtor de vídeo, 2 filhos)
Mauro reconhece que o salário fixo da mulher é fundamental para
o orçamento doméstico. No entanto, ele “é profissional” e por isso
tem maior potencial para incrementar a renda familiar. Esse
incremento não é possível com o salário fixo da mulher (ela é
professora em escola privada). Dentro desta lógica ele não pode se
“dar ao luxo” de recusar uma oferta de trabalho para dividir as
tarefas domésticas. Essa mesma lógica orientou Luciano a não
preocupar-se em levantar durante a noite para atender o bebê, já
que a mulher, em licença, não estaria “trabalhando”, como ele, na
manhã seguinte. Há uma divisão de tarefas que não é nem mesmo
negociada, ela é determinada pela lógica de uma estrutura social
mais ampla, estendida para a vida privada.
Afinal, o que é ser pai?
Uma pergunta simples, apenas para fechar a entrevista e
sintetizar as idéias após quase duas horas de conversa sobre família,
filhos, divisão de tarefas, paternidade. Aquilo que parecia simples, no
entanto, não foi. Quase todos manifestaram algum tipo de interjeição,
recorreram de pronto a chavões para só depois desenvolver suas
próprias impressões sobre o que resume a paternidade.
Ser
pai
é
então
bonito,
gostoso,
importante;
é
também
perpetuação, mas uma continuidade que permite avançar, ser melhor.
É chance de ser melhor do que os avós foram e do que o próprio pai foi.
185
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
O significado de paternidade está associado fundamentalmente à
responsabilidade73:
— O que significa ser pai?
— Puta vida!, isso aí é a coisa mais linda que existe para mim que
era um ambicioso em ter um filho e era uma coisa que eu queria e
era certa na minha cabeça, desde que eu me conheci por gente. É
maravilhoso, é muito importante, é bonito, é gostoso, não sei te
explicar o que é ser pai assim, mas é tudo isso, é bom demais, é
bom demais! (Renato, gerente de correio, 2 filhas)
— Que é ser pai... Mãe é fácil, é padecer no paraíso! Isso a minha
mãe que fala. Eu não sei não, eu vejo assim que ser pai é uma
honra, na verdade. Ser pai assim. Eu me sinto, enquanto pai, um
desafio... para tentar fazer dos meus filhos uma coisa com uma
qualidade a mais do que eu mesmo tenho. Eu sempre penso, com
a qualidade, um avançar na espécie, sair uma coisa melhor do
que eu sou. Eu me acho um cara legal, e acho que o meu filho tem
chance de ser melhor ainda. Coisa de aprimorar a raça, por aí.
Aprimorar essa espécie humana que é muito... você assistiu ‘a
estrada perdida’? (Carlos, professor universitário, 2 filhos)
— Basicamente você passa a entender uma série de coisas que
antes você imaginava, que você nem sabia que existia, achava
que estava errado, que era besteira ou que o cara era um idiota.
Você fala, bom, não é bem assim. Eu acho, na minha visão, vou
falar no meu mundinho lá que é mais fácil, não sei se dá para
generalizar. Mas... como você passou a ser responsável por
alguma coisa, então você tem que fazer essa coisa chegar a bom
termo, né (...) (Marcos, diretor de finanças, 3 filhos)
A função paterna ganha significados diferentes conforme a idade da
criança e suas necessidades específicas. Mauro, por exemplo, destaca
que a filha, de 3 anos, necessita de muita atenção física e emocional, é
mais dependente, e o papel do pai é ser acolhedor. Com o filho mais
velho, de 5 anos de idade, a demanda é outra, é “dar parâmetros”. Isto
representa para o pai ser o vínculo entre o filho e o mundo lá fora; é
enfrentar os questionamentos do filho:
— Você falou que a paternidade muda de significado. Então que
significado é esse, qual a sua função agora? Teve um
envolvimento de participar ali desde o nascimento, de ir ao
73
Ver Silva, 1999.
186
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
médico, aquela coisa bem física, assim. Que paternidade é essa
agora, como é que você se vê como pai, daqui para frente nesse
processo de mudança?
— A Sabrina ainda requer cuidados de uma criança pequenina,
assim, a relação com ela ainda é muito mais física, ainda é muito
mais emocional, ela tira conclusões muito mais do que ela está
sentido do que em torno daquilo que ela está ouvindo, então, acho
que o papel de pai aí é meio acolher um pouco isso, responder as
dúvidas de uma forma emocional e não chegar para ela e dizer
“Sabrina é assim, assim”, ela não vai entender. Apesar de eu
fazer isso também, para ela já ir se acostumando. Mas, o Tiago
me parece uma coisa mais mental e muito mais, ele está
aprendendo coisas, ele está trazendo o mundo para dentro de
casa ele que saber, ele quer saber muito como é que eu vejo estas
coisas, as coisas que ele está vendo agora, ele tem muito
parâmetro, parâmetro, ele quer parâmetro o tempo inteiro. Então,
acho que me parece dar parâmetros, se fosse resumir assim,
muito rápido, porque antes eles eram bebezinhos, era muito mais
aquela coisa física, de dependência total, quer dizer, quer fazer
xixi, umas necessidades fisiológicas que você tem que estar
acompanhado, no começo tem que estar acompanhando, chorou,
sabe? (...) mas, pô o cara já vai lá faz xixi sozinho, as
necessidades são outras, elas são mais mentais, eles estão se
relacionando mais com o mundo, do que com eles mesmos.
Quando eu digo o mundo, digo o mundo fora da família, então dar
parâmetros, quando eu digo dar parâmetros, não é dar normas.
Eu já te falei sobre isso, eu me sinto muito aprendendo, eu não
tenho uma, eu não tenho um ideal pré-estabelecido que diga
assim “olha, eu vou educar meus filhos assim”. Esse é um jeito,
porque não? Sabe, isso não ia funcionar muito, isso já é uma
característica minha, meio rebelde sobre essas coisas, mas eu
prefiro me colocar numa postura aberta e maleável para ir vendo o
que vem e me colocar da maneira mais saudável possível, quer
dizer eu não tenho um modelo já para educação. Mas eu estou
com dificuldades de dizer assim, como é que fica a paternidade,
porque eu te falo o seguinte, a cada dia você resignifica a
paternidade, hoje é diferente de ontem, amanhã vai ser diferente,
eu não vejo a coisa como uma coisa modulada, sabe, do zero a um
ano o pai significa isso, de um ao dois significa aquilo, eu não
consigo ver dessa maneira, entendeu?...(Mauro, produtor de
vídeo, 2 filhos)
Para esses homens não há formula. Mas há uma relativa clareza de que
o pai deve preparar os filhos para o mundo, para ingressarem na vida
social e aprenderem a caminhar com as próprias pernas. O pai seria
aquele que orienta o filho até um certo ponto da trajetória.
187
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Como pai, como é que você se define?
— Eu tenho a consciência de estar criando os filhos para o mundo,
não para mim, um pouco diferente do como meus pais me criaram.
Eu só saí de casa quando eu me casei, eu tive todo o apoio
econômico e cultural dos meus pais, até no momento que eu quis,
então, eu colocava as minhas imposições, as minhas regras. Eu
acho que comigo vai ser diferente, eu não me vejo sustentando os
meus filhos até que eles cheguem aos 26, 28 anos, eu vejo até 16,
17, dessa maneira, eu tenho que caminhá-los até aí. Então, eu
vejo que meus pais me criaram para eles mesmos, até na forma
quando eu fui escolher minha profissão, houveram questões, até
hoje eu não sei se fiz a coisa que eu queria fazer, e para os meus
filhos, eu tenho certeza de que não vai ser assim. Eu tenho
certeza de que eu estou criando meus filhos para o mundo e tê-los
perto de mim, nessa fase de criança, onde eles possam decidir se
vão querer fumar cigarro ou não fumar cigarro... na minha época
eu tinha que fazer isso escondido...É desse tipo, protegê-los um
pouco, em relação ao tráfico é o que me assusta, porque o que eu
mais tenho...a questão das drogas, porque isso me tiraria o poder,
a conscientização, é isso.
— Tiraria poder em relação?
— À criação, a poder levá-los de mãos dadas, até certo ponto, dali
em diante seria sozinhos. Eu acho que eu não vou levá-los até 28
anos, como minha mãe me levou, ou...irem sozinhos, bem antes do
que eu, antes do que eu porque o mundo muda muito mais rápido,
então, as crianças são mais precoces. Eu fui até 28 e as crianças
vão chegar a 20, 16, não sei. Então, assim, eu tenho que pelo
menos prepará-los para isso. (Luciano, diretor comercial, duas
filhas)
— Para você, o que significa ser pai?
— Ser pai... amor. Tentar direcionar uma forma de educação para os
filhos, pode estar errada para uns, errada para outros, mas achar
que está certa para o seu filho, né. E... tentar acompanhar o
crescimento dos filhos, né.... posso dizer assim, os vínculos dos
filhos com as pessoas, se é uma criança que está ficando mais
afastada dos colegas de escola, por exemplo, se ela está bem...
Eu como sempre fui mais tímido, meu jeito de ser é esse, então me
retraí mais. Me liberava com poucas crianças, poucos colegas da
escola, e tal. O relacionamento era muito pequeno. Então isso é
muito importante. (Leonel, engenheiro de produção, 1 filha)
Na fala de Leonel e de Luciano é possível perceber que há uma
preocupação em ser diferente do que os pais foram em sua educação e
de estar atento para evitar que o filho passe por determinadas
188
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
experiências que ele considera prejudicial, como, por exemplo, não
conseguir se relacionar com as pessoas. É interessante observar que há
uma preocupação maior com o desenvolvimento pessoal e emocional do
que profissional, ao contrário das expectativas da geração anterior. Para
o pai desses entrevistados, fundamental era que o filho tivesse uma
carreira, uma profissão com a qual pudesse sustentar a família. Para os
entrevistados é importante a presença, o envolvimento com os
interesses do filhos, é menos ser provedor e mais ser amigo. Até porque
a função de provedor é dividida com a cônjuge, o que lhe permite estar
mais presente:
— Você poderia comparar a relação sua com a Lara com a sua
relação com seu pai,?
— Tá. Ah... eu vejo a minha relação com o meu pai... essa relação de
homem com homem. Uma relação masculina, é uma relação
masculina, o provedor, o protetor, o super homem, o alicerce.
Então desde pequeno, essa é a relação que ele trouxe, que ele me
passou. Com a Lara, além da segurança, do alicerce...O provedor
está muito dividido, eu e a Carla a gente racha tudo... mas assim,
essa figura que a sustenta... e às vezes eu sinto falta de não ter
tido isso como um sentimento... eu proporciono isso para a Lara.
Certa vez, eu cobrei amizade do meu pai, e ele falou ‘eu não sou
seu amigo, sou seu pai’, e eu não concordo com isso. Eu sou o pai
da Lara, mas tão pai que quero ser tanto amigo quanto pai. Quero
estar junto com ela, quero estar presente o tempo inteiro (...)
(Saulo, produtor de vídeo, 1 filha)
O projeto de ser pai, constituir família, é visto com encantamento, mas
também como uma tarefa árdua, que impõe dedicação. Trata-se de uma
experiência que envolve a renúncia de projetos pessoais ou ao menos
sua readequação aos interesses do grupo familiar. O casamento é visto
como um resquício tradicional, até incompatível com a vida moderna,
mas ao mesmo tempo um desafio. Benício, com seu jeito espontâneo de
colocar as idéias, vai tecendo essas ambigüidades:
— O que para você significa ser pai?
189
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
— Não sei, essa pergunta é engraçada. É aquilo que eu falei, eu acho
que ser pai, ser marido, casar, a coisa do casamento em si, eu
não acho fácil, nada fácil, as pessoas detonam o casamento. Ah,
de modo geral, não é moderno, é mesmo uma coisa arcaica, não
tem um glamour, pô, mesmo na coisa sexual, você está com a
mesma mulher, ela vai ficando velha, ela começa a ter umas
manias, sabe, putz! Mas eu penso, eu acho um negócio muito legal
se você tiver na sua cabeça, que você envelhecer junto com uma
pessoa, criar filhos, todas essas são coisas muito maravilhosas,
você ver uma pessoa mudar, tal, você tem filhos com ela, você vai
criando o filho, então, mas eu acho que a minoria pára para
pensar nisso aí, por isso que as pessoas só se queixam do
casamento, parece que é uma coisa que mata a liberdade, eu acho
o contrário, é uma puta de uma viagem, só que é uma viagem que
exige exercício e disciplina, é um tipo de meditação o casamento, é
trabalhoso para cassete, mas pô, tem um monte de coisa
trabalhosa que dá prazer, mas não é um prazer de graça, é um
prazer que você tem que lutar muito para ele vir, então, ser pai, eu
acho que é um pouco isso, para mim. ...(Benício, músico, 2
filhos)
Benício mostra também a ansiedade com a mudança dos valores. A
forma com que foi educado —teve o privilegio de fazer parte de uma
família relativamente aberta às mudanças — já não se enquadra com a
forma com que deve educar seus filhos. Não há regra. E para ele a
paternagem se tornou mais difícil:
— Você acha que hoje é mais fácil do que no tempo do seu pai?
— Acho mais difícil. Por que antes era permitido você ser um ditador
qualquer, dar um monte de ordem e o cara te temia e pronto, e
ainda isso era, era cômodo porque não tinha tanto lance. Hoje,
tem mil lances, você sabe que mesmo um moleque de cinco anos,
tem argumento suficiente que você tem que levar em conta, não
adianta você dar uma chinelada no cara, não existe mais isso,
quer dizer, existe, para um monte de gente, mas eu acho que como
tem mais detalhes e lances, como tem mais variáveis, as crianças
são mais informadas, desde cedo, nossos pais estão mais abertos
para reconhecer que não estão sempre certos, então, acho que é
uma atitude, é uma atividade muito mais difícil, e eu acho que
dentro desse rolo todo, que eu estou falando, que é racional, de
informação, tem uma coisa que dificulta, que é o afetivo, você tem
que achar espaço para ele, porque tem tanta coisa racional,
ideológica, educação, coisas comerciais entre pai e filho, que pô,
chega uma hora que simplesmente sem querer ficar o tempo
inteiro beijando o seu filho, é uma.... sabe, acho que rola até
menos espaço, não sei se eu estou falando bobagem...Agora, você
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EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
tem que dividir o lado afetivo com muito mais preocupação, é, eu
acho muito mais difícil. Eu vejo as pessoas menos resolvidas hoje,
isso também dificulta. .
As técnicas anticoncepcionais permitiram a autonomia das mulheres
em relação à sexualidade, desvinculando-a da reprodução. Persiste,
entretanto, o conflito básico entre, de um lado, a livre expressão da
individualidade tanto na carreira profissional como na vida amorosa,
tanto para os homens como para as mulheres, e de outro, a
responsabilidade conjunta em relação aos filhos comuns, que exige
renúncia a certos pressupostos do individualismo modernista.
191
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Considerações Finais
Quando ingressei no mestrado, em 1995, os estudos de gênero,
particularmente
aqueles
situados
nas
Ciências
Sociais,
pouco
focalizavam os homens como objeto de pesquisa, ainda que eles
fizessem parte das pesquisas sobre família (Salém, 19980; Bruschini,
1990; Sarti, 1996, entre outros). O tema da paternidade não ocupava o
mesmo espaço e interesse que temas como maternidade, articulação
trabalho/família provocavam entre os estudiosos das relações de
gênero. Nos anos seguintes, vi emergir pesquisas, seminários e outros
eventos voltados especialmente para o tema da masculinidade. Grupos
de estudos se formaram74, programas de pós-graduação dedicaram
cursos para o tema; livros e artigos de autores anglo-americanos e
europeus circularam e foram debatidos em diferentes fóruns. De 1995
para cá vários artigos de pesquisadores brasileiros foram publicados em
coletâneas e revistas científicas75.
A partir de 1994, pós Encontro do Cairo é possível localizar uma
mudança no enfoque nos estudos de gênero. Evidenciou-se que, de um
lado, as mulheres saíram da invisibilidade, mas de outro lado a maioria
dos problemas apontados pelas feministas, em especial com a saúde
reprodutiva, não haviam sido solucionados. Um aspecto fundamental,
deixado de escanteio precisava ser resgatado: a
sensibilização
masculina para os problemas femininos e mais do que isso a
necessidade de envolver os homens em questões como a saúde
reprodutiva e a vida familiar. Saber mais sobre os homens e tê-los
Eu mesma passei a integrar o Grupo de Estudos sobre Sexualidade Masculina e
Paternidade/GESMAP, organizado pela ECOS – Estudos e Comunicação em Sexualidade e
Reprodução Humana, que reúne pesquisadores e profissionais que atuam em projetos de
intervenção.
75
Ver Arilha, Ridenti-Unbehaum, Medrado (1998); Revista Estudos Feministas
(IFCS/UFRJ,vol.6 n.2/98); Cadernos Pagu (11, 1998), entre outros.
74
192
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
pesquisando conjuntamente com as mulheres tornou-se uma estratégia
política e teórica. Este é um ponto que nos ajuda a compreender o
crescente interesse pelo tema.
Outro ponto é o interesse de homens em rever sua posição e papel
na sociedade contemporânea, até mesmo questionando os significados
atribuídos para o masculino, para a paternidade. Daí o crescente
número de homens pesquisando as relações de gênero
Apesar do significativo interesse pelo assunto, não me parece que
um campo de estudos sobre os homens, delimitado e semelhante ao que
se denominava na década de 70 e 80 de estudos sobre as mulheres
esteja se constituindo no Brasil, nos moldes dos chamados Men´s
Studies, das universidades anglo-americanas. O mais provável é que
com
a
consolidação
dos
estudos
de
gênero,
processo
iniciado
principalmente a partir de 1985, o interesse pelos homens como objeto
de estudo surge como decorrência do processo de amadurecimento e de
compreensão do significado do conceito de gênero.
A evidência das diferenças de sexo e de como esta diferença
constrói as desigualdades de gênero e as relações de subordinação
constitui a base para o surgimento de pesquisas que enfocam os
homens. E da mesma forma como aconteceu com o campo de estudos
sobre mulheres (já apontado por Costa; Barroso e Sarti, em 1985), em
parte desses trabalhos, no Brasil, é a teoria feminista quem legitima o
tema como objeto de investigação.
Assim sendo, as inquietações que fomentaram meu interesse pelo
tema da paternidade se constituíram ao longo de uma trajetória que foi
também de constituição de um interesse específico dos estudos das
relações de gênero: os homens e as masculinidades. Minha pesquisa se
beneficiou
deste
momento,
do
qual
pude
usufruir
de
muitas
interlocuções.
193
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Minhas inquietações iniciais — compreender como as sociedades
representam o gênero e o utilizam para articular regras que conformam
a divisão sexual do trabalho e que, por sua vez, definem atribuições
para homens e mulheres, como no caso da paternagem e da
maternagem — não foram totalmente apaziguadas durante o desenrolar
da pesquisa. Muitas outras questões foram se estabelecendo e não me
furtei a deixá-las explícitas no decorrer do texto.
Procurei apreender a concepção de paternidade socialmente
construída, expressa no discurso de homens de camadas médias;
observei se os indícios de mudanças nas relações familiares, apontados
pela literatura, se confirmam; e até que ponto as relações de gênero na
esfera privada têm se alterado.
O percurso da pesquisa envolveu um cuidadoso levantamento
bibliográfico sobre paternidade, maternidade, famílias e gênero, que
pudesse subsidiar-me na elaboração da proposta de pesquisa. Definidos
os critérios de seleção do universo empírico e elaborado o roteiro de
entrevistas foi possível obter informações preciosas para avaliar como
homens, de um segmento social específico, e de uma determinada
geração têm pensado a paternidade e as relações familiares e como a
expressam.
A
pesquisa
centrou-se
em
sujeitos,
de
camadas
médias,
residentes na Capital, segundo uma classificação que levou em conta a
escolaridade, a presença de filhos, o estado conjugal. Foram 10
entrevistados, que resultou num grupo relativamente homogêneo
quanto aos critérios de seleção, mas diverso quanto à forma de
conceber a paternidade e na maneira de vivenciá-la, ainda que alguns
aspectos comuns possam ser identificados: um desejo muito presente
de ser diferente do que o próprio pai foi em relação ao envolvimento com
os filhos. Estar mais presente no cotidiano família e, mais do que isso,
ser mais afetivo.
194
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Outro aspecto a ser destacado é uma maior participação na rotina
doméstica,
ainda
que
esta
esteja
diretamente
relacionada
à
disponibilidade de tempo, e ao tipo de ocupação profissional. Neste
sentido, não há igualdade, nem maior, nem menor, entre homens e
mulheres. Há uma divisão de
tarefa
clara
e
explicita
e
que,
supostamente, é coerente com o arranjo familiar.
Estar inserido num mundo masculinamente dominante faz a
diferença. E faz porque a estrutura social mais ampla favorece e reforça
esta diferença. Mulheres ganham menos do que os homens, a licençamaternidade favorece que sejam elas a cuidarem durante mais tempo
dos filhos e a optarem por atividades profissionais que permitam
conciliar trabalho e família, não há uma política para as famílias que
forneça condições para que homens e mulheres possam dedicar-se em
condições iguais aos seus projetos profissionais.
Mesmo quando há políticas públicas favoráveis à participação
masculina no cuidado com os filhos, como na Suécia, que desde 1974
disponibiliza para os pais a licença parental, essa participação esbarra
na própria organização social, que nem sempre apresenta mudanças
significativas na estrutura de gênero (Näsman, 1990). Um exemplo é a
dificuldade enfrentada por muitos homens pais diante da reação de
seus colegas de trabalho, com filhos ou não, que não compartilham da
idéia de que os homens devam dividir com suas mulheres a licença
parental e a responsabilidade pelo cuidado com os filhos. Em um
mercado profissional competitivo, a ausência do posto de trabalho por
um certo período de tempo pode significar perda de espaço e de poder.
Desde os anos 70 pais e mães contam com a licença parental e
com a opção por trabalho de meio expediente, além de serviços de
195
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
creches subsidiados pelo Estado76. Segundo Elisabet Näsman (1990),
estudos realizados nos anos 80 demonstraram que em 1984 o tempo
dedicado aos filhos pequenos aumentou tanto entre homens quanto
entre mulheres e o tempo gasto com trabalho assalariado diminuiu.
Contudo, a divisão das tarefas domésticas ainda é determinada pelo
gênero, a maior parte da rotina doméstica é executada pelas mulheres.
Uma prova é que a maioria das mulheres passa a optar pela jornada de
meio expediente após o parto. Além disso, os homens recorrem em
número sensivelmente menor do que as mulheres à licença parental.
Näsman cita um estudo com casais suecos, conduzido durante os dois
primeiros anos da licença parental. Os dados revelaram que 29% dos
homens receberam o seguro parental por aproximadamente um mês e
meio, contra dez meses das mulheres.
Mesmo havendo possibilidades jurídicas e sociais para os homens
ampliarem seu envolvimento com os filhos e com os afazeres
domésticos, há muita resistência por parte das empresas, que não vêem
com bons olhos o afastamento masculino pela licença parental77.
Há ainda aqueles que temem que um maior envolvimento
masculino com as crianças possa conduzir ao crescimento do abuso
sexual, da violência contra as crianças e da homossexualidade78.
De certa maneira, esses estudos indicam que a saída das
mulheres para o mercado de trabalho foi acompanhada por mudanças
muito lentas em relação às demandas da vida privada. O mundo do
A licença parental é de 12 meses, sendo 9 meses com uma cobertura de 90% do salário e
para os 3 meses restantes um adicional de 300 dólares por mês. Pai e mãe podem dividir o
tempo de licença entre si. Além disso, os pais das crianças até oito anos usufruem de uma
licença remunerada para acompanhar os filhos ao médico ou quando estão doentes e nas
reuniões escolares.
77 Vale lembrar a reação irônica e de escárnio de vários segmentos sociais no Brasil, em 1988,
ocasião da elaboração da atual Constituição Federal, à proposta de licença-paternidade, hoje
estabelecida em cinco dias úteis.
78 Sobre a construção social do processo de erotização das relações entre adultos e crianças ver:
BAUMAN, Zygmut. O mal-estar da pós-modernidade.
Rio de Janeiro : Zahar, 1998,
particularmente o cap. XI – Sobre a redistribuição pós-moderna do sexo: a História da
Sexualidade, de Foucault, revisitada (p. 177)
76
196
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
trabalho
permaneceu
inflexível
diante
das
mudanças
e
das
necessidades dos trabalhadores com suas famílias. O fato de, ao longo
das últimas décadas, as mulheres terem alcançado vários direitos,
especialmente na área do trabalho, entre os quais a
licença-
maternidade, a regulamentação do trabalho doméstico e a proteção do
mercado de trabalho mediante incentivos específicos, não diminuiu,
porém, a desigualdade entre homens e mulheres em relação às
oportunidades no mercado de trabalho, à ocupação de cargos de
comando e políticos e à igualdade salarial.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Educação (1994)
mostra que em 1989 5,1% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos
freqüentavam creches e 16,9% das de 0 a 6 anos estavam matriculadas
em creches ou pré-escolas. Destacando dados da Pesquisa Nacional
sobre Demografia e Saúde, realizada pela BEMFAM, Cristina Bruschini
(1998) mostra que 23% das trabalhadoras cuidam elas mesmas dos
filhos menores de 5 anos, 34% são ajudadas por parentes, 10% pelas
filhas, 12% por empregadas domésticas, 4% pelos maridos e apenas
10,2% ficam em creches. Ainda assim as mulheres casadas, em idade
entre 25 e 29 anos, com filhos, apresentavam em 1995 uma taxa de
atividade de 56% (Bruschini, 1998), sugerindo que as responsabilidades
familiares não têm constituído um obstáculo à inserção das mulheres
no mercado de trabalho, embora o cuidado com os filhos e demais
familiares
ainda
represente
uma
sobrecarga
para
aquelas
que
trabalham fora. Para as mulheres que não podem arcar com os custos
de uma empregada doméstica, a solução encontrada é acionar a rede de
parentesco ou de vizinhança. Em muitos casos, são as filhas mais
velhas que assumem os cuidados com os irmãos menores.
Apesar das desigualdades de gênero que ainda podem ser
identificadas na sociedade contemporânea, mudanças vêm ocorrendo
nos arranjos familiares. As mulheres não mais têm guiado suas práticas
197
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
segundo o discurso tradicional materno. E da mesma maneira também
os homens não têm mais seguido as práticas de seus pais. Há um estilo
de maternagem e paternagem e de relação com os filhos que prevê a
satisfação de outros desejos das mulheres e dos homens. Contudo,
essas mudanças parecem, de certo modo, ser mais expressivas no plano
das idéias do que na prática cotidiana. As mudanças de comportamento
expressas no discurso das pessoas (e a mídia tem um papel central em
fomentar esse discurso) soa muitas vezes contraditório com o que
observamos na prática cotidiana das relações parentais.
Refletindo sobre as mudanças na paternagem na sociedade
americana, Ralph Larossa (1994), considera que as mudanças no plano
das idéias não necessariamente remetem a transformações de conduta.
Larossa tece seu argumento a partir de duas dimensões: uma cultura
da paternagem (referente às normas, valores e crenças) e uma conduta
da paternagem (relativa às práticas, ao comportamento).
A cultura da paternagem pode ser compreendida com o mesmo
sentido
que
Jean-Claude
Passeron
(1995)
define
a
“cultura
declarativa”79. O discurso oral ou escrito de uma cultura é o que mais
rapidamente evolui, mais depressa do que a própria ação. A “cultura
declarativa” (discurso, idéias) tem como característica insidiosa ser “um
saber absoluto da essência de qualquer cultura que distorce a descrição
do que ela é em si como prática, a fim de fazer as duas [descrição e
prática] coincidirem de maneira ideal.” (1995:364)
Passeron nos mostra que a discursividade é uma formulação que
fazemos de nós mesmos, uma definição falada (ou escrita) das relações
que estabelecemos entre os valores, o homem e o próprio mundo. E por
79
Passeron (1995) apresenta três sentidos para cultura, classificação que permite definir melhor
os fins e os meios de uma ação cultural, observáveis em graus diversos em qualquer cultura:
cultura como estilo de vida (modelos de representação e prática); cultura como comportamento
declarativo (a cultura expressada pela linguagem ou escrita) e cultura como corpus de obras
valorizadas (particularmente as obras de artes).
198
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
isso a distinção entre cultura e conduta não é explicita, em geral, é
presumido que a conduta dos indivíduos está em sincronia com os
valores e as crenças.
Larossa acredita que numa sociedade em acelerada mudança, o
contrabalanço das forças pode resultar em mudanças na cultura e não
necessariamente na conduta dos indivíduos. No caso da paternagem, as
mudanças apontadas pela mídia e por especialistas (psicólogos,
sociólogos, pedagogos etc.) estão restritas à cultura, ou seja, ao plano
das idéias e crenças. O próprio discurso da mídia e dos especialistas
seria responsável por inspirar no pensamento social a existência de um
“novo pai”. Se houve alguma mudança, ela responde às transformações
na conduta da maternagem (provocadas pelo declínio da taxa de
fecundidade e pelo crescimento das mulheres no mercado de trabalho);
tanto que hoje é aceitável (até esperado, como pode ser observado nos
depoimentos) que a mãe invista numa carreira profissional ou tenha
uma atividade remunerada. Tal fato estaria servindo como argumento
para estudiosos e para a mídia suporem que os pais/homens estariam,
por tabela, se envolvendo mais nas atribuições com os filhos e com a
casa.
A hipótese de Larossa é de que essas mudanças têm atuado mais
no sentido de estabilizar a cultura da paternidade, ao invés de
desestabilizá-la. A conduta da paternidade (mais tradicional) e a
conduta da maternidade (mais moderna) estariam influenciando
contraditoriamente a cultura da paternidade (modelo idealizado). As
conseqüências da não-sincronia entre uma cultura moderna da
paternidade e uma conduta menos moderna ou tradicional se
traduzem, por um lado, na emergência de uma “presença técnica do
pai, mas ausência funcional” (não há comprometimento e nem
acessibilidade), por outro, num aumento da crise conjugal no que se
refere às atribuições com os filhos e com a casa e um crescimento do
199
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
número de pais que se sentem ambivalentes quanto a sua performance.
(Larossa, 1994).
Pensando nos depoimentos que obtive de Benício, Carlos, Leonel,
Luciano, Luiz, Marcos, Mauro, Péricles, Renato e Saulo é possível
concordar apenas com parte do argumento de Larossa. De fato,
mudanças efetivas nas práticas cotidianas relativas aos afazeres
domésticos e aos cuidados com os filhos não ocorrem facilmente. Por
outro lado, eles verbalizam interesse, indicando compreensão da
importância de estarem mais presentes na vida de seus filhos e de
participarem da rotina doméstica. Questionam o modelo paterno
herdado de seus pais e afirmam a importância de expressarem afeto e
suas próprias inseguranças. Diferentemente do que Larossa afirma, os
homens que entrevistei não me pareceram ambivalentes quanto à sua
performance como pai. De maneira geral, expressam muito claramente
suas expectativas e seus fantasmas com relação à educação de seus
filhos; vivem um intenso processo de reflexão sobre o seu lugar na
família, como pai e marido, como ilustra esta passagem e com a qual
finalizo minha reflexões sobre a experiência masculina da paternidade
na década de 1990, certa de que não foi possível esgotar o assunto:
— A educação que você dá aos seus filhos é parecida com a que recebeu do
teu pai?
— É parecido porque eu sou gozado com eles, como meu pai era gozado
comigo. O que difere mesmo eu acho que é isto, eu estou mais presente. É
uma coisa que eu vi na minha educação pô que eu entendo, mas eu gostaria
que fosse mais...Mesmo que seja para fazer coisa errada, acho melhor estar
por perto, sabe. Acho que também os meus pais tinham muito cuidado com a
gente, eles tinham quase medo da gente, eles queriam acertar muito, sabe,
caprichavam demais. Hoje eu acho que muita água já correu debaixo dos
usos e costumes, e dá para gente fazer mais burrada e não se sentir tão
culpado, como eles se sentiam. Eu penso, pô, educação não é acertar,
educação é impossível, eu olho para essas crianças, o mundo como é, eu
faço o possível, cara! Não dá, tudo é muita variável, eu não estou criado,
cara, e eu tenho quase quarenta anos! O Brasil é louco, a minha profissão é
louca, eu sou instável, sabe, tem um monte de valores que eu não tenho
certeza deles. (Benício, músico, 2 filhos)
200
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estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
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217
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
Anexo
Roteiro de entrevista
! Identificação do entrevistado e da família: idade do casal,
escolaridade do casal, profissão do casal, número de filhos, idade
dos filhos etc.
! A família de origem
•
•
•
•
•
•
•
cidade onde nasceu e passou a infância
profissão do pai?
profissão da mãe?
escolaridade de ambos?
número de irmãos? sexo dos irmãos?
ordem de nascimento em relação aos irmãos?
presença de empregados domésticos
! Da infância à adolescência:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
idade com que ingressou na escola?
a mãe trabalhava fora?
foi cuidado por babás ou avós?
além de ir a escola participava de outras atividades
escolares?
quem o levava?
alguém o acompanhava nas tarefas escolares? quem?
quem costumava ir às reuniões escolares?
quem costumava leva-lo ao dentista e ao médico?
quem era responsável pela disciplina?
seu pai ou mãe contavam histórias antes de dormir?
você se lembra de brincadeiras com seu pai? Quais?
e na adolescência, faziam programas juntos? Quais?
Você recebeu orientação para a vida sexual? De quem?
foi?
você e seus irmãos eram responsáveis por alguma
doméstica?
você se lembra do seu pai ajudando em alguma
doméstica?
o que vocês costumavam fazer nos fins de semana?
como você descreveria seu pai?
como você descreveria sua mãe?
O que pensa da educação que recebeu de seus pais?
até que idade morou na casa dos pais? Por quê?
extra-
Como
tarefa
tarefa
218
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
! A família de procriação
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
como conheceu sua companheira?
utilizavam algum método anticoncepcional?
quem tomava a iniciativa em relação a isso?
quanto tempo depois de casados sua companheira engravidou?
foi uma gravidez planejada?
se não, como foi a sua reação ao saber da gravidez?
como foi o período da gravidez?
você a acompanhou ao médico durante o pré-natal?
entrava na sala de exames?
acha que a gravidez afetou o relacionamento do casal?
participou do parto
! A rotina com o bebê
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
como foram os primeiros dias em casa após a chegada do bebê?
Se a mulher trabalhava, teve licença maternidade?
Contou com alguém para ajudá-la?
Quem costumava levantar durante a noite?
Quem trocava as fraldas? Dava banho? Preparava as
mamadeiras? Quem o levava para tomar sol?
Acompanhava a mulher ao pediatra? Até que idade da criança
fez isso? Levou-o alguma vez sozinho?
Sua esposa deixava o bebê sozinho com você? Se deixava, como
era?
o nascimento do seu filho mudou seu comportamento?
O ritmo do seu trabalho? Você se lembra de ter faltado ao
trabalho por causa do filho?
sua esposa voltou a trabalhar? Após quanto tempo? Continuou
com o mesmo ritmo de trabalho?
Quem cuidava da criança?
Quando era preciso levá-lo ao médico, quem o levava?
! Sobre a rotina com uma criança em idade escolar:
•
•
•
•
•
•
com que idade seu filho ingressou na escola?
Quem o leva? Em qual período ele vai?
Quem vai buscá-lo na escola?
Ele tem outras atividades? Quais? Quem o leva?
Quem cuida da escovação de dentes da criança?
Alguém orienta/ajuda nas tarefas escolares? Em que horario
faz isso?
• Você já foi às reuniões escolares? Por quê?
219
EXPERIÊNCIA MASCULINA DA PATERNIDADE NOS ANOS 1990:
estudo de relações de gênero com homens de camadas médias
A rotina doméstica
• Seu filho cuida de alguma tarefa doméstica?
• E você?
• Quem costuma chamar alguém para consertos domésticos?
Quem cuida das contas? Sua mulher tem carro? Quem foi
comprar? Quem leva o carro para a oficina? Quem paga a
empregada? Quem dá ordens para a empregadas? Quem
demite a empregada? Quem compra as suas roupas? Quem
compra os presentes de aniversário das crianças? E as de seu
filho? Vocês tem algum animal? Quem cuida dele? Quem
arruma as camas? Quem põe a mesa para as refeições? E nos
fins de semana?
• O que vocês fazem nos fins de semana?
• Costuma sair sozinho com seu filho? O que vocês fazem?
! Algumas reflexões sobre a paternidade:
• Na sua opinião, como deve ser a educação das crianças? Por
que? Quem deve cuidar da disciplina? Por quê?
• O que você pensa sobre os homens que solicitam a custódia
dos filhos?
• Qual a sua opinião sobre homens solteiros adotarem crianças?
• O que você pensa sobre sua mulher trabalhar fora? O que você
pensa sobre ela não trabalhar fora?
• Você poderia comparar a relação dos seus filhos com você com
a sua relação com seu pai?
• O que significa ser pai?
220

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