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PERÍMETRO DE REABILITAÇÃO INTEGRADA
DO HABITAT - PRIH
Uma experiência de intervenção nas áreas centrais
Letizia Vitale1
Daniela Motisuke
Dimitri Pinheiro da Silva
Endyra Russo
Tatiana Morita Nobre2
Introdução
Este texto procura relatar e refletir sobre a elaboração do programa Perímetro de
Reabilitação Integrada do Habitat – PRIH e a sua primeira implementação, o PRIH no
bairro da Luz, promovida pela gestão municipal de São Paulo (2001–2004), no âmbito do
Programa Morar no Centro, da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano –
SEHAB.
Trata-se da tentativa de construção de uma nova forma de intervenção e gestão
urbana democrática de áreas centrais, por meio da gestão compartilhada entre atores locais,
com o objetivo de melhoria da qualidade de vida dos moradores, trabalhadores e usuários,
através de ações integradas. Essa experiência se baseia na instalação de escritórios locais
como extensão do poder público em territórios delimitados.
A primeira parte deste trabalho aborda a relação entre reabilitação urbana de áreas
centrais e a noção de desenvolvimento e gestão local participativa, muito em voga hoje em
dia. Num segundo momento procuramos resgatar as discussões prévias que embasaram a
formatação do Programa Morar no Centro, especificamente do Perímetro de Reabilitação
Integrada do Habitat do bairro da Luz. A terceira parte apresenta as referências iniciais e a
definição das diretrizes de atuação do programa. Na quarta parte do texto está relatada a
1
2
Prefeitura Municipal de São Paulo: [email protected]
FAU-USP, Faculdade de Filosofia da USP
atuação prática no PRIH Luz, elencando os principais pontos e etapas do programa, os
quais configuram a elaboração da metodologia participativa.
Por fim, na última parte, colocamos reflexões sobre a relação entre implementação
prática e a proposta inicial do programa, avaliando as possibilidades efetivas de
generalização dessa forma de desenvolvimento urbano.
1. Desenvolvimento Local e Revitalização Urbana:
limites de uma nova forma no planejamento urbano contemporâneo
Diante dos questionamentos feitos ao planejamento urbano modernista de caráter
homogeneizador, que freqüentemente ignora tanto a necessidade de alterações econômicas
estruturais quanto a de atentar às especificidades locais, foi elaborada uma nova forma de
planejamento que se vincula às noções de desenvolvimento e gestão local participativa.
Essa nova forma afirma a importância de pensar as cidades a partir da diversidade de suas
escalas e enquanto células importantes do desenvolvimento econômico e urbano, voltando
o foco das intervenções para áreas delimitadas do território, e visando, de acordo com o
entendimento que se faça do conceito de desenvolvimento local, a revitalização ou a
reabilitação urbana. Parte-se do princípio que a soma das intervenções locais provoquem o
desenvolvimento da cidade como um todo.
A gestão da cidade atrelada à organização da sociedade civil atuante dentro dos
governos locais traz dois aspectos importantes para a possibilidade de transformação
urbana: a retomada efetiva da democracia e da cidadania, a partir do debate acerca das
decisões e da garantia dos direitos políticos e sociais e através da mediação dos conflitos e
interesses diversos; e a possibilidade de criação de esferas públicas de interação entre os
cidadãos com autonomia na gestão do bem comum, aproximando o governo da sociedade
como um todo e enfrentando a exclusão política e social, “posto que a forma democrática
representativa é insuficiente para dar conta da profunda separação entre governantes e
governados na escala moderna” 3
No entanto, se, por um lado, o desenvolvimento local pode contribuir para a
desconcentração de poder, por outro, também é preciso atentar para as diferentes
apropriações que têm sido feitas dessa terminologia – que freqüentemente tem servido à
substituição do conceito de democracia pela idéia de diluição dos conflitos, o que pode
conduzir ao prevalecimento de interesses dos poderes econômicos. As agências
3
Oliveira, Francisco. Aproximações ao Enigma: que quer dizer Desenvolvimento Local? in Novos Contornos da Gestão
Local: conceitos em construção. Spink, Peter. Bavva, Silvio Caccia. Paulics, Veronika (org). Polis. Programa Gestão
Pública e Cidadania / FGV-EAESP. 2002. pg13
multilaterais, assim como organizações econômicas de países centrais4 têm se apropriado
dessas mesmas terminologias, mas a partir de um discurso com conteúdo bastante distinto:
crescimento dos poderes políticos (e econômicos) das cidades em detrimento daqueles
exercidos em nível nacional, alinhando-se com o ideário neoliberal de competição entre as
cidades globais5 pela atração de investimentos que dinamizem sua economia local.
As experiências internacionais de revitalização de territórios locais associadas à
noção de rede de cidades globais são notórias. A título de exemplo podemos apontar as
intervenções nas Docklands de Londres, na área portuária de Barcelona, na Espanha e de
Puerto Madero em Buenos Aires.
No caso brasileiro, a importação da acepção desse modelo de desenvolvimento local
deu origem a uma combinação perversa. Como o planejamento das cidades no Brasil
sempre esteve em comunhão com um modelo de desenvolvimento econômico pautado,
desde a década de 1930, na industrialização, de um lado, e na concentração de renda, de
outro, onde a construção de um Estado de Bem-Estar Social não se completou. O que nos
leva a conclusão de que não houve propriamente um desmanche desse Estado, mas sim um
simulacro, permitindo não só que o modelo econômico centrado no desenvolvimento local
fosse incorporado à economia nacional, mas também associado à forma neoliberal de
planejamento estratégico (Oliveira, 2002).
A
mera
reprodução
desses
jargões
urbanísticos,
sem
consideração
das
especificidades da desigualdade urbana brasileira, contribui para o esvaziamento do
controle público efetivo sobre a dinâmica urbana, dando maior autonomia para a chamada
sociedade civil, o que acaba por priorizar as parcerias público-privada, em que prevalece a
manutenção dos interesses privados dos grupos econômicos dominantes da sociedade.
Assim, uma nova forma de planejamento que se vincule as noções de
desenvolvimento local e gestão local participativa pode estar também em sintonia com a
concepção neoliberal de uma sociedade harmônica, cujo conflito é dirimido a partir da
4
Entre esses organismos internacionais estão o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Mundial e a
OCDE – Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico.
5
O consenso da rede de cidades globais está relacionado ao enfraquecimento do Estado de Bem Estar Social europeu, e a
valorização da cidade como célula autônoma da economia mundial. Essas cidades seriam aquelas capazes de atrair
investimentos que dinamizem sua economia local, desde que sejam dotadas de certa infra-estrutura, compatíveis com o
padrão mais alto de sofisticação, uma vez que essas cidades competem entre si na atração de capitais, principalmente
estrangeiros. Muitos urbanistas, como Borja e Castells, defendem essa tendência econômica afirmando que ela traria
contribuições para uma transformação urbana de revalorização de certas áreas degradadas da cidade, principalmente as
áreas centrais. A solução seria através de projetos pontuais e estratégicos que alavancassem uma reação em cadeia de
dinamização econômica por toda a cidade, geralmente em cooperação com o setor privado, mas também com muitos
investimentos públicos. Sobre esse assunto ver ARANTES, VAINER, MARICATO. A Cidade do Pensamento Único.
Desmanchando Consensos. Editora Vozes. 2ª edição. Petrópolis. 2003. Ver também FERREIRA. São Paulo: o Mito da
Cidade Global. Tese (doutorado). FAUUSP. São Paulo. 2003
ação do Estado como organizador do consenso. Através da articulação dos agentes locais –
em verdade, restritos aos mesmos interesses econômicos – o objetivo é a viabilização de
projetos estratégicos voltados à revalorização de áreas degradadas. Evidentemente que
esses projetos, ao invés de gerarem algum tipo de inclusão política e social, acabam por
agravar as desigualdades e a segregação sócio-espacial existente, posto que propiciam a
valorização imobiliária e, consequentemente, a expulsão dos antigos moradores
pertencentes aos segmentos mais pobres.
Essa é a raiz ideológica da noção de consenso em que se apóiam muitos projetos de
intervenção urbana. Nesse aspecto, o caso da elaboração do Plano Estratégico da Cidade
do Rio de Janeiro, em meados da década de 1990, quando foi contratada uma empresa
catalã de consultoria em planejamento urbano estratégico, é exemplar. Foram formadas
instâncias deliberativas e consultivas de “participação” – como um Conselho da Cidade,
um Comitê Executivo e um Conselho Diretor – que definiam as prioridades e
potencialidades para as futuras intervenções. Entretanto, essas instâncias eram
predominantemente compostas por “empresários individuais e representantes de
associações empresariais, reitores de universidades da cidade, empresas jornalísticas, o
Secretário de Urbanismo do município, o Secretário Estadual de Planejamento (...)”.6
A implementação de projetos estratégicos ocorridos na área central de São Paulo não
tem sido diferente. A restauração de antigos edifícios com inegável valor histórico e
arquitetônico, que até o momento não haviam sido objeto de investimento, passa a ser
símbolo de uma região revitalizada: a Sala São Paulo e a Estação da Luz, como parte do
projeto de revitalização do Pólo Luz. Através de investimentos públicos e privados, sem a
intenção de reconstituir o tecido social existente, essas intervenções geram, por um lado, a
gentrificação na medida em que a valorização imobiliária nega o direito da população à
sua moradia e aos equipamentos urbanos ali existentes e, por outro, promove uma
privatização mascarada do espaço público pela restrição do acesso aos novos
equipamentos, que passam a ser encarados como “bens de luxo”.
Portanto, dentro do contexto neoliberal de apropriação da noção de desenvolvimento
local, é possível perceber que a reabilitação urbana de áreas centrais através da gestão
compartilhada entre atores locais está presente no escopo de intervenções e projetos – na
agenda de governo de diversas cidades e também nas resoluções de agências e organismos
multilaterais citados acima – que, apesar da homogeneidade no discurso, têm resultados
práticos muito diferentes. Várias dessas formas de intervenção estão embasadas no
recrudescimento dos padrões capitalistas de apropriação da renda da terra, mais
especificamente, o acirramento da exclusão urbana através da gentrificação e a utilização
da idéia de participação como sinônimo da promoção de relações entre o setor público e
interesses que se restringem a poderes econômicos hegemônicos.
Porém, dentro do viés efetivamente democrático do desenvolvimento local, é
fundamental pensar em intervenções locais, pontuais e integradas, que promovam a
manutenção do tecido social existente, a melhoria das condições de moradia e infraestrutura urbana, de acordo com as características locais, além da efetiva participação da
população.
Esse outro viés tem sua origem na experiência de governos locais de perfil popular
de diversas cidades estrangeiras, como é o caso das administrações socialistas ao sul da
Itália, com destaque à Bolonha.7 No Brasil, a origem remonta ao início do processo de
redemocratização do país no final da década de 1970 e início de 1980.
A luta pela criação de esferas públicas de participação popular nas decisões e rumos
da construção das cidades vem desde de o final da década de 1970, quando emergiram
vários movimentos organizados reivindicatórios da sociedade civil: entidades sindicais e
profissionais, organizações não governamentais, movimentos universitários e técnicos do
poder público, constituindo sujeitos autônomos que buscavam a ampliação de direitos
sociais e melhorias nas condições de vida.
Sua articulação ganhou corpo nos anos 80, com a participação no processo que
aprovou a Constituição de 1988, na qual foram incorporadas emendas que contribuíram
para a elaboração de políticas públicas democráticas, iniciando o Movimento de Luta pela
Reforma Urbana. Nesse momento, além da instituição dos conselhos municipais de cogestão de políticas públicas na Constituição, foi formatada também a idéia da função social
da propriedade, dentro do capítulo da Política Urbana, que exigia, entretanto, uma
regulamentação própria e a elaboração de Planos Diretores nos municípios. Era o início das
discussões sobre a legislação que versa sobre a função social da propriedade urbana e os
instrumentos para viabilizar a Reforma Urbana, e que, posteriormente, seriam aprovadas
como o Estatuto da Cidade em 2001 (Lei Federal no 10.257).
Durante esse processo de luta pela Reforma Urbana, os movimentos organizados
com enfoque na habitação realizaram protestos contra a falta de moradia, o que convergiu,
6
Vainer, Carlos. Op Cit. 2003.
Entre outras experiências podemos destacar as OPAHs (Operações Programadas de Melhoria da Habitação) e o Pactarim (Protection, Amélioration, Conservation, Transformation de l´Habitat – Associations de Restauration Inmobilière)
na França, e a Reabilitação de Bairros Antigos de Lisboa.
7
de um lado, com o surgimento de assessorias técnicas8 em habitação social, que tiveram
importante papel nessa luta, e, de outro, com a formulação de diversas iniciativas
democráticas referentes à questão urbana e da moradia: o Fundo Nacional de Habitação
Popular e o Projeto Moradia.
A obrigatoriedade de regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade pelos
Planos Diretores Municipais e de realização de audiências públicas para a aprovação
desses, criou a necessidade de diálogo entre as diversas instâncias municipais de governo e
da sociedade civil, gerando uma salutar disputa pelo espaço da cidade.
Em São Paulo, a abertura desses espaços de diálogo para a elaboração do Plano
Diretor Estratégico, principalmente nos debates sobre os Planos Regionais, está
diretamente relacionada ao processo de luta pela Reforma Urbana e pela criação de
instâncias participativas de debate. Como resultado, foram incorporados e regulamentados
mecanismos e instrumentos urbanísticos como a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS),
a noção de função social da propriedade e a regulamentação de diretrizes para a criação de
diversos tipos de conselhos participativos, visando garantir o direito à moradia e à cidade9,
sobrepondo-se ao direito à propriedade.
Através de alguns mecanismos jurídicos e urbanísticos – como a exigência de que
50% da área construída computável se destine a HIS (Lei Municipal no 13.430/2002: Art.
176 – III - e); a liberação do pagamento da outorga onerosa; e a utilização de um
coeficiente de aproveitamento (CA) mais alto – pode-se perceber a tentativa de incentivar e
induzir a produção de HIS nas ZEIS.
Além disso, merecem destaque alguns mecanismos fundamentais das ZEIS que são a
necessidade de elaboração do Plano de Urbanização e criação do Conselho Gestor10,
constituído por representantes do poder público e da sociedade civil, com caráter de
paridade. Sendo o Conselho responsável pela elaboração de diretrizes, aprovação e
controle sobre o Plano de Urbanização.
8
As assessorias técnicas em habitação social são escritórios, geralmente associações sem fins lucrativos, compostos por
profissionais de diversas áreas, entre eles arquitetos e técnicos sociais, que prestam serviços de projeto arquitetônico,
acompanhamento de obras, e acompanhamento social para futuros grupos de moradores de habitação de interesse social.
Muitas das assessorias têm forte vínculo com os movimentos sociais de moradia, atuando diretamente nas discussões
desses grupos sociais, como por exemplo, nos processos de mutirão em auto-gestão. Além disso, são grupos de
profissionais que sempre têm atuado nas discussões sobre a Reforma Urbana.
9
Entende-se o direito à cidade como um conjunto amplo de direitos, como o acesso a equipamentos e serviços públicos,
o direito a manifestações culturais, o direito à moradia digna, o direito a saúde, ao meio ambiente, à mobilidade urbana,
ao emprego, entre outros.
10
Segundo decreto municipal de regulamentação das ZEIS nº 44.667/2004 o Conselho Gestor deverá corresponder à área
de abrangência do Plano de Urbanização da ZEIS.
A incorporação de preceitos de desenvolvimento local à gestão municipal permitirá a
elaboração de uma forma de apropriação do conhecimento sobre o território pelos técnicos
e pela população. O Plano, juntamente com o Conselho, são responsáveis por subsidiar as
propostas de valorização das características endógenas locais, ao mesmo tempo em que
fortalecem a noção de gestão participativa.
A partir das referências antagônicas apresentadas anteriormente acerca da origem,
apropriação e discussão da noção de desenvolvimento e gestão local participativa, e sua
relação com as proposta de revitalização e de reabilitação urbanas, podemos destacar uma
disputa pelas terminologias, visto que configuram, de fato, uma nova forma de se pensar a
cidade, frente a um contexto de declínio dos antigos modelos modernistas de planejamento
urbano.
Os Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat da gestão municipal de São
Paulo (2001-2004) se inserem nesse contexto de disputa pelos novos significados da
terminologia desenvolvimento local, os quais atualmente embasam as diretrizes de
planejamento urbano de diversas cidades, alinhando-se as tendências de valorização das
especificidades locais de um território específico da área central da cidade. Os PRIHs não
pretendem uma transformação urbana de valorização imobiliária, mas uma recuperação do
tecido urbano e social que mantenha a população de baixa renda moradora do perímetro,
usando para isso a noção de função social da propriedade e a criação de instâncias públicas
participativas, sem desvincular a relação entre as dinâmicas locais do bairro e as da cidade
como um todo.
Nesse sentido, acreditamos que o desenvolvimento local pode contribuir para um
processo de desconcentração de poder, ao mesmo tempo em que descentraliza a gestão. O
desafio do desenvolvimento local deve ser, portanto, o de enfrentar a complexidade das
desigualdades e não voltar as costas para ela.
2. A Origem: Programa Morar Perto
Ao longo das últimas décadas a área central da cidade de São Paulo tem perdido
muitos habitantes, notadamente entre os segmentos de renda média e alta. Este fato é
evidenciado, de um lado, pela baixa densidade populacional na maioria de seus distritos e,
por outro, pela grande quantidade de edificações vazias. Em diversas pesquisas, como da
fundação SEADE, é possível constatar a baixíssima densidade habitacional de alguns
distritos centrais, em contraponto àqueles mais periféricos, como são os casos de Bom
Retiro (66,4 hab/hectare), Brás (70), Cambuci (73,4), Belém (63,8) e Pari (50,1).
A postura assumida recorrentemente pelo poder público de omissão frente à explosão
da periferia auto-construída e de concentração de investimentos na construção de conjuntos
habitacionais populares localizados fora das manchas urbanizadas, compõem uma faceta
da exclusão da parcela mais pobre da população. Sob a justificativa de redução dos custos
para viabilizar o acesso à casa própria, foram gerados enormes problemas de mobilidade,
contribuindo para a expansão desordenada e acelerando a degradação ambiental, além de
gerar uma deseconomia inadmissível para a cidade.
Os dados do Censo 2000 do IBGE apontam a existência de quase 40 mil domicílios
vazios só nos distritos da AR-SÉ, incluindo casas, apartamentos ou até prédios inteiros.
Além disso, a saída da elite e dos investimentos do mercado imobiliário do centro
condicionou a deterioração da qualidade de vida nessas áreas.11 Nesse sentido, grande parte
dos moradores mais pobres do centro enfrenta péssimas condições de habitabilidade,
especialmente nos imóveis encortiçados.
Em 1993, um levantamento da FIPE revelou que cerca de 20% da população
encortiçada de São Paulo se encontrava na área da Administração Regional da Sé –
composta pelos distritos do Bom Retiro, Brás, Cambucí, Liberdade, entre outros. O total
desse segmento correspondia a aproximadamente 25% da população total dessa região.
Já em 1999, uma pesquisa ligada à dissertação de mestrado do engenheiro Luiz
Kohara12 na região da luz, analisou as condições de vida dos moradores e constatou um
conjunto de precariedades nas condições de habitabilidade (ventilação, iluminação,
tamanho dos cômodos), além do alto valor do aluguel dos cômodos que leva as famílias a
comprometer grande parte dos seus salários.
Não obstante esse quadro, a área central apresenta vantagens para a produção de
unidades habitacionais direcionadas a faixas de renda baixa e média-baixa pelas seguintes
razões: existência de terrenos subutilzados13, de edifícios residenciais vazios passíveis de
reforma e de edifícios comerciais passíveis de reciclagem, existência de edifícios de valor
arquitetônico ou histórico. Nesse contexto de cidade oca, a melhor alternativa de
11
Flávio Villaça aponta para a construção ideológica da idéia de desvalorização do centro, na medida em que o discurso
dos grupos ligados ao mercado imobiliário e às classes mais altas afirma que o abandono do centro se deu por ele estar
deteriorado ou desvalorizado. No entanto, pode-se perceber que “O que ocorreu na verdade foi que a burguesia e o
Estado abandonaram o centro e por isso ele se deteriorou. Assim, a deterioração foi efeito e não causa”. VILLAÇA. A
produção e o Uso da Imagem do Centro da Cidade. O Caso de São Paulo. in Estratégias de Intervenção em Áreas
Históricas. UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 1995.
12
Kohara, Luiz. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços – estudos de caso na área central da cidade de
São Paulo. Dissertação de Mestrado. Escola Politécnica da USP, São Paulo, 1999.
13
São considerados edificações ou terrenos subutilizados aqueles que não atingem o coeficiente de aproveitamento
mínimo determinado pelo zoneamento municipal ou que tenha mais de 50% da sua área construída não utilizada por mais
recuperação e manutenção dos imóveis ociosos é sua reabilitação para uso habitacional,
aproveitando, assim, a infra-estrutura existente. Considerando ainda que os distritos
compreendidos pela área central apresentam elevada oferta de empregos e oportunidades
de obtenção de renda, concentrando 28,85% dos empregos formais do município –
segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho.
Partindo-se do acúmulo disponível de estudos, pesquisas e de diversas experiências
concretas, é possível considerar o sub-aproveitamento da região mais bem servida de infraestrutura, serviços, equipamentos urbanos da cidade, ao lado da ausência de uma política
habitacional que envolva a promoção da reabilitação arquitetônica e ambiental.
A reivindicação da utilização dessa grande quantidade de imóveis vazios ou
subutilizados no centro da cidade, visando o cumprimento da função social da propriedade,
é uma das lutas históricas do movimento pela Reforma Urbana, como relatado
anteriormente.
Com a vitória da candidatura do Partido dos Trabalhadores para a prefeitura da
cidade de São Paulo no ano de 2001, os movimentos sociais por moradia das áreas
centrais, juntamente com as assessorias técnicas14 e diversos pesquisadores universitários,
iniciaram um processo de discussão sobre as perspectivas de requalificação dos distritos
centrais e de elaboração de novas propostas de intervenção. Esse processo subsidiou a
estruturação de um programa habitacional participativo e integrado – até então ausente –
voltado para a grande demanda por moradia digna existente na área central.
Consequentemente, na Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB)
foram abertos canais de diálogo e debate envolvendo esses diversos atores com o
compromisso de formatar e implementar um programa habitacional que pudesse reverter o
processo de esvaziamento populacional e de segregação social das áreas centrais da cidade.
2.1. Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat
A proposta elaborada, então conhecida como Programa Morar Perto, se baseava em
uma nova abordagem de desenvolvimento urbano. A identificação de forma integrada dos
problemas e das potencialidades habitacionais relacionados às dimensões do bairro e da
cidade permitiria a substituição das ações setoriais, isoladas e pontuais, por ações
integradas no âmbito do “perímetro”, formado por um conjunto de quadras. Essa mudança
de cinco anos consecutivos. Além desses casos, existem usos que não cumprem a função social da propriedade, quando
localizados nos distritos centrais da cidade, como estacionamentos, galpões ou depósitos.
14
As assessorias técnicas que estavam envolvidas nesse processo de discussão são: AD – Assessoria Técnica aos
Movimentos Populares; Passo; Peabiru; Usina; CAAP; Ambiente Urbano; Fábrica Urbana; Norte; entre outras Os
movimentos de moradia envolvidos no processo eram: MMC – Movimento de Moradia no Centro; MSTC – Movimento
dos Sem Teto do Centro, ULC – União da Luta dos Cortiços; e Fórum de Cortiços, entre outros.
significa o planejamento de soluções habitacionais articuladas à requalificação do bairro,
incorporando oferta de equipamentos públicos, melhoria e criação de espaços de lazer, e
projetos de geração de emprego e renda.
Em 2002 essa proposta se traduziu na contratação pela SEHAB/COHAB –
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – de levantamentos para
caracterização fundiária e ambiental de seis manchas urbanas de áreas degradadas das
regiões centrais, definidas conjuntamente pelo poder público, movimentos de moradia e
assessorias técnicas. Posteriormente, as manchas com maior concentração de cortiços,
imóveis ou terrenos vazios ou subutilizados, e com potencialidades para investimentos em
empreendimentos habitacionais públicos, seriam delimitados como “perímetros”.15
Ao mesmo tempo estava em andamento o debate em torno da elaboração do Plano
Diretor Estratégico do Município, em que, pela primeira vez na cidade de São Paulo, se
buscou incorporar a participação efetiva da população. Esse espaço, apesar de ainda ser
considerado restrito, foi de grande importância para a tentativa de regulamentação, no
corpo do Plano Diretor, dos instrumentos da Reforma Urbana propostos pelo Estatuto da
Cidade, que exigem da propriedade fundiária o cumprimento de sua função social –
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado, IPTU
progressivo no tempo, usucapião especial de imóvel urbano, direito de superfície, direito
de preempção, outorga onerosa do direito de construir, operações urbanas consorciadas e
transferência do direito de construir. Nesses espaços, a Zona Especial de Interesse Social
(ZEIS) foi a grande pauta defendida pelos movimentos sociais, organizações não
governamentais e entidades acadêmicas.
Os levantamentos de caracterização dos perímetros foram utilizados na delimitação
das ZEIS 316 na área central, a serem incluídas no Plano Diretor Estratégico do
Município17, configurando uma situação extremamente favorável para o estímulo e
viabilização da construção de Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (EHIS).
15
Estes levantamentos foram realizados em duas etapas, uma em janeiro e outra em março de 2002, em que a primeira
etapa se baseava na caracterização geral da mancha, e a segunda, no detalhamento do levantamento em perímetros prédeterminados.
16
Em São Paulo a delimitação das ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social ocorreu de acordo com 4 tipos diferentes,
entre eles a ZEIS 3. Segundo decreto municipal de ZEIS nº 44.667/2004, as ZEIS 3 são “área com predominância de
terrenos ou edificações subutilizadas, situada em área dotada de infra-estrutura, serviços urbanos e oferta de empregos,
ou que esteja recebendo investimentos dessa natureza, em que haja interesse público na promoção e manutenção de HIS
e HMP e na melhoria das condições habitacionais da população moradora, incluindo equipamentos sociais e culturais,
espaços públicos, serviço e comércio de caráter local”.
17
O Plano Diretor do Município foi aprovado em agosto de 2002 pela Câmara Municipal.
Ao final de 2002, a partir dos relatórios de caracterização urbana e habitacional, da
demarcação dos seis perímetros iniciais18 e da elaboração das diretrizes preliminares para
reabilitação integrada de cada Perímetro, foi possível iniciar a implementação dessa nova
modalidade de gestão urbana. Apesar do programa ainda não estar estruturado
institucionalmente nos fluxogramas operacionais da Secretaria, as diretrizes de referência
para o início do trabalho já estavam definidas: abordagem integrada e participativa,
elaboração de um plano de intervenção, a constituição de instâncias institucionais de
negociação, a interlocução com os movimentos sociais, além das referências internacionais
de reabilitação urbana com inclusão social.
Foi neste contexto que a SEHAB iniciou a implementação do programa que passou a
ser denominado Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat – PRIH, inserido no
Programa Morar no Centro, sendo que sua primeira experiência foi localizada no
perímetro do bairro da Luz, o PRIH Luz.
3. A Proposta Inicial de Implementação dos PRIHs e de
Atuação dos Escritórios Locais
A construção do Programa Morar no Centro e a consequente contratação de uma
equipe técnica – composta por profissionais oriundos de assessorias – possibilitaram a
incorporação da proposta de reabilitação e a definição dos elementos base para a
montagem operacional do programa PRIH na SEHAB.
O principal objetivo do trabalho da equipe foi elaborar as diretrizes de intervenção e
definir as funções que o escritório local assumiria enquanto referência territorial do poder
público e elemento catalisador da participação na gestão urbana.
A proposta se insere no debate internacional iniciado no fim da década de 1980 por
ocasião de diferentes experiências de reabilitação urbana. Inscritas no âmbito de
intervenções integradas em escala local, essas experiências promoveram a melhoria das
condições de moradia e infra-estrutura urbana focalizando na manutenção dos moradores
locais. Nesse sentido, apresentam alguns aspectos que dialogam com o conceito de
reabilitação integrada do programa PRIH considerando, evidentemente, as particularidades
encontradas no contexto paulistano e brasileiro.
Mais especificamente, as experiências que compuseram o quadro referencial para a
elaboração desta proposta de reabilitação integrada das áreas centrais na cidade de São
18
Posteriormente foram demarcados mais quatro perímetros a partir da mesma metodologia descrita acima, resultando
num total de 10 Perímetros demarcados na área central da cidade de São Paulo.
Paulo foram: a portuguesa de Reabilitação de Bairros Antigos de Lisboa; a de reabilitação
dos imóveis para habitação de interesse social na França (OPAHs e Pact-arim); e a
realizada na Itália, de reabilitação do bairro histórico degradado de São Salvario em Turim.
19
Com o início dos trabalhos do PRIH Luz, a definição da estratégia de atuação da
equipe técnica, considerou indispensável o papel do território, e a presença da comunidade
nos processos de transformação e melhoria físico-ambiental. Visava-se especialmente: (a)
valorização das potencialidades endógenas, (b) construção e resgate de identidades
coletivas e (c) inclusão urbana da faixa de população de mais baixa renda.
A viabilidade e sustentabilidade desse programa estão na combinação entre
instrumentos urbanísticos, estratégias imobiliárias e linhas de financiamento habitacionais;
sendo essencial a cooperação entre os diferentes agentes promotores e movimentos sociais.
Definiu-se como objetivo geral a elaboração e implementação, de forma participativa
de um Plano Integrado de Intervenções (PII), visando a reconstrução do tecido social e
urbano local e a melhoria da qualidade de vida dos moradores, trabalhadores e usuários.
Um outro objetivo era a construção de referências para a reabilitação integrada das
áreas centrais metropolitanas e para a inclusão social e urbana da população de mais baixa
renda, por meio da construção, pelo poder público, de dinâmicas de diálogo entre os
diversos agentes locais – comerciantes, entidades públicas e privadas, moradores,
proprietários imobiliários, moradores de cortiços, população de rua, movimentos sociais,
etc. – priorizando espaços de inserção e participação dos setores mais pobres.
A fim de alcançar tais objetivos, considerou-se necessária a estruturação de um
“braço local” do poder público, concretizado com a instalação de escritórios locais no
território do perímetro. Tais escritórios, denominados “Escritórios Antena”, teriam como
função-chave o desenvolvimento de instrumentos de captação das necessidades e
demandas (Diagnóstico Participativo), o aproveitamento e articulação das capacidades,
idéias e propostas vindas de todos os grupos sociais (Planejamento Participativo), e a
identificação dos recursos urbanos (imóveis subutilizados, de interesse arquitetônico e
histórico) e sociais (grupos organizados preexistentes) formais e informais do território.
O escritório caracterizou-se, de um lado, como suporte técnico – desempenhando o
papel de análise e orientação técnica, planejamento e de concentração de informação – e,
19
Sobre a experiência francesa ver documento elaborado para o curso de Gestão de Programas de Reabilitação Urbana,
realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em novembro de 2000. Sobre a experiência portuguesa, ver
ZANCHETTI, Silvio Mendes. MARINHO, Geraldo. MILLET, Vera (org). Estratégias de Intervenção em Áreas
de outro, como agente promotor e facilitador – intermediando a negociação entre interesses
diversos na comunidade local e outras instâncias do poder público – e gerenciador dos
conflitos intrínsecos ao processo de gestão urbana.
Como desdobramento desta ótica participativa do trabalho do Escritório Antena, se
apresentou como fundamental a constituição de um espaço público regulamentado de
encontro e interlocução das diversas visões e interesses envolvidos na reabilitação do
perímetro. Neste espaço denominado “Comitê de Reabilitação do Perímetro”, o Escritório
Antena formaliza o seu papel de valorizar, interligar e coordenar os representantes locais e
do poder público, gerenciando os conflitos e os acordos em busca de propostas para uma
melhoria urbana sustentável.
A existência de uma instância participativa com essas características definia o lugar
de confluência dos trabalhos de mobilização da população, e representava um elemento de
sustentabilidade do programa e de continuidade das ações e projetos relacionados com a
melhoria do bairro. Ainda mais quando se considera que a atuação do Escritório Antena
estava prevista para um período de dois anos, deixando depois as instâncias participativas
estruturadas, apropriadas pela comunidade e reconhecidas pelos órgãos públicos de
competência.
Dessa forma, a partir dos princípios de intervenção e gestão urbana apresentados até
aqui, formatou-se uma metodologia de trabalho composta por três etapas. A primeira etapa
seria definida por um processo de comunicação social e territorial – estabelecimento de
canais de troca e de diálogo que fundamentaram as relações e os papéis entre as instâncias
do poder público e a comunidade local no processo de reabilitação – complementada pelos
levantamentos físicos e ambientais, quantitativos e qualitativos, do perímetro, que
constituiriam um quadro da realidade local como base para a criação de novas relações
territoriais para a reabilitação.
A segunda etapa seria caracterizada por uma série de atividades de mobilização
social que visavam à construção de instâncias participativas – propiciando o envolvimento
dos segmentos sociais e fomentando a apropriação das discussões coletivas – e pela
elaboração de estudos de viabilidade habitacional e de melhoria ambiental, definindo
democraticamente as diretrizes para um Plano Integrado de Reabilitação.
Por fim, a terceira etapa seria de concretização e realização dos projetos e ações
previamente definidos no Plano para a reabilitação do perímetro.
Históricas: revalorização de áreas urbanas centrais. Mestrado em Desenvolvimento Urbano. UFPE – Universidade
Federal de Pernambuco. Recife. 1995.
As três etapas da metodologia são interligadas por alguns preceitos transversais,
entre eles, a participação como condição de eficácia dos processos de decisão, e a busca de
soluções sustentáveis, resultantes da valorização dos saberes dos diferentes atores
envolvidos. As metodologias também ressaltavam o efeito multiplicador de canais de
comunicação e da democratização do conhecimento técnico necessário para o
desenvolvimento local do perímetro. Esses preceitos contribuiriam para a formação de
cidadãos participantes e ativos na busca da melhoria da própria vida e do meio urbano em
que vivem.
A definição das diretrizes de gestão urbana para os PRIHs foi pensada como criação
de uma referência metodológica que servisse de base para a implementação dos outros
perímetros na cidade de São Paulo e também como material de contribuição ao debate
acerca do processo de transformação urbana e social nas áreas centrais de outras
metrópoles brasileiras.
Por fim, é preciso acrescentar que a formulação da metodologia desenvolveu-se
paralelamente à intervenção concreta, o que definiu a importância de se ter nesse programa
uma metodologia suficientemente flexível para responder as especificidades das realidades
identificadas.
4. PRIH Luz: a Primeira Implementação Prática
A escolha do PRIH Luz como primeiro perímetro objeto do programa foi a resultante
de diversas constatações, uma das mais relevantes foi a de que parte do bairro da Luz vinha
sofrendo um intenso processo de concentração de grandes investimentos de revitalização,
dos governos estadual e federal vinculados a empréstimos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID20. Projetos estes que, com intuito de recuperação dos edifícios de
interesse histórico, resultam na expulsão dos moradores de baixa renda, devido à promoção
de valorização imobiliária e alteração dos usos preexistentes. Neste contexto político-social
de intervenções urbanas, a implementação do PRIH em uma área próxima a estes
investimentos buscava se contrapor à política de acirramento da exclusão social, mantendo
a população de baixa renda e incluindo-a na reabilitação urbana no âmbito das políticas
municipais.
Um outro elemento que interferiu nesta escolha foi a clara delimitação territorial do
perímetro da Luz – linha férrea, rio Tamanduateí e grandes avenidas – o que foi avaliado,
20 Como, por exemplo, o Programa Monumenta BID, do Ministério da Cultura e do Governo do Estado e PAC BID – Programa de
Atuação em Cortiços, da CDHU / Governo do Estado.
naquele período, como facilitador da primeira atuação do Escritório Antena. Considerando
também que os levantamentos preliminares apresentavam, simultaneamente, grande
concentração de cortiços, de terrenos e imóveis subtilizados que poderiam potencializar a
recuperação e produção de habitação de interesse social, elemento decisivo para manter a
população de baixa renda morando de maneira digna neste perímetro e reintegrá-la
espacialmente e socialmente.
Como apresentado anteriormente, depois da contratação da equipe técnica em julho
2002 que consolidou a proposta de reabilitação e as funções do Escritório Antena, teve
continuidade a elaboração de uma metodologia de trabalho. Primeiramente, foi necessária
uma etapa de conhecimento da realidade do território, que marcasse o início do diálogo e
da apresentação da proposta desse novo programa para todos os atores locais. Esta primeira
etapa de trabalho foi denominada de Comunicação Social e Territorial21, acompanhada
paralelamente do Levantamento Físico-Imobiliário e Levantamento Ambiental de uso dos
espaços públicos.
Os primeiros quatros meses foram decisivos para a abertura dos canais de
participação e na definição dos papéis tanto do Escritório Antena quanto dos outros órgãos
públicos, como subprefeitura, secretarias municipais ou outras instâncias estaduais e
federais. Para isso, o Escritório Antena busca a integração dos recursos e programas
públicos incidentes no mesmo território, ao mesmo tempo em que trabalha na aproximação
com a população e entidades organizadas, visando projetar um novo referencial de
operadores públicos.
Essa aproximação se deu durante o Levantamento de Lideranças ou pessoas de
referência e o Mapeamento e contato com Entidades atuantes no Perímetro: visitas,
conversas e entrevistas subsidiaram a montagem do quadro da realidade local, incluindo as
potencialidades e as dificuldades dos órgãos de serviços públicos e privados (comércio
local, equipamentos culturais, de lazer e saúde, etc.).
Durante o conhecimento das características do tecido social organizado, detectou-se
a falta de conhecimento entre os trabalhos desenvolvidos pelas entidades no mesmo
território, e muitas vezes direcionadas ao mesmo grupo alvo. Por isso, as entidades, o
Escritório Antena e a subprefeitura local definiram uma meta comum: fomentar um espaço
de troca e articulação permanente, concretizando o primeiro resultado da integração local
entre poder público e entidades não governamentais. Este espaço segue até hoje, tendo se
formalizado no Fórum de Entidades do PRIH Luz e Subprefeitura Sé.
Além desse foco nos setores organizados, foram realizadas as Oficinas de
sensibilização (recíproca) e aproximação com a população moradora. Nessas oficinas, os
participantes, convidados porta a porta, instauraram o primeiro contato com a proposta de
reabilitação participativa. A população, protagonista nesse processo, reflete e identifica as
características atuais (potencialidade e problemas) do bairro em que moram, para em um
segundo momento, nas chamadas “oficinas do futuro”, projetar os seus sonhos e
aspirações sobre um bairro melhor no futuro, por meio da confecção de maquetes do
22
perímetro feitas de sucata .
Paralelamente, no Levantamento Físico, por meio de fichas de cadastramento (foto,
informações técnicas, contato), foi detalhada e atualizada a situação imobiliária do
Perímetro, com a identificação das oportunidades imobiliárias, imóveis subutilizados,
cortiços, moradias precárias, e imóveis de interesse de preservação23. O Levantamento do
Uso dos Espaços Públicos24 complementou as informações resultantes das oficinas e das
entrevistas com a população, com uma nova metodologia de análise que além de detectar
as características paisagísticas e ambientais dos espaços livres (jardim, ruas sem saídas,
largos, calçadas) identificou os usos e os convívios que neles se verificam. Esse estudo
serviu de base para a elaboração de propostas de criação e de melhoria dos espaços livres
para o lazer.
A conclusão desta primeira etapa de trabalho concretizou-se com a montagem do
Diagnóstico Participativo, que busca integrar o quadro de dados técnicos com as
informações oriundas da população, consolidando um processo de troca e construção de
conhecimentos conjuntos, e possibilitando a apropriação do território por parte da
população.
22
Nesse caso também foi contrata o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos como apoio ao Escritório Antena,
composto por uma equipe ainda incompleta. Os levantamentos das lideranças se basearam em um método de trabalho
chamado bola de neve para garantir que todos as pessoas fossem entrevistadas.
23
Os levantamentos, atualizados pela equipe do Escritório Antena, foram realizados pelas assessorias técnicas na
primeira etapa de levantamentos das manchas e setores, contratada por SEHAB/COHAB (Secretaria de Habitação e
Desenvolvimento Urbano / Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – PMSP). O conceito de Oportunidades
Imobiliárias, que se dá a partir da noção de Reforma Urbana, defini um conjunto de imóveis vazios, subutilizados ou para
venda, que apresenta grande potencialidade de intervenção, transformando-os em HIS – habitação de interesse social e/ou
HMP – habitação de mercado popular.
24
Para a realização deste trabalho e da metodologia foi contratado serviço do Laboratório de Paisagem, Arte e Cultura –
LABPARC FAU USP.
Em plenárias realizadas com toda a população e as entidades envolvidas, onde foi
apresentado o quadro da realidade obtido, foi finalizada esta etapa, com indicação das
prioridades de intervenção: a primeira Lixo; segunda Saúde; a terceira Habitação; a quarta
Educação; a quinta Lazer/Cultura; a última Segurança. O processo de indicação das
prioridades não se deu por eleição com maioria dos votos, mas por meio da construção de
um consenso comum.
A partir dessas definições e de todos os dados coletados foi possível iniciar a etapa
de Construção social – mobilização social e de Estudos de viabilidades (habitacionais e de
criação e melhoria dos espaços livres para o lazer), que estrutura o planejamento
participativo visando à elaboração do Plano Integrado de Intervenções para a reabilitação
do PRIH Luz.
O primeiro exercício prático de planejamento foi a construção de um Plano de Ação,
relativo às primeiras duas prioridades eleitas, com a construção de uma agenda comum de
curto, médio e longo prazos. A agenda inclui respostas-ações para os problemas existentes,
analisados a partir das causas e de seus co-responsáveis. Sua construção foi acompanhada
por dinâmicas de reconhecimento da interferência entre as diversas questões e de
identificação dos atores necessários para a realização das ações. Com este exercício
percebeu-se que muitas das respostas identificadas se viabilizariam a partir de ações ou
“recursos” já existentes no próprio território. Para isso, era necessário apenas que fossem
articuladas as ações do poder público, com iniciativas da própria população, das entidades
e de instituições locais.
Esta fase foi importante, pois gerou uma mudança de postura da população
envolvida, que começou a assumir um papel ativo de divulgação, estimulando os vizinhos
a participarem nas atividades de discussão sobre o bairro. Outro desdobramento foi a
participação de alguns moradores no Orçamento Participativo da região da Sé, com seis
conselheiros do perímetro.
Após as experiências que foram propiciadas com a elaboração do Plano de Ação, foi
iniciada a fase de elaboração do Plano Integrado de Intervenções (PII), concebido como
um esforço, das diferentes partes envolvidas, em associar e integrar as ações já elencadas
ou planejar outras. A formatação do planejamento participativo nesta fase se desencadeou
primeiro em dinâmicas Setoriais25, com comerciantes, entidades, moradores de cortiço,
entre outros, aprofundando o conhecimento das realidades específicas, para depois confluir
25
Contratação da assessoria do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.
em uma única dinâmica de planejamento integrado, incorporando a complexidade das
realidades setoriais.
Nesta fase, a base do processo da gestão urbana, que tinha a finalidade de constituir e
formalizar as instâncias participativas, estava já formatada, porém incompleta, pois a
atuação do Escritório Antena não tinha alcançado de forma satisfatória a participação da
faixa mais excluída da população: os moradores de cortiços, que constituem quase a
metade da população do PRIH Luz. Apesar da ausência de políticas habitacionais da
SEHAB voltadas para essa faixa da população e do receio da geração de expectativas que
não pudessem ser cumpridas, o Escritório Antena definiu uma linha de mobilização
específica para os moradores de cortiços com apoio dos Movimentos de Moradia. Em
plenárias direcionadas aos moradores de cortiços, pautadas em questões de melhoria e
produção habitacional, foi estimulado o envolvimento desse grupo na reabilitação do
perímetro. Os moradores de cortiço delinearam a própria modalidade de participação com
a eleição de um representante por rua, garantindo assim o acompanhamento do processo
em andamento. Este processo culminou na formação de uma Comissão de Representantes
de Moradores de Cortiços e Pensões, cuja atuação contribuiu para a concepção e
implementação da Política Municipal de Cortiços; a elaboração da cartilha Construindo
Cidadania, visando à informação dos direitos dos moradores de cortiços; a realização do
primeiro Curso de Capacitação26 para moradores de cortiços. A Comissão até hoje
acompanha as intervenções do Plano Habitacional, componente do PII .
O PII, resultado desta etapa é composto por três eixos: Plano Habitacional, Plano de
Melhoria Ambiental e Projeto de Construção Social.
O processo de elaboração do Plano Habitacional teve inicio já na primeira etapa.
Quando os levantamentos identificaram duas áreas subutilizadas e uma série de edifícios
vazios à venda como adequados para a produção de novos empreendimentos mistos (HIS,
comércio, habitação do mercado popular), o Escritório Antena coordenou processos de
mediação–negociação direta entre proprietários imobiliários, órgãos financiadores e
empresas de construção.
Neste processo foram concebidos e ensaiados alguns cenários financeiros e de
projeto para integrar diferentes políticas e linhas de atendimento a partir da configuração
urbana preexistente e das diversas demandas sociais no Perímetro. Os investimentos
26
O Curso de Capacitação - Inclusão Habitacional e Cidadania foi organizado e implementado pelo Centro Gaspar
Garcia de Direitos Humanos, pela Cáritas (Região Episcopal Sé), pelo Programa de Cortiços (SEHAB/PMSP), pelo
Escritório Antena PRIH Luz e PRIH Glicério (SEHAB/PMSP) e pela Comissão de Representantes de Moradores de
Cortiços e Pensões do PRIH Luz, com apoio da Rede Rua de Comunicação e do Instituto Dom Bosco.
públicos voltados à HIS foram viabilizados com recursos municipais: Locação Social27 e
Programa de Arrendamento Residencial - PAR (vinculado à Caixa Econômica Federal).
Projetos relativos à melhoria do espaço público definiram o Plano de Melhoria
Ambiental. Foram elaborados projetos de requalificação das ruas sem saída, das calçadas,
das áreas livres, de reabilitação do patrimônio arquitetônico e histórico existente e de
melhoria de infra-estrutura. Todos esses espaços se encontram em estado de grande
precariedade, apesar de alguns deles já serem utilizados para lazer.
Além disso, foram realizados estudos de acessibilidade, pela Comissão Permanente
de Acessibilidade (SEHAB) para todas as áreas públicas, um projeto para facilitar o acesso
dos deficientes físicos às ruas do Perímetro.
O Projeto de Construção Social é composto pelo Programa de Vivência e Gestão
Participativa, que formaliza o processo de mobilização social dos setores da comunidade.
Este processo conduziu à constituição das instâncias participativas: Fórum das Entidades,
Comissão de Representantes dos Moradores de Cortiços e Comitê de Reabilitação. Este
último foi instituído por Decreto Municipal e tem como objetivo a elaboração,
detalhamento e monitoramento da implementação do Plano Integrado de Intervenções.
Essas instâncias definiram o controle social nos processos de tomada de decisões.
A Escola Experimental de Cidadania, Gestão e Planejamento Urbano, e a provisão
de equipamentos públicos completam o Projeto de Construção Social.
Todo o recurso necessário para a implementação dos projetos e ações integrantes do
Plano Integrado de Intervenções está comprometido com o financiamento pedido ao BID
pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
No fim de 2003, teve início a implementação da segunda experiência do Programa
PRIH no bairro do Glicério. A equipe do Escritório Antena local tendo como base a
experiência metodológica desenvolvida no PRIH Luz, iniciou a atuação com a
flexibilidade necessária para lidar com as particularidades do novo contexto territorial.
5. Considerações Finais: Conflitos e Limites da Reabilitação
Integrada
O PRIH representou a primeira experiência de gestão urbana participativa das áreas
centrais da cidade de São Paulo que merece uma avaliação cuidadosa. Embora a sua
institucionalização como um programa público municipal aponte um relativo sucesso, os
27
O programa de Locação social prevê a oferta de unidades habitacionais mediante pagamento de valores de aluguel
compatíveis com a renda familiar que deve ser no máximo de três salários mínimos.
limites e conflitos que permearam esse processo não foram poucos. Nesse sentido, esta
análise deve revelar os traços de seu caráter transformador da estrutura social e políticoinstitucional, identificando as reais inovações e as deformações da proposta original do
Programa.
Como uma experiência que buscou institucionalizar, também sob forma de
metodologia de atuação, esta forma de gestão urbana apresenta inovações consideráveis. O
contato com a realidade do território partindo da diretriz prioritária de participação efetiva
contribuiu para o início da transformação de atuação poder público, cuja estrutura não
estava preparada para a implementação do Programa. Alimentou também a transformação
da própria população, buscando seu fortalecimento e seu envolvimento efetivo nas tomadas
das decisões. Nesse sentido, a atuação do Escritório Antena PRIH Luz levantou as
expectativas da população e as incorporou no processo de trabalho, ao invés de abafá-las.
Merece especial atenção a análise do papel atribuído ao PRIH pela gestão municipal.
Apesar de ter-se construído com base nas reivindicações dos movimentos sociais, das
assessorias técnicas, na vontade e empenho de profissionais da gestão municipal, a
conjuntura de pressão social que impulsionou a sua implementação como programa
público, não o habilitou como prioritário para a gestão e não estruturou a necessária
integração secretarial.
A equipe contratada para compor o Escritório Antena do PRIH Luz teve uma
dimensão reduzida, pois, enquanto na proposta de consolidação do Programa tinha sido
indicada a contratação de sete técnicos, na prática foram contratados para a equipe fixa
apenas dois técnicos e dois estagiários de arquitetura.
Para a realização dos trabalhos necessários à implementação do Programa, a única
solução institucional foi contratar assessorias técnicas ao longo do processo. Se,
aparentemente, essas contratações podem ser vistas positivamente, por não acarretar
inchamento da máquina pública, por exemplo, vale a pena ressaltar que a dificuldade de
garantir a continuidade dessas contratações e a existência de grande rotatividade das
equipes representaram barreiras ao andamento do trabalho e à consolidação de novas
relações do poder público com a sociedade civil.
Isso nos leva a uma reflexão acerca da constituição e do papel da equipe do
Escritório Antena. Em comparação com a experiência francesa e a italiana, que adotaram a
proposta de contratação de ONGs para a consolidação dos escritórios locais, e com a
portuguesa, que se baseou no direcionamento de funcionários públicos, seria uma questão
em aberto a definição da melhor alternativa institucional de composição da equipe, quando
se pensa a generalização da política do PRIH no contexto brasileiro.
Além disso, um dos aspectos fundamentais para a implementação do PRIH, a
instalação do Escritório Antena no próprio território, enfrentou enormes dificuldades por
questões burocráticas para a locação de um imóvel no Perímetro. Este problema, que pode
parecer irrisório, é um dos reflexos da dificuldade de empenho e incorporação do programa
por parte dos demais setores da Secretaria.
Essa questão pode ser observada também tanto na dificuldade de integração das
ações como de focalização dos programas dos diversos setores e secretarias municipais no
Perímetro.
Essas constatações reforçam a idéia de que esta forma de gestão e reabilitação
urbana, de um lado, não teve prioridade no âmbito das ações da Secretaria e, de outro, teve
grande dificuldade de ser apropriada pela gestão municipal.
Esta característica também pode ser observada na atuação dos técnicos dos diversos
setores da Prefeitura. A ampliação do foco dos seus trabalhos, assim como as iniciativas de
envolvimento da população proporcionada pela mobilização do Escritório Antena, foram
entendidas como elementos complicadores. Não foram raros os conflitos existentes na
construção desta nova relação entre técnicos e população ou na integração dos diferentes
tempos de implementação das ações das diversas secretarias. Contrapor essa histórica
forma de atuação setorial e burocratizada de parte dos funcionários públicos municipais foi
um dos freqüentes enfrentamentos do Escritório Antena.
A falta de peso político pode ser observada inclusive na própria Secretaria pela qual
o programa foi implementado. Numa gestão que incorporou a bandeira da habitação social
na área central e concretizou diversos empreendimentos, a falta de direcionamento de
recursos para a implementação concreta de empreendimentos habitacionais e a dificuldade
para a aplicação prática dos instrumentos (ZEIS 3) que estimulam e induzem a produção de
habitação social no Perímetro chama a atenção para essa fragilidade do Programa.
Com este quadro, o Escritório Antena acabou assumindo um papel – também
importante – de disputar recursos para o Programa PRIH dentro da própria Prefeitura.
Frente às reflexões colocadas acima, podemos indagar ainda as possíveis relações
entre a proposta dos PRIHs e as ZEIS 3 na cidade de São Paulo, assim como a possível
universalização dessa relação na cidade.
Constatando a proximidade de objetivos entre esses dois instrumentos de
desenvolvimento urbano, ante os questionamentos já colocados sobre a metodologia de
gestão urbana dos PRIHs, sua sustentabilidade enquanto um redesenho do papel do poder
público como promotor da mediação entre os diversos atores sociais no território e
gerenciador dos conflitos intrínsecos ao processo de gestão, é possível afirmar que a
complementação do instrumento urbanístico da ZEIS com a metodologia de gestão dos
PRIHs é, não apenas recomendável, como imprescindível.
Apesar da relevância desta experiência, é necessária a análise das reais possibilidades
de sua ampliação e generalização para investigar a construção desta nova forma de gestão
urbana como uma política efetiva.
Não se pode deixar de considerar que o PRIH Luz na cidade de São Paulo é uma
experiência pontual. Esta constatação, a princípio, já limita uma suposta avaliação do
PRIH como modelo de gestão urbana, pois enquanto pontual ainda não é possível ser
tratado como uma política efetiva. Por isso, as reflexões sobre os possíveis avanços ou
inovações que o Programa proporcionou devem ser relacionadas com a conjuntura mais
ampla e o ensaio de sua possível ampliação.
A ampliação da estrutura do PRIH para grande escala parte do pressuposto de uma
modificação do direcionamento dos recursos públicos relacionados à gestão urbana, que
incluiria a ampliação das equipes e a destinação dos investimentos públicos para as ZEIS,
que, por princípio, são as áreas que concentram a população mais carente da cidade.
Com base nessa experiência, pode-se investigar, com vistas à possibilidade de
ampliação de estrutura do PRIH, se o tempo de implementação é compatível com a sua
multiplicação para outros casos.
Antes de tudo, deve-se relativisar essas considerações, pois o Escritório Antena
empreendeu parte de seus esforços não apenas na consolidação do programa, mas também
na disputa para a ampliação de seu peso político na própria gestão. A análise desses
resultados poderia ter sido diferente caso o programa obtivesse outro peso político na
gestão municipal. Nesse sentido, o tempo de implementação do PRIH Luz dilatado pelas
articulações internas não permite a sua utilização como referência para reaplicabilidade da
experiência.
Assim, frente à histórica anulação da participação política da sociedade brasileira, o
longo tempo aparece como necessário para o amadurecimento e fortalecimento dos
espaços de participação. No entanto, a ausência de investimentos e intervenções concretas
no território conduziu a um acúmulo de desgastes tanto da população como dos técnicos
envolvidos. Com recursos necessários, os diagnósticos, planos e projetos poderiam ter sido
desenvolvidos de forma mais rápida e menos descontínua.
Além disso, essa primeira implementação não conseguiu reverter o padrão de relação
estabelecido pela população com o poder público, pautado freqüentemente por uma postura
clientelista. Nesse aspecto, o cuidado excessivo assumido pela equipe durante a
implementação dificultou uma maior institucionalização dessas relações e não conseguiu
impedir a reprodução de uma visão personalista de ambas as partes. De um lado, a
população assumia uma postura passiva de sempre esperar a iniciativa do poder público e,
de outro, a equipe freqüentemente tomava para si papeis que deveriam ser desempenhados
pela população.
Por outro lado, a batalha pelo direcionamento dos recursos públicos na ZEIS ou nos
PRIHs por parte do Escritório Antena e de toda sua mobilização social podem ser
considerados de grande importância para pautar a luta pela Reforma Urbana dentro do
poder público e na sociedade. Trata-se de um início de debate em torno da implementação
das ZEIS e dos novos marcos legais que buscam garantir o direito à cidade: Estatuto da
Cidade e Plano Diretor.
Nesse sentido, o início da segunda e única nova implementação do PRIH no bairro
do Glicério define como necessária a multiplicação dessa experiência, não apenas para
generalizá-la, mas como pressão política que impulsione transformações e a impeça o
PRIH de se tornar uma ferramenta de cooptação ou de simples diluição de conflitos.
Por fim, a busca por alternativas de gestão e planejamento urbano que respondam as
demandas de uma sociedade formada pela desigualdade e segregação sócio-espacial é de
extrema importância. É desta forma que experiências que dialogam com a idéia de
desenvolvimento local, como os Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat, podem
ser fecundas para o debate sobre a necessária democratização urbana de nossas cidades,
especialmente das áreas centrais.
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Gestão de Programas re Reabilitação Urbana. textos para curso. novembro 2000

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