A Luz Além da Visão - HS-OWL

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A Luz Além da Visão - HS-OWL
A Luz Além da Visão: Lighting Design de Lojas e sua
Influência na Saúde e Bem-estar das Funcionárias
The light beyond vision: retail stores lighting design and its influence on employee´s
health and well-being
Martau, Betina; Dra. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS
[email protected]
Resumo
A pesquisa buscou avaliar como o projeto de lighting design interfere na saúde e no bem-estar
de funcionárias de lojas de rua e de shopping centers em Porto Alegre. Para isto se
estabeleceram as relações entre aspectos visuais, biológicos e emocionais com as condições
de iluminação, utilizando uma metodologia que empregou instrumentos da psicologia e da
medicina. Os resultados apontam para grande insatisfação com o ambiente luminoso dos
pontos de venda, corroborando a hipótese de que ele está inadequado para atender aos
requisitos de saúde e bem-estar das trabalhadoras lojas e que as estratégias de lighting design
precisam ser revisadas.
Palavras Chave: lighting design; saúde; pontos de venda.
Abstract
This research evaluated how lighting design can influence on female employees’ health and
well-being in street and shopping mall retail stores in the city of Porto Alegre. Relations
between visual, biological and emotional aspects and the lighting conditions of the space
were established using research tools from Psychology and Biological sciences. The results
pointed to a great dissatisfaction with the lighting system of the stores. We could conclude
that the system is unsuitable to fulfill the health and well-being issues of female retail stores
employees and that it’s necessary to review the stores’ lighting design strategies.
Key words: lighting design; health; retail stores spaces.
A luz além da visão: lighting design de lojas e sua influencia na saúde e bem- estar das funcionárias
Introdução
O grande desafio dos últimos anos na área de lighting design foi definir de que
maneira a luz afeta a saúde, não mais apenas em aspectos relacionadas à visão, mas no que
diz respeito aos processos metabólicos, a partir da descoberta por David Berson em 2002 de
um terceiro tipo de fotorreceptor na retina, que era a conexão que faltava para compreender os
mecanismos dos efeitos biológicos controlados pela luz. O conhecimento sobre as relações
entre iluminação, homem e o Design pode ser sintetizado através de várias abordagens ao
tema. Em relação ao desempenho humano, há três rotas principais de análise: através do
sistema visual, do perceptivo e do circadiano. Os dois primeiros têm um conhecimento
consolidado que demonstra como iluminar para obter conforto visual e estimular a percepção.
No entanto, o conhecimento das relações entre iluminação e o chamado sistema circadiano
humano (ritmos diários de 24horas) ainda está incipiente. Compreender como a luz influencia
o corpo humano auxilia a descrever o impacto do lighting design nos usuários dos edifícios.
Uma população de especial interesse no estudo da relação entre qualidade da luz e condições
de saúde são os trabalhadores de shoppings centers, que estão sujeitos à iluminação artificial
em ambientes sem janelas durante o dia e muitas vezes trabalham até horários mais avançados
à noite.
Os ritmos circadianos podem ser regulados por uma variedade de indicadores
externos, mas a luz (ciclo claro/escuro) é a variável primária e mais importante na
sincronização (ou dessincronização) dos humanos aos ritmos diurnos ou noturnos
(GRONFIER et al., 2008). O ritmo de atividade e repouso, ritmo de temperatura corporal e
níveis hormonais (melatonina e cortisol), são exemplos de ritmos biológicos regulados pela
luz no corpo que podem ser medidos. Quando um indivíduo encontra-se num estado saudável,
todos os seus ritmos têm uma relação natural, e dizemos que ele está em fase (KAPLAN,
SADOCK e GREBB, 1997).
A melatonina é um hormônio de grande importância na investigação dos ritmos
biológicos humanos regulados pelo ciclo claro/escuro (KAPLAN, SADOCK e GREBB,
1997). A relação entre a inibição da melatonina e a luz é direta e a melatonina responde
apenas à iluminação. Seu ritmo (figura 1) é considerado um excelente marcador de fase do
relógio biológico endógeno (ARENDT, 2005), podendo ser também um excelente indicador
da qualidade da iluminação na saúde das funcionárias.
O cortisol é outro hormônio que faz parte do chamado eixo adrenal e demonstra um
ritmo circadiano claro (figura 1), com um pico em torno do despertar da pessoa (KUDIELKA
e KIRSCHBAUM, 2003). As concentrações plasmáticas do cortisol são mais altas no início
da manhã (por volta das seis horas) e seus valores são mais baixos ao final da tarde e à noite.
Como o cortisol é controlado pelo relógio biológico no núcleo supraquiasmático (NSQ), é
esperado que o ritmo e a concentração de cortisol sejam influenciados pela luz.
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Figura 1 Ritmo de melatonina e cortisol ao longo das 24h
O corpo também possui um ritmo endógeno de temperatura denominado ritmo de
temperatura corporal. Os hormônios cortisol (hormônio do estresse) e melatonina (hormônio
do sono) desempenham um importante papel na regulação do alerta e do sono, e existem
algumas relações de ritmo entre cortisol, melatonina e temperatura corporal (NOGUERA et
al, 2007, KRAUCHI e WIRZ-JUSTICE,2001).
Objetivos e Metodologia da Pesquisa
O objetivo geral da pesquisa foi avaliar como as condições de iluminação interferem
na saúde e no bem-estar de funcionárias de lojas de rua e de shopping centers em Porto
Alegre (relação dos aspectos visuais, biológicos e emocionais do projeto de lighting design).
Como objetivos específicos desejávamos caracterizar a relação entre as condições de
iluminação e variáveis emocionais como depressão, ansiedade e estresse; determinar se as
condições de iluminação diferenciadas interferem no ritmo biológico (condições de sono,
ritmo atividade/repouso e ritmo de temperatura corporal); determinar os níveis dos hormônios
melatonina e cortisol na saliva em função das diferentes condições de iluminação das lojas e
verificar a satisfação e preferências das funcionárias em relação aos sistemas de iluminação.
Foi utilizado o estudo transversal como estratégia de pesquisa.
Para tal foi selecionada uma amostra aleatória de trinta mulheres voluntárias, com
idade entre 18 e 65 anos, que exerciam atividades de prestadores de serviços em lojas a pelo
menos um ano neste local e turno e que não exerciam jornada dupla de trabalho. Dividiram-se
em três grupos de dez funcionárias de: (A) lojas de rua com presença de iluminação natural e
turno de trabalho diurno (8h às 18h), (B) lojas de shopping centers, sem presença de
iluminação natural e turno de trabalho diurno (10h às 18h), (C:) lojas de shopping centers sem
presença de iluminação natural e turno de trabalho em parte noturno (14h às 22h).
As condições de iluminação foram avaliadas através de levantamento fotográfico e do
registro de aspectos do ambiente físico e da iluminação. Foi medida a iluminância geral média
do espaço com luxímetro portátil. Todos os espaços tinham sistema de iluminação artificial
acionado durante todo o dia sendo a iluminação natural apenas complementar
quantitativamente. A visibilidade das tarefas visuais foi avaliada por um teste padrão a
distâncias pré-estabelecidas. Reflexos indesejados foram avaliados percorrendo-se o espaço e
colocando uma superfície reflexiva em diferentes posições.
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Para avaliar a satisfação das funcionárias com a iluminação da loja, foi aplicado um
questionário, elaborado a partir de outros instrumentos de avaliação em pesquisas de
qualidade, como os estudos de BEAN e BELL (1992), BOYCE e EKLUND (1995) e
VEITCH e NEWSHAM (1995), bem como adaptações de parte do roteiro proposto pela
Commission Internationale de l’Éclairage (COMMISSION INTERNATIONALE DE
L´ÉCLAIRAGE, 1986 e 1972), com ajustes em função do tipo de tarefa visual existente em
espaços comerciais.
Para avaliar os aspectos emocionais (depressão, ansiedade e estresse) foram utilizadas
as chamadas escalas psicométricas, validadas para o português do Brasil. São elas: Self
Reporting Questionnaire - SRQ-20 (transtorno psiquiátrico) (MARI e WILLIAMS, 1986),
Escala de Montgomery-Äsberg (DRACTU, RIBEIRO e CAL. 1987), Escala de Depressão de
Beck (GORENSTEIN et al., 1999.), Escala de Depressão de Hamilton (HAMILTON,1967),
Inventário de ansiedade traço-estado – Idate (ansiedade) (SPIELBERGER, 1983) e Inventário
de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISS LIPP) (LIPP e GUEVARA, 1994), para
avaliar o estresse. Para avaliar a qualidade do sono foi utilizado o questionário Pittsburgh
Sleep Quality Index – PSQI (BUYSSE ET AL., 1999) e a escala de Epworth (JOHNS, 1991)
para avaliar a sonolência diurna.
A temperatura corporal e o ritmo de atividade e repouso foram aferidos de forma
contínua, durante cinco dias, por meio do termístor (IBUTTON, 2008), utilizado junto com o
actígrafo (MINI MITTER, 2007) com um luxímetro acoplado, sempre incluindo um final de
semana. Através do actígrafo também foi possível analisar os padrões de Iluminancia em 24h
de cada funcionária (Figuras 2,3 e 4).
Figura 2 Colocação do
actígrafo no pulso da mão
não dominante.
Figura 3 Colocação do
termístor na parte interna do
pulso da mão não dominante.
Figura 4 Fixação do termístor
na parte interna do pulso da
mão não dominante com fita
cor da pele.
Os níveis dos hormônios melatonina e cortisol foram analisados na saliva coletada em
três horários (12h, 18h e 24h) pela própria funcionária que cuspia diretamente num frasco
coletor, após seguir as orientações de restrições alimentares antes da coleta. Após as coletas, a
saliva foi congelada e posteriormente encaminhada para dosagem com kits comerciais.
Os dados foram organizados em banco utilizando-se o software Excel (Microsoft),
Statistical Package for the Social Science (SPSS) para Windows, versão 13.0.
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Resultados e discussão
A tabela abaixo sintetiza as principais variáveis analisadas em relação às condições de
iluminação dos pontos de venda avaliados. É importante destacar que as lojas de shoppings
centers caracterizaram-se por maior quantidade de luz nos espaços e que a maior parte das
lojas em todos os grupos eram iluminadas por fluorescentes compactas.
Tabela 1 Síntese das principais condições de iluminação avaliadas - S (média) SD (desvio padrão)
Condições de
iluminação
Iluminância geral
média(lux)
Tempo de exposição
acima da iluminância
de referência
(min./dia>1000lux)
Fator claro/escuro
A – Rua
Manhã/tarde
B – Shopping center
Manhã/tarde
C - Shopping center
Tarde/noite
340 lux MENOR
22,2% Consideraram que o
sistema de iluminação causava
desconforto visual/ofuscamento
11,1% gostariam de reduzir a
iluminância no local de trabalho
68,98 min./dia
MAIOR
428 lux
20,0% Consideraram que o sistema
de iluminação causava desconforto
visual/ofuscamento
50% gostariam de reduzir a
iluminância no local de trabalho
66,38 min./dia
666 lux MAIOR
60,0% Consideraram que o
sistema de iluminação causava
desconforto visual/ofuscamento
60% gostariam de reduzir a
iluminância no local de trabalho
62,16 min./dia
MENOR
S=2,40 e S_D= 0,51
MAIOR
S=2,26 e S_D=0,81
30% Reflexões especulares
10% Sombras
20% Ofuscamento pelas fontes de
luz artificial
Sem problemas de visibilidade/
Teste Snelling
S=1,52 e S_D 0,52
MENOR
Diferença significativa em relação
aos outros grupos encontrada
(F=5,597 e p= 0,009).
40% Reflexões especulares
30% Sombras
60% Ofuscamento pelas fontes de
luz artificial
Sem problemas de visibilidade/
Teste Snelling
Nota media 7 para leitura e
visibilidade das tarefas diárias
Insatisfação (S<4)
90% Sentem-se mal porque não
podem olhar o exterior
Nota media 7 para leitura e
visibilidade das tarefas diárias
Insatisfação (S<4)
80% Sentem-se mal porque não
podem olhar o exterior
Branca 60% n=10
Está de acordo com a preferência
88,9% preferem branca
Morna 40% n=10
Não está de acordo com a
preferência
70% preferem branca
Branca e morna
50% cada
Não está de acordo com a
preferência 80% preferem branca
Em 80% das lojas é possivel
55,6% gostariam de modificar o
sistema de iluminação ao longo
do dia de trabalho.
Em 28,5% das lojas é possivel
70% gostariam de modificar o
sistema de iluminação ao longo do
dia de trabalho
Fluorescente compacta
Em 25%
Da lojas é possível
70% gostariam de modificar o
sistema de iluminação ao longo do
dia de trabalho
Fluorescente compacta
Insatisfação
S=5,71 S_D=1,13 n=9
Insatisfação
S=5,63 S_D=1,57 n=10
20% Reflexões especulares
Problemas de conforto
20% Sombras
visual
30% Ofuscamento pelas fontes de
Visibilidade da tarefa
Possibilidade de
contato visual com
exterior
Aparência de cor da
iluminação existente e
preferência das
funcionárias
Possibilidade de
controlar o sistema de
iluminação
Lâmpada
predominnate
Satisfação com a
iluminação da loja
considerando todos os
fatores avaliados
Satisfação>7
Insatisfação < 7
luz artificial
Sem problemas de visibilidade/
Teste Snelling
Insatisfação – Nota média 6 para
leitura e visibilidade das tarefas
diárias
Satisfação (S=7)
20% Sentem-se mal porque não
podem olhar o exterior
Fluorescente compacta
Insatisfação
MAIOR
S=4,20 S_D=3,01 n=10
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Os resultados apontaram para maior insatisfação com a iluminação no ambiente de
trabalho na categoria shopping centers (grupos B e C) onde esta era, de um modo geral, 20%
superior ao grupo A. A insatisfação com ausência de contato visual com o exterior apareceu
correlacionada inversamente com a depressão (Beck) no grupo C. O estudo nas lojas
demonstrou que as pessoas mais satisfeitas com o seu sistema de iluminação (independente do
tipo de iluminação a que estão submetidas) são as que apresentam maior fator claro e escuro e
maior satisfação com a possibilidade de contato visual com o exterior, e estas se encontravam
no grupo A. Nas lojas de rua (A), quanto maior a satisfação com a possibilidade de contato
visual com o exterior, menores os escores de depressão.
A quantidade de luz relacionada à visibilidade não foi um problema significativo em
nenhum dos grupos analisados, apesar de, no grupo A, a iluminação para tarefas rotineiras ter
recebido as menores notas entre os grupos - abaixo de cinco. A avaliação do desempenho
visual e da visibilidade das tarefas feita através da apresentação da cartela para leitura não
registrou funcionárias com problemas nesse aspecto. Considerando-se que nas lojas do grupo
foram encontradas as iluminâncias mais baixas e os maiores escores de sonolência diurna, a
quantidade de iluminação deve ser revista neste grupo.
A descoberta mais consistente e de maior impacto sobre a atual prática de iluminação
em pontos de venda em shopping centers é a correlação inversa encontrada entre a
iluminância geral média da loja e a satisfação com a iluminação, bem como a correlação
positiva dessa variável com escores de possibilidade de transtorno mental e depressão, no
grupo B e com os indicadores biológicos (acrofase de temperatura e melatonina 24h) no grupo
C. Os grupos das lojas de shopping centers, como citado anteriormente, apresentaram maior
iluminância na loja, com predominância de palavras assinaladas descrevendo a iluminação
como “clara e ofuscante” pelas funcionárias, o que demonstrou maior necessidade de
modificar a quantidade da iluminação na loja, sendo que a principal mudança desejada era a
redução da iluminação durante o dia. Esses resultados apontam para o excesso de iluminação
para a funcionária, que pode estar relacionado à maior estresse, ansiedade e tendência a perda
de ritmo de cortisol no grupo B e, no grupo C, a maiores escores de possibilidade de
transtorno mental, depressão e pior qualidade de sono, bem como a alterações do nível de
melatonina 12h, com possível atraso de fase na produção desse hormônio.
Com relação ao ritmo de melatonina especificamente (figura 5), o grupo das
funcionárias de lojas de rua (A) apresenta uma condição próxima da situação ideal, ou seja, há
uma diferença maior entre níveis diurnos e noturnos, sendo a melatonina às 24h
significativamente superior aos demais horários entre os três grupos. O grupo B já apresenta
uma supressão de melatonina maior entre as 18h e 24h do que na situação das lojas com
contato com o exterior, o que pode ser influência das iluminâncias gerais médias mais
elevadas encontradas nas lojas da categoria shopping centers. O grupo C apresentou
resultados de níveis de melatonina mais elevados às 12h do que no horário das 24h, com uma
queda significativa (grande supressão) a partir das 12h até as 18h (período que coincide com a
entrada no ambiente de trabalho com alta iluminância geral média). À noite, não conseguem
elevar o nível de melatonina como esperado, provavelmente porque ficam expostas a altas
iluminâncias até mais tarde em relação aos demais grupos, o que, fisiologicamente pode
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indicar problemas com o sono (conforme apresentado, os escores de qualidade do sono
avaliados pela escala PSQI são mais elevados neste grupo dos que nos demais).
Figura 5 Níveis de melatonina salivar pg/ml) às 12,18 e 24 h, por grupo
Resultados sugerem que estes indivíduos sofrem alteração no ritmo da melatonina,
com um provável atraso de fase (seu pico deveria ocorrer entre 3h e 4h e baixar
significativamente entre 8h e 9 h), pois, pelo nível encontrado às 12h e as relações com o
ritmo de temperatura de pele, o pico deve ocorrer mais tarde do que nos demais grupos. A
observação do comportamento da produção de melatonina neste grupo reflete diretamente a
influência do padrão de iluminação do ambiente de trabalho da loja. Esses dados, associados à
insatisfação com a iluminância geral média da loja, em que as funcionárias apontam a
necessidade de reduzir a iluminação durante o dia, corrobora a hipótese de que o ambiente
luminoso está inadequado para atender aos requisitos de saúde e bem-estar dos trabalhadores
destes pontos de venda.
Com relação ao cortisol, os resultados encontrados na dosagem salivar (12h, 18h e
24h) indicam uma alteração (tendência à perda) de ritmo no grupo B, no qual se verifica a
pequena variação entre os níveis dos três horários, quando então quase não se percebe mais o
ritmo circadiano claro, com um pico em torno do despertar da pessoa, conforme demonstra a
figura 6.
Figura 6 Níveis de cortisol salivar (nmol/l) às 12, 18 e 24h, por grupo.
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Em todas as escalas aplicadas, os resultados apontaram a média de escores mais
elevados para os sintomas de possibilidade de transtorno psiquiátrico, depressão e ansiedade
nos grupos B e C em relação ao grupo A (figura 7). Os valores absolutos mais elevados em
todas as variáveis analisadas demonstram que os sintomas mais graves de possibilidade de
alterações de saúde encontradas foram também nos grupos B e C, e que o fator ambiental,
entre eles a iluminação, pode estar contribuindo para esses resultados, o que faz necessária
uma análise mais profunda dessas relações.
Condições emocionais
Possibilidade de
transtorno
psiquiátrico
A –Rua
Manhã/tarde
B – Shopping center
Manhã/tarde
C – Shopping center
Tarde/noite
SRQ MENOR
Sem distúrbios
Sem distúrbios
SRQ MAIOR
Distúrbios identificados
Depressão
Hamilton MENOR
40% Distúrbios
Montgomery MENOR
Beck MENOR
Hamilton
50% Distúrbios
Beck MAIOR
Ansiedade
MENOR
MAIOR
MENOR
40% estressadas
MAIOR
60% estressadas
Estresse
Hamilton MAIOR
40% Distúrbios
Montgomery MAIOR
50% estressadas
Figura 7 Síntese das condições emocionais avaliadas pelas escalas, por grupo.
Uma vez que a regulação dos ritmos circadianos depende do horário e da duração da
exposição à luz, os trabalhadores do grupo C parecem ser mais influenciados pela luz do
ambiente de trabalho, talvez por estarem expostos a iluminâncias altas até um horário mais
adiantado que os demais grupos. O grupo C foi o que se diferenciou no fator claro/escuro
(padrão de iluminação), no ritmo de atividade, no mesor do ritmo de temperatura da pele e no
comportamento da acrofase do ritmo de atividade e de temperatura corporal. Este último
aspecto está diretamente relacionado ao mecanismo da melatonina, que apareceu alterado
nesse grupo.
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Condições de saúde
bem-estar
A - Rua
Manhã/tarde
B - Shopping center
Manhã/tarde
PSQI S=5,50 (S_D=3,8)
MENOR S=4,60
Qualidade do sono PSQI (S_D=2,31)
Epworth S=8,80 (S_D=3,67)
(PSQI) e Sonolência
Epworth MAIOR
diurna (Epworth)
S=10,20 (S_D=2,82)
Ritmo de
atividade/repouso
Ritmo de temperatura
corporal
Ritmo do hormônio
melatonina
Ritmo do hormônio
cortisol
C - Shopping center
Tarde/noite
PSQI MAIOR
S= 5,70 (S_D=3,74)
Epworth MENOR S=6,88 (S_D=3,14)
Maior amplitude e variância no ritmo de atividade e
repouso em relaçãoaso grupos A e B (F=4,81; P=
0,016)
Diferença na acrofase do ritmo comparado aos
grupos A e B
Diferença no mesor da temperature comparado com
o grupo de lojas de rua (A) (f= 4,091 e p= 0,032,
n=22). Sem diferença em relação ao grupo B.
Diferença na acrofase da temperature comparada aos
grupos A e B
Níveis normais – mais Níveis próximos a normalidade Níveis não estão normais – Muito baixos as 24hs e
elevados as 24hs
– DEVERIAM SER MAIS
muito altos as 12hs
Ritmo normal
ELEVADOS AS 24HS.
Ritmo alterado – pode haver uma atraso de fase
Ritmo normal
Níveis muito baixos em todos os
Níveis normais
horários.
Níveis mais elevados que o normal em todos os
Ritmo normal
Ritmos alterados – possível
horários – Ritmo normal
perda de ritmo
Figura 8 Síntese da qualidade de sono e ritmos circadianos avaliados, por grupo.
A figura 8 acima sintetiza os resultados das condições de saúde e bem-estar (ritmos)
avaliados e esses dados, associados à insatisfação com a iluminância geral média da loja no
grupo C, em que as funcionárias apontam a necessidade de reduzir a iluminação durante o dia,
corrobora a hipótese de que o ambiente luminoso está inadequado para atender aos requisitos
de saúde e bem-estar dos trabalhadores desses locais principalmente.
Considerando que no Grupo C houve alteração importante no ritmo da melatonina e
diferenças em relação aos outros grupos em outros aspectos biológicos (ritmo e temperatura)
este resultado estabelece um mecanismo entre estas variáveis (apesar de não explicado em
termos de causa e efeito) e as condições da iluminação (alta iluminância da loja). Isto sugere
que a iluminação pode estar influenciando a saúde e bem-estar de forma negativa neste grupo,
o que leva a pensar sobre as normas da IESNA, que estabelecem para o padrão de lojas
sofisticadas iluminâncias altas (750 lux), sugerindo que seja revista. Este dado é relevante,
pois permite responder aos objetivos específicos de determinar se a iluminação interferia nos
ritmos biológicos e nos ritmos de melatonina de forma a alterar a condição destas variáveis
em relação ao grupo rua, considerado a situação ideal entre os grupos por possuir contato com
o exterior e luz natural.
De qualquer modo, os resultados indicam que apenas o ambiente luminoso do local de
trabalho, apesar de influenciar, não deve ser estudado isoladamente, pois as iluminâncias no
local de trabalho não podem sozinhas explicar as variações na fase circadiana. A iluminação
no ambiente de trabalho certamente influencia os efeitos circadianos, mas precisa ser
interpretada no contexto do padrão luminoso completo 24h do indivíduo.
Uma questão importante para discussão, levantada nesta pesquisa foi a metodologia
aplicada, que testou as variáveis para avaliar a qualidade da iluminação focada nas
necessidades humanas (visualmente, biologicamente e emocionalmente), bem como os
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instrumentos trazidos das áreas da Psicologia e Medicina. Considerou-se que a metodologia
foi apropriada, pois os resultados foram convergentes e coerentes entre os diversos
instrumentos utilizados, porém, mostrou-se demasiadamente complexa e longa para as
funcionárias.
Conclusões
A pesquisa em iluminação agora se aproxima do ser humano que usa os interiores
iluminados, ao passarmos de um modelo baseado apenas em requisitos relacionados à visão
para um modelo integrado e mais complexo de qualidade de iluminação. Classificada por
Veitch (2004) como uma revolução que se inicia na compreensão da importância da
iluminação à medida que se aceita e entende a luz não como um fim em si mesmo, mas como
um meio de causar percepções e modificações do comportamento dos usuários exige também
novas formas de abordagem metodológica para a pesquisa.
Ao se projetar edifícios e sua iluminação, a ênfase normalmente é dada aos custos de
instalação e manutenção dos sistemas. Porém, pessoas reais estarão trabalhando nesses
edifícios, com condicionantes visuais, emocionais e fisiológicos que devem ser considerados
para que elas se mantenham em perfeita saúde e bem-estar. Compreender o papel da
iluminação artificial e sua relação com os processos biológicos é fundamental para que seja
possível definir essas diretrizes de projeto mais “humanas”. Isto significa que é preciso
estudar como iluminar as atividades humanas correlacionadas com as respostas do corpo e da
mente, e não mais apenas com questões visuais, estéticas ou energéticas. As soluções
tecnológicas dos sistemas de iluminação continuarão a ser importantes, mas será preciso
aprender a reorganizar as diretrizes de projeto de modo que a fisiologia humana não seja
afetada negativamente pelo ambiente luminoso e que, o ambiente visual permita e estimule
melhores condições de saúde e bem-estar às pessoas.
Agradecimentos
Esta pesquisa é resultado da Tese de Doutorado da autora, desenvolvida na Faculdade
de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas sob
orientação do Professor Dr.Paulo Sérgio Scarazzato. Contou com a colaboração do grupo de
Cronobiologia Humana do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, com consultoria da Dra.
Maria Paz Hidalgo e Iraci Torres. A bióloga Dra. Clarice Luz, prestou consultoria na
interpretação dos exames hormonais.
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