Biossegurança - Centro de Ciência da Saúde

Transcrição

Biossegurança - Centro de Ciência da Saúde
Edição número 57 • julho de 2005
BIOSSEGURANÇA
A importância do controle dos riscos
págs. 6 a 8
Cidades Turísticas em Goiás adotam Boas Práticas para alimentos . pág.3
Obra reúne formulações farmacêuticas oficiais. pág.9
boletim informativo
editorial
notas
Entre os assuntos que vêm ganhando a atenção dos meios
de comunicação, nos últimos tempos, está a biossegurança. A
ameaça de vírus e bactérias perigosos e letais disseminados em
meio à população é real e não está mais restrita a um ou outro
país. Os exemplos do interesse por esse tema são latentes na
produção cinematográfica e na cobertura cada vez maior que
a imprensa tem lhe devotado. Quase sempre o quadro desenhado é de catástrofe. Prova disso pode ser colhida atualmente
no que se refere à gripe aviária, que vem sendo encarada como
uma nova ameaça mundial em torno da qual os especialistas
divergem apenas em relação a quantos milhões de pessoas
serão vítimas da doença.
Poucas vezes é levado em conta o risco biológico que está
presente nas atividades rotineiras desenvolvidas em alguns ambientes. O descarte incorreto de uma simples seringa pode ser
o ponto de partida para a contaminação de centenas de pessoas.
Assim como aparelhos de Raio-X instalados ou mantidos de
maneira inadequada podem trazer riscos para os profissionais
que os operam. É sobre esse tema que trata a matéria principal deste boletim: a biossegurança não é uma preocupação
distante, restrita a superlaboratórios que lidam com organismos
perigosos; tão pouco, argumento de filmes de ficção.
O conhecimento sobre biossegurança deveria estar associado aos interesses daqueles que lidam com os serviços de
saúde. Os trabalhadores da área voltam para suas casas todos
os dias, passeiam, viajam e têm uma vida como qualquer outra
pessoa. Durante a jornada de trabalho estão expostos a um
risco invisível e, por vezes, desconhecido, que podem carregar
para outros ambientes.
Na área de atuação da Agência, o tema é tratado a partir
do estabelecimento de regras e fiscalização para que os riscos
sejam minimizados, tendo como preocupação maior a proteção
da saúde de profissionais e da população. É um trabalho que por
si só encerra um desafio: acompanhar a evolução tecnológica
sem descuidar da preservação da vida.
Cooperação
A Anvisa e a Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica (ANMAT),
agências sanitárias do Brasil e da Argentina, reuniram-se em Buenos Aires, no dia 23 de agosto, para
iniciar os entendimentos sobre um programa de
trabalho conjunto. Entre os assuntos mencionados,
destacam-se estudos de bioequivalência, Boas Práticas
de Fabricação de medicamentos e simplificação de
procedimentos de controle sanitário para a área de
cosméticos.
Ouvidoria
A página reservada à Ouvidoria da Anvisa
na rede mundial de computadores ganhou mais
uma forma de acesso: o endereço eletrônico
www.anvisa.gov.br/ouvidoria. A inovação permite que
o público memorize o endereço com maior facilidade, por ser mais simples que o caminho tradicional,
www.anvisa.gov.br/institucional/ouvidoria/index.htm,
que continuará ativo.
cartas
Integração
Uma vastíssima gama de informações, entrevistas, matérias esclarecedoras, exortam-nos
a parabenizar a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária por este trabalho dinâmico, competente,
integrador, fiscalizatório e esclarecedor, onde são
encontrados elementos plausíveis de compromisso
sólido com os direitos inalienáveis humanos.
Najla Maria Gurgel, Presidente do Conselho Regional
de Enfermagem do Ceará - CE
expediente
Edição: Beth Nardelli, registro 500/04/43 DRT/DF
Subedição: Vanessa Amaral
Textos: Carlos Augusto Souza, Luíza Troina, Shirley Medeiros, Vanessa Amaral, Vanessa Bernardes
Revisão: Beth Nardelli
Projeto e Design Gráfico: Georgia Leivas e João Carlos Machado
Editoração: Renato Berlim
Capa: João Carlos Machado
Colaboração: Almir Wanzeller
Apoio: Janaína Gonçalves
Impressão: Gráfica Ellite
Tiragem: 60 mil exemplares
Endereço: SEPN Quadra 515, Bloco B, Ed. Ômega Brasília-DF CEP 70770-502
Telefones: (61) 3448-1022 ou 3448-1301/ Fax: (61) 3448-1252
E-mail: [email protected]
ISSN: 1518-6377
www.anvisa.gov.br
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Diretoria Colegiada - DICOL
Diretor-Presidente
DIRCEU RAPOSO DE MELLO
Diretor
CLÁUDIO MAIEROVITCH P. HENRIQUES
Diretor
FRANKLIN RUBINSTEIN
Diretor
VICTOR HUGO COSTA TRAVASSOS DA ROSA
Anvisa Boletim Informativo é uma publicação mensal da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - Ministério da Saúde.
boletim informativo
QUALIDADE DE ALIMENTOS
Projeto sensibiliza empresários e orienta manipuladores
Uma visita a cidades turísticas
desperta a vontade de apreciar a
culinária regional. Há quem sonhe
com o empadão goiano, o pão de
queijo de Minas, o vatapá baiano, o
pato no tucupi do Pará, o camarão
do litoral catarinense. Entretanto, se
as condições de higiene do local onde
se armazena e prepara o alimento não
são satisfatórias e os procedimentos
de manipulação se mostrem inadequados, o sonho pode se transformar
em pesadelo.
Em Goiás, a Superintendência de
Vigilância Sanitária e Ambiental (Svisa)
percebeu que era preciso se dedicar
mais à alimentação. Reclamações vindas de pólos turísticos, referentes a
doenças de origem alimentar, levaram
equipes da Svisa a fazer inspeções de
rotina nesses municípios. O diagnóstico apontou que os estabelecimentos
inspecionados não aplicavam as Boas
Práticas de Fabricação (BPF) em seus
processos produtivos, constituindose, assim, em potencial risco à saúde
dos consumidores.
Para reverter isso, a partir da
sensibilização dos proprietários de
restaurantes sobre a importância de se
ter uma alimentação segura, serviços
de qualidade e hábitos de vida saudáveis, a Vigilância idealizou o Projeto
de Implantação de Boas Práticas em
Divulgação
Restaurantes Comerciais e Industriais
das Cidades Turísticas. Uma ação realizada em parceria com a Superintendência de Políticas de Atenção Integral
à Saúde, Agência Goiana de Turismo e
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae).
Passo a passo
O projeto reúne, inicialmente,
autoridades políticas, empresariais e os
donos de restaurantes, bares, lanchonetes. É o momento de demonstrar
a importância das Boas Práticas para
garantir a qualidade do produto oferecido ao consumidor.
A etapa seguinte é a mais prática. São treinadas as pessoas que
trabalham direta e indiretamente no
preparo das refeições, divididas em
duas equipes. A primeira, de responsáveis técnicos, recebe 30 horas
de capacitação; a outra, composta
por chefes de cozinha, cozinheiros,
auxiliares de cozinha, quitandeiro,
padeiros, balconistas, almoxarifes,
responsáveis pela compra de alimentos, freqüenta 16 horas de curso. Para
a coordenadora do projeto, Maria
Luiza Ferreira de Medeiros, da Svisa,
é fundamental o conhecimento das
BPF por quem trabalha diretamente
com a manipulação: “Além de garantir
a qualidade, o correto procedimento
mantém as características nutricionais
dos alimentos”.
As cidades selecionadas foram as
que já têm o turismo consolidado:
Caldas Novas, Pirenópolis, Alto Paraíso – distrito de São Jorge; Cidade de
Goiás, Aragarças e Aruanã. A superintendente da Vigilância Sanitária e Ambiental de Goiás, Maria Cecília Martins
Brito, diz que o projeto tem em sua
essência o objetivo de valorizar ainda
mais esses municípios, que todos os
anos recebem milhares de turistas.
Para iniciar o projeto, foi escolhido
o maior complexo hidrotermal do
mundo: Caldas Novas. Em outubro
de 2004 começaram os cursos, que
capacitaram 350 pessoas. No início, a
reação dos treinandos foi de desconfiança. “Quando chegamos, as pessoas
achavam que íamos passar receitas de
culinária. Diziam que o empadão era
tradicional, explicavam que a pamonha
era feita do mesmo jeito há anos...”,
conta Maria Luiza.
Depois de conhecer o projeto, o
grupo se mostrou participativo e surpreendeu. Houve uma enriquecedora
troca de informações. “Os trabalhadores contaram como era a manipulação dos alimentos, o processo de
congelamento, levantaram dúvidas
que foram respondidas na hora pelos
instrutores. Foi bastante produtivo”,
diz a coordenadora.
Em Pirenópolis, cidade histórica
que atrai turistas pelo casario colonial e
cachoeiras, a presidente da associação
comercial, Maria Rosa de Marchi, assistiu à palestra dirigida a autoridades e
empresários. Sanitarista e proprietária
de pousada, ela defende um trabalho
constante de sensibilização de quem
lida com alimentos, desenvolvido em
parceria com as secretarias municipais
de Saúde. “O uso da luva é capaz de
impedir a transmissão de bactérias,
mas se o trabalhador não se conscientizar da importância do uso, não
adianta a luva estar ali, à disposição”,
argumenta. E vai além: “As autoridades
precisam se envolver no projeto. Um
estabelecimento que fornece refeição
deve ser inspecionado sempre. E antes
de obter o alvará de funcionamento, precisaria do alvará da vigilância
sanitária”, diz.
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boletim informativo
ENTREVISTA
Humberto Marques Tibúrcio
Divulgação
Resíduos:
gerenciar melhor
para tratar melhor
Humberto: “Educação deve
alcançar gestão do risco”
A Biossegurança, relacionada à filosofia do
trabalho e à conscientização ambiental, não
exclui a questão da manipulação e destino dos
resíduos gerados em nosso dia-a-dia. No caso
dos resíduos provenientes de hospitais, clínicas
e postos de saúde – os resíduos de serviços de
saúde – faltava harmonizar a legislação nacional.
Isso aconteceu com a publicação da Resolução 306 da Anvisa, em dezembro de 2004, e
da Resolução 358 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama), em maio deste
ano. A classificação dos resíduos de acordo
com o risco de manejo de cada um passou, então,
a ser única na área ambiental e da saúde.
O farmacêutico Humberto Marques Tibúrcio,
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presidente do Sindicato dos Laboratórios de
Patologia Clínica, Pesquisa e Análises Clínicas de
Minas Gerais e membro da Comissão Técnica do
Meio Ambiente (Cotema), participou ativamente
da elaboração das duas resoluções. Especializado
em Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de
Saúde, afirma que o investimento em educação
ambiental e sanitária é fundamental para a melhoria das condições de trabalho no Brasil.
Nesta entrevista, aborda a importância dos
planos de gerenciamento para o encaminhamento seguro dos resíduos, explica a diferença entre
reciclagem e reutilização e enfatiza a necessidade
de contínua capacitação de profissionais que trabalham com resíduos de serviços de saúde.
boletim informativo
Descartados de forma incorreta
no ambiente, esses resíduos podem
provocar alterações no solo, na água
e no ar, e causar danos a diversas formas de vida. Os resíduos de cultura
de microrganismos, por exemplo,
não podem deixar o estabelecimento
de saúde sem a redução da carga
microbiana. Os resíduos químicos
citostáticos, cancerígenos ou oxidantes
também exigem cuidados específicos.
Os resíduos perfurocortantes (como
agulhas, bisturis e ampolas), por sua
vez, não podem ser dispostos no meio
ambiente sem contenção que garanta
a permanência deles dentro da embalagem, pois representam risco permanente de perfurar e cortar as pessoas.
BI – Qual a importância da
elaboração de um plano de
gerenciamento desses resíduos,
determinado pela RDC 306 da
Anvisa e pela resolução 358 do
Conama?
O Plano de Gerenciamento dos Resíduos dos Serviços de Saúde (PGRSS)
é um documento operacional no qual
o estabelecimento de serviço de saúde
descreve as ações para a eliminação
dos resíduos e propõe aquelas que
conduzam à redução dos resíduos e
ao gerenciamento dos resíduos remanescentes. O PGRSS precisa guardar
estreita relação com as práticas do estabelecimento, de maneira que reflita o
que nele ocorra. Inclui procedimentos,
documentos e registros que garantem
o gerenciamento do sistema da qualidade e o encaminhamento seguro dos
resíduos gerados. O PGRSS é, ainda,
um documento estratégico, por meio
do qual o estabelecimento de serviço
de saúde pode promover a educação
inicial e permanente dos que com
ele trabalham. Em caso de dúvida, o
PGRSS é a fonte primária para consulta dos profissionais de saúde, com
orientações valiosas para situações de
risco a que possam estar expostos.
Estagiários ou residentes, treinados
com o PGRSS, certamente exercerão
com mais acuidade suas tarefas.
BI – Poderia enumerar os principais riscos a que estão submetidos os profissionais que
manuseiam resíduos de serviços
de saúde?
Os riscos do comprometimento da
saúde individual ou coletiva, humana
ou animal, são diferentes para os diferentes microrganismos existentes, da
mesma maneira que existem substâncias que são explosivas e outras que são
“
Resíduos
descartados
incorretamente
no ambiente
podem causar
danos a diversas
formas de vida
“
BI - Quais são as conseqüências
do descarte inadequado dos
resíduos de serviços de saúde
no meio-ambiente?
carcinogênicas, e algumas que podem
ter dois ou mais riscos acumulados. Os
resíduos dos serviços de saúde estão
classificados nas resoluções 306 da
Anvisa e 358 do Conama em função do
risco que oferecem: o risco de conter
certos agentes microbianos em certas
quantidades e sob certas condições
de contenção; os riscos oferecidos
pelas substâncias; os riscos de perfurar,
cortar, dilacerar; o risco radiológico; e
também aqueles similares aos riscos
dos resíduos domiciliares. O PGRSS
descreverá as medidas necessárias
para eliminar o risco ou para minimizar e controlar o risco remanescente.
A capacitação da pessoa que elabora
e implanta o PGRSS e a educação
continuada são fundamentais e devem
alcançar a gestão operacional do risco,
pois resíduos de serviços de saúde,
segurança em saúde e risco em saúde
são, em muitos momentos, indissolúveis, complementares ou contíguos.
BI - A reciclagem deveria ser
mais utilizada nos estabelecimentos de saúde?
A reciclagem dos resíduos deve
ser mais utilizada por todos os estabelecimentos, mas deve obedecer
as orientações da RDC 306. No que
concerne aos serviços de saúde, é
necessário compreender que reciclar
não é o mesmo que reutilizar. Quando,
por exemplo, um laboratório implanta
um programa para a reciclagem das
seringas empregadas na coleta ou na
aplicação de medicamentos, não se
pode esperar que este programa se
destine ao uso destas seringas em seus
pacientes. As seringas serão vendidas ou
doadas para fins de reciclar o plástico
e produzir, com ele, outro material,
que pode até ser uma seringa, mas não
obrigatoriamente.
BI - É possível desenvolver a
percepção da Biossegurança
mesmo entre as pessoas que não
trabalham na área da saúde?
O investimento institucional,
empresarial ou pessoal em educação
ambiental e sanitária é seguramente
o caminho mais eficaz para a melhoria
das condições gerais de trabalho na
saúde ou em qualquer outra atividade,
e uma oportunidade para a melhoria
da vida pessoal. A percepção da
segurança é como a percepção de
um guarda-chuva: se ele for grande
o suficiente, poderá impedir que a
cabeça e os pés se molhem numa
chuva, se for intermediário, deixará
que os pés e as pernas se molhem, e
se for pequeno o suficiente, poderá ir
embora numa chuva um pouco mais
forte. A Biossegurança, entendida
como a segurança para a vida e não
como a segurança biológica, certamente
alcança com pouco mais de força os
que trabalham nos estabelecimentos
de serviços de saúde, mas não deixa
imunes aqueles que trabalham em
outros setores.
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boletim informativo
PERIGO INVISÍVEL
Especialistas discutem biossegurança em saúde
Uma pessoa à procura de materiais que possam valer algum
dinheiro revira sacolas e caixas em um lixão. De repente, um descuido. O catador se fere com uma seringa utilizada e abandonada
no meio do lixo.
Fim de expediente para um profissional de um laboratório que
lida com o bacilo da tuberculose. Ele encerra as atividades sem
perceber que sua máscara de proteção estava mal colocada. Três
semanas depois, o filho de sua empregada é diagnosticado com
tuberculose.
Hong Kong, China. Um hóspede com sintomas de gripe permanece em um hotel por dois dias. Semanas depois, pessoas com
a Síndrome Aguda Respiratória (Sars) são identificadas em cinco
países, incluindo Canadá e Estados Unidos. A investigação mostra
que os casos estavam relacionados ao paciente do hotel.
As situações acima dizem respeito a um conceito cada vez mais
importante nos dias atuais: a biossegurança. Essa palavra resume um
problema do tamanho do mundo, que envolve desde o controle de
uma ameaça séria como a gripe do frango até o simples hábito de
lavar, ou não, as mãos. Em síntese: quando o tema é biossegurança, o
que está em pauta é a análise dos riscos a que está sujeita a vida.
Laboratórios
A preocupação com a biossegurança cresceu junto com a
circulação, cada vez mais intensa, de pessoas e mercadorias em
todo o mundo. A possibilidade do uso de vírus e bactérias em
atentados terroristas também trouxe apreensão aos laboratórios
e à entrada de substâncias contaminadas em um país.
Nos anos 70, uma série de estudos detectou que os profissionais de laboratórios de saúde apresentavam mais casos de
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tuberculose, hepatite B e shigelose – doença caracterizada pela
presença de diarréia, febre e cólicas estomacais – do que pessoas
envolvidas com outras atividades. Na Inglaterra, a incidência de
tuberculose entre esses trabalhadores chegava a ser cinco vezes
maior do que na população. Na Dinamarca, a proporção de
casos de hepatite era sete vezes mais alta, se comparada com o
restante das pessoas.
Na opinião de especialistas que discutem a biossegurança, o
grande problema não está nas tecnologias disponíveis para eliminar
ou minimizar os riscos e, sim, no comportamento dos profissionais.
Como afirma a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Ana Beatriz Moraes, não basta ter bons equipamentos. “De nada
adianta usar luvas de boa qualidade e atender ao telefone ou abrir a
porta usando as mesmas luvas, pois outras pessoas tocaram nesses
objetos sem proteção alguma”, explica. Para ela, é fundamental que
todos os trabalhadores envolvidos em atividades que representam
algum tipo de ameaça química ou biológica estejam preparados e
dispostos a enxergar e apontar os problemas.
De acordo com o gerente-geral de Laboratórios da Anvisa,
Galdino Guttmann Bicho, ainda se nota uma dissociação dos conceitos qualidade e segurança. “Entretanto, já é consenso que essas
duas questões devem estar interligadas. E é com essa visão que a
Anvisa e o Ministério da Saúde vão promover um curso de gestão
de biossegurança com qualidade”, adianta Galdino Bicho.
Durante o Seminário Internacional de Biossegurança em
Saúde, realizado em agosto, na cidade de São Paulo, um ponto
muito debatido foi a necessidade de criar uma cultura de biossegurança. É indispensável, na análise dos participantes, relacionar
o risco de acidentes às práticas cotidianas dentro de um
laboratório.
boletim informativo
O consultor de biossegurança da Organização Mundial de Saúde (OMS), Jonathan
Richmond, lembra que a maior responsabilidade sobre o controle de agentes
perigosos é do profissional, que entende o
risco e conhece os mecanismos de controle.
“Nenhum microbiologista quer levar um
agente perigoso para sua casa ou espalhá-lo
pela rua”, justifica. Mesmo assim, os erros
podem aparecer. “Visitei um laboratório na
China que trabalha com Sars e o que me
chamou a atenção é que, embora houvesse
muitas regras de segurança, as pessoas não
estavam agindo dentro de uma cultura de
segurança exigida para um ambiente como
aquele. Além disso, não havia nenhum respirador que se encaixasse corretamente no
meu rosto”, exemplifica Richmond.
Para a brasileira Denise Cardo, diretora
da Divisão de Controle de Infecções do
Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – órgão norte-americano
responsável pelo controle de epidemias
– medidas simples reduzem bastante
a possibilidade de acidentes. É o
caso da vacinação dos profissionais
de saúde contra doenças como
rubéola, tétano, gripe e hepatites
ou, ainda, o uso de recursos como o
álcool glicerinado para desinfecção. Ela
reconhece, porém, que mesmo essas
pequenas mudanças não são fáceis de serem implementadas. “Nós, profissionais
de saúde, não nos julgamos suscetíveis
aos riscos”. Denise Cardo acredita que
a importância dos detalhes, muitas
vezes, só é entendida nos momentos
de crise. “O caso da Sars nos ensinou
bastante. Os países que contiveram
a contaminação nos hospitais, como
Taiwan, não tiveram casos externos
significativos, ao contrário de Hong
Kong e China, que assistiram a
uma rápida disseminação da
epidemia.” China e Hong Kong
somaram 7.082 casos, enquanto
Taiwan – terceiro país em números de casos de Sars – somou 346
diagnósticos.
de que os riscos biológicos e químicos estão
presentes também em outros ambientes. A
biossegurança não está relacionada apenas a
sistemas modernos de esterilização do ar de
um laboratório ou câmaras de desinfecção
das roupas de segurança. Um profissional
de saúde que não lava suas mãos com a
freqüência adequada ou o lixo hospitalar
descartado de maneira errada são práticas
do dia-a-dia que também trazem riscos.
Nos resíduos hospitalares, os materiais
perfurocortantes, como agulhas, lâminas e
tubos de ensaio quebrados, ocupam lugar
de destaque no fator perigo. Isso porque
são materiais que entram em contato
com substâncias contaminadas e podem facilmente provocar um corte na
pele de uma pessoa sadia. Segundo a
Gerente de Infra-estrutura em Serviços
de Saúde da Anvisa, Regina Barcelos, há
estudos mostrando que a possibilidade de
se contrair hepatite B em um acidente com
perfurocortantes é de 30% e, no caso da
hepatite C, esse índice é de 1,8%.
Por isso, os especialistas da
área defendem que os profissionais de limpeza e administração
estejam familiarizados com os
conceitos de segurança
dos laboratórios. Normalmente, um acidente com o responsável
Perto de todos
Mais recentemente, o tema biossegurança ultrapassou os limites dos laboratórios e hospitais com a constatação
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boletim informativo
pela limpeza nesses locais acontece porque
uma agulha ou bisturi não foi descartado
de maneira adequada pelo profissional de
saúde.
Por mais básico que possa parecer, o
hábito de lavar as mãos ainda é adotado
com menos freqüência do que o necessário. A gerente de Investigação e Prevenção
de Infecções e dos Eventos Adversos da
Anvisa, Adélia Marçal, acredita que esse
ato ultrapassa a questão cultural. “A higiene
demanda tempo. Às vezes, o profissional se
encontra tão sobrecarregado pelo trabalho,
que pula a ação de higiene para ir direto a
ação assistencial, que é vista como mais importante”, justifica. Esse problema é maior
quando o médico ou enfermeiro tem que
se deslocar da sua área de trabalho para
encontrar, por exemplo, uma pia. Adélia
ressalta que fatores como a qualidade dos
sabonetes também dificulta a realização de
um procedimento simples como a lavagem
das mãos. Se o sabão não for adequado,
depois de um período a pele acaba ficando
ressecada e descamada, o que apenas piora
a situação, principalmente dos que lavam as
mãos várias vezes ao dia.
Até mesmo a tecnologia criada para
reduzir risco pode ser um problema quando
mal utilizada. É o caso da esterilização flash,
um procedimento recomendado para limpar
materiais apenas em casos de urgência. No
entanto, a técnica vem sendo empregada
de modo rotineiro, mesmo havendo outros
métodos de esterilização mais eficientes,
que podem ser utilizados quando não há
necessidade imediata do material.
Desvios como esse tornam possível
entender por que num país desenvolvido,
como os Estados Unidos, entre 44 mil e 98
mil pacientes são vítimas de erro médico,
anualmente. Ou, ainda, por que um em
cada dez pacientes, na Europa, volta do
hospital com algum efeito adverso (como
uma infecção, por exemplo) provocado pela
falta de maiores cuidados com a segurança
hospitalar.
Outras fronteiras
A forma de abordar e estudar a biossegurança, nos últimos anos, ganhou novos
contornos. Até mesmo o fator psicológico
dos trabalhadores passou a ser considerado
no momento da avaliação dos riscos. Para
Paulo Starling, um dos coordenadores do
Curso de Especialização de Biossegurança
em Instituições de Saúde do Instituto de
Pesquisa Clínica Evandro Chagas, da Fiocruz,
problemas como a falta de condições adequadas de trabalho e pressões por produtividade influenciam negativamente os resultados, mas poucas vezes são considerados.
“O estresse psicossocial gera um sofrimento
que provoca dificuldades na atenção e na
capacidade de trabalho. A conseqüência é
a desmotivação para a realização das suas
atividades de maneira correta”, justifica.
Segundo Paulo, para identificar a relação
entre o estresse e o risco de acidente em
um serviço de saúde basta fazer um mapa
das áreas de risco e da incidência de doenças
entre os profissionais da instituição.
Para o médico veterinário e especialista
em segurança de transgênicos Sílvio Valle,
a maior preocupação, no momento atual,
deve ser com relação ao impacto da liberação de determinados produtos no ambiente.
Segundo ele, a discussão sobre biossegurança em serviços típicos de saúde, como hospitais e laboratórios, já está mais adiantada.
Fora desses ambientes, porém, a idéia de
biossegurança ainda não se consolidou. Ele
cita o caso dos transgênicos, reconhecidos
como produtos que envolvem risco, mas
que ainda carecem de controle mais rígido.
“O gado transgênico pode ser facilmente
contido, caso se descubra algum problema
de segurança em relação ao consumo de
derivados do animal, mas quando se tratam
de plantas e insetos, por exemplo, esse é um
trabalho mais difícil”, alerta Valle.
Em todos esses casos, o ponto central
é a certeza de que, seja num pequeno
acidente com uma seringa utilizada ou
numa epidemia desencadeada a partir do
contato entre hóspedes de um hotel, a
reflexão sobre a segurança de todos os
processos é fundamental para garantir a
vida de pessoas.
Terrorismo Internacional
Os ataques com a bactéria do Antraz nos EUA, em 2001, tornaram realidade uma preocupação antiga: o uso de agentes perigosos em ataques terroristas. Atualmente, a discussão sobre biossegurança passa
também pela segurança física dos laboratórios que trabalham com este tipo de material. De acordo com o
consultor da OMS para assuntos de biossegurança, Jonathan Richmond, apesar do terrorismo ameaçar um número
restrito de países, todo laboratório deve ser visto como um alvo potencial. Ele inclui o Brasil nesta lista. Para ele,
a iniciativa do país de montar uma rede de laboratórios de nível de biossegurança 3 (NB3), capazes de trabalhar com agentes perigosos como o vírus da hantavirose e a bactéria do Antraz, é fundamental para aumentar a
capacidade do país na área de diagnóstico. Entretanto, é indispensável que se pense também no controle do acesso aos agentes
perigosos. “Não existe sistema perfeito, o que podemos é diminuir os riscos, mas eles nunca serão totalmente eliminados”, sentencia. O transporte
desses materiais também é um desafio. Segundo Nicoletta Previsan, diretora de Vigilância e Resposta à Doenças Transmissíveis da OMS, há casos
em que o serviço de correio desconhece o material que está transportando e as providências a serem tomadas em caso de acidente. Por outro
lado, a identificação externa, nos pacotes com agentes perigosos, pode ser um atrativo para terroristas.
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boletim informativo
PADRÕES
Aprovada primeira edição do Formulário Nacional
A Anvisa aprovou, este mês, a primeira
edição do Formulário Nacional – código brasileiro que reúne formulações farmacêuticas
oficiais, de uso consagrado no país e que não
representam riscos à saúde de seus usuários
(desde que obedecidas normas de Boas
Práticas). A obra possibilita a padronização
dos medicamentos e, consequentemente,
um controle de qualidade mais rigoroso. O
primeiro exemplar estará disponível no mês
de dezembro deste ano.
“As fórmulas contidas no Formulário são
de uso tradicional e proporcionam às farmácias e à indústria farmacêutica oportunidade
de atender às necessidades da população,
com produtos seguros e de baixo custo”,
explica o diretor da Anvisa, Victor Hugo
Travassos. Elaborado pela Subcomissão
do Formulário Nacional (grupo integrante
VOZ DA OUVIDORIA
da Comissão Permanente de Revisão da
Farmacopéia Brasileira), o código inclui
monografias de 82 medicamentos, como o
leite de magnésia, usado como antiácido e
laxante suave, e o sulfato ferroso, indicado
para tratamento de anemia.
Além da fórmula, as monografias descritas no Formulário contêm os sinônimos
usados como referência ao produto, a
forma farmacêutica (solução ou creme,
por exemplo), orientações para o preparo,
embalagem e armazenamento, advertências, indicações terapêuticas e modo de
usar. Também estão inscritas na obra 23
bases para preparo de formulações e 12
soluções auxiliares.
A Anvisa estuda a possibilidade de definição de regras para a isenção de registro
e cadastro desses medicamentos, desde
que sejam obedecidos todos os requisitos
contidos no Formulário. Para Victor Hugo,
a medida vai simplificar o trâmite de exigências técnicas entre a Agência e o setor regulado. “O produto poderá ser comercializado
logo após a empresa apresentar notificação
à Anvisa, desburocratizando e desafogando
os setores de registro”, argumenta.
Desde 1955, o código tem sido citado
em documentos oficiais, mas nunca foi publicado. A partir de 2000, a Anvisa e diversos
segmentos da área farmacêutica deram início à elaboração do Formulário, até chegar
à versão final, recém-aprovada.
Depois da publicação, as farmácias e
laboratórios farmacêuticos que manipulam
ou fabricam os produtos descritos no
Formulário Nacional deverão manter, no
estabelecimento, um exemplar atualizado.
Reginaldo Muniz Barreto
Agrotóxico: o conflito entre agronegócio, saúde e meio ambiente
A Ouvidoria da Anvisa recebeu 61 cartas alertando para o
Em visitas aos sítios da internet ligados ao agronegócio, consrisco à saúde e ao meio ambiente que representaria a importata-se que os seus argumentos para a flexibilização pretendida
tação direta de agrotóxicos produzidos em outros países do
se sustentam na redução dos custos de produção. Segundo seus
Mercosul, sem a submissão aos critérios técnicos e científicos
cálculos, “a livre importação do Mercosul representaria uma
adotados no Brasil.
economia de US$ 750 milhões/ano”.
Os remetentes se manifestam cobrando
Das instâncias de governo listadas pelos madecisões dos ministérios da Agricultura, Meio
nifestantes, apenas a Anvisa, autarquia vinculada
“o princípio de
Ambiente, Saúde e da Anvisa contra a proposta
ao Ministério da Saúde, divulgou em seu sítio
de flexibilização no controle dos agrotóxicos. As
livre comércio
uma nota sobre o assunto. Segundo a Agência,
correspondências expressam razões para uma
“o princípio de livre comércio no âmbito do
no âmbito do
forte oposição a este ponto específico da pauta
Mercosul não pode sobrepor-se à preocupação
de reivindicação do “tratoraço”, um ato público
com a segurança”.
Mercosul não
dos representantes do agronegócio ocorrido no
De acordo com a Anvisa, as resoluções
pode sobrepor-se à do Mercosul
final de junho, em Brasília.
para a política de controle dos
Entre as cartas, há um texto mais fundaagrotóxicos no bloco que poderiam ser acolhipreocupação
com
mentado, subscrito por 56 instituições voltadas
das pelas autoridades sanitárias do Brasil estão
a segurança”
ao tema e movimentos sociais de dimensão
contempladas em alterações feitas na legislação
nacional, a exemplo da Central Única dos Trabrasileira há três anos.
balhadores (CUT), da Confederação dos TrabaNão há segurança de que as determinações
lhadores da Agricultura (Contag), da Coordenadoria Ecumênica
da regulação e do controle vigentes estejam sendo atendidas por
de Serviço (CESE), e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
parte dos responsáveis pelo uso de agrotóxicos. Logo, não há justiMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
ficativa para uma maior negligência no cumprimento da obrigação
Os agrotóxicos questionados pelos manifestantes pertenconstitucional de proteção à saúde da população brasileira.
cem a um universo de 27 substâncias ativas. A lista contempla
insumos que estão proibidos ou severamente restritos no
Fale com a Ouvidoria: [email protected]
Brasil, porque, em escala de extrema gravidade, são poluenhttp://www.anvisa.gov.br/ouvidoria
tes, ameaçam a saúde do trabalhador que aplica o produto e
Fax: (61) 3448-1144
comprometem a qualidade dos alimentos.
agosto de 2005
9
boletim informativo
Produtos apreendidos e interditados
de 1o a 31 de agosto
Produto
Empresa
Situação
Motivo
Prati, Donaduzzi e Cia
Apreendido
Não atende às exigências regulamentares
Royton Química Farmacêutica
Interditado
Resultados insatisfatórios na
dissolução
Lidocaína 2% gel 120g
Medicminas Equipamentos
Médicos
Suspensão
Não atende às exigências
regulamentares
Lidocaína 10% solução oral
Medicminas Equipamentos
Médicos
Suspensão
Não atende às exigências
regulamentares
Lidocaína spray 500ml
Medicminas Equipamentos
Médicos
Suspensão
Não atende às exigências
regulamentares
Apreendido
Não possui registro
Apreendido
Não possui registro
Duzimicin (Amoxilina), 250mg/
5ml, lote 405-A
Glibexil (Glibenclamida),
comprimido,5mg, lote nº
0405426
Máscara respiratória com filtro
para micropartículas (modelo
‘bico-de-pato’)
Cláudio Marcelino Garcia
Fernandes Desc Line
Descartáveis e EPIs
Cláudio Marcelino Garcia
Fernandes Desc Line
Descartáveis e EPIs
Pupilômetro
Lapidótica Equipamentos Óticos
Apreendido
Não possui registro
Todos
Nature’s Sunshine Produtos
Naturais
Proibição de Importação
Não atende às exigências
regulamentares
Máscara cirúrgica com elástico
REGULAÇÃO
Criada Câmara Técnica de Produtos para a Saúde
A Anvisa conta agora com mais uma
ferramenta para subsidiar suas ações. É a
Câmara Técnica de Produtos para a Saúde
(Cateps), que vai assessorar a GerênciaGeral de Tecnologia de Produtos para
a Saúde (GGTPS), emitindo pareceres,
orientando métodos científicos, pesquisas e estudos relativos aos registros e
à regulação desses produtos. A criação
de Câmaras Técnicas está prevista no
regimento interno da Agência e tem por
objetivo a formação de grupos de especialistas que possam contribuir para legitimar
as decisões da instituição.
A primeira reunião da Cateps foi
realizada no dia 16 de agosto, com a
presença do diretor Victor Hugo Travassos da Rosa, que iniciou a cerimônia de
posse dos membros da Câmara ressaltando a importância desse trabalho para
o avanço da regulação no país: “A área
de abrangência de produtos para saúde
é muito ampla, por isso a necessidade de
10
agosto de 2005
uma equipe heterogênea, que
sirva de suporte para a atuação
da Agência”. A Diretoria Victor
Hugo já tem a contribuição das
Câmaras Técnicas de Alimentos,
de Cosméticos e de Saneantes. A
Cateps era a Câmara que faltava
ser instalada.
O médico Luiz Carlos Sobania, ex-secretário de Saúde,
ex-presidente do Conselho Estadual de
Saúde do Paraná e professor titular de
Ortopedia e Traumatologia da Universidade do Estado, foi eleito presidente
da Cateps. Entre os componentes do
grupo estão médicos, enfermeiros e
professores, procedentes de entidades
como o Instituto Nacional de Controle
de Qualidade em Saúde, Instituto Nacional de Tecnologia, Hemo Rio, Instituto
Nacional de Traumato-Ortopedia e de
várias universidades brasileiras. Eles foram
indicados por diretores, gerentes-gerais,
gerentes e chefes de unidades da Anvisa e
aprovados pela Diretoria Colegiada.
A assessoria prestada pelos membros
da Câmara não é remunerada, o que evidencia o comprometimento público desses profissionais em assegurar a saúde da
população. “Algumas decisões são muito
difíceis. É importante o auxílio de pessoas
especializadas no assunto para embasálas”, afirmou Paulino Araki, gerente-geral
de Tecnologia de Produtos para a Saúde
(GGTPS), área a qual a Cateps é vinculada
tecnicamente.
boletim informativo
ARTIGO
Mariana Verotti*
Produtos Médicos
Tendências Normativas para o Reprocessamento
O reprocessamento de produtos médicos destinados pelos fabricantes para uso
único é um dos assuntos mais polêmicos
discutidos atualmente no âmbito da atenção
à saúde em todo o mundo. Tal fato devese principalmente a pressões relacionadas
à disponibilidade reduzida e custos cada
vez mais elevados de novas tecnologias e o
aspecto aparente de integridade que muitos
desses produtos apresentam após o uso,
e preocupações relacionadas ao impacto
ecológico do descarte sistemático.
No Brasil, o reprocessamento de artigos de uso único é regulado pelas Portarias
Ministeriais GM/MS nº. 03 e 04, ambas de
07 de fevereiro de 1986, que listam oito
tipos de materiais de uso único cujo reprocessamento é proibido. A Portaria GM/MS
nº. 8, de 08 de julho de 1988, regulamenta
as atividades das empresas reprocessadoras
e a Portaria Interministerial nº. 482, de 16
de abril de 1999, trata dos procedimentos
de instalação de unidades de esterilização
por óxido de etileno, tecnologia muito
utilizada no reprocessamento de produtos
médicos sensíveis ao calor.
Pesquisas individuais e relatórios de inspeção e de investigações de surtos apontam
para situações de ausência de rotinas técnicas e processos de trabalho sem controle
de qualidade, com implicações tanto de
ordem técnica quanto de ordem ética, legal
e econômica. Muitas vezes ainda, práticas
de reprocessamento aumentam os riscos da
atenção à saúde e não apresentam qualquer
impacto na redução do custo. A defasagem
do conhecimento científico sobre o assunto
e lacunas na regulação dificultam a ação dos
órgãos fiscalizadores, que não contam com
padrões técnicos e legais nacionais para
balizarem sua ação.
A primeira ação reguladora da ANVISA
sobre este tema foi a publicação da Consulta
Pública nº. 98, de 06 de dezembro de 2001,
propondo normas para reprocessamento
seguro de artigos de uso único. A consulta
resultou em mais de 600 contribuições,
revelando a complexidade do tema e o
envolvimento da sociedade nesta questão.
A compilação das contribuições determinou mudanças importantes na estrutura
e no conteúdo da norma, que foi reestruturada e apresentada novamente para
sugestões em março de 2004. Um novo
documento ainda não publicado, considerando as 84 contribuições a essa consulta e
os resultados da Audiência Pública realizada
em 3 de junho de 2005, define como responsabilidade do serviço de saúde a opção
pelo reprocessamento do produto médico,
assim como a garantia de sua qualidade
funcional e microbiológica. A definição de
produto cujo reprocessamento é proibido
passa para a responsabilidade da ANVISA,
que deve decidir com base em informações
provenientes da indústria e de evidências
produzidas pela sociedade científica.
Apesar de haver um direcionamento
normativo mais bem delineado para o
assunto, ainda vemos necessidade de mais
estudos, que comprovem a segurança e
eficácia da utilização de produtos médicos
antes destinados ao uso único, para que se
possa chegar a um consenso sobre essas
questões, sempre priorizando a saúde do
usuário.
.
Organizações que se dedicam ao estudo de práticas
consistentes de
reprocessamento de produtos médicos:
• Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos - (www.cdc.gov)
• Associação dos Profissionais de Saúde do Canadá – (www.cha.ca)
• Confederação Européia das Associações de dispositivos médicos - (www.eucomed.be)
• Associação para o Avanço dos Dispositivos Médicos – (www.aami.org)
• Instituto de Investigação em Cuidados Emergenciais – (www.ecri.org)
• Associação de Enfermeiros de Centro Cirúrgico – (www.aorn.org).
• Food And Drug Administration - (www.fda.gov/cdrh/reuse)
• Associação dos Profissionais em Controle de Infecção Hospitalar - (www.apic.org)
HQ
Os Defensores da Saúde
* Mariana Verotti é enfermeira e assessora técnica da Gerência de Investigação e Prevenção das Infecções e dos Eventos Adversos da Anvisa.
Colaboração: Adélia Marçal dos Santos, médica e Gerente de Investigação e Prevenção das Infecções e dos Eventos Adversos da Anvisa
desenho e texto: Ricardo Wagner
agosto de 2005
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