UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia Ainda se Benze em Parintins: rezas e simpatias nas práticas das mulheres benzedeiras Manaus – Amazonas 2011 2 DEILSON DO CARMO TRINDADE Ainda se benze em Parintins: rezas e simpatias nas práticas das mulheres benzedeiras Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre. Linha de pesquisa de concentração Sistemas Simbólicos e Manifestações Socioculturais. Orientadora: Profª. Drª. Iraildes Caldas Torres Manaus – Amazonas 2011 3 DEILSON DO CARMO TRINDADE Ainda se benze em Parintins: rezas e simpatias nas práticas das mulheres benzedeiras Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre. Linha de pesquisa de concentração Sistemas Simbólicos e Manifestações Socioculturais. Aprovado em 11 de março 2011 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Dra. Iraildes Caldas Torres – Presidente ____________________________________________________ Dr. Sérgio Ivan Gil Braga – Membro _____________________________________________________ Dr. Ricardo Gonçalves Castro – Membro 4 DEDICATÓRIA Àqueles que hei de ver novamente um dia Deuclides Bulcão Trindade e Edilena Trindade Fernandes A quem jurei amor eterno Jucimara Aos meus curumins Douglas Mauro e Felipe Zanelli A minha cunhã – poranga Amanda Rizza A quem não cansa de rezar por mim Dona Neide Maria Aos meus irmãos Ida Marina, Eliana, Lauriney, Ana Léa, Edenilson, Edilson, Eneida, Deydiana Dedico com carinho 5 AGRADECIMENTOS Àquele que me deu o sopro da vida, o poder superior na forma em que eu concebo, que me fez entender que dele necessito e que sou tão frágil sem a sua proteção. Obrigado pela cura física que operastes em mim. A Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que intercedeu a meu favor perante o Pai quando aos vossos pés me prostrei mesmo sendo o mais miserável de todos. Às mulheres benzedeiras de Parintins: dona Rosa, dona Nazaré e dona Zenaide. Meu muito obrigado pelas tantas vezes que deixaram seus afazeres para me atender. Obrigado pelo café e a água, obrigado por me deixarem observar suas benzições, por explicarem seus procedimentos e compartilharem suas experiências de vida e de benzição comigo. Ao casal de professores, Helena e Luiz Cassiano, que me incentivaram e auxiliaram na elaboração do tema e na correção do pré-projeto. Também aos professores da banca de qualificação que se dispuseram a ler e a avaliar o projeto de pesquisa e o primeiro capítulo desta dissertação. Contribuição formidavelmente que foi indispensável para a conclusão da mesma. A Fernando e Leila, que me mostraram a benzição a partir da compreensão dos que procuram as benzedeiras. Obrigado pelo tempo que dispuseram quando precisei retornar várias vezes em vossas casas para esclarecer as muitas dúvidas que surgiam no decorrer da pesquisa. Obrigado pelas narrativas sobre as benzições que engrandeceram ainda mais este trabalho. 6 À Fátima Guedes, pelo bom acolhimento no “coió das utopias”, muito obrigado por ter aberto as portas de sua casa quando lhe procurei. Peço que jamais desista do trabalho que vem realizando junto a “Articulação Parintins Cidadã”, em favor dos que atuam no campo da medicina popular em Parintins; especialmente as mulheres benzedeiras. À minha sempre professora Mirtes Cohen, que me indicou o primeiro caminho da ciência tirando-me da escuridão e iniciando o acabamento nesta tábua bruta que por muito tempo esteve esquecida e empoeirada num canto de marcenaria. Jamais esqueci nossas conversas sobre o rumo da história e o papel do historiador. Graças a senhora, o germe da pesquisa se disseminou em mim. À minha querida professora Artemis Soares, que mesmo com o pouco tempo de convivência no mestrado, compreendeu os meus problemas e as minhas adversidades e teve a nobreza de me indicar o novo caminho a ser seguido. Saiba que levarei comigo as boas impressões de generosidade, inteligência e caráter. À Yomarley, Márcia e Mauro, amigos que fiz nessa caminhada e com quem pude contar nos momentos difíceis. Sempre lembrarei as calorosas discussões sobre teorias na hora do cafezinho que engrandeceram ainda mais o meu conhecimento. Jamais esqueci o incentivo que me deram para continuar. Sem vocês as tribulações seriam maiores. O meu especial agradecimento a Iraildes Caldas Torres, o primeiro raio de luz depois da noite triste, a providência divina que tanto solicitei; aquela que soube escutar no momento em que eu mais precisava de alguém para me ouvir; gesto que a primeira vista parece tão simples; no entanto; requer tempo, disposição e sensibilidade com o próximo; virtudes cada vez mais preciosas no mundo individualizado. À Universidade Federal do Amazonas – UFAM, que através do Programa de PósGraduação Sociedade e Cultura na Amazônia, proporcionou-me a oportunidade tão almejada de cursar o mestrado e assim engrandecer meus conhecimentos; e a Alberta 7 Amaral, pelas incontáveis vezes que atendeu as minhas solicitações de última hora na secretaria do programa, meu muito obrigado. Ao diretor David Xavier e ao ex-diretor Francisco Dinelly, do Centro de Estudos Superiores de Parintins da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, que compreenderam a necessidade que tive de me ausentar temporariamente, facilitando assim minhas viagens semanais a Manaus. Obrigado pela compreensão e ajuda no período em que fiz parte do quadro de docentes. À diretora Darcília Penha, que me recebeu com carinho no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM – Campus Parintins. A Bianca Bento e Mário Bentes, obrigado pela compreensão e apoio nas tantas vezes em que precisei ausentar-me deste Instituto para concluir minha dissertação. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, que financia minhas pesquisas desde a iniciação científica, contribuindo financeiramente para a execução de cada projeto proposto. Sem a bolsa de estudo que recebi a realização da dissertação, as viagens e as compras de livros seriam mais difíceis. Enfim, a Rooney e Ítalo, coordenador e ex-coordenador do Curso de História/CESP/UEA, por me ampararem nas vezes em que fui incompreendido, por facilitarem meus horários de trabalho dando flexibilidade para realizar minhas viagens. E a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para que eu pudesse concluir a dissertação. Sinceramente muito obrigado. 8 RESUMO Este estudo assumiu o propósito de verificar em que sentido ainda ocorre a prática de benzição na sociedade moderna, dando especial relevo ao papel desempenhado pelas mulheres benzedeiras na cidade de Parintins, município do estado do Amazonas. Enfatiza as práticas sociais de reza, cura e benzição, a partir da formação social da Ilha Tupinambarana e de seus moradores, buscando perceber a visão e a interpretação de mundo feito pelas benzedeiras. A pesquisa foi desenvolvida sob o aporte das abordagens qualitativas com o uso da técnica da entrevista semi-estruturada. Ficou claro o fato de que a prática social da benzição na cidade de Parintins é legitimada pelas demonstrações de fé que facilita a aceitação do “dom da benzedeira” e a mediação com o Divino. De modo geral, a pesquisa mostra que há uma estreita relação da prática de benzição com os elementos da natureza, e que essa relação gerou um modo específico de desempenho do papel de benzedeira diferente das demais benzedeiras de outros locais do país. Há, nessas práticas, um veio genuinamente amazônico em face do efetivo interrelacionamento com a mãe natureza dos trópicos. Palavras – chave: benzedeira, medicina popular, religiosidade popular. 9 ABSTRACT This study assumes the purpose of verifying in which sense the practice of faith healing still occurs in the city of Parintins, municipality of the Amazon State, Brazil. It emphasises the social practices of praying, curing and faith healing based on the social formation of the Tupinambarana Island and its residents, seeking to discover the vision and interpretation of the world in the eyes of the faith healers. The research was based on the qualitative approaches with the use of semi-structured interviews. It was very clear that the social practice of faith healing in Parintins is legitimized by the demonstrations of faith that facilitate the acceptance of the “gift of the faith healer” and the mediation with the divine. In general terms, the research shows that there is a direct relation between the practice of faith healing and the natural elements and that this relationship generated in a specific manner a role of faith healer different from the other faith healers in other parts of the country. There is, in these practices, a genuinely Amazonian vein with regard to the effective interrelationship with Mother Nature of the tropics. Keywords: faith healer, popular medicine, popular religion. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO______________________________________________________11 CAPÍTULO I AS ORIGENS ANCESTRAIS DE PARINTINS____________________________16 1.1 A constituição histórica da ilha Tupinambarana___________________________16 1.2 As práticas de curas indígenas_________________________________________32 1.3 A atualidade da cura popular em Parintins________________________________42 CAPÍTULO II O COTIDIANO E O ESPAÇO DA VIDA PRIVADA_______________________57 2.1 Cotidiano e significado da cultura popular_______________________________57 2.2 A importância da mulher no campo da benzição__________________________67 2.3 Reza e cura, magia ou fé?___________________________________________74 CAPÍTULO III AS BENZEDEIRAS DE PARINTINS____________________________________86 3.1 O sagrado e a simbologia na benzedura_________________________________86 3.2 A mística das benzedeiras associada aos mitos da floresta__________________98 3.3 Espaço e procedimentos da benzição__________________________________100 CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________117 REFERÊNCIAS_____________________________________________________120 11 INTRODUÇÃO As práticas e rituais religiosos têm sido manifestados pelos homens, desde épocas remotas, garantindo prestígio àqueles que as utilizam. Não obstante a isto, as transformações por que passam as sociedades têm influenciado modos e lugares de atuação destas práticas; sem contudo extingui-las. Nas nascentes sociedades de classes da antiguidade, a partir da extinção do regime de propriedade coletiva dos meios de produção1, as religiões oficiais mediadoras entre os deuses e os homens tiveram forte poder político e passaram a ser usadas como legitimadoras da apropriação do excedente econômico e da propriedade privada, em que os sacerdotes ao lado dos reis gozavam de grande prestígio e poder. Nesse período ainda, é possível identificarmos nas classes populares, cultos e oferendas relacionadas à natureza, aos animais e aos astros; herança das antigas organizações gentílicas que se desfaziam. Aqui a figura feminina era identificada nos cultos à mãe terra ou à deusa da fertilidade. Os antigos sumerianos recorriam às práticas mágicas para a cura de seus males, tidos como sobrenaturais; e Marduque, deus da Babilônia, era considerado o grande deus curador. Thoth, deus egípcio, ao qual era atribuído a magia, curou o deus Horus de uma picada de escorpião, enquanto que Menés e Zoser eram considerados reis curadores. Na Grécia antiga, Apolo, o deus inventor da arte de curar, era pai de Asclépio, o deus da medicina, que, por sua vez, era pai de Hígia, a deusa da saúde, e de Panacéia, a deusa da farmácia, que conhecia o remédio para todas as doenças. Da mesma forma, Marte era o deus curador para os romanos. No judaísmo, religião precursora de outras religiões monoteístas, o poder de curar é atribuído ao Deus único, Javé, senhor da vida e da morte, da saúde e da doença, 1 Sobre essa discussão recomendamos a leitura do livro de Friedrich Engels “A origem da família, da propriedade privada e do estado”, publicada pela editora Centauro em 2002. 12 e aos profetas por Ele designado. Essas atribuições são estendidas ao cristianismo em que novos personagens surgem – os santos – a quem muitas vezes são atribuídas curas específicas; caracterizando, com isso, um santo para cada enfermidade do corpo; porém, sob a rígida permissão e observância da Igreja. Passada para o domínio da religião, a cura é confiscada como propriedade, os termos magia e bruxaria ganham um sentido pejorativo e proibitivo na Idade Média. A Igreja passa a combater, perseguir, punir e até matar quem cometia tais atos. Não obstante a isto, as crenças sempre persistiram, pois assim como temiam a punição da igreja, as pessoas também temiam os danos causados por feitiços que poderiam aparecer em forma de uma doença ou de uma má colheita no campo. E mesmo com a cristianização, os povos germânicos, celtas ou eslavos nunca esqueceram suas antigas práticas ancestrais, recorrendo sempre a elas. Nesse período, muitas mulheres idosas, que tinham uma deficiência física, ou que vivessem sozinhas, eram constantemente acusadas de bruxaria, com poderes capazes de influenciar a vida e até mesmo o clima das aldeias, e não raro, quando denunciadas, eram levadas para serem queimadas em praça pública. Essas mulheres eram responsabilizadas pelas epidemias e catástrofes naturais, pois na medida em que as doenças, os abortos naturais ou o mau tempo persistiam, a culpa era atribuída a algum de seus feitiços maléficos. Essa culpabilização das benzedeiras constituía-se numa espécie de vigilância sobre as mulheres, típico das religiões monoteístas que reservaram a elas um lugar de desigualdade no campo religioso. A supremacia do masculino, mostrada como natureza divina, legou às mulheres um caráter secundário, além de lhes conferir a culpa de muitas mazelas sociais. Afinal, no cristianismo, Eva é derivada de um osso sobresselente de Adão, e por uma transgressão dela, os dois foram expulsos do paraíso e o pecado entrou no mundo. Ainda no período medieval, conforme Franco Jr (2006), não havia a medicina institucionalizada como conhecemos hoje, deforma que, os poucos conhecimentos sobre as doenças, agravadas pela falta de higiene e pela crença de que a enfermidade poderia ser vontade divina, dificultava a recuperação do indivíduo. Diante de tal situação, acreditava-se que a doença fosse causada por um agente externo ao organismo, daí a necessidade de amuletos e exorcismos, pois a magia que causava doença deveria ser combatida com outra magia. Por isso, tanto um médico, como um mago ou um sacerdote, tinham a mesma importância na cura dos males. 13 No início da colonização do Brasil, as práticas de cura eram feitas por terapeutas não oficializados, mas permitidos, devido à existência de poucos profissionais de conhecimento instituído. As pessoas que não tinham acesso aos médicos buscavam suas curas em conhecedores de procedimentos e técnicas herdadas, em muitos casos, dos índios e negros. As plantas medicinais eram usadas por todos: curandeiros, médicos, ricos, pobres, do interior e da cidade. Assim, as benzeduras, rezas e simpatias já configuravam como práticas populares sem a associação com a ignorância popular. Deste modo, o não confrontamento entre saberes, fazia com que muitos acreditassem apenas nos terapeutas populares, tornando significativas suas atuações em diversas modalidades e classes sociais. Foi com o predomínio da medicina oficializada pelo Estado que esses terapeutas populares, entre eles as benzedeiras, começaram a ser desqualificados. O Estado tentava empurrá-los para uma posição inferiorizada, mas elas não desapareceram, ao contrário, reorganizaram seus espaços na sociedade e continuaram a sua atuação, sem nunca ter deixado de receber aqueles que os procuravam, e assim foram confirmando a sua existência e permanência. Nos dias atuais, percebemos que a benzição continua a ser exercida como prática social na cidade de Parintins, especialmente por mulheres. Um dos exemplos é a procura constante de mães de crianças que vêem nas benzedeiras a possibilidade de curar os males que afligem seus filhos. Mesmo existido curadores atuando na cidade de Parintins, as mulheres são dominantes nesse campo do conhecimento, sendo mais populares que os homens. Elas adquiriram um “poder” que ultrapassa o campo da benzição para ser a maior autoridade de sua família, desfigurando o modelo patriarcal apresentado por Freyre (1998). São elas, em sua maioria, que chefiam suas famílias. A ideia de superioridade masculina contida nas relações de gênero, baseada na submissão e passividade das mulheres parece, neste caso, não encontrar guarida na Amazônia (TORRES, 2005). As mulheres benzedeiras de Parintins além de exercerem sua autoridade em seus lugares específicos de benzição, ainda estendem esse domínio para o convívio familiar. Assim, o discurso pejorativo de passividade da mulher amazônida, herança da cultura do patriarcado perde seu significado neste contexto. Ao benzerem, essas mulheres entram no campo do sagrado, terreno historicamente dominado pelos homens, e ao curarem se colocam na contramão da 14 medicina. Daí sempre serem acusadas de bruxarias, feitiçarias ou charlatanismo. Mesmo assim, elas continuam exercendo seu trabalho ativamente, desafiando os poderes dos sacerdotes, dos homens, dos soberanos, da razão. Este estudo nasceu de uma inquietação concebida a partir de vários episódios presenciados na cidade de Parintins-Am. Essa cidade conhecida pelo seu festival folclórico do boi-bumbá, também tem na festa de sua Padroeira Nossa Senhora do Carmo, outra grande manifestação social e de fé. A religiosidade popular é um elemento primaz na vida dos moradores da cidade. Trata-se de manifestações simples mas com significados profundos muitas vezes expressados na forma “Deus e Nossa Senhora quiserem”. É também muito comum vermos pessoas se benzerem ao passar pela Igreja Matriz, como é comum ouvirmos as expressões “a benção mãe, a benção pai”, ou seja, os filhos pedindo que seus pais os abençoem. Vemos também pessoas que benzem a si próprias, geralmente quando saem de casa fazendo um sinal da cruz em seu rosto. Vê-se portanto, que a benzição faz parte do cotidiano dos moradores de Parintins. É nesse contexto que percebemos uma estreita relação entre a população e a benzição, e passamos então a observar que ela se dá em várias formas e de várias maneiras. Notamos ainda, que existem na cidade pessoas especializadas neste ato, credenciadas com base na credibilidade e confiabilidade que lhe foram atribuídas. E assim que formos percebendo que existe espaço para essa prática na cidade de Parintins, esta pesquisa mostra a relação entre benzedeira e benzido, que foi compreendida a partir da história vista de baixo, propugnada por Thompson (2001), sem, no entanto, nos perdermos na dicotomia de alto e baixo, mas dando vez e voz à cultura tida como baixa em relação àquela da qualificada como erudita. Dessa maneira, a experiência das benzedeiras e benzidos de Parintins compôs-se em uma outra história de um novo contexto social local, na medida em que colocou-se no campo da pesquisa temas até pouco tempo negligenciados pela historiografia. A história oral de vida foi o método utilizado para conduzir esta pesquisa, a partir da técnica da narrativa em que se seguiram as orientações de Meihy (2005), pois consideramos que elas possuem algumas especificidades próprias. O estudo e a descrição das benzedeiras e suas práticas na cidade de Parintins foram direcionados a partir de Geertz (1989), que nos possibilitou visualizar a prática e o funcionamento da benzição. 15 Assim, a pesquisa foi desenvolvida sob o aporte da abordagem qualitativa com o uso da técnica da entrevista semi-estruturada, em que foram ouvidas 03 mulheres reconhecidas pela sociedade como benzedeiras que vivem e atuam em Parintins. Ouvimos ainda 01 integrante dos movimentos populares que atua no campo da medicina natural e práticas complementares em Parintins e mais 02 colaboradores que admitem procurar as benzedeiras constantemente para solução de seus males. O trabalho está dividido em três capítulos articulados que possibilitam uma visão da benzição na cidade de Parintins, procurando mostrar que essa atividade ainda encontra espaço na contemporaneidade. O primeiro capítulo traz o contexto histórico de Parintins, assinalando o rastro dos primeiros indígenas que habitaram a região, o qual contou com a grande contribuição de Cerqua (1980). Ainda nesse capítulo damos destaque às práticas de cura indígena e popular. No segundo capítulo, nos detivemos a abordar, com base em Heller (2004), o significado do cotidiano e da cultura popular para darmos ênfase ao valor da mulher no campo da benzição, da reza e da cura. O terceiro capítulo discute as práticas sociais das benzedeiras de Parintins, sua relação com o sagrado, o simbolismo entendido a partir de Gomes e Pereira (2004), e a influência da floresta nessas práticas. Finalmente, cumpre-nos reconhecer a relevância social deste trabalho para as mulheres benzedeiras de Parintins, especialmente os movimentos sociais de mulheres dessa cidade, que historicamente buscam compreender o simbolismo contido na prática da benzição. Poderá, também, se constituir num instrumento importante para a discussão das práticas de cura na Amazônia. 16 CAPÍTULO I AS ORIGENS ANCESTRAIS DE PARINTINS “A maioria dos povos indígenas que viviam ao logo do rio Amazonas à chegada dos europeus estão extintos ou destribalizados há mais de duzentos anos. O seu conhecimento depende essencialmente do que foi escrito pelos primeiros exploradores, viajantes e missionários”. Antônio Porro (História dos índios no Brasil). 1.1 A constituição histórica da ilha de Tupinambarana Os mais antigos vestígios deixados pela ocupação humana na Amazônia, segundo Prous (2007), datam de pelo menos onze mil anos atrás, quando povos caçadores, pescadores e coletores ocuparam a floresta muito antes do surgimento da agricultura, deixando muitos indícios como as “terras pretas de índios” que ainda hoje são encontradas com facilidade. Isto nos leva a crer que a Amazônia era densamente povoada, pois como diz Neves (2006, p.9), “é importante reconhecer que a bacia Amazônia era densamente ocupada por diferentes povos indígenas no final do século XV, época do inicio da colonização européia nas Américas”. A tradição arqueológica Polícroma que envolve as fases: Marajoara e Guarita, embora seja de grande intensidade na Amazônia, não é encontrada no local onde hoje se encontra o Município de Parintins. Os vestígios arqueológicos dos primeiros habitantes, segundo Neves (2006), são da Tradição Incisa Ponteada, que se divide em duas fases: Konduri e Tapajônica. É datada de aproximadamente mil anos até o início da colonização européia. Essa tradição é encontrada na região; no curso que vai da foz do rio Xingu até onde se encontra a cidade de Parintins. De acordo com Prous (2007, p. 119), 17 Os vasos de „cariátides‟ apresentam uma base anelar decoradas por incisões, sobre as quais figuras femininas nuas, cobrindo a boca ou os olhos, sustentam um receptáculo em forma de tigela. Ao redor dela estão aplicadas modelagens em forma de urubus reis que olham alternadamente para dentro ou para fora. Seriam estas vasilhas ligadas a rituais proibidos às mulheres (como os do javari da Amazônia de Hoje)? Outro tipo de vasilha, chamada „vaso de gargalo‟ apresenta sobre um pedestal, um bojo globular representando o corpo de um jacaré do qual saem duas cabeças opostas e simétricas. Acima do focinho „brincam‟ animais modelados como papagaios, pequenos quadrúpedes e macacos. Representações das patas do jacaré ou figuras de sapo estão aplicadas nos flancos, e um gargalo vertical cilíndrico justifica a variação dessa variedade. A terceira categoria de vaso cerimonial comporta grandes cálices sobre pedestal, geralmente decorados no interior com figuras de cobra. Algumas vasilhas globulares representam figuras masculinas. Não há dúvidas quanto ao fato de que a região do baixo Amazonas tenha sido mais povoada no início do século XVI do que no final do século XVII. Ainda hoje é comum nos depararmos com matérias arqueológicas encontradas tanto em escavações para construções, como no preparo da terra para o plantio do roçado. Esses fatos confirmam a ocupação de Parintins pelos povos indígenas bem antes da chegada dos primeiros europeus. Ao se referir sobre os vestígios arqueológicos Cerqua (1980, p.1112) relata que, 1 - O território de Parintins vai da Serra ao Paurá e em ambos estes lugares há vestígios de antigos aldeamentos indígenas. Se alguém entrar no Remanso e subir o outeiro à esquerda, vê a terra disseminada em cacos de cerâmica. Eu pessoalmente a 12 de junho de 1972 consegui juntar um bom números deles, tendo o cuidado de escolher os que apresentassem algum ornato. Sinal claríssimo de antigo aldeamento de índios do lugar. Nas demais colinas da costa do Paurá também se encontram tais vestígios, mas em quantidade menor. 2 – A Terra Preta da Valéria, perto da Serra, apresenta igualmente achados arqueológicos em grande quantidade. O povo de lá, por exemplo, sabe que há pouco um turista mandou cavar ao lado do barracão do leilão e só d‟uma fossa tirou uma saca inteira de fragmentos de cerâmica de índios. Em seguida tem sido feitas outras escavações sempre com resultados positivos, atraindo sempre novos turistas. Continuamente os caboclos acham esses cacos, especialmente na colina ao lado da Valéria. O Sr. Raimundo Farias entregou-me algumas peças interessantes. 3 – Há tantos outros lugares que oferecem idêntico testemunho, de entrada só vou lembrar a própria cidade de Parintins, que tem revelado aldeamentos indígenas de tempos anteriores a chegada de Cordovil. 18 Por exemplo, cavando os alicerces da Prelazia, debaixo da camada de terra preta, foram encontrados vários cacos antigos. A mesma coisa aconteceu com o senhor Jorge Kawakami nas escavações do novo armazém da Caçapava, onde foi descoberta boa quantidade dessas peças cerâmicas, mais de um metro abaixo do atual nível do terreno. Também as escavações dos alicerces da Catedral forneceram achados arqueológicos antigos, especialmente machados de pedra, dos quais guardamos um para o engastar2 no futuro altar fixo da Catedral. Essas constatações, feitas pelo bispo da diocese de Parintins, Dom Arcângelo Cerqua, parece não deixar dúvidas de que grandes populações indígenas ocupavam extensas faixas de terras em Parintins, muito antes da colonização. As peças de cerâmica encontradas eram em grande quantidade, e de fácil acesso, no município de Parintins, mas ao longo do tempo não escaparam à depredação e ao furto. Seriam os Aratus, Apocuiaras, Yaras, Goduis e Curiatós, as primeiras tribos que habitaram o lugar onde hoje está localizada a cidade de Parintins e sua região. Em um segundo momento essas tribos foram subjugadas pelos Tupinambá que vieram do litoral brasileiro em movimento migratório. A partir de 1600 transformou-se em um verdadeiro êxodo (CERQUA, 1980). Para Cerqua (1980), os Tupi chegaram à nossa região, navegando pelo Rio Madeira e pelo centro, conquistando e se apossando da ilha, “eles avassalaram” as tribos já existentes no lugar, havendo também fusões por meios de casamentos. O primeiro contato dos índios da região com o europeu, segundo Souza (2003), se deu com Francisco Orellana em sua primeira viagem pela Amazônia ao se separar da expedição de Gonçalo Pizarro. Essa tese é constatada por Saunier (1990, p.118), ao afirmar que, Dia 18 (junho de 1542), Orellana e seus marujos pernoitaram em frente a uma aldeia e foram atacados pelos índios com flechas envenenadas. Diz Carvajal, que as flechas vinham silvando pelo ar. Isso confirma uma técnica usada pelos nossos índios Mundurucu e Parintins, que colocavam um caroço de tucumã furado, preso a flecha, tendo no caroço um buraco, que com o deslocamento do ar, emitia um silvo. Aí sem dúvida, era a nossa ilha de Tupinambarana, pois logo depois, Orellana, passava pela Serra grande. 2 Embutir, encravar, encaixar, montar, apear. 19 O aldeamento descrito pelo cronista da expedição de Francisco Orellana, Frei Gaspar de Carvajal, foi denominada de Las Picotas (dos pelourinhos), isto porque segundo Porro (1992), nos seus povoados havia muitas varas ostentando cabeças de mortos. Essa, portanto, foi a primeira denominação para a região de Parintins. Ainda nesta viagem a expedição confrontou com as Amazonas3, próximo ao desembocar do rio Nhamundá, abaixo da Serra de Parintins. Orellana, que já sabia de sua existência por meio de índios que o haviam alertado, ficara espantado com as mulheres guerreiras. Collyer (1998 p.31) relata que, A 22 de junho de 1541, quando a expedição se aproximava da foz do Rio Nhamundá, para suprir-se de alimentos, foi atacada por uma saraivada de flechas. Os Homens não conseguiram desembarcar. Ao contrário, tiveram que travar renhido combate. Para espanto e surpresa dos soldados de Orellana, entre os índios bravios destacavam-se dez ou doze mulheres de compleição forte, altas, de longos cabelos e por demais ágeis no manuseio do arco. Para Porro (1995), a participação ativa das mulheres na guerra não era algo incomum entre os indígenas americanos, e a documentação etnográfica a respeito não é desprezível. Orellana já tinha notícias das guerreiras amazonas por meio de relatos de Colombo que afirmava ter encontrado semelhantes mulheres nas Antilhas. Ainda assim ficou surpreso. Para Collyer (1998) o mito das Amazonas brasileira vem atravessando a história, merecendo estudos de cientistas e literatos. O cônego Francisco Bernardino de Souza, em sua obra intitulada Lembranças e Curiosidades do Valle do Amazonas publicado em 1873, conclui que seria difícil provar ou negar a existência das amazonas. Vejamos: Orellana commandava um navio, não foi o único a combater contra as Amazonas, não se achava a sós; acompanhava-o a guarnição do navio, que se não compunha exclusivamente de marinheiros rudes e soldados ignorantes, que facilmente podessem ser illudidos, mas também de officiaes, que é de presumir tivessem certa educação e conhecimentos. Seriam elles outros tantos protestos, que se levantariam contra a fabula por elle engendrada e em seu único proveito. 3 A respeito desse mito recomendamos a leitura do livro de Iraildes Caldas Torres, “As Novas Amazônidas”, publicada pela Edua em 2005. 20 Entretanto não consta que um só se apresentasse desmascarando o embuste, e a narração de Orellana correu mundo, sem que nenhum dos seus companheiros a desmentisse e contradissesse.com elles chegou à pátria, onde referio o sucesso em que deviam todos ter tomado parte, e estes que sem duvida teriam sido interrogados, não desmentiram o facto. Estariam todos elles peitados? Teria havido accordo prévio entre todos elles, de modo que nunca trahissem a promessa que mutuamente se haviam feito? Semelhante hypothese parece ser ainda mais difficil de verificar-se do que a possibilidade da existência d‟essas mulheres, constituindo uma república e vivendo na mais completa independência de homens. (SOUZA, 1873, p.168). Mais de cem anos depois da passagem de Orellana, os padres Manuel Pires e Francisco Veloso, quando saíram do Maranhão em 22 de junho de 1657, a caminho do Rio Negro, mantiveram contato com os índios da região. Segundo Leite (apud, CERQUA, 1980, p. 21), “na viagem os dois padres tomaram contato com os índios da ribeira do Amazonas, sobretudo Aruáque e Tupinambarana”. A partir daí a notícia que se tem é que os contatos tornaram-se mais freqüentes por parte dos religiosos. Para Souza (2003), a evangelização começou efetivamente na Amazônia com o missionário Padre Antonio Vieira que idealizou e fundou na Amazônia as chamadas missões jesuítas. De fato, segundo Cerqua (1980), em 1658 os índios da ilha de Tupinambarana são visitados pelo padre Francisco Gonçalves, provincial dos jesuítas, o primeiro missionário a pisar na Ilha de Tupinambarana. Somente em 1660 é que os primeiros padres se ocuparam efetivamente da evangelização dos índios, sendo eles os jesuítas Manuel Souza e Manuel Pires, ficando a ação deste último estendida até os rios Negro e Solimões. Para Souza (2003), são esses dois os fundadores de Parintins. A partir da narrativa do Padre João Felipe Bettendorf, encontrada em Cerqua (1980), os padres Manuel Pires e Manuel Souza, em 31 de dezembro 1660, ergueram uma capela dedicada à Santa Cruz, o autor sugere que a localidade escolhida pelos padres possa ser a Boca do Jatapu ou do Remanso, hoje na região de Parintins, fato evidenciado pela quantidade de restos cerâmicos, que revelam ter sido ali um grande aldeamento. Ao assumir o cargo de Provincial da Companhia de Jesus, o padre João Felipe de Bettendorf realiza uma viagem de visita aos jesuítas que foi autorizado pelo padre Antonio Vieira. Acompanhado pelo padre Píer Luigi Consavi e pelo Irmão Domingos 21 da Costa, visita as missões de nossa região onde já havia residências de base. Cerqua (1980 p.23) nos diz a respeito de Bettendorf que, Em sua crônica fala expressamente de 6 aldeias, das quais uma, Irurires, no Madeira, e 5 entre nós, São Miguel dos tupinambaranas, Andirazes Curiatós, Maguases (Maués) e Abacaxis. A 29 de setembro dedica uma capela em honra a S. Miguel „na aldeia dos Tupinambaranas‟, „que ficava umas cinco jornadas do rio Tapajós, em ponta alta sobre o rio‟. É a nossa Parintins, cuja posição é bastante alta com relação à várzea circunstante. Infelizmente não há lembrança com S. Miguel por orago; afinal eram capelas improvisadas em populações ainda móveis. Para Saunier (2003), o Padre João Felipe de Bettendorf, fundador de missões e vilas, entre elas Tupaiu, hoje Santarém no Pará, fundou no dia 29 de setembro de 1669 a cidade de Parintins que tem início com a capela de São Miguel. Quanto às missões de Andirazes e Curiatós não se tem certeza de suas localizações, porém acredita Cerqua (1980), que as mesmas devam ter sido erigidas no rio Andirá e rio Uaicurapá. Um surto de mosquitos obrigou parte da população de Tupinambaranas a mudarse para outra localidade conhecida, hoje, segundo Souza (2003), como Freguesia do Andirá, diminuindo a população que vivia no aldeamento às margens do rio Amazonas. Com a chegada de padre Antônio Fonseca, parte da população da missão da Freguesia do Andirá veio para próximo à ilha de Tupinambarana. Segundo Cerqua (1980, p.24), Ele, para facilitar seu trabalho apostólico, operou logo mudança „não total‟ para um lugar mais central e mais perto da Tupinambarana da beira do amazonas. Deixando parte dos índios na aldeia dos Andirazes, fundou uma nova aldeia dos Tupinambaranas „um pouco mais para cima, num formoso outeiro que olhavam para um belo e espaçoso lago, com bons ares, boa vista e bons mantimentos; e unindo-o pela origem de seu primitivo orago, construiu igreja e grande casa em honra a S. Inácio. O chefe era João Cumiarú, afamado na guerra‟. Essa localidade foi denomida Tauaquera (Taua=aldeia, Quera=aquela que já foi antiga) e ficava entre as regiões onde hoje se localizam as comunidades rurais de São Carlos e Marauarú. Segundo Cerqua (1980), Tauaquera se tornou o centro das missões 22 Jesuítas, atendendo os índios Curiatós, Condurises, Andirazes e Maraguares. Em sua visão era uma aldeia pobre, mas bem governada, na qual se podem observar ainda hoje suas ruínas. O cônego Francisco Bernardino de Souza em 1873 descreveu assim o lugar: Na sua foz e em uma bella praia está o lugar denominado Tauaquéra, onde os jesuítas começaram a edificação de um convento, cujas paredes ainda ali existem, admiráveis sobretudo pela solidez da construção. Constatando que no círculo que abrange aquellas paredes haviam grandes riquezas enterradas, mais de um individuo ali tem ido fazer escavações, que nenhum resultado tem dado (SOUZA, 1873, p.263). Cem anos depois, já na segunda metade do século XX, Cerqua (1980), ainda chamava a atenção para as escavações que eram realizadas por pessoas que acreditavam haver ali tesouros enterrados nas ruínas de Tupinambarana do Uaicurapá. O padre alemão Samuel Fritz, religioso da Companhia de Jesus, fundador de missões no rio Solimões, quando vindo de Belém a caminho do Peru, em seu diário descreveu sua passagem por Tupinambarana em 1691, na qual hoje se acredita ser a do Uaicurapá de acordo com seu relato (apud, PINTO, 2003, p.104), A 17, meio dia, chegamos à foz do rio dos Tupinambaranas; às oito da noite, à aldeia onde residia o padre Antônio Fonseca. Esta aldeia está entre os lagos. Aqui paramos nove dias, consertando as canoas. A 26, pela tarde, partimos dos Tupinambaranas; caminhamos sete dias sem haver aldeia nem gente. Os padres Manuel Pires e Manuel Souza, foram transferidos para a missão do Tapajós. Em 1723 chega o padre Manuel dos Reis que passa a residir em São Miguel dos Tupinambarana, onde ergue uma capela em homenagem a São Francisco Xavier. Cerqua (1980 p.27) assinala que “o aumento da população e a limpeza do lugar reduziu muito a praga dos mosquitos”, no entanto, as epidemias começam a aparecer, diminuído dessa forma, uma população que em 1730 era formada por 495 índios, dos quais 284 eram batizados4. Parte da população que restou migrou para a aldeia de São José no rio 4 Há indícios de que se tratasse de uma epidemia de sarampo e bexiga (ver SOUZA, 2003). 23 Tapajós por volta de 1737, levados pelo padre José Lopes. Outros foram para a aldeia dos Abacaxis, que de 500 pessoas que contavam em 1696, passou a ter 923 habitantes em 1730 (CERQUA, 1980). Tanto para Cerqua (1980) quanto para Souza (2003), mesmo com as epidemias, o esvaziamento das aldeias de Tupinambarana se efetivou a partir da política pombalina para a Amazônia, executada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado que perseguiu os Jesuítas e transformou as Missões religiosas em vilas de governo. “É pena que, perseguindo os Jesuítas em nome de Pombal, causou a ruína de tantas missões, inclusive a de nossa região, paralisando assim o progresso e até devolvendo novamente ao mato, vilas prósperas e tantos índios já em via de civilização” (CERQUA, 1980, p.30). A ascensão de Dom José ao trono português em 1750 alterou a política para as colônias. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, com o objetivo de libertar Portugal da influência inglesa, põe em prática uma política de recuperação e modernização nacional, interferindo nas instituições econômicas, políticas e sociais, indo de encontro com a igreja que tinha forte influência em Portugal. Com a reforma Pombalina, a Amazônia ganha uma atenção especial do governo português, recebendo intervenção direta da metrópole, no espaço político e econômico do governo. As principais medidas adotadas por Pombal para a Amazônia foram as seguintes: 1. A drástica modificação ocorrida na política relativa à mão-deobra indígena, proibindo o recrutamento da mão-de-obra nativa pelas tropas de resgates: os índios passaram a ser considerados livres e assalariados, portanto, súditos de Sua Majestade, embora fossem dirigidos por funcionários seculares do estado, os diretores de índios, que passaram a atuar nos antigos aldeamentos missionários; 2. A instituição de uma companhia de comércio que funcionou durante mais de vinte e dois anos (1755 – 1778), com a finalidade de introduzir escravos africanos a crédito, para dinamizar a agricultura e incrementar o comercio na região, além de promover o povoamento através da imigração de casais açorianos. A Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará introduziu mais de 14 mil escravos africanos e incentivou a cultura do café, cacau, arroz e outras. Entretanto essa medida pôs na ruína comissários e armadores de navios que mantinham o tráfego com o Pará e o Maranhão, como também pequenos negociantes estabelecidos na colônia. 3. A redistribuição (entre militares e particulares) das propriedades confiscadas dos Jesuítas, por doação ou venda em hasta pública. Algumas propriedades foram transformadas em vilas. 4. A reformulação e ampliação da incipiente máquina administrativa local e a transformação das antigas missões em vilas e lugares com novas denominações lusitanizadas. Criou-se o Estado do 24 Grão – Pará e Maranhão (1751) com sede em Belém, a Capitania do São José do Rio Negro (1755) com sede em Barcelos, na antiga Aldeia de Mariuá, e o estado do Grão – Pará e Rio negro (1772). (SANTOS, 2002, p. 46-47). O objetivo da política pombalina consistia em centralizar a administração portuguesa impedindo áreas de atuação autônomas por ordens religiosas, cujos fins eram diferentes dos propósitos da coroa. Para Pombal a integração da fronteira passava pela integração dos índios à civilização portuguesa. Isso justifica uma série de medidas tomadas pela administração em relação aos índios e a Amazônia. Fausto (2008, p.111), diz que “a escravidão dos índios foi extinta em 1757; muitas aldeias na Amazônia foram transformadas em vilas sob a administração civil; a legislação incentivou os casamentos mistos entre brancos e índios”. E ainda complementa dizendo que a maioria das propriedades urbanas e rurais confiscadas dos jesuítas foi arrematada em leilão por grandes fazendeiros e comerciantes. A expulsão dos Jesuítas das aldeias de Tupinambarana trouxe prejuízos “a Aldeia de São Francisco Xavier, hoje Parintins, que ainda resistiu por algum tempo, mas os poucos moradores que ficaram perderam o ânimo para o trabalho na agricultura e sem produção a aldeia desapareceu em alguns meses”. (SOUZA, 2003, p.10). Acrescenta Cerqua (1980, p.31), “algumas vilas nossas desapareceram assim como a do Uaicurapá e como a da própria Tupinambarana, que foi invadida novamente pelo mato, ficando poucos habitantes”. O período da administração de Pombal na Amazônia resultou, pelo que percebemos em uma desaceleração populacional das aldeias indígenas de Tupinambarana. Foi com a chegada de José Pedro Cordovil que Tupinambarana se reorganizou, o qual estruturou uma vila no modelo pombalino em 1796. Na verdade Cordovil, Foi o fundador da antiga Villa Nova da Rainha, hoje Vila Bella da imperatriz, onde teve um importante estabelecimento agrícola, além do que possuía nas terras que da foz do lago José – assú, dentro do Ramos, á do Matto – grosso, no Amazonas, lhe foram concedidas em sesmaria pela rainha D. Maria I. O lugar onde está hoje edificado o paço da câmara municipal de Villa Bella foi o da primitiva residência de Cordovil (SOUZA, 1873, p.185). 25 Cordovil introduziu os primeiros escravos em Tupinambarana. Bittencourt (1924, p.77), afirma que o número de cativos no ano de 1848, era de 77, em 1859 aumentou para 192, e em 1861, subiu para 263, para então decrescer até a abolição da escravidão na província, em 1884, com 131 escravos. Também para João Jorge de Sousa (1989), Cordovil é o fundador da cidade de Parintins. E ainda segundo seu relato, Em 15 de junho de 1847, na antiga matriz de N. S. do Carmo, acontece um batizado com alforria. Uma negra, Virginia, filha de Josefa Isabel, escrava de Filipe Gomes de Oliveira Seixas, na hora do batismo é declarada livre da patroa, a presença das testemunhas Joaquim da Silva Meireles e Antonio Ferreira Franco, que assinaram o livro junto com o sacerdote (SOUZA, 1989, p. 30). Arthur Cézar Ferreira Reis, em As Origens de Parintins (1967), afirma que José Pedro Cordovil foi o organizador do núcleo populacional, a partir da reunião de índios Maués e Sapupés em 1796, e Paravianas e Uapixanas em 1798. Quando os índios vieram vencidos do rio Branco e distribuídos por várias capitanias por medida de punição, os Tupinambarana também estavam entre os punidos. Quanto ao lugar onde outrora foi o paço da Câmara Municipal de Vila Bela, local onde Cordovil teria fixado residência, atualmente funciona a Escola Estadual Araújo Filho. Ao que parece Cordovil tinha um temperamento difícil, nervoso e violento, foi protagonista de vários incidentes e hostilidades, isto contribuiu para levar o povoamento à decadência com a fuga de índios, e causando um conflito com frei José das Chagas que chegou à Tupinambarana posteriormente. Para Souza (1873, p. 185), Cordovil tinha um, Gênio excessivamente irascível e orgulhoso, não admittia superioridade, pelo que teve de sustentar longa e porfiada luta com o missionário Fr. José das Chagas, a quem por fim foi obrigado a ceder o campo, pela impossibilidade de o sustentar, vendo-se abandonado do público cujas sympathias e boas graças não soubera captar. Possuio avultadas riquezas, que perdeo no jogo, vicio a que se entregou em demasia, e não, como diz o sr. coronel Accioli, na redução dos índios. 26 Frei José das Chagas, Prior do Convento do Carmo de Belém, chegou à Vila de Tupinambarana em 1798, quando ocorreu a restituição do regime de missões através de carta régia de Dom Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos Arcos, Governador do Grão – Pará e Rio Negro. Frei José construiu uma igreja em honra a Nossa Senhora do Carmo, no local onde hoje está localizada a Praça Digital, antiga Praça Cristo Redentor, que serviu para culto até 1895, quando foi transferida para uma nova igreja que ficou dedicada a esta padroeira até o ano de 1955, quando passou a ser denominada Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus. O Motivo desta mudança deve-se a implantação da Prelazia de Parintins que elevou a Igreja de Nossa Senhora do Carmo a condição de Catedral, por isso, foi transferida para um novo templo construído na Avenida Amazonas, centro da cidade. Quanto à primeira igreja, ela foi demolida em 1905 por ordem do Superintendente, Capitão Sarmento, as outras duas, permanecem até os dias de hoje. Frei José das Chagas foi também “o primeiro que, devassando as matas do rio Maués – Açú, conseguiu chamar a si grande número de índios da tribo dos Maués, com os quais aumentou a população da Vila Bela” (CERQUA, 1980, p. 34). Sobre frei José das Chagas, Arthur Cezar Ferreira Reis (1967, p. 11), comenta que, Virtuoso, bem um sucessor daquela brava falange de religiosos de sua Ordem que, no Rio Negro, no Solimões, tinham evangelizado com tanto sucesso para a coroa e para o Cristianismo de Roma, atirou-se com alma a empresa. „Verdadeiro Las Casas e Anchieta da Mundurucânia‟, escrevia mais tarde o cônego Bernardino de Souza, „era o tipo do missionário católico, o amigo dedicado dos índios que também lhe votavam essa afeição sincera, profunda e dedicada dos filhos da Selva‟. O Cônego André Fernandes de Souza, citado por Antônio Clementino Ribeiro Bittencourt em Memórias do Município de Parintins (1924), faz uma breve descrição da Vila Nova da Rainha, informa que ali se encontrava o posto de registros das embarcações que atracavam na capitania. Ficava localizado na Serra de Parintins, local estratégico escolhido após sua remoção de Serpa, atual Itacoatiara, por determinação da Junta Governativa da Capitania de São José do Rio Negro em 1806. Vejamos: 27 Villa Nova da rainha está à margem austral do Amazonas, em uma bella planície, que é missão até agora, em que está o quartel dos commandantes do registro. O sítio não é só capaz de ser uma grande Villa, senão uma cidade populosa pelo terreno alto e enxuto. Seus portos, do mesmo modo, admittem a construção de um bello arsenal. Sua população, a que se tem unido grande números de famílias brancas, é de 1700 almas, que se occupam nos fabricos dos tabacos e outros paltios, como cacoaes e cafezaes. A sua igreja, com a invocação de Nossa Senhora do Carmo, com bons ornamentos, necessita de reparos e d‟ella é missionário Frei José Alves das Chagas (BITTENCOURT, 1924, p.16). Em 1806, frei José das Chagas deixa Vila Nova da Rainha para trabalhar em Canumã, onde fundou outra missão. Segundo Souza (1873, p. 83). “depois de uma vida affanosa, toda dedicada ao serviço do próximo e à catechese dos índios, já adiantado em annos e em estado de caducidade, falleceu na Villa de Borba, deixando n‟essa parte do amazonas um nome, que por largos annos ali será repedido com a mais profunda veneração e respeito”. José Pedro Cordovil, “morreu mendigo, coberto de andrajos, á porta do hospital da caridade em Belém” (SOUZA, 1873, p.185). A 28 de junho de 1832, a missão de Vila Nova da Rainha foi elevada à categoria de Freguesia com a denominação de Tupinambarana. Com essa promoção eclesiástica, passa a ser seu primeiro vigário, o Padre Antonio Augusto de Matos. Vinte anos depois a freguesia de Tupinambarana foi elevada à categoria de Vila e Cidade, com a denominação de Vila Bela da Imperatriz. É nesta data que se comemora oficialmente o aniversário da cidade. Para Bittencourt (1924, p.93), “foram autores do projecto dessa lei os Deputados, Padre Torquato Antonio de Souza, Joaquim José as Silva Meirelles e José Bernardo Michilles”. Afirma ainda que este último, na Assembléia Provincial do Amazonas, fez pronunciamento na sessão de 13 de setembro do mesmo ano com as seguintes considerações: „havendo sido elevada à cathegoria de Villa a Freguezia de Villa Nova da Rainha, pela lei n.º 146 da Provincia do Pará; e não tendo podido gozar Ella do predicado que alei lhe garante por offerecer a mesma lei a clausula de serem á custa de seus moradores edificadas casas para Camara e Cadeia: Sendo conveniente entretanto, que aquella freguezia apresente o melhoramento de que tanto precisa pela sua boa localidade e mesmo por ser a primeira á entrada da Província, em cujo ponto têm de tocar todas as embarcações vindas da Província do Pará, se offerece 28 o seguinte projecto, que faz desapparecer as dificuldades até agora encontradas‟ (BITTENCOURT,1924, p.93). Chamava a atenção para o fato de que pouco foi feito pela Província do Pará, quando da elevação de Vila Nova da Rainha à categoria de Freguesia, ficando inclusive a cargo dos moradores a construção dos prédios públicos. Raros melhoramentos foram feitos durante o Império, pois em 1871, o chefe de polícia, dizia que embora coberta de telha, a cadeia pública não oferecia segurança, “Em Relatório de 16 de março de 1875, dirigido à Assembléia Legislativa Provincial, a Presidência pede a reedificação da cadeia de Villa Bella, como as de outros logares”. (BITTENCOURT,1924, p.198). Somente em 1893, já na República, se deu inicio a construção, em pedra e tijolo, do prédio de uma cadeia em Vila Bela da Imperatriz, sendo esta concluída em 1894, na administração de Eduardo Ribeiro. Assim como a primeira igreja de Parintins; em 2004, a cadeia que estava localizada na Avenida Amazonas, esquina com a Rua João Melo, em frente à Catedral de Nossa Senhora do Carmo, foi demolida pela prefeitura, na administração de Frank Garcia, sendo construído no lugar um prédio para acomodar bares e lanchonetes. Pela lei nº 499 de 30 de outubro de 1880, a partir de projeto do deputado Emilio José Moreira, Vila Bela da Imperatriz foi elevada a Cidade com o atual nome de Parintins. Segundo Bittencourt (1924, p. 97-98), O autor justificou o projecto com as seguintes considerações: „Attendendo ao desenvolvimento que nestes últimos annos tem tido Villa Bella da Imperatriz, cabeça da importante Comarca de Parintins, e considerando que essa florescente localidade tem em si elementos para continuar a prosperar, tenho a satisfação de apresentar o seguinte projecto‟. Esse projecto, approvado em todas as discussões, foi sanccionado pelo Presidente Dr. Satyro d‟Oliveira Dias. No final do século XIX e inicio do século XX, Parintins vivia uma época de muita prosperidade, com oportunidade de ganhos e trabalho. Para lá emigraram vários judeus que se estabeleceram na cidade e no interior do município. A imigração de judeus para a Amazônia se inscreve no âmbito dos conflitos sociais, políticos e 29 religiosos que vinham enfrentando com severas perseguições por parte da Espanha, Portugal e posteriormente Marrocos desde o século XV. A notícia que se tinha da Amazônia era de ser uma Nova Canaã. O futuro celeiro do mundo soava bem para grande parte de um povo que naquele momento passava por necessidades e perseguições. Vivenciando o período áureo da borracha e não podendo concorrer com os grandes comerciantes de Belém e Manaus, a primeira geração de judeus se estabelece no interior do estado, onde dão início às atividades comerciais aviados por outros judeus prósperos. Benchimol (2008), afirma que os judeus foram os primeiros regatões da Amazônia, desafiando assim o monopólio dos comerciantes já estabelecidos na região. Em Parintins, dominaram o comércio que era incipiente, formando algumas empresas como o estabelecimento “Ordem e Progresso” de Moysés Cohen, no Paraná do Ramos, a loja “Casa Sportiva” da firma Moysés S. Cohen & Cia, e “Assayag & Irmão”, com empório de bebidas, tecidos, embarcações e regatão para o interior do estado. Por desafiarem as oligarquias dominantes, eram mal vistos, sendo constantemente vítimas de preconceitos. Segundo Morais (apud, BENCHIMOL, 2008, p. 86), Veio depois o hebraico, menos atiradiço, é certo, no que dizia respeito a rabo de saia, entanto mais sovina, mais usurário, devoto e fiel no arrancar couro e cabelo do cristão que lhe caísse nas unhas. Além de monopolizar o comércio em muitas localidades exemplificadas em Gurupá e Parintins, donde somente o desalojavam as iníquas e violentas reações coletivas, a tiro e a terçado: o israelita monopolizava igualmente o comércio de regatões, vendendo, trocando, comprando, o que aparecia na fímbria litorânea. Benchimol (2008), afirma que na cidade havia um sentimento anti-semita motivado pelo sermão do padre Paulo Raucci, o que culminou no movimento mata – judeu. Houve então, atos de violências e perseguições no Paraná do Ramos, Massauari e Arari, locais pertencentes à área de atuação do referido padre. Muitos judeus fugiram da cidade refugiando-se em Amsterdam, Palmares e Belo Horizonte, locais do interior do município. De 1920 a 1950 a economia da Amazônia entra em crise, obrigando o povo judeu a abandonarem o interior e migrarem para as grandes cidades como Belém e Manaus. Assim começam a largar as vilas, povoados e pequenas cidades como Parintins 30 num movimento migratório que, segundo Benchimol (2008), constitui-se em um êxodo para as capitais. Mas ainda encontramos evidências de sua passagem por Parintins como o cemitério exclusivo de judeus com 65 sepulturas. Benchimol (2008, p.424-425) assinala que, A existência de cemitérios judeus e as sepulturas judaicas em necrópoles comuns constituem o melhor testemunho histórico da presença das comunidades hebraicas em toda a região amazônica. Cada sepultura, na singeleza da lápide de mármore frio, com a inscrição em hebraico e português, do nome, da data do nascimento e morte do falecido e uma prece de paz a sua alma, representa o fim e o destino de uma vida que passou pela terra e deixou muitas saudades, recordações e lembranças de todos os seus queridos familiares. Ainda na primeira metade do século XX tem inicio a imigração japonesa para o estado do Amazonas. Para Kawada (1995), os japoneses trouxeram para o Brasil os costumes da cultura e arte nipônica que hoje tem dezenas de milhares de seguidores. Araújo (1995), em histórico da imigração japonesa no estado do Amazonas, afirma que a colonização no estado tem seu início a partir dos contatos e iniciativa do governador do Amazonas Efigênio Sales com a doação de Terras no município de Maués e Parintins a partir de 1927. Em Parintins, Sá (2010, p.38), nos diz que “a escolha do local decerto não foi gratuita: pelos rios Amazonas e Paraná do Ramos (que lhes davam possibilidade de dois portos) os produtos poderiam ser escoados para Manaus e ainda para Belém, as grandes capitais próximas”. Aliado a isso, vale lembrar que as várzeas da Amazônia são férteis e favoráveis á agricultura, principalmente as de ciclos curtos por conta das enchentes dos rios, mas que, entretanto, também garantem retornos econômicos mais rápidos. Devemos aos japoneses a introdução e o cultivo da juta no Brasil, que impulsionou por muito tempo a economia do estado do Amazonas a partir de mudas cultivadas por Ryota Oyama. Sá (2010), afirma que “em 1937, o senhor Ryota pôde colher seis toneladas de fibra e o senhor Yoshimasa5, quatro toneladas. Tão boa era a qualidade da fibra, que o comprador (a companhia Martins Jorge, no Pará) não 5 Yoshimasa Nakauchi segundo Araújo (1995), também realizou experiências com sementes de jutas. Entretanto, sua plantação foi destruída pelo gado restando somente a plantação de Oyama que gerou as sementes para a primeira safra. 31 acreditava que fosse produto do Amazonas, mas trazido da Índia”. Além do plantio da juta, os japoneses também trouxeram novas técnicas agrícolas que possibilitaram um melhor cultivo de outras espécies de planta como o guaraná que ainda hoje tem grande importância econômica para a região. Saunier (2003), afirma que a imigração japonesa no município de Parintins iniciou em 1929 com a chegada de Tsukasa Uetsuka que tinha a finalidade de instalar no lugar denominado Vila Batista, os Koutakusei, assim chamados os alunos formados na Escola Superior de Colonização do Japão, fundado por Uetsuka. Foi ele também que em 1931 fundou o Instituto Amazônia com permissão do presidente Getúlio Vargas para a colonização no estado do Amazonas. Neste mesmo ano chegou à Vila Batista a primeira turma de Koutakusei recém formados, no qual a partir daí a vila passa a chamar-se Vila Amazônia, após ser comprado do senhor Francisco Barreto Baptista por Uetsuka no ano de 1931. Assim, a imigração japonesa no estado do Amazonas antes da Segunda Guerra Mundial se deu em duas etapas, a saber: 1.ª etapa – a partir de 1929, considerada a primeira imigração, voltada para o município de Maués, principalmente para o plantio do guaraná. Contou com 49 pessoas. 2.ª etapa – a partir de 1931 – a segunda imigração, com a chegada dos primeiros koutakuseis, voltou-se para a Vila Amazônia, no município de Parintins. Firmou-se por sete anos, com a participação direta de 249 imigrantes. (SÁ, 2010, p.30). Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Brasil declara guerra ao Eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão, como conseqüência, o projeto de colonização de Vila Amazônia foi desativado pelo governo brasileiro, que em setembro de 1942 desapropriou a Companhia Industrial Amazonense, fundada por Uetsuka alguns anos antes, em 1936, com o intuito de gerenciar e comercializar toda a produção japonesa, principalmente da juta. Além disso, Vila Amazônia foi considerada espólio de guerra e vendida em leilão em 1946 a empresa JG Araújo, da cidade de Manaus. Quanto aos japoneses que ali residiam, foram levados forçadamente a Tomé – Açú no Pará, e lá permaneceram até o final da guerra. Em 26 de abril de 1955 chegaram a Parintins três missionários do PIME, Pontifício Instituto das Missões Exterior: padre Arcângelo Cerqua, superior do PIME no 32 Amazonas, padre João Airaghi e padre Jorge Frezzini. Tinham por objetivos colherem dados para a criação de uma nova Prelazia que seria confiada ao Instituto, a qual compreenderia os municípios de Parintins, Maués e Barreirinha. O PIME, fundado em Milão, em 1850, contava no final da década de 1940 com um grande número de missionários sem área de atuação, na medida em que não puderam sair em missão durante a II Guerra Mundial. O Cardeal brasileiro Dom Carmelo Mota6 em visita a Milão na Itália pediu o envio de alguns deles para o Brasil. Na Amazônia iniciaram sua missão pelo Amapá em 1948, no mesmo ano vieram para o Amazonas e assumiram a paróquia de Nossa Senhora de Nazaré na capital, Maués e Manicoré no interior. Ao chegar no Amazonas se ocuparam da criação de uma Prelazia, ficando escolhido o Município de Parintins como sede, por sugestão do padre Paulino Lamaier. Em 24 de junho de 1955 o L‟Osservatore Romano, publicação oficial do Vaticano, noticiava a criação da Prelazia de Parintins. E com a Bula Pontifícia Ceu Boni Patris Familias, (como bom pai de família), a 12 de Junho do mesmo ano, criavase a Prelazia de Parintins, abrangendo os municípios de Maués e Barreirinha, sendo a Igreja de Nossa Senhora do Carmo elevada à categoria de Catedral. Em 14 de maio de 1964, padre Arcângelo Cerqua tomava posse canônica como o Primeiro Bispo da Prelazia de Parintins. Com a instalação da Prelazia de Parintins, a igreja inicia um conjunto de ações sociais estratégicas: no campo da educação finaliza a edificação do Colégio Nossa Senhora do Carmo, implanta da Escola Agrícola São Pedro, no rio Andirá na aldeia Sateré – Mawé, além da construção de outras escolas e a implantação do MEB, Movimento de Educação de Base; a implantação da Rádio e TV Alvorada de Parintins e o Jornal Horizonte, posteriormente relançado com o nome de Novo Horizonte, na área das comunicações; nas artes a implantação da escolinha de artes dirigida por Ir. Miguel de Pascale7; no campo do entretenimento e lazer, a construção do Cine – Teatro da Paz 6 Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, vigésimo quarto bispo e segundo arcebispo do maranhão. Foi também o décimo quinto bispo de São Paulo e posteriormente seu terceiro arcebispo e primeiro cardeal. Participou de dois conclaves: do Papa João XXIII e do Papa Paulo VI. Ajudou a fundar e foi o primeiro presidente da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. 7 Miguel de Pascale missionário do PIME chegou ao Brasil em 1972 para exercer funções administrativas em Manaus. Transferido para Parintins em 1976 fundou no mesmo ano uma escolinha de artes nos fundos da residência episcopal. De sua escolinha saíram muito artistas que mais tarde se tornaram os grandes responsáveis pelo festival folclórico de Parintins. É dele as pinturas sacras que ornamentam a Catedral de Nossa Senhora do Carmo na mesma cidade. O Boi-Bumbá Caprichoso o homenageou em 1997 emprestando seu nome ao projeto social denominado „Escolinha de Artes Irmão Miguel de Pasquale‟. Por 33 e a realização de um campeonato de futebol organizado pela Federação Mariana; no trabalho, a implantação da Olaria Padre Colombo; e na saúde a construção do Hospital Padre Colombo. O Bispo de Parintins, Dom Arcângelo Cerqua, influenciava também nas questões políticas locais, chegando a sugerir candidatos a prefeitos. Isto ensejou vários descontentamentos e alguns boatos envolvendo a igreja, o PIME e o seu nome. O quadro de informações abaixo detalha bem essa questão, a saber: Dia 05 de julho (1968) pela Rádio Alvorada desmente-se um boato tolo, que infelizmente estava recebendo crédito entre o povo simples: no dia da festa os padres lançariam uma bomba para matar todo mundo. Falaram na rádio o Prefeito, o Delegado de Polícia Mozart de Freitas Vieira etc. O boato partiu de políticos interessados a denegrir a imagem da igreja (CERQUA, 1980, p. 110). Porém, no final de 1977 circulou aquela que seria a última da série de cartas anônimas contra o bispo e também a mais terrível. Nela o autor ou autores acusavam Dom Arcângelo de usar barba porque teria sido ferido no rosto por uma mulher em Macapá com quem vivia amasiado desde sua chegada ao Brasil. Queriam colocá-lo numa situação ridícula. Se raspasse a barba estaria sujeitando-se aos caluniadores. Se não raspassem permanecia a suspeita. A indignação foi geral. A Câmara Municipal presidida por Raimundo Muniz Rodrigues apresentou votos de solidariedade à prelazia a ao Bispo, os vereadores cobraram da autoridade policial uma detalhada investigação a respeito. O Colégio Nossa Senhora do Carmo encabeçou um movimento de desagravo a Dom Arcângelo logo apoiado pelas autoridades, movimentos e pastorais. De todas as partes chegaram telegramas condenando a aleivosia (SOUZA, 2003, p.177). Podemos perceber que a Igreja em Parintins exerce uma função social bem destacada, influencia inclusive a dinâmica da política representativa. A ideia de evangelização associada a práticas que ocupam espaços de carências sociais da população, fez com a igreja se transformasse em uma instituição forte, reconhecida e aprovada por grande parte da população. motivo de saúde Irmão Miguel deixou Parintins no primeiro semestre de 2009 para morar na casa de repouso para missionários do PIME em Lecco na Itália. Morreu em 03 de setembro de 2010 aos 93 anos. 34 1.2 As práticas de curas indígenas Nos primeiros contatos no século XVI, a Amazônia surpreendera os navegantes com a imensa população de índios, muitos deles vivendo em povoados extensos comumente chamados de províncias, pelos cronistas. As notícias de grandes aldeias nas margens dos rios, descritas pelos viajantes dão conta da existência de sociedades estratificadas, com produção de excedentes e comércio intertribal. Trabalhos, como os de Neves (2006) e Prous (2007), apontam para o fato de que a região amazônica nunca foi um grande vazio demográfico, inapropriada para o desenvolvimento de grandes concentrações humanas. Cronistas descreveram o médio Amazonas, no qual se inclui a ilha de Tupinambarana onde hoje se encontra o município de Parintins, como densamente povoado8. Até o século XVI não há nenhum registro dos cronistas sobre os Tupinambá, eles aparecem nos relatos a partir do século XVII povoando a ilha situada entre os rios Madeira e Tapajós. Porro (1992, p. 186-187) nos diz que, De acordo com Acuña, a ilha de Tupinambarana era „toda povoada pelos valentes Tupinambá, gente que das conquistas do Brasil, em terras de Pernambuco, saíram há muitos anos, fugindo do rigor com que os portugueses os iam subjugando [...] despovoando ao mesmo tempo oitenta e quatro aldeias‟. A partir do nordeste brasileiro eles teriam então atravessado as chapadas da Amazônia meridional até chegarem, pelo menos alguns deles, aos primeiros estabelecimentos espanhóis na Bolívia. Daí teriam descido o madeira para se fixarem finalmente na ilha que levaria o seu nome. Cerqua (1980) nos informa que, com a chegada dos Tupinambá advindos no movimento migratório dos tupi, que se iniciou a partir de 1600, a ilha de Tupinambarana foi ocupada e as tribos que já habitavam a região foram submetidas ao domínio Tupinambá ou exterminadas por eles. Porro (1992) considera que os movimentos messiânicos levaram muitos Tupi do nordeste, em sucessivas levas, para a 8 Ver História dos Índios no Brasil organizado por Manuela Carneiro Cunha, publicado pela Companhia das Letras em 1992. 35 Amazônia. Para Vainfas (1995), a saída dos índios do litoral para o interior se inscreve na ideia da busca das Terras sem Males muito difundida pelos caraíbas. Bittencourt (1924), afirma que os Tupinambá se fixaram na ilha antes denominada de Maracá, a partir de seu retorno do Peru devido a perseguições por lá sofridas. Dentre os Tupi, havia também segundo, Cerqua (1980), os Parintintin que deram origem primeiramente ao nome da serra e posteriormente à cidade de Parintins. Pela sua ferocidade e inimizade, esses índios acabaram sendo expulsos retirando-se para o rio Madeira. O Cônego Francisco Bernardino de Souza (1873) afirma que, A montanha de Parintins, diz Baena, assumiu este nome dos sylvicolas assim denominados, que a habitaram. Altos arvoredos a enramaram até a sua lomba, que é uma planura, onde dizem ter existido uma aldêa dos Parintintins, fundada pelos jesuítas e que os mesmos aldeanos se revoltaram contra os que lhe ministravam a doutrina, queimaram as casas, esboroaram a igreja, enterraram os sinos e transfugiram para as brenhas. Ainda dura nas circunvizinhanças a tradição oral, de que em todas as noites de natal se ouvem os sinos soterrados. (SOUZA, 1873, p.292). Também Saunier (2003), diz que os índios Parintintin, inimigos dos Mundurucu, que os chamavam de Pariring-ring, viviam na região dos rios Tapajós, Madeira e Maués. Entretanto, segundo este autor, há relatos de sua passagem pela serra de Parintins, e que de lá regressaram para seu lugar de origem. De acordo com Bittencourt (1924) os índios Sapupé e Maués também residiram no lugar onde hoje se encontra a cidade de Parintins. Uggé (1994), afirma que os Maués são os atuais Sateré-Mawé, também conhecidos no passado como Andirá e Maraguá e que atualmente vivem na área cultural Tapajós-Madeira. Outrora eram também identificados como Maooz, Mabué, Jaquezes, Manguases, Mahués, Mauris, Mawé, Maragua e Maraguazes. Inevitavelmente, após o contato com os primeiros europeus, inicia-se um processo de despovoamento indígena acirrado pelas guerras, mais principalmente pelas epidemias provocadas por doenças trazidas do velho mundo que acometeram os indígenas de forma fatal, devido a sua baixa imunidade, decorrente do longo isolamento. 36 Os descimentos e aprisionamentos indígenas, realizados por missionários e agentes do governo, concentravam inúmeras tribos nas missões, favorecendo dessa maneira as epidemias e impedindo sua auto-reprodução. As missões eram lugares onde ocorria a destribalização pela concentração de várias etnias no mesmo espaço. Era uma espécie de “cadeia” ou prisão que crescia com chegada de novos índios, que descidos ou resgatados, substituíam os índios já dizimados, vítimas de uma política genocida que promoveu o despovoamento das várzeas e florestas. Muitos desses lugares deram origem a vilas e cidades, como a Vila Bela que surgiu a partir da Missão de Tupinambarana. As epidemias, segundo Saunier (2003, p.209), se expandiram dentro das missões, a saber: Na terceira década do século XVIII, as epidemias assolaram a aldeia dos Tupinambaranas, tanto que, em 1737, os indígenas foram obrigados a se transferir para outras povoações. Em 1749, houve a primeira incursão de sarampo na Amazônia, acometendo, outrossim, a aldeia dos Tupinambaranas, reduzindo-os vultosamente. Mesmo com a salubridade do clima de Vila Bela da Imperatriz, as calamidades difundiram-se. Loureiro (2007) afirma que em 1854, já no II Reinado, o médico militar Antonio José Moreira, em relatório a Ferreira Pena, relacionava várias doenças como febres intermitentes simples e biliosas, disenterias, catarros brônquicos. Essas doenças são verificadas em várias localidades dentre as quais a Vila Bela. O cólera-morbo em 1855, também faz suas vítimas nessa localidade, reaparecendo no ano seguinte. Casos de febre amarela também são registrados ali em 1856. A varíola também vitimou em 1857, e em 1871 a febre amarela reaparece, e novamente a varíola fez suas vítimas em 1875 naquele local. No entanto, para o presidente da província, esses fatos foram inventados para o benefício de alguns médicos. É o que afirma loureiro (2007, p.156): Tentaram, segundo o presidente, inventar uma epidemia de febres no rio Negro, que se auto-extinguiu, e espalharam boatos de cólera em Parintins, quando se tratavam apenas de moléstias intestinais. Contudo houve febre, no Juruá, e as vacinas paraenses mostraram-se ineficazes contra a varíola. 37 Uma grande perda foi a morte, a 2 de março de 1877, no Rio de Janeiro, do doutor Antônio José Moreira que por décadas, fora o único médico existente na Província. Após séculos de dominação e ocupação da Amazônia, as aldeias e tribos descritas pelos cronistas nas margens do rio Amazonas desapareceram. Os índios foram dizimados ou destribalizados, restando as descrições etnográficas e impressões dos cronistas que são as informações que temos hoje. Diante das calamidades de saúde que foram acometidas as tribos indígenas e os primeiros povoamentos, os pajés, detentores de um saber de cura, tiveram grande importância e procura numa sociedade onde ter um médico era uma raridade. Essas calamidades não são as únicas justificativas, pois, vale lembrar que existia uma confiança no poder místico de cura do pajé, herança dos antigos Caraíbas Tupinambá que para Vainfas (1995, p.13), eram “homens considerados especiais, que tinham o poder de conversar como os mortos, os espíritos dos ancestrais”, que faziam pregações a respeito das terras sem males em seus rituais religiosos, que desconcertaram os portugueses que erroneamente chamou essa manifestação de “santidade”, pois “muitos disseram que os índios não pronunciavam as letras f, l e r porque não possuíam fé, lei ou rei, e outros, a exemplo de Nóbrega, disseram que o gentio não possuía nenhum conhecimento de deus, nem ídolos” (VAINFAS, 1995, p.13-14), Com o conhecimento das santidades, mudaram de opinião. Essa religiosidade e saber resistente ao domínio e à exterminação dos povos indígenas ganham novos elementos, a partir da introdução de outras tendências religiosas, fazendo surgir assim a pajelança cabocla9. Essa prática se integra em um contexto de relações sincréticas numa relação em que pajés e curadores podem ser também um cristão católico devoto e ao mesmo tempo podem presidir sessões xamanísticas. De acordo com França (2002, p.94), O Estado do Amazonas, no norte do Brasil, é muito rico no processo de cura simbólica, especialmente devido à sua tradição indígena. A dificuldade de recursos médicos nas cidades distantes do interior faz com que as práticas naturais de cura simbólica sobrevivam com a força de seus representantes, apesar do gradativo avanço dos medicamentos industrializados e das práticas médicas científicas. 9 Ver também p. 103. 38 A religiosidade tupi ainda hoje pode ser percebida nas tribos atuais que vivem na região de Parintins. Uggé (1994, p.11), ao se referir aos atuais índios Sateré-Mawé, afirma “que sua expressão religiosa está constituída a partir de um sincretismo que tem matrizes no animismo primitivo, espiritismo, afro-brasileiro e na fé cristã”. Há na primeira o elemento da cosmovisão religiosa e ética tribal. Existem hoje vários procedimentos de cunho espiritual, de cura ou pajelança, em comunidades não indígenas que encontram fundamentos nos antigos pajés das tribos que outrora habitaram a região. Essa atividade de costume não convencional para o colonizador conseguiu sobreviver na marginalidade, propugnada pelo cristianismo que associava tais práticas de cura a rituais satânicos. Tomando por base a premissa satânica, o conquistador cristão reprimia as práticas de cura. A igreja colonial de forma pejorativa tentou desvincular essas práticas do contexto indígena, tentando privar os índios de suas crenças. A descrição feita da figura do pajé e da pajelança, ainda que representada muitas vezes de maneira preconceituosa, nos mostra a contribuição desse saber tradicional junto à necessidade de suas tribos para manter o equilíbrio da etnia com a natureza e com o aspecto espiritual, permitindo-nos perceber seus ritos. Ao descrever a relação dos índios Parintintin com os seus pajés, Gondim (1925, p.16) diz que, Supersticiosos como qualquer selvagem, elles acreditam que, em certas epochas, o pagé da tribu tem o dom de curar doenças, repellir o gênio do mal, abrandar a ira dos elementos e fazer milagres em qualquer aventura. E‟ assim que, quando adoece um índio menor, o pae tem o cuidado de apresental-o ao pagé, com o fim de soprar na creança, livrando-a do espírito maligno. Nos momentos de ameaça de borrasca, quando estão em serviço, recorrem também ao poder mysterioso do pagé, pedindo-lhe para dissipar, com um sopro, as densas nuvens que fluctuam no espaço. Mas, não é só. Ao expirar da tarde, sempre que se encontram internados nas brenhas, advertem o Page a soprar para as bandas do poente, acreditando que o sopro accenderá o globo do sol que descamba, e lhes dará a luz para illuminar o caminho que se prolonga até a maloca. 39 Podemos perceber que a crença nos antigos pajés Parintintin se assemelha em muitos aspectos à fé dos benzidos nas benzedeiras, pois os povos tradicionais da Amazônia herdaram hábitos e modos de interagir em seus rituais a partir da visão do índio que conseguiu manter parte de seus costumes na sociedade amazônica que ele ajudou a produzir. Essa certeza da cura dos males, em que primeiro se busca a via tradicional, revela a confiança que se tem por parte dos que a procuram nas benzedeiras, como se tinham com os antigos pajés Parintintin. O saber tradicional assim como acontece com os Parintintin se completa na relação que existe entre a benzedeira e a natureza e que vai além da interação com as plantas medicinais e seu uso nos rituais. A pajelança constitui-se segundo Uggé (1994), na arte de interpretação dos fatos reais, fenômenos e sonhos, e a comunicação com os espíritos, envolvendo procedimentos para proteger o lugar e as pessoas. A função do pajé é bem ampla, inclui a cura, a comunicação com os elementos da natureza e a descoberta das causas das doenças e feitiçarias que também podem ser usadas durante as cerimônias para o malefício de outrem. Para os Sateré-Mawé, o feitiço é a causa e a resposta para as doenças e males inexplicáveis, podendo ser o feiticeiro homem ou mulher que, consciente ou inconsciente dos infortúnios que causa através dos feitiços, é o responsável por prejuízos materiais, doenças e mortes, exigindo assim uma grande atuação do pajé para que o feitiço possa ser desfeito. O nível de aceitação e crédito dos pajés pela comunidade está relacionado aos resultados positivos obtidos, assim, muitos pajés podem obter uma hegemonia na tribo. Segundo Uggé (1994, p.19-20), O pajé é o interprete e decodificador dos fenômenos que, na vida tribal, são relacionados com doenças físicas e morte dos indivíduos do grupo; fenômenos naturais – fertilidade ou improdutividade da terra, secas, enchentes, etc. É médium, pois explica sonhos, celebra rituais propiciatórios dos espíritos bons e maus. É, portanto, o intermediário do mundo extra-sensorial. Nos rituais de pajelança dos Sateré-Mawé, segundo Uggé (1994), são usados penas de araras e o maracá, composto de um pequeno bastão inserido em um fruto denominado amuncuré, que é agitado durante as cerimônias. Yamã (2004) menciona o uso do pariká, erva alucinógena extraída de uma planta do mesmo nome que 40 transformada em cigarro, o tawary, é usada para atingir um estado de transe e chegar ao mundo das entidades protetoras. Esses assessórios, típicos dos tupis, e presentes nas representações dos Sateré-Mawé comprovam uma ligação direta dessa tribo com os povos tupi que habitaram a região. Há igualmente o chá de Marary, também chamado de Ka‟apy, para promover o encontro com outras entidades. Para Menéndez (1992), é provável que tenha havido uma tupinização dos Mawé, através das relações que os tupinambá mantinham com outros grupos tribais. Para Yamã (2004), são eles, verdadeiramente, de origem tupi. Ao descrever a pajelança este autor faz uma distinção em três classes de pajés que, combinando magia e conhecimento, conseguem através dos espíritos revelarem os segredos das doenças e dos remédios. Para ele a pajelança é a forma estruturada da prática de cura da Urutópiãg, a religião tradicional dos índios. Aqui, os pajés, pessoas capacitadas espiritualmente, são usados pelas entidades para suas práticas e manifestações. De acordo com os estudos desse autor, os pajés podem ser classificados em: Payé (pajés) – são os sacerdotes „oficiais‟ da Urutópiãg, mediadores entre os sobrenaturais e os homens, os médicos da selva, os que herdaram o espírito curador de Anhyã-muasawyp, a primeira mulher que existiu no mundo, moça bondosa, conhecedora de todos os remédios e rituais de pajelanças, que depois de morrer, seu espírito retornou e passou a encarnar na sabedoria dos curandeiros. Ela é a mãe espiritual de todos os pajés. Payé’poxy (feiticeiros maus), que como o próprio nome diz são aqueles que usam a pajelança para praticar a maldade, herdaram os seus poderes de magia do antigo trio de peixes feiticeiros o Jejú, o seu irmão Matrinxã e sua esposa Traíra, que formam o grupo chamado Murikarywá, que viveram no começo do mundo – e são a origem da feitiçaria, e os pais de todos os feiticeiros maus. E, por último, o médico caseiro ou payé’rãna – aquelas pessoas que tem por natureza uma identificação maior com a pajelança, mas não a praticam espiritualmente, somente usam seus conhecimentos para a medicina tradicional comum, fabricando remédios caseiros mediante as ervas e „puxação‟, denominação regional de massagem na parte cansada ou dolorida. Uma técnica de cura que consiste em recolocar o osso deslocado no lugar. Os payé‟rãna podem ser homens ou mulheres, e são espíritos acessíveis ao chamado e a manifestação das entidades, seu trabalho é igual ao do primeiro estágio de pajé, e se torna um, se assim quiser, bastando pedir orientação dos espíritos e do curandeiro que o espírito recomendar (YAMÃ, 2004, p. 41-42). 41 Na pajelança, ritual indígena praticado inicialmente por esses pajés, podemos perceber a relação de religiosidade presente nos rituais de cura que, combinadas com os conhecimentos da medicina tradicional indígena, busca solucionar as enfermidades mais graves. Yamã (2004), fala na cura da alma e das doenças pelos espíritos, isto exige um encontro com o divino, pois através de ritos e procedimentos, se conhece não somente a causa, mas também a cura dos males. Há ainda casos específicos de pajelança em que a cura só pode ser adquirida por vias mágicas, como a panemice10 (azar), e o encosto de espíritos ruins. Ao descrever a pajelança indígena dos Sateré-Mawé em um ritual de cura, Yamã (2004, pg. 46) narra que, No inicio da cura, o pajé acende seu cigarro tawary, extraído do vegetal do mesmo nome. E aspira-o fortemente inúmeras vezes soprando a fumaça sobre o corpo do doente. Terminada essa primeira fase da operação de cura, o pajé, auxiliado por um ajudante que pode ser um aprendiz, começa a entoar os cantos sagrados em exaltação ao Espírito protetor da pessoa, o ajudante, por sua vez, agita o seu maraká, ou marãgká em Sateré, com toda força, no ritmo da música, e dança ao redor da pessoa por muitas vezes. Então o pajé começa a sua reza, pedindo diretamente que o espírito se manifeste e cure o doente. Essa cura pode vir na maioria das vezes por meio da fumaça soprada sobre o doente. É o ponto mágico da sessão. O ritual está completo. O pajé e o seu paciente sentem bem a presença do espírito benfeitor e seu poder é horrendo, sua presença expulsa o demônio ou sara a doença mais difícil para a medicina caseira. Existe ainda outro procedimento de caráter espiritual praticado pelos pajés denominado de benzedura, no qual o ritual é voltado para afastar o mal que ronda a pessoa, restabelecendo o bem-estar do espírito. Este mal que não é uma doença em si, pode ser, no entanto, responsável por sucessíveis doenças adquiridas a partir da inveja ou ódio de outrem. As pessoas que estiverem acometidas por “quebranto”, a mais temida doença que pode ocorrer, em que as crianças são as mais propensas vítimas, só ficarão curadas quando benzidas exclusivamente por um pajé, em um ritual de restabelecimento espiritual. Para Yamã (2004, pg. 47), 10 Verificar também p. 105. 42 A „benzedura‟ também serve para proteger o corpo de qualquer mal ou doença física, previne qualquer dor e anula venenos de animais, também os afastam da pessoa „benzida‟. Neste ritual, o pajé assim como a cura espiritual, usa o cigarro de palha tawary, mas ao invés de entoar cantos sagrados, apenas reza, e o faz, não para o Espírito protetor do doente, mas ao seu próprio espírito, para que lhe guie e lhe ajude a fazer a cura certa. Sua sessão, dependendo da forma e da serenidade, muitas vezes não é permitida ser vista por outros, assim fica um mistério no ar que nenhum pajé faz questão de mostrar pois é altamente confidencial. Outra forma de cura exercida pela pajelança é aquela feita através das ervas e técnicas que não se configura como ritual espiritual. É o que Yamã (2004, p.48), denomina “medicina caseira”, sendo praticada apenas para os casos de enfermidades mais simples de se tratar. Os payé‟ranas, curandeiros ou pegadores, como são conhecidos regionalmente, sempre dispõem de um remédio por eles preparados para males como: febres, dores no corpo, desmentiduras e dores de cabeça. Entretanto, juntamente com os Payés e os Payé‟poxys, os payé‟ranas, são também responsáveis pela harmonia espiritual e social dos Sateré-Mawé. Ao se referir a atuação dos payé‟ranas na tribo perante a enfermidade que podem tratar, Yamã (2004, p.48) afirma que, A cura não é por meio de rituais, e sim por „consultas‟ ao curandeiro ou pegador. Os remédios obtidos na sua própria casa não são vendidos, mas dados, e algumas vezes trocados por alimentos, pois o espírito fraterno em uma comunidade indígena é muito forte, na base de favores e amizades. Nessa pajelança, quando se aplica a cura, segue-se as beberagens, os banhos e a defumação. O tratamento obriga a um período de resguardo, em que se evita o consumo de determinados alimentos, banhos frios e o „sereno‟. É na pajelança, tanto caseira quanto espiritual, que os índios Sateré-Mawé buscam a cura e a resposta do que acontece com os homens. Yamã (2004), fala que é nela também que ocorre a vinculação da medicina indígena com a magia da Urutópiãg. Assim como na pajelança em que os índios encontram ajuda para o tratamento das doenças físicas e emotivas, e ao praticarem tais atos, conservam os costumes tribais, e mantém o respeito e confiança nas tradições em favor da sobrevivência espiritual e animista do grupo; na relação de benzição também ocorre fato semelhante, pois na 43 interação entre benzedeira e benzido em busca da cura, a tradição, a crença e a preservação dos costumes ainda se sustentam mesmo em face avanço da medicina institucional. 1.3 A atualidade da cura popular em Parintins Por muito tempo as mulheres foram submetidas ao silêncio provocado pela invisibilidade de suas ações e do importante papel que elas exercem na história da humanidade. Eram lembradas apenas quando se falava em família, afazeres domésticos e a casa. O papel secundário da mulher na sociedade é legada a ela por uma matriz patriarcalista que legitima a ordem social de submissão, impondo o domínio do homem como natural e divino. Afinal Deus pertence ao gênero masculino e toda a criação se deve a ele. A mulher era vista apenas como um depositário da vida; afinal, Eva foi extraída de Adão contrariando, assim, o sentido da concepção. Ao falar da desigualdade entre os sexos nas religiões monoteístas, Perrot (2008, p.83-840) diz que, As grandes religiões monoteístas fizeram da diferença dos sexos e da desigualdade de valor entre eles um de seus fundamentos. A hierarquia do masculino e do feminino lhes parece da ordem de uma natureza criada por Deus. Isso é verdade para os grandes livros fundadores – a bíblia, o Corão – e, mais ainda, para as interpretações que são trazidas a esse respeito, sujeitas a controvérsias e a revisões. A figura da mulher passa a ter uma analogia negativa, ela precisa ser disciplinada e estar submissa ao homem para que não perturbe a ordem divina estabelecida. Pois foi por uma transgressão que Eva, a primeira mulher11 caiu na armadilha da serpente, induziu Adão ao erro, e como castigo toda a humanidade foi excluída do paraíso. 11 Lilith teria sido segundo uma tradição hebraica a primeira mulher, e foi criada da mesma forma que Adão. Porém ela recusou-se a ser obediente a Adão e fugiu do paraíso. Deus então enviou anjos para buscá-la, mas Lilith além de recusar-se a voltar ainda se tornou esposa do demônio. Por conta desse episódio Deus fez Eva, uma nova mulher de uma das costelas de Adão para que ela viesse a ser submissa a ele. A respeito do mito fundador recomendamos a leitura do artigo de Séverine Fargette. Eva, Lilith, Pandora: O mal da sedução (História Viva, 2006). 44 Se por uma mulher todos sofreram com o castigo divino, segundo o cristianismo por Maria, a nova Eva, houve a redenção, fazendo surgir espaços para a inserção da mulher na Igreja. E assim “deixam escapatórias para as mulheres pecadoras: a prece, o convento das virgens consagradas. É o prestígio crescente da Virgem Maria, antídoto de Eva”, Perrot (2008 p.84). Mesmo com a definição da Igreja sobre a exclusividade masculina no sacerdócio, e apregoando a submissão como virtude, a mulher encontrou aberturas para a sua inserção dentro do poder masculino. O conhecimento de ervas e plantas medicinais fez das mulheres medievais entendedoras dos segredos da natureza. Este saber antes visto com afeição ganhou uma conotação negativa no momento em que, ao curar pelas plantas, a mulher também poderia matar através delas. Além disso, o demônio se utilizava dessas pessoas para realizar seus males numa relação de mútua cumplicidade. “os sinais de identificação das bruxas colocavam qualquer pessoa sobre suspeita, principalmente as mulheres ligadas a práticas de curas populares, como as benzedeiras, parteiras e curandeiras, ou seja, aquelas que detinham seu saber próprio que era transmitido de geração a geração” (FARINHA, 2009, p.344). Em uma análise sobre as bruxas Perrot (2008, p. 90), elucida que na visão do Santo Ofício, Elas têm contato com o diabo. O diabo cuja existência foi estabelecida e cuja teologia foi desenvolvida pelo concílio de Latrão. A feiticeira é filha e irmã do diabo. Ela é o diabo, seu olhar mata: ela tem mauolhado. Tem pretensão ao saber. Desafia todos os poderes: o dos sacerdotes, dos soberanos, dos homens, da razão. A solução é uma só: extirpar o mal, destruí-las, queimá-las. Embora a caça às bruxas tenha cessado, a normatização da condição feminina ainda vigorou por muito tempo. Os valores da família patriarcal foram transmitidos pelas mulheres às suas filhas que também reproduziam essa condição, pois a boa esposa era aquela que cuidava do lar e estava submissa ao marido. O saber feminino e sua relação com a natureza caiu no ostracismo ou ficou na marginalidade do conhecimento científico e erudito que não raro também o assimilou. O estado institucionalizou o conhecimento médico, sendo o único legitimador dessa prática, cerceando outros saberes ao garantir o tratamento de saúde pela via institucionalizada. Mesmo assim, ainda persistem no município de Parintins as práticas 45 de curas não oficiais, as quais segundo levantamento feito por Araújo (2008), podem ser classificadas em: Parteiras12, Erveiros e erveiras13, curadores e benzedeiras14, pegadores de ossos ou consertadores de desmintiduras15, costurar rasgaduras16, Sacacas17. Esses profissionais atuam paralelamente ao sistema oficial da medicina institucionalizada, contribuindo para a promoção da saúde e bem-estar dos que lhes procuram. Esta classificação não impede que haja uma interação entre esses saberes. São muito comuns os casos em que parteiras benzerem quebrantos18, “costuram” rasgaduras, “consertam” desmintiduras e preparam fórmulas naturais à base de ervas. Esses terapeutas populares são vistos e reconhecidos na sociedade pela atividade que mais atuam. Araújo (2008) identificou 58 terapeutas populares no município de Parintins, dentre os quais 50 são mulheres, e destas, 20 são consideradas benzedeiras, embora algumas delas atuem também em outras especialidades. As outras estão distribuídas em parteiras, erveiras, pegadoras de ossos, consertadoras de desmintiduras e costureiras de rasgaduras. Dos homens identificados, cinco também são considerados curadores e os outros três têm atuação nas outras especialidades, menos nos trabalhos que envolvem partos. Em entrevista Fátima Guedes (58 anos), educadora popular que integra o Movimento Articulação Parintins Cidadã, reafirma a grande atuação feminina neste campo assegurando que “o número maior é de mulheres, embora haja homens também, o que mais temos são mulheres trabalhando como cuidadoras da saúde” (entrevista/2010). E justifica afirmando que, Como se fosse assim, até uma marca indelével de toda mulher esse cuidado, esse zelo pelo outro, pela terra, e se a gente retomar um 12 Mulheres que realizam partos através de uma determinação e dom divino. Atuam no tratamento de doenças com o uso de plantas medicinais, sem a associação de rituais místicos ou religiosos. 14 Fazem suas curas através de um sincretismo religioso, com a utilização de rezas, magias e rituais específicos. 15 A partir de uma determinação divina conhecem o corpo humano, no qual realizam procedimentos ortopédicos e de lesões musculares. 16 Na cultura cabocla, a carne está propensa a se romper (rasgar) devido a esforço excessivo do corpo. Caso isso ocorra é preciso que se costure a carne rompida em um procedimento que inclui orações e o uso agulha e linha representando a carne rompida. 17 Pessoa que tem o dom de promover a cura por meio de plantas e orações. Esse dom é reconhecido quando essa pessoa ainda criança chora no útero materno. 18 Quebranto é uma forma de mal-estar atribuído a fatores de ordens não naturais. É uma energia negativa transmitido à criança. 13 46 pouco da história veremos que a sociedade antiga era matriarcal. Eram as mulheres que cuidavam da agricultura, foram as mulheres que inventaram os primeiros instrumentos agrícolas para não ferir a terra, até porque a terra era a grande deusa do universo, criadora dos povos, a soberana que produz o alimento que dá a vida. Então a terra, era cultuada como essa grande deusa. E como símbolo da feminilidade, da fertilidade, da criatividade, as mulheres se imbuíam de toda essa energia que a terra trazia, do qual tinha uma relação muito intima muito próxima. (Fátima Guedes, entrevista/2010). A expressiva atuação das mulheres nessas práticas de cura pode ser compreendida no âmbito dos papeis sociais e da divisão de tarefas entre os gêneros. As mulheres assumem o papel de cuidar da casa e do bem-estar da família e esta perspectiva familista ligada ao aspecto da reprodução, pode estar associado à prática da benzição. Conhecedoras da terra utilizam ervas e plantas, usadas com o objetivo terapêutico e, assim, vão se tornando conhecidas em seu meio social, obtendo legitimação como portadoras de um dom divino. Para Gomes e Pereira (2004), a presença da mulher é marcante no mundo da crendice e é ela, em uma maioria quase absoluta, que conhece o segredo das palavras e dos gestos capazes de exorcizar o mal. Essa divisão de tarefas a partir dos sexos pode ser entendida como a divisão moral do trabalho. Ou seja, a distribuição das tarefas é feita de acordo com as qualidades morais das mulheres, as quais estão associadas às questões familistas da comunidade, da casa, do corpo. A consulta à benzedeira ou a procura de seus serviços ocorre em sua residência, a qual, morando na periferia da cidade de acordo com a catalogação de Araújo (2008), atende a pacientes das diversas camadas sociais. As benzedeiras têm um papel social bem definido: o de trazer conforto, saúde e alívio aos males das pessoas que não encontraram ou não procuraram na medicina oficial a solução para seus problemas. Mesmo que o ofício da benzedeira interfira no campo da saúde institucionalizada, numa relação nem sempre harmoniosa. Estabelece-se um paralelo entre o saber erudito investido da armadura do conhecimento científico, e o conhecimento popular visto como senso comum, marginal. Para Oliveira (1985, p.74), O ofício da benzição sintetiza um dos momentos concretos e possíveis em que aparece o confronto popular / erudito, onde a benzedeira antagoniza o seu conhecimento ao do médico e ao dos padres. O 47 ofício da benzição é um dos momentos em que a benzedeira propõem uma releitura da religião e da medicina. Em nossa pesquisa, percebemos que as crianças, sobretudo as recém-nascidas, formam a clientela principal das benzedeiras de Parintins. Estas são levadas geralmente por suas mães para serem benzidas contra o quebranto, mau-olhado ou desmintidura. Pois, tanto as mães, quanto as benzedeiras, acreditam que as crianças são as mais vulneráveis às energias negativas do que os adultos, sendo, portanto, mais suscetíveis a essas enfermidades que somente as benzedeiras podem curar. Na Amazônia, é muito comum que o cuidado para que elas não sejam acometidas por esses incômodos iniciase desde pequeno, pois, de acordo com as observações de Galvão (1976, p.88), As crianças, mais que os adultos, são suscetíveis ao quebranto. Este é uma forma de mal – estar atribuída o mais das vezes a fatores de ordem não natural. De quatro a oito dias após o nascimento da criança deve-se manter fechadas as janelas e as portas para evitar o quebranto. Ele pode estar no ar, entrar com o vento. Não é um sobrenatural, mas uma espécie de miasma. Os pais não gostam que se lhes acaricie ou „agrade‟ muito as crianças. Mesmo que se trate de compadres e amigos. Como já mencionado, a única maneira de curar a criança que contrai essas enfermidades é mandando benzer. No caso do quebranto, o ritual se inicia quando a mãe relata para a benzedeira de que maneira ela acredita que a criança contraiu o quebranto, a partir daí, a benzedeira com um galho de vassourinha (Scoparia Dulcis – L.), começa a rezar na criança em voz baixa, gesticulando com o galho para extirpar o mal. Após a oração, geralmente são receitados chás de alho (Allium Sativum L.), ou folhas de hortelã (Mentha Crispa L.), goiabeira (Psidium Guajava), chicória (Chicorium Intybus), terminando assim a primeira parte do tratamento. Há, as vezes, um segundo momento que ocorre na casa do paciente, em que o benzido por indicação de quem benze, é envolvido na camisa que o pai estiver usando no momento. O pai não pode olhar nem agradar a criança, principalmente se o mesmo estiver com fome, para não agravar ou reincidir o quebranto. Geralmente, esses procedimentos se repetem várias vezes até que a criança esteja totalmente livre do mal. Há casos ainda em que o quebranto não desaparece facilmente; quando isso ocorre, um 48 novo procedimento é feito, desta vez substituindo a vassourinha pelo pião-roxo (Jatropha Curcas L.). Também se aconselha a plantar um pé em frente da casa. Essa narração feita a partir de nossa observação empírica se faz necessária, pois para Victoria (2000), o ambiente, os comportamentos individuais e grupais, a linguagem não verbal, a seqüência e a temporalidade em que ocorrem os eventos são fundamentais não apenas como dados em si, mas como subsídios para a interpretação posterior dos mesmos. A invocação a santos católicos para a obtenção da cura é outra característica que encontramos na benzição, pois ela também se faz pela intercessão divina. As benzedeiras geralmente têm um santo para cada ocorrência, além dos santos de devoção19. Assim, em caso de feridas, se reza a São Lázaro; para curar doenças da garganta ou engasgo, se pede a São Brás; para febre recorre-se a São Hugo; em casos de quebranto, se invoca São Raimundo; Santa Luzia para os olhos; São Clemente na ocorrência de dor de dente; para conseguir emprego evoca-se São José; e São Bento para as dores de barriga e gazes. Ao observar a prática dos curadores populares de Parintins, dentre os quais destacamos as benzedeiras, Araújo (2008) observou a existência de vários nomes peculiares que esses curadores populares utilizam para designar as doenças relacionadas com os órgãos do corpo, e assim, ela procurou identificar a base lingüística destes nomes, e a partir daí a autora organizou algumas palavras empregadas constantemente nesse meio, buscando relacionar os termos e expressões usados pelos curadores populares com a nomenclatura oficial. Vejamos: COMUNICAÇÃO DOS CURADORES POPULARES Nomenclatura popular Nomenclatura oficial 01. Andaço Surto 02. Arriamento Menstruação 03. Bago Testículo 04. Baldiação Vômito 05. Bilora Desmaio 06. Boga Anus 07. Bucho pra fora Prolapso vaginal total 19 Ver também p. 64-65. 49 08. Buchinho de pegar filho Útero 09. Caição Relação Sexual 10. Carne trilhada, nervo torto ou osso Contusão rendido 11. Chiadeira Asma 12. Chiquara ou chicória Cóccix 13. Choco Estado depressivo 14. Constipação Gripe 15. Cubrelo Herpes zoster 16. Curuba Escabiose 17. Curso Diarréa 18. Cutico Axila 19. Dessaranjo Diarréia 20. Desistir Ato de defecar 21. Dismancho Diarréia 22. Dordolho Conjuntivite 23. Dor na pente Dor na região pélvica 24. Empatada Diz-se da mulher menstruada 25. Encanto do Boto (Golfinho da Gravidez indesejada para justificar Amazônia) adultério 26. Eré Ânus 27. Escorrimento Corrimento vaginal 28. Espinhela caída ou peito aberto Artrite de articulação externo clavicular 29. Estado interessante Gravidez 30 Estupor Derrame Cerebral 31. Filhar Engravidar 32. Fina Diarréia 33. Fruximento Mulher que perdeu a elasticidade vaginal e apresenta prolapso vaginal 34. Gostosão Genitália feminina 35. Goto Glote 36. Gozo frouxo Corrimento vaginal 37. Gragumilo Glote 50 38. Embaraço Mestruação 39. Hemorróida / Morródia Hematoquezia ou melena 40. Isipla Erisipela 41. Isquenência Glândulas da região frontal do braço – gânglios linfáticos 42. Lamba terra Diarréia 43. Mãe-do-corpo Designação para região do útero 44. Malacafento (a) Estado Depressivo 45. Maria Preta Furúnculo 46. Mijacão Frieira braba 47. Moléstia Tétano, parada cardíaca ou derrame 48. Muído Abatimento físico 49. Nascida Furúnculo 50. Passamento Desmaio 51. Perseguida Vagina 52. Pira Micose, irritação da pele. 53. Piririca Pele áspera, irritada. 54. Pirrique Diarréia 55. Puçanga Órgão Sexual feminino 56. Puxação Massagem 57. Provôco Vômito 58. Puxar Massagear 59. Puxo Contração uterina 60. Quebra-bunda Dores nos quadris 61. Quebranto Mal olhado 62. Ramo de ar Derrame 51 63. Rendengue Região Pélvica 64. Rutura Prolapso vaginal e hérnia escrotal. 65. Secuiara Abatimento físico do homem nos primeiros meses de gravidez da parceira. 66. Suspensão Interrupção brusca da menstruação. 67. Tabaca Genitália feminina. 68. Tar de cístico Termo que se refere a cistos ovarianos 69. Tar de ligamento Referência à ligadura de trompas 70. Tapa cu Remédio contra diarréia. 71. Tenúia Depressão 72. Titinga Pitiríase 73. Torcedura Contusão 74. Tutiço Parte posterior do pescoço 75. Treçol Terçol 76. Thola Pênis 77. Vento caído Criança que leva susto quando é levantada acima da cabeça causando diarréia. 78. Vento encausado Prisão de ventre 79. Vergalho Pênis 80. Viçar Relação sexual. 81. Visage na barriga Referente a miomas ou cistos volumosos. 82. Zuruó Desequilibrado mental Fonte: Maria de Fátima Guedes de Araújo20 20 Dados contidos em: Conhecimento estrada de mão dupla a relação entre os saberes oficial e popular na construção da saúde, na cidade de Parintins – Am. Pós-Graduação em Estudos Latino-Americanos. Juiz de Fora: UFJF, 2008. p.73-75. 52 Lévi-Strauss (1975, p.194), ao descrever as práticas mágicas e seus efeitos, diz que a sua eficácia está ligada a crenças, as quais apresentam sob três aspectos complementares: “a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; em seguida, a crença do doente que ele cura, ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; finalmente, a confiança e as exigências da opinião coletiva”. Para aqueles que acreditam nas benzedeiras convém legitimar a necessidade de atuação da benzição dizendo que existem doenças para médicos, e doenças para benzedeiras, pois muitas enfermidades só podem ser tratadas pelas orações ensinadas por “Jesus Cristo quando andava pelo mundo” (GOMES e PEREIRA, 2004, p.102) da qual as benzedeiras agora fazem uso, pois a cura é uma obra de Deus e elas são seu instrumento. Pela relação que tem com os santos e sua aproximação com o catolicismo e com os rituais que promovem cura, as benzedeiras na maioria das vezes não são vistas com bons olhos pelas igrejas evangélicas. Com base no princípio de que só Deus tem o poder de curar, elas são acusadas de promover suas curas em nome do demônio para enganar o povo e afastá-lo da salvação, além de fazer idolatria a imagens de barro (santos). Muitas igrejas evangélicas também promovem curas em seus cultos, havendo, assim, uma concorrência e disputa pelo poder religioso de curar, pois estas igrejas se disseminam rapidamente nas periferias, locais onde moram e atuam as benzedeiras. Quanto à Igreja Católica, embora não sejam oficialmente legitimadas, as benzedeiras se sentem como parte integrante dela, e isso podem ser percebidas nas orações, na veneração aos santos de devoção e nos dogmas do catolicismo que dão legitimidade às suas práticas. Essa legitimação se faz importante quando se compreende que nas religiões de cunho patriarcal, entre elas o catolicismo, a mulher foi colocada em posição de desvantagem, ficando com funções secundárias em relação ao homem. Logo, é no campo da religiosidade popular que elas tem se destacado, principalmente no que se refere às práticas mágicas de cura. Contudo, se não tiverem ligação com a Igreja para convalidar seus atos e serem aceitas, podem facilmente ser confundidas com feiticeiras ou bruxas. Portanto, mesmo não tendo uma legitimidade oficial no catolicismo, é nos ensinamentos e dogmas da Igreja Católica que elas se apóiam para validar suas práticas. Farinha (2009, p.347) afirma que, 53 Pode-se perceber que a representação feminina na religião se constitui como perpetuadora da realidade vivida cotidianamente pelas mulheres, porém isso não se dá sem resistências uma vez que as mulheres apresentam uma postura ativa e a cada dia conquistam mais espaços seja por meio da religião tradicional ou através da religiosidade popular, como acontece com as benzedeiras, pois embora existam também benzedores, seu relacionamento com a comunidade em que atua faz com que se construam identidades diferenciadas. A articulação Parintins Cidadã, movimento social que reúne as benzedeiras, parteiras, pegadores de ossos, erveiras, além das pastorais da Igreja, associações de bairros entre outros, tem se empenhado na conscientização, organização e luta desses provedores populares de saúde. Fátima Guedes, integrante ativa desse movimento, diz que “são eles os que verdadeiramente se pode chamar de saúde pública, e mesmo sendo ainda discriminados por parte da sociedade, todos tem a consciência de que são agentes importantes na construção da saúde em Parintins” (entrevista/2010). Já foram realizados dois fóruns no município para discutir a questão, com várias palestras, encontros e oficinas, realizados com a participação de médicos, enfermeiros sanitaristas e doutores em saúde comunitária. A educadora reconhece também a participação do vereador Israel Paulain no último fórum, o qual durante o evento apresentou um requerimento solicitando à Câmara Municipal a criação e instalação do Centro de Práticas Naturais e Populares de Saúde de Parintins21. Segundo a nossa entrevistada, Não é intenção nossa que essas pessoas sejam colocadas dentro das unidades de saúde, pois lá, se perderá toda uma memória, toda uma forma de cuidar, pois serão engolidas pelo sistema a troco de um salário. O que é intenção e está dentro dos princípios do SUS é o centro, o apoio governamental, o acompanhamento institucional, para que se possa gerir uma saúde com qualidade. (Fátima Guedes, entrevista/2010). No Brasil, a medicina institucionalizada mantém sua hegemonia tentando excluir e marginalizar outras formas de saberes que não seja o erudito. Com uma 21 Requerimento disponível em http://www.israelpaulain.com.br/categoria.php?pagina=2&cat_id=1159. Acesso em 09/03/2010. 54 postura típica das sociedades ocidentais envolta no manto da cientificidade, ela tenta desviar, do campo da saúde e da assistência médica, a benzição e outras formas de saberes relegando a elas o estigma de obscuridade. Ao curar e dar respostas pelas vias dos saberes tradicionais àqueles que lhe procuram, as benzedeiras entram em paralelo com o saber institucional que tenta lhes sobrepujar, ou em última instância lhes disciplinar a seu modo. Daí a preocupação de Fátima Guedes em não expor os agentes populares de saúde, no espaço da medicina institucionalizada, para que não sofram em razão de seu oficio e acabem se corrompendo. Pois, É na condição de resistência a isso que a benzeção deve ser vista. Não como um resquício de formas antiquadas de curar, algo já superado pela ciência moderna. Mas como um ato de resistência política e cultural feito como alguma coisa própria, através de uma cultura que contesta e rejeita a linguagem da opressão, da dominação e da exploração entre os homens. (OLIVEIRA, 1985, p.95). Para a medicina erudita a enfermidade está diretamente ligada com o fator biológico, o paciente representa um corpo doente e a relação entre ele e o médico tornase distante com o predomínio da formalidade. Ao tratar somente do corpo afetado por uma patologia investigada cientificamente, a ciência médica deixa de atender a outras várias perturbações que acabam por se configurar em doenças específicas de benzedeiras. Essa característica faz com as benzedeiras expliquem a doença de uma forma mais ampla e compreensível em que a simbologia do ritual é aceita e entendida pelo enfermo. E juntamente com a acessibilidade, já que no sistema oficial de saúde, os médicos nem sempre estão acessíveis, as benzedeiras conseguem estabelecer laços de reciprocidade e confiabilidade. Assim, as comunidades elegem suas benzedeiras que ainda hoje continuam praticando o seu ofício de benzer, e são as intermediadoras entre o benzido e o sagrado. 55 CAPÍTULO II O COTIDIANO E O ESPAÇO DA VIDA PRIVADA “A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genética a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade”. Agnes Heller (O cotidiano e a história). 2.1 – Cotidiano e significado da cultura popular Historicamente os significados das representações sociais revelam-se a partir de experiências que podem ser percebidas no cotidiano de diversas formas e nos mais variados modos. Os processos de interação entre o homem e o meio social em que convive, não só constrói a sua identidade, como também contribui para a formação da identidade do grupo que pertence, demarcando seu lugar. A noção de lugar tem uma relação intrínseca com o cotidiano na medida em que o lugar como espaço geográfico sofre alterações a partir no processo de socialização dos indivíduos, que o transformam, dando a ele um sentido simbólico. Trata-se das peculiaridades de uma história que não pode ser ignorada, uma vez que os acontecimentos são produzidos e gerados no seio do cotidiano. Podemos dizer que no cotidiano também se faz história e nele podemos perceber as várias relações existentes em cada sociedade com as peculiaridades e particularidades que cada uma apresenta. Segundo Heller (2004, p.20) “A vida cotidiana não está „fora‟ da história, mas no „centro‟ do acontecer histórico: é a verdadeira „essência‟ da substância social [...] as grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da vida cotidiana e a ela retornam”. Com a sua historicidade o cotidiano não pode ser confundido com ações repetitivas, algo imutável e cansativo. Pelo contrário, mesmo as suas permanências 56 sofrem alterações provocadas por seus atores sociais. Afinal, a história do cotidiano é a história da vida diária de homens e mulheres (HELLER, 1998). Assim, por menos visíveis que seja as alterações sofridas, elas podem ser compreendidas como o resultado dos acréscimos ou desgastes ocorridos em si mesmo. Heller (2004, p.33), ao se referir à estrutura da vida cotidiana, afirma que “a fé e a confiança desempenham na vida cotidiana um papel muito mais importante que nas demais esferas da vida”. Isto não significa dizer que inexistam essas manifestações em outros campos. Eles ocupam um espaço bem perceptível dentro do cotidiano. Fé e confiança podem ser percebidos na relação entre benzedeiras e benzidos, pois apesar dos avanços verificados na medicina oficial, a benzição jamais fora abandonada em sua totalidade. Acreditando no poder da reza, muitos ainda recorrem a essa prática religiosa dentro do nosso cotidiano. Para situarmos o espaço da benzição no cotidiano parintinense, devemos atentar para o fato de que os processos mágicos religiosos não se constituem em uma linha divisória entre a benzição e a medicina oficial. Na procissão da padroeira de Parintins, Nossa Senhora do Carmo, realizada no dia 16 de julho de 2009, durante o cortejo, entre muitos agradecimentos por graças alcançadas narrados, havia um que atribuía às orações dedicadas esta santa, a melhora de saúde de um conhecido médico da cidade que se encontrava internado em um hospital na capital do estado. Isto mostra que em alguns momentos do cotidiano da vida, fé e ciência estreitam suas relações. Pois, Se a nossa época está voltada para os fantásticos progressos da pesquisa cientifica relacionada com a medicina, trata-se também de um curto período da história da humanidade (aproximadamente trezentos anos). Durante a maior parte dessa longa história da humanidade, no entanto, a magia, a religião e a cura quase sempre andavam juntas. (VALLA, 2001, p.134). Nos locais de atendimento a saúde como os hospitais e centros de saúde em Parintins, é comum a presença de símbolos cristãos como santos, crucifixos, oratórios, folhetos. Além disso, a visita a enfermos por partes de muitas igrejas, que além de levarem suas mensagens de salvação, realizam seções de cura dentro dessas unidades, parece não incomodar os doentes e os profissionais dos estabelecimentos. 57 A presença religiosa dentro do espaço destinado a medicina oficial desconstrói a cisão entre científico e religioso. Este último mesmo sendo negado pelo saber científico que diz não encontrar elementos na ciência que comprovem sua eficácia, não tem encontrado forças para bani-las dos espaços que acredita lhe pertencer. Podemos compreender a religiosidade parintinense manifestados em diversas formas e inseridos no cotidiano, a partir do contexto histórico cultural em que a população se formou com a colonização lusa no Brasil. Stell (2001, p.15) reconhece que “somos herdeiros de tradições ibéricas que ainda hoje têm forte influência sobre nosso modo de ser e pensar, nossas crenças e esperanças, nossos hábitos e formas de relacionamento”. A medicina institucional apresenta a doença como fator biológico, dissociando a enfermidade dos fatores sociais e culturais. Assim, apesar de muitos enfermos procurarem o tratamento oficial na busca pela saúde, outras formas de sanar os males como a benzição são procuradas para que se obtenha o êxito da cura. Na luta contra a enfermidade não existe verdade absoluta para o doente, que mesmo compreendendo a doença de acordo com o que diz o médico, procurará outros meios para curá-la. Esta luta do paciente em busca da cura pode ser percebida na entrevista com dona Zenaide (67 anos), quando nos diz que, Eu vou lá dentro do hospital fazer como o pessoal diz: „fazer um contrabando‟, já que os médicos não gostam que eu vá lá. Mas agora tem hospital em que os médicos já liberam pra mim entrar lá dentro, pra que eu possa ver as crianças que estão quase morrendo com diarréia, pra mim rezar nelas. Eu vou, venham me buscar e eu vou. Agora já posso ir dentro do hospital rezar na criança que está passando mal. Quando não, saem do hospital e vem pra minha casa, pra mim rezar neles. (Dona Zenaide, entrevista/2010). Quintana (1999) esclarece que a doença e seus processos de cura não devem ser vistos separados do contexto social, pois as pessoas ao buscarem explicações sobre o que acontece com elas deixam transparecer suas compreensões de vida e de mundo. É nessa visão de mundo que se encontra toda a rede de significado tecido por si e por seu meio. Assim, muitos pacientes não vêem algum problema ao solicitarem que dona Zenaide faça a benzição dentro das unidades de saúde. E ao conseguir realizar seu papel às vezes sem permissão, de maneira clandestina, pelo “contrabando” como ela declara, 58 ou com a conivência médica, transporta o conhecimento popular para um espaço dominado pelo saber científico. A procura por benzedeiras também ocorre em espaços privados, geralmente na casa da própria benzedeira, onde ela atende por horas a fio. A demanda por essas terapeutas populares retira a privacidade delas tornando quase pública a sua casa e seus pertences e levando-as a uma dura rotina de doação. Às vezes torna-se um trabalho cansativo como podemos perceber na fala de dona Nazaré (88 anos), Eu benzo aí mesmo na minha casa, aí dentro, lá no meu quarto, pois somos só nós que moramos aqui, não tem outras pessoas. Só que agora eu não quero mais fazer esses trabalhos não. Não quero mais, eu já estou enjoando. Eu já estou enjoando, eu não quero. Eu não quero porque eu não quero mesmo. Mas se vierem me procurar eu atendo sim, mas já acho um pouco cansativo, e enjoa a gente. (Dona Nazaré, entrevista/2010). Ao ajudar quem necessita, dona Nazaré exerce o princípio da caridade, elo que liga a benzedeira ao benzido. No entanto, podemos perceber que essa caridade torna-se unilateral uma vez que somente o benzido é auxiliado e, na maioria das vezes, ele somente retorna a benzedeira se for acometido de uma nova enfermidade. Por isso, quando dona Nazaré diz “não quero mais, eu já estou enjoando”, podemos inferir que ao aliviar a dor alheia, ela não encontra quem alivie sua própria dor, que em muitos casos tem relação direta com o fator econômico. Mesmo manifestando o desejo de abandonar a benzição, nota-se o compromisso de dona Nazaré com os benzidos ao dizer que “se vierem me procurar eu atendo sim”. Esse compromisso é justificado em face ao dom recebido, e em nome desse dom, a benzedeira tem a obrigação de curar pela palavra. Negar esse compromisso é negar o dom recebido, e não cumprir a tarefa designada por Deus a ela, Para Gomes e Pereira (2004, p.95), O compromisso dos rezadores decorre do conhecimento que adquirem como indivíduos privilegiados, uma vez que o acesso à palavra do Criador só é possível mediante a superação da vontade pessoal em favor da atenção aos outros. Além disso, a palavra tomada de 59 empréstimo ao criador deve ser empregada para ajudar as pessoas, de modo que a vitalidade do benzedor é associada à prática do bem. O dom, portanto, está relacionado diretamente ás práticas de benzição, é um elo que as ligam com Deus. A palavra dom deriva do latim donum, que significa “oferta feita aos deuses”. No caso das benzedeiras, o seu dom é visto como algo divino que lhe foi dado gratuitamente, uma dádiva recebida de Deus. Elas devem desenvolver esse dom exercendo seu ofício sem cobrar nada. Em entrevista dona Rosa (74) diz, “eu não cobro, eles que me pagam. Às vezes me dão um real, outras vezes dois reais” (Entrevista, 2010). Apesar da gratuidade, é comum a oferta de presentes por parte dos benzidos como forma de agradecimento aos serviços. Segundo Santos (2007), o sentido da gratuidade e da solidariedade é compartilhado e entendido pelos membros da comunidade. Se uma benzedeira quebrar esta harmonia, estipulando um preço pelos seus serviços ela corre o risco de cair em descrédito em sua comunidade, pois a relação entre benzedeira e benzido se desgasta, quando esta deixa de cumprir o princípio cristão de “dar de graça o que de graça recebeu”. Se agir dessa forma a benzedeira corre, inclusive, o risco de perder o dom divino ao fazer comércio de sua missão. Para Quintana (1999, p.86), O dom obriga. Manda. É um compromisso assumido. Ele representa certo privilégio ao dotar o escolhido de um poder especial, mas também é vivenciada no seu caráter obrigatório de atribuir uma responsabilidade à qual o escolhido não pode fugir. Desta forma, o ofício da benzedeira, semelhante ao do médico, mais do que uma profissão, é visto como um sacerdócio, uma missão. A descoberta do dom que origina o conhecimento da benzição, privilégio dessas mulheres, tem geralmente relação com algum acontecimento ocorrido na vida da benzedeira como: revelação, necessidade, promessa e retribuição. Souza (2002), ao estudar a benzição em Vitória da Conquista, percebeu que na maioria das vezes a percepção do dom se dá de duas maneiras: pela visão ou revelação feita a partir do sobrenatural, por um aprendizado no seio da família, ou ainda com o convívio com 60 quem benze. No caso de dona Nazaré o dom se deu pela revelação transcendental, conforme ela mesma esclarece: Eu já nasci assim, eu já nasci com esse dom mesmo. Desde então eu comecei a trabalhar com esse dom que eu trouxe de nascença, sou média de nascença. Eles mesmos, os espíritos que se revelaram em mim foi quem me deu a inteligência juntamente com Deus. Eu trouxe esse dom de nascença e por isso comecei a trabalhar. Depois, um primo meu me deu um passe, aí pronto, melhorou, pois já trouxe esse dom de nascença. Não tive esse negócio de aprender não, tudo o que é de nascença não é preciso aprender, já vem com a gente. Não aprendi com ninguém, por isso que eu to te dizendo que eu nasci com esse dom entendeu? Dom é dom, eu já nasci assim e pronto. Foi isso, ninguém me ensinou, foi Deus quem me deu esse dom, e por isso que a benzição foi pra frente, pois eu trabalho com Deus. (dona Nazaré, entrevista/2010). Para dona Nazaré o dom e a benzição manifestada ainda na infância pelos “espíritos que se revelaram” como ela mesma diz, foi acompanhada de outro acontecimento: uma enfermidade que lhe acometia. Essa enfermidade é um fenômeno comum que antecede a descoberta do dom, no seu caso, era resultado da demora em aceitar sua missão de benzedeira, revelada desde a infância. Essa não aceitação lhe prejudicava como ela mesma diz: “eles, os espíritos faziam me dar passamento, eles me atacavam, sabe. Meu esposo, já depois de estando eu casada, ele cansou de chorar ao ver que de repente eu caia no chão. Eram os espíritos que me atacavam e o meu marido não sabia” (entrevista/2010). Essa revelação sobrenatural também pode ser feita de outra maneira como no caso de dona Zenaide, ao dizer que seu conhecimento foi adquirido “por sonhos, ensinado por sonhos, às vezes era uma velhinha, às vezes era um velhinho que vinha me acompanhar. Eu trabalhava e sempre uma mulher me acompanhava e um homem, os dois sempre velhinhos” (entrevista/2010). Nas duas formas de revelação encontramos um traço em comum “os conhecimentos tanto das orações como dos chás, pomadas, ungüentos etc. são atribuídos a informações de alguma entidade sobrenatural, como anjos ou guias principalmente” (QUINTANA 1999, p.55). A experiência mística ganha uma conotação racional, mesmo que muitos não entendam ou não saibam, como no caso do marido de dona Nazaré, “eram os espíritos que me atacavam e o meu marido não sabia”. Isso acontece por haver conflitos gerados 61 a partir das várias maneiras de se perceber e aceitar o divino, pois o mesmo foge a qualquer controle institucional e religioso. Gomes e Pereira (2004, p.116) assinalam que, A iniciação por revelação demonstra que o contato com a transcendência não é monopólio de uma instituição religiosa nem é dependente das condições sócio-econômicas do indivíduo. Esse processo se descortina como afirmação do sujeito que aceita um conhecimento passível de ser contestado no plano ideológico, mas não no domínio da experiência mística. Com dona Rosa o dom se deu pela aprendizagem, recebido no núcleo familiar. Essa característica também descrita por Oliveira (1985), novamente vem acompanhada por uma enfermidade, e paralelamente a vontade de ajudar o próximo. Percebemos em dona Rosa, assim como em outras benzedeiras, a ausência de uma cerimônia de iniciação como ocorre em muitas instituições religiosas que lidam com o divino. No entanto, isso não atrapalha e nem tampouco desqualifica o compromisso por elas assumido, pois o dom de benzer é uma obrigação firmada diretamente com Deus. Dona Rosa relata o inicio do seu ofício da seguinte maneira: Eu tinha quinze anos quando eu tive um padecer, depois disso, me deu vontade de benzer. De benzer, de ensinar remédio, de consertar22. Meu pai benzia e eu gostava de ver quando ele benzia, pois todos os que procuravam meu pai ficavam bom. E eu achava que nisso tudo tinha uma fé. Então pensei: „será que ele pode me ensinar a benzer assim como ele?‟. Foi aí que eu pedi para ele escrever as orações pra mim. Pra que eu pudesse aprender. Porque eu queria saber essas coisas pra ajudar as crianças e gente grande também. Aí ele escreveu pra mim as orações e eu comecei a estudar e a aprender, a decorar, e decorei tudinho. (Dona Rosa, entrevista/2010). As orações aprendidas por dona Rosa não foram reveladas pela oralidade, ela as recebeu de maneira escrita, porque, trata-se de um segredo que não pode ser revelado. Seu pai negava-lhe tal ensinamento por receio de que as orações perdessem o efeito, caso fosse ensinada oralmente, mesmo a pedido de sua filha. Daí a necessidade de 22 Ver p.115. 62 escrevê-las para que não corresse o risco de as rezas falharem posteriormente, uma vez que sendo Rosa ainda adolescente, havia a possibilidade de a mesma desistir da benzição, anulando as orações e conseqüentemente o poder de seu pai. Esta mesma recusa dona Rosa nos fez de inicio, afirmando que se fosse relevada suas orações perderiam o efeito. Gomes e Pereira (2004, p.12) ao se referirem ao segredo da benzição consideram que, Faz-se necessária uma referência ao segredo da benzição: há uma confiança na magia das palavras desconhecidas e muitas vezes o benzedor se recusa a ensiná-las, já que lhes foram transmitidas sob essa condição de não-revelação. Além disso, acredita-se que o conhecimento da palavra sagrada pelos não iniciados pode esvaziarlhe o poder. Percebemos que ter o dom, portanto, não é o bastante, embora este seja um requisito necessário para se tornar uma benzedeira. É necessário haver um aprendizado com a pessoa que reconhecidamente apresente esse carisma. Há ainda alguns casos de doenças graves com iminência de morte da benzedeira, momento em que muitas delas repassam seus conhecimentos para alguém que ela acredita possuir o dom divino. Essa pessoa deve continuar o seu trabalho assumindo o seu lugar após sua morte. Braga (2003, p.257) identificou nas benzedeiras de Campo Lago, Paraná, quatro fatores comuns entre elas: “1) os ensinamentos passados por um antecessor que fazia curas, garantindo a continuidade do mito; 2) o uso de símbolos católicos para a realizar bênçãos; 3) a ligação com crenças de outras origens: afro, indígena, e espírita; 4) a existência de um dom para realizar as curas”. Se, para Gomes e Pereira (1992, p.73), a expressão cultura popular “sintetiza uma série de conhecimentos heterogêneos que constituem os saberes do povo”, não restam dúvidas que o conhecimento adquirido pelas benzedeiras se encaixa nesta categoria. O não reconhecimento da cultura popular esbarra nessa maneira heterogênea de como se concebe o mundo. Por isso encontra oposição na cultura erudita, vista como o saber das classes dominante e eficaz para resolver os problemas humanos. Para Gomes e Pereira (1992, p.73) “Essa pretendida eficácia parece estar ligada ao domínio das universidades e das academias, que ditariam aos homens a maneira (única?) de 63 solucionarem o seu estar-no-mundo: o conhecimento legitimado pela ciência, pela tecnologia, pela filosofia; em suma, o modelo cultural dominante”. Embora tenhamos um modelo de cultura legitimado pelas classes dominantes que tentam responder pelos problemas humanos de maneira oficial, o saber dos grupos dominados forma uma categoria alternativa que também é capaz de promover respostas satisfatórias dentro de seus espaços ou nas lacunas da cultura erudita. Para Gomes e Pereira (1992, p.74), “a cultura popular é a manifestação de um sistema significativo, de um conjunto de representações simbólicas geradas na ação social, dependendo dos papéis e posições ocupados pelos membros dos grupos dominados nos espaços permitidos pelas forças da hegemonia”. Assim, onde houver povo e contexto para a benzição, sempre haverá uma benzedeira. A cultura popular ao entrar em contato com outros modelos culturais tende a se reorganizar, modificando-se dentro do seu dinamismo e interação. Para Oliveira (1985, p.29), “o trabalho da benzedeira passa por transformações, porque a cultura da qual é parte se recria, se renova, se atualiza”. Comumente encontramos juntamente com as ervas e plantas receitadas na benzição a utilização de remédios industrializados, os conhecidos remédios de farmácia além de bebidas alcoólicas como a cachaça. Essa utilização não interfere na crença da eficácia da benzição, pelo contrário, os remédios industrializados ganham um complemento a mais, pois sua eficácia não reside apenas em sua fórmula, mas também na intercessão divina. Essa dinâmica que de certa maneira moderniza a benzedeira pode ser percebida nas receitas de dona Rosa, a saber: Raiz de chicória e japana branca23 é para o quebranto, hortelãzinho se dá quando a criança faz cocô verde. E agora para a ezipla24 é mangarataia pauá25, amor crescido26 e Salamargo. Tudo isso a gente bota na ezipla e a pessoa fica boa, e fica boa mesmo. Para o cobrelo a gente bota cachaça com vassourinha e uma pitadinha de sal. É só isso, e para a dismintidura é só consertar mesmo. Às vezes quando a criança fica com febre depois de consertada a gente dá a ela uma bandinha de pílula AAS, ou então uma de Anador, e depois que a criança tomar a pílula e começar a suar a febre vai passando. AAS27 com chazinho, com chá de capim santo ou capim cidreira. (Dona Rosa, entrevista/2010). 23 Folha de eupatorium ssp. Da família das asteraceae. Para Gomes e Pereira (2004 p.189), “zipa, zipela, isipela, erisipela, erisipa, erisipelão, esipa, esipelão, izipi, erisipele, eripa, zipola”. São algumas das variedades de nomes dados para essa enfermidade. 25 Nome regional para o gengibre (zingiber officinale). Da família das zingiberaceae. 26 Planta herbácea (portulace pillosa l.) da família das portulacaceae. 27 ASS, Anador e Salamargo são marcas registradas de remédios industrializados. 24 64 A invocação e devoção a um ou a vários santos protetores como já mencionamos, também fazem parte do cotidiano das benzedeiras de Parintins, é uma ligação direta entre a benzedeira e a religião católica. Perceber esse fenômeno e o significado das “trocas simbólicas” 28 é entender que a religião, ao mesmo tempo em que se constitui em instituição estruturante, também é estruturada. No caso das benzedeiras ela ajuda a construir e a expressar a realidade imediata da benzição, consagrando de certa maneira as relações da benzedeira com o divino numa relação de completitude. No barracão de São Lázaro, uma edificação de madeira e telha de alumínio e sem paredes laterais, construído ao lado da casa de dona Zenaide, há um pequeno altar sempre armado com velas e flores dedicado ao santo que ali se faz representar por uma imagem e um quadro na parede. Esse santo, segundo dona Zenaide, lhe curou de uma enfermidade quando a mesma ainda morava na zona rural sendo esse o motivo do altar, do barracão, e da festa que ela realiza em sua homenagem no mês de Janeiro. Steil (2001, p.22) diz que "nos momentos de crise, os fiéis fazem seus pedidos aos santos, prometendo-lhes algum sacrifício como contrapartida do favor recebido”. É o caso de dona Zenaide. Para dona Rosa a devoção que tem em São Sebastião é herança da devoção de seus pais, mas também é uma forma de relembrar o Igarapé do Sapocoá no município de Oriximiná, no estado do Pará, sua terra natal, de fortalecimento dos laços familiares, e de confraternização ao mesmo tempo em que demonstra preocupação pela falta de continuidade de sua família na devoção ao santo. A devoção aos santos é uma herança da colonização portuguesa que serve como fator de identidade familiar, cultural e geográfica, pois “o catolicismo que se enraíza no Brasil está marcado por sua origem européia, mas também pelo encontro que essa tradição teve aqui com as tradições africanas e indígenas” (STEIL, 2001, p.14). Dona Rosa relembra com satisfação como começou a devoção a São Sebastião em sua família. Vejamos: 28 Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Lisboa, Difel, 1989. 65 Eu festejo São Sebastião porque esse santo era lá do Pará, ele era festejado lá, só que quando a minha mãe morreu e o meu pai morreu, nós, os filhos, viemos pra cá e trouxemos ele. Lá o povo festeja bonito, e nós inventemos aqui também pra festejar ele, e eu continuei aqui no Amazonas. Meus pais festejavam lá porque naquele tempo os santos eram mais respeitados que hoje, pois faziam muitos milagres e não é como agora, que não tratam bem os sacros, pois jogam os santos fora. Lá eram bem cuidados os santos. Tinha esse santo, São Sebastião e tinha Nossa Senhora de Nazaré, muito festejados mesmo, tinha gente daqui do Amazonas que iam festejar pra lá. (Entrevista/2010). A devoção aos santos, exercido pelas benzedeiras de Parintins, ultrapassa a condição de penitência. Em nossa pesquisa constatamos outra face que se manifesta nas festas realizadas pelas benzedeiras dona Rosa a São Sebastião, e a São Lázaro, feito por dona Zenaide, em que a relação de dor e alegria, sagrado e profano, corpo e alma, estão intrinsecamente ligados aos atos de religiosidade popular. Neste caso, logo após a reza das ladainhas do santo de devoção, são realizadas festas dançantes regadas a muita comida e bebida para comemorar o dia do santo. Compreendemos que “a devoção popular se expressa através do sacrifício e da penitência, mas também da abundância e da fartura de mesas repletas de iguarias e de certa liberalidade nos gastos e nos costumes” (STEIL, 2001, p.27). Se o santo faz milagres para os que acreditam, é extremamente compreensível que ele seja venerado e festejado abundantemente pelos seus devotos como ele merece. A exclusividade no tratamento de enfermidades específicas nos leva a repensar o conceito de medicina alternativa, muito utilizado quando nos referimos às práticas de cura das benzedeiras. Assim como os médicos não curam doenças específicas da benzição, as benzedeiras não invadem o campo da medicina oficial quando o caso não for de sua competência. É o que explica dona Nazaré, Os males que eu curo os médicos não podem curar sabe por quê? Porque os médicos trabalham com outros procedimentos, são a partir do estudo que tiveram que eles curam os seus doentes. O meu conhecimento não foi adquirido com o estudo, pois o meu conhecimento vem do dom que tenho de nascença mesmo e pronto. Os médicos são os médicos. O dom da gente é um e o conhecimento dos médicos são outros. (entrevista/2010). 66 A crença na benzedeira se assemelha em muitos aspectos a crença nos antigos pajés, pois os povos tradicionais da Amazônia herdaram hábitos e modos de interagir a partir da visão do índio que conseguiu manter parte de seus costumes na sociedade amazônica que ele ajudou a produzir. Assim, percebemos essa influencia quando mães como Leila Figueiredo (31 anos) nos diz que quando sua filha adoece “a gente traz primeiro nas benzedeiras, se a gente vê que o cocô da criança tá verde [...], a gente já imagina que seja quebranto. Então a gente vem primeiro nas benzedeiras, e se a criança não ficar boa a gente corre pro hospital, mas geralmente ela fica” (entrevista/2010). Muita das doenças ditas específicas de benzedeira como o cobreiro que para Gomes e Pereira (2004, p.177) “é uma dermatose cientificamente denominada herpes zoster”, a ezipla, uma manifestação cutânea caracterizada pela “tumefação local com a pele lisa e brilhante, tomando a seguir uma coloração vermelha violácea” (Idem, p.189), dor de dente, dor de cabeça e azia, tem uma duração limitada, ou seja, seus sintomas aparecem e desaparecem periodicamente. Em nenhum momento a duração limitada desqualifica a comprovação da eficácia da benzição, prova disso, é o grande número de pessoas que procuram tratamento na benzedura. As pessoas benzidas confirmam sua eficácia ainda que o tratamento coincida com o tempo de desaparecimento da doença, e voltam à benzedeira quando as doenças são recorrentes. Os benzidos deixam transparecer a confiança na benzedeira, mesmo em situações de alívio momentâneo. Para Souza (2002, p.109), A interpretação mágico-religiosa da doença, seja ela de ordem fisiológica ou psíquica, acaba por gerar uma relação de confiança entre o doente e o terapeuta, nesse caso específico representado pela benzedeira, ambos pertencentes a um mesmo grupo social, portanto conhecedores dos mesmos problemas econômicos, sociais e culturais que pode produzir melhoras, mesmo que momentâneas, geradas por uma liberação de afetos. Benzedeira, benzição e benzidos, constituem-se num fenômeno bastante representativo no cotidiano da sociedade parintinense, resistente às transformações advindas com a modernidade. A continuação dessa prática é legitimada pela sociedade que acredita na benzição apesar dos avanços da medicina moderna. Some-se a isto, o fato de a benzição recorrer aos elementos religiosos cristãos como as orações. E mesmo 67 se houver pouco interesse dos jovens no repasse desse conhecimento, sempre haverá uma benzedeira, pois o povo a elegerá quando assim se fizer necessário. 2.2 – A importância da mulher no campo da benzição As benzedeiras, de modo geral, ao atuarem no campo do sagrado delimitam o espaço feminino dentro da sociedade historicamente construída pelo modo de vida patriarcal. Neste modelo de sociedade, ser boa mãe e esposa submissa restringe significativamente o papel da mulher, negando a ela novas possibilidades. As instituições sociais continuam a reforçar o discurso do predomínio masculino que se desdobra na esfera pública, onde o homem tem o direito “natural” de assumir funções de destaque, chefia e comando. Enquanto à mulher é legado o lugar na esfera privada onde ela desempenha os papéis inerentes ao bem-estar da família e dos serviços domésticos. Para Torres (2002, p.53), Historicamente, homens e mulheres vêm ocupando diferentes posições na sociedade e tradicionalmente lhes têm sido atribuídos diferentes papéis que, uma vez internalizados, são tidos como „naturais‟. Esses atributos e funções são definidos com base na distinção entre os sexos. Assim, a identificação do homem e da mulher também são processos construídos socialmente, daí a constatação de saffioti de que „a identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da atribuição de distintos papeis, que a sociedade espera ver cumprido pelas diferentes categorias de sexo‟. A atuação das benzedeiras tem mostrado outro caminho na sociedade contemporânea. Elas são os sujeitos centrais nas famílias, não são os homens. As benzedeiras promovem uma mudança social nas relações sociais a partir das práticas de benzição que exercem, divergindo do modelo patriarcal por deterem o “poder” da cura no espaço em que atuam. Na prática da benzição homens e mulheres, indistintamente, se submetem à autoridade da mulher benzedeira. No campo da benzição onde existe um número maior de mulheres que benzem em relação aos homens, o poder da benzedeira é legitimado pela comunidade, e isso nos leva a observar o deslocamento de papeis na sociedade patriarcal. A autoridade exercida 68 pela mulher no campo da benzição faz com que, em muitos casos, os maridos das benzedeiras exerçam funções auxiliares durante o procedimento da bênção reconhecendo, assim, o papel primordial da mulher benzedeira. Esse é o caso de dona Rosa que sempre conta com a ajuda de seu marido João quando vai benzer. “Ele busca uma vassourinha ali, ou um óleo pra mim consertar. Ele sempre vai buscar a andiroba, ou uma outra coisa que eu precise, ele me ajuda”. (entrevista/2010). Esse poder exercido na benzição é transportado para a vida cotidiana. No caso de dona Rosa é ela quem exerce a chefia da casa, e mesmo fazendo algumas atividades domésticas é seu marido o principal responsável pelas tarefas do lar. Dona Zenaide do mesmo modo governa a sua família, enquanto que dona Nazaré que é viúva também tem a liderança em sua casa e muitos dos afazeres domésticos como o preparo das refeições é feito por seu genro. Essa realidade é confirmada por Perrot (2001, p. 189), segundo a qual “os trabalhos domésticos não são apanágio exclusivo das mulheres, e os homens podem ajudar; por exemplo, a preparação de certos alimentos fica a cargo deles”. Constatamos em nossa pesquisa que o fato de as benzedeiras estarem sempre ocupadas com a benzição, levou as a um afastamento natural dos afazeres domésticos. Ao promoverem a cura pelas orações, as benzedeiras entram no campo religioso de tradição patriarcal, para quem a presença feminina incomoda e causa instabilidade. Isso ocorre devido ao fato de que em várias épocas e sociedades as mulheres sempre foram culpabilizadas pela existência do mal, de terem intercursos com o demônio e com o pecado, pois “a imagem de diabolização da mulher no ocidente cristão é algo bem antigo” (TORRES, 2005, p.55), servindo como justificativa para a desestabilização da ordem social. Por muito tempo elas ficaram fora de rituais e procedimentos religiosos, por conta dessa desmoralização de cunho patriarcal que as preteriram ao afirmar que, As mulheres são seres que se deixam ludibriar pelo demônio – representado pela serpente – com grande facilidade. Na literatura pagã matricêntrica, a serpente é símbolo máximo da sabedoria, pois, além de representar a fertilidade é capaz também de se transformar em demônio para manipular seres fracos, através da volúpia, da concupiscência e da permissividade. (TORRES, 2005, p.76). É por isso que há a necessidade de as benzedeiras justificarem sua inserção no espaço religioso apropriando-se do discurso dominante de submissão, delegando a cura 69 a Deus. “Deus me deu esse dom pra curar, porque se Deus não me desse esse dom, eu não fazia esse trabalho” (dona Nazaré, entrevista/2010). Ao devotar obediência à divindade de feições masculinas, delegando a Deus todo o crédito da cura, pois as benzedeiras afirmam que “é ele, Deus, que cura e não a gente” (Dona Rosa, entrevista/2010), elas sustentam seu ofício e se inserem no campo religioso, “apropriando-se do sagrado como atributo feminino na medida em que a função (benzedeira) identifica o gênero” (GOMES e PEREIRA, 2004, p.134). É assim que essas mulheres assumem proeminência sobre os homens sem que haja uma desestabilização social do gênero masculino. Na prática, fazem da benzição quase uma exclusividade feminina. Em Parintins, mesmo praticando procedimentos semelhantes e sanando as mesmas enfermidades, os homens são chamados de curadores e não benzedores, como se observou. Segundo Gomes e Pereira (2004, p.133), “as benzedeiras abrem fissuras nessa ordem social”, ganhando o respeito e a credibilidade de homens e mulheres que as procuram. O ato de benzer foge do controle do Estado e do saber erudito. Interfere fortemente na realidade local mudando o modo de vida da população. Mas, essa situação não é tão simples assim, pois agindo à revelia de qualquer controle institucional, explicando e interferindo de maneira simples nas realidades em que atuam, as benzedeiras são constantemente discriminadas, tendo como agravante o fato de serem mulheres. Daí serem acusadas de charlatanismo e feitiçaria. Deve-se conhecer que das mulheres que exercem atividades que fogem do controle do Estado e da Igreja não é recente, elas sempre estiveram sob o controle político religioso que, além de negarem sua legitimidade, tentam desqualificá-las, puni-las e eliminá-las. A esse respeito, Oliveira (1985, p.18), afirma que, Se voltarmos os olhos na história, veremos que numa época um pouco longínqua, situada entre os séculos XVI e XVIII, a igreja entrava no campo da saúde curando pessoas, através de assistências de caridade e de rituais de exorcismo. No entanto, pessoas que se acreditavam com poderes sobrenaturais para fazer curas, adivinhações do passado, presente ou futuro, e por serem consideradas inferiores – do ponto de vista econômico e social – e ainda por romperem com as normas, a ordem e os valores que a igreja defendia, faziam desafios a ela. Então, qualquer intriga, fuxico ou futrica ligado a sua vida, ao seu trabalho ou às relações sociais que as vinculavam, qualquer pequeno ato considerado um deslize moral, que não conseguiam explicar, por exemplo, era decifrado rapidamente como estando associado à posse 70 de bruxaria, de feitiçaria e de magia, sem mesmo que elas pudessem se defender. Ainda hoje ser confundida com uma feiticeira ou macumbeira causa um malestar entre as benzedeiras. Dona Rosa, por exemplo, se incomoda em ser chamada de macumbeira, confusão esta feita por muitas pessoas por conta da festa de São Sebastião, santo bastante festejado nos terreiros de Parintins, inclusive por ela, como já mencionamos, em um barracão no terreno ao lado de sua casa. A herança histórica de perseguição principalmente às mulheres com poderes mágicos de cura, que levou a Europa a caça as bruxas, associando tais práticas aos desvios da fé, relacionando seus poderes com o mal e ao demônio, ainda pode ser percebido na fala de dona Rosa. Ao fazer a distinção de seu trabalho de benzição com os de feitiçaria, dona Rosa nos diz que, Eu não gosto de feitiço e não gosto que ninguém me peça. Pois no meu caso, eu faço o bem, mas o mal não. Deus me livre, eu não gosto de fazer isso. E se alguém vier me pedir pra fazer um feitiço eu vou dizer que não. Porque eu não vou fazer feitiço, eu não vou ganhar dinheiro por causa disso. Agora, todas as benzição que eu faço eu não cobro nada, a pessoa tem consciência aí elas me dão dois reais, um real, assim, só assim. Eu não sou como esses macumbeiros, que são de vinte reais que cobram. Aliás, vinte não, são de cem reais, de oitenta reais, de duzentos reais. Não é assim não que deve ser. E eles, os que procuram os macumbeiros pagam o que é cobrado. (Dona Rosa, entrevista/2010). Percebe-se que há uma clara separação feita por dona Rosa entre a benzição e a feitiçaria. A benzição é uma prática gratuita, uma dádiva de Deus que deve ser partilhada, ficando explicito o compromisso de ajudar o próximo sem esperar recompensas. A retribuição financeira do benzido advém de sua consciência espontânea, diferente dos macumbeiros que dona Rosa relaciona-os com o mal porque cobram por seus serviços, descaracterizando o comprometimento de ajudar o próximo, não tendo dessa maneira para ela uma ligação com Deus. A imagem que comumente se faz de uma pessoa que benze é “Geralmente a de uma mulher, casada, mãe de alguns filhos, pobre, que conhece rezas, ervas, massagens, cataplasmas, chás e simpatias, que tenha um quê de mistério, que lide com magia”, 71 Oliveira (1985, p.25). Essa preocupação em não ser reconhecida como benzedeira pode ser constatada na fala de dona Nazaré quando inquerida se já usou seu dom para fazer o mal a outrem. Vejamos: Nunca, graças a Deus que não. E se vierem me pedirem eu não faço. Pois os espíritos que me deram esse dom não admitem que eu faça essas coisas não. Eles, os meus espíritos não são desses que fazem o mal não. Não são espíritos assim da maldade. Não faço e nem to arrependida de não ter feito, não faço não. Eles, os espíritos, não admitem. Deve-se fazer o bem né, se for pra fazer o mal não dá. Porque nós todos somos seres humanos. Não pode, eu não, nem que me pagassem pra fazer eu não faria isso não. (dona Nazaré, entrevista/2010). O compromisso assumido em fazer o bem como forma de reconhecimento do dom recebido faz com que essas mulheres associem a benzição com a ação concreta do divino, materializado na bondade de Deus com as pessoas, principalmente com as crianças. Por isso quando dona Nazaré (entrevista, 2010) nos afirmar que “deve-se fazer o bem né, se for pra fazer o mal não dá”, ela nos mostra que a benzedeira para não ser confundida deve honrar o dom recebido e conseqüentemente assumir o compromisso de praticar o bem, legitimando o seu ofício. Oliveira, (1985, p.61-62) diz que “a validade da medicina popular está ligada à eficácia das práticas junto à população e as estratégias de manipulação pelos próprios profissionais de cura sobre o seu trabalho”. Por isso, “é muito comum estes profissionais não gostarem do rótulo de curandeiros, macumbeiros”. Assim, “ao persistirem estes rótulos, eles buscam, contrariamente, meios de resgatar o outro lado da sua identidade. Aqui os adjetivos de bons, honestos, verdadeiros, eleitos, escolhidos [...] são utilizados com muita freqüência”. Tanto dona Rosa quanto dona Nazaré e dona Zenaide, fazem questão de serem reconhecidas como benzedeiras e merecedoras desses adjetivos. A mediação entre o benzido e o sagrado desempenhado pelas benzedeiras nos remete a um discurso que encontra sustentação em dois princípios que interagem entre si, para dar manutenção ao exercício da benzição. As benzedeiras utilizam-se do discurso comum caracterizado pela retórica do sagrado em que a ligação direta com os 72 símbolos e ritos cristãos, servem para legitimar e familiarizar suas práticas do cristianismo. Associado a este discurso eivado de elementos religiosos, há outro discurso ligado ao cotidiano, mais particularizado a benzedeiras e benzidos, que serve para firmar a confiança e reciprocidade. Trata-se das preocupações que ter com a casa, a família, os filhos, a saúde. Essas singulares preocupações aparentemente menos expressivas para o conjunto da benzição fazem com que as benzedeiras tenham um prestígio maior que os curadores na medida em que, segundo Quintana (1999, p.27) “a doença não pode ser vista como um processo isolado do seu contexto social”. Assim, é estabelecido um ambiente de reciprocidade do benzido com a benzedeira à medida que ambos se identificam com as mesmas aflições. Outro fator importante diretamente ligado a benzedeira diz respeito à relação direta entre a bondade e o sacrifício feminino. Esses atributos são essenciais para fortalecer as características da benzedeira perante o benzido. Mesmo tendo sido desoneradas de várias atividades domésticas por conta da benzição, elas ainda se ocupam com algumas questões familiares que, de certa maneira, tendem a ser uma tarefa a mais. Ajudar um parente doente, se dedicar ao outro, além do tempo destinado a benzição, constrói na benzedeira a imagem de uma vida inteira de doação, criando assim a representação da mulher bondosa e despojada. Ao se referirem sobre os seus afazeres em relação aos familiares que tem problemas de saúde, dona Rosa Gomes e dona Zenaide, fazem o seguinte balanço: A minha irmã não faz as coisas pra ela porque ela quebrou a perna. Por isso ela não anda, então ela não pode fazer mais nada. Sou eu quem ajuda ela. Ela tá doente, tá com vinte anos doente e esse tempo todo eu ajudo ela. Eu varro, eu faço a comida dela, eu limpo a casa pra ela, eu faço tudo aí por ela. Eu ajudo a minha irmã porque eu tenho vontade de ajudar ela mesmo. E também porque não tem quem faça pra ela e por isso eu faço. São só duas irmãs e um irmão. Mas sou eu quem mora mais perto dela, e por isso eu tenho que ajudar. Pois eu moro perto pertinho dela. O outro irmão mora mais longe e eu moro aqui quase junto dela, eu nunca deixei de ajudar ela. (dona Rosa, entrevista/2010). Olha eu me levanto da cama quatro horas da manhã. Quatro horas eu já estou de pé. Quando são seis horas a minha mesa já está arrumada, o meu café já está em cima da mesa. Hoje, por exemplo, foi um 73 sacrifício pra mim, porque eu não tinha gás para trabalhar. Mas mesmo assim, o mingauzinho do doente29 já está pronto. Tudo eu já procurei ajeitar em casa. Na minha casa o que eu preciso fazer eu faço, mas não pense que é fácil. (dona Zenaide, entrevista/2010). Cuidar de uma pessoa doente ou que precise de algum tipo de ajuda não é um atributo exclusivo das benzedeiras. Mas ao se portarem desta maneira, elas criam nas pessoas que as procuram uma imagem de alguém muito bondosa, que se sacrifica pelos outros. Assim, benzição e sacrifício parecem ser atributos ligados ao ofício da benzedeira, pois Cristo e os santos, evocados nas orações para os diversos males também se sacrificaram. Para Quintana (1999, p.84) “o fiel por meio do sacrifício, passa a ser credor frente à divindade, a qual começa a ser vista como portadora de uma dívida para com ele”. Assim, o sacrifício da mulher benzedeira aparece como uma espécie de oferenda e obediência ao sagrado, mantendo uma relação de reciprocidade através do sofrimento. As mulheres benzedeiras de Parintins ao se relacionarem com sua clientela que na maioria das vezes são mães em busca da saúde dos filhos, tornam-se agentes de transformação social, pois mostram através de suas práticas de cura que não estão à margem da sociedade. Pelo contrário, ao oferecerem uma nova alternativa de interpretação do mundo elas intervêm no meio em que atuam, contribuindo para a afirmação da mulher em uma sociedade que ainda é marcada pela predominância masculina. Daí a importância de seu papel na sociedade parintinense, pois ao se manifestarem socialmente as benzedeiras modificam as normas e diminuem as contradições de gênero. No discurso das benzedeiras e em suas histórias de vida percebemos uma nova maneira de interpretação da realidade social, movida pela mediação com o divino contido na prática da benzição. Essas práticas sofrem fortemente a influencia do cristianismo que reorganiza as ideias das benzedeiras, sua forma de pensar o mundo com base nas relações sociais que se estabelece com o sagrado. 29 O “doente” que dona Zenaide se refere é seu marido que após um derrame vive deitado em uma rede e não consegue andar e nem falar. Ele depende exclusivamente de sua ajuda para fazer suas necessidades higiênicas e de alimentação. Daí a preocupação de dona Zenaide em deixar a “mesa arrumada” bem cedo para que sobre mais tempo de cuidar dele, iniciando sua ajuda com “o mingauzinho” dado ao marido. 74 2.3 – Reza e cura, magia ou fé? Além do reconhecimento a existência do dom da benzição, do carisma e do aprendizado para se tornar uma benzedeira, faz-se necessário também que haja a legitimação da comunidade onde ela atua para que possa exercer seu ofício. Assim, é o povo quem vai definitivamente eleger suas próprias benzedeiras de acordo com suas necessidades. A legalidade é dada as benzedeiras por aqueles que procuram por seus serviços, que acreditam que elas sejam detentoras de um poder e conhecimento muitas vezes inexplicável, mas com a eficácia necessária para deter o mal que lhes afligem. Em entrevista Leila Figueiredo nos mostra essa relação espontânea de confiança dela na benzedeira ao afirmar que, Eu acredito, eu não sei te dizer o porquê, mas quando a minha filha estava doente eu sempre a levava na benzedeira. Se ela estava doente que eu via que ela não melhorava, eu logo pensava em levar na benzedeira e corria pra lá. Ela benzia, e a minha filha melhorava e pronto. Quando eu chegava lá na benzedeira que ela benzia, pra mim, a minha filha, já ia ficando boa. Eu acho que é a fé também né. (Leila Figueiredo, entrevista/2010). Para Souza (2002, p.102) “o processo de formação e consolidação da benzedeira não acontece da noite para o dia, não se dá nem mesmo na descoberta do dom. Esse é um processo, incluindo a legitimação profissional, que leva anos ou até mesmo décadas, para que se complete totalmente”. Essas características podem ser percebidas na fala de dona Nazaré ao relatar que, Quando eu comecei a benzer, a pegar a minha primeira dismintidura, eu estava com... Vixi Maria, espera aí que eu estou me lembrando. Eu estava com onze anos quando comecei a pegar a primeira dismintidura. Aí depois disso, com o tempo, a benzição foi pegando. Pois foi dom de nascença né. Mas eu somente comecei a trabalhar depois que eu me casei. Foi aí que comecei a fazer benzições juntamente com os meus espíritos. Eu nasci assim, mas somente 75 depois que eu vim aqui pra Parintins30 que comecei a trabalhar, a e fazer benzições, pois eu não podia mesmo parar. (Dona Nazaré, entrevista/2010). Mesmo que o dom tenha se manifestado em um tempo quase esquecido por dona Nazaré indicado na expressão “vixi Maria”, o seu reconhecimento e identificação não se deram de imediato, pois ao dizer “Aí depois disso, com o tempo, a benzição foi pegando”, nos remete ao processo de formação da benzedeira que começa primeiramente com a atuação e prestígio dentro da família. Ela própria nos informa como ocorreu esse estágio de aprendizado: “foi numa tia minha que iniciei, eu puxei a desmintidura duma tia minha, aí pronto, isso foi o começo. Foi a primeira vez, depois eu levei em frente a benzição, pronto” (dona Nazaré, entrevista/2010). A partir das experiências em casa, a comunidade começa a descobrir os atributos da benzedeira, primeiro os vizinhos, depois a rua e bairro, é assim que a sua atividade deixa de ser oculta e se torna conhecida. É o que diz dona Nazaré: “foram descobrindo devagar, o povo foi sabendo que eu benzia, aí foi o começo” (dona Nazaré, entrevista 2010). Para que ocorra a legitimação social do ofício da benzição se faz ainda necessário a identificação de três elementos indispensáveis e indissociáveis, a saber: O primeiro é a crença da benzedeira na eficácia de seus métodos [oração, simpatias e remédios] para propiciar a cura de determinados males a aliviar o „espírito‟; o segundo é a crença e a experiência dos doentes pelas curas efetivadas, mostrando que acreditam nas capacidades curativas das benzedeiras; e por fim, o terceiro elemento, que com base nos dois anteriores, a benzedeira apresenta ao grupo a prova da eficácia de seus mecanismos – mecanismos, estes, integrados ao domínio do sobrenatural, do sagrado. (SOUZA, 2002, p. 104). Para dona Zenaide a eficácia de suas práticas de benzição se justifica pela crença em Deus, pois ela acredita que recebeu instruções de cura em sonhos. A revelação feita por um espírito também está presente na fala de dona Nazaré, ao dizer “um espírito invocava em mim” (entrevista/2010). Neste caso, a confiança nas orações e procedimentos para a cura e alívio dos enfermos encontra guarida na manifestação do 30 Dona Nazaré nasceu no lugar Aduacá no município de Nhamundá e entre quinze e dezesseis anos veio para a cidade de Parintins em busca de trabalho após o falecimento de sua mãe. 76 sagrado às benzedeiras. E essa manifestação não pode ser confundida com ato de bruxaria, pois para Maluf (1993, p.121), a diferença entre a bruxa e a benzedeira atravessa a questão maniqueísta vejamos: A bruxa é o poder nefasto, a causa dos infortúnios e mal-estares; a benzedeira é o poder benéfico, capaz de curar e proteger. Representa o oposto daquilo que é a bruxa. Enquanto esta [...] possui características anti-sociais, desordenadora das normas e dos modelos de comportamento, a benzedeira, ao contrário, é definida socialmente pelos laços de solidariedade que estabelece com os outros membros da comunidade. De uma maneira geral as pessoas que recorrem às benzedeiras para sanarem seus problemas já sabem que o mal que lhe atormenta só encontra a cura ou alívio na benzição. Mandar benzer para que se tenha a solução dos males é acreditar na eficácia do seu trabalho. Leila Figueiredo, ao descrever alguns sintomas de doenças que podem ser curadas somente por uma benzedeira diz que: “quando a criança chora muito com dor na barriga e o cocô sai verde, é porque pegou mau-olhado”, e ainda, “quando alguém chega cansado em casa e olha para o bebê dá quebranto” (entrevista/2010). As enfermidades que não são identificadas pela medicina tradicional justificam a necessidade de se saber quais são as doenças de médicos e quais são as de benzedeira, ou seja, qual é o lugar de cada um. “médico é médico e eu sou eu” (dona Nazaré, entrevista/2010). Assim, médicos e benzedeiras têm atuações e conhecimentos distintos nos procedimentos de cura. Para Lévi-Strauss (1975, p.194) “não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Mas, vê-se, ao mesmo tempo, que a eficácia da magia implica na crença da magia”. Assim, a legitimação das benzedeiras depende da confiança na cura que as mesmas realizam, e quanto mais difícil ou impossível for a cura, mais prestígio elas ganham. Por esse motivo é muito comum elas relatarem histórias de curas espetaculares aos que lhe procuram como forma de dar garantia de sua benzição, fazendo com que o benzido tenha confiança nela e conseqüentemente em suas práticas. Esse fato é comprovado no relato que dona Zenaide faz questão de fazer, a saber: 77 Eu não estava na minha casa, eu morava num centro31 do interior onde trabalhava em roçado. Quando completou oito dias que eu estava lá, resolvi vir para a comunidade. Assim que cheguei na comunidade, vieram me chamar para ir em uma casa onde havia um doente. Isso era de manhã bem cedo. Quando eu cheguei na casa que me chamaram, havia uma criança que estava com oito dias com uma espinha na garganta. Pois no dia em que eu viajei pro centro, pra frente de trabalho, nesse dia a criança engoliu a espinha, e agora estava completando oito dias. A espinha já estava inchando a garganta da criança. Aí eu me apavorei e disse pra mãe do menino que o trouxesse pro medico em Parintins. Pois nós morávamos na Barreira do Andirá32. Foi aí que ela me disse: „será que não vão matar o meu filho?‟, e eu disse a ela: „não‟. Ela então ela me respondeu: „e agora que o meu marido saiu o que eu faço?‟. Disse então: „apronta tudo direitinho que na hora que ele chegar do trabalho à tarde tu baixa pra levar o menino, eu vou trabalhar na benzição o dia inteiro com o teu filho. Se Deus me abençoar e eu vencer essa parada contigo, tu não vais pra Parintins‟. Às duas horas da tarde ela disse assim pra mim: „poxa Zenaide, pior que está inchando ainda mais a garganta do meu filho‟. Aí eu falei com essas palavras para ela: „Maria Lucia eu ainda tenho um cartucho pra bater, mas eu me apavoro por você não aceitar‟. Ela disse: „o qual é?‟. Então eu respondi: „uma banha que existe duma cobra‟. Ela perguntou: „que cobra é?‟. Eu falei: „banha de sucurijú33‟. Foi então que ela disse: „eu tenho‟. Eu lhe perguntei: „tu aceita o último trabalho que eu vou fazer?‟. E ela respondeu assim: „seja o que for eu quero salvar o meu filho!‟. Eu disse: „então vai buscar a banha, faça um chá e trás aqui pra mim. Trás também erva da terra, e capim santo remédio‟. Ela fez o chá, levou pra mim, e eu pinguei sete gotinhas da banha no chá e mexi. Depois disse: „dá pra ele tomar!‟. Ela deu pra ele tomar e depois disso eu falei: „vai buscar uma toalhinha que eu vou fazer por fora o tratamento, pois o menino já engoliu a banha‟. Ai ela veio com a toalha e novamente a banha para que eu friccionasse toda a gargantinha dele e o peitinho dele. Depois peguei a toalha e trancei no pescoçinho dele, que já estava mais inchado, e ele, o menino, nem estava com medo que meus procedimentos dessem errado. Aí eu disse a ela: „antes de viajarem pra cidade eu venho me despedir de vocês‟. Quando foi umas quatro e meia, ou umas cinco horas da tarde, eu fui para me despedir como tinha dito. Quando eu ia passando num quintal aonde tinha umas mangueiras, eu ouvi aquela voz de menino: „ei! ei! ei!‟. Aí eu respondi: „ei!‟. E ele me disse: „eu já estou bom, eu estou batendo bola‟. E eu parei e disse: „espera, tu é aquele menino que estava com a espinha na garganta e que eu deixei com a toalha no pescoço?‟. Ele respondeu: „sim, mas já estou curado, a espinha não está mais, eu já comi banana, eu já comi tudo que mamãe me deu‟. Aí eu fui para a casa da mãe do menino. Quando eu entrei na casa, a mãe dele me abraçou e disse: „graças a Deus, agora as minhas contas é com você, meu marido vai justar a hora que ele chegar‟. Eu não sabia qual eram as contas que ele ia justar. Aí ela disse: „meu filho comeu bastante 31 O centro em que dona Zenaide se refere é o nome dado a um local afastado da comunidade rural destinado ao roçado. Assim as pessoas que vão para o centro passam dias nesses locais trabalhando na lavoura e longe de casa. 32 Comunidade rural pertencente ao município de barreirinha. 33 Também conhecida como sucuri e anaconda, nome científico: Eunectes murinus. 78 comida, ele comeu quase uma palma de banana e comeu dois pedaços de costela de tambaqui grande, meu filho esta bem!‟. Quando deu sete horas da noite, um cara bateu na minha porta. Era o pai da criança. Mandei que entrasse e ele foi logo dizendo: „olhe, eu vim agradecer a Deus e a senhora pelo que fizeram com o meu filho, mas agora e eu estou enrascando‟. Eu perguntei a ele: „qual é o enrasque?‟. Ele me disse: „eu estou sem dinheiro‟. Ele pensava que eu ia cobrar alguma coisa. Então ele disse assim pra mim: „quanto custa o seu trabalho?‟. Eu respondi: „nada, o que eu queria fazer pedi a Deus e fiz‟. Ele disse: „não senhora, eu tenho que pagar!‟. Naquele tempo duzentos cruzeiros era muito dinheiro. Ele continuou a insistir: „eu lhe dando duzentos cruzeiros, e lhe dando dois quilos de queijo, a senhora aceita?‟. Então eu disse a ele: „se você quiser mesmo, pode dar, mas eu não estou fazendo essa cobrança‟. Ele fez os dois quilos de queijos e trouxe pra mim. Esse foi o maior valor que eu recebi pela benzição, dois quilos de queijo e duzentos cruzeiros. (Dona Zenaide, entrevista/2010). Percebemos na narrativa, fatores relacionados à eficácia da benzição como a confiança da mãe na benzedeira para salvar a vida de seu filho, hesitando em levá-lo ao médico mesmo com o aconselhamento da benzedeira: “disse pra mãe do menino que o trouxesse pro medico em Parintins”. Essa hesitação é justificada pelo medo do desconhecido, neste caso a medicina oficial. O questionamento “será que não vão matar o meu filho?”, revela o não reconhecimento da medicina institucional como a única e legitima detentora do saber, pois para muitas pessoas, o médico é só mais uma alternativa na busca da cura. Muitas vezes os médicos são evitados em face dos procedimentos adquiridos na universidade que é de difícil compreensão para as classes populares. Além disso, existe uma desqualificação por parte dos médicos das doenças tidas por eles como provenientes da ignorância popular como o quebranto, a rasgadura ou a ezipla. Nesses casos “os médicos adotam uma atitude autoritária, acompanhada de representações negativas que visam a justificá-los”. (LOYOLA, 1984, p. 23). Muitas mães afirmam serem „ralhadas‟ pelos médicos por terem levado seus filhos primeiro nas benzedeiras, demorando assim para buscarem ajuda médica institucional. Essa incompreensão da medicina oficial da representação da doença feita pelas classes populares agiliza ainda mais o distanciamento entre eles, fazendo com que o médico seja visto com desconfiança e o último recurso a ser buscado dentre as opções que se tem. Não é incomum que muitas pessoas dessacralizem a medicina oficial, pois, 79 Recorrem também a diferentes especialistas populares e que considera a medicina cientifica como uma dentre outras ofertas médicas, mas não necessariamente a melhor ou a mais legítima. Vivendo à margem do universo cultural dos médicos, essa clientela não é levada, via de regra, a reconhecer a especificidade da medicina científica; de fato, tudo no comportamento dos doentes das classes populares, tanto a linguagem empregada para descrever suas doenças quando a atitude em relação aos médicos – consideradas muitas vezes não como um detentor do saber legítimo mas como um simples provedor de medicamentos. (LOYOLA, 1984, p.23). A relação de mediação que a benzedeira tem com o divino para justificar seus procedimentos, “eu vou trabalhar o dia inteiro com o teu filho. Se Deus me abençoar e eu vencer essa parada contigo, tu não vai pra Parintins”, faz com que aumente a confiança na benzedeira. Segundo Quintana (1999, p.50) “a benzedura pode ser caracterizada como uma atividade principalmente terapêutica, a qual se realiza através de uma relação dual – cliente e benzedor. Nessa relação, a benzedeira ou o benzedor exerce um papel de intermediação com o sagrado pelo qual se tenta obter a cura”. A crença na experiência da benzedeira leva quem a procura a se submeter a todos os procedimentos necessários, “seja o que for eu quero salvar o meu filho!”, dando total legitimidade a sua prática. A confiança na cura da enfermidade é comprovada pela dívida que se cria do benzido para com a benzedeira, que sente a necessidade de recompensar o bom resultado obtido “agora as minhas contas é com você”. Entretanto, o compromisso da gratuidade que legitima o dom recebido como já foi dito, faz com que a benzedeira nada cobre pelos procedimentos que realiza, “quanto custa o seu trabalho? eu respondi: nada, o que eu queria fazer pedi a Deus e fiz”. Mesmo recusando o pagamento pelo serviço, o procedimento da benzedeira se encerra com a aceitação do “agrado”, entendido mais como forma de retribuição do que pagamento “se você mesmo quiser, pode dar, mas eu não estou fazendo essa cobrança”. Portanto, retribuir de forma material os serviços da benzedeira é reconhecer a eficácia de seus procedimentos e legitimar a prática da benzição. Rotular a atuação das benzedeiras e hostilizar seus métodos é preconceituoso, é uma forma de não reconhecimento do saber tradicional. Repudiar ou ter uma visão fragmentada do fenômeno da benzição é ignorar as diferenças e legitimar as desigualdades sociais. Se voltarmos nossos olhos somente para a medicina oficial, estaremos contribuindo para o monopólio do saber erudito, representado pelos médicos 80 que invalidam aquilo que não conseguem explicar. Todavia as benzedeiras continuam atuando nas periferias de Parintins apesar das opiniões contrárias. Elas têm o reconhecimento social do seu ofício, tem seu lugar na sociedade distinto do lugar dos médicos. Na benzição, o uso de jaculatórias, isto é, “orações curtas, simplificadas, reduzidas, fervorosas e suplicantes” (OLIVEIRA, 1985, p.59), se misturam com orações e ritos do catolicismo oficial. É comum no ato de benzer fazer o sinal da cruz e rezar orações como o Pai Nosso, a Ave-Maria e o Credo no final de cada jaculatória. Existe uma jaculatória específica para cada enfermidade. Para curar quebranto, ezipla ou espinha na garganta a benzedeira já sabe qual utilizar. As jaculatórias na maioria das vezes são recitadas pela benzedeira em voz baixa, incompreensível para o benzido, “ela faz uma oração que não dá pra entender, só a vejo mexendo a boca” (Leila Figueiredo, entrevista/2010). Gomes e Pereira (2004), em pesquisa realizada com benzedeiras em Minas Gerais afirmam que muitas benzedeiras não revelaram suas orações, mantendo o segredo da benzição com medo que a mesma seja invalidada caso a oração seja relevada a alguém que não seja um iniciado. Outras hesitam em falar no primeiro momento quando perguntadas, concordando posteriormente em dizê-las, e há aquelas que falam espontaneamente sem o medo. Em nossas entrevistas, tivemos diferentes reações das benzedeiras diante da possibilidade de falarem suas orações. Enquanto dona Zenaide as pronunciou sem hesitação, dona Rosa hesitou de início, mas concordou em falar posteriormente e dona Nazaré não as revelou. Apresentamos a seguir algumas jaculatórias com suas especificidades, coletadas no processo desta pesquisa, a saber: JACULATÓRIAS Para benzer quebranto Glorioso São Raimundo Parceiro de Nossa senhora Com sua oração tão forte Se tem capim de murchar Se tem água de secar Se tem pedra de lascar Se tem quebranto 81 Mal – olhado Dor de cabeça Nessa criança (ou outra pessoa) Com o poder de Deus E dos anjos acabará. Para benzer espinha na garganta Em nome de Nosso senhor Jesus Cristo Enviai vosso espírito de luz Sobre o corpo dessa criatura Que está com uma espinha na garganta Homem bom e mulher mau Casa velha e esteira rôta São Braz disse: tirai e arrancai Essa espinha que está na tua garganta Se vires pela tua boca Subindo ou descendo Eu to pedindo Nessas palavras de Deus Sobe espinha ou então desce Com três palavras de Deus E três da Virgem Maria. Para benzer ezipla Corte ezipla Com o poder de Deus E da Virgem Maria Corta rosa branca Corta rosa preta Corta rosa vermelha Corta rosa esponjosa Corta e recorta Com o poder de Deus E da Virgem Maria Curai o Pai, o Filho e o Espírito santo. 82 Para benzer dores em geral Pedro e Jesus andando Pelo caminho enxergaram um fogo Divino mestre que fogo é aquele? Fogo duma dor que se encontra Sobre o corpo (desta mulher ou deste homem) Com que se tira a dor? Com que se afasta a dor? Com que se expulsa a dor? Com três palavras de Deus E três da Virgem Maria. Senhor Jesus Eu confio em vós És o Salvador Salve o corpo desta pessoa Que ta com dor Arranca a dor Expulsa a dor Com três palavras de Deus E três da Virgem Maria Nossa senhora do Desterro Desterrai essa doença E para essa dor brava Nossa Senhora do Bom Remédio Traga um bom remédio Que eu possa gastar com a dor Deste (homem ou desta mulher). Para cessar a chuva Barbarazinha pequenina Do vestido se cansou Encontrou com Jesus Cristo Jesus Cristo perguntou: Barbara aonde tu vai? Vou anunciar ao Senhor Botai essa tempestade 83 Que ta no céu bem armada Lá pro monte maninho Aonde não corre nem pão Nem no braço do menino. Para desfazer desavenças Amansa-te leão bravo Finca teu dente no chão Que eu estou armado Com a espada de Salomão Eu (pessoa envolvida) Estou em perigo Eu quero paz Paz, paz, paz. Para proteção e defesa Peguei o meu cavalo Segui o meu caminho Cheguei na porta Na porta de Jesus Cristo Pá quem bate? Jesus Cristo Quem tiver arma para ti Ficarão em folha Escorre água pelo cano Assim como escorreu O leite da Virgem Maria Santíssima Na boca de Jesus Cristo. Para por fim a desentendimentos (diz-se o nome com quem se desentendeu) São Amâncio que te amanse Que tu não coma Não beba Não durma Enquanto (nome com quem se desentendeu) Não vier falar com. (nome da pessoa que pediu a benção) 84 Para encontrar coisas perdidas ou roubadas Havia Santo Antonio de Lisboa Que foi ornado em França Visitado em Roma Pelo hábito que vestiste Pela missa nova que disseste Em casa de Santa Paula Levanta os peixinhos do mar Com vossa divina pregação Antonio Santo Divino Assim como livrou vossos país Com vossa santa assistência Eu quero que ache (diz-se o nome do objeto) De (fala-se o nome do dono). Fonte: pesquisa de campo/2010. Diante de problemas existentes na saúde pública do Brasil, grande parte da população não tem acesso a tratamentos médicos de qualidade. As benzedeiras surgem para compensar parte desta deficiência, pois sendo herdeiras de um conhecimento associado ao sagrado que é o poder curativo, elas tendem a influenciar a ordem social na medida em que curam e amenizam enfermidades com suas benzições. Elas constroem um patrimônio simbólico a partir da convicção de cura com a palavra empregada que é validada pelo meio social. A eficácia da benzição tem significado na medida em que benzidos e benzedeiras tem fé nos procedimentos realizados. A benzição ainda é um fenômeno muito forte com espaço e clientela definida na sociedade brasileira, como em Parintins, onde as benzedeiras são bem procuradas. 85 CAPÍTULO III AS BENZEDEIRAS DE PARINTINS “Todas as pessoas que lidam com doenças e curas da população, ao prestarem seus serviços de saúde, reproduzem o seu modo de viver. Recriam um modo de oferecer respostas às aflições e sofrimentos”. Elda Rizzo de Oliveira (O que é medicina popular). 3.1 – O sagrado e a simbologia na benzedura. Na benzição não há separação entre corpo e espírito, havendo dessa forma uma ligação direta entre o homem e o sagrado. Para cada enfermidade sempre haverá uma jaculatória específica, em que o sagrado atuará combatendo os males que afligem o corpo e a alma. Para Pereira e Gomes (2002, p.143) “as benzedeiras e os benzedores são os detentores da capacidade especial para manipular as forças do sagrado. O domínio dessas forças não se dá sem alguma forma de iniciação e sem a aceitação social”. Na busca pela saúde por intermédio das benzedeiras homens e mulheres encontram o alívio e cura para as suas dores, acreditando assim, no poder sacramentado da benzição. A religiosidade é percebida a partir da dinâmica do sagrado contido na relação religiosa que envolve a benzedura através do chamado de Deus para o ofício da benzição. É o que diz uma de nossas entrevistadas: Eu acho que é um chamado de Deus, porque eu benzo com o nome de Deus. A gente benze com o nome de Deus. Tudo o que a gente faz na benzição é com o nome de Deus. E eu aceitei ser uma benzedeira porque a benzição chama o nome de Deus, tudo quanto é oração que eu faço, eu falo o nome de Deus. Eu sei que ele mesmo me escolheu porque eu acertei a benzer tudo né. Pois os meus irmãos nenhum deles benze, senão só eu mesma. (dona Rosa, entrevista/2010). 86 Reconhecer o dom da benzedeira é legitimar o ofício dado a ela por Deus do qual não deve se esquivar. É a significação sagrada da medicina popular que envolve o conhecimento de plantas e ervas na cura dos males, pois conforme Quintana (1999, p.55) “tanto as rezas como os chás somente adquirem um sentido, e, portanto, se tronam eficazes, quando inseridos no contexto do ritual. Fora dele, perde todo o seu poder, pois deixam de ser significantes e, então não vão poder operar mudanças no discurso do paciente”. E mesmo que esse ofício exija algum sacrifício, para as benzedeiras a prática da benzição é interpretada como uma dádiva, que tem suas obrigações. Daí a conformidade com o sacrifício e a gratuidade na benzição, como já foi falado, pois “o dom para a benzedura não torna a benzedeira „acima ou à margem‟ das outras pessoas, mas lhe impõe uma sagrada missão: a de praticar a benzição a quem procura e necessita” (SOUZA, 2002, p.100). A missão das benzedeiras também é confirmada por aqueles que procuram a benzição como Leila Figueiredo, ao nos dizer que: “a partir do momento que a benzedeira começa a rezar, ela já assumiu também a sua missão” (entrevista/2010), isto confirma o caráter sagrado e o compromisso firmado, do qual a benzedeira não deve fugir. Para Quintana (1999, p.81) “o poder, a força não estão, pois, na benzedeira, nem numa outra pessoa determinada, nem numa habilidade aprendida; trata-se de algo de que ela poderá usufruir enquanto cumprir certos requisitos”. A sacralização da benzição pode ser entendida pelo dom recebido que estabelece laço com o divino já mencionado, associando a disponibilidade e dedicação que a benzedeira deve ter com os que procuram, e esta disponibilidade é aceita quando dona Zenaide deixa claro que: “a minha profissão é trabalhar em casa no atendimento aos necessitados” (entrevista/2010). Para Quintana (1999, p.81) “ao assumir a benzedeira a obrigação de ajudar os necessitados através da benzedura, a entidade que lhe outorgou o dom fica, por sua vez, obrigada a ajudá-la no desempenho de suas tarefas”. Assim, a benzedeira tem na sua prática o auxílio do divino que é reconhecido pela comunidade que vê nela uma pessoa especial. A benzição é mais uma característica da religiosidade popular, pois a cura é a ação do divino invocada pela benzedeira através da palavra (oração), sendo esta religiosidade partilhada por muitas pessoas que acreditam no fenômeno que a primeira vista parece pertencer as classes subalternizadas que não tiveram acesso a educação e 87 saúde, ainda que nesta seja mais recorrente. Isto é pouco verdadeiro na medida em que dona Zenaide afirma ser procurada por todas as classes, “mas o rico já tem procurado também a benzição, essas pessoas que tem condições já tem me procurado” (entrevista/2010). É o que confirma também dona Rosa, outra de nossa entrevistada: Até rico já veio aqui comigo. Veio um homem das bandas de lá (apontando para o centro da cidade), um homem grande que veio numa moto grande, com a mulher e com duas filhas gêmeas aqui comigo, lá da frente, lá do centro da cidade e ele veio aqui comigo. Ele pediu para eu benzer e eu benzi. Estavam todas as duas crianças de quebranto, eram gêmeas e eu as benzi como ele pediu. (dona Rosa, entrevista/2010). Minayo (1994), ao discutir a representação da cura popular, também afirma que a busca da cura, através de meios sobrenaturais, não é privilégio de nenhuma classe social no Brasil. Ela permeia todos os estratos de nossa sociedade, embora cada estrato tenha sua forma peculiar de dar significado às suas experiências e práticas. Por isso que em Parintins é comum as benzedeiras relatarem a procura de seus serviços por classes mais abastadas. Então crer no divino não é exclusividade das classes populares da sociedade que parecem buscar na divindade suprir suas privações que na maioria das vezes está relacionado com a omissão do Estado, Para Pereira e Gomes (2002, p.145) “o sagrado da cultura popular – tantas vezes menosprezado como superstição – é procurado, no entanto, como recurso de cura quando parecem esgotadas as possibilidades de tratamentos advindos da medicina científica”. Acreditar nas benzedeiras independe de comprovação da veracidade e eficácia da benzição, tudo é uma questão de confiança e fé, pois, para Leila Figueiredo “sem a fé não vai ter valor o que tá acontecendo ali” e complementa “se ele [quem precisa] não tiver fé ele não vem à benzedeira né” (entrevista/2010). Assim, “as benzições são a prova da luta do homem contra suas próprias limitações” (GOMES e PEREIRA, 2004, p.19), pois os benzidos acreditam que as benzedeiras são herdeiras de um conhecimento dado pelo sagrado para desfazer a desarmonia causada pela doença ou mal que se instalou no corpo do benzido. 88 A certeza da cura dos males em que em muitos casos se busca primeiro a via tradicional, nos revela a confiança que se tem por parte dos que procuram as benzedeiras e vêem nelas a expressão do sagrado que é reforçado pelos em espaços criados por elas, as benzedeiras, e consagrados aos santos de sua devoção, onde geralmente realizam seus trabalhos de cura, “eu benzo aqui no barracão de São Lázaro, aqui ele me ajuda. Nesse barracão aqui eu trabalho um pouco com ele” (dona Zenaide, entrevista/2010). Assim, “a casa é o lugar mais expressivos dos espaços fechados: a consagração transforma quartos, salas e quintais em altares onde os rituais são realizados” (PEREIRA e GOMES, 2002, p.151). As explicações e tratamentos realizados pelas benzedeiras estão impregnados de simbolismo e sua complexidade vai além de crendices ou superstições, revelando um ritual rico em procedimentos que são seguidos tanto pela benzedeira quanto pelo benzido. Para Gomes e Pereira (2004, p.60), “há toda uma simbologia presente nas fórmulas ou no processo ritual”. Como na benzição do quebranto descrito por Leila Figueiredo que sempre buscou ajuda na benzedeira. Ou na benzição da espinha na garganta quando é colocada uma espinha de peixe no cabelo da benzedeira e três debaixo de um prato que é rodado para a direita, ao mesmo tempo em que a benzedeira reza na garganta do engasgado para que a espinha saia. Ao explicarem essas benzições, Leila Figueiredo e dona Rosa elaboram o seguinte quadro: Eu benzo assim, se ta com a espinha na garganta, eu meto outra espinha no cabelo e mais três debaixo do prato. Aí eu rezo, eu rezo minha oração na cabeça e na garganta de quem engoliu a espinha pra ela descer. Eu rezo aqui na cabeça, e rezo também na garganta pra descer a espinha. A gente também roda o prato, vai benzendo e de vez em quando rodamos o prato. Três vezes o prato é rodado. Metermos a espinha no cabelo e ficamos rodando o prato. A gente benze a cabeça e aqui na estrela34 da garganta pra descer a espinha, e ela desce em nome de Jesus. E se não descer eu benzo e repito de novo. (dona Rosa, entrevista/2010). No quebranto, funciona assim: se a criança não ficar boa no primeiro dia que é benzida. Ou seja, no primeiro dia se foi benzida e a criança não ficou boa, ela volta no segundo dia, e se novamente não ficar boa, a benzição vai até o terceiro dia, aí a criança fica boa realmente. Eu tinha muita fé pois quando a minha filha estava pequena eu ficava 34 Para dona Rosa o corpo humano é comparado a uma estrela de cinco pontas: a cabeça, os braços e as pernas formam essas pontas. 89 desesperada por que não sabia como tratar, então eu corria pra benzedeira benzer. (Leila Figueiredo/entrevista 2010). Rosa Gomes, ao nos falar como Jesus deixou na terra a oração para tirar espinha de peixe da garganta, deixa transparecer em seu relato traços da tradição cristã como a caridade, o milagre, a recompensa pelas benevolências, o papel da mulher. A nossa entrevistada chama a atenção para o fato do compromisso que a benzedeira tem com o seu oficio, acreditando que o ofício é uma dádiva recebida diretamente de Deus e a ela confiada. Em seu relato ela nos diz o seguinte: Naquele tempo andavam na terra Jesus e Pedro. Jesus andava na terra e ele convidou Pedro: „Pedro, vamos lá em baixo, na terra?‟ E Pedro respondeu: „vamos‟. Saíram, quando chegou numa casa, Jesus disse: „Pedro já é noite, vamos pedir agasalho aqui nesta casa, aqui na casa deste rico?‟. Aí Jesus pediu agasalho e o dono da casa disse: „Olha nós não podemos, nós não podemos dar agasalho porque tem muitas ervas lá na sala‟. Então Jesus disse: „vamos embora Pedro‟. Lá mais em frente, numa outra casa ele disse assim: „vamos naquela casa de pobre?‟. Chegando lá ele pediu licença. Aí a mulher que estava na casa disse assim: „nós não temos almoço, nós só temos essas batatas‟. As batatas estavam cozidas e eles comeram, comeram da batata Jesus e Pedro. Aí chegou o dono da casa com peixe e comeram também. Jesus benzeu a casa durante a noite. Quando amanheceu o dia era uma casa linda, linda, mais muito linda mesmo. Aí os outros ficaram com inveja. Principalmente aquele que Jesus pediu hospedagem lá na primeira casa, ele ficou com inveja e disse: „como que era uma cabana velha e agora é uma casa linda?‟ Aí foram embora dali, Jesus e Pedro foram embora. Neste instante a mulher do homem rico engole uma espinha, aquele que era mulher do dono da primeira casa. Então o marido dela foi embora à procura de Jesus e Pedro. Ele e seus empregados pegaram os cavalos e se mandaram atrás de Jesus e Pedro que já iam muito longe mesmo, já estavam assim muito longe. Aí não demoraram eles chegaram lá com Jesus e Pedro, e o homem disse: „Ei, meu senhor, espera aí meu senhor, minha esposa engoliu uma 90 espinha‟. Aí Jesus disse assim: „Vamos voltar Pedro‟, o homem tinha dito que a esposa dele tinha engolido uma espinha muito grande, e estava muito enrascada35. Aí todos voltaram de cavalo. Chegando lá, Jesus disse benzendo: „Casa velha esteira rôta, homem bom mulher ruim, espinha por onde tu entraste por aí tu tens que sair‟. Depois Jesus disse a mulher: „pode fazer força‟. E a espinha foi embora. Por que eles, Jesus e Pedro, foram lá na primeira casa e os donos não deram hospedagem, o homem queria dar, mais a mulher do dono da casa não queria que Jesus e Pedro ficassem lá. Assim que é a benzição da espinha. (dona Rosa, entrevista/2009). A volta circular dada no prato para o lado direito com a espinha de peixe no seu interior nos remete à simbologia do círculo. Para Gomes e Pereira (2004, p.61), “o círculo é a representação, por excelência, da ausência de divisão ou distinção: é a totalidade indivisa”. É a circularidade, a volta ao ponto de partida, o retorno da espinha que está na garganta do benzido. “espinha por onde tu entraste por aí tu tens que sair”. O número três está sempre presente nos ritos de benzição, o número é encontrado nas orações como de dona Zenaide, “expulsa a dor com três palavras de Deus e três da virgem Maria36”. Observe-se que o número três está presente em todos os procedimentos da benzedeira, tal como podemos perceber na fala de Leila Figueiredo “a benzição vai até o terceiro dia”, e nos procedimentos, “eu meto outra espinha no cabelo e mais três debaixo do prato”. O três é um número cabalístico-sagrado, pois a bíblia está repleta de acontecimentos que expressam esse número: os sonhos interpretados por José no Egito falavam de três dias representados por três cachos de uvas e três pães; Daniel orava três vezes ao dia; Jonas ficou três dias no ventre do grande peixe; Pedro negou Cristo por três vezes; Jesus ressuscitou no terceiro dia após três anos de pregação; o apocalipse fala de três espíritos imundos saindo da boca de três personagens: o dragão, a besta e o falso profeta; Lúcifer levou consigo a terça parte dos anjos. O número três também representa o complemento: A Santíssima Trindade é composta do Pai, Filho e Espírito Santo, assim como para os que acreditam, o homem é corpo, alma e espírito. A teologia reconhece que o número três é o símbolo de perfeição assim como o número sete e o número doze. Indica as coisas perfeitas do universo 35 36 Alguém que se encontra em perigo ou apuros e precisando de ajuda. Rever p.82. 91 regido pelas forças do criador. A respeito desta simbologia numérica, Bethencourt (2004, p.136), nos diz que, Se o espaço e o tempo estabelecem as condições de realização dos ritos mágicos, a simbologia do número estrutura e consagra grande parte dos ritos manuais e dos ritos orais. Em primeiro lugar aparece-nos o número três, que simboliza a superação da rivalidade latente contida no número dois, exprime a síntese, a ordem espiritual em Deus, no cosmo e no homem. O Deus trinitário cristão, que surge como o referente mais próximo das práticas recenseadas, simboliza justamente a perfeição da unidade divina. Em todas as benzições é feito o sinal da cruz geralmente na cabeça e no corpo. Quando o benzido tem outra enfermidade como nos casos de ezipla e cobreiro, a cruz é gesticulada com um galho de vassourinha para expulsar a enfermidade. A benzição varia de acordo com a benzedeira, mas no contexto geral, seguem o mesmo trajeto dividido em três momentos: “A) O diálogo; B) A benção; C) As prescrições” (QUINTANA, 1999, p.56). Na costura da rasgadura podemos perceber que o ponto dado no pano que imita a carne rasgada é dado em forma de cruz. Dona Zenaide que ao benzer também faz o sinal da cruz diz o seguinte: “eu benzo rezando na cabeça das pessoas, tirando a enfermidade, pedindo a Deus pra tirar aquela dor daquele benzido. E se for na mente, se for no coração, eu expulso tudinho com as palavras de Deus” (entrevista/2010). Dona Rosa ao narrar a benzição do quebranto revela: “eu faço uma cruz assim. Uma cruz que a gente faz na cabeça da criança, na cabeça da criança e reza a oração do quebranto” (entrevista/2010). A cruz foi instrumento usado no suplício de Cristo, pois “crucificaram Jesus com outros dois homens, um de cada lado e Jesus no meio” (João, 19:18), é para o cristianismo a indicação do caminho para a salvação que exige sacrifícios, “se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga” (Lucas, 9:23). As benzedeiras unidas a Cristo pelo sacrifício realizam o sinal da cruz no benzido, e em algumas ocasiões em si próprias. Para Souza (2002, p.113), “na mentalidade popular a cruz está revestida de toda uma simbologia ligada principalmente à luta do bem contra o mal, pois se acredita que ela tem poderes de afugentar os seres diabólicos”. Compreendemos, portanto, o gesto de expulsão da doença quando a 92 benzedeira gesticula a cruz com o ramo de vassourinha na enfermidade. Gomes e Pereira (2004, p.63), lembram que, O simbolismo da cruz – que se vê em inscrições do século XV a.C. – foi amplamente enriquecido no cristianismo, quando a história do rabi da Galiléia culminou com a morte do Deus na cruz. Símbolo quartenário divinizado, a cruz é o sofrimento e a redenção, representando a vitória da morte sobre a vida. A perseguição tornou-se o sinal do cristão, que se protege contra o mal contra o mal cruzando a testa, a boca e o peito. O saber tradicional se completa com a simbologia existente na relação entre a benzedeira, os objetos e rituais da benzição. Além disso, percebemos o simbolismo em alguns procedimentos como de dona Rosa quando assegura que conhece a eficácia de suas orações contra temporais e tempestades chegando a afirmar que quando é de seu interesse que esses fenômenos da natureza não aconteçam, invoca em suas orações o seu desejo, retardando ou mudando o tempo, se assemelhando dessa forma com a pajelança indígena. Temos aí uma semelhança das benzedeiras com o papel dos antigos pajés da região que, além de benzerem, realizavam outras atividades místicas. Como é o caso de dona Nazaré que reza o responso, um procedimento caracterizado pela oração para recuperar coisas perdidas ou saber de algo oculto na qual se obtém a resposta através de sonhos. O uso de plantas é um componente constante na benzição, como, por exemplo, “corta rosa branca; corta rosa preta; corta rosa vermelha, corta rosa esponjosa37”. As plantas estão também presentes nos procedimentos que levam o emprego de ramos na intermediação da cura. Segundo Gomes e Pereira (2004), as plantas têm o poder de energizar o homem ajudando na restauração de seu equilíbrio. Elas podem também ser depositárias das energias negativas recebida do benzido comprovando assim a enfermidade. “A cura do quebranto é assim, a benzedeira pega um pezinho de vassourinha, vassourinha é uma plantinha que nasce aí no quintal. E começa a benzer a criança, se aquele pezinho murchar, é porque ela estava com quebranto” (Leila Figueiredo, entrevista/2010). 37 Rever p.81. 93 As plantas também estão presentes na preparação de chás, banhos e ungüentos: “eu passo chás, chá de cidreira, chá de folha de capim cheiroso. Quando é para doença mais grave eu passo chá de arruda e dou com copaíba, é assim” (dona Nazaré, entrevista/2010). “As plantas por si só têm a capacidade de afugentar os males que rodeiam os homens, os animais [em especial os domésticos] e as próprias plantas, como: alho, arruda, pinhão roxo, entre outros” (SOUZA, 2002, p.115). O uso de vegetais como amuletos de proteção do corpo também é comum entre as benzedeiras de Parintins, como diz uma das mulheres ouvidas nesta pesquisa: “a gente também benze com alho, benze a criança, a pessoa, a gente faz assim: bate o alho e fica benzendo a pessoa” (dona Nazaré, entrevista/2010). No cotidiano amazônico é comum o emprego de ervas medicinal pelas classes populares. Araújo identificou na região uma grande variedade de plantas medicinais e sua utilização pelos povos tradicionais. Como veremos a seguir: ERVAS MEDICINAIS UTILIZADAS NA REGIÃO Nome popular Nome científico Propriedades terapêuticas Abacate Perseapersea Diurético, Combate infecções hepáticas e renais Abutua Chondodedronplatyllum Afecções renais, inflamações da bexiga, diurético. Alecrim Rosmarinusofficinalis Esgotamento físico, mental e pressão arterial. Alfavaca cravo Ocimumgratissimum Bronquites, tosse, antiespasmódico e antidepressivo. Alfavaca Ocimumbasilicum cheirosa Alfazema Digestivo, hepático, gripes, resfriados Lvandulaangustifolia Estimulante, antiespasmódico e hipnagogo Algodoeiro-roxo Gossypium arboreum Hemorragia pós-parto e antiinflamatório Alho Alium sativim Pressão alta, resfriado, gazes. Amor crescido Portulaca pillosa L. Melena e fortalecimento do cabelo Portulacaceae 94 Amor do campo Meibonia triflora Antiinflamatório, anti-séptico, infecção intestinal. Andiroba Carapa guaianesis Aubl. Antiinflamatório Arruda Ruta graveolens e Combate sarnas, piolho e regras Rutahortenses suprimidas. Rollinia silvatica (St. Hill) Combate escabiose e piolho Araticum Mart Breu branco Protium heptaphyllum Defumação e massagem Boldo Pneumus boldus. Derrame, fígado e estomago. Camomila Matricariachamomila Antiflatulento, antiespasmódico, cefaléias. Canarana Costusspicatus Diurético, depurativo, inflamações renais. Castanha da Bertholletia Fortalecimento da Imunidade Cymbopogumcitratus Aromático, disgetivo, carminativo e Amazônia Capim cheiroso calmante suave Catinga de Aeolantus suaveolens mulata Catuaba Antiepilético, anticonvulsiva, estimulante helmíntica Erythroxyloncatuaba Tônico, estimulante, afrodisíaco e impotência. Cipó-pucá Cissus Sycioides Diabetes, hipotensor, hidropsia Cipo-tuira Calycobolus ferrugineus Antiinflamatório das vias urinárias Copaíba Copaifera multijuga Antiinflamatório e cicatrizante Carapanauba Aspidosperna carapanauba Anticoncepcional e funções digestivas. Caa-peba Piper marginatum Espasmos Crajiru Arrabidaea chica Doenças gerais da pele e anemia Cumaru Dipteryx odorata Dor de ouvido e reumátismo Erva cidreira Lippiaalba Analgésica e espasmolítica Erva doce Pimpinella anisium Afecções brônquicas e estomáquicas Eucalipto Eucalyptus citriadora Vias respiratórias, gripes e resfriados 95 Erva de jabotí Peperonia pellucida L. Funções digestivas e diabéticas Piperaceae Escada-do-jabuti Bauhinia rutilans Artrite e reumatismo Envirataia Xilopia Anonaceae Contra reumatismo Goiabeira Psisium guajava Diarréia Mangarataia Zingiber zingiber Cólicas e estomáquico Guaraná Paullinia cupana Esgotamento nervoso Hortelã Menta piperita Atonia digestiva e espasmos gastrointestinais Ipê roxo Tabebuiaavelhanedae Antiinflamatório e anticancerígeno Jambú Spilanthes oleracea Bócio, depurativo, gengivite Jatobá Hymenasastilbocarpa Bronquite, debilidades e vias urinárias Jucá Caesalpinia férrea mart. Restauração de lesão pulmonar Jurubeba Solanum paniculatum Problemas digestivos e renais Laranjeira Citrusaurantium Gastralgias, dispepsias e flatulências, calmante leve Língua de vaca Chaptalianotaus Pele, herpes, lavagem de feridas Lacre Vismia cayennensis Choisy Boca, garganta e pano branco Malvarisco Plectrantusambornicus Expectorante Manjerona Glechonspathula Estomáquico e expectorante Maracujá Passifloraalata Calmante, histerias, neuroses e insônia Mamão Carica papaya Intestino preso Marupá Simarouba amara Aubl. Diarréia, dor de estômago Mururé Brosimum Artrite Mangerioba Cássia occidentalis Malária Mastruz Chenopodium ambrosioides Contra afecções das vias respiratórias. Mata pasto Cássia sericea Swrtz. Contra prisão de ventre, calmante e micose. Melão de São Caetano Momordica charantia Antiinflamatório e vermífugo. 96 Manjericão Ocimum basilicum. Banhos e combate o resfriado Pata de vaca Bauhinia Anti-diabético, cálculos renais e forficata/Bauhiniamonandoa diurético Paracari ou Pentaclethra filamentosa Mordida de cobra. pracaxi Benth Pau ferro Cesalpineaferrea Depurativo, anti-diabético e adstringente Pau rosa Aniba rosaeodora Ducke Germicida Pedra ume kaa Myrciashaerocarpa Adstringente e anti-diabético Pega pinto Boerhavia hirsuta Willd Uretrite, blenorragia entre outras. Pimenta do Piper nigrum Estimulante forte, cãibras de reino estômago. Pitanga Eugeniauniflora Adstringente, febre, ansiedade Pião branco Jathophas curcas Infecções gerais e antiinflamatórias Pião roxo Jathophas gossipiifolia Banhos, benzeções Preciosa Aniba canelilla L. Tranqüilizantes. Quebra pedra Phyllantus niruri Afecções das vias renais, urinárias e biliares Quina da mata Quassia amara Problemas digestivos Sabugueiro Sambucus australis Diaforético, diurético e depurativo Sara tudo Byrsonima Malpighiaceae Gastrite e inflamações Sucupira Bowdichea virgilloides Tônico, depurativo e antidiabético Sacaca Cróton cajucara Benth. Problemas digestivos e micoses Sapucainha Carptroche brasiliensis Endl. Hanseníase Salva de marajó Hyptis crenata Pohl ex Benth Problemas digestivos e calmante Sucuúba Himatanthus sucuuba Inibidora do câncer Taperebá Spondias mombin Herpes e viroses Unha de gato Uncaria tomentosa Fortalecimento da imunidade Umbaúba Cecropiahololeuca Hipertensão e ativador das funções cardíacas. Urtiga Urticaurens Anti-Hemorrágico, depurativa e antiinflamatória Urucum Bixa oreleana Digestivo, cardite, endocardite e 97 pericardite Vassourinha Scoparia dulcis Hemorróidas Virola Virola surinamensis Warb. Doenças gerais da pele. Fonte: Maria de Fátima Guedes de Araújo. Várias plantas têm uso específico na benzição, pois de acordo com as benzedeiras existe uma planta a ser usada em cada procedimento, ajudando desta maneira na construção do simbolismo e na caracterização da benção. Percebermos nas casas das benzedeiras uma variedade de plantas usadas na benzição, as quais são cultivadas no jardim da residência, em latas que enfeitam as paredes da casa ou no quintal, próximo a cozinha. Conservar estas plantas por perto se faz necessário, pois as plantas são instrumento de neutralização do mal (GOMES e PEREIRA, 2004). Os vários procedimentos em que exigem o uso de uma planta específica podem ser notados na explicação de dona Rosa ao dizer que, Pra benzer quebranto é assim, é vassourinha, pra benzer ezipla é a folha de pião roxo, ou então a faca pra cortar ela assim, a gente benze cortando. Pra cobrelo é a mesma coisa, vassourinha, que também é usada na criança que tá muito doente de quebranto, com o cocô muito verdinho. A gente benze com a palha da beira da casa, mas somente com a beira da casa da gente. Só se Benze se for com a palha da beira da casa da gente. (dona Rosa, entrevista/2010). Nesta descrição notamos um componente novo fruto da dinâmica da benzição que incorporou elementos regionais e do cotidiano das populações tradicionais da Amazônia, “A gente benze com a palha da beira da casa”, a palha que dona Rosa se referiu em sua fala é palha de curuá38, muito usada ainda hoje para fazer a cobertura das casas em Parintins. Nesse tipo de benzição é retirada uma folha de palha que cobre o canto direito da casa da benzedeira, “a beira da casa da gente”, com o qual se benze a criança com sinal da cruz e fazendo as orações específicas. Ao término da benzição a folha da palha de curuá que foi utilizada, é lançada pela benzedeira em direção ao pôrdo-sol. Alem das folhas, as cascas de árvores também estão presentes no preparo de 38 É o nome popular de origem indígena de uma palmeira da família das arecácias e suas folhas são bastante utilizadas pelas populações tradicionais. 98 banhos prescritos pelas benzedeiras de acordo com cada necessidade. É o que nos mostra o quadro a seguir: TIPOS DE BANHOS E SUAS PRESCRIÇÕES Banho de casca de Taperebá Convém para lavar a genitália feminina para que não perca sua elasticidade. Banho de casca de manaiara Tomado para sarar coceiras e irritações cutâneas. Banho de casca de carapanaúba Serve para banhar pessoas feridas ajudando na cicatrização. Banho de casca de murapuama Banho dado para ajudar crianças a andarem mais depressa. Banho de casca de jutaí Combate as viroses ajudando na recuperação. Banho de casca de catamary Serve para tirar o aborrecimento de quem o toma. Banho de casca de uixí Convém para lavar e perfumar a genitália feminina. Banho de casca de castanheira Tomado por pessoas que apresentem o mal-estar provocado pela gripe. Banho de folha de chama – cheirosa Para que a criança seja bem querida por todos os amigos e familiares. Banho de folha de mão – aberta Feito para atrair a sorte nos negócios e conseguir dinheiro. Banho de folha de sacaca Banho preparado para espantar os maus espíritos e desfazer a malinesa do boto39. Banho de folha de pião – roxo Preparado para proteger o corpo de toda maldade exterior. Banho de folha de cachorrinha Esse banho é dado em quem deseja ter seu amor por perto. Banho de folha de Jaca 39 Ver também p.102. Dado em crianças que sofrem de insônia 99 para que possam dormir bem. Banho de folha caída Banho feito com folhas que caem das árvores para amansar a criança. Banho de folha de manjericão Banho recomendado para comerciantes fazerem bons negócios. Banho de folha de cuia-mansa Preparado para banhar crianças que tem o hábito de chorar demasiadamente. Banho de folha de juquirí Serve para sossegar crianças que tem um comportamento agitado. Banho de folha de mucuracaá O banho espanta e protege o corpo contra todo tipo de mal. Banho de folha – chama Tomado para atrair todo tipo de sorte e trazer felicidade. Banho de folha de cipó-alho Protege o corpo da criança contra a inveja e o mau-olhado. Banho de cragirú Banho dado em mulheres de parto para a cicatrização. Banho de araticum Dado em pessoas para neutralizar feitiços e judiação. Banho de folha de limão Esse banho serve para aliviar e prevenir gripes e resfriados. Banho de farinha de mandioca Feito para acalmar crianças bravas ou de comportamento manhoso. Fonte: pesquisa de campo/2010. Embora a farinha de mandioca não seja um vegetal em si, mas subproduto dele, ela se enquadra no contexto devido a importância que tem a farinha que é consumida diariamente. A farinha é extraída da raiz da maniva, a mandioca, planta muito cultivada na Amazônia para alimento básico da população. Há, então, na Amazônia esse outro elemento do cotidiano incorporado à benzição. E para os que acreditam, esses mecanismos utilizados pelas benzedeiras em suas práticas têm sua eficácia, pois, “só com o entendimento do fenômeno da benzedura, é que podemos perceber que esse tipo de prática não é apenas composto de crendices e simpatias” (SOUZA, 2002, p.116). 100 Outro elemento regional, a rede de dormir, comum nos lares amazônicos, também aparece na narração de dona Rosa ao falar sobre uma das visitas que Jesus e São Pedro fizeram a terra. “Vamos embora lá pra terra Pedro? E Pedro respondeu vamos. Aí eles desataram as suas redes e botaram nas costas o equipamento e foram embora [...]. Em outra noite Jesus atou sua rede lá no lugar aonde Pedro dormiu, e Pedro atou a sua rede no lugar aonde Jesus dormia”. (entrevista/2010). Percebemos que a compreensão que se têm do céu, é uma concepção amazônica, pois tanto Jesus como Pedro desatam suas redes que estavam estendidas no paraíso, colocam nas costas e viajam para a terra. As práticas de benzição são revestidas de uma simbologia entrelaçada ao sentido das coisas da vida, do cotidiano vivido, dentro de um sistema coerente de significados. As benzedeiras tornam-se guardiães da palavra e do saber mágico, elaborado ao longo do tempo, a partir da transmissão e conhecimento de suas práticas. A cura e alívio dos males proporcionado pela benzição só se realiza quando, benzedeira e benzido, estão dispostos a seguir os critérios e normas de uma linguagem e ritual bem específico. É assim que se caracteriza a benzição, com seu simbolismo e referência ao sagrado, atuando no combate aos males que afligem os seres humanos. 3.2 – A mística das benzedeiras associada aos mitos da floresta Em Parintins, vários aspectos do universo das benzedeiras que dizem respeito a crença e a magia estão intrinsecamente ligados a floresta. Não se trata aqui de uma discussão sobre o determinismo ecológico, mas de uma estreita ligação que existe entre elas e a natureza no campo do sagrado, fazendo com que se diferenciem em parte, das benzedeiras de outras regiões do Brasil. Crer em elementos mágicos relacionados com a floresta que influenciam diretamente na vida e no dom das benzedeiras, não pode ser interpretado como atraso cultural, pois “mesmo nas nossas grandes metrópoles, as crenças em magia persistem face aos conceitos científicos mais modernos” (WAGLEY, 1988, p.218). 101 Ao afirmarem que foram olhadas por bichos da floresta40, judiadas por botos ou em suas práticas de cura benzerem a mãe-do-corpo ou passarem a enfermidade para uma árvore, as benzedeiras revelam um contexto amazônico. A descoberta do dom como já falamos, pode ser demonstrada de várias maneiras, com semelhanças em todas as regiões do Brasil, no entanto em Parintins se manifesta de maneira espontânea a relação das benzedeiras com a floresta. No caso de dona Rosa, por exemplo, a sua enfermidade que de modo geral antecede o dom, foi obra de um boto, no qual somente foi possível curar com a ajuda de uma benzedeira. Vejamos: Uma vez eu peguei uma olhada de boto lá no estado do Pará. Era meio dia quando fui tomar banho e os botos me olharam. Olharam-me, ficaram me olhando, e depois foram embora. Depois disso, eu fiquei doente, não me penteava, andava assim na rua, assim como se estivesse de porre. Mas eu não sabia o que era. Quando eu fui numa benzedeira, ela me benzeu e disse: „olha foi um boto que te olhou, mas no mandado de outra pessoa, duma macumbeira, duma feiticeira. Mandaram o boto te olhar. E se o boto olhasse mesmo bem de frente, tu já tinhas morrido. Mas ele te olhou de lado‟. Ai ela me disse: „eu vou tirar de você a olhada do boto. Você traga para mim três tubos de linha vermelha, três agulhas e três metros de fita vermelha e outras três de preta, traz que eu vou jogar no rio‟. Ai olha, é o que eu sempre falo, quem cura mesmo é fé da gente. Quando é que uma pessoa vai acreditar numa coisa dessa né? Mas quem acredita como eu, tenho certeza que acredita mesmo. Por isso que eu levei o que ela havia me pedido, ela benzeu tudo aquilo e mandou que fosse atirado no rio. Com isso, ela tirou a doença também e jogou no rio. A agulha, a linha, tudo ela mandou que jogasse lá. Foi até meu pai quem jogou. (dona Rosa, entrevista/2010). O contato com a benzição em virtude da olhada do boto, fez com que dona Rosa criasse uma admiração pelas benzedeiras: “naquele tempo quando eu via uma pessoa benzendo, ou que soubesse benzer, eu achava aquilo tão importante, é tão bonito quem sabe benzer, era tão bonito ver essa gente que sabia benzer, benzer os outros que estavam doentes” (dona Rosa, entrevista/2010). E mesmo que tenha recebido as orações por escrito de seu pai, o interesse pelos doentes e pela benzição nasceu da própria 40 Dona Rosa nos contou que quando jovem no caminho de sua casa para a roça foi olhada por um jacurarú, espécie de lagarto que se assemelha a um camaleão, porém, maior e de cor avermelhada. Ao olhar para ela, o animal lhe retirou sua sombra, o que causou uma enfermidade grave. Ela somente ficou curada quando seus pais a levaram a um sacaca, pessoa cura por meio de plantas e orações (ver p.44), que em um ritual específico lhe devolveu a sombra. 102 experiência que teve quando a mesma se encontrava enferma e foi tratada por uma benzedeira. O compromisso das benzedeiras em fazer o bem, que na concepção das mesmas as diferenciam das macumbeiras, também pode ser diferenciado em suas práticas de cura. Ao invés de porções mágicas ou encantarias como fazem as bruxas, elas utilizam utensílios e objetos que culturalmente pertencem ao universo feminino e que são utilizados no dia-a-dia. Além de fazer uma analogia com o trabalho da mulher. Dona Nazaré, por exemplo, nos mostra essa diferenciação da seguinte forma: “a gente reza, tem que rezar, aí vai costurando na barriga da pessoa onde tiver a rasgadura, rezo a reza e vai costurando com as orações, é com agulha, entende agulha nova e com linha que a gente vai rezando e costurando” (dona Nazaré, entrevista/2010). E para retirar o encanto do boto, a benzedeira que curou dona Rosa utilizou agulha, linha e fita. A esse respeito Sônia Maluf (1993, p.123), considera que, Os objetos que usam nas benzeduras (tesouras, linha e agulha, pilão, brasas, copo com água etc.) fazem parte do universo do trabalho feminino e do espaço em que as mulheres passam a maior parte do tempo, sempre acompanhadas de rezas, onde predominam as invocações e os pedidos dirigidos a Nossa Senhora. Botos e outros animais que podem fazer o mal a uma pessoa fazem parte do imaginário dos povos tradicionais da Amazônia. Maués (1994), fala em encantados, seres invisíveis a olho nu, e que não são representados de nenhuma forma. Entretanto, podem se manifestar de diferentes maneiras, como os encantados do fundo que se revelam em forma de peixes, cobras, botos, dentre outros. Para esse autor, a crença nos encantados é a fundamentação da pajelança cabocla, muito popular principalmente na Amazônia rural e praticado por populações não indígenas. Assim como no caso de dona Rosa que foi atendida por uma benzedeira, para Maués e Villacorta (2004, p.29), “a mulher que é molestada pelo boto deve ser atendida por um pajé, caso contrário ela pode ser levada a morte”. O pajé assim como a benzedeira é capaz de curar, e indicar procedimentos que julgam indispensáveis para libertar a mulher da ação do boto. 103 A afinidade de cura da benzedeira com a pajelança cabocla pode ser entendida primeiramente pelo fato dos atores da pajelança cabocla não se identificarem como pajés, considerando-se curadores ou xamãs. A pajelança cabocla se distingue da pajelança indígena, pois mesmo tendo se originado na religiosidade tupi, “hoje se integra em um novo sistema de relações sociais, incorporou crenças e práticas católicas, kardecistas e africanas” (MAUÉS, 1994, p.75). O crédito da pajelança cabocla “reside na figura do encantado. Apesar de algumas variações nas crenças de região para região da Amazônia” (MAUÉS e VILLACORTA, 2004, p.17), conseqüentemente, podemos entender como uma variante da pajelança cabocla a atuação de algumas benzedeiras. Combater o encantamento do boto, não é algo incomum na benzição em Parintins, como podemos perceber na fala de Fernando Nascimento (31anos): Uma vez eu fui para uma praia aqui no uaycurapá, uma praia muito famosa que dá no verão. Eu vi um boto incorporado41 numa moça. Eu assisti a cena. A moça queria ta entrando todo tempo dentro d'água. Ela ficou perturbada, ela ficou descontrolada e a gente tentava agarrar ela, mas ela estava com muita força. Ela falava diferente, entendeu, ela falava diferente, e ela só queria ir pra dentro d'água, e ainda dizia: 'ele vai me levar, ele vai me levar'. Mas ela não falava quem, nem citava nome, ela só dizia: 'ele vai me levar, ele vai me levar'. E a gente segurando. Aí chegou uma senhora que naquele momento a gente não sabia se era benzedeira, e falou: „ela deve estar encantada pelo boto, ela deve ta menstruada ou coisa assim pro boto ta mexendo com ela'. Porque no rio, no caso a mulher não pode andar menstruada, porque chama o boto que encanta, chama a atenção do boto. E eu acho que era isso que ela tava, entendeu. Aí depois, essa senhora veio, eu não a conhecia até então como benzedeira, ela orou na cabeça da moça que estava encantada, pronto, aquilo foi passando, aliviou. Aí a benzedeira pediu pra gente tirar a moça encantada dalí daquele local imediatamente, porque senão o boto ia mexer com ela de novo. Foi quando nós viemos embora pra cidade. Quando a gente chegou na cidade a moça ficou normal. (Entrevista/2010). A atuação da mulher benzedeira foi fundamental, para que o boto deixasse a moça em paz. Motta-Maués (1994, p.116) nos diz que “entre os chamados „bichos do fundo‟ ou „encantados‟ estão as oiaras e o boto, considerados os mais danosos para a mulher menstruada, sendo que o boto pode prejudicá-la mesmo em qualquer ocasião. Na menstruação, porém, ela atrai (sem saber) esses encantados”. Para Fernando, a 41 O significado de incorporada narrado por Fernando Nascimento tem o mesmo sentido de “malinesa” descrito por Maués (1994, p.76), onde os encantados podem provocar doenças e outros males. 104 responsabilidade do encantamento se deve exclusivamente ao fato de a moça ter ficado no rio, estando menstruada, “porque muitas delas não avisam e viajam menstruadas, entendeu. Aí a mulher menstruada navega na frente da canoa, o boto a vê, e logo dá dor de cabeça, a minha sogra conta que a dor de cabeça no caso já é o boto malinando” (Fernando Nascimento, entrevista/2010). Segundo Galvão (1976, p.68), “o boto tem atração pelas mulheres menstruadas. Durante esse período as mulheres devem evitar viagens em canoas ou aproximar-se dos rios ou dos igarapés”, no caso da moça “ela tava menstruada e ela não falou pra gente, entendeu. E ela ficou tomando banho, gritando dentro d‟água, e aí eu acho que encantou, os mais velhos falam que é encantaria né” (Fernando Nascimento, entrevista/2010). Para Motta-Maués (1994, p.114) “a partir da menarca dá-se o afastamento compulsório da mulher dos domínios ditos masculinos (mar, porto, rios)”, pois elas estão sujeitas aos encantados e o território do homem fica ameaçado por uma força que ele não sabe conter. Assim, ao estar menstruada, a moça colocou em risco não somente a sua vida, mas a de todos, e obrigou o homem a abandonar seu território “foi quando nós viemos pra cidade”. Essa situação é influenciada pela relação direta que as populações tradicionais da Amazônia têm com o rio e com a mata. Trata-se de locais onde habitam os encantados que podem perturbar a vida dos caboclos, sendo necessária neste caso, a intervenção de uma benzedeira para afastar os encantados e neutralizar seus efeitos maléficos. Segundo nosso informante, A gente mora em uma região de rio e de mata lá no uaycurapá. E eu entendo o caso do boto como encantaria, e tem os bichos do mato que às vezes encantam as pessoas também. A minha tia benze contra isso. Ela tem a reza de tirar a encantaria, ou de afastar o boto entendeu. A olhada do boto por exemplo. Pois dizem que o boto encanta né. Pra isso aí ela faz a reza pro boto se afastar, ou quando ele tiver incorporado em alguém, que nós chamamos de incorporado, ela também reza. Ou mesmo quando alguém é mau-olhada pelo boto, a pessoa pode até não enxerga o boto, mesmo assim pode ficar mauolhada. Outro exemplo é quando alguém vai pescar e judia de um boto, e quando esse alguém chegar na sua casa de noite, ele não vai conseguir dormir. Só conseguirá dormir depois que a benzedeira fizer a reza. Que aí sim, alivia, entendeu. Eu já vi muitos exemplos disso, entendeu. Minha tia reza, eu já a vi rezando, ela é benzedeira. Ela tem a reza dela pra afastar o boto, mas ela não reza por alto entendeu, é só entre si. Vou dar um exemplo: ela pega um galho de uma planta, depois pede os assessórios, aí ela faz aquela reza, faz o chamado 105 fumacê, e aquilo ela reza só com ela. Você só vê a feição dela, ela muda até a feição quando ela faz esse tipo de serviço. Você não pergunta nada, ela só te pergunta se você está bem. Aí passa um banho, um tipo de banho, e você vai pra casa fazer aquilo e pronto, alivia, entendeu. (Fernando Nascimento, entrevista/2010). Outro elemento comum na pajelança cabocla que também encontramos nas benzedeiras de Parintins, diz respeito à panema, termo que para Galvão (1976, p.81), “passou ao linguajar popular da Amazônia com o significado de „má sorte‟, „desgraça‟, infelicidade‟. Incapacidade de ação, cujas causas podem ser reconhecidas, evitadas, e para quais existem processos apropriados”. A panema é uma espécie de inabilidade em relação a várias atividades do cotidiano, inclusive as produtivas, que não significa exatamente uma forma de feitiço, embora em alguns casos ela possa ter sido causada por feitiçaria. A atuação da benzedeira desfaz a panema, no caso de dona Nazaré, cujo marido, quando vivo, era caçador e pescador fazia-se necessária a eliminação de toda a panema, porque desse seu trabalho vinha o sustento da casa na época em que moraram na zona rural. É ela mesma que nos informa como fazia para tirar a panema do esposo, a saber: Quando eu tava morando no interior [zona rural], eu puxava o braço do meu esposo com o banho que eu fazia. Era assim: eu lavava e puxava o braço dele pra endireitar a sua pontaria e com isso tirar a panemice dele. Eu fazia o banho para lavar o braço do meu esposo. Assim, eu tirava aquela panemice que dizem. Eu fazia o banho e lavava o braço dele. Quando não, ele tomava o banho de todo o corpo, tomava o banho e com isso melhorava a pontaria, graças a Deus. (dona Nazaré, entrevista/2010). Embora haja uma facilidade em contrair a panema, ela pode ser prevenida, e até identificada. Galvão (1976), fala das maneiras de prevenção como: banhos e defumações, podendo até mesmo serem utilizadas técnicas simples para eliminar esse mal que inconscientemente porta a mulher menstruada, mas que pode também estar contido na inveja de amigos ou na feitiçaria. Dentre os fatores de prevenção da panema constam proibições às mulheres grávidas de se alimentarem de carne de caça; de menstruadas, tocarem objetos e utensílios de caça e pesca; atirar ossos ou espinhas de peixe no quintal que podem ser alcançados por animais domésticos. A crença na 106 panema e no conhecimento das benzedeiras para prevenir e neutralizar seus efeitos, está contida no imaginário dos povos tradicionais da Amazônia, fazendo parte de seu cotidiano de efetiva relação com a natureza. Um dos nossos informantes relata um caso de panemice da seguinte maneira: O meu sogro é um pescador de lá do uaycurapá. Eu já tive esse exemplo de panemice no seguinte caso: eu já fui pescar com ele, eu numa canoa e ele noutra, e eu não pegava nada, e aonde eu não pegava o meu sogro ia e pegava o peixe. E eu ficava bestinha de ver. Eu acho que seja isso. Muita gente, no caso, as pessoas que rezam, citando a minha tia que é benzedeira, ela sempre diz: „isso aí é panemice‟. Ela tem o banho pra isso, ela faz um negócio dum banho e tem também o negócio da reza, entendeu. Não sei se é isso que o meu sogro tem, porque eu me comparo a um panema pescando ao lado dele. Porque ele pega o peixe e eu não pego, entendeu. Eu fico bestinha de ver. Às vezes ele até me chama de panema: 'por que tu é panema!', „tu queres um banho? Eu te ensino!‟, mas só que não é ele quem ensina é a nossa tia que sabe fazer e ensina. (Fernando Nascimento, entrevista/2010). E, acrescenta: Rapaz eu já vi a minha tia benzedeira passando banhos, banhos e defumações. Ela faz assim: tem a planta né, tem a erva que ela indica e você tem que fazer o banho em casa. Mas isso, vamos supor, só pode ser entre si. Eu já a vi explicando o banho da seguinte maneira: você pega a folha de tal planta você esmigalha na água, você toma o banho, joga num sei o quê pra cima. Só sei que eu já a vi indicando assim. (Fernando Nascimento, entrevista/2010). A proximidade com a floresta fez surgir uma característica nas benzedeiras de Parintins, pois além de intermediarem o contato com a divindade no processo de cura do quebranto, cobreiro, desmintiduras e outras enfermidades de ordem psicossocial, essas mulheres ainda possuem conhecimentos capazes de reter os malefícios causados por seres sobrenaturais que habitam as matas e os rios. A concepção de que as mulheres benzedeiras têm “poderes” para afastar, deter ou reverter as forças sobrenaturais que se assemelham aos encantados descritos por Maués (1994), ganha uma especial singularidade devido ao respeito e confiança que a comunidade deposita nelas, ao contrário da pajelança cabocla em que a atuação masculina é predominante e a 107 participação da mulher é cerceada e marginalizada. Segundo Maués e Villacorta (2004, p. 34-35) No âmbito da pajelança, temos um domínio essencialmente masculino. Assim, o papel atribuído à mulher, nesse contexto, é de ajudante de pajé ou paciente deste, tendo assim quase sempre uma atuação passiva. Por outro lado, quando a mulher surge com um papel mais ativo, na pajelança, ela é freqüentemente apontada como feiticeira. Ao tratar a rasgadura, dona Nazaré estabelece o contado com a natureza, posto que é indispensável no procedimento da costura da rasgadura o auxílio do apuizeiro, um cipó muito comum na Amazônia que tem raízes aéreas e se hospeda em outras arvores para sobreviver. O leite de apuí, extraído de suas raízes, é usado pelas benzedeiras para cicatrizar feridas, assim como a sua folha fervida juntamente com as de puru-puçanga e erva-de-passarinho são usadas no tratamento de fraturas. O proveito desse cipó na costura da rasgadura é mostrado por dona Nazaré que narra a esse procedimento da seguinte maneira: É no pano que se faz a costura da carne rasgada. E é assim: eu pega o pano, tiro uma medida do tamanho da rasgadura da pessoa e meço no pano, de acordo com o tamanho da rasgadura. Depois eu costuro [simbolicamente] a rasgadura no pano. Vou rezando e vou costurando. Depois disso, eu faço um furo no apuizeiro com uma faca e meto nele aquela medida de pano que costurei. Meto no apuizeiro o pano. Quando o apuizeiro fechar o pano no furo eu que fiz, pronto, a pessoa estará sarada. Com as orações o apuizeiro fecha o pano, e com isso sara a rasgadura. (dona Nazaré, entrevista/2010). E, continua: O pano que for costurado é cortado do tamanho que é a rasgadura e mete lá no apuizeiro e pronto, deixa lá. A rasgadura somente irá sarar quando o apuizeiro fechar o pano. Quando isso acontecer, a rasgadura não terá mais por onde sair. Lá aonde [simbolicamente] foi costurado não abre mais. Só se for noutro lugar. Por exemplo: se a pessoa tem uma rasgadura aqui na barriga, a gente costura nesse lugar também no 108 pano, e depois mete esse pano no apuizeiro. E lá aonde a pessoa foi costurada, que o apuizeiro fechou com nossas orações, lá não rasga mais. Pode até rasgar noutra lugar, mas lá não, entendeu? (dona Nazaré, entrevista/2010). Por se tratar de um cipó que envolve com suas raízes e sufoca até a morte a árvore hospedeira, o pano deixado no apuizeiro pela benzedeira depois de ela ter costurado o paciente, também será envolvido pela planta até desaparecer, representando a rasgadura que também cessará. Assim, é na planta que se define o tempo de cicatrização, pois “quando o apuizeiro fechar o pano no furo que fiz, pronto, a pessoa estará sarada”. Neste caso, a cura da rasgadura depende do tempo que o cipó levará para envolver o pano deixado pela benzedeira. É assim que benzedeira e benzido, natureza e benzição, se juntam de uma maneira mística para a cicatrização da rasgadura. Há na mitologia amazônica uma sociodiversidade de seres sobrenaturais que agem como defensores da natureza, punindo quem agride as matas, os rios e os igarapés. Dentre eles há a mãe do mato e mãe do rio. Conforme Maués (1994, p.76), Isto, aliás, é um elemento importante na ideologia regional, desde que esses seres funcionam também como uma espécie de defensores míticos da floresta, dos rios, dos campos e dos lagos. Tudo tem sua „mãe‟ (um „encantado‟): abusos são castigados pela „mãe do rio‟, quando este é poluído, pela „mãe do mato‟, quando a floresta é devastada, e assim sucessivamente. Nota-se a figura feminina, mesmo marginalizada, nunca deixou de continuar no campo do sagrado, as deusas mães ligadas à natureza nunca deixaram de existir. As mães do mato e mães do rio mostram que a figura feminina ainda tem notoriedade em vários campos, incluído o da religiosidade com as mesmas características de proteção e fecundidade. Para Terrin (1996, p.204), A promoção da mulher e do feminino passa hoje pelo aspecto ecológico e vice-versa, a ecologia se serve do feminino. Neste sentido, não podemos considerar a deusa mãe como um fantasma do inconsciente, mas, como demonstra toda a historia das religiões, a deusa tem uma personalidade e um nome próprio, embora estando sempre ligada estreitamente a terra. 109 Assim, a mãe do mato e mãe do rio, revestidas do discurso ecológico fazem parte da cultura amazônica, sendo elas benevolentes e fecundas com aqueles que a respeitam, e rigorosas na punição àqueles que tentam agredir a natureza. Elas estão presentes no dia-a-dia dos povos tradicionais da Amazônia, através do compromisso que eles têm na preservação da mata, rios e lagos. A permanência e ação delas nesses lugares são valorizadas por eles, pois, nos locais onde não existem mais as mães do mato e dos rios há poluição e devastação. A ação antrópica, ou seja, a interferência do homem extinguiu ou diminuiu a presença de peixes e caças, essenciais para a sobrevivência das populações locais. Pois, se a mãe do mato ou a mãe do rio sair do seu lugar, ali fica instaurada a desordem. Para Fernando Nascimento, a presença da mãe do mato e da mãe do rio é muito importante, pois, Ela protege, meu sogro conta e minha sogra também conta, que gente que é da família ela protege. Pois vamos supor assim, no caso nós que somos do bem, que não agredimos a natureza, porque a gente só entra lá no mato e nos rios pra pescar, pra tirar o do consumo, e não para judiarmos dos peixes, e nem judiarmos dos animais. Esses assim ela protege. Agora, tem muita gente que entra nos rios e no mato com a intenção de judiar, gente assim que eu não sei te citar. Essas pessoas já reclamaram que viram a mãe do rio ou a mãe do mato. Meu sogro diz que também já viu a mãe do rio. Mas ele me disse que ela nunca mexeu com ele, pois ele é do bem, mas ele disse que já viu. (Entrevista/2010). E complementou: Eu cito como exemplo lá no uaycurapá no nosso terreno, ou melhor, no terreno do meu sogro, da família da minha esposa. Lá é um igarapé, como chamamos aqui no amazonas, e lá tem a mãe do lago, a mãe do rio, e muita gente já viu. Tenho vários exemplos de amigos meus que foram da cidade pra lá, e ela judiou desses meus colegas. Eu tenho dois colegas meus que foram pra lá e viram. Eu, que já estou vivendo com a minha esposa e sua família faz oito anos, eu graças a Deus nunca vi nada lá. Mas meus colegas que foram lá, já passaram pela situação de ver a mãe do rio, chegando inclusive ao ponto de serem agredidos por ela, entendeu. A mãe do rio agrediu todos eles. Por isso, meu sogro conta e a minha sogra também conta que lá no uaycurapá tem sim a mãe do rio. (Entrevista/2010). 110 A mãe como mantenedora do equilíbrio, também tem a mesma simbologia no contexto de cura das benzedeiras. Assim como existe a mãe do mato e mãe do rio, para as benzedeiras existe a mãe do corpo, espécie de órgão localizado somente no ventre feminino, por detrás do umbigo. A mãe do corpo precisa estar bem localizada, fixa e harmonizada nessa região, caso contrário, a desordem é instalada no corpo da mulher e como conseqüência ela adoecerá. Assim, será preciso a intervenção da benzedeira para reconduzir a mãe do corpo ao seu lugar para que a mulher retome a saúde. A mãe do corpo não é um espírito, mas a harmonia do próprio corpo, e é sentida pelas benzedeiras, através da pulsação da corrente sanguínea. Se a mãe do corpo está bem colocada, a benzedeira sente a corrente sanguínea pulsar normalmente. Para que entendamos melhor a mãe do corpo, dona Nazaré e dona Rosa nos dizem que, A mãe do corpo é aqui, ela mora aqui no umbigo da gente. É tipo umas palpitações, mas na gente ela pode subir e sai do umbigo. A mãe do corpo mesmo da gente, é a mãe do corpo mesmo. Por isso, se ela subir ela dá tontura, ela dá fraqueza, a pessoa não pode comer, não pode beber, é assim que ela faz. Eu puxo e coloco a mãe do corpo, e torno a voltar ela para o lugar dela e pronto, aí depois passa o malestar. (dona Nazaré, entrevista/2010). A mãe do corpo a gente puxa, puxa de cima pra baixo até o umbigo. Porque quando a pessoa ta doente por causa da mãe do corpo, é porque ela subiu e saiu do lugar. Então a gente tem que puxar até ficar em baixo, aí no umbigo, que é o lugar dela. Pois quando ela sobe pra cá pra banda do estomago a gente tem que puxar ela de volta, pois ela tem que ficar aqui no umbigo onde é o lugar dela. (dona Rosa, entrevista/2010). A proximidade das benzedeiras com a natureza influenciou os procedimentos da benzição em Parintins. Assim, surgiu uma característica que as distinguem de muitas outras benzedeiras na maneira de benzer e dar significado ao ato da benzição. Esta característica também é compartilhada pelas pessoas que as procuram e conhecem a linguagem da benzição local. Benzições contra quebranto, mau-olhado e ezipla, fazem parte do ofício das benzedeiras de várias regiões do país. Mas, benzer contra a malinesa 111 do boto ou para tirar a panema de uma pessoa, remete a uma prática Amazônica que tem uma grande influencia na atuação das benzedeiras de Parintins. 3.3 – Espaço e procedimentos da benzição. Nos discursos das benzedeiras podemos perceber que a construção de sua identidade ocorre em meio a um processo de conflitos e embates dentro do sistema social e simbólico. Isso fica claro quando elas demonstram ter necessidade de serem identificadas como benzedeiras, e não como feiticeiras ou macumbeiras. O significado identitário de seu oficio tem estreita relação com a missão dado por Deus a elas. Ao indicar a forma como elas querem ser conhecidas, deixam transparecer essa questão: “eu acho que é isso, uma missão que eu vou levar até morrer” (dona Rosa, entrevista/2010). Para outra benzedeira ouvida em nossa pesquisa, “não adianta fazer o bem pra uns e o mal pra outros” (dona Nazaré, entrevista/2010). O mal referido diz respeito aos feitiços e encantarias, campo onde a benzedeira atua somente para desfazê-lo. Porque a sua missão consiste só em fazer o bem. Dona Rosa recorda que: “quando eu era criança tinha muita febre porque tiravam a minha sombra, e somente nas sessões [cobrada] do curador é que botavam a minha sombra de volta” (dona Rosa, entrevista/2010). Ainda que o curador atue fazendo o bem, as benzedeiras rejeitam a comparação com essas pessoas que cobram de seus clientes em cada sessão de cura, não existindo dessa maneira o compromisso da gratuidade que é a principal evidência de vínculo com o divino, mesmo quando elas fazem o bem. A credibilidade dada às benzedeiras de Parintins está associada a vários fatores e não se sustenta somente em face da precariedade no atendimento médico oficial existente. Ela se sustenta na rede simbólica de cura, pois as doenças têm origem natural e sobrenatural. Há uma dupla justificativa que garante o espaço das benzedeiras: 1) a falta ou precariedade do atendimento médico; 2) a aceitação involuntária da instituição religiosa. A igreja não persegue as benzedeiras em Parintins, inclusive, todas elas são católicas e fazem uso de orações e invocam nomes de santos em seus procedimentos e vão a igreja com regularidade. A identidade também se completa pelo empréstimo da palavra do outro, neste caso a Igreja, a partir dos valores sociais existentes no lugar. Ou seja, elas freqüentam e, se possível, se ocupam também de atividades paroquiais ou de cunho religioso, pois “a 112 benzedeira, enquanto uma cientista popular, fala em nome de uma religião. Ela não pode ser entendida sem que sua religião seja considerada” (OLIVEIRA, 1985, p.26). Dona Rosa, por exemplo, é católica devota e todo final de ano organiza uma Pastorinha42 de nome As filhas de Davi, e em janeiro organiza a festa de São Sebastião, como já mencionamos. Ela participou do Apostolado de Oração e foi catequista por muito tempo, e só deixou essas atividades por motivo da idade avançada. Dona Zenaide também pertence ao apostolado de oração e também organiza a festa de São Lázaro, como já mencionamos. Nas duas festas é rezado terço, novenas e ladainhas do manual católico. Dona Nazaré também freqüenta a igreja e é católica praticante. Como observamos, no campo da saúde não existe uma rivalidade direta com a medicina oficial por parte das benzedeiras, que sabem que sua atuação se realiza em uma área específica, distinta, e desconhecida dos médicos, e, portanto, sem conflitos. Dona Rosa deixa claro: “médicos não sabem, eles não sabem disso, o médico é médico, ele só passa remédio” (dona Rosa, entrevista/2010). Para as benzedeiras, a cura se faz por procedimentos que visam estabelecer a ordem do corpo e do espírito, pois “se a doença é caracterizada pela desordem, falta de significação; a cura, por sua vez, vai procurar uma reordenação, uma ressignificação” (QUINTANA, 1999, p.46). Assim, quebranto, mau-olhado ou ezipla, entre outras, são doenças tratadas pelas benzedeiras que não fazem parte do conhecimento da medicina oficial. Os procedimentos de cura das benzedeiras têm por base a idéia da doença como um mal que entrou no corpo e precisa ser estripado, “a pessoa doente não é mais dona de um corpo inteiro, sadio, mas um corpo fragmentado que se encontra em estado de desarmonia” (PEREIRA e GOMES, 2002, p.142). Além disso, os postos de saúdes e hospitais lotados, acrescido da formalidade no atendimento médico, fazem com que muitas pessoas se sintam mais a vontade com uma benzedeira do que com um médico. “Se uma pessoa, no caso, as benzedeiras, te trata bem no seu local de atendimento, a gente não se sente constrangida” (Leila Figueiredo, entrevista/2010). No espaço das benzedeiras o benzido encontra a explicação simplificada para a desordem do corpo, além de amparo e chance de cura e restabelecimento da ordem. As benzedeiras têm a concepção de que a cura dos males não reside em si, pois em última instância, elas dependem da vontade divina para quem é feito o pedido de 42 Para Pascoal (1975, p.15) “as „pastorinhas‟ são próprias do dia de „Natal‟, e são conjuntos formados por crianças ou moças que as representam, vestidas devidamente, as quais depois da missa do galo, cantam belas canções nas ruas ou em uma casa de família junto ao presépio de Deus Infante”. 113 intervenção no ato da benzição. Toda a cura, da mais simples a mais extraordinária, para as benzedeiras, se deve à intervenção das forças do sagrado. Portanto, Deus e seus santos têm papel fundamental nos procedimentos de cura de cada benzição que varia de acordo com o tipo de enfermidade. Por isso, existem doenças cujo diagnóstico é detectado somente pelas benzedeiras, como nos mostra dona Zenaide, Eu estou esperando um senhor que vem buscar um remédio que eu fiz pra mulher dele. Essa mulher antes de vir aqui comigo já tinha ido ao médico que não tinha dado jeito nenhum. Pois não tinham descoberto a doença dela. E eu descobri, era a chamada mãe do corpo, que é uma palpitação, um aceleramento no coração. E fui eu quem descobriu. Depois rezei e puxei a mãe do corpo. Quando foi ontem o marido dela veio trazer o material pra fazer o remédio pra terminar o tratamento. (dona Zenaide, entrevista/2010). No tratamento e cura das enfermidades realizadas pelas benzedeiras, constatamos nesta pesquisa diferentes tipos de benzição que revelam os vários procedimentos e sentidos da benção. É preciso que não tenhamos uma visão despedaçada do fenômeno, pois “compreender a benzição é penetrar na sua essência, é buscar o significado da sua prática social, entendendo de que modo esse lado da cultura popular, tão fragmentado, hostilizado, rejeitado e marginalizado, é recriado com força e autonomia” (OLIVEIRA, 1985, p.70). Por esse motivo, torna-se mister compreender seu sentido contido nos procedimentos adotados pela benzedeira. A seguir, apresentaremos um quadro das enfermidades, necessidades e procedimentos circunscritos às praticas sociais da benzição. ENFERMIDADES, NECESSIDADES E PROCEDIMENTOS Quebranto É uma enfermidade que atinge somente crianças em que o uso de vegetais como folhas e ramos, seja traço comum, mesmo que o procedimento varie de acordo com a benzedeira. Geralmente a criança é benzida e fica no colo da mãe durante a benzição, em outros casos ela é tomada nos braços da benzedeira para que o ato tenha total efeito. É comum entre as benzedeiras fazerem o 114 sinal da cruz na cabeça e tronco da criança com o vegetal sussurrando em voz baixa a jaculatória específica, e ao final de cada cruz gesticulada fazerem menção com o ramo como se estivesse expulsando a doença. Terminado esse procedimento que é repetido por três vezes o ramo é atirado em direção ao oeste para que a enfermidade seja levada com o pôr do sol, se o ramo secar fica confirmando que a criança estava com o quebranto. Ao final da benzição é receitado um chazinho geralmente de guia de goiabeira, raiz da chicória ou folha de japana branca, que deve ser preparado na casa do benzido. Caso não surja na benzição do quebranto um efeito imediato, o procedimento é repetido por mais três vezes em três dias alternados. Esse procedimento também ocorre quanto o quebranto é bem forte Desmintidura ou Acredita-se que a desmintidura seja um osso geralmente da costa conserto ou do pescoço da criança ou do adulto, que é afastado do lugar durante um esforço físico, um tombo ou um mau-jeito e precisa ser consertado. Nas crianças a desmintidura causa febre e malestar como o vômito e a diarréia. Os procedimentos para a desmintidura, ou seja, recolocar o osso deslocado no seu devido lugar varia de acordo com a benzedeira, mas na maioria das vezes acontece com a imposição das mãos da benzedeira no corpo desmentido onde a mesma procura através de massagem reconduzir o osso afastado ao seu lugar. Em outro procedimento a benzedeira no momento da massagem em que procura o osso afastado, recita uma oração específica para que sua busca logre êxito. Há também casos de benzedeiras que somente oram no local desmintido e fazem o sinal da cruz por três vezes. O alívio deve ser imediato caso contrário o procedimento continua até que se tenha um resultado satisfatório, entretanto é necessário um pouco de força física quando se trata das massagens, principalmente em adultos. Daí porque muitas benzedeiras quando já estão com uma idade avançada se recusarem “pegar 115 desmintidura” em adultos, exercendo tal ofício somente nas crianças. Cobreiro e fogo A benzição dessas enfermidades assemelha-se ao do quebranto selvagem em alguns aspectos, pois o mesmo também se realiza com a utilização de um raminho geralmente a vassourinha, embora também seja usado o pião-roxo. A oração é feita com a enfermidade exposta, que é tocada pelo ramo no momento da benzição, o que faz com que em alguns casos a benzição seja realizada em um local mais reservado, para que o benzido se sinta mais a vontade. Também nesse tipo de benzição o ramo é atirado para a direção do por do sol sendo que nestes casos a benzedeira adverte que o ramo jogado deve permanecer no local onde foi arremessado até se decompor, pois caso alguém o toque com as mãos ou pise nele, toda a enfermidade que foi tirada do benzido e depositado no ramo, será transferido para essa pessoa que a partir desse instante passará a ser o novo depositário da doença. Terminada a benzição é feito uma prescrição de remédios que misturam ervas medicinais com remédios industrializados que deve ser colocado na enfermidade para acelerar a cicatrização. Mãe do corpo O procedimento entre as benzedeiras para que a mãe do corpo retorne ao seu lugar na região abdominal tem um ponto em comum, é a massagem que todas fazem na barriga em direção ao umbigo, e geralmente feita com óleo de andiroba ou ungüentos preparados por elas mesmas. Entretanto, existe uma divergência entre as benzedeiras, pois enquanto para algumas basta somente a puxação para que a mãe do corpo volte para o seu lugar interrompendo seus sintomas, para outras, a puxação feita é acompanhada de uma oração específica. Entretanto, os sintomas são os mesmos para todas as benzedeiras: palpitações descompassadas que podem ser percebida coma imposição do polegar direito no umbigo, ou ainda materializada em um nódulo no ventre que se desfaz quando a mãe do corpo retorna ao seu 116 lugar. Por fim a Na presença da pessoa que deseja fazer a reconciliação, a desentendimentos benzedeira fala o nome da outra parte envolvida e em seguida recita a oração característica, ao final da oração a benzedeira diz o nome da pessoa que deseja reconciliar e em seguida bate por três vezes o pé no chão chamando o nome da outra parte envolvida. Costurar A rasgadura é o rompimento da carne devido a um esforço físico rasgadura exagerado. A carne rasgada pode encher-se de gazes ou ainda criar uma íngua que nos dois casos provocam muita dor. Assim, o papel da benzedeira é costurar a carne que se rompeu e para isso ela utiliza um pedaço de pano, agulha e linha. O pano é colocado no corpo do cliente no local da rasgadura, e em seguida a benzedeira inicia uma oração ao mesmo tempo em que vai costurando em forma de cruz com a agulha e linha. Nesse procedimento é perceptível o esforço da benzedeira em apertar bem a costura para que não se rompa. Ao final da benzição a benzedeira faz ou recomenda alguns emplastos ou ungüentos que é colocado no local da carne rasgada para ajudar na cicatrização simbólica. Quanto ao material que foi usado, a agulha, a linha e o pano são geralmente guardados, sendo que para o último, encontramos um tipo de benzição em que ele é injetado em um cipó para finalizar a benzição. Espinha na A benzição em regra é feita na garganta do engasgado, onde são garganta feitos vários sinais da cruz e orações específicas. Em alguns momentos é feito um pedido para que o engasgado engula uma colher de sopa de óleo de soja e em seguida vomite a espinha ou engula de uma vez. No entanto, encontramos uma benzição específica que utiliza três espinhas de peixe um prato no momento da oração. Entretanto as orações utilizadas são as mesmas nos dois casos, com pequenas variações que não mudam o sentido. Para tirar a A benzedeira esmigalha a folha de sacaca em água para o 117 panema preparo de uma infusão que é passado no corpo da pessoa panema, gesticulando como se estivesse expulsando alguma coisa, repetindo várias vezes, principalmente nos braços como se fosse uma massagem, ou diluído em água no preparo de banhos, que é tomado em casa e onde o corpo deve ser molhado com a água que é jogada a partir da cabeça. Olhada de boto Nesse procedimento são utilizados três metros de fita vermelha, três de fita preta, três tubos de linha vermelha e três agulhas. Todos esses materiais são benzidos na frente da pessoa que foi olhada de boto, e em seguida cada agulha é enfiada pela benzedeira em um tubo de linha ao mesmo tempo em que é sussurrada uma oração. Posteriormente cada tubo de linha contendo a agulha é amarrado em três voltas com uma fita preta e outra vermelha, durante esse processo a benzedeira também sussurra uma oração. Em seguida cada tubo de linha ainda com a agulha espetada e amarrada com as fitas é entregue a pessoa que foi olhada pelo boto ou seu responsável caso ela esteja incapacitada, para que seja jogado no rio onde houve o encante para que o mesmo seja desfeito. Para cessar a chuva Quando a chuva se anuncia a benzedeira fica de frente para as nuvens escuras e reza uma oração gesticulando com o braço direito no sentido de fazer as nuvens se dissiparem. Esse procedimento é feito três vezes seguido, caso não surja o efeito desejado é repedido quantas vezes forem preciso para que não chova. Encontrar coisas A pessoa que teve um objeto ou animal que sumiu ou foi perdidas ou roubado, procura a benzedeira e relata o ocorrido, a benzedeira roubadas então se compromete que no outro dia irá relevar onde está o objeto ou o animal sumido, e se foi roubado também revelará quem fez o roubo. À noite, antes de dormir, a benzedeira reza a oração específica, e em seguida ela dorme e sonha com o objeto ou animal sumido. De manhã, a partir do sonho que teve, ela revela ao interessado o paradeiro do objeto ou animal sumido e 118 em caso de roubo quem o praticou. Ezipla A pessoa com ezipla de regra fica sentada e mostra para a benzedeira o local afetado, a benzedeira então inicia uma oração e com uma faca apontando para o local afetado faz menção de cortar o ferimento. A alusão ao corte é repetida por três vezes e feito em forma de cruz. Ao final do procedimento ela prescreve um tratamento a base de ungüentos e emplastos que deve ser colocado na da ezipla, na maioria das vezes por uma semana. Fonte: pesquisa de campo/2010. Não podemos sistematizar o saber das benzedeiras, suas rezas, simpatias e procedimento, como uma receita a ser seguida, existe uma série de elementos que fazem parte do simbolismo da benzição no qual podemos citar ligação com o divino expresso na religiosidade, a solidariedade contida no compromisso de fazer o bem, o conhecimento adquirido, a relação com a natureza e as diversas formas de experiências vivenciadas pelas benzedeiras que ocasionaram as práticas necessárias para que elas interfiram de maneira direta em muitas enfermidades e outros problemas que acometem parte da população parintinense que as procuram por acredita na eficácia da benzição. Assim, a atuação das benzedeiras que são tão necessárias para curar ou aliviar a dor de quem as buscam, também assegura de maneira espontânea a existência desse fenômeno na cidade de Parintins. 119 CONSIDERAÇÕES FINAIS Procuramos apresentar no decorrer deste trabalho uma mostra do universo da benzição em Parintins, município do Amazonas, a partir de histórias contadas pelas mulheres que protagonizam a prática da benzição nessa cidade. Reunimos vários elementos da prática de benzição baseado na orientação de Geertz (1989), como as jaculatórias que nos remetem ao universo das experiências e práticas das benzedeiras. Isto exigiu um olhar nos moldes de leituras em Lévi-Strauss (1975), que consiste em descrever abundantemente os elementos ritualísticos da benzição. Refletir e analisar a prática social da benzição que ainda ocorre na cidade de Parintins, revelou-se num trabalho delicado e cujas leituras de Quintana (1999), Souza (2002), Oliveira (1985) e Gomes e Pereira (2004), nos possibilitaram enxergar semelhanças e contradições existentes nessa prática, pois mesmo que benzedeiras existam em todo o Brasil, em Parintins benzer olhado de boto, mãe do corpo ou a panema, fazem o diferencial nessas mulheres no campo da benzição. Trabalhar com fontes orais nos permitiu ter acesso a uma nova reflexão a respeito da história das mulheres benzedeiras de Parintins dentro da perspectiva da História Oral, seguindo as propostas de Meyhi (2005). Já na História Social encontrei suporte teórico nas concepções de Thompson (2001), que nos permitiu uma melhor reflexão sobre o modo de vida, as expressões humanas e a cultura. Verificar as práticas sociais de cura na cidade de Parintins a partir do olhar das benzedeiras assume inigualável importância para a academia e, especialmente para os movimentos de mulheres de Parintins, que buscam as manifestações de religiosidade popular que ocorrem nas localidades do interior da Amazônia, em especial envolvendo as mulheres. Ainda se benze em Parintins e as benzedeiras desempenham um importante papel social na cura de males específicos. Principalmente entre as classes populares que reconhecem e divulgam sua atuação, uma vez que elas não fazem propaganda em jornal, rádio, televisão ou panfleto. Deste modo, essas classes, ao difundirem a benzição, consolidam o papel de atuação, permanência e reconhecimento das benzedeiras, pois 120 não é incomum em Parintins elas serem procuradas em diversos casos antes dos médicos. O reconhecimento da população dos procedimentos da benzição faz parte da legitimação do papel da benzedeira, que juntamente com o aparecimento do dom de benzer e do aprendizado, institui as condições necessárias para o prosseguimento do ofício. Cabe ressaltar que essa legitimação pode ser materializada no agrado que sempre é ofertado a benzedeira ao final de cada benzição, e que não deve ser confundido com o pagamento da benzição, uma vez que cada benzedeira tem a consciência do seu papel de doação e gratuidade instituído pelo dom recebido. O espaço onde atuam as benzedeiras de Parintins encontra-se consolidado e definido, pois não verificamos conflito graves com outros segmentos da sociedade. Esse fenômeno não deve ser interpretado como um enfraquecimento de classe que não oferece resistência social. Pelo contrario, deve ser visto como uma demarcação nascida da necessidade de tratar as doenças que não fazem parte do campo de atuação dos médicos. O que nos leva a reavaliar o termo medicina alternativa. Pois no caso das benzedeiras as pessoas que procuram a benzição já sabem de antemão que para certas enfermidades a cura reside na especialidade de cada benção. Verificamos também que a medicina institucionalizada não interfere de maneira aparente nos procedimentos de benzição, isso levou as benzedeiras de Parintins a também se inserirem nos locais onde atuam os médicos. Assim, temos o conhecimento popular transpondo os espaços destinados a medicina científica, na medida em as benzedeiras tem o livre acesso para realizar seus procedimentos em hospitais e postos de saúde da cidade. Esse entrelaçamento do saber científico com os procedimentos da benzição ainda foi percebido quando constatamos que muitas pessoas não se importam em procurarem as benzedeiras e os médicos ao mesmo tempo com o objetivo de curarem seus males. No campo da benzição percebemos que as mulheres delimitam um espaço feminino dentro do território da religiosidade que, por muito tempo, foi palco exclusivo dos homens. As benzedeiras ouvidas nesta pesquisa exercem chefia e poder em suas casas, estendendo para o lar o domínio exercido na benzição justificado pelo dom e missão recebidos de Deus. Também constatamos no universo da benzição uma ligação intrínseca com a floresta que influencia diretamente na vida e no dom das benzedeiras de Parintins. Essa ligação se assemelha à pajelança cabocla sendo que, no caso da benzição em Parintins, 121 as mulheres benzedeiras não tem papéis secundários. Pelo contrário, elas tem uma forte presença na atuação dessa prática, sem serem discriminadas como feiticeiras. Chegamos até aqui após o longo caminho marcado com perdas familiares que abriram feridas na alma que jamais cicatrizarão. Agora posso refletir sobre o doce sabor da satisfação que sinto em concluir esta dissertação. Talvez concluir não seja a palavra exata, pois esta pesquisa não significa o fim, mas o início de uma nova etapa de vida, a prova da superação, que teve início no dia em que venci a luta contra a própria morte depois de várias internações hospitalares. A aproximação com o Poder Superior me levou a uma reflexão introspectiva sobre os vários sentidos da experiência humana, contribuindo dessa maneira para uma melhor compreensão da complexidade existente dentro da simplicidade de cada benzido, benzição e benzedeira, pois, chegar até aqui, não foi fácil, em vários momentos nos perdíamos dentro de nossas próprias inquietações, incertezas e inexperiência. Assim ficou pronto, entretanto, temos a consciência de que o nosso olhar é tão somente mais um caminho escolhido dentre as várias probabilidades de enxergar a benzição como manifestação da religiosidade e cultura popular. Sabemos que não se esgota aqui as possibilidades de pesquisa. Entretanto, esperamos que a mesma tenha contribuído para as discussões que tratam de questões amazônicas, principalmente àquelas que se referem à cidade de Parintins. 122 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Carlos. Histórico da imigração japonesa no estado do Amazonas. Manaus: FIEAM, 1995. ARAÚJO, Maria de Fátima Guedes de. Conhecimento estrada de mão dupla a relação entre os saberes oficial e popular na construção da saúde, na cidade de Parintins – Am. Trabalho de conclusão de curso de especialização em Estudos Latino-Americanos. Juiz de Fora: UFJF, 2008. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Formação social e cultural. 3ed. Manaus: Valer, 2009. BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. BRAGA, Geslline Giovana. A fotografia no imaginário das benzedeiras de Campo Lago. Trabalho de conclusão de curso de especialização em fotografia. 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