1 A outra festa negra1 Paulo Dias Na crônica histórica
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1 A outra festa negra1 Paulo Dias Na crônica histórica
A outra festa negra1 Paulo Dias Na crônica histórica brasileira da Colônia e do Império, as danças de terreiro dos escravos negros, designadas batuques, são qualificados via de regra como diversão “desonesta” , sobretudo pelos representantes do poder político- admistrativo e religioso, manifestando-se o temor de que se tratassem de rituais pagãos e atuassem como fermento de desordem social e revoltas . No pólo oposto colocam-se os festejos públicos dos Reis Congos (congadas), considerados “diversão honesta” para os escravos e incentivados pelos senhores. Tratam-se de dois aspectos complementares da festa negra no Brasil: no terreiro, a celebração intra-comunitária, recôndita, noturna, onde se reforçam, sem grande interferência ou participação do branco, os valores de pertencimento a uma matriz cultural e religiosa africana; na rua, a festa extra-comunitária, em que o negro, através das danças de cortejo, busca inserir-se nas festividades dos brancos e ganhar certa visibilidade social, mediante a adoção de valores religiosos e morais da classe dominante. Os batuques de terreiro, que hoje se espalham pelo Brasil sob diferentes formas e estilos, mantêm em certa medida muitas das funções sociais que assumiam no passado, destacando-se a da crônica do negro para o negro , manifestada pela via de uma poética metafórica. Na longa duração da História inscreve-se igualmente a marginalização dessas manifestações afro-descendentes de terreiro, nutrida de um lado pelo preconceito de setores hegemônicos da sociedade branca e suas instituições, e, de outro, pelo resguardo que as próprias comunidades impoem a suas práticas, visando a manutenção de códigos de compreensão interna ao grupo e a preservação de segredos de ordem religiosa. Nossa proposta é, após breve análise de alguns textos documentais, examinar estruturas recorrentes em três batuques tradicionais da região Sudeste - o Jongo, o Batuque de Umbigada e o Candombe - levantadas ao longo de oito anos de convívio com comunidades negras do Sudeste. Constantes que permitem vislumbrar essas diferentes 1 Artigo publicado na coletânea “Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa”, org. de Iris Kantor e István Jancsó FFLCH/USP. São Paulo, Hucitec/Edusp, 2001. 1 modalidades musicais-coreográficas como partes de um continuum de expressões artísticas banto-descendentes, ampliando os conceitos formulados pelo antropólogo e foclorista Edison Carneiro acerca de um “complexo nacional dos sambas”. Batuques X Congadas na Crônica Colonial Na crônica dos séculos XVI e XVII, são muitos raras as alusões às manifestações culturais dos negros, ao passo que no epistolário jesuíta abundam as descrições de danças e música dos índios. Tal desequilíbrio está associado, evidentemente, ao interesse dos padres da Companhia de Jesus em conhecer as culturas autóctones em seu esforço de conversão dos gentios pela via da contrafação. Aos negros, a catequese não dedicou tanto interesse, deixando a salvação de suas almas por conta da corvéia a que foram submetidos no Novo Mundo. “A visão européia da música dos africanos, como se observa na documentação do período [sécs XVI-XVII], era bem mais depreciativa que a visão da música indígena brasileira” , diz Castagna citando o italiano Diogini de Carli (1687)2. Visão que parece reproduzir-se em relação a uma parte das músicas-danças dos negros no Brasil, nas referências que, a partir do século XVIII, tornam-se mais freqüentes. Chamadas genericamente de batuques, as festas noturnas de terreiro dos escravos negros no Brasil quase sempre foram objeto de descrições caricatas e depreciativas por parte dos autores coloniais. Talvez o primeiro relato de uma dessas danças coletivas seja a do holandês Zacharias Wagener, escrivão de Maurício de Nassau, que no século XVII registrou a cena em desenho e por escrito. Sob o título “Dança de negros” descreve como um grupo de escravos de Pernambuco “incansavelmente dançam, com os mais variados saltos e contorsões”...”e da maneira mais desencontrada”...”tomando uma bebida feita de 2 Castagna, 1991, p.547. Ao final do século XIX, ainda lemos: “[...]a puíta roncando seus roncos monstruosos “[...]” tomando [os dançarinos] ares invocadores e posições indecorosas, em que a voluptuosidade discute com a insolência as honras da primazia”.Ladislau Batalha, 1890 apud Tinhorão, p.48. “Como já disse, os cantares que acompanham estas danças lascivas são sempre imorais e até mesmo obscenos, histórias de amores descritos com a mais repelente e impudica nudez.” Alfredo Sarmento, apud Tinhorão, p. 49. 2 açúcar chamada Grape”. E nesta atividade “se sujam tanto de poeira, que às vezes nem se reconhecem uns aos outros.” 3 Bahia, 1655 . O diplomata português D. Francisco Manuel de Melo, é perturbado em seu estudo por “bayles de Bárbaros”, e registra o fato nos versos de um soneto : “Mortos da mesma morte o dia e o vento/ a morte estava para estar sezuda/Que desta negra gente em festa ruda/Endoudece o lascivo movimento.” 4 A associação da dança negra ao consumo de álcool, à desordem e ao sensualismo já aparecem nesses primeiros relatos, ressaltando a barbárie e o primitivismo de seus atores. Colecionando atitudes dignas de reprovação nas manifestações dos negros, tidas como atentatórias aos códigos morais de uma sociedade que se queria européia e cristã, a cronica colonial contribui com subsídios ideológicos à manutenção do sistema escravista centrado na mão-de-obra africana. O termo “desonesto” torna-se qualificativo obrigatório para as expressões culturais de caráter mais reservado dos escravos. A participação de mestiços e brancos pobres nos eventos musicias dos negros das zonas urbanas, a partir do século XVIII, torna-se motivo de crescente preocupação por parte das autoridades policiais, que passam a proibi-las, temendo as desordens “motivadas pela dança a que chamam batuque, que se não pode exercitar sem o concurso de bebidas e mulheres prostituídas.”5 A festa negra de terreiro, mal iluminada na noite escura e ao abrigo dos olhares dos brancos, muito deve ter desorientado os autores que, de longe, procuravam descrevêla. Tratava-se de diversão ou devoção ? Aquilo que aparentemente mais transtorno causava às autoridades eclesiásticas era o fato de essas funções poderem constituir ritos religiosos pagãos. O poeta Gregório de Matos trata os Calundus como “danças em que Satanás anda metido” (Preceito I). Expressões como “supersticiosas danças” (Minas 3 Tinhorão, 1988, pp. 29-30. Tinhorão, 1988, p. 31. 5 Edital de Caetano Miguel de Moura, juiz ordinário do Arraial de Minas do Paracatu, 1763. Apud Tinhorão, 1988, pp. 40-41. 4 3 Gerais, 1734) e “diabólico folguedo” (Bahia, 1735) referem-se, igualmente, à prática do Calundu, manifestação que segundo Ramos Tinhorão insere-se na esfera religiosa6 O relato mais exemplar da demonização do Calundu é o de Nuno Marques Pereira (1652?-1733?), que figura em sua obra “Compêndio Narrativo do Peregrino da América”. Viajando pelo Recôncavo no final do século XVII, o moralista baiano pousa na casa de um proprietário rural e durante a noite ouve os sons do calundú, “com tão horrendo alarido, que se me representou a confusão do Inferno”. Espanta-se ao saber que para o seu anfitrião, “não há cousa mais sonora, para dormir com sossego”, e o repreende por permitir aos seus negros “ que usem de semelhantes ritos, e abusos tão indecentes, e com tais estrondos, que parece que nos quer o Demonio mandar tocar triunfo ao som detes infernais instrumentos”. Em seguida, manda buscar os instrumentos dos escravos e os faz queimar em uma grande fogueira: “Ali foi meu maior reparo, por ver o horrendo fedor, e grandes estouros, que davam os tabaques, botijas, canzás e castanhetas e pés de cabras; com um fumo tão negro, que não havia quem suportasse: e estando até então o dia claro, se fechou logo com uma neblina tão escura, que parecia se avizinhava a noite. Porém eu, que ficava tudo da Divina Magestade, lhe rezei o Credo; e imediatamente com uma fresca viração tudo se desfez”. 7 O que mais interessa aqui não é a truculência fantasiosa do relato, própria aos pregadores ortodoxos, porém o descompasso entre a posição desse representante da ideologia oficial da colônia e a do proprietário dos escravos, que fazia ouvidos moucos aos “alaridos” na senzala. Os patrões não só embalavam seu sono com os sons distantes dos negros, como também não raro presenciavam a festa de perto. A falta de opções de lazer para a elite branca da zona rural aproximava-a naturalmente das funções dos escravos, na qualidade de espectadores participantes. Essa comunhão escandalizou alguns viajantes, como o botânico Freire Alemão, que em 1859 deparou-se com a seguinte cena, num batuque em Pacatuba, Ceará: “As senhoras chegavam muitas vezes para a roda, assim como os homens, e assistiam com prazer as danças lúbricas dos pretos, e os saltos 6 7 Tinhorão, 1988. Tinhorão, 1988. pp. 37-38. 4 grotescos dos negros.”8 Lembremos que danças como o lundú e o baiano, em voga nos salões a partir do século XIX, originaram-se dos batuques de escravos. D.José da Cunha Grã Ataíde, governador de Pernambuco entre 1768-69, distingue dois tipos de batuques dos negros, os de cunho religioso, que devem ser proibidos “aquelles que os Pretos da Costa da Mina fazem as escondidas, ou em Cazas ou Roças, com uma Preta Mestra com Altar de ídolos -, e aqueles destinados ao lazer, “que ainda que não sejam os mais inocentes são como os Fandangos de Castella e as fofas de Portugal”. Seguindo seu parecer, o ministro Martinho de Melo manda proibir, por decreto régio, as “danças supersticiosas e gentílicas” (1700). As outras danças deveriam ser toleradas, mesmo que contrárias aos bons costumes, “com o fim de evitar-se com este menor mal outros males maiores.”9 No século XIX, quando a iminência de rebeliões escravas aterrorizava proprietários por todo o país, assistem-se a sucessivas atitudes de proibição e tolerância desse “mal menor” por parte das autoridades. Nas fazendas de Vassouras, RJ, as reuniões de cativos para a dança do Caxambú preocupavam os patrões. Os regulamentos municipais de 1831 e 1838, sob a pressão dos fazendeiros, procuraram coibir os encontros de “danças e candomblé”, temendo que os negros “organizassem sociedades ocultas, aparentemente religiosas, mas sempre perigosas pela facilidade com que algum negro inteligente poderia utilizá-las para fins sinistros.” No entanto, os próprios fazendeiros reconheciam que “é cruel e irracional privar o homem que labuta de manhã à noite” de “certas distrações.” 10 Em relação aos folguedos associados às Irmandades negras e à instituição dos Reis do Congo, o discurso dos cronistas é sensivelmente mais brando; surgem expressões de benevolência e mesmo de admiração. Encontramos desde o século XV notícias sobre Confrarias de negros do Rosário, de São Benedito e Santa Ifigênia 11 e, a partir do XVI, 8 Edson Carneiro, 1974. Tinhorão 1988, pp. 43-44. 10 Stein, 1985, pp 243-244. 11 Reproduzindo os estamentos sócio-raciais da época, instituiram-se na Colônia confrarias separadas para brancos, negros e pardos. As Irmandades dos Homens Pretos eram associações de caráter beneficente que congregavam escravos ou forros; suas principais atividades eram cuidar dos enterros e financiar, através de quotizações, a alforria de seus membros, além de ocupar-se da construção de templos. Scarano, 1976. 9 5 sobre a participação dos membros destas em festas públicas, desfilando junto aos seus Reis Congos em séquitos dançantes. O jesuíta Antônio Pires (1552) não poupa elogios à organização dos escravos Minas em sua confraria do Rosário em Pernambuco: “Andão tam bem ordenados que hé para louvar Deus Nosso Senhor. Muyta aventagem fazem os da terra aos de Guiné”. Na procissão do Domingo de Quaresma, enquanto os brancos “se não podião meter em ordem, sempre falando”, os escravos da Irmandade “hião em tanta ordem e tanto concerto huns traz outros com as mãos sempre alevantadas, dizendo todos: “Ora pro nobis”, que fazião grande devação aos brancos, em tanto que os juízes lhe dão em rosto com os cravos” 12. O posicionamento favorável à realização das festas de Reinado entre os escravos, e a importância do apoio financeiro dos senhores é reforçada nesta recomendação de Antonil (1711): “Negar-lhes totalmente os seus folguedos, que são o único alívio de seu cativeiro, é querê-los desconsolados e melancólicos, de pouca vida e saúde. Portanto, não lhes estranhem os senhores o criarem seus reis, cantos e bailes por algumas horas honestamente em alguns dias do ano, e alegrarem-se inocentemente à tarde depois de terem feito pela manhã suas festas de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do orago da capela do engenho, sem gasto dos escravos, acudindo o senhor com sua liberalidade...”13 As festas em torno dos Reis Congos mostram-se, desde o início, duplamente fecundas. Para os brancos, estar patrocinando a festa negra significava, além de um meio de dissipar disposições revoltosas dos escravos, a oportunidade de ostentar publicamente seus negros cristianizados 14 e bem vestidos, reforçando assim seu status perante a 12 Castagna, 1991, p. 35. Antonil, 1963. Apud FERRETTI, 1995, p. 30. 14 Uma das estratégias usadas na catequese dos africanos foi a sobreposição da gesta de Carlos Magno e os Doze pares de França (Cristãos X Mouros), às gestas africanas representadas diante dos soberanos negros, narrando embaixadas e combates entre dinastas da Africa. Ainda hoje em Congadas Dramáticas como a de Ilhabela e a de São Sebastião o Rei de Congo aparece como representante da Cristandade (referência provável ao Muemba Nzinga, Rei do Congo cristianizado em 1512 como Afonso I), enquanto o 13 6 sociedade local15 .Ademais, como bem se sabe, o Rei de Congo era utilizado como intendente junto à escravaria que lhe devia obediência. Na outra mão de direção, as Irmandades constituiam a única via de inserção dos negros na sociedade colonial, e as festas públicas, oportunidade de ganharem alguma visibilidade social e gozarem de momentos fugazes de brilho e glória. E através desta brecha podiam expressar reverência à sua nobreza ancestral perdida atrás do oceano, recompondo simbolicamente em terras da diáspora os elos de linhagem rompidos com o cativeiro. Os Batuques atuais : algumas hipóteses sobre sua formação Os eventos que a crônica histórica trata genericamente de batuques são formas originárias de práticas que na atualidade dividem-se, grosso modo, em duas categorias diferenciadas: de um lado os Candomblés, grupos organizados de culto afrobrasileiro (religião), e de outro os Batuques ou Sambas de Terreiro (tradição). Conforme se verá adiante, ambas desfrutam de atores sociais comuns. Os dois grandes blocos étnico-culturais em que se distingue a massa de africanos para cá deportados com o tráfico conheceram condições bastante diferentes de fixação à terra, trabalho e cont(r)atos sociais com a cultura hegemônica. Os bantos pertencentes a várias etnias do Congo, Angola e Moçambique moveram, desde o século XVII, os engenhos de açúcar do Nordeste, no XVIII extrairam ouro e diamantes das Minas Gerais e no XIX plantaram e colheram no Sudeste o tão apreciado café. O tráfico de sudaneses 16 provenientes dos territórios hoje ocupados pela Nigéria e pelo Benim, aqui alcunhadas de jêjes e nagôs, intensificou-se ao final do século XVIII , destinando-os aos trabalhos domésticos nas capitais do Nordeste e, em menor número, nas grandes cidades do Rio Grande do Sul. Em suma, enquanto os bantos constituem desde o primeiro século o embaixador de Luanda (provavelmente associado à irredutível Rainha Ginga Mbandi de Angola e Matamba), é o infiel que ao final da guerra se faz batizar. Entre os doze fidalgos que combatem do lado do Rei de Congo estão Oliveiros e Roldão. 15 . “...as festas públicas constituem momentos privilegiados de exibição de poder e reforço da segmentação social”. Kantor, 1996, p. 109. 16 Etnias ewê-fon e iorubá 7 grosso da mão-de-obra pesada na zona rural, os sudaneses têm uma vivência mais urbana, suprindo a necessidade de serviços variados surgida com o crescimento das cidades. O trabalho como domésticos e “negros de ganho” permitia aos escravos das grandes cidades - especialmente Salvador, Recife, São Luís do Maranhão, Rio de Janeiro e Porto Alegre - circularem livremente pelas ruas. Havia, portanto, a possibilidade de se reunirem segundo as etnias, ainda que fosse “às escondidas”, para a prática de sua religião tradicional em que os iniciados recebem e manifestam as divindades 17 durante o transe místico. Esses encontros constituem a forma germinal das comunidades de culto hoje conhecidas como Candomblés18 , cujo panteão, mitologia e organização ritual devese preponderantemente à civilização jêje-nagô, contando com aportes de todas as demais etnias ou nações africanas e autóctones. O modelo de culto jeje-nagô, embora hegemônico enquanto expressão religiosa dos descendentes de africanos, ao se fundir a outras modalidades religiosas africanas e ameríndias gerou formas de culto sincréticas como os Candomblés de Caboclo, os Catimbós, a Macumba e, mais recentemente, a Umbanda. Enquanto os escravos das áreas urbanas contavam com a possibilidade de se reunir, seja nas “casas” ou “roças” para a prática de sua religião tradicional, seja nas Irmandades Leigas do Rosário e São Benedito, onde se desenvolve o Catolicismo afrobrasileiro do Congado e do Reinado, a situação da massa escrava vivendo nas unidades rurais de produção era bem diferente. Nos engenhos, fazendas e garimpos distantes das cidades, a rearticulação cultural das “nações” era impossível, dada a mistura de etnias nas senzalas, o relativo isolamento em que viviam e a fiscalização severa exercida por intendentes e feitores. Para o trabalhador rural escravo, de origem banto em sua grande maioria, as manifestações culturais designadas pela crônica do período colonial como batuques, calundús ou sambas representavam o esperado momento da reunião . Se a situação inicial era de enfrentamento de indivíduos pertencentes a etnias tradicionalmente rivais 17 18 Orixás (nagô); Voduns (Jêje) e Inkisses (Congo-Angola) . Candomblé (BA), Xangô (PE), Tambor de Mina (MA), Batuque (RS), 8 (por exemplo, congos e moçambiques), o desenvolvimento de uma consciência de classe entre os cativos , aliado à impossibilidade de cada etnia realizar a “sua” festa devido ao número insuficiente de pessoas, foram fatores que tornaram esses encontros propícios ao congraçamento multiétnico e, portanto, multicultural. De maneira geral, pouco se sabia acerca do teor de tais encontros à época da Colônia e mesmo do Império, não obstante alguns representantes do poder político e religioso manifestarem, conforme vimos anteriormente, a preocupação em se distinguir o que era rito daquilo que seria mera diversão dos negros. É lícito supor que, em muitos casos, esses batuques permitissem reunir atividades “religiosas” e “profanas” num único evento, fato que certamente não foi percebido pelos seus observadores brancos. Evidentemente, a capacidade de apreensão destes, lastreada por uma estrutura mental cartesiana, nunca poderia vislumbrar as manifestações do sagrado e do profano senão como eventos estanques. Passavam eles muito ao largo do conceito africano da continuidade entre os planos físico e espiritual. Trabalhos como o de Placide Tempels e Alexis Kagame19. mostram que povos bantu como os Ba-luba percebem o mundo como uma teia de forças em interação, forças de diferentes tipos e intensidades que tendem ao equilíbrio. Num universo sacralizado, qualquer ação do homem ganha caráter ritual, direcionando-se para equilibrar a sua força vital com as demais energias do cosmo. E convivem em continuum o mundo dos homens, da materialidade, e o mundo invisível, dos ancestrais e divindades. Sendo, pois, a vivência do sagrado total e quotidiana, ela não exclui as emoções humanas, o prazer e a alegria : a fé com festa que tanto intrigava os cronistas. Ademais, contingências peculiares à escravidão rural contribuíam para que devoção e diversão entre escravos tendessem naturalmente a se articular num evento único. Estando eles sob a mira constante dos feitores das fazendas e sendo proibida qualquer forma de reunião fora das horas de folga permitidas, parece lógico que se concentrasse no momento festivo do batuque toda a vivência social que lhes era negada no dia-a-dia de trabalho árduo. Realizados nos sábados à noite, em vésperas de dias santos ou marcando o final das colheitas, essas reuniões de cativos deviam, portanto, 9 condensar diferentes atividades sociais, mediadas, como ocorre na Africa tradicional, pela via artística do canto, da dança e do tambor. Traços de uma pluralidade de situações comunicativas manifestam-se ainda hoje na poética do Jongo do Vale do Paraíba e do Candombe mineiro, cujo repertório divide-se em categorias funcionalmente definidas crônica social, louvação religiosa, desafio, etc. Edison Carneiro foi o primeiro autor a tentar uma abordagem classificatória das danças herdeiras do “Batuque Congo-Angolês”, agrupando-as num grande complexo nacional dos “Sambas de Umbigada” 20. A umbigada ou a menção desse gesto, característico de danças de lúdica amorosa banto-africanas (por vezes associadas às cerimônias de noivado, o lembamento), seria o traço de união entre essas manifestações geograficamente dispersas- Carneiro menciona 30 diferentes danças, em 11 Estados brasileiros. Não obstante as especificidades regionais, as manifestações afrobrasileiras de terreiro - o Jongo ou Caxambú do Vale do Paraíba e ES, o Batuque do Oeste Paulista, oCandombe mineiro, a Sussa goiana, o Zambê potiguar, o Samba-de-aboio de SE, o Tambor-de-crioula maranhense, o Carimbó paraense, os diversosBatuques do Amapá, entre outros - compartilham de importantes características comuns (algumas delas presentes em outras categorias da música afrobrasileira), além da presença concreta ou sugerida da umbigada citada pelo autor baiano. No plano musical, os tambores feitos em troncos de árvore ocados ou em tanoaria com uma só pele fixada por pregos ou cravos, afinados a fogo, ou a reinterpretação ritmico-timbristica destes em instrumentos de modelo europeu; a afinação da voz pelo tambor; o estilo vocal em que se alternam frases curtas entre solo e coro (responso curto), ou em que o coro repete um refrão fixo, enquanto o solista evolui com certa liberdade. No plano literário, o canto improvisado em forma de desafio; a presença de uma linguagem fortemente metafórica; os temas de crônica histórica e social da comunidade. No plano da dança, as formações coreográficas em roda valorizando a performance individual ou de um par ao centro. Muitos dos padrões citados também são observáveis em danças similares da América Latina e do 19 20 Tempels, 1949; Kagame, 1956. Carneiro, 1974 10 Caribe tais como o Tambor de Yuca cubano ou o Bellé da Martinica, delineando uma continuidade de influências banto-africanas nas “Américas Negras”21 Também recorrente nos batuques é o fato de se situarem, muitas vezes, num contexto liminar sagrado/profano 22.. Em outras palavras, a atitude religiosa permeia organicamente a festa aparentemente profana, e manifesta-se no respeito aos tambores, ancestrais e outras entidades espirituais (atualmente, também as do Candomblé e da Umbanda), bem como nas demandas poéticas de caráter mágico travadas entre os paticipantes. Os batuques ou sambas de terreiro, cuja existência em muitos casos é anterior à formação dos candomblés Congo-Angola, podem ter agregado elementos de antigas formas religiosas banto no Brasil. Nas linhas que se seguem, fecharemos o foco sobre três batuques região Sudeste do Brasil - Jongo , Batuque de Umbigada e Candombe-, pondo em relevo algumas de suas estruturas recorrentes. Antes, porém, façamos uma breve decrição de cada dança. O Jongo é uma dança de roda, em alguns casos com par solista ao centro. Seus instrumentos são o tambú (tambor maior) e o candongueiro (tambor menor) e a inguaia (chocalho de cesto). Os pontos ou melodias do Jongo falam do cotidiano da comunidade (visaria) ou propoem desafios, através de enigmas a serem decifrados (demanda ou goromenta). A linguagem é sempre metafórica. O estilo do canto é responsorial (alternando solo-coro). Nossa pesquisa registrou jongos nas cidades de Guaratinguetá, Taubaté, São Luís do Paraitinga, Lagoinha, Cunha e Piquete, todas no Vale do Paraíba paulista, e em várias cidades do RJ. O Jongo é dançado atualmente por ocasião do Treze de Maio ou de algumas festas do Catolicismo popular, destacando-se as Juninas e a do Divino Espírito Santo. No Candombe mineiro, é o próprio cantador que dança diante dos três tambores sagrados em forma de pilão (santana, santaninha e chama), balançando o guaiá (chocalho) e exprimindo corporalmente o conteúdo do seu ponto, rodeado pelos demais participantes que respondem ao seu canto em magníficas texturas corais. O Candombe associa-se atualmente ao catolicismo negro de confraria, sendo dançado dentro das 21 Bastide, 1969. 11 capelas das Irmandades do Rosário ou no terreiro destas. É considerado "o pai do congado", seu fundamento mítico, e caracteriza-se pela invocação a divindades banto (Calunga, Zambi), aos antepassados e aos santos católicos. O Candombe está bastante próximo do Jongo no que se refere à temática, à metaforização e ao estilo musical dos pontos cantados (responso curto). Registramos Candombes nas cidades de Contagem, Belo Horizonte (bairros de Jatobá e Pedro Leopoldo), Ribeirão das Neves (bairro de Justinópolis), Fidalgo, Mocambeiro, Lagoa da Prata, Jaboticatubas, todas na região de Belo Horizonte. O Candombe é dançado em festas de padroeiros, como Santana e Nossa Senhora do Rosário, como rito propiciatório ou para marcar passagens de grande sacralidade, como os levantamentos e descimentos de mastro. O Batuque é uma dança em que os participantes se defrontam em duas linhas, uma de homens outra de mulheres. O ponto culminante da coreografia é a umbigada trocada entre o batuqueiro e a batuqueira, segundo alguns autores um gesto de mímica sexual ; o Batuque poderia ter sido uma antiga dança de fertilidade, associada talvez ao "lembamento", cerimonia de noivado angolana descrita pelo cronista Ladislau Batalha. Seus instrumentos são o tambú (solista), enorme tambor de tronco sobre o qual se senta o executante, que tira dele uma grande variedade de timbres, e o quinjengue (acompanhamento), tambor em forma de cálice semelhante aos instrumentos do candombe. As modas, melodias do batuque, falam do cotidiano da comunidade, de temas amorosos ou picantes, ou associados à resistência e ao protesto social e político. O Batuque é atualmente dançado por um único grupo , com média etária de sessenta anos. Tradicionalmente é dançado nas comemorações do 13 de Maio, na Festa de São Benedito e no Sábado de Aleluia. Para a sua realização é preciso unir os dançadores remanescentes de quatro cidades : Tietê, Capivarí, Piracicaba e Campinas.. Comunidades do Tambor O Tambor é um ser animado.Tchréman, tambor falante, é um ser animado, isto é, um ser que 22 Foi justamente essa ambigüidade de intenções que levou o turista aprendiz Mario de Andrade a alinhar o Tambor de Crioula do Maranhão entre as “Danças de Feitiçaria”. 12 possui princípio de vida; o tambor é também espírito" 23 Na Africa tradicional, tambor é um vínculo a unir os homens entre si e estes às divindades. Ponto focal das comunidades e suas forças, arauto de soberanos e Orixás, ele próprio é de essência divina. Tambor junta a força vital dos três reinos da natureza: a do animal que lhe dá o couro com a do vegetal que lhe fornece a madeira com a dos minerais metálicos que fixam tudo no lugar: um ser de energia plena Entre os grupos afro-descendentes do Sudeste, como os que praticam o Jongo e o Candombe, um índice da importância que assumem os tambores tradicionais é a utilização do termo ingoma (do banto ngoma, tambor) para se referir tanto aos instrumentos quanto ao evento musical e coreográfico que estes acompanham ou ao próprio grupo ou comunidade dos dançantes, extensão semântica, aliás, corrente entre as culturas da Africa banto. Os herdeiros dessas tradições consideram-se, pois, “comunidades do tambor”. Os velhos e pesados tambores de tronco escavado, com suas formas e nomes exóticos (Ngomá, Dambí, Dambá , Candongueiro, Quinjengue, Mulemba) aí são venerados como as insignias mais fundamentais da ancestralidade africana, uma espécie de lastro sagrado a ancorar a comunidade ao terreiro de seus avós. Os tambú véio são considerados como entes dotados de vida e sede das almas dos antepassados: “O tambor é realmente um instrumento muito respeitado no Jongo. Por que ele recebe um nome, também significa como se fosse um Orixá pra gente ali. Então ele tem que ser saravado24 ,ele tem que ser respeitado, ele tem que ser cumprimentado na roda de jongo, porque ele é um respeito. Sem o tambú o Jongo não sai. [...]É o tambú que fala. E a gente transmite tudo o que pode através do som pra eles lá. É uma mensagem25. “ 23 Noangoran Bouah, 1981, p. 142. “Eu saravo o tambú grande/eu saravo o candongueiro/também vou saravando/quem cantou aqui primeiro”. Esse é o ponto de louvação tirado diante dos tambores tambú e candongueiro pelo jongueiro José Carlos Santos, de Guaratinguetá, quando acaba de chegar à ingoma (roda de dança). Guaratinguetá, 1993. 25 José Antonio Marcondes Filho, o Totonho. Guaratinguetá, 1999. 24 13 Para os praticantes do Candombe de Minas Gerais, os três tambores utilizados na dança são “madeira santa”, pois seu surgimento liga-se ao mito fundante de Nossa Senhora do Rosário. Diz a lenda que, nos tempos da escravidão, Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar. Os brancos se juntaram na praia para tentar atraí-la: construiram rica capela, chamaram padre, coral e banda de música. Tudo com muita pompa. Ela nem se mexeu com as rezas dos brancos. Aí os escravos pediram licença aos patrões para tentar tirar a Santa da água; eles fabricaram rústicos tambores de tronco escavado cobertos com folhas de inhame e foram para a beira do mar tocar e dançar para ela. Foi então que Nossa Senhora saiu das águas e veio sentar-se no tambor maior, o Santana, como se fora um andor. Por isso, o Candombe se inicia assim : “tamburete sagrado/licença auê”. Nas comunidades candombeiras, os tambores em forma de pilão repousam em altares nas capelas das Irmandades ou em quartos ao abrigo dos olhares, e periodicamente são iluminados por velas e recebem oferendas de bebida26.Um chá preparado com um fragmento da madeira desses instrumentos é dotado de grande poder de cura, segundo alguns depoimentos. Do mesmo modo, os maus tratos a um instrumento sagrado pode acarretar desgraça. A atribuição de nomes aos tambores em algumas comunidades indica seu status de seres dotados de vida. Além da denominação genérica pela qual são chamados (tambú, candongueiro, etc.) os tambores recebem nomes de batismo, mormente os maiores, que fazem a marcação da dança : “Presente e Passado”, “Sete Léguas”, “Dó-ré-mi”, etc. 27. Em um único caso por nós observado, os próprios tambores tinham forma humana. Na cidade fluminense de Santa Isabel do Rio Preto fomos encontrar, ciosamente guardados pela jongueira Dona Nininha, um par de tambores de Caxambú esculpidos de maneira a representar as pernas e a cintura de um homem. Quando percutidos, estes instrumentos 26 Diz o Sr. Zezé, Capitão-mor da Irmandade do Rosário de Justinópolis: “[o tambor] tem que sê iluminado, ele tem que sê tratado ué! Igual a gente. É mema coisa da gente. Ele tem que sê tratado. Tem modo de iluminado, a cumida e tudo, a bebida e tudo, iluminado. Tem que tê ué. Porque eles é uma madera...mais, acumpanhante deles tem os espírito. Que tá sempre ali. Tá sempre por ali.”José Messias (Zezé), Belo Horizonte, 1996. 27 A associação dos tambores maiores com a mãe, comum na Africa, também é tradição em algumas Comunidades do Tambor do Sudeste. Em Guaratinguetá, por exemplo, o tambú recebe o nome "Minha Mãe Só" . Nos candombes mineiros, o tambor grave chama-se "Santana" - segundo a lenda, o tambor sobre 14 parecem formar um só corpo com os tocadores, se observados de frente. O tambor antropomorfo ou zoomorfo é bastante comum na Africa banto, morfologia que reforça o vínculo do membranofone com a categoria dos seres animados. Entre os vários mitos que evidenciam a força mística dos tambores, há um particularmente interessante, narrado por Jair de Siqueira, da comunidade negra de Mato do Tição, em Jaboticatubas- MG. Trata-se de uma versão paralela e simetricamente oposta à que se lê no relato do moralista baiano Nuno Marques Pereira acerca da queima dos tambores do Calundú, apresentada no início deste trabalho. Dada a importância deste texto oral, julgamos oportuno transcrevê-lo na íntegra, nas palavras do próprio Jair: " O Baraunoê era um fazendeirão. Ele num gostava dos nego, não. Quando foi tratô a liberdade, os nego num tinha mais outra coisa pra fazê, aí eles foi pro mato e cortô madeira e fez o instrumento de Candombe. E, foi lá pa porta do Barão brincá o Candombe deles. Ele foi, pegô e mandô fazê uma fogueira e pôs os instrumento dos nego tudo no fogo. Quemô os instrumento do nego e entrô pra dentro de casa que ele num queria vê nem a fumaça do instrumento dos nego. Aí, a fumaça foi, emborcô pa casa a dentro e foi dento do quarto dele.[...] Vai, aquela fumaça quemano a vista dele, que ele num tinha sossego pra nada. É só o ardume da fumaça dos instrumento que ele quemô. Aí, ele foi, mandô chamá o padre pra cunfessá ele. E, o padre foi, ele contô o padre o que que é que ele tinha feito. O padre foi falá: ‘Cê tem que mandá fazê otros instrumento pra dá esses nego. Porque, enquanto ocê num fizé, ocê tem esse ardume’. Ele falô: ‘Não! Se fô isso, então, eu mando fazê’. Aí, mandô fazê otro terno de instrumento. Mandô fazê otro terno de instrumento pros nego, matô boi, matô porco, pôs cachaça lá no terrero pos nego adiverti. Assim que ele fez os instrumento e os nego foi adiverti lá, aí que o nego véio cantô. Cantô esse candombe: "E, Baraunoê /ê, Barão é na palma de pontê/ ê, Baraunoê/ ê, Barão é na palma de pontê/ ê, Barão é na palma de ponta o qual Nossa Senhora sentou-se; Santana é a genitora de Maria José, representando, portanto, a idéia de "mãe”. 15 machado/ Barão Unouê" Aí, a fumaça sumiu .Isso é dos nego memo. Dos africano.” 28 Os donos de ingoma óia dono de ingoma/licença auê29 Entre os povos bantos, os antepassados, embora não mais participando do mundo sensível, mantêm grande influência sobre os descendentes vivos na medida em que os conhecimentos que detêm sobre as forças vitais podem servir para reforçar a vida do homem na terra. Não estão "mortos", no sentido que damos à palavra, porém manifestamse constantemente entre os viventes, aconselhando-os em suas decisões fundamentais, sendo, ademais, os elos que os ligam ao Preexistente30 Em terras da diáspora, o culto aos ancestrais familiares trazido da Africa31 teria forçosamente de sofrer transformações, dado o desmantelamento das famílias. Rompidos os laços de sangue, restam os de solidariedade entre indivíduos sob o jugo comum da escravidão, e os ancestres familiares africanos cedem lugar aos mortos ilustres das próprias comunidades cativas. O culto banto aos antepassados sobreviveria no Brasil nos batuques e canjerês, sendo posteriormente absorvidas pela Macumba e pela Umbanda como adoração coletiva a entidades espirituais de caráter mais genérico, os Pretos Velhos32 . Jair de Siqueira, Mato do Tição, Jaboticatubas-MG, 1995.Em cada um dos relatos, a presença do elemento narrativo “fumaça” serve a projetos de polaridade oposta, na tensão dialética negros X brancos : em Nuno Marques, o fumo espesso é indício inequívoco da presença do demônio, cujo exorcismo é levado a cabo pela leitura do Credo; na fala de Jair a fumaça torna-se anjo vingador de Deus, que se ergue contra a injustiça cometida pelo Barão - fato ratificado pelo próprio padre - e o exorcismo é feito mediante a entoação de um ponto de Candombe. 28 29 Ponto de Candombe. Comunidade dos Arturos, Contagem-MG, 1992. Tempels, 1949. 31 O culto nagô aos ancestrais - Egungun - tem pouca expressão no Brasil, se comparado ao culto aos Orixás, sobrevivendo em alguns templos baianos como o Ilê Agboula, da Ilha de Itaparica. 32 A linha de Preto Velho corresponde a um dos panteões da Umbanda. Também a linha de Caboclo, vinda através dos Candomblés Angola, incorpora uma reinterpretação brasileira do ancestral africano, uma vez que o índio é o habitante primevo das Américas. 30 16 A reverência às almas presentifica-se de várias formas nos batuques tradicionais do Sudeste. No Jongo valeparaibano, a categoria de pontos que recebe o nome êmico de louvação destina-se sobretudo a homenagear jongueiros falecidos: “Eu sinto saudades/de quem se foi/saravá Canário Zumba/n’Aruanda”. 33. As libações dos tambores com cachaça destinam-se especialmente a apascentar os espíritos presentes à roda: “Então ali tem o Rei Congo, o Rei de Monjongo...O povo de Angola [...] Então o espírito suga ali, bebe, ajuda, dança, protege e faz o que a gente quer”34. Também na abertura do Candombe mineiro, deve-se pedir licença e força aos donos de ingoma, os ancestrais que legaram a tradição. E a própria dança se faz homenagem, a insistência em não esquecer o passado, atualizando-o em gesto, palavra e música. Diz o Sr. Zezé , Capitão-mór da Irmandade do Rosário de Justinópolis, MG, que “só nós só, num somo ninguém. Tem que tê a espiritualidade que tá sempre acumpanhano a gente. A gente canta os ponto tudo, mais pidino as força maió. Com o espritual, que trabaia junto com a gente... " Fala-se aos ancestrais como eles falavam, e em conformidade com os seus dizeres. Os pontos de Jongo e Candombe que homenageiam essas entidades são cantados em um patois ritual característico, a meia-língua ou gungunado dos Pretos Velhos, com pronúncia e sintaxe do português alteradas e, por vezes, palavras ou frases em dialetos banto. Não se trata de transe, mas de uma mímese expressiva, de fundamental importância para se assegurar a proximidade com o ancestral . No plano da expressão corporal, ela se manifesta ao adotar o candombeiro uma postura arqueada, no momento em que canta e dança seu ponto. Desloca-se lentamente, às vezes com a mão apoiada às costas, por vezes mancando, como o "nego cambeta" maltratado pela escravidão 35. 33 Nesse ponto cantado por Dona Zé, de Guaratinguetá-SP, são lembrados, a cada repetição, os nomes de jongueiros mortos que pertenceram à comunidade do Tamandaré. "Primero, lembrá deles, né ? Tem que pedi força pra eles ali...Se começa o jongo sem fazê uma obrigação pode acontecê uma desavença muito grande..."Maria José Martins (Dª Zé), Guaratinguetá-SP, 1993. 34 Totonho, Guaratinguetá-SP, 1999. 35 Nesse momento , diversas atividades dos escravos são representadas pela mímica corporal, a qual reduplica a semântica verbal do ponto : peneirar ouro ("penera ouro em pó/penerinha"), serpentear pelo chão como uma cobra ("eu sô fio da cobra verde/neto da cobra corá") ou coçar-se, antigo gesto de alerta à chegada do branco ("que me coça aqui/é carrapato"). 17 As entidades espirituais da Umbanda, religião professada por boa parte dos dançantes de batuques de terreiro no Sudeste, marcam presença atualmente entre os pontos de louvação do Jongo e do Candombe. Interessante notar que a mesma Umbanda que se nutriu de elementos míticos e rituais bantos presentes nos Jongos e Candombes, como o culto aos antepassados, agora realimenta o repertório cantado nessas danças com as entidades do seu panteão. Assim, nos jongos como o do Tamandaré, convivem ancestres familiares - almas de parentes falecidos, citados nominalmente em cantigas como a acima transcrita - e ancestrais coletivos como os Pretos Velhos da Umbanda, além das demais entidades do panteão, como os Orixás, Exús, Crianças, Baianos... “Foi na Beira do Mar/que eu vi/Ogum guerrear/ele jurou bandeira/ele tocou clarim/com seu exército todo/ele lutou por mim.” 36 Os carreiros e tropeiros constituem uma categoria de entidades cuja proteção é particularmente invocada, tanto no Jongo quanto no Candombe. Representam as almas dos escravos que tangiam tropas, tendo portanto uma mobilidade espacial muito maior que os trabalhadores do eito. Eram eles que, junto com as mercadorias, faziam circular as idéias, notícias e articulações entre os escravos. Considerados grandes cantadores e perigosos feiticeiros, tidos como os mestres incontestes do desafio mágico-poético da demanda, gozam por isso da predileção dos jongueiros mais experientes: “Vamo rezá/pra arma do bom carrero/Que lá vai subindo o morro/sem guia, sem candiero”37 Jongueiros e candombeiros são capazes de perceber a presença das almas durante a realização da dança. Alguns afirmam ter aprendido os pontos que cantam na roda inspirados por espíritos de velhos jongueiros. No entanto, é bastante raro que ocorram transes de possessão; o local próprio e legítimo para isso são as giras do centro de Umbanda. Os próprios líderes das comunidades, geralmente também chefes de culto da 36 37 Ponto de Jongo do Tamandaré, Guaratinguetá--SP, 1993. Ponto de Candombe de Mocambeiro-MG, 1996. 18 Umbanda ou da Quimbanda, encarregam-se de coibir eventuais manifestações públicas de espiritualidade nas rodas de jongo, conforme já presenciamos mais de uma vez 38 Artes do Camaleão... "Os escravo num podia comunicá com ninguém, eles num tinha liberdade, né? Então, quando eles entrava na senzala é que eles iam participá um co outro. Então, no meio eles faziam a roda de Jongo e, ali, cada um cantava o Jongo falando o que queria falá, mas sobre...pela canção. Daí, um entendia o que tinha que sê feito. As vezes o que se passô no dia, o que ia acontecê. Então, um já avisava o outro. E, era por meio de ponto de Jongo que era comunicado as coisa" 39 No período escravista, o espaço de liberdade que se criava com a dança no terreiro representava o momento privilegiado para a comunicação interna da comunidade cativa, veiculando-se todo tipo de mensagens, articulações, críticas e reinvindicações por meio da crônica cantada. Surge, assim, uma linguagem poética metafórica muito peculiar, que tira partido, justamente, da percepção de que a cultura hegemônica considerava os negros incapazes de maiores refinamentos de expressão. Metaforização do discurso verbal, pela elaboração de uma linguagem dúbia construída com imagens simples, tomadas à realidade imediata - a natureza, os animais e plantas, o trabalho na roça - cuja decifração era restrita à comunidade que festejava sob os olhos e ouvidos atentos dos intendentes. Ou mesmo dos brancos que se aproximavam da roda com intenções de fruição. Ao passo que algumas danças de escravos, como os lundús, ganham os salões da casa grande, do lado de fora continua a se desenvolver uma poética de compreensão 38 No Rio de Janeiro mantém-se a ligação entre Jongo e Umbanda no plano ritual. A pesquisadora Marianna Monteiro esteve presente a um Caxambú realizado reservadamente num terreiro de Umbanda da zona rural fluminense, onde era a própria Preta Velha quem dançava, incorporada no Pai de Santo. Segundo ouvimos, a entidade pedia que a cada ano se batesse um caxambú em sua homenagem (“é dança de Preto Velho”). Em Minas Gerais, fomos informados em várias ocasiões sobre sessões secretas de Candombe, em que ocorrem incorporações pelos Pretos Velhos; elas têm sido absolutamente interditas a qualquer pesquisador. 39 Dª Zé .Guaratinguetá-SP, 1993. 19 interna ao grupo, que ainda hoje se atualiza nos obscuros pontos do Candombe e do Jongo. "Que tanto pau no mato embaúva coroné" 40 O branco mandão ("coroné") não vale mais que um pau podre por dentro, ("embaúva"), embora haja tanta gente boa neste mundo, madeira de lei (“tanto pau no mato”)41. Em sua literalidade, estes versos parecem simplórios, inofensivos. A metaforização ocorre também no plano do discurso corporal, nos movimentos de danças como o Candombe. E em outros lugares, o pé que aparentemente folgava no canavial podia, no momento certo, desferir o golpe mortal: a Capoeira é jogo, é luta, é dança. Ante a aproximação do branco, a festa negra poderia mudar da água para o vinho, com a mais perfeita naturalidade. Na poética das senzalas, o termo camaleão designa o negro escravo que “aprendeu a usar o recurso de mudar de atitudes, colorindo-se conforme o contexto”42. “Na ponte funda/cambaleão/jacaré qué me cumê/mas ele não come não”43. É difícil para o jacaré (o branco), maior e mais aparelhado para a luta, vencer o pequeno e esperto camaleão (o negro), mestre nas artimanhas da dissimulação. E dissimular tem sido, desde os primeiros tempos, a arte necessária do afrobrasileiro. O fino mister de dizer sem falar, a lírica figurada, é justamente uma das linhas de força maiores dos batuques afro-sudestinos 44.. 40 Caxambú de Mãe Nininha, Santa Isabel do Rio Preto-RJ, 1998. Ribeiro, 1960. 42 Gomes & Pereira, 1988, p. 228. 43 Caxambú de Mãe Nininha, Santa Isabel do Rio Preto-RJ, 1998. 44 No entanto, são pouquíssimos os estudiosos que se debruçaram condignamente sobre o assunto; citemos Maria de Lourdes Borges Ribeiro para o Jongo e Núbia Gomes & Edmilson Pereira para o Candombe. Os 41 20 Outra característica marcante na poética afrobrasileira dos batuques- aliás presente em toda arte africana - é a essencialidade. O ponto, unidade melódico-poética do Jongo e do Candombe constituída por dois versos, um cantado pelo solista e outro pelo coro, pauta-se pela economia de meios expressivos, pela forma curta e pelo sentido concentrado. Esses traços aproximam o ponto da máxima, do provérbio, forma expressiva que tão bem traduz o pensamento africano tradicional, síntese de uma reflexão sobre um mundo estável e hierarquicamente ordenado. O hábito de se exprimir através de locuções proverbiais, caro aos velhos guardiães das tradições orais na Africa, teria provavelmente influenciado, em terras de exílio, a poesia dos terreiros e senzalas. Naturalmente, as novas condições de vida impoem sentidos diferentes para os pontos, mas sobrevive a idéia básica da formulação sintética e conotada. Força de palavra "Palavra. Só palavra. Não precisa de mais nada. " História do Chico Mandu, jongueiro de Cunha .45 Nas celebrações noturnas de terreiro , os bons cantadores rivalizam entre si e se enfrentam em justas poéticas que se prolongam até o amanhecer, com a derrota de um deles. Desafios em que a habilidade artística dos cantadores pode significar poder de sortilégio, manifestando a força mágica da palavra proferida tão respeitada entre os africanos. Segundo o historiador maliense Hamadou Hampaté-Bâ, para o africano tradicional a palavra é dotada da capacidade de construir e destruir, uma vez que pode visualmente toscos batuques de terreiro, recônditos em sua maneira de ser e narrar, deixam de atrair os pesquisadores. Os folcloristas comentam a “medolia pobre” e “repetitiva”, porém sempre se esquivam de uma análise mais aprofundada da linguagem poética. O próprio Mário de Andrade, literato que era, poucas linhas dedicou, por exemplo, ao jongo de seu Estado natal, votando o seu élan para o esplendor dos folguedos nordestinos. Atitude que até hoje faz escola entre artistas e intelectuais. 45 Ribeiro, 1960, p. 55. 21 colocar em atividade forças que se encontram latentes na natureza, assim sendo, por excelência, "o agente ativo da magia africana" 46.. A crença no poder encantatório da fala é corrente nas comunidades do tambor do Sudeste brasileiro. Reza um mito largamente difundido entre jongueiros e candombeiros que pela força de seus pontos os cantadores de antigamente eram capazes de fazer crescer uma bananeira no terreiro durante a noite de dança, e ao raiar do dia todos aqueles que estivessem na roda já tinham banana madura para comer. Segundo nos contam os mais velhos, estes mesmos conhecedores confrontavamse na perigosa demanda, porfia ou goromenta, desafio cantado envolvendo dois ou mais contendores. Da astúcia com as palavras, aliada ao poder de concentração do jongueiro, depende a força encantatória do ponto, capaz de amarrar o outro. São muitos os causos narrando esses duelos. E o que está em disputa é, sempre, o prestígio dos cantadoresfeiticeiros no interior do grupo: “Existe certo tipo de jongueiro, que ele vem realmente pra disputá a posição dele. Que ele vem de má intenção mesmo. Pra realmente amarrá o Jongo através do ponto cantado, e derrubá o jongueiro do bairro, que já é conhecido. Então, ele qué tê o nome dele, ele qué fazê o nome dele. Ele já chega mal intencionado, já chega preparado, não só na cantoria, com pontos perigosos, cheios de segredo [...]Aonde acontece da demanda realmente ficá perigosa, ali na roda de Jongo. Quem sofre as vezes são o pessoal que tá em volta, que não tá totalmente defeso sobre aquilo ali, não tem defesa suficiente...”47 A goromenta (corruptela de “argumento”), enigmática ao extremo, resultou de um desenvolvimento cabal da linguagem críptica utilizada para a comunicação cantada nos batuques de terreiro. Os melhores pontos são aqueles mais incompreensíveis e sintéticos. O jongueiro formula maliciosamente uma dessas charadas e a lança à roda, esperando que alguém se apresente para a "desatar" : 46 47 Hampaté Bâ, 1982, p. 186. Totonho, Guaratinguetá-SP, 1999. 22 "No alto daquele morro/Tombô tombô tombá/Mamãe quebrô pescoço/Cabeça ficô no ar"48 Se não fôr bem sucedido, o jongueiro que se propõe a decifrar um ponto como este pode ficar “amarrado”: permanece paralisado junto à fogueira, e no dia seguinte não se lembra do que lhe sucedeu. Se o ponto fôr muito pesado, e o jongueiro estiver de corpo aberto49, pode acontecer coisa pior, terminando inclusive em morte. Entre os candombeiros de Minas, as histórias de amarração também são correntes: "...Na porta da igreja, no levantamento da bandeira de São Benedito. Aí eles tão cantano lá de porfia contra os otros e papai, coitado, papai num mexia com esse negócio de macumba. Ih, mais ele gostava do candombe tamém. Entrô lá no Candombe. Cantô um candombe. Aí, a Jacinta...é porque papai cantava um candombe...ele num tinha mardade, né ? Ele cantô um candombe lá, a Jacinta foi e entrô no Candombe e cantô : 'ê, sapo caiu na lama/lama di patiná/ caiu, caiu/caiu num levanta mais'. Quando o povo respondeu papai arriô. É. Papai arriô e foi levantado por mão dos otro. Aí que entrô Tio Jóvi cantô candombe e botô papai a prumo... ...[papai] levantô e encostô no lugar de novo. Ele nem ficô sabeno que tinha caído”50. A sabedoria do jongueiro, do candombeiro reside , entre outros misteres, em dominar um grande número de termos e expressões com valor conotativo legados pela tradição oral - por exemplo, cada uma das partes do carro de boi e seu sentido oculto. 48 Ponto de Zé Carlos, Guaratinguetá-SP, 1994. O desate deste ponto é: Marinheiro não embarques/Que no mar está ventando/Olha a foia do coqueiro/Como tá balanciando". Os versos aludem a uma situação que faz parte do quotidiano rural do jongueiro: o vento derrubou (tombô tombô tombá) um palmito (o pescoço) no meio do mato, o qual ficou pendurado à palmeira (mamãe) por um pequeno pedaço de fibra, e a copa ficou solta, balançando no ar (cabeça ficô no ar). O desate refere-se indiretamente à situação, sendo mencionados apenas a folhagem do coqueiro balançando e o vento no mar, índices suficientes para mostrar que o marinheiro (jongueiro) decifrou o ponto. 49 Dentro da concepção metafísica banto-africana das forças em interação, mais um indivíduo se encontra reforçado, isto é, detendo uma força vital naturalmente crescida ou estando protegido por objetos mágicos, mais ele se encontra apto a fazer frente a energias antagônicas que lhe podem ser endereçadas, por exemplo, através do feitiço. Tempels, 1949. 23 Porque, conforme explica mestre Joviano, de São Luís do Paraitinga, “ o Jongo também é uma tioria, sabe? O Jongo tamém é uma escola, e é tioria. 51” Totonho, de Guaratinguetá, assim define os quesitos necessários para se sair bem numa roda de Jongo: “O bom jongueiro, ele vem da experiência dele, do conhecimento do afro, da rapidez dele se livrá do outro jongueiro, dos pontos que vem afetando ele. E também, dele desatá aquele ponto que vem em cima dele, e ele se saí muito bem [...]Todos jongueiros são mirongueiros. Eles se preparam muito pra cantá o jongo; sabe como chega pra abri o jongo, e tem que sabê como saí, pra vi embora pra casa. Tem que sabê essas artimanha.” Dá-se o nome de cumba , isto é, “feiticeiro”, ao jongueiro conhecedor. Nos dias de hoje, os últimos velhos cumba preferem carregar para o túmulo o sentido oculto dos pontos antigos e a fina arte de encadeá-los, pois já não encontram herdeiros interessados ou à altura de seus conhecimentos. Desse modo, tem-se perdido o fundamento de muitos pontos de jongo52 Para os jovens de hoje, importa mais a diversão, o prazer da percussão, da dança, do encontro. Embora a demanda ou goromenta esteja se tornando cada vez mais rara nos terreiros, ainda permanece viva nas Comunidades do Tambor a crença no misterioso poder dos versos capazes de despertar forças desconhecidas. Se porventura se instala uma demanda, ainda que entre amigos, muitas pessoas se afastam da roda, e logo os desafiantes são apartados. Conforme diz o Nico, jongueiro de Piquete : “... tem segredo, gente. Tem gronga, tem mironga". Mistério que ainda ronda a festa nos terreiros. O branco não vem cá 50 Jair de Siqueira, Comunidade negra de Mata do Tição, Jaboticatubas-MG, 1995. Na Africa profunda, mais um indivíduo conhece as palavras da tradição, tanto maior será sua força e seu domínio sobre as demais forças do cosmos. Hampaté-Bâ, 1982 52 “ô galo rosa/tenha dó do meu penar/suas penas são douradas/tenho medo de molhar na ingoma”. O jongueiro Nico, de Piquete, assim manifesta sua relutância (“tenha dó do meu penar”) em usar da nobre herança ( as “penas douradas”) que recebeu do pai (o “galo rosa”, antigo rei do jongo em Piquete) nas rodas 51 24 “sô fio da cobra verde/neto da cobra coral”53 Graças às artimanhas próprias ao camaleão, a festa no terreiro garantia uma relativa privacidade à comunidade escrava, configurando contexto propício ao fortalecimento dos valores de identidade - o querer ser negro, manter-se negro dentro de uma sociedade dominada pelos brancos. Essa festa íntima opunha-se, em intenções, às festas públicas onde se produziam as danças de cortejo afro-católicas (congadas), nas quais o negro buscava incluir-se na sociedade branca, tendo para isso que abraçar certos valores da cultura hegemônica. A festa do batuque enquanto espaço onde negro é quem manda é celebrada até hoje no cancioneiro do candombe, na modalidade denominada “samba de sanzala”: “Semba criola/que o branco não vem cá/se ele vier/pau vai levá “Em festa de preto/branco lá não vai/se ele chega não entra/se ele entra não sai”54 O autoritarismo ou o paternalismo patronal do branco devem ficar do lado de fora da festa do preto, conforme nos comunicam os versos acima. Em seu quintal, o negro basta ao negro. E a dança ancestral representa o manancial de historicidade que irriga a construção de uma identidade afrobrasileira. No terreiro onde dançaram seus avós, o negro é agente de sua história e senhor de uma cultura própria e peculiar. Uma temática principal dos batuques de terreiro é, ainda hoje, a crônica social. É o caso das modalidades poéticas ditas de visaria ou bizarria, praticadas nos Jongos e Candombes, assim como das modas de Batuque de Umbigada do Oeste paulista. Suas canções tecem comentários sérios ou jocosos acerca de eventos presentes e passados das comunidades, bem como de seus personagens conhecidos de todos. Reafirmam-se assim de jongo atuais (“na ingoma”). Pois teme não encontrar interlocutores que possam entender essa arte em toda a sua sutileza (“tenho medo de molhar”). Nico, Piquete-SP, 1996. 53 Candombe dos Arturos, Contagem-MG, 1992. 54 João Lopes, Candombe da Irmandade do Rosário de Jatobá, Belo Horizonte-MG, 1993. 25 valores morais, éticos e religiosos, inserindo-se a crônica cantada nos mecanismos de controle social do grupo. Sendo o batuque um “território livre” onde o indivíduo fala à comunidade e da comunidade, seus pontos e modas têm sido desde sempre o veículo ideal da crítica social e política. Os Batuques de Umbigada das cidades de Tietê, Piracicaba e Capivari realizam-se atualmente em clubes ou salões paroquiais de negros (assim como os bailes black), criando-se portanto uma atmosfera propícia ao libelo anti-racista. O baile negro intra-muros, privado, contribui para trazer a linguagem poética das modas a um plano menos conotativo. O inconformismo com a desigualdade social que reserva ao negro a posição histórica de trabalhador subalterno e alienado, massacrado pela faina diária, explode nesta moda de Dadá de Piracicaba: Trabalhá, eu não, eu não/trabalho, não tenho nada/só tenho calo na mão/o meu patrão ficou rico/e nóis fiquemo na mão” O tema da discriminação racial é abordado com frequência. O jongueiro Gil de Piquete- SP, serve-se da imagem do burro de carga, antiga metáfora do negro utilizada pelas comunidades do tambor do Sudeste, para mostrar com fina ironia que o preconceito racial é como um dogma ensinado desde cedo às crianças: “Minha mãe me pôs na escola/pra aprendê o ABC/a professora ensinô/que o burro não sabe lê”55. De maneira menos velada, a batuqueira capivariense Anecide Toledo denuncia o racismo em sua cidade natal através de uma moda. Foi cantada após o seu filho ter sido discriminado ao procurar emprego como pedreiro numa obra, sendo-lhe atribuído um salário inferior ao do amigo branco que o acompanhava: 55 A cada repetição da frase do coro (“o burro não sabe lê”) Gil acrescenta : “eu quero burro deputado/eu quero burro estadual/eu quero burro federal/ eu quero burro em toda parte”. Gil, Piquete-SP, 1996. 26 “Nasci em Capivari/gosto muito da minha terra/São João que me perdoe/do que eu vou falar qui/precisa acabá o racismo/dentro de Capivari” Outra moda célebre de Anecide comenta a precária condição social dos negros em sua região, que segundo ela parece pior atualmente do que nos tempos da escravidão, quando pelo menos eles tinham garantidas a alimentação e a moradia. Foi cantada durante o Batuque do 13 de maio em Piracicaba: “Se Luís Gama fosse vivo/ele chorava com muita razão/porque foi ele que votou pra liberdade/mas tem negro na cidade/que inda chora a escravidão”. O orgulho da raça é objeto dos belos versos da mesma Anecide, a grande dama do Batuque de Capivari: “Namoro com uma moça/não é branca, não é feia/lenço branco na cabeça/uma argola na oreia/à meia-noite brinco dela relampeia” A namorada é bela , e nem por isso precisa ser buscada entre as brancas, como fazem alguns afro-descendentes visando adquirir status social. Vestida à maneira de sua gente , a moça carrega a força espiritual das iabás africanas, expressa na belíssima imagem do brinco que relampeia à meia-noite, hora grande. O desafio constitui a forma suprema de afirmação do poder do negro, numa inversão simbólica da correlação de forças: desde os tempos da escravidão, desprovido de bens materiais, ele foi capaz de triunfar sobre seus supostos dominadores pela força da espiritualidade e da arte. Foi assim que Nossa Senhora do Rosário saiu das águas atraída pela força dos tambores dos escravos, após as vãs tentativas dos brancos: 27 “Por isso é que nós bate o Candome, brincano, igual desafio. Porque o branco desafia o negro e parece que ele ganha. Mas ganha é cá os nego véio. Igual com Nossa Senhora...quem ganhô ? Candome é um desafio, uma brincadeira de gente forte, que põe ponto lembrano os passado.”56 No universo do sagrado, o controle sobre as forças espirituais coloca os afrodescendentes em posição de vantagem. Pois a cada dia se comprova que a ciência dos dominadores, grande dogma e escudo do mundo civilizado, possue inúmeros desvãos que os tornam vulneráveis: “Branco sabe lê e escrevê/só não sabe do dia de morrê”57 Nas comunidades do tambor, são recorrentes os relatos sobre escravos que conseguem se impor sobre os patrões através de seus conhecimentos tradicionais, não obstante serem analfabetos. No intervalo de um batuque em Tietê, em vésperas da festa de São Benedito, foi cantada a seguinte carreira 58lembrando as façanhas de um africano que se tornou famoso na região: Bomba: "Vô lembrá daquele tempo / do tempo da escravidão/que o nego não sabia lê/ e só sofria judiação /e trabaiava sol a sol/ inda apanhava do patrão " Teotônio: "Mai' no meio de nego burro / tinha um nego que era bão /o sinhô comprô o nego/ eu vô contá que aflição /e Joãozinho vendeu pra Pedro/e vendeu por dois tostão/quando chegô no caminho/olhe lá que confusão/ele pediu o nome do home/ home negô estribo, disse que não/meu nome, meu nome é fogo/ vô dá resposta a sinhô/veja, o seu nome é fogo/ cê vai perdê sua direção/eu sô água que apaga fogo/ onde que o nego é prisão / eu sô água que apaga fogo/ eu não sô nego 56 Sr. Geraldo Arthur Camilo, da Comunidade dos Arturos, Contagem, MG. Gomes & Pereira, 1988, pp. 220-221. 57 Catopê de Milho Verde, em Serro-MG, 1997. 58 As duas modalidades poéticas do Batuque de Umbigada do Oeste paulista são a moda , canção, e a carreira, desafio travado entre batuqueiros enquanto esperam o reaquecimento dos tambores junto à fogueira. 28 turrão/e se ocê batê ni mim/ sua mulhé chora sem razão/porque o negrinho era decente/ e era burro inteligente de nação " Eis como o escravo responde ao senhor : se maltratado, era capaz de transferir a dor do castigo que ele sofria amarrado ao tronco para o corpo da sinhá, na casa grande. Pois ele era "burro inteligente de nação", ou seja, escravo ("burro") africano ("de nação") conhecedor ("inteligente") das mirongas, mistérios que regem as forças da natureza Ele não declara seu nome, segredo : é ao mesmo tempo “fogo” e "água que apaga fogo", ou seja, só ele é quem pode desmanchar o que faz. Portanto, o seu novo proprietário só ganharia em tratá-lo bem. A moça branca : Preceito X Preconceito “[...] dança a que chamam batuque[...] se não pode exercitar sem o concurso de bebidas e mulheres prostituídas”59 “Na década de trinta, aparecem, no livro do tombo [da Irmandade de S. Benedito] diversas referências a abusos que alguns reis [congos] cometiam em suas festas, permitindo o consumo exagerado de bebidas alcoólicas e a presença de jongos”60. Quem primeiro me informou acerca dos usos rituais da cachaça no Jongo foi Dona Zé, jongueira sexagenária do Tamandaré : “Passa pinga no tambú, que é o dever. Dá pinga no foguera. Depois, chega lá, sarava lá e, todo mundo vai lá, saravá o tambur e depois começa o Jongo". Freqüentando posteriormente outras comunidades do tambor, notei que as abluções dos intrumentos com cachaça são uma constante em todas elas : uns 59 Edital de Caetano Miguel de Moura, juiz ordinário do Arraial de Minas do Paracatu, 1763. Tinhorão, 1988. 60 Murade, 1993, p. 6. 29 dizem que é para o couro “abrir a voz”, outros, para acalmar as almas que se encontram ao pé do instrumento: “A pinga que se passa no tambú, já faz parte realmente, porque a gente tá dando pinga não pro couro, mas para o espírito que tá ali”(Totonho, Guaratinguetá,1999). Os tocadores ungem também as mãos com a bebida, e servem-se de um gole. Estabelece-se assim, através da cachaça ritualizada, a comunhão entre tocador, seu instrumento e os antepassados. Entre os dançadores do Candombe mineiro, quase todos eles congadeiros ligados às Irmandades do Rosário, o uso ritual da pinga já está expresso no mito fundante da saída de Nossa Senhora do Rosário das águas do mar : “"...e tornaram [os negros] batê com os tambor deles, aí tirô ela [NS do Rosário] pra fora do mar. Então tirô ela, e no meio deles tinha um preto véio cambeta. Cambeta qué dizê uma pessoa... Esses nego antigo, que vão ficando véio e entortando tudo. Então tinha um cambeta lá atrás, e ele ficô sem jeito...Queria agradá ela, mais num tinha com quê agradá. Naquele tempo, o agrado melhó que tinha, que eles carregavam, era uma pinguinha. Numa cabacinha. Então eles, o neguinho andava c'uma cabacinhazinha amarrada de cipó, ofereceu pra Nossa Senhora. Ela falô : 'Não, eu num tomo... Mais guarda, que servirá de remédio pra vocês mesmo.' Então nós temo... Nós carregamos dentro de um chifre. Tá lá dentro. Num sai sem ele de jeito nenhum. Porque isso aí envém de tradição e nós não podemo dexá a tradição não...”61 A importância ritual da pinga é tal que há uma categoria funcional de pontos de Jongo e de Candombe especialmente dedicada à bebida, cantados no momento em que a cabacinha passa de mão em mão, para o golo coletivo do remedinho. Alguns exemplos: “Bombeiro da bomba/me dá um copo d’água/que a sede me tomba”. (Jongo de Santa Isabel do Rio Preto, RJ); “A cachaça é moça branca/filha de homem trigueiro/quem tomar amor por ela/nunca mais junta dinheiro“(Candombe de Justinópolis-MG); “Que abelha tão brava/que mel tão doce” (Candombe de Mocambeiro, MG). 61 Capitão Zezé, Irmandade do Rosário de Justinópolis, Ribeirão das Neves-MG, 1996. 30 A garrafa é mantida junto aos tambores e dela se servem todos, não se aceitando bebida vinda de fora. Pois são vários os relatos dos efeitos nefastos da pinga temperada - com palavras, rezas - que por vezes circula na roda oferecida por gente de más intenções. No ano de 1993, fui a Cunha pela época de São Pedro à procura do Jongo, que só conhecia através dos escritos de folcloristas como Alceu Maynard de Araújo. Inexperiente que era, dirigi-me a um Museu Municipal, onde fui informado que a dança não mais existia na cidade. Diante da minha insistência, o responsável pelo lugar disse que, sim, havia um bando de “cachaceiros”, mas o que faziam era um “barulho”, não o “verdadeiro” Jongo. Inspirado pela palavra cachaceiros, entrei no boteco mais antigo que encontrei, nas proximidades do Mercado Municipal, e lá comentou-se sobre a realização de um Jongo naquela mesma noite na Várzea do Gouveia. A função durou até quase o amanhecer, e deixou-me perplexo pela multidão de participantes, pelo grande número de jongueiros que improvisavam seus pontos na roda e, também , pelo hermetismo de suas cantorias... Um Jongo em plena vitalidade, negado aos visitantes pelas vias oficiais de informação, sendo seus protagonistas reduzidos a “cachaceiros”! Bebida havia, claro, como em toda festa que se preze. E mais quilômetros de poesia e séculos história na boca daqueles matutos. Perseguindo outros batuques do Sudeste, aquele modelo de aproximação passava a exibir algumas constâncias : ou as manifestações que eu buscava eram absolutamente desconhecidas, não só dos organismos públicos de cultura quanto da própria população das cidades ou então esforços eram feitos em me dissuadir da empreitada, sob a alegação de que o grupo que eu procurava se encontrava à mercê do alcoolismo. Percebi mais tarde que a intenção era escamotear, esconder dos visitantes as tradições musicais e coreográficas da população negra da cidade que transitam fora da esfera do socialmente aceito - samba, pagode - ou daquilo que conta eventualmente com o beneplácito da igreja católica - congadas, folias. Interessa, pois, às classes médias brancas católicas (e, atualmente, também as evangélicas) do interior, em nome da boa imagem de suas cidades, que os batuques permaneçam enguetados nos morros, nas baixadas e periferias favelizadas, longe dos olhos e ouvidos dos forasteiros. Para isso tem contribuido decisivamente a aversão histórica da igreja católica, sob cuja esfera de influência 31 colocam-se as instâncias mantenedoras da ordem pública, aos batuques de terreiro, tidos como focos de paganismo, desordem e abusos morais de toda ordem. No Ensaio “Opinião e Classes Sociais em Tietê”, Antônio Cândido analisa o impacto causado pela realização de um Batuque de Umbigada na cidade de Tietê em 1943, organizado especialmente pela Prefeitura local para uma comissão da Cadeira de Sociologia da USP composta pelo Prof. Roger Bastide e seus alunos, entre os quais o autor. Sendo a primeira vez que esta dança dos negros tinha lugar em pleno centro da cidade, com anuência e mesmo com a presença das autoridades e de grande número de moradores, o evento suscitou diferentes comentários de acordo com a camada social entrevistada. Os resultados mostram que o maior opositor à realização do Batuque foi o vigário local; segundo ele “as danças de negro estavam caindo no esquecimento” e a “curiosidade malsã” dos pesquisadores “poderia despertar a sua vitalidade adormecida”, acrescentando que “um batuque discreto, de pretos adultos sem alarde, fora da cidade”, apenas para o grupo de pesquisadores, “não teria sido maléfico nem lhe despertaria reprovação”. Também entre a classe média em ascenção foi grande o índice de rejeição; a aristocracia rural mostrou-se indiferente, e os maiores incentivadores do evento foram as classes baixas e os intelectuais. Sacralizada nas comunidades do tambor e respeitada por ter sido o único lenitivo que ajudou o povo negro a suportar a brutalidade do escravismo, a cachaça tem servido ao longo dos séculos às classes dominantes brancas como uma das principais provas de acusação contra as danças afro-descendentes de terreiro, a justificar o exercício da exclusão social racista; vejam-se as citações em epígrafe e outros excertos da crônica reproduzidos no início deste ensaio. O mais perverso é que os próprios acusadores se encarregaram historicamente de fornecer a bebida aos negros, na intenção de aliciá-los. E até hoje a moça branca tem sido a companheira, na falta de outras e melhores amizades, dos milhões de brasileiros que se encontram privados de condições dignas de existência. Porém dela se fazem usos e abusos : na boca de preto é remédio, na boca de branco é veneno... Um ponto sem desate 32 A dança veio da roça mas hoje acontece, nos dias dos santos juninos, numa quina de terreno encostada na Via Dutra, no periférico bairro do Tamandaré, em GuaratinguetáSP. A festa atrai uma pequena multidão. Mas nem sempre foi assim. Nos seus tempos de menina, lembra-se a Dona Zé, mulheres e crianças não podiam participar do Jongo, por causa dos duelos de jongueiros cumba, feiticeiros da palavra. Eles se derrubavam uns aos outros com a força mística de seus pontos. Na face tosca das palavras é que os cativos de outrora dissimulavam mensagens, louvavam ancestrais e endereçavam demandas encantatórias. Na roda do jongo, eles diziam “o que tinha de ser dito, pela canção”. A vida desses camponeses negros mudou, é claro, com a vinda para a cidade. Mudou, mas não em essência : passados de escravos a empregados rurais, são hoje proletários e subproletários da rica Guaratinguetá. Uma vida dedicada ao trabalho, e ainda sem direito às benesses da modernidade. Uma história de marginalização. Mas as cozinheiras, os vigias, os biscateiros, um batalhão de desempregados, chegam para dançar, durante um mês por ano, a dança que lhes dá nome e endereço: cidadãosjongueiros do Tamandaré, filhos e netos de jongueiros. Mulheres e crianças inclusive: como dizem, “o Jongo hoje é um clube”. Esses mesmos jongueiros que batem cabeça para os seus Guias nas giras de sextafeira à noite, e no Carnaval, são os bambas do Bloco da Raça e das duas Escolas de Samba do bairro. Samba e Umbanda, expressões negras que brotaram do tronco ancestral do Jongo e hoje realimentam sua poética. E no terreiro em que dançaram seus avós, os jongueiros do Tamandaré vêm celebrar a continuidade histórica de que são protagonistas. O Jongo do Tamandaré veio chegando de terreiro em terreiro, ao longo da estrada que leva da roça à cidade, sempre desapropriado pela especulação imobiliária. Veio vindo e parou às margens da grande rodovia. Parou, porque do lado de lá da Dutra, no centro de Guaratinguetá, o único espaço que se abre hoje para o Jongo, dançado há mais de um século pela comunidade, são os trinta minutos regulamentares nas Comemorações do Treze de Maio - junto com Capoeira, Rap e Pagode. Assistido por uma dúzia de pessoas. Agora os jongueiros do Tamandaré parecem estar realmente em apuros, pois acabam de perder o terreninho em que faziam sua festa anual, doado pela Prefeitura a um particular - não obstante as promessas de palanque de criar naquele local a “Praça do 33 Jongo”. O terreiro foi murado e seus portões trancados a cadeado, e lá já despontam as fundações de uma construção. Mestre Totonho, esperto, divisou um terreiro lá em cima do barranco, bom para a dança. Mas e as tias velhinhas, como vão fazer para caminhar até lá ? Esta é a história do Jongo e de todos os batuques hoje perdidos nas favelas e periferias urbanas. História dos banidos da História. E dos velhos cumbas que se vão pra Aruanda sem revelar o desate do seu ponto. Bibliografia ANDRADE, Mário de. Aspectos da Música Brasileira. Belo Horizonte, Vila Rica, 1991. ARAUJO, Alceu Maynard.Folclore Nacional Volume II. São Paulo, Melhoramentos, 1964. BASTIDE, Roger. Sociologia do Folclore Brasileiro. São Paulo, Anhembi, 1959. Las Américas Negras.. Madrid, Alianza Editorial, 1969. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo, Pioneira, 1989. CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. Rio de Janeiro, Conquista, 1974. FERRETTI, Sérgio F. et alii. Tambor de Crioula, Ritual e Espetáculo. São Luís, Comissão Maranhense de Folclore, 1995. GOMES, Núbia Pereira de Magalhães e PEREIRA, Edimilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras : os Arturos. Juiz de Fora, Minc/EDUFJF, 1988. GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo, Atica, 1980. 34 HAMPATE-BA, Amadou. "A Tradição Viva", apud História Geral da Africa, vol. I, cap. 8. São Paulo, Atica, 1982. KAGAME, Alexis. 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