INFECÇÃO EM NEUROCIRURGIA - Hospital Federal de Bonsucesso

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INFECÇÃO EM NEUROCIRURGIA - Hospital Federal de Bonsucesso
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MINISTÉRIO DA SAÚDE
HOSPITAL FEDERAL DE BONSUCESSO
COMISSÃO DE CONTROLE DE INFECÇÃO
HOSPITALAR
18/02/2010 - ROTINA H 2
INFECÇÃO EM NEUROCIRURGIA - PROFILAXIA
INTRODUÇÃO:
Infecção hospitalar em neurocirurgia, em geral, é relativamente pouco freqüente,
quando comparado com outras causas de infecção hospitalar. Porém, é uma categoria
importante pela sua gravidade clínica, freqüentemente associada a pior prognóstico, alta
letalidade e grande número de sequelas entre os sobreviventes. Variam de infecção
superficial da ferida cirúrgica à infecção de “shunt” e abscesso intra-parenquimatoso.
Existe muita controvérsia quanto à profilaxia efetiva e manejo dessas infecções.
Em neurocirurgia, a maioria das cirurgias é considerada limpa, exceto pela
cirurgia por via transfenoidal, considerada potencialmente contaminada e craniotomia
por trauma crânio encefálico aberto, considerada cirurgia contaminada.
Uma variedade de dispositivos protéticos pode ser internalizada para uso crônico
ou externalizados para uso em situações agudas. Dispositivos internalizados: “shunts”
ventriculo-peritoneal, ventriculo-atrial, lombo-peritoneal e reservatórios (lombar,
ventricular). Dispositivos externalizados para facilitar a drenagem (ventriculostomia,
“shunt” externo) ou para medir a pressão intracraniana (medidor intraventricular,
epidural ou subdural, parenquimatoso, conectado a um transdutor). Outras cirurgias com
colocação de implantes: cirurgias de coluna com fixadores e cranioplastia. Infecção dos
dispositivos temporários são quase sempre nosocomiais.
Na definição do CDC, infecção de implantes é nosocomial se acontece dentro do
primeiro ano do procedimento cirúrgico.
INCIDÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO DE INFECÇÃO NEUROCIRÚRGICA:
Entre craniotomias e laminectomias a infecção mais comum é a infecção
superficial de ferida cirúrgica (NIIS 2004). Meningite é a segunda infecção mais
freqüente após craniotomia e a mais comum após shunt ventriculares.
Sistema NHSN /2008
craniotomia: 1,6% (varia de 0 a 4,2%)
fusão espinhal: 4 % (varia de 0 a 9,2%)
“shunt” ventricular: 4% (varia de 2 – 5,1%)
ventriculostomia (drenagem externa e monitorização da pressão
intracraneana): 0-11%
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FATORES DE RISCO:
1) Fatores de risco para infecção em neurocirurgia de um modo geral:
Fatores do hospedeiro: idade (mais comum em lactentes e idosos), classificação
ASA (risco cirúrgico, > 3), diabetes mellitus (glicemia >200mg%), estado nutricional
(desnutrição retarda cicatrização e imunodepressão secundária), presença de outra
infecção à distância no momento da cirurgia (aumenta em 6 vezes a chance de infecção)
e tempo de internação pré-operatória (colonização pela microbiota hospitalar, fator de
gravidade da doença de base).
Fatores cirúrgicos: se eletiva ou de emergência, técnica de tricotomia, uso de
antibiótico profilático, cirurgião, duração da cirurgia (acima de 4 horas de cirurgia), tipo
de cirurgia, local da cirurgia, e se a luva foi rompida durante o ato cirúrgico.
A presença de fístula liquórica no pós-operatório aumenta em mais de 13 vezes
a chance de infecção.
O uso de antibiótico peri-operatório diminui a taxa de infecção em
aproximadamente 20%.
Três outros fatores foram associados ao aumento do risco de infecção: o acesso
pelo seio paranasal, a colocação de dreno e o implante de corpo estranho.
2) Fatores de risco para infecção em cirurgia de colocação de “shunt” ventricular:
Treinamento do neurocirurgião (mais importante). Os residentes apresentam as
taxas mais altas de infecção.
Não são fatores de risco: tempo de “shunt”, idade do paciente, tempo de cirurgia e
colocação de dreno distal. Existe controvérsia quanto à colocação do shunt
anteriormente ou posteriomente, em relação à taxa de infecção, alguns estudos têm
demonstrado que não há diferença.
3) Fatores de risco em monitorização da pressão intra-craneana:
a) tipo de monitor usado:
parafuso subaracnóideo (7,5%)
“cup” cateter subdural (14,9%)
cateter de ventriculostomia (21,9%)
cateter intra-parenquimatoso de fibra ótica (Sistema Camino- 2,5%)
b) trauma aberto
c) hemorragia intracerebral
d) irrigação do cateter (bacitracina)
e) duração da monitorização maior que 4 dias
No Estudo de Mayhall et al. (apud Lew, 1999), em ventriculostomia, os fatores de
risco foram: hemorragia intracerebral com hemorragia intraventricular, pressão
intracraniana maior ou igual a 20 mm Hg, cateterização ventricular por mais que 5 dias
e irrigação do sistema. O uso de oxacilina profilático não reduziu significativamente o
risco de infeção. Fatores de risco para ventriculite foram: sepse, pneumonia, fratura de
cranio com depressão requerendo cirurgia, craniotomia, hemorragia intraventricular.
Para redução do risco de infecção relacionada à PIC é recomendado que a inserção seja
com técnica asséptica, a remoção seja logo que possível, preferencialmente até o 5º dia
e que seja mantido em sistema fechado.
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FONTE DE INFECÇÃO:
1) Infecção não relacionada à cirurgia:
a) oriundo da flora normal do indivíduo: Streptococcus pneumoniae
b) oriundo de via exógena: solução ou dispositivo contaminado (utilização crônica):
bacilos gram -negativos
Vias de infecção: Disseminação hematogênica
Foco contígüo (ex: sinusite)
Inoculação direta: punção lombar, acesso ao
reservatório de Ommaya (mãos do profissonal, pó da
luva)
2) Infecção relacionada à cirurgia:
a) Inoculação direta: da flora residual da pele do paciente ou de disseminação de foco
contíguo infectado, das mãos do profissional por quebra da luva, raramente solução,
dispositivo, instrumentação cirúrgica contaminada ou roupa cirúrgica contaminada
b) Contaminação pelo ar, durante cirurgia, oriunda do paciente ou dos profissionais de
saúde, na sala cirúrgica.
c) Disseminação hematogênica de infecção remota (raramente).
d) Epidemias de infecção neurocirúrgica são raras, quando acontecem são em neonatos.
ETIOLOGIA DAS INFECÇÕES DO SNC NOSOCOMIAIS
Staphylococcus coagulase negativo (S. epidermidis e outros 31%), S. aureus (11%),
gram positivos outros (18%), (Streptococcus do grupo viridans, S. pyogenes,
corinebactérias, propionibactérias), Haemophylus influenzae, gram negativos entéricos
(Escherichia coli, Klebsiella spp. e outros - 27%), fungos (4%).
S. coagulase negativo, S. aureus e bacilo aeróbico gram-negativo são os germes mais
freqüentes (70% das infecções coletadas pelo NNISS, de 1986 a 1992).
Abscesso espinhal raramente é causado por gram-negativo.
Infecção por gram negativo ocorre mais em “shunts” ventriculo-ureteral ou lomboureteral.
As recomendações em neurocirurgia são as mesmas para qualquer tipo de
intervenção
Swab de ferida cirúrgica não tem valor na determinação do agente etiológico da
infecção.
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PREVENÇÃO:
a) Recomendações em cirurgia de um modo geral:
Identificar e tratar todas as infecções remotas em cirurgias eletivas
Evitar tricotomia, quando necessária deve ser feita com barbeador elétrico e não
com lâmina. A tricotomia deve ser feita imediatamente antes (1 hora) da
operação.
O paciente deve tomar banho com um agente anti-séptico (Clorexidina sabão), ao
menos na noite anterior ao dia de cirurgia. Os cabelos devem ser lavados com
shampoo e clorhexedina nas 24 horas anteriores.
Lave e limpe a pele no local cirúrgico para remover a contaminação grosseira,
antes de realizar a anti-sepsia propriamente dita por aproximadamente 10
minutos.
Use um agente anti-séptico na preparação da pele (PVP-I, clorexidina) em
círculos do centro para a periferia.
A anti-sepsia da pele deve ser extensa o suficiente para permitir a colocação de
dreno ou estender a incisão.
O tempo de internação pré-operatória deve ser o mínimo necessário.
Uso do propé deve ser restrito ao Centro Cirúrgico.
Lave as mãos num mínimo de 2 a 5 minutos, usando um anti-séptico apropriado
(Povidine, clorexidina). Seque as mãos com toalha estéril.
Limpe embaixo das unhas, antes da primeira lavagem das mãos do dia.
Mantenha a porta da sala cirúrgica fechada, exceto para passagem de
equipamentos e pessoal.
Não leve objetos pessoais (pastas, bolsas) para dentro da sala cirúrgica.
Limite o número de pessoas na sala cirúrgica ao mínimo necessário.
Use máscara cirúrgica que cubra completamente a boca e o nariz ao entrar em
sala cirúrgica e durante toda a cirurgia.
Prepare os equipamentos e soluções estéreis imediatamente antes do uso.
Se drenos são necessários, use-os com sistema fechado.
Retire os drenos tão logo possa.
Lave as mãos antes e após o contato com os curativos.
Use técnica estéril para trocar os curativos.
b) Recomendações para prevenção de infecção em craniotomia:
Em cirurgias limpas a opção é a cefazolina 2g EV 1 hora antes (indução
anestésica) com repique a cada 4 horas durante o ato cirúrgico e cada 8 horas por
3 doses. Em casos de alergia vancomicina 1 dose
Para procedimentos de alto risco como re-exploração e cirurgia contaminada
(lesão de seios da face ou nasofaringe), usar clindamicina 900 mg EV no ato
anestésico ou amoxacilina com clavulanato.
Não fazer irrigação com bacitracina
c) Recomendações para prevenção de infecção em colocação de shunt:
Limitar o tráfico de profissionais de saúde na sala cirúrgica e aderir as
recomendações de paramentação do time cirúrgico, cobrindo toda a pele.
Ao colher material da válvula do shunt ou reservatório fazer a limpeza local com
PVP-I ou álcool 70% para evitar contaminação durante a punção.
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Antibióticos podem reduzir o risco de infecção em 48%. Antibiótico que atue
contra S. epidermidis e S. aureus deve ser utilizado.
Protocolo: Cuidadosa avaliação do paciente no pré-operatório, quanto a condição
médica e integridade da pele e extensão da tricotomia. No centro cirúrgico as
colocações de “shunt” devem ser feitas no início do dia, antes de qualquer outra
neurocirurgia. Os neonatos devem ser operados primeiramente em relação os com mais
idade e não mais que 4 shunts devem ser colocados por dia. O tempo de cirurgia deve
ser de 20 a 40 minutos e poucas pessoas devem estar na sala cirúrgica. O cirurgião deve
ser experiente em colocação de shunt. O material do shunt só deve ser aberto no último
momento e a válvula não deve ser testada. Manipule o shunt com instrumentos e não
com as mãos, use pinças (Lew, 1999). Recomendam-se apenas duas incisões e sutura de
qualidade.
Este protocolo em última análise recomenda: reduzir o tempo de cirurgia, reduzir o
tráfico e presença de “staff” na sala cirúrgica e reduzir a manipulação do dispositivo, na
prevenção de infecção.
Procedimento
Pós
operatório
Duração
sem Cefazolina 1- 1 g 4/4 horas
de 2g EV
1g 8/8 horas
Intra-operatório
Craniotomia
com Cefazolina 1- 1g 4/4 horas
colocação de corpo 2g EV
estranho
1g 8/8 horas
Manter 24 horas
Cirurgias com acesso Clindamicina
transesfenoidal
600 mg EV
Não indicado
Dose única
1g 8/8 horas
Manter 24 horas
Craniotomia
implantação
prótese
Antibiótico
Intra
operatório
Não indicado
Laminectomia
e Cefazolina 1- 1g 4/4 horas
demais cirurgias de 2g
coluna
Fístula liquórica
Cefuroxima
1,5g EV
750 mg
horas
4/4 750 mg
horas
8/8
5 dias
Fístulas> 5 dias de
duração, não está
indicada
a
manutenção
de
antibiótico
OBS: : Alérgicos a betalactâmicos usar vancomicina 1g EV de 12/12 horas
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REFERÊNCIAS:
Edwards, JR et al. National Health Safety Network (NHSN) Report, data summary
for 2006 through 2007, issued November 2008. Am J Infect Control 2008;36:609-26
Gantz, N.M. & Tkatch, L.S. Nosocomial Central Nervous System Infections. In:
Mayhall, C.G. Hospital Epidemiology and Infection Control, 2 ed., Philadelphia:
Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 301-324
Kernodle, D.S. & Kaiser, A.B. Surgical and trauma related infections: Posoperative
infections and antimicrobial prophylaxis. In: Mandell, G.L.; Bennett, J.E. & Dolin, R.
Principles and Practice of Infectious Diseases, 5 ed., Philadelphia: Churchill
Livingstone, , 2000, p. 3177-3191.
Lew, D.P.; Pittet, D. & Waldvogel, F.A. Infections that complicate the insertion of
prosthetic devices. In: Mayhall, C.G. Hospital Epidemiology and Infection Control,
2 ed., Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 937-958.
Couto, R.C. et al. Infecção Hospitalar e Outras Complicações Não-Infecciosas da
Doença, 4.ed., 2009, p. 457-472.