Ensino Médio: entre jovens e estudantes

Transcrição

Ensino Médio: entre jovens e estudantes
PGM 1
SUMÁRIO
Proposta pedagógica..........................................................................................3
PGM 1
Juventude: o que é?...................................................................... 13
PGM 2
Juventude, trabalho e educação no Brasil............................ 19
PGM 3
Juventude e sexualidade............................................................ 25
PGM 4
Juventude e culturas de participação..................................... 41
PGM 5
Cultura, escola e identidades juvenis...................................... 48
CONHECIMENTO MATEMÁTICO2
PROPOSTA PEDAGÓGICA
Paulo Carrano 1
CONCEITUAÇÃO E JUSTIFICATIVA
“Quem trata com a juventude deve aprender a ser jovem”
(Cecília Meireles).
É cada vez mais presente no Brasil a percepção
de instituições, investigadores sociais e
educadores sobre a necessidade de se pensar
criticamente a relação pessoal e coletiva entre
os jovens alunos e suas escolas. No cotidiano
das escolas, e também em finais de semana,
se processam práticas educativas – com
distintas conceituações e variados níveis de
institucionalidade – que também estabelecem
tensos diálogos com rígidos espaços e tempos de
administração tradicional do fazer pedagógico
escolar. Essas e outras práticas entre jovens
estudantes e adultos educadores renovam a
convivência e a produção de conhecimentos na
comunidade de aprendizagem social que é a
escola.
Doutor em Educação,
professor da Faculdade
de Educação da Univer­
sidade Federal Flumi­
nense, pesquisador do
CNPq e coordenador
do Observatório Jovem
do Rio de Janeiro/UFF.
Consultor dessa série.
1
A série Ensino Médio: entre jovens e estudantes, que será apre­
sentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 24 a 28 de
maio de 2004, promoverá o debate entre pesquisadores, educa­
dores e jovens, procurando abordar a questão do relacionamento
da juventude com a educação, numa perspectiva de pluralidade,
naquilo que se refere a conceitos, práticas sociais e práticas peda­
gógicas. Para isso, organizamos uma série de cinco programas com
as seguintes temáticas:
CONHECIMENTO MATEMÁTICO3
PROPOSTA PEDAGÓGICA
a)Juventude: o que é?
b)Juventude, trabalho e educação no Brasil
c)Juventude e sexualidade
d)Juventude e culturas de participação
e) Cultura, escola e identidades juvenis
Sem dúvida, a complexidade da relação entre jovens e escolas nos permitiria
pensar em outras entradas possíveis para a abordagem do tema. A configuração
final do programa nos pareceu, contudo, bastante adequada para provocar diálogos
criativos e, esperamos, práticas transformadoras nos cotidianos escolares naquilo
que se refere à compreensão necessária de educadores sobre a pluralidade exis­
tencial que caracteriza o ser jovem e estudante. Aliás, esse é um dos núcleos signi­
ficativos da série proposta, ou seja, contribuir para que nossos olhares e sentidos
educacionais se voltem também para o (re)conhecimento de que nossos “alunos” e
“alunas” são sujeitos culturais de múltiplas vivências e sobrevivências para além dos
tempos e espaços escolares. Para isso, procurou-se trazer para a arena do debate
conceitos, dados de pesquisas, imagens, sons, experiências pedagógicas e culturais,
narrativas de jovens e de educadores e indicadores sociais que pudessem compor
um mosaico expressivo da realidade, nem sempre evidente para o denominado
“mundo adulto”, de que estudantes vivenciam diversas e desiguais condições da
vivência do tempo da juventude. Tempo esse que não pode ser reduzido apenas
à idéia de transição, em geral concebida como momento de imaturidade e crise,
frente a um ideal de maturidade positiva situada nas “idades adultas”.
A série tem como objetivos ampliar conhecimentos docentes sobre o tema
juventude, pro­vocar o diálogo entre pesquisadores, educadores e jovens em torno
de conceitos e (pre)conceitos relacionados com a juventude, favorecer a compreen­
são acerca das diferenças e desigualdades da realidade do jovem no Brasil e no
mundo e democratizar informações sobre estudos, pesquisas e práticas inovadoras
relacionadas com a temática da juventude.
É (senso) comum que ao anunciarmos um debate sobre a juventude, as ex­
pectativas recaiam sobre determinados “problemas da juventude ”, tais como a
“violência juvenil ”. Muitas vezes essas expectativas se apresentam com forte carga
de (pre)conceitos e generalizações que estigmatizam os jovens, principalmente
aqueles dos setores populares. As pesquisas têm demonstrado que muito daquilo
que se convencionou chamar de violência escolar promovida por jovens é, em
grande medida, resultante da ausência de regras de convivência democrática nas
instituições e também de dificuldades que os adultos têm na compreensão das
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PROPOSTA PEDAGÓGICA
diferentes linguagens, valores e práticas culturais dos jovens
Sem desconsiderar a ocorrência de problemas envolvendo
jovens em nossas escolas e em outros espaços sociais, procurou-se
não organizar o debate em torno de “problemas ”, mas através de
temas que nos auxiliem na formulação de uma visão abrangente
sobre a juventude e em torno de problemáticas e estratégias de in­
tervenção educativa numa perspectiva de pluralidade democrática
no diálogo com os jovens estudantes.
O estudo Juventude e
Es­c o­l arização (19801998), coordenado
por Sposito (2002),
avaliou a presença do
tema juventude na
produção discente na
pós- graduação em
Educação e Ciências So­
ciais no Brasil. A base de
dados de 387 trabalhos
(4,4%) foi selecionada
de um total de 8.867
teses e dissertações.
Em linhas gerais, a cate­
goria aluno dá a tônica
da grande maioria dos
trabalhos. A partir de
1995 temas como mí­
dia, grupos juvenis e
violência alargaram o
espectro so­ciocultural
da produção.
2
Desse ponto de vista, a realização de um programa televisivo
destinado aos educadores que lidam cotidianamente com os jovens
é não apenas oportuna como estrategicamente ne­cessária para a
constituição de relacionamentos entre jovens e adultos adequados
aos princípios de qualidade institucional e convivência democráti­
ca que almejamos para nossas escolas e o conjunto da sociedade
brasileira. No campo da produção acadêmica na pós-graduação
em educação há sinais de um progressivo aumento da pesquisa
em torno de temas considerados emergentes. Muitos desses temas
elaboram objetos de investigação que procuram enxergar o jovem
educando em perspectivas mais alargadas que a do simples sujeito
institucional que se evidencia na categoria aluno2. A participação
conjunta de especialistas acadêmicos, professores de escolas e tam­
bém de jovens na série proposta tem como perspectiva a criação de
um campo de diálogo entre distintos lugares sociais, geográficos,
e os saberes e práticas sociais em torno da problemática da educa­
ção da juventude. Ainda que o contexto imediato de interlocução
seja o cotidiano escolar, pretende-se que os debates tenham o
largo alcance de trazer para a cena o complexo de fatores sociais,
econômicos e culturais envolvidos na experiência de ser jovem e
estudante no Brasil.
Ementas dos Programas
PGM 1: Juventude: o que é?
O programa terá como objetivo alargar a compreensão
do público sobre as várias dimensões presentes no tema
da juventude. Será examinada a diversidade dos modos
de vida dos jovens, decorrente não só das diferenças so­
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PROPOSTA PEDAGÓGICA
ciais, mas das especificidades dos sexos e das relações de gênero, das
etnias, das diferenças de modos de vida - cidade e campo - de hábitos
de lazer, de cultura, de modos de vida, entre outros aspectos. As relações
dos jovens com as gerações adultas são marcadas tanto por situações
de conflito como de solidariedade e se expressam na vida das institui­
ções como família, escola, religiões, mídia e mundo do trabalho, entre
outras. Finalmente, será considerada a dimensão da juventude como
ator social, ou seja, sua capacidade de agir, participar e interferir com
autonomia no espaço público, constituindo um segmento relevante
para a construção da democracia no mundo atual.
PGM 2: Juventude, trabalho e educação no Brasil
Não é por acaso que o tema “juventude, trabalho e educação” assume
uma preocupação específica no âmbito das políticas do Estado brasileiro.
Toma cada dia mais espaço na imprensa aquilo que pesquisas sobre o
tema já apontavam há mais tempo: de forma diferente e com conseqü­
ências diversas, uma massa imensa de jovens é mutilada no seu direito
ao futuro. Um cenário que Boaventura Santos (1999) denomina de fas­
cismo societal de insegurança. Aplica-se para os jovens especialmente,
de forma direta, aquilo que Vitor Frankel, já nos anos 40, denominava de
“vida provisória em suspenso”, ao referir-se à situação dos tuberculosos,
dos que viveram a experiência dos campos de concentração ou de quem
vive em situação de desemprego.
O foco de abordagem se aterá em realçar, primeiramente, a base social,
econômica, cultural e política que torna a perspectiva dos jovens brasi­
leiros do campo e da cidade perversa no âmbito do direito ao trabalho
e educação. Em seguida, e em conseqüência disso, há a necessidade de
romper com mistificações sobre a relação entre trabalho, emprego e
vínculo direto com a escolaridade. Por fim, sinalizar desafios e perspec­
tivas no âmbito das políticas públicas (locais, regionais e nacionais) que
encaminhem para so­luções que transcendam as dimensões focais e de
cunho assis­tencialista. Trata-se de articular e efetivar, ao mesmo tempo,
políticas redistributivas e emancipatórias. No primeiro aspecto, no caso
dos jovens entre 14 e 18 anos, a proposta é de lhes assegurar uma renda
(bolsa) que lhes garanta fre­qüentar o Ensino Médio.
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PROPOSTA PEDAGÓGICA
PGM 3: Juventude e sexualidade
O objetivo deste programa consiste em analisar aspectos da sexualidade
na juventude, em especial, aqueles que podem e devem ser abordados
na escola e em contextos socioeducativos mais amplos como a família e
as comunidades nas quais o jovem se encontra inserido. Neste sentido,
serão considerados temas tais como: transformações do corpo; papéis e
estereótipos de gênero; relacionamentos interpessoais; expressões da se­
xualidade; valores, conflitos e contradições que cursam com a juventude.
PGM 4: Juventude e culturas de participação
No programa Juventude e culturas de participação serão discutidos
processos sociais de participação social, política e cultural dos jovens
na sociedade contemporânea. Serão apresentados conceitos e estudos
que indicam que mesmo que nas décadas de 80 e 90 a política tenha
ocupado um papel secundário na valoração e nas ações coletivas da
grande maioria dos jovens brasileiros, novas e criativas formas de par­
ticipação social e cultural caracterizaram a presença da juventude na
arena pública. O programa pretende demonstrar que a tendência de
afastamento das formas tradicionais de socialização política é exten­
siva ao conjunto da sociedade, não se tratando de um traço típico dos
jovens de hoje. Da mesma forma se procurará evidenciar que a baixa
participação em atividades estritamente políticas, especialmente no
caso dos jovens brasileiros nos anos 90, foi acompanhada de ações de
expressivos contingentes que conhecem e acompanham as atividades
de outros jovens e/ou se auto-organizam em grupos, principalmente
os ligados a atividades de cultura e lazer. Será dado destaque à impor­
tância da criação de culturas escolares participativas como expressão
da incorporação cidadã dos jovens alunos na gestão e na vida demo­
crática das escolas.
PGM 5:Cultura, escola e identidades juvenis
O programa buscará abordar a Juventude e seus contextos de diversi­
dade cultural: processos e espaços de construção social dos jovens na
sociedade contemporânea. A relação da juventude com os processos
sociais e culturais de produção de identidades: os diferentes modos de
ser jovem na sociedade brasileira. A juventude e a escola: os desafios
e os impasses na educação da juventude. A juventude e a cultura: os
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PROPOSTA PEDAGÓGICA
múltiplos sentidos das linguagens culturais na formação dos jovens.
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ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES
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ENSINO MÉDIO: ENTRE JOVENS E ESTUDANTES
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PGM 1
PGM 1
Juventude:
o que é?
Marilia Pontes
Sposito*
APONTAMENTOS PARA DISCUSSÃO SOBRE A
CONDIÇÃO JUVENIL NO BRASIL
Este texto não pretende traçar um retrato
exaustivo da situação dos jovens brasileiros,
tendo em vista o conjunto de desafios
enfrentados pela sociedade atual para
oferecer aos jovens novas alternativas de
desenvolvimento econômico-social e espaços
realmente democráticos que atendam às suas
necessidades, consagrem direitos e possibilitem
a convivência das diferenças, sem acentuar
as desigualdades. Sua meta é oferecer alguns
subsídios para a análise do tema juventude.
* Professora titular de
Sociologia da Educa­
ção da Faculdade de
Educação da USP e
membro da diretoria
da Ação Educativa.
Torna-se preciso, de modo preliminar, reconhecer o debate e
algumas das imprecisões que permeiam a própria definição do que
pode ser considerado juventude. Não se trata de percorrer todos
os temas subjacentes à discussão a respeito dessa fase de vida. Tem
sido recorrente a importância de se tomar a idéia de juventude em
seu plural – juventudes – em virtude da diversidade de situações
existenciais que afetam os indivíduos nessa etapa do ciclo de vida.
No entanto, parte desta imprecisão parece decorrer da superposição
indevida entre fase de vida e sujeitos concretos, aspectos que, por
exemplo, para os estudiosos da infância, não se superpõem, como
afirma Attias-Donfut (1996). Juventude e jovens exprimem estatutos
teóricos diferentes, operação ainda não delimitada claramente pelos
atores interessados na juventude, pois superpõe jovens – sujeitos
– e fase de vida – juventude – como categorias semelhantes. Abad
(2002) propõe, também, uma distinção importante entre a condição
(modo como uma sociedade constitui e significa esse momento do
JUVENTUDE: O QUE É?
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PGM 1
ciclo de vida) e a situação juvenil, que traduz os diferentes percursos que a condição
juvenil experimenta a partir dos mais diversos recortes: classe, gênero e etnia, entre
outros. Assim o mero recorte demográfico – jovem é aquele que está entre 15 e 24
anos – pode ser um marcador inicial, mas extremamente insuficiente para com­
preender todos os aspectos socioculturais presentes nessa etapa do ciclo da vida.
Parte dos conflitos em torno da idéia de juventude decorre do fato de
que essa fase de vida, na sociedade atual, tornou-se também modelo cultural
(Peralva, 1997). Há um modelo idealizado do “ser jovem” que ultrapassa os marcos
do ciclo de vida e invade o mundo: todos querem permanecer jovens. Por essas
razões, muitas vezes, quando falamos de juventude, estamos mais próximos do
modelo cultural e de uma certa representação idealizada desse momento, o que,
paradoxalmente, nos afasta e impede a compreensão dos jovens concretos.
Mas também é preciso compreender que tal categoria – juventude – encerra
intrin­secamente uma tensão que não se resolve: ela é ao mesmo tempo um mo­
mento no ciclo de vida, concebido a partir de seus recortes socioculturais, e um
modo de inserção na estrutura social (Sposito, 1997, 2002; Peralva, 1997; Dubet,
1996; Attias-Donfut, 1996; Galand, 1996; Margulis, 1996; Melucci, 1997). Não se trata
assim de optar por um dos pólos, o que criaria uma falsa oposição: ora privilegiamos
as origens sociais e os limites que a estrutura social impõe aos seus sujeitos, ora
enfatizamos características universais da fase de vida. Assim, ser jovem é viver, ao
mesmo tempo, uma determinada forma de inserção na estrutura da sociedade,
amplamente determinada pelas condições sociais, étnicas, culturais e de gênero,
e um momento do ciclo de vida, marcado por algumas especificidades.
A moderna concepção sobre a juventude, produto de longas transformações
observadas a partir do século XVIII, mas consolidada a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial, incidiu sobre alguns focos: o alongamento da transição entre a
infância e a vida adulta, a escolaridade como etapa intrínseca à condição juvenil,
o retardamento da entrada no mundo do trabalho e o aparecimento de formas
de consumo e de produção cultural típicas desses segmentos. As análises de
Hobsbawn (1989) sobre a revolução cultural na segunda metade do século XX
estão profundamente articuladas ao aparecimento da moderna condição juvenil.
Passerini (1996) situa esse segmento, nos anos 50, como metáfora da mudança
social, uma vez que esse período marcou o nascimento de um mundo adolescente
e juvenil relativamente autônomo, não só na sociedade como no interior da escola.
O alongamento da transição entre a infância e a idade adulta deve ser igual­
mente problematizado, porque se realizou em ritmos e modalidades diversas nas
várias sociedades e, sobretudo, porque tornou imprecisas as marcas que definem
JUVENTUDE: O QUE É?
14
PGM 1
a atual condição adulta por oposição à juvenil, restando sempre
uma insidiosa e difícil questão: quando uma sociedade, em um
determinado momento de sua história social e cultural, considera
que alguém é adulto?
Por essas razões, muitas das pesquisas têm se voltado atualmente
para o tema dos “modos de entrada na vida adulta”, uma vez que
essa passagem não se dá de uma única maneira e em um único
tempo (Galland, 1996; Pais, 1995; Singly, 2000). Recorro apenas a um
exemplo para ilustrar essa situação, inspirando-me em Attias-Donfut
quando examina as diferenças entre o estatuto da autonomia e o da
independência. Antes reunidas – autonomia e independência – pela
conquista do trabalho, hoje se apresentam dissociadas, pois aos
jovens se reconhece cada vez mais a possibilidade da autonomia
em um contexto de dependência econômica que pode se prolon­
gar indefinidamente, tendo em vista as transformações do mundo
do trabalho e a crise da sociedade assalariada e o fenômeno do
desemprego (Attias-Donfut, 2000).
De modo geral, devemos considerar que, nesse momento do
ciclo de vida, os jovens imprimem às suas práticas sentidos diversos
e interagem com um conjunto de instituições onde estabelecem
contatos e significados simbólicos constituídos pelo mundo adulto
na família, na escola e no trabalho. Essas instâncias, consideradas
socializadoras, devem ser submetidas à crítica nas suas relações
com jovens, pois em seu interior se estabelecem entre as gerações –
adultos e jovens – tanto relações de conflito como de solidariedade.
1
O termo educação, no
entanto, recobre um
campo extremamente
vasto e importante
que não se esgota na
escola, pois “os meca­
nismos por meio dos
quais uma sociedade
trans­mite a seus mem­
bros seus saberes, o
saber-fazer e o saber­
-ser que ela estima
como ne­c es­s ários à
sua reprodução, são de
uma infinita variedade”
(Duru-Bellat e Van Zan­
ten, 1992, p. 1).
Assim, ao se examinar, por exemplo, a relação dos jovens com a
escola é importante admitir que a modernidade, ao instituir novas
concepções sobre a infância, a adolescência e a juventude, instituiu,
também, os modos de sua educação para além da família, situando
a escola como uma de suas agências privilegiadas1. Ocorre, para
efeito de maior precisão conceitual, que a instituição escolar, ao ser
socializadora, além de ter por funções a transmissão sistemática de
parcela da cultura humana acumulada e das competências neces­
sárias à sua incorporação, cumpre também outras funções ligadas
ao aprendizado do estar junto e do “viver com”, muitas vezes obs­
curecidas no discurso pedagógico, mas igualmente importantes.
Como afirma Bourdieu, hoje, qualquer esforço de compreensão
JUVENTUDE: O QUE É?
15
PGM 1
do fenômeno da reprodução social compreende a análise dos sistemas escolares,
forma dominante de socialização das novas gerações no século XX. Assim, o modo
de reprodução da sociedade contempla uma dominante escolar (Bourdieu, 1989).
Mas as mutações sociais observadas nas últimas décadas exigem daqueles que se
debruçam sobre os fenômenos da socialização contemporânea e da reprodução
social um olhar ampliado para outros agenciamentos presentes na formação e
no desenvolvimento das novas gerações. Ocorre o reconhecimento da perda do
monopólio cultural da escola, e a educação escolar – apesar de sua especificidade
e importância – tende a se transformar em uma cultura entre outras. Desse modo,
os jovens percorrem vários espaços de trocas sociais para além da escola e esta não
constitui a única possibilidade de sua presença no mundo para além da família.
Duru-Bellat e Agnes Van Zanten evidenciam que a própria condição de aluno
deve ser pensada como algo problemático e não natural no interior da escola: não
se nasce aluno, alguém se torna aluno. Para que tal perspectiva seja considerada
é preciso, ao menos, três pressupostos: a dissociação entre o ensino e a aprendi­
zagem, que faz nascer a noção de trabalho escolar a ser realizado por crianças e
jovens; o reconhecimento de que este trabalho do aluno não se resume à resposta
às exigências explícitas inscritas nos programas e regulamentos oficiais, mas às
expectativas implícitas da instituição e dos professores; finalmente, a necessidade
de reconhecer que o aluno é expressão também de uma forma peculiar de sua
inserção no ciclo de vida – a infância e a juventude – categorias específicas e do­
tadas de uma autonomia relativa na sociedade muitas vezes não reconhecida no
campo educacional (Duru-Bellat e Van Zanten, 1992, p.179).
A importância do trabalho para os jovens da sociedade brasileira sempre se
fez presente, sobretudo como fator de inserção social, pela maior independên­
cia advinda do exercício de uma ocupação, pela possibilidade de construir um
conjunto mais autônomo de experiências e de escolhas em sua trajetória. Para a
ampla maioria, trabalhar significa, inclusive, a possibilidade de construção de uma
carreira escolar, de modo bastante contrastante com a realidade dos jovens euro­
peus, para os quais a vivência estudantil não se articula fortemente com o mundo
do trabalho. Assim, a crise do mundo do trabalho e as dificuldades de emprego
afetam de forma mais intensa a experiência dos jovens no Brasil e devem estar
no campo de debate das políticas públicas destinadas aos jovens. Não se trata,
apenas, de pensar as dificuldades de sua integração no mundo profissional após
o término da escolaridade. Ocorre que o próprio momento do ciclo de vida – a
juventude – se torna mais tenso e cerceado em suas múltiplas possibilidades pela
ausência do trabalho.
JUVENTUDE: O QUE É?
16
PGM 1
Para os jovens, o momento de vida também se caracteriza por uma forte de­
manda de presença em espaços sociais próprios nos grupos de pares, no mundo
do lazer, do consumo e da produção cultural. O campo hoje dos direitos dos jovens
implica o reconhecimento de necessidades mais alargadas que não se resumem
ao acesso à escola e ao mundo do trabalho. As possibilidades de construção de
suas identidades em múltiplos espaços que assegurem experiências e escolhas
diversificadas devem estar presentes nas pressuposições do que se considera
amplamente como o conjunto dos direitos de juventude.
Por essas razões, sobretudo com as rápidas transformações da sociedade
contemporânea, os jovens querem e desejam ser sujeitos de suas próprias vidas,
realizar escolhas e participar dos espaços públicos e coletivos sem a tutela do
mundo adulto. Isso significa que a constituição de arenas democráticas para que
jovens possam viver mais amplamente a juventude implica, em primeiro lugar, o
reconhecimento de que eles podem ser atores, isto é, são capazes de ação e de
tomar decisões responsáveis. Implica, em segundo lugar, a necessidade de um
profundo reexame das relações intergeracionais – entre adultos e jovens – pois,
ao redefinir o próprio campo de conflitos e de solidariedade que marca a pre­
sença dos jovens na sua experiência com as instituições, o mundo adulto precisa
reconstituir o seu lugar na interação com os atores jovens, para além do controle
e subordinação ou da omissão e ausência.
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JUVENTUDE: O QUE É?
18
PGM 2
PGM 2
Juventude,
trabalho e
educação no
Brasil
Gaudêncio
Frigotto 1
Professor Titular Visitante
da Universidade do Es­
tado do Rio de Janeiro.
Membro representante
do Brasil no Conselho Di­
retivo do CLACSO (Con­
selho Latino-americano
de Ciências Sociais) e do
GT Trabalho e Edu­­cação
da Associação Nacio­nal
de Pesquisa e Pós-gra­
duação em Educação
(ANPEd).
2
Como poderá depre­
ender-se da leitura do
texto, o ponto de partida
da análise que empreen­
demos sobre juventu­
de, trabalho e educação
no Brasil é o de situá-la
no âmbito das classes
e frações de classes so­
ciais. Isto não elide e
não inviabiliza que con­
sideremos questões de
gênero e raça. Trata-se
de catego­rizações que,
pelo contrário, ganham
maior densidade ana­
lítica quando relacio­
nadas à classe so­c ial.
Um simples acesso ao
Observatório sobre ju­
ventude, coordenado,
na UFF, pelo prof. Paulo
Carrano, nos dá elemen­
tos valiosos sobre as ju­
ventudes existentes no
Brasil. Há, por outro lado,
pesquisadores que se
ocupam desta discussão.
Ver Sposito (1997, 2001,
JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL:
MISTIFICAÇÕES E DESAFIOS DE UMA RELAÇÃO
COMPLEXA
1
Tomado por diferentes ângulos, o tema de
que nos ocupamos nesta análise é, desde
o início, complexo e controverso. Esta
complexidade e esta controvérsia iniciamse pela dificuldade de ter-se um conceito
unívoco de juventude. Isto tanto por razões
históricas, quanto sociais e culturais.
Por esta razão, é necessário, de imediato,
não tomá-lo de forma rígida. Mais adequado
seria, talvez, falar, como vários autores indicam,
em juventudes, especialmente se tomarmos um
recorte de classe social2. Ao optarmos por
essa compreensão, podemos levar em conta
particularidades e até aspectos singulares, sem
cair numa perspectiva atomizada. Os sujeitos
jovens (ou as juventudes) teimam em ser uma
unidade
dentro do diverso mundo econômico, cultural,
étnico, de gênero, de religião, etc.
Não menos controvertidos e complexos são os temas do tra­
balho e do emprego. Em torno destes temas, há simplificações e
mistificações de toda ordem. A mais elementar é reduzir o trabalho,
de atividade humana vital, forma de o ser humano criar e recriar
JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL
19
PGM 2
2002) e Abramo (1994).
Nos campos da Antro­
pologia, Sociologia e
Psicologia há uma am­
pla gama de pesquisas
que podem subsidiar a
compreensão das vá­
rias juventudes em seu
recorte de classe, etnia,
raça, gênero, etc.
Como ao longo deste
texto utilizaremos os
termos mercado, mer­
cado de trabalho, mer­
cado formal e informal
cabe, de imediato, uma
advertência ao leitor. O
conceito ou noção de
mercado ou mercado
de trabalho é altamen­
te banalizado pela ide­
ologia do liberalismo
econômico. É freqüen­
te ouvirmos ou lermos,
na imprensa, que o
“mercado está nervoso,
tenso ou deprimido”. O
mercado é personifica­
do. Esconde-se que o
mercado de trabalho
resulta de relações so­
ciais, relações de força
e de poder vinculadas
a interesses de grupos
e frações das classes
sociais. A dicotomia
mercado formal e in­
formal, por outro lado,
não permite captar
uma enorme diversi­
dade de estratégias de
sobrevivência dos con­
tingentes excluídos do
trabalho formal. Eco­
nomia popular, econo­
mia de sobrevivência,
economia solidária são
novos conceitos que
buscam expressar essa
complexidade. (Tiriba,
2000).
3
4
Ao definirmos como
foco deste texto os
jovens de classe tra­
balhadora que, carac­
terizados como prove­
seus meios de vida, com emprego, forma específica que assume
dominantemente o trabalho sob o capitalismo: venda e compra de
força de trabalho.
Os jovens a que nos referimos nesta análise têm “rosto
definido”. Per­tencem à classe, ou à fração de classe “filhos de tra­
balhadores assalaria­dos”, ou que produzem a vida de forma por
vezes precária, por conta própria, no campo e na cidade, em regiões
diversas e com particularidades socio­culturais e étnicas. Compõem
este universo aproximadamente seis milhões de crianças e jovens
que têm a inserção precoce no mundo do emprego ou do subem­
prego. Inserção esta que não é uma escolha, mas uma imposição
de sua origem social e do tipo de sociedade que se construiu no
Brasil. Aqui os recortes de classe e de forma, sobrepostos ao de cor
ou, considerado mais adequado, como veremos adiante, de raça,
evidenciam-se sem necessidade de muitas mediações.
Mesmo na delimitação deste universo podemos encontrar
diferentes particularidades. Assim, uma massa enorme de jovens
trabalha com a família em minifúndios ou como arrendatários
ou assalariados do campo. Outros milhares de jovens vivem nas
centenas de acampamentos, de norte a sul, do movimento dos
Sem-Terra. Mas, certamente, o número maior de jovens filhos de
trabalhadores reside em bairros populares ou favelas das médias e
grandes cidades do Brasil.
Todos estes grupos de jovens têm suas especificidades
mas, do ponto de vista psicossocial e cultural, tendem a sofrer
um processo de adultização precoce. A inserção no mercado
formal ou “informal” de trabalho3 é precária em termos de condições
e níveis de remuneração. Uma situação, portanto, muito diversa da
dos jovens de “classe média” ou filhos dos donos de meios de pro­
dução, que estendem a infância e juventude. Nestes casos, a grande
maioria inicia sua inserção no mundo do trabalho após os 25 anos
e em postos de trabalhos ou atividades de melhor remuneração4.
Há, também, um número significativo de jovens das grandes
capitais que foram violentados em seu meio e nas suas condições
de vida, que se enquadram numa situação que, no mundo da física,
se denomina de ponto de não reversibilidade. Trata-se de grupos
de jovens que foram tão desuma­nizados e socialmente violenta­
JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL
20
PGM 2
nientes da classe social
que “vive da venda da
sua força de trabalho”
(Antu­nes, R., 1999), não
esta­m os sinalizando
que os jovens da clas­
se média ou do topo
da pirâmide social não
tenham problemas. A
análise de Píer Pao­lo Pa­
solini, na obra “Jo­vens
infelizes”, nos mostra
que a juventude parece
estar condenada àqui­
lo que é um dos temas
misteriosos do teatro
grego trágico: a pre­
des­tinação dos filhos a
pagar a culpa dos pais.
(...) a nossa culpa de pais
consistiria no seguinte:
em crer que a história
não seja e não possa
ser senão a história da
burguesia ” (Pasoli­n i,
P.P., 1990). Pasolini tem
como contexto de sua
análise o fascismo e
“o poder do consumo,
última das ruí­nas, ruína
das ruínas”. Os jovens
pobres sentem-se “infe­
lizes” por não poderem
fruir as promessas do
consumismo, e os filhos
da burguesia por serem
levados a um estado de
permanente insatisfa­
ção com o que conso­
mem. Tomando-se a
questão do futuro de jo­
vens filhos de pais com
altos salários – gerentes,
executivos de grandes
empresas (funcionários
do capital) – no contex­
to de crise do sistema
capitalista encontramos
problemas que, embo­
ra de outra natureza em
relação aos jovens de
classe trabalhadora, os
tornam “infelizes”. Um
estudo indicativo a esse
respeito é de Célia Fer­
reira Novaes sobre “As
determinações sociais
dos que se tornaram presas fáceis do “mercado da prostituição
infanto-juvenil ou de gangs que nada têm a perder, ou constituem
um exército de soldados do tráfico ”. Com efeito, em pesquisa feita
pela UNESCO sobre o mapa da violência, o Brasil ocupa o 3º lugar
na América Latina. A situação das grandes capitais é dramática.
Em 1980, no Rio de Janeiro, os homicídios de jovens entre 15 e 24
anos representavam 33,2% das mortes totais da capital5. No ano
de 2000, passou a representar 53,2%” ( Pereira, M., 2004). Os dados
do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da
Universidade Federal do Rio de Janeiro indicam que as mortes em
confronto com a polícia, no Rio de Janeiro, passaram de 900 casos
em 2002, para 1.195 em 2003. Essa tendência, em relação aos jovens
nesta faixa etária, se reproduz em outras capitais, como São Paulo,
Belo Horizonte, Salvador, etc.
A configuração acima esboçada nos indica que não é por acaso
que o tema e a relação juventude, trabalho e educação assume, es­
pecialmente nas últimas décadas, uma preocupação específica no
âmbito das políticas públicas do Estado Brasileiro. Aplica-se, para um
contingente enorme de jovens no Brasil, aquilo que Vitor Frankel, nos
anos 40, denominava de “vida provisória em suspenso”, ao referir-se
à situação dos tuberculosos, dos que viveram a experiência dos cam­
pos de concentração ou de quem vive em situação de desemprego.
Algumas indicações merecem ser destacadas sobre o tema
juventude, trabalho e educação.
A primeira destas indicações é a de que a mutilação de direitos
ele­mentares da infância e da juventude, em relação aos filhos da
classe trabalha­dora, é uma constante ao longo de nossa história. Isto
nos remete a buscar entender esta realidade no âmbito das raízes
estruturais no plano econômico, político e cultural. O agravamento
das condições de vida destes jovens está ligado à recusa criminosa
da elite brasileira em efetivar as reformas (agrária, tributária e social)
e em romper com a relação de partilha subserviente com o capital
especulativo.
Uma armadilha que tem sido imobilizadora na ação é a perspec­
tiva da visão antinômica entre as políticas públicas estruturais e as
políticas emergenciais e focalizadas. Se, de fato e comprovadamen­
te, a tendência tem sido de políticas focalizadas, de cunho assisten­
JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL
21
PGM 2
no problema da escolha
profissional: contradi­
ções e angústias nas
opções dos jovens das
classes sociais de alta
renda” (Novaes, 2003).
5
Dificilmente passa um
dia sem que os jornais
de grande circulação
não noticiem mortes
de jovens em cidades
como São Paulo e Rio
de Janeiro. Trata-se de
mortes causadas por
confrontos ou não com
cialista, que atacam, de forma superficial, os efeitos da desigualdade,
isto não impede que se implementem políticas redistributivas e de
caráter emancipatório de grupos específicos mais violentados e,
ao mesmo tempo, que se busque atacar os problemas estruturais.
A perplexidade situa-se no fato de que, após um ano de governo
composto por forças políticas que historicamente defenderam essas
mudanças de rumo estrutural, não há sinais claros nesta direção.
A mudança de rumo das políticas públicas para jovens da classe
traba­lhadora implica que sejam superadas algumas mistificações em
voga dentro do credo do liberalismo conservador e de sua face atual, o
neolibe­ralismo. O trabalho precoce de crianças e jovens e a escolaridade
precária, ou a ausência da mesma, se correlacionam fortemente, mas
uma não explica a outra e também não podem, linearmente, serem
tomadas uma como solução da outra. Ambas têm sua determinação
fundamental na origem de classe. Ou seja, os jovens que têm traba­
lho precoce, de baixa qualidade e remuneração, e os jovens que têm
pouca escolaridade, ou estão fora da escola, estão nesta condição
por serem filhos de trabalhadores com condições de vida precárias.
Isso nos mostra que a tese de “empregabilidade” é falsa e cínica.
Falsa porque a escola não tem, como vimos, capacidade de gerar
nem garantir o emprego. Ainda mais falsa num contexto de crise
endêmica de desemprego e, no caso brasileiro, de recessão. Cínica,
porque culpa a vítima por ser pobre e por ter baixa escolaridade e,
ainda, porque mascara a estrutura social ge­radora de desigualdade.
Do mesmo modo, a questão fundamental não é racial. Os piores
empregos e salários e a menor escolaridade não se devem precipua­
mente ao fato de os jovens serem negros. Deve-se ao fato de que,
na formação social brasileira, os 400 anos de escravidão incidiram
sobre os negros e a libertação legal não lhes devolveu o que lhes foi
espoliado. O legado foi de serem jogados no grupo ou fração da classe
trabalhadora com as menores condições de sobrevivência. É a partir
desta situação histórica que se desenvolve o preconceito racial, que
passa a ser um reforço e justificativa da desigualdade. Neste caso, as
políticas contra a discriminação são, ao mesmo tempo, de classe e de
raça. Pela razão histórica, é possível justificar, numa espécie de ajuste
de contas com uma dívida social, política e ética, uma prioridade para
os negros, mas não pode ser exclusiva.
JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL
22
PGM 2
Uma política pública redistributiva e emancipatória de caráter mais uni­ver­sal,
que teria extraordinário efeito social, econômico e ético, seria, como discutimos ao
longo deste texto, a retirada do mercado de trabalho, formal ou não-formal, de todas
as crianças e também dos jovens até a idade legal de conclusão do nível médio.
Como vimos, para que isso seja viável, há a necessidade de estipular-se uma renda
mínima para estas crianças e estes jovens, sem o que eles não podem abandonar
sua luta pela sobrevivência. Para jovens de 18 a 24 anos, garantir a possibilidade
de continuidade de escolaridade até completar o Ensino Médio. Para os que estão
empregados, criar condições de tempo, legalmente garantido, para o estudo e
um apoio, em termos de bolsa de es­tudo, sem o que também não têm condições
de retornar à escola. Para os desempregados, uma renda mínima e, concomitan­
temente, implementar a política de primeiro emprego. Pelo tamanho do Produto
Interno Bruto do Brasil, está claramente provado que há viabilidade econômica para
estas políticas e que, portanto, a decisão de implementá-las é política. Certamen­
te, isto é inequívoco, uma outra divisão da riqueza e da renda, vergonhosamente
concentradas. Isto, como sinalizou Pochmann, não se faz sem contrariar interesses
dos ricos, das grandes fortunas e do capital especulativo.
Esta direção de política pública, levando-se em conta as particularidades dos
diferentes grupos de jovens, pode garantir uma educação básica que faculte aos
jovens as bases dos conhecimentos que lhes permitem analisar e compreender o
mundo da natureza, das coisas e o mundo humano/social, político, cultural, estético
e artístico. Formação de um jovem “técnico-dirigente”, sujeito autônomo e pro­
tagonista de cidadania ativa e não reduzido a um “cidadão-produtivo” explorado,
obediente, despolitizado e que faça “bem feito” o que mercado determina.
O que se deve ter presente é que milhares de jovens, do campo e da cidade, não
podem continuar pagando o preço da mutilação dos seus direitos. Vai-se estabelecendo
uma realidade em que a quantidade dos que se situam na linha dos que já não têm
mais nada a perder pode se transformar num “direito” de se vingarem, por diferentes
formas de violência e delitos, dos seus algozes. O dramático é que estes “algozes”
têm como “blindar sua segurança”, ou erguer guetos protegidos. Quem paga são
os pobres ou a remediada classe média. Mas isso também tem limites.
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JUVENTUDE, TRABALHO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 24
PGM 3
PGM 3
Juventude e
sexualidade
Tereza Cristina
Pereira Carvalho
Fagundes 1
JUVENTUDE E SEXUALIDADE
Resumo:
O objetivo deste texto consiste em analisar
aspectos da sexualidade na juventude,
em especial aqueles que podem e devem
ser abordados na escola e em contextos
socioeducativos mais amplos, como a
família e as comunidades nas quais o jovem
se encontra inserido. Neste sentido, serão
considerados temas tais como: transformações
do corpo; papéis e estereótipos de gênero;
relacionamentos interpessoais; expressões da
sexualidade; valores, conflitos e contradições que
cursam com a juventude.
Doutora em Educação.
Professor Participante
Especial / PROPAP /
UFBA. Coordenadora
do PROEDSEX - Pro­
grama de Educação
Sexual / Departamen­
to de Biologia / Ins­
tituto de Biologia Universidade Federal
da Bahia. Vice-líder
do GEFIGE – Grupo de
Estudos em Filosofia,
Gênero e Educação /
PPGE. Faculdade de
Educação - Universi­
dade Federal da Bahia.
1
O termo juventude traduz o período da vida humana entre a
infância e a idade adulta. Ser jovem é não ser mais criança e ainda
não ser adulto, pelo menos no sentido de completude da maturação
corporal, psicológica e social.
Ao longo da história, muitos têm preferido considerar a juven­
tude como o período final da adolescência, quando há desempenho
de papéis definidos pela sociedade como de adulto, tais como a
assunção de atividades produtivas. Outros, entretanto, usam in­
distintamente o termo juventude e adolescência para esta fase do
desenvolvimento que se inicia com a puberdade e culmina com a
entrada no mundo adulto, opção que será adotada neste artigo.
“Quero falar de uma coisa
adivinha onde ela anda?...
JUVENTUDE E SEXUALIDADE
25
PGM 3
e há que se cuidar do broto
pra que a vida nos dê flor e fruto.”
(Coração de Estudante - Wagner Tiso e Milton Nascimento)
As modificações biológicas corporais, que não se iniciam na mesma época
nem têm a mesma duração em todas as pessoas, envolvem todos os órgãos e
estruturas do corpo. Há um grande impulso na estatura dos adolescentes, para as
meninas, na idade média de onze anos e meio e, para os meninos, por volta dos
treze anos e meio – é o chamado estirão puberal. Os picos de velocidade são 8,3
centímetros por ano, para as garotas, e 9,5 centímetros por ano, para os garotos.
É por isso que a maioria das meninas de onze anos é mais alta do que os meninos
da mesma idade, entretanto, a maioria deles logo alcança as meninas, ficando
mais altos. O crescimento precoce não é indicativo de uma estatura mais elevada;
as crianças que começam o estirão mais tarde apresentam uma média igual à das
que começam mais cedo.
Interessante lembrar que mesmo antes de perceber uma mudança em sua
altura, os adolescentes percebem mudança no tamanho de seus pés e de outras
partes do corpo, como as mãos e braços, que às vezes os assustam.
Os meninos ganham peso ao mesmo tempo em que crescem em altura e
têm um aumento muscular duas vezes maior do que as meninas; já as meninas
crescem, para depois começar a ganhar peso e menstruar; acumulam mais gordura
subcutânea (na pélvis, no busto, nas costas e nos braços) do que os meninos.
A maioria dos órgãos duplica o seu tamanho: coração, pulmões, fígado, baço,
rins, pâncreas, tireóide, supra-renais, gônadas, útero, genitais externos (pênis e
vulva). O sistema nervoso também tem um aumento real, mas não tão acentuado,
enquanto as amídalas, as adenóides e a cavidade da medula óssea diminuem. As
glândulas sudoríparas ficam mais ativas, fazendo com que a transpiração seja mais
freqüente e com cheiro diferente do existente quando criança, nas axilas, palmas
das mãos, plantas dos pés e área genital (vulva e pênis). Também as glândulas se­
báceas se tornam mais ativas, podendo resultar em cabelos mais oleosos, genitais
mais úmidos e poros da pele do rosto, costas e outras regiões do corpo tão oleosos
que originam cravos e espinhas (acne).
“Tenho um segredo para contar
Eu não sabia que era assim...
Vem aprender a amar
Deixa o seu corpo ir mais além ”.
(Aprender a amar - Sandy & Júnior)
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 26
PGM 3
A maturação sexual e reprodutiva é a mais evidente característica da adoles­
cência para a sociedade; abrange o aparecimento dos caracteres sexuais secun­
dários e a aquisição da fertilidade. O desenvolvimento sexual feminino começa,
normalmente, com o crescimento das mamas; em seguida, vem o desenvolvimento
dos pêlos pubianos, em distribuição triangular; o estirão, já mencionado; o desen­
volvimento dos pêlos das axilas, e a primeira menstruação, sinal da capacidade
reprodutiva. Se houver o aparecimento dessas características antes dos 8 anos de
idade, configura-se o quadro de puberdade precoce, que pode resultar em uma
alteração do crescimento – estatura abaixo da média da população. Por outro lado,
pode haver uma puberdade atrasada, se não houver sinal de desenvolvimento dos
caracteres sexuais secundários até os 14 anos, ou quando o tempo entre o início do
desenvolvimento e a primeira menstruação for maior do que cinco anos. A causa
deste atraso pode ser constitucional ou pode ser devido a anomalias congênitas,
traumatismo, tumor, doença no ovário, ausência de útero e vagina, hímen sem
perfuração, má nutrição ou outras doenças. Ambas as alterações são motivo de
encaminhamento a um serviço médico especializado.
O desenvolvimento sexual masculino começa com o aumento do volume
testicular, seguindo-se um discreto crescimento das mamas, o desenvolvimento
dos pêlos pubianos em distribuição losangular, o desenvolvimento dos pêlos das
axilas, o aparecimento da barba e do bigode e a polução, que consiste na eliminação
involuntária de esperma. A voz se torna mais grave, devido ao rápido crescimento
da laringe e das cordas vocais que também ficam mais espessas. Assim como nas
meninas, é possível, nos meninos a ocorrência de puberdade precoce ou tardia,
motivos de acompanhamento médico.
Todas essas modificações são decorrentes de um controle que se faz pela rea­
tivação do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas. O hipotálamo produz substâncias
que agem na hipófise, que responde com a secreção de hormônios que vão atuar
nas gônadas; ovários, nas meninas e testículos, nos meninos. As gônadas, por sua
vez, secretam outros hormônios que desen­cadeiam as modificações características
da puberdade, também as relacionadas às mudanças comportamentais e libidinais.
A puberdade é, pois, um componente da adolescência/ juventude, mas a
adolescência é um processo de maior duração; engloba a puberdade e também as
transformações psicossociais por que passa o indivíduo no auge de seu processo
maturativo.
“Não quero ver quem tem razão
Sou movido a paixão ...”
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 27
PGM 3
(Sexo, amor, traição – Luciana Mello)
Nesta fase da vida, de mudanças físicas, psicológicas, sociais e culturais tão
intensas, o jovem se sente confuso, cheio de dúvidas e ansiedades, principalmente
em relação à postura corporal, comportamentos e atitudes, enfim, quanto à forma
de ver e de entender o mundo.
Perplexos diante do novo corpo que surge, os adolescentes se preocupam e
valorizam a aparência visual. As meninas procuram realçar as novas “curvas” do
corpo, usam batom para delinear os lábios e, com isso, chamar mais a atenção,
exercitando sua capacidade de atrair, e observando o efeito dessa atração, prin­
cipalmente nos rapazes. Procuram ainda ligações mais íntimas com amigas para
troca de confidências e desabafos sobre perdas, conquistas e rejeições. Também
discutem moda, o jogo do embelezamento, da sedução na paquera, no “ficar” e
no namoro. Já os rapazes procuram ter um corpo de atleta, um bom desempenho
sexual, a virilidade, a potência, em como lidar com o desejo, a excitação (acompa­
nhada muitas vezes de ereção inesperada), com a “transa” e em como conquistar
muitas garotas sem se prender a sentimentos e emoções.
“O tempo todo eu fico feito tonto
Sempre procurando mas ela não vem
E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode agüentar
Ah! Esse aperto aumenta meu desejo
E eu não vejo a hora de poder lhe falar.”
(Esperando na janela – Targino Gondim, Manuca
Almeida e Raimundinho do violão)
O desenvolvimento emocional do adolescente cursa com a criação de uma
identidade própria. Neste dinamismo, que se processa através de sua interação
com o mundo externo, o jovem precisa elaborar uma série de perdas, denominadas
pela Psicologia como “lutos”. São 3 os principais lutos da adolescência: luto pela
perda do corpo infantil, pela perda dos pais da infância e pela perda da identidade
e do papel infantil.
A chamada “crise da adolescência” é vivida de forma diferenciada de acordo
com as particularidades de cada segmento familiar e social a que pertence a crian­
ça, além da sua própria dinâmica psicológica e de sua história de vida. É freqüente
encontrarmos adolescentes passando por conflitos, dor e confusão frente a uma
multiplicidade de exigências consideradas psicossociais, denominadas por Aberas­
tury e Knobell (1989) como características comportamentais da Síndrome da Ado­
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 28
PGM 3
lescência Normal e que os ajudam no processo de resolução dos “lutos referidos”:
– Busca de si mesmo e da identidade adulta – Todas as mudanças corporais
e alterações hormonais associadas a comportamentos de inquietude, de auto­
-afirmação, ansiedade pelo desconhecimento do próprio corpo, de busca de uma
identidade como pessoa e como adulto levam o jovem a perceber uma mudança
na maneira como a sociedade o trata, o que passa a ser uma situação nova para
ele. Há conflitos entre a imagem do corpo ideal e a imagem do corpo real vividos
pela garota e pelo garoto que, ora sentem orgulho e prazer com as mudanças que
ocorrem em seus corpos, ora sentem vergonha e perplexidade. Os jovens passam
horas e horas em frente ao espelho e comparam-se uns aos outros, buscando um
padrão de normalidade e aceitação. Tais situações requerem momentos de isola­
mento e a assunção de identidades transitórias, ocasionais ou circunstanciais, no
sentido de entender a sua intimidade e, assim, desenhar a sua própria identidade.
Um processo educativo deve incluir a discussão desse padrão, fruto da cultura
de massa que induz ao consumismo e cria imagens de referência, como modelos
instituídos para um corpo de artista, ou adequados apenas à estatura que não se
tem, pertencentes a “grifes”, etiquetas e marcas da moda, relegando a segundo
plano os caracteres e atributos herdados de cada família e o bem-estar pessoal
– Flutuações de humor e de estados de ânimo – Ora sorridente e se sentindo
a melhor pessoa do mundo, ora se sentindo péssimo e de mal com a vida, tudo
e todos, o/a adolescente é por esse motivo, considerado muitas vezes por seus
familiares como “aborrecente” (termo com o qual, particularmente não concor­
damos), ficando, a partir deste estigma, ainda mais aborrecido e mal-humorado.
Essas oscilações, instabilidades e contradições são perfeitamente normais e estão
na dependência direta da quantidade e qualidade da elaboração dos lutos e das
perdas que acompanham o processo identificatório nesta fase da vida.
– Tendência grupal e separação progressiva dos pais – Muitas aspectos da
identidade familiar são substituídos por outros mais individuais, enriquecidos por
novos elementos do seu âmbito social. Dessa forma, a construção da auto-imagem
na juventude se dá através da busca de aceitação no grupo, valorização de auto­
-estima e afetividade. O afastamento dos pais, entendido aqui como dependência,
é necessário para que o adolescente encontre identidades diferentes e seja capaz
de formar sua própria personalidade. A questão da dependência / independência
dos filhos em relação aos pais e vice-versa é vivenciada com sentimentos de ambi­
valência; ambas as partes desejam, mas ao mesmo tempo temem o crescimento, a
maturação sexual e todas as responsabilidades e riscos que permeiam esses pro­
cessos. Muitos pais não entendem esses comportamentos; o que o jovem quer não
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 29
PGM 3
é o distanciamento dos pais, mas sim o distanciamento do seu papel de criança!
– Necessidade de intelectualizar e fantasiar – Consiste na elaboração do “luto”
pela perda da identidade infantil: ora o adolescente tem uma grande elaboração de
idéias com justificativas concretas, próprias do mundo adulto, ora tem construções
utópicas e fantasiosas que caracterizam o mundo infantil.
– Crises religiosas – A conduta do jovem vai do total ateísmo a comportamentos
religiosos tão engajados que podem cursar com o misticismo e até com fanatis­
mos. A educação para a sexualidade, pela sua abrangência, pode contribuir para a
tomada de decisões neste sentido, para uma melhor conscientização e definição
da prática religiosa a ser seguida.
– Deslocamento temporal e contradições sucessivas – As urgências do ado­
lescente são tão grandes quanto o “deixar para depois”. Muitas vezes à urgência
de uma roupa nova, de uma festa, de um programa com o grupo é dada muita
importância, enquanto que os estudos e outras responsabilidades podem ser
postergados!
– Atitude social reivindicatória – Em resposta às restrições à sua vida, impostas
pela sociedade, os jovens tentam modificá-la ao tempo em que reestruturam sua
personalidade; por este motivo são, habitualmente, considerados rebeldes.
– Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade – Com o ama­
durecimento fisiológico, intensifica-se o impulso sexual e o contato com o corpo
adquire um caráter exploratório, de descoberta de novas sensações pela erotização
das sensações genitais. A manipulação dos genitais para obtenção de prazer –
masturbação – é uma forma de reco­nhecimento do novo corpo em mudança. Há o
início da busca de parceiro de maneira tímida, mas intensa. Começam os contatos
superficiais, depois profundos e mais íntimos, que preenchem a sua vida sexual.
Na construção do mundo adolescente, sonhos reais e vivências concretas se
fundem em um mundo sem fronteiras, em um mundo de fantasias: encontros fe­
lizes, amor, paixão, expectativas transparentes, festas, grupos de amigos, colegas,
professores e professoras apaixonantes ou detestáveis, lazer, provas escolares,
esportes, problemas insolúveis e problemas resolvidos, desencontros, família bem
estruturada, família-problema, visão de um povo que sofre, mas que tem esperan­
ça, natureza maltratada, natureza com cheiro de poesia, de protesto, de mistério...
“Quando não tinha nada eu quis
Quando tudo era ausência, esperei ...
Quando o olho brilhou, entendi,
Quando criei asas, voei.”
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 30
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(A primeira vista – Chico César)
A sexualidade na juventude se confunde com a própria fase. Por isso, dentre
as caracte­rísticas que cursam com a Síndrome da Adolescência, já referenciadas,
encontramos a evolução sexual que vai “do auto-erotismo até a heterossexua­
lidade”. Neste contexto, a masturbação, comum da infância até o final da vida,
constitui-se em uma prática sexual bastante freqüente nesta fase. Sua freqüência
varia e não se pode determinar a normalidade do número de vezes. Acontecem
também jogos sexuais entre meninos masturbando-se entre si ou em grupo, fato
que não os determina homossexuais, enquanto que entre meninas são mais co­
muns os contatos corporais como pegar as mãos, abraçar e beijar, isto porque há
repressão da masturbação na mulher. Esses jogos sexuais são comuns na fase de
crescimento, de conhecimento do próprio corpo e de preparo para a vida sexual
a dois; não é a prática da masturbação em si que faz mal, mas sim os conflitos
decorrentes do sentimento de culpa, vergonha de si mesmo e dificuldades de
relacionamento afetivo. Por muitos anos ela foi vista como um perigo, coisa suja
e pecaminosa, causadora de cegueira, surdez, fraqueza, crescimento de pêlos nas
mãos, impotência e até debilidade mental. Um papel relevante do educador é o
de desmistificar essas questões.
“Já sei namorar
Já sei beijar ...
Agora só me resta sonhar ” ...
(Já sei namorar – Marisa Monte,
Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)
Outro aspecto explorado como prática sexual consiste no compartilhamento
das curiosi­dades sexuais e desejos com o sexo oposto; o desejo de se envolver e
o medo de se entregar à relação provocam uma verdadeira tempestade no pen­
samento do jovem.
Paralelamente à aproximação para o namoro, existe um processo de ansiedade
decorrente do abandono da relação estável com a turma para o desenvolvimento
de novos papéis – de seduzir e de se deixar seduzir. Namoro também é sinônimo
de adolescência, de juventude, afinal é nesta fase da vida que ele acontece pela
primeira vez (embora muitos adultos insistam em ensinar às crianças que fulana é
namoradinha de fulano, por exemplo). O namoro é um relacionamento amoroso
contínuo, compromissado; ele ocorre na medida em que os jovens se sentem
seguros para o vínculo. Entretanto, sabemos que as expectativas referentes a esse
relacionamento variam de acordo com o sexo dos parceiros e, principalmente,
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 31
PGM 3
devido à história particular de vida de cada um.
Durante o namoro, o compromisso e a experiência de convivência incluem o
compartilhar de atividades de lazer como ir ao cinema, a clubes, praia, festinhas...
Já o aprendizado a respeito do outro, gostos, preferências, manias, etc. envolve
jogos de conquista e sedução. Quando estamos enamorados, o desejo de estar
com o outro e as estratégias para conseguir esse intento sobrepõem-se a qualquer
sentimento, necessidade ou obrigação que temos.
Historicamente, o namoro foi visto como primeira etapa do processo de vida a
dois e de constituição de uma família. Já houve um tempo em que a ele se sucedia
o noivado – fase de namoro garantido, que precedia o casamento – união estável
realizada entre duas pessoas que decidem compartilhar suas vidas e responsabi­
lidades familiares. Nos últimos anos, contudo, não tem sido bem assim.
“Eu fico o dia inteiro
Só pensando em você
Na minha cama no chuveiro
Conto as horas pra te ver
Espero que um dia você possa me notar.
Oh! menina deixa disso
Quero te conhecer
Vê se me dá uma chance
Tô afim de você.”
(Deixa disso - Felipe Dylon)
Um tipo de relacionamento sem compromisso mais atual, eventual e despro­
vido de com­promisso é o ficar, que pode ou não evoluir para o namoro. O ficar vai
desde o simples fazer companhia, com ou sem troca de carícias, até mesmo ao
relacionamento sexual. No ficar os jovens passam por um aprendizado afetuoso
e sexual, podendo os membros da parceria nem mesmo se cumprimentarem no
dia seguinte. Parece convenção que ficar mais de três vezes com a mesma pessoa
já é rolo ou caso, e rolo repetido é namoro.
Como proceder durante o ficar e o namoro? Quando e como propiciar aos
jovens condições de discernimento nesse sentido? A depender de suas histórias de
vida, muitos são levados a uma iniciação sexual por quererem mostrar ao mundo,
à família e até a si mesmos que a família não mais os controla.
Quanto à iniciação sexual neste período de vida, o Programa de Educação
Sexual da UFBA (BARBOSA, 1990; FAGUNDES, 1995, 1997 e 1999) tem identificado
como razões mais freqüentes a curiosidade, forma de demonstrar amor e a influên­
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 32
PGM 3
cia do grupo / turma. Dizem as meninas: “no mundo não há mais virgem ”, “se eu
não for ele arranja outra ”, “minha família pensa que me controla ”. Já os meninos
afirmam: “procuro prazer”, “homem não nega fogo ”, “o meu pai vai vibrar ”, “meus
amigos vão morrer de inveja ”... Por outro lado, encontramos jovens que adiam
essa iniciação por medo de não conseguirem, por medo do outro não gostar e por
medo da reprodução. Garotas declaram: “ainda não encontrei o cara legal ”, “pode
ser que ele me ache fácil ”, “e se a minha família descobrir? ”; garotos questionam:
“onde transar? ”, “e se ela for virgem? ”.
“Chegou no meu espaço,
Mandando no pedaço,
O amor que não é brincadeira,
Pegou, me deu um laço,
Dançou bem no compasso
Que prazer, levantou poeira ...”
(Sorte Grande - Lourenço)
Como conseqüência da vivência sexual na juventude, pode acontecer uma
gravidez não planejada. Esta gravidez, hoje, contém um agravante que é se dar
fora de um vínculo como o casamento, porque no tempo de nossos avós, 14 e 15
anos eram as idades em que as mulheres tinham seus primeiros filhos. Entretanto,
isto acontecia com a aprovação matrimonial para o exercício das relações sexuais;
a gravidez não era estigmatizada porque não se constituía em um problema social,
muito menos psicológico, uma vez que não dimensionava culpa por transgressão.
Mas seja qual for a situação, embora uma adolescente tenha filhos e os eduque no
contexto de uma família, os riscos de doença, lesão e morte, para ela e seus filhos,
são muito maiores do que os de uma mulher entre 20 e 30 anos (OMS / FNUAP /
UNICEF, 1989).
Do ponto de vista médico, Vitiello (1997), um dos maiores especialistas bra­
sileiros no atendimento a adolescentes, apresenta-nos uma série de patologias
encontradas em gestantes adolescentes que todos precisam saber: elevação da
pressão arterial; anemia, usualmente devida à má nutrição; doenças sexualmente
transmissíveis, associadas à maior freqüência de troca de parceiros, aliada aos bai­
xos padrões de higiene e ao relativo descaso ao tratamento dos sintomas; outras
patologias que tendem a se fazer presentes em situações de estresse e desnutrição,
como a tuberculose e as infecções urinárias; parto prematuro; duração do trabalho
de parto, ligeiramente superior à duração média; intervenções obstétricas como
o fórceps de alívio e a cesárea, devido à maior freqüência de alterações da contra­
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 33
PGM 3
tilidade uterina; mortalidade fetal, associada às condições adversas da gravidez
e do parto.
“Deve ser amor
Que enfeitiça o coração
Quando bate assim deve ser amor
Que me enche de paixão ...”
(Deve ser amor – Dudu Falcão)
Nos últimos anos, quase todos tivemos conhecimento de algum caso de
gravidez em adolescentes da nossa família ou de alguma bem próxima de nossas
relações sociais. Surpreendentemente constatamos também haver um grande
número de jovens que desconhecem os fundamentos da anatomia e fisiologia
sexual, ou por não terem tido oportunidade de serem instruídos neste sentido,
por leituras mal compreendidas, por conselhos desinformados de outros jovens
ou adultos, por preconceito ou pela sensação de invulnerabilidade e impunidade,
resquício do pensamento mágico infantil ainda sobrevivente. Os meninos não se
dão conta de que seu corpo lhes traz uma possibilidade constante de gerar um outro
alguém! Encontramos também, jovens machistas que freqüentemente se recusam
ou se omitem do processo de anticoncepção, alegando que o uso de preservativo
“é como chupar bala sem tirar o papel ” ou ainda vão mais longe, afirmando “o
problema é dela ”, “eu não tenho nada com isso ”, “se não quiser engravidar que
se vire ”!!! Atitudes dessa natureza só podem resultar num incremento assustador
do número de adolescentes grávidas e do número de abortamentos provocados.
Essa problemática passa a ter um cunho social mais amplo, quando se estabe­
lece a gestação. A jovem grávida corre uma série de riscos, tais como ser expulsa
da casa, ingressar na prostituição, deixar de estudar, optar pelo abortamento ou
interrupção da gravidez, com prejuízos orgânicos e psíquicos, ser mãe solteira
ou ser levada a um casamento forçado e, por conseguinte, mal estruturado. A
situação da criança resultante de uma gravidez na juventude nem sempre lhe
é favorável; quando não é abandonada, pode ser este motivo que incremente o
seu encaminhamento a orfanatos ou à adoção. Desenvolvendo-se sem a figura
paterna, não raro temos crianças mal amadas e mal ajustadas. Na melhor das
hipóteses, temos também a solução do caso da gravidez em adolescentes com a
assunção de responsabilidade por parte das famílias de ambos os parceiros, cada
qual permanecendo em suas respectivas casas e a criança, após o nascimento, ficar
“dividida ” entre os cuidados de uma ou de outra avó que representam, mais uma
vez, a mulher, aquela a quem a sociedade delega as maiores responsabilidades
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 34
PGM 3
com a estrutura da família.
Vale ressaltar que, como em toda regra há exceções, temos conhecimento de
relações afetivas duradouras, associadas ou não a casamentos formalizados, que
tiveram início com uma surpreendente gravidez não planejada na adolescência.
Mas, em contrapartida, não temos notícias de estudos sobre experiências positivas
da maternidade e da paternidade precoces.
Diante da problemática, nosso contato com os jovens na atualidade nos permite
inferir que as conseqüências psicológicas da gravidez não planejada, mas não tão
indesejada quanto pensamos, sobrepõem-se, consideravelmente, às conseqüências
orgânicas. Neste sentido, o papel da escola deve se somar ao da família, na busca de
conscientizar os jovens sobre a maternidade e a paternidade, implicando a assunção
de responsabilidades, a necessidade de aceitar os aspectos físicos e emocionais
da gravidez e do cuidado infantil, sobre as necessidades da criança que virá a este
mundo, sobre ser preciso aprender e praticar habilidades do ser mãe e do ser pai,
de planejar as necessidades financeiras e as formas de sustento familiar, etc. Para
que isso ocorra, entretanto, se faz necessário que os serviços de saúde também
exercitem a sua função de dar condições à população de ter assistência global à
saúde, incluindo as possibilidades de controle efetivo da natalidade no contexto
de um planejamento familiar que inclua a população adolescente.
“Eu não quero mais chorar
Por causa de um amor qualquer.
Minha dor tem que acabar...”
(Amor de Carnaval – Gilberto Gil)
Outras conseqüências que cursam com a vivência sexual na juventude são as
doenças sexualmente transmissíveis (DST), antigamente denominadas doenças
venéreas, por causa das sacerdotisas dos templos de Vênus, que exerciam a prosti­
tuição como forma de culto à Deusa do Amor. Hoje essas doenças têm um caráter
menos pejorativo do que antes, porque as condições para o exercício da sexualidade
e em especial a iniciação sexual, de um modo geral, mudaram significativamente
nas últimas décadas. Até pouco tempo, e acreditamos, em algumas regiões do
Brasil até os dias atuais, os meninos se iniciavam ou se iniciam sexualmente com
prostitutas em ambiente de promiscuidade. O desenvolvimento de uma DST, neste
contexto, constituía-se por um lado prova de virilidade e até de orgulho e vaidade,
mas por outro, deixava uma sensação de culpa e um ranço de impureza...
As DST podem ser causadas por vírus: herpes, condiloma acuminado ou crista
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 35
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de galo e AIDS; por bactérias: gonorréia, cancro mole, uretrites não-gonocócicas;
por fungos: candidíase; por protozoários: tricomoníase; por ácaro: escabiose ou
sarna e pediculose do púbis ou chato, dentre outras. Por definição, essas doenças
são aquelas transmitidas através do contato sexual com pessoas doentes, mas
algumas delas não são de transmissão exclusivamente sexual. A sífilis, a AIDS e as
uretrites não-gonocócicas podem ser transmitidas pela mãe gestante; a herpes e
a gonorréia, durante o parto, e a sífilis e a AIDS, também por transfusão sanguínea.
Os sintomas das DST variam, sendo os mais comuns: dor no ato de urinar, coceira,
feridas, corrimento purulento e verrugas. O agravamento de alguns casos conduz
ao abortamento, lesões no feto, infertilidade, câncer de colo de útero e, até mesmo,
morte. Atenção especial deve ser dada ao tratamento que só surtirá efeito se for
feito em ambos os parceiros (PASSOS, 1985).
E a educação dos jovens sobre DST/AIDS? A problemática da AIDS, que se
agrava pela falta de cura, conduzindo por vezes à morte, vem ocupando nos úl­
timos anos e com mais freqüência os meios de comunicação de massa e sendo
objeto de projetos específicos de intervenção pedagógica por parte da escola e
de outras instituições de educação não-formal. Entretanto, a prevenção apresenta
algumas controvérsias, tais como a época em que deve ser iniciada, quão explícita
ela deve ser e a possibilidade de estímulo à promiscuidade, dentre outros motivos.
Os estereótipos ligados à AIDS são muitos e têm na sua raiz preconceitos e
discriminações contra pessoas e comportamentos, que já existiam mesmo antes
de ela aparecer. O termo “grupos de risco ” limitou o aspecto contagioso da doen­
ça, mas a mudança no perfil da epidemia nesses últimos anos veio confirmar que
a AIDS não atinge apenas pessoas com uma sexualidade chamada “desviante ”
ou os viciados em substâncias ilegais cujos comportamentos são desvalorizados
socialmente. Entre os jovens, a forma mais comum de contágio tem sido o uso de
drogas endovenosas, mas isso não significa que eles estejam protegidos de outras
formas de contaminação como a via sexual. É preciso que tenhamos consciência
de que a AIDS não é um problema distante e irreal, mas um problema de todos
nós. Ainda que não consideremos o nosso comportamento sexual arriscado, temos
filhos, parentes, colegas, amigos ou mesmo conhecidos que podem não estar se
prevenindo por não achar que correm risco de contrair o vírus da doença – o HIV.
Dessa forma, embora não tenhamos tanta certeza dos resultados dos processos
de prevenção utilizados e mesmo sabendo que o preservativo não é um método
infalível, sequer para impedir a gravidez não desejada, seu uso deve ser incentivado
entre os jovens, vinculado a um processo de educação preventiva integral.
É desejável que os jovens possam chegar a uma conscientização, de tal forma
JUVENTUDE E SEXUALIDADE 36
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que na hora em que “pintar ” a vontade de transar, pensando num relacionamento
bom e prazeroso, conversem sobre seus medos, incertezas, expectativas, sobre as
formas de prevenir uma possível gravidez, sobre as doenças sexualmente transmis­
síveis e a AIDS, e inclusive, sobre a possibilidade de adiar ou não aquele momento.
“Tem que recomeçar,
Tem que construir,
Tem que avaliar
Ter hora para agir ...”
(Linha Vermelha – Marcelo Falcão,
Marcelo Lobato, Marcelo Yukka)
O ideal de vivência saudável da sexualidade na juventude, como em qual­
quer fase da vida, precisa ser buscado, estimulado e propiciado também pelas
instituições escolares que incluem em suas metas a formação da pessoa humana,
íntegra e feliz.
Referências Bibliográficas
ABERASTURY, A. & KNOBELL, M. Adolescência Normal. Porto Alegre, Artes Médicas,
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BARBOSA, M.P.M. Uma experiência de educação sexual em escolas de 1º Grau. Revista
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FAGUNDES, T.C.P.C. Educação Sexual - construindo uma nova realidade. Salvador,
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FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Sexualidade na Adolescência. Análise &
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JUVENTUDE E SEXUALIDADE 40
PGM 4
PGM 4
Juventude e
culturas de
participação
Paulo Carrano 1
Doutor em Educação,
professor da Faculda­
de de Educação da
Universidade Federal
Fluminense, pesqui­
sador do CNPq e co­
ordenador do Obser­
vatório Jovem do Rio
de Janeiro/UFF.
2
Em agosto de 1992,
os jovens brasileiros
tomaram as ruas das
principais cidades
para exigir o im­pea­
chment do presidente
Collor. A participação
entusiasmada dos
caras pintadas sur­
preendeu o país, que
pouco antes lamen­
tava a apatia, o indi­
vidualismo e a falta
de interesse político
entre a maior parte
dos jovens. Sobre o
assunto ver o artigo
de Ana Mische (1996)
na Revista Teoria e
Debate, nº 31.
1
OS JOVENS NA DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
A sociedade brasileira emergiu da ditadura
militar (1964-1984) aprofundando a luta pela
ampliação de liberdades democráticas e
garantia de direitos civis, produzindo outros
tipos de associativismos e mobilizações
antagonistas às elites políticas e econômicas
que sempre tiveram a hegemonia dos aparelhos
governamentais e ideológicos do Estado. Os
movimentos sociais no Brasil, assim como
nos demais países da América Latina, foram
decisivos para a redefinição dos sentidos da
política e do papel do Estado.
O novo ordenamento jurídico-institucional estabelecido pela
Constituição de 1988, além de incorporar agenda universalista de
direitos e proteção social, trouxe como marca exigências legais de
participação na gestão da coisa pública acenando, assim, com as
possibilidades de construção partilhada e negociada de uma lega­
lidade capaz de conciliar democracia e cidadania.
A nova cidadania que se expressa na década de 80 ultrapassa a
simples noção de direitos sociais a serem garantidos pelo Estado; con­
templa o direito à igualdade e à diferença, exigindo a constituição
de novos e ativos sujeitos sociais que buscam construir a cidadania
a partir das bases populares (Dagnino, 1994). A construção desta
cidadania está intrinsecamente ligada à experiência concreta de
movimentos sociais e diferentes organizações da sociedade civil –
cabe incluir nesse rol as diversas mobilizações sociais que contaram
JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO
41
PGM 4
com a expressiva par­ticipação da juventude, tanto as de caráter
estritamente político como aquelas relacionadas mais diretamente
ao plano da expressividade cultural2.
O longo e continuado processo de redemocratização da sociedade
brasi­leira evidenciou que a garantia formal dos direitos pelo Estado não
encerraria os múltiplos sentidos da noção de cidadania. Na década de
90, movimentações da sociedade civil nas áreas rurais e urbanas, em
torno da garantia de direitos, chocaram-se com a tendência dominante
de recolhimento da subjetividade à esfera da vida privada, contexto
em que o mercado reorganizou o mundo público como palco de
consumo e dramatização dos signos de status (Canclini, 1998, p. 288).
Neste híbrido cenário de convivência de formas renovadas de
participação social e política da sociedade civil e aprofundamento
da privatização do Estado e das relações sociais, a juventude brasi­
leira se fez e faz presente em diferentes tempos, espaços, formas e
conteúdos de participação ainda que, em grande medida, essa par­
ticipação ocorra num quadro de fluidez, nomadismo e intermitência.
Estudos sobre a participação dos jovens na vida social indicam
que, durante as décadas de 80 e 90, a política ocupou um papel
secundário na valoração e nas ações coletivas dos jovens brasileiros
(Schmidt, 2001; Abramo e Venturi, 2000). Em outras regiões do mun­
do a “despolitização” das populações juvenis também se apresenta
como fonte de preocupação que leva pesquisadores à indagação
sobre se a crise de participação dos jovens expressaria processos
cíclicos ou mesmo consolidações estruturais nos relacionamentos
das jovens gerações com as instituições sociais e políticas (Oester­
reich, 2001; Balardini, 2000; Laguna, 2000).
3
Ver análise de Abra­
mo e Venturi (2000)
sobre a pesquisa de
opinião realizada em
1999 pela Fundação
Perseu Abramo com
jovens de 15 a 24 anos
de 9 regiões metropo­
litanas brasileiras.
Se por um lado essa tendência de afastamento das formas tradi­
cionais de socialização política é extensiva ao conjunto da sociedade,
não se tratando de um traço típico de uma juventude que com freqü­
ência é acusada de ser alienada e hedonista, por outro lado a baixa
participação em atividades estritamente políticas, especialmente
no caso dos jovens brasileiros nos anos 90, foi acompanhada de
ações de expressivos contingentes que conhecem e acompanham
as atividades de outros jovens e/ou se auto-organizam em grupos,
principalmente os ligados a atividades de cultura e lazer3. Este
processo participativo que simultaneamente se afasta dos espaços
JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO
42
PGM 4
políticos formais, mas adensa, contudo, a esfera pública com outros
tipos de ações coletivas, ainda é um fenômeno pouco investigado.
Pode-se dizer que se encontram em curso processos juvenis de
efetivação de uma determinada cidadania cultural (Reguillo, 2003),
conceito este que expressa uma categoria síntese que tenta articular
a densidade da problemática cidadã em sua relação com os jovens.
Os jovens brasileiros, majoritariamente, têm emitido sinais,
mais ou me­nos visíveis, da negação frente a formas tradicionais de
participação, tais como as que se expressam pela filiação a parti­
dos, sindicatos e organizações estudantis. A negação é acentuada
principalmente quando as instituições reiteram velhos vícios éticos
e organizacionais de clientelismo e burocratização. Ações coletivas
juvenis deixam de ser notadas ou valorizadas devido ao caráter des­
contínuo, tópico e muito freqüentemente desprovido de ideologias
facilmente reconhecidas – esquerda e direita, por exemplo – do qual
se revestem. Entretanto, as novas formas e temas pelos quais os
jovens se mobilizam na esfera pública também indicam o quadro de
crise das formas tradicionais de participação e socialização política.
Os jovens são simultaneamente espelho e reflexo das socieda­
des. A tentativa de perceber o comportamento político dos jovens
pode ser uma forma de predizer se o futuro da sociedade se dirige
para quadros de reprodução ou renovação das presentes dificulda­
des, no que diz respeito à cidadania política de expressiva maioria
da população.
4
Jornal do Brasil. Ado­
lescentes votam mais
no Nor­deste. Especia­
lista atribui estatísticas
do TSE à pressão polí­
tica exerci­da sobre fa­
mílias, Inter­net, www.
jb.com.br, 30.11.2003.
Segundo Schmidt (2001, p. 205), o voto facultativo aos 16 anos,
instituído pela Constituição de 1988, tem servido como uma espécie
de termômetro do humor juvenil em relação às eleições. Dados do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições nacionais de 2002 in­
dicam que o voto é facultativo para 2,21 milhões de jovens (1,92%)
do conjunto do eleitorado nacional; eles somam 635.632 com 16
anos e 1.582.378 com 17 anos. Em 1998, foi confirmada a tendência
decrescente nos últimos anos em relação ao alistamento eleitoral,
que se mantém constante desde as eleições de 1989; 3.305.047 elei­
tores de 16-17 anos em 1989; 1.874.612 eleitores em 1998. Segundo
dados da pesquisa A Voz dos Adolescentes, publicados na cartilha
Projeto Eleitor do Futuro, do TSE, 41,3% dos brasileiros de 16 e 17
anos não votam porque pensam não ter idade suficiente e 21,9%
JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO
43
PGM 4
dizem não gostar de política4.
O reconhecimento de que existe uma tendência geral na po­
pulação de pouco estímulo pelo voto e de pouco envolvimento em
ações coletivas de exercício dos direitos de cidadania torna-se um
problema para as democracias que se querem participativas. Essa
tendência também é incompatível com a existência de uma socie­
dade civil situada passivamente frente aos poderes do Estado e do
mercado. O déficit de participação social que podemos descobrir
nos jovens expressa, assim, um complicado quadro de desequilíbrio
entre as esferas públicas e privadas, entre o Estado e a sociedade
civil, o que, em última instância, leva à reprodução daquilo que já
foi denominado como sendo uma cidadania de baixa intensidade
(O’Donnel, citado por Nuñes, 2003).
Ser jovem no Brasil
Os jovens representam uma parcela considerável da população
brasileira. A população jovem compreendida entre 15 e 24 anos é
de cerca de 33 milhões, cifra que se encontra dentro do intervalo de
variação histórica que vem oscilando entre 19% e 21% em relação à
população total do país. Embora os censos demográficos brasileiros
indiquem a tendência de crescimento absoluto do contingente
populacional jovem, observa-se um paulatino processo de desace­
leração a partir da década de 70. Os adolescentes e jovens são os
que apresentam maior capacidade migratória, tanto que cerca de
80% deles vivem em áreas urbanas que, em grande medida, não
possuem os equipamentos sociais necessários para suprir suas
múltiplas necessidades de desenvolvimento.
5
Sobre as desigualda­
des vivenciadas pe­
los jovens no Brasil e
as políticas públicas
federais ver Sposito
(2003) Dayrell e Car­
rano (2002) e Sposito
e Carrano (2003).
O crescimento populacional de jovens e adolescentes se expressa
em uma onda jovem (Madeira e Rodrigues, 1991) que atingirá seu
ápice no Brasil por volta do ano 2005, momento em que a proporção
de jovens começará a apresentar um declínio significativo. Até lá,
será necessária radical inversão de prioridades nas políticas públicas,
caso se queira estancar o perverso e explosivo processo de aumento
das desigualdades sociais que gera os precários indicadores sociais
da vivência da juventude para enormes contingentes de brasileiros.
No Brasil, são nove milhões de jovens que sobrevivem em
JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO
44
PGM 4
situação de extrema pobreza, com valores de renda abaixo da
linha de R$ 61 per capita. A situação dessas parcelas de jovens se
vê ainda agravada pelo encolhimento do Estado na esfera pública,
que não foi capaz de gerar políticas efetivas que contemplassem a
juventude nacional. O empobrecimento de expressiva parcela da
juventude brasileira incide diretamente tanto sobre a perspectiva de
futuro quanto nas possibilidades reais de envolvimento com ações
individuais e coletivas de participação social nas esferas públicas
democráticas5.
O Brasil ainda enfrenta o desafio de desenvolver políticas
nacionais integradas destinadas à juventude. O novo Governo
Federal, o Congresso Nacional e diferentes redes de instituições da
sociedade civil movimentam-se no sentido de elaborar projetos,
planos nacionais e estratégias de articulação de políticas públicas
que equacionem ou ao menos minimizem os efeitos deletérios dos
persistentes vícios político-administrativos de fragmentação, sobre­
posição e centralização das políticas relacionadas com os jovens.
Para os jovens brasileiros, em especial aqueles em situação de
vulnerabilidade social e por isso menos dotados de redes sociais de
proteção – vítimas principais do desemprego pessoal e familiar e da
morte por causas violentas – as conseqüências do enfraquecimento
do Estado e da privatização da esfera pública ao longo dos últimos
dez anos foram ações governamentais fragmentárias no âmbito de
vários ministérios e secretarias de governo nas esferas da União, dos
estados e municípios, ainda que em muitas cidades tenham surgido
iniciativas inovadoras que estimularam o surgimento de esferas
públicas democráticas – fóruns, conselhos gestores, orçamentos
participativos etc. – que contaram com a participação de segmentos
juvenis na formulação e implementação de ações6.
Em relação ao diálogo
da juventude com po­
deres públicos locais,
ver Pontual (2003).
6
Existe uma íntima relação entre as condições materiais de vida e
a participação social e política. O agravamento das condições de vida
de ampla maioria da população jovem brasileira – em especial os se­
tores mais vulneráveis: jovens negras e homens jovens moradores de
espaços populares – incide diretamente no aumento da sensação de
insegurança no presente e das incertezas quanto à vida futura. Sem
dúvida, esse quadro de instabilidade e desesperança não pode ser
considerado favorável ao desenvolvimento da cidadania ativa, mas sim
JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO
45
PGM 4
campo fértil para práticas clientelistas e toda sorte de violações de direitos humanos.
Em toda a América Latina, a face mais visível dos jovens, principalmente os
pertencentes aos setores populares, foi aquela que os converteu nos principais ope­
radores de violências nas sociedades. Em conjunto com esse processo estigmatizador
e generalizável a todos os países da região, se aprofundou a crise estrutural dos anos
80, que fraturou as macroeconomias dos países e pulverizou a microeconomia das
pessoas. Nesse processo, muitos jovens vêm pagando o preço dos custos de políticas
econômicas que os excluem das possibilidades de incorporar-se produtivamente à
sociedade (Reguillo, 2003).
A baixa participação social termina por acentuar os traços dominantes e ex­
cludentes do nosso sistema social capitalista. Historicamente, os jovens no Brasil
foram tratados como problemas sociais para os quais o Estado reservou ações de
assistência e/ou controle social. Há ainda campo aberto para a compreensão dos
jovens como segmento populacional estratégico que requer ser transformado em
problema político orientador de políticas de Estado que os reconhecessem como
sujeitos de direitos.
Precisamos ampliar nossos conhecimentos sobre os relacionamentos – reais e
imaginários – que os jovens estabelecem com as referidas esferas, o que permitirá
reconhecer inconsistências, ausências, demandas reprimidas e sinalizar caminhos de­
mocráticos alternativos nos diferentes territórios onde se cruzam o Estado, o mercado
e a sociedade civil. Um dos grandes desafios para o Estado democrático em seu rela­
cionamento com as novas gerações é o de reconhecer as formas realmente existentes
e buscar formas mais permanentes, institucionais e democráticas de participação.
A cidadania política se identifica com a vivência dos direitos políticos relacio­
nados com a liberdade de expressão e associação, ou seja, direitos que só podem se
realizar voluntária e ativamente e que se relacionam direta­mente com a qualidade
da cultura política de indivíduos e sociedades. Os jovens têm um papel decisivo a
jogar nesse jogo democrático.
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JUVENTUDE E CULTURAS DE PARTICIPAÇÃO 47
PGM 5
PGM 5
Cultura, es-
cola e identidades juvenis
Juarez Dayrell 1
Vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é
sério.
O jovem no Brasil nunca é levado a sério(...).
Sempre quis falar, nunca tive chance
tudo que eu queria estava fora do meu
alcance(...).
(Charles Brown Junior – “Não é sério”)
Este trecho da música do grupo Charles Brown Junior traduz
e denuncia o paradoxo vivenciado pelos jovens no Brasil. Nunca as
características e valores ligados à juventude, como a energia e a es­
tética corporal ou mesmo a busca do novo, foram tão louvados, num
processo que poderíamos chamar de “juvenilização ” da sociedade.
Mas, ao mesmo tempo, a juventude brasileira ainda não é encarada
como sujeito de direitos, não sendo foco de políticas públicas que
garantam o acesso a bens materiais e culturais, além de espaços e
tempos onde possam vivenciar plenamente esta fase tão importante
da vida. Além disso, como diz a música, o jovem não é levado a sério,
exprimindo a tendência, muito comum nas escolas e programas
educativos, de não consi­de­rar o jovem como interlocutor válido,
capaz de emitir opiniões e interferir nas propostas que lhes dizem
respeito, desestimulando a sua participação e o seu protagonismo.
1 Professor da Faculdade
de Educação e coorde­
nador do Observatório
da Juventude, ambos da
UFMG.
A música também denuncia um outro fenômeno comum: a
criação de imagens e preconceitos sobre a juventude, quase sempre
abordados sob perspectiva negativa. No cotidiano das nossas esco­
las, por exemplo, o jovem geralmente aparece como problema, com
ênfase na sua indisciplina; na “falta de respeito ” nas relações entre
os pares e com os professores; na sua “irres­ponsabilidade ” diante
dos compromissos escolares; na sua “rebeldia ” quanto à forma de
vestir – calças e blusas larguíssimas, piercings, tatuagens e o inde­
fectível boné – o que pode ser motivo de conflito quando a escola
CULTURA, ESCOLA E IDENTIDADES JUVENIS
48
PGM 5
define um padrão rígido de vestimenta. É comum também entre os professores
o estereótipo das gerações atuais como desinteressadas pelo contexto social,
individualistas e alienadas, numa tendência a compará-las às gerações anteriores,
mitificadas como gerações mais comprometidas e generosas. Além disso, a juven­
tude é considerada uma unidade social, um grupo dotado de interesses comuns,
os quais se referem a determinada faixa etária. Nessa perspectiva, a juventude
assumiria um caráter universal e homogêneo, sendo igual em qualquer lugar, em
qualquer escola ou turno.
O que se constata é que boa parte dos professores das nossas escolas tendem
a ver o jovem aluno a partir de um conjunto de modelos e estereótipos socialmente
construídos, e com esse olhar correm o risco de analisá-los de forma negativa, o
que os impede de conhecer o jovem real que ali freqüenta. Essa tendência é de­
corrente do fato de a juventude ser, ao mesmo tempo, uma condição social e uma
representação. De um lado há um caráter universal dado pelas transformações do
indivíduo em determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimen­
to físico e enfrenta mudanças psicológicas. Mas a forma como cada sociedade e,
no seu interior, cada grupo social vai lidar e representar esse momento é muito
variada no tempo e no espaço. Essa diversidade se concretiza no período históri­
co, nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas,
valores, etc.), de gênero e também das regiões, dentre outros aspectos. É muito
diferente, por exemplo, a noção do que é o jovem, de como vivencia esta fase e
de como é tratado em famílias de classe média ou de camadas populares, em um
grande centro urbano ou no meio rural. Nesta perspectiva, podemos afirmar que
não existe uma juventude, mas sim juventudes, no plural, enfatizando, assim, a
diversidade de modos de ser jovem na nossa sociedade.
Diante disso, se a escola e seus profissionais querem estabelecer um diálogo
com as novas gerações, torna-se necessário inverter esse processo. Ao contrário de
construir um modelo prévio do que seja a juventude e por meio dele analisar os
jovens, propomos que a escola e seus profissionais busquem conhecer os jovens
com os quais atuam, dentro e fora da escola, descobrindo como eles constroem
um determinado modo de ser jovem. Para contribuir nessa tarefa, nos propomos
discutir um fenômeno que vem conquistando um número cada vez maior de
jovens, que é o envolvimento e a participação cultural, pontuando como esta di­
mensão interfere na construção das identidades, na formação humana dos jovens.
As práticas culturais e a construção de identidades
Uma dimensão inovadora constatada em várias pesquisas sobre a juventude
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contem­porânea é o alargamento dos interesses e práticas coletivas juvenis, com
ênfase na importância da esfera cultural que cria formas próprias de sociabilidade,
de práticas coletivas e de interesses comuns. Outras modalidades de ações coleti­
vas surgem como as associações em torno de atividades voluntárias, comunitárias
ou de solidariedade. As formas de mobilização e organi­zação são as mais diversas,
acontecendo desde campanhas pontuais, como aquelas que recolhem alimentos
contra a fome, ou mobilizações em torno da qualidade de vida e do meio ambiente
e até mesmo o surgimento de organizações não-governamentais (ONGs), criadas
e geridas por jovens, com ações mais contínuas em diferentes direções. Chama a
atenção o caráter local dessas ações, articulando-se a partir dos espaços de moradia
e de questões relacionadas com a urbanidade, elevando a cidade como espaço e
tema preferencial da participação juvenil.
Mas dentre estas formas de participação social, o mundo da cultura apare­
ce como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais,
no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares
dos pais, professores ou patrões, assumem um papel de protagonistas, atuando
de alguma forma sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si
mesmos e sobre o mundo que os cerca. Os jovens envolvem-se com diferentes
expressões culturais, como a dança ou o teatro, mas é a música – produto cultural
mais consumido entre eles – o que mais os agrega. Inúmeras pesquisas constatam
esse fenômeno, evidenciando que a cultura e a produção cultural, principalmente
aquelas que ocorrem em torno da música, vêm se tornando espaços privilegiados
de produção dos jovens como atores sociais. A produção cultural, em especial a
músical, funciona como articuladora de identidades e referência na elaboração
de projetos de vida individuais e coletivos, além de ser o meio através do qual
buscam uma intervenção na sociedade, constituindo-se como uma forma própria
de participação social.
A mobilização em torno das expressões culturais pode estar apontando para
questões centrais na sociedade contemporânea. Podem ser expressão do processo
de transformações profundas pelas quais vem passando a sociedade brasileira e
mundial, tendo na informação, no campo simbólico e na disputa do controle dos
recursos simbólicos o eixo em torno dos quais se caracteriza a chamada sociedade
complexa. Por meio da intensificação da velocidade das informações, os jovens en­
tram em contato e de alguma forma interagem com as dimensões locais e globais,
que se determinam mutuamente, mesclando singularidades e universalidades, en­
volvidos numa pluralidade de pertencimentos: posições sociais, redes associativas,
grupos de referência, etc... De tal forma que participam, no real ou no imaginário,
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de uma multiplicidade de mundos, tendo acesso a diferentes modos
de ser, a diferentes modos de viver, a diferentes modelos sociais que
terminam interferindo nos processos identitários.
Neste contexto, a fonte da identidade está cada vez mais cen­
trada nos indivíduos, que vem adquirindo a capacidade autônoma
de definir-se como tais, construindo sua identidade como algo que
não está dado e que não vem de uma vez para sempre. A resposta
à pergunta: “quem sou eu?” não está dada: ela deve ser construída.
A identidade é vivenciada assim, como uma ação e não tanto como
uma situação: é o indivíduo que constrói a sua consistência e seu
reconhecimento, no interior dos limites postos pelo ambiente e
pelas relações sociais.
A construção da identidade é antes de tudo um processo rela­
2 “Estilo é aqui definido
co­mo uma manifesta­
ção simbólica das cul­
turas juvenis, expressa
em um conjunto mais
ou menos coerente de
elementos materiais e
imateriais, que os jo­
vens consideram re­
presentativos da sua
identidade individual e
coletiva. Na construção
de um estilo, os jovens
escolhem determina­
do gênero musical que
consomem, criam um
tipo de visual e espaços
pró-prios de diversão e
atuação. Assim o estilo
pressupõe o cruzamen­
to dos campos do lazer,
do consumo, da mídia
e da criação cultural”
(Dayrell, 1999 e 2001).
cional, ou seja, um indivíduo só toma consciência de si na relação
com o Outro. Ninguém pode construir a sua identidade independen­
temente da identificação que os outros possuem a seu respeito, num
processo intersubjetivo no qual “eu sou para você o que você é para
mim ”. É uma interação social, o que aponta para a importância do
pertencimento grupal e das suas relações solidárias para o reforço
e garantia da identidade individual. Não nos sentimos ligados aos
outros apenas pelo fato de existirem interesses comuns mas, sobre­
tudo, porque esta é a condição para reconhecer o sentido do que
fazemos, podendo nos afirmar como sujeitos das nossas ações. Fica
evidente, como iremos ver mais adiante, a importância do grupo
de amigos, das esferas culturais, da escola, das atividades de lazer,
entre outros, como espaços que podem contribuir na construção
de identidades positivas. Para isso, é fundamental entender quais
as esferas da vida que se tornam significativas para o jovem, bem
como compreender o significado de cada uma delas na construção
da sua auto-imagem.
Os grupos musicais e seus múltiplos significados
As pesquisas têm apontado que os grupos musicais, principal­
mente os constituídos por jovens pobres, articulados em torno dos
mais diversos estilos2, são exemplos significativos das novas formas
de agregação juvenil.
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Tomando como exemplos os estudos realizados em torno desses grupos mu­
sicais, com ênfase nos estilos rap e funk, podemos constatar uma mul­tiplicidade
de significados que estes passam a desempenhar junto aos jovens das periferias
urbanas. Um primeiro aspecto diz respeito ao exercício da criatividade. Os estilos
musicais tendem a possibilitar que os jovens se intro­duzam na cena pública para
além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos, contra
todos os limites de um contexto social que lhes nega a condição de criadores. Dessa
forma, as experiências nos grupos musicais assumem um valor em si, como exer­
cício das poten­cialidades humanas. As músicas que criam, os shows que fazem, os
eventos culturais dos quais participam aparecem como forma de afirmação pessoal,
além do reconhecimento no meio em que vivem, contribuindo para o reforço da
auto-estima. Ao mesmo tempo, a produção cultural que realizam, principal­mente
por meio do rap e de seu caráter de denúncia, colocam em pauta no cenário social
o lugar do pobre.
O outro aspecto diz respeito à dimensão da escolha. Os estilos musicais se
colocam como um dos poucos espaços onde os jovens podem exercer o direito a
escolhas, elaborando modos de vida distintos e ampliando o leque das experiências
vividas. Essa dimensão se torna mais importante quando levamos em conta que é
o exercício da escolha, junto com a responsabilidade das decisões tomadas, uma
das condições para a construção da autonomia.
Outra dimensão presente nesses espaços e tempos de sociabilidade é a alter­
nativa que os estilos musicais proporcionam de vivência da condição juvenil. Para
a maioria desses jovens, os estilos funcionam como um rito de passagem para a
juventude, fornecendo elementos simbólicos, expressos na roupa, no visual ou
na dança, para a elaboração de uma identidade juvenil. Esses estilos musicais são
referências para a escolha dos amigos, bem como para as formas de ocupação
do tempo livre, em duas dimensões constitutivas da condição juvenil: o grupo
de pares e o tempo de lazer. A convivência continuada em grupos, ou mesmo em
dupla, possibilita a criação de relações de confiança, a aprendizagem de relações
coletivas, servindo também de espelho para a construção de identidades indivi­
duais. Assim, os grupos de estilos também são grupos de atitudes compartilhadas
(Carrano, 2002).
Os jovens enfatizam que a adesão aos estilos gera uma ampliação dos circuitos
e redes de trocas, evidenciando que os estilos musicais, bem como os grupos de
produção cultural, se constituam como produtores de sociabilidades. A observação
dessa realidade permite compreender que, de forma geral, os grupos de produção
cultural, mesmo com abrangências diferenciadas, podem significar uma referência
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na elaboração e vivência da condição juvenil, contribuindo de al­
guma forma para dar um sentido à vida de cada um, num contexto
onde se vêem relegados a uma vida sem sentido. Ao mesmo tem­
po, pode possibilitar a muitos jovens uma ampliação significativa
do campo de possibilidades, abrindo espaços para sonharem com
outras alternativas de vida que não aquelas restritas oferecidas pela
sociedade.
Dessa forma, os grupos musicais e seus múltiplos significados
apresentam-se como espaços e possibilidades de participação ju­
venil. Mas não só. A juventude também se encontra e reencontra no
espaço das artes plásticas e artes cênicas, nos movimentos culturais,
no esporte e atividades de lazer. São dimensões da cultura que pos­
sibilitam a troca, o diálogo, a convivência coletiva e a elaboração de
projetos e que precisam ser estimuladas pela escola e contempladas
nas políticas públicas para a juventude.
Por outro lado, não podemos esquecer que a produção cultu­
ral desses grupos, em sua maioria, se mostra frágil e marcada pela
precariedade e pelo amadorismo. É interessante perceber que, se
o mundo da cultura se mostra um espaço mais democrático para
esses jovens construírem um estilo próprio, o mesmo não acontece
quando eles passam a pretender disputar um nicho próprio e sobre­
viver das atividades culturais. As barreiras são muitas, entre elas o
acesso restrito aos bens materiais e simbólicos e a falta de espaços
que possibilitem um conhecimento mais amplo e profissionalizado
do funcionamento do mercado cultural. As escolas públicas pouco
ou nada investem na formação cultural, e quase não existem nas
cidades institui­ções públicas na área cultural que possibilitem o
acesso aos conhecimentos específicos da área. Esses jovens conse­
guem manter uma cena cultural viva e de alguma forma atuante, e
o fazem da forma que podem, de acordo com os recursos materiais
e simbólicos a que têm acesso.
Os jovens e a escola
A fragilidade da cena cultural na periferia dos grandes centros
urbanos expõe a fragilidade das redes sociais com as quais grande
parte da juventude pode contar no processo de sua construção como
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jovens, o que reforça a centralidade dos grupos culturais no momento
em que vivem. Além da família, e mesmo assim quando se pode contar
com ela, eles estão sós, situados no limiar da precariedade. O mundo
do trabalho lhes fecha as portas, com o desemprego atingindo de for­
ma mais aguda os jovens: na década de 90, 62,2% dos que perderam
emprego eram jovens. Grande parte deles não possui qualificação
profissional e se vêem sem perspectivas num contexto de crise da
sociedade assalariada.
Outra instituição com a qual poderiam contar seria a escola. Os
dados do censo 2000 do IBGE indicam que as taxas de escolariza­
ção ampliaram nas faixas etárias de 15 a 24 anos. Evidencia que os
jovens hoje têm mais acesso à escolarização formal e nela perma­
necem mais tempo, ainda que esta permanência seja marcada por
reprovações e constantes desistências, o que gera distorções entre a
idade ideal e a série cursada. Na faixa etária de 15 a 17 anos, mais da
metade dos jovens que estudam (52,6%) ainda estão matriculados
no Ensino Fundamental, no qual deveriam estar apenas crianças
e adolescentes até 14 anos. E o que é mais sério, mais da metade
da população jovem estava fora da escola no ano 2000. E destes,
a maioria (57%) não tinha completado o Ensino Fundamental3. O
3 Dados do IBGE citados
por Carrano (2003).
4 A noção de crise é
utiliza­da não no sentido
de uma ruptura, de caos
mas sim de mutações
profundas, onde se es­
gotam modelos ante­
riores e ainda não estão
delineados os novos,
como sugere Me­lucci
(1991).
afastamento do sistema escolar cresce com a faixa etária, sendo
mais intenso entre os homens que entre as mulheres e mais forte
entre os jovens negros. Um outro dado expressivo é a qualidade do
ensino. Entre jovens de 15 a 24 anos, apenas 47% dos entrevistados
apresentavam domínio pleno de habilidades ligadas à leitura de
textos mais longos, localização de informações e capacidade de
estabelecer relações entre elas. Apenas 35% declararam gostar de
ler, e revistas e livros estavam entre as preferências (Sposito, 2003).
Os dados evidenciam um descompasso entre a ampliação do acesso
e a qualidade escolar oferecida, o que restringe as oportunidades de
escolha e de inserção social nesse momento decisivo da formação
humana.
As pesquisas envolvendo o tema da juventude e escola reiteram
o diagnóstico no qual a instituição escolar, na forma como organiza
seus tempos, espaços e conteúdos, tem se mostrado pouco eficaz em
contribuir para que os jovens, principalmente aqueles das camadas
populares, possam enfrentar os complexos desafios postos pela reali­
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dade social, mostrando-se distante dos seus interesses e necessidades. José Machado
Pais (2003) compreende as razões pelas quais os jovens podem identificar o espaço
escolar como desinteressante, uma vez que eles não se reconhecem numa instituição
onde suas culturas não podem se realizar nem tampouco podem se fazer presentes.
Para este pesquisador português, a escola não reconhece as culturas juvenis com
possibilidade de inclusão e transformação. E é exatamente isto que tais culturas (re)
clamariam: inclusão, reconhecimento e pertença (apud Carrano, 2003).
Fica evidente que a escola vive uma crise4, com os alunos e professores se
perguntando a que ela se propõe. E essa crise se aprofunda quando se constata
que a instituição escolar ainda se pauta por uma visão reiterada de futuro, na
lógica do “adiamento das gratificações ”, ou seja, ela não tem sentido em si, pelo
acesso a uma formação no presente, mas pelas recompensas que supostamente
trará a médio ou longo prazo, mas numa sociedade que fecha as possibilidades
de mobilidade social. A crise da escola é reflexo da crise da sociedade: os velhos
modelos nos quais as instituições tinham um lugar socialmente definido já não
correspondem à realidade.
Os jovens e os desafios dos educadores
Convivendo com esses jovens, olhando a escola a partir da sua ótica, é necessário
se perguntar o que a escola pode fazer por eles, mas sem cair no risco de assumir o
discurso ainda dominante que difunde uma imagem da educação, restrita à escola,
como apanágio para todos os males. Significa dizer que a instituição escolar, por si
só, pouco pode fazer. Os jovens, principalmente aqueles das periferias dos grandes
centros urbanos, demandam mais do que a escolarização, mesmo que de melhor
qualidade. Eles demandam redes sociais de apoio mais amplas, com políticas públicas
que os contemplem em todas as dimensões, desde a sobrevivência até o acesso aos
bens culturais. O primeiro desafio para nós, educadores, é ampliar a nossa reflexão
para fora dos muros escolares e buscar saídas no jogo das forças sociais.
Sabendo dos limites da escola, podemos afirmar com Paulo Freire que a tarefa
pedagógica da escola é ampliar nos jovens alunos a sua condição de humanos.
Isso demanda, em primeiro lugar, ampliar a nossa compreensão sobre os jovens,
principalmente aqueles da periferia, como afirmamos anteriormente. Não podemos
nos esquecer do aparentemente óbvio: eles são seres humanos, amam, sofrem,
divertem-se, pensam a respeito das suas condições e de suas experiências de vida,
posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de melhoria de vida.
Torna-se necessário escutá-los, ver nas práticas culturais e nas formas de sociabili­
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dade que desenvolvem traços de uma luta pela sua humanização, diante de uma
realidade que insiste em desumanizá-los e, na perspectiva do protagonismo juvenil,
tomá-los como parceiros na definição de ações que possam potencializar o que já
trazem de experiências de vida. Se quisermos contribuir para a formação humana
desses jovens, temos de encará-los como sujeitos que são, que interpretam o seu
mundo, agem sobre ele e dão um sentido à sua vida.
Levar em conta os jovens como sujeitos implica repensar a escola, seus currí­
culos com suas práticas educativas a partir de uma nova pauta de questões: Como
fazer da escola e das nossas práticas educativas um momento pedagógico de hu­
manização? Como fazer da escola um espaço de treino de autonomia enquanto
exercício de escolhas responsáveis e solidárias? Como incentivar o protagonismo
juvenil, considerando os jovens como interlocutores válidos, capazes de opinar
nos projetos que lhes dizem respeito? Como incentivar a dimensão educativa da
sociabilidade, fazendo da escola um espaço de encontro, um espaço de relações
sociais de qualidade? Como despertar e incentivar o desejo pelo saber, dialogan­
do com os interesses e necessidades dos jovens? Como incentivar as diferentes
linguagens culturais, possibilitando a expressão autônoma das culturas juvenis?
Como Arroyo (2000), acredito que é por meio dessas reflexões e das novas
práticas que daí advirem que podemos fazer da escola um tempo mais humano,
humanizador, esperança de uma vida menos inumana. Este é um desafio para o
qual não existem receitas. Como dizia o poeta, “caminhante, não há caminho, há
caminhos a andar...”.
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MEC / SEED / TV ESCOLA
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