comparação dos níveis de potência e da freqüência

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comparação dos níveis de potência e da freqüência
Vol.
9 No.
2, 2005
ISSN
1413-3555
Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 2 (2005), 211-218
©Revista Brasileira de Fisioterapia
Potência e Freqüência Cardíaca no Limiar de Anaerobiose
211
COMPARAÇÃO DOS NÍVEIS DE POTÊNCIA E DA FREQÜÊNCIA
CARDÍACA NO LIMIAR DE ANAEROBIOSE DETERMINADO POR
DOIS MÉTODOS INDIRETOS
Sirol, F. N.,1 Sakabe, D. I.,2,3 Catai, A. M.,2 Milan, L. A.,4 Martins, L. E. B.5 e Silva, E.1,2
1
Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Cardiovascular e de Provas Funcionais,
Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil
2
Núcleo de Pesquisa em Exercício Físico, Departamento de Fisioterapia,
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
3
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
4
Departamento de Estatística, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
5
Laboratório de Fisiologia do Exercício da Faculdade de
Educação Física da Universidade de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Correspondência para: Ester da Silva, Rodovia do Açúcar, km 156, CEP 13400-911,
Piracicaba, SP, Brasil, CEP 13400-911, e-mail: [email protected]
Recebido: 22/6/2004 – Aceito: 15/3/2005
RESUMO
Objetivo: Avaliar se protocolos individualizados do tipo rampa podem ser melhor que os do tipo degrau na determinação do limiar
de anaerobiose (LA). Método: 10 homens de meia idade (54 ± 3,25 anos) saudáveis e sedentários foram submetidos a 2 testes de
exercício físico dinâmico em cicloergômetro de frenagem eletromagnética (Quinton Corival 400). O primeiro teste foi contínuo
do tipo rampa (TC-R), com incrementos de 15 W/min, até a exaustão física. O segundo teste foi descontínuo do tipo degrau (TDD). A freqüência cardíaca (FC) foi captada batimento a batimento e as variáveis ventilatórias e metabólicas, respiração a respiração,
em tempo real. No TC-R o LA foi determinado pela metodologia visual (média de 3 observadores) de análise das variáveis ventilatórias
e metabólicas. Para determinação do LA no TD-D foi aplicado o modelo matemático e estatístico semiparamétrico ao conjunto
de dados da FC. Análise estatística: Teste de Wilcoxon para amostras pareadas com nível de significância α = 5%. Resultados:
Foi observada diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) entre os valores de potência no LA determinado no TC-R (66,5
W) e no TD-D (45 W). Os valores de FC não foram estatisticamente diferentes (p > 0,05) entre os 2 protocolos. Conclusões: Nossos
dados mostram que no protocolo com cargas descontínuas, os voluntários atingem o LA em níveis de potência inferiores, porém
com resposta do trabalho cardíaco similar à do exercício realizado com protocolo contínuo do tipo rampa. Isso sugere que a carga
de trabalho durante o treinamento físico para esses voluntários deve ser a do protocolo descontínuo.
Palavras-chave: freqüência cardíaca, limiar de anaerobiose, exercício dinâmico.
ABSTRACT
Comparison of power output and heart rate levels in anaerobic threshold
determinations by two indirect methods
Objective: To evaluate whether individualized ramp protocols may be better than step protocols for determining the anaerobic threshold
(AT). Method: Ten healthy sedentary middle-aged men (54 ± 3.25 years) underwent two dynamic physical exercise tests on an
electromagnetically braked cycle-ergometer (Quinton Corival 400). The first protocol was a continuous ramp test (R-CT), with
15 W/min power increments, until physical exhaustion. The second protocol was a discontinuous step test (S-DT). Heart rates were
measured on a beat-to-beat basis and ventilatory and metabolic variables on a breath-to-breath basis, in real time. For R-CT, AT
was determined visually (mean of three observers) by analyzing the ventilatory and metabolic variables. To determine the AT for
S-DT a semi-parametric mathematical and statistical model was applied to heart rate data. Statistical analysis was performed by
the Wilcoxon test for paired samples, with the level of significance set at 5%. Results: A statistically significant difference (p <
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different (p > 0.05) between the two protocols. Conclusion: Our data show that, during the discontinuous step test, the volunteers
reached the AT at lower power levels than for the continuous test, but the cardiac work response was similar between the protocols.
This suggests that the physical training workload for these volunteers should be determined by the discontinuous step test.
Key words: heart rate, anaerobic threshold, dynamic exercise.
INTRODUÇÃO
A realização de exercício físico requer a interação de
diferentes mecanismos fisiológicos que permitem ao sistema
cardiorrespiratório suprir as crescentes demandas energéticas
provenientes dos músculos em atividade. A capacidade desse
sistema de realizar tal tarefa está condicionada à manutenção
da homeostase do organismo durante o exercício físico, e
sua habilidade para desempenhar adequadamente tal função
é uma medida da sua capacidade funcional.1
O limiar de anaerobiose (LA) tem sido utilizado como
um parâmetro fisiológico útil na avaliação da capacidade
aeróbia funcional bem como na prescrição de exercício físico,
para diferentes populações. Fornece ainda importantes
informações acerca dos principais sistemas fisiológicos
envolvidos na realização do exercício físico. O LA tem sido
utilizado também na determinação da capacidade física de
um indivíduo no diagnóstico de patologias degenerativas
cardiovasculares, respiratórias, musculares e metabólicas.2,3
Uma das metodologias mais utilizadas, estudadas e
consagradas para a determinação do LA é a análise das respostas
das variáveis ventilatórias e metabólicas,1,4 coletadas respiração
a respiração durante protocolo contínuo. A literatura tem
documentado que os protocolos com incremento contínuo de
carga, também conhecidos como protocolos em rampa, permitem
melhor observação da cinética das variáveis estudadas.1
No entanto, a captação das variáveis ventilatórias e
metabólicas requer equipamentos de alto custo e complexo
manuseio, que, na maioria das vezes, está disponível apenas
em centros de pesquisa.5 Além disso, a utilização de
protocolos com incremento contínuo de carga geralmente
levam o indivíduo à exaustão física em menor espaço de
tempo, sendo considerado um teste de esforço físico máximo.
Ribeiro6 e Marães et al.,7 avaliando o comportamento
da freqüência cardíaca (FC) e de sua variabilidade (VFC)
durante exercício físico dinâmico com cargas constantes em
degraus descontínuos, observaram aumento da FC
concomitante à redução da VFC decorrente do incremento
de potências, sugerindo menor participação da atuação vagal
e predomínio da atividade simpática sobre o coração. Orizio
et al.8 relatam a existência de uma associação entre o aumento
lento da FC, observada em exercícios de média e alta
intensidade, com incrementos na concentração sangüínea
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de noradrenalina, sugerindo que nessas condições o tônus
simpático aumentado é o principal responsável pelo aumento
da FC. Silva et al.9 referem que a aplicação de modelos
matemáticos, como o auto-regressivo integrado médias móveis
(ARIMA), e de medida da entropia de sistemas dinâmicos
(Kolmogorov-Sinai Entropy) podem ser utilizados na
caracterização do LA, em protocolos com cargas constantes.
Nesse sentido, a determinação do LA por métodos
indiretos mais simples e menos onerosos em relação à
utilização do equipamento de ergoespirometria, como, por
exemplo, a FC captada em protocolos de exercício físico
submáximos, permite enorme avanço na prática clínica
fisioterapêutica de avaliação de indivíduos submetidos a
esquemas terapêuticos farmacológicos e não-farmacológicos
(como, por exemplo, programas de treinamento físico) em
ambulatórios, clínicas e academias.5
Dessa maneira, os objetivos da presente investigação
foram: determinar o LA de homens de meia-idade por meio
da aplicação de dois tipos de protocolos, um contínuo e outro
descontínuo, utilizando dois métodos indiretos (variáveis
ventilatórias e metabólicas e FC, respectivamente); comparar
os níveis de potência e da FC no LA mensurado em cada
um dos protocolos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Casuística
Foram estudados dez homens de meia-idade saudáveis
com idade de 54 ± 3,25 anos e padrão sedentário de vida,
com base nas respostas do teste de avaliação cardiovascular
e funcional, estando de acordo com a classificação aeróbia
da American Heart Association. Todos os voluntários foram
informados sobre os procedimentos experimentais, aceitaram
participar do estudo e assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido antes de realizar os testes. Este estudo
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição
(processo 01/2001).
Procedimento Experimental
Os voluntários foram submetidos a exames de caráter
diagnóstico, a saber:
a) avaliação clínica (anamnese e exame clínico);
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b) eletrocardiografia de 12 derivações em repouso na
posição supina;
c) teste de esforço físico dinâmico contínuo até exaustão
física ou sintoma limitante, para avaliação cardiovascular e funcional (Protocolo I);
d) exames laboratoriais (hemograma completo, urina
tipo I, colesterol total e frações, triglicérides, creatinina
e uréia).
A idade, as características antropométricas, os exames
laboratoriais e os dados da avaliação funcional estão apresentados na Tabela 1.
Procedimentos para a realização dos testes
A sala onde foram realizados os experimentos foi climatizada artificialmente, com temperatura e umidade relativa
do ar mantidas em torno de 23oC e 50%, respectivamente.
Os equipamentos utilizados foram calibrados
previamente à chegada do voluntário e os testes foram
realizados no mesmo período do dia (vespertino), para evitar
as influências do ciclo circadiano sobre as respostas das
variáveis estudadas. Os protocolos experimentais foram
conduzidos em uma bicicleta ergométrica de frenagem
eletromagnética (Quinton Corival 400), com a altura do banco
regulado de modo a permitir flexão de joelho de
aproximadamente 5º. Os voluntários foram orientados a
manter a velocidade da pedalada em 60 rotações por minuto.
Protocolos Experimentais e Determinação do LA
Para determinação do LA foram aplicados dois protocolos individualizados: teste de exercício físico dinâmico
contínuo do tipo rampa (TC-R) e teste de exercício físico
dinâmico descontínuo do tipo degrau (TD-D), com intervalo
de uma semana entre eles.
Teste de exercício físico dinâmico contínuo do tipo rampa
(TC-R)
Esse protocolo foi realizado com o objetivo de
determinar a capacidade aeróbia funcional e o limiar de
anaerobiose ventilatório dos voluntários estudados. O
protocolo do TC-R consistiu de 60 s de repouso pré-teste
sentado no cicloergômetro, iniciando o exercício com carga
livre durante 240 s, seguido de incrementos de potência de
15 W/60 s até a exaustão física. Esse incremento de potência
foi calculado individualmente, de acordo com fórmula descrita
por Wasserman et al.1 Não foram observados sinais e/ou
sintomas limitantes para o pico dos testes em nenhum dos
voluntários estudados.
As variáveis ventilatórias e metabólicas, como consumo
), produção de gás carbônico ( VCO
)e
de oxigênio ( VO
2
2
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ventilação pulmonar, foram captadas, respiração a respiração,
durante todo o TC-R, por meio de um sistema de medidas
de gases expirados (CPX/D MedGraphics). Essas variáveis
foram posteriormente processadas e calculadas em médias
móveis a cada oito ciclos respiratórios para melhor observação
da cinética de suas respostas durante o exercício.
Nesse protocolo, o LA foi determinado pela análise
visual das respostas das variáveis ventilatórias e metabólicas
por três observadores independentes, devidamente treinados.
O critério adotado para determinação do LA foi a observação
do momento do exercício físico em que ocorre a perda do
e da VCO
, ou seja,
paralelismo entre as respostas do VO
2
2
quando a VCO 2 começa a se elevar mais rapidamente do
(Figura 1). Os valores de potência e FC no LA
que o VO
2
de cada um dos voluntários foram calculados como a média
das três observações.
A FC foi captada nos dois protocolos experimentais
aplicados, batimento a batimento, em tempo real por meio
de uma interface entre um monitor cardíaco (ECAFIX TC500)
e um microcomputador (Pentium III 500 MHz). O sinal do
ECG, captado na derivação MC5 (pólo negativo no manúbrio
esternal, pólo positivo na região do quinto espaço intercostal,
na linha hemiclavicular esquerda e terra no quinto espaço
intercostal direito), foi digitalizado por meio de um conversor
A/D Lab. PC+ (National Instruments, CO) e processado por
um software (STEF 1.01 PC-LPM-16 PnP), que realizava
o cálculo dos intervalos R-R e da FC em valores instantâneos,
amostrados em tempo real e armazenados em disco, permitindo, assim, a análise posterior dos dados e a impressão dos
relatórios.
Teste de exercício físico dinâmico descontínuo do tipo
degrau (TD-D)
Esse protocolo foi padronizado com o objetivo de avaliar
o limiar de anaerobiose10,11 dos voluntários estudados por
meio da análise do comportamento das respostas da FC. O
protocolo TD-D consistiu da aplicação de cargas constantes,
variando de 5 a 10 W, a partir do nível de potência do LA
atingido no TC-R, com duração de 480 s cada uma, sendo
60 s de repouso pré-exercício, 360 s de exercício e 60 s
recuperação pós-exercício.
A determinação do LA no protocolo descontínuo foi
realizada a partir da análise do comportamento das respostas
da FC em cada uma das cargas aplicadas utilizando modelos
matemáticos e estatísticos, por meio dos quais pode-se
verificar a perda da estabilidade da FC durante o TD-D, de
forma que os seus valores apresentam inclinação positiva
e estatisticamente significativa, o que tem sido atribuído ao
início do predomínio da ativação simpática, podendo ser
indicativo do nível do LA (Figura 2).
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Também podemos observar nessa figura os conjuntos
de dados da FC em três diferentes níveis de potência: A –
corresponde à carga do LA determinado no protocolo contínuo
do tipo rampa (inclinação positiva); B – corresponde à carga
do LA determinado no protocolo descontínuo do tipo degrau
(inclinação positiva); e C – corresponde a uma carga inferior
em relação à carga do LA do protocolo descontínuo do tipo
degrau (inclinação negativa).
Nesse conjunto de dados foi ajustado um modelo
matemático e estatístico semiparamétrico. Verifica-se, ainda,
que no nível B ocorreu inclinação positiva e estatisticamente
significativa (p < 0,05) do conjunto de dados da FC, sendo
esse o nível de potência considerado o LA para esse voluntário.
Para a análise em questão foi utilizado o aplicativo “S-Plus”
(Versão 4.5 Professional Release 2 for MS Windows, 1998,
Copyright  Statistical Sciences, Inc. Copyright AT & T).
Na potência em que foi determinado o LA, calculouse a FC média correspondente ao intervalo de 120 a 400 s
do exercício físico.
Análise Estatística
Foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para
análise de distribuição de normalidade das variáveis estudadas.
Para comparação dos valores de potência e FC no LA
detectado nos dois protocolos foi aplicado o teste de Wilcoxon
para amostras pareadas. Nível de significância estabelecido
α = 5%.
RESULTADOS
Os valores de potência e FC no LA determinado no
TC-R e no TD-D estão apresentados na Tabela 1. Observase que foram encontradas diferenças significativas (p < 0,05)
entre os dois protocolos em relação à potência do LA.
Os valores de FC no LA dos dois protocolos não foram
estatisticamente diferentes (p > 0,05). Também estão
e
representados na Tabela 1 os valores de potência, VO
2
FC no pico do teste cardiopulmonar (TC-R).
DISCUSSÃO
Há diferentes metodologias para a identificação do LA,
tanto invasivas (pela dosagem sangüínea de lactato) como
não-invasivas.12,13 Um dos métodos indiretos e não-invasivos
mais utilizados para determinação do LA é a análise da
resposta das variáveis ventilatórias e metabólicas pela
observação do momento em que ocorre o aumento não-linear
da ventilação pulmonar e da produção de dióxido de carbono
), em relação ao incremento linear do consumo de
( VCO
2
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), durante teste de exercício físico dinâmico
oxigênio ( VO
2
incremental do tipo rampa.1
Nesta investigação, para o protocolo contínuo do tipo
rampa foi utilizada metodologia similar a de Sakabe5 e
Crescêncio,14 que adotaram como critério para determinação
do LA a perda do paralelismo entre as respostas do VO
2
e da VCO
.
2
No entanto, apesar de a análise da resposta das variáveis
ventilatórias e metabólicas ser uma técnica bastante estudada
e consagrada na literatura1,2,15 para a quantificação do LA, devese ressaltar que a utilização de equipamentos capazes de realizar
a coleta dessas variáveis é restrita, na maioria das vezes, a
centros de pesquisa, pelo seu alto custo e complexo manuseio.
Nesse sentido, a avaliação desse importante parâmetro
fisiológico por meio de equipamentos de coleta de sinais mais
simples e menos dispendiosos é essencial para que se possa
determinar a capacidade aeróbia de indivíduos submetidos
diariamente a programas de treinamento físico aeróbio em
clínicas, ambulatórios e academias.5
Em estudos realizados7,16,17,18 utilizando protocolos
descontínuos do tipo degrau foi observado que o limiar de
anaerobiose pode ser detectado indiretamente, por meio da
análise da resposta da FC, no nível de potência de exercício
físico em que ocorre a perda de estabilidade de seus valores.
Nesta investigação, o LA foi detectado por meio da
aplicação do modelo matemático e estatístico semiparamétrico
aos dados da FC coletados durante o protocolo em degraus
descontínuos. A potência do LA foi determinada como a menor
carga de exercício em que ocorreu tendência de inclinação
positiva do ajuste matemático aos dados da FC, sugerindo
que o aumento de seus valores foi decorrente de maior ativação
simpática e menor contribuição vagal nesse nível de esforço.
O LA é um índice objetivo da tolerância ao exercício
e representa um parâmetro fisiológico aceito internacionalmente
na avaliação da capacidade funcional19 e na prescrição de
treinamento físico para diferentes tipos de população.4
O treinamento físico tem sido considerado um
importante esquema terapêutico não-farmacológico tanto
no tratamento de pacientes portadores de cardiopatias como
na prevenção do desenvolvimento de doença cardíaca em
portadores de fatores de risco.20
Alonso et al.19 referem que a prática de exercício físico
em intensidades até o LA parece proporcionar maior
segurança em relação a possíveis eventos cardiovasculares.
O treinamento físico realizado em intensidades de exercício
próximas ao LA promove sobrecarga fisiológica efetiva e
segura ao organismo, levando a modificações anátomofisiológicas que permitem ao indivíduo aumentar sua
capacidade aeróbia de maneira gradual.20
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Trecho de análise
2000
m/min
1600
1200
LA
800
400
0
0
120
240
360
480
600
720
840
960
1080
1200
Tempo (s)
.
.
Vo2
VCO2
) e da produção de gás carbônico ( VCO
Figura 1. Resposta do consumo de oxigênio ( VO
) durante o teste de exercício físico dinâmico
2
2
contínuo do tipo rampa de um dos voluntários estudados (SVA). A seta indica o momento da determinação do limiar de anaerobiose (LA)
por um dos observadores, seguindo o critério da perda do paralelismo das respostas das duas variáveis.
Trecho de análise
2000
m/min
1600
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LA
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400
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1080
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Tempo (s)
.
.
Vo2
VCO2
Figura 2. Conjuntos de dados da freqüência cardíaca em três diferentes níveis de potência do teste de exercício físico dinâmico descontínuo
do tipo degrau: A – corresponde à carga do LA determinado no protocolo contínuo do tipo rampa (70 W, inclinação positiva); B – corresponde
à carga do LA determinado no protocolo descontínuo do tipo degrau (60 W, inclinação positiva); C – corresponde a uma carga inferior em
relação à carga do LA do protocolo descontínuo do tipo degrau (50 W, inclinação negativa).
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Tabela 1. Idade, altura, peso, índice de massa corporal, pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), freqüência cardíaca
(FC) em repouso e resultados dos exames laboratoriais. Dados dos parâmetros obtidos no pico do teste ergométrico de avaliação cardiovascular
e funcional, no pico do teste cardiopulmonar contínuo do tipo rampa (TC-R) e no limiar de anaerobiose (LA) dos testes TC-R e no descontínuo
do tipo degrau (TD-D).
Variáveis
Média + DP
Características antropométricas
Idade (anos)
53,9 + 3,2
Altura (m)
1,66 + 0,05
Peso (kg)
72,5 + 8,8
2
Índice de massa corporal (kg/m )
26,05 + 2,6
Repouso
PAS (mmHg)
117,5 + 6,3
PAD (mmHg)
78,5 + 3,3
FC (bpm)
68,4 + 7,9
Exames laboratoriais
Colesterol total (mg/dl)
162,2 + 24,9
Triglicérides (mg/dl)
101,3 + 25
Hemograma
normal
Urina tipo I
normal
Valores no pico do teste ergométrico de avaliação
cardiovascular e funcional
PAS (mmHg)
192 + 16,5
PAD (mmHg)
94 + 11,4
FC pico (bpm)
158,3 + 15,2
Potência (Watts)
135 + 21
Valores no pico do TC-R
Potência (Watts)
142 + 17
Consumo de oxigênio (mlO2/kg/min)
21,3 + 1,4
FC (bpm)
148 + 15,2
Valores no LA
TC-R
TD-D
Potência (Watts)
65 + 10,8
47 + 15,3*
FC (bpm)
97 + 12,7
105 + 12,6
cm = centímetros; kg = quilogramas; kg/m2 = quilogramas por metro quadrado; mmHg = milímetros de mercúrio; bpm =
batimentos por minuto; mg/dl = miligramas por decilitro; mlO2/kg/min = mililitro de oxigênio por quilograma por minuto;
*p < 0,05.
Um índice bastante utilizado na prescrição de protocolos
de treinamento físico é a FC. Há algumas fórmulas preestabelecidas para a determinação da FC de treinamento, mas é
preconizado que a intensidade de exercício ideal seja determinada
em testes de exercício para avaliação da capacidade funcional.20
A FC ideal de treinamento físico dos voluntários
estudados não diferiu entre os protocolos realizados,
conduzindo a resultados equivalentes, no entanto, em relação
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à potência no LA, o teste com incremento contínuo de carga
apresentou valores superiores em relação ao teste com cargas
descontínuas, o que pode ser explicado pela duração do
exercício em cada nível de potência dos dois protocolos.
Pela maior duração do exercício no TD-D, a sobrecarga
aplicada ao sistema cardiovascular, mensurada pela FC, é
similar à observada no TC-R, porém em níveis de esforço
mais baixos, em termos de valores de potência.
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No TC-R, o indivíduo não permanece por muito tempo
em um mesmo nível de potência, pelo incremento de carga
contínuo (aumento de 1 W a cada 4 s). Nessas condições,
a FC observada em um dado instante do teste corresponde
ao trabalho cardiovascular realizado até aquele momento e
não ao exercício realizado somente naquela potência, como
é o caso dos protocolos com cargas constantes mantidas por
um período de tempo. Nesse teste, o indivíduo é submetido
a determinada potência por um período de tempo maior (360
s), suficiente para que o trabalho cardíaco possa ser mensurado
e corresponda adequadamente àquela carga de exercício.
O treinamento físico mais adequado para populações
de risco, como indivíduos sedentários e cardiopatas, é o
denominado protocolo intervalado, ou seja, aquele que tem
como característica a realização de uma série de períodos
repetitivos de exercício, alternada com períodos de repouso
ativo ou intervalos de recuperação. Nesse protocolo, a duração,
a intensidade e os intervalos são variáveis, dependendo do
objetivo desejado.20
Nesta investigação, o protocolo com cargas descontínuas
aplicado mostrou-se mais adequado para prescrição de
intensidade de treinamento físico baseado em protocolo
intervalado por permitir o conhecimento do trabalho cardíaco
imposto em uma dada potência por um determinado período
de tempo. Dessa forma, a mesma potência em que foi
identificado o LA no TD-D pode ser utilizada, de forma segura
e eficaz, no protocolo de treinamento físico do tipo intervalado,
permitindo uma sobrecarga cardíaca ideal dentro dos limites
aeróbios preconizados pelo teste.
Conclusão: Nossos dados mostram que no protocolo
com cargas descontínuas os voluntários atingem o LA em
níveis de potência inferiores, porém com resposta do trabalho
cardíaco similar à do exercício realizado com protocolo
contínuo do tipo rampa. Isso sugere que a carga de trabalho
durante o treinamento físico para esses voluntários deve ser
a do protocolo descontínuo.
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