Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
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Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
FEMUP 48º Festival de Música e Poesia 45º Concurso Literário de Contos De 18 a 23 de novembro de 2013 Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Paranavaí – Cidade Poesia Diretor de produção Amauri Martineli Assessoria Talise Schneider Revisão David Arioch Desenho da capa Adauto Soares Troféu Natividade (Barriguda) Saulo Suguimati Composição e impressão Pama Print Ltda Diagramação Alan Rodrigues FEMUP 48º Festival de Música e Poesia 45º Concurso Literário de Contos Paranavaí - PR Fundação Cultural de Paranavaí Novembro, 2013 Poesias, Contos e Músicas Brasileiras 1ª edição: 1.000 exemplares Música, Poesia, Conto FEMUP De um pequeno grupo de artistas iniciantes no Colégio Estadual, com grandes turmas mistas de cantores e poetas, meninos e meninas sonhavam em ser atores. Todos pela arte, toda arte, grandes e mini valores. Assim nasceu o Festival dos alunos do Curso Clássico do Estadual. Poesias soltas, rimas livres, em folhetos ou num varal. Música solada, cantada, bem ou mal entoada, lindas apresentações. O palco tremia, quando Zé Maria nele subia. O palco era o chão, nos corredores, no pequeno corrimão. Devagar nossa arte passa a ser no Tênis Clube, prédio antigo, mas tinha palco. O artista crescia e a plateia se envolvia. A eleita comissão de seleção muitas vezes perdia a direção. Mais tarde, a Casa da Cultura. Depois o Teatro Municipal. Era aí que a moçada realizava das artes o seu grande Carnaval. O festival tomava impulso, impressionava no cenário nacional, da região, do Estado, do Sul, Oeste e do Norte do Brasil. Também chegavam trabalhos dos autores do estado do Rio. Isso pra quem com os olhos do coração viu, sentiu e aí agregou-se contos, os mais sérios ou engraçados, variados. De escritores iniciantes e de outros já bem renomados. A qualidade da obra, o estilo, o tema, tudo muito complicado. E nosso Festival ganhou seu hino: “Luzes que emanam do alto”. O artista se iluminava. De repente, se inflamava e a plateia vibrava. Hoje já é a quadragésima oitava edição do fantástico festival. Tornou-se para nós a grande conquista do meio cultural. Com apoio da administração, o festival empolgou alma e coração. Tem até um site pra divulgar a toda parte a sua inscrição. E lá está o Paulo, o Amauri, cantores, atores, poetas, declamação. Violas, pianos, violão, flautas, violinos cerrando fileiras na grande pista. Magnífico palco com luzes do Adauto, iluminando a imagem do artista. É grande o tempo de preparação, de cada detalhe, mas todo trabalho e ensaio da turma da Rosi, claro que vale. Juventude sadia, bebendo arte, impulsiona a festa desse grande dia. É nosso festival que abre os braços acolhendo com estranha magia os sonhos dos artistas e os transformam em realidade. Eis que no palco, ele é reconhecido de verdade. Festival de música e poesia, Paranavaí se engalana no seu dia. Cleuza Cyrino Penha Paulista de nascimento, paranaense de coração, paranavaiense por devoção. Autora de diversos livros onde destaca sentimentos e emoções com o objetivo único e específico de melhorar vidas. Professora aposentada, empresária, voluntária na educação e cultura. Sócia do Rotary Fazenda Brasileira. 05 POESIAS 06 COMISSÃO JULGADORA Francis de Lima Aguiar Indianópolis - PR Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio, graduado em Letras (FAFIPA), especialista em Literaturas de Língua Portuguesa (FAFIPA) e mestre em Literatura Comparada (UEL), com enfoque nos contos de Lygia Fagundes Telles. Coordenador do Projeto "Leitores (em)Formação", junto à Secretaria Municipal de Educação de Indianópolis - PR. Cronista premiado no concurso "Varal Literário" (Unespar - Campus de Paranavaí) nas edições de 1998 e 2012. Rita de Cássia Furlan Nova Aliança do Ivaí - PR Graduada em Letras (FAFIPA/2003), especialista em Literatura Brasileira, professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa da Rede Estadual de Educação. Apreciadora de poemas e contos e incentivadora da arte da declamação na escola. Rafael Petermann São Carlos do Ivaí - PR Graduado em Letras pela FAFIPA (2011). Atua como professor de Língua Portuguesa e Literatura na Escola Fatecie Max e no Colégio Sesi, ambos em Paranavaí. Também pesquisa sobre as possibilidades de leitura e escrita no ciberespaço. Leitor apaixonado de microcontos, desenvolve projeto de leitura e produção de textos do gênero com alunos do ensino fundamental e médio. Glaucia Mincoff de Castro Palma Peron Bernardo Nova Esperança - PR Arte Educadora, pós graduanda em Patrimônio Cultural. Professora de arte na rede pública e privada e coordenadora do programa de música "Canto Coral" na Escola Estadual de Nova Esperança. 07 Edih Longo Tanussi Cardoso Paradoxo O inferno cronológico do poeta ou São Paulo, SP “Seis visões da Guernica”, de Picasso Rio de Janeiro, RJ J. B. Donadon-Leal Poema delinquente Felipe Figueira Mariana, MG Passagens Paranavaí, PR Odemir Tex Jr. Um dia ainda serei ornitorrinco Laércio N. Bacelar Santa Maria, RS Poetarte em cinco cantos Belo Horizonte, MG Filippi Aragão O menino Viviane Silva dos Santos Caxias, MA Elementares Paranavaí, PR Nestor Lampros Guernunca Ludymila F. Itatiba, SP Felice, um veredicto Paranavaí, PR Roberto Gonçalves Rastros Carlos Eduardo Narduci Pereira Paranavaí, PR Telescópio Paranavaí, PR 08 Poema Delinquente À mercê da violência que trago tal qual fel de cachaça de esquina, vejo bem meu mundo ficar confuso e também meu corpo suster vitrina; vejo fenda no olhar do parafuso que é sulcado de roscas no regaço, broca que vai, broca que vou um tanto mais a chave, inconteste. Palhaço sob erma lona de circo a relatar as agruras de risos, grunhidos e gargalhadas desdentados, tão infantis, tão infantilizados, pois neles morrem mais sofrimentos assentados sob grossos bigodes: um violentado a mais no mais sem mais. Já desgarrado da mãe faço estrago de tão valente lavro-me quisto pederasta. Corro do vasto mundo, de mim ele corre feito gato à perseguição do cão. Distanciam-se os refúgios nessa fuga e o ganho da vida se faz na morte, mergulhada nos banhos do prazer, nos astros cadentes sobre a terra, nas guerras dos atos sem estrondos, nos gemidos mastigáveis das gastrites, na solidão escondida na massa avessa de esqueletos caminhantes ao pão e mãos estendidas a qualquer senhor, na criança de criança em qualquer chão enfestadinha de bicho e lombriga que igualzinho à mãe briga, briga, briga; no pai artista que arrisca a partilha da enxada sem fio de mexer cimento num espaço laço que embaça e lamenta mulher gestando salário-família e parindo de Deus o insustentável. Olho agora somente, já não vejo quem na busca bebe o resto da taça para o engano permanente da sede; quem vem ávido pelo instante de sugar os louros da mão da graça; 09 quem veste os ásperos panos das sobras... Já não contesto mais. Só relato o assalto da noite de sono envolto por ratos, morcegos e assombrações, mas arranco portas, arrombo vidas e me faço diante de qualquer juiz um pobre indefeso, da inocência um vulto lépido na busca do meu valor. Abraço a agilidade que me vem, divertindo-me com a crua notícia, com o fato e com a falta de provas, com a foto de um ser procurado. Bom mocinho, bom bandido, herói, típica ceifa dos plantios da terra na guerra da marca na raça que dói ao nascer, crescer e rolar sempre à toa na pele pobre com a noite estampada. Fagulhas de vida, nortes, contestos em todo grito, brado, em todo gesto. Moleque ainda me faço um ser impuro, um muro, uma tumba, um trato morto, um porto sem navio, pavio e estopim. Bate a hora da luta por uma bandeira e a vida se declara campo de batalha, caminhos diversos à vista se afloram e um átimo de luz cintila da lágrima esperançosa por se ser derradeira vaidosa por se derramar na glória. Não só na pele ou nas veleidades moram as mais cruas verdades; em mim, em ti, inimigo ou ente, todos temos um quê de delinquente. J. B. Donadon-Leal Mariana - MG Poeta, ensaísta. Doutor em Semiótica e Linguística pela USP, Pós-Doutor em Análise do Discurso pela UFMG e Professor de Teoria da Comunicação e Semiótica da UFOP. 10 rASTROS “Meu caminho não é de ninguém eu não deixo meus rastros no chão.” (Primeiros Erros – Kiko Zambianchi) I Firmo meus passos no atalho que traço para a fuga do ontem (que insiste em me acordar) Tiro a poeira do armário onde guardo as vestes de um corpo que invento a cada dia Invento as cores que sugam a luz de um dia de sol Clareio com elas os pensamentos que escondo no porão do visgo de minha memória “Ora, ora aqui estão!” No fundo (bem no fundo) guardados há tanto tempo Amarrotados Desbotados Esquecidos Estendo na corda es ti ca da de uma ponta a outra 11 II [porfiai por entrar pela porta estreita] Mas é tão mais difícil... Quantos me seguirão? “Eu quero é multidão!” Mul-ti-dão! Para ver o sinal cravado em minha face (exposta no final da carreira) “Eu fiz a escolha!” Carrego nas costas as pedras que um dia lançaram sobre mim “O peso não incomoda O que dói são as cicatrizes!” Lanço a menor e acerto o gigante que sorri (antes que ela penetre no epílogo da sua existência) ... e . . . . c a i 12 III As pequenas coisas guardadas vão crescendo des pro por cio nal (mente) Em minha mente se agigantam rompem o silêncio (que insiste em me acordar) expondo o outrora (quase) esquecido Amarrotado Desbotado Fujo para o espelho e corto as pontas do cabelo (expostos no reflexo que vejo) Me enxergo mais livre Me encontro mais leve Me exponho mais fraco “Onde estava a minha força?” Quero sentir o vento em minha face como um sopro de vida que invoca meus ossos a se levantarem de um sono profundo 13 [acaso poderão reviver estes ossos?] Secos S o l t o s Lentos IV Põe-te em pé! (ouço a Voz) [esforça-te e tem bom ânimo!] “Quantos sonhos ainda preciso para meus passos imprecisos?” Me animo “Devo acordar?” Agora estou sobre as minhas pernas Ereto! Estático! Lúcido (?) Caminho em passos lentos em silêncio dou voltas a esmo (em torno de mim mesmo) Ouço o eco surdo do som que explode a barreira do ego que me escondia “Quantas voltas devo dar?” Levanto os olhos por sobre a muralha que em poucos dias derrubarei no grito abafado 14 (insano) que rasga minha garganta V Quisera brincar de ser Deus e escrever o poema (do início) da minha existência “Haja poesia!” [no princípio era o Verbo] Insisto logo existo Persevero na busca do caminho que me leva para o outro lado das águas Passo em seco Passo a passo Passo em passos lentos... Em paz A sós Paz... sós... Num piscar deixo cair uma lágrima (seca) que rola em minha face como uma pedra Pesando Pisando Pousando em cima do que fora sorrisos esparsos 15 “Por que as lágrimas são tão salgadas?” Olho para trás e vejo a multidão dos rastros que povoavam (em gritos) meus pensamentos Em meio as águas (salgadas) fico mais tranquilo Quem sabe um dia (algum dia) elas por fim possam apagar os rastros do ontem (que insiste em me acordar)? Roberto Gonçalves Paranavaí - PR Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho... Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias, contos e afins. 16 UM DIA AINDA SEREI ORNITORRINCO 1. Um ornitorrinco cabe num verso de Bandeira, no mastro de uma repartição pública na Oceania. Na vadia vida on the road de não querer chegar; um ornitorrinco pode voar como um condor andino, como um supersônico que rompe o silêncio do ar. Um ornitorrinco, antes de tudo, é uma pátria. Nele habita sabe-se lá se um pato de pêlos, sabe-se lá se a mesma loba mamalhuda que alimentou os famélicos Rômulo e Remo. Um ornitorrinco pode ser uma sombra, um abajur. 2. Ornitorrincos resplandecentes nas órbitas oculares do século que nasci, ornitorrincos atômicos pelos subterrâneos de uma guerra sem fim, oh ornitorrincos! Que anjo teu, Drummond, esculpiu essas faces de estátua deformada pelo plutônico epicentro de uma bomba? Ornitorrincos indecentes nas ruas sujas, na fome crua de não querer ser nada que não um híbrido negado, que não um fato curioso na retina dos insípidos ocidentais. 17 Que estúpida senhora de olhos cegos fez bolo para os netos com os vossos ovos? Quem mamou em vossas tetas carnudas, que não um filho da pátria? Da puta? 3. Um dia ainda serei ornitorrinco e pescarei crustáceos em estreitos rios de água doce, tomarei cerveja com os amigos e romancearei mentiras. Perseguirei com pedras quem ousar vender os ovos dos ornitorrincos, pois defenderei com a vida a vida de meus irmãos. Um dia ainda serei ornitorrinco para desbravar a indômita esquisitice de ser todos e não ser nenhum. Um dia seremos todos ornitorrincos. Odemir Tex Jr. Santa Maria - RS Poeta e escritor da cidade de Mata, Rio Grande do Sul. Atualmente reside em Santa Maria e já foi premiado em alguns concursos literários em Felippe D'Oliveira/RS, Ipatinga/MG e Carlos Drummond de Andrade/DF. Diletante nas letras acadêmicas, prepara seu primeiro livro para breve, o que pode ser nunca. 18 GUERNUNCA 1 No retângulo, o fabuloso cortejo de feridas cinzas indefensáveis; estas nos fitam. Meus andrajos coabitam em meus olhos em pânico. Confluir no espaço o amadurecer do sangue seco e agônico do tempo resumido arvora-se na noite vaga e cruel suplicante pelo dia esquecido na nudez dos corpos apodrecidos. Em seu destino resumido, cavalga o retângulo e seu retábulo, no seu contínuo uso diário em exposição o símbolo da delicadeza jaz morto. O corpo rude do guerreiro sem o sol que nos faz iluminados e recortados jaz no solo que não se faz poroso, não o assimila. Não o explica, se livra e nos livrará nesse olhar vazio, –corpo quebrantado pelas dúvidas– todo ele partido pelas estacadas do coração extraído. Distraindo - nos pelo olhar que se funde ao confuso dom de sermos quase irmãos? Pois nascemos da fome, sua espera, sua noite, numa morte configurada pela magreza das forças, despojadas das certezas absolutas– na palavra que arde arte. Arte: dialoga no fundo das poças, na maré causada pela refluência das marés inexistentes, causadas pela mesma consistência do sangue em seu estado cinza. Aparências desiguais, transfusões em comandos seduzidos pelos icônicos homens atômicos 19 distribuídos pelos olhos, seus vários olhares, sob a pele do espanto: – estes nos olham sob seu aparato fosco, nudez do pranto e correndo sobre estas patas de cavalo gastos por voar. Aço pendente em cascos rápidos, em espaços novos e antigos no mesmo jogo –poderemos vencer e ser a mercadoria vivente a sermos violentados e ausentes, nas flechadas que nutrem as ciências? A arte de naufragarmos retoca o retângulo amargo do medo, tende sua rede a ser o sereno dessa noite chuvosa, madrugada e seus frutos caindo sobre a cidade sobrepesada. Madrugada – o alvo silente desencanta, como alvo inaugural, explodindo no seu templo nas explosões que não dormem cumpre serem botina e o exercício dos milicos em seus olhos comuns fitando nas notas borrões, tintas, fetos, ossos e a carne na álgebra da finalidade em seco, surdo mudo desse fim de mundo chamando e sabendo sempre nossos nomes. 2 O retrato da mãe, tantas mães têm seus retratos esquecidos, menos por aqueles que notam 20 os que nelas em nós morrem. Retratos embrutecidos, retratos de alma e corpos nos braços sempre à sua espera movediça. Espera, nada se cumpre a discórdia daqueles, daqueles que disparam a bala, a bomba em seus blocos e anotações curiosos... Ou na notícia evolam, somem sem carícias, mortas na memória, no rogo capaz de vidas – na morte e distraída, sem de repentes ou talvez. As portas foram-se naturalmente comportam janelas, mas é o grito que abre e fecha as bocas, as fábricas; é o grito que destampa a noite feroz em guerras. 3 Touros, bisões, força bruta, refazendo suas visões noturnas passeando pelas televisões, hoje, e nunca. Óbolos conquistados nos labirintos. E seu fim acompanha os lamentos diagonais. Abocanha esta estranhada estrutura, estatura do medo de todos nós, contornado pelo traço negro do ódio, vitrificado pelo gelo cinza e prateado, 21 desses que nasceram no lamento. Visões à prova de vida, renderão à prisão a saída em sigilo, cujo centro emito a sua proteção, e estava escondido na mão do seu autor – no significado do escorpião, em cada um, na destruição e reconstrução de tantos outros autores que por princípio revelaram-se e revelam-se, nas circunstâncias, contraditas: – Plutão. Ancestrais dessa tristeza, chamem a chama extinta e negativada, do seio já sem leite, O menino flácido pelo torpor da densidade da morte. Sua mãe chorando em tuas patas de touro pisando os dias felizes que mais não há. Nesta noite recordamos o corpo teso de cavalo, ampulheta no solo obeso de mais corpos. Sem qualquer cavaleiro. 4 Os hinos cantados tornam-se dor no interior dos cansaços. 22 Hinos, previsões das cortinas exaustas, luzes sumindo no tempo dos capuzes e máscaras mortuárias; hinos rompantes de outros tempos; hinos mostrando a fusão dos grandes em esmagar, sem armas, os pequenos armados de seus cantos amadores. De suas vozes sigam, persigam novamente nesta noite; estes, estas vozes caminhando ao combinar suas vozes e nascendo no chão ausente, cavado por explosões o exílio dentro das bocas cortando calor e amor e dor, no escarro sorvido sem saber anunciar ao serem donos dessas vozes; vozes corroendo e destilando o amor, no ódio rudimentar que tenta o extermínio de todas as vozes. 5 A mulher recai sempre no espaço: no ar, por segundos ou milênios, tenta sangrar– nada poderá fazer ao tentar desatar-se. Seu efeito, sua causa usa 23 na forma intensa de ser : mulher, mãe, irmã, alma, noite, ocasião, ocaso também, da manhã – na parte onde se escondem as armas. O amor louco que tivera não interessará a mais ninguém... Na noite em sua fuga rumo à morte, condenada, no edifício, –grita: somente pode gritar, que seu grito não chegará a nenhum lugar, lugar nenhum, nenhum lugar. Que seu grito sumirá no infinito. E seu grito terá conotações de noites insones, de mulher aflita, cozida pela fome da noite em sua ilha de filhos ausentes. Sem quem a escute, seu grito seguirá no vazio nu, sem direções, sem Norte, sem quem soubesse, o que se grita. E negará seu grito sem corpo possível, sem a fórmula repensada. 24 Gritará, e gritará –e gritará, –e gritaremos. 6 Lâmpadas, olhar, veem na rua a claridade. Luz ensimesmada e artificial. Arde o dia na sua intensa e madura inveja, na sombra da lâmpada da noite, desta noite. O olho, essa lâmpada, cumprindo estruturas e pirâmides, tem a fosca pretensão de ser na sua imprecisão, de ser nada na presença neste palco, descortinando, pois, o lume de sua ilusão. Os olhos doem, ao se afastarem e mostrando demasiada realidade, e norteando como ao preenchimento de outras formas, o que corroem o coração. Tornemos a contemplar este olho – não nos vê, apenas, escapa por entre seus brilhos a fosforescência dos ritos humanos. Na completa exibição dos conflitos em sua exata noite. Destaca e faz-se norma absoluta e regra dessa guerra, 25 em sua palavra dita pela imagem, redita pelo cinza, transfundida por nada: – o medo. A barbárie desse segredo revela-se, na noite desse retângulo, exato, cinzento, miraculosos, retalhado; –nestes cortes e o espetáculo do ódio à vida, do medo à vida, é quase um discípulo em que se desprendem e pedem à mensagem sua imensidade e dissolução. Repetidas, repetidas, repetidas, ao despistar a mesmíssima repetição. 7 Os homens não brigaram pela noite, venderão esta pelo reduzido e fugaz rumor do inimigo. Nem querem o inimigo, nem quer que este se afigure em: AMOR, ABRIGO, TERNURA, SONHO – segredos infinitos, sem nascerem do dolo; têm estes, qualquer um à mão estes 26 segredos... Nenhum dono os contêm –exclusivos. Rompem, assim, nestas cadeias, nesta noite voraz margeando outras, e outros carrascos –carrascos novos–no coração embrutecido, o mundo contumaz, absurdo desse dilúvio desse sangue cauterizado pela violência e, soturno, na imagem. E assimilando pelos ódios a morte e sua indústria iridescente, que nasce e renascerá sobre si. Florescerá, ainda hoje, na noite como densa e escura floresta como mistérios salgados, nus nas paredes nuas em paz em meio a todas as guerras. Nestor Lampros Itatiba - SP Poeta, artista plástico, cartunista, arte-educador- dedica-se incansavelmente às Artes. Premiado em vários concursos de artes visuais e de literatura. Tem o site: www.nestorlampros.com.br e a fanpage: https://www.facebook.com/artistanestorlampros 27 PARADOXO Estranho o comportamento do Zé. Trabalha, vejam bem, trabalha e recebe em dia. Tem atendimento grátis pra toda família pelo INAMPS e pelo SUS diz que pra isso pagou e que pra isso fez jus. Agradecendo sempre fazendo o sinal da cruz. Tem filhos, como investimento, que ajudam ainda rebentos, no orçamento. Que suprimento! Mulher elegantemente magra. Dizem que é carência. Se rica fosse, seria inapetência. Bem, afora a divergência, a dona é tísica, mas como vende limão na feira! E ainda é mística faz bico como macumbeira. É, a renda da família é sofrida, concordo, mas bem tecida. Gente...o Zé tem peito e levantou o seu recanto num canto da Prefeitura. Que usura! Puxou gato, iluminou a vida e o barraco diverte-se ruidosamente com o ardor futebolístico... Corinthians! E que gosto artístico! Fim de semana se sacode no pagode. Pode? Come por mixaria no bandejão da Empresa. Não paga nem imposto na fonte, o mastodonte. Da mídia especializada e dos políticos é assunto preferido pra sociólogo é ente muito querido, o metido. E apesar de todos esses aparatos, o safado ainda vive atazanado. Pior sou que... Tenho a vida violentada e acionada por números. Eu sou um energúmeno! E as taxas? São tantas que não tem nem graça. IR, IPC, IPTU, IPVA e todos os outros IS que nos são impostos posto que todo imposto começa com I e que todo imposto nos é imposto 28 isto posto, muito a contragosto, eu reconheço: sou um rei posto. Que desgosto! Eu tenho mulher que gasta com regimes e plásticas. E a danada pra me azarar só aprendeu fazer a continha de diminuir, não a de somar. Tenho uma casa com jardineiro, piscineiro, faxineiro, cozinheiro e todos os outros “eiros” que vocês possam imaginar que dá até câimbra nos dedos só de contar. Ai, meu Deus! Lembram-se dos filhos do Zé? Pois é. Ajudam no orçamento. Os meus?! Estudam em colégios caros e têm hobbies que não deixam por menos. É um tormento, mas não lamento, finjo que aguento. O Zé se preocupa com a pindura do boteco. Pequeno desacerto. Isto é certo, pois é gente fina, sempre ganha uma propina. E além da bolsa família, auxílio desemprego, vale transporte vejam que ironia o cara tem tanta sorte que é capaz de ganhar na loteria. Eu, decerto, achando-me mais esperto, preocupo-me com a bolsa de NY (o tal índice Dow Jones) e as tramitações industriais e muito mais... Insatisfações políticas, boca lacrada, sobremedos medo sobre a alta da gasolina que joga os preços pra cima. Mas que sina! Eu durmo com o corpo no leito macio, mas com a mente no computador da fábrica. Não ouço o bater do ponto mas ouço o bater das horas, que me roubam o sono e imploram: Ora Mané, cai fora! 29 Não conto os contos de réis, mas conto o conto do vigário e só conto com otário e com a conta monetária Que conto hein, Zé? E então, tu ainda queres mudar de vida? FIM. Edih Longo São Paulo - SP Linguista, professora de português e escritora. Formada pela USP. Tem também formação teatral. Além de atuar, dá aulas de Teatro a adolescentes carentes numa Fundação Beneficente como voluntária. 30 lápide: pasárgada passarinhada num passe prá lá Sossélla 16ª E, se eu não me alimentar, que eu salive por uma barata. “Por que teria eu nojo da massa que saía da barata? não bebera eu do branco leite que é líquida massa materna?”. Todo oprimido tem um lado opressor e vice-versa. Não há de quê. 15ª E, se eu achar que tudo são luzes, que elas me queimem de dia (e de noite). Risco fósforos e os apago, sem a menor expectativa. 14ª E, se eu não compreender o que é o tempo, que de vertigem em vertigem eu aprenda. “Melhor é o fim das coisas que o princípio delas”. 13ª E, quanto mais perto, mais dura a distância, mais dura a tristeza. “maneira de se mudar de maneira de se”. Ah... 31 12ª E, se eu correr, que não seja pra perto. “Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você". 11ª E, se eu usar da força, que ela me enfraqueça. (Re)conhece-te a ti mesmo. Versos livres, rimas precisas, ricas. Paz, paraíso. 10ª E, se a noite vejo estrelas, de dia me faltam sonhos. Em quantos pesadelos já não fui o protagonista? Em quantos teatros já não fui o artista? “Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta”. Máscaras? 9ª E, se eu cantar e dançar, que sejam jazz e tango. Benny Goodman, John Coltrane, Louis Armstrong, Carlos Gardel, Carmencita Calderón e “El Cachafaz”: “e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”. “A música é a poesia cantada”. Dó... 8ª E, se eu for mestre, que todos me superem. Em meu epitáfio constará: “Aqui jaz Rubens, o humilde, 32 e nisto foi apenas o melhor”. “E vou escrever esta história para provar que sou sublime”. 7ª E, se eu não for um bom amigo, que todos os meus sonhos virem ruínas. (“e quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem”). Que o meu arrependimento seja o menor possível, não há momentos para despedidas... 6ª E, se Sansão e Dalila não se casarem, que o Gênesis e o Apocalipse se separem. 5ª E, se eu me lançar ao combate, que seja um bom combate. “O risco de toda batalha é perder a batalha”. 4ª que você se multiplique [cor-ta]. E, se eu me dividir, em mim. 3ª E, se eu começar a gritar, que as minhas lágrimas caiam... em seus braços. Se me distraíssem por mais um segundo, certamente me devorariam. Sobrevivo, e uns e outros querem me roubar a saúde. Pergunto-me: 33 que fariam com ela? Um surdo, outro cego e outro mudo. Ninguém está livre de um assassinato, mas, de um suicídio... Comédia. 2ª E, se eu for criança, que tudo dure para sempre, que a morte seja a vilã mais distante. “E a realidade plausível cai de repente em cima de mim”. Pessoas a todo instante morrem... umas diante das outras. 1ª E, se o meu lado direito estiver na frente, que o esquerdo não interfira. Ando, ando, ando, não mais em círculos, mas ainda distante da Cidade Maravilhosa. Obrigado. Sim, vem. Passagens Felipe Figueira Paranavaí - PR Felipe Figueira é graduado em História pela FAFIPA, mestre em Educação pela UEL e doutorando em Educação pela UNESP-Marília. É professor do IFPR (Campus Paranavaí) e do Colégio Nobel. Suas poesias foram classificadas em diversos concursos, como o Varal Literário, FESTCAMPOS e FEMUP. 34 POETARTE EM CINCO CANTOS CANTO I DE POETAS E PROFETAS Na minha cidade tem poetas, poetas, poetas Que chegam sem tambores nem trombetas Trombetas e sempre aparecem quando Menos aguardados, guardados, guardados Entre livros e sapatos, em baús empoeirados” {LeoMasliah / Milton Nascimento} 1Alef Qual fossem raros brilhos de cometas Iluminando levas de discípulos Mensagens sacras dos sábios Profetas Pregando, são poetas os Profetas, Na poesia linda das doutrinas De anjos, monges ou anacoretas, Os Hinos são verdades cristalinas... Nos Livros bem escritos em fascículos, Profetas são escribas de batinas: Revelam nossos erros mais ridículos E ensinam as virtudes mais divinas... 2Bet Ah!,se os Profetas são sempre poetas, Também Poetas cantam profecias Em versos, nas canções e cançonetas, Em odes, epopeias e elegias; Cantando, os Poetas são Profetas, Qual fossem todos anjos pecadores, Que chegam sem tambores nem trombetas, E cantam nos seus versos multicores... Se amargam nossas doces nostalgias, Adoçam os mais amaros dissabores: Da vida, as tristezas e alegrias; Da vida, nossos risos, nossas dores... 35 3Guimel Qual fossem filhos magos dos estetas, Iluminando levas de leitores, Poetas são profetas e cometas No brilho de seus versos multicores... Na luz maior do bico das canetas Camões e baudelaires são templários, Em versos, rimas, odes e sonetos; Ganhando, como paga de salários, A solidão eterna dos doutores Que buscam seu cantar nos dicionários, Palavras lindas desses cantadores Ecoam hinos, salmos missionários... 4Dalet Poetas, sejam clássicos ou vernáculos, Homeros são confúcios, nostradamus, Os vates cujos versos, qual oráculos, São predições às quais nos entregamos... E ecoam nas igrejas, tabernáculos, Nos templos, dos poetas, vaticínios; Virtudes mágicas em pentáculos, Brotando-lhes na prancha dos escrínios; Estrelas pelas quais nós nos guiamos, Iluminando nossos raciocínios, E os sentimentos mil que transbordamos, São versos que contêm cem mil fascínios... 5 He Poetas, sejam clássicos, barrocos, Românticos, reais, surrealistas, E ainda os poetasgrandílocos, Ou árcades, ou ainda simbolistas, Não cantam qual sofistas mais xacocos; São todos uns profetas cantadores, E enfim a sina desses vates loucos Não é somente a nós cantar amores, É antes labor mágico de artistas, 36 Qual fossem célebres pintores Pintando com palavras tão bem mistas: Metáforas em telas multicores... CANTO II DE POETAS E PINTORES Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares Onde vivem com seus pares, seus pares Seus pares e convivem com fantasmas Multicores, de cores, de cores Que te pintam as olheiras E te pedem que não chores” {LeoMasliah / Milton Nascimento} 1Alef Nerudas, plabos, rilkes são pintores De telas pinceladas com vocábulos Que evocam as imagens furta-cores Qual nos painéis pintados em retábulos; Palavras são pincéis encantadores Nas mãos de vates, bardos, menestréis; Como se os pintores trovadores Fizessem das palavras seus pincéis, Criando cenas desde os incunábulos, Em versos, trovas, quadras e rondéis: Figuras de estilo são venábulos, Poemas são assim belos painéis... 2Bet Nas telas dos poetas as imagens São dadas por palavras escolhidas, Pois nelas, com certeza, as mensagens São cantos p'ra alegrar as nossas vidas; E assim, nos belos quadros, pincelagens De cores, em poemas, bem pintadas, Nos levam a fazer cem mil viagens Em versos, nas estrofes trabalhadas; Imagens são assim também sentidas, 37 A par de serem sempre figuradas: Metáforas já podem ser vividas, Sinestesias podem ser tocadas... 3Guimel Nas telas dos virgílios e eliotes, Com tintas de metáforas e antíteses, Os vates vão glosando bem seus motes E reinventando a vida numa mímesis; E fingem, que de zelo, são zelotes; Fingidos, pois são todos fingidores; Às vezes são românticos, quixotes, E noutras, realistas sem temores... Em versos, cantam vidas numa síntesis, E pintam telas vivas multicores, E plantam paragoges, parassíntesis, E colhem as palavras como flores... 4Dalet Mas, se os poetas são também pintores, Então pintores são também poetas; Pois seus poemas nascem multicores Qual fossem filhos magos dos estetas, Que escrevem em tintas cenas de horrores, Ou cantam com pincéis suas delícias, Ou falam com nanquim de mil amores, E em óleo sobre tela mil malícias... Assim picassos tornam-se poetas Se cantam de uma guerra as sordícias: Guernicas são avisos de profetas, O grito pela paz, desde as primícias... 5 He Van goghes e outros mais impressionistas, Monets, chavannes, degas, renoires, São todos qual poetas simbolistas Que captam a Poesia pelos ares; Também mirós, dalís, surrealistas, 38 Que criam as imagens mais oníricas, Em telas, são poetas modernistas; Em aquarelas, cenas não empíricas; Pissarros são nas tintas baudelaires, E hockneys, cujas obras são satíricas, São, d'antes, uns poetas exemplares Em quadros como grandes obras líricas... CANTO III DE POETAS E ESCULTORES “Não desejam glórias nem medalhas Medalhas, medalhas, se contentam Com migalhas, migalhas, migalhas De canções e brincadeiras com seus Versos dispersos, dispersos...” {LeoMasliah / Milton Nascimento} 1Alef Poetas são exímios escultores De formas em poemas tão perfeitos, Limando qual bilaquesteimadores Os versos que lhes brotam bem no peito... Poetas são assim cinzeladores: Trabalham, teimam, limam, sofrem, suam As formas, como joias furta-cores, E metrificam, rimam, acentuam; E tão perfeccionistas são eleitos, Se dão valor às formas que cultuam; Se as rimas preciosas são preceitos, Tais rimas qual rubis nos insinuam... 2Bet Poetas sofrem mais em seus sonetos, Pois veem nessa forma um tesouro, A joia em duas quadras, dois tercetos; Fechando o canto em chave-de-ouro; Assim, são escultores de sonetos; Ou mesmo nos poemas concretistas 39 E ainda nos haicais e em poemetos Insiste o culto à forma, dos artistas; Assim, o brilho raro e duradouro Dos clássicos, neoclássicos, parnasianistas, Cintila do passado ao vindouro Qual brilho dos pessoas futuristas... 3Guimel Na prancha dos camões e dos vinícius As formas são os versos esculpidos Que custam aos poetas exercícios Na busca dos efeitos de sentido... Pobres poetas, fazem sacrifícios Quando lavoram suas ricas rimas E os versos podem ser assim suplício Por isso, o poeta teima e lima, E sofre ao tecer textos tecidos (E nessa tessitura ele prima!), Que escondem o lavor quando são lidos Em versos, como esconde um verso acima... 4Dalet Se os poetas são uns escultores Os escultores também são poetas Que escrevem com as formas Pensadores, Vênus, Zeus, Pietá, Doze Profetas... De aleijadinhos; sonhos de doutores, As esculturas também são poemas Na Arte desses loucos sonhadores Que representam bem nossos noemas; Na poesia das formas concretas A vida se traduz em seus dilemas: Rodins e brecheretes são poetas, Poetas, mas escrevem sem grafemas! 5 He Cinzéis e estiletes e martelos, Formões e talhadeiras traçam finos 40 Contornos ou desenhos muito belos Na poesia das mãos desses ladinos... Picassos, pisanos, donatellos Eklíngers e oiticicas, lygiasclarks, Se fazem de pincéis seus camartelos, São qual caetanos, míltons e buarques, E talham com as formas tantos hinos, Expostos em museus, praças e parques; De bronze, de metal, ou alabastrinos Poemas esculpidos dizem Arte! CANTO IV DE POETAS E ARQUITETOS Fazem quatrocentos mil projetos Projetos, projetos, que jamais são Alcançados, cansados, cansados nada disso Importa enquanto eles escrevem, escrevem Escrevem o que sabem que não sabem E o que dizem que não devem...” {LeoMasliah / Milton Nascimento} 1Alef Poetas são uns grandes arquitetos, Tramando seus poemas racionais; Poemas são os frutos dos projetos, Que escondem os andaimes tão banais; Assim joãos cabrais de melo neto Constroem formas sólidas, estéticas; De niemeyers, os versos são concretos Nos edifícios das canções miméticas... Palavras são tijolos nessas tais Buarqueanas construções poéticas; Poemas nascem como catedrais Neoclássicas ou góticas ou ecléticas... 2Bet Cabrais em seus poemas matemáticos Traçam estudos antes da feitura; 41 Trabalham em projetos poemáticos Qual engenheiros, traçam a estrutura De seus poemas, em termos sintáticos; Cabrais são bardos bem perfeccionistas Nos versos brancos, soltos, zeugmáticos, Em tons modernos de ares cubistas... Se a Poesia é pura Arquitetura, Chamines, campos e outros concretistas Lançam no espaço em branco a leitura Que encanta mesmo até velhos puristas... 3Guimel Quando o fazer poético é o ofício, É natural que um vate nos brade: “Não se mostre na fábrica o suplício Do Mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade.” Assim como um parnasiano vate, Alguns poetas em toda a cidade Cantam que a Poesia sempre há de Buscar na forma a Poeticidade... 4Dalet Mas, se os poetas são bons arquitetos, Os arquitetos também são poetas; Pois há Poesia nos belos projetos Arquitetônicos em todo o planeta; De pedra, de madeira ou de concreto, Ou de quaisquer outros materiais, Gaudís e niemeyers são completos Poetas em desenhos magistrais, Em curvas sinuosas ou em retas, Arquitetam as mais belas catedrais; Palácios, edifícios, capeletas, São poemas qual louvres, taj-mahais. 42 5 He Colunas e abóbodas robustas, Naves, pórticos, arcos ogivais, São Poesia em catedrais vetustas; Agulhas, e colunas, e vitrais, De poetas que tramam formas justas Em obras de poesia tão concreta, Firmitas, utilitas, venustas: Amor em arcos, curvas e em retas... Vitrúvios e calícrates são no mais Poetas da Poesia das pranchetas, E bárdis e gaudís tão imortais: São vates, filhos magos dos estetas... CANTO V DE POETAS, MÚSICOS E CANTORES “Andam, pelas ruas escrevendo e vendo e vendo Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo E sendo eles poetas de verdade Enquanto espiam e piram e piram Não se cansam de falar Do que eles juram que não viram” {LeoMasliah / Milton Nascimento} 1Alef Mas, se os poetas cantam em seus cantos, São todos eles bardos cantadores; Derramam trovas plenas de seus prantos, Cantar de amigos e cantar de amores; Jograis e menestréis são, entretanto, Nem todos os poetas são românticos: Poetas há que rezam como santos Ou como monges em seus salmos tântricos; E assim caminham esses trovadores, Passeiam juntos por jardins semânticos Não só colhendo rosas e outras flores, Mas antes as sementes de seus cânticos... 43 2Bet Libertos já das rimas são modernos, Modernos vates também são cantores: Drummondes e bandeiras são eternos, Pois cantam nossos risos e temores; E, quando tocam notas nos cadernos, A música que flui de seus poemas, Em versos, sejam rudes, sejam ternos, São liras p'ra acalmar nossos problemas; Pessoas e cesários são tenores, Sejam quaisquer os motes de seus temas; E a voz de outros sopranos trovadores Acalma a vida plena de dilemas... 3Guimel Cantigas de gonçalves e cecílias São cantos que nos soam qual sonatas; Sonetos soam como maravilhas Em notas longas cheias de fermatas; Se as notas são sílabas em ilhas Na pauta musical da Poesia Semicolcheias presas com presilhas Nos soam sempre bem nessa harmonia; As liras desses líricos são cantatas, Solistas de suas lindas melodias, Virtuoses que tocando mil tocatas No coração nos tocam alegrias... 4Dalet Ah! Se os poetas são assim cantores, Músicos são também grandes poetas, Compondo em sete notas, sete cores A Música em hinos, qual profetas; Vivaldis e mozartes pintam cores Com harpas, pianofortes, violinos; Eis que vivaldis também são pintores Que pintam estações bem vivaldinos Beethovens, debussys, chopins, poetas, 44 Wolfgangues e ravéis, tchaicovskinos, Compondo, são poetas e profetas: Poemas, salmos, versos cristalinos! 5 He Se a Música é irmã a Poesia, Sonatas são sonetos musicais, Em versos de tão bela melodia, Assim como as suítes são haicais; Se a Poesia Nossa a cada dia É feita por poetas populares, Jobins, caetanos, chicos, gais, marias Encantam Poesia em seus cantares; Gonzagas, míltons e hermetos pascoais, Além da voz tão linda em nossos lares, Além da Música, há sempre algo mais: Há Poesia flanando pelos ares! Laércio N. Bacelar Belo Horizonte - MG Linguista e escritor, natural de Belo Horizonte, participa eventualmente de concursos literários nas categorias Poesia e Conto, tendo sido premiado em alguns deles, entre os quais o 42º e o 44º FEMUP de Paranavaí. 45 O INFERNO CRONOLÓGICO DO POETA ou “Seis visões da Guernica, de Picasso” Primeira visão: Eu vi. Um som de acordeom vinha das montanhas, na certa, tocado pelos lobos noturnos. Dançando, surgiam estátuas de virgens serenas, enquanto se ouviam aplausos dos navios naufragados, e demônios, travestidos de palhaços, brincavam num carnaval de valsas e sussurros. Ela chega à cidade com seus anéis febris, bebe nas ruas em cristais sutis, nada nos rios, dorme nos ares e seu olhar brilha com o metal de Deus. A Morte, costura definitiva, é cheia de detalhes. Corpo sem ossos, pele e músculos. Algo amorfo, mas com vida. A morte corporal, símbolo das horas inúteis. Tânatos sem o seu contrário. Essa que nasce sem morrer e morre sem nascer. Essa que brilha no oco do caos por todos los días de la Eternidad. Essa velhice que é sol que se desamarela. O Tempo escorrendo seu asco, náusea, raiva. O Tempo vivo. A Guerra. A Morte. Guernica! Segunda visão: Eu vi. Um olhar solto pelas ruas. 46 Uns passos catando, na noite, outros passos. O odor de urina quente na terra úmida. Um beijo frio no espelho do quarto. Um riso seco de dentes claros num rosto de vidro. Fosso e fóssil. Metralhadora que dispara flor e sangue. O pássaro com sua dor de voar. Rios de flores pútridas nas veias. E todos, desde o nascimento, à espera dela. E santos hipócritas a nos dar a vida da própria Morte. Máquina de triturar ossos e deuses para acreditar no advento de la Eternidad. Sombras, mistérios, fetos roubados, fuga e contraponto. O terceiro olho que chora diante do escuro de Deus. Todo tempo é voo da memória. Asa silenciosa como relógio sem ponteiro. Todo tempo é voo e vão. Todo tempo é olho sobreposto a outro que se sobrepõe a outro e o olhar é a memória do que não se vê por trás do último olho. Todo olho é o olho escondido do furacão. Olho sem memória: nada. A memória é o escuro. A Guerra. Olhar cifrado, não poético. Como o inferno cronológico do poeta. Guernica! Terceira visão: Eu vi. Os guarda-chuvas abriam-se sob chuva nenhuma, da mesma forma que Deus não pisava nos pisos limpos das igrejas. Eu pensava o que faziam esses cavalos brancos viajando nas nuvens e nos ventos, 47 mas as rosas nos cimentos teimavam em crescer contra tudo e todos. Carne e homem. Carne e desencarnação. Braços que remam em direção ao alto, em busca de um Deus que não sabe remar. Onde o coração do homem quando se encontra fora do peito? Baterá como o sono duro dos assassinos ou como o sono delicado dos jardineiros? Que a vida só pulsa no desassossego! Guernica! Quarta visão: Eu vi. A Morte é relâmpago sem luz: queima e dissolve sem barulho. A Morte é silêncio. Covarde como todo silêncio. Como o medo da Guerra que se diz paz. Morrer é o contrário de sonhar. É corte e bico de rapinas. As unhas do abismo: vermelhas como o inferno branco do poeta. Sal e solidão. Lágrima escorrendo na pele da noite. A Morte conta sempre a mesma história. Não importa como chega, não importa como vai. Se vã ou inglória, se amor ou vitória, não importa: a Morte conta sempre a mesma história. 48 Nascemos sujos de sangue, urina, fezes, esperma, água, dor e suor - como limpar-nos? A Morte: Arte pintada por Deus. Guernica! Quinta visão: Eu vi. Uma voz fanhosa e rouca chorava um blues afrancesado e os livros faziam filas nas estantes, quais soldados de chumbo prontos para a Guerra. Eu perguntava o que fazer com tanto amor no peito e tanta solidão cultivada como pinguins de geladeira? Vazios, silêncios ocos, perguntas sem respostas, respostas sem perguntas. Como no inferno do poeta. A corrosão no sorriso faminto das abelhas da terra: a verdade sob as escamas da pele. O caminho do homem: conhecer encontrar contar limpar seus próprios ossos. Guernica! Sexta visão: Eu vi. Aqueles passos surgiram na estrada e eram meus próprios passos caminhando. Era tarde demais e os fantasmas dos enforcados renasciam dos escombros. 49 Em Sodoma e Gomorra, queriam fazer sexo com o Anjo, e Jacó implorava “não”, e lhes oferecia a filha, mas eles queriam o Anjo. E gritavam: “Eu quero o Anjo, o sexo do Anjo, eu quero o Anjo, a carne do Anjo, eu quero o Anjo, o beijo do Anjo, eu quero o Anjo, o amor do Anjo, eu quero o Anjo, as asas do Anjo, eu quero o Anjo, a vida do Anjo, eu quero o Anjo, a morte do Anjo, eu quero, eu peço, eu posso: o Anjo!” A Morte é um orifício, um buraco, onde se entra sem o direito de sonhar. Guernica! Eu vi. Tanussi Cardoso Rio de Janeiro - RJ Poeta, contista, crítico literário, jornalista. Nove livros de poesia publicados. Vários prêmios nacionais e internacionais. Poemas traduzidos em várias línguas e publicações de trabalhos em vários países. Pertence ao PEN CLUBE DO BRASIL. É o atual Presidente do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro (SEERJ). 50 O Menino O menino conversava com pássaros Sentia que voava ao vento, de asas abertas Assistia ao céu quando viam tevê Dizia que dormiria nas nuvens As tias se benziam e ralhavam com ele. O menino lutava contra a sombra Pintava-se de pó e cantava ópera, Revia todo dia os filmes de sua mente Ria no presente como se estivesse no ontem A avó se assustava e ralhava com ele. O menino ouvia em cores Tracejava na areia o caminho dos sons a orelhas Farejava e perseguia cheiros Dizia que as comidas tinham gosto de animais Sua mãe se ofendia e ralhava com ele. O menino sentia-se só na multidão da escola Imaginava histórias com os números do quadro Olhava o planalto para além das grades Sonhava aventuras em terras fantásticas E acordava-o o professor que ralhava O menino sentia mais frio que os friorentos Mais tristeza que os tristonhos Mais desejo que os desejosos Menos talento que os talentosos O corpo parece que ralhava com ele Tinha dezenas de noivas em sonho Vivia romances astrais E, na realidade, seu pé congelava Ao ver a amada O coração parecia ralhar com ele... 51 Um dia, ralhou com o mundo. Pintou seu rosto, cantou desgostos Lutou com dramas, projetou histórias Pintou a música, ouviu aquarelas Riscou os medos, viveu mundos novos Conquistou milhares de donzelas Voou e dormiu no céu. Nem morreu, nem ficou louco... Virou poeta. Filippi Aragão Caxias - MA Nasceu em 16/03/1987 na cidade de Teresina-PI e mudou-se para Caxias-MA. Amante da Arte, sobretudo da Música e da Poesia, formou-se em Letras e é professor de teoria musical. Esta é a primeira vez que publica um de seus poemas. 52 Elementares Bom mesmo era brincar com fadas, frutos da imaginação, ou voar com asas de mariposas florescentes, rabiscando cores com tintas de arco-íris... ...Fingir medo verdadeiro de bruxas narigudas que procuravam gnomos em troncos de árvores secas, deslizar sobre as tranças de ninfas e tocar o mar com as pontas dos dedos, realizando desejos conectados a essência da alma. Convocar todos os pós-mágicos e depois, espalhá-los pelo mundo... ...Em busca de meninos perdidos. Fácil seria juntar toda essa magia se, lembrássemos mais dos tempos de criança, quando tudo, num piscar de olhinhos, virava lobisomem, duende, fauno, elfo... Algumas árvores em meu quintal tinham o encanto de toda uma floresta mágica, e a reunião com a “molecada” era logo um evento de reis e rainhas. Pois bem!!! Montemos em nossos unicórnios e sintamos... Hummmmm! Tem cheiro de travessuras! Viviane Silva dos Santos Paranavaí - PR Cantora, poetiza, contadora de histórias e professora de português e espanhol. Escreveu e ministrou o projeto "Musicaler" de incentivo à leitura no centro da juventude de Paranavaí-PR. Participou de várias oficinas de teatro no Brasil e Espanha. Atualmente, leciona no IFPR - Campus Paranavaí nos projetos de extensão de Língua Espanhola, Produção Textual e Contação de Histórias. 53 Telescópio A magna penumbra afaga o DENSO ventre de ginga excitante que o querer concebeu... HÉLIO...! EVOLUIU INQUIRIU DE ONDE VEIO O véu de teu espectro gama assombra penando corpos cósmicos elucidando o caos que funde em desígnios paralelos a lenda do tempo a fábula do espaço a fúria que da à vida existência Supernova Natural esses lábios sorrateiros responderem com ira à tua míngua eterna? Qual a consonância de teus sussurros? Quão insípido és teu colostro? Que escondes nas trevas desses amplexos? Provoca-nos na desolação furtiva de tua ocultação há de devorar-nos ainda que o decifremos Nigrum Foramen A tato e ebriez maculamos os coágulos de tuas chagas ignóbeis apontamos nossos punhos à gestalt de teu suplício uma nova forma para cada direção e o mesmo erro... Nebula 54 Sob o amparo de tua mais ilustre peregrina as doces e impetuosas reminiscências de tua infância ilustram a cúpula celeste quasares pulsares... miragens Lux Só há efemeridade no hoje para míseros instantes nutrirem a audiência secular que alferirmos de teu esmero mesmo uma partícula mesmo tua perspectiva musical teu drapeado arquitetônico ou o acorde de tuas telas Vitam A medida que o labor colossal de teu antes avultar a inefabilidade de teu depois a percepção em dias edificará tua mais arrogante antítese Curiositas Hominum Laceramos teu invólucro de eras distâncias e massas incomensuráveis no nanquim de nossa pena da epopéia de tua genese à revelação apocaliptica de teu amanhã Universum Carlos Eduardo Narduci Pereira Paranavaí - PR Formado em História pela FAFIPA. Leciona a disciplina de História e História da Arte para o ensino fundamental e médio. Premiado no FEMUP de 2012 nas categorias Poesia e Conto. 55 Felice, um veredicto Meu diabo dançou com o demônio dele e a música do violinista está longe de acabar. Dexter Morgan Perdoa-me. Como pude te tratar assim? Com descaso, colocando-te de lado, como se eu fosse dono te tudo e você, uma simples peça de pouco valor. “As pessoas acham divertido fingir que são monstros. Eu passo a vida fingindo não ser um”. Repugnante. Toda vez que brinco de ser Deus, eu caio, torno-me um destino à deriva, um reles fragmento à margem do que realmente importa. A barata que eu não sou me torno, “monstros não vivem felizes para sempre”. Carpe diem! “Mas só depois de amanhã, depois da semana que vem, depois do ano que vem” – é o que a minha (in)consciência me dita. “Só depois que tudo se findar, carpe diem”. Para bom entendedor, meia barata basta. Não há entrada. Não há saída. Não há liberdade. Não há despedida. Não há morte. Não há vida. 56 É tudo sonho. É tudo pó, poeira. É tudo “a mesma coisa”. Na natureza nada se cria, tudo se definha, de homem a “inseto monstruoso” e vice-versa. Não há “nenhum sinal da redenção prometida”. Morte e vida, Severina. A cada vez que ninguém me levava a sério, meu humor se tornava “mais sombrio”, meu sono mais intranquilo. Eu, “pequeno feixe de ossos”, artista da fome, “mártir digno de compaixão”, sou o único acompanhante perfeito de mim mesmo. Não preciso mais estar no centro do picadeiro, basta-me um lugarzinho junto ao estábulo, que as pessoas passem e por um segundo, apenas um segundo... olhem. Não preciso mais de alimentos frescos, de uma tigela “cheia de leite açucarado e com pedacinhos de pão”, alegro-me com “legumes bem amadurecidos, quase podres” e com um sofá, coberto por um lençol, para que eu me enfie debaixo e esconda minha metamorfose, meu nascimento no sangue. “Perdoe-me se às vezes minhas explicações são confusas” – mas não sou “soldado, juiz, engenheiro, químico, desenhista”, sou apenas um homem dos ratos, que não conhece a própria sentença de morte, que não teve nenhuma oportunidade de defesa, sou apenas um condenado na colônia penal. Que saudade da minha infância, não tive “tempo de ser criança”, de ter desejos de criança. A “roda viva” não é cíclica, mas “carrega o destino pra lá”. 57 Hoje, meus inimigos são muitos, já não tenho mais fibra, nem vida. A dignidade foi a causa do meu fracasso. Minha hora chegou. Dê-me “um cálice de paz antes de partir rumo à guerra”, permita-me, por fim, ser sepultado ao seu lado. A música ainda vive em mim... E no fim o cadáver ainda cai até o fosso em um voo de suavidade inefável mesmo que agora, diferente daquela época, já não haja centenas de espectadores amontoados como moscas ao redor do fosso. Franz Kafka i Poesia escrita entre novembro e dezembro de 1917. Ludymila F. Paranavaí, PR Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Teve poema classificado no FESTCAMPOS. Apaixonada pelo universo literário, tem embarcado na escrita de poesias. 58 CONTOS 59 COMISSÃO JULGADORA Márcio Renato dos Santos Curitiba - PR Curitibano nascido em 1974. Formado em jornalismo pela PUCPR em 1995, trabalhou na revista Ideias, da Travessa dos Editores e no Caderno G, suplemento de cultura da Gazeta do Povo. Mestre em Estudos Literários pela UFPR, atuou na Imprensa Oficial do Paraná entre 2000 e 2002, quando foi publicada a coleção Brasil diferente. Escritor, estreou na ficção com o livro de contos Minda-Au, publicado em 2010 pela Editora Record. Tem um conto na coletânea O Livro Branco, da Editora Record, na qual 19 escritores brasileiros escreveram contos a partir de canções dos Beatles. Em 2013, publicou o livro de contos Golegolegolegolegah!, pela Travessa dos Editores. Atualmente, trabalha na Biblioteca Pública do Paraná. Paulo Marcelo Soares da Silva Curitiba - PR Bel. em Direito. Licenciado em Geografia. Participante ativo e vencedor de alguns dos primeiros Festivais de Poesias de Paranavaí. Vencedor do 1º Concurso de Contos de Paranavaí. Menção Honrosa nos 15º Jogos Florais e nos 19º Jogos Florais de Barreiro – Portugal. Menção Honrosa no 1º Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras. Contos publicados pela Empresa Tipográfica Casa Portuguesa de Lisboa e pela Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal, Barreiro, Portugal. Autor do livro História de Paranavaí publicado pela Prefeitura Municipal de Paranavaí. Saul Bogoni Paranavaí - PR Mestre em Letras (UEM), especialista em Língua Portuguesa, professor universitário e da rede estadual, jornalista. Presidente da comissão organizadora do FEMUP em 1970 e membro da comissão julgadora em diversas edições. Membro da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Anderson Possani Gongora Marilena - PR Possui graduação em Letras pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí FAFIPA- (2002), pós-graduação em Intertextualidade nas Literaturas de Língua Portuguesa pela mesma instituição (2003) e mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2007). Atualmente é doutorando em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, professor na Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná e no Colégio Estadual Princesa Izabel - E.F.M. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Inglês e Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: imagem, violência, identidade, sexualidade, cidade e literatura contemporânea. 60 Rafael Peres Os girinos Uberlândia - MG Karina Limsi Soneto suicida Ilha Solteira - SP Marcio Ribeiro Leite O relojoeiro Salvador - BA Reginaldo Costa de Albuquerque Conto pantaneiro Campo Grande - MS Henrique Bon A tocaia Nova Friburgo - RS Ana Nenduziak Poeira infame Paranavaí - PR Altair Cirilo dos Santos Olho de vizinho Paranavaí - PR Roberto Gonçalves Rastros do passado Paranavaí - PR 61 SONETO SUICIDA Me traga a adaga, Dara! Por que se dara? A vida me traga, e esse vazio, Eu não sei descrever. À vida me traga, e esse meu desvio, vais reverter. O que me dara? De paixão me tragara, Dara, Três Joias, guerreira rara. Não sou de ser Papeateiro. Hei de me desfazer, como tudo, Sem a beleza esta, tua, a maior. Não quero a vida, ó Deus, Que me entregara, Se for rendida sem Dandara. – Valhei-me, Nossa Senhora! Gritou a vizinha afobada, num desespero sem tamanho, emudecendo de tanto chorar. Do portão da casa era possível ver, jogada no chão debaixo do Pau Rosa, a moça de roupas e cabeleira ensanguentadas. O corre-corre dos vizinhos paralisou as pernas da mãe e arrancou a revolta do pai que acionava a polícia, o resgate, o médico que em questão de semanas tornara-se amigo íntimo da família. Na mão direita de Dandara, o punhal rústico herdado do avô materno. A mão esquerda sobre o abdômen, as pernas encolhidas empanadas de terra seca, como uma cria recém-parida em posição fetal. Quem presenciou tamanha dramaticidade foi capaz de saborear o horror romântico no cenário agreste, pois diferentemente dos episódios trágicos registrados nas páginas policiais daquela cidade, aquelas visões não eram apenas horríveis, como concomitantemente belas. Como se tivesse acabado de vir ao mundo, voltou Dandara para o centro dele, para a gênese das coisas todas que existem, incluso as coisas que não conhecemos e sequer conheceremos. A mãe sentiu a apunhalada como se fora em seu ventre, como as contrações intermináveis de um setembro amormaçado da qual ela se lembrava em riqueza de detalhes vendo a filha no chão em meio as folhas quase decompostas. Nascera e fora criada no 62 Cabanga, um canto faceiro de Recife, num casebre amodernado de janelas de madeira, entre o branco e o bege das paredes, cuja aparência lembrava o pano de fundo esgarçado do cordel grafológico declamado corriqueiramente pelas folhas do Pau Rosa, tendo por veículo o caminhar ruidoso e descalço de Dandara. Era uma menina linda, de olhos redondos castanhos e um sorriso embaraçante que vez ou outra mordiscava um dos tantos cachos de seus cabelos, na corrida moleca pelo terreiro, que geralmente findava no colo do pai. Aquele pai era para ela o mundo inteiro em um abraço, demonstrando certo pudor da menina em jogar-se nos braços da mãe com a mesma fome de afago, mãe aquela que era dona do sorriso e dos cachos perpetuados na menina. Cresceu naquele cenário, de colo de seu Lauro, de braços de dona Dora, e dos vizinhos todos que em noites quentes reuniam-se no terreiro a fim de batucar desdobramentos de um maracatu de humildes cadências e fazer ecoar os sons serenos que a noite recebia como elogios. Dandara se dançava toda, segurando as pontas da saia com as duas mãos, imitando a irmã mais velha, Narana, que já olhava pra vida adulta sem nostalgia. Se dançava inteira, botando força no movimento das mãos, fluindo meio intrépida. Mesmo depois de ter entrado pra escola, ter descoberto as ruas frescas da cidade, os rapazes, e até mesmo de ter andado só, provando das pingas condimentadas, conversando com andarilhos, atravessando os limites da cidade, até Olinda ou até mais longe, parecia estar alheia às imposições e proposições do mundo. Já bem moça, mais especificamente com vinte e três anos, cursando arquitetura e sem pressa de assossegar, perambulava por tudo que era canto, falando e encantando tudo quanto era gente sortida. Era, ainda que no desplante da meninice a forma de mulher esguia, de uma beleza hors concours indubitável, que obrigava a mocidade de Recife a se esforçar em mendicância por ela. Sorria e fazia graça, também sabendo fechar a cara pra malandragem dos jovens vadios que nem eram tão vadios assim. Via-se frequentemente em casa na companhia dos quase sempre carregados pés de goiaba e do olorante Pau Rosa, enquanto o pai se envolvia com os trabalhos pelo porto e a mãe se dispunha a cuidar dos filhos de Narana. Pelo terreiro, olhando a rua através do muro baixo, Dandara ia vendo o tempo embaraçar seus cachos e o mundo se embaraçar em seu sorriso, e se alguém questionasse o que observava tão cerradamente, respondia que via “nada 63 demais, não”, arrastando o sotaque. Quando em um cavalo negro outubro galopou pro fim, a lua se vestiu de ouro e clareou o terreiro como faria um fragmento de sol incinerador sobre a terra. Dandara sentou no degrau que ligava a casa ao imenso quintal de goiabeiras e ficou a admirar o dissolver das poucas e ralas nuvens que circundavam o espectro dourado, sentindo o vento quente que lhe fazia pensar em caravanas que atravessavam os desertos que ela muito dificilmente conheceria e que estavam tão longe dali quanto suas expectativas em relação a si própria. Pôs-se a questionar em que canto do universo estariam guardados seus desejos, se nas patas do cavalo de São Jorge ou dentre as joias usadas por Sherazade nas mil e uma histórias de enganação, até ser interferida pelo esganiçar dos galhos do Pau rosa. Exclamou pra si enrijecendo os músculos do ventre: - Moveu não! É coisa de minha cabeça. Estava denunciada uma presença. Saiu aos solavancos aquela presença em passos ariscos, como que escorregando pelo corpo da árvore e era uma criatura branca feito papel, de olhos negros e puxados, lábios verdes brilhantes, quase que bordados em lantejoulas, de longos cabelos lilases ouriçados. E era Íris: um ser de causar estranhamento até mesmo naqueles que se julgam escolados no que diz respeito aos ocultismos, mas que em Dandara provocou verdadeira revolução de percepções. Não foi preciso sequer um toque para que se reconhecessem como advindas do mesmo lugar e, incontinentemente travaram uma intensa troca de múrmuros que tinham como intermediário o cheiro doce amadeirado que ajudado pela brisa quente defumava todo o quintal. Osmose ou catarse não adjetivava o fenômeno que ligava as duas que foram perdendo a noção do tempo, esgueirando-se pela terra do quintal, com as mãos se entrelaçando tanto que já se fusionavam num novo ser ímpar. Beijavam-se com a mesma displicência com a qual as perdizes se acomodavam nos galhos das goiabeiras. Minuciosamente, os dedos dos pés de Dandara percorriam a pele quase translúcida das panturrilhas de Íris, levantando lentamente a barra do vestido empoeirado. Deliravam as duas como que em semifusas, conversavam sobre vários assuntos simultânea e ininterruptamente, aos sussurros como que em súplicas. Ruidosos eram os afagos que Íris distribuía pelos seios e coxas de Dandara, e o contrário em recíproca, e riam às avessas tendo as mucosas como orquídeas 64 orquídeas que inflamavam-se em sutis movimentos aleatórios, abrasivamente delicados. Posterior àquela esquizofrênica noite, Íris e Dandara passaram a compactuar com um plano de amor intensivo caracterizado pela cumplicidade que sustentava todo o mistério. Uma acompanhava a outra a todo e qualquer lugar e com o seguir dos dias os pais foram percebendo a filha cada vez mais arredia, até mais do que o de costume. Viam a pequena sempre pelo quintal a conversar sozinha, a se contorcer fechando os olhos, a murmurar grunhidos ininteligíveis. Inicialmente, chamaram o padre Paulo, que rezou o quintal inteiro. Em segunda instância Dr. Amadeu, o único clínico geral da cidade que se metia a besta em questões de “endoidamento juvenil” – como costumavam tratar de distúrbios psiquiátricos – que foi logo receitando um remedinho desses de desligar a televisão das ideias num piscar de olhos. Deu sem muita propriedade um diagnóstico e assegurou a família de que tomando os remédios a menina ficaria mais calma. Enquanto lavava os frios pés de Íris numa bacia de alumínio, Dandara se colocava a conversar sobre um futuro próximo, e dona Dora sem compreender porque o desvario se dava, achava trágico e lindo, pensava em como convencer sua criança a tomar tal remédio. E era esse alumbramento aterrorizante todo fim de tarde. Viam, Íris e Dandara – sem que ninguém mais visse –, o arco-íris na água da bacia de alumínio, tatuando uma na outra à cravada de dentes uma desconexa e profunda ópera árida. Se pudesse descrever e se ao menos alguém se dispusesse a ouvi-la dando-lhe vazão, Dandara certamente diria que Íris a atingia no ponto mais difícil de se tocar uma mulher: o desejo. Isso mesmo. O tão famigerado desejo que pode residir ali no pedaço que se encontrar entre a circundância superior do umbigo e triangularidade inferior da alma, que a princípio parece difícil de achar, mas que com uma dose de curiosidade é desvendado. Ocorre que certa noite, Dandara se viu tão envolvida pelos afagos de Íris que adormeceu no quintal. Levantou do terreiro assustada, sentido as pernas e os braços sendo imobilizados, em arrastões pelo quintal. Em poucos minutos estava amarrada à sua própria cama, engolindo á força capsulas das mais diversas cores, à seco. Foi apagando, embotando o olhar e ao acordar avistou da janela escancarada um pedaço de céu azul turquesa, abarrotado de nuvens vermelho acinzentadas que não se moviam como as que vira no primeiro encontro com Íris. Ameaçava 65 chover e choveu, torrencialmente noite adentro. Sequer teve chance de ver amanhecer o dia, mas despertou por volta das onze da manhã, já sem amarras, diante dos olhos molhados da mãe. Sorriram, como se a noite tivesse sido para ambas a mais tranquila dentre todas as tantas que demarcavam aquele laço: - Dormiste quieta feito um anjo... - Dormi, foi? - Foi. Nem ruidou, nem nada. - Me dá um copo d'água? - Vou apanhar...descansa mais! Dandara, sem pestanejar puxou da gaveta do criado um punhal de prata antigo, escondeu no decote do vestido surrado de algodão e caminhou sorrateiramente até o terreiro, clamando pela mãe disfarçando com seu sorriso sempre arreganhado o plano insano que articulava desde o meio da noite anterior: - Me traz a bacia de alumínio, mãe? - E pra que é isso essa hora? - É pra nada...esse pau precisa de água, acha não? - Nem tinha botado reparo. Você bota tanto susto na gente que até me esqueço das plantas. Inda bem que a chuva veio ontem, que as coitadas tavam aí sem beber nada. Venho já com a bacia... A menina olhou pra cada uma das folhas o Pau Rosa e em nenhuma delas encontrou Íris. Lançou mão do punhal e o cravou sem ensaio nas entranhas e foi o que bastou pra desabar no chão. Iam chegando ao portão baixo o pai com as redes na mão e a vizinha empunhando um cesto abarrotado de cajus. Não conseguiam se comunicar entre si os coadjuvantes da cena, mas se moviam de um lado a outro do cenário, cada um a sua maneira, em volta da protagonista que agonizava. E veio curioso, milico, perícia, parente, e lançavam sobre o fato suas especulações sobre sanidade, possessão e doença. O que era o motivo? O que era o real, onde ele terminava e dava voz ao fantástico. Afinal, o que era daquilo tudo o delírio e o que era saúde? O fato é que da criatura que a menina carregava em si, em seu uni-verso, ninguém sabia muito. Faziam com ela como faziam com o Pau Rosa: sentiam o perfume, colhiam as flores, desfrutavam da sombra e tão somente teciam rasa descrição de seus anseios. Sabiam dela nada mais do que o óbvio. Era Dandara a personificação daquela árvore que fincada no terreiro enfeitava as vidas de seu entorno e que apesar de torta, fazia a alegria de toda uma 66 uma cidade, mesmo que esta não fosse capaz de identificar a origem de tamanho encantamento. Na perda de Íris, encontrara aquela mulher travestida de criança a chance de transpor o portão de seu sofrimento e percorrer os desertos todos que intuísse e achar a caixa dourada atrás da lua onde muito provavelmente estariam guardadas suas expectativas com as quais nunca tivera o prazer de se deparar. O que para muitos era a exteriorização da loucura, da perversidade de um desejo castrado, era nela o que havia de mais verdadeiro. Nada pode supor quem chegou à cena do crime e a observou friamente, como fazem os abutres no meio do sertão, mas para aqueles que no mínimo procuraram imaginar a história que anteriormente poderia ter dado arcabouço para aquele desfecho infeliz, jamais em suas vidas presenciaram cena mais bela, de sangue e aroma, de amor e fúria, de inspiração, diferente do ignóbil desfecho das vidas daqueles que pautam a existência própria na realidade alheia. Karina Limsi Ilha Solteira - SP Karina Limsi, nascida em Ilha Solteira no ano de 1988 é Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, autora do blog "Casa das Nuvens" e está às vésperas de lançar seu primeiro livro intitulado "Contos dos que plantam árvores". 67 O RELOJOEIRO A madrugada fria se esparramava pela cidade ainda mergulhada em um sono de luto, como uma maldição. As vielas de pedras polidas e úmidas desenhavam uma rede de artérias exangues a fazer claudicar o velho coração da metrópole. Os casarões decadentes, joias do século dezessete, dezoito, todos precisando de uma boa reforma, perfilavam-se como soldados de um exército de anciãos. As janelas, que certamente testemunharam momentos vibrantes de um passado já esquecido, estavam fechadas. Faltavam-lhes alguns retângulos de vidro. As portas, igualmente quietas, exibiam as soleiras deformadas por incontáveis pés ao longo dos séculos. Anônimos pés que ajudaram a traçar o mapa daquele bairro. O número indicado devia estar logo abaixo. A ambulância moveu-se, cuidadosa, mais alguns metros. Sob um céu de chumbo e grossas nuvens que refletiam a luminosidade de famélicos postes de luz, Haroldo teve a impressão que a rua se estreitava ainda mais à medida que avançavam, e que aqueles edifícios, que a duras penas se mantinham em pé, tombariam à sua frente bloqueando a passagem. Àquela altura tudo cheirava a antiguidade e mofo, misturado ao suor de uma gente desconhecida e à umidade que se desenraizava do chão como ervas arrancadas. O passado de glória e decadência estava impregnado naqueles azulejos portugueses, naquelas paredes manchadas e estropiadas. O cupim rói o que há de madeira e os pombos emporcalham o resto, pensou o jovem médico, chamado às pressas para atender alguém no número 117. O número estava gravado num azulejo encardido em formato de relógio e se sustentava sobre uma porta de altura reduzida, como se naquela casa morasse um anão que não previa visitas. A construção era sólida, de adobe, possivelmente untado com óleo de baleia. Eram assim as edificações daquela época, observou o doutor. Haroldo e seu auxiliar estacionaram a ambulância do único jeito que havia: obstruindo a rua. Felizmente, àquela hora, não se esperava que outro veículo pudesse trafegar ali. De todo modo, tratava-se de uma emergência. O número 117 não passava de um sobrado em condição lamentável, exatamente como os demais naquela viela tosca e escura. A porta baixinha parecia ter afundado sob o peso dos quatro andares que se precipitavam sobre ela. O prédio inteiro cedia à areia movediça dos séculos. Haroldo deu com a 68 junta dos dedos na madeira escavada com ranhuras naturais feitas pelo tempo e tristezas, como rugas num rosto sem dono. Não houve resposta. Aguardou um momento e o fez novamente. Nada. Não se via ninguém na rua e o silêncio sepulcral que inundava o bairro era quebrado apenas pela vitrola de uma casa com uma luz vermelha na entrada, situada a uns trinta metros de distância, justo na esquina com outra rua que parecera ainda mais penumbrosa. A casa não tinha qualquer movimento na porta, como se as prostitutas, sem clientes, pusessem para tocar a vitrola com o único intuito de não deixar a alma do bordel ir embora. Haroldo conferiu o chamado. Sim, estava registrado, era aquela rua, aquele número. Só não havia quem atendesse às batidas. Já estava para desistir quando viu se aproximar uma mulher vulgarmente trajada, saltos altos desafiando o pavimento, e maquiagem excessiva, ridiculamente aplicada. Era a moça do lupanar que fizera a ligação à clínica. A mulher identificou-se como a única amiga do velho relojoeiro que morava sozinho no andar térreo daquele sobrado. O velho não tinha família nem amigos, estava muito magro e fraco, e há dias não colocava a cabeça de fora para nada. Ficara preocupada e resolvera acionar o serviço médico, ele estava precisando de ajuda. Tinha a voz arrastada de quem perdera a conta das cervejas na espera inútil por clientes, mas parecia genuinamente preocupada com quem quer que estivesse atrás daquelas grossas paredes. Feliciano dos relógios, era esse o nome de quem o doutor Haroldo deveria examinar. O jovem médico, sob o olhar curioso do motorista e ajudante, estava prestes a esmurrar outra vez a por ta quando a moça sacou da bolsa espalhafatosa uma grande chave de ferro, de estilo bem antigo, e estendeu-a a ele. O rapaz tomou-a de suas mãos trêmulas e enfiou-a na fechadura, girandoa com firmeza. Escutou-se um ruído metálico seco e a pesada porta se entreabriu. Uma lufada morna e nauseabunda escapou pela fresta. Houve um breve movimento de recuo. Haroldo olhou para o motorista e em seguida para a mulher que os acompanhava, como se pedisse permissão para entrar. Os dois assentiram com um leve meneio da cabeça. Haroldo precipitou-se na escuridão do cômodo. Estavam completamente às cegas quando então a acompanhante, outra vez, abriu a bolsa e sacou uma pequena lanterna. 69 — O que mais tem nessa bolsa, dona... — perguntou Haroldo, encontrando espaço para um frágil sorriso que pareceu aquecer a madrugada e o coração daquela estranha. — Bartira, apenas Bartira, doutor. — Bartira? — Chave, batom, lanterna, camisinha, canivete... material de sobrevivência de puta, doutor. — Desculpe, não quis ser indiscreto. — Não foi... — Não? — Não, não foi. É preciso muito mais que isso para ser indiscreto com uma prostituta, meu anjo. Somos profissionais da indiscrição, esqueceu? Haroldo e o motorista lançaram um riso contido, opalescente, como o raiar do dia que se anunciava à distância. Acharam o interruptor e um tênue clarão âmbar inundou o ambiente. Encontraram-se num cubículo que seguramente tinha menos de doze metros quadrados e ainda assim devia significar o mundo inteiro daquele velho. Algumas estantes repletas de relógios de todo tipo e tamanho, que se espalhavam pelas paredes como aranhas ávidas. Eram tantos que mal se divisava a cor delas. Esquecido a um canto, sobre um catre, um esqueleto mal vestido por uma pele opaca e cheia de manchas. Um esqueleto que respirava, quase deixando ouvir-se um chocalhar de ossos. O trio assustou-se com a cena. Um velho moribundo apenas aguardava testemunhas para o seu último suspiro. Mal abriu os olhos quando a moça chamou seu nome. Haroldo percebeu a gravidade da situação. Precisava levá-lo a um hospital com urgência ou não resistiria mais um par de horas. Pediu ao motorista que trouxesse a maca. Bartira chorava comprimindo a bolsa. A maquiagem desmantelava-se, traindo um rosto mais maduro do que se podia imaginar. O motorista olhou-a espantado, sem conseguir disfarçar que percebia a transformação. Quando a maca chegou, viu que não teria dificuldade para levantá-lo, o velhinho pesava como uma pluma. Qualquer movimento provocava angustiosos protestos do pobre homem. As dores há muito se apossaram de seu corpo carcomido. Eram elas agora que diziam o que fazer. — Por favor, me deixem — protestou o moribundo. 70 — Temos que levá-lo, senhor Feliciano. O senhor está muito doente, precisa de um hospital. — disse Haroldo. — Não, meu jovem, não preciso ir. — Como não, senhor Feliciano? A sua situação é grave. — O momento é solene, só isso. — Solene? — Haroldo franziu a testa. — Sim, o momento da morte é sempre solene. — Então, é exatamente esse momento solene que estou querendo evitar. — Mas você não pode... não pode impedir o que está determinado. — Como não posso? Vim aqui para isso, senhor Feliciano. Sou médico, minha função é salvar vidas. — Tolice! — O senhor deve estar muito deprimido, trataremos isso também, por favor, quer me ajudar? — Não há o que salvar, meu jovem, tranquilize-se. Sou um velho relojoeiro à beira da morte. Quero apenas que me deem a mão e façam uma prece por mim, só isso. — Se fosse apenas para uma prece teriam chamado um religioso, senhor Feliciano. Eu sou médico. — Não importa quem você é agora, meu filho. Eu não preciso de médico ou de religioso, um ser humano me basta. — Desculpe, temos que levá-lo. — Não, por favor, não. O meu tempo acabou. — Acabou? Quase, mas ainda podemos tentar alguma coisa. Haroldo tratou de levantar o velho, que mais uma vez gemeu de dor. — Espere... escute! Ouve algum som? Todos pararam subitamente. O quarto estava mergulhado em silêncio paralisante. Apenas os sufocados soluços da prostituta, que seguia envelhecendo enquanto machucava a bolsa nervosamente. O homem restava encolhido no catre imundo, como confiante depoente de sua própria versão para a vida que se extinguia. — Não, não há nada. O que espera? — Quantos relógios tem aí? — Não sei... dezenas, centenas, talvez. — Todos os relógios estão parados, vê? — Sim, estão, e daí? 71 — Não percebe? Estão parados porque meu tempo se esgotou — o velhinho apagava-se progressivamente com o esforço de falar. — Pararam porque o senhor não deu corda, não trocou as pilhas ou simplesmente estão aí para conserto, é isso. — Ainda ontem todos funcionavam... — acrescentou o homem em tom resignado. Entreolharam-se e, em seguida, olhos curiosos vasculharam todos os cantos da sala à procura de um relógio, um único que fosse, qualquer um, que ainda funcionasse. Não havia. As mãos de Haroldo e do motorista tatearam as prateleiras em busca dos pequenos, os de pulso. A mulher seguia com semblante desapontado a inquietação dos homens. Nada. O velho estava delirando, aqueles relógios não tinham vida há muito tempo. — É verdade, senhor Feliciano, não há nenhum relógio funcionando, mas isso não quer dizer... O relojoeiro já não respirava. O ambiente ficara ainda mais soturno. A névoa da madrugada insistia em entrar pela porta. Talvez, por ali mesmo, já tivesse se esgueirado a alma do pobre velho. O rosto, entretanto, estava tranquilo, relaxado. A vitrola do meretrício parara de tocar. Os três ajoelharamse e fizeram uma prece. Bartira segurou atordoada a mão descarnada e fria do velho relojoeiro. Haroldo, com olhos úmidos, teve tempo de pensar na ironia que era a inutilidade dos relógios para ele agora. Como se a vida não passasse de hercúleo e vão esforço. Não, Haroldo precisava apenas sair dali e tomar um pouco de ar, mesmo o ar pesado e úmido, cintilante de memórias irreconhecíveis, daquele bairro perdido no tempo. Marcio Ribeiro Leite Salvador - BA Baiano, escritor e médico. Vencedor do Prêmio SESC 2008 com o romance "O momento mágico" e do Prêmio Internacional da UBE-RJ 2011 com o romance "Pelas frestas do telhado". 72 A TOCAIA Após dobrar o cimo da montanha, desviou-se da trilha que levaria ao povoado. Amarrou a mula em um arbusto, à sombra de uma rocha, caminhou mais cem metros e galgou, com o auxílio de uma das mãos, o barranco à direita. Trazia um fuzil atravessado às costas e uma cartucheira com doze balas no peito. “Por certo não precisarei de todas”, pensou. Esgueirou-se mais para cima, pela parede quase vertical, até escolher o abrigo do qual descortinava, por uma abertura natural, o caminho tortuoso logo abaixo. Depositou à sombra o cantil de couro de cabrito, procurou aplainar o chão de pedregulhos e sentou-se na fenda. Em seguida retirou a arma de sobre os ombros, colocando-a nos joelhos, sentiu a empunhadura da coronha, o frio do metal e experimentou a alça de mira com uma breve excitação. A luz, onde quer que olhasse à volta, era esmagadora. A mesma cintilação avermelhada, a mesma superfície lunar. Bem longe, no vale, se distinguia um pouco de vegetação junto ao rio que circundava o povoado. A laje de granito utilizada pelas lavadeiras faiscava sob a luz. A pastagem, de um verde sujo, pontilhada por umburanas e jatobás, tornava-se rarefeita à medida que se afastava das margens, estacando em fiapos no sopé da montanha. Ao galgar a trilha arenosa em direção à garganta, no entanto, a paisagem se tornava mineral e somente alguns poucos arbustos, de galhada tortuosa e nua, vicejavam nas frinchas. No mais era uma terra inconsistente que desmoronava sob os pés, erodida pelo vento, a esculpir castelos no arenito. Por longo tempo houve apenas o sol e o silêncio aplainado pelo vento. Ele abandonou a vigília e recostou a cabeça na rocha, olhou para as poucas nuvens sob o céu de janeiro e apoiou o coice contra o solo. Era ainda jovem e nunca matara alguém. A sombra dos rochedos se alongava lentamente. Ele perdera a exata noção do tempo, mas sabia que estava ali desde que o sol a pino iluminava o casario branco da vila e o som do ferreiro martelando a bigorna atravessava a distância para morrer na encosta como um grito. Agora, sobre a aldeia, uma névoa já baralhava os olhos, de forma a se distinguir apenas a torre da igreja, perfurando a sombra que a montanha arroja sobre o vale. Um rumor impreciso chegava-lhe pela seteira improvisada, trazido pelo vento, vez por outra um cão latia e as luzes principiaram a tremeluzir. No céu, uma estria de nuvens 73 começava a alaranjar. Ainda que estivesse à sombra, o calor reverberava nas pedras, alcançando-o. A visão do rio lhe deu sede. Sem tirar os olhos da seteira, tateou como um cego, o cantil junto ao solo. Ele não sentia as mãos agarradas ao fuzil e movia os pés adormecidos. Vez por outra, tomava um gole da água morna que deixara à sombra da rocha. De onde estava, distinguia a trilha, que aparecia e desaparecia ao sabor das curvas. O outro haveria de subir por ela, que atravessa a montanha roçagando nos muros quase verticais. Não há outro caminho, ele sabe. Não conhecera o pai e os detalhes de sua morte, já que nascera logo após o acontecido. O que sabia fora apenas a desordenada costura dos retalhos que lhe passara a mãe – que de resto, pouco se referia ao finado – nos quais a imagem do morto surgia-lhe sempre de borco em uma estrada, com um buraco no lugar de um dos olhos e a face reticulada pelo sangue mesclado ao pó. Lembrou-se na infância, da tarde remota em Nazareth das Farinhas, durante a feira, na qual girândolas coloridas espocavam cartuchos de pólvora seca e barracas ostentavam à volta sacas de condimentos de todas as cores. Sua mãe, vestida de negro e com o mesmo recato com que apascentava suas dores, apontou para um homem, à distância. - Olha bem aquele rosto – proferiu em tom grave. E ante a surpresa do pequeno. - É do homem que terás que matar um dia. Desde então, fitara por muitas vezes a face, marcada por uma cicatriz até o queixo, encontrando-a por acaso nos vilarejos do agreste. O calor é intenso a despeito do poente, a luminosidade das pedras à volta ainda atordoa e nubla a visão. O suor escorre por entre os olhos e ele amarra um lenço na cabeça, firmando-o com dois nós nas laterais. Sabe que sob o véu da noite fará frio, mas não teme perder o tiro. A lua cheia guiará sua mão e a bala. Ademais, não há como errar; o alvo subirá pela trilha montado em uma égua de trote desigual. Se não for pelo olhar, será pelo ruído dos cascos contra o solo. “A novena termina esta noite e não há mais razão para que ele permaneça no povoado, a não ser que esteja enrabichado por alguém” – pensou, como a se convencer de que estava próximo o desfecho. Só para distrair a visão percorre uma vez mais a paisagem em torno, enquadrada na mira do fuzil. À sua esquerda o paredão rochoso, mais acima 74 dois gaviões pairando como se estivessem presos contra o céu. O grito de um deles se desfaz no ar. À direita, uma terra vermelha que descai, esboroando em direção à trilha, cujas voltas se perdem por trás de alguma elevação para surgir mais adiante. O passante será visto e abatido antes que saiba o que ocorreu, se não na curva que se debruça no despenhadeiro, na outra, quatro voltas adiante. O rapaz procura manter-se imóvel, mas os joelhos e as pernas doem. Movimenta os pés para aliviar-se e desloca uma pedra que rola aos trancos e no último segundo resvala em uma crista, saltando sobre a trilha. Após algum tempo, o silêncio é quebrado por um baque surdo no abismo. “É lá que deverá repousar o corpo” – imagina. A noite cai e uma lua quase redonda flutua no céu. Pequenos répteis noturnos abandonam as tocas e ele escuta o sussurro das suas patas. Percebe um voejar indistinto, como as vibrações de uma vara. Lembra-se, compadecido, da mula que nada comeu ou bebeu desde o início da vigília. As mãos começam a tremer, não sabe se pela imobilidade ou pelo frio noturno. Teme perder o tiro, mas ao mesmo tempo surpreende-se com uma inesperada felicidade por, talvez, não precisar mudar para sempre, aos dezenove anos, o curso de sua vida. Quiçá não mate alguém naquela noite. Adormece por segundos e desperta em sobressalto. Sente as batidas secas do coração. Imagina ouvir passadas na trilha uma dezena de vezes, mas perscruta o vazio. Lembra-se da vida descompromissada e pensa em desistir. Mas agora é tarde. Iluminado pela lua, um arremedo de centauro avança pela estrada. O tocaieiro o vê, mas não é possível distinguir sua face. O vulto se oculta em alguma reentrância para reaparecer mais adiante, como em uma espécie de jogo. Prossegue sem pressa, agora. Mesmo encoberta a montaria, ouve-se o martelar das ferraduras contra o piso. O rapaz faz pontaria na curva mais próxima e conta as passadas do animal. Seu coração acelera uma vez mais e a boca seca. Na cabeça lateja a sentença de sua mãe: – Aquele é o homem que matarás um dia. O vulto surge. Pelo corpo atarracado e pelo chapéu de lado, sobre o ombro, não pode ser outro. Parece estar bêbado e flutua na sela, o cabresto solto no pescoço do animal. A cabeça pende sobre o tronco e balança segundo a marcha. O tocaieiro espera até distinguir, sob a lua, o gilvaz que o atravessa do 75 nariz ao queixo. A mente se turva. Ele hesita por um momento, ante o caráter pacífico da caça. O disparo seco, quase à queima-roupa, sai precipitado, surpreendendo o atirador e reboa nas pedras como se toda a montanha desmoronasse. O vulto quase amorfo desperta de vez. Leva uma das mãos às costas, procurando o fuzil, ao mesmo tempo em que levanta a cabeça, procurando a origem do tiro. Uma segunda bala, no entanto, o colhe de flanco e o tronco titubeia sobre a sela, escorregando lentamente pelo pescoço da égua, que arremete para além da curva. O atirador desce precipitado, caindo sobre a trilha. Procura recomporse. Corre em direção à fuga do animal. Não tem certeza se conseguira matar aquele homem que o assusta como nos pesadelos infantis. Na verdade, não sabe o que pensar. Aproxima-se com cautela, o fuzil armado. Mais adiante, a montaria estacara. O vulto sobre a terra branca parece um fantasma à luz da lua. Um dos pés ainda está no estribo e de um braço, contra a areia, veem-se algumas contrações declinantes. O rapaz, sem perceber, tira o chapéu e o leva ao peito. Sente-se estranho, como se algo de extraordinário houvesse ocorrido e não mais fosse o mesmo. Passa ao lado do morto sem fitá-lo, caminha de volta até sua mula. A partir de agora iniciará sua fuga, antecipando o momento em que um desconhecido, algum dia ou noite, em uma trilha tortuosa, lhe reclamará o sangue. Henrique Bon Nova Friburgo - RS Nasceu em Nova Friburgo em 1952. É médico e escritor. Lançou em 2002 o ensaio histórico "Imigrantes" e em 2008 o romance "A noite dos peregrinos". Seu livro de contos "A primavera improvável", com trabalhos premiados em diversos concursos, sairá ainda este ano. 76 CONTO PANTANEIRO I As narinas dilatam, deixam o calor amassado do travesseiro e se insinuam pelas frestas do antigo telhado, e tornam para despertá-lo. Que cheiro intrigante é esse, misto de terra, água, mato e auroras, que impregna generosamente a quietude do quarto? – Flor pantaneira... – murmura uma fala delgada, quase apagada. Detém a respiração e entreabre os olhos. Não se mexe. Fica na dúvida se o som brotara da garganta em meio ao bocejo ou obra do pensamento. Tolice? Intuição? Ou efeito do domínio que ela exerce sobre ele? “Sim, é ela!” – pensa entusiasmado. Mas, qual? Aquela que o completa na cumplicidade dos lençóis e na leveza do andar de onça-pintada encontrara um tempo para surpreendê-lo na cama ou o hastil vegetal disposto no peitoril da janela que dá para a varanda e que diz para ele senão promessas de desejos, nunca o brinde amargo de uma taça só? Inesperada excitação anima-lhe o corpo de vaqueiro habituado às adversidades dos campos macegosos, pois o que ouvira não é o débil estalido de armas de fogo que tem perfurado as dobras da noite. De sobressalto, lançase à janela e descerra a tranca sem o menor ruído. Examina a área de visão e nenhuma anormalidade aparente; revela-se a luz vacilante da manhã. Um resmungo involuntário atropela o espanto. O velho galo amiúda preguiçosamente notas incompletas de algum poleiro, sem a intenção de catar minhocas antes de bicar o grão de milho da ração. Chalreada decalca araras pelos galhos de carandás no terreiro. Ameaça a inutilidade do retorno ao colchão, mas as nódoas vermelhas de uma flor esmagada no assombro triste do cimento frio o contristam. E o seu rosto assume tamanha expressão de sentimento. O que sabe ele de flor se nos campos cultivados só conhece a cultura bovina e a rigidez do laço? Será porque o sorriso dela brinca nas pétalas das flores? 77 II Termina o café e contempla a paisagem lá fora por cima do bule vazio. O bramido das leiteiras no mangueiro é cortado por acanhadas palmas. Com o bico da pequena botina à soleira da porta da cozinha o filho do caseiro relanceia. – Quê que há, guri? – inquire displicente. – O patrão carece de sua presença. Rodeia a mesa com vagar, se dirige ao fogão de lenha e afasta as achas do brasido. Um friso de fumaça plúmbea se desenrola ao bater a ponta queimada dos tições. O homem o cumprimenta altivo nos degraus da escada para o alpendre da sede da fazenda. As mãos na cintura formam triângulos com os braços alinhados. – Tenho negócios pendentes na capital, meu rapaz, e me ausentarei por duas semanas. Portanto, contrate gente e reúna o gado das invernadas para vacinação e não se esqueça de matar um garrote gordo para a boia da turma. E gargalha sonoro, alto, alheio ao interlocutor, que sorri apreensivo com o desfecho da notícia: “Ela também irá?” Por segundos o semblante do fazendeiro adquire traços esquisitos. Uma libélula pousa na copa do seu chapéu ao concluir friamente. – Meus camaradas de apoio farão um serviço especial, não conte com eles. Preciso de você aqui, de acordo? Consente com um breve aceno de cabeça. – Às ordens – acrescenta dissimulando a irritação. Capta propósito diferente escondido na tarefa confiada, as palavras não soaram com a naturalidade costumeira. Há muito desconfia da atividade desse pessoal. Empregados arredios e mais afeitos à espingarda que ao trato do gado. Não à toa moram isolados em retiro distante. Já fora motivo de discórdia entre eles: “Cê tem boa pontaria, peão, pra acertá no meio dos olhos dum bicho?” – perguntara um, alisando o gatilho da automática .22, com a fanfarrice estúpida da embriaguez. “Cale essa maldita boca!” – advertira o comparsa com a voz engrolada. No que se despede, a libélula que engolira a frase do patrão confirma a suspeita. Alça voo, pirueta no ar e vai regurgita-la já refeita na corola da flor pendida no jardim. 78 III Ronda o casarão a pretexto de ir buscar o cavalo na cocheira, espreitando tudo. Atrás dos tijolos daquelas paredes alvas regadas pela luz do sol, uma vida nova o espera. Avista o guri serelepe para o recado: “É hoje!”. Aperta os arreios, apoia-se na sela, firma o pé esquerdo no estribo e monta o baio, que se agita e pisoteia ligeiramente um caule seco de caraguatá, depois se acalma, abanando a cauda. Na sacada do segundo piso, o vulto feminino, premendo as contas de um rosário, observa atento os seus movimentos. Sente o impacto de um olhar que ocupa todo o ambiente com grande ternura. Uma repentina chama brilhou dentro dele: “A flor da minha vida!”. Repassa em definitivo o trajeto da fuga e marca o trecho. Fará o que convém à sua alma, pois decididamente ela não pertence a estes confins; já descera a correnteza do rio. Não alongará o plano e isto significa que durante o resto do dia, ambos estarão prendendo a respiração, controlando a tensão e lutando contra seus próprios medos. No almoço, sente-se um estranho com a seriedade da situação, todavia, achase adulto suficiente para considerar essa responsabilidade. O prato preparado com arroz e pequi, que mastiga sem convicção, sacia meramente o apetite da matéria. Armazenara forças necessárias para a ocasião. Emoldurada na parede, a fotografia palente da primeira comunhão no altar da igrejinha sugere uma sensação de ordem ao local. IV Altas horas ela abandona o sono da casa-grande pelos fundos. O cão, deitado a um canto da parede, eriça as orelhas, fareja, solta um grunhido de amizade, fecha os olhos e sossega. Contorna o mangueiro, margeando os palanques de aroeira e atravessa o piquete da tropa de trabalho. Mesmo querendo não pode correr, desníveis traiçoeiros surdem por dentro do pasto lambido pelo orvalho até chegar ao começo da trilha. O riso flutuante da lua a orienta nesses labirintos. Uma muda de roupa na sacola; sem provisões, nem excessos. Linha divisora para um mundo inteiro, sob a copa da peúva ele a espera. Enxerga uma flor agarrada ao decote, trescalando o perfume tênue tão apreciado. – Trouxe para você! 79 Beijam-se com força e unissonante “Eu te amo!”. Última olhada ao lugar, onde um ano antes, emocionados, felizes, confiantes e loucos de esperanças, fizeram juras de um amor sigiloso, encontros às esconsas e fortuitos banhos nas frescas linfas dos corixos próximos. Desde então, vivem algo misterioso e intenso. No entanto, continuar ali é a precariedade da cigarra cantando em algum tronco no entardecer. O cavalo se alvoroça um pouco quando a roseta das esporas roça a pelagem castanha, entretanto, o dono arrulha com ele, dando-lhe tapinhas amigáveis no pescoço e põem-se a marchar, a mulher à garupa, rumo à barranca do rio. O relho à mão gira a esmo contra a brisa noturna, festejando o início da aventura, com a coragem típica dos fugitivos. Poderiam ter morrido, mas nesse momento se pertencem, e gostou de tê-la carinhosamente enlaçada às suas costas. Lanterna clareia precariamente a sinuosidade do caminho. Adiante, palmas de acuris oscilam acenando adeus. Cada curva vencida revela um passado sem vergonhas, sem remorsos, contentes de si mesmos. O trotear nítido e contínuo adormece a lua sobre suas cabeças. Afrouxa a rédea e pausa o picado do trote quando a via se estreita e ganha um declívio em sinal de que se acercam do destino. A lanterna nesse ponto vagalumeia e, lento e lento, enfraquece e apaga. Um marulho insignificante da água junto à margem dá a certeza de que o barqueiro os espera; largam o animal e seguem a pé, devagar, embora tivessem pressa. Então os camaradas leais ao fazendeiro aparecem subitamente e iluminam seus rostos surpresos e assustados. – Cê sabe como se mata jacaré, peão? – insulta um mais afoito. – Cê alumia os olhos do bicho com a lanterna... assim ó... e atira bem no meinho deles! Dois estampidos ecoam longe e vão arranhar o ouvido do galo, que ainda não engendra a manhã. Reginaldo Costa de Albuquerque Campo Grande - MS Possui considerável premiação literária em concursos de poesias, sonetos e contos. Participação em mais de cem coletâneas. Autor dos livros Sonetos no azul da tarde e O santo que não tinha os pés. 80 OS GIRINOS Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Camões Atirou a pedra na vidraça, influenciado pela turba de moleques. No fundo, não tinha coragem suficiente para fazer aquilo. Lembrou do que a mãe sempre falava das más companhias. A meninada dava mau exemplo, matava passarinho nos lotes vagos, jogava pedras nas pessoas, corria atrás dos cachorros... “Era muita sem-vergonhice” – falavam os vizinhos. Adãozinho começou as traquinagens depois do acidente fatal do pai nas obras da Construtora Camargos. A viga de ferro lhe acertara em cheio; todo mundo havia dito que nem dera tempo de o servente sentir dor. Porém, o menino tinha opinião diversa, já que a angústia feria seu coração... Ele nunca se juntara aos malandros do bairro, no entanto, sem se dar conta, impelido sabe lá por que alvitre, começou a participar das bagunças do grupo. Ficava com dó quando os projéteis de seu estilingue acertavam o gaturamo canoro, espalhando nuvens de penas sobre os meninos. No entanto, as ordens do Foguete, o líder, eram absolutas. Quem descumpria seus mandos, apanhava feio e era expulso. Adãozinho hesitava, porém, sempre obedecia, motivado não por rigores e punições, mas pela angústia que lhe oprimia o peito. Um dia, enveredaram por uma estradinha nas cercanias rurais do bairro. Os moleques faziam pavorosa algazarra, gritando com homens que trabalhavam no roçado. Vez ou outra, um dos moleques atirava pedras neles, e todos saiam correndo, com medo dum revide pior. Enquanto o grupo folgava, brincando sobre cupins e árvores caídas, o menino continuou a andar até chegar à garganta dum vale. O sol de verão crestava sua pele suada. Os zéfiros de Vésper sopravam seus cabelos, confortando sua alma aflita. Ele se deitou sobre o verdor da relva cálida; uma alegre fagulha inundou seus olhos, ao divisar a aleia florida do canoado. Quando lá chegou, viu uma poça d'água quase seca, onde encontrou vários girinos. Pareciam feijões pretos fervendo 81 numa panela de barro. Alguns já não tinham caudas, outros já possuíam pernas, mas muitos ainda eram frágeis larvas. Adãozinho olhou em volta; viu que os outros moleques não perceberam sua ausência. Pegou então, sua garrafinha d'água e recolheu os bichinhos da lama. Deixou o recipiente aberto, temendo que todos morressem durante o caminho. Assim que chegou em casa, colocou os girinos sob uma samambaia. Sua mãe não poderia vê-los, senão o obrigaria a jogar fora. “Onde você estava, Adãozinho?” – ela perguntou, gritando lá da sala. “Saí pra jogar bola, mãe” – mentiu, vacilante. “Ah, se eu souber que você está andando com aqueles moleques de novo...”. O menino titubeou, não gostava de mentir. Tudo era muito confuso, pois ele se arrependia das coisas erradas que fazia, mas não largava de andar com o Foguete e os outros. “Os girinos é que são felizes” – pensava. Eles não tinham esses problemas, preocupavam-se tão somente com sua sobrevivência, não sabiam o que era certo ou errado. O menino carregava os girinos para todos os lados. Se a mãe os descobrisse, daria problema, teria que se livrar deles. Em muitas ocasiões, saíra de perto dos moleques, dizendo que ia encher sua garrafa na torneira da praça. Fazia isso porque a água dos girinos esquentava dentro do embornal abafado. Se não a trocasse, os bichinhos morreriam. Eles se mexiam cada vez mais ligeiros, já não eram feijões escuros, nem o menino era o mesmo... Adãozinho aproximava-se da adolescência, e os girinos cresciam, cada vez mais parecidos com jabuticabas. A garrafinha teria que ser substituída por uma vasilha, pois logo estariam grandes demais... Certo dia, o grupo do Foguete passava perto da casa do Zelão, um velho ranzinza e mal-humorado que morava na esquina do bairro. O líder disse a todos para se prepararem, pois roubariam mangas no pomar do ancião. A meninada silenciou, tinham pavor daquele local, nunca pensaram em invadi-lo. Os antigos contavam que aquela propriedade fora um asilo, onde verdugos torturavam os idosos até a morte. Depois que as autoridades fecharam a instituição, muitos afirmaram ouvir gritos vindos de lá durante a madrugada. Quando Zelão comprou o lugar, vizinhos mais propensos ao oculto disseram que ele era filho de uma das vítimas, um homem solitário que ansiava encontrar o espírito de sua mãe. Os moleques conheciam esses boatos, porquanto, não ousavam entrar na casa. 82 Mas, dessa vez, era o Foguete quem ordenava; aquele que o desobedecesse era afastado do grupo. Ademais, o risco de levar uma sova acabrunhava os meninos. Pensando nisso, Adãozinho seguiu o grupo. Eles pularam as grades enferrujadas que cercavam o lote. O pomar era enorme e continha diversos tipos de frutas e aromas. As ameixeiras dobravam seus galhos repletos de cachos dourados. As flores de laranjeira perfumavam o ar, inebriando os invasores. Acharam vários abacaxis, frutas-do-conde e graviolas. Mas o principal alvo eram as mangueiras. Seus galhos quase quebravam com tantos moleques pendurados, à procura de mangas suculentas. Todos riam, alvoroçados, lambuzando-se com a polpa amarela. Ninguém se preocupava em moderar a voz e ir embora dali com a maior quantidade de frutas possível. Nesse ínterim, ouviram Zelão rugir impropérios na varanda... O velho, com ofegante ojeriza, perseguiu os moleques, brandindo sua bengala carcomida. Seus olhos raivosos faiscavam; uma infinidade de rugas sulcava sua face vetusta. Parecia um titã que fora acordado por algum mortal displicente. Embora não tivesse destreza para apanhar os invasores, corria com muita agilidade. Porém, não conseguiu capturar nenhum incauto. Teve que remoer sua fúria, escondido em algum canto escuro da casa. Durante a debandada, Adãozinho nem percebeu que sua garrafa escapulira do embornal... Foguete e os outros se separaram, cada um foi para sua casa. Na rua, com o coração aos pulos, o menino se deu conta de que perdera os girinos... Velho sujo dos diabos! Pensou em voltar sorrateiro e averiguar os arredores do pomar... Porém, o ancião metia medo, capaz que estava furioso com os moleques; melhor esperar ele esfriar os nervos. Adãozinho temia que o velho achasse os girinos. Arremessou a pedra com tanta força, que destruiu completamente a vidraça... Quebrou a janela e a zombaria dos moleques. Contudo, sem a intervenção do Foguete, o menino não ousaria fazer aquilo... De súbito, o olho faiscante do ancião apareceu no retângulo vazio. Houve outra debandada e novos rugidos. Adãozinho já pensara na possibilidade de aproveitar a confusão para ir procurar os girinos em volta do pomar. Temia ser pego, mas, mesmo assim, colocou em prática seu plano. Tinha que encontrar a garrafa antes de o velho perceber sua presença. Porém, nada achou no entorno, tampouco nos fundos da casa. Zelão percebeu que havia alguém detrás da varanda e rastejou ligeiro para lá, empunhando uma carabina. O menino escutou as sandálias arrastando-se no piso de tacos. 83 Ágil como um símio, escalou as grades de ferro do portão e saltou para fora do medo. O ancião ainda viu seu vulto dobrar a rua de cima... Uma nuvem cobriu a disco lunar, colocando vendas sombrias nas janelas do antigo asilo. A escuridão repentina assustou ainda mais Adãozinho. Seu coração batia forte, já passara maus bocados naquele lugar... Isso é o que acontece ao andar junto com o Foguete e seu bando... Por causa deles, há uma semana, vira o ancião recolhendo sua garrafa. Ele provavelmente já tinha jogado os girinos fora... Os cacos esparramados perto do alpendre flagravam a lua despindo-se da nuvem cinzenta. Talvez, se não fosse a insistência dos moleques, não teria quebrado a vidraça do Zelão. Adãozinho enfiou a mão através do buraco e girou o ferrolho da janela, empurrando-a com cuidado para evitar rangidos. Acendeu uma vela, amparando o lume com mão trêmula... O velho era enorme, devia medir quase dois metros de altura... Seus olhos eram dois faróis fincados numa floresta rugosa. Manchas brancas marcavam sua tez, como se ele fosse um espantalho com retalhos de cores diferentes. Vestia só um gibão comprido e empoado, deixando à mostra a carcaça nua do tórax. “Capaz que aquele homem era um monstro” – pensou o menino. Sentiu calafrios, arrependeu-se de ter invadido o antro... Onde ele derramava luz, descobria móveis imensos, como se tivesse entrado no castelo do gigante que morava em cima do pé de feijão. Na sala, havia uma mesa redonda, com um grande castiçal dourado, cujo metal absorvia o brilho tênue da chama. O cômodo tinha paredes muito altas, onde sombras de vários quadros tremiam. O menino não se atreveu a levantar o lume para ver as pinturas... Era perigoso o velho perceber a claridade... “Aonde você vai essas horas?” – perguntara a mãe. “Jogar bolinha de gude ali na esquina” – respondera. “Não fique lá até tarde da noite, senão te deixo de castigo!”... Adãozinho a enganara de novo. Se a mãe soubesse aonde ele tinha ido, ficaria de castigo para sempre. Porém, acreditava que os girinos ainda estavam vivos em algum lugar dentro do antigo asilo... Era seu dever salvá-los, já que eles o salvaram da solidão... O menino aprontava travessuras junto com os moleques, porém, sentia-se mais sozinho entre eles. Desde que achara os bichinhos na poça barrenta, suas mazelas já não lhe oprimiam tanto... O Foguete nunca fora seu amigo, barganhava a permanência de Adãozinho no grupo por reinações... Se escapasse daquela casa, largaria de andar junto com ele... 84 O invasor era cauteloso, não deixava o lume esparramar-se. Ainda bem que o velho dormia mais cedo... Escutava-o ressonar no quarto ao lado. O lume da vela projetava sombras enormes nas paredes. Adãozinho estremecia ao vêlas, qualquer ruído aterrorizava-o. Arrependeu-se de ter invadido aquele lugar... Começou a enxergar as coisas embaçadas, pensou que era tudo ilusão... Encolheu-se detrás de uma estante velha e fechou os olhos. “Ai” – sussurrou... Enrijecera tanto suas pernas, que começou a sofrer cãibras. De repente, ouviu um barulho vindo do quarto de Zelão... O menino ficou paralisado... Ouviu os passos do velho arrastando-se sobre o assoalho de tacos. O ruído aproximavase cada vez mais da porta. Adãozinho sentiu seu coração repicar na garganta... Escutou as dobradiças rangendo lentamente, revelando um vulto titânico, uma criatura perversa, um mons... O menino abriu os olhos... Estava tão ofegante, que sua respiração enfraquecia o lume da vela. Joãzinho mal acabara de entrar no castelo e já se deparava com um medo gigantesco... Trêmulo, custou a direcionar a chama para a porta do quarto... Acalmou-se um pouco, quando viu que ela estava fechada. Zelão continuava a dormir, seus roncos vibravam por toda a casa. O menino já não sentia cãibras, o medo afugentara as dores. Levantou-se e retomou sua cautelosa investigação. Do outro lado da sala, encontrou escadas que levavam a um pavimento inferior. O lume da vela não alcançava o fim dos degraus, parecia que estava diante dum poço bem fundo. Hesitou em descer, porém, lembrou-se dos girinos... Desceu as escadas com passos medidos. Controlava a chama de modo que ela não clareasse mais além. Assim que chegou lá embaixo, percebeu que estava na cozinha do antigo asilo. Viu uma profusão de utensílios domésticos em cada canto onde a vela alumiava... Havia grandes tachos de cobre em cima duma mesa comprida. Viu talheres enferrujados nas gavetas do armário. Ao lado da mesa, divisou um fogão à lenha, onde aranhas teciam teias sujas de carvão. Adãozinho tinha a intuição de que sua garrafa estava escondida ali perto. O lume já ameaçava queimar seus dedos; a cera estava quase no fim... Era preciso apressar a procura... Afoito, encontrou um objeto esverdeado sob a pia... Percebeu que segurava sua garrafa; ela estava completamente embolorada... Zelão jogara os girinos fora... A luz da vela bruxuleou até se apagar... O menino suspirou... Uma lágrima afiada trespassou seu olhar, cortando-lhe o rosto... Trabalheira danada pra pegar os bichinhos... Quando os recolhera, muitos já haviam ganhado pezinhos e perdido suas caudas. 85 O estágio larvar terminava muito rápido. Adãzinho inculcava ao pensar na evolução deles. Ficava contemplando a garrafinha translúcida, com a pretensão de vê-los crescerem, pensando que seu olhar flagraria a metamorfose. O menino lembrou-se das histórias de seu falecido pai. A mãe ria ao ver as caretas do esposo, enquanto este imitava o Arlequim. Depois do acidente, Adãozinho só ouviu murmúrios, suspiros e pranto. Foi custoso demais abrandar a dor. Ele não chorava perto da mãe, escondia-se debaixo da cama. Entretanto, as alegrias do passado também tinham seu nicho na memória; elas eram os pezinhos que Adãozinho ganhara... A morte levara uma vida preciosa, mas havia deixado várias lembranças, molas poderosas que o fariam saltar cada vez mais alto... Ele certamente evoluiria, ora perdendo, ora ganhando, crescendo até se tornar adulto, sempre mudando; continuando a crescer nas histórias... A escuridão já não lhe amedrontava, pois uma orquestra distinta começou a coaxar no quintal... O menino sorriu... “Os girinos viraram sapos”. Rafael Peres Uberlândia - MG Nasceu em Patos de Minas, MG, em 1986. Publicou os contos A Peste: porcos e corpos, pela editora Valer/Sesc; Hell, na antologia Caminhos do medo – vol. II, pela editora Andross; Anátema, uma das narrativas selecionadas no Prêmio Henry Evaristo de Literatura Fantástica. É autor de O olho da máscara, texto classificado no Concurso literário "Cidade das Asas". 86 POEIRA INFAME Entre um gole e outro de seu vinho favorito, olhava o líquido escorregando feito sangue na taça, deixando marcas carmim. De que lhe adiantava ter língua, se não se fazia entender falando? De que adiantava? Mas não seria justo sentenciar-se ao destino de emudecer , caminhando só. Não sabia até que ponto estava preparada para pagar o preço de ser ela mesma. Mas também sabia que não iria viver para sempre. Enquanto isso, uma história, murmurava a pérola de “ O Grande Gatsby”, aprimorada, em seu ouvido como introdução : - Que poeira infame flutuava, não nos sonhos, mas no rastro de seu passado ? -0Nasceu em família pobre e humilde, tendo como pilar a decência. O pai, guarda noturno, ora pedreiro, ora desempregado, transitava pelos bares, enchendo a cara de bebida e a cabeça de pensamentos sórdidos. E ao chegar em casa, curtido pela cachaça, seus devaneios tomavam forma e atingiam a protagonista de suas ilusões desenxabidas, com socos e pontapés. Tinha olhos vermelhos como fogo, atirando navalhas em forma de palavras e desaforos. A mãe, costureira e mulher prendada, soluçava calada, apanhando dele. Do seu quarto, a menina ouvia gemidos e socos abafados no travesseiro, mas que não lhe deixavam dúvidas da crueldade da situação. Todo dia, ao cair da tarde, ela olhava para as sombras das árvores projetando corpos disformes no chão do terreiro e começava a entoar sua canção de alento, acompanhando o balé insano das folhas, que davam formas a espectros compridos e magros, dignos de Salvador Dali, dançando a luz da lua que embrenhava-se pela copa das árvores. A responsabilidade batera cedo à porta da menina. Com sete anos de idade, ficava sozinha, cuidando da casa, enquanto a mãe saia pra trabalhar. Um casarão enorme, perdido em meio a uma floresta perfumada de eucaliptos, barulhentos e briguentos, fustigando a casa em dias de inverno rigoroso. 87 Não havia água encanada nem luz elétrica. Somente a luz das velas projetavam visões enigmáticas pelas paredes da cozinha. Em raros dias, a claridade tênue do lampião, disputava o espetáculo das sombras com a brasa do fogão a lenha, mas logo se calava, ao ouvir o crepitar da madeira, se desmanchando no fogo. Todas as tardes em que a mãe voltava do trabalho, trazendo o pão, apontando o dedo pra fora do pacote, envolvia-se de felicidade com sua chegada e olhava para o céu, pedindo ajuda, fervorosamente. Pedia o silêncio da noite. Mas essa, nunca veio. Em uma madrugada de grande ventania, as árvores açoitando-se umas às outras, teve a ideia de criar seu jardim. Seu céu particular. Primeiro, saindo dos domínios de sua casa, do lado de fora do portão, colocou sua escada e subiu. Olhou para baixo e achou alto demais, mas não teve medo. Continuou a subir, subir, até alcançar nuvens brancas e fofas de algodão amarelado. Era perfeito. O paraíso existia e tinha anjinhos com asas e calcinhas brancas. Eram loiros e tinham o cabelo todo encaracolado. Haviam doces, muitos doces, e borboletas voando. O sol brilhava sempre, amarelo dourado, colorindo as nuvens de algodão. Todos brincavam e riam muito. Uma risada em forma de música. Dedos sem corpos dedilhavam harpas caramelo, enquanto os anjinhos brincavam de roda em meio a flores vermelhas e miúdas. Uma brisa dourada em forma de mel, envolvia a todos, como o perfume da primavera. Era seu esconderijo. Brincava horas e horas, solitária com seus anjinhos. Só de calcinha. Os cabelos loiros, soltos ao sabor do vento, não embaraçavam e ela sentia o gosto, quando adentravam a sua boca, da brisa de mel. Era sempre dia no seu jardim. O sol brilhava nas noites escuras, em que o manto negro e perverso da submissão, adentrava à casa, trombando em cadeiras e mesas, fazendo estralarem as tábuas do chão de madeira. Ela fechava os olhos apertando-os com força e corria para sua escada. A música das harpas, aos poucos silenciava os gemidos de dor e ela dormia, envolvida pelo calor da nuvem de algodão branco e amarelado. Assim passou sua infância, brincando com os espectros da noite projetados no terreiro. Ora brincando no chão, com as folhas secas, ora subindo ao sótão celeste, usando sua escada imaginária. 88 Mal sabia ela, que um dia seu jardim ficaria abandonado, com a chegada dos ventos da mudança. E ela não conseguiria trazer seu jardim junto. Bem que tentou. Amarrou uma corda e tentava puxá-lo, para perto do caminhão, carregado de cacos de vida acorrentadas em cima da carroceria. Não conseguira. Despediu-se e enquanto o caminhão, seguia o rumo do desconhecido, ela olhava pra trás e via seu jardim cada vez menor, até desaparecer na nuvem de poeira. A viagem foi longa, quente e latejante, parando em encostas com nascentes de água fresca e rios cobertos de neblina. Finalmente pela manhã, ela acordou sentindo o ar branco e fresco da cidade nova. Novidades surgiam uma atrás da outra: o banho quente de chuveiro, a luz gelada do quarto, o frio do piso, refrescando seus pés quentes e suados, descalços e um cheiro de roupa limpa, amaciando seu nariz. Foi nesse dia que compôs seu primeiro verso solitário: “Depois de um banho gostoso Eu vou para o jardim Onde tem muitas flores Onde tem cheiro de jasmim!” Estava com dez anos de idade e ainda não havia sido tocada pela puberdade do corpo, o que lhe garantiria certa proteção. Começava uma nova vida para ela. Trabalhavam duro. A família inteira. O dia começava às cinco horas da manhã, e um mar de mãos calejadas agitavam-se acima de sua cabeça miúda e sonolenta. Dia sim, dia não, era nessa maré que ela acordava. O manto negro noturno continuava a visitá-los, mais bravo e feroz, com seus olhos vermelhos de sangue, erguendo sua mão pesada e soltando com força em suas costas. A adolescência despertou e junto trouxe as dores do desabrochar e a coragem de enfrentar aquele que tanto a oprimia. A adolescente ficou mais forte, mesmo carregando os rótulos da idade. Sofreu muito. 89 Encarou sozinha seus medos e desconfianças. Estudava de manhã, trabalhava à tarde e sonhava a noite. Sonhos de um futuro melhor e mais digno, para ela. Descobriu o amor. Se apaixonou tantas vezes foram possíveis, na busca incansável de seu arauto libertador. Resolvida a encontrá-lo, correu o mundo. Em suas andanças, foi colhendo experiências, plantando sorrisos, enchendo a sacolinha da esperança com sonhos e promessas de uma vida mais sossegada e plena. Perseguia a felicidade e a paz. Nunca foi compreendida em suas razões. Levava junto ao peito, a foto do pai, envelhecida pelas dores do tempo e fazia comparações absurdas, acalentando expectativas consoladoras de encontrar alguém que suprisse o enorme buraco latejante e exposto, causado pela falta que este fazia em seu coração. Sua procura, por um elefante branco, nunca teve sucesso e ela se entregou ao sossego de uma vida chata e sem graça, tendo sempre o conforto dos braços maternos para descansar. Um belo dia, pintou-se de cores berrantes e saiu ao sol. Abriu os braços e deixou-se levar pelos seus instintos de fêmea a procura de um macho para procriar e constituir sua família. Viveu a vida intensamente. Uma busca explicitamente intensa e lasciva, repleta de ambição e sentimentalismo barato, deu-se início. E com tanto barulho de cores e gestos, eis que apareceu seu arauto, não a cavalo, mas em cima de um caminhão azul, como aquele que trouxera os cacos de sua vida a esta cidade. Trazia a tristeza no olhar e um sorriso cativante nos lábios. Viram que mais que as carências, tinham em comum uma simpatia mútua e desejos iguais de prosperidade e amor. Outra vez, uma nova vida recomeçava. Uma adolescente, com corpo de mulher e cabeça de menina, transformou-se em um novo ser. Diante do desconhecido e dos novos desafios a que fora exposta, uma larva enrugada e sinuosa, começava a arrastar-se, por um mundo de vaidades e aparências. E enquanto a larva ia galgando os degraus do sucesso, seu corpo pequeno e miúdo, se transformava em uma lagarta morbidamente gorda, sobrecarregada, pelo excesso das responsabilidades e desejos impostos por um mundo hipócrita e decadente, de realizações a qualquer preço. 90 Arrastando-se por uma estrada seca e árida, foi tentando se livrar do peso de certas crenças, que deixaram cicatrizes pulsantes em seu corpo roliço. Não podia se mostrar. Uma lagarta feia e horrorosa, disfarçada entre máscaras de rímel e batons carmim, preservava sua aparência grotesca aos olhos dos crédulos de estátuas, tentando se igualar ao mundo dos perfeitos e bem sucedidos. À noite, quando se mostrava aos filhos, emanava de si um perfume doce e suave de mãe. Sentia-se completa e plena. Uma sensação de leveza tomava conta de seus pensamentos, e por breves descuidos de tempo, não sentia-se gorda. E mesmo quando via sua alma enferma e doentia refletida no espelho, também via oculto, o reflexo nebuloso de um ser. Certo dia, deitada em sua cama, a escuridão noturna farfalhava, um brilho tênue da lua adentrava seu quarto e então ela viu. Levantou da cama e em meio às grades da janela, viu seu paraíso celeste flutuando a sua frente. Não conteve sua alegria e sem pensar, pulou para cima dele, abrindo as portas enferrujadas e barulhentas, esquecidas pelo tempo. Não havia mais as nuvens de algodão branco e amarelado. Agora, um imenso gramado verde, cober to por flores coloridas, forrava o chão. Flamboyants vermelhos como seu batom, espalhados por todos os lado, abrigavam em sua sombra, banquinhos convidativos à leitura. Um coreto branco e esverdeado, ficava ao centro do jardim, rodeado de tulipas azuis e coberto por trepadeiras de jasmim estrela. Uma banda de instrumentos de corda tocava suas músicas favoritas e dedos sem corpos passavam as partituras. Borboletas coloridas trombavam com notas musicais num voo pleno e divinamente belo. Com medo de ser descoberto, escondeu-o. Mas todas as noites, era pro seu jardim que transportava seu corpo roliço e pesado, arrastando-se pelo gramado verde. E ficava ali, envolvida pela música que tocava, horas e horas em paz consigo mesma, sendo ela, a lagarta enrugada e feia. A beleza do lugar e a paz encontrada despertaram as palavras, até então sufocadas e amordaçadas nos recônditos de sua alma. Começaram a se alvoroçar e ela não conseguiu conter a rebelião. Em espasmos de dor e sofrimento, sua alma vomitava verdades e segredos até então sufocados e escondidos, esticando sua pele de lagarta, verde e gosmenta. 91 E contorcendo-se na aflição, começou a rastejar pelo seu jardim, até cair num abismo úmido e escuro. Olhava para cima e gotas de um líquido sulfuroso, pingavam em sua pele de lagarta. O ácido corrosivo das verdades criava feridas enormes e expostas à carne viva. Agarrava-se às paredes do abismo e quanto mais tentava subir, pedaços de sua epiderme nojenta ficavam presos às rochas pontiagudas. Exaustivamente, durante meses, se arrancou. Um pedaço de cada vez. A lagarta, com um suspiro fundo e sereno, desistiu de sua luta. Esparramado pelo chão, seu corpo roliço e cicatrizado das feridas, começou a partir-se. E junto ao líquido benfazejo que escorria, uma alma ardente e apaixonada, que vivia aprisionada, libertou-se. Primeiro uma asa enorme e dourada, depois a outra. Olhava para cima e via resquícios de um dia de sol, com cheiro de flor. E alçando voo, cada vez mais pro alto, com asas de borboleta brilhantes e coloridas, envolveu-se na bruma de paz e partiu rumo ao céu azul. Feliz na sua solidão e companhia, ultrapassou as barreiras do seu jardim. Agora sabia que a poeira que flutuava no rastro de seu passado, era o pólen da poesia que o seu voo produziria. Os sinais de sua existência eram claros em sua vida. A borboleta tatuada no tornozelo, a borboleta enfeitando a garagem da casa, a borboleta perdida em seu escritório, traziam a mensagem de que um novo recomeço estava prestes a se cumprir. Faltava saber o que faria com essa nova descoberta. Mas o mais importante é que finalmente havia libertado sua alma de poeta. Ana Nenduziak Paranavaí - PR Descobriu as palavras na adolescência, mas, somente agora, aos 40 anos, é que elas amadureceram e caíram na alma. Se considera uma aprendiz de escritora e se diz incansável na busca por novos temas e formas de escrita. Escrever para ela é uma necessidade, como respirar, e assim o faz a todo instante. Posso estar quieta, mas, minha mente escreve, escreve, sempre. 92 RASTROS DO PASSADO “Balanço minha cabeça Fora dos sonhos as realidades chamam Os pássaros voam todas as manhãs Mas não conseguem voar para onde eu estou" “Shook my head Out of dreams reality's calling The early bird's been up all morning But I've got no notion of moving from where I am” (I'm down -The Hollies) De repente, achou que poderia modificar sua vida. Não só poderia como tinha o dever de mudá-la. Não sabia ainda o que deveria fazer e o que é pior: se conseguiria! Homem pacato. Nunca foi adepto a frescuras da moda ou qualquer coisa que cheirasse a conforto gratuito. Sabia dirigir, mas repugnava a ideia de possuir um carro. “Capricho, posso muito bem andar com minhas próprias pernas.” Televisor tinha um preto e branco que comprou apenas para fazer-lhe companhia enquanto estivesse em casa. Mesmo que desligado. Morava só. Sua intimidade era dividida com a única pessoa que realmente podia se interessar por ela: ele mesmo! No trabalho era taciturno e objetivo. Não perdia tempo com picuinhas ou piadas de mau gosto contadas pelos colegas de sessão. O café fazia questão de tomá-lo em sua mesa, longe dos burburinhos da saleta, ponto de encontro nos intervalos para conversas improdutivas. Quando jovem, seu tempo era gasto lendo livros ou ouvindo o disco que sua mãe mais gostava: The Hollies. Nunca pensou em casamento. Jamais namorou. Trocar confidências, nunca! Casto não era! Na sua juventude fora surpreendido por Paloma, sua prima. Fazendo jus ao nome “pousou” devagarinho em seu quarto em uma noite de segunda-feira, enquanto ouvia baixinho o disco predileto. Talvez escolhera a segunda porque as pessoas dormem mais profundamente. As segundas são cansativas. Sem dizer uma só palavra, sabia que ele era avesso a diálogos, “abusou” do primo estarrecido. Primeira e única vez. E a trilha sonora fervilhando em sua cabeça... “Waiting for someone to fetch me from lost and found”...(1) Depois do “incidente” bem que Paloma tentou puxar conversa com o primo, porém, sem nenhum sucesso. Quando estavam a sós, se insinuava. Nada. Nenhum olhar. Simplesmente a ignorava. Total desprezo. 93 “When you're used to one thing it's hard to accept”…(2) Dois dias depois Paloma foi embora. Tia Aurora precisava partir. Nunca mais se viram. Nem quando tia Aurora faleceu. Ele fez questão de não ir. Gostava mesmo de sua mãe. Bonita que era. Ela cantarolava com sua voz doce pela casa. “I'm down no one to hear me calling”. Ele adorava ouvi-la. Com ela se arriscava a trocar algumas palavras. Não puxava assunto. Apenas respondia cordialmente a única pessoa a quem não fazia questão de esconder seu carinho. Reciprocidade. “She ain't your mother. How do you cope with a thing like that”... (3) Seu pai, não. Ditador! Essa era a figura que via naquele ser. Nunca presenciou um beijo sequer em sua mãe. Só palavras, senão ríspidas, totalmente desprovidas de carinho. Lembra-se que um dia ganhou um revólver de brinquedo daquele homem. “Um revólver? Não se dá armas para crianças! Atiça à violência!”. Raríssimas vezes viu sua mãe questioná-lo como aquele dia. O argumento usado pelo pai, dizendo a ele que, sendo homem, deveria aprender a manipular essas coisas, não o convenceu. Preferiu obedecer ao ponto de vista de sua mãe. “ARMAS DESARMAM ALMAS!”. O que ela queria dizer com isso? Apenas conjecturava. Almas armadas com armas ficam expostas... a si mesmas... Desarmadas ante a morte. Talvez seja isso... Numa tentativa de agradar ao filho, ou sabe-se lá, também a mãe, seu pai trouxe uma bola de capotão. Odiava futebol. Pegou a bola e começou a bater no chão. Cansou. Na parede. Batia e voltava. Desanimou. No telhado da casa. Jogava e ela descia. Ficava tentando adivinhar a trajetória que tomaria ao cair. Um dia ela parou lá em cima. Deixou lá. Não gostava dela. Furou! Respondeu ao ser questionado. Resumindo, nada que seu pai lhe dera tinha valor. Nem seu próprio nome. Seu nome e de seu pai. O mesmo. Seria chamado de Júnior. Juninho, na pior das hipóteses! Ainda assim preferiria. Melhor do que ser chamado de Alberto. Esse era o nome do pai. Alberto, Albertinho. Sempre no diminutivo. Carregaria esse nome consigo. Melhor Júnior. Senhor Júnior! Melhor não... Deixa pra lá! “And I don't even know my real name”…(4) Quando o pai faleceu não derramou uma lágrima sequer. Não sabia por que não gostava daquele homem. Até procurava respostas, mas não as obtinha. Apenas afagava, de vez em quando, os cabelos de sua mãe, compungido com o seu sofrimento. Apesar de tudo ela amava aquele homem. Quando perdeu a mãe chorou copiosamente. Estava só. Agora não fazia questão de ter mais ninguém. 94 Resolveu mudar de cidade. Aquela era pequena demais. As pessoas procuravam aproximações. Preferia algo maior. Menos acolhedor. A partir daí, já moço, habituou a todos chamá-lo de Jota. Apelido que tornou sua marca e nome. Por que Jota? “Me chamem de Jota e pronto!”. Há tempos trabalhava naquela empresa. Por não gastar com absolutamente nada fora de seus padrões juntou um bom dinheiro, somado com uma migalha da herança do pai, pois foi dividida com alguns irmãos seus que o homem foi colecionando em sua vida de luxúria. No fundo, sentiu imenso prazer em saber que todos conheceriam esse lado escondido daquele homem. “When you're used to one thing it's hard to accept”…(5) Comprou um modestíssimo apartamento que mobiliou com o extremamente necessário. O resto do dinheiro gastou sem dó. Inclusive com o inútil televisor preto e branco. Talvez símbolo da inutilidade da existência do falecido. Preto e branco como ele o via. Sem cor. Sem alegria. Seria um dia como outro qualquer, se não fosse aquele telefonema. Nunca recebia telefonemas. A voz doce e meiga de uma mulher parecia familiar. Esforçava-se em reconhecê-la, mas a memória o traía. Não queria perguntar o nome. Esticaria a conversa. Mas, que conversa? Só ela falava! Avistou-o de longe entrando na empresa e o reconheceu. No outro dia chegou mais perto para certificar-se. O mesmo rosto. Era ele! Mas, por que não falava logo quem era e desligava? Tinha muito serviço, não podia perder tempo. Mesmo assim não encontrou coragem para encerrar o monólogo. Só ela falou. Quando reuniu forças para perguntar seu nome, ela desligou. Apenas o sinal de ocupado povoou sua mente o resto do dia. Quem seria? Trote? Quem ousaria fazer tal coisa? Nunca deu confiança a ninguém!?! Naquela noite divagou sobre a voz. Quem poderia ser? Paloma? Mas como o encontrou? Sim, ela sabia seu nome todo. Mas ninguém mais o sabia... A não ser dona Áurea, a moça do departamento pessoal. “Maybe someone's out there looking for me”...(6) Chegou ao trabalho. O telefone mudo. Não tocava. Resolveu falar com dona Áurea. “Sim, alguns dias atrás a telefonista me perguntou se havia alguém com... o seu nome, senhor. Pedi para me transferir a ligação e a senhora ao telefone perguntou se trabalhava aqui alguém com o nome de... seu nome completo, senhor!”. Nome completo? Dona Áurea confessou-se perturbada, pois fora recomendada sobre o assunto. Quem saberia o nome completo do Senhor Jota? 95 Voltou para sua mesa. O telefone o desconcentrava. Fitava-o com desdém. Dono da situação! Fim do dia. Foi para casa. Se ao menos tivesse um telefone em casa... Futilidade! Foi dormir. O telefone toca em sua mesa. A mesma voz. Agora sem rodeios. Saudades. Nunca pôde esquecer-se daquela noite de segunda-feira. Só ela falava. Contou detalhes. Ele avermelhou. Começou a tremer. Suar. Tentação! Era isso que ela era! Desligou. “Telefonista, não me passe mais nenhuma ligação!” “Life came easy it all fell in line”...(7) Comprou um telefone. Instaladinho o objeto. Encurtador de distância. Desenterrador de lembranças. Mas como ela ligaria, não sabe o número? Seus dias tornaram-se diferentes. Perfumava-se todo. O espelho agora era sua referência antes de tomar a rua em direção ao trabalho. “Telefonista, me passe qualquer ligação que houver!”. Parece que adivinhara. Ela ligou. Pediu desculpas daquilo que falara na véspera. Ele cortou o silêncio. Desculpou-se da maneira que havia desligado e passou o seu número. Seis horas rumava pontualmente para casa. Prostrava-se junto ao telefone. Adiava o banho para depois da ligação. Fingia ler algum livro ou jornal na ânsia de ouvir o tilintar do maldito. Atendia-o com extrema felicidade. Só ela ligava! Só ela tinha o número. Ninguém na empresa sabia de sua aquisição. Sua voz era doce, pausada. Seria capaz de ficar horas ouvindo aquela candura de voz. A única que se interessava por ele. A única que o experimentara na vida. Noite após noite Paloma reavivava suas lembranças daquela segundafeira. Cada vez mais detalhes. Ele só ouvia. Só ela falava. Não se importava. Ela parecia excitar-se ao falar. Ele se recolhia ao quarto desnorteado. Isso mesmo, sem norte! A cabeça cheia de perversidades. Acordava em meio a madrugada. Parecia ouvir o “grito do telefone”. Todas as noites eram assim. Ao telefone. “Qual o seu telefone?”. Tomou a liberdade de perguntar. Não obteve resposta. Também não insistiu. Como estaria a dona daquela voz? Era bela quando jovem. E agora? Confidenciou que depois dela nunca mais tivera ninguém. Nem em pensamento. Arrependeu-se. Mas já era tarde. Havia falado. Confidências... Só faltava essa! “Keep the secret from me they thought it was shameful” (8) O telefone era o centro das atenções. Seu barulho, doce melodia aos seus ouvidos, ansiosos em ficarem pregados ao aparelho. Às vezes surpreendia-se em diálogos extensos, com perguntas e respostas. Contava como foi o dia de serviço e a ansiedade pela espera da ligação. Ela se mostrava carinhosa e atenciosa. Estranho como se identificavam. Na infância 96 não trocavam palavras. Apenas ela o venerava. Ela confessou que sentiu ódio do primo diante de sua insensibilidade e frieza. Mesmo após aquela noite de segunda-feira ele foi seco, frio. Nenhum olhar. Nada de sentimento. Sua frieza cortou-lhe o coração. Disse tudo isso em tom um amargo. Após tantos anos... Diante disso resolveu abrir seu coração. Estava apaixonado. Perdidamente apaixonado. Por uma voz! Por uma vaga lembrança de outrora! Queria conhecê-la. Tocá-la. Matar o desejo acumulado todos esses anos. Queria fitar seus olhos. Pegar suas mãos. Enfim, possuí-la como vem fazendo virtualmente. Noite após noite desde que voltaram as ligações. Telefônicas e amorosas. Ela apenas respondeu negativamente. Não poderiam se conhecer melhor do que agora. Melhor deixar a lembrança do passado no corpo. Na mente. Só lembranças. Nada mais conseguiria dela. Sua chance fora dada. Não aproveitou. Disse tudo em tom de despedida. Mandou um beijo. Desligou. “It hurt me so to be the last one to know”...(9) Agora o telefone era seu inimigo. Mudo! Nada falava. Atormentava o silêncio daquele objeto. Às vezes o trazia aos ouvidos na impressão ou esperança que estivesse desligado ou estragado, sabe-se lá! Não estava! Estava miseravelmente em condições de ser usado. Depois de tantos anos pediu férias. Trancou-se em casa. Prisioneiro. Enclausurado. Não despregava os olhos, a atenção do aparelho. Maldito telefone, não tocava! Foi-se o mês. Voltou ao trabalho. Magro. Cabisbaixo. Depressivo! O que ela queria? Matá-lo? Por que ligou após todos aqueles anos? Vingança? Foi insensível no passado, admite, mas isso não era justo! Correram dias. Meses. Ano! Nunca mais ouviu aquela voz. Só em pensamento! Paloma, mesmo sem querer, o fez analisar sobre seu passado e presente. Rastros... Durante a vida toda odiou ao pai, mas se comportou como se o fosse. Sem dar amor ou ao menos simples atenção a ninguém. Trancado em seu mundo. Seu pai ainda tinha uma vantagem sobre ele. Casou. Deu prazer a várias mulheres. Teve filhos. E ele? Quando achou que encontrara alguém, simplesmente sumiu. Como se tivesse voltado apenas para avisá-lo. Isso mesmo um aviso! Sua vida... Tal qual aquela bola de capotão. Jogou e ficou esperando para ver qual trajetória tomaria no futuro. Surpreendeu-se pensando, pela primeira vez, em seu pai com carinho. Uma arma. Seu pai estava certo. Sendo homem deveria aprender a manipular essas coisas. Compraria uma! Sua vida não mais poderia ser mudada. Bem que tentou, mas não deu. Era fraco demais para isso! Sem amigos. Nem mesmo o nome preservara. Vida sem sentido. 97 Vida sem beleza. Igual aquela mesma bola. Chegou num caminho sem volta. A vida caminha fácil nessa linha cruel. Carinho de seu pai. Sem volta. Parou. Furou! Onde acharia conforto? “Had my ways days of sunshine life came easy it all fell in line” (10) Era uma noite fria de segunda-feira. As pessoas dormem mais profundamente. As segundas são cansativas. Coloca The Hollies na vitrola... “My legs won't move I feel disabled. I'm on a shelf an article labelled” (11) Teria que aprender a manipular essas coisas... Armas desarmam almas! “I'm down. No one to hear me calling. I'm down. No one to see me falling”…(12) (1) Espero por alguém que consiga me desorientar de modo que eu me ache; (2) e (5) Quando você é usado para algo, é difícil aceitar; (3) Como uma mulher que você perturba ela é sua mãe, como é que você luta com isso.; (4) E nem eu mesmo sei o meu verdadeiro nome...; (6) Talvez alguém fora dali olhe para mim; (7) A vida caminha fácil nessa linha cruel; (8) Guardo o segredo comigo, eles pensam que isso é vergonha; (9) Isso me machuca, da mesma forma sou o último a saber; (10) Tenho meus caminhos com dias de sol, a vida caminha fácil nessa linha cruel; (11) Minhas pernas estão acostumadas a se sentirem incapacitadas.(12) Estou para baixo. Não há ninguém para me ouvir chamar. Estou para baixo. Não há ninguém para me ver caindo... (excertos da canção de 1974 “I'm down” do grupo britânico “The Hollies”) Roberto Gonçalves Paranavaí - PR Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho... Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias, contos e afins. 98 OLHO DE VIZINHO O velho Durvalino nunca foi de muita conversa. Hoje, porém, trancouse em um silêncio hostil. Zé Carlos bem que tentou puxar assunto, falou da pescaria desse domingo, pescaria sempre rendeu bom papo e boas risadas, mas nem isso! Nada interessava a Durvalino, só se referia ao trabalho, e com estupidez. - Essa merda não anda se a gente ficar de conversinha. Depois o Belmiro vem me encher o saco! Consertavam um galpão no sítio desse Belmiro, sujeito mão de vaca e metido à besta, ainda mais quando tomava ares de patrão. Zé Carlos se conformou, melhor deixar o velho sossegado, e por toda a manhã se concentraram apenas no serviço. Na hora do almoço, sentados em algumas tábuas, Durvalino tinha a cabeça baixa como uma criança envergonhada. Olhou para sua marmita e para a do outro: - Ô, Zé Carlos, vai um pedaço de carne? - Opa! Então aceita aí um pedaço de peixe. - Da pescaria? - É. Foi boa. Não das melhores, mas boa. - Quem foi junto? - O Neneca e o Sérgio. O Toninho disse que também ia, mas acabou pulando pra trás. - Foram ontem cedo? - De madrugada. Voltamos à noitinha. Mas tava bom! O senhor nem imagina. O Sérgio levou aquela pinga de tonel, vai vendo só. De tarde a gente pegava um peixe, acabava enxergando dois. - Só fico imaginando a presepada. Mas é bom, serve pra arejar o sentido. - Ô! Se tem uma coisa que eu gosto é rodear um pesqueiro. Comeram. Depois Zé Carlos se deitou de costas, com o boné sobre o rosto. Na verdade esperava, pois sabia que Durvalino tinha alguma coisa para dizer. - Ô, Zé Carlos, faz quanto tempo que a gente se conhece? - Faz dois anos, ué, desde que a gente se mudou pra cá. Por quê? Durvalino pensou um pouco. 99 - Somos vizinhos, trabalhamos juntos, pode-se dizer que somos amigos, não é? Mesmo você sendo tão moço e eu já beirando os sessenta? - Claro que somos, Seu Duva. Por quê? - É que tem umas coisas... Sabe como é... Que o povo fala. A gente não liga. Mas vai ouvindo, ouvindo. Zé Carlos sentou-se. Fixou o olhar no rosto do outro. - O povo fala o quê? Quem é que fala? - Olhe, você sabe que eu não sou de conversa fiada. - Sei disso, véio. Mas pode falar. Tem um negócio te incomodando e é comigo. Pode falar. - Não. É só que eu não gosto de coisa errada. - Que é que tá errado? - Bom, vou falar porque sou seu amigo. Você é trabalhador, muito boa pessoa. É pai amoroso, todo mundo vê como se dedica ao teu moleque. Leva vida humilde, mas limpa. Não é certo que fiquem de fuxico pelas tuas costas. - Fuxico? Mas que fuxico? Anda, homem, não dê tanta volta que já vai me dando uma agonia. - Bom... Tem alguma coisa acontecendo na sua casa. - Na minha casa? Como assim? - Olhe, Zé Carlos, esse trabalho nosso é de fases. Tem hora que é igual aqui no Belmiro, a gente vem cedo e volta de tarde. Mas outras vezes o serviço é mais longe, de modo que é preciso ficar uma semana, até dez dias fora, que nem nós já ficamos. Zé Carlos assentia com a cabeça, todo atenção. - Bom... Quando a gente tá por aí afora, dizem que um sujeito aproveita pra se encontrar com sua mulher. É um moreno que tem uma caminhonete vermelha. Zé Carlos se levantou devagar como se demorasse para entender. Deu alguns passos e ficou de costas para o outro. - Seu Duva, o que o senhor tá me dizendo! - É, rapaz, não é nada fácil! Mas agora já comecei, então vou terminar. Dizem que eles se encontram naqueles eucaliptos na estrada pra Santa Mônica. Embarcam na caminhonete e desaparecem. - Mas, véio Duva! E faz tempo essa história? - Isso não sei. Eu mesmo só fiquei sabendo dessa conversa na semana passada. 100 - E não me contou? - Rapaz, o povo daqui é muito fofoqueiro. Se um cristão der crédito a tudo que dizem... O outro se sentou novamente a seu lado. - E agora? Por que resolveu contar? O velho coçou a cabeça. - Porque eu mesmo vi. Ontem à tarde eu vinha de Santa Mônica, tenho uma filha morando lá, você sabe. Nos eucaliptos, a caminhonete parada. Vi o homem segurando nas mãos de uma mulher. Era ela, Zé Carlos, era a Nair. E aquele indivíduo eu conheço. É um certo Milton Cavalcante, genro de um fazendeiro chamado Alberto Santana. Certa vez, fiz um serviço na propriedade daquele miserável. Foi lá que conheci esse Milton. Inerte, Zé Carlos fixava desolado um ponto indefinido. Consternado, Durvalino, sem encontrar o que dizer, pôs a mão em seu ombro. - E o menino? - No campinho. Ela que foi chamar, depois que chegou. A tarde inteira trabalharam em silêncio. O velho procurava nos gestos, no rosto do amigo, alguma sombra reveladora de mágoa, ódio, desespero. Qualquer indício de como iria reagir diante da mulher. Duvidava se tinha feito bem, mas amigo é amigo, não mereceria tão boa amizade se colaborasse para manter a ignorância. Imaginou cena de sangue, pancadaria, quebradeira de móveis. Mas não, Zé Carlos muito pacífico, um coitado. Cachaça, choradeira, trambolho no braço dos outros? Também não, muito envergonhado. Corda no pescoço, pendente da mangueira? De jeito nenhum. Afogado no rio? A pescaria! Aí, sim, tinha perigo por causa da lentidão das horas, tempo demais para pensar. No entanto, além daquele mutismo nenhum outro sinal do que o amigo ruminava. Quando regressavam, no carro somente Belmiro e Durvalino tratavam da reforma do galpão. O outro continuou misterioso. Em frente à casa, antes de entrar, na despedida comum de todos os dias, uma vaga tristeza no olhar de Zé Carlos, alguém de partida. Perturbado, Durvalino mal jantou. A todo instante aparecia na varanda. Vigiava a casa do amigo. Tentava ouvir ruídos de embate, uma discussão, algo se quebrando. Mas nada. 101 Aproximou-se do muro e permaneceu na escuridão. Dali podia ver uma janela entreaberta. E se fosse até lá? Não, o assunto era íntimo, tinha que ser resolvido entre eles. Em certo momento percebeu um vulto, Zé Carlos com metade do rosto atrás da cortina, e sentiu todo o corpo esfriar. Justo o que mais temia e o enojava, ser considerado bisbilhoteiro. Confiando no escuro, não, não fora visto, retornou à sua casa. A velha tentou confortá-lo, não se preocupasse tanto, mas ambos sabiam que ele custaria a pegar no sono, talvez tivesse azia. Zé Carlos chegou novamente à janela. Nair, sentada no sofá, brincava com uma flor de plástico. - Ainda lá? - Não, entrou. Ele também veio para o sofá, recostou a cabeça, ficou olhando para o teto. A mulher sossegou as mãos por um instante. Falavam quase sussurrando. - Ao menos ele não inventou de dar conselhos. Nem quis tirar vantagem. - É, um bom companheiro o véio Duva. No silêncio ela o observou longamente, os olhos pequenos e negros perdidos no teto, o rosto magro. Não gostava de vê-lo assim triste. - Estou cansado desse arranjo. As mãos recomeçaram a mexer com a flor. - Ele tem que tomar uma decisão. São quase cinco anos. - Eu tenho cobrado. Mas diz que ainda não dá. - E o acordo? No máximo um ano, foi o que acertamos. E sempre não dá, não pode, nem vai nem vem. - Diz que não tem quase nada no nome. O sogro não dá moleza. Separação, agora, ia voltar ao que era. - E vamos esperar até o velho maldito morrer? Também não é assim, não. Depois tem inventário, uma porção de coisas. - É o que ele diz. - Será que não está enrolando, não? Antes não tinha filho, agora tem dois. A pessoa pega amor. - Esse aqui também é dele. Uma sombra pousou no rosto de Zé Carlos. - Mas o garoto nem reconhece. Já se acostumou a ser meu filho. 102 Ela colocou a flor de lado e se levantou, na porta do quarto contemplou o filho dormindo, em seguida voltou para o mesmo lugar. - Acha que não penso nisso? Que não dói a suspeita da promessa não ser cumprida? Zé Carlos endireitou o corpo, baixou o olhar para o chão. - E você? Por que se incomoda? Ele não te paga direitinho, até mais por causa da demora? - Também fez parte do combinado que vocês só iriam se encontrar bem longe e quando eu estivesse fora. Assim não levo nome de corno. Só pedi isso, questão da minha moral. Ambos lembraram, mas não quiseram falar, que Milton o tinha liberado logo após o primeiro ano. A hora em que se enfastiasse podia ir embora. Montava casa para ela e o menino. Era mais arriscado, mas dava para tentar. - E agora, como das outras vezes? - É melhor. Amanhã não vou trabalhar. Falo pro véio que não tem mais jeito, estou te levando pra casa da tua mãe e vou sumir no mundo. Aí a gente arruma outro lugar e começa de novo, até se resolver essa situação. - Até aparecer mais um vizinho infeliz que descubra e venha contar. Ele segurou as mãos dela, tão brancas e pequeninas, em contraste com as suas, tão rudes. - Mas o véio Duva é um companheirão, viu? Quando se ergueram, sem que ela notasse, a barra do vestido arrastou a flor de plástico e a derrubou ao chão. No quarto admiraram o menino abandonado no sono. Zé Carlos acariciou ternamente seus cabelos, como se fosse seu filho. Acalentado pelo silêncio, olhos nos olhos, enlaçou Nair e a beijou na boca, como se fosse sua mulher. Altair Cirilo dos Santos Paranavaí - PR Policial Militar, formado em Letras e Direito. Em 2003, publicou Passarim, Passarão, com apoio do SESC. Em 2004 lançou Por Instantes Lembrei de Mim e Um Conto, Uma Espada, Uma Sombra. Em 2012 a SEEC do Paraná publicou Viagens. Pertence à Academia de Letras e Artes de Paranavaí. 103 MÚSICAS 104 COMISSÃO JULGADORA Taïs Reganelli Campinas - SP Iniciou sua relação com a música durante a infância na Suíça, onde nasceu. Seus mais de 15 anos de carreira foram divididos entre períodos de shows na Europa e no Brasil, onde tem um público fiel e cativo. Com 3 discos autorais, Taïs já participou de diversos festivais de música, concorrendo entre eles ao 23º Prêmio da Música Brasileira com seu último disco, “Leve”. Com este mesmo disco, Taïs foi entrevistada no Programa do Jô Soares e abriu shows de Maria Gadú, Toquinho e Leila Pinheiro. Desde 2011, a cantora leva dois projetos paralelos: o show infantil “Todo mundo foi Neném”, que passa por diversas cidades do interior do Estado de São Paulo, e seu show autoral “Antes que a Canção Acabe”, que já percorreu São Paulo e alguns países da Europa (França, Bélgica e Holanda). Tom Zales Curitiba - PR Ganhou prêmios literários com contos, crônicas e poesias. Prêmio de “Uma das Três Melhores Músicas do Paraná” e “Melhor Conto Regional” FEMUP em 2001 e prêmio de 2º lugar na categoria nacional em música no FEMUP de 2003. A letra da música “Badulaques” foi classificada como uma das cinquenta melhores poesias do Concurso da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e editada em sua 1ª Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos. Juca Ferreira Paranavaí - PR Cantor e compositor, integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi premiado em várias edições do FEMUP e outros festivais pelo Brasil. Gabriel Zara Londrina - PR Formado em Música pela UEL (Universidade Estadual de Londrina). Como baixista da Big Band Paranavaí, realizou inúmeros concertos pelo PR, além de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi baixista da Big Band do Festival de Música de Londrina em diversas edições. Também tocou em diversas mostras de jazz pelo país. Em 2008, participou do DVD do FEMUCIC através do duo formado com André Siqueira. Em 2009, apresentou trabalho próprio. Em 2013, volta ao Brasil após quase dois anos tocando pela Itália. Vitor Hugo Gorni Londrina - PR Arranjador, instrumentista, músico, compositor, regente da Londrina Jazz Band. Clarinetista da Orquestra Sinfônica da UEL. Atua como regente e diretor artístico da Orquestra de Sopros Paranavaí. 105 FASE REGIONAL Sirley Leonardo Leandro Vieira A coisa aqui tá feia Braços abertos Paranavaí, PR Paranavaí, PR Carlos Silva Juliane Belo Empório do samba Me dá um tempo Paranavaí, PR Paranavaí, PR Rubia Guidin João Henrique Descanso Pra sempre vou te amar Paranavaí, PR Paranavaí, PR Jessica Arnaut Roberto Gonçalves Além daqui Lua... Luas... Tamboara, PR Paranavaí, PR Marquinhos Diet Larsen Religare A quem vai partir Paranavaí, PR Paranavaí, PR Dodo Acústico Dany Starr Aquele homem Infância Paranavaí, PR Alto Paraná, PR 106 A COISA AQUI TÁ FEIA Em cima da carniça, urubu passeia. Meu Deus olha pra baixo que a coisa aqui tá feia. O bem que eu quero não faço, o mal que não quero já fiz. Não sei amar quem me odeia, perdoo, mas não esqueço. O ser humano é complicado, já ouvi alguém dizer. Mas acredito na mudança, pois quem tenta faz valer. Quem diz eu não minto, já mente. Quem diz nunca vou, ainda vai. Quem se esconde atrás da moita, uma hora sai. Não há segredo que dure pra sempre, Não há mentira pra sempre encoberta. Não há tristeza que nunca se acabe, isso é a coisa mais certa. Desejo nem sempre é cobiça, pra maldade não existe razão. A ganância move o mundo, é mal que não tem cura. Indiferença, falsidade, intolerância e corrupção. Aonde vai dar tudo isso, livrai-nos Deus desse mundo cão. Sirley Leonardo Paranavaí - PR Sirley é compositora e intérprete, com trabalhos premiados em vários festivais pelo Brasil, além de violonista, professora de canto e violão. 107 EMPÓRIO DO SAMBA O empório do samba é o lugar perfeito p se encontrar Verdadeiros amigos bebendo e cantando na mesa de um bar Quer falar de política, amores, conquistas, ou desilusões Ou falar do trabalho, do time, da luta, e das decepções O bar é perfeito pras dores do seu peito cicatrizar Num copo de whisky, cachaça da boa, ou cerveja à rolar Então brinde comigo, existe um motivo, pra comemorar Outro dia começa, e uma nova esperança vamos editar Se entregue a aventura, delete a amargura do seu coração Cavalgue nas asas dos sonhos viaje na imaginação Porque nessa viagem é preciso coragem pra renunciar E você meu amigo, tem muitos motivos pra comemorar (Na mesa de um bar) Se entregue a aventura delete Carlos Silva Paranavaí - PR Filho de migrantes nordestinos que cresceu em Maringá-PR na época da Jovem Guarda. Casou-se e mudou para Cuiabá-MT, onde viveu até 2011. Músico profissional pela OMB/PR, já participou de vários festivais e possui mais de 50 composições de gêneros diversos. Atualmente reside em Paranavaí e frequenta a Companhia da Viola. 108 DESCANSO Como brisa suave Que toca meu corpo em repouso Eu me purifico Como uma lua brilhar em uma noite escura a me provocar eu me deleito E com a sensação de dever cumprido Um novo dia vem se abrindo E logo pela manhã o nascer do sol Como brisa suave Que toca meu corpo em repouso Eu me purifico Como uma lua brilhar em uma noite escura a me provocar eu me deleito E com a sensação de dever cumprido Um novo dia vem se abrindo E logo pela manhã o nascer do sol Eu admiro Eu admiro a folha ao vento eu admiro A primavera com setembro vem se abrindo As boas novas ao seu tempo vai passar Pra mente corpo espírito alma renovar Rubia Guidin Paranavaí - PR Canta jazz, ama bossa e faz samba. Essa moça é bamba!! Uma negra com ginga no pé, e samba no sangue. A carioca, de pé vermelho, é norteada pelo jazz, o soul e o samba. Mas não exclui a possibilidade de introduzir outros ritmos e estilos ao mosaico da música que faz, e ama. 109 ALÉM DAQUI Tão suave, tão perfeito Esse amor dentro do meu peito. Como uma brisa suave em mim Com você, vou até o fim. Te levar pro ar, pros encantos meus Viajar num sonho, que é só meu e seu. Muito além daqui, posso te sentir E quando o sol se pôr, lá estará você Como é bom te ter. Jessica Arnaut Tamboara - PR Música vem da alma e nos aquece, nos mostra tudo aquilo que os olhos não podem ver. Jéssica tem 21 anos, vive para a música e quer morrer com ela. Se todos pudessem sentir a alegria e paz na alma que ela pode nos trazer, jamais esqueceriam dela. 110 RELIGARE Eu já não tenho O medo que eu tinha da morte Eu sei que eu morro toda noite Ainda bem que eu durmo Eu posso sonhar E rever o seu sorriso Mas ressuscitado Ah o coração Quer sair pela garganta Se arriscar pela avenida E matar na tua casa Essa saudade de ti Essa saudade de ti Que sempre volta Se agiganta Quer tomar conta... E eu olho o céu E quando mais me calo Mais em comunico Com o universo E já não peço mais Além do que mereço Marquinhos Diet Paranavaí - PR Natural de Paranavaí-PR. É cantor e compositor há mais de vinte anos. Tem 3 discos gravados em estúdio e 2 ao vivo. É vencedor de vários festivais, com músicas como "Bolero Hepático", "Prazo de Validade" e "Efeito Pretérito", esta última com videoclipe dirigido por Tizuka Yamasaki. Seu último CD gravado é o "Somos Lagartas", de 2003. 110 AQUELE HOMEM Aquele homem expressa no olhar um dia onusto de agonia. Seus trajes desvelam o cansaço. Todos os dias ele cai no buraco tentando encontrar uma solução. Agora ele está numa estação com um jornal nas mãos. Nada o faz piscar. Cotidiano da maioria. Aquele homem está sem chão. Aquele homem está em busca da explicação. Aquele homem não é mal pra merecer uma vida sofrida. A cada dia a dor aumenta em seu coração. Aquele homem estudou, se formou e conquistou O diploma em sua formatura. Manteve o foco em seus ideais. Todos os dias ele corre atrás. Foi subornado, mas não aceitou. Logo em seguida o chefe o dispensou. No dia seguinte aquele chefe lhe fizera mal. Espalhou mentiras sobre o bom homem. Aquele homem fez tudo que podia dentro do que é certo, Mas não progrediu. Foi lhe ensinado a viver pela verdade neste Mundo obscuro cheio de atrocidades! Dodo Acústico Paranavaí - PR Nascido em 1º de Dezembro de 1984 na cidade de Paranavaí-PR. Durante um ano fez aulas de violão clássico. Logo depois, aprendeu a tocar cavaco. Ampliou seu gosto por outros gêneros musicais e hoje procura mostrar sua criatividade na área de composição. 112 BRAÇOS ABERTOS Toda vez que vou viajar você sempre está em meus pensamentos. Rodas girando sem cessar e meu coração pleno em sentimentos. Os momentos que partilhamos eu sei que o tempo só não pode apagar. Ensejos que preenchem meu ser eu só encontrei nesse Paraná! Aonde quer que eu vá braços abertos estará Esperando que eu sinta o amor Que você tem me dado a cada dia. Hoje eu sei que no escuro posso estar Mas o meu coração bate em par Junto ao seu em perfeita harmonia. A distância entre nós dois nos faz separar por períodos tão longos. Quando estrelas cobrem o céu ao adormecer eu te tenho em meus sonhos. O melhor amigo que eu pude ter me acolheu por tantos anos sem mesmo eu notar. Onde quer que esteja é bom pra casa voltar no meu Paraná! O melhor amigo que eu pude ter me acolheu por tantos anos sem mesmo eu notar. Onde quer que esteja é bom pra casa voltar no meu Paraná! Leandro Vieira Paranavaí - PR Professor de Língua Portuguesa e Literatura, mas sempre esteve ligado à arte de forma geral. Desde a infância, gosta de cantar, escrever, desenhar, pintar e, conforme foi crescendo e tomando conhecimento do vasto mundo artístico existente, já participou de outros eventos promovidos pela Fundação Cultural de Paranavaí como FEMUP, FEPAM, FARPA, entre outros. 113 ME DÁ UM TEMPO Eu quero te ver, mas o relógio continua Ei chronus, me dá um tempo! Eu quero te encontrar E a saudade se acentua, Ei chronus me dá um tempo! Por que é que todo mundo Está nessa correria assim? Você nunca tem tempo pra mim... Mas eu também, não tiro sua razão Pois só tive meia hora pra compor essa canção! “Bom dia minha senhora!” Isso não se ouve mais, “Como foi seu dia meu bom rapaz?” “Desculpe estou atrasado, não posso conversar, Agora, estou indo trabalhar...” Há muito pra fazer e os minutos a passar A pressa é a prece que nos faz companhia Horário de Brasília, London ou Pequim Em qualquer lugar o mundo todo caminha assim. Tire um tempo pra mim Uma hora tudo pode ter fim Dê prioridade ao que te faz feliz Momentos não voltam atrás, como a gente sempre quis. Juliane Belo Paranavaí - PR Estudante de Letras pela Universidade Estadual do Paraná, Campus FAFIPA. Foi jurada do Festivoz em 2012 e uma das selecionadas no Festival de Música Paranaense (Fepam) em 2013. Toca em "barzinhos" e eventos particulares há 3 anos, tendo seu repertório regado ao estilo Pop, Rock, MPB e um pouco de Reggae. 114 PRA SEMPRE VOU TE AMAR Atravessei muitos mares pra te ver Eu estava lá mas você nem sabia Eu te seguia mas você nem me via Passava noites olhando pra você Até parecia que você já estava em mim Mas eu chorava como uma criança triste Fiz tanta coisa Só pra te encontrar Corri estradas caminhos não parava de pensar Mas agora você está aqui Eu não via tempo nem lugar Você era a luz o sol meu dia meu luar Você me abraçou e eu não quis mas te deixar Agora eu sei meu bem pra sempre vou te amar Eu passei você me viu a gente se olhou e logo e curtiu Pra sempre, pra sempre, pra sempre vou te amar. João Henrique Paranavaí - PR Nasceu em João Pessoa, Paraíba. Sempre esteve envolvido no meio musical e teatral de sua cidade natal. Chegou no Paraná em 1991 e trouxe na bagagem experiências do cenário punk de João Pessoa. Compõe desde 1988. Toca nos bares de Paranavaí e também participa de duas bandas, o Tio João, em que toca suas composições, e o Los clandestinos – voltado à interpretações de MPB e Pop Rock. 115 LUA... LUAS... Símbolo de todos amantes, dos insones, dos errantes, Dos que querem se encontrar Lá no alto se anuncia transbordando de alegria Quem conjuga o verbo amar És amiga dos poetas, dos mendigos, dos profetas Quem da noite se sacia Quem te vê jamais esquece. Tu bem sabes que mereces Rebrilhar noite e dia Cai a noite, lá está ela radiante, toda bela Que divina inspiração! Quem não amou sob seu brilho? Não contou com seu auxílio Pra compor uma canção? Todas as noites como prêmio ofereces aos boêmios Sempre um brilho diferente Esta luz tão fascinante. Tu és cheia, és minguante, Tu és nova ou crescente. Iluminas sem censura quem se ama, se mistura Sem segredos pelas ruas Resplandece a tua luz que tão forte nos seduz A te amar cada vez mais, Lua! Roberto Gonçalves Paranavaí - PR Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho... Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias, contos e afins. 116 A QUEM VAI PARTIR Sente aqui Pegue um café também, não vai te fazer mal. Que vista linda É como se o tempo não fosse passar Ouvi dizer Que pensa em ir e não voltar... Quero que saiba Que é difícil não pensar em ir também Saiba que eu vou gritar a noite inteira E no outro dia fingir estar tudo legal Os vizinhos vão ouvir calados E sofrer comigo até o final, por que Eu não prendi você Mas te deixei partir Faz um bom tempo O céu assim, me lembra o seu olhar Não pela cor Mas tão profundo que me tenta a experimentar Vim só dizer Que andei pensando no que perco sem você E eu já nem sei O que vai ser de mim sem alguém pra cuidar Saiba que eu vou gritar a noite inteira E no outro dia fingir estar tudo legal Os vizinhos vão ouvir calados E sofrer comigo até o final, por que Eu não prendi você Mas não te deixei partir Larsen Paranavaí - PR Desenhista e compositor, é vocalista da banda Causa Própria e também trabalha tocando em casas noturnas. Essa é sua segunda passagem pelo FEMUP. 117 INFÂNCIA Lá em Maristela foi onde tudo começou. A semente que eu plantei deu raiz e aflorou. Os amigos que eu fiz na escola São os mesmos de agora. Não mudaram tampouco eu mudei. Li um doce, comi livros sem parar Pra poder minha história cantar. Lugar que tem muito o que contar e suas lendas fazem sonhar. A lua cheia invade a aflição e ilumina a minha paixão. Cidades com segredos no ar. Mistério e sonho é só imaginar. E são por essas e outras razões que a infância volta ao coração. Visitando outros locais encontrei tudo o que eu li. Por direitos eu lutei pra viver o que eu vivi. Vendo o trem passar me dá vontade De subir a bordo e viajar por todo o Paraná. Sol e chuva, frio e vento pra sentir E o apito avisa é hora de partir. Dany Starr Alto Paraná - PR Formada em Teclado Popular pela Academia Amadeus Mozart de Alto Paraná. Desde os dez anos, Dany Starr canta e toca em diversos eventos artísticos da região. Esta já é sua segunda participação em eventos promovidos pela Fundação Cultural de Paranavaí. 118 FASE NACIONAL Pedro Vasconcellos e Gilberto Lamaison, Alana Paulo Ohana Moraes e Gabriel Selvage A estrela e o homem Tristeza do Aurélio Brasília, DF São Paulo, SP Marinho San Zebeto Corrêa Nascentes filhos e rios Oriente Amazônico - O paraíso Belo Horizonte, MG de Milton Belo Horizonte, MG Rita Oliva e Zelino Lanfranchi Tapa Marcia Cherubin São Paulo, SP O artista Santo André, SP Luana Godin Ideia Donna Duo Curitiba, PR Amor gramatical Porto Alegre, RS Valdir Verona de Rubem Scholl Teleu Moenda da vida Dedo de prosa Caxias do Sul, RS São Paulo, SP Tavinho Limma e Kico Zamarian Sandro Dornelles Pelos cantos Mulher de Pavão Ilha Solteira, SP Várzea Paulista, SP 119 A ESTRELA E O HOMEM Sozinho na cidade tento me encontrar Andando pelas ruas do mesmo lugar Onde, criança, eu via um mundo encantado Chão de poesia, teto de luar Na luz daquela estrela sempre me guiando No caminho aberto de um delírio brando De menino esperto que segue sonhando Sem medo de errar Pelo mundo vai Cantando, sumindo No horizonte tão longe de nenhum país Pois sempre quis sair pro mar Viajando ao vento que sopra de lá Inventa noite adentro um rumo pra fugir Como quem só se importa em partir Jamais chegar Numa outra estação Ao acordar, quedar na imensidão De pedra e pó Saudade e só Contar com a sorte nesse chão No meio da rua Na minha morada Madrugada escura Sonho meu não dura Procuro sob um véu De nuvens lá no céu A estrela, por onde andará? A estrela que eu procuro não vai se apagar Jamais vai se apagar Nunca vai se apagar A estrela que eu procuro não vai se apagar Jamais vai se apagar Nunca vai se apagar O brilho dessa estrela não vai se apagar Antes que tudo acabe tenho que voltar Perdido na cidade tento encontrar 120 Aquela velha estrela que eu não vejo mais Quem sabe se escondeu nos cantos, nos quintais Onde eu costumava andar tempos atrás No meu mundo vadio Quanto tempo faz? Ah, quanto tempo faz Tanto faz Quanto tempo As horas que ficaram vou deixar passar Enfrentar o frio, o medo e me mandar Pra longe da cidade, algum outro lugar Refazer poesia, sonho, chão, luar Reencontrar a estrela, sempre caminhando Por esse deserto, negra noite Enquanto meu destino incerto me resguarda o canto Tenho que cantar Pelo mundo 121 Próxima estação Ao acordar, ter de pisar o chão De pedra e pó Saudade e só Saber da morte Nessa imensidão Numa nova lua Eu ponho o pé na estrada Estrela já não brilha Sigo só na minha trilha sem pestanejar Num canto do meu peito sei que deve estar A luz que eu procuro não vai se apagar A estrela vai brilhar Pra sempre vai ficar Num canto do meu peito pra me iluminar E o brilho vai durar Pra sempre vai ficar Guiar o meu caminho por onde eu andar Pedro Vasconcellos e Paulo Ohana Brasília - DF Pedro Vasconcellos Cavaquinista, compositor e arranjador. Pedro desenvolve uma linguagem inovadora para o cavaquinho através da criação de um repertório específico para o instrumento e da maneira diferenciada e expressiva de tocá-lo. Além de ter acompanhado e gravado com diversos artistas brasileiros, o cavaquinista formou o grupo Aquário, com o qual lançou o álbum "Primeiro". Em 2011, lançou "Transparente" com Ricardo Nakamura ao piano e "A comédia do coração" com o baixista e cantor Ebinho Cardoso. Em todos estes álbuns, Pedro atua como solista de cavaquinho e assina a maioria das composições. Atualmente, trabalha também em grupos de samba, choro e música instrumental brasileira, e como diretor musical e arranjador. Paulo Ohana Natural de Brasília. Recebeu o prêmio de melhor intérprete no IV Festival de Música da Rádio Nacional FM Brasília (2012). Em julho de 2013 lançou seu primeiro álbum autoral Outros Ventos. É estudante do curso de Música Popular na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 122 NASCENTES, FILHOS E RIOS Olha aí! Dá tempo ainda De acordar cedo e pensar sobre tudo Olhem seus filhos, são como os rios Tão inocentes nascentes e filhos que vão Em busca de outras fontes, outros filhos No cais do porto, o estivador No barco a vida do pescador As lavadeiras, cantadeiras, rezadeiras Rezam as águas rumo ao mar Queda do rio na cachoeira Nem toda gota vai se salvar Tomba o menino na brincadeira Diz que não chora que vai ser forte E o rio proteger Linda natureza e seus movimentos Na chuva de prata em noites de lua La nas cataratas do Rio Iguaçu Ou no Arco Iris que a sombra apagou Hoje choveu, o rio encheu e água não escoou O que você leu ou viu na TV Dizendo que lá no asfalto Não estava bom nem pra doutor 123 Um vento mal, um sopro fatal Cenas do mundo atual Mas você não vai mudar Enquanto não acontecer com você. Natureza é arte em movimento Muitas vezes, cores ou sofrimentos Como o abalo sísmico no Haiti Como o fim de ano aqui E seus temporais A foz a meta, o seu destino Nosso menino quer alcançar No sal do mar, quer se lavar quer se livrar Do lixo que você descartou. Marinho San Belo Horizonte - MG Cantor, compositor e instrumentista. Tem um estilo eclético de voz afinada e suave. Seu trabalho tem característica bem mineira. Belas harmonias e melodias cuidadosamente arranjadas dando assim, um toque de qualidade em suas músicas. 124 TAPA O telefone não vai tocar A caravana já decretou Que o tempo é de espera E a gente respira enquanto não vai Quando a janela se deslocar Outro estranho que não te vê Na jura eterna que nutre, e a novela não vai mudar Eu já nem sei mais pra quê futebol Qualquer desculpa pra beber com alguém Hoje o caminho é pra se perder Acorda cedo, encara o espelho, Engana o sorriso, mais um café. O ponteiro te arrasta outra vez Tapa na cara e vai, vira essa mesa, dói Nenhum sorriso e sai, vira essa vida Tapa na cara e vai, vira essa mesa, dói Nenhum sorriso e sai, vira essa vida, dói Liga e me avisa o que eu já nem sei Perto tá longe porque é assim Saio no meio da rua, deixo o que era pra me levar Hoje o tempo é de graça Quando atravesso os faróis iguais Ele me olha, falta um tempo pra poder me perceber Rita Oliva e Zelino Lanfranchi São Paulo - SP Rita Oliva Formada em publicidade, é cantora, compositora e pianista. Trabalha atualmente nos grupos Cabana Café, Champu e Farofa Aquática em que atua na parte musical, produção e criação de conteúdo. Zelino Lanfranchi Formado em criação em publicidade, guitarrista, compositor e filmmaker. Atualmente, além de participar de campanhas publicitárias na área de audiovisual, também é músico nas bandas Cabana Café, Champu, Sociétés e Farofa Aquática. 125 IDEIA Me leva Me leva embora Não quero mais voltar a ficar longe de mim Me leva Me leva embora Não quero mais voltar a ficar longe de ti Que lugar é esse? Que é esse lugar Não há de que, oh meu lugar Meu lugar é aqui, meu lugar é assim O ronco dos motores, um choro de criança O vento na janela da vizinha fofoqueira A lua quando surge toda prata e borda o céu de luz, de luz Um tiro no silêncio O galo da manhã Mulheres e crianças ignoram a calçada Na rua estou Pra que rua vou? No centro da cidade, sozinho, multidão Uma sala de espera, um quadro, um conselho Meu abuso, sigilo, falo da verdade do meu ser Dentro do mapa me vejo pedindo pro tempo passar Cansado de você não voltar Estou em busca do meu lar Por favor, faça de mim Que sou a regra, a exceção Sou exceção de vossa regra, oh sim senhor Por favor, faça de mim Que sou a regra, a exceção Sou exceção de vossa regra, oh sim senhor Me leva Me leva embora Não quero mais voltar a ficar longe de mim Me leva Me leva embora Não quero mais voltar a ficar longe de ti Por favor Luana Godin Curitiba - PR Aos seis anos, Luana entrou em um coral infantil. Estudou piano erudito e popular, violino e participou de corais até os 16 anos. Aos 15, começou a fazer teatro. Formou-se em Licenciatura em Artes Cênicas pela FAP e especializou-se em Literatura Dramática e Teatro pela UTFPR. Atualmente desenvolve um trabalho como percussionista, violonista, cantora, compositora, atriz e professora. Trabalha com o Samba de saia, produtora Parabolé e tem seu trabalho solo. 126 MOENDA DA VIDA Tempo de chuva, caindo no chão Pra molhar o campo e abençoar a lida Ventre da terra, acalentando o grão Pra girar a roda, moenda da vida Suor no rosto, são rios de prata Traçando caminhos, entre o riso e a dor Na nudez da noite, carícia de mãos Flertando destinos pra gerar a vida É a luz do sol, o sal da terra, É a mão do homem, que fere, afaga e reza Que joga a semente e gesta o trigal Que dá vida e mata a fome de pão Forno de barro; fogo, labaredas Incitando o vento pra dançar as rondas A flor no cabelo e o jeito da morena Aperta mais o peito do caboclo triste É a luz do sol, o sal da terra... Valdir Verona de Rubem Scholl Caxias do Sul - RS Músico - violeiro e violonista - professor de música e pesquisador. Atualmente está trabalhando nas áreas de produção e direção musical. Possui seis CDs e dois livros com CDs encartados. Recebeu o Prêmio Excelência da Viola nas edições de 2010 e 2013. Participou em diversos festivais, entre eles: 8º Brasil Instrumental de Tatuí-SP, 1º Festival Voa Viola, 47º FEMUP de Paranavaí-PR, 33º Femucic de Maringá-PR, Fejacan de Jacarezinho entre outros. Em 2012 representou o Brasil, tocando no Fórum Econômico Mundial de Davos/Suíça e na Feira Internacional do Livro em Bogotá/Colômbia. 127 PELOS CANTOS Bola no canto o goleiro não pega, canto de fé a verdade não nega Mesa de canto não fica no centro, canto pra fora a paixão que há dentro Larguei no canto a saudade que arranha, canto da sala tem teia de aranha Guardei no canto do olho a menina, canto da rua, um lugar na esquina Pelos quatro cantos do mundo, eu vou! Procurando um canto de encanto Por tudo que é canto profundo, pelos quatro cantos do mundo Por todos os cantos, eu canto! Canto do olho é desconfiado, canto da boca não é beijo selado Quem paga a conta no canto da mesa, sugere algum canto, pendura a despesa Canto da unha, uma pele encravada, canto do corpo é alma lavada Uma sereia tem tantos encantos, tanto mistério entoado em seu canto Canto a pedra da sorte no bingo, canto a bola do jogo, domingo Planto no vaso a flor cantoneira, colho no canto a raiz brasileira Chamo os amigos, lá vai cantoria! Canto em coro, lá vem confraria! Mulher casada, eu evito a cantada, marido me mata, e eu não canto mais nada! Tavinho Limma e Kico Zamarian Ilha Solteira - SP Tavinho Limma Natural de Recife, PE. É cantor e compositor. Foi integrante da Banda de Pau e Corda. Tem parcerias musicais com Jane Duboc, Tetê Espíndola, Lucina, Martha Medeiros, Oswaldinho do Acordeom, Elton Ribeiro. Em 2012, sua canção intitulada "Malfeito", parceria com Rita Altério, fez parte da trilha sonora da novela "Carrossel" - SBT. Kico Zamarian É natural de Mococa. Cantor e compositor, tem parcerias com Zé Renato, Cristina Saraiva e Tavinho Limma. Fez shows ao lado de nomes como Ceumar, Simone Guimarães e Márcia Tauil. 128 TRISTEZA DO ÁURELIO Sonhaginei que você Me levoava ao céu Junto a seu corpo quentório E seu gostológico sabor de mel No paraíso monotopálido Nos sexamos ardentemente E as folhas da videira Arrantiramos com nossos dentes E os anjos nos escurrafora Por tão grandólico pecado Então nos escorrecemos Num arco íris coloristrado O paixonissimo querer De tanto te beijaçar É algo astrolibídico Maravilhástico é te amorar Nosso paraíso é aqui Onde todos comem maçãs Cantadançamos pela noite E sonhadurmimos de manhã 129 É aqui nosso angelicacéu Meditatório e loucário Onde o sonho é o poeta E tem seu próprio dicionário Gilberto Lamaison, Alana Moraes e Gabriel Selvage São Paulo - SP Gilberto Lamaison Poeta e compositor, Gilberto Lamaison, vem se destacando no cenário nacional pela maneira simples e peculiar de escrever. Com muita originalidade, já possui diversos trabalhos gravados baseados na música regional do Rio Grande do Sul e na música brasileira. Alana Moraes A cantora gaúcha Alana Moraes, que atualmente reside e São Paulo, vem se destacando em vários festivais do Brasil. Em 2012, lançou seu primeiro álbum intitulado Amor e Som em duo com o violonista Gabriel Selvage e já prepara seu segundo disco para o início de 2014, somente com composições inéditas de novos compositores. Gabriel Selvage Violonista, compositor, arranjador e produtor musical, Gabriel Selvage vem se destacando no cenário nacional como um virtuose. Já possui diversos trabalhos lançados como produtor e um disco gravado ao lado da cantora Alana Moraes, lançado em 2012. Atualmente trabalha em diversos projetos instrumentais e prepara um DVD para 2014. 130 ORIENTE AMAZÔNICO - O PARAÍSO DE MILTON Imaginação ardente É, no coração da noite, Cimitarra do Oriente A lua nos aguaçais Caravana de odores Desvario dos casais As senhoras, os senhores, Assim amam nossos pais Um casal de levantinos Nas chuvas torrenciais Lavava seus desatinos Entre gemidos e ais. Casal vindo das montanhas Para a terra dos tajás, Alifebatas estranhas Escritas nos biribás... No paraíso de Milton Localizado em Manaus Ouvi ciclone de risos Nos tapetes e peraus. Fazer a lua de mel Chegar no sétimo céu Amazonense esplendor Pois foi mamãe quem me disse Que perdura na velhice O mel do maior amor. 131 Esses estranhos amantes Depois de seus afazeres, São corpos resfolegantes Numa festa de prazeres. A paixão mediterrânea Tem odor de graviola, Amar nunca é extravagância, Narguilé que nos consola... Amar sempre repercute No mais profundo da gente Vem de Trípoli, Beirute Chega no Brasil mais quente, Qualquer idade ou cidade Igarapé ou deserto É Lua de ramadã Cristã, coração aberto! Zebeto Corrêa Belo Horizonte - MG Cantor, compositor e instrumentista. Tem 12 CDs gravados e mais de 200 premiações em festivais de música por todo o país. Foi semifinalista do Prêmio Visa compositores em 2000. Gravou ao lado de grandes nomes da MPB como o MPB4, Wagner Tiso e Vítor Biglione. Foi premiado em 17 estados - do Amazonas ao Rio Grande do Sul, do Pará ao Paraná, do Ceará ao Tocantins. Atualmente está gravando seu 13º CD. 132 O ARTISTA Hora de subir ao palco Hora de cantar quem somos Hora de trocarmos sonhos Hora de encontrar quem fomos Luzes lavam toda alma Iluminam toda palma Fadas, anjos , querubins Sopram versos sobre mim Cantar versos, universos, peito aberto que grita Hora da voz tão bendita Cantar pontes, horizontes, e o silencio dos homens Hora de encantar quem ouve.... Hora de rezar ao palco Orações, canções, ao alto Toda fé, e os sonhos meus Hora de falar com Deus Cantar versos, universos, peito aberto que grita Hora da voz tão bendita Cantar pontes, horizontes, e o silencio dos homens Hora de encantar quem ouve.... E os ouvidos da plateia gargalhando na estreia Alegria dilacera E descortina a alma limpa, toda verdade se encerra Hora de ir embora agora.... Marcia Cherubin Santo André - SP Cantora e compositora formada em canto popular pelo Conservatório de São Caetano do Sul. Premiada em vários festivais de música de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Paraná. Seu 3º Álbum "Canto Forte" foi premiado em 2013 pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado, através do Proac. Seu repertório conta com músicas de grande apelo social, riqueza rítmica, além de enaltecer a poesia do cotidiano em suas letras e melodias. 133 AMOR GRAMATICAL Não, não sei onde foi parar toda confiança do meu ser Só, só eu posso reparar fazendo o que bem devo fazer Vou te buscar em casa, vou bater na sua porta no sentido literal Botar juízo em tuas frases, pontos, vírgulas e crases um amor gramatical Vou bagunçar tua bagunça com intuito de encrenca que é na confusão que a gente consegue se ajeitar Vou remexer nos seus horários e encher-te de olheiras, embaçar tuas lentes e ser teu par Donna Duo Porto Alegre - RS Duas mulheres, duas vozes, duas cidades e muita música dentro desta simetria. Naíra e Dani são cantoras, compositoras, multi-instrumentistas e fazem parte do Donna Duo. Trazem músicas autorais e de parceiros de maneira irreverente e natural, com ritmos que iniciam na milonga, passeiam pelo pop e acabam por flertar com o samba. 134 DEDO DE PROSA Acorda pra esse dia tão bonito, assim! Levanta vem brincar de poesia Viaja nas palmeiras, nestes matos que te sobram. Não deixe o tempo definhar assim A noite está esperando lua-nova O céu amanheceu rouge-carmim O sol sorri na serra dando prova Que o calor na vida é tudo, em fim. Vem plantar uma semente dentro de você Replantar o Pau-brasil, Ipê. Matita-Perere, Sabiá, Bonito-lindo. Mono carvoeiro, tá pedindo. Cara-roxa quer chamar Tucano Curió cantando quer lembrar Maracanã, Ararauna, Jaguatirica, Banana-nanica. Macuco, Jacupiranga, Pitanga da no pé. Palmito ouro branco, uso de má fé. Madeira brasileira vai-se embora como nada Deixando sem fronteira a passarada O Índio já não é mais nem querido por aqui Se perde na cidade e no sertão Floresta já é pouca, nem Tupy nem Guarany. Os ancestrais perdendo a razão Canta violeiro, um dedo de prosa. Levanta a voz, impinge uma canção. Enquanto a gente fina lá de cima goza Invoca a fé que existe nesse chão. Teleu São Paulo - SP O Duo Teleu & Sanvita participou dos maiores festivais do país como: Fampop Avaré, SP, FEMUP - Paranavaí, PR, Musicanto - Santa Rosa, RS e outros. Realizou shows em lugares de expressão como: SESC Pompéia e Vila Mariana - CAP-SP e Teatro Guaíra - Curitiba-PR. Atualmente trabalha em projetos culturais e espaços alternativos ligados a MPB e a música regional. 135 MULHER DE PAVÃO Parece tara Onera em joia e musculação É coisa rara Não para de fazer exibição Mas não encara Nem atura a constatação Eu sou o cara E ela é mulher de pavão Quando fala Meu silêncio é quem chama atenção Quando cala É de consenso que eu dê opinião Na gafieira Ela sobra eu encho o salão É grife inteira Minha moda chinelo e calção Ela fica injuriada Vendo a foto no jornal Quando sai desajeitada O meu riso é natural Meu bem Se cansou da minha estrela E briga, bate boca, abre a goela Fica louca, descabela Diz até que não me quer Meu bem Acredite tenho dito Um pavão só é bonito Pra atrair sua mulher. Sandro Dornelles Várzea Paulista - SP Compositor, cantor e violonista, nascido em Cachoeira do Sul-RS. Nos últimos 13 anos, residiu nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde se apresentou em diversas casas de shows. Formou-se em Letras (Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem composições de sua autoria gravadas por diversos artistas e atualmente vem fazendo shows de pré-lançamento do seu CD “Da Porta pra Rua”. 136 DECLAMADORES 137 DECLAMADORES ANDRÉ FABRÍCIO Acadêmico de ciências sociais, pesquisa drama social, rituais estéticos e performances, ator profissional. Participa pela nona vez do Femup na categoria declamação. Poema delinquente J. B. Donadon-Leal Mariana, MG DANIELA BONETTI Atua no teatro há 14 anos e foi diretora de um grupo de artes cênicas ao longo de sete anos. É poeta, declamadora, segunda secretária da Associação de Pais e Mestres e Filhos do Centro Educacional Cecília Giovine e empregada juramentada no Cartório da Segunda Vara Cível da Comarca de Paranavaí. Também é acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense (Unipar). Rastros Roberto Gonçalves Paranavaí, PR DAFINI PACHECO Nasceu em Maracaju-MS e passou a morar em Paranavaí em 1998. Estuda no Colégio Estadual Dr. Marins Alves de Camargo. Participou do "Zé Maria" três vezes, de 2010 a 2013. Toca violão e canta. Telescópio Carlos Eduardo Narduci Pereira Paranavaí, PR GABRIEL ROQUE De São Carlos do Ivaí-PR, iniciou nas artes cênicas por influência de amigos quando ainda era criança, interpretando alguns esquetes e peças para apresentações escolares e espetáculos. Já escreveu textos teatrais educativos e encenou clássicos como o Auto da Compadecida. Pela segunda vez se inscreveu no concurso Zé Maria de Declamação, sendo um dos 12 selecionados para participar do FEMUP 2013. O inferno cronológico do poeta ou Seis visões da Guernica, de Picasso Tanussi Cardoso Rio de Janeiro, RJ 138 MARCOS DA CRUZ Graduado em história, é professor universitário e ator profissional que desenvolve pesquisa em teatro e circo. Também é integrante da Cia. Oficinas de Teatro de Paranavaí, diretor da Trupi Sererê e colunista da revista de pesquisa Circo Conteúdo: www.circonteudo.com.br. Poetarte em cinco cantos Laércio N. Bacelar Belo Horizonte, MG JOSÉ VALDIR JR. Passou a se interessar pela arte e por suas expressões já nas primeiras séries do ensino fundamental. Em 1993, com apenas 9 anos, declamava com o grupo de alunos do projeto pedagógico da Prof. Elmita Simonetti na Escola Estadual Newton Guimarães de Paranavaí. Em 1997 formou-se em teclado, pelo Conservatório de Música e Artes Vitória de Paranavaí, tendo como mestre a Profª Lúcia da Silva Barbosa. Participou pela primeira vez do FEMUP no ano de 2012, como declamador. Em 2013, ficou em 2º lugar no FESTIVOZ. Casado com Simara Manso, desde 2006. Tornou-se o homem mais rico do mundo com a chegada do seu filho Felipe, em julho de 2013. Paradoxo Edih Longo São Paulo, SP GABRIEL GUTEMBERG Paranavaiense, cabeleireiro formado pela Pivot Point Academia Internacional de Moda Tendência e Visagismo e artista plástico entusiasta. Participou de grupos teatrais com as peças "As casadas solteiras", "A história do amor de Romeu e Julieta", "Hamlet Machine". Foi selecionado para o FEMUP em 2011 e declamou "Falena", de Kellen Wiginescki. Passagens Felipe Figueira Paranavaí, PR ANA CLAUDIA RODRIGUES Tem 15 anos e cursa o Ensino Médio. Formada no Curso Básico de Inglês e Curso Profissionalizante na Escola de Inglês CCAA. Cursando língua espanhola no CELEM Línguas Estrangeiras. Um dia ainda serei ornitorrinco Odemir Tex Jr. Santa Maria, RS 139 LETÍCIA BRAMBILA Tem 16 anos, é de Paranavaí e tem o Ensino Fundamental completo. Está cursando TSB (Curso Técnico em Saúde Bucal) integrado com o Ensino Médio (Unidade Polo). Inglês básico (CCCI); Informática Básica (Microway). Experiência como secretária e auxiliar de dentista (Oral Clean). Elementares Viviane Silva dos Santos Paranavaí, PR DIANE ARTEMIS Loandense, bacharel em enfermagem pela Universidade Paranaense do Paraná (UNIPAR). Participou como atriz e diretora do Grupo TAL - Teatro Amador de Loanda. Poetiza e declamadora de poemas desde os 9 anos. Na vida profissional atua como funcionária pública na Prefeitura Municipal de Loanda - PR. Guernunca Nestor Lampros Itatiba, SP TAMARA SPINOLA Paranavaiense, graduada em Direito pela UNIPAR e graduanda em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão, especializanda em Educação em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Maranhão. Faz parte do Grupo de Contação de Histórias Olho D'Água. O menino Filippi Aragão Caxias, MA JEFERSON DOUGLAS BICUDO Paranavaiense, acadêmico de Letras pela Unespar/Fafipa. Declama desde os 5 anos. Começou a fazer teatro na igreja e a escrever os próprios textos voltados à religião. Este ano, além do Zé Maria participou de eventos como PDE, SELL e Varal Literário. Felice, um veredicto Ludymila F. Paranavaí, PR 140 COMISSÃO JULGADORA 20º FESTIVAL “ZÉ MARIA” DE DECLAMAÇÃO Os objetivos do “Zé Maria” incluem divulgar a arte de declamação de poemas, homenagear o artista e declamador José Maria Cavalcanti, classificar intérpretes para o FEMUP e prestigiar os declamadores de Paranavaí e Região, além de revelar novos talentos. Rô Fagundes Maringá, PR Atriz, bonequeira, cenógrafa e produtora cultural. Diretora da Cia. Fantokid's Teatro de Bonecos de Maringá-PR. Presidente da Arteboa - Ass. de Teatro de Bonecos e Formas Animadas. Recebeu diversos prêmios em festivais de teatro. Junior Paiva Maringá, PR Graduado em Artes Visuais, especialista em Arte e Educação, pós-graduando em arte na contemporaneidade. Fez Teatro no Centro Popular de Cultura de Maringá e é instrutor de Teatro e professor de Expressão corporal na rede particular e em projetos sociais. Também é Pesquisador da área de Postura e Técnicas de expressividade do corpo no século XXI. Além disso, é diretor é proprietário do Espaço Artístico Junior Paiva, de Maringá. Lucas Fiorindo Maringá, PR Ator profissional que atua há 5 anos no Teatro Universitário de Maringá (TUM). Já participou de várias montagens, como A Visita da Velha Senhora e festivais como o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Também é poeta e músico, acumula dois prêmios de melhor letra no Festival Acorde Universitário da Universidade Estadual de Maringá (UEM). 141 LEITURA DRAMATIZADA DOS CONTOS GRUPO UNITEATRAL DA UNIPAR/CAMPUS PARANAVAÍ Direção: Gislaine Pinheiro A tocaia Henrique Bom Nova Friburgo - RS SESC/PARANAVAÍ – PROJETO FUTURO INTEGRAL Direção: Tânia Mara Volpato Olho de vizinho Altair Cirilo dos Santos Paranavaí - PR CAIUÁ COMPANHIA DE TEATRO Direção: O grupo Soneto suicida Karina Limsi Ilha Solteira - SP SESC/PARANAVAÍ – PROJETO FUTURO INTEGRAL Direção: Tânia Mara Volpato Conto pantaneiro Reginaldo Costa de Albuquerque Campo Grande - MS 142 GT DE ARTES CÊNICAS Direção: Rosi Sanga Rastros do passado Roberto Gonçalves Paranavaí - PR GRUPO TRAÇA DE BIBLIOTECA Direção: Maria Esther Ferezin Camargo Os girinos Rafael Peres Uberlândia - MG CIA OFICINAS E OFICINA DE TEATRO DA CASA DA CULTURA Direção: Rosi Sanga O relojoeiro Marcio Ribeiro Leite Salvador - BA GRUPO MÉDICOS DO HUMOR Direção: Talise Schneider e Amauri Martineli Poeira infame Ana Nenduziak Paranavaí - PR 143 AGRADECIMENTOS Prefeitura de Paranavaí Rogério José Lorenzetti - Prefeito Thais Matias - Diretora Especial de Expediente Provopar Drª Cristina Marques Dias Lorenzetti Ministério da Cultura Lei Rouanet - Lei Federal de Incentivo à Cultura Governo do Estado do Paraná Secretaria de Estado da Cultura Conta Cultura Sanepar - Companhia de Saneamento do Paraná Fabríco Marques de Souza Arnaldo Giovani Rech Alessandro Cordeiro Garcia Podium Alimentos Maurício Gehlen Secretaria de Comunicação Social Jorge Roberto Pereira da Silva Abdallah Produções Sobhi Abdallah Herikson Souza Joaquim de Paula 144 HINO DO FEMUP Luzes que emanam do alto Iluminando nobres ideais São jovens que querem crescer E um dia hão de vencer Nosso festival se expande Projeta talentos, brados culturais Pois seu campo de batalha é a cultura Poemas e canções, de corações a sonhar O FEMUP é um festival Que há de sempre brilhar mais Nossos jovens são assim Decididos a vencer Letra: Cleuza Cyrino Penha Música: Carlos Cagnani A letra foi atualizada em 1996 145 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Diretor presidente Coordenadora de atividades artísticas e Museológicas; Coordenadora da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade e professora de Teatro Paulo César de Oliveira Diretor geral Rosi Sanga Amauri Martineli Técnica em atividades artísticas e sociais Elza Pavão Gerente de desenvolvimento cultural Talise Schneider Técnica em expressões artísticas e professora de teatro Assessor de eventos Gaciele Rocha José Elias Sobrinho (Cidão) Técnica em museu e atividades artísticas Agente administrativo Naiara Betin Amanda Caetano Luciane Nunes Professor de desenho e pintura Kreslen Matsumoto Recepcionista Professora de teatro Lorielle Caroline da Silva Gislaine Pinheiro Iluminador e cenógrafo Professor de flauta-doce Adauto Soares Glebson Ribeiro Assistente de palco Professor de canto coral e violão Marcos Paulo Gomes (Gerê) José Carlos Dos Santos Comunicação e jornalismo Professor de percussão e bateria David Arioch Glau Ribeiro Coordenadora da Professor de percussão e Coordenador da Escola Municipal de Música Biblioteca Júlia Wanderley Rafael Torrente Maria Esther Ferezin Camargo 146 Professores de capoeira Professor de violino Vanderli Pinto Dias (Côco) Bruno Corrêa Leandro Felipe de Jesus (Cabelo) Professor de acordeom Henrique de Oliveira (Porão) José Alfredo Diniz Braga Professores de violão Cristiano Brun Coordenador do Grupo Eu e Minha Viola e Camerata de Violões Fernando Bana Arnaldo dos Santos Atendentes de biblioteca Professor de teoria musical e Flávio de Oliveira Esmeralda de Oliveira Larissa Guedes Jéssica de Campos Luísa Antonia Gerez Grolli Coordenador da Banda Sinfônica Clave de Luz Manoel Feliciano Professor de clarinete, saxofone e flauta transversal Fernando Campos Equipe de apoio Maria de Lourdes de S. da Silva Maria de Moraes Correia Charlene Pinheiro Elisângela Araújo Sueli Matias Lopes Maria Salete Alves Professor de trombone Eduardo Amaral Professor de trompete Márcio Rodrigo de Souza Professora de circo e dança Maestro da Orquestra de Sopros Paranavaí Karina lima Vitor Hugo Gorni Professores de dança Maestro adjunto da Orquestra de Sopros Paranavaí Ellen Lúcia Barbosa Augusto Patrícia Romera Luciano Torres Dhow Brito Professora de ballet Maestrina do Coral Municipal Adulto e Infantil Tayna Mateus Ester Cristina Back Schulz 147 CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL Presidente Gislaine Pinheiro Vice-presidente Juliana Dias Boaretto Fernandes 1ª secretária Talise Schneider 2ª secretária Maria Inês Ferezin Gonçalves Conselheiros titulares Conselheiros Suplentes Paulo Cesar de Oliveira Amauri Martineli Elmita Simonetti Pires Graciele Rocha Ubiratan Ângelo Fernandes Jovelina Costa Teramoto Terezinha de Jesus R. Plaça Silvia Nilza Tuler João Carlos de Araújo Marques Isabel Cristina Ferreira Vanderlei Poppi Andréa Alves Vieira Lucas Barone Sony Aparecida Zerbato Felippe Fernando Bana Gustavo Figueiredo Pires Corrêa Antonio de Menezes Barbosa Marcos da Cruz Gessilene Cardoso Glau Ribeiro João Henrique E. de Andrade Jesus Rodrigues Soares José Augusto Alves Neto Cristiane Ribeiro Ferreira Terezinha Eico Ito Chico Ramos Rosi Sanga 148 SUMÁRIO Apresentação 05 Poesias 06 Contos 59 Músicas - Fase Regional 106 Músicas - Fase Nacional 119 Declamadores 138 20º Concurso "Zé Maria" de Declamação 141 Leitura Dramatizada dos Contos 142 Agradecimentos 145 Hino do FEMUP 144 Fundação Cultural de Paranavaí 146 Conselho Municipal de Política Cultural 148 149 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley Biblioteca Cidadã Boulivar Penha Escola de Música Luzia Guina Machado Orquestra de Sopros Paranavaí Coral Municipal de Paranavaí Grupo Eu e Minha Viola Camerata de Violões Cia. Oficinas Cia. do Circo Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511 CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128 www.paranavaicidadepoesia.com.br 150