Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí

Transcrição

Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
FEMUP
48º Festival de Música e Poesia
45º Concurso Literário de Contos
De 18 a 23 de novembro de 2013
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Paranavaí – Cidade Poesia
Diretor de produção
Amauri Martineli
Assessoria
Talise Schneider
Revisão
David Arioch
Desenho da capa
Adauto Soares
Troféu Natividade (Barriguda)
Saulo Suguimati
Composição e impressão
Pama Print Ltda
Diagramação
Alan Rodrigues
FEMUP
48º Festival de Música e Poesia
45º Concurso Literário de Contos
Paranavaí - PR
Fundação Cultural de Paranavaí
Novembro, 2013
Poesias, Contos e Músicas Brasileiras
1ª edição: 1.000 exemplares
Música, Poesia, Conto
FEMUP
De um pequeno grupo de artistas iniciantes no Colégio Estadual, com
grandes turmas mistas de cantores e poetas, meninos e meninas sonhavam em ser
atores. Todos pela arte, toda arte, grandes e mini valores.
Assim nasceu o Festival dos alunos do Curso Clássico do Estadual. Poesias
soltas, rimas livres, em folhetos ou num varal. Música solada, cantada, bem ou mal
entoada, lindas apresentações. O palco tremia, quando Zé Maria nele subia. O
palco era o chão, nos corredores, no pequeno corrimão. Devagar nossa arte passa
a ser no Tênis Clube, prédio antigo, mas tinha palco. O artista crescia e a plateia se
envolvia. A eleita comissão de seleção muitas vezes perdia a direção.
Mais tarde, a Casa da Cultura. Depois o Teatro Municipal. Era aí que a
moçada realizava das artes o seu grande Carnaval. O festival tomava impulso,
impressionava no cenário nacional, da região, do Estado, do Sul, Oeste e do Norte
do Brasil. Também chegavam trabalhos dos autores do estado do Rio. Isso pra
quem com os olhos do coração viu, sentiu e aí agregou-se contos, os mais sérios
ou engraçados, variados. De escritores iniciantes e de outros já bem renomados. A
qualidade da obra, o estilo, o tema, tudo muito complicado. E nosso Festival
ganhou seu hino: “Luzes que emanam do alto”.
O artista se iluminava. De repente, se inflamava e a plateia vibrava. Hoje já é
a quadragésima oitava edição do fantástico festival. Tornou-se para nós a grande
conquista do meio cultural. Com apoio da administração, o festival empolgou
alma e coração. Tem até um site pra divulgar a toda parte a sua inscrição.
E lá está o Paulo, o Amauri, cantores, atores, poetas, declamação. Violas,
pianos, violão, flautas, violinos cerrando fileiras na grande pista. Magnífico palco
com luzes do Adauto, iluminando a imagem do artista. É grande o tempo de
preparação, de cada detalhe, mas todo trabalho e ensaio da turma da Rosi, claro
que vale. Juventude sadia, bebendo arte, impulsiona a festa desse grande dia. É
nosso festival que abre os braços acolhendo com estranha magia os sonhos dos
artistas e os transformam em realidade.
Eis que no palco, ele é reconhecido de verdade. Festival de música e poesia,
Paranavaí se engalana no seu dia.
Cleuza Cyrino Penha
Paulista de nascimento, paranaense de coração, paranavaiense por devoção. Autora
de diversos livros onde destaca sentimentos e emoções com o objetivo único e
específico de melhorar vidas. Professora aposentada, empresária, voluntária na
educação e cultura. Sócia do Rotary Fazenda Brasileira.
05
POESIAS
06
COMISSÃO JULGADORA
Francis de Lima Aguiar
Indianópolis - PR
Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio, graduado em Letras (FAFIPA),
especialista em Literaturas de Língua Portuguesa (FAFIPA) e mestre em Literatura Comparada (UEL),
com enfoque nos contos de Lygia Fagundes Telles. Coordenador do Projeto "Leitores
(em)Formação", junto à Secretaria Municipal de Educação de Indianópolis - PR. Cronista premiado
no concurso "Varal Literário" (Unespar - Campus de Paranavaí) nas edições de 1998 e 2012.
Rita de Cássia Furlan
Nova Aliança do Ivaí - PR
Graduada em Letras (FAFIPA/2003), especialista em Literatura Brasileira, professora de Língua
Portuguesa e Língua Inglesa da Rede Estadual de Educação. Apreciadora de poemas e contos e
incentivadora da arte da declamação na escola.
Rafael Petermann
São Carlos do Ivaí - PR
Graduado em Letras pela FAFIPA (2011). Atua como professor de Língua Portuguesa e Literatura na
Escola Fatecie Max e no Colégio Sesi, ambos em Paranavaí. Também pesquisa sobre as
possibilidades de leitura e escrita no ciberespaço. Leitor apaixonado de microcontos, desenvolve
projeto de leitura e produção de textos do gênero com alunos do ensino fundamental e médio.
Glaucia Mincoff de Castro Palma Peron Bernardo
Nova Esperança - PR
Arte Educadora, pós graduanda em Patrimônio Cultural. Professora de arte na rede pública e
privada e coordenadora do programa de música "Canto Coral" na Escola Estadual de Nova
Esperança.
07
Edih Longo
Tanussi Cardoso
Paradoxo
O inferno cronológico do poeta ou
São Paulo, SP
“Seis visões da Guernica”, de
Picasso
Rio de Janeiro, RJ
J. B. Donadon-Leal
Poema delinquente
Felipe Figueira
Mariana, MG
Passagens
Paranavaí, PR
Odemir Tex Jr.
Um dia ainda serei ornitorrinco
Laércio N. Bacelar
Santa Maria, RS
Poetarte em cinco cantos
Belo Horizonte, MG
Filippi Aragão
O menino
Viviane Silva dos Santos
Caxias, MA
Elementares
Paranavaí, PR
Nestor Lampros
Guernunca
Ludymila F.
Itatiba, SP
Felice, um veredicto
Paranavaí, PR
Roberto Gonçalves
Rastros
Carlos Eduardo Narduci Pereira
Paranavaí, PR
Telescópio
Paranavaí, PR
08
Poema Delinquente
À mercê da violência que trago
tal qual fel de cachaça de esquina,
vejo bem meu mundo ficar confuso
e também meu corpo suster vitrina;
vejo fenda no olhar do parafuso
que é sulcado de roscas no regaço,
broca que vai, broca que vou
um tanto mais a chave, inconteste.
Palhaço sob erma lona de circo
a relatar as agruras de risos,
grunhidos e gargalhadas desdentados,
tão infantis, tão infantilizados,
pois neles morrem mais sofrimentos
assentados sob grossos bigodes:
um violentado a mais no mais sem mais.
Já desgarrado da mãe faço estrago
de tão valente lavro-me quisto pederasta.
Corro do vasto mundo, de mim ele corre
feito gato à perseguição do cão.
Distanciam-se os refúgios nessa fuga
e o ganho da vida se faz na morte,
mergulhada nos banhos do prazer,
nos astros cadentes sobre a terra,
nas guerras dos atos sem estrondos,
nos gemidos mastigáveis das gastrites,
na solidão escondida na massa avessa
de esqueletos caminhantes ao pão
e mãos estendidas a qualquer senhor,
na criança de criança em qualquer chão
enfestadinha de bicho e lombriga
que igualzinho à mãe briga, briga, briga;
no pai artista que arrisca a partilha
da enxada sem fio de mexer cimento
num espaço laço que embaça e lamenta
mulher gestando salário-família
e parindo de Deus o insustentável.
Olho agora somente, já não vejo
quem na busca bebe o resto da taça
para o engano permanente da sede;
quem vem ávido pelo instante
de sugar os louros da mão da graça;
09
quem veste os ásperos panos das sobras...
Já não contesto mais. Só relato
o assalto da noite de sono envolto
por ratos, morcegos e assombrações,
mas arranco portas, arrombo vidas
e me faço diante de qualquer juiz
um pobre indefeso, da inocência um vulto
lépido na busca do meu valor.
Abraço a agilidade que me vem,
divertindo-me com a crua notícia,
com o fato e com a falta de provas,
com a foto de um ser procurado.
Bom mocinho, bom bandido, herói,
típica ceifa dos plantios da terra
na guerra da marca na raça que dói
ao nascer, crescer e rolar sempre à toa
na pele pobre com a noite estampada.
Fagulhas de vida, nortes, contestos
em todo grito, brado, em todo gesto.
Moleque ainda me faço um ser impuro,
um muro, uma tumba, um trato morto,
um porto sem navio, pavio e estopim.
Bate a hora da luta por uma bandeira
e a vida se declara campo de batalha,
caminhos diversos à vista se afloram
e um átimo de luz cintila da lágrima
esperançosa por se ser derradeira
vaidosa por se derramar na glória.
Não só na pele ou nas veleidades
moram as mais cruas verdades;
em mim, em ti, inimigo ou ente,
todos temos um quê de delinquente.
J. B. Donadon-Leal
Mariana - MG
Poeta, ensaísta. Doutor em Semiótica e Linguística pela USP, Pós-Doutor em
Análise do Discurso pela UFMG e Professor de Teoria da Comunicação e Semiótica da UFOP.
10
rASTROS
“Meu caminho não é de ninguém
eu não deixo meus rastros no chão.”
(Primeiros Erros – Kiko Zambianchi)
I
Firmo meus passos
no atalho que traço
para a fuga do ontem
(que insiste em me acordar)
Tiro a poeira do armário
onde guardo
as vestes de um corpo
que invento a cada dia
Invento
as cores que sugam
a luz de um dia de sol
Clareio com elas
os pensamentos que escondo
no porão
do visgo de minha memória
“Ora, ora aqui estão!”
No fundo
(bem no fundo)
guardados há tanto tempo
Amarrotados
Desbotados
Esquecidos
Estendo na corda
es
ti
ca
da
de uma ponta a outra
11
II
[porfiai por entrar pela porta estreita]
Mas é tão mais difícil...
Quantos me seguirão?
“Eu quero é multidão!”
Mul-ti-dão!
Para ver o sinal cravado
em minha face
(exposta no final da carreira)
“Eu fiz a escolha!”
Carrego nas costas
as pedras que um dia
lançaram sobre mim
“O peso não incomoda
O que dói são as cicatrizes!”
Lanço a menor
e acerto o gigante que sorri
(antes que ela penetre
no epílogo da sua existência)
... e
.
.
.
.
c
a
i
12
III
As pequenas coisas
guardadas
vão crescendo
des
pro
por
cio
nal
(mente)
Em minha mente
se agigantam
rompem o silêncio
(que insiste em me acordar)
expondo o outrora (quase) esquecido
Amarrotado
Desbotado
Fujo para o espelho
e corto as pontas do cabelo
(expostos no reflexo que vejo)
Me enxergo
mais livre
Me encontro
mais leve
Me exponho
mais fraco
“Onde estava a minha força?”
Quero sentir o vento
em minha face
como um sopro de vida
que invoca meus ossos
a se levantarem
de um sono profundo
13
[acaso poderão reviver estes ossos?]
Secos
S o l t o s
Lentos
IV
Põe-te em pé! (ouço a Voz)
[esforça-te e tem bom ânimo!]
“Quantos sonhos ainda preciso
para meus passos imprecisos?”
Me animo
“Devo acordar?”
Agora
estou sobre as minhas pernas
Ereto!
Estático!
Lúcido (?)
Caminho em passos lentos
em silêncio
dou voltas a esmo
(em torno de mim mesmo)
Ouço o eco surdo
do som que explode
a barreira do ego que me escondia
“Quantas voltas devo dar?”
Levanto os olhos
por sobre a muralha
que em poucos dias
derrubarei
no grito abafado
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(insano)
que rasga minha garganta
V
Quisera brincar de ser Deus
e escrever o poema
(do início)
da minha existência
“Haja poesia!”
[no princípio era o Verbo]
Insisto
logo
existo
Persevero na busca
do caminho que me leva
para o outro lado das águas
Passo em seco
Passo a passo
Passo em passos
lentos...
Em paz
A sós
Paz...
sós...
Num piscar
deixo cair uma lágrima
(seca)
que rola em minha face
como uma pedra
Pesando
Pisando
Pousando
em cima do que fora sorrisos esparsos
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“Por que as lágrimas são tão salgadas?”
Olho para trás
e vejo a multidão dos rastros
que povoavam
(em gritos)
meus pensamentos
Em meio as águas
(salgadas)
fico mais tranquilo
Quem sabe um dia
(algum dia)
elas
por fim
possam apagar
os rastros do ontem
(que insiste em me acordar)?
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais
Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se
esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho...
Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias,
contos e afins.
16
UM DIA AINDA SEREI ORNITORRINCO
1.
Um ornitorrinco cabe num verso de Bandeira,
no mastro de uma repartição pública na Oceania.
Na vadia vida on the road de não querer chegar;
um ornitorrinco pode voar como um condor andino,
como um supersônico que rompe o silêncio do ar.
Um ornitorrinco, antes de tudo, é uma pátria.
Nele habita sabe-se lá se um pato de pêlos,
sabe-se lá se a mesma loba mamalhuda
que alimentou os famélicos Rômulo e Remo.
Um ornitorrinco pode ser uma sombra, um abajur.
2.
Ornitorrincos resplandecentes
nas órbitas oculares do século
que nasci, ornitorrincos atômicos
pelos subterrâneos de uma guerra
sem fim, oh ornitorrincos!
Que anjo teu, Drummond, esculpiu
essas faces de estátua deformada
pelo plutônico epicentro de uma bomba?
Ornitorrincos indecentes
nas ruas sujas, na fome crua
de não querer ser nada
que não um híbrido negado,
que não um fato curioso
na retina dos insípidos ocidentais.
17
Que estúpida senhora de olhos cegos
fez bolo para os netos com os vossos ovos?
Quem mamou em vossas tetas carnudas,
que não um filho da pátria? Da puta?
3.
Um dia ainda serei ornitorrinco
e pescarei crustáceos em estreitos
rios de água doce, tomarei cerveja
com os amigos e romancearei mentiras.
Perseguirei com pedras quem ousar
vender os ovos dos ornitorrincos,
pois defenderei com a vida
a vida de meus irmãos.
Um dia ainda serei ornitorrinco
para desbravar a indômita esquisitice
de ser todos e não ser nenhum.
Um dia seremos todos ornitorrincos.
Odemir Tex Jr.
Santa Maria - RS
Poeta e escritor da cidade de Mata, Rio Grande do Sul. Atualmente reside em Santa
Maria e já foi premiado em alguns concursos literários em Felippe D'Oliveira/RS,
Ipatinga/MG e Carlos Drummond de Andrade/DF. Diletante nas letras acadêmicas,
prepara seu primeiro livro para breve, o que pode ser nunca.
18
GUERNUNCA
1
No retângulo, o fabuloso cortejo
de feridas cinzas indefensáveis; estas
nos fitam. Meus andrajos coabitam em meus olhos
em pânico.
Confluir no espaço o amadurecer
do sangue seco e agônico do tempo resumido
arvora-se na noite vaga e cruel
suplicante
pelo dia esquecido
na nudez dos corpos apodrecidos.
Em seu destino resumido, cavalga o retângulo e seu
retábulo, no seu contínuo uso diário em exposição
o símbolo da delicadeza jaz morto.
O corpo rude do guerreiro sem o sol
que nos faz iluminados e recortados
jaz no solo que não se faz poroso, não
o assimila. Não o explica, se livra
e nos livrará nesse olhar vazio,
–corpo quebrantado pelas dúvidas–
todo ele partido pelas estacadas do coração extraído.
Distraindo - nos pelo olhar
que se funde ao confuso dom de sermos
quase irmãos?
Pois nascemos da fome, sua espera,
sua noite, numa morte configurada pela magreza das forças,
despojadas das certezas absolutas– na palavra que arde arte.
Arte: dialoga no fundo das poças,
na maré causada pela refluência das marés inexistentes,
causadas pela mesma consistência do
sangue em seu estado cinza.
Aparências desiguais, transfusões
em comandos seduzidos
pelos icônicos homens atômicos
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distribuídos pelos olhos, seus vários olhares, sob a pele
do espanto:
– estes nos olham sob seu aparato
fosco, nudez do pranto e correndo sobre
estas patas de cavalo gastos por voar.
Aço pendente em cascos rápidos, em espaços
novos e antigos no mesmo jogo
–poderemos vencer e ser a mercadoria
vivente a sermos
violentados e
ausentes, nas flechadas que nutrem
as ciências?
A arte de naufragarmos
retoca o retângulo amargo do medo,
tende sua rede a ser o sereno dessa noite chuvosa,
madrugada e seus frutos caindo sobre a cidade sobrepesada.
Madrugada – o alvo silente desencanta,
como alvo inaugural,
explodindo no seu templo
nas explosões que não
dormem
cumpre serem
botina e o exercício dos milicos
em seus olhos comuns
fitando nas notas borrões, tintas, fetos, ossos e a carne
na álgebra
da finalidade em seco,
surdo
mudo
desse fim de mundo
chamando e sabendo sempre nossos nomes.
2
O retrato da mãe, tantas mães
têm seus retratos
esquecidos, menos
por aqueles que notam
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os que nelas em nós morrem.
Retratos embrutecidos,
retratos de alma e corpos
nos braços
sempre à sua espera movediça.
Espera, nada se cumpre
a discórdia daqueles,
daqueles que disparam a bala, a bomba
em seus blocos e anotações curiosos...
Ou na notícia evolam,
somem sem carícias,
mortas na memória,
no rogo capaz de vidas
– na morte e distraída,
sem de repentes ou talvez.
As portas foram-se
naturalmente comportam
janelas, mas é o grito
que abre e fecha
as bocas, as fábricas;
é o grito que destampa
a noite feroz em guerras.
3
Touros, bisões, força bruta,
refazendo suas visões noturnas
passeando pelas televisões, hoje, e nunca.
Óbolos conquistados nos labirintos.
E seu fim acompanha os lamentos diagonais.
Abocanha esta estranhada estrutura,
estatura do medo de todos nós,
contornado pelo traço negro do ódio,
vitrificado pelo gelo cinza e prateado,
21
desses que nasceram no lamento.
Visões à prova de vida,
renderão à prisão
a saída em sigilo, cujo
centro emito a sua proteção,
e estava escondido na mão
do seu autor – no significado do escorpião,
em cada um,
na destruição e reconstrução
de tantos outros autores que por princípio
revelaram-se e revelam-se,
nas circunstâncias,
contraditas:
– Plutão.
Ancestrais dessa tristeza, chamem
a chama extinta
e negativada,
do seio já sem leite,
O menino flácido
pelo torpor da densidade
da morte.
Sua mãe chorando
em tuas patas de touro
pisando os dias felizes
que mais não há.
Nesta noite recordamos
o corpo teso de cavalo, ampulheta
no solo obeso de mais corpos.
Sem qualquer cavaleiro.
4
Os hinos cantados
tornam-se dor no
interior dos cansaços.
22
Hinos, previsões das cortinas exaustas,
luzes sumindo no tempo
dos capuzes e máscaras mortuárias;
hinos rompantes de outros tempos;
hinos mostrando
a fusão dos grandes em esmagar,
sem armas, os pequenos armados
de seus cantos amadores.
De suas vozes
sigam, persigam novamente nesta noite;
estes, estas vozes
caminhando ao combinar suas vozes
e nascendo no chão ausente, cavado por explosões
o exílio dentro das bocas
cortando calor e amor e dor,
no escarro sorvido sem saber anunciar
ao serem
donos
dessas vozes;
vozes
corroendo
e destilando o amor,
no ódio rudimentar que tenta
o extermínio
de todas
as vozes.
5
A mulher recai
sempre
no
espaço: no ar,
por segundos
ou milênios, tenta
sangrar– nada poderá fazer
ao tentar desatar-se.
Seu efeito, sua causa usa
23
na forma intensa
de ser : mulher, mãe, irmã,
alma, noite, ocasião, ocaso também,
da manhã – na parte onde
se escondem as
armas.
O amor louco que tivera
não interessará a mais ninguém...
Na noite em sua fuga
rumo à morte,
condenada, no edifício,
–grita:
somente pode gritar,
que seu grito não chegará a
nenhum lugar,
lugar nenhum,
nenhum lugar.
Que seu grito sumirá
no infinito.
E seu grito terá
conotações de noites insones,
de mulher aflita, cozida
pela fome
da noite em sua ilha
de filhos ausentes.
Sem quem a escute,
seu grito seguirá
no vazio nu,
sem direções,
sem Norte,
sem quem soubesse,
o que se grita.
E negará seu grito
sem corpo possível,
sem a fórmula repensada.
24
Gritará, e gritará
–e gritará,
–e gritaremos.
6
Lâmpadas, olhar, veem na
rua a claridade.
Luz ensimesmada e artificial.
Arde o dia na sua intensa e madura inveja,
na sombra da lâmpada da noite,
desta noite.
O olho, essa lâmpada, cumprindo
estruturas e pirâmides,
tem a fosca pretensão
de ser na sua imprecisão,
de ser nada na presença neste palco,
descortinando,
pois,
o lume de sua
ilusão.
Os olhos doem, ao se
afastarem
e mostrando
demasiada realidade, e
norteando como ao preenchimento
de outras formas,
o que corroem o coração.
Tornemos a contemplar
este olho – não nos vê, apenas,
escapa por entre seus brilhos
a fosforescência dos ritos humanos.
Na completa exibição
dos conflitos em sua exata noite.
Destaca e faz-se norma absoluta e regra dessa guerra,
25
em sua palavra dita pela imagem,
redita pelo cinza,
transfundida por nada: – o medo.
A barbárie
desse segredo revela-se,
na noite
desse retângulo,
exato, cinzento, miraculosos,
retalhado;
–nestes cortes e o espetáculo
do ódio à vida,
do medo à vida,
é quase um discípulo
em que se desprendem
e pedem
à mensagem
sua imensidade
e dissolução.
Repetidas, repetidas, repetidas, ao
despistar a mesmíssima repetição.
7
Os homens não brigaram
pela noite,
venderão esta pelo
reduzido e fugaz
rumor do inimigo.
Nem querem o inimigo,
nem quer que este se afigure
em:
AMOR, ABRIGO, TERNURA, SONHO
– segredos
infinitos, sem nascerem do dolo;
têm estes,
qualquer um à mão estes
26
segredos...
Nenhum dono os contêm
–exclusivos.
Rompem, assim, nestas
cadeias, nesta
noite voraz
margeando outras,
e outros carrascos –carrascos novos–no coração
embrutecido, o mundo
contumaz, absurdo desse dilúvio
desse sangue
cauterizado pela violência
e, soturno, na imagem.
E assimilando pelos ódios
a morte
e sua indústria iridescente,
que nasce
e renascerá sobre si.
Florescerá, ainda hoje, na noite
como densa e escura
floresta
como
mistérios
salgados,
nus nas paredes
nuas em paz
em meio a todas as guerras.
Nestor Lampros
Itatiba - SP
Poeta, artista plástico, cartunista, arte-educador- dedica-se incansavelmente às
Artes. Premiado em vários concursos de artes visuais e de literatura. Tem o site:
www.nestorlampros.com.br e a fanpage: https://www.facebook.com/artistanestorlampros
27
PARADOXO
Estranho o comportamento do Zé.
Trabalha, vejam bem, trabalha e recebe em dia.
Tem atendimento grátis pra toda família pelo INAMPS e pelo SUS
diz que pra isso pagou e que pra isso fez jus.
Agradecendo sempre fazendo o sinal da cruz.
Tem filhos, como investimento, que ajudam ainda rebentos, no orçamento.
Que suprimento!
Mulher elegantemente magra.
Dizem que é carência.
Se rica fosse, seria inapetência.
Bem, afora a divergência, a dona é tísica,
mas como vende limão na feira!
E ainda é mística
faz bico como macumbeira.
É, a renda da família é sofrida, concordo, mas bem tecida.
Gente...o Zé tem peito e levantou o seu recanto num canto da Prefeitura. Que
usura!
Puxou gato, iluminou a vida e o barraco
diverte-se ruidosamente com o ardor futebolístico... Corinthians!
E que gosto artístico!
Fim de semana se sacode no pagode. Pode?
Come por mixaria no bandejão da Empresa.
Não paga nem imposto na fonte, o mastodonte.
Da mídia especializada e dos políticos é assunto preferido
pra sociólogo é ente muito querido, o metido.
E apesar de todos esses aparatos, o safado ainda vive atazanado.
Pior sou que...
Tenho a vida violentada e acionada por números.
Eu sou um energúmeno!
E as taxas?
São tantas que não tem nem graça.
IR, IPC, IPTU, IPVA e todos os outros IS que nos são impostos
posto que todo imposto começa com I e que todo imposto nos é imposto
28
isto posto, muito a contragosto, eu reconheço:
sou um rei posto. Que desgosto!
Eu tenho mulher que gasta com regimes e plásticas.
E a danada pra me azarar
só aprendeu fazer a continha de diminuir,
não a de somar.
Tenho uma casa com jardineiro, piscineiro, faxineiro, cozinheiro e todos os
outros “eiros” que vocês possam imaginar que dá até câimbra nos dedos só de
contar.
Ai, meu Deus! Lembram-se dos filhos do Zé? Pois é. Ajudam no orçamento.
Os meus?! Estudam em colégios caros e têm hobbies que não deixam por
menos.
É um tormento, mas não lamento, finjo que aguento.
O Zé se preocupa com a pindura do boteco.
Pequeno desacerto.
Isto é certo,
pois é gente fina, sempre ganha uma propina.
E além da bolsa família,
auxílio desemprego, vale transporte
vejam que ironia
o cara tem tanta sorte
que é capaz de ganhar na loteria.
Eu, decerto, achando-me mais esperto,
preocupo-me com a bolsa de NY (o tal índice Dow Jones)
e as tramitações industriais e muito mais...
Insatisfações políticas, boca lacrada, sobremedos
medo sobre a alta da gasolina que joga os preços pra cima.
Mas que sina!
Eu durmo com o corpo no leito macio,
mas com a mente no computador da fábrica.
Não ouço o bater do ponto
mas ouço o bater das horas,
que me roubam o sono e imploram:
Ora Mané, cai fora!
29
Não conto os contos de réis,
mas conto o conto do vigário
e só conto com otário
e com a conta monetária
Que conto hein, Zé?
E então, tu ainda queres mudar de vida?
FIM.
Edih Longo
São Paulo - SP
Linguista, professora de português e escritora. Formada pela USP. Tem também
formação teatral. Além de atuar, dá aulas de Teatro a adolescentes carentes numa
Fundação Beneficente como voluntária.
30
lápide:
pasárgada
passarinhada
num passe prá lá
Sossélla
16ª
E, se eu não me alimentar,
que eu salive por uma barata.
“Por que teria eu nojo da massa que saía da
barata?
não bebera eu do branco leite que é líquida massa
materna?”.
Todo oprimido tem um lado opressor e vice-versa.
Não há de quê.
15ª
E, se eu achar que tudo são luzes,
que elas me queimem
de dia
(e de noite).
Risco fósforos e os apago,
sem a menor expectativa.
14ª
E, se eu não compreender o que é o tempo,
que de vertigem em vertigem eu aprenda.
“Melhor é o fim das coisas
que o princípio delas”.
13ª
E, quanto mais perto,
mais dura a distância,
mais dura a tristeza.
“maneira de se
mudar de maneira
de se”.
Ah...
31
12ª
E, se eu correr,
que não seja pra perto.
“Quando se olha muito tempo para um abismo,
o abismo olha para você".
11ª
E, se eu usar da força,
que ela me enfraqueça.
(Re)conhece-te a ti mesmo.
Versos livres,
rimas precisas,
ricas.
Paz, paraíso.
10ª
E, se a noite vejo estrelas,
de dia me faltam sonhos.
Em quantos pesadelos já não fui o protagonista?
Em quantos teatros já não fui o artista?
“Chego à janela e vejo a rua
com uma nitidez absoluta”.
Máscaras?
9ª
E, se eu cantar e dançar,
que sejam jazz e tango.
Benny Goodman, John Coltrane, Louis
Armstrong,
Carlos Gardel, Carmencita Calderón e “El
Cachafaz”:
“e quem tem vida interior jamais padecerá de
solidão”.
“A música é a poesia cantada”.
Dó...
8ª
E, se eu for mestre,
que todos me superem.
Em meu epitáfio constará:
“Aqui jaz Rubens, o humilde,
32
e nisto foi apenas o melhor”.
“E vou escrever esta história
para provar que sou sublime”.
7ª
E, se eu não for um bom amigo,
que todos os meus sonhos
virem ruínas.
(“e quem é cruel com os animais
não pode ser um bom homem”).
Que o meu arrependimento seja o menor
possível,
não há momentos para despedidas...
6ª
E, se Sansão e Dalila não se casarem,
que o Gênesis e o Apocalipse
se separem.
5ª
E, se eu me lançar ao combate,
que seja um bom combate.
“O risco de toda batalha
é perder a batalha”.
4ª
que você se multiplique
[cor-ta].
E, se eu me dividir,
em mim.
3ª
E, se eu começar a gritar,
que as minhas lágrimas caiam...
em seus braços.
Se me distraíssem por mais um segundo,
certamente me devorariam.
Sobrevivo,
e uns e outros querem me roubar a saúde.
Pergunto-me:
33
que fariam com ela?
Um surdo,
outro cego
e outro mudo.
Ninguém está livre de um assassinato,
mas, de um suicídio...
Comédia.
2ª
E, se eu for criança,
que tudo dure para sempre,
que a morte seja a vilã mais distante.
“E a realidade plausível cai de repente
em cima de mim”.
Pessoas a todo instante morrem...
umas diante das outras.
1ª
E, se o meu lado direito estiver na frente,
que o esquerdo não interfira.
Ando, ando, ando,
não mais em círculos,
mas ainda distante da Cidade Maravilhosa.
Obrigado.
Sim, vem.
Passagens
Felipe Figueira
Paranavaí - PR
Felipe Figueira é graduado em História pela FAFIPA, mestre em Educação pela UEL e
doutorando em Educação pela UNESP-Marília. É professor do IFPR (Campus Paranavaí)
e do Colégio Nobel. Suas poesias foram classificadas em diversos concursos, como
o Varal Literário, FESTCAMPOS e FEMUP.
34
POETARTE EM CINCO CANTOS
CANTO I
DE POETAS E PROFETAS
Na minha cidade tem poetas, poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados”
{LeoMasliah / Milton Nascimento}
1Alef
Qual fossem raros brilhos de cometas
Iluminando levas de discípulos
Mensagens sacras dos sábios Profetas
Pregando, são poetas os Profetas,
Na poesia linda das doutrinas
De anjos, monges ou anacoretas,
Os Hinos são verdades cristalinas...
Nos Livros bem escritos em fascículos,
Profetas são escribas de batinas:
Revelam nossos erros mais ridículos
E ensinam as virtudes mais divinas...
2Bet
Ah!,se os Profetas são sempre poetas,
Também Poetas cantam profecias
Em versos, nas canções e cançonetas,
Em odes, epopeias e elegias;
Cantando, os Poetas são Profetas,
Qual fossem todos anjos pecadores,
Que chegam sem tambores nem trombetas,
E cantam nos seus versos multicores...
Se amargam nossas doces nostalgias,
Adoçam os mais amaros dissabores:
Da vida, as tristezas e alegrias;
Da vida, nossos risos, nossas dores...
35
3Guimel
Qual fossem filhos magos dos estetas,
Iluminando levas de leitores,
Poetas são profetas e cometas
No brilho de seus versos multicores...
Na luz maior do bico das canetas
Camões e baudelaires são templários,
Em versos, rimas, odes e sonetos;
Ganhando, como paga de salários,
A solidão eterna dos doutores
Que buscam seu cantar nos dicionários,
Palavras lindas desses cantadores
Ecoam hinos, salmos missionários...
4Dalet
Poetas, sejam clássicos ou vernáculos,
Homeros são confúcios, nostradamus,
Os vates cujos versos, qual oráculos,
São predições às quais nos entregamos...
E ecoam nas igrejas, tabernáculos,
Nos templos, dos poetas, vaticínios;
Virtudes mágicas em pentáculos,
Brotando-lhes na prancha dos escrínios;
Estrelas pelas quais nós nos guiamos,
Iluminando nossos raciocínios,
E os sentimentos mil que transbordamos,
São versos que contêm cem mil fascínios...
5 He
Poetas, sejam clássicos, barrocos,
Românticos, reais, surrealistas,
E ainda os poetasgrandílocos,
Ou árcades, ou ainda simbolistas,
Não cantam qual sofistas mais xacocos;
São todos uns profetas cantadores,
E enfim a sina desses vates loucos
Não é somente a nós cantar amores,
É antes labor mágico de artistas,
36
Qual fossem célebres pintores
Pintando com palavras tão bem mistas:
Metáforas em telas multicores...
CANTO II
DE POETAS E PINTORES
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores, de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores”
{LeoMasliah / Milton Nascimento}
1Alef
Nerudas, plabos, rilkes são pintores
De telas pinceladas com vocábulos
Que evocam as imagens furta-cores
Qual nos painéis pintados em retábulos;
Palavras são pincéis encantadores
Nas mãos de vates, bardos, menestréis;
Como se os pintores trovadores
Fizessem das palavras seus pincéis,
Criando cenas desde os incunábulos,
Em versos, trovas, quadras e rondéis:
Figuras de estilo são venábulos,
Poemas são assim belos painéis...
2Bet
Nas telas dos poetas as imagens
São dadas por palavras escolhidas,
Pois nelas, com certeza, as mensagens
São cantos p'ra alegrar as nossas vidas;
E assim, nos belos quadros, pincelagens
De cores, em poemas, bem pintadas,
Nos levam a fazer cem mil viagens
Em versos, nas estrofes trabalhadas;
Imagens são assim também sentidas,
37
A par de serem sempre figuradas:
Metáforas já podem ser vividas,
Sinestesias podem ser tocadas...
3Guimel
Nas telas dos virgílios e eliotes,
Com tintas de metáforas e antíteses,
Os vates vão glosando bem seus motes
E reinventando a vida numa mímesis;
E fingem, que de zelo, são zelotes;
Fingidos, pois são todos fingidores;
Às vezes são românticos, quixotes,
E noutras, realistas sem temores...
Em versos, cantam vidas numa síntesis,
E pintam telas vivas multicores,
E plantam paragoges, parassíntesis,
E colhem as palavras como flores...
4Dalet
Mas, se os poetas são também pintores,
Então pintores são também poetas;
Pois seus poemas nascem multicores
Qual fossem filhos magos dos estetas,
Que escrevem em tintas cenas de horrores,
Ou cantam com pincéis suas delícias,
Ou falam com nanquim de mil amores,
E em óleo sobre tela mil malícias...
Assim picassos tornam-se poetas
Se cantam de uma guerra as sordícias:
Guernicas são avisos de profetas,
O grito pela paz, desde as primícias...
5 He
Van goghes e outros mais impressionistas,
Monets, chavannes, degas, renoires,
São todos qual poetas simbolistas
Que captam a Poesia pelos ares;
Também mirós, dalís, surrealistas,
38
Que criam as imagens mais oníricas,
Em telas, são poetas modernistas;
Em aquarelas, cenas não empíricas;
Pissarros são nas tintas baudelaires,
E hockneys, cujas obras são satíricas,
São, d'antes, uns poetas exemplares
Em quadros como grandes obras líricas...
CANTO III
DE POETAS E ESCULTORES
“Não desejam glórias nem medalhas
Medalhas, medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos...”
{LeoMasliah / Milton Nascimento}
1Alef
Poetas são exímios escultores
De formas em poemas tão perfeitos,
Limando qual bilaquesteimadores
Os versos que lhes brotam bem no peito...
Poetas são assim cinzeladores:
Trabalham, teimam, limam, sofrem, suam
As formas, como joias furta-cores,
E metrificam, rimam, acentuam;
E tão perfeccionistas são eleitos,
Se dão valor às formas que cultuam;
Se as rimas preciosas são preceitos,
Tais rimas qual rubis nos insinuam...
2Bet
Poetas sofrem mais em seus sonetos,
Pois veem nessa forma um tesouro,
A joia em duas quadras, dois tercetos;
Fechando o canto em chave-de-ouro;
Assim, são escultores de sonetos;
Ou mesmo nos poemas concretistas
39
E ainda nos haicais e em poemetos
Insiste o culto à forma, dos artistas;
Assim, o brilho raro e duradouro
Dos clássicos, neoclássicos, parnasianistas,
Cintila do passado ao vindouro
Qual brilho dos pessoas futuristas...
3Guimel
Na prancha dos camões e dos vinícius
As formas são os versos esculpidos
Que custam aos poetas exercícios
Na busca dos efeitos de sentido...
Pobres poetas, fazem sacrifícios
Quando lavoram suas ricas rimas
E os versos podem ser assim suplício
Por isso, o poeta teima e lima,
E sofre ao tecer textos tecidos
(E nessa tessitura ele prima!),
Que escondem o lavor quando são lidos
Em versos, como esconde um verso acima...
4Dalet
Se os poetas são uns escultores
Os escultores também são poetas
Que escrevem com as formas Pensadores,
Vênus, Zeus, Pietá, Doze Profetas...
De aleijadinhos; sonhos de doutores,
As esculturas também são poemas
Na Arte desses loucos sonhadores
Que representam bem nossos noemas;
Na poesia das formas concretas
A vida se traduz em seus dilemas:
Rodins e brecheretes são poetas,
Poetas, mas escrevem sem grafemas!
5 He
Cinzéis e estiletes e martelos,
Formões e talhadeiras traçam finos
40
Contornos ou desenhos muito belos
Na poesia das mãos desses ladinos...
Picassos, pisanos, donatellos
Eklíngers e oiticicas, lygiasclarks,
Se fazem de pincéis seus camartelos,
São qual caetanos, míltons e buarques,
E talham com as formas tantos hinos,
Expostos em museus, praças e parques;
De bronze, de metal, ou alabastrinos
Poemas esculpidos dizem Arte!
CANTO IV
DE POETAS E ARQUITETOS
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansados nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem...”
{LeoMasliah / Milton Nascimento}
1Alef
Poetas são uns grandes arquitetos,
Tramando seus poemas racionais;
Poemas são os frutos dos projetos,
Que escondem os andaimes tão banais;
Assim joãos cabrais de melo neto
Constroem formas sólidas, estéticas;
De niemeyers, os versos são concretos
Nos edifícios das canções miméticas...
Palavras são tijolos nessas tais
Buarqueanas construções poéticas;
Poemas nascem como catedrais
Neoclássicas ou góticas ou ecléticas...
2Bet
Cabrais em seus poemas matemáticos
Traçam estudos antes da feitura;
41
Trabalham em projetos poemáticos
Qual engenheiros, traçam a estrutura
De seus poemas, em termos sintáticos;
Cabrais são bardos bem perfeccionistas
Nos versos brancos, soltos, zeugmáticos,
Em tons modernos de ares cubistas...
Se a Poesia é pura Arquitetura,
Chamines, campos e outros concretistas
Lançam no espaço em branco a leitura
Que encanta mesmo até velhos puristas...
3Guimel
Quando o fazer poético é o ofício,
É natural que um vate nos brade:
“Não se mostre na fábrica o suplício
Do Mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.”
Assim como um parnasiano vate,
Alguns poetas em toda a cidade
Cantam que a Poesia sempre há de
Buscar na forma a Poeticidade...
4Dalet
Mas, se os poetas são bons arquitetos,
Os arquitetos também são poetas;
Pois há Poesia nos belos projetos
Arquitetônicos em todo o planeta;
De pedra, de madeira ou de concreto,
Ou de quaisquer outros materiais,
Gaudís e niemeyers são completos
Poetas em desenhos magistrais,
Em curvas sinuosas ou em retas,
Arquitetam as mais belas catedrais;
Palácios, edifícios, capeletas,
São poemas qual louvres, taj-mahais.
42
5 He
Colunas e abóbodas robustas,
Naves, pórticos, arcos ogivais,
São Poesia em catedrais vetustas;
Agulhas, e colunas, e vitrais,
De poetas que tramam formas justas
Em obras de poesia tão concreta,
Firmitas, utilitas, venustas:
Amor em arcos, curvas e em retas...
Vitrúvios e calícrates são no mais
Poetas da Poesia das pranchetas,
E bárdis e gaudís tão imortais:
São vates, filhos magos dos estetas...
CANTO V
DE POETAS, MÚSICOS E CANTORES
“Andam, pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram”
{LeoMasliah / Milton Nascimento}
1Alef
Mas, se os poetas cantam em seus cantos,
São todos eles bardos cantadores;
Derramam trovas plenas de seus prantos,
Cantar de amigos e cantar de amores;
Jograis e menestréis são, entretanto,
Nem todos os poetas são românticos:
Poetas há que rezam como santos
Ou como monges em seus salmos tântricos;
E assim caminham esses trovadores,
Passeiam juntos por jardins semânticos
Não só colhendo rosas e outras flores,
Mas antes as sementes de seus cânticos...
43
2Bet
Libertos já das rimas são modernos,
Modernos vates também são cantores:
Drummondes e bandeiras são eternos,
Pois cantam nossos risos e temores;
E, quando tocam notas nos cadernos,
A música que flui de seus poemas,
Em versos, sejam rudes, sejam ternos,
São liras p'ra acalmar nossos problemas;
Pessoas e cesários são tenores,
Sejam quaisquer os motes de seus temas;
E a voz de outros sopranos trovadores
Acalma a vida plena de dilemas...
3Guimel
Cantigas de gonçalves e cecílias
São cantos que nos soam qual sonatas;
Sonetos soam como maravilhas
Em notas longas cheias de fermatas;
Se as notas são sílabas em ilhas
Na pauta musical da Poesia
Semicolcheias presas com presilhas
Nos soam sempre bem nessa harmonia;
As liras desses líricos são cantatas,
Solistas de suas lindas melodias,
Virtuoses que tocando mil tocatas
No coração nos tocam alegrias...
4Dalet
Ah! Se os poetas são assim cantores,
Músicos são também grandes poetas,
Compondo em sete notas, sete cores
A Música em hinos, qual profetas;
Vivaldis e mozartes pintam cores
Com harpas, pianofortes, violinos;
Eis que vivaldis também são pintores
Que pintam estações bem vivaldinos
Beethovens, debussys, chopins, poetas,
44
Wolfgangues e ravéis, tchaicovskinos,
Compondo, são poetas e profetas:
Poemas, salmos, versos cristalinos!
5 He
Se a Música é irmã a Poesia,
Sonatas são sonetos musicais,
Em versos de tão bela melodia,
Assim como as suítes são haicais;
Se a Poesia Nossa a cada dia
É feita por poetas populares,
Jobins, caetanos, chicos, gais, marias
Encantam Poesia em seus cantares;
Gonzagas, míltons e hermetos pascoais,
Além da voz tão linda em nossos lares,
Além da Música, há sempre algo mais:
Há Poesia flanando pelos ares!
Laércio N. Bacelar
Belo Horizonte - MG
Linguista e escritor, natural de Belo Horizonte, participa eventualmente de
concursos literários nas categorias Poesia e Conto, tendo sido premiado em alguns
deles, entre os quais o 42º e o 44º FEMUP de Paranavaí.
45
O INFERNO CRONOLÓGICO DO POETA
ou “Seis visões da Guernica, de Picasso”
Primeira visão:
Eu vi.
Um som de acordeom vinha das montanhas,
na certa, tocado pelos lobos noturnos.
Dançando, surgiam estátuas de virgens serenas,
enquanto se ouviam aplausos dos navios naufragados,
e demônios, travestidos de palhaços,
brincavam num carnaval de valsas e sussurros.
Ela chega à cidade com seus anéis febris,
bebe nas ruas em cristais sutis,
nada nos rios, dorme nos ares
e seu olhar brilha com o metal de Deus.
A Morte, costura definitiva, é cheia de detalhes.
Corpo sem ossos, pele e músculos.
Algo amorfo, mas com vida.
A morte corporal, símbolo das horas inúteis.
Tânatos sem o seu contrário.
Essa que nasce sem morrer e morre sem nascer.
Essa que brilha no oco do caos por todos los días de la Eternidad.
Essa velhice que é sol que se desamarela.
O Tempo escorrendo seu asco, náusea, raiva.
O Tempo vivo. A Guerra.
A Morte.
Guernica!
Segunda visão:
Eu vi.
Um olhar solto pelas ruas.
46
Uns passos catando, na noite, outros passos.
O odor de urina quente na terra úmida.
Um beijo frio no espelho do quarto.
Um riso seco de dentes claros num rosto de vidro.
Fosso e fóssil.
Metralhadora que dispara flor e sangue.
O pássaro com sua dor de voar.
Rios de flores pútridas nas veias.
E todos, desde o nascimento, à espera dela.
E santos hipócritas a nos dar a vida da própria Morte.
Máquina de triturar ossos e deuses
para acreditar no advento de la Eternidad.
Sombras, mistérios,
fetos roubados,
fuga e contraponto.
O terceiro olho que chora diante do escuro de Deus.
Todo tempo é voo da memória.
Asa silenciosa como relógio sem ponteiro.
Todo tempo é voo e vão.
Todo tempo é olho sobreposto a outro que se sobrepõe a outro
e o olhar é a memória do que não se vê por trás do último olho.
Todo olho é o olho escondido do furacão.
Olho sem memória: nada.
A memória é o escuro. A Guerra.
Olhar cifrado, não poético.
Como o inferno cronológico do poeta.
Guernica!
Terceira visão:
Eu vi.
Os guarda-chuvas abriam-se sob chuva nenhuma,
da mesma forma que Deus não pisava nos pisos limpos das igrejas.
Eu pensava
o que faziam esses cavalos brancos viajando nas nuvens e nos ventos,
47
mas as rosas nos cimentos teimavam em crescer contra tudo e todos.
Carne e homem.
Carne e desencarnação.
Braços que remam em direção ao alto, em busca de um Deus
que não sabe remar.
Onde o coração do homem quando se encontra fora do peito?
Baterá como o sono duro dos assassinos
ou como o sono delicado dos jardineiros?
Que a vida só pulsa no desassossego!
Guernica!
Quarta visão:
Eu vi.
A Morte é relâmpago sem luz:
queima e dissolve sem barulho.
A Morte é silêncio.
Covarde como todo silêncio.
Como o medo da Guerra que se diz paz.
Morrer é o contrário de sonhar.
É corte e bico de rapinas.
As unhas do abismo:
vermelhas como o inferno branco do poeta.
Sal e solidão.
Lágrima escorrendo na pele da noite.
A Morte conta sempre a mesma história.
Não importa como chega, não importa como vai.
Se vã ou inglória, se amor ou vitória, não importa:
a Morte conta sempre a mesma história.
48
Nascemos sujos de sangue, urina, fezes, esperma, água, dor e suor
- como limpar-nos?
A Morte: Arte pintada por Deus.
Guernica!
Quinta visão:
Eu vi.
Uma voz fanhosa e rouca chorava um blues afrancesado
e os livros faziam filas nas estantes,
quais soldados de chumbo prontos para a Guerra.
Eu perguntava
o que fazer com tanto amor no peito
e tanta solidão cultivada como pinguins de geladeira?
Vazios, silêncios ocos, perguntas sem respostas, respostas sem perguntas.
Como no inferno do poeta.
A corrosão no sorriso faminto das abelhas da terra:
a verdade sob as escamas da pele.
O caminho do homem:
conhecer
encontrar
contar
limpar seus próprios ossos.
Guernica!
Sexta visão:
Eu vi.
Aqueles passos surgiram na estrada e eram meus próprios passos
caminhando.
Era tarde demais e os fantasmas dos enforcados renasciam dos escombros.
49
Em Sodoma e Gomorra, queriam fazer sexo com o Anjo,
e Jacó implorava “não”, e lhes oferecia a filha,
mas eles queriam o Anjo.
E gritavam:
“Eu quero o Anjo, o sexo do Anjo, eu quero o Anjo, a carne do Anjo,
eu quero o Anjo, o beijo do Anjo, eu quero o Anjo, o amor do Anjo,
eu quero o Anjo, as asas do Anjo, eu quero o Anjo, a vida do Anjo,
eu quero o Anjo, a morte do Anjo, eu quero, eu peço, eu posso: o Anjo!”
A Morte é um orifício, um buraco,
onde se entra sem o direito de sonhar.
Guernica!
Eu vi.
Tanussi Cardoso
Rio de Janeiro - RJ
Poeta, contista, crítico literário, jornalista. Nove livros de poesia publicados.
Vários prêmios nacionais e internacionais. Poemas traduzidos em várias línguas e
publicações de trabalhos em vários países. Pertence ao PEN CLUBE DO BRASIL. É o
atual Presidente do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro (SEERJ).
50
O Menino
O menino conversava com pássaros
Sentia que voava ao vento, de asas abertas
Assistia ao céu quando viam tevê
Dizia que dormiria nas nuvens
As tias se benziam e ralhavam com ele.
O menino lutava contra a sombra
Pintava-se de pó e cantava ópera,
Revia todo dia os filmes de sua mente
Ria no presente como se estivesse no ontem
A avó se assustava e ralhava com ele.
O menino ouvia em cores
Tracejava na areia o caminho dos sons a orelhas
Farejava e perseguia cheiros
Dizia que as comidas tinham gosto de animais
Sua mãe se ofendia e ralhava com ele.
O menino sentia-se só na multidão da escola
Imaginava histórias com os números do quadro
Olhava o planalto para além das grades
Sonhava aventuras em terras fantásticas
E acordava-o o professor que ralhava
O menino sentia mais frio que os friorentos
Mais tristeza que os tristonhos
Mais desejo que os desejosos
Menos talento que os talentosos
O corpo parece que ralhava com ele
Tinha dezenas de noivas em sonho
Vivia romances astrais
E, na realidade, seu pé congelava
Ao ver a amada
O coração parecia ralhar com ele...
51
Um dia, ralhou com o mundo.
Pintou seu rosto, cantou desgostos
Lutou com dramas, projetou histórias
Pintou a música, ouviu aquarelas
Riscou os medos, viveu mundos novos
Conquistou milhares de donzelas
Voou e dormiu no céu.
Nem morreu, nem ficou louco...
Virou poeta.
Filippi Aragão
Caxias - MA
Nasceu em 16/03/1987 na cidade de Teresina-PI e mudou-se para Caxias-MA. Amante
da Arte, sobretudo da Música e da Poesia, formou-se em Letras e é professor de
teoria musical. Esta é a primeira vez que publica um de seus poemas.
52
Elementares
Bom mesmo era brincar com fadas, frutos da imaginação,
ou voar com asas de mariposas florescentes,
rabiscando cores com tintas de arco-íris...
...Fingir medo verdadeiro de bruxas narigudas
que procuravam gnomos em troncos de árvores secas,
deslizar sobre as tranças de ninfas
e tocar o mar com as pontas dos dedos,
realizando desejos conectados a essência da alma.
Convocar todos os pós-mágicos e depois, espalhá-los pelo mundo...
...Em busca de meninos perdidos.
Fácil seria juntar toda essa magia se, lembrássemos mais
dos tempos de criança, quando tudo, num piscar de olhinhos, virava
lobisomem, duende, fauno, elfo...
Algumas árvores em meu quintal tinham o encanto de toda uma floresta
mágica, e a reunião com a “molecada” era logo um evento de reis e rainhas.
Pois bem!!!
Montemos em nossos unicórnios e sintamos... Hummmmm! Tem cheiro de
travessuras!
Viviane Silva dos Santos
Paranavaí - PR
Cantora, poetiza, contadora de histórias e professora de português e espanhol.
Escreveu e ministrou o projeto "Musicaler" de incentivo à leitura no centro da
juventude de Paranavaí-PR. Participou de várias oficinas de teatro no Brasil e
Espanha. Atualmente, leciona no IFPR - Campus Paranavaí nos projetos de extensão
de Língua Espanhola, Produção Textual e Contação de Histórias.
53
Telescópio
A magna penumbra
afaga
o DENSO ventre
de ginga excitante
que o querer concebeu...
HÉLIO...!
EVOLUIU
INQUIRIU
DE ONDE VEIO
O véu de teu espectro gama assombra
penando corpos cósmicos
elucidando o caos que
funde em desígnios paralelos
a lenda do tempo
a fábula do espaço
a fúria que da à vida existência
Supernova
Natural esses lábios sorrateiros
responderem com ira à tua míngua eterna?
Qual a consonância de teus sussurros?
Quão insípido és teu colostro?
Que escondes nas trevas desses amplexos?
Provoca-nos
na desolação furtiva de tua ocultação
há de devorar-nos ainda que o decifremos
Nigrum Foramen
A tato e ebriez
maculamos
os coágulos de tuas chagas
ignóbeis
apontamos nossos punhos
à gestalt de teu suplício
uma nova forma para cada direção
e o mesmo erro...
Nebula
54
Sob o amparo
de tua mais ilustre peregrina
as doces e impetuosas
reminiscências
de tua infância
ilustram a cúpula celeste
quasares pulsares... miragens
Lux
Só há efemeridade no hoje
para míseros instantes nutrirem
a audiência secular
que alferirmos de teu esmero
mesmo uma partícula
mesmo tua perspectiva musical
teu drapeado arquitetônico
ou o acorde de tuas telas
Vitam
A medida que o labor colossal de teu antes
avultar a inefabilidade de teu depois
a percepção em dias edificará
tua mais arrogante antítese
Curiositas Hominum
Laceramos teu invólucro
de eras distâncias e massas
incomensuráveis
no nanquim de nossa pena
da epopéia de tua genese
à revelação apocaliptica de teu amanhã
Universum
Carlos Eduardo Narduci Pereira
Paranavaí - PR
Formado em História pela FAFIPA. Leciona a disciplina de História e História da
Arte para o ensino fundamental e médio. Premiado no FEMUP de 2012 nas categorias
Poesia e Conto.
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Felice, um veredicto
Meu diabo dançou com o demônio dele e a música do violinista
está longe de acabar.
Dexter Morgan
Perdoa-me.
Como pude te tratar assim?
Com descaso,
colocando-te de lado,
como se eu fosse dono te tudo
e você, uma simples peça de pouco valor.
“As pessoas acham divertido fingir que são monstros.
Eu passo a vida fingindo não ser um”.
Repugnante.
Toda vez que brinco de ser Deus, eu caio,
torno-me um destino à deriva,
um reles fragmento
à margem do que realmente importa.
A barata que eu não sou me torno,
“monstros não vivem felizes para sempre”.
Carpe diem!
“Mas só depois de amanhã,
depois da semana que vem,
depois do ano que vem” – é o que a minha (in)consciência me dita.
“Só depois que tudo se findar, carpe diem”.
Para bom entendedor, meia barata basta.
Não há entrada.
Não há saída.
Não há liberdade.
Não há despedida.
Não há morte.
Não há vida.
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É tudo sonho.
É tudo pó, poeira.
É tudo “a mesma coisa”.
Na natureza nada se cria,
tudo se definha,
de homem a “inseto monstruoso” e vice-versa.
Não há “nenhum sinal da redenção prometida”.
Morte e vida, Severina.
A cada vez que ninguém me levava a sério,
meu humor se tornava “mais sombrio”,
meu sono mais intranquilo.
Eu, “pequeno feixe de ossos”, artista da fome,
“mártir digno de compaixão”,
sou o único acompanhante perfeito de mim mesmo.
Não preciso mais estar no centro do picadeiro,
basta-me um lugarzinho junto ao estábulo,
que as pessoas passem e por um segundo,
apenas um segundo...
olhem.
Não preciso mais de alimentos frescos,
de uma tigela “cheia de leite açucarado e com pedacinhos de pão”,
alegro-me com “legumes bem amadurecidos, quase podres”
e com um sofá, coberto por um lençol, para que eu me enfie debaixo
e esconda minha metamorfose,
meu nascimento no sangue.
“Perdoe-me se às vezes minhas explicações são confusas” –
mas não sou “soldado, juiz, engenheiro, químico, desenhista”,
sou apenas um homem dos ratos,
que não conhece a própria sentença de morte,
que não teve nenhuma oportunidade de defesa,
sou apenas um condenado
na colônia penal.
Que saudade da minha infância,
não tive “tempo de ser criança”,
de ter desejos de criança.
A “roda viva” não é cíclica, mas “carrega o destino pra lá”.
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Hoje, meus inimigos são muitos,
já não tenho mais fibra, nem vida.
A dignidade foi a causa do meu fracasso.
Minha hora chegou.
Dê-me “um cálice de paz antes de partir rumo à guerra”,
permita-me, por fim, ser sepultado ao seu lado.
A música ainda vive em mim...
E no fim o cadáver ainda cai até o fosso em um voo de suavidade inefável
mesmo que agora, diferente daquela época, já não haja centenas
de espectadores amontoados como moscas ao redor do fosso.
Franz Kafka
i
Poesia escrita entre novembro e dezembro de 1917.
Ludymila F.
Paranavaí, PR
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Teve poema
classificado no FESTCAMPOS. Apaixonada pelo universo literário, tem embarcado na
escrita de poesias.
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CONTOS
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COMISSÃO JULGADORA
Márcio Renato dos Santos
Curitiba - PR
Curitibano nascido em 1974. Formado em jornalismo pela PUCPR em 1995, trabalhou na revista
Ideias, da Travessa dos Editores e no Caderno G, suplemento de cultura da Gazeta do Povo. Mestre
em Estudos Literários pela UFPR, atuou na Imprensa Oficial do Paraná entre 2000 e 2002, quando foi
publicada a coleção Brasil diferente. Escritor, estreou na ficção com o livro de contos Minda-Au,
publicado em 2010 pela Editora Record. Tem um conto na coletânea O Livro Branco, da Editora
Record, na qual 19 escritores brasileiros escreveram contos a partir de canções dos Beatles. Em
2013, publicou o livro de contos Golegolegolegolegah!, pela Travessa dos Editores. Atualmente,
trabalha na Biblioteca Pública do Paraná.
Paulo Marcelo Soares da Silva
Curitiba - PR
Bel. em Direito. Licenciado em Geografia. Participante ativo e vencedor de alguns dos primeiros
Festivais de Poesias de Paranavaí. Vencedor do 1º Concurso de Contos de Paranavaí. Menção
Honrosa nos 15º Jogos Florais e nos 19º Jogos Florais de Barreiro – Portugal. Menção Honrosa no 1º
Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras. Contos publicados pela
Empresa Tipográfica Casa Portuguesa de Lisboa e pela Casa da Cultura dos Trabalhadores da
Quimigal, Barreiro, Portugal. Autor do livro História de Paranavaí publicado pela Prefeitura
Municipal de Paranavaí.
Saul Bogoni
Paranavaí - PR
Mestre em Letras (UEM), especialista em Língua Portuguesa, professor universitário e da rede
estadual, jornalista. Presidente da comissão organizadora do FEMUP em 1970 e membro da
comissão julgadora em diversas edições. Membro da Academia de Letras e Artes de Paranavaí.
Anderson Possani Gongora
Marilena - PR
Possui graduação em Letras pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí FAFIPA- (2002), pós-graduação em Intertextualidade nas Literaturas de Língua Portuguesa pela
mesma instituição (2003) e mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2007).
Atualmente é doutorando em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, professor na
Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná e no Colégio Estadual Princesa Izabel - E.F.M. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Inglês e Literatura, atuando
principalmente nos seguintes temas: imagem, violência, identidade, sexualidade, cidade e literatura
contemporânea.
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Rafael Peres
Os girinos
Uberlândia - MG
Karina Limsi
Soneto suicida
Ilha Solteira - SP
Marcio Ribeiro Leite
O relojoeiro
Salvador - BA
Reginaldo Costa de
Albuquerque
Conto pantaneiro
Campo Grande - MS
Henrique Bon
A tocaia
Nova Friburgo - RS
Ana Nenduziak
Poeira infame
Paranavaí - PR
Altair Cirilo dos Santos
Olho de vizinho
Paranavaí - PR
Roberto Gonçalves
Rastros do passado
Paranavaí - PR
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SONETO SUICIDA
Me traga a adaga, Dara!
Por que se dara?
A vida me traga, e esse vazio,
Eu não sei descrever.
À vida me traga, e esse meu desvio, vais reverter.
O que me dara?
De paixão me tragara, Dara,
Três Joias, guerreira rara.
Não sou de ser Papeateiro.
Hei de me desfazer, como tudo,
Sem a beleza esta, tua, a maior.
Não quero a vida, ó Deus,
Que me entregara,
Se for rendida sem Dandara.
– Valhei-me, Nossa Senhora!
Gritou a vizinha afobada, num desespero sem tamanho, emudecendo de tanto
chorar. Do portão da casa era possível ver, jogada no chão debaixo do Pau Rosa,
a moça de roupas e cabeleira ensanguentadas. O corre-corre dos vizinhos
paralisou as pernas da mãe e arrancou a revolta do pai que acionava a polícia, o
resgate, o médico que em questão de semanas tornara-se amigo íntimo da
família. Na mão direita de Dandara, o punhal rústico herdado do avô materno. A
mão esquerda sobre o abdômen, as pernas encolhidas empanadas de terra
seca, como uma cria recém-parida em posição fetal. Quem presenciou tamanha
dramaticidade foi capaz de saborear o horror romântico no cenário agreste,
pois diferentemente dos episódios trágicos registrados nas páginas policiais
daquela cidade, aquelas visões não eram apenas horríveis, como
concomitantemente belas.
Como se tivesse acabado de vir ao mundo, voltou Dandara para o centro dele,
para a gênese das coisas todas que existem, incluso as coisas que não
conhecemos e sequer conheceremos. A mãe sentiu a apunhalada como se fora
em seu ventre, como as contrações intermináveis de um setembro
amormaçado da qual ela se lembrava em riqueza de detalhes vendo a filha no
chão em meio as folhas quase decompostas. Nascera e fora criada no
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Cabanga, um canto faceiro de Recife, num casebre amodernado de janelas de
madeira, entre o branco e o bege das paredes, cuja aparência lembrava o pano
de fundo esgarçado do cordel grafológico declamado corriqueiramente pelas
folhas do Pau Rosa, tendo por veículo o caminhar ruidoso e descalço de
Dandara.
Era uma menina linda, de olhos redondos castanhos e um sorriso embaraçante
que vez ou outra mordiscava um dos tantos cachos de seus cabelos, na corrida
moleca pelo terreiro, que geralmente findava no colo do pai. Aquele pai era
para ela o mundo inteiro em um abraço, demonstrando certo pudor da menina
em jogar-se nos braços da mãe com a mesma fome de afago, mãe aquela que
era dona do sorriso e dos cachos perpetuados na menina.
Cresceu naquele cenário, de colo de seu Lauro, de braços de dona Dora, e dos
vizinhos todos que em noites quentes reuniam-se no terreiro a fim de batucar
desdobramentos de um maracatu de humildes cadências e fazer ecoar os sons
serenos que a noite recebia como elogios. Dandara se dançava toda, segurando
as pontas da saia com as duas mãos, imitando a irmã mais velha, Narana, que já
olhava pra vida adulta sem nostalgia. Se dançava inteira, botando força no
movimento das mãos, fluindo meio intrépida.
Mesmo depois de ter entrado pra escola, ter descoberto as ruas frescas da
cidade, os rapazes, e até mesmo de ter andado só, provando das pingas
condimentadas, conversando com andarilhos, atravessando os limites da
cidade, até Olinda ou até mais longe, parecia estar alheia às imposições e
proposições do mundo. Já bem moça, mais especificamente com vinte e três
anos, cursando arquitetura e sem pressa de assossegar, perambulava por tudo
que era canto, falando e encantando tudo quanto era gente sortida. Era, ainda
que no desplante da meninice a forma de mulher esguia, de uma beleza hors
concours indubitável, que obrigava a mocidade de Recife a se esforçar em
mendicância por ela. Sorria e fazia graça, também sabendo fechar a cara pra
malandragem dos jovens vadios que nem eram tão vadios assim.
Via-se frequentemente em casa na companhia dos quase sempre carregados
pés de goiaba e do olorante Pau Rosa, enquanto o pai se envolvia com os
trabalhos pelo porto e a mãe se dispunha a cuidar dos filhos de Narana. Pelo
terreiro, olhando a rua através do muro baixo, Dandara ia vendo o tempo
embaraçar seus cachos e o mundo se embaraçar em seu sorriso, e se alguém
questionasse o que observava tão cerradamente, respondia que via “nada
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demais, não”, arrastando o sotaque.
Quando em um cavalo negro outubro galopou pro fim, a lua se vestiu de ouro e
clareou o terreiro como faria um fragmento de sol incinerador sobre a terra.
Dandara sentou no degrau que ligava a casa ao imenso quintal de goiabeiras e
ficou a admirar o dissolver das poucas e ralas nuvens que circundavam o
espectro dourado, sentindo o vento quente que lhe fazia pensar em caravanas
que atravessavam os desertos que ela muito dificilmente conheceria e que
estavam tão longe dali quanto suas expectativas em relação a si própria. Pôs-se
a questionar em que canto do universo estariam guardados seus desejos, se nas
patas do cavalo de São Jorge ou dentre as joias usadas por Sherazade nas mil e
uma histórias de enganação, até ser interferida pelo esganiçar dos galhos do
Pau rosa. Exclamou pra si enrijecendo os músculos do ventre:
- Moveu não! É coisa de minha cabeça.
Estava denunciada uma presença. Saiu aos solavancos aquela presença em
passos ariscos, como que escorregando pelo corpo da árvore e era uma criatura
branca feito papel, de olhos negros e puxados, lábios verdes brilhantes, quase
que bordados em lantejoulas, de longos cabelos lilases ouriçados. E era Íris: um
ser de causar estranhamento até mesmo naqueles que se julgam escolados no
que diz respeito aos ocultismos, mas que em Dandara provocou verdadeira
revolução de percepções. Não foi preciso sequer um toque para que se
reconhecessem como advindas do mesmo lugar e, incontinentemente
travaram uma intensa troca de múrmuros que tinham como intermediário o
cheiro doce amadeirado que ajudado pela brisa quente defumava todo o
quintal.
Osmose ou catarse não adjetivava o fenômeno que ligava as duas que foram
perdendo a noção do tempo, esgueirando-se pela terra do quintal, com as
mãos se entrelaçando tanto que já se fusionavam num novo ser ímpar.
Beijavam-se com a mesma displicência com a qual as perdizes se acomodavam
nos galhos das goiabeiras. Minuciosamente, os dedos dos pés de Dandara
percorriam a pele quase translúcida das panturrilhas de Íris, levantando
lentamente a barra do vestido empoeirado. Deliravam as duas como que em
semifusas, conversavam sobre vários assuntos simultânea e ininterruptamente,
aos sussurros como que em súplicas.
Ruidosos eram os afagos que Íris distribuía pelos seios e coxas de Dandara, e o
contrário em recíproca, e riam às avessas tendo as mucosas como orquídeas
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orquídeas que inflamavam-se em sutis movimentos aleatórios, abrasivamente
delicados.
Posterior àquela esquizofrênica noite, Íris e Dandara passaram a compactuar
com um plano de amor intensivo caracterizado pela cumplicidade que
sustentava todo o mistério. Uma acompanhava a outra a todo e qualquer lugar
e com o seguir dos dias os pais foram percebendo a filha cada vez mais arredia,
até mais do que o de costume.
Viam a pequena sempre pelo quintal a conversar sozinha, a se contorcer
fechando os olhos, a murmurar grunhidos ininteligíveis. Inicialmente,
chamaram o padre Paulo, que rezou o quintal inteiro. Em segunda instância Dr.
Amadeu, o único clínico geral da cidade que se metia a besta em questões de
“endoidamento juvenil” – como costumavam tratar de distúrbios psiquiátricos –
que foi logo receitando um remedinho desses de desligar a televisão das ideias
num piscar de olhos. Deu sem muita propriedade um diagnóstico e assegurou a
família de que tomando os remédios a menina ficaria mais calma.
Enquanto lavava os frios pés de Íris numa bacia de alumínio, Dandara se
colocava a conversar sobre um futuro próximo, e dona Dora sem compreender
porque o desvario se dava, achava trágico e lindo, pensava em como convencer
sua criança a tomar tal remédio. E era esse alumbramento aterrorizante todo
fim de tarde. Viam, Íris e Dandara – sem que ninguém mais visse –, o arco-íris na
água da bacia de alumínio, tatuando uma na outra à cravada de dentes uma
desconexa e profunda ópera árida.
Se pudesse descrever e se ao menos alguém se dispusesse a ouvi-la dando-lhe
vazão, Dandara certamente diria que Íris a atingia no ponto mais difícil de se
tocar uma mulher: o desejo. Isso mesmo. O tão famigerado desejo que pode
residir ali no pedaço que se encontrar entre a circundância superior do umbigo
e triangularidade inferior da alma, que a princípio parece difícil de achar, mas
que com uma dose de curiosidade é desvendado. Ocorre que certa noite,
Dandara se viu tão envolvida pelos afagos de Íris que adormeceu no quintal.
Levantou do terreiro assustada, sentido as pernas e os braços sendo
imobilizados, em arrastões pelo quintal. Em poucos minutos estava amarrada à
sua própria cama, engolindo á força capsulas das mais diversas cores, à seco. Foi
apagando, embotando o olhar e ao acordar avistou da janela escancarada um
pedaço de céu azul turquesa, abarrotado de nuvens vermelho acinzentadas que
não se moviam como as que vira no primeiro encontro com Íris. Ameaçava
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chover e choveu, torrencialmente noite adentro. Sequer teve chance de ver
amanhecer o dia, mas despertou por volta das onze da manhã, já sem amarras,
diante dos olhos molhados da mãe. Sorriram, como se a noite tivesse sido para
ambas a mais tranquila dentre todas as tantas que demarcavam aquele laço:
- Dormiste quieta feito um anjo...
- Dormi, foi?
- Foi. Nem ruidou, nem nada.
- Me dá um copo d'água?
- Vou apanhar...descansa mais!
Dandara, sem pestanejar puxou da gaveta do criado um punhal de prata antigo,
escondeu no decote do vestido surrado de algodão e caminhou
sorrateiramente até o terreiro, clamando pela mãe disfarçando com seu sorriso
sempre arreganhado o plano insano que articulava desde o meio da noite
anterior:
- Me traz a bacia de alumínio, mãe?
- E pra que é isso essa hora?
- É pra nada...esse pau precisa de água, acha não?
- Nem tinha botado reparo. Você bota tanto susto na gente que até me esqueço
das plantas. Inda bem que a chuva veio ontem, que as coitadas tavam aí sem
beber nada. Venho já com a bacia...
A menina olhou pra cada uma das folhas o Pau Rosa e em nenhuma delas
encontrou Íris. Lançou mão do punhal e o cravou sem ensaio nas entranhas e foi
o que bastou pra desabar no chão. Iam chegando ao portão baixo o pai com as
redes na mão e a vizinha empunhando um cesto abarrotado de cajus. Não
conseguiam se comunicar entre si os coadjuvantes da cena, mas se moviam de
um lado a outro do cenário, cada um a sua maneira, em volta da protagonista
que agonizava. E veio curioso, milico, perícia, parente, e lançavam sobre o fato
suas especulações sobre sanidade, possessão e doença. O que era o motivo? O
que era o real, onde ele terminava e dava voz ao fantástico. Afinal, o que era
daquilo tudo o delírio e o que era saúde? O fato é que da criatura que a menina
carregava em si, em seu uni-verso, ninguém sabia muito. Faziam com ela como
faziam com o Pau Rosa: sentiam o perfume, colhiam as flores, desfrutavam da
sombra e tão somente teciam rasa descrição de seus anseios. Sabiam dela nada
mais do que o óbvio.
Era Dandara a personificação daquela árvore que fincada no terreiro enfeitava
as vidas de seu entorno e que apesar de torta, fazia a alegria de toda uma
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uma cidade, mesmo que esta não fosse capaz de identificar a origem de
tamanho encantamento. Na perda de Íris, encontrara aquela mulher travestida
de criança a chance de transpor o portão de seu sofrimento e percorrer os
desertos todos que intuísse e achar a caixa dourada atrás da lua onde muito
provavelmente estariam guardadas suas expectativas com as quais nunca tivera
o prazer de se deparar.
O que para muitos era a exteriorização da loucura, da perversidade de um
desejo castrado, era nela o que havia de mais verdadeiro. Nada pode supor
quem chegou à cena do crime e a observou friamente, como fazem os abutres
no meio do sertão, mas para aqueles que no mínimo procuraram imaginar a
história que anteriormente poderia ter dado arcabouço para aquele desfecho
infeliz, jamais em suas vidas presenciaram cena mais bela, de sangue e aroma,
de amor e fúria, de inspiração, diferente do ignóbil desfecho das vidas daqueles
que pautam a existência própria na realidade alheia.
Karina Limsi
Ilha Solteira - SP
Karina Limsi, nascida em Ilha Solteira no ano de 1988 é Bacharel em Psicologia
pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, autora do blog "Casa das
Nuvens" e está às vésperas de lançar seu primeiro livro intitulado "Contos dos
que plantam árvores".
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O RELOJOEIRO
A madrugada fria se esparramava pela cidade ainda mergulhada em um sono
de luto, como uma maldição. As vielas de pedras polidas e úmidas desenhavam
uma rede de artérias exangues a fazer claudicar o velho coração da metrópole.
Os casarões decadentes, joias do século dezessete, dezoito, todos precisando
de uma boa reforma, perfilavam-se como soldados de um exército de anciãos.
As janelas, que certamente testemunharam momentos vibrantes de um
passado já esquecido, estavam fechadas. Faltavam-lhes alguns retângulos de
vidro. As portas, igualmente quietas, exibiam as soleiras deformadas por
incontáveis pés ao longo dos séculos. Anônimos pés que ajudaram a traçar o
mapa daquele bairro. O número indicado devia estar logo abaixo.
A ambulância moveu-se, cuidadosa, mais alguns metros. Sob um céu
de chumbo e grossas nuvens que refletiam a luminosidade de famélicos postes
de luz, Haroldo teve a impressão que a rua se estreitava ainda mais à medida
que avançavam, e que aqueles edifícios, que a duras penas se mantinham em
pé, tombariam à sua frente bloqueando a passagem. Àquela altura tudo
cheirava a antiguidade e mofo, misturado ao suor de uma gente desconhecida
e à umidade que se desenraizava do chão como ervas arrancadas. O passado
de glória e decadência estava impregnado naqueles azulejos portugueses,
naquelas paredes manchadas e estropiadas. O cupim rói o que há de madeira e
os pombos emporcalham o resto, pensou o jovem médico, chamado às pressas
para atender alguém no número 117.
O número estava gravado num azulejo encardido em formato de
relógio e se sustentava sobre uma porta de altura reduzida, como se naquela
casa morasse um anão que não previa visitas. A construção era sólida, de
adobe, possivelmente untado com óleo de baleia. Eram assim as edificações
daquela época, observou o doutor.
Haroldo e seu auxiliar estacionaram a ambulância do único jeito que
havia: obstruindo a rua. Felizmente, àquela hora, não se esperava que outro
veículo pudesse trafegar ali. De todo modo, tratava-se de uma emergência.
O número 117 não passava de um sobrado em condição lamentável,
exatamente como os demais naquela viela tosca e escura. A porta baixinha
parecia ter afundado sob o peso dos quatro andares que se precipitavam sobre
ela. O prédio inteiro cedia à areia movediça dos séculos. Haroldo deu com a
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junta dos dedos na madeira escavada com ranhuras naturais feitas pelo tempo
e tristezas, como rugas num rosto sem dono. Não houve resposta. Aguardou
um momento e o fez novamente. Nada. Não se via ninguém na rua e o silêncio
sepulcral que inundava o bairro era quebrado apenas pela vitrola de uma casa
com uma luz vermelha na entrada, situada a uns trinta metros de distância, justo
na esquina com outra rua que parecera ainda mais penumbrosa. A casa não
tinha qualquer movimento na porta, como se as prostitutas, sem clientes,
pusessem para tocar a vitrola com o único intuito de não deixar a alma do
bordel ir embora.
Haroldo conferiu o chamado. Sim, estava registrado, era aquela rua,
aquele número. Só não havia quem atendesse às batidas.
Já estava para
desistir quando viu se aproximar uma mulher vulgarmente trajada, saltos altos
desafiando o pavimento, e maquiagem excessiva, ridiculamente aplicada. Era
a moça do lupanar que fizera a ligação à clínica.
A mulher identificou-se como a única amiga do velho relojoeiro que
morava sozinho no andar térreo daquele sobrado. O velho não tinha família
nem amigos, estava muito magro e fraco, e há dias não colocava a cabeça de
fora para nada. Ficara preocupada e resolvera acionar o serviço médico, ele
estava precisando de ajuda. Tinha a voz arrastada de quem perdera a conta das
cervejas na espera inútil por clientes, mas parecia genuinamente preocupada
com quem quer que estivesse atrás daquelas grossas paredes. Feliciano dos
relógios, era esse o nome de quem o doutor Haroldo deveria examinar.
O jovem médico, sob o olhar curioso do motorista e ajudante, estava
prestes a esmurrar outra vez a por ta quando a moça sacou da bolsa
espalhafatosa uma grande chave de ferro, de estilo bem antigo, e estendeu-a a
ele. O rapaz tomou-a de suas mãos trêmulas e enfiou-a na fechadura, girandoa com firmeza. Escutou-se um ruído metálico seco e a pesada porta se
entreabriu. Uma lufada morna e nauseabunda escapou pela fresta. Houve um
breve movimento de recuo. Haroldo olhou para o motorista e em seguida para
a mulher que os acompanhava, como se pedisse permissão para entrar. Os
dois assentiram com um leve meneio da cabeça. Haroldo precipitou-se na
escuridão do cômodo.
Estavam completamente às cegas quando então a acompanhante,
outra vez, abriu a bolsa e sacou uma pequena lanterna.
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— O que mais tem nessa bolsa, dona... — perguntou Haroldo,
encontrando espaço para um frágil sorriso que pareceu aquecer a madrugada e
o coração daquela estranha.
— Bartira, apenas Bartira, doutor.
— Bartira?
— Chave, batom, lanterna, camisinha, canivete... material de
sobrevivência de puta, doutor.
— Desculpe, não quis ser indiscreto.
— Não foi...
— Não?
— Não, não foi. É preciso muito mais que isso para ser indiscreto com
uma prostituta, meu anjo. Somos profissionais da indiscrição, esqueceu?
Haroldo e o motorista lançaram um riso contido, opalescente, como o
raiar do dia que se anunciava à distância.
Acharam o interruptor e um tênue clarão âmbar inundou o ambiente.
Encontraram-se num cubículo que seguramente tinha menos de doze metros
quadrados e ainda assim devia significar o mundo inteiro daquele velho.
Algumas estantes repletas de relógios de todo tipo e tamanho, que se
espalhavam pelas paredes como aranhas ávidas. Eram tantos que mal se
divisava a cor delas. Esquecido a um canto, sobre um catre, um esqueleto mal
vestido por uma pele opaca e cheia de manchas. Um esqueleto que respirava,
quase deixando ouvir-se um chocalhar de ossos.
O trio assustou-se com a cena. Um velho moribundo apenas
aguardava testemunhas para o seu último suspiro. Mal abriu os olhos quando a
moça chamou seu nome. Haroldo percebeu a gravidade da situação. Precisava
levá-lo a um hospital com urgência ou não resistiria mais um par de horas.
Pediu ao motorista que trouxesse a maca. Bartira chorava comprimindo a bolsa.
A maquiagem desmantelava-se, traindo um rosto mais maduro do que se podia
imaginar. O motorista olhou-a espantado, sem conseguir disfarçar que
percebia a transformação.
Quando a maca chegou, viu que não teria dificuldade para levantá-lo, o
velhinho pesava como uma pluma. Qualquer movimento provocava
angustiosos protestos do pobre homem. As dores há muito se apossaram de
seu corpo carcomido. Eram elas agora que diziam o que fazer.
— Por favor, me deixem — protestou o moribundo.
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— Temos que levá-lo, senhor Feliciano. O senhor está muito doente,
precisa de um hospital. — disse Haroldo.
— Não, meu jovem, não preciso ir.
— Como não, senhor Feliciano? A sua situação é grave.
— O momento é solene, só isso.
— Solene? — Haroldo franziu a testa.
— Sim, o momento da morte é sempre solene.
— Então, é exatamente esse momento solene que estou querendo
evitar.
— Mas você não pode... não pode impedir o que está determinado.
— Como não posso? Vim aqui para isso, senhor Feliciano. Sou médico,
minha função é salvar vidas.
— Tolice!
— O senhor deve estar muito deprimido, trataremos isso também, por
favor, quer me ajudar?
— Não há o que salvar, meu jovem, tranquilize-se. Sou um velho
relojoeiro à beira da morte. Quero apenas que me deem a mão e façam uma
prece por mim, só isso.
— Se fosse apenas para uma prece teriam chamado um religioso,
senhor Feliciano. Eu sou médico.
— Não importa quem você é agora, meu filho. Eu não preciso de
médico ou de religioso, um ser humano me basta.
— Desculpe, temos que levá-lo.
— Não, por favor, não. O meu tempo acabou.
— Acabou? Quase, mas ainda podemos tentar alguma coisa.
Haroldo tratou de levantar o velho, que mais uma vez gemeu de dor.
— Espere... escute! Ouve algum som?
Todos pararam subitamente. O quarto estava mergulhado em silêncio
paralisante. Apenas os sufocados soluços da prostituta, que seguia
envelhecendo enquanto machucava a bolsa nervosamente. O homem restava
encolhido no catre imundo, como confiante depoente de sua própria versão
para a vida que se extinguia.
— Não, não há nada. O que espera?
— Quantos relógios tem aí?
— Não sei... dezenas, centenas, talvez.
— Todos os relógios estão parados, vê?
— Sim, estão, e daí?
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— Não percebe? Estão parados porque meu tempo se esgotou — o
velhinho apagava-se progressivamente com o esforço de falar.
— Pararam porque o senhor não deu corda, não trocou as pilhas ou
simplesmente estão aí para conserto, é isso.
— Ainda ontem todos funcionavam... — acrescentou o homem em tom
resignado.
Entreolharam-se e, em seguida, olhos curiosos vasculharam todos os
cantos da sala à procura de um relógio, um único que fosse, qualquer um, que
ainda funcionasse. Não havia. As mãos de Haroldo e do motorista tatearam as
prateleiras em busca dos pequenos, os de pulso. A mulher seguia com
semblante desapontado a inquietação dos homens. Nada. O velho estava
delirando, aqueles relógios não tinham vida há muito tempo.
— É verdade, senhor Feliciano, não há nenhum relógio funcionando,
mas isso não quer dizer...
O relojoeiro já não respirava. O ambiente ficara ainda mais soturno. A
névoa da madrugada insistia em entrar pela porta. Talvez, por ali mesmo, já
tivesse se esgueirado a alma do pobre velho. O rosto, entretanto, estava
tranquilo, relaxado. A vitrola do meretrício parara de tocar. Os três ajoelharamse e fizeram uma prece. Bartira segurou atordoada a mão descarnada e fria do
velho relojoeiro. Haroldo, com olhos úmidos, teve tempo de pensar na ironia
que era a inutilidade dos relógios para ele agora. Como se a vida não passasse
de hercúleo e vão esforço.
Não, Haroldo precisava apenas sair dali e tomar um pouco de ar, mesmo o ar
pesado e úmido, cintilante de memórias irreconhecíveis, daquele bairro
perdido no tempo.
Marcio Ribeiro Leite
Salvador - BA
Baiano, escritor e médico. Vencedor do Prêmio SESC 2008 com o romance "O momento
mágico" e do Prêmio Internacional da UBE-RJ 2011 com o romance "Pelas frestas do
telhado".
72
A TOCAIA
Após dobrar o cimo da montanha, desviou-se da trilha que levaria ao
povoado. Amarrou a mula em um arbusto, à sombra de uma rocha, caminhou
mais cem metros e galgou, com o auxílio de uma das mãos, o barranco à direita.
Trazia um fuzil atravessado às costas e uma cartucheira com doze balas no
peito. “Por certo não precisarei de todas”, pensou. Esgueirou-se mais para cima,
pela parede quase vertical, até escolher o abrigo do qual descortinava, por uma
abertura natural, o caminho tortuoso logo abaixo. Depositou à sombra o cantil
de couro de cabrito, procurou aplainar o chão de pedregulhos e sentou-se na
fenda. Em seguida retirou a arma de sobre os ombros, colocando-a nos joelhos,
sentiu a empunhadura da coronha, o frio do metal e experimentou a alça de
mira com uma breve excitação. A luz, onde quer que olhasse à volta, era
esmagadora. A mesma cintilação avermelhada, a mesma superfície lunar.
Bem longe, no vale, se distinguia um pouco de vegetação junto ao rio
que circundava o povoado. A laje de granito utilizada pelas lavadeiras faiscava
sob a luz. A pastagem, de um verde sujo, pontilhada por umburanas e jatobás,
tornava-se rarefeita à medida que se afastava das margens, estacando em
fiapos no sopé da montanha. Ao galgar a trilha arenosa em direção à garganta,
no entanto, a paisagem se tornava mineral e somente alguns poucos arbustos,
de galhada tortuosa e nua, vicejavam nas frinchas. No mais era uma terra
inconsistente que desmoronava sob os pés, erodida pelo vento, a esculpir
castelos no arenito.
Por longo tempo houve apenas o sol e o silêncio aplainado pelo vento.
Ele abandonou a vigília e recostou a cabeça na rocha, olhou para as poucas
nuvens sob o céu de janeiro e apoiou o coice contra o solo. Era ainda jovem e
nunca matara alguém.
A sombra dos rochedos se alongava lentamente. Ele perdera a exata
noção do tempo, mas sabia que estava ali desde que o sol a pino iluminava o
casario branco da vila e o som do ferreiro martelando a bigorna atravessava a
distância para morrer na encosta como um grito. Agora, sobre a aldeia, uma
névoa já baralhava os olhos, de forma a se distinguir apenas a torre da igreja,
perfurando a sombra que a montanha arroja sobre o vale. Um rumor impreciso
chegava-lhe pela seteira improvisada, trazido pelo vento, vez por outra um cão
latia e as luzes principiaram a tremeluzir. No céu, uma estria de nuvens
73
começava a alaranjar. Ainda que estivesse à sombra, o calor reverberava nas
pedras, alcançando-o. A visão do rio lhe deu sede. Sem tirar os olhos da seteira,
tateou como um cego, o cantil junto ao solo.
Ele não sentia as mãos agarradas ao fuzil e movia os pés adormecidos.
Vez por outra, tomava um gole da água morna que deixara à sombra da rocha.
De onde estava, distinguia a trilha, que aparecia e desaparecia ao sabor das
curvas. O outro haveria de subir por ela, que atravessa a montanha roçagando
nos muros quase verticais. Não há outro caminho, ele sabe.
Não conhecera o pai e os detalhes de sua morte, já que nascera logo
após o acontecido. O que sabia fora apenas a desordenada costura dos retalhos
que lhe passara a mãe – que de resto, pouco se referia ao finado – nos quais a
imagem do morto surgia-lhe sempre de borco em uma estrada, com um buraco
no lugar de um dos olhos e a face reticulada pelo sangue mesclado ao pó.
Lembrou-se na infância, da tarde remota em Nazareth das Farinhas, durante a
feira, na qual girândolas coloridas espocavam cartuchos de pólvora seca e
barracas ostentavam à volta sacas de condimentos de todas as cores. Sua mãe,
vestida de negro e com o mesmo recato com que apascentava suas dores,
apontou para um homem, à distância.
- Olha bem aquele rosto – proferiu em tom grave.
E ante a surpresa do pequeno.
- É do homem que terás que matar um dia.
Desde então, fitara por muitas vezes a face, marcada por uma cicatriz
até o queixo, encontrando-a por acaso nos vilarejos do agreste.
O calor é intenso a despeito do poente, a luminosidade das pedras à
volta ainda atordoa e nubla a visão. O suor escorre por entre os olhos e ele
amarra um lenço na cabeça, firmando-o com dois nós nas laterais. Sabe que sob
o véu da noite fará frio, mas não teme perder o tiro. A lua cheia guiará sua mão e
a bala. Ademais, não há como errar; o alvo subirá pela trilha montado em uma
égua de trote desigual. Se não for pelo olhar, será pelo ruído dos cascos contra o
solo.
“A novena termina esta noite e não há mais razão para que ele
permaneça no povoado, a não ser que esteja enrabichado por alguém” –
pensou, como a se convencer de que estava próximo o desfecho.
Só para distrair a visão percorre uma vez mais a paisagem em torno,
enquadrada na mira do fuzil. À sua esquerda o paredão rochoso, mais acima
74
dois gaviões pairando como se estivessem presos contra o céu. O grito de um
deles se desfaz no ar. À direita, uma terra vermelha que descai, esboroando em
direção à trilha, cujas voltas se perdem por trás de alguma elevação para surgir
mais adiante. O passante será visto e abatido antes que saiba o que ocorreu, se
não na curva que se debruça no despenhadeiro, na outra, quatro voltas adiante.
O rapaz procura manter-se imóvel, mas os joelhos e as pernas doem.
Movimenta os pés para aliviar-se e desloca uma pedra que rola aos trancos e no
último segundo resvala em uma crista, saltando sobre a trilha. Após algum
tempo, o silêncio é quebrado por um baque surdo no abismo. “É lá que deverá
repousar o corpo” – imagina.
A noite cai e uma lua quase redonda flutua no céu. Pequenos répteis
noturnos abandonam as tocas e ele escuta o sussurro das suas patas. Percebe
um voejar indistinto, como as vibrações de uma vara. Lembra-se, compadecido,
da mula que nada comeu ou bebeu desde o início da vigília. As mãos começam
a tremer, não sabe se pela imobilidade ou pelo frio noturno. Teme perder o tiro,
mas ao mesmo tempo surpreende-se com uma inesperada felicidade por,
talvez, não precisar mudar para sempre, aos dezenove anos, o curso de sua vida.
Quiçá não mate alguém naquela noite.
Adormece por segundos e desperta em sobressalto. Sente as batidas
secas do coração. Imagina ouvir passadas na trilha uma dezena de vezes, mas
perscruta o vazio. Lembra-se da vida descompromissada e pensa em desistir.
Mas agora é tarde.
Iluminado pela lua, um arremedo de centauro avança pela estrada. O
tocaieiro o vê, mas não é possível distinguir sua face. O vulto se oculta em
alguma reentrância para reaparecer mais adiante, como em uma espécie de
jogo. Prossegue sem pressa, agora. Mesmo encoberta a montaria, ouve-se o
martelar das ferraduras contra o piso. O rapaz faz pontaria na curva mais
próxima e conta as passadas do animal. Seu coração acelera uma vez mais e a
boca seca. Na cabeça lateja a sentença de sua mãe:
– Aquele é o homem que matarás um dia.
O vulto surge. Pelo corpo atarracado e pelo chapéu de lado, sobre o
ombro, não pode ser outro. Parece estar bêbado e flutua na sela, o cabresto
solto no pescoço do animal. A cabeça pende sobre o tronco e balança segundo
a marcha. O tocaieiro espera até distinguir, sob a lua, o gilvaz que o atravessa do
75
nariz ao queixo. A mente se turva. Ele hesita por um momento, ante o caráter
pacífico da caça.
O disparo seco, quase à queima-roupa, sai precipitado, surpreendendo
o atirador e reboa nas pedras como se toda a montanha desmoronasse. O vulto
quase amorfo desperta de vez. Leva uma das mãos às costas, procurando o
fuzil, ao mesmo tempo em que levanta a cabeça, procurando a origem do tiro.
Uma segunda bala, no entanto, o colhe de flanco e o tronco titubeia sobre a
sela, escorregando lentamente pelo pescoço da égua, que arremete para além
da curva.
O atirador desce precipitado, caindo sobre a trilha. Procura recomporse. Corre em direção à fuga do animal. Não tem certeza se conseguira matar
aquele homem que o assusta como nos pesadelos infantis. Na verdade, não
sabe o que pensar. Aproxima-se com cautela, o fuzil armado. Mais adiante, a
montaria estacara. O vulto sobre a terra branca parece um fantasma à luz da lua.
Um dos pés ainda está no estribo e de um braço, contra a areia, veem-se
algumas contrações declinantes. O rapaz, sem perceber, tira o chapéu e o leva
ao peito. Sente-se estranho, como se algo de extraordinário houvesse ocorrido
e não mais fosse o mesmo.
Passa ao lado do morto sem fitá-lo, caminha de volta até sua mula. A
partir de agora iniciará sua fuga, antecipando o momento em que um
desconhecido, algum dia ou noite, em uma trilha tortuosa, lhe reclamará o
sangue.
Henrique Bon
Nova Friburgo - RS
Nasceu em Nova Friburgo em 1952. É médico e escritor. Lançou em 2002 o ensaio histórico
"Imigrantes" e em 2008 o romance "A noite dos peregrinos". Seu livro de contos "A
primavera improvável", com trabalhos premiados em diversos concursos, sairá ainda
este ano.
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CONTO PANTANEIRO
I
As narinas dilatam, deixam o calor amassado do travesseiro e se insinuam pelas
frestas do antigo telhado, e tornam para despertá-lo. Que cheiro intrigante é
esse, misto de terra, água, mato e auroras, que impregna generosamente a
quietude do quarto?
– Flor pantaneira... – murmura uma fala delgada, quase apagada.
Detém a respiração e entreabre os olhos. Não se mexe. Fica na dúvida
se o som brotara da garganta em meio ao bocejo ou obra do pensamento.
Tolice? Intuição? Ou efeito do domínio que ela exerce sobre ele?
“Sim, é ela!” – pensa entusiasmado.
Mas, qual? Aquela que o completa na cumplicidade dos lençóis e na
leveza do andar de onça-pintada encontrara um tempo para surpreendê-lo na
cama ou o hastil vegetal disposto no peitoril da janela que dá para a varanda e
que diz para ele senão promessas de desejos, nunca o brinde amargo de uma
taça só?
Inesperada excitação anima-lhe o corpo de vaqueiro habituado às
adversidades dos campos macegosos, pois o que ouvira não é o débil estalido
de armas de fogo que tem perfurado as dobras da noite. De sobressalto, lançase à janela e descerra a tranca sem o menor ruído.
Examina a área de visão e nenhuma anormalidade aparente; revela-se a
luz vacilante da manhã. Um resmungo involuntário atropela o espanto.
O velho galo amiúda preguiçosamente notas incompletas de algum
poleiro, sem a intenção de catar minhocas antes de bicar o grão de milho da
ração. Chalreada decalca araras pelos galhos de carandás no terreiro.
Ameaça a inutilidade do retorno ao colchão, mas as nódoas vermelhas
de uma flor esmagada no assombro triste do cimento frio o contristam. E o seu
rosto assume tamanha expressão de sentimento.
O que sabe ele de flor se nos campos cultivados só conhece a cultura
bovina e a rigidez do laço?
Será porque o sorriso dela brinca nas pétalas das flores?
77
II
Termina o café e contempla a paisagem lá fora por cima do bule vazio. O
bramido das leiteiras no mangueiro é cortado por acanhadas palmas. Com o
bico da pequena botina à soleira da porta da cozinha o filho do caseiro
relanceia.
– Quê que há, guri? – inquire displicente.
– O patrão carece de sua presença.
Rodeia a mesa com vagar, se dirige ao fogão de lenha e afasta as achas
do brasido. Um friso de fumaça plúmbea se desenrola ao bater a ponta
queimada dos tições.
O homem o cumprimenta altivo nos degraus da escada para o alpendre
da sede da fazenda. As mãos na cintura formam triângulos com os braços
alinhados.
– Tenho negócios pendentes na capital, meu rapaz, e me ausentarei por
duas semanas. Portanto, contrate gente e reúna o gado das invernadas para
vacinação e não se esqueça de matar um garrote gordo para a boia da turma.
E gargalha sonoro, alto, alheio ao interlocutor, que sorri apreensivo
com o desfecho da notícia: “Ela também irá?”
Por segundos o semblante do fazendeiro adquire traços esquisitos. Uma
libélula pousa na copa do seu chapéu ao concluir friamente.
– Meus camaradas de apoio farão um serviço especial, não conte com
eles. Preciso de você aqui, de acordo?
Consente com um breve aceno de cabeça.
– Às ordens – acrescenta dissimulando a irritação.
Capta propósito diferente escondido na tarefa confiada, as palavras
não soaram com a naturalidade costumeira. Há muito desconfia da atividade
desse pessoal. Empregados arredios e mais afeitos à espingarda que ao trato do
gado. Não à toa moram isolados em retiro distante. Já fora motivo de discórdia
entre eles:
“Cê tem boa pontaria, peão, pra acertá no meio dos olhos dum bicho?”
– perguntara um, alisando o gatilho da automática .22, com a fanfarrice
estúpida da embriaguez.
“Cale essa maldita boca!” – advertira o comparsa com a voz engrolada.
No que se despede, a libélula que engolira a frase do patrão confirma a
suspeita. Alça voo, pirueta no ar e vai regurgita-la já refeita na corola da flor
pendida no jardim.
78
III
Ronda o casarão a pretexto de ir buscar o cavalo na cocheira, espreitando tudo.
Atrás dos tijolos daquelas paredes alvas regadas pela luz do sol, uma vida nova
o espera. Avista o guri serelepe para o recado: “É hoje!”.
Aperta os arreios, apoia-se na sela, firma o pé esquerdo no estribo e
monta o baio, que se agita e pisoteia ligeiramente um caule seco de caraguatá,
depois se acalma, abanando a cauda.
Na sacada do segundo piso, o vulto feminino, premendo as contas de
um rosário, observa atento os seus movimentos. Sente o impacto de um olhar
que ocupa todo o ambiente com grande ternura. Uma repentina chama brilhou
dentro dele: “A flor da minha vida!”.
Repassa em definitivo o trajeto da fuga e marca o trecho. Fará o que convém à
sua alma, pois decididamente ela não pertence a estes confins; já descera a
correnteza do rio. Não alongará o plano e isto significa que durante o resto do
dia, ambos estarão prendendo a respiração, controlando a tensão e lutando
contra seus próprios medos.
No almoço, sente-se um estranho com a seriedade da situação, todavia, achase adulto suficiente para considerar essa responsabilidade. O prato preparado
com arroz e pequi, que mastiga sem convicção, sacia meramente o apetite da
matéria. Armazenara forças necessárias para a ocasião.
Emoldurada na parede, a fotografia palente da primeira comunhão no
altar da igrejinha sugere uma sensação de ordem ao local.
IV
Altas horas ela abandona o sono da casa-grande pelos fundos. O cão, deitado a
um canto da parede, eriça as orelhas, fareja, solta um grunhido de amizade,
fecha os olhos e sossega.
Contorna o mangueiro, margeando os palanques de aroeira e
atravessa o piquete da tropa de trabalho. Mesmo querendo não pode correr,
desníveis traiçoeiros surdem por dentro do pasto lambido pelo orvalho até
chegar ao começo da trilha. O riso flutuante da lua a orienta nesses labirintos.
Uma muda de roupa na sacola; sem provisões, nem excessos.
Linha divisora para um mundo inteiro, sob a copa da peúva ele a espera.
Enxerga uma flor agarrada ao decote, trescalando o perfume tênue tão
apreciado.
– Trouxe para você!
79
Beijam-se com força e unissonante “Eu te amo!”.
Última olhada ao lugar, onde um ano antes, emocionados, felizes,
confiantes e loucos de esperanças, fizeram juras de um amor sigiloso,
encontros às esconsas e fortuitos banhos nas frescas linfas dos corixos
próximos. Desde então, vivem algo misterioso e intenso. No entanto, continuar
ali é a precariedade da cigarra cantando em algum tronco no entardecer.
O cavalo se alvoroça um pouco quando a roseta das esporas roça a
pelagem castanha, entretanto, o dono arrulha com ele, dando-lhe tapinhas
amigáveis no pescoço e põem-se a marchar, a mulher à garupa, rumo à
barranca do rio. O relho à mão gira a esmo contra a brisa noturna, festejando o
início da aventura, com a coragem típica dos fugitivos.
Poderiam ter morrido, mas nesse momento se pertencem, e gostou de
tê-la carinhosamente enlaçada às suas costas.
Lanterna clareia precariamente a sinuosidade do caminho. Adiante,
palmas de acuris oscilam acenando adeus. Cada curva vencida revela um
passado sem vergonhas, sem remorsos, contentes de si mesmos.
O trotear nítido e contínuo adormece a lua sobre suas cabeças. Afrouxa
a rédea e pausa o picado do trote quando a via se estreita e ganha um declívio
em sinal de que se acercam do destino. A lanterna nesse ponto vagalumeia e,
lento e lento, enfraquece e apaga. Um marulho insignificante da água junto à
margem dá a certeza de que o barqueiro os espera; largam o animal e seguem a
pé, devagar, embora tivessem pressa.
Então os camaradas leais ao fazendeiro aparecem subitamente e
iluminam seus rostos surpresos e assustados.
– Cê sabe como se mata jacaré, peão? – insulta um mais afoito. – Cê
alumia os olhos do bicho com a lanterna... assim ó... e atira bem no meinho
deles!
Dois estampidos ecoam longe e vão arranhar o ouvido do galo, que
ainda não engendra a manhã.
Reginaldo Costa de Albuquerque
Campo Grande - MS
Possui considerável premiação literária em concursos de poesias, sonetos e
contos. Participação em mais de cem coletâneas. Autor dos livros Sonetos
no azul da tarde e O santo que não tinha os pés.
80
OS GIRINOS
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Camões
Atirou a pedra na vidraça, influenciado pela turba de moleques. No
fundo, não tinha coragem suficiente para fazer aquilo. Lembrou do que a mãe
sempre falava das más companhias. A meninada dava mau exemplo, matava
passarinho nos lotes vagos, jogava pedras nas pessoas, corria atrás dos
cachorros... “Era muita sem-vergonhice” – falavam os vizinhos. Adãozinho
começou as traquinagens depois do acidente fatal do pai nas obras da
Construtora Camargos. A viga de ferro lhe acertara em cheio; todo mundo havia
dito que nem dera tempo de o servente sentir dor. Porém, o menino tinha
opinião diversa, já que a angústia feria seu coração...
Ele nunca se juntara aos malandros do bairro, no entanto, sem se dar
conta, impelido sabe lá por que alvitre, começou a participar das bagunças do
grupo. Ficava com dó quando os projéteis de seu estilingue acertavam o
gaturamo canoro, espalhando nuvens de penas sobre os meninos. No entanto,
as ordens do Foguete, o líder, eram absolutas. Quem descumpria seus mandos,
apanhava feio e era expulso. Adãozinho hesitava, porém, sempre obedecia,
motivado não por rigores e punições, mas pela angústia que lhe oprimia o
peito.
Um dia, enveredaram por uma estradinha nas cercanias rurais do
bairro. Os moleques faziam pavorosa algazarra, gritando com homens que
trabalhavam no roçado. Vez ou outra, um dos moleques atirava pedras neles, e
todos saiam correndo, com medo dum revide pior. Enquanto o grupo folgava,
brincando sobre cupins e árvores caídas, o menino continuou a andar até
chegar à garganta dum vale. O sol de verão crestava sua pele suada. Os zéfiros
de Vésper sopravam seus cabelos, confortando sua alma aflita. Ele se deitou
sobre o verdor da relva cálida; uma alegre fagulha inundou seus olhos, ao
divisar a aleia florida do canoado. Quando lá chegou, viu uma poça d'água
quase seca, onde encontrou vários girinos. Pareciam feijões pretos fervendo
81
numa panela de barro. Alguns já não tinham caudas, outros já possuíam pernas,
mas muitos ainda eram frágeis larvas.
Adãozinho olhou em volta; viu que os outros moleques não
perceberam sua ausência. Pegou então, sua garrafinha d'água e recolheu os
bichinhos da lama. Deixou o recipiente aberto, temendo que todos morressem
durante o caminho. Assim que chegou em casa, colocou os girinos sob uma
samambaia. Sua mãe não poderia vê-los, senão o obrigaria a jogar fora. “Onde
você estava, Adãozinho?” – ela perguntou, gritando lá da sala. “Saí pra jogar
bola, mãe” – mentiu, vacilante. “Ah, se eu souber que você está andando com
aqueles moleques de novo...”. O menino titubeou, não gostava de mentir. Tudo
era muito confuso, pois ele se arrependia das coisas erradas que fazia, mas não
largava de andar com o Foguete e os outros. “Os girinos é que são felizes” –
pensava. Eles não tinham esses problemas, preocupavam-se tão somente com
sua sobrevivência, não sabiam o que era certo ou errado.
O menino carregava os girinos para todos os lados. Se a mãe os
descobrisse, daria problema, teria que se livrar deles. Em muitas ocasiões, saíra
de perto dos moleques, dizendo que ia encher sua garrafa na torneira da praça.
Fazia isso porque a água dos girinos esquentava dentro do embornal abafado.
Se não a trocasse, os bichinhos morreriam. Eles se mexiam cada vez mais
ligeiros, já não eram feijões escuros, nem o menino era o mesmo... Adãozinho
aproximava-se da adolescência, e os girinos cresciam, cada vez mais parecidos
com jabuticabas. A garrafinha teria que ser substituída por uma vasilha, pois
logo estariam grandes demais...
Certo dia, o grupo do Foguete passava perto da casa do Zelão, um
velho ranzinza e mal-humorado que morava na esquina do bairro. O líder disse
a todos para se prepararem, pois roubariam mangas no pomar do ancião. A
meninada silenciou, tinham pavor daquele local, nunca pensaram em invadi-lo.
Os antigos contavam que aquela propriedade fora um asilo, onde verdugos
torturavam os idosos até a morte. Depois que as autoridades fecharam a
instituição, muitos afirmaram ouvir gritos vindos de lá durante a madrugada.
Quando Zelão comprou o lugar, vizinhos mais propensos ao oculto disseram
que ele era filho de uma das vítimas, um homem solitário que ansiava encontrar
o espírito de sua mãe. Os moleques conheciam esses boatos, porquanto, não
ousavam entrar na casa.
82
Mas, dessa vez, era o Foguete quem ordenava; aquele que o
desobedecesse era afastado do grupo. Ademais, o risco de levar uma sova
acabrunhava os meninos. Pensando nisso, Adãozinho seguiu o grupo. Eles
pularam as grades enferrujadas que cercavam o lote. O pomar era enorme e
continha diversos tipos de frutas e aromas. As ameixeiras dobravam seus
galhos repletos de cachos dourados. As flores de laranjeira perfumavam o ar,
inebriando os invasores. Acharam vários abacaxis, frutas-do-conde e graviolas.
Mas o principal alvo eram as mangueiras. Seus galhos quase quebravam com
tantos moleques pendurados, à procura de mangas suculentas. Todos riam,
alvoroçados, lambuzando-se com a polpa amarela. Ninguém se preocupava em
moderar a voz e ir embora dali com a maior quantidade de frutas possível.
Nesse ínterim, ouviram Zelão rugir impropérios na varanda...
O velho, com ofegante ojeriza, perseguiu os moleques, brandindo sua
bengala carcomida. Seus olhos raivosos faiscavam; uma infinidade de rugas
sulcava sua face vetusta. Parecia um titã que fora acordado por algum mortal
displicente. Embora não tivesse destreza para apanhar os invasores, corria com
muita agilidade. Porém, não conseguiu capturar nenhum incauto. Teve que
remoer sua fúria, escondido em algum canto escuro da casa. Durante a
debandada, Adãozinho nem percebeu que sua garrafa escapulira do
embornal... Foguete e os outros se separaram, cada um foi para sua casa. Na rua,
com o coração aos pulos, o menino se deu conta de que perdera os girinos...
Velho sujo dos diabos! Pensou em voltar sorrateiro e averiguar os arredores do
pomar... Porém, o ancião metia medo, capaz que estava furioso com os
moleques; melhor esperar ele esfriar os nervos.
Adãozinho temia que o velho achasse os girinos. Arremessou a pedra
com tanta força, que destruiu completamente a vidraça... Quebrou a janela e a
zombaria dos moleques. Contudo, sem a intervenção do Foguete, o menino
não ousaria fazer aquilo... De súbito, o olho faiscante do ancião apareceu no
retângulo vazio. Houve outra debandada e novos rugidos. Adãozinho já
pensara na possibilidade de aproveitar a confusão para ir procurar os girinos
em volta do pomar. Temia ser pego, mas, mesmo assim, colocou em prática seu
plano. Tinha que encontrar a garrafa antes de o velho perceber sua presença.
Porém, nada achou no entorno, tampouco nos fundos da casa. Zelão percebeu
que havia alguém detrás da varanda e rastejou ligeiro para lá, empunhando
uma carabina. O menino escutou as sandálias arrastando-se no piso de tacos.
83
Ágil como um símio, escalou as grades de ferro do portão e saltou para fora do
medo. O ancião ainda viu seu vulto dobrar a rua de cima...
Uma nuvem cobriu a disco lunar, colocando vendas sombrias nas
janelas do antigo asilo. A escuridão repentina assustou ainda mais Adãozinho.
Seu coração batia forte, já passara maus bocados naquele lugar... Isso é o que
acontece ao andar junto com o Foguete e seu bando... Por causa deles, há uma
semana, vira o ancião recolhendo sua garrafa. Ele provavelmente já tinha
jogado os girinos fora... Os cacos esparramados perto do alpendre flagravam a
lua despindo-se da nuvem cinzenta. Talvez, se não fosse a insistência dos
moleques, não teria quebrado a vidraça do Zelão. Adãozinho enfiou a mão
através do buraco e girou o ferrolho da janela, empurrando-a com cuidado para
evitar rangidos. Acendeu uma vela, amparando o lume com mão trêmula...
O velho era enorme, devia medir quase dois metros de altura... Seus
olhos eram dois faróis fincados numa floresta rugosa. Manchas brancas
marcavam sua tez, como se ele fosse um espantalho com retalhos de cores
diferentes. Vestia só um gibão comprido e empoado, deixando à mostra a
carcaça nua do tórax. “Capaz que aquele homem era um monstro” – pensou o
menino. Sentiu calafrios, arrependeu-se de ter invadido o antro... Onde ele
derramava luz, descobria móveis imensos, como se tivesse entrado no castelo
do gigante que morava em cima do pé de feijão. Na sala, havia uma mesa
redonda, com um grande castiçal dourado, cujo metal absorvia o brilho tênue
da chama. O cômodo tinha paredes muito altas, onde sombras de vários
quadros tremiam. O menino não se atreveu a levantar o lume para ver as
pinturas... Era perigoso o velho perceber a claridade...
“Aonde você vai essas horas?” – perguntara a mãe. “Jogar bolinha de
gude ali na esquina” – respondera. “Não fique lá até tarde da noite, senão te
deixo de castigo!”... Adãozinho a enganara de novo. Se a mãe soubesse aonde
ele tinha ido, ficaria de castigo para sempre. Porém, acreditava que os girinos
ainda estavam vivos em algum lugar dentro do antigo asilo... Era seu dever
salvá-los, já que eles o salvaram da solidão... O menino aprontava travessuras
junto com os moleques, porém, sentia-se mais sozinho entre eles. Desde que
achara os bichinhos na poça barrenta, suas mazelas já não lhe oprimiam tanto...
O Foguete nunca fora seu amigo, barganhava a permanência de Adãozinho no
grupo por reinações... Se escapasse daquela casa, largaria de andar junto com
ele...
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O invasor era cauteloso, não deixava o lume esparramar-se. Ainda bem
que o velho dormia mais cedo... Escutava-o ressonar no quarto ao lado. O lume
da vela projetava sombras enormes nas paredes. Adãozinho estremecia ao vêlas, qualquer ruído aterrorizava-o. Arrependeu-se de ter invadido aquele lugar...
Começou a enxergar as coisas embaçadas, pensou que era tudo ilusão...
Encolheu-se detrás de uma estante velha e fechou os olhos. “Ai” – sussurrou...
Enrijecera tanto suas pernas, que começou a sofrer cãibras. De repente, ouviu
um barulho vindo do quarto de Zelão... O menino ficou paralisado... Ouviu os
passos do velho arrastando-se sobre o assoalho de tacos. O ruído aproximavase cada vez mais da porta. Adãozinho sentiu seu coração repicar na garganta...
Escutou as dobradiças rangendo lentamente, revelando um vulto titânico, uma
criatura perversa, um mons... O menino abriu os olhos... Estava tão ofegante,
que sua respiração enfraquecia o lume da vela. Joãzinho mal acabara de entrar
no castelo e já se deparava com um medo gigantesco... Trêmulo, custou a
direcionar a chama para a porta do quarto... Acalmou-se um pouco, quando viu
que ela estava fechada.
Zelão continuava a dormir, seus roncos vibravam por toda a casa. O
menino já não sentia cãibras, o medo afugentara as dores. Levantou-se e
retomou sua cautelosa investigação. Do outro lado da sala, encontrou escadas
que levavam a um pavimento inferior. O lume da vela não alcançava o fim dos
degraus, parecia que estava diante dum poço bem fundo. Hesitou em descer,
porém, lembrou-se dos girinos... Desceu as escadas com passos medidos.
Controlava a chama de modo que ela não clareasse mais além. Assim que
chegou lá embaixo, percebeu que estava na cozinha do antigo asilo. Viu uma
profusão de utensílios domésticos em cada canto onde a vela alumiava... Havia
grandes tachos de cobre em cima duma mesa comprida. Viu talheres
enferrujados nas gavetas do armário. Ao lado da mesa, divisou um fogão à
lenha, onde aranhas teciam teias sujas de carvão.
Adãozinho tinha a intuição de que sua garrafa estava escondida ali
perto. O lume já ameaçava queimar seus dedos; a cera estava quase no fim... Era
preciso apressar a procura... Afoito, encontrou um objeto esverdeado sob a
pia... Percebeu que segurava sua garrafa; ela estava completamente
embolorada... Zelão jogara os girinos fora... A luz da vela bruxuleou até se
apagar... O menino suspirou... Uma lágrima afiada trespassou seu olhar,
cortando-lhe o rosto... Trabalheira danada pra pegar os bichinhos... Quando os
recolhera, muitos já haviam ganhado pezinhos e perdido suas caudas.
85
O estágio larvar terminava muito rápido. Adãzinho inculcava ao pensar na
evolução deles. Ficava contemplando a garrafinha translúcida, com a pretensão
de vê-los crescerem, pensando que seu olhar flagraria a metamorfose.
O menino lembrou-se das histórias de seu falecido pai. A mãe ria ao ver
as caretas do esposo, enquanto este imitava o Arlequim. Depois do acidente,
Adãozinho só ouviu murmúrios, suspiros e pranto. Foi custoso demais abrandar
a dor. Ele não chorava perto da mãe, escondia-se debaixo da cama. Entretanto,
as alegrias do passado também tinham seu nicho na memória; elas eram os
pezinhos que Adãozinho ganhara... A morte levara uma vida preciosa, mas
havia deixado várias lembranças, molas poderosas que o fariam saltar cada vez
mais alto... Ele certamente evoluiria, ora perdendo, ora ganhando, crescendo
até se tornar adulto, sempre mudando; continuando a crescer nas histórias... A
escuridão já não lhe amedrontava, pois uma orquestra distinta começou a
coaxar no quintal... O menino sorriu... “Os girinos viraram sapos”.
Rafael Peres
Uberlândia - MG
Nasceu em Patos de Minas, MG, em 1986. Publicou os contos A Peste: porcos e
corpos, pela editora Valer/Sesc; Hell, na antologia Caminhos do medo – vol. II,
pela editora Andross; Anátema, uma das narrativas selecionadas no Prêmio Henry
Evaristo de Literatura Fantástica. É autor de O olho da máscara, texto
classificado no Concurso literário "Cidade das Asas".
86
POEIRA INFAME
Entre um gole e outro de seu vinho favorito, olhava o líquido
escorregando feito sangue na taça, deixando marcas carmim. De que lhe
adiantava ter língua, se não se fazia entender falando? De que adiantava? Mas
não seria justo sentenciar-se ao destino de emudecer , caminhando só.
Não sabia até que ponto estava preparada para pagar o preço de ser
ela mesma. Mas também sabia que não iria viver para sempre.
Enquanto isso, uma história, murmurava a pérola de “ O Grande
Gatsby”, aprimorada, em seu ouvido como introdução :
- Que poeira infame flutuava, não nos sonhos, mas no rastro de seu
passado ?
-0Nasceu em família pobre e humilde, tendo como pilar a decência.
O pai, guarda noturno, ora pedreiro, ora desempregado, transitava
pelos bares, enchendo a cara de bebida e a cabeça de pensamentos sórdidos. E
ao chegar em casa, curtido pela cachaça, seus devaneios tomavam forma e
atingiam a protagonista de suas ilusões desenxabidas, com socos e pontapés.
Tinha olhos vermelhos como fogo, atirando navalhas em forma de palavras e
desaforos.
A mãe, costureira e mulher prendada, soluçava calada, apanhando
dele. Do seu quarto, a menina ouvia gemidos e socos abafados no travesseiro,
mas que não lhe deixavam dúvidas da crueldade da situação.
Todo dia, ao cair da tarde, ela olhava para as sombras das árvores
projetando corpos disformes no chão do terreiro e começava a entoar sua
canção de alento, acompanhando o balé insano das folhas, que davam formas a
espectros compridos e magros, dignos de Salvador Dali, dançando a luz da lua
que embrenhava-se pela copa das árvores.
A responsabilidade batera cedo à porta da menina. Com sete anos de
idade, ficava sozinha, cuidando da casa, enquanto a mãe saia pra trabalhar. Um
casarão enorme, perdido em meio a uma floresta perfumada de eucaliptos,
barulhentos e briguentos, fustigando a casa em dias de inverno rigoroso.
87
Não havia água encanada nem luz elétrica. Somente a luz das velas
projetavam visões enigmáticas pelas paredes da cozinha. Em raros dias, a
claridade tênue do lampião, disputava o espetáculo das sombras com a brasa
do fogão a lenha, mas logo se calava, ao ouvir o crepitar da madeira, se
desmanchando no fogo.
Todas as tardes em que a mãe voltava do trabalho, trazendo o pão,
apontando o dedo pra fora do pacote, envolvia-se de felicidade com sua
chegada e olhava para o céu, pedindo ajuda, fervorosamente.
Pedia o silêncio da noite.
Mas essa, nunca veio.
Em uma madrugada de grande ventania, as árvores açoitando-se umas
às outras, teve a ideia de criar seu jardim. Seu céu particular.
Primeiro, saindo dos domínios de sua casa, do lado de fora do portão, colocou
sua escada e subiu. Olhou para baixo e achou alto demais, mas não teve medo.
Continuou a subir, subir, até alcançar nuvens brancas e fofas de algodão
amarelado. Era perfeito. O paraíso existia e tinha anjinhos com asas e calcinhas
brancas. Eram loiros e tinham o cabelo todo encaracolado. Haviam doces,
muitos doces, e borboletas voando. O sol brilhava sempre, amarelo dourado,
colorindo as nuvens de algodão. Todos brincavam e riam muito. Uma risada em
forma de música. Dedos sem corpos dedilhavam harpas caramelo, enquanto os
anjinhos brincavam de roda em meio a flores vermelhas e miúdas. Uma brisa
dourada em forma de mel, envolvia a todos, como o perfume da primavera.
Era seu esconderijo. Brincava horas e horas, solitária com seus anjinhos.
Só de calcinha. Os cabelos loiros, soltos ao sabor do vento, não embaraçavam e
ela sentia o gosto, quando adentravam a sua boca, da brisa de mel.
Era sempre dia no seu jardim. O sol brilhava nas noites escuras, em que
o manto negro e perverso da submissão, adentrava à casa, trombando em
cadeiras e mesas, fazendo estralarem as tábuas do chão de madeira. Ela fechava
os olhos apertando-os com força e corria para sua escada. A música das harpas,
aos poucos silenciava os gemidos de dor e ela dormia, envolvida pelo calor da
nuvem de algodão branco e amarelado.
Assim passou sua infância, brincando com os espectros da noite
projetados no terreiro. Ora brincando no chão, com as folhas secas, ora subindo
ao sótão celeste, usando sua escada imaginária.
88
Mal sabia ela, que um dia seu jardim ficaria abandonado, com a
chegada dos ventos da mudança. E ela não conseguiria trazer seu jardim junto.
Bem que tentou. Amarrou uma corda e tentava puxá-lo, para perto do
caminhão, carregado de cacos de vida acorrentadas em cima da carroceria. Não
conseguira. Despediu-se e enquanto o caminhão, seguia o rumo do
desconhecido, ela olhava pra trás e via seu jardim cada vez menor, até
desaparecer na nuvem de poeira.
A viagem foi longa, quente e latejante, parando em encostas com
nascentes de água fresca e rios cobertos de neblina.
Finalmente pela manhã, ela acordou sentindo o ar branco e fresco da cidade
nova.
Novidades surgiam uma atrás da outra: o banho quente de chuveiro, a
luz gelada do quarto, o frio do piso, refrescando seus pés quentes e suados,
descalços e um cheiro de roupa limpa, amaciando seu nariz.
Foi nesse dia que compôs seu primeiro verso solitário:
“Depois de um banho gostoso
Eu vou para o jardim
Onde tem muitas flores
Onde tem cheiro de jasmim!”
Estava com dez anos de idade e ainda não havia sido tocada pela
puberdade do corpo, o que lhe garantiria certa proteção.
Começava uma nova vida para ela.
Trabalhavam duro. A família inteira. O dia começava às cinco horas da
manhã, e um mar de mãos calejadas agitavam-se acima de sua cabeça miúda e
sonolenta.
Dia sim, dia não, era nessa maré que ela acordava.
O manto negro noturno continuava a visitá-los, mais bravo e feroz, com seus
olhos vermelhos de sangue, erguendo sua mão pesada e soltando com força
em suas costas.
A adolescência despertou e junto trouxe as dores do desabrochar e a
coragem de enfrentar aquele que tanto a oprimia.
A adolescente ficou mais forte, mesmo carregando os rótulos da idade.
Sofreu muito.
89
Encarou sozinha seus medos e desconfianças. Estudava de manhã,
trabalhava à tarde e sonhava a noite. Sonhos de um futuro melhor e mais digno,
para ela.
Descobriu o amor. Se apaixonou tantas vezes foram possíveis, na busca
incansável de seu arauto libertador.
Resolvida a encontrá-lo, correu o mundo. Em suas andanças, foi
colhendo experiências, plantando sorrisos, enchendo a sacolinha da esperança
com sonhos e promessas de uma vida mais sossegada e plena.
Perseguia a felicidade e a paz. Nunca foi compreendida em suas razões.
Levava junto ao peito, a foto do pai, envelhecida pelas dores do tempo e fazia
comparações absurdas, acalentando expectativas consoladoras de encontrar
alguém que suprisse o enorme buraco latejante e exposto, causado pela falta
que este fazia em seu coração.
Sua procura, por um elefante branco, nunca teve sucesso e ela se
entregou ao sossego de uma vida chata e sem graça, tendo sempre o conforto
dos braços maternos para descansar.
Um belo dia, pintou-se de cores berrantes e saiu ao sol. Abriu os braços
e deixou-se levar pelos seus instintos de fêmea a procura de um macho para
procriar e constituir sua família. Viveu a vida intensamente. Uma busca
explicitamente intensa e lasciva, repleta de ambição e sentimentalismo barato,
deu-se início.
E com tanto barulho de cores e gestos, eis que apareceu seu arauto, não
a cavalo, mas em cima de um caminhão azul, como aquele que trouxera os
cacos de sua vida a esta cidade.
Trazia a tristeza no olhar e um sorriso cativante nos lábios.
Viram que mais que as carências, tinham em comum uma simpatia
mútua e desejos iguais de prosperidade e amor.
Outra vez, uma nova vida recomeçava.
Uma adolescente, com corpo de mulher e cabeça de menina,
transformou-se em um novo ser.
Diante do desconhecido e dos novos desafios a que fora exposta, uma
larva enrugada e sinuosa, começava a arrastar-se, por um mundo de vaidades e
aparências. E enquanto a larva ia galgando os degraus do sucesso, seu corpo
pequeno e miúdo, se transformava em uma lagarta morbidamente gorda,
sobrecarregada, pelo excesso das responsabilidades e desejos impostos por
um mundo hipócrita e decadente, de realizações a qualquer preço.
90
Arrastando-se por uma estrada seca e árida, foi tentando se livrar do
peso de certas crenças, que deixaram cicatrizes pulsantes em seu corpo roliço.
Não podia se mostrar. Uma lagarta feia e horrorosa, disfarçada entre máscaras
de rímel e batons carmim, preservava sua aparência grotesca aos olhos dos
crédulos de estátuas, tentando se igualar ao mundo dos perfeitos e bem
sucedidos.
À noite, quando se mostrava aos filhos, emanava de si um perfume
doce e suave de mãe. Sentia-se completa e plena. Uma sensação de leveza
tomava conta de seus pensamentos, e por breves descuidos de tempo, não
sentia-se gorda.
E mesmo quando via sua alma enferma e doentia refletida no espelho,
também via oculto, o reflexo nebuloso de um ser.
Certo dia, deitada em sua cama, a escuridão noturna farfalhava, um
brilho tênue da lua adentrava seu quarto e então ela viu. Levantou da cama e em
meio às grades da janela, viu seu paraíso celeste flutuando a sua frente. Não
conteve sua alegria e sem pensar, pulou para cima dele, abrindo as portas
enferrujadas e barulhentas, esquecidas pelo tempo.
Não havia mais as nuvens de algodão branco e amarelado. Agora, um
imenso gramado verde, cober to por flores coloridas, forrava o chão.
Flamboyants vermelhos como seu batom, espalhados por todos os lado,
abrigavam em sua sombra, banquinhos convidativos à leitura. Um coreto
branco e esverdeado, ficava ao centro do jardim, rodeado de tulipas azuis e
coberto por trepadeiras de jasmim estrela. Uma banda de instrumentos de
corda tocava suas músicas favoritas e dedos sem corpos passavam as partituras.
Borboletas coloridas trombavam com notas musicais num voo pleno e
divinamente belo.
Com medo de ser descoberto, escondeu-o. Mas todas as noites, era pro
seu jardim que transportava seu corpo roliço e pesado, arrastando-se pelo
gramado verde.
E ficava ali, envolvida pela música que tocava, horas e horas em paz
consigo mesma, sendo ela, a lagarta enrugada e feia.
A beleza do lugar e a paz encontrada despertaram as palavras, até
então sufocadas e amordaçadas nos recônditos de sua alma. Começaram a se
alvoroçar e ela não conseguiu conter a rebelião.
Em espasmos de dor e sofrimento, sua alma vomitava verdades e
segredos até então sufocados e escondidos, esticando sua pele de lagarta,
verde e gosmenta.
91
E contorcendo-se na aflição, começou a rastejar pelo seu jardim, até
cair num abismo úmido e escuro. Olhava para cima e gotas de um líquido
sulfuroso, pingavam em sua pele de lagarta. O ácido corrosivo das verdades
criava feridas enormes e expostas à carne viva.
Agarrava-se às paredes do abismo e quanto mais tentava subir,
pedaços de sua epiderme nojenta ficavam presos às rochas pontiagudas.
Exaustivamente, durante meses, se arrancou. Um pedaço de cada vez.
A lagarta, com um suspiro fundo e sereno, desistiu de sua luta.
Esparramado pelo chão, seu corpo roliço e cicatrizado das feridas,
começou a partir-se.
E junto ao líquido benfazejo que escorria, uma alma ardente e
apaixonada, que vivia aprisionada, libertou-se.
Primeiro uma asa enorme e dourada, depois a outra.
Olhava para cima e via resquícios de um dia de sol, com cheiro de flor. E
alçando voo, cada vez mais pro alto, com asas de borboleta brilhantes e
coloridas, envolveu-se na bruma de paz e partiu rumo ao céu azul.
Feliz na sua solidão e companhia, ultrapassou as barreiras do seu
jardim.
Agora sabia que a poeira que flutuava no rastro de seu passado, era o
pólen da poesia que o seu voo produziria.
Os sinais de sua existência eram claros em sua vida.
A borboleta tatuada no tornozelo, a borboleta enfeitando a garagem
da casa, a borboleta perdida em seu escritório, traziam a mensagem de que um
novo recomeço estava prestes a se cumprir.
Faltava saber o que faria com essa nova descoberta.
Mas o mais importante é que finalmente havia libertado sua alma de
poeta.
Ana Nenduziak
Paranavaí - PR
Descobriu as palavras na adolescência, mas, somente agora, aos 40 anos, é que
elas amadureceram e caíram na alma. Se considera uma aprendiz de escritora e se
diz incansável na busca por novos temas e formas de escrita. Escrever para ela é
uma necessidade, como respirar, e assim o faz a todo instante. Posso estar
quieta, mas, minha mente escreve, escreve, sempre.
92
RASTROS DO PASSADO
“Balanço minha cabeça
Fora dos sonhos as realidades chamam
Os pássaros voam todas as manhãs
Mas não conseguem voar para onde eu estou"
“Shook my head
Out of dreams reality's calling
The early bird's been up all morning
But I've got no notion of moving from where I am”
(I'm down -The Hollies)
De repente, achou que poderia modificar sua vida. Não só poderia
como tinha o dever de mudá-la. Não sabia ainda o que deveria fazer e o que é
pior: se conseguiria!
Homem pacato. Nunca foi adepto a frescuras da moda ou qualquer
coisa que cheirasse a conforto gratuito. Sabia dirigir, mas repugnava a ideia de
possuir um carro. “Capricho, posso muito bem andar com minhas próprias
pernas.” Televisor tinha um preto e branco que comprou apenas para fazer-lhe
companhia enquanto estivesse em casa. Mesmo que desligado. Morava só. Sua
intimidade era dividida com a única pessoa que realmente podia se interessar
por ela: ele mesmo!
No trabalho era taciturno e objetivo. Não perdia tempo com picuinhas
ou piadas de mau gosto contadas pelos colegas de sessão. O café fazia questão
de tomá-lo em sua mesa, longe dos burburinhos da saleta, ponto de encontro
nos intervalos para conversas improdutivas.
Quando jovem, seu tempo era gasto lendo livros ou ouvindo o disco
que sua mãe mais gostava: The Hollies. Nunca pensou em casamento. Jamais
namorou. Trocar confidências, nunca! Casto não era! Na sua juventude fora
surpreendido por Paloma, sua prima. Fazendo jus ao nome “pousou”
devagarinho em seu quarto em uma noite de segunda-feira, enquanto ouvia
baixinho o disco predileto. Talvez escolhera a segunda porque as pessoas
dormem mais profundamente. As segundas são cansativas. Sem dizer uma só
palavra, sabia que ele era avesso a diálogos, “abusou” do primo estarrecido.
Primeira e única vez. E a trilha sonora fervilhando em sua cabeça...
“Waiting for someone to fetch me from lost and found”...(1)
Depois do “incidente” bem que Paloma tentou puxar conversa com o
primo, porém, sem nenhum sucesso. Quando estavam a sós, se insinuava.
Nada. Nenhum olhar. Simplesmente a ignorava. Total desprezo.
93
“When you're used to one thing it's hard to accept”…(2)
Dois dias depois Paloma foi embora. Tia Aurora precisava partir. Nunca mais se
viram. Nem quando tia Aurora faleceu. Ele fez questão de não ir.
Gostava mesmo de sua mãe. Bonita que era. Ela cantarolava com sua voz doce
pela casa. “I'm down no one to hear me calling”. Ele adorava ouvi-la. Com ela se
arriscava a trocar algumas palavras. Não puxava assunto. Apenas respondia
cordialmente a única pessoa a quem não fazia questão de esconder seu
carinho. Reciprocidade.
“She ain't your mother. How do you cope with a thing like that”... (3)
Seu pai, não. Ditador! Essa era a figura que via naquele ser. Nunca
presenciou um beijo sequer em sua mãe. Só palavras, senão ríspidas,
totalmente desprovidas de carinho. Lembra-se que um dia ganhou um revólver
de brinquedo daquele homem. “Um revólver? Não se dá armas para crianças!
Atiça à violência!”. Raríssimas vezes viu sua mãe questioná-lo como aquele dia.
O argumento usado pelo pai, dizendo a ele que, sendo homem, deveria
aprender a manipular essas coisas, não o convenceu. Preferiu obedecer ao
ponto de vista de sua mãe. “ARMAS DESARMAM ALMAS!”. O que ela queria
dizer com isso? Apenas conjecturava. Almas armadas com armas ficam
expostas... a si mesmas... Desarmadas ante a morte. Talvez seja isso...
Numa tentativa de agradar ao filho, ou sabe-se lá, também a mãe, seu
pai trouxe uma bola de capotão. Odiava futebol. Pegou a bola e começou a
bater no chão. Cansou. Na parede. Batia e voltava. Desanimou. No telhado da
casa. Jogava e ela descia. Ficava tentando adivinhar a trajetória que tomaria ao
cair. Um dia ela parou lá em cima. Deixou lá. Não gostava dela. Furou!
Respondeu ao ser questionado. Resumindo, nada que seu pai lhe dera tinha
valor. Nem seu próprio nome. Seu nome e de seu pai. O mesmo. Seria chamado
de Júnior. Juninho, na pior das hipóteses! Ainda assim preferiria. Melhor do que
ser chamado de Alberto. Esse era o nome do pai. Alberto, Albertinho. Sempre
no diminutivo. Carregaria esse nome consigo. Melhor Júnior. Senhor Júnior!
Melhor não... Deixa pra lá!
“And I don't even know my real name”…(4)
Quando o pai faleceu não derramou uma lágrima sequer. Não sabia por
que não gostava daquele homem. Até procurava respostas, mas não as obtinha.
Apenas afagava, de vez em quando, os cabelos de sua mãe, compungido com o
seu sofrimento. Apesar de tudo ela amava aquele homem.
Quando perdeu a mãe chorou copiosamente. Estava só. Agora não
fazia questão de ter mais ninguém.
94
Resolveu mudar de cidade. Aquela era pequena demais. As pessoas
procuravam aproximações. Preferia algo maior. Menos acolhedor.
A partir daí, já moço, habituou a todos chamá-lo de Jota. Apelido que
tornou sua marca e nome. Por que Jota? “Me chamem de Jota e pronto!”.
Há tempos trabalhava naquela empresa. Por não gastar com
absolutamente nada fora de seus padrões juntou um bom dinheiro, somado
com uma migalha da herança do pai, pois foi dividida com alguns irmãos seus
que o homem foi colecionando em sua vida de luxúria. No fundo, sentiu imenso
prazer em saber que todos conheceriam esse lado escondido daquele homem.
“When you're used to one thing it's hard to accept”…(5)
Comprou um modestíssimo apartamento que mobiliou com o
extremamente necessário. O resto do dinheiro gastou sem dó. Inclusive com o
inútil televisor preto e branco. Talvez símbolo da inutilidade da existência do
falecido. Preto e branco como ele o via. Sem cor. Sem alegria.
Seria um dia como outro qualquer, se não fosse aquele telefonema.
Nunca recebia telefonemas. A voz doce e meiga de uma mulher parecia familiar.
Esforçava-se em reconhecê-la, mas a memória o traía. Não queria perguntar o
nome. Esticaria a conversa. Mas, que conversa? Só ela falava! Avistou-o de
longe entrando na empresa e o reconheceu. No outro dia chegou mais perto
para certificar-se. O mesmo rosto. Era ele! Mas, por que não falava logo quem
era e desligava? Tinha muito serviço, não podia perder tempo. Mesmo assim
não encontrou coragem para encerrar o monólogo. Só ela falou. Quando
reuniu forças para perguntar seu nome, ela desligou. Apenas o sinal de
ocupado povoou sua mente o resto do dia. Quem seria? Trote? Quem ousaria
fazer tal coisa? Nunca deu confiança a ninguém!?!
Naquela noite divagou sobre a voz. Quem poderia ser? Paloma? Mas
como o encontrou? Sim, ela sabia seu nome todo. Mas ninguém mais o sabia...
A não ser dona Áurea, a moça do departamento pessoal.
“Maybe someone's out there looking for me”...(6)
Chegou ao trabalho. O telefone mudo. Não tocava. Resolveu falar com
dona Áurea. “Sim, alguns dias atrás a telefonista me perguntou se havia alguém
com... o seu nome, senhor. Pedi para me transferir a ligação e a senhora ao
telefone perguntou se trabalhava aqui alguém com o nome de... seu nome
completo, senhor!”. Nome completo? Dona Áurea confessou-se perturbada,
pois fora recomendada sobre o assunto. Quem saberia o nome completo do
Senhor Jota?
95
Voltou para sua mesa. O telefone o desconcentrava. Fitava-o com
desdém. Dono da situação! Fim do dia. Foi para casa. Se ao menos tivesse um
telefone em casa... Futilidade! Foi dormir.
O telefone toca em sua mesa. A mesma voz. Agora sem rodeios.
Saudades. Nunca pôde esquecer-se daquela noite de segunda-feira. Só ela
falava. Contou detalhes. Ele avermelhou. Começou a tremer. Suar. Tentação! Era
isso que ela era! Desligou. “Telefonista, não me passe mais nenhuma ligação!”
“Life came easy it all fell in line”...(7)
Comprou um telefone. Instaladinho o objeto. Encurtador de distância.
Desenterrador de lembranças. Mas como ela ligaria, não sabe o número?
Seus dias tornaram-se diferentes. Perfumava-se todo. O espelho agora
era sua referência antes de tomar a rua em direção ao trabalho. “Telefonista, me
passe qualquer ligação que houver!”. Parece que adivinhara. Ela ligou. Pediu
desculpas daquilo que falara na véspera. Ele cortou o silêncio. Desculpou-se da
maneira que havia desligado e passou o seu número.
Seis horas rumava pontualmente para casa. Prostrava-se junto ao
telefone. Adiava o banho para depois da ligação. Fingia ler algum livro ou jornal
na ânsia de ouvir o tilintar do maldito. Atendia-o com extrema felicidade. Só ela
ligava! Só ela tinha o número. Ninguém na empresa sabia de sua aquisição. Sua
voz era doce, pausada. Seria capaz de ficar horas ouvindo aquela candura de
voz. A única que se interessava por ele. A única que o experimentara na vida.
Noite após noite Paloma reavivava suas lembranças daquela segundafeira. Cada vez mais detalhes. Ele só ouvia. Só ela falava. Não se importava. Ela
parecia excitar-se ao falar. Ele se recolhia ao quarto desnorteado. Isso mesmo,
sem norte! A cabeça cheia de perversidades. Acordava em meio a madrugada.
Parecia ouvir o “grito do telefone”. Todas as noites eram assim. Ao telefone.
“Qual o seu telefone?”. Tomou a liberdade de perguntar. Não obteve resposta.
Também não insistiu. Como estaria a dona daquela voz? Era bela quando jovem.
E agora? Confidenciou que depois dela nunca mais tivera ninguém. Nem em
pensamento. Arrependeu-se. Mas já era tarde. Havia falado. Confidências... Só
faltava essa!
“Keep the secret from me they thought it was shameful” (8)
O telefone era o centro das atenções. Seu barulho, doce melodia aos
seus ouvidos, ansiosos em ficarem pregados ao aparelho. Às vezes
surpreendia-se em diálogos extensos, com perguntas e respostas. Contava
como foi o dia de serviço e a ansiedade pela espera da ligação. Ela se mostrava
carinhosa e atenciosa. Estranho como se identificavam. Na infância
96
não trocavam palavras. Apenas ela o venerava. Ela confessou que sentiu ódio do
primo diante de sua insensibilidade e frieza. Mesmo após aquela noite de
segunda-feira ele foi seco, frio. Nenhum olhar. Nada de sentimento. Sua frieza
cortou-lhe o coração. Disse tudo isso em tom um amargo. Após tantos anos...
Diante disso resolveu abrir seu coração. Estava apaixonado.
Perdidamente apaixonado. Por uma voz! Por uma vaga lembrança de outrora!
Queria conhecê-la. Tocá-la. Matar o desejo acumulado todos esses anos.
Queria fitar seus olhos. Pegar suas mãos. Enfim, possuí-la como vem fazendo
virtualmente. Noite após noite desde que voltaram as ligações. Telefônicas e
amorosas. Ela apenas respondeu negativamente. Não poderiam se conhecer
melhor do que agora. Melhor deixar a lembrança do passado no corpo. Na
mente. Só lembranças. Nada mais conseguiria dela. Sua chance fora dada. Não
aproveitou. Disse tudo em tom de despedida. Mandou um beijo. Desligou.
“It hurt me so to be the last one to know”...(9)
Agora o telefone era seu inimigo. Mudo! Nada falava. Atormentava o
silêncio daquele objeto. Às vezes o trazia aos ouvidos na impressão ou
esperança que estivesse desligado ou estragado, sabe-se lá! Não estava!
Estava miseravelmente em condições de ser usado.
Depois de tantos anos pediu férias. Trancou-se em casa. Prisioneiro.
Enclausurado. Não despregava os olhos, a atenção do aparelho. Maldito
telefone, não tocava! Foi-se o mês. Voltou ao trabalho. Magro. Cabisbaixo.
Depressivo! O que ela queria? Matá-lo? Por que ligou após todos aqueles anos?
Vingança? Foi insensível no passado, admite, mas isso não era justo!
Correram dias. Meses. Ano! Nunca mais ouviu aquela voz. Só em
pensamento! Paloma, mesmo sem querer, o fez analisar sobre seu passado e
presente. Rastros...
Durante a vida toda odiou ao pai, mas se comportou como se o fosse.
Sem dar amor ou ao menos simples atenção a ninguém. Trancado em seu
mundo. Seu pai ainda tinha uma vantagem sobre ele. Casou. Deu prazer a várias
mulheres. Teve filhos. E ele? Quando achou que encontrara alguém,
simplesmente sumiu. Como se tivesse voltado apenas para avisá-lo. Isso
mesmo um aviso!
Sua vida... Tal qual aquela bola de capotão. Jogou e ficou esperando
para ver qual trajetória tomaria no futuro. Surpreendeu-se pensando, pela
primeira vez, em seu pai com carinho. Uma arma. Seu pai estava certo. Sendo
homem deveria aprender a manipular essas coisas. Compraria uma! Sua vida
não mais poderia ser mudada. Bem que tentou, mas não deu. Era fraco demais
para isso! Sem amigos. Nem mesmo o nome preservara. Vida sem sentido.
97
Vida sem beleza. Igual aquela mesma bola. Chegou num caminho sem volta. A
vida caminha fácil nessa linha cruel. Carinho de seu pai. Sem volta. Parou. Furou!
Onde acharia conforto?
“Had my ways days of sunshine life came easy it all fell in line” (10)
Era uma noite fria de segunda-feira. As pessoas dormem mais
profundamente. As segundas são cansativas. Coloca The Hollies na vitrola...
“My legs won't move I feel disabled. I'm on a shelf an article labelled” (11)
Teria que aprender a manipular essas coisas... Armas desarmam almas!
“I'm down. No one to hear me calling. I'm down. No one to see me falling”…(12)
(1) Espero por alguém que consiga me desorientar de modo que eu me ache; (2) e (5) Quando você é
usado para algo, é difícil aceitar; (3) Como uma mulher que você perturba ela é sua mãe, como é que
você luta com isso.; (4) E nem eu mesmo sei o meu verdadeiro nome...; (6) Talvez alguém fora dali olhe
para mim; (7) A vida caminha fácil nessa linha cruel; (8) Guardo o segredo comigo, eles pensam que
isso é vergonha; (9) Isso me machuca, da mesma forma sou o último a saber; (10) Tenho meus
caminhos com dias de sol, a vida caminha fácil nessa linha cruel; (11) Minhas pernas estão
acostumadas a se sentirem incapacitadas.(12) Estou para baixo. Não há ninguém para me ouvir
chamar. Estou para baixo. Não há ninguém para me ver caindo... (excertos da canção de 1974 “I'm
down” do grupo britânico “The Hollies”)
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais
Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se
esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho...
Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias,
contos e afins.
98
OLHO DE VIZINHO
O velho Durvalino nunca foi de muita conversa. Hoje, porém, trancouse em um silêncio hostil. Zé Carlos bem que tentou puxar assunto, falou da
pescaria desse domingo, pescaria sempre rendeu bom papo e boas risadas,
mas nem isso! Nada interessava a Durvalino, só se referia ao trabalho, e com
estupidez.
- Essa merda não anda se a gente ficar de conversinha. Depois o
Belmiro vem me encher o saco!
Consertavam um galpão no sítio desse Belmiro, sujeito mão de vaca e
metido à besta, ainda mais quando tomava ares de patrão. Zé Carlos se
conformou, melhor deixar o velho sossegado, e por toda a manhã se
concentraram apenas no serviço.
Na hora do almoço, sentados em algumas tábuas, Durvalino tinha a
cabeça baixa como uma criança envergonhada. Olhou para sua marmita e para
a do outro:
- Ô, Zé Carlos, vai um pedaço de carne?
- Opa! Então aceita aí um pedaço de peixe.
- Da pescaria?
- É. Foi boa. Não das melhores, mas boa.
- Quem foi junto?
- O Neneca e o Sérgio. O Toninho disse que também ia, mas acabou
pulando pra trás.
- Foram ontem cedo?
- De madrugada. Voltamos à noitinha. Mas tava bom! O senhor nem
imagina. O Sérgio levou aquela pinga de tonel, vai vendo só. De tarde a gente
pegava um peixe, acabava enxergando dois.
- Só fico imaginando a presepada. Mas é bom, serve pra arejar o
sentido.
- Ô! Se tem uma coisa que eu gosto é rodear um pesqueiro.
Comeram. Depois Zé Carlos se deitou de costas, com o boné sobre o rosto. Na
verdade esperava, pois sabia que Durvalino tinha alguma coisa para dizer.
- Ô, Zé Carlos, faz quanto tempo que a gente se conhece?
- Faz dois anos, ué, desde que a gente se mudou pra cá. Por quê?
Durvalino pensou um pouco.
99
- Somos vizinhos, trabalhamos juntos, pode-se dizer que somos
amigos, não é? Mesmo você sendo tão moço e eu já beirando os sessenta?
- Claro que somos, Seu Duva. Por quê?
- É que tem umas coisas... Sabe como é... Que o povo fala. A gente não
liga. Mas vai ouvindo, ouvindo.
Zé Carlos sentou-se. Fixou o olhar no rosto do outro.
- O povo fala o quê? Quem é que fala?
- Olhe, você sabe que eu não sou de conversa fiada.
- Sei disso, véio. Mas pode falar. Tem um negócio te incomodando e é
comigo. Pode falar.
- Não. É só que eu não gosto de coisa errada.
- Que é que tá errado?
- Bom, vou falar porque sou seu amigo. Você é trabalhador, muito boa
pessoa. É pai amoroso, todo mundo vê como se dedica ao teu moleque. Leva
vida humilde, mas limpa. Não é certo que fiquem de fuxico pelas tuas costas.
- Fuxico? Mas que fuxico? Anda, homem, não dê tanta volta que já vai
me dando uma agonia.
- Bom... Tem alguma coisa acontecendo na sua casa.
- Na minha casa? Como assim?
- Olhe, Zé Carlos, esse trabalho nosso é de fases. Tem hora que é igual
aqui no Belmiro, a gente vem cedo e volta de tarde. Mas outras vezes o serviço é
mais longe, de modo que é preciso ficar uma semana, até dez dias fora, que
nem nós já ficamos.
Zé Carlos assentia com a cabeça, todo atenção.
- Bom... Quando a gente tá por aí afora, dizem que um sujeito aproveita
pra se encontrar com sua mulher. É um moreno que tem uma caminhonete
vermelha.
Zé Carlos se levantou devagar como se demorasse para entender. Deu
alguns passos e ficou de costas para o outro.
- Seu Duva, o que o senhor tá me dizendo!
- É, rapaz, não é nada fácil! Mas agora já comecei, então vou terminar.
Dizem que eles se encontram naqueles eucaliptos na estrada pra Santa Mônica.
Embarcam na caminhonete e desaparecem.
- Mas, véio Duva! E faz tempo essa história?
- Isso não sei. Eu mesmo só fiquei sabendo dessa conversa na semana
passada.
100
- E não me contou?
- Rapaz, o povo daqui é muito fofoqueiro. Se um cristão der crédito a
tudo que dizem...
O outro se sentou novamente a seu lado.
- E agora? Por que resolveu contar?
O velho coçou a cabeça.
- Porque eu mesmo vi. Ontem à tarde eu vinha de Santa Mônica, tenho
uma filha morando lá, você sabe. Nos eucaliptos, a caminhonete parada. Vi o
homem segurando nas mãos de uma mulher. Era ela, Zé Carlos, era a Nair. E
aquele indivíduo eu conheço. É um certo Milton Cavalcante, genro de um
fazendeiro chamado Alberto Santana. Certa vez, fiz um serviço na propriedade
daquele miserável. Foi lá que conheci esse Milton.
Inerte, Zé Carlos fixava desolado um ponto indefinido. Consternado,
Durvalino, sem encontrar o que dizer, pôs a mão em seu ombro.
- E o menino?
- No campinho. Ela que foi chamar, depois que chegou.
A tarde inteira trabalharam em silêncio. O velho procurava nos gestos,
no rosto do amigo, alguma sombra reveladora de mágoa, ódio, desespero.
Qualquer indício de como iria reagir diante da mulher. Duvidava se tinha feito
bem, mas amigo é amigo, não mereceria tão boa amizade se colaborasse para
manter a ignorância.
Imaginou cena de sangue, pancadaria, quebradeira de móveis. Mas
não, Zé Carlos muito pacífico, um coitado. Cachaça, choradeira, trambolho no
braço dos outros? Também não, muito envergonhado. Corda no pescoço,
pendente da mangueira? De jeito nenhum. Afogado no rio? A pescaria! Aí, sim,
tinha perigo por causa da lentidão das horas, tempo demais para pensar. No
entanto, além daquele mutismo nenhum outro sinal do que o amigo ruminava.
Quando regressavam, no carro somente Belmiro e Durvalino tratavam
da reforma do galpão. O outro continuou misterioso.
Em frente à casa, antes de entrar, na despedida comum de todos os
dias, uma vaga tristeza no olhar de Zé Carlos, alguém de partida.
Perturbado, Durvalino mal jantou. A todo instante aparecia na varanda.
Vigiava a casa do amigo. Tentava ouvir ruídos de embate, uma discussão, algo
se quebrando. Mas nada.
101
Aproximou-se do muro e permaneceu na escuridão. Dali podia ver uma
janela entreaberta. E se fosse até lá? Não, o assunto era íntimo, tinha que ser
resolvido entre eles. Em certo momento percebeu um vulto, Zé Carlos com
metade do rosto atrás da cortina, e sentiu todo o corpo esfriar. Justo o que mais
temia e o enojava, ser considerado bisbilhoteiro. Confiando no escuro, não, não
fora visto, retornou à sua casa. A velha tentou confortá-lo, não se preocupasse
tanto, mas ambos sabiam que ele custaria a pegar no sono, talvez tivesse azia.
Zé Carlos chegou novamente à janela. Nair, sentada no sofá, brincava
com uma flor de plástico.
- Ainda lá?
- Não, entrou.
Ele também veio para o sofá, recostou a cabeça, ficou olhando para o
teto. A mulher sossegou as mãos por um instante. Falavam quase sussurrando.
- Ao menos ele não inventou de dar conselhos. Nem quis tirar
vantagem.
- É, um bom companheiro o véio Duva.
No silêncio ela o observou longamente, os olhos pequenos e negros
perdidos no teto, o rosto magro. Não gostava de vê-lo assim triste.
- Estou cansado desse arranjo.
As mãos recomeçaram a mexer com a flor.
- Ele tem que tomar uma decisão. São quase cinco anos.
- Eu tenho cobrado. Mas diz que ainda não dá.
- E o acordo? No máximo um ano, foi o que acertamos. E sempre não
dá, não pode, nem vai nem vem.
- Diz que não tem quase nada no nome. O sogro não dá moleza.
Separação, agora, ia voltar ao que era.
- E vamos esperar até o velho maldito morrer? Também não é assim,
não. Depois tem inventário, uma porção de coisas.
- É o que ele diz.
- Será que não está enrolando, não? Antes não tinha filho, agora tem
dois. A pessoa pega amor.
- Esse aqui também é dele.
Uma sombra pousou no rosto de Zé Carlos.
- Mas o garoto nem reconhece. Já se acostumou a ser meu filho.
102
Ela colocou a flor de lado e se levantou, na porta do quarto contemplou
o filho dormindo, em seguida voltou para o mesmo lugar.
- Acha que não penso nisso? Que não dói a suspeita da promessa não
ser cumprida?
Zé Carlos endireitou o corpo, baixou o olhar para o chão.
- E você? Por que se incomoda? Ele não te paga direitinho, até mais por
causa da demora?
- Também fez parte do combinado que vocês só iriam se encontrar bem
longe e quando eu estivesse fora. Assim não levo nome de corno. Só pedi isso,
questão da minha moral.
Ambos lembraram, mas não quiseram falar, que Milton o tinha liberado
logo após o primeiro ano. A hora em que se enfastiasse podia ir embora.
Montava casa para ela e o menino. Era mais arriscado, mas dava para tentar.
- E agora, como das outras vezes?
- É melhor. Amanhã não vou trabalhar. Falo pro véio que não tem mais
jeito, estou te levando pra casa da tua mãe e vou sumir no mundo. Aí a gente
arruma outro lugar e começa de novo, até se resolver essa situação.
- Até aparecer mais um vizinho infeliz que descubra e venha contar.
Ele segurou as mãos dela, tão brancas e pequeninas, em contraste com
as suas, tão rudes.
- Mas o véio Duva é um companheirão, viu?
Quando se ergueram, sem que ela notasse, a barra do vestido arrastou a flor de
plástico e a derrubou ao chão.
No quarto admiraram o menino abandonado no sono. Zé Carlos
acariciou ternamente seus cabelos, como se fosse seu filho. Acalentado pelo
silêncio, olhos nos olhos, enlaçou Nair e a beijou na boca, como se fosse sua
mulher.
Altair Cirilo dos Santos
Paranavaí - PR
Policial Militar, formado em Letras e Direito. Em 2003, publicou Passarim,
Passarão, com apoio do SESC. Em 2004 lançou Por Instantes Lembrei de Mim e Um
Conto, Uma Espada, Uma Sombra. Em 2012 a SEEC do Paraná
publicou Viagens. Pertence à Academia de Letras e Artes de Paranavaí.
103
MÚSICAS
104
COMISSÃO JULGADORA
Taïs Reganelli
Campinas - SP
Iniciou sua relação com a música durante a infância na Suíça, onde nasceu. Seus mais de 15 anos de
carreira foram divididos entre períodos de shows na Europa e no Brasil, onde tem um público fiel e
cativo. Com 3 discos autorais, Taïs já participou de diversos festivais de música, concorrendo entre
eles ao 23º Prêmio da Música Brasileira com seu último disco, “Leve”. Com este mesmo disco, Taïs foi
entrevistada no Programa do Jô Soares e abriu shows de Maria Gadú, Toquinho e Leila Pinheiro.
Desde 2011, a cantora leva dois projetos paralelos: o show infantil “Todo mundo foi Neném”, que
passa por diversas cidades do interior do Estado de São Paulo, e seu show autoral “Antes que a
Canção Acabe”, que já percorreu São Paulo e alguns países da Europa (França, Bélgica e Holanda).
Tom Zales
Curitiba - PR
Ganhou prêmios literários com contos, crônicas e poesias. Prêmio de “Uma das Três Melhores
Músicas do Paraná” e “Melhor Conto Regional” FEMUP em 2001 e prêmio de 2º lugar na categoria
nacional em música no FEMUP de 2003. A letra da música “Badulaques” foi classificada como uma
das cinquenta melhores poesias do Concurso da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e editada
em sua 1ª Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos.
Juca Ferreira
Paranavaí - PR
Cantor e compositor, integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi premiado em várias edições do FEMUP
e outros festivais pelo Brasil.
Gabriel Zara
Londrina - PR
Formado em Música pela UEL (Universidade Estadual de Londrina). Como baixista da Big Band
Paranavaí, realizou inúmeros concertos pelo PR, além de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi baixista da
Big Band do Festival de Música de Londrina em diversas edições. Também tocou em diversas
mostras de jazz pelo país. Em 2008, participou do DVD do FEMUCIC através do duo formado com
André Siqueira. Em 2009, apresentou trabalho próprio. Em 2013, volta ao Brasil após quase dois
anos tocando pela Itália.
Vitor Hugo Gorni
Londrina - PR
Arranjador, instrumentista, músico, compositor, regente da Londrina Jazz Band. Clarinetista da
Orquestra Sinfônica da UEL. Atua como regente e diretor artístico da Orquestra de Sopros
Paranavaí.
105
FASE REGIONAL
Sirley Leonardo
Leandro Vieira
A coisa aqui tá feia
Braços abertos
Paranavaí, PR
Paranavaí, PR
Carlos Silva
Juliane Belo
Empório do samba
Me dá um tempo
Paranavaí, PR
Paranavaí, PR
Rubia Guidin
João Henrique
Descanso
Pra sempre vou te amar
Paranavaí, PR
Paranavaí, PR
Jessica Arnaut
Roberto Gonçalves
Além daqui
Lua... Luas...
Tamboara, PR
Paranavaí, PR
Marquinhos Diet
Larsen
Religare
A quem vai partir
Paranavaí, PR
Paranavaí, PR
Dodo Acústico
Dany Starr
Aquele homem
Infância
Paranavaí, PR
Alto Paraná, PR
106
A COISA AQUI TÁ FEIA
Em cima da carniça, urubu passeia.
Meu Deus olha pra baixo que a coisa aqui tá feia.
O bem que eu quero não faço, o mal que não quero já fiz.
Não sei amar quem me odeia, perdoo, mas não esqueço.
O ser humano é complicado, já ouvi alguém dizer.
Mas acredito na mudança, pois quem tenta faz valer.
Quem diz eu não minto, já mente.
Quem diz nunca vou, ainda vai.
Quem se esconde atrás da moita, uma hora sai.
Não há segredo que dure pra sempre,
Não há mentira pra sempre encoberta.
Não há tristeza que nunca se acabe, isso é a coisa mais certa.
Desejo nem sempre é cobiça, pra maldade não existe razão.
A ganância move o mundo, é mal que não tem cura.
Indiferença, falsidade, intolerância e corrupção.
Aonde vai dar tudo isso, livrai-nos Deus desse mundo cão.
Sirley Leonardo
Paranavaí - PR
Sirley é compositora e intérprete, com trabalhos premiados em vários festivais
pelo Brasil, além de violonista, professora de canto e violão.
107
EMPÓRIO DO SAMBA
O empório do samba é o lugar perfeito p se encontrar
Verdadeiros amigos bebendo e cantando na mesa de um bar
Quer falar de política, amores, conquistas, ou desilusões
Ou falar do trabalho, do time, da luta, e das decepções
O bar é perfeito pras dores do seu peito cicatrizar
Num copo de whisky, cachaça da boa, ou cerveja à rolar
Então brinde comigo, existe um motivo, pra comemorar
Outro dia começa, e uma nova esperança vamos editar
Se entregue a aventura, delete a amargura do seu coração
Cavalgue nas asas dos sonhos viaje na imaginação
Porque nessa viagem é preciso coragem pra renunciar
E você meu amigo, tem muitos motivos pra comemorar
(Na mesa de um bar)
Se entregue a aventura delete
Carlos Silva
Paranavaí - PR
Filho de migrantes nordestinos que cresceu em Maringá-PR na época da Jovem
Guarda. Casou-se e mudou para Cuiabá-MT, onde viveu até 2011. Músico profissional
pela OMB/PR, já participou de vários festivais e possui mais de 50 composições de
gêneros diversos. Atualmente reside em Paranavaí e frequenta a Companhia da
Viola.
108
DESCANSO
Como brisa suave
Que toca meu corpo em repouso
Eu me purifico
Como uma lua brilhar
em uma noite escura a me provocar
eu me deleito
E com a sensação de dever cumprido
Um novo dia vem se abrindo
E logo pela manhã o nascer do sol
Como brisa suave
Que toca meu corpo em repouso
Eu me purifico
Como uma lua brilhar
em uma noite escura a me provocar
eu me deleito
E com a sensação de dever cumprido
Um novo dia vem se abrindo
E logo pela manhã o nascer do sol
Eu admiro
Eu admiro a folha ao vento eu admiro
A primavera com setembro vem se abrindo
As boas novas ao seu tempo vai passar
Pra mente corpo espírito alma renovar
Rubia Guidin
Paranavaí - PR
Canta jazz, ama bossa e faz samba. Essa moça é bamba!! Uma negra com ginga no pé,
e samba no sangue. A carioca, de pé vermelho, é norteada pelo jazz, o soul e o
samba. Mas não exclui a possibilidade de introduzir outros ritmos e estilos ao
mosaico da música que faz, e ama.
109
ALÉM DAQUI
Tão suave, tão perfeito
Esse amor dentro do meu peito.
Como uma brisa suave em mim
Com você, vou até o fim.
Te levar pro ar, pros encantos meus
Viajar num sonho, que é só meu e seu.
Muito além daqui, posso te sentir
E quando o sol se pôr, lá estará você
Como é bom te ter.
Jessica Arnaut
Tamboara - PR
Música vem da alma e nos aquece, nos mostra tudo aquilo que os olhos não podem
ver. Jéssica tem 21 anos, vive para a música e quer morrer com ela. Se todos
pudessem sentir a alegria e paz na alma que ela pode nos trazer, jamais
esqueceriam dela.
110
RELIGARE
Eu já não tenho
O medo que eu tinha da morte
Eu sei que eu morro toda noite
Ainda bem que eu durmo
Eu posso sonhar
E rever o seu sorriso
Mas ressuscitado
Ah o coração
Quer sair pela garganta
Se arriscar pela avenida
E matar na tua casa
Essa saudade de ti
Essa saudade de ti
Que sempre volta
Se agiganta
Quer tomar conta...
E eu olho o céu
E quando mais me calo
Mais em comunico
Com o universo
E já não peço mais
Além do que mereço
Marquinhos Diet
Paranavaí - PR
Natural de Paranavaí-PR. É cantor e compositor há mais de vinte anos. Tem 3
discos gravados em estúdio e 2 ao vivo. É vencedor de vários festivais, com
músicas como "Bolero Hepático", "Prazo de Validade" e "Efeito Pretérito", esta
última com videoclipe dirigido por Tizuka Yamasaki. Seu último CD gravado é o
"Somos Lagartas", de 2003.
110
AQUELE HOMEM
Aquele homem expressa no olhar um dia onusto de agonia.
Seus trajes desvelam o cansaço. Todos os dias ele cai no buraco tentando
encontrar uma solução.
Agora ele está numa estação com um jornal nas mãos. Nada o faz piscar.
Cotidiano da maioria.
Aquele homem está sem chão.
Aquele homem está em busca da explicação.
Aquele homem não é mal pra merecer uma vida sofrida.
A cada dia a dor aumenta em seu coração.
Aquele homem estudou, se formou e conquistou
O diploma em sua formatura.
Manteve o foco em seus ideais. Todos os dias ele corre atrás.
Foi subornado, mas não aceitou. Logo em seguida o chefe o dispensou.
No dia seguinte aquele chefe lhe fizera mal. Espalhou mentiras sobre o bom
homem.
Aquele homem fez tudo que podia dentro do que é certo,
Mas não progrediu.
Foi lhe ensinado a viver pela verdade neste
Mundo obscuro cheio de atrocidades!
Dodo Acústico
Paranavaí - PR
Nascido em 1º de Dezembro de 1984 na cidade de Paranavaí-PR. Durante um ano fez
aulas de violão clássico. Logo depois, aprendeu a tocar cavaco. Ampliou seu gosto
por outros gêneros musicais e hoje procura mostrar sua criatividade na área de
composição.
112
BRAÇOS ABERTOS
Toda vez que vou viajar você sempre está em meus pensamentos.
Rodas girando sem cessar e meu coração pleno em sentimentos.
Os momentos que partilhamos eu sei que o tempo só não pode apagar.
Ensejos que preenchem meu ser eu só encontrei nesse Paraná!
Aonde quer que eu vá braços abertos estará
Esperando que eu sinta o amor
Que você tem me dado a cada dia.
Hoje eu sei que no escuro posso estar
Mas o meu coração bate em par
Junto ao seu em perfeita harmonia.
A distância entre nós dois nos faz separar por períodos tão longos.
Quando estrelas cobrem o céu ao adormecer eu te tenho em meus sonhos.
O melhor amigo que eu pude ter me acolheu por tantos anos sem mesmo eu
notar.
Onde quer que esteja é bom pra casa voltar no meu Paraná!
O melhor amigo que eu pude ter me acolheu por tantos anos sem mesmo eu
notar.
Onde quer que esteja é bom pra casa voltar no meu Paraná!
Leandro Vieira
Paranavaí - PR
Professor de Língua Portuguesa e Literatura, mas sempre esteve ligado à arte de
forma geral. Desde a infância, gosta de cantar, escrever, desenhar, pintar e,
conforme foi crescendo e tomando conhecimento do vasto mundo artístico existente,
já participou de outros eventos promovidos pela Fundação Cultural de Paranavaí
como FEMUP, FEPAM, FARPA, entre outros.
113
ME DÁ UM TEMPO
Eu quero te ver, mas o relógio continua
Ei chronus, me dá um tempo!
Eu quero te encontrar
E a saudade se acentua,
Ei chronus me dá um tempo!
Por que é que todo mundo
Está nessa correria assim?
Você nunca tem tempo pra mim...
Mas eu também, não tiro sua razão
Pois só tive meia hora pra compor essa canção!
“Bom dia minha senhora!”
Isso não se ouve mais,
“Como foi seu dia meu bom rapaz?”
“Desculpe estou atrasado, não posso conversar,
Agora, estou indo trabalhar...”
Há muito pra fazer e os minutos a passar
A pressa é a prece que nos faz companhia
Horário de Brasília, London ou Pequim
Em qualquer lugar o mundo todo caminha assim.
Tire um tempo pra mim
Uma hora tudo pode ter fim
Dê prioridade ao que te faz feliz
Momentos não voltam atrás, como a gente sempre quis.
Juliane Belo
Paranavaí - PR
Estudante de Letras pela Universidade Estadual do Paraná, Campus FAFIPA. Foi
jurada do Festivoz em 2012 e uma das selecionadas no Festival de Música
Paranaense (Fepam) em 2013. Toca em "barzinhos" e eventos particulares há 3 anos,
tendo seu repertório regado ao estilo Pop, Rock, MPB e um pouco de Reggae.
114
PRA SEMPRE VOU TE AMAR
Atravessei muitos mares pra te ver
Eu estava lá mas você nem sabia
Eu te seguia mas você nem me via
Passava noites olhando pra você
Até parecia que você já estava em mim
Mas eu chorava como uma criança triste
Fiz tanta coisa
Só pra te encontrar
Corri estradas caminhos não parava de pensar
Mas agora você está aqui
Eu não via tempo nem lugar
Você era a luz o sol meu dia meu luar
Você me abraçou e eu não quis mas te deixar
Agora eu sei meu bem pra sempre vou te amar
Eu passei você me viu a gente se olhou e logo e curtiu
Pra sempre, pra sempre, pra sempre vou te amar.
João Henrique
Paranavaí - PR
Nasceu em João Pessoa, Paraíba. Sempre esteve envolvido no meio musical e teatral
de sua cidade natal. Chegou no Paraná em 1991 e trouxe na bagagem experiências do
cenário punk de João Pessoa. Compõe desde 1988. Toca nos bares de Paranavaí e
também participa de duas bandas, o Tio João, em que toca suas composições, e o
Los clandestinos – voltado à interpretações de MPB e Pop Rock.
115
LUA... LUAS...
Símbolo de todos amantes, dos insones, dos errantes,
Dos que querem se encontrar
Lá no alto se anuncia transbordando de alegria
Quem conjuga o verbo amar
És amiga dos poetas, dos mendigos, dos profetas
Quem da noite se sacia
Quem te vê jamais esquece. Tu bem sabes que mereces
Rebrilhar noite e dia
Cai a noite, lá está ela radiante, toda bela
Que divina inspiração!
Quem não amou sob seu brilho? Não contou com seu auxílio
Pra compor uma canção?
Todas as noites como prêmio ofereces aos boêmios
Sempre um brilho diferente
Esta luz tão fascinante.
Tu és cheia, és minguante,
Tu és nova ou crescente.
Iluminas sem censura quem se ama, se mistura
Sem segredos pelas ruas
Resplandece a tua luz que tão forte nos seduz
A te amar cada vez mais, Lua!
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
Fugi da matemática. Fiz Letras. Seduzido pelas palavras fui premiado em Varais
Literários. Em 2000 fui apresentado a duas barrigudas (a primeira vez nunca se
esquece!), em 2002 conheci três “adouradas”, as outras chegaram de mansinho...
Gosto de rabiscar minhas emoções e enxertar com pensamentos alheios em poesias,
contos e afins.
116
A QUEM VAI PARTIR
Sente aqui
Pegue um café também, não vai te fazer mal.
Que vista linda
É como se o tempo não fosse passar
Ouvi dizer
Que pensa em ir e não voltar...
Quero que saiba
Que é difícil não pensar em ir também
Saiba que eu vou gritar a noite inteira
E no outro dia fingir estar tudo legal
Os vizinhos vão ouvir calados
E sofrer comigo até o final, por que
Eu não prendi você
Mas te deixei partir
Faz um bom tempo
O céu assim, me lembra o seu olhar
Não pela cor
Mas tão profundo que me tenta a experimentar
Vim só dizer
Que andei pensando no que perco sem você
E eu já nem sei
O que vai ser de mim sem alguém pra cuidar
Saiba que eu vou gritar a noite inteira
E no outro dia fingir estar tudo legal
Os vizinhos vão ouvir calados
E sofrer comigo até o final, por que
Eu não prendi você
Mas não te deixei partir
Larsen
Paranavaí - PR
Desenhista e compositor, é vocalista da banda Causa Própria e também trabalha
tocando em casas noturnas. Essa é sua segunda passagem pelo FEMUP.
117
INFÂNCIA
Lá em Maristela foi onde tudo começou.
A semente que eu plantei deu raiz e aflorou.
Os amigos que eu fiz na escola
São os mesmos de agora. Não mudaram tampouco eu mudei.
Li um doce, comi livros sem parar
Pra poder minha história cantar.
Lugar que tem muito o que contar e suas lendas fazem sonhar.
A lua cheia invade a aflição e ilumina a minha paixão.
Cidades com segredos no ar. Mistério e sonho é só imaginar.
E são por essas e outras razões que a infância volta ao coração.
Visitando outros locais encontrei tudo o que eu li.
Por direitos eu lutei pra viver o que eu vivi.
Vendo o trem passar me dá vontade
De subir a bordo e viajar por todo o Paraná.
Sol e chuva, frio e vento pra sentir
E o apito avisa é hora de partir.
Dany Starr
Alto Paraná - PR
Formada em Teclado Popular pela Academia Amadeus Mozart de Alto Paraná. Desde os
dez anos, Dany Starr canta e toca em diversos eventos artísticos da região. Esta
já é sua segunda participação em eventos promovidos pela Fundação Cultural de
Paranavaí.
118
FASE NACIONAL
Pedro Vasconcellos e
Gilberto Lamaison, Alana
Paulo Ohana
Moraes e Gabriel Selvage
A estrela e o homem
Tristeza do Aurélio
Brasília, DF
São Paulo, SP
Marinho San
Zebeto Corrêa
Nascentes filhos e rios
Oriente Amazônico - O paraíso
Belo Horizonte, MG
de Milton
Belo Horizonte, MG
Rita Oliva e Zelino Lanfranchi
Tapa
Marcia Cherubin
São Paulo, SP
O artista
Santo André, SP
Luana Godin
Ideia
Donna Duo
Curitiba, PR
Amor gramatical
Porto Alegre, RS
Valdir Verona de Rubem Scholl
Teleu
Moenda da vida
Dedo de prosa
Caxias do Sul, RS
São Paulo, SP
Tavinho Limma e
Kico Zamarian
Sandro Dornelles
Pelos cantos
Mulher de Pavão
Ilha Solteira, SP
Várzea Paulista, SP
119
A ESTRELA E O HOMEM
Sozinho na cidade tento me encontrar
Andando pelas ruas do mesmo lugar
Onde, criança, eu via um mundo encantado
Chão de poesia, teto de luar
Na luz daquela estrela sempre me guiando
No caminho aberto de um delírio brando
De menino esperto que segue sonhando
Sem medo de errar
Pelo mundo vai
Cantando, sumindo
No horizonte tão longe de nenhum país
Pois sempre quis sair pro mar
Viajando ao vento que sopra de lá
Inventa noite adentro um rumo pra fugir
Como quem só se importa em partir
Jamais chegar
Numa outra estação
Ao acordar, quedar na imensidão
De pedra e pó
Saudade e só
Contar com a sorte nesse chão
No meio da rua
Na minha morada
Madrugada escura
Sonho meu não dura
Procuro sob um véu
De nuvens lá no céu
A estrela, por onde andará?
A estrela que eu procuro não vai se apagar
Jamais vai se apagar
Nunca vai se apagar
A estrela que eu procuro não vai se apagar
Jamais vai se apagar
Nunca vai se apagar
O brilho dessa estrela não vai se apagar
Antes que tudo acabe tenho que voltar
Perdido na cidade tento encontrar
120
Aquela velha estrela que eu não vejo mais
Quem sabe se escondeu nos cantos, nos quintais
Onde eu costumava andar tempos atrás
No meu mundo vadio
Quanto tempo faz?
Ah, quanto tempo faz
Tanto faz
Quanto tempo
As horas que ficaram vou deixar passar
Enfrentar o frio, o medo
e me mandar
Pra longe da cidade, algum outro lugar
Refazer poesia, sonho, chão, luar
Reencontrar a estrela, sempre caminhando
Por esse deserto, negra noite
Enquanto meu destino incerto me resguarda o canto
Tenho que cantar
Pelo mundo
121
Próxima estação
Ao acordar, ter de pisar o chão
De pedra e pó
Saudade e só
Saber da morte
Nessa imensidão
Numa nova lua
Eu ponho o pé na estrada
Estrela já não brilha
Sigo só na minha trilha sem pestanejar
Num canto do meu peito sei que deve estar
A luz que eu procuro não vai se apagar
A estrela vai brilhar
Pra sempre vai ficar
Num canto do meu peito pra me iluminar
E o brilho vai durar
Pra sempre vai ficar
Guiar o meu caminho por onde eu andar
Pedro Vasconcellos e Paulo Ohana
Brasília - DF
Pedro Vasconcellos
Cavaquinista, compositor e arranjador. Pedro desenvolve uma linguagem inovadora
para o cavaquinho através da criação de um repertório específico para o
instrumento e da maneira diferenciada e expressiva de tocá-lo. Além de ter
acompanhado e gravado com diversos artistas brasileiros, o cavaquinista formou o
grupo Aquário, com o qual lançou o álbum "Primeiro". Em 2011, lançou
"Transparente" com Ricardo Nakamura ao piano e "A comédia do coração" com o
baixista e cantor Ebinho Cardoso. Em todos estes álbuns, Pedro atua como solista
de cavaquinho e assina a maioria das composições. Atualmente, trabalha também em
grupos de samba, choro e música instrumental brasileira, e como diretor musical e
arranjador.
Paulo Ohana
Natural de Brasília. Recebeu o prêmio de melhor intérprete no IV Festival de
Música da Rádio Nacional FM Brasília (2012). Em julho de 2013 lançou seu primeiro
álbum autoral Outros Ventos. É estudante do curso de Música Popular na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
122
NASCENTES, FILHOS E RIOS
Olha aí! Dá tempo ainda
De acordar cedo e pensar sobre tudo
Olhem seus filhos, são como os rios
Tão inocentes nascentes e filhos que vão
Em busca de outras fontes, outros filhos
No cais do porto, o estivador
No barco a vida do pescador
As lavadeiras, cantadeiras, rezadeiras
Rezam as águas rumo ao mar
Queda do rio na cachoeira
Nem toda gota vai se salvar
Tomba o menino na brincadeira
Diz que não chora que vai ser forte
E o rio proteger
Linda natureza e seus movimentos
Na chuva de prata em noites de lua
La nas cataratas do Rio Iguaçu
Ou no Arco Iris que a sombra apagou
Hoje choveu, o rio encheu e água não escoou
O que você leu ou viu na TV
Dizendo que lá no asfalto
Não estava bom nem pra doutor
123
Um vento mal, um sopro fatal
Cenas do mundo atual
Mas você não vai mudar
Enquanto não acontecer com você.
Natureza é arte em movimento
Muitas vezes, cores ou sofrimentos
Como o abalo sísmico no Haiti
Como o fim de ano aqui
E seus temporais
A foz a meta, o seu destino
Nosso menino quer alcançar
No sal do mar, quer se lavar quer se livrar
Do lixo que você descartou.
Marinho San
Belo Horizonte - MG
Cantor, compositor e instrumentista. Tem um estilo eclético de voz afinada e
suave. Seu trabalho tem característica bem mineira. Belas harmonias e melodias
cuidadosamente arranjadas dando assim, um toque de qualidade em suas músicas.
124
TAPA
O telefone não vai tocar
A caravana já decretou
Que o tempo é de espera
E a gente respira enquanto não vai
Quando a janela se deslocar
Outro estranho que não te vê
Na jura eterna que nutre,
e a novela não vai mudar
Eu já nem sei mais pra quê futebol
Qualquer desculpa pra beber com alguém
Hoje o caminho é pra se perder
Acorda cedo, encara o espelho,
Engana o sorriso, mais um café.
O ponteiro te arrasta outra vez
Tapa na cara e vai, vira essa mesa, dói
Nenhum sorriso e sai, vira essa vida
Tapa na cara e vai, vira essa mesa, dói
Nenhum sorriso e sai, vira essa vida, dói
Liga e me avisa o que eu já nem sei
Perto tá longe porque é assim
Saio no meio da rua,
deixo o que era pra me levar
Hoje o tempo é de graça
Quando atravesso os faróis iguais
Ele me olha,
falta um tempo pra poder me perceber
Rita Oliva e Zelino Lanfranchi
São Paulo - SP
Rita Oliva
Formada em publicidade, é cantora, compositora e pianista. Trabalha atualmente
nos grupos Cabana Café, Champu e Farofa Aquática em que atua na parte musical,
produção e criação de conteúdo.
Zelino Lanfranchi
Formado em criação em publicidade, guitarrista, compositor e filmmaker.
Atualmente, além de participar de campanhas publicitárias na área de audiovisual,
também é músico nas bandas Cabana Café, Champu, Sociétés e Farofa Aquática.
125
IDEIA
Me leva
Me leva embora
Não quero mais voltar a ficar longe de mim
Me leva
Me leva embora
Não quero mais voltar a ficar longe de ti
Que lugar é esse? Que é esse lugar
Não há de que, oh meu lugar
Meu lugar é aqui, meu lugar é assim
O ronco dos motores, um choro de criança
O vento na janela da vizinha fofoqueira
A lua quando surge toda prata e borda o céu de luz, de luz
Um tiro no silêncio
O galo da manhã
Mulheres e crianças ignoram a calçada
Na rua estou
Pra que rua vou?
No centro da cidade, sozinho, multidão
Uma sala de espera, um quadro, um conselho
Meu abuso, sigilo, falo da verdade do meu ser
Dentro do mapa me vejo pedindo pro tempo passar
Cansado de você não voltar
Estou em busca do meu lar
Por favor, faça de mim
Que sou a regra, a exceção
Sou exceção de vossa regra, oh sim senhor
Por favor, faça de mim
Que sou a regra, a exceção
Sou exceção de vossa regra, oh sim senhor
Me leva
Me leva embora
Não quero mais voltar a ficar longe de mim
Me leva
Me leva embora
Não quero mais voltar a ficar longe de ti
Por favor
Luana Godin
Curitiba - PR
Aos seis anos, Luana entrou em um coral infantil. Estudou piano erudito e popular, violino e participou de
corais até os 16 anos. Aos 15, começou a fazer teatro. Formou-se em Licenciatura em Artes Cênicas pela
FAP e especializou-se em Literatura Dramática e Teatro pela UTFPR. Atualmente desenvolve um trabalho
como percussionista, violonista, cantora, compositora, atriz e professora. Trabalha com o Samba de saia,
produtora Parabolé e tem seu trabalho solo.
126
MOENDA DA VIDA
Tempo de chuva, caindo no chão
Pra molhar o campo e abençoar a lida
Ventre da terra, acalentando o grão
Pra girar a roda, moenda da vida
Suor no rosto, são rios de prata
Traçando caminhos, entre o riso e a dor
Na nudez da noite, carícia de mãos
Flertando destinos pra gerar a vida
É a luz do sol, o sal da terra,
É a mão do homem, que fere, afaga e reza
Que joga a semente e gesta o trigal
Que dá vida e mata a fome de pão
Forno de barro; fogo, labaredas
Incitando o vento pra dançar as rondas
A flor no cabelo e o jeito da morena
Aperta mais o peito do caboclo triste
É a luz do sol, o sal da terra...
Valdir Verona de Rubem Scholl
Caxias do Sul - RS
Músico - violeiro e violonista - professor de música e pesquisador. Atualmente
está trabalhando nas áreas de produção e direção musical. Possui seis CDs e dois
livros com CDs encartados. Recebeu o Prêmio Excelência da Viola nas edições de
2010 e 2013. Participou em diversos festivais, entre eles: 8º Brasil Instrumental
de Tatuí-SP, 1º Festival Voa Viola, 47º FEMUP de Paranavaí-PR, 33º Femucic de
Maringá-PR, Fejacan de Jacarezinho entre outros. Em 2012 representou o Brasil,
tocando no Fórum Econômico Mundial de Davos/Suíça e na Feira Internacional do
Livro em Bogotá/Colômbia.
127
PELOS CANTOS
Bola no canto o goleiro não pega, canto de fé a verdade não nega
Mesa de canto não fica no centro, canto pra fora a paixão que há dentro
Larguei no canto a saudade que arranha, canto da sala tem teia de aranha
Guardei no canto do olho a menina, canto da rua, um lugar na esquina
Pelos quatro cantos do mundo, eu vou!
Procurando um canto de encanto
Por tudo que é canto profundo, pelos quatro cantos do mundo
Por todos os cantos, eu canto!
Canto do olho é desconfiado, canto da boca não é beijo selado
Quem paga a conta no canto da mesa, sugere algum canto, pendura a despesa
Canto da unha, uma pele encravada, canto do corpo é alma lavada
Uma sereia tem tantos encantos, tanto mistério entoado em seu canto
Canto a pedra da sorte no bingo, canto a bola do jogo, domingo
Planto no vaso a flor cantoneira, colho no canto a raiz brasileira
Chamo os amigos, lá vai cantoria! Canto em coro, lá vem confraria!
Mulher casada, eu evito a cantada, marido me mata, e eu não canto mais nada!
Tavinho Limma e Kico Zamarian
Ilha Solteira - SP
Tavinho Limma
Natural de Recife, PE. É cantor e compositor. Foi integrante da Banda de Pau e
Corda. Tem parcerias musicais com Jane Duboc, Tetê Espíndola, Lucina, Martha
Medeiros, Oswaldinho do Acordeom, Elton Ribeiro. Em 2012, sua canção intitulada
"Malfeito", parceria com Rita Altério, fez parte da trilha sonora da novela
"Carrossel" - SBT.
Kico Zamarian
É natural de Mococa. Cantor e compositor, tem parcerias com Zé Renato, Cristina
Saraiva e Tavinho Limma. Fez shows ao lado de nomes como Ceumar, Simone Guimarães
e Márcia Tauil.
128
TRISTEZA DO ÁURELIO
Sonhaginei que você
Me levoava ao céu
Junto a seu corpo quentório
E seu gostológico sabor de mel
No paraíso monotopálido
Nos sexamos ardentemente
E as folhas da videira
Arrantiramos com nossos dentes
E os anjos nos escurrafora
Por tão grandólico pecado
Então nos escorrecemos
Num arco íris coloristrado
O paixonissimo querer
De tanto te beijaçar
É algo astrolibídico
Maravilhástico é te amorar
Nosso paraíso é aqui
Onde todos comem maçãs
Cantadançamos pela noite
E sonhadurmimos de manhã
129
É aqui nosso angelicacéu
Meditatório e loucário
Onde o sonho é o poeta
E tem seu próprio dicionário
Gilberto Lamaison, Alana Moraes e Gabriel Selvage
São Paulo - SP
Gilberto Lamaison
Poeta e compositor, Gilberto Lamaison, vem se destacando no cenário nacional pela
maneira simples e peculiar de escrever. Com muita originalidade, já possui
diversos trabalhos gravados baseados na música regional do Rio Grande do Sul e na
música brasileira.
Alana Moraes
A cantora gaúcha Alana Moraes, que atualmente reside e São Paulo, vem se
destacando em vários festivais do Brasil. Em 2012, lançou seu primeiro álbum
intitulado Amor e Som em duo com o violonista Gabriel Selvage e já prepara seu
segundo disco para o início de 2014, somente com composições inéditas de novos
compositores.
Gabriel Selvage
Violonista, compositor, arranjador e produtor musical, Gabriel Selvage vem se
destacando no cenário nacional como um virtuose. Já possui diversos trabalhos
lançados como produtor e um disco gravado ao lado da cantora Alana Moraes,
lançado em 2012. Atualmente trabalha em diversos projetos instrumentais e prepara
um DVD para 2014.
130
ORIENTE AMAZÔNICO - O PARAÍSO DE MILTON
Imaginação ardente
É, no coração da noite,
Cimitarra do Oriente
A lua nos aguaçais
Caravana de odores
Desvario dos casais
As senhoras, os senhores,
Assim amam nossos pais
Um casal de levantinos
Nas chuvas torrenciais
Lavava seus desatinos
Entre gemidos e ais.
Casal vindo das montanhas
Para a terra dos tajás,
Alifebatas estranhas
Escritas nos biribás...
No paraíso de Milton
Localizado em Manaus
Ouvi ciclone de risos
Nos tapetes e peraus.
Fazer a lua de mel
Chegar no sétimo céu
Amazonense esplendor
Pois foi mamãe quem me disse
Que perdura na velhice
O mel do maior amor.
131
Esses estranhos amantes
Depois de seus afazeres,
São corpos resfolegantes
Numa festa de prazeres.
A paixão mediterrânea
Tem odor de graviola,
Amar nunca é extravagância,
Narguilé que nos consola...
Amar sempre repercute
No mais profundo da gente
Vem de Trípoli, Beirute
Chega no Brasil mais quente,
Qualquer idade ou cidade
Igarapé ou deserto
É Lua de ramadã
Cristã, coração aberto!
Zebeto Corrêa
Belo Horizonte - MG
Cantor, compositor e instrumentista. Tem 12 CDs gravados e mais de 200
premiações em festivais de música por todo o país. Foi semifinalista do Prêmio Visa
compositores em 2000. Gravou ao lado de grandes nomes da MPB como o MPB4, Wagner
Tiso e Vítor Biglione. Foi premiado em 17 estados - do Amazonas ao Rio Grande do
Sul, do Pará ao Paraná, do Ceará ao Tocantins. Atualmente está gravando seu 13º CD.
132
O ARTISTA
Hora de subir ao palco
Hora de cantar quem somos
Hora de trocarmos sonhos
Hora de encontrar quem fomos
Luzes lavam toda alma
Iluminam toda palma
Fadas, anjos , querubins
Sopram versos sobre mim
Cantar versos, universos, peito aberto que grita
Hora da voz tão bendita
Cantar pontes, horizontes, e o silencio dos homens
Hora de encantar quem ouve....
Hora de rezar ao palco
Orações, canções, ao alto
Toda fé, e os sonhos meus
Hora de falar com Deus
Cantar versos, universos, peito aberto que grita
Hora da voz tão bendita
Cantar pontes, horizontes, e o silencio dos homens
Hora de encantar quem ouve....
E os ouvidos da plateia gargalhando na estreia
Alegria dilacera
E descortina a alma limpa, toda verdade se encerra
Hora de ir embora agora....
Marcia Cherubin
Santo André - SP
Cantora e compositora formada em canto popular pelo Conservatório de São Caetano do
Sul. Premiada em vários festivais de música de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Paraná.
Seu 3º Álbum "Canto Forte" foi premiado em 2013 pela Secretaria de Cultura do Governo
do Estado, através do Proac. Seu repertório conta com músicas de grande apelo social,
riqueza rítmica, além de enaltecer a poesia do cotidiano em suas letras e melodias.
133
AMOR GRAMATICAL
Não, não sei onde foi parar toda confiança do meu ser
Só, só eu posso reparar fazendo o que bem devo fazer
Vou te buscar em casa, vou bater na sua porta no sentido literal
Botar juízo em tuas frases, pontos, vírgulas e crases um amor gramatical
Vou bagunçar tua bagunça com intuito de encrenca que é na confusão que a
gente consegue se ajeitar
Vou remexer nos seus horários e encher-te de olheiras, embaçar tuas lentes e
ser teu par
Donna Duo
Porto Alegre - RS
Duas mulheres, duas vozes, duas cidades e muita música dentro desta simetria. Naíra e Dani
são cantoras, compositoras, multi-instrumentistas e fazem parte do Donna Duo.
Trazem músicas autorais e de parceiros de maneira irreverente e natural, com ritmos que
iniciam na milonga, passeiam pelo pop e acabam por flertar com o samba.
134
DEDO DE PROSA
Acorda pra esse dia tão bonito, assim!
Levanta vem brincar de poesia
Viaja nas palmeiras, nestes matos que te sobram.
Não deixe o tempo definhar assim
A noite está esperando lua-nova
O céu amanheceu rouge-carmim
O sol sorri na serra dando prova
Que o calor na vida é tudo, em fim.
Vem plantar uma semente dentro de você
Replantar o Pau-brasil, Ipê.
Matita-Perere, Sabiá, Bonito-lindo.
Mono carvoeiro, tá pedindo.
Cara-roxa quer chamar Tucano
Curió cantando quer lembrar
Maracanã, Ararauna,
Jaguatirica, Banana-nanica.
Macuco, Jacupiranga, Pitanga da no pé.
Palmito ouro branco, uso de má fé.
Madeira brasileira vai-se embora como nada
Deixando sem fronteira a passarada
O Índio já não é mais nem querido por aqui
Se perde na cidade e no sertão
Floresta já é pouca, nem Tupy nem Guarany.
Os ancestrais perdendo a razão
Canta violeiro, um dedo de prosa.
Levanta a voz, impinge uma canção.
Enquanto a gente fina lá de cima goza
Invoca a fé que existe nesse chão.
Teleu
São Paulo - SP
O Duo Teleu & Sanvita participou dos maiores festivais do país como: Fampop Avaré, SP, FEMUP - Paranavaí, PR, Musicanto - Santa Rosa, RS e outros. Realizou
shows em lugares de expressão como: SESC Pompéia e Vila Mariana - CAP-SP e Teatro
Guaíra - Curitiba-PR. Atualmente trabalha em projetos culturais e espaços
alternativos ligados a MPB e a música regional.
135
MULHER DE PAVÃO
Parece tara
Onera em joia e musculação
É coisa rara
Não para de fazer exibição
Mas não encara
Nem atura a constatação
Eu sou o cara
E ela é mulher de pavão
Quando fala
Meu silêncio é quem chama atenção
Quando cala
É de consenso que eu dê opinião
Na gafieira
Ela sobra eu encho o salão
É grife inteira
Minha moda chinelo e calção
Ela fica injuriada
Vendo a foto no jornal
Quando sai desajeitada
O meu riso é natural
Meu bem
Se cansou da minha estrela
E briga, bate boca, abre a goela
Fica louca, descabela
Diz até que não me quer
Meu bem
Acredite tenho dito
Um pavão só é bonito
Pra atrair sua mulher.
Sandro Dornelles
Várzea Paulista - SP
Compositor, cantor e violonista, nascido em Cachoeira do Sul-RS. Nos últimos 13 anos,
residiu nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde se apresentou em diversas casas
de shows. Formou-se em Letras (Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Tem composições de sua autoria gravadas por diversos artistas e atualmente vem fazendo
shows de pré-lançamento do seu CD “Da Porta pra Rua”.
136
DECLAMADORES
137
DECLAMADORES
ANDRÉ FABRÍCIO
Acadêmico de ciências sociais, pesquisa drama social, rituais estéticos e performances, ator
profissional. Participa pela nona vez do Femup na categoria declamação.
Poema delinquente
J. B. Donadon-Leal
Mariana, MG
DANIELA BONETTI
Atua no teatro há 14 anos e foi diretora de um grupo de artes cênicas ao longo de sete anos. É poeta,
declamadora, segunda secretária da Associação de Pais e Mestres e Filhos do Centro Educacional
Cecília Giovine e empregada juramentada no Cartório da Segunda Vara Cível da Comarca de
Paranavaí. Também é acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense (Unipar).
Rastros
Roberto Gonçalves
Paranavaí, PR
DAFINI PACHECO
Nasceu em Maracaju-MS e passou a morar em Paranavaí em 1998. Estuda no Colégio Estadual Dr.
Marins Alves de Camargo. Participou do "Zé Maria" três vezes, de 2010 a 2013. Toca violão e canta.
Telescópio
Carlos Eduardo Narduci Pereira
Paranavaí, PR
GABRIEL ROQUE
De São Carlos do Ivaí-PR, iniciou nas artes cênicas por influência de amigos quando ainda era
criança, interpretando alguns esquetes e peças para apresentações escolares e espetáculos. Já
escreveu textos teatrais educativos e encenou clássicos como o Auto da Compadecida. Pela
segunda vez se inscreveu no concurso Zé Maria de Declamação, sendo um dos 12 selecionados
para participar do FEMUP 2013.
O inferno cronológico do poeta ou Seis visões da Guernica, de Picasso
Tanussi Cardoso
Rio de Janeiro, RJ
138
MARCOS DA CRUZ
Graduado em história, é professor universitário e ator profissional que desenvolve pesquisa em
teatro e circo. Também é integrante da Cia. Oficinas de Teatro de Paranavaí, diretor da Trupi Sererê e
colunista da revista de pesquisa Circo Conteúdo: www.circonteudo.com.br.
Poetarte em cinco cantos
Laércio N. Bacelar
Belo Horizonte, MG
JOSÉ VALDIR JR.
Passou a se interessar pela arte e por suas expressões já nas primeiras séries do ensino fundamental.
Em 1993, com apenas 9 anos, declamava com o grupo de alunos do projeto pedagógico da Prof.
Elmita Simonetti na Escola Estadual Newton Guimarães de Paranavaí. Em 1997 formou-se em
teclado, pelo Conservatório de Música e Artes Vitória de Paranavaí, tendo como mestre a Profª Lúcia
da Silva Barbosa. Participou pela primeira vez do FEMUP no ano de 2012, como declamador. Em
2013, ficou em 2º lugar no FESTIVOZ. Casado com Simara Manso, desde 2006. Tornou-se o homem
mais rico do mundo com a chegada do seu filho Felipe, em julho de 2013.
Paradoxo
Edih Longo
São Paulo, SP
GABRIEL GUTEMBERG
Paranavaiense, cabeleireiro formado pela Pivot Point Academia Internacional de Moda Tendência e
Visagismo e artista plástico entusiasta. Participou de grupos teatrais com as peças "As casadas
solteiras", "A história do amor de Romeu e Julieta", "Hamlet Machine". Foi selecionado para o
FEMUP em 2011 e declamou "Falena", de Kellen Wiginescki.
Passagens
Felipe Figueira
Paranavaí, PR
ANA CLAUDIA RODRIGUES
Tem 15 anos e cursa o Ensino Médio. Formada no Curso Básico de Inglês e Curso Profissionalizante
na Escola de Inglês CCAA. Cursando língua espanhola no CELEM Línguas Estrangeiras.
Um dia ainda serei ornitorrinco
Odemir Tex Jr.
Santa Maria, RS
139
LETÍCIA BRAMBILA
Tem 16 anos, é de Paranavaí e tem o Ensino Fundamental completo. Está cursando TSB (Curso
Técnico em Saúde Bucal) integrado com o Ensino Médio (Unidade Polo). Inglês básico (CCCI);
Informática Básica (Microway). Experiência como secretária e auxiliar de dentista (Oral Clean).
Elementares
Viviane Silva dos Santos
Paranavaí, PR
DIANE ARTEMIS
Loandense, bacharel em enfermagem pela Universidade Paranaense do Paraná (UNIPAR).
Participou como atriz e diretora do Grupo TAL - Teatro Amador de Loanda. Poetiza e declamadora
de poemas desde os 9 anos. Na vida profissional atua como funcionária pública na Prefeitura
Municipal de Loanda - PR.
Guernunca
Nestor Lampros
Itatiba, SP
TAMARA SPINOLA
Paranavaiense, graduada em Direito pela UNIPAR e graduanda em Letras pela Universidade
Estadual do Maranhão, especializanda em Educação em Direitos Humanos pela Universidade
Federal do Maranhão. Faz parte do Grupo de Contação de Histórias Olho D'Água.
O menino
Filippi Aragão
Caxias, MA
JEFERSON DOUGLAS BICUDO
Paranavaiense, acadêmico de Letras pela Unespar/Fafipa. Declama desde os 5 anos. Começou a
fazer teatro na igreja e a escrever os próprios textos voltados à religião. Este ano, além do Zé Maria
participou de eventos como PDE, SELL e Varal Literário.
Felice, um veredicto
Ludymila F.
Paranavaí, PR
140
COMISSÃO JULGADORA
20º FESTIVAL “ZÉ MARIA” DE DECLAMAÇÃO
Os objetivos do “Zé Maria” incluem divulgar a arte de declamação de poemas, homenagear o
artista e declamador José Maria Cavalcanti, classificar intérpretes para o FEMUP e prestigiar os
declamadores de Paranavaí e Região, além de revelar novos talentos.
Rô Fagundes
Maringá, PR
Atriz, bonequeira, cenógrafa e produtora cultural. Diretora da Cia. Fantokid's Teatro de
Bonecos de Maringá-PR. Presidente da Arteboa - Ass. de Teatro de Bonecos e Formas
Animadas. Recebeu diversos prêmios em festivais de teatro.
Junior Paiva
Maringá, PR
Graduado em Artes Visuais, especialista em Arte e Educação, pós-graduando em arte na
contemporaneidade. Fez Teatro no Centro Popular de Cultura de Maringá e é instrutor
de Teatro e professor de Expressão corporal na rede particular e em projetos sociais.
Também é Pesquisador da área de Postura e Técnicas de expressividade do corpo no
século XXI. Além disso, é diretor é proprietário do Espaço Artístico Junior Paiva, de
Maringá.
Lucas Fiorindo
Maringá, PR
Ator profissional que atua há 5 anos no Teatro Universitário de Maringá (TUM). Já
participou de várias montagens, como A Visita da Velha Senhora e festivais como o
Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Também é poeta e músico,
acumula dois prêmios de melhor letra no Festival Acorde Universitário da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
141
LEITURA DRAMATIZADA DOS CONTOS
GRUPO UNITEATRAL DA UNIPAR/CAMPUS PARANAVAÍ
Direção: Gislaine Pinheiro
A tocaia
Henrique Bom
Nova Friburgo - RS
SESC/PARANAVAÍ – PROJETO FUTURO INTEGRAL
Direção: Tânia Mara Volpato
Olho de vizinho
Altair Cirilo dos Santos
Paranavaí - PR
CAIUÁ COMPANHIA DE TEATRO
Direção: O grupo
Soneto suicida
Karina Limsi
Ilha Solteira - SP
SESC/PARANAVAÍ – PROJETO FUTURO INTEGRAL
Direção: Tânia Mara Volpato
Conto pantaneiro
Reginaldo Costa de Albuquerque
Campo Grande - MS
142
GT DE ARTES CÊNICAS
Direção: Rosi Sanga
Rastros do passado
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
GRUPO TRAÇA DE BIBLIOTECA
Direção: Maria Esther Ferezin Camargo
Os girinos
Rafael Peres
Uberlândia - MG
CIA OFICINAS E OFICINA DE TEATRO DA CASA DA CULTURA
Direção: Rosi Sanga
O relojoeiro
Marcio Ribeiro Leite
Salvador - BA
GRUPO MÉDICOS DO HUMOR
Direção: Talise Schneider e Amauri Martineli
Poeira infame
Ana Nenduziak
Paranavaí - PR
143
AGRADECIMENTOS
Prefeitura de Paranavaí
Rogério José Lorenzetti - Prefeito
Thais Matias - Diretora Especial de Expediente
Provopar
Drª Cristina Marques Dias Lorenzetti
Ministério da Cultura
Lei Rouanet - Lei Federal de Incentivo à Cultura
Governo do Estado do Paraná
Secretaria de Estado da Cultura
Conta Cultura
Sanepar - Companhia de Saneamento do Paraná
Fabríco Marques de Souza
Arnaldo Giovani Rech
Alessandro Cordeiro Garcia
Podium Alimentos
Maurício Gehlen
Secretaria de Comunicação Social
Jorge Roberto Pereira da Silva
Abdallah Produções
Sobhi Abdallah
Herikson Souza
Joaquim de Paula
144
HINO DO FEMUP
Luzes que emanam do alto
Iluminando nobres ideais
São jovens que querem crescer
E um dia hão de vencer
Nosso festival se expande
Projeta talentos, brados culturais
Pois seu campo de batalha é a cultura
Poemas e canções, de corações a sonhar
O FEMUP é um festival
Que há de sempre brilhar mais
Nossos jovens são assim
Decididos a vencer
Letra: Cleuza Cyrino Penha
Música: Carlos Cagnani
A letra foi atualizada em 1996
145
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Diretor presidente
Coordenadora de atividades artísticas e
Museológicas; Coordenadora da Casa da
Cultura Carlos Drummond de Andrade
e professora de Teatro
Paulo César de Oliveira
Diretor geral
Rosi Sanga
Amauri Martineli
Técnica em atividades artísticas e sociais
Elza Pavão
Gerente de desenvolvimento cultural
Talise Schneider
Técnica em expressões artísticas e
professora de teatro
Assessor de eventos
Gaciele Rocha
José Elias Sobrinho (Cidão)
Técnica em museu e atividades artísticas
Agente administrativo
Naiara Betin
Amanda Caetano
Luciane Nunes
Professor de desenho e pintura
Kreslen Matsumoto
Recepcionista
Professora de teatro
Lorielle Caroline da Silva
Gislaine Pinheiro
Iluminador e cenógrafo
Professor de flauta-doce
Adauto Soares
Glebson Ribeiro
Assistente de palco
Professor de canto coral e violão
Marcos Paulo Gomes (Gerê)
José Carlos Dos Santos
Comunicação e jornalismo
Professor de percussão e bateria
David Arioch
Glau Ribeiro
Coordenadora da
Professor de percussão e Coordenador
da Escola Municipal de Música
Biblioteca Júlia Wanderley
Rafael Torrente
Maria Esther Ferezin Camargo
146
Professores de capoeira
Professor de violino
Vanderli Pinto Dias (Côco)
Bruno Corrêa
Leandro Felipe de Jesus (Cabelo)
Professor de acordeom
Henrique de Oliveira (Porão)
José Alfredo Diniz Braga
Professores de violão
Cristiano Brun
Coordenador do Grupo Eu e Minha Viola
e Camerata de Violões
Fernando Bana
Arnaldo dos Santos
Atendentes de biblioteca
Professor de teoria musical e
Flávio de Oliveira
Esmeralda de Oliveira
Larissa Guedes
Jéssica de Campos
Luísa Antonia Gerez Grolli
Coordenador da Banda Sinfônica
Clave de Luz
Manoel Feliciano
Professor de clarinete, saxofone
e flauta transversal
Fernando Campos
Equipe de apoio
Maria de Lourdes de S. da Silva
Maria de Moraes Correia
Charlene Pinheiro
Elisângela Araújo
Sueli Matias Lopes
Maria Salete Alves
Professor de trombone
Eduardo Amaral
Professor de trompete
Márcio Rodrigo de Souza
Professora de circo e dança
Maestro da Orquestra de Sopros
Paranavaí
Karina lima
Vitor Hugo Gorni
Professores de dança
Maestro adjunto da Orquestra de
Sopros Paranavaí
Ellen Lúcia Barbosa Augusto
Patrícia Romera
Luciano Torres
Dhow Brito
Professora de ballet
Maestrina do Coral Municipal
Adulto e Infantil
Tayna Mateus
Ester Cristina Back Schulz
147
CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL
Presidente
Gislaine Pinheiro
Vice-presidente
Juliana Dias Boaretto Fernandes
1ª secretária
Talise Schneider
2ª secretária
Maria Inês Ferezin Gonçalves
Conselheiros titulares
Conselheiros Suplentes
Paulo Cesar de Oliveira
Amauri Martineli
Elmita Simonetti Pires
Graciele Rocha
Ubiratan Ângelo Fernandes
Jovelina Costa Teramoto
Terezinha de Jesus R. Plaça
Silvia Nilza Tuler
João Carlos de Araújo Marques
Isabel Cristina Ferreira
Vanderlei Poppi
Andréa Alves Vieira
Lucas Barone
Sony Aparecida Zerbato Felippe
Fernando Bana
Gustavo Figueiredo Pires Corrêa
Antonio de Menezes Barbosa
Marcos da Cruz
Gessilene Cardoso
Glau Ribeiro
João Henrique E. de Andrade
Jesus Rodrigues Soares
José Augusto Alves Neto
Cristiane Ribeiro Ferreira
Terezinha Eico Ito
Chico Ramos
Rosi Sanga
148
SUMÁRIO
Apresentação
05
Poesias
06
Contos
59
Músicas - Fase Regional
106
Músicas - Fase Nacional
119
Declamadores
138
20º Concurso "Zé Maria" de Declamação
141
Leitura Dramatizada dos Contos
142
Agradecimentos
145
Hino do FEMUP
144
Fundação Cultural de Paranavaí
146
Conselho Municipal de Política Cultural
148
149
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade
Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí
Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley
Biblioteca Cidadã Boulivar Penha
Escola de Música Luzia Guina Machado
Orquestra de Sopros Paranavaí
Coral Municipal de Paranavaí
Grupo Eu e Minha Viola
Camerata de Violões
Cia. Oficinas
Cia. do Circo
Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511
CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128
www.paranavaicidadepoesia.com.br
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