do artigo - Diversa - Educação inclusiva na prática

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do artigo - Diversa - Educação inclusiva na prática
Inteligências: você consegue me ver professor?
013022
Data: Dez/2013
TATIANA PASSOS ZYLBERBERG1
Inteligências: você consegue me ver professor?
Somos herdeiros de uma formação que prioriza a capacitação técnica e a hierarquização dos
saberes e das pessoas. Somos muitas vezes insensíveis ao outro em sua condição humana. Somos
todos, ao mesmo tempo e de alguma forma, reféns de uma invisibilidade violenta. Tal qual somos
vítimas de uma rotulação frequente.
E você? Alguém já te chamou de inteligente? Talentoso? Capaz? Chamou de inteligente por qual
motivo? Tua fala eloquente, tua escrita certeira, teu gesto sutil naquele giro de dança ou pelo
incrível gol que você marcou na partida de futebol? Talvez tenham ressaltado a sua prontidão em
dar respostas certas ou a sua capacidade de memorização? Talvez nunca tenha ouvido que é
inteligente. Mas qual a sua compreensão sobre ser inteligente? Nascemos ou nos tornamos? O que
cabe a escola e aos professores?
Historicamente, valorizamos de sobremaneira o conhecimento simbólico e cognitivo, mantivemos
a divisão corpo-mente, a dualidade entre emoção e razão, fortalecendo assim a ideia cartesiana do
corpo-objeto-físico separado do sujeito-pensante-racional. Em decorrência desta compreensão, o
modelo tradicional de ensino nas salas de aula privilegiou a imobilidade corporal e estigmatizou a
aprendizagem como algo que acontece dentro da cabeça e se expressa na escrita ou na oralidade.
Todas as outras múltiplas inteligências humanas, descritas por Gardner (1994,1995,1996, 1999,
2000), ainda ficam silenciadas e ocupam discretos espaços na escola, sem que sejam vistas por
algum professor ou pelo próprio estudante.
Há pessoas com dificuldades de escrever que são reprovadas sem fazer uma prova oral. Há
questões riscadas como erradas por professores nas correções de provas, porque o estudante
confundiu o nome do conceito. Mas ele guardou algo, não guardou? Aprendeu, não aprendeu? E se
tivesse a chance de voltar a estudar e refazer a prova? Poderia mostrar que aprendeu, não poderia?
Damos esta nova chance?
Qual o lugar da Educação Física neste contexto? Nossos movimentos são inteligentes? Ou nossa
gestualidade apenas diz que somos ágeis e que temos o dom da excussão técnica? Quantos
Profa. Dra. Tatiana Passos Zylberberg é Licenciada, bacharel, mestre e doutora em Educação Física /UNICAMP. Professora do Instituto de Educação Física
e Esportes (IEFES) - Universidade Federal do Ceará. Uma das coordenadoras do Laboratório de Estudos das Possibilidades de Ser (LEPSER). Diretora da
Divisão de Formação Docente (CASa/UFC).
1
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Inteligências: você consegue me ver professor?
013022
Data: Dez/2013
estudantes nunca tentaram aprender a jogar, porque foram levados a pensar que nasceram sem
coordenação? E os professores de Educação Física, como são vistos? São considerados inteligentes
ou a “contaminação” da cultura da racionalidade nos faz atribuir inteligência apenas aos
professores de outras disciplinas e nunca demos conta da seriedade deste estigma?
Segundo Mariotti (2000, p. 296) “Saber ver é antes de mais nada saber ver os nossos semelhantes”.
Estamos nós professores acostumados a unidimensionalidade, a um modo único de perceber a
inteligência e aprendizagem humana. Como ver a inteligência nas mais diversas formas?
No doutorado (ZYLBERBERG, 2007) defendi a necessidade de aprendermos a ver “possibilidades”
da inteligência. Entendo que seja importante fomentar e criar oportunidades para romper o
distanciamento entre professores e estudantes, não para que sejam amigos íntimos, mas para se
aproximem a tal ponto, que se tornem visíveis um ao outro. Visíveis em sua singularidade, nas
formas mais sutis e diversas de expressão. Para que juntos encontrem soluções ao silêncio, seja da
folha em branco, da inicial timidez para uma apresentação em classe ou do gesto criativo que
precisa fluir.
O olhar tem que ver a inteligência além do estabelecido. Ser inteligente é uma condição humana,
ela não simplesmente sobra em uns e falta em outros. A inteligência é plural e diversa. Diverso
precisa ser o nosso olhar para poder ver a singularidade dos estudantes, em cada um deles e em
todos.
Ano novo. Início de semestre. Você assumiu uma nova turma. Os estudantes estão diante de você.
Antes de perguntar seus nomes, preste atenção nos sinais, talvez um deles, esteja te perguntando:
Você pode me ver professor? Pode me ajudar a ver quem eu sou?
Convite para outras leituras:
DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
Duarte Júnior, J. F. O sentido dos sentidos: a educação do sensível. 2000. 234f. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2000.
EGAN, K. A mente educada: os males da educação e a ineficiência educacional das escolas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
Inteligências: você consegue me ver professor?
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Data: Dez/2013
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes
Médicas,1994a.
______. A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994b.
______. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
______. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva. São Paulo: Edusp,
1996.
______. Inteligência: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Artmed, 1998.
______. O verdadeiro, o belo e o bom: princípios educacionais para uma nova educação. Rio
de Janeiro: Objetiva, 1999.
GARDNER, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
LE BRETON, D. Adeus ao corpo. In: NOVAES, A. (Org.). O homem-máquina: a ciência
manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.123-138.
MARIOTTI, Humberto. As paixões do ego: complexidade, política e solidariedade. São Paulo:
Palas Athenas, 2000.
NAJMANOVICH, D. O sujeito encarnado: questões para pesquisa no/do cotidiano. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
RANCIERE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. Belo Horizonte:
Autentica, 2002.
ZYLBERBERG, Tatiana Passos. Possibilidades corporais como expressão da inteligência
humana no processo de ensino-aprendizagem. Tese de Doutorado. Universidade Estadual
de Campinas, Faculdade de Educação Física. Campinas, SP: 2007.

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