aplicação do gams (general algebraic modeling system)

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aplicação do gams (general algebraic modeling system)
APLICAÇÃO DO GAMS (GENERAL ALGEBRAIC MODELING SYSTEM) A UM
SISTEMA DE RESERVATÓRIOS E CAPTAÇÃO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO
RIO GRAMAME (PB)
Adriano Rolim da Paz(1), Alain M. B. Passerat de Silans(2)
RESUMO – O gerenciamento dos usos dos recursos hídricos torna-se cada vez mais importante,
em virtude da crescente demanda de água e dos conflitos decorrentes dos seus múltiplos usos.
Um dos mecanismos de auxílio à gestão dos recursos hídricos é o desenvolvimento de modelos
de otimização para a operação de reservatórios, através dos quais é possível estabelecer regras
operacionais para maximizar a oferta hídrica. Neste trabalho, apresenta-se a elaboração de um
modelo de otimização utilizando-se o software GAMS – General Algebraic Modeling System, e
sua aplicação a um estudo de caso, na bacia hidrográfica do rio Gramame. Mostra-se como este
software constitui uma poderosa ferramenta de otimização.
ABSTRACT – The management of the water resources’ uses is becoming more and more
important, because of the increasing water demand and the conflicts resulting of its multiple
uses. A mechanism to help in the water resources management is the development of
optimization models for reservoir’s operation, which provides the establishment of operating
rules to maximize the water supply. This paper shows the development of an optmization model
using the software GAMS – General Algebraic Modeling System, and its application at a case
study in the Gramame river basin. It is shown how powerful this software is as an optimization
tool.
PALAVRAS-CHAVE:
GAMS, Otimização Linear, Gramame, Operação de Reservatórios
DTCC – Centro de Tecnologia – Universidade Federal da Paraíba
Campus I – 58059-900 – João Pessoa – PB
Tel: (0__83) 216 7684 – Fax: (0__83) 216 7179 – E-mail: [email protected]
(1) – Estudante PIBIC/CNPq; (2) – Professor
INTRODUÇÃO
As bacias hidrográficas do litoral Nordestino, embora pequenas na maioria, são sujeitas a
um desenvolvimento sócio-econômico importante e crescente, principalmente baseado sobre as
atividades agrícolas, de mineração, industriais e até de loteamento urbano e turístico. Os seus
recursos hídricos são de mais a mais solicitados para os diversos usos na bacia, assim também
como são exportados para sistemas de abastecimento de água das grandes cidades. Obviamente,
conflitos de uso da água já existem em muitas dessas bacias e crescem rapidamente, tornando
imprescindível o gerenciamento dos usos dos recursos hídricos em tais bacias.
A gestão dos recursos hídricos deve envolver os diferentes usuários em uma negociação
para efetivação de uma utilização racional da água sem prejudicar o abastecimento das
populações, e respeitando uma certa hierarquia de prioridades definidas através de instrumentos
legais, regulamentares ou planos regionais de desenvolvimento. A pesquisa operacional constitui
uma técnica apropriada para essa finalidade (Braga, 1987) e procura gerar uma alternativa ótima
para um determinado problema, considerando uma função objetivo a ser otimizada respeitando
as restrições e especificações do problema.
Segundo Oliveira e Lanna (1997), o uso de técnicas matemáticas no dimensionamento e
operação da infra-estrutura hídrica no Nordeste é ainda modesta, quando comparado às suas
potencialidades. Neste trabalho, apresenta-se um estudo de caso na bacia hidrográfica do rio
Gramame no Estado da Paraíba, para o qual utilizou-se uma ferramenta de otimização poderosa,
o GAMS, General Algebraic Modeling System, ainda pouco divulgada junto à comunidade
científica que trabalha com recursos hídricos.
MATERIAL E MÉTODOS
Descrição do problema
O açude Gramame-Mamuaba, cujo início de operação data de 1990, é uma das fontes de
abastecimento da Grande João Pessoa, com capacidade máxima de reservação de 56.937.000 m3
de água. Por já se apresentar no horizonte de projeto (ano 2000) e por se destinar ao
abastecimento humano, os conflitos são inevitáveis.
Atualmente, um dos conflitos decorre da captação de água no rio Gramame, a montante do
açude Gramame-Mamuaba, realizada por uma empresa agro-industrial e que constitui o caso em
estudo. Além de afetar a disponibilidade hídrica do reservatório Gramame-Mamuaba, a vazão
afluente à captação da empresa não garante o pleno atendimento às suas demandas (900 m3/h de
Setembro a Janeiro e 50 m3/h de Fevereiro a Agosto), verificando-se inclusive, através de
balanço hídrico, uma porcentagem de falha de 22%.
Na tentativa de requerer a outorga, a empresa se propõe a construir um açude no riacho
Pitanga, afluente do rio Gramame a montante do local de captação, conforme mostrado na figura
1, procurando atender, prioritariamente, as suas demandas e disponibilizar a maior contribuição
possível para o açude Gramame-Mamuaba.
Ri
ac
ho
ga
tan
Pi
Qap
Açude
Pitanga
Qag
Gr
am
Rio
Qae
Captação
da empresa
am
e
Qrp
Qre
Qse
Açude
Gramame-Mamuaba
Figura 1: Esquema do caso em estudo.
O balanço hídrico no açude Pitanga se escreve da seguinte forma:
Vp( t ) = Vp( t − 1 ) + [ prec( t ) − evap( t )] ⋅ Ap( t ) + Qap( t ) − Qrp( t ) − Vps( t )
Vp(t) – volume armazenado no açude Pitanga ao final do mês t
Vp(t-1) – volume armazenado no açude Pitanga ao final do mês t-1
prec(t) – lâmina precipitada no açude Pitanga no mês t
(1)
evap(t) – lâmina evaporada do açude Pitanga no mês t
Ap(t) – área média do espelho d’água do açude Pitanga ao longo do mês t
Qap(t) – vazão afluente ao açude Pitanga no mês t
Qrp(t) – vazão retirada do açude Pitanga no mês t
Vps(t) – volume sangrado do açude Pitanga no mês t
Se o volume Vp(t) for inferior ao volume na cota do porão (Vpp), a retirada de água em tal
mês será dada por :
Qrp( t ) = −Vpp + [ Vp( t − 1 ) + ( prec( t ) − evap( t )) ⋅ Ap( t ) + Qap( t )]
E o volume no açude Pitanga será o volume na cota do porão:
Vp( t ) = Vpp
(2)
(3)
Quando o volume Vp(t) é superior à capacidade máxima do açude (Vpmax), ocorre o
sangramento, representado por Vps(t). Caso contrário (Vp(t) < Vpmax), tem-se Vps(t) = 0.
No local da captação da empresa, a jusante da confluência com o rio Gramame, o balanço
hídrico se escreve:
Qae( t ) = Qrp( t ) + Qag ( t ) + Vps( t ) = Qse( t ) + Qre( t )
(4)
onde:
Qae(t) – vazão do rio Gramame afluente à captação da empresa no mês t
Qrp(t) – vazão retirada do açude Pitanga no mês t
Vps(t) – volume sangrado do açude Pitanga no mês t
Qag(t) – vazão do rio Gramame à montante da afluência do riacho Pitanga no mês t
Qse(t) – vazão do rio Gramame à jusante da captação da empresa no mês t
Qre(t) – vazão captada para consumo da empresa no mês t
Em virtude das demandas estimadas para o atendimento da empresa constituírem dois
períodos bem definidos e distintos, estudou-se as seguintes alternativas: (1) na primeira
alternativa, procurou-se otimizar a operação do açude Pitanga e a captação da empresa durante
todo o ano; (2) como segunda alternativa, devido a demanda de apenas 50m3/h nos meses
chuvosos (de Fevereiro a Agosto), garantiu-se o atendimento a tais demandas e efetivou-se a
otimização apenas nos demais meses (de Setembro a Janeiro).
Modelo proposto com a utilização do GAMS
Na elaboração do modelo de otimização proposto, empregou-se o programa computacional
GAMS (General Algebraic Modeling System), que constitui uma ferramenta com capacidade
para a determinação de soluções ótimas, tanto em problemas lineares como nos casos de nãolinearidade, permitindo, inclusive, trabalhar-se com grandes números de variáveis, constantes e
restrições, como ocorre no caso dos reservatórios.
O GAMS permite a otimização através de diversos “solvers’’, como, por exemplo,
MINOS, ZOOM, DICOPT e CONOPT, além de utilizar uma linguagem de alto nível para a
representação compacta de modelos grandes e complexos, possibilitando que descrições do
modelo sejam independentes dos algoritmos de solução, e que alterações sejam feitas nas
especificações do modelo de maneira bastante simples. O projeto do GAMS utilizou-se da
programação matemática, na maneira de descrever o problema e na infinidade de métodos de
resolvê-lo, aliando-se a isso uma estrutura de trabalho para o desenvolvimento da organização
geral e transformação de dados, incorporada da teoria dos bancos de dados relacionais (Brooke et
al., 1997).
Na elaboração do modelo GAMS de otimização para o problema em questão, utilizou-se a
programação linear, forçando todas as equações e restrições apresentadas pelo modelo à
linearidade, e empregou-se o solver MINOS, cuja solução de problemas lineares segue o método
simplex primal (Brooke et al., 1997).
Sabe-se que a área do espelho d’água de um açude varia não linearmente com o volume
armazenado no mês, podendo tal variação ser representada da forma Ap(t) = k . Vp(t)α - onde k e
α são constantes, não sendo aplicável à programação linear. Para contornar essa limitação, podese empregar a linearização da curva cota-área-volume, através da programação separável (Pilar
et al., 1998), ou a elaboração de um algoritmo iterativo, alternativa adotada neste trabalho.
O modelo GAMS de otimização apresenta a seguinte estrutura:
Equações:
Vp (t ) = Vp (t − 1) + [ prec (t ) − evap (t )] ⋅ A(t ) + Qap (t ) − Qrp (t )
(5)
Qae( t ) = Qrp( t ) + Qag ( t ) = Qse( t ) + Qre( t )
(6)
Restrições:
Vp( t ) ≥ Vpp
Vp( t ) ≤ Vp max
(7)
(8)
Qre( t ) ≤ Qmre( t )
(9)
Qre( t ) = Qmre( t )
(10)
Função objetivo:
F = a1 ⋅ [ Qmre( t ) - Qre( t )] + a2 ⋅ [ Qmse( t ) − Qse( t )]
(11)
As equações (5) e (6) constituem o balanço hídrico no açude Pitanga e na captação da
empresa, respectivamente; com a restrição (7), obriga-se que o volume armazenado no açude
Pitanga seja sempre superior ao volume na cota do porão e, através da restrição (8), tem-se a
limitação da capacidade máxima de reservação (Vpmax) de tal açude.
Por se tratar de uma modelagem algébrica, o operador IF não pode ser aplicado à variável
Vp(t) e, com isso, a variável Qrp(t) representa a vazão retirada operacionalmente do açude
Pitanga acrescida do eventual volume sangrado em cada mês. Através da restrição (9), tem-se
que as vazões retiradas pela empresa Qre(t) são inferiores ou iguais às suas necessidades
estabelecidas como metas no modelo. A restrição (10), incluída apenas na alternativa 2 e sendo
válida para os meses de Fevereiro a Agosto, garante o atendimento às demandas da empresa para
o referido período.
Elaborou-se o modelo GAMS de otimização procurando-se minimizar a função objetivo
(11) para, com isso, atender aos dois objetivos do modelo: (i) minimizar os desvios das vazões
captadas pela empresa (Qre) em relação às respectivas metas (Qmre); (ii) possibilitar as maiores
vazões possíveis afluentes ao açude Gramame-Mamuaba (Qse – vazões a jusante da captação da
empresa), através da minimização dos desvios de tais vazões em relação a uma meta arbitrada
como sendo um valor superior às vazões observadas.
Na função objetivo F, incluiu-se os coeficientes de ponderação a1 e a2, os quais permitem
se priorizar uma ou outra parcela de F, de acordo com o valor atribuído a tais coeficientes, sendo
ajustados através de uma análise de sensibilidade do modelo.
Aplicação do modelo GAMS ao caso em estudo
Aplicou-se o modelo GAMS proposto - equações (5) a (11) - ao caso estudado para um
período de 17 anos (de 1972 a 1988), sendo as vazões afluentes do riacho Pitanga e do rio
Gramame geradas pelo modelo hidrológico distribuído AÇUMOD (Silva J. et al., 2000), e a
curva cota-área-volume do açude Pitanga fornecida pela própria empresa. Os dados de
evaporação do açude Pitanga considerados correspondem aos observados no tanque classe A, da
ETA de Marés, localizada no município de Bayeux, multiplicados pelo coeficiente do tanque
(0,7). Os dados de precipitação foram medidos na proximidade do local de captação da empresa.
Os coeficientes da função objetivo foram estabelecidos em a1 = 0,6 e a2 = 0,4, através de uma
análise de sensibilidade do modelo.
RESULTADOS E ANÁLISES
As tabelas 1 e 2 apresentam, respectivamente, uma síntese dos resultados gerados pela
alternativa 1, onde se efetuou a otimização sobre todos os meses, e pela alternativa 2, na qual o
período chuvoso (de Fevereiro a Agosto) não faz parte da otimização. O estudo desenvolveu-se
no período de 1972 a 1988, perfazendo um total de 204 meses.
Tabela 1 - Resumo dos resultados da otimização com a alternativa 1
Alternativa 1
No de meses
Maior período
contínuo (em meses)
Captação da empresa
Volume do Açude Pitanga - Vp
falhas atendimento = Vpp > Vpp = Vmáx < Vmáx
16
188
95
109
10
194
03
44
19
09
01
44
Tabela 2 - Resumo dos resultados da otimização com a alternativa 2
Alternativa 2
No de meses
Maior período
contínuo (em meses)
Captação da empresa
Volume do Açude Pitanga - Vp
falhas atendimento = Vpp > Vpp = Vmáx < Vmáx
12
192
82
122
24
180
02
46
10
11
02
11
A percentagem de meses para os quais as necessidades da empresa não foram atendidas
correspondem, respectivamente, a 7,8% e 5,9%, segundo se considera a alternativa 1 ou a
alternativa 2, mostrando como uma barragem de porte pequeno consegue resolver o problema da
empresa desde que uma operação adequada é implantada.
Comparando-se os resultados das duas alternativas estudadas, observa-se que a alternativa
2, além de propiciar um melhor atendimento das necessidades da empresa (menor número de
meses com falha e menor período contínuo de falha), leva a uma dinâmica mais segura dos
níveis de água no açude, pois a permanência do mesmo em níveis mais baixos é inferior, o que
garante uma maior autodepuração e menor concentração de cargas poluidoras.
No entanto, a operação a ser adotada deve considerar os efeitos sobre o açude GramameMamuaba. A otimização foi feita de modo a perturbar o menos possível a disponibilidade de tal
açude. Na tabela 3, constam as vazões regularizadas por este açude, considerando-se as garantias
de 98%, 95% e 90%. Observa-se que nenhuma das alternativas gera qualquer prejuízo à
utilização do açude Gramame-Mamuaba, demonstrando que os objetivos da otimização foram
plenamente atendidos.
Tabela 3 - Vazões regularizadas pelo açude Gramame-Mamuaba
Vazão regularizada (m3/s)
Nível de
garantia
Situação atual
Alternativa 1
Alternativa 2
98%
2,56
2,56
2,56
95%
3,04
3,04
3,04
90%
3,64
3,59
3,65
CONCLUSÕES
O software GAMS representa um excelente meio de elaboração de modelos de otimização,
demonstrando grande capacidade para aplicações na otimização da operação de reservatórios.
Com a sua aplicação ao caso em estudo, observou-se que a alternativa 2, na qual realizou-se a
otimização apenas para os meses correspondentes ao período de estiagem (de Setembro a
Janeiro), apresentou os melhores resultados, possibilitando à empresa um maior atendimento às
suas necessidades.
Diante de tais resultados, pode-se definir regras operacionais para o reservatório estudado
baseadas no período chuvoso, reproduzindo-as para períodos futuros, através do emprego de
aproximadores universais como as Redes Neurais Artificiais (RNA’s).
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à GIASA, empresa agro-industrial alcooleira, que forneceu todos os
dados e as informações necessárias a este estudo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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hídricos, em ABRH – Coleção de Recursos Hídricos, Modelos para Gerenciamento de
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PILAR, J.V., SANTANA, A.G. & LANNA, A.E.L., 1998. Uma abordagem alternativa para a
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Grande, CD-ROM.
SILVA JÚNIOR, A.N., PAIVA, A.E.D.B. & PASSERAT DE SILANS, A.M.B., 2000.
Aplicação do modelo hidrológico distribuído AÇUMOD à bacia hidrográfica do rio
Gramame – Estado da Paraíba, Anais do V Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste,
Natal, CD-ROM.