uma análise comparativa da percepção - PPGHC

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uma análise comparativa da percepção - PPGHC
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de História
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Leandro Couto Carreira Ricon
Melodias Paralelas:
uma análise comparativa da percepção nacionalista
em óperas de Richard Wagner e Giuseppe Verdi na primeira metade do século XIX
Rio de Janeiro
2013
Leandro Couto Carreira Ricon
Melodias Paralelas:
uma análise comparativa da percepção nacionalista
em óperas de Richard Wagner e Giuseppe Verdi na primeira metade do século XIX
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Comparada
do Instituto de História da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGHC-IHUFRJ) como requisito parcial para a
obtenção do grau de mestre.
Orientador: Professor Doutor José Costa D’Assunção Barros
Rio de Janeiro
2013
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de História
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Melodias Paralelas:
uma análise comparativa da percepção nacionalista
em óperas de Richard Wagner e Giuseppe Verdi na primeira metade do século XIX
Dissertação apresentada pelo aluno Leandro Couto
Carreira Ricon (matrícula 111313001) ao Programa de
Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGHC-IH-UFRJ) como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre.
_______________________________________________
Professor Doutor José Costa D’Assunção Barros
(orientador)
_______________________________________________
Professor Doutor Wagner Pinheiro Pereira
_______________________________________________
Professor Doutor Karl Schurster Veríssimo de Souza Leão
Rio de Janeiro
2013
A Leticia dos Santos Vicari
que, com toda sua alma, me mostrou que a vida é incrível
AGRADECIMENTOS
Agradecer é sempre uma tarefa difícil mas sem qualquer dúvida gratificante.
Lembrar daqueles que possibilitaram, colaboraram e incentivaram o trabalho é, tanto
quanto o trabalho em si, fundamental. Desta forma, gostaria de agradecer à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo auxílio
fornecido ao trabalho, sem o qual este não existiria.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História
da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, com sua seriedade e competência
profissional e acadêmica possibilitou todas as pesquisas bem como me apresentou aos
profissionais que tanto admirei e admiro ao longo de minha jornada. Meu muito
obrigado, também à Profa. Dra. Gracilda Alves por toda a sua presteza e atenção com os
alunos.
Ao meu orientador, Prof. Dr. José Costa D’Assunção Barros por permitir que
ousasse em minhas pesquisas, assim como por me puxar novamente quando ousava
demais. Por todas as suas sugestões e incentivos.
Ao Prof. Dr. Celso Garcia Ramalho por todo o carinho, generosidade, respeito e
dedicação que teve comigo e com meu trabalho, inclusive participando, além da
qualificação, de eventos nos quais estava, pelo simples prazer em ajudar. Espero que
ainda possamos trabalhar muitas vezes juntos. De verdade.
Ao Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira, por ter incentivado a ousadia antes
escondida em meu texto. Também agradeço por em todos os momentos de dificuldade
estar ao lado, não apenas na qualificação. Creio que ele nunca saberá ou acreditará o
quanto devo a ele.
Meu muito obrigado a esses três professores, também, por me mostrarem que
um trabalho de História Social da Música deve levar em conta a Música. Por mais
simples que pareça, estes me alertaram sobre essa fragilidade de minha percepção
historiográfica, assim como me alertaram acerca dos perigos do excesso de
interpretação.
Ao Prof. (ou amigo, ou melhor, ambos) Dr. Karl Schurster, primeiro orientador,
amigo querido. Devo tanto a Karl que simplesmente é impossível resumir em um
agradecimento. Espero que saiba.
A minha família, sempre presente.
À Professora Maria das Graças Duvanel Rodrigues, coordenadora do curso de
História da Universidade Católica de Petrópolis que me abriu as portas desta instituição
de ensino da qual uma vez fui aluno. Meu muito obrigado por acreditar no meu trabalho
e por sempre incentivar. Meu muito obrigado por abrirmos o Laboratório de História
Social e por confiar em mim para a coordenação deste grupo. Ainda produziremos
muito. Meu muito obrigado, também, a todos os colegas e amigos que possuo até hoje
na instituição.
Ao professor e amigo Dr. Leandro Rust da Universidade Federal do Mato
Grosso, professor que, destarte a minha descrença, foi o primeiro a mostrar que sim, é
possível termos excelentes amigos e passarmos horas extremamente agradáveis, mesmo
que por telefone, morando tão longe.
A Ester, Raimundo, Nathalia (ou metralha – apelido péssimo para alguém tão
gentil) e Daniel (ou Nini) por serem, sem dúvida, minha segunda família e por terem,
como uma família, compreendido minha ausência ao longo destes anos de pesquisa e
por, mesmo assim, sempre estarem presentes.
Ao Maestro Antônio Carlos Leal Gastão, ou simplesmente Gastão, amigo com o
qual aprendi tanto e espero aprender mais sobre música e sobre a vida.
Ao querido amigo Leonardo Malgeri, que realmente acreditou em mim.
Obrigado por todas as oportunidades e por me deixar trabalhar com seu
profissionalismo e humanismo de excelência.
Agradeço, finalmente, a todos os amigos que acompanharam esta jornada,
principalmente Igor Lapsky e Pedro Paulo Aiello.
Meu muito obrigado a todos... mesmo.
Por todos os meios, nós temos um campo de música que nos pertence por direito, – e
que é a música instrumental; – mas uma Ópera Alemã nós não temos,
e por essa mesma razão não temos um Drama nacional.
Richard Wagner
(A ópera alemã)
Copiar a verdade pode ser uma boa coisa,
todavia inventar a verdade é melhor, muito melhor.
Giuseppe Verdi
(Carta para Clara Maffei de 20 de Outubro de 1876)
Sem música a vida seria um erro...
Friedrich Nietzsche
(Crepúsculo dos Ídolos – Máximas e Satiras 33)
...ou pelo menos um grande equívoco.
RESUMO
Esta dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História
Comparada do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGHC-IH-UFRJ) busca analisar comparativamente a percepção nacionalista de dois
compositores do romantismo europeu – Richard Wagner (Alemanha) e Giuseppe Verdi
(Itália) – no contexto antecedente das unificações destes países. Assim sendo,
analisamos as óperas Rienzi e Lohengrin de Wagner e Nabucco e La Battaglia de
Legnano de Verdi procurando as representações diretas ou indiretas (inconscientes) do
nacionalismo. A partir da delimitação do conceito de romantismo e da percepção da
interação entre a História e a Arte dentro dos estudos operístico, sondamos a
possibilidade de produções artísticas, a partir da metodologia comparativa, oferecerem
dados suficientes para a compreensão dos distintos quadros sociais nos quais as peças
são produzidas.
PALAVRAS-CHAVE: Romantismo. Richard Wagner. Giuseppe Verdi
ABSTRACT
This dissertation presented to Postgraduate Program in Comparative History of the
History Institute of the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ-PPGHC-IH) seeks
to analyze the perception of two nationalist composers of European Romanticism Richard Wagner (Germany) and Giuseppe Verdi (Italy) - in the context of previous
unifications of these countries. Therefore, we analyzed the representations in Rienzi and
Lohengrin by Wagner and Nabucco and La Battaglia Legnano by Verdi searching direct
or indirect (unconscious) nationalism. From the definition of romanticism and the
perception of the interaction between history and art within the operatic studies, we
probe the possibility of artistic productions, in comparative methodology, provide
sufficient data to understand the different social contexts in which are produced .
KEYWORDS: Romanticism. Richard Wagner. Giuseppe Verdi.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
PARTE I
19
CAPÍTULO I – POR UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÚSICA: UMA
METODOLOGIA APLICADA À PRODUÇÃO OPERÍSTICA
1.1 História Social da Música: uma definição necessária
1.2 História Social da Música: problematizações metodológicas em
forma de breves apontamentos
20
21
29
1.3 A ópera: um esboço de sua história desde a sua formação até a
configuração do nacionalismo romântico operístico no decorrer do século
34
XIX
1.4 História Social da Música: a possibilidade e a aplicabilidade
metodológica no caso da ópera: questões e apontamentos
40
PARTE II
44
CAPÍTULO II – WAGNER
45
2.1 A Alemanha: estrutura política e cultural na formação de Richard
Wagner
45
2.2 Wagner: estilo
51
2.3: Rienzi: a escrita, a música e o enredo da ópera
57
2.4: Lohengrin: a escrita, a música e o enredo da ópera
66
CAPÍTULO III – VERDI
71
3.1 A formação do compositor de Busseto e o ambiente italiano
71
3.2 Verdi: estilo
78
3.3 Nabucco: a escrita, a música e o enredo da ópera
82
3.4 La Battaglia di Legnano: a escrita, a música e o enredo da ópera
87
CAPÍTULO IV: EM PERSPECTIVA COMPARADA, O NACIONALISMO
NAS ÓPERAS DE VERDI E DE WAGNER ENTRE 1830 E A PRIMAVERA
92
DOS POVOS
4.1 A política em Rienzi e Lohengrin
94
4.2 A política em Nabucco e em La Battaglia di Legnano
97
4.3 As harmonias consonantes e as dissonantes: sínteses possíveis
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
107
REFERÊNCIAS
109
APÊNDICES
119
APÊNDICE I: CRONOLOGIA COMPARATIVA DE RICHARD
WAGNER E DE GIUSEPPE VERDI (1813 – 1901)
APÊNDICE II: OS ARTISTAS E AS SOCIEDADES NOS
ESTUDOS DE HISTÓRIA COMPARADA OU AS VIDAS PARALELAS
120
137
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1
Richard Wagner
46
Imagem 2
As barricadas de Dresden
49
Imagem 3
Publicação nos jornais de Dresden
sobre as atividades revolucionárias de Richard Wagner
49
Imagem 4
Cena de multidão em Tannhäuser
55
Imagem 5
Cartaz da estreia mundial de Rienzi
60
Imagem 6
Rienzi regressando a cavalo após o conflito
63
Imagem 7
Imagem 8
Imagem 9
A chegada de Lohengrin em um barco com forma de concha
puxado por um cisne através de correntes de ouro
Giuseppe Verdi
Le cinque giornate di Milano: Barricadas em Borgo delle
Fontane, 1848
69
73
75
Imagem 10
O ‘slogan’ Viva V.E.R.D.I.
77
Imagem 11
Uma cena de Don Carlos
81
Imagem 12
Temistocle Solera
83
Imagem 13
Cartaz da primeira apresentação de Nabucco
83
Imagem 14
Concepção artística da Babilônia
86
Imagem 15
Salvadore Cammarano
88
Imagem 16
A Batalha de Legnano
90
Imagem 17
Caricatura de Richard Wagner
102
Imagem 18
Caricatura de Giuseppe Verdi
102
Imagem 19
Enterro de Richard Wagner
105
Imagem 20
Enterro de Giuseppe Verdi
105
INTRODUÇÃO
Tomamos como título para o trabalho que se segue Melodias Paralelas, um
claro empréstimo da obra Vidas Paralelas1 do grego Plutarco de Queronéia, um dos
fundadores do modelo de análise biográfica, pelo menos aquela de cunho comparativo.
Guardamos, contudo, as devidas proporções analíticas: devemos lembrar que, enquanto
o autor grego se preocupa com um modelo narrativo biográfico de nítido caráter
propedêutico moralista, nós utilizamos, aqui, o modelo de trajetórias de vidas e suas
produções comparadas como contextualização analítica da política, da sociedade e da
cultura em dois compositores operistas da Europa do século XIX: o alemão Richard
Wagner e o italiano Giuseppe Verdi.
Este trabalho objetiva, em linhas gerais, analisar comparativamente a percepção
político-nacionalista presente em óperas destes dois indivíduos durante o contexto que
culminaria no ciclo revolucionário ocorrido entre 1848 e 1849. Este contexto é relevante
uma vez que esta Primavera dos Povos, como ficou conhecida esta sequência de
revoltas, se transformará na fundamentação política e social para as unificações dos
territórios nos quais estes compositores viviam, ou seja, a Alemanha e a Itália. Assim,
percebendo que o romantismo presente nos dois deve ser compreendido como um
romantismo-nacionalista é possível ampliar a ideia da produção artístico-operística no
século XIX.
Desta forma, a nossa hipótese é a de que existe a possibilidade de estudos de
produções artísticas e trajetórias comparadas oferecerem subsídios para uma
comparação de fenômenos políticos, sociais e culturais nos quais essas produções e
existências se inserem uma vez que as obras e as vidas transformam-se, diretamente, a
partir do contexto no qual são criadas e vividas.
Algumas similitudes entre estes compositores merecem destaque e foram
decisivas na escolha destas personagens – além da coincidência de ambos terem nascido
no mesmo ano, 1813 –, são elas: tanto Wagner quanto Verdi são considerados
compositores românticos nacionalistas extremamente específicos, sendo difícil a
comparação destes com outros do mesmo período e de seus próprios territórios e mais,
estes são considerados os principais compositores operísticos do século XIX de seus
1
No original, em grego, Βίοι Παράλληλοι (Bíoi Parállēloi). Na versão latina, Vitae Parallellae.
13
respectivos países; ambos foram indivíduos amplamente envolvidos em política,
podemos lembrar que Richard Wagner lutou juntamente com a população durante a
Primavera dos Povos em Dresden tendo se aproximado do governo monárquico
posteriormente, em 1864, com a ida de Ludwig II ao trono. Já Giuseppe Verdi, por sua
vez, exerceu o cargo de deputado e, posteriormente, senador, se transformando em
nome tão significativo nos territórios italianos que logo um grito ficaria famoso: Viva
Verdi! o qual, apesar de significar, originalmente, Viva Vittorio Emanuele Re D’Italia
[Viva Vitorio Emanuel Rei da Itália] foi cunhado e identificado diretamente com o
compositor; por último, podemos ressaltar que a biografia de ambos, destarte todas as
diferenças, possui um ponto central comum de extrema relevância: foram trajetórias de
vida cruzadas pelos processos nacionalistas de unificação de ambos os países.
Poucos são os estudos, principalmente em âmbito nacional, que se preocupam
em mesclar as perspectivas teóricas e metodológicas da História Comparativa com a
História Social das Artes e com a História Política enfocando, por exemplo, a produção
intelectual e mesmo a artística dos indivíduos. Em nosso ponto de vista, a comparação
entre política e manifestações sociais da arte oferece sólidos pontos de apoio para
percebermos as semelhanças e as singularidades de variados fenômenos processuais.
Partimos, dessa forma, da análise de que toda obra artística tem um quê político, mesmo
que de forma indireta ou, para usar o termo empregado por Fredric Jameson,
inconsciente2. Vale, contudo, ressaltarmos que aquilo que pretendemos com este
trabalho é História, uma modelagem interdisciplinar, porém histórica. Desta forma, não
entraremos em discussões acerca do processo composicional dos autores.
A motivação originária para este trabalho veio a partir da percepção da escassa
produção de trabalhos que mesclem as características da pesquisa musicológica com a
percepção historiográfica e mais, os poucos estudos que surgem nesta modalidade ainda
possuem grande fragilidade teórica e, principalmente, metodológica o que implica na
ausência deste tipo de trabalho a partir da ótica da lógica comparativa. Outro ponto de
motivação é a necessidade de se problematizar socialmente a produção operística dos
dois autores, até hoje os mais executados nas salas, teatros e auditórios.
Neste trabalho não entraremos no mérito de amplos debates acerca do conceito
de artista. Ernst Gombrich já afirmou certa vez que “uma coisa que realmente não existe
2
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São
Paulo: Ática, 1992.
14
é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas”3. Desta forma, o célebre
pesquisador austríaco identifica o artista com o produtor de determinada forma de
expressão estética que pode ou não agradar um determinado grupo.
Trabalhamos aqui compreendendo os conceitos de romantismo e artista
romântico e nacionalismo. Para a compreensão de romantismo e de artista romântico,
utilizamos a percepção de Norbert Elias. Para este, estes conceitos são complementares
através da instauração de um fenômeno sócio-cultural relevante no cenário europeu de
crise do século XIX. Este é o período no qual os artistas se fundamentam sócioeconomicamente o que possibilitará a estes trazer à tona e sem maquilagens suas ideias
de forma representativa através de suas produções. Lembremos, contudo, que esta
fundamentação teórica é um modelo que funciona dentro de nosso determinado quadro
de análise e não para as artes em todos os tempos e lugares de análise possível. Desta
forma, apesar de existirem alternativas conceituais, escolhemos esta por se adaptar
melhor a nosso objeto de estudo e problemática já que a historiografia e a musicologia
inserem tanto Wagner quanto Verdi dentro do definido romantismo. Estas produções
visam, no geral, a fundamentação do nacionalismo percebido na época, ou seja, estas
obras buscam a formação de uma cultura unida que possibilitará ao grupamento social
se perceber como pertencente e igual a determinado grupo. Este modelo conceitual nos
é útil uma vez que os territórios que formariam a Alemanha e a Itália eram
extremamente divididos durante o século XIX e estes compositores identificaram, em
suas obras, determinada função social de criação deste sentimento de pertença. A partir
dessas utilizações conseguimos incluir as produções artísticas destes autores em um agir
político discursivo.
Ainda nos resta, portanto, uma definição metodológica para o trabalho que se
segue. Utilizamos como metodologia principal, uma vez que comportará em seu interior
uma série de outros modelos metodológicos sem criar incoerências, a História
Comparada. Buscamos assim perceber as diferenças e as similitudes no que concerne a
estruturação social, política e cultural do ambiente de nossos dois indivíduos aqui
pesquisados, compreendendo, também, como essa estrutura maior se apresenta na
produção artística desses indivíduos. Todavia, como métodos complementares,
buscando uma maior intra e interdisciplinaridade, anexamos à comparatividade as
metodologias de análise discursiva, procurando compreender os textos políticos e
3
GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p.4.
15
epistolares que nossos compositores deixaram e a análise da escrita musical, que nos
demonstrará uma possibilidade de pesquisa das inovações estilísticas que fazem destes
compositores alguns dos indivíduos mais reconhecidos durante seu próprio século –
característica esta que levará a ambos a fama necessária para a constituição de seu
projeto musical-nacionalista.
Nosso trabalho encontra-se dividido em duas partes: a primeira parte, A ópera:
apontamentos metodológicos para uma História Social da Música é constituída do
capítulo chamado Por uma História Social da Música: uma metodologia aplicada à
produção operística. Este capítulo pode ser dividido em alguns momentos diretamente
complementares: em um primeiro momento deste trecho, fazemos breves apontamentos
buscando uma diferenciação entre a tradicional historiografia que possui a produção
musical como objeto, a História Social da Música e a Musicologia, principalmente
aquela de cunho histórico (inserindo nesta modalidade as possibilidades de
etnomusicológicas). Em outro momento, buscamos definir e analisar a metodologia da
História Social da Música, procurando relacionar essa nova possibilidade com as
necessidades da História enquanto disciplina a partir do final do século XX. Logo após,
buscamos compreender as características de especificidade histórica da construção da
ópera enquanto gênero artístico-musical para, então, podermos relacionar essa prática
criadora com a emergência dos nacionalismos e das escolas nacionais ao longo do
século XIX. Por último, buscamos uma possibilidade metodológica da História Social
da Ópera como fenômeno. Dessa forma, podemos perceber que há uma possibilidade
direta da comparação, em nosso estudo, entre os produtos artísticos dos atores e seus
espaços de atuação. Nesta primeira parte encontramos, portanto, análise dos aparatos
metodológicos ao entendimento do restante do trabalho – a partir desta parte, ficará
claro, por exemplo, a escolha das óperas de cada autor e de sua documentação
complementar.
A segunda parte, O artista político no século XIX: o caso alemão em Richard
Wagner e o italiano em Giuseppe Verdi em perspectiva comparada, busca demonstrar a
aplicabilidade do arcabouço teórico-metodológico analisado anteriormente em casos
concretos, buscando, portanto, perceber a atitude política de dois personagens na mesma
época porém em quadros sociais e culturais distintos, procurando notar como esses
16
quadros sociais diferentes e as atitudes políticas plurais modificam ou unem o padrão
artístico destes. Destarte, nosso segundo capítulo Wagner, e terceiro capítulo, Verdi,
apresentam temas concorrentes: o segundo foca na vida e contexto geral da produção de
Richard Wagner enquanto o terceiro faz o mesmo só que com Giuseppe Verdi. Nesses
capítulos pretendemos trazer o máximo de referencial da relação entre esses indivíduos
e a presença política de seus respectivos territórios em sua produção estilística – este é o
momento no qual analisamos determinadas óperas destes autores e seu relacionamento
com a política nacional da época4. Este paralelo entre o segundo e o terceiro capítulo de
nosso texto nos conduzirá diretamente a nosso quarto e último capítulo, As harmonias
dissonantes, no qual propomos uma discussão comparativa entre a produção artística
destes personagens analisadas individualmente nos capítulos anteriores e o contexto
social, político e cultural nos quais estes estão inseridos como produtores de discursos
políticos e estéticos, buscando pontos próximos e pontos afastados entre os dois autores,
suas produções e entre seus quadros sociais no século das unificações dos dois países.
Após o término do trabalho, como Apêndice, além da presença de uma
cronologia comparativa que busca melhor situar o leitor, há um texto de nossa autoria
que objetiva demonstrar, através da análise teórica e metodológica, a possibilidade da
utilização da produção de artistas-intelectuais como fonte para a análise de realidades
sociais, políticas e culturais díspares dentro do modelo proposto pela História
Comparada. Desta forma, abrimos um foco de interdisciplinaridade com os estudos
artísticos para a construção da História enquanto disciplina.
Assim sendo, nosso trabalho, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em
História Comparada do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
que aqui se inicia busca um enfoque, ou seja, um modo de ver o objeto, localizado na
interação entre a História Social, a História Cultural e a História Política – lembremos,
portanto, que essas divisões de dimensão são criações arbitrárias dos próprios
historiadores, atendendo a seus interesses. Por sua vez, nossa abordagem, nossa forma
de fazer, é, por excelência, a História Comparada das Representações Políticas, método
este que amplia as possibilidades de questionamentos e de subordinações
metodológicas, ou seja, a partir deste método base outros podem se somar. Por último,
nosso eixo temático é o ponto de encontro entre a História – História Social das Artes,
4
As óperas escolhidas para a análise são: de Richard Wagner, Rienzi e Lohengrin e de Giuseppe Verdi,
Nabucco e La Battaglia di Legnano.
17
mais especificamente da Música – e a Musicologia. Vale ressaltarmos que esta
amplitude historiográfica formadora de um complexo mosaico teórico-metodológico é,
em si, um produto da própria realidade social da necessidade de cientificidade da
História enquanto disciplina no nosso tempo presente. No mais, não buscamos encerrar
os temas acerca das possibilidades comparativas destes dois indivíduos no ano de seus
bicentenários. Pelo contrário, este trabalho pretende se colocar como um pequeno início
de debate. Debates este que continuará nos próximos anos.
18
PARTE I
A ÓPERA:
APONTAMENTOS METODOLÓGICOS PARA UMA
HISTÓRIA SOCIAL DA MÚSICA
CAPÍTULO I – POR UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÚSICA: UMA
METODOLOGIA APLICADA À PRODUÇÃO OPERÍSTICA.
Ao longo do século XX a História enquanto disciplina acadêmica sofreu uma
série de questionamentos que acabaram por ampliar suas possibilidades de pesquisa e de
problematizações possíveis criando, assim, núcleos diversificados de análise desta
ciência. Podemos citar, como característica das novas historiografias propostas durante
este período. Passa a ocupar uma posição central no fazer historiográfico a necessidade
de se questionar o papel das narrativas dentro da cientificidade histórica1, assim como a
utilização da lógica de lugar de fala de cada historiador – ou seja, a partir deste
momento passou a ser necessário localizar social e institucionalmente o produtor da
historiografia2; De igual maneira, podemos indicar como outra característica importante
da nova historiografia a definição, plural, das temporalidades históricas entre a curta
duração dos fatos, a média duração das conjunturas e a longa duração das estruturas. As
novas abordagens metodológicas, a inovação teórica e a percepção da relevância dos
estudos dos conceitos, a definição do papel dos indivíduos dentro do núcleo social – eis
aqui algumas das outras variadas características que se, por um lado, ampliaram as
possibilidades científicas desta disciplina, por outro, muitas vezes também relativizaram
o conhecimento proposto por esta matéria.
Dentre estas novas propostas, um âmbito surgiu sendo relativamente pouco
explorado devido, principalmente, à complexidade de interpretação que os historiadores
possuem acerca deste ramo: a música. Relacionar a musica com a História se fez difícil
labor, uma vez que este tipo artístico possui uma linguagem por demais específica à
qual os historiadores, em sua maioria, não possuem acesso. Todavia, negar a inserção
desta prática artística nos estudos históricos é, diretamente, reduzir as possibilidades
analíticas de compreensão da realidade cultural, social, política e até mesmo econômica
de determinada realidade temporal.
Primeiramente, antes mesmo de entrar em classificações e análises
metodológicas, uma definição tipológica se faz necessária: trata-se de diferenciar o que
é a tradicional História da Música, o que é Musicologia, principalmente a de caráter
1
Lembremos, no entanto, que esta volta das narrativas aos questionamentos historiográficos gerou a
necessidade de uma narrativa de caráter nitidamente problematizador sendo, assim, as narrativas
meramente descritivas e factuais tendem (e devem) ser afastadas dos modelos historiográficos
contemporâneos.
2
CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
20
histórico, e o que é a História Social da Música. A maior parcela de historiadores que
tenta se envolver com a música enquanto objeto de pesquisa ainda não possui em sua
formação a clara distinção entre estes três modelos de pesquisa possíveis. Desta forma,
a maior parte dos pesquisadores que enfrentam o desafio da feitura de uma História
Social da Música, bem como os músicos que se colocam na pesquisa de determinada
Musicologia Histórica de caráter social ainda persistem elaborando uma narrativa
tradicionalista de História da Música, privilegiando indivíduos e obras e anulando,
mesmo que de forma inconsciente, as características mais gerais que possibilitam a
existência destes mesmos indivíduos e obras.
1.1 História Social da Música: uma definição necessária.
Em primeiro lugar, devemos situar o que é comumente chamado de História da
Música; aquela mais tradicionalista e que, apesar de sua relevância para a pesquisa, por
recolher grande número de informações e documentos, infelizmente ainda domina o
cenário historiográfico contemporâneo. Podemos lembrar que durante o século XIX,
muitas vezes chamado de o século da História – já que nesse momento surgem as
primeiras críticas metodológicas ao conhecimento histórico – os historiadores que
focavam na arte vinculavam a criação artística com a lógica de alta cultura, ou cultura
letrada sem problematizar socialmente a produção. Assim sendo, a arte era tida como
uma manifestação do espírito humano. Neste contexto, raros eram os textos específicos
relacionados à música e estes, quando existiam, focavam principalmente as análises
biográficas sendo escritos, em geral, por sujeitos próximos ao biografado, como é o
caso da biografia que o compositor, pianista e maestro Franz Liszt dedicou a Frederic
Chopin, ou a biografia de Ludwig van Beethoven escrita por seu secretário e amigo
íntimo Anton Felix Schindler.
Fazia-se, portanto, uma História voltada à fundamentação e manutenção de
determinado gosto hierarquizado. Desta forma, conseguia-se disfarçar os parâmetros
sociais e econômicos utilizados para a hierarquização no período. O historiador da arte –
e da música – era um perito que, no geral, apenas agrupava as obras artísticas em
estilos. Estes estilos, apesar de possuírem determinada validade analítica, ainda reúnem
os sujeitos exclusivamente por características similares ou próximas, não bastam para a
compreensão da produção artística. Dessa forma, historicamente passou a ser comum
chamarmos de História da Arte aquela descrição dos estilos e suas modificações
21
ancoradas, em geral, na vida dos compositores, ou seja, sem relacionamento direto com
o meio social do contexto vivido3. Esta história, conjectural e simplificadora buscou,
então, a sucessão de formas e estilos, sem se preocupar com as devidas
problematizações estruturais, apenas possíveis com a análise das dinâmicas sociais.
Muitos questionamentos possíveis, obras artísticas e personagens, a partir desta
lógica exclusivamente narrativa proposta pelo século XIX, foram postos de lado em
favor das chamadas personagens centrais, o que gerou a anulação das influências
ímpares nas práticas sócio-culturais de variados momentos. Podemos lembrar, como
característica prática dentro da historiografia da música, a ausência de significativos
estudos acerca dos descendentes de Johann Sebastian Bach. Dentre estes descendentes,
podemos marcar Wilhelm Friedemann Bach que influenciou o modelo de escrita
tecladístico no século XIX, Carl Philipp Emanuel Bach que acabou por fundamentar as
técnicas composicionais do classicismo e Johann Christian Bach, o Bach inglês, grande
divulgador da sinfonia enquanto forma composicional. Estes indivíduos tiveram, no
final das contas, relevantes influências nas concepções musicológicas de seus tempos e
territórios, porém, a partir do momento em que Johann Sebastian se transformou em
centro, seus herdeiros acabaram sendo postos de lado. A fórmula encontrada para este
evento foi simples: anulou-se as problematizações possíveis dos descendentes para se
preservar o gênio do compositor do cravo bem-temperado.
O século XX não foi suficiente em reformular as necessidades de uma
historiografia da música. Podemos lembrar que os textos daquele momento, destarte
buscarem inovações teóricas e metodológicas, ainda se fundamentam na anedotização,
mitologização e romantização de determinados atores – os que se firmaram como
compositores centrais ao longo do tempo, ou seja, aqueles que conseguiram fama
duradoura devido a qualquer quesito – e nem sempre a sua obra ou à inserção desta em
seu contexto. Neste sentido, podemos lembrar que, apesar de se chamar Uma nova
história da música, o texto do ensaísta Otto Maria Carpeaux4 ainda é um perfeito
representante daquilo que é mais antigo dentro da historiografia da música: os grandes
feitos, as grandes obras, as pequenas análises problematizadoras da relação entre o
indivíduo e o seu mundo e a ideia de História quase total de determinado tema – o autor
3
RAYNOR, Henry. História Social da Música: da Idade Média a Beethoven. Rio de Janeiro: Zahar
Editor, 1981, p.9.
4
CARPEAUX, Otto Maria. Uma nova história da música. 4d. Rio de Janeiro: Alhambra, 1977.
22
vienense oferece uma análise que vai desde a música renascentista até a música
eletrônica.
Em segundo lugar, devemos localizar o que é a Musicologia, principalmente
aquela de caráter histórico. A Musicologia ainda é uma disciplina demasiadamente
jovem e, por isso, até agora carrega uma ampla gama de significados o que gera uma
confusão acerca de seu escopo conforme atestam variados autores5. Podemos lembrar
que o termo musicologia é datado no Oxford English Dictionary como tendo sido
utilizado pela primeira vez na década de 1910. Logo, o fato deste termo ser recente faz
com que muitos ainda se coloquem contra a sua utilização.
Originalmente o termo musicologia foi empregado como sendo o conhecimento
mais pleno possível das mais diversas áreas da música, ou seja, o significado era lato.
Contudo, devido principalmente à hiperespecialização que os ramos de conhecimento
sofreram através do XX, hoje o sentido é mais restrito e Musicologia passou a significar
o estudo da História da Música enquanto arte – formando-se a Musicologia Histórica.
Os indivíduos que se dedicam a esta área, portanto, trabalham com temas que vão desde
a confecção de resenhas musicais para jornais, revistas e programas de concertos até as
palestras e pesquisas acadêmicas. A partir do momento em que a Musicologia como
área de conhecimento foi se consolidando e se auto-reconhecendo acabou por se
aproximar da História. Contudo, por falta de contato entre as disciplinas, aproximou-se
daquele modelo histórico tradicionalista que marca a transição do século XIX para o
século XX. Assim sendo, esse estudo acabou por ser factual, documental, verificável e
amplamente personalista, ou seja, a percepção estética e estilística além do cunho sóciopolítico da análise acabaram por ser afastados.
Os musicólogos foram se aproximando dos comportamentos arqueológicos e
filológicos, buscando o resgate de repertórios antigos e decodificando as notações
musicais que já não eram utilizadas buscando, com isto, que as músicas antigas fossem
executadas hoje em dia com as características interpretativas de outrora 6. Mesmo
chegando a possuir pontos em comum com a historiografia, a Musicologia acabou não
comungando das características daquela ciência que buscava se afastar das narrativas
ditas neutras. Esse aspecto gerou um hiato entre ambas as disciplinas que permanece até
5
Cf.: CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e História. Fronteira ou ‘Terra de ninguém’ entre duas
disciplinas? Revista de História 157 (2º semestre de 2007), p.15-29. KERMAN, Joseph. Musicologia.
Sâo Paulo : Martins Fontes, 1987. LESURE, François. Musicologie. In: Encyclopédie de la musique.
Paris: Fasquelle, 1961. ______. Musicologia et sociologie. La revue musicale, n.221, 1953, p.4-11.
6
CHIMENES, Op. Cit.
23
os dias de hoje. Todavia, devemos levar em conta que o afastamento não ocorreu apenas
pelo fato de cada disciplina seguir um caminho diferente, a questão não foi apenas de
caráter interno: um dos principais fatores para a persistência deste hiato é o
desconhecimento da música enquanto prática artística por parte dos historiadores e da
metodologia histórica por parte dos musicólogos. Desta forma, a Musicologia ainda
permanece com as características positivistas no sentido mais original do termo aplicado
à Teoria da História7.
A noção de Musicologia ainda hoje não encontrou sua lógica própria e a
concepção lato da disciplina é ampla por demais, adentrando nas mais variadas áreas da
prática musical, como a Teoria da Música, a Crítica da Música e a própria História deste
ramo; por outro lado, a concepção estrita de Musicologia é tão restrita que é
praticamente coincidente com a História da Música praticada anteriormente e, até hoje,
presente na maioria das produções. Desta forma, ainda são raros os casos no qual ocorre
uma Musicologia orientada para a crítica e mais, para uma crítica historicamente
localizada, assim como sugere o musicólogo americano Joseph Kerman8.
Vale lembrarmos que apesar de jovem, esta disciplina conseguiu se ampliar
criando tópicos relevantes de análise e no interior da Musicologia surgiu, em paralelo,
uma nova possibilidade, a Etnomusicologia. Surgindo dentro do espaço deste modelo de
estudos, essa nova subespecialidade focou nas manifestações musicais de determinado
grupo comunitário desde que estas manifestações atendessem às demandas sociais e/ou
culturais da comunidade não sendo, então, voltada ao consumo capitalista massificado
iniciado nos últimos tempos. Em suma, a Etnomusicologia propôs “o estudo da música
na cultura”9 se aproximando, assim, da Antropologia. Assim sendo, este novo
pesquisador, o etnomusicólogo, acabou focando sua análise em comunidades que
produziam músicas singulares, folclóricas, tais como as comunidades indígenas, os
povos subsaarianos e as comunidades do oriente mais distante. Logo, formando
complexas descrições técnicas, o etnomusicólogo acabou localizando as funções da
música dentro de cada grupo criador.
7
BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais (v.1)
Petrópolis: Editora Vozes, 2011. ______. Teoria da História: os paradigmas iniciais da história:
positivismo e historicismo (v.2) . Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
8
KERMAN, Op. Cit.
9
MERRIAM, Alan P. The Anthropology of Music. Evanston: Northwestern University Press, 1964,
p.358
24
Em terceiro e último lugar, temos que ter uma nítida ideia daquilo que
chamamos de História Social da Música10. A História da Música é tratada, quase
sempre, como uma dimensão da História Cultural, ficando muitas vezes limitada às
análises estilísticas que fazem parte de um consumo comum. Ou seja, esse modelo não
carrega, no geral, as possibilidades de percepção política e/ou sociais que as obras
possuem em seu interior11. Os compositores e as obras, desta forma, foram isolados em
uma torre de marfim e a função da nova historiografia que surge a partir das décadas de
1970 e 1980 é resgatar essa produção artística com suas características mais amplas.
Percebemos, então, que a História da Música é tradicionalista tanto em seu ramo
historiográfico quanto no musicológico, assim, surge a História Social da Música,
atendendo a todas as demandas. Aqui, devemos levar em conta que a História Social da
Música nada mais é do que uma subespecialidade multidisciplinar, tendo sua fronteira
estabelecida entre a História e a Música enquanto disciplinas. Essas duas característica,
a criação de espacialidades e a limitação de voláteis fronteiras, são atributos gerais das
mais variadas ciências ao longo do século XX.
Já é uma constatação desde o próprio século XIX, principalmente com a obra de
Karl Marx, que a produção de um contexto, incluindo as ideias e a própria arte, está
intimamente relacionada com o “modo de vida” do período12. Devemos lembrar que “a
música surge, em parte, das atitudes de espírito que o compositor partilha com seus
contemporâneos, ou de sua reação contrária a ele”13. Logo, percebemos uma clara
vinculação da História da Arte com a História das Ideias14, uma vez que ambas são
produções socialmente orientadas. Como afirma Henry Raynor:
A música, a menos que não passe de rabiscos casuais em sons, tem o
seu lugar na história geral das ideias, pois sendo, de algum modo,
intelectual e expressiva, é influenciada pelo que se faz no mundo,
pelas crenças políticas e religiosas, pelos hábitos e costumes ou pela
10
Nos momentos em que citarmos História Social das Artes deve-se levar em conta que estamos, em
sentido estrito, nos referindo à Música como prática artística.
11
BARROS, José D’Assunção. O campo da História. p. 148.
12
WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Editora Vozes,
2011, p.154.
13
RAYNOR, Op. Cit. p.19.
14
O historiador americano Robert Darnton distinguiu, em célebre texto, a História das Idéias, a História
Intelectual e a História Social das Idéias. A primeira é voltada para o pensamento clássico, como as obras
filosóficas escritas ao longo da história; a segunda, se preocupou com o pensamento geral de determinada
época, bem como o estudo das opiniões; a terceira, por sua vez, buscou o estudo da difusão das idéias,
bem como das ideologias. Desta forma, podemos lembrar que a História Cultural foca no estudo da
cultura em sentido antropológico. Cf.: DARNTON, Robert. História Intelectual e Cultural. In:______. O
beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
25
decadência deles; tem sua influência e talvez velada e sutil, no
desenvolvimento das ideias fora da música15.
Assim sendo, devemos buscar uma História Social da Música não apenas como
fruto de uma História Cultural que anseie, inicialmente, examinar unicamente em estilo
determinado objeto de pesquisa, desvinculando-se da sociedade que os produz. Findada
esta lógica introdutória da História Social da Música enquanto forma de conhecimento,
devemos perceber como se dá a vinculação da produção artística com o meio social no
qual é produzida.
Aceitando que existe uma interação entre a sociedade e o artista, devemos
perceber que a produção faz a ponte entre estas duas margens, além, é claro, do fato de
o artista, enquanto indivíduo, já fazer parte da sociedade como membro. Hoje, pensar
em uma História Social da Arte requer a inserção da sociedade enquanto consumidora
do modelo artístico criado e já encontramos autores que inserem esta relação produçãopúblico em suas análises16. Para tal, devemos levar em conta que o modelo musical de
determinado autor é subordinado às percepções coletivas ocorrendo, a partir disto, uma
interação entre gosto individual e gosto coletivo – de forma convergente ou divergente.
O musicólogo francês Joël-Marie Fauquet já afirmou que “a música é uma linguagem
coletiva. Como as outras artes, ela elabora os signos sensíveis pelos quais os homens de
um momento do mundo revelam sua vontade e esperança”17. E mais, o antropólogo
argentino Néstor Garcia Canclini também afirmara acerca da importância da inserção do
artista em seu momento sócio-cultural:
[as artes não representam] as ideias do artista, nem vacuidades como
‘a sociedade’ em geral ou o ‘momento histórico’. A arte representa as
contradições sociais e a contradição do próprio artista ente a sua
inserção real nas relações sociais e a elaboração imaginária dessa
mesma inserção18.
Devemos pensar, portanto, que a produção musical atende a uma necessidade
social sem prejudicar a necessidade individual de representação do compositor, ou seja,
este deve estar consciente dos anseios de seu público enquanto produtor estético19.
Além desta percepção da música inserida no núcleo social, podemos lembrar que ainda
15
RAYNOR, Henry. Op. Cit. p.14
Como exemplo na música, cf.: RAYNOR, Henry. Op. Cit.
17
FAUQUET, Joël-Marie. La musique et le pouvoir. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1987, p.15.
18
CANCLINI, Néstor García. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. 2ed. São
Paulo: Cultrix, 1984, p.27.
19
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 3ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1971.
16
26
é possível a discussão, socialmente orientada, das características ideológicas das
produções musicais. Partindo da lógica de que a música é sempre socialmente
relacionada notamos que as classes sociais que percebem esta ou aquela peça devem ser
levadas em conta e problematizadas. Theodor Adorno afirmou certa vez que a música
pode ser compreendida como ideologia, o que acaba por ser uma das funções das
análises sociológicas e historiográficas. Para este sociólogo alemão a música se torna
ideologia quando se torna objetivamente falsa ou quando ocorre contradição entre a sua
determinação e a sua função, e mais: a música é ideologia quando se coloca como
criadora de uma falsa consciência, buscando auxiliar e, muitas vezes, manter as
contradições sociais existentes20.
Percebido que a música apenas pode existir na sociedade, assim como qualquer
outra manifestação artística, podemos enxergar que as obras tem sempre uma função,
mesmo que esta função vá se modificando ao longo dos tempos, através de uma série de
reapropriações, e partindo da análise da política, da cultura, da sociedade e mesmo da
economia de uma época, conseguimos compreender determinada produção, uma vez
que o autor está, também, inserido em um contexto macro.
Dessa forma, a História Social da Música, enquanto um novo campo possível
para a análise, deve ser pensada a partir da lógica de um sujeito coletivo de composição,
assim, o compositor escreve aquilo que encontra determinada circulação social ou
aquilo que, direta ou indiretamente, critica a possibilidade de circulação. Hoje, este
campo ainda inexplorado, destarte seus problemas e dificuldades analíticas, oferece aos
pesquisadores uma nova seara a ser desvelada. Seara esta que amplia o próprio olhar do
historiador, uma vez que não pode existir História da Arte separada de quaisquer outros
tipos de práticas historiográficas. Por último, devemos lembrar que, além de sempre
possuir um espaço pífio na historiografia contemporânea, a História Social da Música –
principalmente aquela chamada de clássica ou erudita – apresenta-se como um
complemento às novas possibilidades de objetos da História: outros modelos fontísticos
não só já encontraram o seu espaço bem como hoje são alguns dos modelos mais
debatidos e produzidos além, é claro, de já terem se constituído teórico-
20
ADORNO, Theodor Wiesegrund. Idéias para a sociologia da música. São Paulo: Abril Cultural, 1980
(Coleção Os Pensadores). ______. Introdução à sociologia da música. São Paulo: Editora UNESP,
2011.
27
metodologicamente, como é o caso das análises das produções fotográficas e, mais
notadamente, da literatura e do cinema21.
Vale ressaltarmos, contudo, que a divisão feita neste trabalho entre estas três
áreas atende às expectativas de nossos trabalhos. Contudo, não é um modelo de
interpretação único. Podemos lembrar, por exemplo, que outros autores, como o
professor Marcos Napolitano22, dividem as pesquisas de forma diferente:
"Grosso modo, a abordagem acadêmica da música divide-se em três
grandes áreas: a Musicologia histórica, a Etnomusicologia e um
terceiro campo, ainda confuso, que poderíamos chamar de “Estudos
em música popular”, congregando Sociologia, Antropologia e
História.”23
Todavia, discordamos deste autor e de aqueles que seguem esta proposição, uma
vez que não é analisada a possibilidade de se inserir os aparatos metodológicos na área
da Música Erudita. Desta forma, estes inserem a Música Erudita dentro da Musicologia
Histórica, disciplina esta que possui os problemas de análise demonstrados
anteriormente – e mais, no caso citado, o próprio autor, simplifica esta possibilidade
disciplinar como sendo, apenas, o “estudo da vida e obra dos compositores e das formas
eruditas”24.
21
Para as discussões acerca da utilização da fotografia, cf: LIMA, Solange Ferraz de. CARVALHO,
Vânia Carneiro de. Fotografia: usos sociais e historiográficos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. LUCA,
Tania Regina de (org). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p.29-60 e MAUAD, Ana
Maria. LOPES, Marcos Felipe de Brum. História e Fotografia. In: CARDOSO, Ciro Flamarion.
VAINFAS, Ronaldo (org). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.263-282. Para
as discussões acerca da utilização do cinema, cf: VALIM, Alexandre Busko. História e cinema. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo (org). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2012, p.283-300. Para uma interessante análise conjunta entre cinema e fotografia, cf:
CARDOSO, Ciro Flamarion. MAUAD, Ana Maria. História e imagem: os exemplos da fotografia e do
cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História. Rio de
Janeiro: Campus, 1997, p.401-418. Por último, para a análise da relação entre a história e a literatura e das
possibilidades metodológicas desta conjunção, cf: FERREIRA, Antônio Celso. Literatura: a fonte
fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi. LUCA, Tania Regina de (org). O historiador e suas fontes. São
Paulo: Contexto, 2011, p.61-92 e CARDOSO, Ciro Flamarion. História e textualidade. In: CARDOSO,
Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo (org). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012,
p.225-242.
22
NAPOLITANO, Marco. A história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2010, p.235-290.
23
Idem, p.254.
24
Idem, p.255
28
1.2 História Social da Música: problematizações metodológicas em forma de
breves apontamentos.
Já no início da Idade Moderna, percebeu-se que aquilo que fundamentava
qualquer modalidade científica era a característica metodológica que algumas
disciplinas carregavam. Desta forma, temos a História, enquanto ramo do conhecimento
humano, plenamente estabelecida a partir deste momento – sua metodologia e seu
escopo no entanto permaneceram se transformando ao longo do tempo até nossos dias
fazendo com que atenda às demandas do presente, daí a célebre frase do filósofo,
político e historiador italiano Benedetto Croce: ‘toda história é contemporânea’25. Ao
chegar no século XIX, essa necessidade de questionamentos e percepções
metodológicas atingiu, simultaneamente, a necessidade de se questionar o papel das
narrativas e mais, o século XIX elegeu a neutralidade como principal característica dos
historiadores, assim sendo, a função do método histórico passou a ser a validação das
documentações encontradas afastando, portanto, os questionamentos subjetivos dos
autores. Todavia algumas especialidades da História, como a História Social da Música
ainda não foram pensadas no que tange a sua própria metodologia. O que se segue,
agora, é um breve esboço de apontamentos metodológicos desta nova possibilidade
fontística.
Primeiramente podemos lembrar que cada modelo de fonte requer uma avaliação
cautelosa a partir do momento no qual precisemos criar uma tipologia metodológica
para a sua análise. A música, enquanto objeto de estudo historiográfico não foi, ainda,
colocada no centro das discussões acerca de suas possibilidades e características
metodológicas e, como Adorno já afirmara, não deve existir separação entre o método e
o objeto uma vez que cada fonte possui determinada peculiaridade que a define 26. Mas
ficam algumas questões: o que é aquilo que chamamos de metodologia e qual a sua
função na análise historiográfica.
Entendemos metodologia como a sequência procedimental criada para se
resolver determinado problema ou atingir certo resultado. Desta forma, o método é o
‘como fazer’ a pesquisa27. A constituição de um método específico para cada pesquisa é
25
CROCE, Benedetto. História, pensamento e ação. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.
ADORNO, Op. Cit. (1980).
27
Dúvida comum é a separação do método e da teoria. A teoria é o ‘modo de ver’ determinado objeto
buscando uma coerência que possibilite as pesquisas. Teoria e Metodologia, desta forma, devem estar em
consonância para a realização do trabalho científico. E mais: a utilização de novas possibilidades
26
29
de extrema relevância uma vez que os objetos, contextos sociais e tempos históricos não
serão iguais. Partindo disto, a repetição de métodos como fórmulas matemáticas fixas
deve ser problematizada no interior das ciências humanas e sociais. Portanto, o método,
sempre pensado e problematizado, é importante para não se reduzir as fontes ao óbvio
uma vez que os documentos não falam sozinhos, apenas respondendo as perguntas que
lhes são colocadas, como alguns historiadores, notadamente os positivistas, pensavam
no passado.
No caso da História Social, os modelos metodológicos se ampliam em demasia
uma vez que, como podemos perceber, não existe limitação para as fontes nesta
subespecialidade enquanto dimensão historiográfica. Não ocorrem tais limitações uma
vez que qualquer produção humana, individual ou coletiva, consciente ou inconsciente,
é socialmente orientada estando, assim, inserida em redes de cultura, política e
economia. Logo, a escolha das fontes é orientada pelos problemas e hipóteses surgidos
durante a pesquisa.
Podemos perceber, então, a partir desta perspectiva teórico-metodológica, que os
fatos sociais estão nas mais variegadas partes da estrutura humana de vivência assim
sendo, devemos, obrigatoriamente, ampliar a percepção daquilo que identificamos como
documento histórico28. Neste sentido,
a derradeira ordem de tratamentos metodológicos corresponde à (...)
eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar de
projeção das atitudes coletivas ou de poderes de sensibilidade. Pode
ser um microcosmo localizado ou uma vida, desde que o autor
considere significativos para a percepção de uma mentalidade coletiva
mais ampla29.
A partir desta percepção, entendemos que a lógica de metodologia pode ser
encontrada, por exemplo, na percepção de recortes coletivos – sociais no sentido lato –
ou no recorte de apenas um indivíduo desde que, neste ator, identifiquemos a
possibilidade de existência de um sujeito globalizante30. No caso da análise da música
metodológicas e teóricas assegura à História no novo século que se apresenta uma pluralidade científica
não pensada anteriormente.
28
BARROS, Op. Cit. p,40.
29
Idem, p.41
30
Este termo foi, originalmente empregado pelo medievalista francês Jacques Le Goff a partir do
momento em que este autor reconhece que a escolha de um sujeito para uma análise deve ser orientada
pela presença de características macros (cultura, sociedade, política e economia) neste microcosmos que
constitui a vida de um indivíduo. Assim sendo, Le Goff traz a possibilidade da análise de trajetórias de
vidas (biografias) para o cerne da escrita da história (LE GOFF, Jacques. São Luís: biografia. Rio de
30
enquanto forma de expressão e prática artística, a compreensão deve levar em conta ou
o ser coletivo ou o indivíduo e, numa possibilidade maior, ambos os fatores31.
A principal dificuldade metodológica, no caso desta fonte artística que é a
música, é a localização das possibilidades de críticas, tanto a interna quanto a externa.
Internamente, a obra deve ser ouvida variadas vezes e, se possível, em várias
interpretações distintas que possibilitarão ao historiador identificar as nuances
interpretativas possíveis o que possibilita a percepção dos mais diversos prismas da
obra. Essa audição, no entanto, no caso da música partiturada, deve ser realizada com a
leitura da própria partitura – neste quesito os historiadores ainda não possuem,
infelizmente, um domínio razoável para a análise; no caso da música dita popular
geralmente não ocorre a partituração da peça o que pode facilitar este tópico, uma vez
que, este modelo musical é mais aberto a improvisações. A crítica externa, por sua vez,
deve levar em conta, para a afirmação da obra como fonte histórica, a autoria, as
condições sociais, políticas, econômicas e culturais de produção – tanto do autor quanto
do meio no qual está inserido –, a historicidade, as representações simbólicas, bem
como a recepção e a circulação deste fenômeno artístico. Também deve ser claro que o
trabalho não será capaz de finalizar todas as possibilidades de análise de determinada
peça32 – principalmente num mundo no qual a História se apresenta como portadora de
uma verdade hermenêutica, interpretativa e, por isso mesmo, subjetiva.
A música, assim como qualquer outra produção artística, possui uma função
historicamente determinada e, em alguns momentos, a sua função acabou por encontrar
a necessidade política e social afastando-se, assim, das características que o século XIX
propôs: a elevação per se do espírito humano em uma produção intelectualmente
superior e global. Destarte, faz-se necessário localizarmos a relação entre a arte musical
e a vontade política atingindo, assim, as características macro da estrutura da existência
incluindo, nesta estrutura, a própria população ouvinte das obras. Logo se deve
problematizar não apenas a música ou o compositor ou músico mas, também, a vida
Janeiro: São Paulo: Record, 1999). Outros autores, como o historiador francês François Dosse, já
demonstraram a necessidade da percepção individual como característica possível e necessária para a
historiografia contemporânea (DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo:
EDUSP, 2009).
31
Como obra que privilegia as análises do coletivo, podemos mencionar RAYNOR Op. Cit. como obra
que foca no indivíduo como produtor estético sem, no entanto, anular as possibilidades sociais, podemos
lembrar de COELHO, Lauro Machado. Liszt: o cigano visionário. São Paulo: Algol, 2010. Por último,
como obra que faz a nítida interação entre possibilidade de criação individual e modificações nas
estruturas sociais, podemos citar o célebre texto: ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
32
NAPOLITANO, Marco. Op. Cit.
31
musical do período, ou seja, o ouvinte, aqui compreendido como receptor. No mais,
devemos mencionar que os autores muitas vezes inserem em suas obras características
de percepção social e/ou política de forma indireta ou mesmo inconsciente, conforme já
atestou Fredric Jameson33.
A linguagem estética, mesmo que não seja o centro da análise proposta, também
deve ser pensada. Para exemplificar esse relacionamento entre História, Estilo e
Estética, podemos lembrar da classificação dos indivíduos, feita a posteriori, em
Escolas Artísticas, como o classicismo, o romantismo ou o barroco, o que reduz a
unidade de percepção já que o sujeito acaba sendo moldado (leia-se: modificado) para
ser inserido nestas classificações, que acabam por funcionar como tipos ideais
weberianos34. Dentre as características de estilos e percepções de beleza, marcamos que
a utilização de determinados instrumentos musicais, formações de grupos, harmonias e
possibilidades melódicas carregam, em si, as inovações técnicas sem, contudo, anular as
características de percepções pessoais. Logo, a interação entre possibilidade técnica
historicizada e percepção pessoal deve ser levada em conta. Analisar o conteúdo e a
forma é fundamental: assim ocorre com o modelo de cantatas de Johann Sebastian Bach
no barroco alemão dominado pela religiosidade da Reforma iniciada pouco tempo antes
que ideologiza, mesmo que de forma indireta, determinado sujeito ou classe,
inclinando-os a certa atitude.
Todavia, percebemos que o método, no caso de uma História da Música com
caráter de problematização social deve ser criado pelo pesquisador através da inserção
de métodos da própria disciplina histórica com outras possibilidades, principalmente
com aqueles aparatos metodológicos vindos originalmente da Musicologia e da
Sociologia buscando atender suas demandas35. Desta forma, “a tarefa do historiador da
arte [passa a ser] trazer à luz as ligações entre uma dada obra de arte e as estruturas
sociais e processos históricos aos quais ela foi criada”36. Contudo, como qualquer fonte
base, ou seja, como qualquer fonte eleita para ser a base dos questionamentos
33
JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. São
Paulo: Ática, 1992.
34
Henry Raynor (Op. Cit.) inovou neste sentido propondo este cruzamento entre a História, o Estilo e as
modificações estéticas. Todavia, o texto do musicólogo inglês possui, ainda, aquilo que para a
historiografia se configura como juízo de valor e de metodologia: as constantes adjetivações de
personagens tidos como centrais na História da Música. Estes adjetivos iludem o leitor e o ouvinte
modernos acerca da realidade histórica, social e cultural de determinada obra.
35
ADORNO. Op. Cit. CHIMENES. Op Cit.
36
TOSH, John. A busca da História: objetivos, métodos e as tendências no estudo da história
moderna. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, p.243.
32
historiográficos em determinado trabalho, a música possui problemas e vantagens
metodológicas. Dentre as suas virtudes, destacamos que este modelo de fonte possibilita
ao historiador mergulhar no modelo de percepção estética e estilística de determinado
período, bem como as suas críticas. Por outro lado, como fraqueza, a música deve ser
cercada de outras fontes, aqui compreendidas como acessórias, de caráter plural
evitando-se, assim, que a pesquisa se encerre em uma descrição da produção artística de
determinado período e localidade, o que constitui erro metodológico e científico.
Dentre as fontes complementares muitas vezes esquecidas, para citar algumas
além das ditas oficiais com as quais os historiadores já trabalham desde o século XIX,
podemos lembrar-nos das cartas, falas públicas, diários pessoais, textos autobiográficos,
bem como quaisquer outros documentos produzidos pelo sujeito. As cartas demonstram
fragmentos da existência social e a complexidade das relações humanas. As falas
públicas, tais como discursos e pronunciamentos, quando existirem, também
demonstram características do pensamento dos atores. A utilização destes dois modelos:
cartas e falas públicas é complementar, ocorrendo um trânsito entre a exposição de
ideias de forma privada e de forma pública. Também não podemos deixar de levar em
conta, quando existirem, a escrita de diários pessoais que mostram a internalização de
pensamentos e a autobiografia que demonstra a vontade de publicizar o que o próprio
sujeito julgou relevante em sua existência privada e coletiva, bem como definir aquilo
que buscou esquecer. O uso desta pluralidade de fontes complementares utilizadas para
cercar as obras centrais que estão sendo analisadas na empresa historiográfica marca a
complexidade da vida humana. Podemos lembrar que aquilo que determinado indivíduo
demonstra em uma carta pode ser diferente daquilo que exprime em seu diário pessoal
ou mesmo em cartas para outros, uma vez que apenas conhecemos determinado lado de
nosso sujeito pesquisado37.
Cremos, portanto, que a análise social da música não deve subordinar as
características individuais, nem mesmo o oposto pode ocorrer. O que deve existir é uma
interação entre micro e macro cosmos, entre indivíduo e coletivo. Não devemos,
também, superestimar o contexto histórico nem o pensamento da época já que estes dois
37
Para maiores informações acerca destes modelos fontísticos, e como estes se inserem nas pesquisas
Cf.:MALATIAN, Teresa. Cartas: narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Tania
Regina de (org). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p.195-222. ALBUQUERQUE
JÚNIOR, Durval Muniz de. Discursos e pronunciamentos: A dimensão retórica da historiografia. In:
PINSKY, Carla Bassanezi. Tania Regina de (org). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto,
2011, p.223-251. CUNHA, Maria Teresa. Diários pessoais: territórios abertos para a História. PINSKY,
Carla Bassanezi. Tania Regina de (org). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p.251280.
33
caminham em direção à construção das obras. Beethoven já demonstrou isto muito bem
com sua Terceira Sinfonia (Op.55), dita Eroica, originalmente dedicada a Napoleão
Bonaparte, escrita e executada no início do século XIX.
No geral, graças às falhas metodológicas dos historiadores ao longo do século
XIX e XX, a música acabou se transformando em ilustradora de determinado momento
ou, no mínimo, em fonte secundária. Todavia, esta forma artística, metodologicamente
problematizada e devidamente questionada não deve ser encarada apenas como
complemento podendo, sim, ser o centro de determinados trabalhos historiográficos
além da sempre encarada História Cultural.
1.3 A ópera: um esboço de sua história desde a sua formação até a configuração do
nacionalismo romântico no decorrer do século XIX.
O início da Idade Moderna viu surgir inúmeras modificações no aparato social,
cultural e político no mundo europeu. Neste contexto, o território no qual melhor
identificamos essas modificações é a região da península itálica. O panorama nesta
região, ao longo do século XVI e XVII é de extrema descentralização política. Essa
descentralização, apenas organizada durante o século XIX, possibilitou que um variado
número de cortes se instalassem e disputassem a prevalência da produção artística neste
conturbado contexto político-social. Esta disputa servia, a partir disto, para a afirmação
do status quo dos territórios autônomos. Desta forma, podemos perceber que as
manifestações artístico-culturais passam a ter plena relevância para a vida peninsular.
Logo, política e práticas artísticas38 passam, então, a caminharem conjuntamente
buscando a primazia de ambas dentro de determinada localidade.
Este é o momento no qual surge a figura do mecenas39, sem a qual a produção do
Renascimento e, em certa medida, do barroco seguiria rumos socialmente diferenciados
38
Preferimos, neste trabalho utilizarmos a ideia conceitual de práticas artísticas propostas por Jean
Duvignaud (1970 e 1971) uma vez que este conceito abarca uma pluralidade de interpretações
sociológicas que facilitam a localização das personagens estudadas bem como de nossas fontes no
panorama historiográfico. Cf.: DUVIGNAUD, Jean. Sociologia da arte. Rio de Janeiro: São Paulo:
Forense, 1970. DUVIGNAUD, Jean. Problemas de sociologia da arte. In: VELHO, Gilberto (org).
Sociologia da Arte (volume 1). 2ed. [Textos básicos de ciências sociais]. Rio de Janeiro: Zahar editores,
1971, p.23-36.
39
O termo mecenas deriva do nome de Caio Mecenas, figura política da Roma Antiga que auxiliou e
manteve relevante número de intelectuais e artistas. O Renascimento italiano utilizou, por sua vez, o
termo mecenas para se referir aos patronos, detentores de poder político e/ou econômico que financiavam
intelectuais e artistas no início da Idade Moderna buscando a superioridade de seus territórios em
detrimento de outros com os quais, indiretamente, competiam.
34
– rumos estes que definiram a vida artística europeia até o início do século XX.
Destarte, podemos notar que a descentralização política da península italiana deve ser
levada em conta e mais, é a própria chave para se compreender as características de
apoio às mais diversas formas artísticas40, incluindo, aí, a musical.
A música possuía posição singular neste panorama. Enquanto outras formas
artísticas como a pintura e a produção de obras literárias encontravam posição social de
prestígio, os compositores ocupavam as partes mais inferiores na hierarquia social, à
exceção dos músicos que também ocupavam lugar de destaque no clero ou em famílias
abastadas do período41. Logo, surgem dois questionamentos: em primeiro lugar
devemos perceber que, neste caso, a prática musical possui posição específica ou, para
utilizarmos o termo de Alphons Silbermann, a música possui uma estrutura social bem
delimitada42; em segundo lugar, podemos perceber que os produtores artísticos deste
momento produzem suas obras de forma anônima seguindo os modelos estéticos prédeterminados por seus superiores hierárquicos, dentro de características econômicas,
pouco se impondo perante o modelo artístico.
Neste panorama, a transição entre o Renascimento e o Barroco é inventado um
modelo artístico capaz de condensar a interpretação teatral com as formas musicais
vigentes no momento: a ópera43. Este gênero estaria plenamente estabelecido após
Claudio Monteverdi (1567 – 1643) – é com este compositor que a ópera encontra a
necessidade de retratar aquilo que é plenamente humano, as características mais
profundas da alma como então era percebido, diferentemente das produções similares
feitas anteriormente. A ópera, quando já estabelecida, sofreu uma série de influências
que facilitaram sua divulgação, notadamente a influência da imprensa recém-criada e os
embates religiosos entre os Católicos e os Reformistas que atravessavam a Europa do
40
Vale ressaltarmos que eram parte das relações do mecenato o próprio patrono, aqui chamado de
mecenas, financiador e, muitas vezes, idealizador, das produções, o artista ou artesão, produtor da obra e
a própria sociedade enquanto receptora periférica da obra, já que o principal receptor, neste contexto, é
exatamente o próprio mecenas.
41
REGINA, Roberto de. A Música no Renascimento. In: MELO FRANCO, Afonso Arinos; et alli. O
Renascimento. Rio de Janeiro: Agir, 1978.
42
Cf.: SILBERMANN, Alphons. Estructura Social de la Musica. Madrid : Taurus, 1961.
43
Devemos lembrar que utilizamos a noção de invenção deste gênero musical uma vez que as
modificações nas criações musicais ocorriam de forma lenta já que esta prática artística ainda estava atada
às funções sociais e religiosas. Com a ópera o fenômeno ocorre razoavelmente em ritmo mais acelerado e
em menos de 20 anos o modelo operístico, como conhecemos hoje, estava plenamente delimitado. A
ópera, portanto, deve ser compreendida como o modelo artístico-musical necessário para a sociedade
italiana deste período, atendendo a claras funções sociais e tendo, por isso, uma estrutura cognitiva
plenamente definida. Cf.: CASOY, Sergio. A invenção da ópera: a história de um engano florentino.
São Paulo: ALGOL, 2008. COELHO, Lauro Machado. A ópera barroca italiana. São Paulo:
Perspectiva, 2003. FISCHER, Ernst. Op. Cit. RAYNOR, Henry. Op. Cit.
35
momento. A partir de 1637 é inaugurada a primeira ópera com bilheteria da história e o
público já pode freqüentar estas exibições. Este público constitui-se, no geral, de um
grande número e a ópera, surgida nos centros aristocráticos, rapidamente já atingia uma
massa. A ópera já era espetáculo. Após certo tempo Veneza passa a ser a maior
produtora deste gênero e termina o século XVII mantendo seis teatros estáveis para as
exibições.
O período posterior, o Classicismo, buscando o equilíbrio e perfeição estética, vê
se consolidar a característica que mais marcará a ópera até nossos dias: a afirmação da
melodia como ponto central da obra musical. A partir do momento no qual a melodia
está afirmada como parte superior da música, o gênero operístico ganha total liberdade.
Juntando-se a este fator uma maior variação nas possibilidades dinâmicas – afinal os
instrumentos foram se aperfeiçoando ao longo dos anos – a ópera foi se tornando cada
vez mais popular deixando, por exemplo, os temas místicos de lado e buscando os
temas do cotidiano e dos personagens palpáveis. Palpáveis como o público que já lotava
os teatros de exibição. Infelizmente, no entanto, poucos compositores conseguiram
manter a fama após o passar dos séculos e, hoje, quando se pensa em ópera clássica o
nome de Wolfgang Amadeus Mozart é um dos únicos que nos veem à mente. E isso se
deve, entre outros, a um fator singular: este compositor austríaco é um dos mais
significativos indivíduos a fazer a transição entre os modelos de produção da escrita
musical.
O caso de Mozart é relevante, não apenas para o contexto de sua produção
operística bem como de toda a sua obra, já que este é o autor que transita entre o modelo
de composição artesanal e o modelo artístico. O sociólogo Norbert Elias, em seu texto
acerca da vida, obra e contexto deste compositor44 nos oferece uma clara divisão entre
os modelos citados: para Elias, o artesão é o indivíduo que trabalha de maneira
‘anônima’ subordinado a um modelo de formas pré-estabelecidas pelos conhecidos
compradores de seu produto que pertencem a uma classe sócio-econômica superior a
sua – é um empregado assim como Joseph Haydn que produzia sua obra para a rica
dinastia dos Eszterházy; o artista, por sua vez, é o indivíduo que rompe com o modelo
anterior: ele não trabalha subordinado estética e intelectualmente a um comprador
nomeadamente conhecido e passa a poder produzir seu material de acordo com sua
própria percepção estética, logo, a figura do comprador nomeadamente conhecido é
44
ELIAS, Norbert. Op. Cit.
36
substituída por uma série de compradores desconhecidos da mesma classe sócioeconômica do produtor – Elias identifica, com certa relutância, essa classe como sendo
a burguesia em ascensão durante o século XIX 45. Deixando, assim, de ser um
empregado, assim como um Frédéric Chopin, Robert Schumann ou qualquer outro
representante desta modificação; este é o momento característico da transição entre a
arte do XVIII e do XIX. Esse fenômeno – a transformação do artesão em artista –
acompanhou, em certa medida, a transição do modelo artístico-criativo saindo do
Clássico e atingindo o Romântico. Analisando as modificações semânticas ocorridas na
Europa, percebemos que o contexto de transição entre o século XVIII, marcado pelo
Classicismo, para o século XIX, Romântico por excelência, viu a transformação da
própria palavra arte: originalmente arte era um atributo humano no sentido de
habilidade passando a significar um grupo específico de habilidades criativas. Arte
passou a ser considerada uma “verdade imaginativa”. Além disso, o termo estética,
passa a significar a descrição e avaliação da produção artística neste momento. 46
Chegamos, então, ao momento do romantismo, no qual o compositor encontrará,
além de sua maior liberdade sócio-econômica, uma maior possibilidade de criação. Os
românticos, enquanto grupo filosoficamente próximo, percebem a sua diferença aos
modelos estabelecidos anteriormente e a busca por se afastar deste passado próximo
marca as suas obras. Assim sendo, seguindo a lógica de Ernst Fischer, compreendemos
romantismo como um movimento estético contraditório em seu interior – abarcando
percepções filosóficas plurais mesmo mantendo certa unidade – que critica diretamente
o estabelecimento de uma sociedade moderna nos modelos capitalistas instaurados até
45
Elias, contudo, mantém algumas questões relativamente abertas à pesquisas, mesmo fazendo pequenas
análises acerca delas, uma vez que seu modelo se preocupa com Mozart enquanto transição entre
Classicismo e Romantismo, as questões seriam: ‘Quais são as razões para a mudança na situação social
dos artistas?’ e ‘Por que a transição de arte de artesão para a arte de artista não aconteceu
simultaneamente em todos os campos artísticos? Ou em todos os lugares do mundo?’ Neste modelo,
indivíduos como Leonardo da Vinci, Michelangelo ou qualquer outro submetido ao esquema de mecenato
na Itália renascentista, por exemplo, acaba sendo afastado das possibilidades do artista, assim ficando
restritos às características artesanais. Um dos outros problemas da análise proposta pelo autor, a partir
destas conceituações, é a negação da presença da percepção individual do produtor dentro de sua obra
como característica de afronte ao comprador, característica essa tão comum no próprio renascimento.
Outro ponto esquecido é a possibilidade de aplicação deste modelo ao século XX. Neste, vários artistas
no sentido lato vieram de classes sócio-econômicas inferiores às de seus compradores e acabaram
enriquecendo e, portanto, mudando de classe após venderem suas obras. Surgiria então uma pergunta:
esses indivíduos ficariam em qual classificação? Há, então, a possibilidade de um mesmo indivíduo
existir simultaneamente nas duas concepções teóricas? Seriam artesãos, artistas ou algo transitório,
indefinido pelo autor? Mais do que uma conceituação ampla, Elias oferece um claro projeto para as
análises da música do classicismo e do romantismo, mas não para antes ou depois dos problemas
propostos, por isso nossa escolha por esta percepção teórica. ELIAS, Op. Cit. p.135-136.
WILLIAMS, Raymond, Op. Cit, p.17-18.
37
então, criticando, assim, a sociedade e a política conturbada do momento47. Dessa
forma, o conceito de romantismo não pode ser compreendido sem a idéia das revoltas e
revoluções tão presentes no século XIX. Porém, essa idéia de revolta deve ser
problematizada. O século XIX assistiu a uma interação de dois tipos básicos de atitudes
revoltosas – logo, o conceito de revolta deve ser ampliado. Uma primeira atitude
revoltosa é caracterizada pelas inúmeras manifestações revolucionárias e de conflitos
reais entre grupos sociais e forças políticas, assim como as revoltas de 1830 e 1848.
Contudo, falando de caracterizações românticas, é necessário lembrarmos que os
românticos – se percebendo assim – utilizam-se de outras formas de revoltas, a mais
marcada sendo as atitudes escapistas ou evasivas. Este é o momento no qual os
indivíduos, insatisfeitos com sua realidade e não dispostos a participarem de
movimentos revolucionários, abandonam a realidade que os cerca. Esse escapismo
ocorrerá de duas maneiras: primeiramente temos as formas escapistas reais, na qual os
indivíduos retiram-se de sua realidade fisicamente, como é o caso de Chopin e sua
estadia em Maiorca, de Franz Liszt e seu ingresso na igreja ou a visita de Delacroix ao
Marrocos; em segundo lugar, temos as formas de escapismo na própria criação artística,
na qual os autores buscam refúgio ante a realidade vivida em outros tempos, outros
locais e culturas, na morte, na loucura e no sonho. Essa característica ambivalente da
revolta influenciou de forma direta ou indireta a produção artística e intelectual da
época, conforme atestam as músicas de um Beethoven, as pinturas de um Goya, e os
textos de um Victor Hugo ou mesmo as obras de um Herder ou de um Schiller. Essa
ambivalência, criada e motivada pelos próprios autores, levou o século XX a ler as
atitudes românticas apenas como filosoficamente e/ou artisticamente relevantes,
esquecendo as origens político-sociais de sua essência. Assim, os românticos passaram
a ser vistos sem seu motivador social, sendo a primeira classe que romperia com a
política. Essa característica equivocada ainda impera nos livros de análise e alguns
poucos pensadores, como Raymond Williams48, demonstram que o que realmente
ocorre com o romantismo é uma nova forma de leitura da realidade, leitura essa que
privilegia, como nenhuma outra anteriormente, as atitudes políticas e sociais.
A emancipação proporcionada aos compositores permitiu que cada um dos
indivíduos se localizassem sócio-politicamente. Esta auto-localização fez com que a
maior parte dos compositores percebessem a necessidade nacional que, então, cruzava a
47
48
FISCHER, Ernst. Op. Cit.
WILLIAMS, Raymond. Op. Cit.
38
Europa. No caso dos compositores operistas, passaram, posteriormente, a ser agrupados
no que chamamos de Escolas Nacionais, ou seja, os compositores foram inseridos de
acordo com suas percepções nacionalistas49. Estes sujeitos, tais como Berlioz, Glinka,
Weber, Wagner e Verdi, viram que a música mais do que qualquer outra forma artística
se deixa impregnar por princípios nacionais50. Desta forma, começaram a moldar sua
produção buscando uma unidade para se vincular a estas características nacionalistas51 e
as obras passaram a ser utilizadas como força criadora de sentimentos comunitários.
A nação, partindo desta lógica, é mais imaginária do que real, logo, as metáforas
usadas para fundamentá-las e mantê-las, como as óperas no século XIX, possuem
grande força:
A política, a ascenção e queda de Estados influíram no curso da
música, pois qualquer arte que exija os serviços de grande número de
executantes qualificados precisa de apoio de considerável riqueza, e
por esta razão os triunfos e vicissitudes das nações, governos e seus
domínios também afetam o trabalho dos músicos.52
No mais, durante o romantismo europeu do século XIX três modelos operísticos
foram relevantes: o modelo francês, mesclando o cunho nacional com o livre; o italiano,
considerado o principal no contexto, focado nos personagens e classes do contexto –
que também mesclava o nacional com o livre; e o alemão, modelo mais jovem e
responsável por questionar o tradicionalismo italiano que entraria em declínio durante o
próprio século porém que alcançaria sucesso ao ser convertido em drama musical.
Destarte, a ópera, originalmente escrita para uma elite aristocrática, ao longo do
tempo foi se adaptando a uma maior possibilidade de público e rapidamente variadas
classes sociais passaram a frequentar o espetáculo, basta lembrarmos que exibições
públicas e a baixo custo ou mesmo grátis eram comuns no século XIX.
49
Chamamos neste trabalho de Escolas Nacionais o agrupamento real ou criado a posteriori de autores,
compositores e pintores que devem ser compreendidos a partir do fenômeno do nacionalismo em seus
respectivos territórios no século XIX, como é o caso de Chopin na Polônia, Liszt na Hungria, Wagner na
Alemanha e Verdi na Itália. A utilização do termo escola ou onda, em nosso ponto de vista, é mais
correta do que a clássica denominação geração, uma vez que a utilização deste termo implicaria na
presença de toda uma sequência temporal de autores inseridos nesta temática ou neste mesmo padrão
funcional da arte o que, certamente, não ocorreu.
50
ADORNO, Op. Cit.
51
Compreendemos nação como sendo a detentora da possibilidade de criar sentimentos de igualdade nas
comunidades às quais se insere. Cf.: GUIBERNAU I BEDRUM, Montserrat. Nacionalismo: o Estado
Nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1997.
52
RAYNOR, Op. Cit. p.23
39
1.4 História Social da Música: a possibilidade e a aplicabilidade metodológica no
caso da ópera: questões e apontamentos.
A forma, no caso da Música chamada Erudita marca a sua especificidade e,
dentro desta especificidade, a ópera se destaca como o modelo que mais aproxima o
autor de seu contexto e do próprio público, uma vez que a representação ocorre,
também, nas formas orais e visuais, além da musical, fator este que, no geral, facilita a
compreensão da obra e das ideias do compositor. Por esta característica, a ópera deve
ser problematizada e compreendida como possibilidade de fonte para a escrita da
História, porém esta escrita encontra uma série de dificuldades (e possibilidades)
metodológicas.
A música foi a última forma artística a entrar nas análises sociológicas e
históricas e ainda na década de 1980 raros eram estes estudos. Tratada como fonte
histórica a música, por excelência, e isso não é uma característica apenas da ópera
enquanto gênero, mescla o conteúdo objetivo com o subjetivo e esta característica, a
localização da fronteira entre subjetivo e objetivo, entre conteúdo e forma, é uma das
principais dificuldades desta escrita53. Apesar de outras formas artísticas também
mesclarem o objetivo com o subjetivo, a música, especificamente a ópera, encontra uma
subjetividade demasiadamente complexa no tangente à análise: no geral, apenas se
analisa letra, conteúdo verbal, e poucas vezes ocorre uma reflexão acerca da melodia,
harmonia e forma54. O problema central destas análises reducionistas é que as
características gerais da música são inseparáveis.
É regra na pesquisa da ciência histórica o historiador conhecer a linguagem de
seu material trabalhado e no caso da ópera, percebem os problemas que devem ser
resolvidos antes da empreitada historiográfica. Em primeiro lugar encontramos as
características idiomáticas: nesta característica podemos perceber que a ópera deve ser
compreensível ao idioma do historiador. Enquanto música com texto cantado, o
pesquisador deve, além de conhecer o idioma da peça, caso não seja o seu, conhecer os
termos da época e a estrutura poética do momento no qual o compositor viveu. Outro
problema relevante é o acesso à especificidade da partitura operística, muitas vezes mais
53
FISCHER, Op. Cit. p.205.
Nesta dissertação trabalhamos diretamente com a produção operística, porém, devemos marcar que,
além da ópera, a produção de música instrumental também encontra amplas dificuldades de análise e
mais, sem dúvidas este modelo ainda é muito pouco pesquisado e os trabalhos que utilizam este material
como fonte são, no geral, de pouca relevância ou profundidade científicas.
54
40
complexa do que a partitura de outras obras eruditas: mesmo com os historiadores
muitas vezes se interessando por pesquisas musicais, eles tendem a evitar a ópera
devido à complexidade de acesso a esta linguagem:
a música não exprime conteúdo diretamente [...] mesmo quando
acompanhada de letra, no caso da canção55, o seu sentido está cifrado
em modos muito sutis e quase sempre inconscientes de apropriação
dos ritmos, timbres, das intensidades, das tramas melódicas e
harmônicas dos sons”56.
Esta linguagem musical, ou seja, a textura, a instrumentação, a disposição da
letra, entre outros deve ser compreendida como um mecanismo interno de linguagem,
desta forma, deve ser pensado com as possibilidades artísticas-culturais do contexto
existente. O historiador deve, portanto, levar em conta a ópera como um todo, incluindo
as características composicionais às quais apenas aqueles que já estudaram música terão
acesso. Nas palavras do professor Marcos Napolitano podemos perceber a importância
de fazer interagir a constituição da música e da letra: “na música, a textura, ou
colocação de uma voz, os timbres e o equilíbrio entre os instrumentos, o andamento e as
divisões de rítmicas e melódicas, são estruturas que interferem no sentido conceitual,
corpóreo e emocional de uma letra”57.
A criação operística inclui a elaboração de um texto – chamado de libretto. Este,
geralmente distribuído ao público contem os diálogos e as principais informações acerca
da dinâmica cênica que a ópera possui. É mais comum, todavia, que este texto não seja
elaborado pelo compositor e, quando disso, devemos levar em conta a figura do
indivíduo responsável pelo texto, o libretista. Desta forma, localizar a relação deste com
o seu próprio mundo, sua percepção social, política e artístico-cultural, seu
relacionamento com o compositor e com os financiadores da ópera que ambos estão
produzindo é fundamental. Outro ponto referente ao libretto, material primário sobre o
qual a música será escrita, é a análise da função que cada personagem criado representa
na trama. Algumas óperas, apesar de terem o mesmo tema, muitas vezes até com os
mesmos personagens, possuem modificações no tangente à função que o personagem
exerce na peça. Isto ocorre pelas mudanças nas percepções da relevância de
55
E no nosso caso, da ópera.
CONTIER, Arnaldo. Brasil novo: música, nação, modernidade. Tese de livre-docência, São Paulo,
História/USP, 1986.
57
Apesar deste texto estar se referindo diretamente à análise das músicas populares contemporâneas, é
plenamente aplicável às produções operísticas a partir do momento de sua popularização, principalmente
após o século XIX. NAPOLITANO, Op. Cit. p.267.
56
41
determinado papel que se modifica de acordo com as necessidades e percepções sócioculturais.
Outro ponto que as análises operísticas devem levar em conta é a especificidade
das figuras dos financiadores e dos compradores da produção. A análise da ópera, mais
do que dos outros gêneros musicais, incluindo aí as sinfonias e sonatas necessita desta
percepção já que estas personagens possuem específicas características que modificam a
análise. Isto se deve ao próprio gênero da ópera em si: uma vez que a peça é escrita para
ser representada em determinado momento, devemos lembrar que ela utilizará, além dos
músicos instrumentistas, cantores, cenógrafos, funcionários dos teatros e, acima de tudo,
um modelo de teatro específico que possibilitará a interação entre estes personagens: a
casa de ópera. Desta forma, e percebendo-se que o compositor, até o século XX, não
está inserido nesta possibilidade econômica, devemos problematizar quem são os
financiadores, quem são os indivíduos que fazem as encomendas e quem é o público,
compradores, que possibilitam a manutenção de todos estes. Logo, percebemos que,
passa a ser necessário levar em conta a figura da recepção e de circulação das ideias
colocadas neste aparato artístico mesmo que este não seja o cerne do trabalho – herança
que a historiografia recebeu diretamente de áreas como os Estudos Literários e a
Sociologia – Apesar desta herança ser necessária, esta também criou uma zona de
conforto dificultando que os historiadores criassem, para a análise operística, um
método próprio para a análise mais geral, buscando uma possibilidade holística. No
mais, podemos lembrar também que devemos levar em conta o local de representação,
uma vez que a ópera é escrita para um lugar específico, a relação entre este lugar,
representante do poder econômico, produção e audiência.
Seguindo o exposto, podemos perceber que o texto operístico – libretto e música
– devem ser analisados metodologicamente a partir de um mescla entre o texto em si e
seus aparatos representativos e a sua percepção social, ou seja, a apropriação e a
circulação do produto estético. Em primeiro lugar, buscando uma análise holística,
devemos analisar os elementos em separado: letra, timbres e harmonias para só depois
analisarmos a obra como um todo. Destarte, representações e circularidade/apropriação
ficam para uma analise posterior, mais densa e profunda. A ópera possui uma facilidade
em relação à música popular contemporânea: a partitura. A partitura demonstrará as
variações de timbre, melodias e harmonias, que possibilitam, também, a melhor
compreensão de personagens e ideais contidas na peça – daí a importância do autor ter
conhecimento de teoria musical. No mais, a ópera, enquanto aliança entre literatura e
42
música, deve ser vista e ouvida variadas vezes e em variadas apresentações para criar a
possibilidade heurística deste objeto, ou seja, apenas com a inserção do historiador no
seu objeto ele conseguirá fazer sua análise científica.
O musicólogo Henry Raynor afirmou que:
O empenho de relacionar o desenvolvimento da música com o mundo
no qual ela existe e considerar o relacionamento do compositor com o
mundo econômico e social em que viveu é responder a várias questões
que, embora decisivas, não são respondidas pelos historiadores dos
estilos.58
Desta forma, não basta pensar apenas a obra em si, com suas características
estilísticas, mas sim, a obra como produto de determinado quadro social que possibilite
a sua feitura, execução, representação, apropriação e circulação, além, é claro, de ser o
aparato econômico da relação entre o compositor e seus ouvintes, sem importar em
quais classes sociais estes estão.
Notando que a música, e no caso da ópera isso é mais patente ainda, pode e deve
ser utilizada como fonte principal para a escrita de uma História Social percebemos a
necessidade da configuração e problematização de uma abordagem metodológica que
possibilite esta empreitada. Ramo ainda inexplorado devido, principalmente, à
dificuldade de acesso a essa linguagem, a música, na historiografia contemporânea,
briga por seu espaço na produção da História enquanto ciência.
58
RAYNOR, Op. Cit. p.25
43
PARTE II
O ARTISTA POLÍTICO NO SÉCULO XIX: O CASO ALEMÃO
EM RICHARD WAGNER E O ITALIANO EM GIUSEPPE VERDI
EM PERSPECTIVA COMPARADA
CAPÍTULO II: WAGNER
2.1 A Alemanha: estrutura política e cultural na formação de Richard Wagner
A estrutura política dos Estados que formariam a Alemanha no início do século
XIX era extremamente dividida e descentralizada. Assim, esta localidade, originalmente
chamada de Sacro Império Romano da Nação Germânica reuniu, desde o século XV,
uma grande quantidade de cidades autônomas, principados e cidades administradas pela
Igreja, num total de mais de 300 territórios. Essa complexa estrutura acabou por
permitir grandes diferenciações sociais, políticas e econômicas que diretamente
influenciaram na configuração do romantismo alemão enquanto forma artística
principal. Este romantismo, originado em toda a Europa com o acentuado crescimento
da classe burguesa e da pobreza que culminaria na Revolução Francesa estruturou-se, na
Alemanha, a partir do movimento literário Sturm und Drang1, que “preconizava os
sentimentos em detrimento da razão, a volta ao primitivo, a ruptura com a rigidez dos
gêneros proposta pelos clássicos, a liberdade de criação”2, além, é claro, das atitudes
escapistas nas mais variadas formas, da idealização do herói e do amor . O romantismo,
na música, por sua vez, originou-se a partir de Ludwig van Beethoven durante a
transição entre os séculos XVIII e XIX, período da Revolução Francesa, da qual o
compositor era um entusiasta; ou seja, se enquanto literatura as origens estão voltadas
ao interior dos homens, enquanto música está encaminhado diretamente ao político.
Foi neste contexto que nasceu, na cidade independente de Leipzig – estado da
Saxônia, Wilhelm Richard Wagner, em 22 de Maio de 1813, durante as Guerras de
Libertação, evento que iniciou a Batalha da Nações, que findaria com o Império
Napoleônico na Germânia. Logo, é evidente que a identidade alemã acabou ficando
ligada à ideia de uma cultura e língua única e não a qualquer território ou razão de
estado bem delimitados. Língua, cultura e identificação histórica comum uniam esta
população e nada além disso podia garantir a unidade do Império. O compositor acabou
ficando conhecido durante o século XX basicamente por dois fatores: em primeiro lugar
seu modelo operístico específico e, em segundo lugar, pela releitura e utilização das
obras – artísticas ou não – pelo regime nazista, devido à especificidade de seu
1
Tempestade e Ímpeto. Este é o título da peça de Friedrich M. Klinger, de 1776 que acabou por se
transformar na nomenclatura do período e do estilo.
2
OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. Arte literária: Portugal – Brasil. São Paulo: Moderna, 1999, p.139.
45
pensamento nacionalista e étnico. Enquanto Wagner ainda era criança a estrutura
organizacional do território germânico acabou se transformando profundamente e, a
partir de 1815, o antigo Sacro Império foi substituído pela Confederação Germânica
que, agrupando cidades em territórios maiores e melhor administrados, mantiveram sua
hereditariedade monárquica, com a presidência honorífica da Áustria, um dos dois
territórios mais poderosos – o outro era a Prússia.
Imagem1: Richard Wagner3
Ainda jovem, Richard Wagner teve contato com o teatro antigo e com a cultura
greco-romana, chegando a traduzir textos do grego arcaico para o alemão. Esta
característica de desenvolvimento intelectual de nossa personagem marcará sua
concepção de arte para o seu mundo. Esta juventude, marcada pelo início do
desenvolvimento musical, principalmente de caráter nacionalista, de nossa personagem,
presenciou, também, um evento que modificaria a curto prazo as possibilidades sociais
da Germânia: as Revoluções de 1830. Esta revolução, iniciada em Julho de 1830 em
Paris levou inquietação a todo o resto da Europa e, na Alemanha, que acumulava uma
gama imensa de crises sociais, políticas e econômicas, revoltosos tentaram derrubar a
modelo monárquico da Confederação Germânica, sem sucesso no entanto. Estes eventos
influenciaram a percepção de vida do jovem compositor. A influência deste evento seria
totalmente perceptível em pouco tempo, 18 anos depois, momento no qual Wagner
ficaria disposto ao serviço revolucionário.
3
Óleo sobre tela retratando o compositor Wilhelm Richard Wagner produzido em Biebrich no ano de
1862 produzido por Cäsar Willich (1825-1886). A pintura encontra-se no Reiss-Engelhorn-Museen em
Mannheim.
46
Após as revoluções de 1830 e como conseqüência destas, em 1834, 18 Estados
da Confederação Germânica unificaram sua alfândega, medidas e moedas, através da
União do Uso Geral da Alemanha [Deutscher Zollverein], buscando um maior
crescimento econômico que atendesse às camadas populares que proporcionaram as
revoltas. Com isto, a Prússia, líder do grupo, procurou evitar possíveis manifestações
futuras. A ausência da Áustria em tal União Aduaneira ocorreu devido ao
distanciamento político que esta mantinha com a Prússia e a sua ossificação econômica.
Essa ausência austríaca determinaria a hegemonia, juntamente com o crescimento
econômico e industrial, da Prússia, levando tal estado a ser o mais forte dentre os
confederados, aquele que realizaria futuramente a unificação a partir do poder central e
não das manifestações populares, como outrora pareceu que ocorreria4. Neste momento
após as revoltas, Wagner começa a se dedicar àquele que será seu principal gênero: a
ópera; e, entre 1833 e 1834 escreve As Fadas [Die Feen]. Deste mesmo ano, também é
o primeiro ensaio wagneriano: A ópera alemã [Die deutsche Oper]5, voltado à análise da
estética operística, que obteve grande circulação e encontrou excelente acolhida no
interior dos movimentos nacionalistas alemães. Com este texto, já se delineava um
compositor nacionalista.
As revoltas de 1830 acabam levantando, novamente, uma reivindicação popular
anterior: as questões democráticas. Estas, presentes desde a década de 1810 de forma
intensa, atingem seu ápice em 1848, momento no qual as massas não estão dispostas a
conviverem com o tradicionalismo político que dominava a região. Logo, iniciando na
França, assim como outrora em 1830, a revolução se instaura e rapidamente se espalha
pela Europa. Inicialmente triunfante em Viena e Berlim, as duas cidades mais
importantes da Confederação, essa Primavera dos Povos6, se instaura em toda a
Germânia com um nítido caráter nacionalista e unificador, agrupando as mais variadas
camadas sociais.
Os revoltosos, conseguem instaurar governos reformistas e realizar eleições para
aquilo que seria uma Assembléia Nacional. Esta Assembléia se reuniu em 18 de Maio
4
BUND, Konrad. Panorama Histórico. In.: MILLINGTON, Barry. Wagner: Um compêndio: Guia
completo da música e da vida de Richard Wagner. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, p.51.
5
Para a nossa tradução deste texto para o português, cf: RICON, Leandro Couto Carreira. Por uma ópera
alemã: Richard Wagner e o início de seu nacionalismo musical. Rio de Janeiro: Multifoco, 2012.
6
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: Europa 1789 - 1848. 24ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2009.
47
de 1848 em Frankfurt e elaborou uma constituição democrática visando afastar a
monarquia presente. Conforme atesta o historiador Konrad Bund:
A esquerda republicana, apoiando a idéia de uma Alemanha unida que
incluísse todos os territórios de fala alemã, discutiu a organização
futura de seu país com os direitistas que apoiavam uma monarquia
constitucional federal (a unificação alemã só seria possível se os laços
monárquicos da Áustria com territórios não-alemães, como a Hungria
e a Itália, fossem cortados), enquanto os aristocratas contrarevolucionários na Áustria e na Prússia reorganizavam seus exércitos,
no outono de 1848, e passavam a reinstaurar as antigas estruturas de
poder por meio da força militar, impondo a seus súditos novas
constituições, vindas de cima. Nisso, tiveram o apoio da Rússia e da
Inglaterra, duas potências importantes e de antiga hostilidade às
revoluções, mas também por parte da burguesia rica7, que observava
com horror o movimento pela democracia, que não só ameaçaria seus
privilégios de classe, como também daria poder político à massa do
povo.8
Estas manifestações amplamente interessaram a Wagner e, logo, este começa a
pronunciar discursos políticos revolucionários colaborando com o levante de Dresden,
cidade na qual vivia, principalmente na confecção de bombas e vigia, acabando por
militar ao lado do revolucionário anarquista Mikhail Bakunin como atesta em sua
autobiografia:
Um quadro interessante apresentou a cidade com as barricadas e eu,
que me encontrava completamente inserido nos preparativos para a
defesa da cidade, fiquei surpreendido ao ver que Bakunin havia
abandonado seu refúgio para se juntar a nós usando trajes negros9.
Ainda deste período, é a elaboração do texto A Revolução [Die Revolution]
publicado no Volksblätter de Dresden no início de 1849. Neste texto, o compositor
demonstra a necessidade de uma revolução que instaure novas formas de organização
política e social na Europa. O texto foi amplamente divulgado e alguns detalhes de suas
percepções foram adaptadas a seus textos operísticos. Assim, o compositor conseguiu
levar ao público suas ideias políticas de forma indireta10.
7
Notemos aqui a necessidade de divisão do conceito de burguesia. A burguesia rica que o autor identifica
aqui é a parte proprietária de indústrias e do grande capital para investimento.
8
BUND, Konrad. Op. Cit., p.54.
9
WAGNER, Richard. Mein Leben. In: FRIEDRICH, Sven (Herausgegeben). Richard Wagner: Werke,
Schriften und Briefe. Directmedia: Berlin, 2004 [edição digital dos textos completos de Richard Wagner].
10
Em oportunidade propícia, escrevemos um texto comparando a lógica revolucionária deste texto com a
lógica revolucionária presente em determinadas óperas de Richard Wagner. Para mais informações, cf:
RICON, Leandro Couto Carreira. Richard Wagner: revolução, panfletagem e música. Revista Eletrônica
Boletim do TEMPO, Ano 5, Nº32, Rio de Janeiro, 2010.
48
Imagem2: As barricadas de Dresden11
Quando o Levante de Maio estourou em Dresden no mesmo ano de 1849,
Wagner junto com os outros revoltosos obtiveram sucesso. Porém, rapidamente, houve
a repressão por parte do exército e vários revolucionários, como o próprio Bakunin e
August Röckel, amigo pessoal do compositor, foram presos. Wagner, contudo,
conseguiu fugir de Dresden após a publicação de um mandato de prisão em todos os
jornais da cidade ao término da supressão do Levante.
Imagem 3: Publicação nos jornais de Dresden
sobre as atividades revolucionárias de Richard Wagner12.
11
Óleo sobre tela representando as tropas da Prússia e da Saxônia em Neumarkt (Dresden) e a barricada
de rebeldes. A imagem é localizada de frente para a Moritzstraße. Sem informações acerca da autoria, o
quadro encontra-se exibido no Museu da Cidade de Dresden.
12
Texto publicado no Dresden Anzeiger de 19 de Maio de 1849. No cartaz lê-se: “Procurado. Mestre-deCapela Richard Wagner daqui é convocado por sua participação essencial nesta cidade no movimento
insurgente. Dresden, 16 de Maio de 1849. Delegacia de polícia da cidade. Oppell. Wagner tem entre 37 e
38 anos de idade, estatura mediana, cabelos castanhos e us óculos” [Tradução nossa]. Uma outra
publicação no mesmo sentido também aparece nas fontes acerca do compositor. Nesta, podemos ler:
“Wagner tem entre 37 e 38 anos; de estatura mediana, tem cabelos e sobrancelhas castalhos, fronte
ampla; olhos cinza-azulados, nariz e boca bem proporcionados; queixo redondo, usa óculos. Sinais
49
Após os próprios conflitos, com a vitória das forças militares aristocráticas
defensoras da contra-revolução e sendo procurado, Wagner foge para Weimar, onde
Franz Liszt, que futuramente seria seu sogro, conseguiu escondê-lo e enviá-lo para fora
dos territórios germânicos. Na sequência de infrutíferas tentativas de se estabelecer em
Paris, asilou-se em Zurique, iniciando um exílio que duraria 12 anos. Durante este
momento de amplas dificuldades financeiras, escreveu dois dos mais relevantes textos
de sua obra teórica: A Arte e a Revolução [Die Kunst und die Revolution] e A Obra-deArte do Futuro [Das Kunstwerk der Zukunft]. No cenário da Confederação Germânica,
novamente ratificada em 1850, vale ressaltarmos que a Prússia manteve sua soberania
sobre os outros territórios com a criação de uma monarquia constitucional federalista.
Porém, a economia já estava diversificada na mão de burgueses e o proletariado cada
vez ganhava mais fôlego. A década de 1860 marcaria dois pontos importantes: um na
existência da própria Alemanha e o outro na vida de Richard Wagner.
Na década de 1860, Otto von Bismarck foi nomeado chanceler da Prússia e logo,
em 1866, declara guerra contra a Áustria – Guerra Austro-Prussiana – visando sanar os
embates acerca da supremacia militar, política e econômica no interior da
Confederação. A Prússia, a partir do momento em que logrou êxito sobre a Áustria,
desconstrói a Confederação Germânica, fundando a Confederação Germânica do Norte
[Norddeutscher Bund]. Desta forma, a Áustria perdeu seu apoio nortista e a Prússia
resolveu as questões enfraquecendo a rival. Após este momento de crise militar interna,
chega o momento decisivo na constituição da Alemanha enquanto Estado. Napoleão III,
tentando manter o próprio poder na França, buscou territórios na Germânia, o que
diretamente gerou a Guerra Franco-Prussiana que se iniciou em 1870. Com a situação
interna já resolvida, a Prússia consegue vencer os franceses proclamando, com isso, seu
rei como Imperador em Janeiro de 1871 fundando, assim, o II Reich13. Neste ínterim, a
Alemanha tornou-se uma das maiores sufocadoras de revoltas nos países vizinhos, uma
vez que temia que tais revoltas alcançassem seus territórios e incentivasse seu povo às
mesmas manifestações. Porém, a especificidade do nacionalismo germânico colaborou
para a criação da nação alemã. Fala e costumes, além de identificação histórica,
particulares: rapidez de movimentos e de fala. Vestimenta: sobretudo de pele de gamo verde-escuro,
calças negras, colete de veludo, lenço de seda, chapéu de feltro comum e botas.” Cf. HAREWOOD (Ed).
Kobbé: o livro completo da ópera. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1997, p.148.
13
O I Reich durou de 843 até 1806, o II Reich durou de 1871 até 1818 e o terceiro, coincidente com o
regime nazista, prolongou-se de 1933 a 1945.
50
facilitaram o reconhecimento individual no povo alemão, o que diminuiu o número de
conflitos internos após a unificação, já que os habitantes julgavam-se pertencentes ao
mesmo grupo nacional14.
Quanto a Wagner, este é o momento no qual sua vida mudaria completamente.
Em 1864, Maximilino II, rei da Baviera, morreu deixando o trono para o seu filho de 18
anos, Ludwig II. Este jovem, um admirador de Wagner, convidou o compositor para
fazer parte de sua corte, o que já era possível, uma vez que a anistia plena pela
participação no Levante de 1849 já alcançara o compositor. Assim, este se muda para a
corte e começa a trabalhar diretamente para o rei. Encontrando calmaria financeira,
Wagner pode se dedicar amplamente ao trabalho. Deste momento, 1869, é a revisão de
seu texto O judaísmo na música [Das Judenthum in der Musik], no qual confere amplos
ataques à presença da comunidade judaica na cultura europeia15. A relação com o
restante da corte, no entanto, não era das mais amistosas: o rei oferecia quantias
demasiadamente altas ao compositor. E o compositor acaba saindo da corte retornando
pouco tempo após. Em seu retorno, Wagner propõe a criação do teatro de festivais de
Bayreuth, um teatro no qual, construído com ajuda econômicas de indivíduos ao redor
do mundo além da contribuição da corte bávara, suas peças seriam executadas. O teatro
manteve sucesso e até nosso tempo presente mantem a tradição musical alemã. O
compositor faleceu em Veneza em 1883 e seu corpo está enterrado, hoje, naquilo que
considerava a sua maior criação: o Festspielhaus de Bayreuth16.
2.2 Wagner: estilo
A obra de Richard Wagner é uma das mais inovadoras do século XIX. Suas
mudanças de percepção estilística fizeram com que a ópera atingisse um nível que ainda
não tinha ocupado. Esse estilo, por demais específico deve, então, ser analisado e
14
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780. 3ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
“É claro que o anti-semitismo de Wagner não era um fenômeno isolado. Insere-se numa tradição
histórica que, em função do contexto nacionalista, assume caráter muito concentrado no século XIX: a
ideologia völkisch (popular), que pregava o retorno a um mundo mítico primordial, habitado por
camponeses de puro sangue germânico, via como um corpo estranho a raça dos ‘judeus errantes’. E longe
de ser uma distorção da periferia reacionária, essas eram ideias expressas até mesmo por membros da elite
liberal e progressiva que, preocupados com a sua posição social e a possível proletarização na Alemanha
recém-industrializada, não hesitavam em escalar os judeus como podes expiatórios.” Cf.: COELHO,
Lauro Machado. A ópera alemã. São Paulo: Perspectiva, 2000, p.230.
16
Para uma biografia detalhada do compositor, uma vez que apenas apresentamos até agora os pontos
relevantes para a compreensão do nacionalismo deste, ou seja, o período que se estende entre 1830 e
1850, cf.:GREGOR-DELLIN, Martin. Richard Wagner. Madrid: Alianza Editorial, 1983 [2 volumes].
15
51
problematizado. Assim sendo, visando à compreensão da obra de Richard Wagner e
principalmente a compreensão das óperas que aqui serão estudadas, recortamos os
principais pontos acerca do estilo deste compositor, pontos estes que farão com que
atinja fama singular e que ainda seja debatido hodiernamente. São eles: a busca pela
história e pela Idade Média nas óperas; as modificações harmônicas; a representação das
massas; a renovação e uso do Leitmotiv; a instauração do Drama Musical no lugar da
ópera; e a tentativa de criação de uma Obra-de-Arte Total (Gesamtkunstwerk).
O romantismo como um todo, e isso é mais visível no caso do romantismo
alemão, principalmente em Wagner, fez uma releitura e deu uma utilização artística ao
período da Idade Média. Em certa medida, isso ocorre como crítica ao ceticismo do
período Iluminista e Clássico existente no passado imediato. No caso da Alemanha, essa
característica ainda era mais notável devido, principalmente, ao emergente nacionalismo
que dominava estes territórios desde as Guerras de Libertação. Esse nacionalismo
identificava um passado unido e glorioso que atravessava todos os germânico. Esta ideia
nacional de resgate atinge nosso compositor diretamente. Entre os anos de 1835 e final
da década de 1840, Wagner, em seus estudos de mitologia e medievo germânicos,
encontrou os temas de Tannhäuser, Lohengrin, a Tetralogia do Anel, Tristão e Isolda,
Os mestres cantores de Nurenberg e Parsifal. Ou seja, em menos de quinze anos o
compositor já havia definido o tema operístico de toda a sua vida, encontrando o tema
para nove das suas treze óperas – as outras peças ou já estavam prontas ou em processo
de término e todas levam em conta a história ou a mitologia nórdica de alguma forma.
Os temas que regeriam estas óperas seriam, assim, a inevitabilidade do destino e a
natureza destrutiva do amor. Apesar desta visão pessimista não ser a única que ocorria
na Alemanha medieval ou na do momento do compositor, esta imperava no cenário
artístico e Wagner a utilizou como meio estilístico de alcançar seu público, e demonstrar
sua visão de mundo17. No entanto, não devemos superestimar as representações
medievais feitas por Wagner em suas peças: ocorreram claras adaptações da lógica
histórica para melhor se encaixarem no texto operístico.
O compositor também inovou dentro da própria escrita musical, apesar de não
possuir uma linguagem artística unificada. Para este, a linguagem musical deveria
caminhar em conjunto com a falada, daí a relevância da ópera que conseguiria a perfeita
17
Para mais informações acerca da visão medieval do compositor, cf.: SPENCER, Stewart. A Idade
Média de Wagner. In: MILLINGTON, Barry. Wagner: Um compêndio: Guia completo da música e da
vida de Richard Wagner. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, p.185-188.
52
comunhão. Herdeiro da tradição de Weber e Marschener em sua primeira ópera (Die
Feen – As fadas) e de Bellini e Auber em sua segunda (Das Liebesverbot – O amor
proibido), Wagner vai moldando sua própria escrita ainda jovem. Dentre estas, uma se
destaca no campo puramente musical: as inovações harmônicas propostas pelo
compositor. Diferentemente da maioria dos outros operistas europeus do século XIX,
não partia da melodia para a construção musical; mas sim da construção harmônica para
a identificação melódica. E mais, inova a partir da percepção das possibilidades atonais
e cromáticas18.
Iniciando sua vida artística pública como maestro, este compositor acabou
modificando o uso de seu instrumento primeiro de trabalho: a orquestra. Wagner é um
dos responsáveis pela criação e consolidação do fosso orquestral invisível19. Este
modelo de fosso, hoje o mais comum nas casas de ópera ao redor do mundo, tem como
função principal fazer com que o público não consiga identificar a orquestra apenas
ouvindo o seu som podendo, assim, dedicar toda a sua atenção ao palco, onde está
sendo encenada a peça. Dentro ainda da orquestração podemos lembrar que Wagner é o
responsável pela orquestração de óperas que exigiam orquestras de grandes proporções,
como é o caso de sua Tetralogia do Anel20, buscando com isso o caráter heróico da
peça, transformando, assim, a ópera em espetáculo. Além disso, também inovou,
buscando seu estilo próprio, na área instrumental: a trompa wagneriana. Este
instrumento foi criado especificamente para a exibição da Tetralogia do Anel e foi feito
para ser um intermediário entre o trombone e a trompa.
Dentro da especificidade de Richard Wagner e apresentando-se como relevante
ao estilo linguístico-composicional deste compositor, podemos lembrar o fato do
processo criativo deste. É claro que Wagner ficou conhecido para a posteridade por suas
óperas – as outras peças são de menor interesse aos estudos e de construções
musicalmente frágeis. Porém, estas peças que levaram fama ao compositor são
18
O atonalismo é uma forma de composição musical no qual se busca o afastamento do centro tonal; por
sua vez, o cromatismo é a utilização de toda a escala musical existente em determinado instrumento
(semitons) que tem como função adiar a resolução tonal e ampliar as possibilidades de modulação e de
interpretação, no caso da ópera. Percebemos, portanto que ambas as técnicas buscam um afastamento do
centro tonal, o que já caracteriza uma mudança do antigo romantismo, sempre tão preocupado com esta
resolução. A utilização destas características não são inéditas em Wagner, outros compositores, tais como
o próprio sogro deste, Franz Liszt, já criavam obras neste sentido antes de Wagner.
19
O fosso, nas casas de óperas é o local determinado para o estabelecimento da orquestra. Hoje, no geral,
como herança wagneriana, o fosso é praticamente todo coberto, se localizando entre o público e a parte
inferior do palco.
20
Para se ter uma ideia, a orquestração da Tetralogia do Anel utilizava em torno de 90 instrumentos.
53
marcadas por uma singularidade: Wagner participava de todo o processo criativo da
música, desde a construção dos textos em prosa até os librettos (textos poéticos)
chegando, finalmente, à partitura musical. O individualismo que marcou o romantismo
é representado, sim, por estes autores que cuidavam de toda a produção e execução de
suas peças, todavia, no caso de Wagner, esta característica encontra seu ponto máximo:
este autor participou de todo o processo criativo de todas as suas obras, o que
certamente marca as possibilidades estilísticas deste.
O processo criativo do compositor pode ser resumido da seguinte forma: após a
pesquisa bibliográfica buscando temas este escrevia longas análises em prosa nos quais
debatia todas as possibilidades de expressão dramática do texto. Após este estudo e
estruturação do enredo, o compositor criava o libretto atendendo, sempre, às
necessidades de equilíbrio entre música e língua. Em seguida, com o libretto e os temas
harmônicos e melódicos já criados e definidos, o compositor lançava-se à criação da
partitura orquestral que conduziria toda a obra. Porém, após este término – momento no
qual os compositores geralmente se afastavam da produção – Wagner continuava,
colaborando com as escolhas dos cantores, da regência, dos músicos e, até mesmo, dos
cenários que suas peças teriam durante a exibição. Este fato, o pleno mergulho em todas
as possibilidades de intervenção na própria ópera é, sem dúvida, a principal
característica do estilo wagneriano de composição.
Toda esta presença do compositor em sua obra, os estudos de história e
mitologia germânica, a elaboração dos próprios textos e as interferências na produção
de suas óperas marcam outro traço extremamente importante no estilo wagneriano: a
sua relação com o seu público. Assim sendo, um outro ponto relevante da forma de
escrita de Wagner é a presença de grandes multidões em suas obras. Destarte ser
característica comum em óperas, principalmente no romantismo, na escrita wagneriana
o coletivo tem sempre importância. Esta característica, originária de suas percepções
coletivas e sociais, não deve, contudo, ser pensada apenas sobre o palco. O público,
enquanto massa, também deve ser levado em conta. O filósofo alemão Friedrich
Nietzsche, que manteve contato próximo com o compositor, afirmou certa vez num
ataque a Richard Wagner e a seu projeto de Bayreuth:
Em Bayreuth se é honesto apenas como massa, como indivíduo se
mente, mente-se para si mesmo. O indivíduo deixa a si mesmo quando
vai a Bayreuth, renuncia ao direito de ter a própria escolha, a própria
54
língua, ao direito ao seu gosto, mesmo a sua coragem, como a temos e
exercitamos entre as nossas quatro paredes, em oposição a Deus e o
mundo.21
O filósofo que outrora fora amigo do compositor e que sempre percebeu a
relação entre a obra wagneriana e a política-nacionalista germânica com isso demonstra
os perigos que a estética e as formas de trabalho de Wagner assumem a partir do
momento que passam a ter uma função além da artística22. A multidão encenada nas
óperas passa, portanto, a representar a multidão do público – uma multidão que ansiava
por modificações sociais, políticas e reafirmações culturais e que, por isto, ajudavam no
processo de sacralização da música wagneriana, objetivo próprio do compositor23.
Imagem 4: Cena de multidão em Tannhäuser24
No entanto, para alcançar, através de sua arte, seu projeto nacionalista que
contava com o apoio da massa de ouvintes25 o compositor teve que modificar a estrutura
tradicional da ópera que até então existia na Europa. Logo, Wagner modificou a ópera
como um todo. Em primeiro, o compositor, retirando a importância melódica do texto e
inserindo-a no discurso, passa a se utilizar da técnica de composição chamada de
21
NIETZSCHE, Friedrich. Nietzsche contra Wagner. In: ______. O caso Wagner: um problema para
músicos e Nietzsche contra Wagner: dossiê de um psicólogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999,
p.54.
22
Friedrich Nietzsche e Richard Wagner mantiveram intensa correspondência até a ruptura, ocorrida em
1876. Alguns traços marcam esse afastamento: em primeiro lugar, o ideal ascético conflitante; em
segundo lugar, a vinculação entre o pensamento wagneriano e o de Arthur Schopenhauer, filósofo que
Nietzsche afiramará que nega a vida, a caluniando; em terceiro, podemos lembrar das fortes posições
deste filósofo contra o anti-semitismo wagneriano.
23
BLANNING, Tim. Richard Wagner e a apoteose do músico. In: ______. O triunfo da música: a
ascensão dos compositores, dos músicos e de sua arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
COELHO, Lauro Machado. Op. Cit. p.239-241.
24
Ilustração divulgada pela França no momento da primeira execução de Tannhäuser em Paris, ocorrida
em 13 de Maio de 1861.
25
Podemos lembrar que os ouvintes de Wagner se transformaram em verdadeiros apaixonados pela obra
do compositor fundando, inclusive, sociedades para financiamentos e revistas, como a Bayreuther Blätter,
que tinham o único objetivo de divulgar a obra deste, sendo ela musical, política, filosófica ou literária.
55
Durchkomposition, ou seja, o autor se utiliza da música como um todo, criando uma
melodia contínua que interliga atos e cenas do espetáculo, ou seja, o compositor buscou
equilibrar texto e música evitando quaisquer quebras no encadeamento de ambos. A
partir disto, e para manter a lógica da peça, o compositor se utiliza do artifício da
Unendliche Melodia [Melodia Infinita] que possibilita, através de cromatismo, o
surgimento de novos temas musicais e diálogos dramáticos. Partindo deste ponto,
Wagner começa a se utilizar do Leitmotiv26. Todavia é um engano afirmar que o
compositor da Tetralogia do Anel foi o primeiro a utilizar esta técnica. Essa
característica pode ser facilmente encontrada em outros autores, como Mozart e Weber
– compositores que Wagner admirava. A inovação que este compositor coloca é que
leva importância a esta possibilidade: os motivos de Wagner vão se modificando a cada
nova aparição de acordo com as demandas da peça. Com isso, este compositor
conseguiu aquilo que tinha sido tentado desde Claudio Monteverdi: juntou texto e
música, porém, a responsável pela narrativa era a música. Wagner tinha conseguido o
que sempre quisera, modificou as estruturas da ópera, formou aquilo que chamamos de
Drama Musical27.
Em suma, o Drama Musical se difere da ópera basicamente por dois fatores. Em
primeiro lugar, a partir da racionalização que une poesia, música e as artes cênicas,
buscou-se o desaparecimento dos números musicais incluídos no modelo operístico,
procurando-se, assim, um fluxo contínuo de música. Dessa forma, desapareceriam, por
exemplo, as árias ligadas pelos recitativos, buscando-se um maior realismo sentimental.
Em segundo lugar, inclui-se o leitmotiv [motivo condutor], que é a associação de uma
frase musical ou motivo a cada caráter ou idéia da peça, obtendo-se, portanto, maior
coesão de elementos artísticos-operísticos, possuindo a função social de simplificar a
compreensão da obra para uma plateia ainda em formação.
26
O Leitmotiv, provavelmente o termo mais conhecido de um ‘glossário wagneriano’ é a utilização de
uma ideia musical (melódica, harmônica ou rítmica) idenficiada com determinada personagem, ato ou
sentimento. Desta forma, sempre que este motivo condutor é ouvido, a audiência é inconscientemente
transportada para as aspirações cênicas do compositor.
27
Apesar de utilizarmos a noção de Drama Musical, Wagner não utilizava constantemente e diretamente
este termo. A origem desta utilização se encontra em um texto no qual Wagner afirma: ‘Não mais
escreverei óperas; mas, como não pretendo inventar nomes arbitrários para estas obras, vou chamá-las
simplesmente de dramas, pois isso, ao menos, representa uma indicação do ponto de vista pelo qual
devam ser compreendidas’ (WAGNER, Richard. Uma comunicação a meus amigos (1851) Apud: GREY,
Thomas S. Um glossário wagneriano. In: MILLINGTON, Barry. Wagner: Um compêndio: Guia
completo da música e da vida de Richard Wagner. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, p.256.
56
Partindo desta configuração do Drama Musical, Wagner se proporá à criação de
uma Obra-de-Arte Total, ou seja, o compositor identifica na ópera enquanto Drama a
função de agrupar todas artes em uma. Assim, as artes se transformariam em
interdependentes. Esta necessidade de fusão de artes é uma tentativa de resgate de uma
leitura grega da arte que Wagner fazia28. Este identificava a supremacia cultural grega
exatamente com o encaminhamento em conjunto de todas as artes. E mais, o
compositor, além de buscar o Drama como Obra-de-Arte Total, identifica a necessidade
deste Drama atender, também, as demandas sociais e políticas germânicas do momento
criando, a partir disto, o Nationaldrama. Este Drama Nacional, além de ser, segundo
Wagner, um amplo exemplo da perfeição do espírito humano, funciona como um
aparato cultural que possibilita a identificação dos germânicos como um povo
unificado29.
Desta forma, o estilo musical e intelectual wagneriano é aquele que localiza
tanto na arte quanto na política a possibilidade de complementação social nacionalista
utilizando, para tal, o simbolismo da história e da mitologia germânica adaptados as
suas necessidades sócio-culturais. Podemos lembrar que um de seus textos do período
de exílio, Die Kunst und die Revolution30 já marca esta característica. Para Wagner, a
arte afirma o seu poder revolucionário na medida em que colabora com o projeto de
emancipação social. A modernidade ocidental, ao mesmo tempo em que separou a
racionalidade estética da racionalidade política, angustiou-se sobre o relacionamento
entre estas áreas [arte e política]. Portanto, em Wagner, o que separa a arte e a política é
também aquilo que as une: ambas são modos de se fazer emergir o possível das
sociedades, no entanto, os meios que usam e os modos como surgem fazem toda a
diferença e é por isso que a relação entre elas é tão complexa.
2.3 Rienzi: a escrita, a música e o enredo da ópera
A terceira ópera de Richard Wagner, Rienzi, marca a transição deste enquanto
compositor tanto para seu período nacionalista quanto para seu período de maturidade
composicional. As duas primeiras óperas, Die Feen e Das Liebesverbot, foram
28
Podemos lembrar que outros pensadores do contexto também percebiam esta necessidade de ampliação
e fusão das possibilidades artísticas em uma única.
29
Acerca da Obra-de-Arte do Futuro e da união desta com as possibilidades nacionalistas, Cf.:
WAGNER, Richard. A Obra de Arte do Futuro. Lisboa: Antígona, 2003.
30
WAGNER, Richard. A Arte e a Revolução. 2ed. Lisboa: Antígona, 2000.
57
acolhidas friamente pelo público e pela crítica e possuem uma estrutura
demasiadamente simples que fez com que raras vezes fossem exibidas no próprio século
XX – além do mais poucas vezes foram executadas ao longo do século XIX31.
Quanto a Rienzi, o compositor se engajou no projeto durante a primeira metade
do ano de 1837 após conhecer o romance homônimo de Sir Edward Bulwer-Lytton32
que contava a história de Cola de Rienzi, tribuno e notário papal que derrota a classe
nobiliárquica ampliando os direitos políticos da população e termina traído por esta
mesma população e pela Igreja que anteriormente os ajudaram contra a aristocracia.
Partindo desta leitura que, conforme Wagner atesta, acontece por acaso durante
uma viagem, o autor começou a elaborar a obra colocando, nesta, sua crença de que iria
atingir o sucesso que já buscava há algum tempo por toda a Europa, principalmente a
própria Germânia e a França. Influenciado pelas ideias da Jovem Alemanha 33 e
buscando cruzar essa perspectiva com as possibilidades do texto de Bulwer-Lytton,
lança-se ao esboço em prosa que fica pronto rapidamente em Julho de 1837. Feito este
esboço em prosa começa, então, a parte mais complexa e demorada – uma vez que
Wagner cuidava de todas as partes da produção sozinho: a elaboração do texto
operístico. Este ficaria pronto em 6 de Agosto de 1838.
Após a elaboração dos textos, e se dedicando aos estudos orquestrais, Wagner
inicia a escrita da ópera. A escrita orquestral ocorre entre 7 de Agosto de 1838 e 19 de
Novembro de 1840 – posteriormente o compositor faria variadas revisões das quais as
que mais se destacam são as que ocorreram entre 1843 e 1844 e a revisão de 1847. Esta
última, no geral, é a versão executada em nossos dias. Um fato relevante desta ópera é
31
Die Feen, por exemplo, apenas foi executada na íntegra no ano de 1888, ou seja, cinco anos após a
morte do compositor.
32
Edward George Earl Bulwer-Lytton (1803-1873) foi um novelista, dramaturgo e influente político
britânico. O romance que Wagner se utilizou para escrever seu libretto foi publicado pela primeira vez
com o título Rienzi, the last of the tribunes (Rienzi, o último dos tribunos) e, a partir da segunda edição,
com o título de Rienzi, the last of the roman tribunes (Rienzi, o último dos tribunos romanos).
33
No alemão junge Deutschland, foi um movimento literário existente entre, aproximadamente, as
décadas de 30 e 50 do século XIX, integrado por personalidades como Laube e Heine. Esse nome o
coloca em paralelo com movimentos de outros países europeus como é o caso da "Jovem Italia". No
entanto, apesar de ter uma forte vocação de compromisso político exerceu uma influência muito menor
sobre a vida pública na Alemanha. Sua aparência lembrava o movimento Sturm und Drang do século
anterior, já que expressavam antipatias comuns no plano social e os dois se manifestavam
conscientemente como geração e tinham um valor intrínseco do conceito “juventude”. Os homens da
"Jovem Alemanha" eram como cosmopolitas e abjuraram o nacionalismo doentio que demonstraram seus
precursores. Isto é talvez o que feria Wagner levando-o a se afastar, uma vez que estava cada vez mais
inserido no mundo do alegado “espírito alemão”.
58
que parte dela (os atos III, IV e IV) foram escritos em Paris após uma longa pausa no
processo geracional.
Com a ópera pronta, Wagner tentou a sua exibição em Paris sem, contudo, obter
sucesso. Mesmo sem este sucesso alcançado naquele que era considerado o principal
palco da Europa, o compositor de Leipzig continuava certo de que Rienzi era a obra que
o traria fama e através da qual conseguiria demonstrar seus ideais para uma culturanacional germânica. Wagner afirmou em sua autobiografia: “Rienzi [grifo nosso], cuja
composição eu havia concluído pouco tempo antes de chegar em Riga, deveria me
conduzir a um mundo grandioso com o qual, há tempos, eu sonhava”34.
A primeira apresentação da ópera se deu no Königlich Sächsisches Hoftheater
em Dresden no dia 20 de Outubro de 1842 com a regência do próprio compositor e
contou com a presença da ilustre soprano Wilhelmine Schröder-Devrient35 no papel de
Adriano. Wagner desejou executar obras suas com esta soprano desde a primeira vez
que a ouviu cantando, na ópera I Capuleti e i Montecchi de Vicenzo Bellini, conforme
seus diários atestam.
A exibição da ópera teve um imprevisto não pensado nem percebido nos ensaios
que, no geral, não eram realizados na íntegra: a duração. A ópera encenada levou mais
de seis horas para ser concluída e, apesar de o público não ter feito qualquer tipo de
manifestação, o fato da peça ter começado em um dia e terminado em outro desagradou
Wagner. Após isto, o compositor pensou em dividir a ópera em duas partes para serem
executadas em dias seguidos, uma primeira chamada A grandeza de Rienzi e a segunda
chamada de A queda de Rienzi porém acabou se contentando com alguns cortes que
facilitaram as próximas apresentações da peça.
Mesmo com todas as dificuldades encontradas em Paris para a elaboração, e
com todos os imprevistos da execução da obra culminando com a duração
extremamente longa desta, Rienzi conseguiu levar a Wagner aquilo que ele tanto
ansiava e que as duas obras anteriores não tinham conseguido: o sucesso. Todavia este
sucesso não foi imediato. Foi se construindo durante toda a década de 1840 quando,
cada vez mais, passou a ser perceptível as características nacionalistas da obra que
atendiam plenamente as demandas populares deste contexto. Compreendido o contexto
34
Cf.: nota 9.
Wilhelmine (1804-1860) foi utilizada várias vezes para a realização de personagens masculinos jovens,
como é o caso do próprio Adriano em Rienzi de Wagner e, também, como é o caso de Romeo na obra de
Bellini.
35
59
e o processo de criação de Rienzi devemos, agora, conhecer o enredo desta obra para,
então, analisarmos sua estrutura musical.
Imagem 5: Cartaz da estreia mundial de Rienzi36
Ambientada na Roma do século XIV durante a transferência do papado desta
cidade para Avignon na França, a obra trata da vida do tribuno e notário papal Cola de
Rienzi, personagem que lutara pela ampliação dos direitos populares e contra as
imposições da classe nobiliárquica da região no momento de ausência de poderes mais
centralizadores.
O primeiro ato da ópera se inicia com a aparição de uma rua de Roma pela noite,
na presença dos Orsinis na frente da casa de Rienzi. Paolo Orsini, junto com seus
seguidores tentam invadir os aposentos de Irene, irmã de Rienzi, pela janela, no intento
de sequestrá-la. A jovem grita por socorro até o momento em que surgem os Colonna.
As casas nobiliárquicas Orsini e Colonna estão em conflito aberto, principalmente, após
a saída do papado que era a forma de centralização política possível na época. As
36
Este cartaz é o utilizado na primeira apresentação de Rienzi em Dresden e marca os personagens e seus
intérpretes: Rienzi, o tribuno romano e notário papal foi interpretado pelo tenor Josef Aloys Tichatschek;
Irene, irmã de Rienzi, pela soprano Henriette Wüst; Stefano Colonna, um nobre, pelo baixo Georg
Wilhelm Dettmer; Adriano, filho de Stefano, pela Wilhelmine Schröder-Devrient; Paolo Orsini, outro
nobre, por Johann Michael Wächter (baixo); Raimondo, legado papal, pelo baixo Giacchino Vestri;
Baroncelli e Cecco Del Vecchio, cidadãos romanos, foram interpretados, respectivamente, pelo tenor
Friedrich Traugott Reinhold e pelo baixo Karl Risse; por último, o mensageiro foi interpretado pela
soprano Anna Thiele.
60
famílias iniciam-se na contenda e o jovem Adriano Colonna defende Irene. A partir
disto, a contenda vai ganhando cada vez mais volume e a própria população já participa.
Surge, então, o cardeal Raimondo, legado papal, que tenta parar o conflito utilizando
seu poder eclesiástico. Sem sucesso, no entanto. Apenas após a chegada de Rienzi e
seus dois companheiros, Baroncelli e Cecco Del Vecchio, a ordem é reestabelecida –
para isto, basta a presença de Rienzi. Este repreende os nobres e seus seguidores
declarando, por fim, sua intenção de conduzir Roma à glória através de sua unificação
política-social. Neste momento, as famílias nobres deixam a parte urbana da cidade para
continuarem o conflito e Rienzi proíbe o retorno destes, ordenando o fechamento dos
portões da cidade. Adriano Colonna, no entanto, permanece. Após a saída dos nobres, o
núncio oferece o apoio eclesiástico a Rienzi na incitação que este provoca na população
na luta contra as famílias aristocráticas. Rienzi abraça a irmã e pergunta o que lhe
fizeram, ao que esta explica que tentaram raptá-la mas que sua honra foi preservada por
Adriano. Rienzi manifesta, então sua surepresa a Adriano pelo fato de um membro da
família Colonna ter protegido sua irmã. O jovem, no entanto, não concorda em utilizar a
força para deter os conflitos aristocráticos que tanto prejudicaram a população,
mudando de ideia apenas quando Rienzi o lembra que a casa dos Colonna matou seu
irmão. Com a notícia, Adriano pergunta o que pode fazer para compensar o crime
passando, assim, a seguir Rienzi em seus intentos. As hesitações deixam de existir a
partir do momento em que o notário afirma que, sob seu comando, os romanos podem
se tornar livres. Com a ajuda a Rienzi e a redenção que Adriano proporciona à própria
casa, o tribuno confia sua irmã aos cuidados deste jovem. Surge, nisto, a figura do amor
redentor, tão comum nas obras wagnerianas. Embora Adriano respeite Rienzi e confie
neste, adverte, temeroso, sobre as possibilidades do plano de combater o poder das
casas patrícias terminar em tragédia, com mortes. Trazendo desgraças à existência da
própria Roma. A sós, Adriano e Irene, reafirmam seu amor contra todos os infortúnios.
O jovem, mesmo fiel ao cunhado, prevê que suas ideias não resistirão e que o próprio
povo que parece tendencioso a seu lado o trairá possibilitando que os nobres o punam.
A população vai ao encontro da movimentação e, após se ajoelhar diante da força do
som do órgão da Igreja, um coro entoa certo cântico sobre a necessidade de se defender
a cidade. Neste momento ressurge Rienzi com vestimentas apropriadas para o conflito.
Esta mesma população o saúda e com influência de Cecco, o reconhece como seu rei. O
tribuno, no entanto, não aceita tal título, pois ambiciona que o povo continue livre.
61
Sugere, então, que o reconheçam como um tribuno, um representante do povo, título
com o qual é prontamente aclamado. É então afirmado que Roma será renovada,
passando a possuir liberdade e lei. Ao final deste primeiro ato toca-se o trompete e,
lembrando a tradição política romana, Rienzi e o cardeal Raimondo convocam toda a
população para o embate que se aproxima.
O segundo ato inicia-se no Capitólio, no qual Rienzi entra com toda a cerimônia,
seguido por Baroncelli e Cecco. Neste instante, os mensageiros trazem as notícias de
que toda a Roma está pacificada. Todos os aristocratas juram fidelidade ao tribuno,
falsamente. Todavia Rienzi não demonstra preocupação com sua glória mas sim com a
persistência da lei criada outrora por ele e por seus seguidores, lei essa que obriga todos
os cidadãos a serem iguais, incluindo os pertencentes à casa Orsini e à casa Colonna.
Indignados, Colonna e Orsini, sendo ouvidos pelos outros nobres, conspiram contra
Rienzi em quem identificam apenas demagogia discursiva. O medo destes se localiza no
fato do pleno apoio que Rienzi tem das massas armadas. Adriano entra e acaba
escutando a conspiração em prol do assassinato do tribuno que se forma no ambiente.
Sem poder acreditar no que ouve, o jovem manifesta sua indignação contra a possível
traição e assassinato. É o momento de ruptura entre Adriano e seu pai. O jovem, no
entanto entra em conflito consigo: teme a morte de Rienzi mas também teme a punição
que seu pai poderá receber. Inicia-se a cerimônia festiva e Rienzi saúda todos os seus
convidados. Neste momento Adriano adverte o tribuno acerca da conspiração tramada
anteriormente pelas duas famílias mais influentes. Começa a apresentação que na peça é
representada com o balé sobre o tema ‘O Sequestro de Lucrécia’. Durante a
apresentação, Orsini se aproxima de Rienzi e tenta matá-lo com uma punhalada sem,
contudo, obter sucesso, já que o tribuno estava com uma densa cota de malha. O povo,
percebendo a artimanha, se enfurece contra os traidores ao passo que Adriano clama por
clemência, uma vez que seu pai, Stefano, está entre os denunciados. O povo, já tendo
automaticamente condenado os traidores, é contido por Rienzi que explica a
importância do perdão, libertando os conspiradores. Enquanto Irene e Adriano
agradecem a piedade, Baronceli e Cecco se colocam contra esta anistia. No mais, os
traidores juram novamente vingança ao tribuno.
O terceiro ato se inicia na frente do antigo Fórum, local no qual o povo e Rienzi
lançam-se às armas para combater os nobres que anteriormente já haviam sido
perdoados. Rienzi, então, faz um apelo patriótico e a população responde com um hino
62
guerreiro. Este é momento do clímax de indecisão de Adriano, no qual deve optar se
defenderá Rienzi ou os Colonna. Após a preparação para o conflito, a população,
liderada pelo tribuno, marcham em direção à guerra, deixando Adriano para trás,
sozinho com Irene. Rapidamente Rienzi retorna e anuncia a vitória do povo de Roma,
trazendo o corpo de Orsini e Colonna para a cena. Todavia, o lado da população
também teve pesadas baixas e, mesmo vitoriosos, Baroncelli prevê que este fato poderá
gerar a queda do modelo político implementado. Ao perceber que seu pai está morto,
Adriano amaldiçoa Rienzi, jurando vingança. Este que, por sua vez, sai da cena
triunfante.
Imagem 6: Rienzi regressando a cavalo após o conflito37
O quarto ato se passa diante da Basílica de São João de Latrão, aonde ocorre um
encontro entre Baroncelli e outros cidadãos, no qual o antigo colega informa que Rienzi
conduziu tão mal Roma que o próprio Papa, bem como o Imperador, se colocaram
contra o regime. Com a chegada de Cecco, o cenário da revolta contra Rienzi fica
definitivamente instalado. Baroncelli afirma que Rienzi fez um pacto com os nobres e
Adriano, o primeiro a se identificar na multidão, confirma este fato, procurando vingar a
morte de seu pai. Assim, Rienzi passa a ser identificado como traidor. Surge o cardeal
Raimondo com seu séquito em direção à igreja. Logo após, Rienzi entra em cena com
sua irmã e, com o discurso preparado, começa a convencer a população de seus feitos na
administração e libertação de Roma. Neste momento, de dentro da igreja, começa a
música de caráter sinistro que assusta tanto Rienzi quanto todos da cena. O tribuno
37
Ilustração da entrada de Rienzi da estreia de Paris, no Théâtre Lyrique, em 6 de Abril de 1869. A obra
foi encontrada nos arquivos de Augustin Vizentini (1810-1890) e a autoria da ilustração, como era
comum neste tipo de obra durante o século XIX, é desconhecida.
63
intenta entrar na basílica porém é impedido por Raimondo que afirma que Rienzi fora
excomungado. Desta forma, este perde os poucos seguidores que ainda possuía.
Adriano tenta convencer Irene a se afastar do irmão, sem sucesso. O jovem, então,
percebe que esta união entre os irmãos acabará com a vida de Irene, já que a população
está totalmente revoltada contra as perdas do conflito e contra o próprio Rienzi.
O quinto e último ato ocorre no Capitolio Romano. Inicialmente a ação se
desenrola no interior do prédio, no qual Rienzi reza a Deus por proteção. Ao se
aproximar da irmã, Rienzi afirma que todos, exceto ela, o abandonaram. Após isto, o
tribuno se retira para preparar suas armas. Adriano entra no ambiente sem ser percebido
e tenta convencer Irene a fugir com ele. Quando percebe que esta abordagem não surte
efeito, tenta levar a amada à força, o que também não funciona. A partir daí, a ação se
desenvolve por fora do Capitolio, onde a multidão, furiosa, espera para atear fogo no
prédio. Neste momento, Rienzi surge tentando apaziguar a população, sem efeito,
contudo, já que Baroncelli inflama cada vez a população afirmando que Rienzi é um
traidor – a massa ficou cega. Começam, então, a atear fogo no prédio com Rienzi e sua
irmã dentro. Os irmãos permanecem abraçados esperando o fogo que os consumirá. É o
momento em que Adriano invade o prédio para salvar sua amada, sem resultado,
encontrando a morta, já que o prédio desmorona com os três em seu interior. A peça
termina com o retorno dos nobres que chegam a tempo de assistir a construção se
despedaçando em fogo.
Durante a escrita de Rienzi, duas formas operísticas estavam em voga na Europa:
o modelo italiano e o modelo francês. Neste momento, interessa-nos o modelo francês,
a grand opéra. A grand opéra é um modelo operístico comum na França do século
XIX, principalmente entre os anos de 1835 e 1860, geralmente estruturada em quatro
atos e com a presença de grande orquestra e elenco. Giacomo Meyerbeer (1791-1864)
foi um dos principais representantes deste modelo que cruzou a Europa como sinônimo
daquilo que era mais sofisticado neste terreno artístico.
Conhecendo esta possibilidade, Richard Wagner inicia esta ópera buscando ser
aceito em locais como a França. A partir do momento em que os palcos franceses não
oferecem boa recepção ao compositor, este vai se fechando cada vez mais dentro da
produção operística alemã. Rienzi, a grand opéra de Wagner se insere na tradição de
óperas heroicas, herdeiras de Christoph Willibald Gluck (1714-1787) e surge como a
tentativa de um jovem compositor alcançar Meyerbeer e Fromental Halévy (179964
1862). Contudo, mesmo utilizando este modelo de escrita nesta ópera, Wagner o atacou
em seu texto Oper und Drama [Ópera e Drama]38. Algumas diferenças entre o modelo
proposto pelos franceses desta forma, como Meyerbeer e Berlioz, no entanto, já são
diversos daqueles apresentados pelo compositor alemão. Por exemplo, Wagner não
alterna constantemente a métrica da obra permanecendo quase que a música inteira no
mesmo compasso.
Esta ópera, politicamente simpatizante com a classe média e contrária à nobreza,
é dividida em cinco atos: o primeiro e o quinto com quatro cenas cada um, o segundo e
o terceiro com três cenas cada um e o quarto dividido em duas cenas O compositor
localizava vantagens nas óperas italianas, francesas e, mesmo sendo musicalmente
fragmentada, nas óperas da Alemanha. Assim sendo, Rienzi surge como ópera eclética
cosmopolita, pretendendo fundir “o apelo sensual da melodia belliniana com a
vitalidade e a grandiosidadedos gêneros franceses e a ‘seriedade’ inata da tradição
alemã”39.
As cenas de multidão também marcam bem esta peça. As multidões presentes no
palco, além de marcarem o caráter nacionalista da peça, auxiliam na reafirmação da
ópera enquanto grand opéra. Essas multidões em cena marcaram tão bem a obra que
acabariam se transformando, no século XX, em um dos fatores que levariam Adolf
Hitler a se identificar com a peça e dela possuir um autógrafo40.
Após iniciar a escrita da obra, com o texto em prosa na metade de 1837, Wagner
parou em sua empresa em Abril de 1839, com os dois primeiros atos completos, apenas
retornando em Fevereiro de 1840 e, apesar da pausa de meses ser relativamente curta, o
estilo foi significativamente modificado. Wagner conheceu Meyerbeer em Paris neste
intervalo e, enquanto os dois primeiros atos são uma mescla de ópera italiana com
modelo operístico francês, a partir do terceiro se delineia um estilo pessoal tendencioso
ao modelo de Meyerbeer. Contudo, apesar da ópera seguir amplamente este modelo
francês de composição tão famoso e executado, a obra não conseguiu apoio para ser
realizada na capital francesa.
38
Cf.: WAGNER, Richard. Oper und Drama. In: FRIEDRICH, Sven (Herausgegeben). Richard Wagner:
Werke, Schriften und Briefe. Directmedia: Berlin, 2004 [edição digital dos textos completos de Richard
Wagner].
39
GREY, Thomas. Op. Cit. p.79.
40
Hitler afirmara, após assistir a execução de Rienzi logo no início do século XX, In jener Stunde begann
es (Naquele momento tudo começou). Cf.: MILLINGTON, Barry. Op. Cit. p.312.
65
Durante a abertura da peça, de caráter brilhante, aparecem cinco temas que serão
reutilizados durante a peça com importâncias variadas. A primeira destas aparições são
três notas longas no trompete que serão transformadas em um sinal para que a
população se levante contra os nobres, lutando contra a opressão proporcionada por
estes. Aparece, também nesta abertura, aquilo que, no quinto ato, será transformado na
oração de Rienzi; o tema associado ao povo; o hino da guerra; e, por último, aparece
exposto na abertura a marcha do segundo ato.
Um último ponto musical relevante para a análise de Rienzi é a música de balé
presente no segundo ato. Composta em Riga, é a única peça deste gênero, além do
presente em Tannhäuser, composto pouco tempo depois, escrita por Wagner. Na
maioria das grand opéra o balé funciona como uma distração ao público. Dessa forma,
buscando ampliar as possibilidades representativas, Wagner deu grande importância a
esta composição. O balé encenado conta a história de Tarquínio, rei de Roma, que tenta
desonrar Lucrécia. Assim, o trecho é nitidamente uma aproximação do início da ópera e
o que acontece com Irene na mão dos Orsini quanto, também, da violação da
aristocracia contra a população que Rienzi defende41.
2.4 Lohengrin: a escrita, a música e o enredo da ópera
Richard Wagner idealizou a peça Lohengrin quando teve acesso, entre os anos
de 1841 e 1842, a textos da Sociedade Germânica de Königsberg, uma associação
dedicada ao estudo e preservação da língua e da cultura alemã, nos quais existiam o
relato desta antiga lenda. Esses estudos, somados àqueles que Wagner empreendeu por
toda sua juventude marcam a relevância das duas principais temáticas de escrita
wagneriana: a Idade Média e a mitologia nórdica, conforme o próprio compositor
atestou em sua autobiografia:
Me familiarizei com a Idade Média germânica amplamente e, apesar
de não possuir o rigor de um filólogo, levei esses estudos com muita
seriedade (...) Alguns não entendiam o motivo de eu, por ser um
simples compositor de óperas, estar nestes estudos tão aprofundados.
Porém, posteriormente, as pessoas se deram conta de que meu
Lohengrin era tão específico devido à escolha e estudo do tema42.
41
Nas exibições contemporâneas este trecho sofre grandes cortes, já que na partitura original é uma das
cenas mais demoradas, influenciando de forma significativa na longa duração da peça.
42
Cf.: nota 9.
66
Entusiasmado como o tema encontrado, Wagner escreveu a peça rapidamente,
entre 1845 e 1848. O primeiro rascunho em prosa foi terminado em 3 de Agosto de
1845. O segundo rascunho, feito logo após e no qual o poema se baseia, foi feito de
ordem inversa, começando pela parte final até alcançar o início – vale lembrarmos que,
nesta ópera, o compositor mudou sua forma de escrita, também, de outra maneira: esta
ópera ele rascunhou na íntegra e não em partes como era de costume até então. O poema
básico, uma vez que este foi constantemente modificado e adaptado durante a escrita da
peça, ficou pronto em 27 de Novembro de 1845 e o primeiro rascunho musical,
contando com a harmonia (no geral apenas a linha do baixo) e a melodia vocal foi
completado no dia 30 de Julho de 1846. A revisão da obra, se transformando no
segundo rascunho da música, com as harmonias e melodias completas, foi finalizada dia
29 de Agosto de 1847. A partitura orquestral final foi escrita, também rapidamente,
entre os dias 1º de Janeiro de 1848 e 28 de Abril do mesmo ano.
Entre 1848 e a estreia da peça, contudo, a vida de Wagner mudaria
completamente. Em 1849, antes da execução da ópera ser aceita, o compositor
participou do Levante de Maio em Dresden. Procurado, acabou tendo que sair da
Confederação Germânica, passando os próximos anos entre a França e a Suíça. Do
exílio, Wagner escreveu a Franz Liszt, em 21 de Abril de 1850, pedindo que este o
ajudasse na execução da obra e, caso fosse possível, a regesse em Weimar, corte na qual
Liszt mantinha um importante cargo musical.
Extremamente influente no cenário artístico-cultural europeu, Liszt mobilizou
suas forças para a execução da obra do amigo, conseguindo que esta tivesse sua
primeira exibição, com a regência daquele que futuramente seria seu sogro, no
Grossherzogliches Hoftheater de Weimar em 28 de Agosto de 1850 sem, no entanto,
contar com a presença do compositor, que apenas a ouviria no dia 15 de Maio de 1861,
em Viena. A primeira apresentação não foi como Wagner e Liszt esperaram: de início, a
música soou estranha ao público e, apesar de contar com bons solistas43, Liszt não
possuía os recursos que Wagner desejou quando escrevera a peça, contando com cerca
de 40 músicos e não com os mais de 80 pensados originalmente pelo compositor.
A história se passa em uma planície próxima ao rio Escalda, na Antuérpia. O
primeiro ato se inicia com a chegada do rei Henrique que veio a este território convocar
43
A primeira exibição teve em cena o tenor Karl Beck como Lohengrin; Rosa von Milde-Agthe, soprano,
como Elsa; Josephine Fastlinger, mezzo, como Ortrud; Hans von Milde, barítono, como Friedrich;
August Höfer, baixo, como Heinrich.
67
os brabantinos a defenderem a Germânia contra a possível e provável invasão dos
húngaros. Um dos brabantinos, no entanto, o conde Frederico de Telramud, juntamente
com sua esposa, Ortrud, acusa Elsa pelo assassinato do próprio irmão, Gottfried,
herdeiro legitimo do trono de Brabante. Assim, Henrique percebe a grande divisão
política encontrada no território e percebe a dificuldade de união deste povo: a
população não se decide se Frederico pode ou não ser herdeiro do trono no lugar de
Gottfried. Frederico tenta, então, convencer o rei que era o desejo do antigo nobre de
Brabante, já falecido, de que ele, Frederico, assumisse o trono. O rei Henrique, então,
decide que a solução está em um combate entre Frederico e o cavaleiro que se
apresentar para defender Elsa. Assim sendo, o arauto convoca Elsa à presença do ilustre
rei germânico. Após a aparição de Elsa, o público perceberá que Ortrud possui os
poderes das religiões nórdicas antigas e que busca eliminar Elsa na tentativa de frear a
expansão do cristianismo. Daí o medo de Elsa quando na presença de Ortrud. Elsa
explica que o cavaleiro que irá defendê-la é aquele que guarda a verdade e que ela
apenas conhece de seus sonhos. Após as preces de Elsa e o toque dos trombeteiros,
percebe-se que, ao longe, um cavaleiro vem pelo rio, em pé dentro de um barco, puxado
por um cisne. Ortrud e Frederico temem com a chegada do cavaleiro nunca antes visto.
Ao sair do barco, Lohengrin se despede do cisne que prontamente se vai. Ao se
aproximar de Elsa o cavaleiro, portando elmo e escudo com os símbolos do cisne,
promete defender-lha e casar-se com ela, protegendo seu reino para sempre, desde que
esta jamais pergunte quem ele é ou de onde ele veio. Com o consentimento de Elsa,
Lohengrin pede ao rei para ser o cavaleiro que duelará em prol da jovem. Inicia-se o
duelo e Lohengrin vence Frederico apenas com um golpe. O cavaleiro misterioso,
contudo, não mata o pretendente ao trono, percebendo que ele é manipulado por Ortrud.
Após o confronto, Elsa é entregue pelo rei Henrique aos cuidados de Lohengrin e todos
o saúdam como sendo o salvador da jovem e da verdade.
O segundo ato se passa na noite após o conflito e o exílio de Ortrud e Frederico.
Estes, tendo que deixar a fortaleza, acabam ficando escondidos no entorno, tramando
como fariam para Elsa se afastar do cavaleiro desconhecido. Ortrud se aproxima da
sacada de Elsa e, quando esta aparece, consegue ter com ela. No amanhecer, a
população está reunida esperando as festas de núpcias. Ortrud se encontra
sorrateiramente inserida no meio do povo, inflamando as questões acerca da ocultação
das origens de Lohengrin entrando, logo após, Frederico com as mesmas insinuações
68
acerca do cavaleiro do cisne. As dúvidas colocadas surtem efeito e Elsa começa a
mesclar seus sentimentos: amor, gratidão, dúvida, medo.
Imagem 7: A chegada de Lohengrin em um barco com forma de concha
puxado por um cisne através de correntes de ouro44
O terceiro ato inicia-se e rapidamente Lohengrin e Elsa são deixados, pela
primeira vez, sozinhos em cena. Lohengrin chama Elsa pelo nome e ela percebe que
nunca fará o mesmo, porém, acredita que um dia o amado confiará a ela este segredo.
Assim, o cavaleiro percebe que Elsa foi envenenada pelas mentiras de Ortrud. Elsa,
aterrorizada com a visão do cisne voltando para buscar seu amado, começa uma série de
questionamentos acerca de Lohengrin. No mesmo lugar em que chegou, Lohengrin
resolve responder às questões da amada. Conta que veio de Montsalvat e é, juntamente
com seu pai, Parsifal, um dos guardiões do Graal. O cavaleiro deve voltar porque é uma
exigência dos poderes do Graal que o bem seja feito, mas que a origem desse bem seja
ocultada. Após as revelações, o cisne retorna para buscar Lohengrin. Ortrud confessa,
então, que o cisne é, na verdade, Gottfried, irmão de Elsa, que foi transformado pelo
poder dos antigos deuses. Lohengrin reza e um pombo desce dos céus transformando o
cisne em Gottfried. Elsa, após a transformação e vendo o amado partindo, tomba morta
nos braços do irmão.
Lohengrin encerra o ciclo de óperas de caráter romântico de Richard Wagner45.
Este ciclo, iniciado indiretamente com Rienzi, contou, também, com as óperas Der
Fliegende Holländer (O holandês voador) e Tannhäuser. Como ópera romântica ainda
existem partes parecidas com árias, duetos e recitativos, todavia, nesta peça já se
44
Pintura de August von Heckel para o castelo de Neuschwanstein na Baviera (construído por Ludwig II).
Nas divisões feitas na tradicional História da Música, Lohengrin é a ópera que encerra o ciclo
romântico da escrita operística alemã.
45
69
encontram as características que farão Wagner converter a ópera em Drama. Já existe a
lógica da melodia infinita, da orquestra como artefato narrativo e do uso antecipado –
mesmo que tímido – daquilo que seria o leitmotiv, como no caso do cisne e na pergunta
proibida.
Lohengrin, destarte suas inovações, ainda possui o modelo de grand opéra
parisiense e acaba sendo uma síntese das possibilidades germânicas e francesas – o puro
germanismo, na ópera wagneriana, seria alcançado anos mais tarde. A composição se
deu rapidamente e, de início, a música foi estranhada devido a suas inovações. A peça
também se utiliza, várias vezes, das cenas de multidão, notadamente na quarta cena do
segundo ato na qual ocorre a procissão de Elsa em direção à igreja com a intromissão de
Ortrud.
Nesta peça, Wagner inova com a utilização das associações tonais: Lohengrin e
o Graal são, assim, representados pelo mesmo tom: lá maior. Este tom também é o de
início e de término da peça sendo o mais utilizado durante a obra. As contradições na
ópera são representadas, por tons próximos, como lá bemol maior, como é, muitas
vezes, representada Elsa, o que cria uma dificuldade de manutenção composicional que
Wagner acaba resolvendo nas cenas dramáticas46. O compositor utiliza o tom relativo da
representação de Lohengrin para representar Ortrud, ou seja, fá sustenido menor
criando uma movimentação harmônica que serve como narrativa emotiva. A
orquestração é cheia de significados: os metais acompanham o rei, as madeiras,
extremamente emotivas, Elsa; o sombrio clarinete baixo encomendado especialmente
por Wagner, Ortrud; e os violinos, Lohengrin.
O compositor não fez nenhuma grande revisão nesta ópera. A única que merece
destaque é, portanto, aquela que o próprio compositor encomendou a Liszt após a
estreia, no trecho conhecido como A Narração de Lohengrin47. A Marcha Nupcial
também merece destaque sendo, até hoje, utilizada em cerimônias de matrimônio. Junto
com Parsifal esta é a peça mais lírica de Wagner, na qual o compositor perfeitamente
equilibrou textura, harmonia e melodia.
As óperas de Wagner, além de suas características humanas e estéticas guardam,
também, possibilidades políticas e, estas duas peças serão analisadas a seguir, em nosso
quarto capítulo.
46
Esta dificuldade origina-se no fato de que tons muito próximos nas escalas diatônicas estão
extremamente afastados na escala de vizinhança.
47
Cf.: MILLINGTON, Barry. Op. Cit. p.325.
70
CAPÍTULO III: VERDI
3.1 A formação do compositor de Busseto e o ambiente italiano
A região que formaria a Itália, durante a transição do século XVIII para o século
XIX, era formada por vários territórios independentes. Dentre estes Estados, os que
mais se destacavam política e economicamente eram os reinos da Sardenha, de Nápoles
e da Sicília e as repúblicas de Veneza e Gênova. Esses Estados, porém, estavam sob o
domínio austríaco dos Habsburgos desde o final do século XVII. Napoleão Bonaparte, a
partir de sua expansão pela Europa, conseguiu tomar a península, com exceção da
Sardenha e da Sicília, entregando partes do governo a seu irmão José. Assim, alguns dos
tradicionais poderes políticos baseados nos vínculos de feudalidade e eclesiásticos
foram extintos fazendo com que os territórios passassem por reformas liberais. Os
austríacos, já presentes no território, no entanto, expulsaram o exército napoleônico
ampliando seus poderes no norte da península e, na sequência da assinatura do Tratado
de Viena, o domínio austríaco foi plenamente reestabelecido. Contudo, o Estado da
Sardenha, composto na época pela Sardenha e pelo Piemonte, manteve alguns traços
liberais instaurados por Napoleão. A partir disto, o chanceler austríaco Klemens Wenzel
Lothar Nepomuk von Metternich, príncipe de Metternich-Winnenburg-Beilstein,
assegurou, pessoalmente, a possibilidade de manutenção do poder austríaco na
península.
Com
esta
manutenção
austríaca
a
população
continuava
sem
representatividade política e seus anseios acabavam por não serem ouvidos, o que
acontecia, também, com a burguesia emergente da localidade. É também deste contexto
– a transição entre o século XVIII e o XIX – que se configura, no território italiano,
assim como em toda a Europa, o romantismo.
O romantismo na região que formaria a Itália é um dos mais específicos da
Europa. Com a fragmentação política e com a administração estrangeira dentro da vida
cultural peninsular, a burguesia ascendente, com sua visão de mundo e valores próprios,
buscou a consolidação de um modelo estético próprio. A partir da afirmação desta
classe social intermediária, começa a ocorrer uma mescla de refinamento elitista e
objetos temáticos populares1. Assim, o romantismo italiano que, diferentemente dos
1
No caso das óperas de Verdi é nítido este comportamento de mescla de modelo estético aristocrático
com o enredo popular, como é o caso de La Traviata e Stiffelio.
71
outros, não teve um claro iniciador se configura com temáticas humanas, diferentemente
daquilo que acontecia com territórios como a Alemanha e França, nos quais vingavam
os personagens e temas místicos. Este modelo artístico-cultural privilegia o humano já
que é o momento de se afirmar a ótica revolucionária e, nos Estados italianos, o
romantismo encontrará essa mescla entre arte e política como em poucos outros locais.
Esta mescla entre política e arte será tão ampla que virou comum no período a figura da
censura artística, assim, vários escritores e librettistas tiveram que mudar, várias vezes,
seus temas de escrita e seus diálogos por serem considerados demasiadamente
nacionalistas. Desta forma, a arte romântica italiana vai se convertendo na grande
divulgadora do Risorgimento, o movimento singular que buscou a unificação nacional
italiana durante o século XIX nas mais diferentes possibilidades2.
Neste contexto nasceu, em 10 de Outubro de 1813, na fração de Le Roncole 3,
comuna de Busseto, província de Parma, Giuseppe Fortunino Francesco Verdi4, que se
transformaria no compositor italiano mais influente do século XIX – tanto pela
qualidade de sua escrita tanto quanto por sua atividade política. Neste contexto de
nascimento do compositor, os vínculos nacionais entre a população italiana eram
extremamente frágeis: ocorria uma pluralidade de legislações e a própria língua possuía
dialetos específicos. O que era responsável pela manutenção do reconhecimento
nacional era, portanto, a percepção de uma raiz cultural comum – remontando aos
tempos da Roma Antiga – e a aversão ao domínio estrangeiro.
O início da vida de Giuseppe Verdi foi pobre, tendo crescido entre camponeses
da pequena vila em que nasceu. Seus pais, Carlo Giuseppe Verdi e Luigia Uttini,
tiveram outra criança, uma menina, nascida dois anos após o compositor e que morreu
prematuramente aos 17 anos em 1833. Com o nascimento de Verdi acontecendo durante
os conflitos napoleônicos, Roncole viu a presença de soldados russos que combatiam os
franceses e, mesmo sem comprovações, Verdi acreditava que sua família teve que se
esconder em uma igreja evitando, assim, estar na presença dos conflitos entre
austríacos, russos e franceses5.
2
Uma parcela da população do momento queria a ampliação do poder papal, fazendo com que este
dominasse a península através de uma religiosidade comum; outra parcela tendia às possibilidades
republicanas. Assim, os descontentes com a restauração das influências estrangeiras afirmavam o
Risorgimento – sem levar em conta a pluralidade política.
3
Hoje, Roncole Verdi
4
Foi registrado também com o nome de Joseph Fortunin François já que a região em qual nasceu possuía
significativa influência francesa no contexto.
5
SOUTHWELL-SANDER, Peter. Verdi. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.
72
Imagem 8: Giuseppe Verdi6
Enquanto as ideias revolucionárias e nacionalistas continuavam se propagando,
principalmente devido ao desenvolvimento econômico da região norte, Verdi crescia
tendo seus primeiros contatos com a música. O futuro compositor começou seus estudos
musicais com uma espineta, um instrumento musical similar ao cravo e, indiretamente,
antecessor do piano, presenteada por seu pai. Este instrumento, tecnicamente simples e,
no caso do utilizado por Verdi, em estado não satisfatório, foi o primeiro contato do
jovem com a música sendo, também, o responsável por apresentar o teclado ao
compositor que rapidamente se transformou em um exímio músico, sendo convidado
por várias igrejas para ocupar o cargo de organista e sendo contratado por algumas. A
partir destas oportunidades abertas principalmente pelas igrejas, Verdi começou a poder
ajudar sua família e mais, começou a pensar na possibilidade da arte como forma de seu
sustento futuro.
A década de 1830 fez com que novas revoltas assolassem a Itália,
principalmente a região de Parma, província na qual Verdi nasceu. Nos Estados de
administração nobiliárquica os eventos giraram em torno dos anseios liberais; nos
Estados eclesiásticos, localizados no centro da península, se combatia o poder papal 7; já
nos domínios austríacos – localizados principalmente no norte – as questões expostas
6
Retrato de Giovanni Boldini, 1886.
Vale lembrarmos que Francesco Saverio Maria Felice Castiglioni, Pio VIII, papa no contexto das
revoltas de 1830, foi um dos que mais combateram as sociedades secretas do século XIX. Essas
sociedades, no caso da península itálica, tinham relevante atuação no processo de unificação nacionalista,
lutando contra a elite reacionária.
7
73
nas revoltas era o nacionalismo em si. Toda essa movimentação revolucionária, no
entanto, não conseguiu o pretendido já que a intervenção austríaca por toda a península
foi forte o suficiente para sufocar, rapidamente, essas possibilidades revolucionárias.
Porém estes questionamentos apenas iriam se intensificar durante os anos que se
seguiriam. Neste contexto revoltoso Verdi inicia sua produção operística e até o final da
década já tinha escrito duas peças: Oberto, Conte di San Bonifacio [Oberto, Conde de
São Bonifácio] e Un Giorno de Regno [Um dia de reinado].
Estas óperas do período de formação do compositor, apesar de não serem
claramente nacionalistas, são um prelúdio para a próxima fase, a do romantismo
nacionalista que se intensificariam na década de 1840 – assim como os questionamentos
sociais da população. Neste meio tempo, em 4 de Maio de 1836, Giuseppe Verdi se
casou com Margheritta Barezzi. Este casamento foi, porém, uma das principais causas
de infortúnio do compositor: entre o casamento e o ano de 1840 Verdi e Margheritta
tiveram dois filhos – Virginia e Icilio. Ambos morreram prematuramente e, em Junho
de 1840 morreu a própria esposa do compositor, filha de um dos homens que mais o
incentivaram em sua juventude no tangente a seu desejo de se transformar em
compositor.
Logo chegou o ciclo revolucionário da metade do século, a Primavera dos
Povos. Este ciclo foi, em grande parte, o ponto final de reconhecimento popular e a
unificação deve ser compreendida partindo deste evento. A revolta iniciada com a
população, como é o caso da tentativa popular de expulsar os austríacos em Milão,
rapidamente atingiu as necessidades burguesas e Carlos Alberto da Sardenha e do
Piemonte, governante desde 1831, instaurou um governo de características liberais,
firmando, assim, o parlamento. A partir desta postura, iniciou-se um conflito contra a
Áustria em 1848, buscando expulsar o país estrangeiro de seus territórios. O conflito foi
rápido já que as tropas austríacas presentes na península eram extremamente fortes e os
italianos, lutando sozinhos, rapidamente foram sufocados. Após a derrota e a retomada
da presença austríaca em 1849, Carlos Alberto abdicou do trono em favor de seu filho
Vittorio Emanuele, então com 29 anos. As revoltas, populares, burguesas ou
aristocráticas estavam sendo, todas elas, sufocadas.
74
Imagem 9: Le cinque giornate di Milano:
Barricadas em Borgo delle Fontane, 18488
Vittorio Emanuele, destarte ser um monarca, começou a ter apoio popular,
inclusive dos republicanos, quando anistiou os italianos revoltosos e manteve as
características liberais instauradas por seu pai mesmo com o reestabelecimento dos
austríacos o que foi claramente percebido como uma atitude de coragem. Logo a região
da Sardenha-Piemonte se transformaria no centro dos anseios nacionalistas. Neste
contexto e já antes dos levantes do final da década de 1840 a presença política de Verdi
é significativa: em 1846 este compositor trocou o nome de um personagem de sua ópera
Ernani já executada desde 1844. O personagem que originalmente chamava-se Carlo
passou, naquele ano de 1846, a chamar-se Pio, devido à anistia concedida, também, pelo
Papa Pio IX. No entanto, Il maestro, forma com que Verdi passou a ser chamado ainda
em vida, não pode participar do serviço revolucionário que se aproximava devido,
principalmente, a sua saúde deteriorada devido ao excesso de trabalho: entre 1839 e
1850 Verdi se lançou na composição de, pelo menos, 16 óperas9.
Desta forma, seguindo várias revoltas individuais, a Itália foi se formando.
Assim sendo, podemos identificar a diferença entre as revoltas da década de 1830 e de
1840:
8
Pintura de Donghi. Museu do Risorgimento. Florença.
Oberto (1839), Un giorno de Regno (1840), Nabucco (1842), I Lombardi nella Prima Croata (1843),
Ernani (1844), I due Foscari (1844), Alzira (1845), Giovanna d’Arco (1845), Atilla (1846), Macbeth
(1847), I masnadieri (1847), Jerusalem (1847), Il Corsaro (1848), La Battaglia di Legnano (1849), Luisa
Miller (1849) e Stiffelio (1850).
9
75
(...) as revoluções de 1848 manifestam a aliança da idéia de
democracia com afirmação nacional. Se os movimentos
revolucionários de 1830 buscavam sua inspiração básica no
liberalismo, os de 1848, (...) na Itália são incontestavelmente de
essência democrática.10
Visando a unificação italiana sob a força do Piemonte e da casa Sabóia, da qual
era membro, Vittorio Emanuel II nomeou Camilo Benso, o Conde Cavour, líder da ala
moderada, como seu ministro-chefe. A partir da inserção de Cavour na política, Vittorio
Emanuel conseguiu reorganizar suas forças militares e firmar contatos com outras
potências, notadamente a França e a Inglaterra, em busca de combater a presença
austríaca dos Habsburgos no território italiano já reestabelecida. Devido ao contato de
Cavour e da reorganização da Sardenha-Piemonte a França começou a auxiliar a corte
italiana numa defesa contra uma possível invasão austríaca maior. Em seguida, a
população de regiões dominadas pelos austríacos começou a lutar contra suas
respectivas cortes, notadamente o caso de Parma.
A atividade política de Verdi foi aumentando constantemente – nesse contexto
suas principais óperas nacionalistas já tinham sido escritas e executadas, levando a este
compositor fama a nível continental. Apesar de originalmente republicano, o
compositor passou a perceber que apenas uma monarquia poderia ser capaz de expulsar
os austríacos e criar as possibilidades políticas da unificação. A importância de Verdi
foi tamanha que seu nome foi colidido com a representação de Vittorio Emanuel como
rei de uma futura Itália unificada e a partir de 1859 um grito começou a ecoar por todo o
território italiano: Viva V.E.R.D.I. Mais do que buscar consolidar a fama deste
compositor, o grito funcionava como um acrônimo para Viva Vittorio Emanuele Re
d’Italia [Viva Vittorio Emanuel Rei da Itália].
A Itália já tinha se rebelado durante a Primavera dos Povos e, agora, possuía
também o fundamental apoio da França. O poder do Piemonte foi se consolidando e a
Áustria começou a ser derrotada, perdendo cada vez mais seu poder de influência na
península já que as outras casas monárquicas abriram mão de seus domínios em prol da
casa Sabóia de Vittorio Emanuel ou buscando a não-execução certos de que a
Revolução triunfaria derrubando-os do poder, como outrora aconteceu em outros
Estados europeus.
10
RÉMOND, René; WILENTZ, Sean. Os ciclos revolucionários no século XIX. In: DARTON, Robert;
DUHAMEL, Olivier (ORG). Democracia. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.60.
76
Imagem 10: O ‘slogan’ Viva V.E.R.D.I.11
Com as revoltas causando mortes, Verdi se solidarizou com as vítimas das
revoltas e escreveu um apelo público:
A vitória, conseguida pelos nossos valorosos irmãos, custou
derramamento de sangue e dolorosos transes para milhares de
famílias. Neste momento ninguém que possua um coração italiano
pode furtar-se a concorrer, com todas as suas forças, para a santa
causa pela qual se está combatendo. Propondo uma subscrição a favor
dos feridos e das famílias dos que morreram pela pátria.
Santa Ágata, 20 de Junho de 1859.
G. Verdi12
A Itália ia se unificando em torno do Piemonte e da administração de Vittorio
Emanuel e Verdi, com sua fama em ascensão, foi aclamado pelo povo como seu
representante devido a sua ampla defesa da unidade italiana e suas declaradas posições
anti-austríacas. Assim, Verdi enviou uma carta à administração de Busetto, na qual se
lia:
Ilmo. Sr. Prefeiro.
A honra que os meus concidadãos quiseram outorgar-me, nomeandome representante à Assembléia da Província Parmense, lisonjeia-me e
11
Instituto di Studi Verdiani, Parma. No momento da divulgação deste grito, Verdi já tinha transferido
seu apoio do grupo republicano para a monarquia de Sabóia.
12
VERDI apud SABBA, Marcílio. Vida de Verdi. São Paulo: Atena Editora, 1959, p.149.
77
enche-me de gratidão. Se meu escasso talento, os meus estudos, a arte
a que me dedico, me tornam pouco apto para esse lugar, valha-me o
grande amor que consagrei e consagro a esta nobre e infeliz Itália.
Inútil dizer que, em nome dos meus representados e no meu,
propugnarei por:
Queda da Dinastina Borbônica;
Anexação ao Piemonte;
Ditadura do ilustre italiano Luigi Carlo Farina.
Na anexação ao Piemonte reside a futura grandeza e regeneração da
pátria comum. Quem sente correr nas próprias veias o sangue italiano
deve querê-la fortemente, constantemente; dessa forma surgirá, ainda
para nós, o dia em que possamos orgulhar-nos de pertencer a uma
grande e nobre nação.
Tenho a honra de confessar-me de V. S. Ilma. humilíssimo e
devotadíssimo servo
G. Verdi.13
Assim, como representante de Busetto na Assembléia das Províncias, o
compositor foi encarregado de firmar contato com Vittorio Emanuele o que ocorreu
com o sucesso esperado no dia 15 de Setembro de 1859. Com a Itália plenamente
unificada entre as décadas de 1860 e 1870 e após todas as suas participações políticas,
Verdi foi eleito membro da Câmara dos Deputados em 10 de Janeiro de 1861, seguindo
um pedido pessoal de Cavour, de quem se tornou próximo quando do encontro com
Vittorio Emanuel pouco tempo antes. A relação de Il maestro com Cavour foi também
de extrema relevância para o modelo monárquico piamontês já que Verdi não possuía
grande conhecimento político, votando sempre conforme Cavour. O compositor, devido
a seu pouco contato com a política jamais chegou a discursar. Verdi ficou pouco tempo
na política, porém, após o término do processo de unificação, é nomeado senador pelo
próprio rei em 1874. Cargo honorífico no qual permaneceria por pouquíssimo tempo
apenas aceitando o título por agradecimento ao rei. No final de sua vida, o compositor
ainda conseguiu abrir uma Casa de Repouso para antigos músicos, morendo nesta em
1901.
3.2 Verdi: estilo
Servindo como local de representação de sentimentos de unidade nacional, as
Casas de Ópera na Itália e seus compositores acabaram defendendo o modelo clássico e
tradicional de escrita musical. Assim, a música italiana – principalmente a operística –,
13
VERDI, apud, SABBA, Op. Cit., p.151.
78
na visão dos principais compositores e centros culturais da Europa, estava estagnada no
início do século XIX. Esse panorama contrastava com o apresentado nos séculos
anteriores, quando a música produzida na Itália era encarada como o modelo único a ser
seguido pelas mais importantes cortes do continente. Verdi, buscando que sua arte
servisse às problematizações político-sociais pouco mudou este panorama produzindo,
portanto, uma música de característica composicional tradicionalista.
É possível percebermos que o início da obra de Verdi é fiel à tradição italiana de
composição, ou seja, a prevalência da melodia vocal sobre quaisquer outras
possibilidades, com a utilização, portanto, de uma métrica rígida. Logo, o texto tem que
ser adaptado à música com repetições de trechos e palavras, alargamento ou diminuição
de fonemas e deslocamento de tônicas para melhor manutenção da sequência melódica
– o texto se subordinou à música. Com o passar do tempo, porém, Verdi iniciou uma
série de tímidas inovações que acabariam modificando o panorama operístico italiano.
Exemplo disso é fato do compositor permitir que a própria letra sugira a música. A sua
maneira, portanto, Verdi buscou a melhor interação entre a melhor interação entre letra
e música, assim como vários outros compositores da segunda metade do século XIX e
primeira metade do século XX14. A partir destas problematizações e pequenas inovações
Verdi encontra a possibilidade de escrever os recitativos, peças de transição narrativa na
ação operística, de forma cantada para suas peças.
Além de se utilizar de recitativos operísticos cantados, o compositor de Roncole
se utilizou, também, da orquestra como total acompanhante da linha vocal, tal qual os
compositores italianos anteriores a ele. Assim, se estabeleceram os dois lados da crítica:
aqueles que focavam suas análises no recitativo o acusavam de modificar a parte teatral
da ópera sendo, portanto, muito inovador; os que percebiam as manutenções na
orquestra como acompanhante melódica o acusavam de conservadorismo musical. Na
verdade, o que Giuseppe Verdi buscou foi a conciliação entre as possibilidades
modernas e as antigas – partindo destas, é claro. Daí a célebre frase do compositor
escrita em uma carta de e 4 de Janeiro de 1871 e endereçada ao musicólogo, compositor
e historiador da música Francesco Florino.: torniamo all’antigo, sarà un progresso
[Tornemo-nos antigos, será um progresso].
Percebemos, portanto, que as principais alternativas do estilo verdiano de
composição estão localizadas na prática do canto e, neste compositor, a melodia passa a
14
Essa busca por interação pode ser encontrada em autores como o russo Modest Mussorgski, o francês
Claude Debussy e o alemão Richard Strauss.
79
ter características instrumentais, aprofundando, assim, as possibilidades expressivas das
cenas. Desta forma, Verdi sintetizou a tradição italiano do bel canto15 com as
necessidades narrativas do conjunto operístico tão necessário com as inovações do
século XIX.
Um outro ponto de relevância composicional no estilo verdiano, se não o mais
importante, é a condução da ária enquanto número operístico16. A ária, desde a criação
da ópera em próprio território italiano, sempre foi a peça em que os próprios italianos
mais se identificaram, principalmente por sua tradição coralista que remonta ao
medievo. A execução italiana das árias operísticas com grande emotividade e seu
caráter virtuosístico fez com que o modelo peninsular de escrita e principalmente de
intérpretes se sobressaíssem a outros. Verdi não busca, assim, modificar estruturalmente
este número tão arraigado às necessidades sócio-culturais dos italianos. Como solução a
este panorama, o compositor passou a escrever poucas árias solos buscando, no lugar
disto, criar diálogos entre o personagem solo e coro. Assim, o compositor conseguiu
colocar vários personagens executando diferentes falas simultaneamente para atingir
uma continuidade cênica – característica que poucas tradições operísticas conseguiam.
O que Verdi consegue é fazer com que a coloratura17 ariosa perca o papel decorativo e
virtuosístico transformando-se em expressão das emoções das personagens. Assim, o
texto e a música passam a caminhar sem subordinações. A partir disto, podemos
perceber, por exemplo, que em óperas como Otello e Falstaff a ária já está diluída e
inserida na ação operística18.
Buscando estas possibilidades humanas, Verdi passou a escolher os cantores
pelas características das atuações cênicas e não apenas pelas qualidades vocais exigidas
pela música. Esta marca, no compositor italiano, define sua especificidade perante a
maior parcela dos compositores românticos: apesar de a maioria procurar a boa
interpretação teatral, apenas Verdi hierarquiza a pratica musical como inferior à boa
atuação – no geral buscava-se o equilíbrio. Assim, Il maestro já podia se utilizar de
15
Chamamos de bel canto toda a tradição do canto operístico italiano. Esta tradição inovou, desde o
século XVII, na técnica vocal em áreas como a respiração, as mudanças nos registros tímbricos da voz e a
ampliação e controle da amplitude vocal.
16
Enquanto o recitativo é o trecho narrativo da ópera e, portanto, próximo à fala. A ária é o trecho
virtuosístico de máxima emoção da peça, geralmente executada apenas por um indivíduo, que se faz
central na peça.
17
Ornamentação do fraseado melódico do canto geralmente buscando a demonstração da técnica do
solista.
18
Esta característica de escrita em Verdi já é evidente em óperas como La Traviata de 1853 e Rigoletto
de 1851.
80
situações consideradas originalmente não-musicais como temática central a suas
criações. Os debates acerca da liberdade, as conspirações políticas e as cenas de conflito
ganham seu espaço, buscando representar o indivíduo do Risorgimento. Verdi, então,
consegue sintetizar as obras de Gioachino Rossini, Gaetano Donizetti e Vicenzo Bellini,
célebres operistas italianos do início do século XIX.
A partir da dissolução da ária dentro do contexto musical e da percepção
humanista do compositor – principalmente na escolha dos atores – a crítica passou a
afirmar que a melodia era demasiadamente simples. Esta característica, no entanto, era
proposital e a melodia fica simples quando a ação cênica diminui. E mais, Verdi
ampliou as possibilidades de diálogo entre as personagens centrais e o coro,
representante dos mais variados agrupamentos. Assim, a população que assistia a
encenação podia, indiretamente, se perceber como personagem e, na maioria das vezes,
esse é o intuito do próprio compositor. Desta forma, as cenas de multidão constantes,
característica que herdou da grand opéra francesa com a qual também teve contato,
passavam a representar as necessidades nacionais que o público buscava sendo, muitas
vezes, censuradas pelas autoridades austríacas presentes.
Imagem11: Uma cena de Don Carlos (1867)19
Um último ponto relevante deve ser mencionado dentre as características do
estilo empregado por Giuseppe Verdi em sua escrita: apesar de não se utilizar de
motivos condutores e de uma lógica definida de melodia infinita, este compositor se
utilizava das possibilidades proporcionadas pelos temas recorrentes (musicais e
19
Bibliotheque-Musee De L'opera National De Paris-Garnier.
81
literários). Ou seja, Verdi reaproveitava temas, das mais variadas formas, durante a
execução do enredo. Esta característica de inovação é notada, por exemplo, em óperas
como Don Carlo, sua ópera de 1867 com libretto de Camille du Locle e Joseph Méry,
uma das mais relevantes para a análise do estilo do compositor.
3.3 Nabucco: a escrita, a música e o enredo da ópera
Verdi, em 1840, tinha acabado de passar pela perda de seus filhos e de sua
esposa, Margheritta. Jurando se afastar da arte, encontrou em seu antigo companheiro, o
agente do La Scala de Milão Bartolomeo Merelli, a possibilidade de sua vida. Merelli
ofereceu ao compositor um libretto de Temistocle Solera que fora negado pelo
compositor alemão Otto Nicolai20. Era o libretto de Nabuccodonosor. O librettista já
havia trabalhado com Verdi em sua primeira ópera, Oberto, Conte de San Bonifacio, e
estava ganhando cada vez mais reconhecimento além de cada vez mais estar se
aproximando do compositor21. Apesar de não desejar voltar à música após os
infortúnios de seus últimos anos, Verdi se encantou com o texto da ópera. Em pouco
tempo, com o libretto revisado pelo autor, exigência de Verdi, o compositor terminou a
música. Era o segundo semestre de 1841 quando do término da música e, em pouco
menos de um ano, Verdi se transformaria no compositor mais relevante do nacionalismo
italiano.
Conseguir que a ópera fosse encenada, no entanto, foi mais difícil. Verdi buscou
escrever uma peça solene, dando mais importância à atuação impactante do que ao
sentimentalismo comum do momento, o que encarecia muito a apresentação. A solução
foi encontrada quando o compositor e os agentes do La Scala de Milão, uma das
principais casas de ópera do mundo à época e responsável pelo contrato de Nabucco,
entraram no acordo de encenar a peça utilizando a cenografia e os acessórios de óperas
anteriores que possuíam ambientação temporal e temática próximas.
20
Otto Nicolai (1810 – 1849) foi um dos fundadores da Filarmônica de Viena e já havia escrito a música
de um outro libretto de Solera: Gildippe ed Odoardo, em 1840.
21
Apesar de manterem uma relação extremamente próxima, Verdi rompeu com Solera a partir do
momento em que percebeu que este estava perdendo muito dinheiro no jogo e abrindo mão de sua
produção de excelência. Verdi, durante toda a vida, foi conhecido pela gentileza com a qual tratava
aqueles que com ele trabalhavam. Porém, além da gentileza, Verdi também ficou conhecido por seu
temperamento forte que proibia qualquer tipo de vício àqueles que o cercavam (Cf.: WALKER, Frank.
The Man Verdi. The University of Chicago Press, 1982).
82
Imagem 12: Temistocle Solera22
Determinada como seria feita a estreia da ópera, os ensaios começaram. Entre os
ensaios e a encenação tudo correu muito rápido: os ensaios iniciaram-se em Fevereiro
de 1842 e já no dia 9 do mês seguinte a ópera estreou no teatro milanês.
Imagem 13: Cartaz da primeira apresentação de Nabucco23
Nabuccodonosor, neste contexto já era conhecida oficialmente apenas por
Nabucco, um nome menor e, portanto, mais fácil para o público se recordar. Já na
própria première a obra foi ovacionada e Verdi afirmaria posteriormente acerca da
apresentação:
22
Fotografia de 1879.
A primeira apresentação contou com a atuação dos seguintes cantores: Giorgio Ronconi, barítono,
como Nabuccodonosor; Giuseppina Strepponi, soprano, como Abigail; Giovannina Bellinzaghi, mezzosoprano, como Fenena; Corrado Miraglia, tenor, como Ismael; Prosper Dérivis, baixo, como Zacarias;
Teresa Ruggeri, soprano, como Anna; Napoleone Marconi, tenor, como Abdallo; Gaetano Rossi, baixo,
como o Grande Sacerdote de Baal.
23
83
Pode-se dizer que, com está ópera, começou a minha carreira artística.
Se é certo que afrontei muitas contrariedades, deve-se reconhecer que
Nabucco nasceu sobre uma estrela propícia, visto que as
circunstâncias, tendentes a produzir efeitos perniciosos, originaram,
afinal, bons resultados. De fato: escrevi uma carta furibunda a Merelli,
provável era ele irritar-se e não se importar mais com a partitura;
sucedeu o contrário24.
Mesmo com a peça sendo tão bem recebida pelo público, alguns críticos
afirmavam que a ópera não alcançava tanta qualidade na técnica de escrita – o que, na
verdade, não mudou a opinião do público nem de compositores como Donizetti que,
publicamente, declararam seu agrado perante a obra. Graças ao amplo sucesso de
Nabucco, os contratos seguintes de Verdi garantiam 8000 liras austríacas, uma quantia
elevada para um músico sem nenhum sucesso ainda escrito – a mesma quantia paga, por
exemplo, à Norma de Rossini, compositor já consagrado no período. Essas negociações,
contudo, não eram realizadas por Verdi, que ainda sentia falta da vida afastada dos
centros que teve em sua infância e não conhecia as regras das negociações operísticas
italianas, muito complexas no momento mesmo para compositores já antigos.
Giuseppina Strepponi, a Abigail da estreia, intermediou as negociações – com o tempo,
esta conquistaria o compositor, se transformando em sua segunda esposa.
Ainda em Março de 1842, mês da primeira apresentação, e devido ao amplo
sucesso e repercussão da ópera, Verdi conseguiu que esta fosse editada por Giovani
Ricordi25, um dos principais editores de música da Itália no contexto. Com a venda dos
direitos da partitura, conseguiu, mais uma vez com o intermédio de Giuseppina, um
somatório de 2500 liras austríacas. Na capa da partitura impressa, contudo, havia uma
menção curiosa, a seguinte: “Musicado e humildemente dedicado a Sua Alteza Real a
Sereníssima Arquiduquesa Adelaide da Áustria em 31 de Março de 1842 por Giuseppe
Verdi”26. Apesar de parecer contraditória esta dedicatória em uma ópera identificada
como sendo nacionalista foi necessária. O compositor estava no início de sua carreira e,
com isto, buscou evitar a censura tão comum na época. Além do mais, aquilo que
parecia contraditório acabou sendo extremamente relevante no próprio contexto da
unificação nacionalista italiana já que, pouco tempo depois, a Arquiduquesa Adelaide
24
VERDI apud SABBA, Op. Cit., p.60.
Na verdade, como costume da época, a principal impressão feita era da parte vocal com a redução
orquestral ao piano.
26
SOUTHWELL-SANDER, Peter. Op. Cit.
25
84
da Áustria se casou com o Duque de Sabóia, Vittorio Emanuel, futuro rei da Itália
unificada.
A ópera se passa entre Jerusalém e a Babilônia, no século VI a.C. período de
constantes invasões. O povo de Jerusalém implora a Deus, então, que impeça os
invasores de tomarem o templo sagrado, porém as notícias que chegam à cidade é de
que Nabuccodonosor, rei da Babilônia, continua avançando em direção ao território
judaico. Ismael, parente do rei de Jerusalém e responsável pelas atualizações da
população acerca dos avanços de Nabucco, fica sozinho com Fenena, filha de Nabucco,
que fora levada pelos hebreus contudo o jovem amava secretamente Fenena desde o
momento em que esta o retirou da prisão quando de sua prisão pelos babilônios por ter
sido um emissário oficial de Jerusalém. Neste momento deste primeiro ato surge
Abigail, suposta irmã de Fenena e, portanto, filha de Nabucco, seguida por soldados
babilônios e ameaça o casal de morte. Todavia, Abigail nutre, secretamente, amor por
Ismael oferecendo-lhe uma forma de sobreviver. Zacarias chega à cena quase que no
mesmo momento em que Nabucco surge. Assim, Zacarias, um sacerdote de Jerusalém,
ameaça assassinar Fenena caso o rei da Babilônia profane o templo. Ismael, contudo,
em um ato que mescla bravura e amor, impede que Fenena morra, abrindo
possibilidades para que Nabucco ordene o saque do templo.
No segundo ato presenciamos o sequestro dos judeus, levados ao cativeiro na
Babilônia. Assim, ao chegar na Babilônia, encontram Fenena como regente, já que o rei
se ausentou devido às guerras que empreendia. Logo, Abigail, enciumada pela
preferência do pai pela irmã, vasculha o próprio passado, descobrindo que é uma
escrava, assim como a população da Babilônia sempre afirmava. Neste contexto, o
sacerdote de Baal afirma a Abigail que Fenena libertou os judeus, inflamando na
escrava a vontade de usurpar o trono, espalhando um boato acerca da morte do rei. A
cena muda para os hebreus que invocam a proteção de Deus. O povo condena Ismael
por traição porém Zacarias os lembra de que, graças a intervenção de Ismael, Fenena se
converteu ao judaísmo, libertando todos os prisioneiros. Surge, então, Abdallo, um
antigo oficial de Nabucco afirmando, conforme o plano do sacerdote e de Abigail, que
Nabucco morreu em combate e que esta planeja tomar o trono da irmã de criação a
qualquer custo. No momento em que Abigail surge para exigir o poder do reino,
reaparece Nabucco que retoma o poder repreendendo sua filha de criação. Assim,
Nabucco se proclama um Deus vivo, exigindo que Zacarias e Fenena se ajoelhem
perante sua presença. Na mesma hora e sem qualquer explicação humana, a coroa de
85
Nabucco é arrancada de sua cabeça no momento em que se ouve um trovão. O rei ficou
louco e suas palavras já não mais fazem sentido. Este é o momento perfeito para o golpe
e Abigail consegue pegar a coroa para si e se proclamar administradora única da
Babilônia.
Durante o terceiro ato Abigail inicia sua regência com o apoio dos sacerdotes.
Em troca do apoio destes clérigos prometeu a execução dos judeus e de Fenena. Neste
instante, Nabucco, já deposto, é levado, por Abdallo, à presença da filha de criação. Ao
seguir ocorre um longo dueto entre os dois – um dos mais conhecidos do compositor
italiano. Após o término do dueto, a cena se muda para os judeus escravizados que
entoam próximos, ao rio Eufrates, o clássico cântico de louvor à pátria perdida, Va,
pensiero. Zacarias, o sacerdote hebraico, ao perceber a atitude repreende o pessimismo
de sua população afirmando que o Deus poderoso de Israel os salvará, derrubando a
potência invasora.
Imagem 14: Concepção artística da Babilônia27
O quarto e último ato inicia-se na prisão com o despertar de Nabucco ouvindo os
pedidos públicos pela execução de Fenena e dos judeus. Desesperado, o rei pede perdão
ao Deus no qual a filha crê, pedindo também que a salve. Abdallo, seu servo, como um
enviado por Deus, liberta Nabucco que impede que Abigail proceda com o crime. No
mesmo momento os falsos ídolos da Babilônia tombam. A cena é interrompida com a
chegada de Abigail que se envenenara e encontra-se à beira da morte suplicando perdão.
27
Esta representação da Babilônia, com seus jardins suspensos, produzida por Maarten van Hemmskerck
(1498 – 1574), foi comum na Europa entre os séculos XVI e XIX a partir deste, os estudos históricos
influenciaram nas modificações desta representação. No detalhe ao fundo, percebe-se a representação da
Torre de Babel.
86
Após a morte desta, Zacarias deseja a glória a Nabucco, uma vez que este acaba de
encontrar a verdadeira divindade.
Iniciando-se com uma abertura convencional na qual os grandes temas corais são
exmplorados, Nabucco possui características singulares. Esta peça demonstra claras
modificações no estilo composicional verdiano. Assim, Verdi conseguiu superar as duas
primeiras óperas que escreveu, Oberto e Un Giorno di Regno, que foram, no geral,
consideradas mornas pela crítica especializada. Sem dúvidas é uma das óperas mais
importantes escritas por este compositor sendo, também, seu primeiro sucesso. Verdi se
empenhou em caracterizar musicalmente seus personagens. Todavia, a personagem
principal desta peça é a própria massa judia de exilados e se, compararmos as figuras
públicas com as representações emotivas individuais, veremos que estas são acessórias
se comparadas àquelas.
3.4 La Battaglia di Legnano: a escrita, a música e o enredo da ópera
Possuímos poucos relatos da época sobre La Battaglia di Legnano. Anotações
do próprio compositor ou dos envolvidos na produção também são poucas e, no geral,
extremamente superficiais para a análise do processo criativo desta ópera. Essa ausência
é compreensível: a ópera foi escrita rapidamente e não chegou a ser planejada pelo
compositor. Não atingindo, também, sucesso duradouro.
Nascido em 1801, Salvadore Cammarano foi um dos principais librettistas
italianos do século XIX. Tendo trabalhado com Donizetti em variadas óperas28. Este
autor era próximo de Verdi desde o início da década de 1840 quando da escrita do
libretto de Alzira. Assim, inflamado pelo furor revolucionário do contexto, iniciou o
texto daquela que seria considerada a mais nacionalista das óperas do compositor
italiano, La Battaglia di Legnano.
Para a escrita deste libretto, Cammarano se baseou em uma obra que o agradava,
La Bataille de Toulouse. Escrita pelo francês Joseph Méry (1797 – 1866), a obra foi
rapidamente transformada em libretto pelo italiano que, ao morrer, em 1852, deixou
aproximadamente 40 textos operísticos.
28
Incluíndo Lucia di Lammermoor, uma das peças mais conhecidas deste compositor.
87
Imagem 15: Salvadore Cammarano
A peça, dividida em quatro atos e ambientada entre Milão e Como no contexto
de defesa da península por parte da Liga Lombarda durante a presença do germânico
Federico Barba-Ruiva – o século XII – inflamou o patriotismo nos corações italianos
obtendo significativo sucesso popular. A crítica, no entanto, afirmou que o sucesso da
peça ocorreu devido ao momento sócio-político que atravessava a Europa e,
notadamente, a península itálica da época sendo, assim, considerada uma pièce
d’occasion. Apesar da inflamação que a peça causou, com o tempo a ópera realmente
foi deixada de lado se compararmos às outras óperas de Verdi deste contexto. Os
críticos, contudo, alternaram-se quanto a validação estética da obra.
Verdi rapidamente musicou o texto que o agradou, como era de costume em seu
trabalho. Para musicar esta ópera o compositor gastou apenas o verão de 1848, o que
ocorreu devido a um cancelamento contratual promovido por parte do teatro San Carlo
de Nápoles que desejava uma ópera de Verdi. A partir do momento em que o teatro
napolitano rompeu o contrato, liberou Verdi para se dedicar a este texto de Cammarano.
A produção e os ensaios foram supervisionadas, diretamente, pelo compositor. Assim
sendo, La Battaglia di Legnano estreou no Teatro Argentina de Roma no dia 27 de
Janeiro de 1849, durante a temporada de carnaval daquele ano que coincidia com o final
das revoltas populares iniciadas no ano anterior na França. A peça foi recebida com
entusiasmo pelo público devido à atualidade de seu tema. Desta forma, a primeira
performance contou com a presença em cena do baixo Pietro Sottovia no papel de
Federico; dos baixos Alessandro Lanzoni e Achille Testi encarnando os cônsules
milaneses (primeiro e segundo, respectivamente); o baixo Filippo Giannini como
autoridade de Como; o barítono Filippo Colini no papel de Rolando, o líder milanês;
Teresa De Giuli-Borsi, soprano, no papel de Lida, esposa do líder milanês; o tenor
Gaetano Franschini como Arrigo, um guerreiro de Verona; Ludovico Butia, barítono,
88
como Marcovaldo, o prisioneiro germânico; Vincenza Marchesi, mezzo-soprano,
interpretando Imelda, a serva de Lida; Mariano Conti, tenor, no pequeno papel do
escudeiro de Arrigo e, por último, o tenor Gaetano Ferri como o arauto.
Durante a abertura da ópera já é evidente o caráter militar que a peça carregará
durante toda a exibição. A abertura conduz à primeira cena do ato inicial que se passa
em Milão. Logo no início percebemos a formação de uma Liga entre várias cidades da
Lombardia – a Liga Lombarda. Este grupo busca organizar um contingente para
combater Federico Barba-Ruiva (Federico I) do Sacro Império Romano Germânico que
se aproxima do território italiano. Nesse contexto, Rolando, comandante dos milaneses,
descobre que as tropas de Verona são comandadas por Arrigo, um antigo amigo que
julgava ter morrido há muito. No momento em que se encontram, entende-se que esteve
sumido por ter sido preso em combate e não por ter morrido. Assim, e como de costume
nos textos de Verdi deste momento, um coro se forma e nele ocorre a promessa de se
morrer pela pátria italiana, promessa essa reafirmada pelos amigos.
A segunda cena deste ato inicia-se com Lida e seus seguidores em um jardim. A
cena caminha com delicadeza até o momento em que são interrompidos por
Marcovaldo, o prisioneiro germânico que se encontra apaixonado por esta. Após as
declarações de Marcovaldo, Lida se espanta e o afasta de si. Neste momento chegam os
amigos Arrigo e Rolando e Marcovaldo percebe que Lida está dividida entre os dois. A
partir disto, Lida e Arrigo ficam sozinhos e o amor secreto é finalmente revelado de
forma direta ao público. Neste diálogo, Arrigo critica Lida por ter se envolvido com
Rolando e não ter permanecido fiel ao compromisso que tinham antes dela julgá-lo
morto.
O segundo ato se passa na cidade de Como no norte da península itálica
(Lombardia). Neste local, Arrigo e Rolando se encontram com os chefes das regiões do
entorno procurando convencê-los de colaborarem nas lutas contra os estrangeiros. A
administração de Como, no entanto, se recusa a combater as tropas de Federico,
afirmando que possuem um tratado firmado com este que garante sua segurança. A
afirmação da administração enfurece os representantes que buscavam a colaboração
desta região e, assim, Arrigo e Rolando afirmam que o futuro da Itália está sendo
negado pelos próprios italianos que aceitam determinadas invasões. Seguindo isto, o
Imperador Germânico surge e afirma aos representantes de Verona e Milão que a
derrota dos italianos se aproxima com velocidade cada vez maior. Após perceberem os
acampamentos germânicos, Arrigo e Rolando, mesmo temendo pelo futuro da pátria,
89
mantêm a confiança na vitória da Liga Lombarda jurando, uma vez mais, morrer pela
vitória italiana.
O terceiro ato inicia-se em Milão, no momento no qual Arrigo é aceito dentre os
Cavaleiros da Morte – o grupo que jurou defender a liberdade da pátria com a própria
vida. Em seguida, na segunda cena, Lida escreve uma epístola para Arrigo e ordena que
seja levada por sua criada. Ao seguir, Rolando, pressentindo a morte que se aproxima,
se despede de Lida no momento em que Arrigo chega comunicando ter sido aceito
dentre os Cavaleiros e a partir disso prometem, um ao outro, que quem sobreviver
cuidará de Lida e da pátria. Marcovaldo, neste momento, entrega a Rolando a carta
escrita por Lida e destinada a Arrigo. Assim, o líder milanês jura vingar-se daquilo que
considera traição. Já na terceira e última cena do terceiro ato Lida vai ao encontro de
Arrigo afirmando que, apesar de amá-lo, devem parar de se encontrar. Na sequência os
dois percebem que Rolando se aproxima e Lida fica escondida na sacada dos aposentos.
Ao que Rolando chega à cena, e encontra sua esposa escondida. Quando o milanês se
prepara para matar o amigo traidor, ouve o chamado dos instrumentos de guerra.
Rolando percebe, então, que a melhor opção é punir Arrigo trancando-o no quarto e
fazendo com que este não lute na batalha patriótica que se aproxima quebrando, assim,
o juramento outrora feito aos compatriotas e aos outros Cavaleiros. Arrigo, objetivando
não fugir da contenda, salta pela janela.
Imagem 16: A Batalha de Legnano29
29
La Battaglia di Legnano de Amos Cassioli (1832 – 1891). Pintada no ano de 1860, encontra-se, hoje,
na Galleria d’Arte Moderna de Florença. Este pintor foi extremamente admirado em seu tempo por sua
atividade patriótica e esta pintura, que acabou fazendo-o conhecido, retrata plenamente sua percepção
nacionalista.
90
O quarto e último ato se passa na catedral de Milão com a presença de todo o
povo que espera as notícias da frente de batalha de Legnano. A notícia chega e é do
agrado dos italianos: os germânicos foram derrotados, se retirando dos territórios.
Arrigo, após conseguir sair do local no qual foi preso por Rolando, foi de importância
fundamental na batalha, tendo derrubado o próprio imperador. Contudo, mesmo
conseguindo a vitória, Arrigo foi ferido e, agonizando, entra na cena levado pelos
Cavaleiros da Morte em direção à catedral. Lida e Arrigo garantem, então, a Rolando
que ambos são inocentes. No momento em que Rolando os compreende e os perdoa,
tomando Lida pelos braços, Arrigo morre beijando a bandeira enquanto a população
comemora a vitória.
A ópera La Battaglia di Legnano não possui nenhuma significativa modificação
estilística em relação às óperas escritas antes de Verdi e conquistou o público
exatamente por ser feita nos moldes tradicionais italianos, não se submetendo a
nenhuma possibilidade estrangeira – que, com o tempo, estavam ganhando o cenário
operístico europeu.
Mais que sobre o tradicionalismo ou a inovação das óperas de Verdi, a
historiografia contemporânea deve, também, basear suas problematizações nas
possibilidades de interpretação sócio-política das obras verdianas e como estas são
artefatos plenamente utilizáveis pela percepção popular durante o contexto da
unificação nacional italiana ocorrida no século XIX.
91
CAPÍTULO IV: EM PERSPECTIVA COMPARADA, O NACIONALISMO NAS
ÓPERAS DE VERDI E WAGNER ENTRE 1830 E A PRIMAVERA DOS POVOS
Compreendida a singularidade dos contextos sociais nos quais estavam inseridos
Richard Wagner e Giuseppe Verdi, ou seja, a Alemanha e a Itália, devemos, então,
compreender como as obras das décadas de 1830 e 1840 destes personagens são
representantes do nacionalismo do período. E mais, como estas mesmas obras
fundamentam e divulgam as necessidades nacionais de unificação alemã e italiana.
O século XIX, principalmente aquele momento denominado de Primavera dos
Povos – as revoltas iniciadas em 1848 e terminadas em 1849 – foi analisado pelo
historiador Eric Hobsbawm, recentemente falecido nos seguintes termos:
(...) a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi
uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e
mobilizou todas as classes. Foi, no sentido literal, o insurgimento dos
trabalhadores pobres nas cidades – especialmente nas capitais – da
Europa Ocidental e Central1.
Dessa forma, compreendemos o ciclo revolucionário da década de 1840 como
sendo a manifestação plural de grupamentos sociais diversos. Cada um destes grupos
com uma necessidade específica a ser defendida dentro do ambiente revoltoso. Contudo,
todas as reivindicações fundamentaram-se no nacionalismo social e na política
econômica2. Assim, percebemos que as interpretações artístico-culturais oferecidas por
Richard Wagner no caso germânico e por Giuseppe Verdi no caso italiano são
aproximações de seus respectivos quadros sociais. Lembremos que o sociólogo e
dramaturgo francês Jean Duvignaud demonstrou que o contexto, ou o quadro social,
conforme este sociólogo nomeou, influencia diretamente na produção artística,
chegando a afirmar que
[partindo das variações artísticas] poderíamos analisar como uma
estética de princípios análogos, mas em quadros sociais diferentes,
1
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). 6ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977,
p.329.
2
REMOND, René. O século XIX: introdução à história de nosso tempo. São Paulo: Editora Cultrix,
1990. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780. 3ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
2002.
92
desenvolve-se de maneira inteiramente diversa segundo a moda de
intervenção que implica o tipo de sociedade onde se define.3
Neste ponto, devemos perceber que os ciclos revolucionários do século XIX são
intimamente ligados à criação e manutenção do romantismo, entendido aqui como uma
estética de princípios análogos e execuções diversificadas. O ideário deste estilo
romântico começou com “uma revolta pequeno-burguesa contra o classicismo da
nobreza, contra as normas e os padrões, contra a forma aristocrática e contra um
conteúdo que excluía todas as soluções ‘comuns’”4. Logo, desde o seu princípio o
romantismo está intimamente ligado a revoltas. Desta forma, a revolução acaba
transformando-se na chave para entender os estilos composicionais de Richard Wagner
e de Giuseppe Verdi5.
A historiografia contemporânea não deve analisar personagens como Wagner e
Verdi de forma estritamente artístico-cultural ou política, mas sim deve procurar
compreender como estes compositores deixam de ser meramente produtores poéticos e
passam a ser pensadores político fazendo uma clara interação entre política e cultura6. A
partir desta possibilidade, devemos compreender como o romantismo, principalmente o
existente na Alemanha e o comum na Itália7, passam a ser mais políticos do que
artísticos8. Assim, podemos analisar como o indivíduo se coloca na história e como a
sua percepção política é apagada por sua percepção poética.
É perceptível, portanto, que os compositores do período interpretam o próprio
momento artístico ao que se filiam – o romantismo – como sendo uma possibilidade
estética integrada na vida social, cultural e política. Assim, mais do que entendermos o
movimento romântico como o imaginário contemporâneo propõe, ou seja, afastado das
3
DUVIGNAUD, Jean. Problemas de Sociologia da Arte. In: VELHO, Gilberto (ORG). Sociologia da
Arte (Volume I). 2ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971, p.23-36 (textos básicos de Ciências Sociais).
4
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 3ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971, p.64. Fischer
afirmaria também que “[O romantismo é] o reflexo mais completo das contradições da sociedade
capitalista em desenvolvimento.” (Op. Cit. p.63) e que ‘A revolução (as atitudes adotadas em face dela
como um todo e em face de cada uma das suas fases) é a verdadeira chave para a compreensão do
movimento romântico’ (Idem, p.65). Acerca da relação entre o romantismo e as revoltas comuns no
século XIX, conferir, também, TALMON, J. L. Romantismo e Revolta: Europa 1815-1848. Lisboa:
Editorial Verbo, 1967.
5
Acerca da relação do Romantismo com a Música, Cf.: KIEFER, Bruno. O Romantismo na Música. In:
GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978, p.209-238.
6
Ver: MALHERBE, Henry. Richard Wagner révolutionnaire. Paris: Albin Michel, 1938.
MILLINGTON, Barry. Wagner: um compêndio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. CONATI,
Marcello (ed). Encounters with Verdi. New York: Cornell University Press, 1984.
7
Cf. : ROSEN, Charles. A geração romântica. São Paulo: EDUSP, 2000.
8
Ver: SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. São Paulo: Estação Liberdade, 2010.
LÖWY, Michael. Romantismo e política. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
93
atitudes políticas e preocupado apenas com o interior sentimental humano, devemos
pensar como os próprios artistas compreendiam esta estética a qual se filiavam. Ou seja,
devemos perceber que o próprio artista romântico buscava a afirmação da arte de
artista, quebrando com o sistema cultural mantido pelos regimes políticos anteriores.
Daí a compreensão da necessidade da afirmação nacional-burguesa9. Assim sendo, se
em todos os momentos históricos os artistas devem ser compreendidos pela tríade
indivíduo-obra-contexto, essa característica de amplitude de entendimento acentua-se
dentro das produções do romantismo10 e mais, esse sujeito, o artista romântico, pode e
deve ser encarado com as características de intelectual já que, no geral, são ativos no
espaço público11.
4.1 A política em Rienzi e Lohengrin
Rienzi, uma das mais discutidas dentre as óperas de Richard Wagner é um claro
exemplo da percepção política e nacional do compositor germânico. Logo no início do
enredo, em uma afirmação do tribuno durante o primeiro ato, percebemos que a
aristocracia existente na cidade de Roma, representada pelas famílias Orsini e Colonna,
foi a responsável por transformar esta cidade em um ‘covil de ladrões’. Estes
aristocratas, no fundo, apenas se preocupam com a manutenção de seu status quo e com
a defesa de suas honras individuais, esquecendo-se da glória da própria cidade e das
necessidades de sua população – principais preocupações de Rienzi. Aqui já
percebemos, claramente, a posição política do compositor germânico. Ou seja, Wagner
demonstra sua aversão inicial a qualquer forma de concentração de poder na mão de
camadas aristocráticas defendendo, portanto, a distribuição de poder para todos, assim
como o grupo republicano defendia na Confederação Germânica após a assinatura do
Tratado de Viena e o reestabelecimento de determinadas monarquias em continente
europeu.
9
Mário de Andrade já afirmou que “[o romantismo] não queria nem profanizar nem regenerar coisíssima
nenhuma em arte. Queria sinceramente dignificar e elevar o povo. E por isso se preocupou em mostrar o
que era o povo, chamando atenção, reforçando, acentuando, eloqüentizando as maneiras de sentir e de
agir populares. Neste reforçamento, que o processo específico do Romantismo, está a deformação que ele
imprimiu ao espírito do povo” (ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. 4ed. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1953, p.134).
10
ARAÚJO, Nando. Quando as musas usam máscaras: ídolos e ideologias em música. São Paulo:
Apontamentos, 2002, p.40.
11
Acerca desta nossa percepção de interação entre artista e intelectual, cf. Apêndice II.
94
Ainda no primeiro ato percebemos que Rienzi consegue a confiança do povo de
Roma através do apelo que estes faziam por representatividade política. Porém, o
tribuno se afastará da representatividade concentrada de poder ao negar a possibilidade
ofertada de se transformar em monarca de Roma. Seguindo este fato, Rienzi promete à
população acordar Roma de seu sonho desde que estes jurem protegerem a honra e a
liberdade da Cidade Eterna transformando-o em Tribuno do Povo. Wagner consegue,
assim, demonstrar um reconhecimento identitário nos seguintes termos: a partir de um
momento em que diferentes núcleos sociais combatem um mal maior em conjunto,
podem obter sucesso com maior facilidade, transformando uma população fragmentada
em una, assim como ocorre na ópera.
Para afirmar a necessidade de unidade popular como emanada da própria
população, Richard Wagner se utiliza, na terceira cena do segundo ato, de um clamor
popular que pede a união italiana total. Essa união, a partir do momento em que ocorre,
é responsável, enfim, por apaziguar as divergências políticas internas e a subordinação
da maioria popular à minoria aristocrática. Porém os aristocratas, na visão do
compositor, estariam sempre dispostos a tudo para manterem-se no poder e isso fica
evidente na medida em que estes juram obediência ao Tribuno logo após tramando a
morte deste. Soma-se a este fator a inconstância revolucionária da população: mesmo
com as vitórias conseguidas, a população não está disposta a lutar e a colocar sua vida
em risco por um bem maior. A partir do momento em que os aristocratas são perdoados
e já tramam a conspiração contra Rienzi – que triunfará até o final da ópera – podemos
perceber a postura revolucionária de Wagner e mais, uma clara comparação pode ser
feita com as monarquias europeias reestabelecidas após o Tratado de Viena. Assim, o
perdão popular passa a ser encarado como mais uma possibilidade de golpe
nobiliárquico.
A ausência de coragem da população é percebida, finalmente, como sendo a
forma de traição final. A partir da qual o próprio libertar é colocado para morrer. Uma
vez que o povo não está disposto a lutar e a ter baixas ao lado de seu representante,
passa a ser prontamente influenciado pelo antigo poder existente no território. O líder
revolucionário também perde seus amigos e o apoio crucial da Igreja, representado na
figura do cardeal Raimondo, chegando a ser excomungado. Assim, todo o aparato de
manutenção da liberdade popular de Roma se transforma no maquinário da restauração
aristocrática.
95
Rienzi é, ao mesmo tempo, aquele líder que combate a aristocracia e, também, o
indivíduo que apazigua os conflitos sociais tentando devolver a glória a Roma12. Este
herói é nitidamente solitário – tendo o apoio total apenas de sua irmã, Irene. Ele escolhe
a solidão para ser capaz de executar seus ideais de igualdade. Assim, Rienzi demonstra
o pensamento político de Wagner, principalmente as atitudes anti-monárquicas, tão
comuns nas revoltas ocorridas entre 1848 e 1849. A peça chega a demonstrar, também,
o pessimismo político de Wagner, basta lembrarmos o final da peça, quando o
personagem central morre após todas as traições possíveis: amigos, Igreja e, fialmente,
o povo que outrora defendera. A lógica pessimista é, contudo, modificada ao longo
tempo, e o compositor coloca uma gota de otimismo ao fazer o personagem que titula a
obra afirmar: “Escutem minhas últimas palavras: enquanto existir as Sete Colinas de
Roma, enquanto a Cidade Eterna não perecer, verão Rienzi regressar!”13.
Outra ópera de Wagner que, como um todo, representa as aspirações
nacionalistas de seu povo, Lohengrin, se passando no contexto das invasões húngaras
também demonstra as expectativas unificação nacional do compositor.
Neste contexto, o rei Henrique, o passarinheiro, é proclamado rei de todos os
germânicos. Esta característica de enredo desta ópera já marca uma interpretação das
mais relevantes da compreensão de unidade proposta por Wagner. Se durante a época de
composição de Rienzi o compositor apenas enxergava a possibilidade de unificação sob
uma égide republicana, conforme atestam seus escritos; em Lohengrin, o compositor
passa a perceber que uma unidade é plenamente alcançável com um apoio
nobiliárquico. Esta característica é singular já que o compositor futuramente começará a
trabalhar diretamente com o poder monárquico, na figura de Ludwig II da Baviera,
recebendo total apoio e apaziguando as divergências surgidas durante a década de 1840
e as revoltas deste momento.
Um outro tema relevante que surge na ópera é a figura do antagonismo. O
antagonismo é representado pelas tentativas de usurpações do trono de Elsa por parte de
Ortrud e Federico. Desta forma, na ópera, assim como no ambiente político
revolucionário de seu tempo, Wagner, escrevendo os próprios librettos, demonstra que a
mentira e a traição são comuns. Logo, apenas um herói, ou população, corajosa e que
defenda a verdade pode erguer-se do nada para resgatar e criar sua vida político-social
desejada. Como são corajosos e defensores da verdade, a própria divindade apoiará a
12
13
ARBLASTER, Anthony. Viva la Libertà! Politics in Opera. London: New York: Verso, 2000.
Última fala de Rienzi na ópera homônima, ocorrida na quarta cena do quinto ato.
96
causa. Assim que todos lutarem pela verdade política – manter quem é de direito no
poder –, todos serão identificados como protetores e salvadores, conforme atesta Elsa já
na terceira cena do primeiro ato.
Como último ponto, podemos lembrar que a usurpação proposta por Ortrud é
fundamentada em sua aproximação com as religiões e deuses antigos. A personagem
confessa, no segundo ato da ópera, que é uma bruxa e que como tal, terá o poder para
eliminar seus adversários. Aqui Wagner faz uma nítida interação entre a cultura antiga
germânica que deve ser seguida apenas por ser tradicional e a cultura cristã que, no
território que viu nascer a reforma luterana, era o principal centro de religiosidade da
população.
Assim sendo, mais do que um compositor afastado de sua realidade social,
Wagner deve ser compreendido como um indivíduo que buscou se inserir na política do
contexto, sugerindo a constituição de uma nacionalidade germânica através das
possibilidades artísticas. Essa nacionalidade, portanto, apenas poderia ser criada
plenamente e mantida a partir de uma unificação política.
4.2 A política em Nabucco e em La Battaglia di Legnano
O compositor italiano Giuseppe Verdi, nosso segundo personagem a ser
analisado não perde em atividade política perante o compositor alemão. Apesar de não
ter uma produção específica acerca de política, tal como Richard Wagner, Verdi deixou
uma quantidade significativa de óperas. Considerado um dos músicos intelectualmente
mais ativos do século XIX, deve-se a ele pontos significativos da característica
nacionalista presente durante a unificação italiana.
Nabucco foi a ópera que alçou Giuseppe Verdi ao sucesso e nesta peça, as
características nacionalistas estão escondidas por um enredo que se passa antes de
Cristo, na Babilônia. Contando a história do cativeiro dos judeus neste local durante o
governo de Nabucco, a ópera foi amplamente utilizada nos questionamentos
nacionalistas italianos durante o século XIX. Todavia o processo de adaptação do tema
às necessidades italianas foi mais complexa. Desta forma, a identificação dos italianos
com os judeus exilados ocorre através de um processo de assimilação: ambos perderam
todas as singularidades culturais, os judeus da peça, por terem sido retirados de seu
território, sendo subordinados a outra cultura administrativa perderam sua identidade
97
religiosa e os italianos por terem que coexistir com um corpo culturalmente estranho em
seu próprio território sendo, também, subordinados a outra administração, a austríaca,
perderam sua autonomia.
Esta ópera de Verdi alcançou tal sucesso que nos anos que se seguiram à estreia,
foi executada mais de 50 vezes nos mais variados teatros italianos. A ópera como um
todo é uma representação de amor à pátria e por este amor é necessário morrer. A morte
por um bem maior é representada por toda a peça, principalmente na lógica do sacrifício
perante um ídolo estrangeiro, Baal. Durante a apresentação da ópera, contudo, um tema
musical se destacou, ‘Va pensiero’, o coro dos judeus exilados e temerosos, a quarta
cena do terceiro ato. Neste trecho, lemos:
Vá, pensamento, sobre as asas douradas.
Vá, e pouse sobre os campos e as colinas,
onde exalam as do solo da terra natal!
Saúde as margens do Jordão
e as torres destruídas do Sião.
Oh, minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão grata e fatal!
Harpa dourada de destinos fatídicos.
Porque chora a ausência da terra querida?
Reacenda a memória no nosso peito,
fale-nos do tempo que passou!
Trazendo um ar de lamentação triste,
lembre-nos do destino de Jerusalém.
Ou o que o senhor te inspire harmonias
que nos infundam a força para suportar o sofrimento.
Este trecho foi ovacionado durante a própria estreia e apesar dos pedidos do
público não pode ser bisado, já que isto era considerado uma manifestação antiaustríaca. Assim, a população imediatamente se identificou com o coro dos judeus
exilados.
Fato importante é que a singularidade do nacionalismo nesta ópera é que não
apenas um trecho específico representa um sentimento italiano porém a temática como
um todo é responsável por revelar as necessidades desta população na luta contra a
presença austríaca em seus territórios.
Após Nabucco alçar Verdi ao sucesso graças a seu apelo político, suas óperas
passaram a ter um caráter cada vez maior, como é o caso de I Lombardi alla prima
crociata, de 1843, Giovanna d’Arco, de 1845 e Atilla, de 1845, sendo que esta última
também despertou significativos sentimentos nacionalistas. Essa curva ascendente de
98
mescla entre o sucesso e a representação do nacionalismo atingiu o ápice na ópera La
Battaglia di Legnano, a única escrita e composta buscando exatamente esta
característica, conforme as cartas de Verdi afirmam.
Na estreia da ópera, que mistura os elementos típicos da ópera italiana, como o
amor e a traição, com a necessidade de unificação nacional, o público, sejam homens,
mulheres e até mesmo os jovens, carregavam os símbolos de uma Itália una,
principalmente a bandeira tricolor14. Após a abertura militarizada que já marca o mote
que conduzirá toda a música. A cortina sobre e a peça começa com um argumento
fundamental: “Viva Itália! (...)Viva a Itália forte e unida pela espada e pelo pensamento!
O solo que nos viu nascer, será a tumba do estrangeiro!”. Após esta afirmação
nacionalista e anti-germânica de que a Itália será livre e grande feita pelo coro inicial,
começaram a ecoar nas galerias do teatro os primeiros gritos de Viva Itália e Viva Verdi
que fariam, futuramente, a ópera ser questionada pela presença austríaca em território
italiano.
O início da ópera é marcado pelo reencontro de dois amigos e pela suposta
traição de um deles e esta já marca uma característica da interpretação verdiana de
nacionalismo: o amor à pátria deve ser superior a qualquer anseio individual deve-se,
portanto, lutar por um desejo comum. Outra marca importante, na peça, já apresentada
no primeiro ato é que a presença germânica era encarada como uma profanação do solo
italiano considerado sagrado. A cidade de Milão é apresentada, então, como a única que
mantém a tradição italiana e, portanto, a líder da Liga Lombarda, aquela que
futuramente conseguirá expulsar os as tropas de Federico I.
O segundo ato, nomeado Barba-Ruiva, se passa em Como, cidade rival de
Milão. Os representantes de Milão e Verona (Rolando e Arrigo) afirmam que já é hora
das cidades esquecerem as antigas desavenças e se unirem contra o inimigo em comum.
Essa, por sua vez, é uma clara alusão à necessidade de as regiões italianas, por maior
que fossem suas diferenças, se unirem contra a presença estrangeira conseguindo, assim,
afirmar sua soberania e expulsar o estrangeiro governante. Todavia, como os habitantes
de Como possuem um pacto com Federico, é mais seguro não derramar o sangue dos
cidadãos apresentando-se o medo da revolução.
Quando do surgimento de Federico, percebemos que o exército germânico é
extremamente forte mas a união da Liga Lombarda é insuperável devido à força da
14
Apesar de a atual bandeira da Itália ter sido oficializada no século XX, as cores verde, branca e
vermelho representam um tipo de pan-italianismo desde, pelo menos, meados do século XVIII.
99
verdade política que carregam. Esta verdade política é apresentada com o juramento que
Arrigo faz aos Cavaleiros da Morte de morrer pela pátria. Outro momento em que se
demonstra que a união itálica marca a presença da verdade superior é Marcovaldo, o
prisioneiro germânico em território italiano. Este personagem mente a Arrigo e
Rolando, tentando fazer com que estes líderes militares e políticos cheguem em
divergências facilitando, assim, vitória dos germânicos. A percepção que Verdi oferece
ao público acerca da traição e das mentiras políticas é única nas óperas italianas – afinal
de contas, durante o século XIX italiano era comum a venda de informações aos
austríacos como forma de se conseguir vantagens políticas e econômicas.
Um último ponto acerca da relevância de se lutar pela pátria é apresentado pelo
compositor de Roncole no quarto e último ato, chamado de Morrer pela pátria. Verdi,
ao fazer com que Rolando prenda o antigo amigo, Arrigo, em seus aposentos demonstra
que o valor italiano está na luta. Tanto o é que este salta pela sua sacada para participar
dos conflitos. Mais do que se utilizar de um tema histórico para responder necessidades
de seu tempo, Verdi escreveu uma ópera politicamente direta. Isto é evidente quando
percebemos que a peça passou por uma série de censuras. A principal censura, realizada
pelos austríacos na sequência da estreia, foi a mais significativa. Objetivando apaziguar
os gritos nacionalistas que se seguiam à ópera, os austríacos exigiram algumas trocas,
dentre elas, podemos destacar que o nome da ópera mudou e o título La Battaglia di
Legnano passou para Assedio di Arlem. A partir desta mudança, todo o enredo se
alterou. Assim, a cidade de Milão foi substituída por Arlem; a Itália se transformou em
Flandres; Federico, o rei germânico, se converteu no espanhol Duque de Alba; e o
primeiro verso foi trocado para “Viva a Holanda”. Essas modificações na estrutura
narrativa, contudo, não modificaram a influência nacionalista da ópera. Cantava-se, no
palco, “Viva a Holanda”. Ouvia-se, no público, “Viva Itália”15.
Verdi foi um dos primeiros compositores a perceber que, além de
economicamente rentável, a ópera, no modelo praticado na Itália, era acessível à
maioria da população, sem importar classes sociais e, assim, se transformou em um dos
meios mais eficazes de se atingir o público durante seu século, principalmente no
tangente à propaganda nacionalista16. Nas criações musicais, o compositor italiano
mescla nobres atitudes com os perigos apresentados pelo poder político. Nestas óperas,
15
SABBA, Marcílio. Vida de Verdi. São Paulo: Atena Editora, 1959, p.98.
Para uma discussão acerca da propaganda política nas suas mais diversas formas, cf.: DOMENACH,
Jean-Marie. A Propaganda Política. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1955.
16
100
mesclam-se, também, o nacionalismo exaltado dos Estados italianos do XIX com o
medo perante o sacrifício que a pátria exige.
4.3 As harmonias consonantes e as dissonantes: sínteses possíveis
Percebemos que os artistas aqui estudados, Richard Wagner e Giuseppe Verdi,
são o oposto do artista romântico idealizado pelo século XX já que mesmo sendo
política em essência, a característica romântica que permaneceu na mentalidade
contemporânea é a de um movimento afastado dos questionamentos políticos. Mais
preocupado com questões de ordem sentimental do que social. A historiografia
contemporânea, no entanto, destarte seus problemas de ordem metodológica, busca
resgatar estes atores e os temas e formas debatidos e utilizados por estes para uma
melhor compreensão do mosaico que se forma do passado.
Os questionamentos políticos inseridos representativamente nas óperas destes
compositores aconteceram, principalmente, entre as décadas de 1830 e 184017. Por outro
lado, as atitudes políticas ativas, como a participação em revoltas e a inserção na
política de forma direta, encontram seu auge entre os anos de 1850 e a metade da
década de 1860. Estes dois compositores, buscando estabelecer o equilíbrio necessário
entre texto, música e espetáculo, acabaram por se preocupar com todos os detalhes
mínimos para a execução de suas obras, característica que ambos herdaram do modelo
francês de ópera com o qual tiveram contato entre as décadas de 1830 e 1840. Daí a
percepção do público de que estas obras, mais do que as de outros artistas eram feitas
para a própria audiência18.
Uma percepção de que suas obras atingiram os anseios populares pode ser
percebido se levarmos em conta as constantes aparições destes personagens, de forma
representativa, em jornais e textos da época, como caricaturas e poesias. Essa era a
forma que as classes não-dirigentes possuíam para demonstrar seu afeto ou suas
discordâncias destes. A população, assim, demonstrou que estes artistas acabaram sendo
influentes cultural e socialmente para suas realidades.
17
Contudo especificamente Verdi nunca fugiu de claramente demonstrar suas preocupações nacionalistas
de unificação italiana.
18
Wagner e Verdi, como pôde se perceber, constantemente frequentavam os teatros para assistir os
ensaios bem como modificar partes de vestimentas e cenários.
101
Imagem 17: Caricatura de Richard Wagner19
Imagem 18: Caricatura de Giuseppe Verdi20
Estes
indivíduos,
contudo,
possuem
aproximações
e
especificidades,
consonâncias e dissonâncias. Ambos compositores representam uma crença comum na
época, a de que a revolução pode ser feita, de forma mais simples, por um indivíduo
apoiado pelo grupo a que pertença. Assim, o grupo só ou o indivíduo único não são
suficientes para a conquista política21. A partir destas percepções, passamos a melhor
compreender a presença das cenas de multidão nas óperas dos compositores.
19
Esta caricatura mostra o compositor Richard Wagner regendo e utilizando um típico elmo prussiano
como pódio. Ao mesmo tempo, percebemos que durante a regência, a música que emana do compositor é
suficiente para subordinar a todos os outros indivíduos representados à grandeza germânica.
20
Esta caricatura de Verdi, muito comum na Itália do século XIX e início do XX – assim como a de
Wagner na Alemanha – representa a figura de Il maestro, título com o qual Verdi ficara conhecido por
toda sua vida, carregando Don Carlos, sua ópera. Ao mesmo tempo, o compositor carrega, também, uma
coroa representando os louros da vitória atingida pelo compositor desde a década de 1840.
21
Essa característica de interação entre indivíduo revolucionário e grupo é percebido, também, em obras
historiográficas significativas.
102
A multidão em cena, destarte ser uma característica comuns nas óperas da
primeira metade do século XIX22, em Wagner e Verdi possuem uma função maior do
que em outros autores do romantismo europeu. Mais do ser um simples artefato artístico
para transformar esta arte em espetáculo público a multidão, nestes compositores,
funciona como a representação da própria audiência. A partir desta apresentação, a
população se percebia como parte da movimentação de interação entre o sujeito – o
líder – e as possibilidades de modificação política. Essa característica de necessidade de
união popular é apresentada, portanto, nos textos La Battaglia di Legnano, de Verdi e
Lohengrin de Richard Wagner. Estas duas óperas, narrando as invasões germânicas e
húngaras, respectivamente, demonstram que apenas a união populacional e a liderança
forte – emanada da própria população – é capaz de sufocar qualquer tentativa de
subordinação nacional. Um outro lado de aproximação entre os compositores são seus
personagens centrais, Rolando, de La Battaglia di Legnano, e Rienzi que são heróis
solitários, casa qual a sua maneira. Essa solidão surge uma vez que o sacrifício pela
pátria é superior a qualquer necessidade individual.
Um último ponto relevante de aproximação entre os compositores é a
interpretação da religiosidade. Wagner e Verdi, em todas as óperas analisadas aqui,
possuem a mesma lógica religiosa. A religiosidade cristã (ou judaica) é apresentada,
portanto, como ponto de apoio e reconhecimento popular. A partir disto, a população
pode lutar contra um mal na expectativa de proteção divina, mesmo com todas as
nuances entre as quatro óperas.
Apesar de ambos os compositores possuírem contradições de pensamento
político, alternando entre as possibilidades republicanas e as monárquicas na defesa de
um nacionalismo pró-unificação, as óperas seguem uma constância. Percebendo que o
poder sofre modificações ao longo do tempo concordamos com o pensador francês
Georges Balandier que percebe que muitas vezes o poder pode ser exercido de forma
oculta. Assim, se consegue que determinada população tenha uma atitude política a
partir de seu posicionamento sentimental e não de seu posicionamento racional. Quanto
a isso, as obras de Wagner e Verdi são claros exemplos23.
Percebemos, por exemplo, que La Battaglia di Legnano (Verdi) se aproxima de
Rienzi (Wagner) através das posturas revolucionárias e da interação entre o público e o
22
Pode ser percebida em óperas de Giacomo Meyerbeer, como Les Huguenotes, e Hector Berlioz, como
Les troyens.
23
BALANDIER, Georges. O poder em cena. Brasília: EdUNB, 1982.
103
líder. Por outro lado, Nabbuco, do compositor italiano, e Lohengrin, de Richard
Wagner, se aproximam em vários outros sentidos: a possibilidade de usurpação do trono
ao menor descuido e, principalmente, a não especificação do nacionalismo. Assim, estas
peças são, como um todo, identificadas com o furor nacional24.
Algumas diferenças são, também, marcantes. Podemos lembrar que Verdi é
tradicionalista enquanto Wagner inova nas obras – logicamente ambos fazem isto
buscando as necessidades sócio-políticas de seus respectivos contextos25. Sem entrar no
mérito das diferenças de estilo já analisadas em nossos capítulos anteriores e que são,
sem dúvida, marcantes, podemos enumerar outras diferenças destes artistas.
Verdi nunca se aprofundou em problematizar a política social de seu tempo
sendo, então, mais voltados ao pensamento filosófico. Wagner, por outro lado, foi
amplamente conhecido por sua atitude e seus questionamentos políticos públicos.
Wagner gostava de seu posicionamento politicamente ativo conforme seus textos e
diários afirmam; já Verdi preferia os bastidores, conforme os todos os relatos
afirmam26. No entanto, a necessidade sócio-cultural fez, de ambos, inseridos nos
debates político-nacionalistas mesmo com suas diferenças. Se em Wagner, a partir de
um momento, percebemos a atitude política diretamente servindo a um nobre – e
produzindo textos acerca da sociedade e da política para este – em Verdi a percepção é
extremamente mais popular.
Os compositores não chegaram a se conhecer porém alguns documentos nos
esclarecem a percepção entre estes. Verdi admirou as inovações de Wagner porém isto
lhe causou uma série de conflitos internos, já que a presença germânica era má vista
dentro da península itálica. Porém nem tudo o que o compósito de O Anel escreveu foi
de agrado do italiano: quando assistiu à estreia de Lohengrin na Itália, não sentiu prazer
em ouvir a peça27. Richard Wagner, por seu turno, quase não tinha conhecimento da
ópera de Verdi, julgando sua obra tradicionalista e representante da decadência musical
24
Percebemos que estas óperas não possuem um tema ou trecho específico nacional mas devido a seu
tema e sua condução musical as óperas rapidamente foram inseridas dentre os clamores nacionalistas préunificação.
25
Podemos lembrar, também, que as possibilidades estéticas de Wagner partem da teoria enquanto as de
Verdi surgem da percepção prática do conjunto operístico. Logo, comparar as estéticas de Wagner e
Verdi é constatar que entre estes compositores ocorrem mais diferenças do que semelhanças. A melodia é
predominante no compositor de Roncole enquanto que os instrumentos ganham certa auto-suficiência no
compositor germânico. Além de a unidade formal de Verdi ser baseada na sinfonia clássica e não no
poema sinfônico estruturado em um tipo de leitmotiv como em Wagner.
26
CONATI, Marcello (Ed). Encounters with Verdi. New York: Cornell University Press, 1984.
27
Soma-se a isso, o fator de que, durante a execução a audiência gritou constantemente Viva Verdi e Viva
Itália o que, certamente, influenciou a percepção de Verdi acerca da obra wagneriana encenada.
104
que atravessava a Europa do momento28. Para evitar esta decadência, apenas as
modificações constantes, como as que Wagner empreendia, seriam suficientes anulando,
então, o esgotamento do gênero musical
Estes compositores atingiram tal nível de respeito popular que acabaram
entrando profundamente nos anseios da população de seus países. Tal respeito e o
reconhecimento que estes compositores obtiveram é tão significativo que suas exéquias,
conforme podemos perceber, foram seguidas por multidões:
Imagem 19: Enterro de Richard Wagner29
Imagem 20: Enterro de Giuseppe Verdi30
28
MILLINGTON, Barry. Op. Cit.
Enterro do compositor em Bayreuth sendo presenciado por cerca de 20000 pessoas. A foto foi feita em
18 de Fevereiro de 1883 por Hans Bartolo Brand.
30
Verdi teve um enterro simples, assim como desejou. Todavia, no translado de seu corpo, a cerimôni foi
solene: a orquestra e o coro operístico do La Scala, sob a regência de Arturo Toscanini executaram ‘Va
Pensiero’ um dos trechos mais famosos do compositor.
29
105
Ao analisarmos as obras de Wagner e de Verdi, notamos a possibilidade de
utilização de objetos culturais que, a partir de sua circulação, geram a expressão política
coletiva. A constante reação do público perante a execução das obras destes
compositores sugere, claramente, que ocorria um processo de significação e
resignificação política. Em primeiro lugar, acreditamos que os nacionalismos presentes
nas obras destes dois compositores se baseiam na interação do social com o cultural, ou
seja, o lugar de fala destes autores possibilitou a mescla de um aparato político em uma
produção artística. Esta mistura entre o político e o artístico é fruto claro de uma
necessidade social, uma vez que o teatro de ópera era, a partir do século XIX, o local
aonde grande parte da população busca lazer e reafirmava laços de sociabilidade. Logo,
a partir do momento no qual o tema ressaltasse as características nacionalistas
inflamatórias, o povo carregaria consigo, segundo textos, similares neste sentido, destes
dois compositores, o ideário nacionalista. Então a ópera encontraria sua função social
própria.
Poderemos perceber que Richard Wagner incentiva a percepção nacionalista
resgatando e muitas vezes criando ou reinterpretando a mitologia nórdica enquanto que
Giuseppe Verdi foca em personagens muitas vezes comuns da burguesia em ascensão
italiana, o que se deve ao modelo econômico e cultural dos dois territórios: enquanto a
Alemanha possuía uma cultura bem unificada desde o século XI a Itália passava por
crises culturais setorizadas, mas com a manutenção do crescimento burguês em
determinados territórios. Desta forma, podemos notar que, mesmo no seio do mesmo
movimento romântico nacionalista, as óperas destes dois compositores se modificam em
função dos quadros sociais divergentes nas quais são compostas e produzidas. Entre
consonâncias e dissonâncias, as obras destas personagens devem, acima de tudo, serem
questionadas e problematizadas para uma melhor compreensão da própria obra e sua
atualidade bem como para a melhor panorâmica do contexto de escrita destas peças.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso primeiro capítulo expusemos como a ópera pode ser fonte válida e
principal para a compreensão do panorama social de determinada realidade através de
sua problematização metodológica. Desta forma, a História Social da Música apresentase como uma seara a ser desbravada. Este campo, contudo, deve ser pesquisado com o
devido cuidado para não ocorrerem subordinações entre História e Música enquanto
práticas de pesquisa. Assim, é tarefa do historiador contemporâneo ampliar os recortes e
não se satisfazer com as tradicionais narrativas da História da Música ou com as
descrições estilísticas da Musicologia Histórica.
O segundo capítulo analisa em primeiro momento a vida. o contexto e o estilo de
Richard Wagner, procurando localizar e apontar sua atividade política que gera a sua
visão do todo. Visão esta que será representada nas óperas como propagandística. Logo
após, analisamos as duas óperas do compositor escritas entre as revoluções de 1830 e a
Primavera dos Povos, Rienzi e Lohengrin. Procuramos, a partir do conhecimento do
enredo e das características estilísticas destas obras, apontar temas que serão retomados
em uma futura análise da percepção nacionalista – capítulo IV. Nosso terceiro capítulo
segue, desta forma, a lógica proposta pelo segundo, com uma alteração: enquanto no
segundo capítulo o indivíduo analisado é Wagner, no terceiro nos deparamos com a
figura de Giuseppe Verdi e suas óperas do contexto: Nabucco e La Battaglia di
Legnano.
Como último capítulo apresentamos, argumentativamente, as características
nacionais pró-unificação nas obras destes compositores que foram significadas e
resignificadas pela população europeia ao longo do próprio século XIX. Não nos
preocupamos, aqui, em pensar as utilizações destas obras em nosso tempo presente
porém sim, em compreender como este aparato artístico foi se fundamentando e foi,
cada vez mais, se aproximando das percepções e representações político-sociais. Neste
capítulo, portanto, analisamos comparativamente a percepção nacionalista destas
óperas. Logo, percebemos que apenas a História Comparada, enquanto método de
pesquisa, é capaz de demonstrar com clareza as semelhanças e as singularidades destes
atores.
Com a leitura das óperas de Richard Wagner e de Giuseppe Verdi expostas neste
texto dissertativo, conseguimos perceber que a movimentação nacionalista préunificação, principalmente durante as décadas de 1830 e 1840. nos territórios que
107
formariam a Alemanha e a Itália foi intensa e que sua representação e propaganda nos
aparatos artísticos-culturais que se fundamentam nas óperas foi ampla;
Nestas óperas a tragédia e o júbilo político-social são consonantes e quem
harmoniza essa consonância e o nacionalismo. Desta forma, ocorre uma clara
possibilidade de estudos de produções artísticas e trajetórias comparadas oferecerem
subsídios para uma comparação dos fenômenos políticos, sociais e culturais nos quais
essas produções e existências se inserem uma vez que as obras e as vidas são
modificadas a partir do contexto no qual são criadas e vividas.
Mais do que óperas soltas, a tinta das escritas destes compositores aqui
analisados é claramente nacionalista e mais: destarte suas vidas, obras e interpretações
políticas serem constantemente paralelas a física teórica, neste sentido, já auxiliou esta
compreensão historiográfica: linhas paralelas podem se encontrar num infinito.
108
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118
APÊNDICES
APÊNDICE I
CRONOLOGIA COMPARATIVA
DE RICHARD WAGNER E DE GIUSEPPE VERDI1
(1813 – 1901)
ANO
RICHARD WAGNER
GIUSEPPE VERDI
22 de Maio: nasce Richard Wagner
em Leipzig, filho de Johanna Rosine
Wagner e Carl Friedrich Wagner –
Ludwgi Geyer, pintor e ator que viveu
com a mãe de Richard após a morte
1813
de seu pai alegava ser o verdadeiro
pai
da
criança,
todavia,
essa
afirmação nunca foi comprovada. 16
9 de Outubro: Nasce em Roncole,
Busseto, Parma, Giuseppe Fortunino
Francesco Verdi filho de Carlo,
hoteleito, e Luigia Uttini.
de Agosto: Batizado na Thomaskirche
em Leipzig. 23 de Novembro: Morre
o pai de Wagner
1814
Johanna e Geyer ficam noivos e se
casam
Soldados da Santa Aliança passam
por Le Roncole. Luigia se esconde
com o filho.
1815
---
---
1816
---
---
1817
1818
Freqüenta a escola de Karl Friedrich Inicia sua educação básica com Don
Schmidt, o vice-Kantor real.
---
Pietro Baistrocchi.
---
1
Apesar de a historiografia contemporânea não aceitar a possibilidade de listas cronológicas,
principalmente as biográficas, – parece-nos claro que a História enquanto ciência precisa de
problematizações – optamos por colocar esta tabela para o leitor ter uma visão geral da produção de
nossas personagens. Utilizamos como referências para a elaboração deste plano os seguintes textos:
MILLINGTON, Barry: Cronologia Wagneriana: vida, obra e eventos correlatos. In: MILLINGTON,
Barry. Wagner: um compêndio: guia completo da música e da vida de Richard Wagner. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1995. BUDDEN, Julian. Verdi. London: J. M. Dent, 1985.
120
1819
---
---
Começa a ter aulas de piano em Carlo compra para o filho uma antiga
1820
Possendorf (próxima a Dresden), espineta e logo Giuseppe comeã a ser
ficando sob os cuidados do pastor organista substituto em S. Michele
Christian Wetzel.
1821
em Roncole.
30 de Setembro: Morre Geyer
---
Wagner, provavelmente assiste a
1822
estreia de Der Freischütz. Entra para
a Kreuzschule de Dresden com o
Se torna organista titular em Roncole.
nome de Richard Geyer.
1823
---
1824
---
1825
---
Aceito no ginnasio de Busseto.
--Começa seus estudos musicais com
Ferdinando Provesi.
Traduz 12 livros da Odisseia – fato
que já demonstra seu interesse pela
Grécia antiga. Tenta escrever um
poema épico: A Batalha do Parnaso.
1826
Inicia a escrita de Leubald, uma
---
tragédia em 5 atos. Dezembro: A
família se muda para Praga porém
Wagner permanece em Dresden, na
casa de colegas, devido aos estudos.
Visita Praga. Vai a Leipzig para
1827
estudos e, em Dezembro, muda-se
para a cidade – a família se muda para
---
o local pouco tempo após.
21
de
Janeiro:
Entra
para
a
Nicolaischule, já com o nome de
1828
Richard Wagner. Conclui o Leubald. Escreve a cantata I deliri di Saul.
Começa aulas de harmonia com
Christian Gottlieb Müller.
1829
Escreve suas primeiras obras: duas Convidado para ser organista em
121
sonatas para piano e um quarteto de Soragna – rejeita. Se transforma em
cordas (todos perdidos). Viaja até assistente de Provesi em Busseto.
Magdeburg.
Escreve Le lamentazioni di Geremia.
Deixa a Nicolaischule e entra na
Thomasschule de Leipzig. Tem aulas
de violino. Escreve quatro aberturas
1830
(todas
perdidas).
Escreve
uma
---
transcrição para piano da Nona
Sinfonia de Beethoven. Sua Abertura
de tambor é executada em Leipzig
com a regência de Heinrich Dorn.
Compõe peças para voz e piano sobre
o texto de Fausto de Goethe e,
também, uma sonata para piano em si
bemol maior para quatro mãos. Muda-se para a casa de Antonio
1831
Matricula-se
Leipzig.
na
Estuda
Universidade
com
de Barezzo, presidente da Sociedade
Christian Filarmônica – ensina à filha deste,
Theodor Weinlig e escreve uma que será sua esposa.
fantasia e uma sonata, ambas para
piano. A sonata é publicada como
Op.1
Compõe a Grosse Sonata em lá
maior. Entre Abril e Junho compõe a
sinfonia em dó maior que seria
1832
executada em Novembro. Concebe a
ópera Die Hochzeit (O Casamento)
Viaja a Milão. Tem aulas com
Vincenzo Lavigna.
porém abandona o projeto em março
do ano seguinte.
Muda-se
para
Würzburg
aonde
assume o posto de maestro do coro do
1833
teatro local.
Escreve o texto Die Feen (As Fadas).
Provesi e Giuseppa (irmã de Verdi)
morrem.
A música é concluída no início do ano
122
seguinte.
Volta a Leipzig e é influenciado por
Heinrich Laube e pelo movimento
Jovem
Alemanha.
Conhece
Wilhelmine Schröder-Devrient. 10 de
Junho: primeiro ensaio, A ópera
1834
alemã, publicado no periódico de
Laube. Concebe Das Liebesverbot (A
Retorna a Busseto.
proibição de amar), executada nos
próximos 18 meses. 2 de Agosto:
estreia como regente operístico, com
Don Giovanni. Lá conhece Minna
Planer, que será sua primeira esposa.
Em Agosto começa anotações na Completa seus estudos com Lavigna.
1835
Caderneta Vermelha que será a base É recomendado por este para o cargo
de sua futura autobiografia.
de organista na catedral de Monza.
Começa a obra Rocester com o texto
de Antonio Piazza. É examinado para
29 de Março: Das Liebesverbot
estreia em Magdeburg. Tenta montar
1836
esta peça em Berlim sem êxito. Porém
lá escuta Fernand Cortez de Spontini
que o impressiona. 24 de Novembro:
casa-se com Minna.
o posto de chefe dos músicos de
Busseto
por
Giuseppe
Alinovi,
organista da corte em Parma – e
nomeado. Em 4 de Maio casa-se com
Margheritta Barezzi passando a luade-mel em Milão. Escreve: Il cinque
maggio e Tantum, além de completar
a ópera que começara no início do
ano.
Nomeado diretor musical do teatro de
Königsberg. Minna o deixa porém Nasce sua filha Virginia em 26 de
1837
Wagner vai atrás da esposa e, em um Março.
Rocester,
apesar
das
alojamento, após se reencontrarem, tentativas, não é encenada nem em
conhece
o
romance
Rienzi. Parma nem em Milão.
Rapidamente esboça uma ópera sobre
123
o tema. Junho: Nomeado diretor
musical do teatro de Riga. 24 de
Dezembro: Nasce Cosima Liszt, filha
do pianista Franz Liszt, em Como,
que será a segunda esposa do
compositor.
Nasce seu filho, Icilio Romano, em
11 de Julho. Pouco tempo depois, em
12 de Agosto, morre sua filha
1838
Agosto: Completa o poema de Rienzi Virginia.
e inicia a música.
organiazar
Visita
a
Milão
apresentação
para
de
Rocester entre Setembro e Outubro.
Afasta-se da chefia dos músicos de
Busseto.
Deixa Busseto em direção a Milão.
Seu contrato em Riga não é renovado. Morre seu filho Icilio Romano em 22
Conhece Londres e Paris, aonde de Outubro. Première de Oberto,
1839
conhece Meyerbeer. Wagner assiste a Conde de São Bonifácio – baseada na
primeira apresentação de Romeo e revisão de Rocester – no La Scala de
Julieta
de
Berlioz
e
fica Milão em 17 de Novembro. Aceita
impressionado.
um contrato para a escrita de outras 3
óperas.
Durante a composição de Um giorno
Faz o esboço em prosa de O Navio
Fantasma enviado, em junho, a
Meyerbeer. Entre Maio e Julho inicia
1840
a música de O Novaio Fantasma. Em
12 de Maio publica o seu Ensaio
sobre a Música a Alemã. Em 19 de
Novembro conclui Rienzi.
de regno Margheritta morre, em 8 de
Junho, de encefalite. Verdi retorna a
Busseto para completar a ópera que é
encenada pela primeira vez em 5 de
Setembro no La Scala de Milão. A
ópera não obteve sucesso e as outras
exibições
foram
cancelas,
dessa
forma, Oberto volta a ser encenado
em 17 de Outubro.
1841
Em Maio escreve o poema de O Recebe o libretto de Nabucco de
124
Navio Fantasma, concluindo a música Mirelli em Janeiro e completa a
em Novembro.
composição até Outubro. Conheçe
Giuseppina Strepponi.
Estréia de Nabucco no La Scala de
Vai, com Minna, a Dresden, onde Milão em 9 de Março. A obra
1842
Rienzi será encenada. Faz o esboço de consegue sucesso, fazendo com que
Tannhäuser. Rienzi consegue êxito e Verdi se inserisse na alta sociedade
faz Wagner famoso.
Milanesa. Visita Rossini, em Junho,
na Bologna.
2 de Janeiro: estreia de O Navio
Fantasma com a regência do próprio
Wagner. Em 1 e 8 de Fevereiro ele Estréia de I Lombardi Allá prima
publica o seu Esboço Autobiográfico crociata em 11 de Fevereiro. Vai para
no jornal de Laube. É nomeado, em Viena assistir a estreia de Nabucco
1843
Dresden, Kapellmeister. Em Abril em Março. Começa as negociações
termina o poema de Tannhäuser. com o La Fenice de Veneza para o
Inicia a composição de Tannhäuser. futuro Ernani. Vai, em Abril, para
Em Outubro muda-se e forma uma Parma, assistir Nabucco.
ampla biblioteca com material sobre
as epopeias alemães.
7 de Janeiro: rege, em Berlim, O Estréia de Ernani no La Fenice,
Navio
1844
Fantasma.
Dezembro: Veneza, em 9 de Março. Estréoa de I
cerimônia de translado do corpo de due
Weber
para
Dresden.
Foscari
em
Roma.
Firma
Wagner amizade com Ferretti, poeta, e com o
discursa no evento.
escultor Luccardi.
13 de Abril: conclui a partitura de
Tannhäuser. Começa a estudar as
lendas de Parsifal e Lohengrin. 16 de
1845
Julho: conclui o esboço em prosa de
Os Mestres Cantores. 3 de Agosto:
conclui o esboço em prosa de
Lohengrin. Tannhäuser estréia, regida
Estréia de Joana D’Arc, em 15 de
Fevereiro, no La Scala de Milão.
Estréia de Alzira no teatro San Carlo
de Nápoles. Compra residência em
Busseto.
pelo próprio Wagner, em 19 de
125
Outubro, em Dresden.
Estréia de Atilla no La Fenice de
Em 5 de Abril rege a Nona Sinfonia
1846
de Beethoven. Conclui o primeiro
esboço de Lohengrin.
Veneza em 17 de Março. A saúde de
Verdi piora, fazendo com que cancela
alguns
compromissos,
ficando
recluso durante Julho. Trabalha em
Macbeth durante o outono.
Vai para Florença para a estréia de
Em 29 de Agosto conclui o segundo
1847
esboço
completo
de
Lohengrin.
Estréia de Rienzi em Berlim regida
por Wagner em 24 de Outubro.
Macbeth em 14 de Março. Parte para
Londres e conhece Luís Bonaparte. I
masnadieri estreia em Londres no
Teatro de Sua Majestade em 22 de
Julho.
Começa
a
viver
com
Giuseppina Strepponi.
Em 9 de Janeiro, Wagner perde a
mãe. A rebelião de Viena é aclamada
por Wagner em um poema assinada:
Saudação da Saxônia aos Vienenses.
Conclui a partitura de Lohengrin em Completa I corsaro. Vai para Paris
28 de Abril. Apresenta o seu Plano em Junho para começar o trabalho de
1848
para a organização de um teatro A batalha de Legnano. Presencia o
nacional alemão para o Reino da conturbado contexto social e político
Saxônia.
Discursa
Vaterlandsverein
na da França neste momento.
republicana,
publicado com o título A quantas
andam os esforços republicanos em
relação à monarquia?
Entre Janeiro e Abril idealiza o Jesus Estréia de A batalha de Legnano no
Von Nazareth. Publica o ensaio A tatro Argentina, Roma, em 27 de
1849
Revolução em 8 de Abril. Entre Abril Janeiro.
Volta
para
Paris
em
e Maio luta na revolução fabricando Fevereiro e posteriormente retorna
bombas e cuidando da movimentação com Giuseppina para sua residência.
de tropas. Em 16 de Maio é emitido Trabalha em Luisa Miller. Viaja até
126
um mandato de prisão contra o Nápoles para a estreia desta peça em
compositor – publicado no dia 19 8 de Dezembro, no Teatro San Carlo.
seguinte no Dresdner Anzeigner.
Foge com a ajuda de Liszt. Escreve,
em
Julho,
Arte
e
Revolução,
concluindo, em Novembro, seu texto
A obra de arte do futuro.
Estreia de Lohengrin em Weimar (28
de Agosto), regida por Liszt. Em
1850
Setembro publica O judaísmo na
música e, ainda neste ano começa a
redação de Ópera e Drama que
terminaria no início do ano seguinte.
Escreve Uma comunicação a meus
1851
amigos. Inicia o esboço em prosa de
O ouro do Reno e de A Valquíria.
Rege quatro vezes O navio fantasma
em versão revisada, em Zurique.
1852
Termina os rascunhos em verso de A
Valquíria
e
O
ouro
do
Reno,
respectivamente em 1º de Julho e 3 de
Novembro.
Planeja escrever com Cammarano,
enviando a este, sinopses.Vai a
Bolonha para a récita de Macbeth em
Setembro e Outubro e a Trieste para a
primeira apresentação de Stiffelio em
16 de Novembro. Possui problemas
com a censura sobre seu Rigoletto.
Estréia de Rigoletto no Lafenice,
Veneza, em 11 de Março. Morre
Luigia Verdi em 28 de Junho. Vai
para Paris.
Assina contrato para representação de
suas óperas e retorna a Busseto em
Março. Morre Cammarano e o libreto
de Il trovatore é completo por
Bardare. Nomeado Cavaleiro da
Legião
de
Honra
por
Louis
Bonaparte em Agosto.
Lê o poema que formará a tetralogia
d’O Anel para convidados. Liszt visita Estréia de Il trovatore no Teatro
Wagner. Entre Agosto e Setembro Apollo de Roma em 19 de Janeiro.
1853
conhece a Itália. Conhece Cosima, Estréia mal-sucedida de La traviata,
então com 15 anos, durante um jantar no Teatro la Fenice de Veneza em 6
com Liszt em Paris. Inicia o rascunho de Março. Regresso a Busseto.
completo de O ouro do Reno.
1854
Inicia o rascunho completo de A Vai ao Reino Unido. Estréia de La
127
Valquíria. Neste ano, toma contato traviata revisada no Teatro Gallo, em
com a filosofia de Schopenhauer. Veneza.
Concebe Tristão e Isolda.
Estréia de As bodas sicilianas em 13
de Junho. Trabalha na tradução desta
1855
Conhece a rainha Vitória.
ópera e de Il trovatore para o francês
com a ajuda de Emilien Pacini. Volta
ao Reino Unido e França.
Vai a Parma discutir o direito
internacional de execução de suas
Termina a cópia final de A Valquíria.
Começa a composição de Siegfried.
1856
Se
familiariza
com
os
poemas
sinfônicos de Liszt. Primeiros esboços
musicais de Tristão e Isolda.
peças. Recebe de Vittorio Emanuele,
em Fevereiro,o título de Cvaliere
dell’Ordine di S. S. Maurizio e
Lazzaro. Trabalha, com Piave, na
revisão de Stiffelio. Inicia processos
contra teatros que usavam suas
partituras sem pagar seus direitos,
perdendo a maioria.
Concebe Parsifal. Hans Von Bülow e
1857
sua noiva, Cosima, ficam hospedados
com os Wagner em sua lua-de-mel.
Estréia de Simon Boccanegra e de
Aroldo
(Stiffelio
revisada).
É
censurado em trechos de Un ballo in
maschera.
A censura devolve o libretto de Un
ballo in maschera com modificações.
1858
---
Verdi analisa as críticas dos censores
e faz adaptações na peça para garantir
sua execução em teatros italianos.
Conclui a partitura de regência de Em Nápoles, testemunha o início da
Tristão e Isolda. Após se deslocar utilização do slogan Viva V.E.R.D.I.
1859
constantemente, fixa residência em Vai a Roma para a estréia de Un
Paris que manterá até 1861, busca ballo de maschera, ocorrida no
encenar,
na
capital
francesa, Teatro Apollo em 17 de Fevereiro.
Tannhäuser, Loengrin e Tristão e Eleito
membro
honorário
da
128
Isolda. O casamento com Minna está Accademia Filarmonica Romana no
em crise.
mesmo mês. Casa-se com Giuseppina
Strepponi em 29 de Agosto. Inicia-se
a carreira política através de sua
eleição
como
representante
de
Busseto na assembleia das províncias
de Parma, realizando um pedido de
anexação ao Piemont em Stembro.
Transformado em cidadão honorário
em Turin e firma contato (e amizade)
com Cavour.
Rege três concertos em Paris de suas
músicas. Há uma anistia parcial que
1860
permite
que
Wagner
volte
à Financia a compra de armamento
Alemanha – no entanto, ainda está para a milícia de Busseto.
proibido de entrar na Saxônia. Ensaia
Tannhäuser na Ópera de Paris.
Eleito deputado em Janeiro, vai à
Tannhäuser é apresentada porém
1861
manifestações políticas fazem a ópera
ser retirada de exibição. Inicia o
projeto de Os mestres cantores.
abertura do Parlamento Italiano em
Fevereiro. Firma contrato com a
ópera de São Petersburgo, indo ao
país em Novembro todavia a ópera
apenas
seria
apresentada
posteriormente.
Conclui o poema de Os mestres Vai a Paris em Fevereiro. Durante o
cantores e realiza uma leitura pública verão, permanece entre Turim e
deste. Aumenta a tensão entre Wagner Busseto, indo, finalmente, para São
1862
e Minna. A anistia plena permite ele Petersburgo para a estreia russa de La
voltar para a Saxônia, todavia, o forza del destino no Teatro Imperial
compositor não se inclina a voltar. Italiano em 10 de Novembro. Recebe
Em Novembro, se encontra pela a Cruz da Ordem Real e Imperial de
última vez com Minna.
1863
São Stanislaw.
Conhece Praga, São Petersburgo e La forza del destino é reencenada em
129
Moscou. Em Novembro, Wagner e Madri em 21 de Fevereiro. Passa
Cosima se estabelecem.
Em
10
de
grande parte do ano em Busseto.
Março,
Ludwig
II,
admirador de Wagner, torna-se rei da
Baviéria com 18 anos, manda chamar
o compositor, paga suas dívidas e o
instala perto do castelo real Schloss
1864
Berg, próximo a Munique. Cosima
chega
com
consuma-se
suas
a
duas
união.
filhas
e
Bülow
é
nomeado músico do rei por indicação
Permanece entre Busseto e Gênova
com visitas constantes a Turim. Inici
a
revisão
apresentação
de
Macbeth
em
Paris.
para
a
Eleito
membro da Academia de Belas-Artes
da França, em Junho.
de Wagner. Surge a ideia de se criar
um teatro de festivais em Munique.
Sofre ataques por parte da corte e da
imprensa local. Em 10 de Abril nasce
Isolde, primeira filha de Wagner com
Cosima. Estreia, em 10 de Junho, o
Tristão e Isolda em Munique, com
regência de Bülow. No dia 17 de Estréia da revisão de Macbeth no
1865
Julho inicia a ditar seu autobiografia Théâtre Lyrique, em Paris, no dia 1º
Mein
Leben
para
sua
esposa, de Abril. Retira-se do Parlamento em
utilizando as anotações da Caderneta Setembro.
Vermelha. Esboço de Parsifal em
prosa. As hostilidades contra Wagner
crescem e Ludwig II pede para que o
compositor deixe Munique, o que
ocorreria em 10 de Dezembro.
Em 25 de Janeiro morre Minna, neste
mesmo momento Richard Wagner
1866
busca um local para viver. Wagner e
Cosima mentem acerca de suas
Escreve Don Carlo em Busseto e
Paris.
relações.
1867
Nascimento de Eva, segunda filha. Morre Carlo Verdi, em 14 de Janeiro.
130
Conclui a partitura de regência de Os Estréia de Don Carlo em 11 de
mestres cantores. Retorna a Munique, Março. Transforma-se, em Abril, em
permanecendo até 9 de Fevereiro de cidadão honorário de Gênova. Vai a
1868.
Paris com Giuseppina. Verdi não
permanece presente na estreia de Don
Carlo, que teve a regência de
Mariani,
ocorrida
no
Teatro
Comunale, em Bolonha, no dia 27 de
Outubro.
Recusou, em Maio, a Cruz da Coroa
Estreia de Os mestres cantores em
Munique com a regência de Bülow.
1868
Viaja à Itália com Cosima. Conhece
Nietzsche em Leipzig em 8 de
Novembro.
Italiana, uma vez que a receberia do
Ministro Broglio, um contundente
atacante de todos os músicos italianos
desde Rossini. Planeja compor uma
missa em homenagem a Rossini.
Inicia a revisão de La forza del
destino.
Retoma a composição de Siegfried
parada
há
tempos.
Reedita
O
judaísmo na música com um novo
prefácio, no qual se queixa da suposta
perseguição dos judeus. Em 6 de
Junho nasce o filho de Wagner e
1869
Cosima: Siegfried. A partir deste ano
Nietzsche começa a fazer visitas
frequentes a Wagner. O ouro do Reno
é encenada em Munique em 22 de
Estréia da versão revisada de La forza
del destino no La Scala de Milão em
27 de Fevereiro. Nomeado Cavaliere
dell’ordine del Merito Civili di
Savois, em Julho.
Setembro com a regência de Franz
Wüllner – Wagner tentou impedir esta
regência. Durante o Natal, Nietzsche
conhece o esboço de Parsifal.
1870
A partir deste ano, a cidade de
Bayreuth passa a ser cogitada para a
Concorda em compor Aida
131
construção do Teatro de Festivais.
Estreia de A Valquíria em Munique
em 26 de Junho com a regência de
Wüllner.
Cosima
consegue
a
dissolução de seu casamento. Logo
após Wagner e Cosima se casam (25
de
Agosto).
Escreve
o
ensaio
Beethoven.
É nomeado membro honorário da
Conclui Siegfried. Apresenta, em 14
de Abril a Kaisermarsch. Wagner
anuncia, em Leipzig, que o primeiro
Festival de Bayreuth acontecerá em
1871
1873. Escreve o prefácio para a
edição completa dos seus textos –
supervisiona a publicação dos 9
primeiros volumes, o 10º e último
volume
apenas
foi
publicado
postumamente, ainda em 1883.
Società Filarmonica de Nápoles em
Janeiro, relevante grupo financiador
de inúmeros espetáculos musicais.
Passa
a
pertencer
ao
grupo
responsável pela administração do
Conservatório de Florença que, na
época,
debatiam
as
possíveis
reformas. Assiste Lohengrin, regida
em Milão por Mariani em 19 de
Novembro. Estréia de Aida na Casa
de Ópera do Cairo em 24 de
Dezembro – Verdi não comparece.
Adquire o terreno no qual será
construído Bayreuth. Fundação da
Sociedade dos Patronos do Festival de
Bayreuth.
Lançamento
da
pedra
fundamental do novo teatro, em 22 de
1872
Maio, seguido de discurso e da
execução
da
Nona
Sinfonia
de
Estréia italiana de Aida no La Scala
de Milão em 8 de Fevereiro.
Beethoven. Os Wagner mudam-se
para Bayreuth. Liszt visita Bayreuth.
Cosima
se
converte
ao
protestantismo.
1873
Wagner rege para levantar fundos Verdi concebe a possibilidade de
132
para Bayreuth. Em Maio inicia a escrever um Réquiem.
partitura de regêcia de Crepúsculo
dos deuses. Em 24 de Junho envia a
Bismarck
seu
relatório
sobre
o
lançamento da pedra fundamental do
Festspielhaus, juntamente com seu
discurso nacionalista; todavia não
encontra ajuda financeira. Anuncia o
adiamento do festival até 1875.
Bruckner visita Wagner em Bayreuth.
No final do ano Wagner pede auxílio
econômico para Ludwig II.
Rege a estreia do Réquiem na Igreja
O rei Ludwig II auxilia Wagner
1874
mesmo tendo evitado no início.
Conclui a tetralogia do Anel.
de San Marco, em Milão, no dia 22
de Maio; no La Scala no dia 25 de
Maio e na Opéra Comique de Paris
em 9 de Junho. Em Novembro, é
nomeado Senador.
Rege o Réquiem na Opéra Comique
de Paris em 19 de Abril. Recebe a
Cruz da Légion d’Honneur. Conduz a
versão revisada do Réquiem no Royal
1875
Ensaios para o Anel para a realização
do festival no ano seguinte.
Albert Hall, em Londres, no dia 15 de
Maio. Também rege a peça no
Hofoperntheater de Viena, no dia 11
de Junho, seguida de Aida, no dia 19
de Junho. Empossado, em Roma,
como
Senador,
no
dia
15
de
Novembro.
Começam, em 3 de Junho, os ensaios
1876
finais para o Festival. Entre os dias 13 Rege Aida no Théâtre des Italiens em
e 30 de Agosto ocorre o Primeiro Paris, no dia 22 de Abril e o Réquiem.
Festival de Bayreuth – três sequências
133
completas – com a regência de
Richter. O festival é acaba deficitário.
Wagner e Nietzsche se encontram
pela última vez em Outubro.
Conduz o Réquiem no Festival do
1877
Conclui o texto de Parsifal e, em Baixo Reno em 21 de Maio. Firma
sequência, inicia a escrita da música.
amizade com Ferdinand Hiller. Visita
a Holanda em Maio.
Visita Monte Carlo em Março e vai a
Em 31 de Março, Wagner e Ludwig II Paris em Abril e Novembro. Eleito
1878
encontram uma possibilidade para membro honorário da Academia de
acabar com as dívidas de Bayreuth.
Ciência, Letras e Artes de Modena
em Dezembro.
Com Boito e Ricordi, quando em
Conclui o esboço musical de Parsifal. Milão,
1879
Entra
nos
vivissecção.
debates
Por
contra
concebe
Otello.
Rege
o
a Réquiem em concerto beneficente
recomendação para as vítimas das inundações. Boito
médica, muda-se para a Itália.
encia, em Setembro, a sinopse do
libreto de Otello.
Eleito
membro
honorário
do
Gesellschaft der Musikfreunde de
Viena em Janeiro. Dirige Aida na
Depois de permanecer todo o ano na França com o balé definitivo em 22
1880
Itália, em 12 de Novembro tem o de Março. Recebe uma sequência de
último encontro com Ludwig II títulos honoríficos e, em Agosto,
regressando a Bayreuth 5 dias depois.
recebe a versão final (revisada) do
texto de Otello. Antes do final do ano
inicia
a
revisão
de
Simon
Boccanegra.
Em
1881
Maio
ocorre
a
primeira Estréia da versão revisada de Simon
apresentação completa da tetralogia Boccanegra no La Scala de Milão em
do Anel em Berlim. Wagner e 24 de Março. Aumenta sua dedicação
Gobineau estreitam laços e este passa a Otello.
134
várias semanas em Bayreuth.
1882
Conclui a partitura de Parsifal. Em
Março sofre o primeiro dano cardíaco.
Inicia a revisão de Don Carlo.
13 de Fevereiro: sofre um ataque
1883
cardíaco fatal.
18 de Fevereiro: é enterrado em
Revisa Don Carlo.
Bayreuth.
Estréia da versão revisada de Don
1884
---
Carlo no La Scala de Milão, em 10
de Janeiro. Inicia a composição de
Otello em Março.
Continua na composição de Otello,
1885
---
com o auge do período de escrita
ocorrendo no mês de Setembro.
Termina a composição de Otello em
1886
---
Novembro. Estréia da versão final de
Don Carlo, no Teatro Municipale de
Modena, em 26 de Dezembro.
Recebe a Grande Cruz da Ordem de
SS. Maurício e Lazzaro. Estréia de
1887
---
Otello no La Scala de Milão em 5 de
Fevereiro.
Cidadão honorário de
Milão em 8 de Fevereiro.
1888
---
1889
---
1890
---
1891
---
--Decide escrever uma ópera sobre o
tema de Falstaff em Julho
Termina o primeiro ato de Falstaff.
Continua trabalhando, lentamente, na
escrita de Falstaff.
Participa
1892
---
das
celebrações
homenagem
ao
compositor
Gioachino
relevante
operista
em
centenário
italiano
do
Rossini,
–
as
135
celebrações se deram, principalmente,
no dia 10 de Abril, em Milão.
Termina, em Dezembro, Fastaff.
Estréia de Falstaff no La Scala de
Milão
1893
---
2m
9
de
Fevereiro.
Transforma-se em cidadão honorário
de Roma em 14 de Abril. Modifica
alguns trechos de Falstaff.
Falstaff é apresentada na Opéra
Comique de Paris em 18 de Abril.
1894
---
Escreve o balé para a versão francesa
de Otello. Recebe a Grande Cruz da
Legião de Honra em 12 de Outubro.
Projeta a construção da Casa de
Repouso em Milão, que abrigaria
1895
---
artistas e músicos sem condições
financeiras de se manterem. Começa
a composição do Te Deum.
1896
---
Trabalha no Te Deum e no Stabat
Mater.
Envia Quattro pezzi sacri para a
1897
---
publicação
Giuseppina
(Ricordi).
Verdi
em
Morre
14
de
Novembro.
Stabat Mater, Laudi e o Te Deum são
1898
---
exibidos em Paris. Em Turim estas
peças são regidas por Toscanini.
1899
---
1900
---
1901
---
Fundação da Casa de Repouso.
--Morre em 27 de Janeiro após ter
problemas de saúde no dia 21.
136
APÊNDICE II
OS ARTISTAS E AS SOCIEDADES NOS ESTUDOS DE HISTÓRIA COMPARADA
OU AS VIDAS PARALELAS1
Tomamos como título para o trabalho que se segue Vidas Paralelas, um claro
empréstimo da obra do grego Plutarco de Queronéia, um dos fundadores do modelo que ficou
conhecido como biografia, pelo menos aquele de cunho comparativo, guardando, contudo, as
devidas proporções analíticas: devemos lembrar que, enquanto o autor grego se preocupa com
um modelo narrativo biográfico de nítido caráter propedêutico moralista, nós utilizamos, aqui,
questionamentos teóricos e metodológicos que fundamentam a comparação entre indivíduos
artistas-intelectuais como contextualizadores da política e da arte na história.
Indivíduo e Sociedade: um problema sócio-historiográfico
Um dos principais temas de discussão dos estudos contemporâneos que
problematizam a sociedade em nível mundial, se não mesmo o principal, é o relacionamento
entre os indivíduos e a coletividade na qual estão agrupados. Conhecer os limites do indivíduo
e os limites do todo, onde se encontram cada, o que se nega a partir do momento em que
caminham juntos e qualquer outro aspecto dessa relação é característica sine qua non aos
estudos sociais de nosso tempo presente. Essa discussão tornou-se comum principalmente
após a década de 1970, época de renovação das disciplinas sociais, incluindo aí a História,
demonstrando que, mais uma vez, os indivíduos passaram a interessar às análises, porém,
agora, de forma nova, expondo problemáticas antes esquecidas.
1
O texto que se segue, fruto do material produzido durante a qualificação de mestrado, foi publicado, como
artigo, no periódico História em Reflexão (ISSN: 1981-2434). Está inserido nesta dissertação por ser um
complemento ao nosso primeiro capítulo. Aqui procuramos demonstrar a relevância dos estudos dos indivíduos,
bem como a aplicabilidade destes estudos dentro de uma metodologia comparativa. Uma vez que este texto pode
ser compreendido separadamente do restante do texto dissertativo, decidimos manter as referências
bibliográficas em separado, incluindo as obras que, porventura, se repetem. Decidimos, também, uma vez que a
formatação de apêndices, conforme ABNT em vigência autoriza, manter a formatação similar às recomendações
da revista na qual esta pequena reflexão foi publicada buscando, assim, sua aproximação com a edição virtual.
137
O indivíduo desde o seu nascimento passa por um processo de socialização que
determinará formas de comportamento e atitudes sociais, porém devemos ter em mente que
não apenas esses fatores são levados em conta nas escolhas das atitudes sociais, existe,
também, o fator personalidade, que escapa, em certa medida, das formações sociais
(INKELES, 1961: 172-209). Dessa forma, percebemos que ‘estar localizado na sociedade
significa estar no ponto de interseção de forças sociais específicas’ (BERGER, 1976: 79).
Sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade, Norbert Elias certa vez resumiu a questão em
sua obra A sociedade dos indivíduos (1994) com as seguintes palavras: ‘[Com esta obra eu]
tentava mostrar que uma sociedade se compõe, é claro, de indivíduos, mas que o nível social
possui regras que lhes são próprias e que não se pode explicar somente em função dos
indivíduos’ (ELIAS, 1980: 73)2. Logo, passamos a compreender que o indivíduo e a
sociedade apenas existem um com a presença do outro (CARR, 1982: 67) e, com isso,
também passamos a identificar a cultura como uma dessas formas de socialização geradas por
aquelas forças sociais específicas faladas anteriormente.
Já que a cultura é uma dessas formas de socialização, pensamos, em nosso trabalho, a
cultura como um ‘todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e
quaisquer aptidões adquiridas pelo homem como membro da sociedade’ (CHINOY, 1982:
56). Esta conceituação proposta por Chinoy passa a ter relevância maior já que demonstra a
relação entre a arte e a cultura, e mais, demonstra que as aptidões individuais possuem
relacionamento conceitual. Segundo este conceito ampliado de cultura podemos identificar
seus principais componentes agrupados em três grandes categorias: as instituições, as idéias e
os produtos ou artefatos materiais que os indivíduos produzem e usam no curso de sua
existência social. Assim sendo, percebemos que as artes fazem uma clara intersecção entre as
idéias e os produtos humanos, sendo originadas como idéias e alcançando um nível social de
produto (CHINOY, 1982: 59). Esse todo complexo, no qual a cultura se enquadra,
responsável também pela socialização dos indivíduos demonstra que ‘a sociedade é externa a
nós [e] estamos na sociedade localizados em setores específicos do sistema social’
(BERGER, 1976: 105). Uma vez que a cultura está inserida no contexto social, notamos que
os sistemas de significados desta cultura possuem uma estruturação que pode mudar de
acordo com determinadas relações (BERGER, 1976: 76). Logo, os indivíduos incorporam a
cultura social a sua própria realidade adaptando-a, o que, segundo Ruth Benedict, cria uma
pluralidade sócio-cultural dos sujeitos (BENEDICT, 1946).
2
Para mais informações acerca do pensamento sociológico de Norbert Elias – principalmente a sua visão de
configuração social – ver: ELIAS, 1980
138
Essa pluralidade de pensamentos individuais coletivizados marca as contradições
dentro de determinada sociedade em dada época, o que gera a necessidade de se compreender
o pensamento de, no mínimo, alguns indivíduos que formem e demonstrem as contradições e
formas sócio-políticas de certo momento. Desta forma, se o protagonismo dos indivíduos é
condicionado pela sociedade e pelas relações interiores a ela, ainda nos resta uma questão
relevante a ser respondida: e se esse indivíduo for um artista?
Por todo o século XIX e grande parte do século XX os artistas foram estudados pelo
simples fato de serem artistas, produtores de obras de valor estético, pouco importando se
possuíam um lugar específico na sociedade ou mesmo se tinham uma atuação política como
muitos, principalmente após a Revolução Francesa e a instauração do artista autônomo
(ELIAS, 1995). O único objeto que bastava ao pesquisador seja ele historiador ou não e ao
leitor era, portanto, conhecer a vida deste produtor estético, principalmente as obras que este
deixara e as passagens acerca de seu mundo privado, principalmente os fatos mais curiosos,
tais como: quantos filhos teve, quantas amantes teve, como era sua personalidade, seus medos
e qualquer outra característica insignificante para a compreensão de um contexto maior – as
biografias do século XIX e XX demonstram claramente essas características. Separou-se o
indivíduo-artista do indivíduo-político, aquele que obrigatoriamente possuía uma postura
social pelo simples fato de existir em dada realidade pública, tentando-se encaixar o último no
primeiro, anulando, assim, todas as contradições que marcam a vida humana. Isto ocorria
devido ao fato dos pesquisadores ainda acreditarem na independência das atividades artísticas
frente à existência social. Era o momento no qual a Arte bastava-se numa forma elitista,
acreditavam. Logo, a produção estética foi vista apenas como dom humano, excluindo as
estruturas nas quais ela é criada, desenvolvida, mantida e, principalmente, consumida e
apropriada. Claro que, ainda neste momento, alguns autores das mais variadas perspectivas
intelectuais já percebem a relação entre a sociedade e a arte3, como é o caso do sociólogo Max
Weber que problematiza a produção musical e o relacionamento desta com a racionalidade
(WEBER, 1995) e do filósofo Arthur Schopenhauer que coloca na música a função de
libertadora (SCHOPENHAUER, 2005). Todavia, na grande maioria, as análises do momento
não se preocupavam em problematizar o fator arte-sociedade.
A partir de meados do século XX, contudo, com o estabelecimento de uma História
Social das Artes que identificava na produção artística as idéias individuais provenientes do
3
Devemos lembrar que essa percepção que alguns autores possuem liga-se diretamente ao fato do surgimento de
uma nova sociedade burguesa revolucionária e a instauração de novos padrões artísticos, principalmente o
romantismo.
139
convívio social, os estudos acerca dos artistas e de sua produção passaram a ter forte
relevância nos núcleos acadêmicos (SALAZAR, 1944) – acompanhando a lógica daquilo que
aconteceu com a figura dos intelectuais anos antes4. Desta forma, a produção dos indivíduos,
sejam eles intelectuais ou artistas passou a ser analisada no ‘cruzamento das histórias política,
social e cultural’ (SIRINELLI, 2003: 232). Destarte, devemos fazer uma separação daquilo
que chamamos de intelectuais e daquilo que chamamos de artistas, para, então, podermos
analisar a presença dos artistas enquanto intelectuais.
Como dito, o artista é o indivíduo que produz determinada obra de valoração estética
perante o padrão sócio-cultural de gosto existente em seu contexto. Segundo Sidney
Finkelstein (1969), esses são os indivíduos que evocam estilos intelecto-emocionais,
questionando, exemplificando e complementando a vida. Podemos lembrar que o próprio
classicismo julgava a sua característica de exemplificação da vida como extremamente forte,
assim como os românticos percebiam nas artes a função de complementação, basta
percebermos, por exemplo, as atitudes escapistas que estes propunham. Por último, podemos
lembrar que o questionamento da existência humana já era característica desde o barroco.
Por outro lado, o conceito de intelectual é muito mais complexo, muito mais
polissêmico, tendo sido definido por uma gama de autores das mais variadas perspectivas
analíticas, sociais e políticas5. Assim sendo, até hoje ocorre nos núcleos acadêmicos um
intenso debate acerca da natureza desses indivíduos, de sua função, de sua presença e de
quaisquer outras características relacionadas a estes atores. Ainda segundo Finkelstein, o
intelectual é aquele que forma um todo coerente teórico ou prático aplicável à pluralidade de
eventos, ou seja, nesse sentido, o pensador está ligado diretamente à análise da existência.
Todavia essa característica não abarca toda a explicação acerca deste conceito. Podemos
lembrar, por exemplo, que Norberto Bobbio diferencia os intelectuais em ideólogos e
4
Lembremos que foi necessário, principalmente a partir das décadas de 1970 e 1980, a inovação em uma
modalidade de pesquisa histórico-artística, a História Social das Artes, uma vez que as análises até então
denominadas História da Arte predominantemente permaneciam (e permanecem) presas a modelos puramente
eruditos de aferições de datas, técnicas e modelos, excluindo, portanto, todos os caracteres sociológicos das
práticas artísticas. Esse modelo de História da Arte, ainda vigente na grande maioria das análises, serve apenas
para fazer hierarquizações de determinadas culturas sobre outras mesmo que indiretamente, colocando
constantemente o modelo cultural-artístico ocidental como superior.
5
Vale ressaltarmos alguns autores que fazem esse debate acerca da conceituação de intelectual: GRAMSCI,
1988; GRAMSCI, 2002; SARTRE, 1994; BOBBIO, 1997; BOURDIEU, 1989. Interessante também é o debate
entre Foucault e Deleuze: FOUCAULT; DELEUZE, 1974: 139-148.
140
expertos6 e o que os caracteriza é justamente o exercício do ‘poder ideológico’ nas
sociedades. André Botelho nos oferece uma clara análise deste conceito na obra de Bobbio:
[Nas sociedades existe] ao lado do poder econômico e do poder político, o
poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o poder político,
jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens materiais, dos
quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas
sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de símbolos, de
visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra.
(BOTELHO: 103)
Feito este pequeno paralelo entre a conceituação de artista e a de intelectual, antes de
voltarmos às leituras acerca da presença dos artistas na sociedade, devemos pensar qual a
relação entre o artista e o intelectual. Será possível esses indivíduos ocuparem uma mesma
posição social, de artistas-intelectuais, relacionando as duas características? A partir da leitura
de Marilena Chauí, cremos que sim. A autora brasileira partindo da percepção de que o saber
e, portanto, as produções deste saber, estéticas ou não, são uma ‘instituição social’, uma vez
que exprimem as relações sociais, políticas e culturais nas quais são produzidas, distribuídas e
conservadas, percebe que o intelectual é a figura pessoal – um filósofo, cientista ou o próprio
artista – que interfere criticamente no espaço público da forma mais ampla possível (CHAUÍ,
2006: 28-29). Destarte, se referindo diretamente ao engajamento intelectual é possível um
produtor estético ser considerado artista-intelectual, como é o caso, por exemplo, do
compositor Ludwig van Beethoven durante a Revolução Francesa, momento no qual escreveu
obras e correspondências acerca do evento.
Uma vez que a função do artista pode se aproximar da função do intelectual,
percebemos que a validade dos estudos das trajetórias nos parece muito clara, principalmente
a desses indivíduos que se ligam diretamente ao espaço público de sua realidade. O
historiador francês Jean-François Sirinelli, especialista em política e cultura, nos afirmará que
‘as trajetórias pedem naturalmente esclarecimento e balizamento, mas também e, sobretudo,
interpretação. O estudo dos itinerários só pode ser um instrumento de investigação histórica
se pagar este preço’ (SIRINELLI, 2003: 247). É necessário, dessa forma,
estudar a descida das cúpulas da intelligentsia até a sociedade civil, dessas
idéias fecundas e analisar de um lado, sua influência sobre os sobressaltos da
6
Apesar desta separação proposta por Norberto Bobbio parecer próxima às divisões dos intelectuais propostas
por Antonio Gramsci entre intelectuais tradicionais e orgânicos, os conceitos destes dois autores não caminham
juntos, possuindo contrastes evidentes.
141
comunidade nacional, e de outro, mais amplamente, sua assimilação – ou não
– pela cultura política da época (SIRINELLI, 2003: 258-259).
Temos, contudo, que ter em mente que os intelectuais, apoiando-se em uma mitologia
de infalibilidade criada pela própria sociedade que o supervaloriza, produzem ou veiculam
ideologias, mesmo que de formas inconscientes, inclusive através de movimentações
estéticas, uma vez que, agora, o estilo deve passar a ser compreendido como a combinação da
caracterização social de um determinado ponto da cultura e da vontade individual, ou seja,
aquilo que a sociedade oferece culturalmente adaptado àquilo que o indivíduo sente e percebe,
como é o caso do romantismo e do modernismo, que influenciam diretamente no quadro
social nos quais estão inseridos, podendo se relacionar, inclusive, com a cultura política de
seu contexto. Dessa forma, a produção estética – arte – passa a ser interpretada como
fenômeno social e o artista começa a estar no centro de uma cadeia de interdependência, uma
rede de sociabilidade complexa que o possibilita interagir criticamente de forma direta em seu
espaço público, produzindo, com isso, uma atitude política e cultural que influenciará seu
meio e que por este meio será influenciada.
Sobra-nos, contudo, alguns pontos que devemos questionar ainda: se está claro a
necessidade de se problematizar uma vida individual, principalmente de um intelectual ou de
um artista – ou de um indivíduo que encerre ambas as características – qual a possibilidade
deste sujeito ser utilizado como fonte para a análise de sua realidade social, política e
cultural? E mais: é possível pensarmos comparativamente os indivíduos, procurando
estabelecer similitudes e singularidades entre quadros sociais diversos? Desta forma, faz-se
necessário compreendermos o que comumente chamamos, de forma equivocada na maioria
das vezes, de História Comparada. A partir de então, devemos pensar na possibilidade de
utilizarmos as biografias ou trajetórias de vidas (KOFES, 2001), como preferem os
antropólogos, como fonte para as análises comparativas.
Por uma História Comparada das Trajetórias Individuais como Fonte para
Comparações dos Fenômenos Sociais, Políticos e Culturais.
No início do século XX firmou-se como campo histórico um modelo de pesquisa que
encerrava em seu próprio nome não apenas o seu objeto de pesquisa, como é o caso da
142
política, da economia ou da cultura no caso da História Política, da História Econômica ou da
História Cultural respectivamente. Esta nova abordagem, todavia, guardava em seu próprio
termo sua forma de trabalho, seu método analítico: a comparação. Esse método era a História
Comparada.
Portanto, para o prosseguimento deste trabalho, devemos definir o que
compreendemos como método, já que essa nova abordagem carrega em seu nome o próprio
método que utiliza, e o que compreendemos como teoria, já que essa nova forma abarca as
mais variadas gamas teóricas, fazendo um claro paralelo entre ambos. Neste trabalho,
compreendemos teoria como 'um corpo coerente de princípios, hipóteses e conceitos que
passam a constituir uma determinada visão científica do mundo' (BARROS, 2010: 224).
Método, por sua vez, é definido como um caminho através do qual se pretende atingir
determinado resultado e, também, um conjunto de procedimentos que são sistematizados com
vista à resolução de determinado problema. Dentre os métodos fundamentais podemos citar o
método indutivo, que parte do específico e busca formulações mais amplas e o dedutivo, que
parte do geral e busca o específico, além, é claro, do método de observação e do método de
experimentação, tão comuns nas ciências da natureza (BARROS, 2010: 213)7.
Sendo assim, devemos perceber, agora, como ocorre a gênese e as modificações desse
modelo historiográfico desde sua formação, ainda na transição do século XIX para o XX,
analisando suas vantagens e seus problemas para, então, darmos um passo adiante na
construção de uma História Comparada dos Indivíduos enquanto artistas, intelectuais e
políticos.
História Comparada: uma apresentação histórico-analítica
A comparação é uma característica humana comum e está presente, mesmo que
indiretamente, na maioria das práticas historiográficas. As teorias, os métodos, as fontes e os
recortes são escolhidos, afinal de contas, de formas comparativas. O historiador e economista
polonês Witold Kula já afirmou em sua obra (1973) que nenhum trabalho pode lançar mão da
não utilização de comparações. Autores gregos, como Heródoto já se comparavam a outras
culturas, o mesmo pode ser dito acerca de Tucídides em sua História da Guerra do
7
Para mais informações acerca do debate entre Teoria e Método, ver, do mesmo autor: BARROS, 2011.
143
Peloponeso e, também, acerca de Políbio que também realizava comparações – não é nosso
interesse, porém, entrar, aqui, no mérito comparativo proposto por tais autores que,
certamente, tinham uma função social, cultural e política bem definida. Todavia, devemos
pensar aquilo que marca essa nova forma comparativa surgida há poucos anos no interior das
análises sociais.
Após a crise historiográfica ocorrida durante a transição do século XIX para o século
XX, marcada especialmente pela recusa dos historiadores ante o paradigma positivista que é
marcado por um rigor cientificista quase empirista o qual a História não alcançara, surgiu um
modelo historiográfico voltado diretamente às abordagens sociológicas. Comparar, no início,
serviu para romper com este modelo historiográfico até então praticado. Este método, o
comparativismo, foi utilizado de forma ampla desde sua constituição dentro da disciplina
histórica o que permitiu abarcar uma pluralidade de objetos e teorias diferentes em seu
escopo. Essa característica de englobar teorias plurais dentro de um mesmo método principal
facilitara os debates sobre a nova modalidade.
Neste contexto de início de século – mais especificamente durante as décadas de 1920
e 1930 – alguns autores propuseram a aproximação entre a História e as Ciências Sociais. O
sociólogo alemão Max Weber originalmente já se utilizava de abordagens comparativas das
instituições e de seus referenciais, como a burocracia. Assim sendo, propôs um ‘método
tipológico e procurou comparar fenômenos sociais complexos a partir de modelos ideais’
(RUST; LIMA, 2008: 14). Em Weber, contudo, a análise comparativa não opera na busca
daquilo que seja comum a várias ou a todas as configurações históricas mas, pelo contrário,
permite trazer à tona o que é peculiar a cada uma delas. Logo, buscando encontrar fatores que
estavam ausentes em outros momentos históricos, o sociólogo praticou uma comparação sem
a preocupação do correr temporal, tão característico da História enquanto disciplina analítica8.
Desta forma, surge um primeiro e intenso debate nos núcleos historiográficos da
Europa, debate esse que contribuirá, posteriormente, para a fama de um historiador: Marc
Bloch9. Dentro deste primeiro contexto podemos ressaltar as análises de Louis Daville,
Lucien Febvre, François Simiand e Henri Sée, para quem a comparação facilita a
fundamentação da História enquanto ciência não-experimental. Neste momento fica
conhecido também o debate entre Henri Pirenne, defensor deste modelo, e Henri Berr, que
8
Para uma referência do próprio autor, ver: WEBER, Max. The city. New York: Paperback, 1966. Já para uma
pesquisa mais detalhada acerca das abordagens weberianas, ver: RINGER, Fritz. A metodologia de Max Weber:
unificação das ciências culturais e sociais. São Paulo: EDUSP, 2004.
9
Outros autores, que acabaram se destacando menos que Marc Bloch, também tiveram significativa influência
neste momento realizando, assim como Bloch, estudos comparativos. Vale lembrar, por exemplo, o caso do
historiador alemão Otto Hintze (1861-1940), que possui interessantes estudos acerca da burocracia.
144
questionara a validade deste método historiográfico. É então que Marc Bloch apresenta sua
compreensão sobre a validade deste método10. A perspectiva de Bloch vem diretamente da
abordagem comparativa nas Ciências Sociais propostas por Émile Durkheim. O
comparativismo para este sociólogo francês serve para analisar fatores que levam cada
sociedade a possuir uma forma determinada (DURKHEIM, 1974). O historiador, por sua vez,
tenta se afastar de comparações muito amplas procurando estudar sociedades vizinhas e
contemporâneas que sejam influenciadas umas pelas outras, o que evitaria anacronismos e
falsas analogias, dois perigos constantes nas análises comparativas (Cf. BUSTAMANTE;
THEML, 2003). Partindo dessa visão, Bloch faz, acima de tudo, uma ‘História Comparada
Problema’ (BARROS, 2007: 6). O autor escreveu duas obras teóricas relevantes (BLOCH,
1998: 111-118 e 119-150) e dois estudos fundantes para a matéria, nos quais, aplicando suas
próprias teorizações, compara objetos do mesmo campo humano, como a religiosidade no
caso de Os reis taumaturgos texto no qual compara a crença no poder milagroso dos reis na
França e na Inglaterra e os sistemas sociais no caso da obra A sociedade feudal, no qual
compara o modelo feudal ocidental ao japonês. Esta realidade de comparação proposta
inicialmente por Marc Bloch prevalece até hoje na grande maioria dos estudos, inclusive nos
que se propõe a comparar questões dispares11, o que modificou, contudo, foi o recorte.
Uma das questões constantemente debatidas após o início desta abordagem da
disciplina histórica é acerca da validade e da pluralidade das escalas de observação, os
recortes. Bloch originalmente propôs um modelo nacional, conforme a época necessitava.
Arnold Toynbee (1987), por sua vez, desejou comparar, equivocadamente, civilizações12.
Anos mais tarde a Micro-História começa a dialogar diretamente com essa abordagem,
focando no cotidiano de uma pequena localidade. Dentro deste modelo de Micro-História
surgem as comparações, mesmo que indiretas, das comunidades. Neste momento inicial, essa
modalidade foca, quase que exclusivamente, nas redes de sociabilidades individuais, sem se
preocupar com questões do tipo indivíduo/sociedade ou em esquematizações biográficas.
Após estes debates que permearam os historiadores na primeira metade do século XX
e após o relativo crescimento das abordagens comparativas durante as décadas de 1970 e 1980
10
Para mais informações acerca do método comparativo na obra de Marc Bloch, ver: SEWELL, William. Marc
Bloch and the logic of comparative history. History and Theory, v.6, n.2, 1976, p.208-218.
11
Para uma melhor discussão acerca deste caráter comparativo proposto por Marc Bloch e para uma discussão
acerca da relação entre a História Comparada e as críticas epistemológicas surgidas no século XX, ver: RUST,
Leandro Duarte; LIMA, Marcelo Pereira. Ares Pós-Modernos, Pulmões Iluministas: para uma epistemologia da
História Comparada. Revista de história comparada (UFRJ), v. 03, p. 01-26, 2008
12
Dizemos que Toynbee faz uma análise equivocada uma vez que as civilizações que ele analisa tiveram que ser
reduzidas a determinados aspectos enquanto fenômenos. Para outras críticas a essa modelagem proposta para
Toynbee, ver: BURKE, Peter. História e Teoria Social. São Paulo: Unesp, 2002.
145
que ampliaram as possibilidades metodológicas das comparações, a História Comparada
ainda receberia uma profunda modificação. Esta nova proposta de mudança viria na voz do
belga Marcel Detienne (2004), um especialista em História Antiga, especialmente em mundo
grego. Detienne parte da crítica ao modelo proposto por Marc Bloch que procura explicar
semelhanças e diferenças em séries análogas13. Bloch portanto, segundo o helenista, procura
fazer um modelo mais seguro de comparações buscando e defendendo uma cientificidade
específica – rígida demais na visão de Detienne. Desta forma, o autor propõe uma análise na
qual se compare o incomparável – o que acabará dando nome a seu livro –, fazendo um
trocadilho com a conhecida sentença que diz que ‘só devemos comparar aquilo que é
comparável’. Detienne, que sugere a aproximação entre os historiadores e os antropólogos
uma vez que estes últimos já estão acostumados com modelos comparativistas de cunho nãohierarquizante, prega por uma prática de pesquisa em grupo sem a necessidade de que cada
membro abra mão de sua formação específica. A partir dessa divisão de grupos, que amplia os
horizontes de pesquisas, Detienne propõe que esses grupos dividam a pesquisa em três etapas:
(1) construção de objetos de pesquisa pelos projetos individuais de cada membro da equipe;
(2) construção de conjuntos de problemas; (3) criação de um campo de exercício de
experimentação comparada (BUSTAMANTE; THEML, 2003: 12-14).
Faz-se mister, contudo, analisar algumas vantagens, possibilidades e limitações desta
nova modalidade da disciplina histórica. O historiador alemão Jürgen Kocka, defendendo um
novo tipo de história que empregasse métodos e teorias das ciências sociais, a chamada
Historische Sozialwissenschaft (FONTANA, 2004: 368), diferenciou em seu célebre texto
Comparação e além quatro propósitos para a História Comparada, são eles: (1) os propósitos
heurísticos, que permite identificar pontos que seriam perdidos sem as comparações, (2)
descritivos, que esclarece determinadas singularidades perante os contrastes, (3) analíticos,
facilitando a localização e a resposta de questionamentos e (4) paradigmáticos, facilitando o
afastamento do historiador ante seu objeto (KOCKA: 39-44). Essa pluralidade de propósitos
demonstram plenamente as vantagens desta modalidade que afasta, também, os problemas de
uma História estática dando a mobilidade necessária ao momento a partir da comparação dos
processos. O sociólogo estadunidense Charles Wright Mills já afirmou certa vez que ‘só por
um ato de abstração que violenta desnecessariamente a realidade social podemos tentar
congelar um processo’ (MILLS, 1975: 151). Por sua vez, o historiador britânico John Tosh
ainda afirmaria que a História Comparada é ‘um meio essencial de aprofundar nossa
13
Lembramos que uma das funções do historiador comparativista, hoje, é decidir se e o motivo pelo qual
ressaltará certa semelhança ou certa diferença.
146
compreensão do passado’ (TOSH, 2011: 171) já que ‘trabalhar sempre dentro das fronteiras
de uma sociedade é impedir que se tenha um ângulo crítico de visão’ (TOSH, 2011: 171).
Podemos também pensar na pluralidade de campos que devemos comparar, o que gera
inúmeras possibilidades de análise. Destarte estas vantagens e possibilidades, esta prática
historiográfica aqui analisada possui certas limitações e alguns problemas.
O já mencionado Jürgen Kocka afirma que existem três razões metodológicas que
dificultam a comparação. Primeiramente percebemos que quanto mais casos forem
comparados mais difícil é o trabalho de aproximação do historiador do fenômeno que está
pesquisando. Em segundo lugar, podemos citar que as comparações muitas vezes quebram as
continuidades, ainda tão úteis e necessárias aos historiadores. Por último, existe a
impossibilidade prática de se comparar totalidades, desta forma, resta ao historiador
comparativista, a comparação de aspectos de determinada realidade (KOCKA, Op. Cit.).
Outra ponto relevante é acerca dos anacronismos: os historiadores comparativistas devem
tomar cuidado extremo com o anacronismo, principalmente nas análises diacrônicas que, por
tratarem de temporalidades distintas, podem levar a análises e conceituações errôneas.
Partindo das ponderações de Marc Bloch, os professores Ciro Flamarion Santana Cardoso e
Héctor Pérez Brignoli pontuam o perigo do anacronismo no método comparativo ‘ao
confundir analogias superficiais com similitudes profundas, sobretudo em se tratando de
sociedades estruturalmente bem diversas, ou muito afastadas no tempo’ (CARDOSO;
BRIGNOLI. 1983: 413-414). Logo, apenas ‘é proveitoso se comparar o realmente
comparável’ (CARDOSO; BRIGNOLI, 1983: 413-414). Percebemos nesse trecho que os
autores inviabilizam, em certa medida, o modelo que seria futuramente proposto por Marcel
Detienne de comparar aquilo que, no início, é incomparável, sendo assim, acabam buscando
uma neutralidade objetiva nas Ciências Humanas quando defendem a utilização desse método
com parcimônia. Outro cuidado que os comparativistas devem ter, além do anacronismo, é o
referente aos etnocentrismo que ocorre, principalmente, nas análises interculturais. Portanto,
os pesquisadores devem cuidar para que não considerem um dos modelos comparados
superior ao outro. Neste quesito, uma das críticas mais diretas que a História Comparada
sofreu veio diretamente da Antropologia – principalmente da Cultural –, que seria defendida
posteriormente por Marcel Detienne. O antropólogo Cliford Geertz, por exemplo, tentou
afastar qualquer interpretação comparativa cultural já que essas podem gerar hierarquizações,
mesmo que de forma indireta (GEERTZ, 1973). Percebemos, portanto, que por seus possíveis
problemas de análise a História Comparada tem que ter, em seu interior, uma plena
147
fundamentação teórica e metodológica, sem a qual o trabalho ficaria equivocado ou mesmo
inviável.
Podemos ressaltar também, a guisa de conclusão, que, nos últimos anos, a História
Comparada recebeu uma série de críticas por realizar compartimentações do todo. Esses
críticos, contudo, afirmam a necessidade de certas comparações. A essa nova abordagem,
próxima de certa forma, chamamos de História Cruzada14. Nesta modalidade historiográfica
os pontos analisados são vistos como unos ocorrendo, assim, uma influência mútua de
determinado aspecto em ambas as realidades pesquisadas. Kocka, da chamada escola de
Beielefeld, defende, contudo, que os comparativistas se utilizem também da História Cruzada.
Já que,
‘o ato de comparação pressupõe a separação analítica dos casos a serem
comparados. Mas isto não significa ignorar ou negligenciar as inter-relações
entre estes casos (se e na extensão de que estas existam). Ao invés disto, tais
inter-relações devem se tornar parte do esquema comparativo através de sua
análise como fatores que levaram a similaridades ou diferenças,
convergência ou divergência entre os casos que se compara.’ (KOCKA, Op.
Cit.: 4)
E continua, ainda defendendo a aproximação da História Comparada à História Cruzada:
‘(...) exemplos poderiam ser dados de modo a mostrar que é tanto possível
como desejável tratar fenômenos históricos como unidades de comparação e,
ao mesmo tempo, como componentes de um todo maior. As abordagens de
História Comparada e as de História Cruzadas são diferentes modos de
reconstrução histórica. Há uma tensão entre elas, mas não são incompatíveis.
Pode-se tentar analisar em termos comparativos e se narrar uma história
ainda assim. Não é necessário escolhe entre História Comparada e História
Cruzada. O objetivo é combiná-las.’ (KOCKA, Op. Cit.: 4)
Contudo, mesmo com essa complexa gênese e conturbados debates acerca de sua
validade e de suas possibilidades, a História Comparada se firmou como um campo histórico.
Podemos lembrar que a história deste campo historiográfico já foi analisado por vários
autores, entre os quais, demonstrando um trabalho de ampla pesquisa, encontram-se, podemos
citar, as obras de Hein-Gerhard Haupt, O lento surgimento de uma História Comparada
(1998: 205-216) e de Jean-Marie Hannick, Breve história da História Comparada (2000:
301-327). Um campo específico de comparações de fenômenos. Devemos ressaltar que
14
Histoire Croisée ou Verflechtungsgeschichte [História Entrelaçada]
148
mesmo com as comparações existindo em praticamente todas as abordagens historiográficas,
o que diferencia a História Comparada de outras modalidades comparativas é a comparação
de fenômenos. O historiador comparativista foca sua análise nos fenômenos comparados e
não apenas nas diversas teorias, métodos, fontes ou recortes que estão a sua disposição, sem
negar, contudo, essa prática comparativa15. Logo, a História Comparada acabaria sendo um
procedimento historiográfico, mais do que certo método, apesar de a nomearmos no cotidiano
assim, já que reúne em si a possibilidade de utilização de outros métodos, guardando à
comparação a importância inicial e final. Desta forma, é possível realizar certa sistematização
de cinco aspectos para a delimitação da História Comparada como um campo historiográfico
próprio. São eles: (1) um duplo ou múltiplo campo de observação, (2) a utilização de
metodologias comparativas, (3) uma escala de inscrição, (4) uma perspectiva de análise e, por
último, (5) uma articulação intradisciplinar com outras modalidades históricas (BARROS,
2007: 26) que permitirá uma História Comparada Política, Econômica ou Biográfica.
Resta-nos, agora, advogar em favor de uma análise comparativa das trajetórias
individuais – biografias – como fonte para a análise dos fenômenos sociais, políticos e
culturais nos quais estas realidades de vida estão circunscritas. Logo, percebemos que é
necessária a anexação de novas formas de pesquisa, como as metodologias biográficas.
Uma história cercada de vidas: os indivíduos comparados.
Inegável é, em nosso tempo, a contribuição do estudo das vidas individuais de certos
personagens, sejam eles seres ilustres ou indivíduos comuns. Já nos parece de forma clara a
impossibilidade de dissociar o indivíduo de seu quadro social, aquele que é responsável, em
certa medida, por sua conduta, por suas criações, e por todas as outras características que
formam o sujeito. Essa contribuição do estudo das vidas pode ser percebida perante várias
modalidades históricas, como alguns estudos culturais acerca de determinado sujeito com um
pensamento religioso peculiar durante o início da chamada Idade Moderna, como é o caso do
Domenico Scandella, também conhecido como Menocchio, de Carlo Ginzburg (2006), ou
mesmo alguns estudos político-sociais acerca de certos ditadores durante determinado tempo
15
Acerca desta consideração, José D’Assunção Barros nos afirmará que nem todo comparativismo histórico é
História Comparada, esta é, por sua vez, a comparação de fenômenos com rigor metodológico próprio, saber ‘o
que e como comparar’, assim sendo, o comparativismo histórico pode existir mesmo sem a presença de uma
História Comparada. Cf.: BARROS, 2007: 1-30
149
e da relação destes com sua sociedade em tempos próximos, como é o caso do Hitler de Ian
Kershaw (2010). Contudo, poucos são os estudos que tentam tratar as vidas individuais como
fonte para análise comparada de realidades sociais. Explicamos: em nossa visão os indivíduos
podem oferecer material relevante para a análise de uma realidade. Dessa forma, através de
um ator torna-se possível perceber as características que definem determinado período e
determinado processo. Cabe relembrarmos ainda que os estudos acerca da vida de indivíduos,
principalmente os ‘ilustres’, reaparecem como modalidade histórica juntamente com o
retorno, em forma renovada, da História Política e, também, com as questões impostas pela
narratividade. Uma vez que as três modalidades (Estudos Biográficos, História Política e
Narratividade) passam a ser consideradas e são problematizadas em um mesmo momento, a
interação entre elas passa a ser bastante freqüente fazendo com que acabem, portanto,
‘caminhando juntas’.
Mesmo assim ainda ocorrem problemas. Notamos que o principal problema dos
estudos biográficos contemporâneos surgem quando tais estudos se encerram em uma
narratividade sem valor prático para a compreensão de um processo, seja ele qual for. Para
usar uma metáfora comum no século XIX, o problema é quando esse tipo de conhecimento é
posto em uma torre de marfim, tornando-se gratuito e desconectado de problematizações e de
demandas científicas e sociais. De modo contrário, quando colocado em prática, esse material
transforma-se em ampla fonte. Assim sendo, inegável é, também, o valor heurístico dos
estudos das vidas nas novas interdisciplinaridades históricas, tais como a História e
Sociologia, História e Filosofia, História e Literatura ou qualquer outra forma.
A partir de então podemos, também, comparar duas visões de mundo para
compreendermos mais plenamente uma realidade una: dois sujeitos circunscritos no mesmo
quadro social, não importando qual posição ocupam em suas realidades, podendo ser
próximos ou distantes, criam interpretações sociais singulares. dessa maneira, esses dois
indivíduos podem oferecer material relevante para a melhor compreensão de seu determinado
quadro. Outra possibilidade, cremos, é analisar os indivíduos circunscritos em quadros sociais
diversos, porém com a mesma atuação social: políticos, filósofos, militares ou qualquer outra
modalidade de indivíduo. Desta forma, conseguimos perceber como os indivíduos percebem
fenômenos similares em realidades distintas a partir de sua presença nas sociedades plurais.
E mais, se os indivíduos comparados forem artistas atuantes no espaço público através
da política – os definidos artistas-intelectuais –, o estudo passa a oferecer uma nova
possibilidade de abordagem, muito mais ampla. O indivíduo além de estar inserido em um
condicionamento social oferecendo possibilidades de análise através de sua existência em si
150
passa a ser, também, além de um pensador, um produtor estético. Enquanto atuante no espaço
público, deixa-nos material específico para análise; enquanto artista, deixa-nos obras imersas
de vida social: política e cultural. Porém, nos deparamos com alguns problemas, tais como:
Por que estudar o indivíduo em um tempo em que a preferência está nas análises culturais,
políticas e de mentalidades? Qual a interação que um artista, no sentido exposto
anteriormente, pode oferecer entre a cultura e a sociedade na qual está inserido para a análise
histórica? E, por último e, para nossa análise, mais importante: Qual a possibilidade de
aplicarmos uma metodologia comparativa ao estudo das trajetórias de vida dos artistas
enquanto intelectuais numa realidade de quadros sociais distintos e como ela deve ser
conduzida?
Pelo menos desde meados da década de 1970, a historiografia passou a focar sua
abordagem em dois modelos afastados: uma retomada da História Política com novos objetos,
problemas e métodos e uma modificação nas análises, vindas diretamente das questões
impostas pelos pós-estruturalistas que levariam ao assentamento de determinada História das
Mentalidades. Apesar de uma das vertentes da História Política ter se aproximado fortemente
das leituras de trajetórias de indivíduos após a segunda metade da década de 1980, essa
disciplina se utilizou, em seu retorno, de abordagens teóricas que inviabilizavam ou, ao
menos, dificultavam as análises dos sujeitos enquanto seres políticos individuais. Era a época
em que se privilegiava uma análise das características institucionais da política. Por outro
lado, as abordagens que focavam as mentalidades viraram seu olhar para as questões
referentes a estruturas mentais, costumes, vida privada ou qualquer outra análise que excluía
ou, ao menos, relativizava o indivíduo (Cf.: MALERBA, 2010).
Acerca da relevância do indivíduo e da complexidade da leitura problematizadora da
interação deste com a sociedade na qual está inserido, o sociólogo alemão Norbert Elias
afirmaria acerca de sua própria obra:
um dos elementos centrais de meu pensamento [...] era a idéia de que não se
pode separar o indivíduo da sociedade, que eles constituem de fato dois
níveis de observação distintos. Os fenômenos de grupo têm certas
particularidades que se distinguem daquelas dos fenômenos individuais, mas
sempre é preciso considerar os dois níveis simultaneamente (ELIAS, 2001:
70)
Logo, uma volta a esse padrão de estudos mostra-se necessária mesmo com a
dificuldade de se estabelecer certa autonomia do indivíduo frente ao todo social no qual
151
existe. Essa dificuldade leva ao cuidado de análise na fronteira entre a Sociologia, a História e
a Psicologia na construção das análises das trajetórias individuais.
Apesar de não praticar o modelo que aqui explicitamos, fazendo um tipo
historiográfico bem distinto das análises de vida, o historiador francês Emmanuel Le Roy
Ladurie afirma, acerca destas análises biográficas, que elas são
um domínio que a História Social não absorveu. [E que] no entanto, a idéia
de ver uma época através do destino de um homem seria, sem dúvida,
fecunda; as realizações neste domínio não têm estado, porém, à altura de tais
potencialidades. (LADURIE, s/d: 57)
Acerca da validade do pensamento individual para o estudo de um determinado
contexto social, podemos lembrar que Karl Marx, em sua obra A ideologia alemã (2008) já
afirmava que as idéias e percepções políticas são originárias dentro das formações da classe
social nas quais os autores permanecem inseridos, logo, o estudo passa a ser validado.
Por outro lado, sobre a interação entre artista, cultura e sociedade e a relevância destas
trajetórias particulares para as análises históricas, podemos lembrar, acima de tudo, que as
ocupações escolhidas pelos indivíduos os subordinam diretamente a uma série de controles
sociais, conforme afirma Peter Berger (1976) e, os talentos especiais acabam se tornando
pontos de determinação social (ELIAS, 1995).
Ladurie nos fala acerca da História das Idéias algo que pode, também, ser aplicado à
produção artística se seguirmos a lógica de que modelos de produção estéticos estão
subordinados a fatores similares àqueles da produção das idéias. Segundo o autor, ocorre
entre os historiadores, certo declínio da história das idéias, ou, pelo menos,
uma desvalorização desta disciplina. Os historiadores têm-se interessado
mais pelas massas do que pelas elites, mais pela encarnação social das idéias
do que pela produção intelectual dos grandes pensadores. A idéia de base era
a seguinte: a história, embora seja eventualmente influenciada pelas obras
dos grandes criadores intelectuais, só o poderá ser na medida em que as
idéias emanadas desses poderosos personagens se apoderarem das massas,
ou, em linguagem marxista, se tornarem uma força material. (LADURIE,
s/d: 59)
Devemos concordar, também, que além de se estudar o intelectual ou sua idéia, seja
ela estética, política, ou qualquer outra, é necessário analisarmos os meios de produção
criativa, os recebimentos e as apropriações de suas idéias e, também, as redes de sociabilidade
nos quais este indivíduo permanece inserido, uma vez que uma das novas funções da
152
historiografia contemporânea é problematizar a presença de determinado ator e de sua
produção dentro de seu núcleo social e não apenas analisar e compreender a produção em si
(SIRINELLI, 1988. SIRINELLI, 1997 e DOSSE, 2004). Percebemos, assim, que as
produções artísticas ou não e os próprios indivíduos não possuem uma autonomia absoluta
extra-social como pretendiam alguns filósofos, principalmente aqueles que produziam no
século XVIII e no XIX. A arte pela arte, a idéia pela idéia bem como o produtor solitário
totalmente livre de pressões exteriores, como nos diz Mathias Schreiber, são ilusões: os
solitários devem ser coletivizados (SCHREIBER, 1983). A partir de agora, localizaremos
nosso produtor de idéias na figura do artista, enquanto intelectual, e as idéias, na arte por ele
produzida.
Percebemos que o artista enquanto indivíduo é um ser social, e enquanto produtor
estético está situado em outras localizações socialmente determinadas. Dessa forma, este
indivíduo possui uma série de obrigações e uma série de privilégios perante outros membros
de classificações sociais díspares (KÖNIG, 1983). Logo, no caso do artista, as artes, que são a
sua produção, passam a aparecer como um meio de socialização individual. Deste ponto,
conseguimos, então, perceber a pluralidade de atitudes estéticas e a alteração da função da
arte conforme a variabilidade dos quadros sociais nos quais ela é produzida, recebida,
interpretada e reinterpretada (DUVIGNAUD, 1970).
Podemos perceber, por exemplo, que a arte muitas vezes pode ser compreendida como
a continuidade de uma rivalidade política, como é o caso do mecenato italiano durante os
séculos XV e XVI e dos Estados germânicos do século XIX. Podemos lembrar, conforme nos
propõe Charles Henry a partir da leitura de Norbert Elias que
a riqueza musical [durante o século XVIII] na Alemanha e na Itália [locais de
descentralização política] comparada à situação na França e na Inglaterra
[locais de política centralizada] é estimulada pela multiplicidade das cortes
que fazem concorrência entre si (HENRY, 2010: 151).
O grande problema é que as análises tradicionalistas se esqueceram de que a produção
artística depende, também, da existência social de seu criador. Percebemos que, as
características dos indivíduos enquanto artistas são frutos de construções sociais uma vez que
seus talentos e a utilização destes só se evidenciaram por estes atores participarem de grupos
nos quais estas qualidades eram estimuladas e valorizadas (SCHIMIDT, 2009). Essas análises
propõem, por sua vez, que é possível separar a produção entre o artista e o indivíduo, negando
a complexidade do sujeito. Apesar da dificuldade de analisar o limite entre coexistência social
153
e produção estética, essas separações são desnecessárias e podem levar os pesquisadores a
enganos. Elias diz que esses enganos devem-se à ‘tendência de traçar uma clara linha
divisória entre o artista e o ser humano, o gênio e a “pessoa comum’’. Como também à
tendência de tratar a arte como algo que flutua no ar, exterior e independente das vidas
sociais dos povos’ (1995: 56). Percebemos neste trecho escrito pelo sociólogo que a arte está
integrada à vida dos povos, característica perceptível em todo o correr histórico.
Hoje, por outro lado, devemos pensar de que forma podemos, a partir de um rigor
metodológico, comparar essas vidas para compreendermos estruturas maiores dentro de
realidades distintas. Para isto, partimos da certeza de que nas análises dos artistas podemos
colocar em paralelo a estrutura social que caracteriza a produção, o esquema político no qual
esta realidade social este inserida e é praticada, a cultura que forma a produção estética e a
própria produção individual marcada pelas interpretações do autor de seu mundo. Contudo,
devemos tomar cuidado com falsas generalizações, como a utilização da marca temporal das
gerações16. Assim sendo, a leitura desses indivíduos deixa de lado as curiosidades das
biografias dos tempos passados e passa a interagir com ramos de conhecimentos sociais,
principalmente a Sociologia e a História.
Primeiramente, devemos deixar claro que não se deve nem superestimar nem
subestimar o papel e a influência dos indivíduos em seu tempo, conforme já atestou Ralph
Linton ainda em 1945. O que propomos, aqui, é o reconhecimento de que certos indivíduos
oferecem material para a análise dos caracteres sociais, políticos e culturais nos quais vivem e
que neles se encerram. Em segundo lugar, devemos lembrar que os indivíduos não são
comparáveis entre si, pelo menos não no modelo historiográfico ao qual nos propomos, a
História Comparada, uma vez que, primariamente apenas se comparam fenômenos e mais, a
partir do momento em que comparamos os indivíduos ou suas obras, principalmente as
artísticas, corremos o risco de hierarquizá-los; todavia, os modelos sociais nos quais estão
inseridos estes atores e como sua produção ocorre são comparáveis através das percepções
16
Jean-François Sirinelli (SIRINELLI, 2008, p.131-138) realizou um pequeno estudo acerca da complexidade
das análises geracionais demonstrando, por exemplo, que os historiadores desde o início do século XX ainda não
chegam a conclusões acerca do uso desta idéia, como é o caso de Lucien Febvre que é radicalmente contra o uso
e de Marc Bloch que já percebe certa utilidade no termo. A nosso ver, a utilização do recorte geracional, a partir
do momento que é uma construção do historiador que classifica e rotula, sincroniza as movimentações políticas,
sociais e culturais o que não corresponde ao processo histórico. Percebemos que a utilização deste termo pode
ser encontrada na obra de Charles Rosen, A Geração Romântica (ROSEN, 2000) e que, dentro da própria obra, o
autor demonstra a impossibilidade de se pensar um modelo artístico, a música no caso de Rosen, apesar do
recorte geracional. Assim sendo, o recorte temporal de uma geração apenas existe como um instrumento de
análise e não como uma busca de unidade.
154
desses sujeitos. Dessa forma, é possível, também, uma comparação da discursividade política
e de modelos estéticos de determinada realidade.
O medievalista Jacques Le Goff propõe a abordagem das vidas através do conceito de
‘sujeito globalizante’ (1999: 21). Ou seja, o historiador francês reconhece que, para a escolha
de determinado sujeito a ser analisado, devemos aceitar que nele se encontram características
de um mundo que queremos compreender. Como levarmos essa característica ao modelo
comparativo torna-se, contudo, um problema.
Para uma análise comparativa da atuação de determinados indivíduos, não basta
colocarmos diferentes análises historiográficas em paralelo, o que não nos oferece nenhuma
análise profunda, apenas oferecendo um panorama que, apesar de necessário, não possui valor
historiográfico no sentido em que pensamos hoje17. Um cuidado diferente deve ser tomado,
também, com o ato de encaminhar a pesquisa, um finalismo da análise. Esse ato de
encaminhamento define-se como o conduzir certos parâmetros da pesquisa para determinados
resultados que facilitam a comparação. Cremos ser mais fácil essa falha ocorrer no modelo de
pesquisa que propomos uma vez que os indivíduos já deixaram uma obra integral e que pode
ser analisada de forma retroativa, criando enganos que levem o resultado da pesquisa a um
fator pré-determinado. No mais, a partir do momento em que o historiador escolhe as fontes
individuais nas quais trabalhará, sejam elas, cartas, diários, anotações ou qualquer outra fonte
produzida por um sujeito escolhido, deve problematizar o material em dois ângulos, ou seja,
ambos os indivíduos analisados devem deixar materiais de conteúdo semelhante para a análise
existir sob pena de o historiador correr o risco de se sufocar em uma narratividade irrelevante.
Marcamos que o conteúdo deve ser semelhante porém o formato das fontes entre os
indivíduos pode ser diferente: muitas vezes o que um autor confidenciara a um colega em
certa carta, outro pode ter confidenciado apenas para si mesmo em seu diário. No mais, no
caso das vidas artísticas comparadas, é tarefa do historiador escolher seu foco na relação arte
(produto)–sociedade, artista (produtor) – sociedade ou no encaminhamento dos três fatores
em conjunto (KÖNIG, Op. Cit.).
Dessa forma, a partir do momento em que a vida narrada caminha juntamente com o
contexto vivido e este contexto é a realidade social, política e cultural, percebemos que,
partindo de um rigor metodológico e teórico, a abordagem comparativa dos indivíduos
enquanto produtores de idéias e, especialmente aqui, de obras artísticas, é fonte útil para a
17
Rüssen falará, por exemplo, da complexidade de se fazer uma análise intercultural, na qual, criticará a
possibilidade de apenas juntar diversas obras historiográficas para encontrar uma resposta não problematizadora.
Cf.: RÜSSEN, 2006)
155
compreensão dos processos político-sociais representados nestes indivíduos. A obra artística
passa, portanto, a ser a expressão da organização social como um todo, nos transmitindo tanto
quanto qualquer outra fonte. E mais, já que tratamos de produções estéticas, podemos
comparar diretamente como ocorre a realidade social e a discursividade política no interior
das obras, percebendo, também, como essas obras foram recebidas e interpretadas pela
sociedade.
Percebendo que a interação entre indivíduo e sociedade é de difícil, mas não inviável,
análise, principalmente quando trata de atores socialmente localizados, como os intelectuais e
os artistas; percebendo também a possibilidade biográfica como matéria para a
problematização social, política e cultural e, por último, pensando nas possibilidades e
complicações da História Comparada, notamos que a análise comparativa do artista enquanto
ser político e social é possível já que a sua arte enquanto manifestação permite compreender
as dinâmicas singulares de cada momento ou de cada território dentro de sua estrutura.
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