Pensamento do Dia Pensamento do Dia

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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 24 06 2009
--------------------------------------------------------------------Valor Econômico 24 06 2009
É hora de sair da casca
David Kupfer
Enquanto os bebês concebidos em 15 de setembro de 2008, data da quebra do
Lehman Brothers e que simbolicamente marca o início do crash financeiro
mundial, já nasceram, os especialistas ainda não conseguiram concluir se a
crise será um V, um U com a curva direita muito ou pouco suave, um L com o
segmento vertical mais ou menos inclinado ou até mesmo um W, como
aventado mais recentemente. Porém, debates sobre caligrafia à parte, virando
a lente para um futuro um pouco mais distante do que o próximo trimestre, já
é possível vislumbrar grandes inflexões ou mesmo mudanças de paradigma que
a economia mundial irá experimentar após a digestão da fase aguda da crise,
dure ela mais seis meses ou dois anos e, mais importante, avançar no debate
sobre os meios e modos de enfrentar os desafios que essas mudanças estão
trazendo.
Uma das dimensões na qual a ruptura da antiga ordem econômica mundial já
provoca e continuará provocando uma importante inflexão é a relacionada aos
fluxos de capitais privados entre os países. A julgar pelos números recémdivulgados no relatório Desenvolvimento Financeiro Global 2009 do Banco
Mundial, esses fluxos estão experimentando uma grande retração que
dificilmente será revertida nos anos vindouros. Segundo o documento, a perda
de valor de mercado das empresas cotadas nas bolsas de valores mundo afora
atingiu a incrível marca de US$ 17 trilhões. Na medida em que os excedentes
de capital, em grande parte estacionados nos mercados financeiros dos EUA,
União Europeia e Japão, vão sendo erodidos pela deflação no valor dos ativos, e
que as fontes de incerteza que rondam os negócios não são revertidas, mais
crítica para assegurar a retomada do crescimento será a habilidade dos países
em desenvolvimento em criar mecanismos de financiamento alternativos que
permitam ocupar esses espaços vazios.
Avaliado nesse contexto, o primeiro encontro de cúpula dos Bric, realizado na
semana passada em Ecaterimburgo, na Rússia, ganha um significado próprio.
No Brasil ainda é moda questionar a racionalidade da criação de um grupo
reunindo Brasil, Rússia, Índia e China que, além do tamanho de seus
territórios, populações e economias, pouco mais partilham em comum. Tratar
dos Bric é realmente um desafio teórico e também uma dificuldade empírica
pois, de fato, não há uma razão clara que justifique o agrupamento desses
países para fins analíticos, que não os objetivos prospectivos de seus criadores,
interessados que estavam em realçar o peso que, em um futuro longínquo,
esse grupo de países poderia representar para a economia mundial. No
entanto, se pensado além de um conceito talhado especificamente para
análises econômicas, há uma dimensão que, já no momento presente, une esse
conjunto de grandes países emergentes: a importância que uma efetiva
coordenação dos Bric pode desempenhar na arena da reorganização do sistema
financeiro internacional. Isso porque, vis a vis o peso atribuído aos países
centrais, os Bric são, sem qualquer sombra de dúvida, sub-representados nessa
esfera, relativamente a enorme massa de ativos monetários e financeiros que
detêm e que, no mundo pós-crise, tornou-se ainda maior em termos
comparativos.
Por isso, avanços na construção de alguma capacidade de coordenação
monetária-financeira entre os Bric, que seja bem-sucedida em reduzir a
dependência hoje exibida ao dólar americano e aos sistemas financeiros
centrais, certamente terão implicações de vulto para esses quatro países na
medida em que, de alguma maneira (a China mais, o Brasil menos), já
constituem centros econômicos regionais. Para o Brasil, o maior fôlego
financeiro poderá
significar uma rara
janela para um
profundo
reposicionamento estratégico da inserção externa do país, especialmente no
sub-continente sul-americano, com consequências extremamente positivas
para o futuro da indústria nacional. Muito além da posição favorável em
commodities agrícolas e industriais que historicamente se conseguiu consolidar,
está em questão as possibilidades de as demais indústrias, especialmente a
mecânica e a eletrônica, encontrarem uma trajetória de expansão apoiada em
operações internacionais, envolvendo aquisições de empresas sediadas em
outros países ou investimentos greenfield no exterior, que possam significar
uma entrada mais efetiva no jogo global que hoje caracteriza a produção e o
consumo nesses mercados.
Do mesmo modo que há pouco mais de dez anos o Brasil enfim entendeu que
havia um "jogo a ser jogado" na arena do comércio internacional e "entrou em
campo" adotando táticas algumas vezes certas, outras nem tanto, é hora de
colocar em movimento novas peças em um jogo muito mais bruto, complexo e
sofisticado que é o das finanças internacionais e que, ademais, é complementar
e potencializa o primeiro. Assim como parece claro que a coordenação mundial
não se dará exclusivamente no plano multilateral, as iniciativas que ora se
avolumam envolvendo o G-20, Bric, Mercosul e América do Sul, dentre outras,
mostram as vários esferas em que a ação brasileira necessita se dar nesse
momento, fazendo a agenda da diplomacia econômica brasileira se alargar com
grande velocidade e exigindo a necessária capacidade de resposta do Estado
brasileiro.
Esses movimentos sugerem que já há elementos suficientes para se antever
qual o principal desafio que se coloca para o Brasil pós-crise: "sair da casca".
Não é porque o país conta com um mercado interno, que pode permitir uma
travessia menos traumática pelo período mais duro da crise internacional, que
se pode ou se deve deixar de lado as oportunidades de melhoria na inserção
externa que ora se vislumbram. A violenta contração do fluxo internacional de
capitais privados, que se mostra ainda mais intensa do que previam os
especialistas, traz oportunidades para que mais empresas brasileiras além das
exceções de sempre - Petrobras, Vale, as grandes construtoras e poucas outras
-, se projetem internacionalmente. Claro que concretizar esse movimento
requer por em prática estratégias muito mais ousadas do que as empresas
brasileiras têm condições de adotar. Mais uma vez está nas mãos do Estado
brasileiro a tarefa de articular as políticas que concretizem essa possibilidade.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e
coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ www.ie.ufrj.br/gic - [email protected])
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Valor Econômico 24 06 2009
Pobres destinam maior fatia de renda para a contribuição da
Seguridade Social
A contribuição indireta dos menos
favorecidos
Erito Marques de Souza Filho
Alguns advogam para a necessidade de uma lógica na qual todos
devem contribuir para ter direito ao benefício
Na política fiscal e tributária brasileira que prevaleceu até fins de 2007, pode-se
destacar o aumento não legislado do Imposto de Renda (IR) das pessoas
físicas, o aumento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(Cofins) e da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras
(CPMF). Em particular, o aumento na arrecadação da Cofins e da CPMF se
traduziu em um aumento da contribuição indireta também dos indivíduos
pobres, uma vez que a incidência desses tributos não recai exclusivamente
sobre o empresário, pois é repassada ao consumidor.
Essa contribuição indireta da população pobre é ignorada, enquanto a sua não
contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social aparece como
reflexo de um comportamento oportunista, quando nada mais é do que
incapacidade de contribuição em razão do seu déficit agudo de renda (de
acordo com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar - POF -, a renda
média mensal de um domicílio pertencente ao primeiro décimo de renda é de
R$ 71,52, para o segundo décimo esse valor é de R$ 141,74, enquanto para o
último décimo R$ 3.992,37).
O debate acerca da necessidade de desvincular os benefícios previdenciários do
piso do salário mínimo retoma essa questão, pois os que defendem a
desvinculação julgam que a existência de benefícios não contributivos como o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou mesmo aqueles cuja contribuição
tem perfil errático - caso da aposentadoria rural - seriam desincentivos ao
financiamento do sistema no longo prazo, concedidos aos pobres.
Para se estimar a magnitude da contribuição tributária indireta ao orçamento
da Seguridade Social das camadas mais pobres, foi aplicada de modo linear a
alíquota de 12,38% (Cofins + CPMF + CSLL) aos gastos, disponíveis na POF
2002-2003, com os atributos de água, energia elétrica, gás e alimentação dos
décimos inferiores da distribuição de renda domiciliar per capita. Essa hipótese
pode ser considerada conservadora, uma vez que a alíquota efetiva desses
tributos é significativamente maior que a alíquota estatutária; por exemplo,
Paes e Bugarin ("Parâmetros tributários da economia brasileira", Estudos
Econômicos, v. 36) estimaram, em 2006, alíquotas efetivas médias de 1,31%
para a CPMF. Os resultados obtidos indicam que a contribuição anual do
primeiro décimo foi de cerca de R$ 2 bilhões, enquanto o segundo décimo
contribuiu com pelo menos R$ 2,4 bilhões. Todos os valores aqui apresentados
foram deflacionados pelo IPCA de dezembro de 2006.
Para compreender a ordem de grandeza da contribuição total de ambos os
décimos, basta dizer que ela é equivalente ao gasto do governo com o BPC em
2006 e corresponde a 56,25% do total gasto pelo governo com o Programa
Bolsa Família (PBF) nesse mesmo ano. Um domicílio pertencente ao primeiro
décimo desembolsa anualmente, em média, cerca de R$ 423 com a Seguridade
Social, o que corresponde à cerca de R$ 35,27 por mês, enquanto um domicílio
que pertença ao segundo décimo gasta cerca de R$ 507,14 reais por ano, ou
cerca de R$ 42,26 por mês. Dividindo-se a contribuição mensal domiciliar por
décimo pelo seu respectivo tamanho familiar, depreende-se que a contribuição
mensal per capita do primeiro décimo é de R$ 6,72 enquanto é de R$ 9,31 para
o segundo décimo.
Além disso, a contribuição de um indivíduo pertencente ao primeiro décimo
corresponde a 9,40% de sua renda; para o segundo décimo, o valor é de
6,57%. Os valores dessa contribuição para os demais décimos seguem uma
tendência decrescente, alcançando o valor 1,09% para o último décimo.
Portanto, os pobres destinam proporcionalmente maior fatia de sua renda para
a contribuição da Seguridade Social do que os ricos!
Para avaliar a magnitude da contribuição mensal feita pelas camadas mais
pobres ao financiamento da proteção social no longo prazo, foi feita uma
simulação em um plano de previdência complementar. Considerando-se uma
situação de baixa taxa de rentabilidade, os resultados obtidos indicam que um
domicílio que contribuísse mensalmente na modalidade Vida Gerador de
Benefício Livre Júnior (VGBLJ) com R$ 35,27, a partir dos 10 anos de idade,
receberia uma renda vitalícia de R$ 299,71 após 50 anos de contribuição e teria
provisão acumulada de R$ 59.926,29. Por outro lado, um domicílio que
contribuísse mensalmente, a partir dos 10 anos de idade, na modalidade VGBLJ
com R$ 42,26, receberia uma renda vitalícia de R$ 359,50 após 50 anos de
contribuição e teria um pecúlio acumulado de cerca de R$ 71.882,53. Os
valores desses benefícios vitalícios representam respectivamente, em 2006,
0,85 e 1,02 do salário mínimo vigente, que era de R$ 350. Como o tamanho
médio de um domicílio pertencente ao primeiro e décimo é de 5,25, segue que
cada indivíduo pertencente a esse décimo teria direito a uma renda vitalícia de
R$ 57,08, o que corresponde a 16,3% do salário mínimo. Para um indivíduo
pertencente ao segundo décimo, esse valor é de R$ 79,18, correspondendo a
22,6% do salário mínimo.
Quando se dá um benefício a um cidadão, parte desse benefício retorna aos
cofres públicos por meio da tributação indireta e parte desse benefício é um
direito legítimo desse cidadão em função de sua contribuição indireta ao longo
da vida, ainda que muitas das vezes ele não saiba. Paradoxalmente, o debate
contemporâneo parece advogar a necessidade de uma lógica atuarial, na qual
todos devem contribuir (diretamente) para ter direito ao benefício. Entretanto,
esta argumentação deve ser avaliada com cuidado, pois a contribuição indireta
das camadas menos favorecidas é significativa e, assim sendo, qualquer
reforma que se proponha no sistema tributário brasileiro e na Seguridade Social
deve levar em consideração a possibilidade de compensação dos pobres ante
essa pesada carga tributária indireta que os oneram. Dentre as possíveis
alternativas, pode-se citar os programas de renda mínima e a desoneração do
consumo de bens essenciais para as camadas mais pobres, tais como a cesta
básica.
Erito Marques de Souza Filho é professor assistente do Instituto
Multidisciplinar da UFRJ.
-----------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009
ANTONIO DELFIM NETTO
A "receita"
DESDE SEMPRE os economistas buscaram "receitas" que produziriam o
desenvolvimento.
Adam Smith, muito antes de publicar a "Riqueza das Nações", já propagava a
sua: "Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau
de opulência são necessários: paz, tributação leve e tolerável administração da
justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas" ("Essays on
Philosophical Subjects", 1755).
Dois séculos depois (no início dos anos 90), quando a população mundial era
seis vezes maior e o PIB per capita 11 vezes maior do que em 1755, os
economistas pensaram ter encontrado a fórmula mágica com o famoso
Consenso de Washington.
Este insistia, equivocadamente, no Estado "mínimo", mas muitas das suas
prescrições (equilíbrio fiscal, taxa de câmbio "realista", por exemplo) eram
corretas. Ele foi muito criticado pelo que nunca sugeriu: a plena liberdade de
movimento de capitais!
A crítica fundamental é que ele, como em geral toda a teoria do
desenvolvimento, ignorou o papel da história, da geografia e do que se pode
chamar da "cultura" dos países. Cultura é um conceito abstrato, difícil de
definir, porque envolve a própria forma de viver da sociedade (as crenças, o
conhecimento, as leis, os costumes, a arte, a moral), mas é importante para
organizá-la para o desenvolvimento econômico e social.
Recentemente (setembro de 2004), um grupo de excelentes economistas
reuniu-se em Barcelona e divulgou uma "agenda" (na realidade, uma "receita
aberta") para explorar as "perspectivas de crescimento e de desenvolvimento"
dos países emergentes. A diferença de novo enfoque é visível na sua primeira
recomendação: "O raciocínio econômico básico e a experiência internacional
sugerem que a qualidade das instituições, tal como o respeito às regras da lei e
o direito de propriedade, somada à orientação do mercado, com um balanço
apropriado entre ele e o Estado, e uma atenção à distribuição da renda estão
na raiz das estratégias de desenvolvimento bem-sucedidas".
E continua: "Encorajar os países em desenvolvimento a copiarem
mecanicamente as instituições dos países ricos -como as instituições financeiras
internacionais tendem a fazer- pode produzir mais danos do que benefícios".
O desenvolvimento econômico e social é, numa larga medida, idiossincrático. E
isso deve ser levado em conta na formação acadêmica dos economistas. É claro
que eles precisam conhecer a literatura internacional, mas é ainda mais claro
que devem ter vivência e estudo da história, da geografia e da "cultura" do país
em que estão inseridos.
[email protected]
-------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
A invenção dos programas sociais
JOSÉ ANÍBAL
Foi dona Ruth quem consolidou
a ideia da contrapartida, para
comprometer o homem com sua
evolução social
A MELHOR chance que se pode dar a quem vive abaixo da linha da pobreza não
é a solução óbvia de distribuir dinheiro -que alivia, mas ensina pouco-, mas
distribuir oportunidades. Distribuir dinheiro tira momentaneamente da pobreza,
mas só a distribuição de oportunidades permite o passo redentor que permite a
ascensão social e, ao mesmo tempo, confere dignidade. Alguém cunhou uma
expressão feliz -não se dá o peixe, ensina-se a pescar.
Distribuir dinheiro para um homem que é são, já dizia o poeta nordestino Luiz
Gonzaga, o rei do baião, ou o mata de vergonha, ou vicia o cidadão. Distribuir
dinheiro sem contrapartida é condicionar o homem à eternização do
assistencialismo que não o promove - ao revés, o condiciona à dependência.
Distribuir oportunidades fortalece o homem, ajuda-o a enxergar-se cidadão.
Distribuir dinheiro é lesar a criatividade do pobre, menosprezar sua capacidade
empreendedora, desconfiar das suas potencialidades de realizar.
O saber local existe e é capaz de gerar revoluções, ensinou-nos a antropóloga
Ruth Cardoso. O seu jeito de olhar a pobreza sem associar a miséria à mera e
efêmera carência material vinha de quem via, nos pobres, potencialidades
inatas capazes de conferir-lhes independência, dignidade e liberdade -bastava
uma mãozinha para criar oportunidades redentoras.
Foi assim, acreditando que a melhor solução para redimir a miséria era a
distribuição de oportunidades, não de dinheiro, que Dona Ruth construiu seu
pensamento singular, que revisou os fundamentos antropológicos no Brasil
contemporâneo.
Ela consolidou esse pensamento na década de 1970, quando o saber
antropológico no Brasil não concebia fórmulas eficazes para promover os
segmentos sociais que viviam abaixo da linha da pobreza.
Quando chegou ao poder, acompanhando o marido, ela já carregava a certeza
científica de que a melhor forma de escapar à miséria era propiciar a apreensão
de conhecimento. O dinheiro dado aprisiona; o conhecimento, sim, liberta e
aponta caminhos para a ascensão social, definiu dona Ruth muito antes de que
se consolidassem formas de ampliar a justiça social e reduzir as diferenças de
classe no Brasil.
Em maio de 2007, num seminário organizado pelo PSDB em Brasília, ela disse:
"Temos prazos e metas, e é assim que vamos combater a pobreza, não é
distribuindo recursos e esperando para ver o que acontece, porque isso se faz
há muitos séculos, não tem novidade nenhuma". E arrematou: "Desde a Idade
Média, esse sistema de assistir e doar existe, e a pobreza está crescendo.
Então, não há mais o que discutir, por aí não vamos".
Foi essa ideia revolucionária que orientou o surgimento da rede de proteção
social no governo Fernando Henrique Cardoso. Pela primeira vez na história,
face ao largo contencioso social herdado da escravidão, um governo brasileiro
se mostrou incomodado com os que viviam abaixo da linha da pobreza.
Sob a inspiração de dona Ruth, o governo repudiou a fórmula assistencialista e
optou pela distribuição de oportunidades que permitiriam às pessoas ascender
socialmente mediante o desabrochar de suas próprias potencialidades.
Foi dona Ruth quem consolidou a ideia da contrapartida, para comprometer o
homem com sua própria evolução social.
Esse legado revolucionário sofreria, adiante, desvios reprováveis. Retrocedemos
à noção primária de que o fundamental era dar dinheiro. Regredimos à forma
mais torpe de escravidão, aquela que bloqueia a evolução do homem e o
condiciona ao voto, tornando-o vítima de um vergonhoso processo de
dominação que compromete o seu arbítrio de cidadão.
Foi dona Ruth quem convocou empresários ao Palácio do Planalto pela primeira
vez para discutir um tema até então obscuro e incompreensível -a
responsabilidade social.
Ela usou a força do governo para propagar a consciência de que as grandes
empresas deveriam se corresponsabilizar pela melhoria do cenário social.
Criava-se ali um novo olhar sobre a tragédia da pobreza e a dívida social da
sociedade brasileira.
Ela reinventou a solidariedade.
Sem Ruth Cardoso há um ano, as ideias empobreceram, e o Brasil empobreceu
junto. Seus movimentos criativos e generosos, no entanto, não são elos
perdidos do passado: ao contrário, representam uma ideia vigorosa a demarcar
caminhos para quitar a imensa dívida social que o Brasil tem com as
populações que vivem abaixo da linha da pobreza.
O Brasil merece, dona Ruth merece que não viciemos os cidadãos na
humilhação da dependência, mas ofereçamos a eles a grandiosa opção do
encontro com a cidadania.
JOSÉ ANÍBAL PERES DE PONTES, 61, economista, é deputado federal pelo
PSDB-SP líder de seu partido Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional
do PSDB de 2001 a 2003.
---------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
O enigma do relógio quebrado
Assim como o relógio marca
sempre a mesma hora, nossa
política fiscal sempre estimula a
demanda interna
"CHAPELEIRO Maluco: Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?
Alice: Desisto. Qual é a resposta? Chapeleiro: Eu não faço a menor ideia. Alice:
Eu acho que você deveria fazer coisa melhor com seu tempo em vez de gastálo com charadas que não têm resposta." Também não tenho a solução ("Poe
escreveu sobre os dois" ainda me soa a melhor proposta desde 1865), mas, se
alguém se interessa por enigmas surreais, passíveis de resposta, porém, eu
saberia dizer por que a política fiscal no Brasil se assemelha a um relógio
quebrado.
Porque, é claro, o relógio quebrado, não interessa a hora do dia, marca sempre
a mesma hora, enquanto a política fiscal no Brasil, independentemente do
momento do ciclo econômico, estimula continuamente a demanda interna.
Assim, da mesma forma que, duas vezes ao dia, o relógio quebrado aparenta
mostrar a hora certa, a política fiscal, neste momento recessivo, parece
apresentar o sinal correto. Ademais, assim como o relógio quebrado não é a
melhor solução para saber a hora certa, também nosso arranjo da política fiscal
não é o mais apropriado para lidar com o ciclo de negócios.
Segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, o resultado
primário do governo federal, corrigido pela inflação, encolheu cerca de R$ 32
bilhões nos quatro primeiros meses do ano relativamente ao mesmo período do
ano passado. Desses, menos da metade (R$ 13 bilhões) se refere à queda da
receita, associada à menor atividade econômica. A maior parte da expansão
fiscal se deu pelo aumento do gasto público corrente (em torno de R$ 17,5
bilhões), enquanto parcela ínfima (pouco mais de R$ 1 bilhão) resultou do
crescimento do investimento federal, a despeito da fanfarra em torno do PAC.
Note-se que esse padrão está longe de ser acidental. Pelo contrário, a partir de
2006 (quando a STN passou a divulgar os números do investimento federal e,
coincidentemente, o PAC foi lançado), os gastos correntes aumentaram cerca
de R$ 78 bilhões (R$ 41 bilhões para funcionalismo e aposentadorias),
enquanto o investimento cresceu modestos R$ 10 bilhões. Também não se
trata de monopólio federal: no mesmo período, as despesas correntes do
Estado de São Paulo cresceram R$ 24 bilhões, ante irrisórios R$ 5 bilhões
adicionais de investimentos.
Em bom português, nossos governantes continuam a privilegiar um perfil de
gastos que pouco adiciona à nossa capacidade de desenvolvimento, em vez de
aproveitar o espaço disponível para expansão fiscal com investimentos que
acelerassem o crescimento do país pela eliminação dos gargalos em
infraestrutura. Por fim, o aumento do gasto corrente, ao contrário do que
ocorre com o investimento, dificilmente poderá ser revertido quando a
economia se recuperar. Apenas o dispêndio com funcionalismo federal e
aposentadorias representou quase R$ 12 bilhões a mais nos quatro primeiros
meses do ano e, como mencionado, R$ 41 bilhões adicionais a partir de 2006,
gastos que não poderão ser reduzidos numa conjuntura distinta da economia, a
menos de um aumento inesperado da inflação.
Vale dizer, quando a economia se recuperar, o impulso fiscal -que deveria
existir tão somente no momento de contração econômica- provavelmente
persistirá e, pior, num contexto em que os ganhos em termos de crescimento
potencial serão muito menores do que seriam possíveis caso o perfil do
dispêndio público privilegiasse o investimento em infraestrutura. Ao final das
contas, de todo esse gasto sobrará apenas o sorriso do gato de Cheshire.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander
Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e exdiretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
http://www.maovisivel.blogspot.com/ [email protected]
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Folha de S.Paulo 24 06 2009
Meirelles faz alerta sobre instabilidade
no mercado
Segundo presidente do BC, economia global terá recuperação lenta e
gradual . "É importante manter os pés no chão e evitar exageros e
perdas que houve no passado", afirma Meirelles em Paris
MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A PARIS
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, voltou a alertar para os
perigos de um otimismo precipitado em relação ao fim da crise global e previu
que o Brasil não escapará da volatilidade nos mercados financeiros mundiais.
Segundo Meirelles, as "correções" com que os mercados começaram a semana
indicam que a recuperação da economia mundial vai ser lenta e gradual. O
momento é de "manter os pés no chão", disse.
"Não é uma situação mundial que justifique um clima de "voltou ao que era e
vamos partir para a exuberância novamente". É uma recuperação lenta,
gradual e sujeita ainda a muitas dificuldades", afirmou.
Na segunda-feira, o pessimismo derrubou a Bovespa e as principais Bolsas do
mundo, depois que o Banco Mundial divulgou uma revisão negativa do
crescimento econômico global para este ano. O dólar reverteu o viés de queda
e se valorizou em 2,6%, superando os R$ 2.
Na Câmara de Comércio Brasil-França, em Paris, Meirelles lembrou "a lição
dolorosa, mas útil", das empresas brasileiras que no ano passado tiveram
grandes perdas por apostarem na valorização do real.
A volatilidade observada nos últimos dias reforça a lição e representa um alerta
extra "aos que apostam que as commodities e o real só vão para cima, e o
dólar para baixo", afirmou.
"Todas as direções"
"Os mercados continuam a se mover em todas as direções. Portanto, é
importante manter os pés no chão, ter prudência e fazer movimentos com
cuidado para evitar exageros e perdas que houve no passado", disse.
Apesar de repetir a convicção de que o pior da crise já passou para o Brasil,
Meirelles disse aos empresários que ainda "há muito trabalho a ser feito". Entre
as medidas para que a atividade econômica retorne aos níveis pré-crise,
destacou o incentivo ao crédito para pequenas e médias empresas.
Para isso, Meirelles lembrou que estão "na reta final" os preparativos de um
novo fundo de aval, espécie de seguro contra a inadimplência que será gerido
pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Segundo o presidente do BC, os financiamentos para grandes empresas e o
crédito externo voltam à normalidade.
Meirelles prevê que a economia brasileira não se contrairá neste ano, apesar da
queda no primeiro trimestre. Ele repetiu a avaliação feita na semana passada
pelo presidente Lula de que a decisão do setor automotivo de reduzir a
produção em dezembro de 2008 para "desestocagem" teve impacto
significativo no encolhimento do PIB.
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O Estado de S.Paulo 24 06 2009
''Parou de piorar. Mas a crise não
acabou''
Principal executivo do banco de investimentos americano diz que Brasil
é um dos países em que a recuperação já começou
Leandro Modé
Pela primeira vez em seus 140 anos de história, o banco de investimentos
americano Goldman Sachs realizou no Brasil a reunião anual do Conselho de
Administração. O encontro, realizado durante o último fim de semana em São
Paulo, é prova real do aumento da importância dos países emergentes na
economia global. "O Brasil, mesmo em um mundo em declínio, terá expansão
mais forte. Por isso, em termos relativos, vamos crescer mais aqui", diz o
presidente-executivo e do Conselho de Administração do banco, Lloyd
Blankfein, de 54 anos. Blankfein também falou sobre temas como aperto da
regulação, causas da crise e futuro dos bancos de investimento - que muitos
acreditavam estar fadados ao fracasso, depois da quebra do Lehman Brothers e
da absorção do Bear Stearns e do Merrill Lynch por outras instituições.
O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou o que classificou de
"maior reforma do sistema financeiro desde os anos 30". O sr. acredita
que mais regulação pode evitar crises como a atual?
Se há um acidente de avião, qual a primeira coisa que se faz? Os reguladores
tentam entender o que houve e, a partir daí, implementam mudanças. Alteram,
por exemplo, a maneira de fabricar as aeronaves. É por isso que é tão seguro
viajar de avião. Mas isso significa que não haverá acidentes de avião nunca
mais? É claro que não. Há determinadas situações, circunstâncias... É o mesmo
aqui (no mercado financeiro). A ideia é fazermos o sistema melhorar e ser mais
seguro, mas a perfeição está além da nossa capacidade.
O sr. vê risco de regulação excessiva?
Sempre há um ?trade-off? (troca) entre segurança e agilidade. Se você faz as
coisas muito seguras, pode-se perder inovação. A experiência recente foi muito
mais guiada pela falta de segurança do que pela falta de inovação. É um
pêndulo. Claramente, estamos levando-o em direção à segurança. Se for bem
feito, não perderemos em termos de inovação. Mas, se fizermos de maneira
pobre, pode haver perda. O plano apresentado é muito sensível a esse assunto.
Isso não quer dizer que será bem executado, até porque ainda não sabemos
como será executado. De qualquer forma, o ponto de virada parece muito bom.
O que essas mudanças significam para o seu negócio?
Haverá alterações para todos os negócios, não apenas para o nosso. Haverá um
regulador sistêmico, maior necessidade de transparência, mais regras afetando
alavancagem, liquidez e a segurança dos produtos. Mas, francamente, tudo isso
está no foco porque a experiência recente nos fez mais sensíveis a esses
temas. Vivemos um momento que assustou a todos. Daqui para frente,
seremos mais líquidos, menos alavancados, mais focados em tocar nosso
negócio de forma mais prudente. Haverá mais transparência porque nossos
clientes e as pessoas que nos financiam estão mais desconfiadas. Temos de
responder a todos os nossos medos e preocupações - e os do público. A
regulação está no topo.
Por que tudo isso aconteceu?
Havia muito capital no mundo, muito dinheiro em circulação. Não houve
problemas por muito tempo e as pessoas ficaram complacentes e se
alavancaram. As taxas de juros ficaram baixas no mundo por muito tempo. Um
monte de capital foi acumulado por meio de “pools”, como fundos de
investimento, fundos hedge (os mais arriscados do mercado), fundos de private
equity (participação em empresas), etc. Esse capital foi investido ao redor do
mundo. Quando as coisas ocorrem facilmente, as pessoas dão como certo (os
retornos) e se tornam complacentes. Com isso, o mundo ficou menos
disciplinado. Algumas práticas negligentes deram resultado durante um período
e, quando aconteceu (a crise), tudo se deu muito rápida e violentamente.
Muitas instituições não estavam preparadas. Por isso, não reagiram
suficientemente rápido aos problemas e não protegeram os clientes.
Alguns críticos culpam os bancos centrais, em especial Alan Greenspan,
ex-presidente do Fed (o BC dos EUA).
Não estou em posição de culpar ninguém. Olhando em retrospectiva, vejo
muitas práticas que deveriam ser diferentes. Estou certo de que, com o
benefício do tempo, Alan Greenspan teria feito as coisas de forma diferente,
bem como os reguladores e o Congresso. Não acho justo avaliar as coisas
depois que já aconteceram. Não se pode esquecer que tínhamos pressões
deflacionistas há alguns anos. Acho que o ponto mais importante é: que lições
aprenderemos para o futuro? Quais as verdadeiras lições a aprender e quais as
falsas? Temos de estar seguros de que aprenderemos com as boas lições, não
com as más.
O sr. acredita que as pessoas estão aprendendo as boas lições? Já há
quem diga que a recente alta das bolsas, sobretudo em mercados
emergentes, é uma bolha.
É possível, mas acho que bolhas só são identificadas depois que estouram.
Quando Greenspan fez o discurso em que falava da exuberância irracional dos
mercados, o Índice Dow Jones (o mais tradicional da Bolsa de Nova York)
estava abaixo de 6.000 pontos. Não era um nível em que se identificava
exuberância. Em uma onda de alta, é possível ver isso com mais clareza, mas,
honestamente, não sei se é uma bolha ou não. Quando se olham os
fundamentos do mundo, a situação de países emergentes como o Brasil, pode
ser real. Pode ser cedo demais? Pode, mas pode estar certo também. Estou
calmo porque as pessoas estão questionando se é ou não exuberância
irracional. Alguns acham que sim, outros, não. Esse é o bom mercado. Quando
todos vão para a mesma direção, fico com medo.
Qual a percepção do Goldman Sachs para a economia mundial e, em
especial, para o Brasil?
Nas economias desenvolvidas, a situação estava tão ruim que uma recuperação
era inevitável. A economia real está indo na direção correta, mas devagar. O
melhor que se pode afirmar, neste momento, é que a taxa de declínio
desacelerou e não que já chegamos ao final (da crise). O que já vemos é o fim
da deterioração. Quando se acredita que parou de piorar, é possível projetar o
ponto de virada. Acreditamos que esse ponto se dará no fim deste ano. A
economia real está atrás do mercado porque os valores dos ativos estavam tão
baixos que uma alta das cotações era inevitável. Isso porque, no início do ano,
um dos cenários para 2009 era de uma total catástrofe. Esse está fora da mesa
hoje. A economia real vai se recuperar lentamente. Provavelmente sentiremos
os efeitos dessa virada no início do ano que vem. Os mercados normalmente
antecipam esses movimentos. Com relação aos emergentes, tudo o que
acontecer nos mercados desenvolvidos será potencializado. Ou seja, mesmo
um um mercado ruim, os Brics sentirão menos. Quando houver a recuperação,
esses países vão senti-la mais fortemente. Na nossa opinião, o Brasil já está se
recuperando. O crescimento no ano poderá ser negativo - talvez 1% - por
causa do primeiro trimestre muito ruim. Mas veremos crescimento positivo no
País na segunda metade do ano.
É isso que explica sua visita?
Não há correlação. Queremos ajudar as pessoas que usam nossos serviços em
um ambiente de perspectiva de crescimento. Se as pessoas estão procurando
financiamento, estão investindo... É isso que fazemos. Se as pessoas estão
deprimidas, não acreditam no crescimento, não fazem essas coisas. O que elas
querem de nós? Querem nossos conselhos, nosso ponto de vista. Claramente,
nossa expansão será maior em mercados que crescem mais. E o Brasil, mesmo
em um mundo em declínio, terá expansão mais forte. Por isso vamos crescer
nossos negócios aqui mais em termos relativos.
O Goldman Sachs devolveu US$ 10 bilhões que pegou do governo
americano
no
Tarp
(Programa
de
Recuperação
de
Ativos
Problemáticos). Não foi cedo demais?
Não. O dinheiro do governo ajudou o sistema e nos ajudou também.
Sinceramente, somos gratos por isso. Uma semana antes de o governo lançar o
Tarp, levantamos dinheiro no mercado e com (o megainvestidor) Warren
Buffett. Ou seja, procuramos cuidar de nosso capital àquela época. Depois,
conseguimos capital adicional com o regulador. Mas éramos tão líquidos que
não precisamos de mais. Elementos do programa foram importantes para o
sistema em geral, mas nunca quisemos que se tornasse permanente.
Os bancos, entre eles o Goldman Sachs, ganharam muito dinheiro nos
últimos anos. Como manter a alta lucratividade em um ambiente bem
mais desafiador?
Faremos como nos últimos 140 anos. Nosso negócio não é fazer dinheiro, mas
financiar pessoas, levantar capital, investir por elas, aconselhá-las... Em
diferentes momentos, esse negócio é mais ou menos lucrativo. Temos ido bem
nos diferentes ciclos. Estou há 27 anos neste negócio e os clientes precisam de
nós. Na verdade, não sei se a hipótese de sua pergunta está correta. Não estou
dizendo que você esteja errado, mas eu não sei se está certo. Minha opinião
pessoal, com segurança, é que não tenho ideia. E admito isso. Não sei, mas,
com base em minha experiência, sei também que ninguém sabe.
No pior momento da crise, o modelo de bancos de investimento foi
dado como morto por alguns.
Não achei que essa análise estivesse certa naquele momento e continuo
achando que não está. O que é esse modelo? Ajudamos empresas a levantar
capital, fazemos fusões e aquisições, levantamos financiamento no mercado de
dívidas, gerenciamos seu dinheiro... Qual dessas atividades está fora de moda?
Qual delas não é um bom negócio hoje?
Quem é: Lloyd Blankfein
É presidente-executivo e do Conselho de Administração do Goldman Sachs
desde 2006, quando substituiu Henry Paulson, que se tornou secretário do
Tesouro dos Estados Unidos
------------------------------O Estado de S.Paulo 24 06 2009
Correções de mercado são alerta, diz
Meirelles
Para presidente do Banco Central, mercados financeiros ainda vão
sofrer com as oscilações
Andrei Netto
As correções realizadas pelos mercados financeiros no Brasil e nas principais
praças internacionais são um alerta de que a exuberância ainda não voltou, de
acordo com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Reunido com
empresários brasileiros e franceses na tarde de ontem, em Paris, Meirelles
reafirmou que as flutuações nos preços das commodities e do dólar vão
continuar porque a crise persiste.
A avaliação foi feita ao fim da reunião promovida pela Câmara do Comércio do
Brasil na França, no Bristol Hotel, em Paris. Ainda sob o impacto da onda de
pessimismo que tomou os mercados internacionais na segunda-feira - quando a
Bovespa caiu 3,66% e o dólar subiu 2,58%, atingindo R$ 2,024 -, Meirelles
ressaltou a necessidade de prudência.
"As correções dos mercados nos últimos dias podem continuar e confirmam o
que temos dito recentemente. Não há um espaço para clima de ?voltou ao que
era antes? e ?vamos partir para a exuberância novamente?", afirmou. "As
correções foram um alerta para aqueles que apostam que o preço das
commodities e o real só vão subir, e que o dólar só vai cair."
A instabilidade prossegue, segundo Meirelles, porque a recuperação da
economia mundial será "lenta, gradual e sujeita a muitas variações". Apesar
das advertências, o presidente do BC reiterou que as previsões indicam que o
pico da crise foi superado. A perspectiva será confirmada - ou não - pelo
relatório de projeções do Banco Central, que será divulgado na próxima
semana.
MOEDAS
Em meio a uma agenda repleta de eventos em Paris, na França, e Basileia, na
Suíça, Henrique Meirelles confirmou ontem que dará início nesta semana às
discussões sobre a adoção de moedas locais em operações de comércio
exterior. Os debates serão realizados em encontros com os presidentes dos BCs
da China, da Índia e da Rússia - os Brics -, durante as reuniões na sede do
Banco de Compensações Internacionais (BIS).
"Vou me reunir com cada um deles individualmente para entender quais são as
dificuldades, qual é o nível de interesse, mostrar o que já fizemos com a
Argentina, o que estamos trabalhamos com o Uruguai, entender o que já foi
feito na Ásia", confirmou Meirelles. "A partir daí, vamos discutir com a
orientação dos chefes de Estado."
Meirelles não descartou a possibilidade de as discussões se estenderem aos
projetos de substituição do dólar como moeda de reserva. "O que estamos
falando é de moeda de comércio. Sobre moeda de reserva, tem outra
discussão, que envolve até mesmo saber qual seria essa moeda", ressaltou.
"Nada impede que discutamos também a moeda de reserva." A determinação
para a reunião dos presidentes dos BCs foi tomada pelos chefes de Estado e de
governo durante a Cúpula dos Brics, na semana passada, em Ecaterimburgo,
na Rússia.
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OUTRAS NOTÍCIAS
O Estado de S. Paulo 24 06 2009
A diferença entre servir à Pátria e
servir-se dela
José Nêumanne
Esses escândalos no Senado propiciam uma ótima oportunidade para "passar o
País a limpo" e "mudar tudo o que está aí", como pregava o PT de Lula quando
se fingia de PV (um partido de vestais). A existência de decisões secretas que
produzem gastos públicos para pagar privilégios privados caracteriza a traição
do princípio elementar da transparência, sem o qual é impossível o cidadão
saber como o Estado usa o dinheiro que lhe toma na forma de impostos. A
clandestinidade é uma maneira aceitável de desafiar a lei se acoberta grupos
políticos que combatem alguma tirania, mas inaceitável se ocorre numa
instituição republicana, que exerce um poder de representação da cidadania.
No caso, o benefício da clandestinidade aprofunda a crise da
representatividade, passando o Congresso de clube privado a bando mafioso.
Dois episódios recentes ilustram a malsã confusão vigente - na Monarquia e nas
Nova e Velha Repúblicas, no Estado Novo e na democracia liberal de 1946, na
ditadura militar e na atual gestão petista - entre a coisa pública e a vida
privada. Ao se defender, da tribuna do Senado, com voz tatibitate e trêmula
(favor não confundir com embargada), o presidente da Casa (e ex da
República) disse que a crise não era dele mesmo, mas da instituição. E cobrou
mais respeito por tudo quanto teria feito pela Pátria.
Suas frases gaguejadas encontraram eco na voz rouca e solícita do
"absolvedor-geral da República", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se
arvorou a subverter o conceito basilar sobre o qual está erigida a nossa e
qualquer outra ordem institucional democrática que se preze - o de que "todos
são iguais perante a lei". Como o Senado não é uma vaga entidade, mas uma
instituição representativa da sociedade, composta por membros eleitos pela
cidadania, a crise que o atinge é de todos os brasileiros, em particular dos
senadores e, mais em particular ainda, de quem o preside. Se nem isso Sarney
conseguiu aprender em tantos anos de "serviço" público, a coisa pode ser mais
grave do que parece.
Mas absurdo maior que tentar fugir da responsabilidade de enfrentar a crise é
se pretender acima da lei, como Sarney disse ser, da tribuna. E Lula avalizou,
direto do Casaquistão, onde foi fotografado envergando um bizarro traje que
trouxe à lembrança fantasias carnavalescas do Baile do Municipal, quando
havia. Não há ninguém acima da lei: não estava, por exemplo, o heroico garoto
que impediu a inundação dos Países Baixos pondo o dedo no buraco do dique.
Isso não evita que este redator banque o advogado do diabo e pergunte ao
presidente do Senado a que serviços ele se referiu quando avocou a
inimputabilidade: os que prestou à ditadura militar, presidindo o partido por
meio do qual ela pretendeu se legitimar, ou ao doce constrangimento com que
assumiu o cargo máximo no lugar do presidente morto da dita Nova República?
Lula, sim, pode-se gabar de ter sido herói da Pátria quando ajudou a derrubar a
longa noite dos porões, comandando operários em greve que desmancharam a
frágil ordem legal vigente do regime dos quartéis. Nem isso lhe dá, contudo, o
direito de se conceder ou transferir a outrem a condição de inimputável, que no
império da lei simplesmente inexiste.
Na condição de conciliador das elites dos bacharéis e patriarcas de antanho com
as elites de ex-guerrilheiros e sindicalistas de hoje, e principal beneficiário de
seu pacto solidário - como demonstrou, com invulgar brilho, o cientista político
Leôncio Martins Rodrigues, neste jornal, anteontem (pág. D2) -, o presidente
nada de braçadas nesse incidente. Pois tira proveito da desmoralização do
Legislativo, da qual se beneficia legislando em seu lugar, ao mesmo tempo que
socorre seus maiorais para continuar tendo-os a seu serviço e sob seu cutelo
magnânimo.
Mais que as palavras do pecador irredutível e de seu caprichoso absolvedor,
trouxe notícia recente a evidência que não faltava da mistureba de público e
privado que a aliança da porteira do curral de votos com a porta de fábrica
fortalece neste nosso Brasil varonil. A governadora do Maranhão, Roseana
Sarney, herdeira do patriarca, dar ao contribuinte a subida honra de pagar o
salário de seu mordomo é a prova mais deslavada de que, para seu clã, prestar
serviços à Pátria é permitir que os patriotas lhe paguem os serviçais.
Nesta rede de termos que se cruzam e se explicam entre si, é significativo que
o cargo exercido pelo servidor na casa da governadora maranhense em Brasília
seja o de mordomo - raiz etimológica do neologismo mordomia, usado para
designar os privilégios das castas política e burocrática em série de reportagens
de Ricardo Kotscho publicada neste jornal em plena ditadura. Como nas
comédias de erros (de Shakespeare aos humorísticos populares de televisão) e que não se perca a piada pela própria designação do gênero teatral -, o
mordomo Amaury de Jesus Machado atende pela alcunha de Secreta, de
"secretário", mas também denominação aplicada aos atos clandestinos que
permitem esse e outros tipos de abusos.
Secreta recebe, na condição de motorista "noturno" do Senado (que nem
sequer funciona tanto assim à luz do dia), R$ 12 mil por mês. Lembro-me de
que, quando constituinte, Lula me confidenciou, em tom de espanto, que a
"companheira" que servia café em seu gabinete ganhava mais que os mais
qualificados metalúrgicos do ABC, seus liderados. Hoje, porém, estando em sua
mão o timão do pacto dos patriarcas dos grotões com os hierarcas dos
sindicatos, que governa o País, já não se espanta com o fato de o povo pobre
pagar ao motorista e mordomo salários com os quais sonham em vão médicos,
professores e outros servidores públicos menos votados.
Por que político nenhum, dentro ou fora do Congresso, fica indignado com isso?
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
O Estado de S.Paulo 24 06 2009
Lula: ''Prefiro dar dinheiro a pobre a
cortar imposto''
Presidente reclama dos empresários e da falta de repasse das isenções fiscais
aos preços dos produtos
Alexandre Rodrigues e Felipe Werneck
Em vez de desonerar a atividade produtiva - caso das isenções do IPI sobre
automóveis e eletrodomésticos - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse
ontem que prefere distribuir dinheiro aos pobres para aquecer a economia.
Insatisfeito com o reflexo das isenções fiscais nos preços dos produtos, Lula
defendeu as políticas de transferência de renda e disse que é preciso rever o
discurso de redução de carga tributária, que ouve dos empresários.
No lançamento das obras de revitalização do Porto do Rio, o presidente disse
ter dado o recado em reunião recente com o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, e um grupo de empresários. "Eu falei para eles: em vez de a gente
ficar desonerando o tanto que está desonerando, é melhor pegar esse dinheiro
e dar para os pobres. Se os pobres tiverem dinheiro e forem comprar, vocês
têm de produzir. Agora, a gente desonera e vocês não repassam para o custo
do produto. Nós já desoneramos nesse meu mandato R$ 100 bilhões. Imagina
R$ 100 bilhões na mão do povo brasileiro!"
As declarações de Lula arrancaram aplausos dos trabalhadores das obras do
porto que assistiam à cerimônia. O discurso do presidente foi todo centrado
nesse princípio e na defesa do Estado forte e com capacidade financeira para
influenciar a economia. "Cada real que você dá a uma pessoa pobre volta
automaticamente para o comércio, para o consumo. Voltando ao consumo, vai
reativar a economia. Às vezes você dá R$ 1 milhão a uma pessoa e fica lá no
banco. Ele não faz nada, só ele vai ganhar dinheiro. Na hora em que você dá
R$ 1 a cada pobre, dando para mil pessoas são R$ 1 mil que voltam para o
comércio meia hora depois. Nem que for para um boteco, para tomar uma
canjebrina (cachaça). Ele não vai para derivativos. Vai para o comércio, e é isso
que nós precisamos para fazer a economia deste País crescer."
Lula indicou que não está mais disposto a ceder aos apelos de empresários por
novas desonerações tributárias. E voltou a se queixar da derrubada da CPMF no
Congresso, em 2007, que contou com o apoio de entidades empresariais, como
a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).
"Acho que essa conversa eu vou ter daqui para frente com muitos empresários.
Perdemos R$ 40 bilhões do orçamento da União para cuidar da saúde deste
País e eu não vi ninguém reduzir os preços nos 0,38% da CPMF. E quem perdeu
foi essa gente aqui", disse Lula, apontando mais uma vez para os operários da
plateia. "Disseram: se a gente deixar R$ 40 bilhões por ano na mão do Lula, ele
vai ganhar as eleições. Ganhei. E vamos ganhar outra vez. O povo não aceita
mais mesquinharia, não aceita mais baixaria", disse, alfinetando a oposição.
--------------------------------------O Estado de S.Paulo 24 06 2009
''Networking'' é a palavra da moda no
festival
O jornal ''O Estado de S. Paulo'' é o representante oficial do Festival de Cannes
no Brasil
Com sete Leões na bagagem e a perspectiva de mais alguns até o final da
semana, Sérgio Valente, presidente da agência DM9DDB, não esconde a
satisfação em mais uma rodada do Festival Internacional de Publicidade de
Cannes. Valente tem sido, como outros brasileiros na costa francesa, presença
frequente nos seminários.
"Se, no ano passado, “convergência” era a palavra que sintetizava o espírito
das palestras, esse ano é “networking” que assume esse papel", diz ele. "Não
existe mais digital ou não digital. Quem usa e-mail é velho. Hoje o mundo é
multimídia, as pessoas estão conectadas na mão." Apesa dessa declaração,
Valente diz que a mídia tradicional não corre o risco de desaparecer. "Mudam
os papéis. Até a internet está se repensando. Basta ver que as marcas de maior
influência nesse ambiente, o Twitter ou o Facebook, não conseguem ser
influentes a ponto de se rentabilizar."
As palestras que tocam em temas relacionados a network, como as de um dos
idealizadores do Twitter, ou do Facebook, lotam. Mas a carência de
perspectivas sobre o futuro desses negócios frustra quem esperava algo além
da constatação de que as redes sociais crescem e o público adora. Para Pedro
Cabral, presidente do grupo inglês Isobar na América Latina, no entanto, já há
soluções que fazem as marcas dos anunciantes sobreviverem nesses ambientes
de comunicação online. "O Facebook, por exemplo, criou uma plataforma onde
as empresas podem criar ambientes para se relacionar com as pessoas."
Em concorrida palestra no Palácio dos Festivais, o presidente global do grupo
inglês Isobar, Nigel Morris, alertou para o fato de que, cada vez mais, o
consumidor tem capacidade para construir histórias a respeito das marcas nas
redes sociais. "Não é mais o anunciante que escolhe quando vai falar com o
consumidor. É ele quem decide como e quando fala."
Para o diretor de marketing da operadora de comunicações Nextel, Fábio
Toledo, a interpretação dessa nova realidade no universo dos negócios é o fato
de que as marcas que quiserem vender têm de ficar ligadas 24 horas, prontas a
dar respostas. "Esse é o grande desafio", diz ele.
-----------------------------------------------------Jornal do Brasil 24 06 2009
PIB da China já cresce perto de 8%
Economia do país está no caminho da recuperação, segundo agência
nacional de estatísticas
O Produto Interno Bruto (PIB) da China no segundo trimestre provavelmente
acelerou para perto de 8%, ante 6,1% nos três primeiros meses do ano,
afirmou ontem um estatístico do governo chinês.
Guo Tongxin escreveu no China Notícias, um jornal da agência nacional de
estatísticas, que sua projeção é baseada em dados já publicados referentes a
abril e maio.
"No geral, a menos que haja grandes surpresas, basicamente podemos avaliar
que no momento o país atingiu o fundo do poço e o período mais difícil já ficou
para trás", escreveu Tongxin, que faz parte da agência. "Então, no próximo
estágio, a economia pode olhar para o caminho da estabilização e da melhora."
A agência publicará os dados do PIB do segundo trimestre em 16 de julho.
Restrições chegam à OMC
A União Europeia e os Estados Unidos deram entrada ontem em um processo
junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as restrições que a
China impôs à importação de algumas matérias-primas estratégicas, anunciou a
Comissão Europeia.
"A UE pediu hoje (ontem) consultas na OMC com a China sobre as restrições
que Pequim aplica sobre um certo número de matérias-primas chave", indicou
a Comissão em um comunicado.
Os Estados Unidos também apresentaram a mesma solicitação, segundo
Bruxelas. Trata-se do primeiro pedido da administração de Obama junto à
OMC.
O lançamento de consultas constitui uma primeira etapa no processo de
mediação na instituição. Essa fase se prolonga por um prazo máximo de 60
dias, ao fim do qual, se não houver sido alcançado um acordo, é constituído um
grupo especial encarregado de examinar a questão.
Entre os produtos cujas restrições são questionadas por europeus e americanos
estão insumos para a fabricação de semicondutores e da indústria aeronáutica,
como zinco, bauxita, magnésio e manganês.
Dependência de minério
A dependência da China nas importações de minério de ferro deve aumentar
para 70% este ano, ante 50% anteriormente, devido à disponibilidade de
importações mais baratas, informou ontem o Shanghai Securities News, que
citou um executivo da Sinosteel Corp Ltd.
A Sinosteel, maior comercializadora estatal de aço do país, tem atuado como
corretora para importações de quase 10 milhões de toneladas de minério nos
primeiros cinco meses do ano, quase o triplo do nível registrado no ano
anterior, disse o executivo ao jornal.
– Isso se deve principalmente a siderúrgicas de pequeno e médio porte na
China, que saíram do mercado doméstico de minério de ferro e passaram a
importar. Uma vez que o minério importado é mais competitivo em termos de
preço, a confiança de usinas domésticas em importações este ano pode
aumentar para 70% contra 50% anteriormente – acrescentou o representante.
Em maio, a China importou 53,46 milhões de toneladas de minério de ferro,
pouco abaixo do recorde de 57 milhões de toneladas importadas em abril,
enquanto as siderúrgicas do país ainda enfrentam um impasse nas negociações
de preço com fornecedores incluindo Rio Tinto, BHP Billiton e Vale.
Na segunda-feira, a associação de aço do país asiático sinalizou que as
negociações sobre preços com as três gigantes do setor devem ultrapassar
junho.