Pensamento do Dia Pensamento do Dia
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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 24 06 2009 --------------------------------------------------------------------Valor Econômico 24 06 2009 É hora de sair da casca David Kupfer Enquanto os bebês concebidos em 15 de setembro de 2008, data da quebra do Lehman Brothers e que simbolicamente marca o início do crash financeiro mundial, já nasceram, os especialistas ainda não conseguiram concluir se a crise será um V, um U com a curva direita muito ou pouco suave, um L com o segmento vertical mais ou menos inclinado ou até mesmo um W, como aventado mais recentemente. Porém, debates sobre caligrafia à parte, virando a lente para um futuro um pouco mais distante do que o próximo trimestre, já é possível vislumbrar grandes inflexões ou mesmo mudanças de paradigma que a economia mundial irá experimentar após a digestão da fase aguda da crise, dure ela mais seis meses ou dois anos e, mais importante, avançar no debate sobre os meios e modos de enfrentar os desafios que essas mudanças estão trazendo. Uma das dimensões na qual a ruptura da antiga ordem econômica mundial já provoca e continuará provocando uma importante inflexão é a relacionada aos fluxos de capitais privados entre os países. A julgar pelos números recémdivulgados no relatório Desenvolvimento Financeiro Global 2009 do Banco Mundial, esses fluxos estão experimentando uma grande retração que dificilmente será revertida nos anos vindouros. Segundo o documento, a perda de valor de mercado das empresas cotadas nas bolsas de valores mundo afora atingiu a incrível marca de US$ 17 trilhões. Na medida em que os excedentes de capital, em grande parte estacionados nos mercados financeiros dos EUA, União Europeia e Japão, vão sendo erodidos pela deflação no valor dos ativos, e que as fontes de incerteza que rondam os negócios não são revertidas, mais crítica para assegurar a retomada do crescimento será a habilidade dos países em desenvolvimento em criar mecanismos de financiamento alternativos que permitam ocupar esses espaços vazios. Avaliado nesse contexto, o primeiro encontro de cúpula dos Bric, realizado na semana passada em Ecaterimburgo, na Rússia, ganha um significado próprio. No Brasil ainda é moda questionar a racionalidade da criação de um grupo reunindo Brasil, Rússia, Índia e China que, além do tamanho de seus territórios, populações e economias, pouco mais partilham em comum. Tratar dos Bric é realmente um desafio teórico e também uma dificuldade empírica pois, de fato, não há uma razão clara que justifique o agrupamento desses países para fins analíticos, que não os objetivos prospectivos de seus criadores, interessados que estavam em realçar o peso que, em um futuro longínquo, esse grupo de países poderia representar para a economia mundial. No entanto, se pensado além de um conceito talhado especificamente para análises econômicas, há uma dimensão que, já no momento presente, une esse conjunto de grandes países emergentes: a importância que uma efetiva coordenação dos Bric pode desempenhar na arena da reorganização do sistema financeiro internacional. Isso porque, vis a vis o peso atribuído aos países centrais, os Bric são, sem qualquer sombra de dúvida, sub-representados nessa esfera, relativamente a enorme massa de ativos monetários e financeiros que detêm e que, no mundo pós-crise, tornou-se ainda maior em termos comparativos. Por isso, avanços na construção de alguma capacidade de coordenação monetária-financeira entre os Bric, que seja bem-sucedida em reduzir a dependência hoje exibida ao dólar americano e aos sistemas financeiros centrais, certamente terão implicações de vulto para esses quatro países na medida em que, de alguma maneira (a China mais, o Brasil menos), já constituem centros econômicos regionais. Para o Brasil, o maior fôlego financeiro poderá significar uma rara janela para um profundo reposicionamento estratégico da inserção externa do país, especialmente no sub-continente sul-americano, com consequências extremamente positivas para o futuro da indústria nacional. Muito além da posição favorável em commodities agrícolas e industriais que historicamente se conseguiu consolidar, está em questão as possibilidades de as demais indústrias, especialmente a mecânica e a eletrônica, encontrarem uma trajetória de expansão apoiada em operações internacionais, envolvendo aquisições de empresas sediadas em outros países ou investimentos greenfield no exterior, que possam significar uma entrada mais efetiva no jogo global que hoje caracteriza a produção e o consumo nesses mercados. Do mesmo modo que há pouco mais de dez anos o Brasil enfim entendeu que havia um "jogo a ser jogado" na arena do comércio internacional e "entrou em campo" adotando táticas algumas vezes certas, outras nem tanto, é hora de colocar em movimento novas peças em um jogo muito mais bruto, complexo e sofisticado que é o das finanças internacionais e que, ademais, é complementar e potencializa o primeiro. Assim como parece claro que a coordenação mundial não se dará exclusivamente no plano multilateral, as iniciativas que ora se avolumam envolvendo o G-20, Bric, Mercosul e América do Sul, dentre outras, mostram as vários esferas em que a ação brasileira necessita se dar nesse momento, fazendo a agenda da diplomacia econômica brasileira se alargar com grande velocidade e exigindo a necessária capacidade de resposta do Estado brasileiro. Esses movimentos sugerem que já há elementos suficientes para se antever qual o principal desafio que se coloca para o Brasil pós-crise: "sair da casca". Não é porque o país conta com um mercado interno, que pode permitir uma travessia menos traumática pelo período mais duro da crise internacional, que se pode ou se deve deixar de lado as oportunidades de melhoria na inserção externa que ora se vislumbram. A violenta contração do fluxo internacional de capitais privados, que se mostra ainda mais intensa do que previam os especialistas, traz oportunidades para que mais empresas brasileiras além das exceções de sempre - Petrobras, Vale, as grandes construtoras e poucas outras -, se projetem internacionalmente. Claro que concretizar esse movimento requer por em prática estratégias muito mais ousadas do que as empresas brasileiras têm condições de adotar. Mais uma vez está nas mãos do Estado brasileiro a tarefa de articular as políticas que concretizem essa possibilidade. David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ www.ie.ufrj.br/gic - [email protected]) ----------------------------------------- Valor Econômico 24 06 2009 Pobres destinam maior fatia de renda para a contribuição da Seguridade Social A contribuição indireta dos menos favorecidos Erito Marques de Souza Filho Alguns advogam para a necessidade de uma lógica na qual todos devem contribuir para ter direito ao benefício Na política fiscal e tributária brasileira que prevaleceu até fins de 2007, pode-se destacar o aumento não legislado do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas, o aumento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Em particular, o aumento na arrecadação da Cofins e da CPMF se traduziu em um aumento da contribuição indireta também dos indivíduos pobres, uma vez que a incidência desses tributos não recai exclusivamente sobre o empresário, pois é repassada ao consumidor. Essa contribuição indireta da população pobre é ignorada, enquanto a sua não contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social aparece como reflexo de um comportamento oportunista, quando nada mais é do que incapacidade de contribuição em razão do seu déficit agudo de renda (de acordo com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar - POF -, a renda média mensal de um domicílio pertencente ao primeiro décimo de renda é de R$ 71,52, para o segundo décimo esse valor é de R$ 141,74, enquanto para o último décimo R$ 3.992,37). O debate acerca da necessidade de desvincular os benefícios previdenciários do piso do salário mínimo retoma essa questão, pois os que defendem a desvinculação julgam que a existência de benefícios não contributivos como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou mesmo aqueles cuja contribuição tem perfil errático - caso da aposentadoria rural - seriam desincentivos ao financiamento do sistema no longo prazo, concedidos aos pobres. Para se estimar a magnitude da contribuição tributária indireta ao orçamento da Seguridade Social das camadas mais pobres, foi aplicada de modo linear a alíquota de 12,38% (Cofins + CPMF + CSLL) aos gastos, disponíveis na POF 2002-2003, com os atributos de água, energia elétrica, gás e alimentação dos décimos inferiores da distribuição de renda domiciliar per capita. Essa hipótese pode ser considerada conservadora, uma vez que a alíquota efetiva desses tributos é significativamente maior que a alíquota estatutária; por exemplo, Paes e Bugarin ("Parâmetros tributários da economia brasileira", Estudos Econômicos, v. 36) estimaram, em 2006, alíquotas efetivas médias de 1,31% para a CPMF. Os resultados obtidos indicam que a contribuição anual do primeiro décimo foi de cerca de R$ 2 bilhões, enquanto o segundo décimo contribuiu com pelo menos R$ 2,4 bilhões. Todos os valores aqui apresentados foram deflacionados pelo IPCA de dezembro de 2006. Para compreender a ordem de grandeza da contribuição total de ambos os décimos, basta dizer que ela é equivalente ao gasto do governo com o BPC em 2006 e corresponde a 56,25% do total gasto pelo governo com o Programa Bolsa Família (PBF) nesse mesmo ano. Um domicílio pertencente ao primeiro décimo desembolsa anualmente, em média, cerca de R$ 423 com a Seguridade Social, o que corresponde à cerca de R$ 35,27 por mês, enquanto um domicílio que pertença ao segundo décimo gasta cerca de R$ 507,14 reais por ano, ou cerca de R$ 42,26 por mês. Dividindo-se a contribuição mensal domiciliar por décimo pelo seu respectivo tamanho familiar, depreende-se que a contribuição mensal per capita do primeiro décimo é de R$ 6,72 enquanto é de R$ 9,31 para o segundo décimo. Além disso, a contribuição de um indivíduo pertencente ao primeiro décimo corresponde a 9,40% de sua renda; para o segundo décimo, o valor é de 6,57%. Os valores dessa contribuição para os demais décimos seguem uma tendência decrescente, alcançando o valor 1,09% para o último décimo. Portanto, os pobres destinam proporcionalmente maior fatia de sua renda para a contribuição da Seguridade Social do que os ricos! Para avaliar a magnitude da contribuição mensal feita pelas camadas mais pobres ao financiamento da proteção social no longo prazo, foi feita uma simulação em um plano de previdência complementar. Considerando-se uma situação de baixa taxa de rentabilidade, os resultados obtidos indicam que um domicílio que contribuísse mensalmente na modalidade Vida Gerador de Benefício Livre Júnior (VGBLJ) com R$ 35,27, a partir dos 10 anos de idade, receberia uma renda vitalícia de R$ 299,71 após 50 anos de contribuição e teria provisão acumulada de R$ 59.926,29. Por outro lado, um domicílio que contribuísse mensalmente, a partir dos 10 anos de idade, na modalidade VGBLJ com R$ 42,26, receberia uma renda vitalícia de R$ 359,50 após 50 anos de contribuição e teria um pecúlio acumulado de cerca de R$ 71.882,53. Os valores desses benefícios vitalícios representam respectivamente, em 2006, 0,85 e 1,02 do salário mínimo vigente, que era de R$ 350. Como o tamanho médio de um domicílio pertencente ao primeiro e décimo é de 5,25, segue que cada indivíduo pertencente a esse décimo teria direito a uma renda vitalícia de R$ 57,08, o que corresponde a 16,3% do salário mínimo. Para um indivíduo pertencente ao segundo décimo, esse valor é de R$ 79,18, correspondendo a 22,6% do salário mínimo. Quando se dá um benefício a um cidadão, parte desse benefício retorna aos cofres públicos por meio da tributação indireta e parte desse benefício é um direito legítimo desse cidadão em função de sua contribuição indireta ao longo da vida, ainda que muitas das vezes ele não saiba. Paradoxalmente, o debate contemporâneo parece advogar a necessidade de uma lógica atuarial, na qual todos devem contribuir (diretamente) para ter direito ao benefício. Entretanto, esta argumentação deve ser avaliada com cuidado, pois a contribuição indireta das camadas menos favorecidas é significativa e, assim sendo, qualquer reforma que se proponha no sistema tributário brasileiro e na Seguridade Social deve levar em consideração a possibilidade de compensação dos pobres ante essa pesada carga tributária indireta que os oneram. Dentre as possíveis alternativas, pode-se citar os programas de renda mínima e a desoneração do consumo de bens essenciais para as camadas mais pobres, tais como a cesta básica. Erito Marques de Souza Filho é professor assistente do Instituto Multidisciplinar da UFRJ. -----------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009 ANTONIO DELFIM NETTO A "receita" DESDE SEMPRE os economistas buscaram "receitas" que produziriam o desenvolvimento. Adam Smith, muito antes de publicar a "Riqueza das Nações", já propagava a sua: "Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas" ("Essays on Philosophical Subjects", 1755). Dois séculos depois (no início dos anos 90), quando a população mundial era seis vezes maior e o PIB per capita 11 vezes maior do que em 1755, os economistas pensaram ter encontrado a fórmula mágica com o famoso Consenso de Washington. Este insistia, equivocadamente, no Estado "mínimo", mas muitas das suas prescrições (equilíbrio fiscal, taxa de câmbio "realista", por exemplo) eram corretas. Ele foi muito criticado pelo que nunca sugeriu: a plena liberdade de movimento de capitais! A crítica fundamental é que ele, como em geral toda a teoria do desenvolvimento, ignorou o papel da história, da geografia e do que se pode chamar da "cultura" dos países. Cultura é um conceito abstrato, difícil de definir, porque envolve a própria forma de viver da sociedade (as crenças, o conhecimento, as leis, os costumes, a arte, a moral), mas é importante para organizá-la para o desenvolvimento econômico e social. Recentemente (setembro de 2004), um grupo de excelentes economistas reuniu-se em Barcelona e divulgou uma "agenda" (na realidade, uma "receita aberta") para explorar as "perspectivas de crescimento e de desenvolvimento" dos países emergentes. A diferença de novo enfoque é visível na sua primeira recomendação: "O raciocínio econômico básico e a experiência internacional sugerem que a qualidade das instituições, tal como o respeito às regras da lei e o direito de propriedade, somada à orientação do mercado, com um balanço apropriado entre ele e o Estado, e uma atenção à distribuição da renda estão na raiz das estratégias de desenvolvimento bem-sucedidas". E continua: "Encorajar os países em desenvolvimento a copiarem mecanicamente as instituições dos países ricos -como as instituições financeiras internacionais tendem a fazer- pode produzir mais danos do que benefícios". O desenvolvimento econômico e social é, numa larga medida, idiossincrático. E isso deve ser levado em conta na formação acadêmica dos economistas. É claro que eles precisam conhecer a literatura internacional, mas é ainda mais claro que devem ter vivência e estudo da história, da geografia e da "cultura" do país em que estão inseridos. [email protected] -------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009 TENDÊNCIAS/DEBATES A invenção dos programas sociais JOSÉ ANÍBAL Foi dona Ruth quem consolidou a ideia da contrapartida, para comprometer o homem com sua evolução social A MELHOR chance que se pode dar a quem vive abaixo da linha da pobreza não é a solução óbvia de distribuir dinheiro -que alivia, mas ensina pouco-, mas distribuir oportunidades. Distribuir dinheiro tira momentaneamente da pobreza, mas só a distribuição de oportunidades permite o passo redentor que permite a ascensão social e, ao mesmo tempo, confere dignidade. Alguém cunhou uma expressão feliz -não se dá o peixe, ensina-se a pescar. Distribuir dinheiro para um homem que é são, já dizia o poeta nordestino Luiz Gonzaga, o rei do baião, ou o mata de vergonha, ou vicia o cidadão. Distribuir dinheiro sem contrapartida é condicionar o homem à eternização do assistencialismo que não o promove - ao revés, o condiciona à dependência. Distribuir oportunidades fortalece o homem, ajuda-o a enxergar-se cidadão. Distribuir dinheiro é lesar a criatividade do pobre, menosprezar sua capacidade empreendedora, desconfiar das suas potencialidades de realizar. O saber local existe e é capaz de gerar revoluções, ensinou-nos a antropóloga Ruth Cardoso. O seu jeito de olhar a pobreza sem associar a miséria à mera e efêmera carência material vinha de quem via, nos pobres, potencialidades inatas capazes de conferir-lhes independência, dignidade e liberdade -bastava uma mãozinha para criar oportunidades redentoras. Foi assim, acreditando que a melhor solução para redimir a miséria era a distribuição de oportunidades, não de dinheiro, que Dona Ruth construiu seu pensamento singular, que revisou os fundamentos antropológicos no Brasil contemporâneo. Ela consolidou esse pensamento na década de 1970, quando o saber antropológico no Brasil não concebia fórmulas eficazes para promover os segmentos sociais que viviam abaixo da linha da pobreza. Quando chegou ao poder, acompanhando o marido, ela já carregava a certeza científica de que a melhor forma de escapar à miséria era propiciar a apreensão de conhecimento. O dinheiro dado aprisiona; o conhecimento, sim, liberta e aponta caminhos para a ascensão social, definiu dona Ruth muito antes de que se consolidassem formas de ampliar a justiça social e reduzir as diferenças de classe no Brasil. Em maio de 2007, num seminário organizado pelo PSDB em Brasília, ela disse: "Temos prazos e metas, e é assim que vamos combater a pobreza, não é distribuindo recursos e esperando para ver o que acontece, porque isso se faz há muitos séculos, não tem novidade nenhuma". E arrematou: "Desde a Idade Média, esse sistema de assistir e doar existe, e a pobreza está crescendo. Então, não há mais o que discutir, por aí não vamos". Foi essa ideia revolucionária que orientou o surgimento da rede de proteção social no governo Fernando Henrique Cardoso. Pela primeira vez na história, face ao largo contencioso social herdado da escravidão, um governo brasileiro se mostrou incomodado com os que viviam abaixo da linha da pobreza. Sob a inspiração de dona Ruth, o governo repudiou a fórmula assistencialista e optou pela distribuição de oportunidades que permitiriam às pessoas ascender socialmente mediante o desabrochar de suas próprias potencialidades. Foi dona Ruth quem consolidou a ideia da contrapartida, para comprometer o homem com sua própria evolução social. Esse legado revolucionário sofreria, adiante, desvios reprováveis. Retrocedemos à noção primária de que o fundamental era dar dinheiro. Regredimos à forma mais torpe de escravidão, aquela que bloqueia a evolução do homem e o condiciona ao voto, tornando-o vítima de um vergonhoso processo de dominação que compromete o seu arbítrio de cidadão. Foi dona Ruth quem convocou empresários ao Palácio do Planalto pela primeira vez para discutir um tema até então obscuro e incompreensível -a responsabilidade social. Ela usou a força do governo para propagar a consciência de que as grandes empresas deveriam se corresponsabilizar pela melhoria do cenário social. Criava-se ali um novo olhar sobre a tragédia da pobreza e a dívida social da sociedade brasileira. Ela reinventou a solidariedade. Sem Ruth Cardoso há um ano, as ideias empobreceram, e o Brasil empobreceu junto. Seus movimentos criativos e generosos, no entanto, não são elos perdidos do passado: ao contrário, representam uma ideia vigorosa a demarcar caminhos para quitar a imensa dívida social que o Brasil tem com as populações que vivem abaixo da linha da pobreza. O Brasil merece, dona Ruth merece que não viciemos os cidadãos na humilhação da dependência, mas ofereçamos a eles a grandiosa opção do encontro com a cidadania. JOSÉ ANÍBAL PERES DE PONTES, 61, economista, é deputado federal pelo PSDB-SP líder de seu partido Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional do PSDB de 2001 a 2003. ---------------------------Folha de S.Paulo 24 06 2009 ALEXANDRE SCHWARTSMAN O enigma do relógio quebrado Assim como o relógio marca sempre a mesma hora, nossa política fiscal sempre estimula a demanda interna "CHAPELEIRO Maluco: Por que um corvo se parece com uma escrivaninha? Alice: Desisto. Qual é a resposta? Chapeleiro: Eu não faço a menor ideia. Alice: Eu acho que você deveria fazer coisa melhor com seu tempo em vez de gastálo com charadas que não têm resposta." Também não tenho a solução ("Poe escreveu sobre os dois" ainda me soa a melhor proposta desde 1865), mas, se alguém se interessa por enigmas surreais, passíveis de resposta, porém, eu saberia dizer por que a política fiscal no Brasil se assemelha a um relógio quebrado. Porque, é claro, o relógio quebrado, não interessa a hora do dia, marca sempre a mesma hora, enquanto a política fiscal no Brasil, independentemente do momento do ciclo econômico, estimula continuamente a demanda interna. Assim, da mesma forma que, duas vezes ao dia, o relógio quebrado aparenta mostrar a hora certa, a política fiscal, neste momento recessivo, parece apresentar o sinal correto. Ademais, assim como o relógio quebrado não é a melhor solução para saber a hora certa, também nosso arranjo da política fiscal não é o mais apropriado para lidar com o ciclo de negócios. Segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, o resultado primário do governo federal, corrigido pela inflação, encolheu cerca de R$ 32 bilhões nos quatro primeiros meses do ano relativamente ao mesmo período do ano passado. Desses, menos da metade (R$ 13 bilhões) se refere à queda da receita, associada à menor atividade econômica. A maior parte da expansão fiscal se deu pelo aumento do gasto público corrente (em torno de R$ 17,5 bilhões), enquanto parcela ínfima (pouco mais de R$ 1 bilhão) resultou do crescimento do investimento federal, a despeito da fanfarra em torno do PAC. Note-se que esse padrão está longe de ser acidental. Pelo contrário, a partir de 2006 (quando a STN passou a divulgar os números do investimento federal e, coincidentemente, o PAC foi lançado), os gastos correntes aumentaram cerca de R$ 78 bilhões (R$ 41 bilhões para funcionalismo e aposentadorias), enquanto o investimento cresceu modestos R$ 10 bilhões. Também não se trata de monopólio federal: no mesmo período, as despesas correntes do Estado de São Paulo cresceram R$ 24 bilhões, ante irrisórios R$ 5 bilhões adicionais de investimentos. Em bom português, nossos governantes continuam a privilegiar um perfil de gastos que pouco adiciona à nossa capacidade de desenvolvimento, em vez de aproveitar o espaço disponível para expansão fiscal com investimentos que acelerassem o crescimento do país pela eliminação dos gargalos em infraestrutura. Por fim, o aumento do gasto corrente, ao contrário do que ocorre com o investimento, dificilmente poderá ser revertido quando a economia se recuperar. Apenas o dispêndio com funcionalismo federal e aposentadorias representou quase R$ 12 bilhões a mais nos quatro primeiros meses do ano e, como mencionado, R$ 41 bilhões adicionais a partir de 2006, gastos que não poderão ser reduzidos numa conjuntura distinta da economia, a menos de um aumento inesperado da inflação. Vale dizer, quando a economia se recuperar, o impulso fiscal -que deveria existir tão somente no momento de contração econômica- provavelmente persistirá e, pior, num contexto em que os ganhos em termos de crescimento potencial serão muito menores do que seriam possíveis caso o perfil do dispêndio público privilegiasse o investimento em infraestrutura. Ao final das contas, de todo esse gasto sobrará apenas o sorriso do gato de Cheshire. ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e exdiretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. http://www.maovisivel.blogspot.com/ [email protected] ----------------------------------------------- Folha de S.Paulo 24 06 2009 Meirelles faz alerta sobre instabilidade no mercado Segundo presidente do BC, economia global terá recuperação lenta e gradual . "É importante manter os pés no chão e evitar exageros e perdas que houve no passado", afirma Meirelles em Paris MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A PARIS O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, voltou a alertar para os perigos de um otimismo precipitado em relação ao fim da crise global e previu que o Brasil não escapará da volatilidade nos mercados financeiros mundiais. Segundo Meirelles, as "correções" com que os mercados começaram a semana indicam que a recuperação da economia mundial vai ser lenta e gradual. O momento é de "manter os pés no chão", disse. "Não é uma situação mundial que justifique um clima de "voltou ao que era e vamos partir para a exuberância novamente". É uma recuperação lenta, gradual e sujeita ainda a muitas dificuldades", afirmou. Na segunda-feira, o pessimismo derrubou a Bovespa e as principais Bolsas do mundo, depois que o Banco Mundial divulgou uma revisão negativa do crescimento econômico global para este ano. O dólar reverteu o viés de queda e se valorizou em 2,6%, superando os R$ 2. Na Câmara de Comércio Brasil-França, em Paris, Meirelles lembrou "a lição dolorosa, mas útil", das empresas brasileiras que no ano passado tiveram grandes perdas por apostarem na valorização do real. A volatilidade observada nos últimos dias reforça a lição e representa um alerta extra "aos que apostam que as commodities e o real só vão para cima, e o dólar para baixo", afirmou. "Todas as direções" "Os mercados continuam a se mover em todas as direções. Portanto, é importante manter os pés no chão, ter prudência e fazer movimentos com cuidado para evitar exageros e perdas que houve no passado", disse. Apesar de repetir a convicção de que o pior da crise já passou para o Brasil, Meirelles disse aos empresários que ainda "há muito trabalho a ser feito". Entre as medidas para que a atividade econômica retorne aos níveis pré-crise, destacou o incentivo ao crédito para pequenas e médias empresas. Para isso, Meirelles lembrou que estão "na reta final" os preparativos de um novo fundo de aval, espécie de seguro contra a inadimplência que será gerido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo o presidente do BC, os financiamentos para grandes empresas e o crédito externo voltam à normalidade. Meirelles prevê que a economia brasileira não se contrairá neste ano, apesar da queda no primeiro trimestre. Ele repetiu a avaliação feita na semana passada pelo presidente Lula de que a decisão do setor automotivo de reduzir a produção em dezembro de 2008 para "desestocagem" teve impacto significativo no encolhimento do PIB. --------------------------- O Estado de S.Paulo 24 06 2009 ''Parou de piorar. Mas a crise não acabou'' Principal executivo do banco de investimentos americano diz que Brasil é um dos países em que a recuperação já começou Leandro Modé Pela primeira vez em seus 140 anos de história, o banco de investimentos americano Goldman Sachs realizou no Brasil a reunião anual do Conselho de Administração. O encontro, realizado durante o último fim de semana em São Paulo, é prova real do aumento da importância dos países emergentes na economia global. "O Brasil, mesmo em um mundo em declínio, terá expansão mais forte. Por isso, em termos relativos, vamos crescer mais aqui", diz o presidente-executivo e do Conselho de Administração do banco, Lloyd Blankfein, de 54 anos. Blankfein também falou sobre temas como aperto da regulação, causas da crise e futuro dos bancos de investimento - que muitos acreditavam estar fadados ao fracasso, depois da quebra do Lehman Brothers e da absorção do Bear Stearns e do Merrill Lynch por outras instituições. O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou o que classificou de "maior reforma do sistema financeiro desde os anos 30". O sr. acredita que mais regulação pode evitar crises como a atual? Se há um acidente de avião, qual a primeira coisa que se faz? Os reguladores tentam entender o que houve e, a partir daí, implementam mudanças. Alteram, por exemplo, a maneira de fabricar as aeronaves. É por isso que é tão seguro viajar de avião. Mas isso significa que não haverá acidentes de avião nunca mais? É claro que não. Há determinadas situações, circunstâncias... É o mesmo aqui (no mercado financeiro). A ideia é fazermos o sistema melhorar e ser mais seguro, mas a perfeição está além da nossa capacidade. O sr. vê risco de regulação excessiva? Sempre há um ?trade-off? (troca) entre segurança e agilidade. Se você faz as coisas muito seguras, pode-se perder inovação. A experiência recente foi muito mais guiada pela falta de segurança do que pela falta de inovação. É um pêndulo. Claramente, estamos levando-o em direção à segurança. Se for bem feito, não perderemos em termos de inovação. Mas, se fizermos de maneira pobre, pode haver perda. O plano apresentado é muito sensível a esse assunto. Isso não quer dizer que será bem executado, até porque ainda não sabemos como será executado. De qualquer forma, o ponto de virada parece muito bom. O que essas mudanças significam para o seu negócio? Haverá alterações para todos os negócios, não apenas para o nosso. Haverá um regulador sistêmico, maior necessidade de transparência, mais regras afetando alavancagem, liquidez e a segurança dos produtos. Mas, francamente, tudo isso está no foco porque a experiência recente nos fez mais sensíveis a esses temas. Vivemos um momento que assustou a todos. Daqui para frente, seremos mais líquidos, menos alavancados, mais focados em tocar nosso negócio de forma mais prudente. Haverá mais transparência porque nossos clientes e as pessoas que nos financiam estão mais desconfiadas. Temos de responder a todos os nossos medos e preocupações - e os do público. A regulação está no topo. Por que tudo isso aconteceu? Havia muito capital no mundo, muito dinheiro em circulação. Não houve problemas por muito tempo e as pessoas ficaram complacentes e se alavancaram. As taxas de juros ficaram baixas no mundo por muito tempo. Um monte de capital foi acumulado por meio de “pools”, como fundos de investimento, fundos hedge (os mais arriscados do mercado), fundos de private equity (participação em empresas), etc. Esse capital foi investido ao redor do mundo. Quando as coisas ocorrem facilmente, as pessoas dão como certo (os retornos) e se tornam complacentes. Com isso, o mundo ficou menos disciplinado. Algumas práticas negligentes deram resultado durante um período e, quando aconteceu (a crise), tudo se deu muito rápida e violentamente. Muitas instituições não estavam preparadas. Por isso, não reagiram suficientemente rápido aos problemas e não protegeram os clientes. Alguns críticos culpam os bancos centrais, em especial Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (o BC dos EUA). Não estou em posição de culpar ninguém. Olhando em retrospectiva, vejo muitas práticas que deveriam ser diferentes. Estou certo de que, com o benefício do tempo, Alan Greenspan teria feito as coisas de forma diferente, bem como os reguladores e o Congresso. Não acho justo avaliar as coisas depois que já aconteceram. Não se pode esquecer que tínhamos pressões deflacionistas há alguns anos. Acho que o ponto mais importante é: que lições aprenderemos para o futuro? Quais as verdadeiras lições a aprender e quais as falsas? Temos de estar seguros de que aprenderemos com as boas lições, não com as más. O sr. acredita que as pessoas estão aprendendo as boas lições? Já há quem diga que a recente alta das bolsas, sobretudo em mercados emergentes, é uma bolha. É possível, mas acho que bolhas só são identificadas depois que estouram. Quando Greenspan fez o discurso em que falava da exuberância irracional dos mercados, o Índice Dow Jones (o mais tradicional da Bolsa de Nova York) estava abaixo de 6.000 pontos. Não era um nível em que se identificava exuberância. Em uma onda de alta, é possível ver isso com mais clareza, mas, honestamente, não sei se é uma bolha ou não. Quando se olham os fundamentos do mundo, a situação de países emergentes como o Brasil, pode ser real. Pode ser cedo demais? Pode, mas pode estar certo também. Estou calmo porque as pessoas estão questionando se é ou não exuberância irracional. Alguns acham que sim, outros, não. Esse é o bom mercado. Quando todos vão para a mesma direção, fico com medo. Qual a percepção do Goldman Sachs para a economia mundial e, em especial, para o Brasil? Nas economias desenvolvidas, a situação estava tão ruim que uma recuperação era inevitável. A economia real está indo na direção correta, mas devagar. O melhor que se pode afirmar, neste momento, é que a taxa de declínio desacelerou e não que já chegamos ao final (da crise). O que já vemos é o fim da deterioração. Quando se acredita que parou de piorar, é possível projetar o ponto de virada. Acreditamos que esse ponto se dará no fim deste ano. A economia real está atrás do mercado porque os valores dos ativos estavam tão baixos que uma alta das cotações era inevitável. Isso porque, no início do ano, um dos cenários para 2009 era de uma total catástrofe. Esse está fora da mesa hoje. A economia real vai se recuperar lentamente. Provavelmente sentiremos os efeitos dessa virada no início do ano que vem. Os mercados normalmente antecipam esses movimentos. Com relação aos emergentes, tudo o que acontecer nos mercados desenvolvidos será potencializado. Ou seja, mesmo um um mercado ruim, os Brics sentirão menos. Quando houver a recuperação, esses países vão senti-la mais fortemente. Na nossa opinião, o Brasil já está se recuperando. O crescimento no ano poderá ser negativo - talvez 1% - por causa do primeiro trimestre muito ruim. Mas veremos crescimento positivo no País na segunda metade do ano. É isso que explica sua visita? Não há correlação. Queremos ajudar as pessoas que usam nossos serviços em um ambiente de perspectiva de crescimento. Se as pessoas estão procurando financiamento, estão investindo... É isso que fazemos. Se as pessoas estão deprimidas, não acreditam no crescimento, não fazem essas coisas. O que elas querem de nós? Querem nossos conselhos, nosso ponto de vista. Claramente, nossa expansão será maior em mercados que crescem mais. E o Brasil, mesmo em um mundo em declínio, terá expansão mais forte. Por isso vamos crescer nossos negócios aqui mais em termos relativos. O Goldman Sachs devolveu US$ 10 bilhões que pegou do governo americano no Tarp (Programa de Recuperação de Ativos Problemáticos). Não foi cedo demais? Não. O dinheiro do governo ajudou o sistema e nos ajudou também. Sinceramente, somos gratos por isso. Uma semana antes de o governo lançar o Tarp, levantamos dinheiro no mercado e com (o megainvestidor) Warren Buffett. Ou seja, procuramos cuidar de nosso capital àquela época. Depois, conseguimos capital adicional com o regulador. Mas éramos tão líquidos que não precisamos de mais. Elementos do programa foram importantes para o sistema em geral, mas nunca quisemos que se tornasse permanente. Os bancos, entre eles o Goldman Sachs, ganharam muito dinheiro nos últimos anos. Como manter a alta lucratividade em um ambiente bem mais desafiador? Faremos como nos últimos 140 anos. Nosso negócio não é fazer dinheiro, mas financiar pessoas, levantar capital, investir por elas, aconselhá-las... Em diferentes momentos, esse negócio é mais ou menos lucrativo. Temos ido bem nos diferentes ciclos. Estou há 27 anos neste negócio e os clientes precisam de nós. Na verdade, não sei se a hipótese de sua pergunta está correta. Não estou dizendo que você esteja errado, mas eu não sei se está certo. Minha opinião pessoal, com segurança, é que não tenho ideia. E admito isso. Não sei, mas, com base em minha experiência, sei também que ninguém sabe. No pior momento da crise, o modelo de bancos de investimento foi dado como morto por alguns. Não achei que essa análise estivesse certa naquele momento e continuo achando que não está. O que é esse modelo? Ajudamos empresas a levantar capital, fazemos fusões e aquisições, levantamos financiamento no mercado de dívidas, gerenciamos seu dinheiro... Qual dessas atividades está fora de moda? Qual delas não é um bom negócio hoje? Quem é: Lloyd Blankfein É presidente-executivo e do Conselho de Administração do Goldman Sachs desde 2006, quando substituiu Henry Paulson, que se tornou secretário do Tesouro dos Estados Unidos ------------------------------O Estado de S.Paulo 24 06 2009 Correções de mercado são alerta, diz Meirelles Para presidente do Banco Central, mercados financeiros ainda vão sofrer com as oscilações Andrei Netto As correções realizadas pelos mercados financeiros no Brasil e nas principais praças internacionais são um alerta de que a exuberância ainda não voltou, de acordo com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Reunido com empresários brasileiros e franceses na tarde de ontem, em Paris, Meirelles reafirmou que as flutuações nos preços das commodities e do dólar vão continuar porque a crise persiste. A avaliação foi feita ao fim da reunião promovida pela Câmara do Comércio do Brasil na França, no Bristol Hotel, em Paris. Ainda sob o impacto da onda de pessimismo que tomou os mercados internacionais na segunda-feira - quando a Bovespa caiu 3,66% e o dólar subiu 2,58%, atingindo R$ 2,024 -, Meirelles ressaltou a necessidade de prudência. "As correções dos mercados nos últimos dias podem continuar e confirmam o que temos dito recentemente. Não há um espaço para clima de ?voltou ao que era antes? e ?vamos partir para a exuberância novamente?", afirmou. "As correções foram um alerta para aqueles que apostam que o preço das commodities e o real só vão subir, e que o dólar só vai cair." A instabilidade prossegue, segundo Meirelles, porque a recuperação da economia mundial será "lenta, gradual e sujeita a muitas variações". Apesar das advertências, o presidente do BC reiterou que as previsões indicam que o pico da crise foi superado. A perspectiva será confirmada - ou não - pelo relatório de projeções do Banco Central, que será divulgado na próxima semana. MOEDAS Em meio a uma agenda repleta de eventos em Paris, na França, e Basileia, na Suíça, Henrique Meirelles confirmou ontem que dará início nesta semana às discussões sobre a adoção de moedas locais em operações de comércio exterior. Os debates serão realizados em encontros com os presidentes dos BCs da China, da Índia e da Rússia - os Brics -, durante as reuniões na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS). "Vou me reunir com cada um deles individualmente para entender quais são as dificuldades, qual é o nível de interesse, mostrar o que já fizemos com a Argentina, o que estamos trabalhamos com o Uruguai, entender o que já foi feito na Ásia", confirmou Meirelles. "A partir daí, vamos discutir com a orientação dos chefes de Estado." Meirelles não descartou a possibilidade de as discussões se estenderem aos projetos de substituição do dólar como moeda de reserva. "O que estamos falando é de moeda de comércio. Sobre moeda de reserva, tem outra discussão, que envolve até mesmo saber qual seria essa moeda", ressaltou. "Nada impede que discutamos também a moeda de reserva." A determinação para a reunião dos presidentes dos BCs foi tomada pelos chefes de Estado e de governo durante a Cúpula dos Brics, na semana passada, em Ecaterimburgo, na Rússia. -------------------------------------- OUTRAS NOTÍCIAS O Estado de S. Paulo 24 06 2009 A diferença entre servir à Pátria e servir-se dela José Nêumanne Esses escândalos no Senado propiciam uma ótima oportunidade para "passar o País a limpo" e "mudar tudo o que está aí", como pregava o PT de Lula quando se fingia de PV (um partido de vestais). A existência de decisões secretas que produzem gastos públicos para pagar privilégios privados caracteriza a traição do princípio elementar da transparência, sem o qual é impossível o cidadão saber como o Estado usa o dinheiro que lhe toma na forma de impostos. A clandestinidade é uma maneira aceitável de desafiar a lei se acoberta grupos políticos que combatem alguma tirania, mas inaceitável se ocorre numa instituição republicana, que exerce um poder de representação da cidadania. No caso, o benefício da clandestinidade aprofunda a crise da representatividade, passando o Congresso de clube privado a bando mafioso. Dois episódios recentes ilustram a malsã confusão vigente - na Monarquia e nas Nova e Velha Repúblicas, no Estado Novo e na democracia liberal de 1946, na ditadura militar e na atual gestão petista - entre a coisa pública e a vida privada. Ao se defender, da tribuna do Senado, com voz tatibitate e trêmula (favor não confundir com embargada), o presidente da Casa (e ex da República) disse que a crise não era dele mesmo, mas da instituição. E cobrou mais respeito por tudo quanto teria feito pela Pátria. Suas frases gaguejadas encontraram eco na voz rouca e solícita do "absolvedor-geral da República", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se arvorou a subverter o conceito basilar sobre o qual está erigida a nossa e qualquer outra ordem institucional democrática que se preze - o de que "todos são iguais perante a lei". Como o Senado não é uma vaga entidade, mas uma instituição representativa da sociedade, composta por membros eleitos pela cidadania, a crise que o atinge é de todos os brasileiros, em particular dos senadores e, mais em particular ainda, de quem o preside. Se nem isso Sarney conseguiu aprender em tantos anos de "serviço" público, a coisa pode ser mais grave do que parece. Mas absurdo maior que tentar fugir da responsabilidade de enfrentar a crise é se pretender acima da lei, como Sarney disse ser, da tribuna. E Lula avalizou, direto do Casaquistão, onde foi fotografado envergando um bizarro traje que trouxe à lembrança fantasias carnavalescas do Baile do Municipal, quando havia. Não há ninguém acima da lei: não estava, por exemplo, o heroico garoto que impediu a inundação dos Países Baixos pondo o dedo no buraco do dique. Isso não evita que este redator banque o advogado do diabo e pergunte ao presidente do Senado a que serviços ele se referiu quando avocou a inimputabilidade: os que prestou à ditadura militar, presidindo o partido por meio do qual ela pretendeu se legitimar, ou ao doce constrangimento com que assumiu o cargo máximo no lugar do presidente morto da dita Nova República? Lula, sim, pode-se gabar de ter sido herói da Pátria quando ajudou a derrubar a longa noite dos porões, comandando operários em greve que desmancharam a frágil ordem legal vigente do regime dos quartéis. Nem isso lhe dá, contudo, o direito de se conceder ou transferir a outrem a condição de inimputável, que no império da lei simplesmente inexiste. Na condição de conciliador das elites dos bacharéis e patriarcas de antanho com as elites de ex-guerrilheiros e sindicalistas de hoje, e principal beneficiário de seu pacto solidário - como demonstrou, com invulgar brilho, o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, neste jornal, anteontem (pág. D2) -, o presidente nada de braçadas nesse incidente. Pois tira proveito da desmoralização do Legislativo, da qual se beneficia legislando em seu lugar, ao mesmo tempo que socorre seus maiorais para continuar tendo-os a seu serviço e sob seu cutelo magnânimo. Mais que as palavras do pecador irredutível e de seu caprichoso absolvedor, trouxe notícia recente a evidência que não faltava da mistureba de público e privado que a aliança da porteira do curral de votos com a porta de fábrica fortalece neste nosso Brasil varonil. A governadora do Maranhão, Roseana Sarney, herdeira do patriarca, dar ao contribuinte a subida honra de pagar o salário de seu mordomo é a prova mais deslavada de que, para seu clã, prestar serviços à Pátria é permitir que os patriotas lhe paguem os serviçais. Nesta rede de termos que se cruzam e se explicam entre si, é significativo que o cargo exercido pelo servidor na casa da governadora maranhense em Brasília seja o de mordomo - raiz etimológica do neologismo mordomia, usado para designar os privilégios das castas política e burocrática em série de reportagens de Ricardo Kotscho publicada neste jornal em plena ditadura. Como nas comédias de erros (de Shakespeare aos humorísticos populares de televisão) e que não se perca a piada pela própria designação do gênero teatral -, o mordomo Amaury de Jesus Machado atende pela alcunha de Secreta, de "secretário", mas também denominação aplicada aos atos clandestinos que permitem esse e outros tipos de abusos. Secreta recebe, na condição de motorista "noturno" do Senado (que nem sequer funciona tanto assim à luz do dia), R$ 12 mil por mês. Lembro-me de que, quando constituinte, Lula me confidenciou, em tom de espanto, que a "companheira" que servia café em seu gabinete ganhava mais que os mais qualificados metalúrgicos do ABC, seus liderados. Hoje, porém, estando em sua mão o timão do pacto dos patriarcas dos grotões com os hierarcas dos sindicatos, que governa o País, já não se espanta com o fato de o povo pobre pagar ao motorista e mordomo salários com os quais sonham em vão médicos, professores e outros servidores públicos menos votados. Por que político nenhum, dentro ou fora do Congresso, fica indignado com isso? José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde O Estado de S.Paulo 24 06 2009 Lula: ''Prefiro dar dinheiro a pobre a cortar imposto'' Presidente reclama dos empresários e da falta de repasse das isenções fiscais aos preços dos produtos Alexandre Rodrigues e Felipe Werneck Em vez de desonerar a atividade produtiva - caso das isenções do IPI sobre automóveis e eletrodomésticos - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que prefere distribuir dinheiro aos pobres para aquecer a economia. Insatisfeito com o reflexo das isenções fiscais nos preços dos produtos, Lula defendeu as políticas de transferência de renda e disse que é preciso rever o discurso de redução de carga tributária, que ouve dos empresários. No lançamento das obras de revitalização do Porto do Rio, o presidente disse ter dado o recado em reunião recente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e um grupo de empresários. "Eu falei para eles: em vez de a gente ficar desonerando o tanto que está desonerando, é melhor pegar esse dinheiro e dar para os pobres. Se os pobres tiverem dinheiro e forem comprar, vocês têm de produzir. Agora, a gente desonera e vocês não repassam para o custo do produto. Nós já desoneramos nesse meu mandato R$ 100 bilhões. Imagina R$ 100 bilhões na mão do povo brasileiro!" As declarações de Lula arrancaram aplausos dos trabalhadores das obras do porto que assistiam à cerimônia. O discurso do presidente foi todo centrado nesse princípio e na defesa do Estado forte e com capacidade financeira para influenciar a economia. "Cada real que você dá a uma pessoa pobre volta automaticamente para o comércio, para o consumo. Voltando ao consumo, vai reativar a economia. Às vezes você dá R$ 1 milhão a uma pessoa e fica lá no banco. Ele não faz nada, só ele vai ganhar dinheiro. Na hora em que você dá R$ 1 a cada pobre, dando para mil pessoas são R$ 1 mil que voltam para o comércio meia hora depois. Nem que for para um boteco, para tomar uma canjebrina (cachaça). Ele não vai para derivativos. Vai para o comércio, e é isso que nós precisamos para fazer a economia deste País crescer." Lula indicou que não está mais disposto a ceder aos apelos de empresários por novas desonerações tributárias. E voltou a se queixar da derrubada da CPMF no Congresso, em 2007, que contou com o apoio de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). "Acho que essa conversa eu vou ter daqui para frente com muitos empresários. Perdemos R$ 40 bilhões do orçamento da União para cuidar da saúde deste País e eu não vi ninguém reduzir os preços nos 0,38% da CPMF. E quem perdeu foi essa gente aqui", disse Lula, apontando mais uma vez para os operários da plateia. "Disseram: se a gente deixar R$ 40 bilhões por ano na mão do Lula, ele vai ganhar as eleições. Ganhei. E vamos ganhar outra vez. O povo não aceita mais mesquinharia, não aceita mais baixaria", disse, alfinetando a oposição. --------------------------------------O Estado de S.Paulo 24 06 2009 ''Networking'' é a palavra da moda no festival O jornal ''O Estado de S. Paulo'' é o representante oficial do Festival de Cannes no Brasil Com sete Leões na bagagem e a perspectiva de mais alguns até o final da semana, Sérgio Valente, presidente da agência DM9DDB, não esconde a satisfação em mais uma rodada do Festival Internacional de Publicidade de Cannes. Valente tem sido, como outros brasileiros na costa francesa, presença frequente nos seminários. "Se, no ano passado, “convergência” era a palavra que sintetizava o espírito das palestras, esse ano é “networking” que assume esse papel", diz ele. "Não existe mais digital ou não digital. Quem usa e-mail é velho. Hoje o mundo é multimídia, as pessoas estão conectadas na mão." Apesa dessa declaração, Valente diz que a mídia tradicional não corre o risco de desaparecer. "Mudam os papéis. Até a internet está se repensando. Basta ver que as marcas de maior influência nesse ambiente, o Twitter ou o Facebook, não conseguem ser influentes a ponto de se rentabilizar." As palestras que tocam em temas relacionados a network, como as de um dos idealizadores do Twitter, ou do Facebook, lotam. Mas a carência de perspectivas sobre o futuro desses negócios frustra quem esperava algo além da constatação de que as redes sociais crescem e o público adora. Para Pedro Cabral, presidente do grupo inglês Isobar na América Latina, no entanto, já há soluções que fazem as marcas dos anunciantes sobreviverem nesses ambientes de comunicação online. "O Facebook, por exemplo, criou uma plataforma onde as empresas podem criar ambientes para se relacionar com as pessoas." Em concorrida palestra no Palácio dos Festivais, o presidente global do grupo inglês Isobar, Nigel Morris, alertou para o fato de que, cada vez mais, o consumidor tem capacidade para construir histórias a respeito das marcas nas redes sociais. "Não é mais o anunciante que escolhe quando vai falar com o consumidor. É ele quem decide como e quando fala." Para o diretor de marketing da operadora de comunicações Nextel, Fábio Toledo, a interpretação dessa nova realidade no universo dos negócios é o fato de que as marcas que quiserem vender têm de ficar ligadas 24 horas, prontas a dar respostas. "Esse é o grande desafio", diz ele. -----------------------------------------------------Jornal do Brasil 24 06 2009 PIB da China já cresce perto de 8% Economia do país está no caminho da recuperação, segundo agência nacional de estatísticas O Produto Interno Bruto (PIB) da China no segundo trimestre provavelmente acelerou para perto de 8%, ante 6,1% nos três primeiros meses do ano, afirmou ontem um estatístico do governo chinês. Guo Tongxin escreveu no China Notícias, um jornal da agência nacional de estatísticas, que sua projeção é baseada em dados já publicados referentes a abril e maio. "No geral, a menos que haja grandes surpresas, basicamente podemos avaliar que no momento o país atingiu o fundo do poço e o período mais difícil já ficou para trás", escreveu Tongxin, que faz parte da agência. "Então, no próximo estágio, a economia pode olhar para o caminho da estabilização e da melhora." A agência publicará os dados do PIB do segundo trimestre em 16 de julho. Restrições chegam à OMC A União Europeia e os Estados Unidos deram entrada ontem em um processo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as restrições que a China impôs à importação de algumas matérias-primas estratégicas, anunciou a Comissão Europeia. "A UE pediu hoje (ontem) consultas na OMC com a China sobre as restrições que Pequim aplica sobre um certo número de matérias-primas chave", indicou a Comissão em um comunicado. Os Estados Unidos também apresentaram a mesma solicitação, segundo Bruxelas. Trata-se do primeiro pedido da administração de Obama junto à OMC. O lançamento de consultas constitui uma primeira etapa no processo de mediação na instituição. Essa fase se prolonga por um prazo máximo de 60 dias, ao fim do qual, se não houver sido alcançado um acordo, é constituído um grupo especial encarregado de examinar a questão. Entre os produtos cujas restrições são questionadas por europeus e americanos estão insumos para a fabricação de semicondutores e da indústria aeronáutica, como zinco, bauxita, magnésio e manganês. Dependência de minério A dependência da China nas importações de minério de ferro deve aumentar para 70% este ano, ante 50% anteriormente, devido à disponibilidade de importações mais baratas, informou ontem o Shanghai Securities News, que citou um executivo da Sinosteel Corp Ltd. A Sinosteel, maior comercializadora estatal de aço do país, tem atuado como corretora para importações de quase 10 milhões de toneladas de minério nos primeiros cinco meses do ano, quase o triplo do nível registrado no ano anterior, disse o executivo ao jornal. – Isso se deve principalmente a siderúrgicas de pequeno e médio porte na China, que saíram do mercado doméstico de minério de ferro e passaram a importar. Uma vez que o minério importado é mais competitivo em termos de preço, a confiança de usinas domésticas em importações este ano pode aumentar para 70% contra 50% anteriormente – acrescentou o representante. Em maio, a China importou 53,46 milhões de toneladas de minério de ferro, pouco abaixo do recorde de 57 milhões de toneladas importadas em abril, enquanto as siderúrgicas do país ainda enfrentam um impasse nas negociações de preço com fornecedores incluindo Rio Tinto, BHP Billiton e Vale. Na segunda-feira, a associação de aço do país asiático sinalizou que as negociações sobre preços com as três gigantes do setor devem ultrapassar junho.