Visualizar - Polis Educacional

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FACULDADE DE JAGUARIÚNA
ROGÉRIO FERNANDO BENATI
SOCIEDADE EMPRESÁRIA UNIPESSOAL LIMITADA:
Notas sobre o regime jurídico de limitação da responsabilidade do
empresário individual
Jaguariúna
2008
ROGÉRIO FERNANDO BENATI
SOCIEDADE EMPRESÁRIA UNIPESSOAL LIMITADA:
Notas sobre o regime jurídico de limitação da responsabilidade do
empresário individual
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao curso de Direito da
Faculdade de Jaguariúna para
obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Francisco de Assis Garcia
Jaguariúna
2008
ROGÉRIO FERNANDO BENATI
SOCIEDADE EMPRESÁRIA UNIPESSOAL LIMITADA:
Notas sobre o regime jurídico de limitação da responsabilidade do
empresário individual
Este exemplar corresponde à redação
final da Monografia de graduação
defendida por Rogério Fernando Benati
e aprovada pela Comissão julgadora em
___/___/___.
Francisco de Assis Garcia
Orientador
____________________________
(componente da banca)
____________________________
(componente da banca)
Jaguariúna
2008
Aos meus filhos Rogério e Isadora,
razões maiores da minha existência,
e à minha esposa Mônica,
por iluminar a minha vida.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Francisco de Assis Garcia, pela orientação, paciência,
dedicação e apoio incondicional, durante o período em que convivemos.
Aos Dignos Membros da Banca, por suas honrosas e valiosas contribuições
na apreciação deste trabalho.
Aos meus colegas de turma, que se tornaram verdadeiros amigos nestes
anos que passamos juntos.
À minha família, cujo apoio permitiu que eu chegasse até aqui.
Finalmente, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a
realização deste trabalho.
Obrigado!
BENATI, Rogério Fernando. Sociedade empresária unipessoal limitada: notas sobre o
regime jurídico de limitação da responsabilidade do empresário individual. 2008. 160f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Curso de Direito, Faculdade de Jaguariúna,
Jaguariúna, 2008.
RESUMO
A empresa – atividade econômica organizada – pode ser exercida tanto
individualmente como coletivamente. No primeiro caso, a atividade econômica organizada é
explorada por uma única pessoa, o empresário individual; no segundo, o agente econômico
organizador da empresa denomina-se sociedade empresária, cuja constituição resulta da união
de duas ou mais pessoas, chamadas de empreendedores ou investidores. Inerente ao exercício
de empresa, quer pelo empresário individual, quer pela sociedade empresária, está o risco; ele
é componente indissociável da atividade econômica. No Brasil, ao contrário do tratamento
jurídico dispensado às sociedades empresárias limitadas, onde os empreendedores e
investidores encontram um sistema capaz de limitar os riscos inerentes ao exercício de
empresa, porquanto respondem apenas pelo valor das quotas que se comprometeram no
contrato social, àquele que exerce individualmente a atividade econômica não é conferido
qualquer instrumento que permita a limitação da responsabilidade ao montante investido na
empresa. Sem tal instrumento de limitação de responsabilidade, o expediente utilizado pelo
empresário individual, para lograr o mesmo fim, tem sido o de criar, ainda que a contragosto,
só para satisfazer a idolatria das formas preconizada pela lei, uma sociedade puramente
fictícia, cujo quadro societário é composto por um sócio quase totalitário – a própria pessoa
natural do empresário individual – e um sócio de complacência, detentor, na maioria das
vezes, de apenas uma quota do capital social. A questão que se analisa neste estudo é a
validade desse expediente, que diz respeito a duas ordens de idéias: a eventual existência de
simulação dos atos constitutivos dessas sociedades fictícias e a verificação, nesse caso, de
fraude à lei. Não obstante, em outros países, a limitação da responsabilidade do empresário
individual tem sido alcançada de duas formas diferentes: por um modelo personificado,
admitindo-se a constituição de uma sociedade empresária limitada formada pela vontade de
uma única pessoa e outro não-personificado, permitindo-se ao empresário individual destacar
parte de seu patrimônio e afetá-lo ao exercício da empresa.
Palavras-chave: Empresário Individual; Personalidade Jurídica; Sociedade Unipessoal;
Responsabilidade Limitada.
BENATI, Rogério Fernando. Sociedade empresária unipessoal limitada: notas sobre o
regime jurídico de limitação da responsabilidade do empresário individual. 2008. 160f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Curso de Direito, Faculdade de Jaguariúna,
Jaguariúna, 2008.
ABSTRACT
The company - organized economic activity - may be exercised both
individually and collectively. In the first case, economic activity is organized operated by one
person, the individual entrepreneur, in the second, the official organizer of economic
enterprise is called society businesswoman, whose constitution results from the union of two
or more persons, called entrepreneurs or investors. Inherent to the exercise of company, either
by the individual entrepreneur, either by the company manager, is in danger, he is inseparable
component of economic activity. In Brazil, unlike the legal treatment accorded limited to
commercial companies, where entrepreneurs and investors find a system capable of limiting
the risks inherent in the pursuit of business because respond only by the value of shares
pledged that the social contract, which holds that individual economic activity is not given
any instrument that permits the limitation of liability to the amount invested in the company.
Without such an instrument of limited liability, the pretext used by the individual
entrepreneur, to achieve the same purpose has been to create, even if the assist, only to meet
the idolatry of the ways recommended by the law, a purely fictitious company, whose table
Company is composed of an almost totalitarian partner - the person's natural individual
entrepreneur - and a member of complacency, holder, in most cases, only a share of the
capital. The question that is analyzed in this study is the validity of that knack, which relates
to two orders of ideas: the possible existence Simulation constitutive acts of these fictitious
companies and established in that case, the law of fraud. However, other countries, limiting
the responsibility of the individual entrepreneur has been achieved in two different ways: for a
model personified by allowing itself to set up a limited company formed by entrepreneur will
of one person and one non-impersonated, allowing itself to the individual businessman out of
his net worth and affect you the performance of the company.
Keywords: Single Entrepreneur; Legal personality; Society Unipessoal; Limited Liability.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................
9
2 A EMPRESA, O EMPRESÁRIO E A SOCIEDADE EMPRESÁRIA.....................
13
2.1 A empresa.....................................................................................................................
15
2.2 O empresário...............................................................................................................
19
2.2.1 Espécies de empresário............................................................................................
23
2.2.2 Pessoas impedidas de exercer a atividade de empresário.....................................
25
2.3 A sociedade empresária..............................................................................................
32
2.3.1 Classificação das sociedades....................................................................................
34
2.3.2 Das sociedades empresárias em espécie.................................................................
40
2.3.2.1 Das sociedades empresárias não personificadas: a sociedade em comum e a
em conta de participação..................................................................................................
41
2.3.2.2 Das sociedades empresárias personificadas: a sociedade em nome coletivo,
em comandita simples, limitada, por ações e em comandita por ações........................
45
3 DA PERSONALIDADE JURÍDICA............................................................................
50
3.1 Início e término da personalização da sociedade empresária.................................
52
3.2 Efeitos da personalização............................................................................................
54
3.3 A personalidade jurídica do empresário individual: uma mera ficção do Direito
tributário............................................................................................................................
57
3.4 Desconsideração da personalidade jurídica..............................................................
61
3.4.1 A teoria maior e a teoria menor da desconsideração............................................
65
3.4.2 Pressupostos para a aplicação da desconsideração: a fraude e o abuso de
direito..................................................................................................................................
67
3.4.3 A desconsideração inversa.......................................................................................
71
3.4.4 A desconsideração indireta......................................................................................
73
3.4.5 A desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo brasileiro......
75
3.4.6 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica.................
79
4 A SOCIEDADE LIMITADA........................................................................................
84
4.1 Conceito e natureza jurídica......................................................................................
84
4.2 Da constituição da sociedade limitada: o contrato social........................................
85
4.2.1 Requisitos de validade do contrato social..............................................................
87
4.2.1.1 Requisitos comuns ou genéricos de validade do contrato social.......................
87
4.2.1.2 Requisitos específicos de validade do contrato social.........................................
91
4.2.2 Pressupostos de existência do contrato social........................................................
93
4.2.3 Da invalidade do contrato social.............................................................................
98
4.3 Dos sócios..................................................................................................................... 102
4.3.1 Direitos dos sócios..................................................................................................... 102
4.3.2 Deveres dos sócios..................................................................................................... 104
4.3.3 Responsabilidade dos sócios.................................................................................... 105
4.4 A administração da sociedade limitada..................................................................... 108
5 A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL 110
5.1 Da sociedade empresária unipessoal limitada.......................................................... 111
5.2 Do empresário individual de responsabilidade limitada......................................... 118
5.3 Em defesa da validade das sociedades fictícias ou de favor...................................... 121
5.3.1 Da simulação e da fraude à lei no Direito Civil..................................................... 122
5.3.2 Da eventual existência de simulação dos atos constitutivos das sociedades
130
fictícias ou de favor............................................................................................................
5.3.3 Da eventual existência de fraude à lei operada por meio dos atos constitutivos
133
das sociedades fictícias ou de favor...................................................................................
5.3.4 Da validade das sociedades fictícias ou de favor..................................................... 136
5.4 Da sociedade simulada fraudulentamente................................................................ 138
5.4.1 A simulação da sociedade........................................................................................ 139
5.4.2 A simulação na sociedade........................................................................................ 142
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 145
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 153
9
1 INTRODUÇÃO
A atividade econômica organizada de produção e circulação de bens ou
serviços pode ser exercida tanto pelo empresário individual quanto pela sociedade empresária.
Quanto uma pessoa dispõe, sozinha, dos recursos necessários à implantação da empresa, ela
própria se lança ao exercício da atividade econômica sob empresário individual. Quando duas
ou mais pessoas unem-se para explorar uma atividade econômica, surge a sociedade
empresária como a titular da empresa. Em suma, exerce-se empresa de duas formas:
individualmente, sob empresário individual, ou coletivamente, pela figura da sociedade
empresária.
Inerente a qualquer uma dessas formas de exercício da empresa está o risco.
Em razão deste componente indissociável da atividade econômica, poucas pessoas dedicar-seiam a explorar novas empresas se o insucesso da iniciativa pudesse acarretar a perda de todos
os bens pessoais, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações. Daí
surgirem, ao longo do tempo, instrumentos aptos a limitar a responsabilidade daqueles
propensos ao exercício de empresa.
É o caso das sociedades personalizadas de responsabilidade limitada, como
a sociedade por ações e a sociedade limitada, onde os sócios, por meio da separação
patrimonial, limitam suas responsabilidades ao montante da contribuição transferida à
sociedade.
No ordenamento jurídico brasileiro, em que pese os sócios ou acionistas
encontrarem nas sociedades empresárias personificadas um sistema jurídico capaz de limitar
os riscos inerentes à exploração da atividade econômica, ao empresário individual o legislador
pátrio reservou o silêncio, senão o descaso. Enquanto aqueles limitam suas responsabilidades
ao montante alocado à sociedade, este responde com todas as forças de seu patrimônio pessoal
pelas obrigações que assumiu, quer contraídas no exercício de empresa, quer no âmbito
privado e particular.
Nesse cenário, o questionamento que surge é de lógica trivial: se o risco é
um componente indissociável da atividade econômica, presente, portanto, em qualquer
empresa, por que limitar tais riscos àquelas pessoas que se unem para explorar uma atividade
econômica, mas assim não o fazer àquela pessoa que, sozinha, explora a mesma atividade? E
mais: por que não pode uma pessoa fazer o que a lei permite que façam duas ou mais?
10
Muitos países, conscientes dessa manifesta contradição legal, construíram
instrumentos jurídicos aptos a limitar a responsabilidade daquele que decida individualmente
exercer empresa, conferindo, assim, tratamento igualitário a todos que decidam explorar
atividade econômica organizada de produção e circulação de bens ou serviços. Nesses países,
a técnica mais difundida e aceita de limitação da responsabilidade do empresário individual é
aquela que permite a constituição de uma sociedade limitada por ato de vontade de uma só
pessoa, ou seja, admite-se a sociedade limitada, com personalidade jurídica própria, formada
por um só sócio, a chamada “sociedade empresária unipessoal limitada”. Outra técnica de
limitação de responsabilidade, menos difundida, mas aceita, é aquela que permite ao
empresário individual destacar parte de seu patrimônio e afetá-lo ao exercício de empresa,
mediante o denominado “empresário individual de responsabilidade limitada”.
Todavia, nos sistemas legais que não admitem a sociedade empresária
unipessoal limitada, nem tampouco o empresário individual de responsabilidade limitada,
como ocorre no Brasil, o expediente há muito utilizado para obter a limitação da
responsabilidade tem sido a constituição de sociedades puramente fictícias, formadas pela
união daquele indivíduo que, a priori, iria lançar-se individualmente ao exercício de empresa
e um figurante de complacência – em regra, pessoas ligadas àquele por íntimos laços afetivos,
como, v.g., cônjuge ou filhos –, que comparece na constituição da sociedade apenas para
satisfazer a idolatria das formas preconizada pela lei: compor a pluralidade de sócios.
A questão que resta por analisar é a validade dessas sociedades ditas
fictícias ou de favor frente ao ordenamento jurídico brasileiro, e dizem respeito a duas ordens
de idéias: (i) a eventual existência de simulação de seus atos constitutivos; e (ii) se os
resultados últimos obtidos por meio dessas sociedades – a limitação da responsabilidade ou a
separação patrimonial do empresário individual – são proibidos de serem atingidos por
quaisquer meios, o que caracterizaria fraude à lei.
Para tanto, dividiu-se este trabalho em quatro capítulos. O segundo capítulo
cuida dos conceitos e distinções acerca da empresa, do empresário, da sociedade empresária e
do estabelecimento empresarial, discorrendo-se, inclusive, sobre a natureza jurídica de cada
instituto. No tópico que trata do empresário, além de se discorrer sobre os elementos que o
caracterizam, também abre-se espaço para as suas espécies, bem como, ao falar sobre a
capacidade para ser empresário, destacar as pessoas legalmente impedidas ao exercício de
empresa. Já no tópico reservado à sociedade empresária, cuida-se primeiramente da
classificação das sociedades em geral, sob os mais variados critérios, para, em seguida,
discorrer-se sobre as sociedades empresárias em espécie, iniciando-se pelas não-
11
personificadas e terminando-se com as personificadas. Nesse ponto, constata-se que, não
obstante a previsão legal de cinco tipos diversos de sociedades empresárias personificadas,
apenas a sociedade limitada e a sociedade por ações possuem relevância econômica e jurídica,
devido, sobretudo, à limitação da responsabilidade dos sócios ou acionistas a eventuais
insucessos no exercício de empresa.
O terceiro capítulo, por sua vez, trata da personalidade jurídica.
Preambularmente, verifica-se quando se dá o início e o término da personalização da
sociedade empresária. Em seguida, discutem-se os efeitos da personalização, abrindo-se
sobremodo destaque ao princípio da autonomia patrimonial, porquanto implica a separação
patrimonial entre a sociedade empresária e seus membros. Logo após, abre-se tópico em que
se aborda a ficção do empresário individual enquanto pessoa jurídica, deixando-se vislumbrar
a disparidade de tratamento conferido a este em relação aos membros da sociedade empresária
personificada. Por fim, discorrer-se-á sobre o remédio jurídico aplicável àqueles que
manipulam fraudulentamente o instituto da pessoa jurídica: a desconsideração da
personalidade jurídica.
A sociedade empresária limitada é tema discutido no quarto capítulo,
principalmente porque a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da
sociedade exsurge nesse tipo societário como característica peculiar. De início, abre-se tópico
para conceituar e averiguar a natureza jurídica da sociedade limitada. Em seguida, cuida-se do
contrato social, instrumento de constituição desse tipo societário, destacando-se, em primeiro
lugar, a teoria do contrato plurilateral, de Tullio Ascarelli, para depois discorrer sobre os seus
requisitos de validade, tanto os comuns quanto os específicos, bem como sobre os
pressupostos de existência, podendo-se vislumbrar, nesse ponto, o quanto é paradoxal o
Código Civil de 2002. Logo após, abre-se tópico para tratar acerca da invalidade do contrato
social, não obstante a mais abalizada doutrina defenda uma utilização cautelosa e
parcimoniosa desse instituto, tudo a demonstrar a diluição da importância dos interesses dos
sócios na proporção inversa da relevância dos interesses da empresa. No final, fala-se sobre os
sócios, bem como sobre os seus direitos e deveres, sem deixar de lado, por evidente, a matéria
que cuida da sua responsabilidade.
Por seu turno, o quinto capítulo trata, em seus dois primeiros tópicos, dos
instrumentos jurídicos de limitação da responsabilidade do empresário individual. Em
primeiro lugar, abre-se destaque para a técnica personificada, materializada na sociedade
empresária unipessoal limitada, que coloca no centro da discussão sobre o contrato de
sociedade, não mais a sua vocação para unificar uma pluralidade de pessoas, mas, sim, o seu
12
caráter instrumental e organizativo. Em segundo lugar, a técnica não-personificada que vem a
lume com chamado empresário individual de responsabilidade limitada, trazendo consigo a
possibilidade de criação de patrimônios distintos para um mesmo sujeito de direito: do
patrimônio geral destaca-se uma parte para formar o patrimônio especial e afetá-lo ao
exercício de empresa. Logo após, abre-se tópico para defender a validade das sociedades cuja
pluralidade de sócios é artificialmente construída, oportunidade em que se analisará a eventual
existência de negócio simulado ou de fraude à lei.
Finalmente, tecem-se as considerações finais sobre o trabalho, em que se
analisa o resultado da pesquisa realizada para a composição do tema proposto.
Quanto à metodologia, o trabalho foi delineado pela pesquisa bibliográfica,
que permitiu, através de um processo analítico e sistemático, coletar e analisar dados,
provenientes das mais variadas fontes, tais como a legislação, a doutrina e a jurisprudência.
13
2 A EMPRESA, O EMPRESÁRIO E A SOCIEDADE EMPRESÁRIA
Empresa, empresário e sociedade não se confundem. Em síntese, empresa é
a atividade econômica organizada para a produção de bens ou de serviços e não a pessoa que
a explora; empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a pessoa, física ou jurídica,
que explora a atividade econômica.1
A empresa, assim, pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No
primeiro caso, aquele que exerce a atividade econômica denomina-se empresário individual;
no segundo, sociedade empresária.2
Afora isso, embora o empresário, a empresa e o estabelecimento empresarial
se encontrem estreitamente correlacionados, são três noções distintas: o empresário (pessoa
física/ empresário individual – ou pessoa jurídica/sociedade empresária) é um sujeito de
direito e a empresa é a atividade econômica por ele exercida; o exercício da empresa, por
empresário, é viabilizado por meio de um complexo de bens organizado3, denominado
estabelecimento empresarial4 (objeto de direito). A esse respeito, Oscar Barreto Filho, com
clareza, preleciona:
[...] ao conceito básico de empresário se ligam as noções, também
fundamentais, de empresa e de estabelecimento. São três noções distintas,
mas que na realidade se acham estreitamente correlacionadas. O empresário,
como vimos, é um sujeito de direito e a empresa é a atividade por ele
organizada e desenvolvida, através do instrumento adequado que é o
estabelecimento.5
1
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 1, 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 63.
2
Idem, p. 64.
3
CÓDIGO CIVIL, art. 1.142: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para
exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”
4
Ensina Coelho: “Existem nada menos que nove teorias diferentes sobre a natureza do
estabelecimento, compondo um leque de visões que vão desde a personificação do complexo de bens
até a negativa de sua relevância para o direito (cf. Barreto Filho, 1969:77/109; Correia, 1973: 121/134;
Ferrara, 1952: 161/162). Da rica discussão, basta apenas destacar três pontos essenciais: 1º) o
estabelecimento empresarial não é sujeito de direito; 2º) o estabelecimento empresarial é uma coisa;
3º) o estabelecimento empresarial integra o patrimônio da sociedade empresária. Esses tópicos são
suficientes para a completa e adequada compreensão do instituto e dispensam maiores considerações
sobre o infértil debate acerca da natureza do estabelecimento empresarial.” (COELHO, 2002, p. 99).
5
BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p.
115.
14
Em outras palavras, empresário (sujeito de direito), empresa (atividade
econômica) e estabelecimento empresarial (objeto de direito) podem ser distinguidos pelos
verbos aplicáveis a cada qual: empresário se é; empresa se exercita; estabelecimento se tem.6
Nessa senda, o Juiz Federal Eugênio Rosa de Araújo, valendo-se da doutrina de Sylvio
Marcondes, muito bem assinala que:
[...] a empresa “não existe”, mas “se exerce”; não é “um ser” – nem sujeito
nem objeto –, mas “um fato”; quem é, o que existe, são o empresário, como
sujeito e o “estabelecimento”, como objeto. O “exercício” que o empresário
faz do estabelecimento constitui exatamente a empresa.”7
Insta, ainda, anotar que nem toda empresa é sociedade, ao mesmo tempo em
que nem todas as sociedades são empresas, porquanto pode existir empresa sem que haja
sociedade, como, por exemplo, a do empresário individual, que não utiliza qualquer forma
societária, bem como pode haver sociedade não empresária, isto é, que não exerce atividade
econômica organizada para a produção de bens ou de serviços, como as associações e as
sociedades simples.8
Nesse diapasão, Marcelo M. Bertoldi assevera que “A empresa – atividade
exercida pelo empresário – não pressupõe a existência de uma sociedade, na medida em que
esta atividade pode ser exercida por uma única pessoa física e não por um conjunto de pessoas
reunidas em sociedade.”9 Daí, finaliza Sérgio Campinho, apresentar-se a empresa como “[...]
um elemento abstrato10, sendo fruto da ação intencional do seu titular, o empresário, em
promover o exercício da atividade econômica de forma organizada.”11
Com efeito, para melhor entendimento dos institutos trazidos à colação,
torna-se necessário sobre eles discorrer, ainda que de forma sucinta.
6
TOMAZETTE, Marlon. A teoria da empresa: o novo Direito “Comercial”. Jus Navigandi, Teresina,
ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2899>. Acesso
em: 07 jul. 2008.
7
ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Breve introdução ao Direito de empresa. Revista da Seção Judiciária do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 18, 2006. p. 17. Disponível em:
<http://www.jfrj.jus.br/Rev_SJRJ/num18/artigos/artigo_1.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2008.
8
WALD, Arnoldo; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord). Comentários ao novo Código Civil: do
direito de empresa – arts. 966 a 1.195. vol. XIV, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 7.
9
BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de Direito Comercial. vol. 1, 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 56.
10
Quanto ao entendimento de que a empresa é uma abstração, Rubens Requião pontifica que “[...] o
conceito de empresa se firma na idéia de que é ela o exercício de atividade produtiva. E do exercício
de uma atividade não se tem senão uma idéia abstrata.” (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. vol. 1, 26. ed. atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 60).
11
CAMPINHO, Sérgio. O Direito de empresa. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 11.
15
2.1 A empresa
Jorge Rubem Folena de Oliveira arrolou, com muita propriedade, as
dificuldades em conceituar empresa:
A dificuldade em se definir ou conceituar o que seja empresa decorre de sua
própria natureza jurídica, pois uns a consideram como mero objeto de
direito, uma verdadeira abstração sem vida própria, e outros a consideram
como sujeito de direito, tendo vida independentemente da vontade de seus
sócios. Além disso, a expressão “empresa” é utilizada, no dia-a-dia, com
uma variedade numerosa de significados, que vão desde o sentido de
organização, passando pela noção de estabelecimento e chegando, de certa
forma, à de sociedade comercial, o que, como alude Waldirio Bulgarelli, não
contribui para a certeza e segurança características do ordenamento
jurídico.12
Alberto Asquini, um dos expoentes da doutrina italiana acerca da teoria da
empresa, considerou que esta deveria ser conceituada, não de modo direto ou linear, tal como
ocorre na ciência econômica, mas, sim, detida e pormenorizadamente. Nesse contexto,
sugeriu a empresa como um “fenômeno econômico poliédrico”, que teria, no aspecto jurídico,
não um, mas diversos perfis. Dizia o jurista italiano:
O conceito de empresa é o conceito de um fenômeno econômico poliédrico,
o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação
aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa
podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil, pelo qual o
fenômeno econômico é encarado.13
Baseando-se, então, no multifacetado fenômeno econômico da empresa,
Alberto Asquini a vislumbra sob quatro diferentes perfis: (i) subjetivo; (ii) funcional ou
dinâmico; (iii) patrimonial ou objetivo; e (iv) corporativo ou institucional.14
Pelo perfil subjetivo, a empresa é vista como o empresário, cujo conceito é
dado pelo art. 2.082, do Código Civil Italiano, como sendo “[...] quem exerce
profissionalmente uma atividade econômica organizada tendo por fim a produção ou a troca
12
OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. A empresa: uma realidade fática e jurídica. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, ano 36, out./dez., n. 144, 1999. p. 113. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_144/r144-08.PDF>. Acesso em: 07 jul. 2008.
13
ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução e notas de Fábio Konder Comparato. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, out./dez., n.
104, 1996, p. 109-110. Título original: Profili dell’Impresa, Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I,
1943.
14
Idem, ibidem.
16
de bens ou de serviços.”15 Eis, aliás, a definição de empresário dada por Asquini, à luz do
citado artigo 2.082:
Empresário é a) ‘quem exerce’, isto é, o sujeito de direito que exerce em
nome próprio; e b) ‘uma atividade econômica organizada’, isto é, uma
atividade empresarial que implica de parte do empresário a prestação de um
trabalho autônomo de caráter organizador e a assunção do risco técnico e
econômico correlato.16
Nesse aspecto, assim, o sujeito (pessoa física ou jurídica) que organiza a
produção ou circulação de bens ou serviços é identificado com a própria empresa.
Pelo segundo perfil, o funcional ou dinâmico, “[...] a empresa aparece como
aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado
escopo produtivo.”17 Segundo o autor italiano,
O conceito de atividade empresarial implica em uma atividade voltada, de
um lado, a recolher e organizar a força do trabalho e o capital necessário
para a produção ou distribuição dos determinados bens ou serviços, e, do
outro lado, a realizar a troca dos bens ou serviços colhidos ou produzidos.18
Nesse particular, identifica-se a empresa à própria atividade empresarial.
O perfil patrimonial ou objetivo refere-se à empresa como patrimônio
aziendal ou estabelecimento. Segundo Asquini, “O fenômeno econômico da empresa,
projetado sobre o terreno patrimonial, dá lugar a um patrimônio especial distinto, por seu
escopo, do restante patrimônio do empresário.”19 Nesse caso, portanto, a empresa seria um
patrimônio afetado a uma finalidade específica.
Pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa é considerada como o
resultado da organização do pessoal, formada pelo empresário e seus colaboradores. Como
dizia Asquini:
O empresário e os seus colaboradores dirigentes, funcionários, operários,
não são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si
por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas
formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico
comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos
15
CODICE CIVILE, art. 2082: “È imprenditore chi esercita professionalmente un’attività economica
organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi.”
16
ASQUINI, op. cit., p. 114.
17
Idem, p. 116.
18
Idem, p. 117.
19
Idem, p. 118.
17
singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico na
produção.20
Assim, nesse perfil, a empresa é considerada uma instituição, na medida em
que reúne pessoas – empresário e seus colaboradores – com propósitos comuns.
A visão multifacetária da empresa proposta por Alberto Asquini recebeu
apoio entusiasmado da doutrina21, mas, a evolução da teoria da empresa implicou a paulatina
desconsideração dos perfis subjetivo, patrimonial e corporativo, concentrando-se os autores
no perfil funcional como sendo o conceito jurídico mais apropriado para a empresa.22
Isso porque, enquanto os perfis subjetivo e patrimonial não são mais que
uma outra denominação para os conhecidos institutos de sujeito de direito (empresário) e de
objeto de direito (estabelecimento empresarial), o perfil corporativo ou institucional sequer
corresponde a algum dado de realidade, porquanto a idéia de identidade de propósitos a reunir
na empresa proletários e capitalista apenas existe em ideologias populistas de direita, ou
totalitárias.23
Na verdade, no Direito pátrio, empresa só pode ser mesmo entendida como
uma atividade – equivalente ao perfil funcional da teoria de Alberto Asquini –, uma vez que,
definido legalmente24 o empresário como o profissional exercente de “atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, a empresa somente pode
ser a atividade revestida com estas características25.
A par dessa concepção, Waldirio Bulgarelli define empresa como
“Atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o
mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de
bens.”26
20
ASQUINI, op. cit., p. 122.
Como, por exemplo, a de Sylvio Marcondes, segundo o qual “Estes perfis jurídicos do conceito
econômico de empresa são obra do grande comercialista italiano Alberto Asquini, que resolveu uma
pendência na doutrina italiana, dividida em inúmeras correntes, cada qual pretendendo que a sua fosse
a verdadeira conceituação de empresa, em termos jurídicos. A tese de Asquini, hoje generalizadamente
acolhida, é de que a empresa tem um conceito unitário econômico, mas não um conceito unitário
jurídico, porque a lei ora a trata como uma, ora, como outra.” (MARCONDES, Sylvio. Questões de
Direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 7-8).
22
COELHO, 2002, p. 19.
23
Idem, p. 19.
24
CÓDIGO CIVIL, art. 966: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
25
Acerca do significado dessas características – “econômica” e “organizada” –, vide item 2.2 deste
trabalho.
26
BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 100.
21
18
Entendida como atividade econômica organizada, não se confunde a
empresa com o sujeito exercente da atividade (empresário),27 nem com o complexo de bens
organizado por meio dos quais se exerce a atividade (estabelecimento empresarial),28 isto é,
não há como classificar empresa como pessoa (sujeito de direito), tampouco como coisa
(objeto de direito),29 porque ela é a própria atividade de alguém. Nessa esteira, as palavras de
Fábio Ulhoa Coelho:
Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação
de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza
jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se
confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento
empresarial (coisa).30
Na mesma direção, Ricardo Negrão, em lição lapidar, pontifica que:
É de notar que o empresário tem existência natural ou jurídica, isto é, as
pessoas naturais são seres humanos que exercem efetivamente atos de
vontade, e as pessoas jurídicas, embora criadas por lei, têm, para todos os
fins, existência, deveres e direitos assemelhados aos da pessoa natural,
sendo, como tal, sujeitos de direitos e obrigações. O estabelecimento, como
complexo de bens, corpóreos e incorpóreos, também possuiu existência,
fisicamente, ocupando lugar no espaço, ou como bem jurídico protegido, e,
assim, pode ser objeto de direito dos primeiros mencionados. A empresa,
portanto, considerada como atividade exercida pelo empresário, como já se
considerou acima, não é nem sujeito, nem objeto de direito. Ela não existe
27
A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho, com a clareza de sempre, muito bem explica que “[...] na
linguagem cotidiana, mesmo nos meios jurídicos e até na lei, usa-se freqüentemente a expressão
‘empresa’ com significados diferentes de atividade. Se se afirma, por exemplo, que ‘a empresa faliu’
ou que ‘adquiriu estoque’, a expressão é empregada erradamente, de forma não-técnica. A empresa,
sendo atividade, não pode ser confundida com o sujeito de direito que a explora, o empresário. É esta
pessoa (física ou jurídica) que pode ter a falência decretada ou realizar negócio jurídico de compra de
mercadorias. Como destacado no item anterior, ‘empresa’ não é o conceito jurídico apropriado para se
referir ao seu perfil subjetivo. Quando se pretende fazer referência ao sujeito de direito que organiza a
empresa, deve-se usar, quando explorada a atividade individualmente, ‘empresário individual’; e,
quando explorada por pessoa jurídica, ‘sociedade empresária’.” (COELHO, Fábio Ulhoa: Parecer
dado ao Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas no Brasil. Disponível
em: <http://www.irtdpjbrasil.com.br/parecerfabio.htm>. Acesso em: 07 jul. 2008. p. 9).
28
Acerca do estabelecimento empresarial, Fábio Ulhoa Coelho completa: “Similarmente, se alguém
exclama ‘a empresa está pegando fogo!’ ou constata ‘a empresa foi reformada, ficou mais bonita’, está
também se valendo do termo ‘empresa’ equivocadamente. A empresa, sendo atividade, não se
confunde com o local em que é exercida. Já se deu ênfase à impropriedade de se chamar de ‘empresa’
o que Asquini considerava ser o seu aspecto objetivo. O conceito correto, neste caso, é o de
‘estabelecimento empresarial’.” (COELHO, Parecer dado ao Instituto..., p. 9).
29
Alguns autores, entretanto, filiam-se à idéia de empresa como objeto de direito. Neste sentido:
REQUIÃO, op. cit., p. 60; BERTOLDI, op. cit., p. 56; BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito
Societário. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. p. 27; MIRANDA, Maria Bernadete. Curso
teórico e prático de Direito Societário. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 10.
30
COELHO, 2002, p. 19.
19
como pessoa (sujeito de direitos), tampouco como objeto de direito, porque é
a própria atividade de alguém – pessoa natural (empresário) ou jurídica
(sociedade empresária).31
Pois bem, se não é sujeito, nem objeto de direito, qual, então, é a natureza
jurídica da empresa? O Professor Waldirio Bulgarelli considera empresa como uma nova
categoria jurídica, distinta de atos e fatos jurídicos (em sentido estrito), mas espécies do
mesmo gênero32. Nessa senda, Ricardão Negrão afirma que a concepção de empresa é “[...]
abstrata e corresponde ao conceito de fatos jurídicos, ou exercício de negócios jurídicos
qualificados (atividade econômica organizada, com fim próprio, lícito).”33 Fábio Ulhoa
Coelho, na mesma direção, leciona que a “[...] empresa tem estatuto jurídico próprio, que
possibilita o seu tratamento com abstração até mesmo do empresário.”34
Dessa forma, pode-se considerar empresa como uma nova categoria
jurídica, um terceiro gênero, porquanto não se trata nem de sujeito, tampouco de objeto de
direito, enquadrando-se na noção de fato jurídico em sentido amplo.
2.2 O empresário
O empresário é entendido, juridicamente, como o sujeito de direito que
exerce a empresa. Como visto alhures, o legislador brasileiro, a exemplo do italiano que o
inspirou em muitos aspectos, não define empresa, mas apenas empresário. Com efeito, de
acordo com o art. 966, do Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços.”
Da definição legal de empresário, dada pelo art. 966 do Código Civil,
verifica-se que são três os elementos que o caracterizam: (i) profissionalismo; (ii) atividade
econômica; e (iii) organização.35 Nessa ordem, tem-se que:
(I)
Profissionalismo: o elemento da profissionalidade relaciona-se com a
habitualidade do desenvolvimento da atividade ou, nas palavras de Ricardo Negrão, tal
31
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de empresa: evolução histórica do Direito
Comercial. Teoria geral da empresa. Direito societário. vol. 1, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 57-58.
32
BULGARELLI, op. cit., p. 132.
33
NEGRÃO, op. cit., p. 58.
34
COELHO, 2002, p. 19.
35
NEGRÃO, op. cit., p. 46.
20
elemento “[...] enfoca o empresário como aquela pessoa (natural ou jurídica) que,
profissionalmente, isto é, não ocasionalmente, assume, em nome próprio, os riscos de sua
empresa, organizando-a, técnica e economicamente.”36
Na mesma direção, Sylvio Marcondes esclarece que o profissionalismo
representa “[...] a habitualidade da prática da atividade, a sistemática dessa atividade e que,
por ser profissional, tem implícito que é exercida em nome próprio e com ânimo de lucro.
Essas duas idéias estão implícitas na profissionalidade do empresário.”37 Por outro lado, não
será considerado empresário aquele que exerce atividade “[...] à custa de outrem, ou sob o
risco desse; nem o será quem exerce simples profissão, de forma autônoma.”38
(II) Atividade econômica: para caracterizar o empresário deve existir o
exercício de uma atividade econômica, isto é, de uma “[...] atividade criadora de riqueza e de
bens ou serviços patrimonialmente valoráveis para o mercado consumidor.”39
Na lição de Fábio Ulhoa Coelho, “[...] a atividade empresarial é econômica
no sentido de que é apta a gerar lucro para quem a explora”40. Para Francesco Galgano, a idéia
da atividade econômica está relacionada com o desenvolvimento de uma atividade capaz de
cobrir os próprios custos41. Nos termos propugnados por Sylvio Marcondes, a atividade
econômica refere-se “[...] à criação de riquezas, bens ou serviços. A economicidade da
atividade está na criação de riquezas; de modo que aquele que profissionalmente exerce
qualquer atividade, que não seja econômica ou não seja atividade de produção de riquezas,
não é empresário.”42
Desse modo, quem exerce profissão intelectual, a exemplo dos profissionais
liberais, não é considerado empresário, salvo se organizados em empresa. A esse respeito,
Sylvio Marcondes esclarece que:
Há pessoas que exercem profissionalmente uma atividade criadora de bens
ou de serviços, mas não devem e não podem ser consideradas empresários –
referimo-nos às pessoas que exercem profissão intelectual – pela simples
36
NEGRÃO, op. cit., p. 47.
MARCONDES, op. cit., p. 11.
38
NEGRÃO, op. cit., p. 47.
39
Idem, p. 46.
40
COELHO, Parecer dado ao Instituto... p. 10.
41
Francesco Galgano emprega ao critério da economicidade o sentido de equilíbrio dos custos, isto é,
“l´attività produtiva deve alimentaris con i suoi stessi ricavi e non comportare erogazione a ‘fondo
perduto’ della dotazione patrimoniale dell´ente e dei contributi che l´ente riceve dallo Stato.”
(GALGANO, Francesco. Diritto privato. 5. ed. Padova: CEDAM, 1988. p. 431).
42
MARCONDES, op. cit., p. 11.
37
21
razão de que o profissional intelectual pode produzir bens, como o fazem os
artistas; podem produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais
liberais; mas nessa atividade profissional, exercida por essas pessoas, falta
aquele elemento de organização dos fatores de produção; porque na
prestação desse serviço ou na criação desse bem, os fatores de produção, ou
a coordenação de fatores, é meramente acidental: o esforço criador se
implanta na própria mente do autor, que cria o bem ou o serviço. Portanto,
não podem – embora sejam profissionais e produzam bens ou serviços – ser
considerados empresários. A não ser que, organizando-se em empresa,
assumam a veste de empresários. Parece um exemplo bem claro a posição do
médico, o qual, quando opera, ou faz diagnóstico, ou dá a terapêutica, está
prestando um serviço resultante de sua atividade intelectual, e por isso não é
empresário. Entretanto, se ele organiza fatores de produção, isto é, une
capital, trabalho de outros médicos, enfermeiros, ajudantes etc., e se utiliza
de imóvel e equipamentos para a instalação de um hospital, seja pessoa
física, seja pessoa jurídica, será considerado empresário, porque está,
realmente, organizando os fatores da produção, para produzir serviços.43
Deveras, distingue-se a expressão “econômica” das que qualificam outras
atividades previstas no Código Civil, tais como as atividades intelectuais, científicas, literárias
ou artísticas44, as atividades associativas45 e as fundacionais de fins religiosos, morais,
culturais ou de assistência46, de tal sorte que pode existir sociedade sem que haja empresa, a
exemplo das associações e das sociedades simples47.
(III) Organização: a noção de organização, segundo Fábio Ulhoa Coelho,
envolve a conjugação de quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e
tecnologia.48 Nessa senda, Sylvio Marcondes deixa claro o significado de organização:
[...] esta atividade deve ser organizada, isto é, atividade em que se
coordenam e se organizam os fatores da produção: trabalho, natureza,
capital. É a conjugação desses fatores, para a produção de bens ou de
serviços, que constitui a atividade considerada organizada, nos termos do
preceito do Projeto.49
43
MARCONDES, op. cit., p. 11.
CÓDIGO CIVIL, art. 966, parágrafo único: “Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.” (grifos nossos)
45
CÓDIGO CIVIL, art. 53: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem
para fins não econômicos.” (grifo nosso)
46
CÓDIGO CIVIL, art. 62, parágrafo único: “A fundação somente poderá constituir-se para fins
religiosos, morais, culturais ou de assistência.” (grifos nosso)
47
CÓDIGO CIVIL, art. 982: “Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que
tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples,
as demais.” (grifo nosso)
48
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 13.
49
MARCONDES, op. cit., p. 10-11.
44
22
Waldirio Bulgarelli, por sua vez, adverte:
O que caracteriza, em termos pragmáticos, a empresa, não é a própria
organização em si, mas a forma de produzir organizadamente, o que não é o
mesmo que organização da atividade de produção. Em termos históricos, por
exemplo, é incontestável que a perspectiva pela qual se deve ver a empresa é
justamente a da evolução das técnicas de produção, portanto, forma de
produzir que de rudimentar familiar e artesanal, passou a ser mecanizada ou
maquinizada, com mão de obra alheia e com maior grau de organização, já
que esta última sempre existiu e existe em qualquer tipo de trabalho.50
Rubens Requião, com a lucidez costumeira, sintetiza:
O empresário, assim, organiza a sua atividade, coordenando os seus bens
(capital) com o trabalho aliciado de outrem. Eis a organização. Essa
organização, em si, o que é? Constitui apenas um complexo de bens e um
conjunto de pessoal inativo. Esses elementos – bens e pessoal – não se
juntam por si; é necessário que sobre eles, devidamente organizados, atue o
empresário, dinamizando a organização, imprimindo-lhes atividade que
levará à produção. Tanto o capital do empresário como o pessoal que irá
trabalhar nada mais são isoladamente do que bens e pessoas. A empresa
somente nasce quando se inicia a atividade sob a orientação do empresário.51
(grifos do autor)
E, logo em seguida, Requião conclui: “Dessa explicação surge nítida a idéia
de que a empresa é essa organização dos fatores de produção exercida, posta a funcionar,
pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizada do empresário,
desaparece, ipso facto, a empresa.”52
A propósito, a partir do elemento organização, Fábio Ulhoa Coelho
distingue as atividades econômicas empresariais das não-empresarias:
Empresariais são as atividades econômicas organizadas como empresas.
Sempre que ao produzir ou circular bens ou serviços, alguém combina os
quatro fatores de produção do capitalismo superior (mão-de-obra, insumos,
tecnologia e capital), confere à sua atividade uma organização específica. O
nome desta organização é empresa. Não-empresariais, por sua vez, são as
atividades econômicas exploradas independentemente da articulação dos
fatores de produção. Quando quem produz ou circula bens ou serviços não
contrata senão alguns poucos empregados, não adquire nem desenvolve
sofisticadas tecnologias, não faz circular insumos ou não tem relevante
capital, falta-lhe empresarialidade.53
50
BULGARELLI, op. cit., p. 149.
REQUIÃO, op. cit., p. 59.
52
Idem, p. 60.
53
COELHO, Parecer dado ao Instituto... p. 22.
51
23
Desse modo, não é empresário quem explora atividade de produção ou
circulação de bens ou serviços sem alguns desses quatro fatores de produção, quais sejam,
capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia54.
2.2.1 Espécies de empresário
São duas as espécies de empresário, o individual, isto é, aquele que exercita
a atividade econômica em nome, conta e risco próprios; e o coletivo, que é revestido pela
figura da sociedade empresária. A esse respeito, Ricardo Negrão leciona que:
Relativamente à forma que reveste o exercício da atividade empresarial, os
empresários podem ser classificados em individuais e coletivos, sendo os
primeiros os que exercem sua atividade debaixo de uma firma individual e
os coletivos os que a praticam por meio de uma sociedade empresária.55
Fábio Ulhoa Coelho, por sua vez, prefere distinguir as espécies de
empresário pelo tipo de pessoa, física ou jurídica, que exercita a atividade econômica
organizada:
Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade
econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode
ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa
individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus
integrantes.56 (grifos do autor)
54
Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho apresenta uma riqueza de exemplos: “O comerciante de
perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos
potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro,
habitualidade e em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata
empregado, não organiza mão-de-obra. O feirante que desenvolve seu negócio valendo-se apenas das
forças de seu próprio trabalho e de familiares (esposa, filhos, irmãos) e alguns poucos empregados,
também não é empresário porque não organiza uma unidade impessoal de desenvolvimento de
atividade econômica. O técnico em informática que instala programas e provê a manutenção de
hardware atendendo aos clientes em seus próprios escritórios ou casa, o professor de inglês que traduz
documentos para o português contratado por alguns alunos ou conhecidos deste, a massagista que
atende a domicílio e milhares de outros prestadores de serviço – que, de telefone celular em punho,
rodam a cidade – não podem ser considerados empresários, embora desenvolvam atividade
econômica. Eles não são empresários porque não desenvolvem suas atividades empresarialmente, não
o fazem mediante a organização dos fatores de produção.” (COELHO, Parecer dado ao Instituto... p.
12).
55
NEGRÃO, op. cit., p. 48.
56
COELHO, 2002, p. 63.
24
E, logo em seguida, Coelho completa: “A empresa pode ser explorada por
uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama
empresário individual; no segundo, sociedade empresária.”57
Deveras, como se verá no próximo capítulo deste trabalho, a sociedade
empresária, que arquiva o seu ato constitutivo no registro próprio, adquire personalidade
jurídica, isto é, nasce no mundo jurídico como pessoa jurídica. Sendo, pois, pessoa jurídica,
não mais se confundem a pessoa dos sócios com a pessoa da sociedade, separando-se,
inclusive, seus respectivos patrimônios, podendo-se afirmar que, em regra, um não responde
pelas obrigações do outro.
Situação inversa é a do empresário individual, uma vez que a lei não lhe
confere personalidade jurídica; o empresário individual não é pessoa jurídica, mas, sim, a
própria pessoa natural ou física, razão pela qual, conforme se verá adiante, os seus bens
respondem pelas obrigações assumidas, sejam elas de natureza civis ou empresariais.
Desse modo, ao contrário do tratamento jurídico dispensado às sociedades
empresárias, o empresário individual carece de expediente apto a limitar, por meio da
separação patrimonial, a responsabilidade pelos riscos na exploração da atividade econômica.
Por conta disso, passou-se a recorrer à figura das chamadas sociedades
fictícias ou de favor, constituídas por um sócio quase totalitário – a própria pessoa do
empresário individual – e um presta-nome58, detentor, na maioria das vezes, de apenas uma
quota do capital social.
Não obstante, a aparente ilicitude desse expediente, consistente na
afirmação de que o presta-nome não seria sócio efetivo, no decorrer deste trabalho será
possível verificar que as chamadas sociedades fictícias não padecem de qualquer vício que
lhes atinja o plano da validade, porque representa hipótese de negócio indireto, perfeitamente
lícito, ante a inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de meios diretos para se obter a
limitação de responsabilidade do empresário individual.
Por outro lado, também se verá, mais adiante, que a validade das sociedades
fictícias ou de favor, não se confunde com as hipóteses de simulação da sociedade, uma vez
57
COELHO, 2002, p. 64.
Presta-nome, nas palavras de Newton de Lucca et al, “É a pessoa que empresta o nome à sociedade
como sócio e que passa automaticamente à categoria de sócio, mesmo que não tenha interesse nos
lucros da sociedade.” (LUCCA, Newton de; MONTEIRO, Rogério; SANTOS, J. A. Penalva;
SANTOS, Paulo Penalva; ALVIM, Arruda (Coord); ALVIM, Thereza (Coord). Comentários ao
Código Civil Brasileiro: do direito de empresa (artigos 966 a 1.087). vol. IX, Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 44).
58
25
que, nesse caso, a constituição da sociedade, por interpostas pessoas,59 opera-se com o
exclusivo intento de fraude, com o fito de causar prejuízos ao Erário Público, aos empregados,
à concorrência, aos credores, ao interesse coletivo e, em substância, ao bem comum.
2.2.2 Pessoas impedidas de exercer a atividade de empresário
Ao estabelecer a capacidade para o exercício da atividade de empresário, o
Código Civil, em seu art. 972, dispôs: “Podem exercer a atividade de empresário os que
estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.”
Desse modo, quem tem capacidade civil60 é também capaz para ser
empresário, desde que não esteja impedido por qualquer razão legal, isto é, toda pessoa que
estiver no gozo de sua capacidade civil e não estiver legalmente impedida, possui, também, a
capacidade para exercer a atividade de empresário.61
Cabe ressaltar que a pessoa impedida de exercer a atividade de empresário
não é incapaz, uma vez que “[...] não se trata aqui de incapacidade jurídica, mas de
incompatibilidade da atividade negocial em relação a determinadas situações funcionais. Não
são incapazes, mas praticam irregularmente atos válidos.”62
Assim, aquele que a despeito da proibição atua como empresário, não fere
de nulidade o ato praticado,63 porque não é incapaz, mas responde pelas obrigações assumidas
perante terceiros. Essa, aliás, é a regra contida no artigo 973 do Código Civil: “A pessoa
59
Interpostas pessoas, conforme se verá, são aquelas que, sem ter legítimo interesse, aparecem em um
negócio jurídico como parte, a fim de ocultar o verdadeiro interessado que, por motivos quase sempre
ilícitos, não quer ou não pode aparecer.
60
A capacidade civil é a regra; a exceção é a incapacidade, que pode ser absoluta ou relativa. Quanto à
primeira, o Código Civil, em seu art. 3º, dispõe que: “São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que,
mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.” Quanto à incapacidade relativa, o
art. 4º, mesmo Codex, estabelece: “São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os
exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em
tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.”
61
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 24.
62
CASTRO, op. cit., p. 46.
63
A esse respeito, Rubens Requião, com a lucidez de sempre, muito bem esclarece que: “O proibido
de comerciar não é incapaz. Convém esclarecer que o exercício do comércio, malgrado a proibição
legal, não fere de nulidade o ato de comércio praticado pelo proibido; o ato é realmente válido (art.
973 do novo Cód. Civ.) e o proibido torna-se comerciante, e sofrerá as penalidades administrativas a
que sua falta corresponder.” (REQUIÃO, op. cit., p. 100-101).
26
legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá
pelas obrigações contraídas.” Segundo Arnoldo Wald,
A regra do artigo 973 determina com clareza que a incapacidade
empresarial, em razão da existência de impedimento legal ao exercício da
atividade empresarial, não gera a ineficácia das obrigações por ele
assumidas. É conseqüência do princípio jurídico pelo qual a ilicitude ou
irregularidade do ato realizado não pode beneficiar ou isentar de
responsabilidade quem o praticou. Esse exercício irregular, no entanto,
estará sujeito a sanções administrativas e a esse ato (ou empresário irregular)
não serão estendidos os direitos concedidos pelo regime especial do direito
comercial. Responde, portanto, o legalmente impedido pelos atos
empresariais que exercer, ficando sujeito às sanções pela ilegalidade de sua
conduta.64
Passa-se a verificar, então, quais são as pessoas impedidas de exercer a
atividade de empresário, destacando-se, dentre outros:
(I)
Os falidos:65 aos falidos, enquanto não reabilitados, é negado o direito
do exercício da atividade empresarial, consoante o disposto no art. 102, da Lei nº 11.101/05:
“O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da
falência e até a sentença que extingue suas obrigações.” A inabilitação ao exercício de
qualquer atividade empresarial, segundo Frederico Augusto Monte Simionato, “[...] tem o
significado interpretativo de proibição, por conta que o falido perde a sua prerrogativa de
empresário, ficando inabilitado, impedido e proibido de organizar uma atividade econômica
organizada, ou seja, aquilo que a prática denomina de empresa.”66
Além do empresário individual e da sociedade empresária, também os
sócios desta, mesmo não sendo empresários, podem ficar inabilitados para o exercício da
atividade empresarial. Deveras, a falência da sociedade com sócios ilimitadamente
responsáveis também acarreta a falência desses sócios, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos
jurídicos produzidos em relação à sociedade falida (Lei nº 11.101/05, art. 81, caput e art.
160). Daí, então, Frederico Augusto Monte Simionato dizer que “O sócio nas falências das
64
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 25.
Ensina Ricardo Negrão que “Falidos são empresários e sociedades empresárias que, sem relevante
razão de direito, deixaram de pagar no vencimento obrigação líquida materializada em título ou títulos
executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do
pedido de falência, ou praticaram alguns dos atos previstos no art. 94 da Lei n. 11.101/2005, e assim
foram declarados por decisão judicial irrecorrível.” (NEGRÃO, op. cit., p. 52-53).
66
SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de Direito Falimentar. Rio de Janeiro: Forense,
2008. p. 167.
65
27
sociedades com responsabilidade ilimitada são, também, falidos, e ficam inabilitados para o
exercício da atividade empresarial.”67 Na mesma direção, Ricardo Negrão preleciona que:
Os falidos e os sócios da sociedade falida que ostentam responsabilidade
ilimitada são impedidos de exercer a atividade empresarial desde a
decretação da falência até a extinção de suas obrigações (art. 102 da nova
Lei de Falências). A vedação decorre, tão-somente, da ausência de
idoneidade financeira, isto é, o falido que teve seus bens arrecadados para
pagamento de credores e, ainda, poderá ter seus bens futuros aprendidos –
até a extinção de suas obrigações – não pode dispor de outros bens livres
para o exercício da atividade econômica.68
Afora isso, na falência de sociedade empresária, equiparam-se ao falido, de
acordo com o art. 179 da Lei Falimentar,69 os seus sócios, diretores, gerentes,
administradores, conselheiros e o administrador judicial, de tal modo que, se forem
condenados por crime falimentar sentirão eles essa afiada “foice” da inabilitação, tanto que o
art. 181, inciso I, da mesma Lei de Falências, preceitua como um dos efeitos da condenação
“a inabilitação para o exercício de atividade empresarial.”70
(II) Os agentes políticos:71 a lei menciona expressamente alguns agentes
políticos72 proibidos de exercer a atividade de empresário, tais como:
67
SIMIONATO, op. cit., p. 167.
NEGRÃO, op. cit., p. 53.
69
LEI Nº 11.101/05, art. 179: “Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial de
sociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito,
bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais
decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.”
70
SIMIONATO, op. cit., p. 167.
71
Agentes políticos, segundo Hely Lopes Meirelles, “[...] são os componentes do Governo nos seus
primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição,
designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com
plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades
próprias estabelecidas na Constituição e em leis especiais. Não são servidores públicos, nem se
sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição de 1988. Têm normas específicas
para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhes
são privativos.” (MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed. atual. por Eurico
de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1990. p. 56).
72
Segundo Ricardo Negrão, “Ao proibir o exercício do comércio – e, em conseqüência lógica, o
exercício da atividade empresarial – a alguns agentes políticos, a lei pretendeu preservar a liberdade e
o status político para o exercício pleno de suas funções. Um pedido de falência, por exemplo, contra
um desses agentes teria notáveis reflexos sobre a comunidade em geral. Permitir a um falido –
impedido de administrar seus próprios bens – a administração da coisa pública é um contra-senso
inaceitável.” (NEGRÃO, op. cit., p. 51).
68
28
Os magistrados: de acordo com o inciso I, do art. 36, da Lei
Complementar nº 35, de 14.3.79 (Lei Orgânica da Magistratura), é vedado ao magistrado
exercer a atividade de empresário individual ou participar de sociedade empresária, salvo
como acionista ou quotista73. Ademais, o art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição
Federal, veda ao magistrado o exercício de outro cargo ou função, mesmo encontrando-se em
disponibilidade, salvo a de magistério74.
Os membros do Ministério Público: tal qual os magistrados, os
membros do Ministério Público também encontram-se proibidos de exercer a atividade de
empresário, bem como de participar de sociedade empresária, exceto como acionista ou
quotista (CF/8875, art. 128, § 5º, II, ‘c’ e ‘d’; Lei nº 8.625/9376, art. 44, III).
Os deputados e senadores: não se proíbe aos deputados e senadores o
exercício da atividade empresarial de forma ampla, mas se restringe seu exercício quando
forem “proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de
contrato com pessoa jurídica de direito público” (CF/8877, art. 54, II, ‘a’). A mesma restrição
imposta aos senadores e deputados federais atinge aos deputados estaduais e vereadores,
consoante o disposto no inciso IX, do art. 29, da Constituição Federal.
Os chefes do Poder Executivo e seus auxiliares imediatos: segundo
Ricardo Negrão, como a lei não restringiu o exercício da atividade empresarial aos membros
do Poder Executivo, como o presidente da República, ministros e secretários de Estado,
governadores e prefeitos municipais, não cabe ao intérprete incluí-los na proibição, por se
tratar de norma de caráter restritivo. Todavia, entende que as mesmas restrições do art. 54,
inciso II, da Constituição Federal aplicam-se, ao contratar, aos chefes do Executivo e demais
73
LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79, art. 36: “É vedado ao magistrado: I - exercer o comércio ou
participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista.”
74
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 95, parágrafo único: “Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que
em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério.”
75
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 128, § 5º: “Leis complementares da União e dos Estados, cuja
iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições
e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: [...] II - as
seguintes vedações: [...] c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em
disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério.”
76
LEI Nº 8.625/93, art. 44: “Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações:
[...] III - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista.”
77
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 54: “Os Deputados e Senadores não poderão: [...] II - desde a
posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de
contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada.”
29
auxiliares imediatos, porquanto seus atos devem obedecer aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF/88, art. 37, caput).78
Waldo Fazzio Júnior, por sua vez, é de opinião que a proibição inclui todos
os ministros de Estados e os ocupantes de cargos públicos em comissão, bem como, é claro,
os chefes do Poder Executivo, em todos os níveis.79 Mesma opinião é a de Rubens Requião,
para quem a proibição total para o exercício da atividade empresarial atinge os chefes do
Executivo e os governadores de Estado.80
(III) Os servidores públicos:81diante do art. 117, inciso X, da Lei nº
8.112/9082, os servidores públicos, seja da administração pública direta, indireta, autárquica
ou fundacional, não podem ser empresários individuais, permitindo-se-lhes, no entanto, a
participação nas sociedades na qualidade de acionistas ou quotistas, isto é, como sócios não
gerentes, não diretores e não administradores.
(IV) Os militares em geral: os militares da ativa das Forças Armadas e
das Polícias Militares, em razão do art. 29, da Lei nº 6.880/8083 (Estatuto dos Militares) e do
art. 204, do Decreto-Lei nº 1.001/6984 (Código Penal Militar), encontram-se proibidos de
exercer a atividade de empresário individual, bem como de integrar a administração ou a
gerência de sociedade, ou dela ser sócio, salvo na qualidade de acionista ou quotista em
sociedade anônima ou sociedade limitada.
78
NEGRÃO, op. cit., p. 52.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 54.
80
REQUIÃO, op. cit., p. 99-100.
81
Servidor público, na lição do Mestre Nestor Sampaio Penteado Filho, “[...] é a pessoa física que se
liga à Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional, mediante uma relação de
trabalho de natureza não eventual para lhe prestar serviços.” (ANGERAMI, Alberto; PENTEADO
FILHO, Nestor Sampaio. Direito Administrativo sistematizado. São Paulo: Editora Método, 2007. p.
187).
82
LEI Nº 8.112/90, art. 117: “Ao servidor é proibido: [...] X - participar de gerência ou administração
de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de
acionista, cotista ou comanditário.”
83
LEI Nº 6.880/80, art. 29: “Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração
ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em
sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.”
84
DECRETO-LEI Nº 1.001/69, art. 204: “Comerciar o oficial da ativa, ou tomar parte na
administração ou gerência de sociedade comercial, ou dela ser sócio ou participar, exceto como
acionista ou cotista em sociedade anônima, ou por cotas de responsabilidade limitada: Pena suspensão do exercício do posto, de seis meses a dois anos, ou reforma.”
79
30
(V)
Os leiloeiros:85 por força do art. 36, do Decreto nº 21.981/3286, ficam
impedidos os leiloeiros de exercer a atividade empresarial, bem como de participarem de
sociedade de qualquer espécie ou denominação. Segundo Rubens Requião, o leiloeiro é
empresário, mas de natureza especial, porque ele não pode exercer outra atividade empresarial
direta ou indiretamente em seu ou em alheio nome, nem tampouco constituir sociedade de
qualquer espécie ou denominação.87
(VI) Os despachantes aduaneiros: por força do art. 10, inciso I, do
Decreto nº 646/9288, os despachantes aduaneiros estão cerceados de serem titulares de
empresa de exportação ou importação de mercadorias, e nem lhes é admitido comercializar as
mercadorias oriundas do exterior.
(VII) Os estrangeiros com visto temporário: a teor do art. 99 da Lei nº
89
6.815/80 , ao estrangeiro que se encontra no Brasil com amparo de visto temporário é vedado
exercer a atividade empresarial, de forma individual, bem como exercer cargo ou função de
administrador, gerente ou diretor de sociedade empresária ou simples.
(VIII) Os estrangeiros residentes no País: o estrangeiro, regularmente
residente no País, não está proibido de exercer a atividade empresarial90, salvo em algumas
hipóteses contempladas pela lei, a saber:
85
Segundo Rubens Requião, “Os agentes de leilão ou leiloeiros são auxiliares independentes da
empresa, que têm por função a venda, mediante oferta pública, de mercadorias que lhes são confiadas
para esse fim [...] O leiloeiro é empresário, mas de natureza especial, como se está vendo. Não pode
ele, todavia, exercer outra atividade empresarial direta ou indiretamente em seu ou em alheio nome;
constituir sociedade de qualquer espécie ou denominação; encarregar-se de cobrança ou pagamentos
comerciais; adquirir para si, ou para pessoas de sua família, coisa de cuja venda tenha sido incumbido,
ainda que a pretexto de destinar-se a seu consumo particular.” (REQUIÃO, op. cit., p. 202-204).
86
DECRETO Nº 21.981/32, art. 36: “É proibido ao leiloeiro: 1. sob pena de destituição: 1º, exercer o
comércio direta ou indiretamente no seu ou alheio nome; 2º, constituir sociedade de qualquer espécie
ou denominação.”
87
REQUIÃO, op. cit., p. 204.
88
DECRETO Nº 646/92, art. 10: “É vedado ao despachante aduaneiro e ao ajudante de despachante
aduaneiro: I - efetuar, em nome próprio ou no de terceiro, exportação ou importação de quaisquer
mercadorias ou exercer comércio interno de mercadorias estrangeiras.”
89
LEI Nº 6.815/80, art. 99: “Ao estrangeiro titular de visto temporário e ao que se encontre no Brasil
na condição do artigo 21, § 1°, é vedado estabelecer-se com firma individual, ou exercer cargo ou
função de administrador, gerente ou diretor de sociedade comercial ou civil, bem como inscrever-se
em entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada.”
90
Nesse sentido, Rubens Requião afirma que “O estrangeiro, regularmente residente no País, pode
dedicar-se ao exercício do comércio, nos limites que a lei ordinária determinar.” (REQUIÃO, op. cit.,
p. 102).
31
O estrangeiro não naturalizado e o naturalizado há menos de dez anos
não podem explorar empresa jornalística, de radiodifusão sonora e de sons e imagens, a teor
do art. 222 da Constituição Federal.91
Por força do § 1º do art. 176 da Constituição Federal, aos estrangeiros é
vedado o exercício de empresa para proceder à pesquisa e à lavra de recursos minerais e ao
aproveitamento do potencial de energia hidráulica.92
De acordo com o art. 181 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de
Aeronáutica), a concessão para a exploração de serviços aéreos será dada à pessoa jurídica
brasileira que tiver pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito a voto pertencente a
brasileiros, e a direção confiada exclusivamente a estes.93
Nos termos do art. 199, § 3º, da Constituição Federal, “É vedada a
participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no
País, salvo nos casos previstos em lei.” Por sua vez, a Lei nº 8.080/90, em seu art. 23,
preceitua a mesma vedação, excetuando as “[...] doações de organismos internacionais
vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de
financiamento e empréstimos.”94
O art. 190 da Constituição Federal diz que “A lei regulará e limitará a
aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e
estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.”
91
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 222: “A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão
sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de
pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. § 1º Em qualquer caso,
pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos
ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e
estabelecerão o conteúdo da programação.”
92
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 176, § 1º: “A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o
aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados
mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa
constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que
estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira
ou terras indígenas.”
93
LEI Nº 7.565/86, art. 181: “A concessão somente será dada à pessoa jurídica brasileira que tiver: I sede no Brasil; II - pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito a voto, pertencente a
brasileiros, prevalecendo essa limitação nos eventuais aumentos do capital social; III - direção
confiada exclusivamente a brasileiros.”
94
LEI Nº 8.080/90, art. 23: “É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais
estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados
à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e
empréstimos.”
32
2.3 A sociedade empresária
Como visto alhures, são duas as espécies de empresário: o individual, que
exercita a atividade econômica organizada em nome próprio, e o coletivo, que é revestido pela
figura da sociedade empresária. Já discorrido sobre o empresário individual, passa-se, então, a
discorrer acerca do coletivo, isto é, das sociedades empresárias, não antes de falar-se da
própria sociedade.
Dizia o saudoso Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, ex-ministro do
Supremo Tribunal Federal, que “A sociedade é a mais alta expressão do poder do homem.
Tudo o que o indivíduo, isoladamente, não consegue, em sua fraqueza, atingir, é alcançado
pela união.”95
Segundo Maria Helena Diniz, “[...] sociedade é a convenção por via da qual
duas ou mais pessoas se obrigam a conjugar seus esforços ou recursos para a consecução de
fim comum.”96
Na mesma direção, Maria Bernadete Miranda entende que “sociedade é a
união de duas ou mais pessoas que juntam seus esforços e riquezas na consecução de
objetivos comuns de natureza mercantil.”97
Na lição do Mestre Orlando Gomes, “Sociedade é o negócio jurídico pelo
qual duas ou o mais pessoas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou, quando
permitido, com serviços, para o exercício de determinada atividade econômica e partilha dos
resultados.”98
Deveras, o Código Civil propõe, no art. 981, a seguinte definição legal de
sociedade: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre
si, dos resultados.”
Por seu turno, o art. 982, do mesmo Codex, considera “[...] empresária a
sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro
(art. 967); e, simples, as demais.”
95
PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. 2. ed.
rev. e amp. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 7.
96
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. vol. 5, São Paulo: Saraiva, 1993. p.
815.
97
MIRANDA, op. cit., p. 7.
98
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. atual. por Antonio Junqueira de Azevedo, Francisco Paulo de
Crescenzo Marino e Edvaldo Brito (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 328.
33
Com efeito, pelo art. 982, verifica-se que as sociedades simples são
definidas legalmente por exclusão, isto é, são aquelas que não têm por objeto o exercício de
atividade própria de empresário sujeito a registro. Assim, como se vê, o critério adotado pelo
Código Civil para distinguir a sociedade empresária da simples está centrado na forma,
organizada empresarialmente ou não, pela qual a sociedade exerce atividade econômica
visando à produção ou circulação de bens e serviços. Daí o porquê de Amador Paes de
Almeida conceituar sociedade empresária como “[...] aquela estrutura empresarialmente para
o exercício da atividade econômica, voltada para a produção e circulação de bens ou
serviços.”99
Ricardão Negrão, na mesma direção, assevera que:
[...] sociedade empresária é o contrato celebrado entre pessoas físicas ou
jurídicas, ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual
estas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o
exercício de atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou serviços.100
Fábio Ulhoa Coelho, por sua vez, lembra que:
Sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atentese que o adjetivo ‘empresária’ conota ser a própria sociedade (e não os seus
sócios) a titular da atividade econômica. Na se trata, com efeito, de
sociedade empresarial, correspondente à sociedade de empresários, mas da
identificação da pessoa jurídica como o agente econômico organizador da
empresa. Essa sutileza terminológica, na verdade, justifica-se para o direito
societário, em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica, o seu
mais importante fundamento. Empresário, para todos os efeitos de direito, é
a sociedade, e não os seus sócios. É incorreto considerar os integrantes da
sociedade empresária como os titulares da empresa, porque essa qualidade é
da pessoa jurídica, e não dos seus membros.101 (grifos do autor)
Encontra-se nas lições de Fran Martins a definição a seguir, que
complementa as anteriores:
Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente de acordo de
duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um
fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente;
99
ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 14. ed. rev. atual. e amp. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 71.
100
NEGRÃO, op. cit., p. 237.
101
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 2, 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 5.
34
uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se
autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram.102
Ressalta-se que a clareza da distinção entre sociedade empresária e nãoempresária é sobremodo importante, pois importa na aplicação de regimes jurídicos distintos
de registro. Se for empresária, o seu ato constitutivo, suas alterações e demais atos societários
deverão ser arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas
Comerciais; se for simples, tais documentos serão arquivados no Registro Civil de Pessoas
Jurídicas.103 Afora isso, somente as sociedades empresárias submetem-se ao novo regime
recuperatório e falitário, a teor do art. 1º, da Lei nº 11.101, de 9.2.05.104
2.3.1 Classificação das sociedades
São diversos os critérios existentes para a classificação das sociedades.
Rubens Requião menciona quatro: (i) responsabilidade dos sócios; (ii) personificação; (iii)
forma de capital; e (iv) estrutura econômica.105 Fábio Ulhoa Coelho utiliza os seguintes
critérios: (i) condições para a alienação da participação societária; (ii) regime de constituição
e dissolução; (iii) responsabilidade dos sócios; e (iv) nacionalidade.106 Dylson Doria fala em:
(i) extensão da responsabilidade dos sócios; (ii) influência dos sócios sobre a sociedade; e (iii)
variação do capital social.107
Com efeito, utilizando todos esses critérios, embora alguns sejam
semelhantes, somados à classificação proposta por Ricardo Negrão,108 discorrer-se-á, de
forma resumida, sobre a classificação das sociedades.
102
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial – empresários individuais –
microempresas – sociedades empresárias – fundo de comércio. 31. ed. rev. atual e amp. por Carlos
Henrique Abrão, Rio de Janeiro: Forense, 2007, item 153. p. 162.
103
CÓDIGO CIVIL, art. 1.150: “O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro
Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil
das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade
simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.”
104
LEI Nº 11.101/05, art. 1º: “Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e
a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.”
105
REQUIÃO, op. cit., p. 361-363.
106
COELHO, 2003, p. 23-30.
107
DORIA, Dylson. Curso de Direito Comercial. vol. 1, 6. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 161163.
108
NEGRÃO, op. cit., p. 239-247.
35
(I)
Das sociedades de pessoas ou de capitais: quanto à estrutura
econômica, as sociedades se classificam em sociedades de pessoas ou sociedades de capitais.
Sociedades de pessoas são aquelas nas quais a pessoa do sócio se reveste de extrema
relevância, eis que são formadas com base na affectio societatis. O relacionamento e o vínculo
entre os sócios são as motivações da própria sociedade, prevalecendo o intuitu personae.
Assim, não se pode substituir um médico por um mecânico, e vice-versa, numa sociedade em
que essas qualificações são indispensáveis para sua viabilidade. Neste diapasão, Rubens
Requião assevera que:
[...] as sociedade chamadas de pessoas são as que se constituem tendo em
vista a pessoa dos sócios. Os sócios entre si, cada um deles, escolhem os
seus companheiros. A sociedade assim se forma em atenção às qualidades
pessoais dos sócios. Ninguém nela ingressa, nem nela se faz substituir, sem a
concordância dos demais sócios, importando o ingresso ou retirada em
modificação do contrato social.109
Nas sociedades de capitais, por sua vez, o que se torna relevante é a
quantidade de capital para o empreendimento e não a figura do sócio, que é indiferente ao
outro, prevalecendo o intuitu pecuniae. Nessas sociedades vigora o princípio da livre
circulabilidade da participação societária e a mutabilidade dos sócios, por conseguinte, é a
regra. A esse respeito, Requião preleciona:
Nas sociedades de capitais é indiferente a pessoa do sócio, prevalecendo o
impessoalismo do capital, pois o acionista ingressa na sociedade ou dela se
retira, sem dar atenção aos demais, pela simples aquisição ou venda de suas
ações. Não há, conseqüentemente, necessidade de se tocar no ato
constitutivo nessa movimentação.110
Resumindo, pelas palavras de Fábio Ulhoa Coelho,
As sociedades de pessoas são aquelas em que a realização do objeto social
depende mais dos atributos individuais dos sócios que da contribuição
material que eles dão. As de capital são as sociedades em que essa
contribuição material é mais importante que as características subjetivas dos
sócios.111
109
REQUIÃO, op. cit., p. 415.
Idem, p. 415-416.
111
COELHO, 2003, p. 24.
110
36
Quanto à importância da distinção entre sociedades de pessoas ou de
capitais, Coelho assevera que esta consiste “[...] no tocante à alienação da participação
societária112 (quotas ou ações), à sua penhorabilidade por dívida particular do sócio113-114 e à
questão da sucessão por morte.”115 116
(II)
Das sociedades contratuais ou institucionais: quanto ao regime de
constituição e dissolução do vínculo societário, as sociedades podem ser contratuais ou
institucionais. No primeiro caso, a sociedade é constituída por um contrato celebrado entre os
sócios; no segundo, constitui-se a sociedade por um ato de vontade dos sócios, sem este
revestir-se, porém, de natureza contratual. Fábio Ulhoa Coelho, neste sentido, ensina:
112
A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho explica que “[...] nas sociedades em que prepondera o fator
subjetivo, a cessão da participação societária depende da anuência dos demais sócios. Como os
atributos individuais do adquirente dessa participação podem interferir na realização do objeto social,
é justo e racional que o seu ingresso na sociedade fique condicionado à aceitação dos outros sócios,
cujos interesses podem ser afetados. Já em relação às sociedades de capital, a regra é a inversa, ou
seja, o sócio pode alienar sua participação societária a quem quer que seja, independentemente da
anuência dos demais, porque as características pessoais do adquirente não atrapalham, não têm como
atrapalhar o desenvolvimento do negócio social.” (COELHO, 2003, p. 24).
113
Quanto à penhorabilidade da participação societária, Fábio Ulhoa Coelho completa: “Nas
sociedades de pessoas, as quotas são impenhoráveis por dívida particular do sócio. De fato, como a
garantia do credor é o patrimônio do devedor, e as quotas sociais integram esse patrimônio, é, em
princípio, cabível a sua execução para a satisfação de obrigação particular do sócio. A execução
importará, muito provavelmente, a venda em juízo do bem penhorado e a mudança de sua titularidade,
dando-se a substituição do sócio devedor pelo arrematante. A vedação da penhora se justifica na
medida em que o adjudicatário, na hasta judicial, tornar-se-ia necessariamente sócio, a despeito de
seus atributos, o que viria a interferir nos interesses dos demais membros da sociedade. Obstar a
construção judicial das quotas das sociedades de pessoas é o meio de preservar tais interesses (outro
meio é a exclusão do novo sócio da gestão da empresa – Coelho, 1991).” (COELHO, 2003, p. 25).
114
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento no sentido de que “Sendo a
natureza da constituição da empresa preponderantemente de capital, formada pela reunião de pessoas
naturais e pessoas jurídicas, tendo este último sócio expressiva movimentação financeira da ordem de
quinhentos milhões de reais, são penhoráveis as cotas sociais por dívidas particulares dos sócios, uma
vez que não importa na extinção da empresa a alteração da titularidade das cotas sociais.”
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5ª Turma. REsp 60.796/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal.
Brasília, DF, 18 nov. 97, v.u., recurso não conhecido, DJ de 15.12.97, p. 66473).
115
Em relação às implicações da morte do sócio, Fábio Ulhoa Coelho assevera que: “[...] a morte de
sócio pode acarretar a dissolução parcial da sociedade de pessoas. Com o falecimento, os bens do
morto são transferidos aos seus sucessores, herdeiros ou legatários, ou ao cônjuge sobrevivente, em
caso de meação. Os novos titulares das quotas sociais passam à condição de sócios da sociedade
empresária. Evidentemente, se os demais concordam com o ingresso na sociedade do sucessor do
sócio morto, ou de seu cônjuge, e estes desejam dela participar, não se opera a dissolução parcial,
ainda que o contrato assim o estabeleça [...] Entretanto, se os sócios remanescentes não desejam o
ingresso na sociedade do sucessor ou do meeiro do sócio morto, porque consideram que isso não
atende aos seus interesses, se a sociedade é de pessoas, eles podem impedi-lo, por meio da dissolução
parcial. Essa possibilidade não existe na sociedade de capital, caso em que não se pode obstar a
entrada das pessoas a quem as quotas sociais foram atribuídas em razão da sucessão mortis causa.”
(grifos do autor) (COELHO, 2003, p. 25).
116
COELHO, 2003, p. 24.
37
As sociedades contratuais são constituídas por um contrato entre os sócios.
Isto é, nelas, o vínculo estabelecido entre os membros da pessoa jurídica tem
natureza contratual, e, em decorrência, os princípios do direito dos contratos
explicam parte das relações entre os sócios. As institucionais também se
constituem por um ato de manifestação de vontade dos sócios, mas não é
este revestido de natureza contratual. Em decorrência, os postulados da
teoria dos contratos não contribuem para a compreensão dos direitos e
deveres dos membros da sociedade.117
Com efeito, verifica-se que a principal diferença entre sociedades
contratuais e institucionais diz respeito à aplicabilidade ou não das regras gerais dos negócios
jurídicos e, a esse respeito, Coelho pontifica que:
A diferença entre as espécies contratuais e institucionais diz respeito à
possibilidade de se socorrer da teoria dos contratos para tratar as questões
atinentes à constituição e dissolução da sociedade. Como o vínculo
estabelecido entre os membros das sociedades contratuais tem a natureza de
contrato, os princípios e regras do direito contratual podem ser lembrados no
exame da formação e do desfazimento desse vínculo. Já, nas institucionais, a
natureza não contratual das relações entre os sócios inviabiliza qualquer
contribuição da teoria dos contratos para a compreensão de como elas se
iniciam e finalizam.118
Diga-se, ainda, que as sociedades limitada, em nome coletivo e em
comandita simples são sociedades contratuais, e as sociedades anônimas e em comandita por
ações são institucionais.119
(III)
Das sociedades personificadas e não personificadas: em relação à
personificação, as sociedades se classificam em personificadas e não personificadas. Aquelas
que arquivam seus contratos ou atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis
são denominadas de sociedades personificadas, enquanto aquelas que, ao revés, assim não o
fazem, são chamadas de sociedades não personificadas. As primeiras adquirem personalidade
jurídica; as segundas, não. A esse respeito, Ricardo Negrão pontifica:
Atendendo ao critério da apresentação da matéria legislativa, em relação à
divisão proposta quanto à existência de personalidade, as sociedades são
divididas em: (1) não personificadas, as que não gozam de personalidade
jurídica; e (2) personificadas, as que se constituem por documento inscrito
117
COELHO, 2003, p. 25-26.
Idem, p. 382.
119
Idem, p. 26.
118
38
no Registro Público das Empresas Mercantis ou no Registro Civil das
Pessoas Jurídicas. Inserem-se entre as primeiras as sociedades em comum
(arts. 986 a 990) e as em conta de participação (arts. 991 a 996).120
Na lição de Maria Bernadete Miranda:
Sociedades não personificadas são as sociedades em comum (de fato e
irregular), previstas no artigo 986 do Código Civil, e as sociedades em conta
de participação, previstas no artigo 991 do mesmo diploma legal. Sociedades
personificadas são as sociedades simples, previstas nos artigos 997 a 1.038, e
as sociedades empresárias, previstas nos artigos 1.039 a 1.092 do Código
Civil, devidamente registradas em seu órgão competente que são chamadas
de sociedades com personalidade jurídica.121
Com efeito, verifica-se que as sociedades não personificas estão
disciplinadas no Livro II, Título II, Subtítulo I, do Código Civil, e as personificas no Livro II,
Título II, Subtítulo II, do mesmo Codex.
(IV)
Das sociedades limitadas, ilimitadas e mistas: em razão do tipo de
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, as sociedades se classificam em: a)
sociedades limitadas, quando a responsabilidade dos sócios se restringe ao valor de suas
contribuições ou à soma do capital social; b) sociedades ilimitadas, quanto todos os sócios
respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais; e c) sociedades mistas, quando alguns
sócios respondem de forma ilimitada e outros de forma limitada.122 Acerca dessa
classificação, Fábio Ulhoa Coelho assevera que:
Pelo terceiro critério de classificação das sociedades, estas podem ser de três
categorias: a) a de responsabilidade ilimitada, se todos os sócios respondem
120
NEGRÃO, op. cit., p. 239.
MIRANDA, op. cit., p. 14.
122
A esse respeito, a lição de Newton de Lucca et al: “Considerando a responsabilidade dos sócios, as
sociedades se classificam em três hipóteses: de responsabilidade limitada, de responsabilidade
ilimitada e de responsabilidade mista. Deve-se frisar que esse grau de responsabilidade varia apenas
em relação aos sócios, pois a responsabilidade da sociedade será sempre ilimitada, respondendo o seu
patrimônio por todas as obrigações por ela assumidas. As sociedades de responsabilidade ilimitada são
aquelas nas quais todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais, como ocorre nas
sociedades em nome coletivo. As sociedades de responsabilidade mista são aquelas em que há duas
hipóteses de sócios: aqueles que respondem ilimitadamente e os que não têm qualquer
responsabilidade patrimonial, ou então respondem limitadamente. São elas as sociedades em
comandita simples, em comandita por ações e as de capital e indústria, que não foi regulada no Novo
Código Civil. As sociedades de responsabilidade limitada são aquelas nas quais todos os sócios
respondem limitadamente pelas obrigações sociais, como é o caso da sociedade anônima e da
sociedade por quotas de responsabilidade limitada, agora denominada apenas sociedade limitada.”
(LUCCA et al, op. cit., p. 175).
121
39
pelas obrigações sociais ilimitadamente (sociedade em nome coletivo); b) as
de responsabilidade mista, quanto apenas parte dos sócios responde de forma
ilimitada (sociedades em comandita simples ou por ações); c) as de
responsabilidade limitada, em que todos os sócios respondem de forma
limitada pelas obrigações sociais (sociedades por quotas de responsabilidade
limitada e anônima).123
Na mesma direção, a Professora Maria Bernadete Miranda preleciona:
Quanto à responsabilidade dos sócios, iremos encontrar sociedades de
responsabilidade limitada, ilimitada e mista. Nas sociedades de
responsabilidade limitada, os sócios respondem pela integralização total do
capital social ou pelo valor de suas contribuições, respectivamente, por
exemplo: a sociedade limitada, a sociedade anônima e a cooperativa. Nas
sociedades de responsabilidade ilimitada, todos os sócios assumem uma
responsabilidade solidária e ilimitada, respondendo com seus bens
particulares, pelas obrigações assumidas. Os sócios oferecem seu patrimônio
como garantia pelos compromissos sociais, por exemplo: a sociedade em
comum e a sociedade em nome coletivo. Nas sociedades de responsabilidade
mista há dois tipos de sócios: um com responsabilidade limitada e outro com
responsabilidade ilimitada. Isso ocorre, por exemplo, na sociedade em
comandita simples e na sociedade em comandita por ações. Existem ainda as
sociedades em conta de participação, onde os sócios ostensivos respondem
ilimitadamente perante os sócios ocultos e terceiros, e os sócios ocultos
respondem perante os ostensivos e terceiros, ilimitada ou limitadamente,
conforme dispuser o contrato social.124
Desse modo, quanto à extensão da responsabilidade pessoal dos sócios, são
sociedades ilimitadas a sociedade em nome coletivo e a sociedade em comum; são sociedades
mistas a comandita simples, a comandita por ações e a sociedade em conta de participação;
são sociedades limitadas a sociedade anônima e, como o próprio nome diz, a sociedade
limitada.
(V)
Das sociedades empresárias e sociedades simples: em razão da
atividade desenvolvida, as sociedades são divididas em empresárias ou simples. São
empresárias as sociedades que exercem atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens e serviços e, todas as demais, são simples.125
(VI)
Das sociedades nacionais e estrangeiras: quanto à nacionalidade,
as sociedades podem ser nacionais ou estrangeiras. De acordo com o artigo 1.126, do Código
Civil, sociedade nacional é aquela organizada de conformidade com a lei brasileira e que
123
COELHO, 2003, p. 28.
MIRANDA, op. cit., p. 14.
125
NEGRÃO, op. cit., p. 239.
124
40
tenha no País a sede de sua administração. A contrario sensu, é estrangeira toda a sociedade
que não atende a qualquer desses requisitos, e, nessa condição, depende de autorização do
Poder Executivo para funcionar no País (Código Civil, art. 1.134).126
(VII) Das sociedades de capital fixo ou variável: em relação à forma de
capital, as sociedades se classificam em: a) sociedades de capital fixo, quando o capital social
é determinado e estável, somente podendo ser modificado, seja para aumentá-lo ou para
diminuí-lo, mediante alteração do contrato social ou estatuto; e b) sociedades de capital
variável, quando a alteração do capital social, para mais ou para menos, independe de
alteração contratual. A sociedade cooperativa é de capital variável (CC/2002, art. 1.094, I); as
demais sociedades, empresárias ou simples, são de capital fixo.127
(VIII) Das sociedades coligadas e não coligadas: em razão da existência
ou não de relações de capital entre as sociedades, estas se classificam em coligadas ou não
coligadas. São denominadas coligadas as sociedades cujo capital ou parte dele pertence a
outra sociedade. Conforme a extensão da relação de capital em poder de outra sociedade, a
coligada será considerada controlada, filiada ou de simples participação.128
2.3.2 Das sociedades empresárias em espécie
De acordo com o sistema adotado pelo Código Civil, as sociedades
empresárias dividem-se em dois grandes grupos: as personificadas (CC/02, Livro II, Título II,
Subtítulo II) e as não personificadas (CC/02, Livro II, Título II, Subtítulo I).
São sociedades empresárias não personificadas (i) a sociedade em comum e
(ii) a sociedade em conta de participação. Quanto às sociedades personificadas, o Código
Reale dividiu-as, inicialmente, em empresárias e simples (não-empresárias). As empresárias
podem adotar um de cinco tipos: (i) nome coletivo; (ii) comandita simples; (iii) limitada; (iv)
por ações; ou (v) comandita por ações.
Passa-se, por conseguinte, a verificar os vários tipos de sociedades
empresárias, iniciando-se pelas não personificadas.
126
127
128
COELHO, 2003, p. 29.
NEGRÃO, op. cit., p. 245-246.
Idem, p. 246.
41
2.3.2.1 Das sociedades empresárias não personificadas: a sociedade em comum e a em
conta de participação
Conforme dito alhures, uma vez arquivado seus atos constitutivos no
Registro Público de Empresas Mercantis, a sociedade empresária adquire personalidade
jurídica e, por conta disso, são chamadas de sociedades personificadas. Aquelas que, ao revés,
assim não o fazem, são chamadas de sociedades não personificadas.
Para Amador Paes de Almeida, “as sociedades não personalizadas são
aquelas que se constituem sem as regras dispostas em lei e que, por isso mesmo, não
adquirem personalidade jurídica.”129 Na mesma direção, Cesare Vivante assevera que:
[...] a lei exige que a sociedade seja constituída com certas formalidades
públicas e solenes [...] A falta destas formalidades produz conseqüências
diversas, segundo as diversas espécies de sociedade, mas não impede a sua
existência. Em conseqüência daquela falta de formalidades a sociedade
existe irregularmente e em conseqüência da sua imperfeição os sócios não
encontram na lei a mesma tutela que é concedida somente aos sócios de uma
sociedade regularmente constituída.130
Ressalte-se, todavia, que, mesmo sem personalidade jurídica, as sociedades
não personificadas não perdem a sua condição de empresária, uma vez que, conforme já
exposto, não é o registro do ato constitutivo que confere à sociedade a qualidade de
empresária, mas, sim, o exercício da atividade econômica organizada visando à produção ou à
circulação de bens e serviços. Nesse diapasão, Moema Augusta Soares de Castro adverte que:
[...] a sociedade obtém a condição de empresária a partir da exploração
efetiva e de forma profissional da atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou serviços. Assim, é o exercício da
atividade e não o registro do contrato social que lhe confere a qualidade, eis
que o registro é declaratório e não constitutivo da condição de empresário. O
registro é pressuposto do exercício regular da atividade.131
Pelo novo Código Civil, são consideradas sociedades não personificadas a
sociedade em comum e a sociedade em conta de participação, merecendo, principalmente a
primeira, alguns comentários a seu respeito.
129
ALMEIDA, op. cit., p. 94.
VIVANTE, Cesare. Instituições de Direito Comercial. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues
Gama. Campinas: LZN, 2003. p. 83.
131
CASTRO, op. cit., p. 282.
130
42
(I)
A sociedade em comum: cuidou o Código Civil de disciplinar as
sociedades em comum, definindo-as, em seu art. 986: “Enquanto não inscritos os atos
constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste
Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas de
sociedade simples.”Acerca dessa sociedade, Arnaldo Rizzardo preleciona que:
Considera-se em comum a sociedade que não tem seu ato constitutivo
arquivado no registro próprio, ou proceda o registro irregularmente, em
desacordo com os arts. 985 e 1.150, ordenando o primeiro, para fins de
aquisição da personalidade jurídica, o arquivamento no registro próprio, e
impondo o segundo que cada tipo de sociedade se faça no registro que lhe é
próprio. A denominação, embora não apropriada, quer significar que a falta
de registro não dá uma individualidade e uma tipificação própria à
sociedade. Daí considerar-se comum, que corresponde à antiga sociedade
irregular, cujo contrato social não foi registrado, ou mesmo à sociedade de
fato, isto é, à sociedade sem o contrato social.132
Na verdade, no sistema anterior ao Código Civil, a doutrina tratava sob as
rubricas “sociedade irregular” e “sociedade de fato” o que hoje denomina-se sociedade em
comum.133 Aliás, no passado, muitos doutrinadores distinguiam, sob os mais diferentes
critérios, as sociedades de fato das irregulares. Na obra de Waldemar Ferreira,134 a sociedade
contratada oralmente é chamada de fato,135 sendo irregular aquela que possui contrato escrito,
mas não registrado. Carvalho de Mendonça136 chama de irregulares as sociedades que
funcionam sem o cumprimento das solenidades legais da constituição, registro e publicidade,
reservando a expressão sociedades de fato para as que, afetadas por vícios que as inquinam de
nulidade, são fulminadas com o decreto de morte.
Para Fábio Ulhoa Coelho a distinção entre sociedade irregular e de fato não
tem nenhuma relevância, devendo-se tomar as expressões como sinônimas, até porque, pelo
novo Código Civil, as sociedades empresárias sem ato constitutivo arquivado na Junta
Comercial, que a doutrina chamava de sociedades de fato ou irregulares, são denominadas
apenas de sociedades em comum.137
132
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 58.
NEGRÃO, op. cit., p. 299.
134
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1961. p. 179.
135
No mesmo sentido, Jean Guyénot entende que sociedade de fato é aquela que nasce de mero acordo
verbal. (GUYÉNOT, Jean. Cours de Droit Commercial. Paris: Librairie du Journal des Notaires et des
Avocats, 1977. p. 407).
136
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. vol. 3, 5. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1953. p. 131.
137
COELHO, 2003, p. 394-396.
133
43
Daí Ricardo Fiúza conceituar a sociedade em comum como “[...] um tipo de
sociedade não personificada, constituída de fato por sócios para o exercício de atividade
empresarial ou produtiva, com repartição de resultados, mas cujo ato constitutivo não foi
levado para inscrição ou arquivamento perante o registro competente.”138
Insta ressaltar que, a teor do art. 987139 do Código Civil, os terceiros que
mantiverem relações jurídicas com a sociedade em comum poderão provar sua existência140
por qualquer meio lícito de prova, mas os sócios, seja no âmbito das relações recíprocas, seja
nas relações com terceiros, somente por prova escrita se admite comprovar a existência da
sociedade.141
Destaca-se, ainda, que, nos termos do art. 990142 do Código Civil, todos os
sócios são solidários e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais, excluído do
benefício de ordem, previsto no art. 1.024143 do mesmo Codex, aquele que contratou pela
sociedade em comum. Nesse sentido, Fran Martins assevera que:
Os terceiros que realizam negócios com as sociedades de fato, ou em
comum, podem intentar ação contra a sociedade, valendo-se de quaisquer
meios de provas para justificar a sua existência, ou podem agir contra os
sócios isoladamente, os quais respondem de forma ilimitada e solidária (art.
987 e 989 do CC).144
Nas palavras de Newton de Lucca et al, a responsabilidade dos sócios para
com terceiros, pelas obrigações contraídas pela sociedade em comum, é in solidum et in
infinitum.145
138
FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 891.
CÓDIGO CIVIL, art. 987: “Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito
podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.”
140
Ricardo Negrão, valendo-se do antigo art. 305 do Código Comercial, enumera nove indicativos
dessa existência. São eles: “1) negociação promíscua e comum; 2) aquisição, alheação, permutação ou
pagamento comum; 3) se um dos associados se confessa sócio, e os outros o não contradizem por uma
forma pública; 4) se duas ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente comum; 5) a
dissolução da associação como sociedade; 6) o emprego do pronome ‘nós’ ou ‘nosso’ nas cartas de
correspondência, livros, faturas, contas e mais papéis comerciais; 7) o fato de receber ou responder
cartas endereçadas ao nome ou firma social; 8) o uso de marca comum nas fazendas ou volumes; 9) o
uso de nome com a adição ‘e companhia’.” (NEGRÃO, op. cit., p. 299-300).
141
CASTRO, op. cit., p. 282.
142
CÓDIGO CIVIL, art. 990: “Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações
sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.”
143
CÓDIGO CIVIL, art. 1.024: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por
dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”
144
MARTINS, op. cit., item 191, p. 204.
145
LUCCA et al, op. cit., p. 74.
139
44
(II) A sociedade em conta de participação: para alguns, a sociedade em
conta de participação não passa de um contrato de investimento comum, não podendo ser
considerada, por isso mesmo, como uma sociedade empresária. A comungar deste
entendimento, Fábio Ulhoa Coelho pontifica:
Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas, seria incorreto
considerar a conta de participação uma espécie destas. Embora a maioria da
doutrina conclua em sentido oposto (Lopes, 1990), a conta de participação, a
rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador,
impropriamente, denominou sociedade. Suas marcas características, que a
afastam da sociedade empresária típica, são a despersonalização (ela não é
pessoa jurídica) e a natureza secreta (seu ato constitutivo não precisa ser
levado a registro na Junta Comercial). Outros de seus aspectos também
justificam não considerá-la uma sociedade: a conta de participação não tem
necessariamente capital social, liqüida-se pela medida judicial de prestação
de contas e não por ação de dissolução de sociedade, e não possui nome
empresarial.146 (grifos do autor)
A sociedade em conta de participação, para Amador Paes de Almeida,
[...] é uma sociedade sui generis, com características que a distinguem
fundamentalmente das demais espécies societárias. Não constituindo pessoa
jurídica (os negócios são exercidos em nome do sócio ostensivo), não pode,
por isso mesmo, ser conceituada como sociedade empresária.147
Moema Augusta Soares de Castro, por sua vez, fala que se trata de
“Atividade própria de empresário, de sociedade empresária ou de sociedade simples
(conforme for desenvolvida a atividade do sócio ostensivo).”148
Deixando de lado a discussão acerca de sua natureza jurídica, destaca-se
que, na sociedade em conta de participação, de acordo com o art. 991 do Código Civil, “[...] a
atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu
nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos
resultados correspondentes.”Afora isso, nos termos do parágrafo único do mencionado artigo,
“Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o
sócio participante, nos termos do contrato social.” Explicando, leciona Amador Paes de
Almeida:
A sociedade em conta de participação se constitui de duas ou mais pessoas
que se associam para a realização de empreendimentos, levados a efeito em
146
COELHO, 2003, p. 478.
ALMEIDA, op. cit., p. 119.
148
CASTRO, op. cit., p. 284.
147
45
nome exclusivo do denominado sócio ostensivo, que responde solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais, assumidas em seu nome pessoal. Os
sócios ocultos, também denominados participantes, por sua vez, só se
obrigam para com o sócio ostensivo.149
Na mesma direção, a lição de Rubens Requião:
Existem, portanto, nessa espécie de sociedade, dois tipos de sócios: o sócio
ostensivo, empresário, que aparece nos negócios com terceiro contratando
sob o seu nome e responsabilidade, e tanto pode ser uma sociedade
comercial como um empresário individual, e o sócio oculto, que é o
prestador de capital para aquele, não aparecendo externamente nas relações
da sociedade. É, como se vê, uma sociedade interna, oculta, entre o
empresário ou uma sociedade empresária e o sócio ou sócios que não se
destacam, permanecendo ocultos e anônimos.150 (grifos do autor)
No mais, destaca-se que a sociedade em conta de participação independe de
qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios admitidos em direito.151 O contrato
social somente produz efeito entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em
qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.152
2.3.2.2 Das sociedades empresárias personificadas: a sociedade em nome coletivo, em
comandita simples, limitada, por ações e em comandita por ações
A legislação pátria reconhece a existência de cinco tipos diversos de
sociedades empresárias personificadas. São elas: (i) sociedade em nome coletivo; (ii)
sociedade em comandita simples; (iii) sociedade limitada; (iv) sociedade por ações; e (v)
sociedade em comandita por ações. Algumas delas vêm reguladas pelo Código Civil,
enquanto outras vêm disciplinadas por lei especial. Continuamente, tem-se:
(I)
A sociedade em nome coletivo: disciplinam a sociedade em nome
coletivo os artigos 1.039 a 1.044 do Código Civil. Trata-se de tipo societário pouquíssimo
149
ALMEIDA, op. cit., p. 118.
REQUIÃO, op. cit., p. 433.
151
CÓDIGO CIVIL, art. 992: “A constituição da sociedade em conta de participação independe de
qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.”
152
CÓDIGO CIVIL, art. 993: “O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual
inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.”
150
46
utilizado, porquanto exige que os sócios sejam pessoas físicas, com responsabilidade solidária
e ilimitada por todas as obrigações sociais153. Neste sentido, a lição de Fábio Ulhoa Coelho:
É o tipo societário em que todos os sócios respondem ilimitadamente pelas
obrigações sociais. Todos, assim, devem ser pessoas naturais. Qualquer um
deles, de outro lado, pode ser nomeado administrador da sociedade e ter seu
nome civil aproveitado na composição do nome empresarial.154
Na mesma direção, Moema Augusta Soares de Castro leciona que, na
sociedade em nome coletivo
[...] os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.
Significa que eles responderão pelas obrigações sociais com o patrimônio
pessoal de forma subsidiária, solidária e ilimitada. Subsidiária porque
primeiro são excutidos os bens sociais, e na falta ou insuficiência desses é
que os sócios serão chamados a responder com os bens de seu patrimônio
particular; solidária significa que os credores poderão exigir a integralidade
do valor de seus créditos de qualquer dos sócios; e ilimitada, eis que
respondem com todas as forças do patrimônio pessoal.155
(II) A sociedade em comandita simples: encontra-se este tipo societário
disciplinado nos artigos 1.045 a 1.051 do Código Civil. Trata-se, também, de tipo societário
pouco utilizado, porquanto os sócios comanditados respondem solidária e ilimitadamente
pelas obrigações sociais.156 Fábio Ulhoa Coelho, aliás, explica que:
É o tipo societário em que um ou alguns dos sócios, denominados
‘comanditados’, têm responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais, e
outros, os sócios ‘comanditários’, respondem limitadamente por essas
obrigações. Somente os sócios comanditados podem ser administradores, e o
nome empresarial da sociedade só poderá valer-se de seus nomes civis,
portanto. Ademais, devem ser necessariamente pessoas físicas.157
Rubens Requião, a respeito da sociedade em comandita simples, pontifica:
Ocorre a sociedade em comandita simples quando duas ou mais pessoas se
associam, para fins comerciais, obrigando-se uns como sócios solidários,
153
CÓDIGO CIVIL, art. 1.039: “Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome
coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.”
154
COELHO, 2006, p. 148.
155
CASTRO, op. cit., p. 319.
156
CÓDIGO CIVIL, art. 1.045: “Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas
categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações
sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.”
157
COELHO, 2006, p. 149.
47
ilimitadamente responsáveis, e sendo outros simples prestadores de capitais,
com responsabilidade limitada às suas contribuições de capital. Aqueles são
chamados sócios comanditados, e estes, sócios comanditários.158 (grifos do
autor)
(III) A sociedade por ações: reguladas por lei especial (Lei nº 6.404, de
15.12.76), caracterizam-se as sociedades anônimas por terem o capital dividido em partes
iguais, denominadas ações, e por ser a responsabilidade dos sócios limitada apenas à
importância das ações pelos mesmos subscritas ou adquiridas159. Dylson Doria, neste sentido,
assevera que: “Pode-se dizer que sociedade anônima é a que possui o capital social dividido
em partes iguais, chamadas ações, e tem a responsabilidade de seus sócios ou acionistas
limitada ‘ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas’.”160
(IV) A sociedade em comandita por ações: neste tipo societário, “[...] o
capital é, igualmente, dividido em partes iguais, sendo os sócios responsáveis pelas ações que
subscrevem ou adquirem; os sócios, porém, que ocupam as funções de diretores ou gerentes,
respondem, de forma subsidiária, ilimitada e solidariamente, pelas obrigações sociais.”161 Na
lição de Fábio Ulhoa Coelho,
A comandita por ações é a sociedade cujo capital social se divide em ações,
valores mobiliários representativos do investimento dos sócios nela
realizado. A diferença essencial com a outra sociedade por ações, a anônima,
está na responsabilidade de parte dos sócios, os que administram a empresa,
pelas obrigações sociais. Assim, na comandita por ações, o acionista, se não
participa da administração da sociedade, tem a responsabilidade limitada ao
preço de emissão das ações que subscreveu ou adquiriu; já o que exerce
funções de diretor (ou administrador) responde pelas obrigações da
sociedade constituídas durante sua gestão, de forma subsidiária (após o
exaurimento do patrimônio social), e solidária (com os demais membros da
diretoria).162 (grifos do autor)
Neste tipo societário, assim, duas são as categorias de sócios ou acionistas:
(i) aquele que participa da administração da sociedade e, como diretor ou gerente, responde
158
REQUIÃO, op. cit., p. 433.
LEI Nº 6.404/76, art. 1º: “A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a
responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou
adquiridas.” No mesmo sentido, o art. 1.088 do Código Civil dispõe que: “Na sociedade anônima ou
companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de
emissão das ações que subscrever ou adquirir.”
160
DORIA, op. cit., p. 217.
161
MARTINS, op. cit., p. 187.
162
COELHO, 2003, p. 476.
159
48
pelas obrigações sociais, de forma subsidiária, solidária e ilimitadamente;163 e (ii) todos os
outros que não participam da administração da sociedade, cuja responsabilidade é limitada ao
preço das ações por eles subscritas ou adquiridas.
(V)
A sociedade limitada: este tipo societário, antes do novo Código
Civil, era regulado pelo Decreto nº 3.708, de 10.1.19, sob a rubrica “sociedade por quotas de
responsabilidade limitada”. Segundo estudos estatísticos elaborados pelo Departamento
Nacional de Registro do Comércio (DNRC), a sociedade limitada é o tipo jurídico de
sociedade mais utilizado no Brasil. Deveras, o estudo mostra que, entre 1985 a 2005, as
Juntas Comerciais do Brasil registraram a constituição de 4.346.602 novas sociedades, donde
se sobressai a sociedade limitada, com 4.300.257 constituições, número este que corresponde
a 98,93% (noventa e oito inteiros e noventa e três décimos percentuais) do total de novas
sociedades registradas nos vinte e um anos do estudo.164 Sobre a importância deste tipo
societário, entende Fábio Ulhoa Coelho que:
[...] embora sejam cinco os tipos disponíveis, somente as limitadas e
anônimas possuem importância econômica. As demais, em razão de sua
disciplina inadequada às características da econômica da atualidade, são
constituídas apenas para atividades marginais, de menor envergadura. No
ano de 2000, por exemplo, as Juntas Comerciais registraram 231.758
sociedades limitadas, 1.466 anônimas e 360 sociedades de outros tipo. A
tecnologia jurídica, portanto, na medida em que tem a função de desenvolver
parâmetros para a solução dos conflitos de interesse, deve ocupar-se
principalmente das sociedades anônima e limitada, priorizando o seu estudo
em relação ao das demais espécies.165
Celso Barbi Filho, em artigo doutrinário intitulado Princípios do Direito
Societário no Mercosul, lembra que:
Se comparadas a sociedade por quotas e a anônima, verifica-se uma
utilização quantitativa bem maior da primeira da prática empresarial. E o
motivo é facilmente compreensível, pois ela oferece uma estrutura bem mais
simplificada para a disciplina da pequena e média empresa, civil ou
163
LEI Nº 6.404/76, art. 282: “Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a
sociedade e, como diretor ou gerente, responder subsidiária, mas ilimitada e solidariamente, pelas
obrigações sociais.” No mesmo sentido, o art. 1.091 do Código Civil estabelece que: “Somente o
acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e
ilimitadamente pelas obrigações da sociedade. § 1º Se houver mais de um diretor, serão solidariamente
responsáveis, depois de esgotados os bens sociais.”
164
Cf. dados estatísticos apurados pelo DNRC. Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br>. Acesso em:
5 jul. 2008.
165
COELHO, 2003, p. 22-23.
49
mercantil, sem as exigências e o formalismo impostos pela lei à constituição
e ao funcionamento da sociedade anônima, modelo jurídico voltado às
grandes empresas privadas nacionais.166
A utilização expressiva deste tipo societário deve-se, sobretudo, à limitação
da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Com essa característica básica, o
patrimônio pessoal dos empreendedores, como regra, não fica exposto a eventuais insucessos
do negócio.
Com efeito, dada à importância da sociedade limitada, tanto para a
economia quanto para o Direito e, ainda, para melhor entendimento deste trabalho, ela será
tratada em capítulo próprio.
166
BARBI FILHO, Celso. Princípios do Direito Societário no Mercosul. Revista do Curso de Direito
da Universidade Federal de Uberlândia, vol. 26, n. 1/2, dez., 1997. p. 26.
50
3 DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A personalidade é qualidade inerente da pessoa, seja ela física ou jurídica.
Nas palavras de Francisco Amaral, “[...] a personalidade é, sob o ponto de vista jurídico, o
conjunto de princípios e regras que protegem a pessoa em todos os seus aspectos e
manifestações.”167 Para César Fiuza, a definição de personalidade constitui um “[...] atributo
jurídico conferido ao ser humano e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se
tornam capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações jurídicas.”168
Na lição de Fábio Ulhoa Coelho, abaixo colacionada, pode-se verificar o
traço diferencial entre o regime dos sujeitos de direito personalizados e despersonalizados:
O que caracteriza o regime das pessoas, no campo do direito privado, é a
autorização genérica para a prática dos atos jurídicos. Ao personalizar algo
ou alguém, a ordem jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo
ou alguém está apto a praticar. Em relação às pessoas, a ordem jurídica
apenas delimita o proibido; a pessoa pode fazer tudo, salvo se houver
proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados, não existe a
autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem
praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles
expressamente definidos. Para as não-pessoas, a ordem jurídica não delimita
o proibido, mas o permitido. Mesmo que não exista proibição específica, o
sujeito despersonalizado não pode praticar ato estranho à sua essencial
função [...] Em suma, no campo do direito privado, o sujeito personalizado
pode fazer tudo que não está proibido; o despersonalizado, somente o
essencial ao cumprimento de sua função ou os atos expressamente
autorizados.169
Depois de feitas tais considerações, Fábio Ulhoa Coelho conceitua “[...]
pessoa jurídica como o sujeito de direito inanimado personalizado.”170
Para Spencer Vampré, “Pessoa jurídica é uma coletividade de homens,
constituída para certo fim, com vida e patrimônio próprios, distintos dos indivíduos que a
compõem.”171
Carvalho de Mendonça, adotando definição de Giorgi, pontifica que “A
pessoa jurídica é a unidade jurídica, resultante da associação humana, constituída para obter,
167
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 140.
FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.p. 129.
169
COELHO, 2003, p. 11-10.
170
Idem, p. 11.
171
VAMPRÉ, Spencer. Tratado elementar de Direito Comercial. vol. 1, Rio de Janeiro: F. Briguiet &
Cia., item 107.
168
51
pelos meios patrimoniais, um ou mais fins, sendo distinta dos indivíduos singulares e dotada
da capacidade de possuir e de exercer adversus ommes direitos patrimoniais.”172
Na lição de Fran Martins:
É a pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser
sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as
pessoas físicas, as quais deram lugar ao seu nascimento; ao contrário, delas
se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em
nome próprio. Em razão disso, as pessoas jurídicas têm nome particular,
como aquelas físicas, domicílio, nacionalidade; podendo estar em juízo,
como autoras, ou na qualidade de rés, sem que isso reflita na pessoa daqueles
que as constituíram. Por último, têm vida autônoma, muitas vezes superior
às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado
dessas pessoas não irradia efeitos na estrutura das pessoas jurídicas, de
molde a variar as pessoas físicas que lhes deram origem sem que tal fato
incida no seu organismo. É o que ocorre via de regra com as sociedades ditas
institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de Estado ou ser
substituídos sem que se altere a estrutura social.173
Nas palavras de Rubens Requião, uma vez formada a sociedade empresária
“[...] pelo concurso de vontades individuais, que lhe propiciam os bens ou serviços, a
conseqüência mais importante é o desabrochar de sua personalidade jurídica”174, isto é:
A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das
pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio
próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem
cumprir a sua vontade. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua
responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos
de sua propriedade, constituem a garantia dos credores, como ocorre com os
de qualquer pessoa natural.175
Dito isso, passa-se a verificar quando se dá o início e o término da
personalização da sociedade empresária, bem como quais são os seus principais efeitos. Em
seguida, ver-se-á que a transformação do empresário individual em pessoa jurídica é uma
mera ficção do direito tributário, uma vez que, ao contrário da sociedade empresária, o
empresário individual não tem personalidade diversa e separada da de seu titular. Por
derradeiro, mas não menos importante, cuidar-se-á, neste capítulo, da desconsideração da
personalidade jurídica.
172
MENDONÇA, 1953, item 601.
MARTINS, op. cit., p. 173.
174
REQUIÃO, op. cit., p. 384-385.
175
Idem, p. 385.
173
52
3.1 Início e término da personalização da sociedade empresária
Quanto ao início da personalização da sociedade empresária, fala-se que
este se opera com o registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial. Diga-se, aliás, que é a
própria Lei que estabelece a formalidade como o ato responsável pelo nascimento da pessoa
jurídica.
Deveras, enquanto o artigo 44, do Código Civil, declara que as sociedades,
entre outras entidades, são pessoas jurídicas de direito privado, o artigo 45, do mesmo Codex,
dispõe que:
Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Por seu turno, o artigo 985, do mesmo diploma legal, reiterando tal regra,
declara que “A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e
na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).” O registro das sociedades
empresárias, vale lembrar, procede-se nas Juntas Comerciais, que lavra o ato no Registro
Público de Empresas Mercantis, em atendimento ao artigo 1.150, do Estatuto Civil.
A respeito do início da personalidade da sociedade, Arnoldo Wald, em lição
esclarecedora, pontifica que:
A sociedade existe desde o momento da sua constituição, quando os sócios
firmam o contrato no qual estão previstas as regras sobre a sua estrutura, os
poderes dos administradores, os direitos e deveres dos sócios. A mera
constituição da sociedade pela formalização em um contrato, todavia, não
implica a formação de um novo sujeito de direito, independentemente dos
seus sócios e com patrimônio autônomo e separado. Na realidade, a palavra
sociedade, em nosso direito, como na maioria das outras legislações, tem
dois sentidos, significando tanto o contrato pelo qual a nova entidade é
criada, como o seu resultado, ou seja, a pessoa jurídica que os contratantes
decidiram constituir. Essa confusão terminológica tem sido condenada pela
doutrina, mas se sedimentou de tal modo que não mais cabe, ou seria muito
difícil, desfazê-la. Para a constituição de uma pessoa jurídica, é preciso que
se cumpram certas formalidades previstas na lei. De fato, de acordo com o
sistema jurídico brasileiro e nos termos do artigo 45 do novo Código Civil, a
pessoa jurídica de direito privado nasce a partir da inscrição do respectivo
ato constitutivo no registro competente [...] Da conjugação dos dois artigos
citados (44 e 45) decorre, no direito empresarial, a incidência do artigo 985,
isto é, a sociedade somente é considerada pessoa jurídica se os seus atos
constitutivos forem devidamente inscritos no registro competente, que é o
Registro Público de Empresas Mercantis, para as sociedades empresárias, e o
53
Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para as sociedades não-empresárias
(sociedades simples em sentido amplo). É com o registro do ato constitutivo
que o direito reconhece a personalidade ao ente coletivo, dando-lhe
capacidade para atuar, por intermédio dos seus órgãos, perante terceiros,
constituindo direitos e obrigações em nome próprio.176
Quanto ao término da personalização da sociedade empresária, Fábio Ulhoa
Coelho ensina que este se dá “[...] com o procedimento dissolutório, que pode ser judicial177
ou extrajudicial.178 Esse procedimento compreende três fases: dissolução, liquidação e
partilha.”179
Na verdade, Coelho fala que dissolução180 é conceito que pode ser utilizado
em dois sentidos: amplo e estrito. No sentido amplo, pode-se entender que se trata de todo o
procedimento de extinção da personalidade jurídica da sociedade empresária. Em sentido
estrito, é o marco, o ato ou fato previsto em lei ou no contrato, deflagrador do processo que,
após passar pela liquidação, levará à extinção da sociedade empresária. Deste modo, tem-se
que: A dissolução, entendida como procedimento de terminação da personalidade da
sociedade empresária, abrange três fases: a dissolução (ato ou fato desencadeante), a
liquidação (solução das pendências obrigacionais da sociedade) e a partilha (repartição do
acervo entre os sócios).181
Na mesma direção, Moema Augusta Soares de Castro leciona que:
A dissolução lato sensu, ou dissolução-procedimento, observa três etapas: a
dissolução stricto sensu, a liquidação e a extinção. A dissolução stricto sensu
176
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 43.
O art. 1.034 do Código Civil estabelece as causas exemplificativas dessa forma de dissolução: “A
sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: I anulada a sua constituição; II - exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade.” Na
hipótese de anulação do contrato de constituição da sociedade, por defeito no ato respectivo, decai o
sócio do direito de requerê-la em três anos, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro
competente (Código Civil, art. 45, parágrafo único).
178
Nos termos do art. 1.033, do Código Civil, a sociedade dissolve-se extrajudicialmente quando
ocorrer: “I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não
entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II - o consenso
unânime dos sócios; III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo
indeterminado; IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.” Ademais, de acordo com o art. 1.035,
do mesmo Estatuto Civil, a sociedade também pode se dissolver extrajudicialmente por condição
contratual: “O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente
quando contestadas.”
179
COELHO, 2003, p. 18.
180
O regramento processual da dissolução e liquidação judicial das sociedades encontra-se nos arts.
656 a 674 do Código de Processo Civil de 1939, que continuam em vigor por previsão expressa do art.
1.218, VII, do CPC de 1973.
181
COELHO, 2003, p. 453.
177
54
ou dissolução-ato é a etapa inicial do procedimento que determina o fim da
sociedade. A liquidação é a realização do ativo para pagar o passivo da
sociedade.182
A extinção se completa, segundo Moema Augusta Soares de Castro, “[...]
quando o ato do desfazimento da sociedade é levado à inscrição no órgão próprio.”183
3.2 Efeitos da personalização
Adquirindo personalidade jurídica, com o registro de seu ato constitutivo,
diversas conseqüências úteis ocorrem à sociedade empresária. As mais importantes, segundo a
melhor doutrina comercialista, são: a) titularidade negocial e processual; b) individualidade
própria; c) possibilidade de modificar a sua estrutura; e d) responsabilidade patrimonial.
Continuamente, tem-se:
(I)
Da titularidade negocial e processual: significa dizer que a
sociedade empresária personificada assume capacidade legal para adquirir direitos e contrair
obrigações, podendo, por intermédio de seu representante legal, demandar e ser demandada
em juízo.
Ricardo Negrão, nesse diapasão, assevera que:
A sociedade, desde a inscrição de seus atos constitutivos, assume capacidade
legal para adquirir direitos e contrair obrigações, podendo figurar, nas ações
processuais, tanto no pólo ativo como no passivo, para a defesa de seus
interesses. É a sociedade que adquire bens, contrata e realiza negócios,
embora o faça mediante a intervenção física de uma pessoa humana.184
Aliás, pelo disposto no 1.022, do Estatuto Civil, verifica-se que, realmente,
a personalização da sociedade importa a definição da sua legitimidade contratual e negocial:
“A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de
administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer
administrador.”
182
CASTRO, op. cit., p. 322.
Idem, p. 322.
184
NEGRÃO, op. cit., p. 231-232.
183
55
(II) Da individualidade própria: com a personalização, a pessoa do sócio
não mais se confunde com a pessoa da sociedade, inclusive quanto à qualidade de empresário.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 20, já expressava de forma clara esse efeito: “As
pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.” A respeito deste efeito,
Rubens Requião ensina que “Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualidade
própria, os sócios que a constituírem com ela não se confundem, não adquirindo por isso a
qualidade de comerciantes.”185
(III) Da possibilidade de modificar a sua estrutura: Com a obtenção de
sua personalidade jurídica, a sociedade pode alterar sua estrutura interna, modificando, por
exemplo, seu quadro societário (com o ingresso de novos sócios ou a retirada de outros), seu
objeto social, seu endereço, seu tipo societário etc.186
(IV) Da responsabilidade patrimonial: da personalização da sociedade
segue-se a separação dos patrimônios desta e de seus sócios, significando que, em regra, um
não responde pelas obrigações do outro. Essa questão, diga-se, é bem explicada por Fábio
Ulhoa Coelho:
Os bens integrantes do estabelecimento empresarial, e outros eventualmente
atribuídos à pessoa jurídica, são de propriedade dela, e não dos seus
membros. Não existe comunhão ou condomínio dos sócios relativamente aos
bens sociais; sobre estes os componentes da sociedade empresária não
exercem nenhum direito, de propriedade ou de outra natureza. É apenas a
pessoa jurídica da sociedade a proprietária de tais bens. No patrimônio dos
sócios, encontra-se a participação societária, representada pelas quotas da
sociedade limitada ou pelas ações da sociedade anônima. A participação
societária, no entanto, não se confunde com o conjunto de bens titularizados
pela sociedade, nem com uma sua parcela ideal. Trata-se, definitivamente,
de patrimônios distintos, inconfundíveis e incomunicáveis os dos sócios e o
da sociedade. Pois assim sendo, conclui-se que respondem pelas obrigações
da sociedade, em princípio, apenas os bens sociais. Sócio e sociedade não
são a mesma pessoa, e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém
(sócio) por dívida de outrem (a pessoa jurídica da sociedade), a
responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária não é
dos seus sócios.187
185
REQUIÃO, op. cit., p. 395.
Autores clássicos não incluem a alteração orgânica como efeito da personalidade jurídica. Essa
contribuição cabe ao Mestre Rubens Requião: “A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua
estrutura, quer jurídica, com a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer
econômica, com a retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela
cessão ou transferência de parte do capital.” (REQUIÃO, op. cit., p. 395).
187
COELHO, 2003, p. 15.
186
56
Na mesma direção, Alfredo de Assis Gonçalves Neto assevera que:
A autonomia patrimonial da sociedade significa patrimônio distinto e
inconfundível com o de seus sócios. Ou seja, os sócios não são condôminos
ou co-proprietários dos bens que formam o patrimônio social. Os bens que
os sócios trazem para a formação do patrimônio social deixam de lhes
pertencer, pois se transferem à sociedade a título de propriedade.188
Outro não é o entendimento de Ricardo Negão, para quem “[...] a pessoa
jurídica possui patrimônio próprio, distinto do de seus sócios. É este patrimônio que se sujeita
primariamente a responder pelas dívidas assumidas pela pessoa jurídica.”189 Daí Fran Martins
afirmar que “Esse patrimônio pertence à sociedade e não aos sócios; é justamente a totalidade
do patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obrigações assumidas pela
sociedade.”190
A corroborar esse entendimento, de que o patrimônio dos sócios não
responde por dívidas da sociedade, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem
reiteradamente decidindo que:
O sócio e a pessoa jurídica formada por ele são pessoas distintas (Código
Civil, art. 20). Um não responde pelas obrigações da outra. Em se tratando
de sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dividas da pessoa
jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não realizado [...] Ela
desaparece, tão logo se integralize o capital.191
[...]
Salvo em hipóteses taxativamente previstas em lei, o patrimônio dos sócios
não responde por dívidas da sociedade. Por isso, não é lícita a penhora das
quotas sociais em execução movida contra a pessoa jurídica.192
Trata-se, pois, do princípio da autonomia patrimonial, considerado por
Fábio Ulhoa Coelho o alicerce do direito societário: “Da personalização das sociedades
empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos
188
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito societário: regime vigente e inovações
do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 28.
189
NEGRÃO, op. cit., p. 232.
190
MARTINS, op. cit., p. 182.
191
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. REsp 86.439/ES. Relator: Ministro Humberto
Gomes de Barros. Brasília, DF, 10 jun. 96, v.u., recurso improvido, DJ de 1.7.96, p. 24004.
192
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. REsp 757.865/SP. Relator: Ministro Humberto
Gomes de Barros. Brasília, DF, 20 jun. 06, v.u., recurso conhecido e provido, DJ de 12.6.06, p. 482.
57
fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em
regra, pelas obrigações da sociedade.”193 Acerca da importância do princípio em comento
para o desenvolvimento de atividades econômicas, Fábio Ulhoa Coelho completa:
A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios
não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e
empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior
envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os
insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os
bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida
ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam
estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o
potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as
pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e
serviços. O princípio da autonomia patrimonial é importantíssimo para que o
direito discipline de forma adequada a exploração da atividade econômica.194
Desse modo, como sócio e sociedade possuem patrimônios distintos,
inconfundíveis e incomunicáveis, pelas obrigações da sociedade respondem, em princípio,
apenas os bens sociais.
3.3 A personalidade jurídica do empresário individual: uma mera ficção do Direito
tributário
Como visto alhures, após a inscrição do ato constitutivo no registro próprio,
a sociedade empresária adquire personalidade jurídica, ou seja, sócios e sociedade são pessoas
distintas, com patrimônio e responsabilidades igualmente distintos.
Situação totalmente diversa é a do empresário individual, porquanto este,
nos termos da lei civil195, não tem personalidade distinta e separada da de seu titular, antes, ao
contrário, ambos, empresário individual e seu titular, são uma única pessoa, com um único
patrimônio, e uma única responsabilidade patrimonial.196
193
COELHO, 2003, p. 15.
Idem, p. 15-16.
195
No ordenamento jurídico brasileiro, as pessoas jurídicas de direito privado, consoante exposto no
art. 44 do Código Civil, são as associações, as sociedades (simples e empresárias), as fundações, as
organizações religiosas e os partidos políticos. Neste dispositivo, com efeito, não consta o empresário
individual como pessoa jurídica de direito privado.
196
OLIVEIRA, João Paulo de. Empresa individual e personalidade jurídica. Disponível em:
<http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_VI_dezembro_2006/EmpresIndividualvePersJur-JoaoPaul
o.pdf> Acesso em: 17 set. 2008.
194
58
Na verdade, a transformação do empresário individual em pessoa jurídica é
mera ficção do Direito Tributário, cuja finalidade não é outra senão a de sujeitá-lo ao mesmo
tratamento fiscal atribuído as pessoas jurídicas; tanto um, pessoa física, quanto outro, pessoa
jurídica, sujeitam-se às mesmas obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias197.
Nesse sentido, as palavras de Láudio Camargo Fabretti:
Não obstante pertencerem exclusivamente a uma pessoa física, as atividades
econômicas da empresa individual recebem o mesmo tratamento tributário
das pessoas jurídicas. Portanto, sujeita às mesmas obrigações tributárias, ou
seja, a principal (pagamento dos impostos, taxas e contribuições) e às
acessórias (dever de escriturar livros contábeis e fiscais; conservar livros e
documentos até que ocorra a prescrição ou a decadência; prestar informações
etc).198
A par da mesma concepção, Rubens Requião doutrina:
[...] o comerciante singular, o empresário individual, é a própria pessoa física
ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer
sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa
jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto
de renda.199
Na mesma direção da preleção de Requião, maiores esclarecimentos na
lição de Moema Augusta Soares de Castro:
O empresário individual é a pessoa física ou natural, que não é pessoa
jurídica, como muitos leigos equivocadamente entendem. Os seus bens
pessoais respondem pelas obrigações assumidas pela empresa individual.
Não há um patrimônio separado como no caso da pessoa jurídica,
exatamente porque não há outra pessoa diferente daquela que a constituiu. O
entendimento errôneo de a firma individual ser considerada pessoa jurídica
197
Como exemplo, cita-se: DECRETO-LEI Nº 5.844/43, art. 27: “As pessoas jurídicas de direito
privado domiciliadas no Brasil, que tiverem lucros apurados de acordo com este decreto-lei, são
contribuintes do imposto de renda, sejam quais forem os seus fins e nacionalidade. § 1° Ficam
equiparadas às pessoas jurídicas, para efeito deste decreto-lei, as firmas individuais e os que
praticarem, habitual e profissionalmente, em seu próprio nome, operações de natureza civil ou
comercial com o fim especulativo de lucro.” No mesmo sentido: DECRETO Nº 3.000/99, art. 150:
“As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas.
§ 1º São empresas individuais: I - as firmas individuais; II - as pessoas físicas que, em nome
individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou
comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiros de bens ou serviços; III - as
pessoas físicas que promoverem a incorporação de prédios em condomínio ou loteamento de terrenos,
nos termos da Seção II deste Capítulo.”
198
FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de empresa no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003. p.
38.
199
REQUIÃO, op. cit., p. 78.
59
advém da interpretação e aplicação da lei tributária relativa ao imposto de
renda, que a equipara como tal para o efeito de tributação, conforme o caso,
(1) o titular da empresa individual e (2) a própria empresa individual se
houver incidência do tributo. Em suma: para os efeitos da legislação do
direito privado, a empresa individual ou a firma mercantil individual não é e
nunca foi considerada pessoa jurídica. Repita-se: a transformação de firma
individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, que ocorre
somente para o efeito da justificação da incidência do imposto de renda.200
Também no mesmo sentido, Sérgio Campinho pontifica que:
O exercício da empresa pelo empresário individual se fará sob uma firma,
constituída a partir de seu come, completo ou abreviado, podendo a ele ser
aditado designação mais precisa de sua pessoa ou do gênero de atividade.
Nesse exercício, ele responderá com todas as forças de seu patrimônio
pessoal, capaz de execução, pelas dívidas contraídas, vez que o direito
brasileiro não admite a figura do empresário individual, com
responsabilidade limitada e, conseqüentemente, a distinção entre patrimônio
empresarial (o patrimônio do empresário individual afetado ao exercício de
sua empresa) e patrimônio individual do empresário, pessoa física.201
Outro não é o ensinamento de Carvalho de Mendonça:
A firma individual é uma mera ficção jurídica, com fito de habilitar a pessoa
física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens de
natureza fiscal. Por isso, não há bipartição entre a pessoa natural e a firma
por ele constituída. Uma e outra fundem-se, para todos os fins de direito, em
um todo único e indivisível. Uma está compreendida pela outra. Logo, quem
contratar com uma está contratando com a outra e vice versa [...] A firma do
comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois
designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa
separação abstrata, embora aos dois se aplique a mesma individualidade. Se
em sentido particular uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo
homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial.202
Corroborando esse entendimento, copiosa é a jurisprudência que repele a
personificação do empresário individual, consoante se depreende dos julgados abaixo
colacionados, na parte que interessa:
Em que pese a sociedade empresária seja dotada de personalidade jurídica
própria, a firma individual não é capaz de criar uma nova pessoa. Assim, a
pessoa natural que constituiu uma empresa individual não tem a sua
personalidade cindida entre uma pessoa física e outra pessoa jurídica. Na
200
CASTRO, op. cit., p. 40.
CAMPINHO, op. cit., p. 12.
202
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. vol. 2, 6. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1957. p. 166-167.
201
60
realidade, não há falar em desdobramento da personalidade, senão na
existência de uma única pessoa [...] O patrimônio relacionado ao uso
privado, bem como aquele que guarda vínculo estreito com o exercício da
atividade empresarial pertence à pessoa natural do titular da firma individual,
eis que a empresa individual não possui personalidade jurídica distinta da do
seu titular. O patrimônio da firma individual se confunde com o de seu
titular. E isso ocorre porque o empresário individual é a própria pessoa
física, não existindo pessoa jurídica.203
[...]
O sistema jurídico brasileiro não considera a firma individual como entidade
distinta da pessoa natural do comerciante, que não se investe de dupla
personalidade, uma civil e outra comercial, pelo que os débitos contraídos
pela empresa ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa, respondendo
este pelas dívidas contraídas por uma ou por outro.204
[...]
Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os
seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais.205
[...]
À firma individual, não há distinguir-se personalidades diferentes na figura
de seu titular, discriminando-as em pessoas jurídica e natural. É que, os atos
por ele praticados, sejam atinentes à firma, sejam quanto aos da vida civil,
tudo num quotidiano comum, se confundem; e nem seria necessário, tendo
em vista que o patrimônio dele sempre será um só.206
Deste modo, o empresário individual não possui a sua personalidade
desdobrada entre uma pessoa natural e uma pessoa jurídica, constituindo-se, pois, numa única
pessoa, razão pela qual todos os seus bens respondem ilimitadamente pelas obrigações
contraídas, sejam elas de natureza civis ou empresariais.
Com efeito, verifica-se que, enquanto os sócios encontram nas sociedades
empresárias personificadas, mormente na sociedade limitada, um sistema capaz de limitar os
203
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. 1ª Turma. APC 1999.71.11.002407-2.
Relator: Desembargador Joel Ilan Paciornik. Porto Alegre, RS, 17 set. 08, v.u., recurso provido, DE de
30.9.08.
204
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 1ª Câmara Cível. APC
2.0000.00.395448-3/000(1). Relator: Desembargador Osmando Almeida. Belo Horizonte, MG, 24 jun.
03, v.u., recurso parcialmente provido, DJ de 23.8.03.
205
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. REsp 594.832/RO. Relatora: Ministra Nancy
Andrighi. Brasília, DF, 28 jun. 05, v.u., recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, DJ de
1.8.05, p. 443. Julgados no mesmo sentido: JTACSP, 126⁄100; JTACSP 135⁄79; JTACSP, 145⁄140;
LEX-JTJ, 260⁄338; JTJ, 203⁄198; JTJ, 142⁄212.
206
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 11ª Câmara Cível. APC
1.0702.05.204210-9/001(1). Relatora: Desembargadora Selma Marques. Belo Horizonte, MG, 18 jul.
07, v.u., recurso improvido, DJ de 2.8.07.
61
riscos da atividade empresarial, porquanto respondem apenas pelo valor das quotas que se
comprometeram no contrato social, o empresário individual, a mingua de personalização,
responde ilimitadamente com seus bens por todos os atos praticados no exercício da empresa.
Conforme se verá no capítulo 5 deste trabalho, a conseqüência prática dessa
malfadada distinção é a criação das chamadas sociedades fictícias, com sócios de favor,
expediente pelo qual o empresário individual realiza a separação patrimonial e limita, assim, a
sua responsabilidade pelos riscos da atividade empresarial.
3.4 Desconsideração da personalidade jurídica
A atribuição de personalidade jurídica às sociedades constitui-se numa das
chaves do sucesso da atividade empresarial,207 porquanto assegura ao empreendedor a
exploração de atividade econômica com limitação de prejuízos pessoais. Trata-se, pois, de
uma sanção positiva ou premial àqueles que se reúnem e desenvolvem conjuntamente
determinada atividade econômica.208 Como ensina José Carlos Fortes, a esse respeito,
A importância da personificação da sociedade sob o aspecto jurídico decorre
da própria necessidade de se criar mecanismos legais capazes de assegurar a
distinção entre os sócios e a sociedade de modo a incentivar as pessoas a
desenvolverem seus negócios. Com a autonomia patrimonial da pessoa
jurídica, a sociedade passa a responder legalmente pelas operações nela
realizadas dentro dos limites de gestão estabelecidos nos seus atos
constitutivos. Desta forma, a autonomia patrimonial constitui-se em um
incentivo às pessoas, que passam a se dispor a colocar seu capital a serviço
do empreendimento empresarial, tendo a garantia que não terá seu
patrimônio pessoal ameaçado para suprir dívidas da pessoa jurídica. Isto é
característico, sobretudo, nas sociedades limitadas.209
Todavia, dessa proteção patrimonial, espécie de escudo a defender a pessoa
dos sócios quanto ao seu patrimônio pessoal, decorrem, em alguns casos, fraudes, abusos e
burla à lei. Nesses casos, quando a atividade ilícita praticada pelo sócio encontra respaldo
207
ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o
direito do consumidor: Um estudo de direito civil constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 245.
208
SILVA, Osmar Vieira. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 73.
209
FORTES, José Carlos. A desconsideração da pessoa jurídica e o princípio da autonomia
patrimonial. Disponível em: <http://www.classecontabil.com.br/servlet_juizo.php?id=279>. Acesso
em: 17 set. 2008.
62
atrás do véu que recobre a pessoa jurídica e a distingue de seu sócio, tornando-o praticamente
inatingível, cabe ao poder judiciário aplicar a teoria desconsideração, levantando o véu da
pessoa jurídica, para penetrar no substrato da sociedade e afetar especialmente a seus
membros e bens.210 Nas palavras de Ricardo Negrão,
A concessão de personalidade jurídica, tendo em vista seus efeitos, leva,
muitas vezes, a determinados abusos por parte de seus sócios, atingindo
direitos de credores e de terceiros. Nesse caso, vem-se admitindo o
superamento da personalidade jurídica com o fim exclusivo de atingir o
patrimônio dos sócios envolvidos na administração da sociedade. Por essa
razão a teoria do superamento da personalidade jurídica – disregard of legal
entity – é também conhecida como teoria da penetração.211
Na mesma direção, Fábio Ulhoa Coelho preleciona:
Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias
podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os
credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o
sujeito titular dos direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios,
muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente
frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração
dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações
societárias, como as de incorporação, fusão, cisão. Nesses casos, alguns
envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da
autonomia da pessoa jurídica importa a impossibilidade de correção da
fraude ou do abuso. Quer dizer, em determinadas situações, ao se prestigiar o
princípio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio
permanece oculto, resguardado pela licitude da conduta da sociedade
empresária. Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas situações
(quer dizer, especificamente no julgamento do caso), não respeitar esse
princípio, desconsidera-lo. Desse modo, como pressuposto da repressão a
certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade empresária.212 (grifos do autor)
Maurice Wormser, jurista norte-americano, citado por Requião, assim
conceituou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica:
Quando o conceito de pessoa jurídica - corporate entity - se emprega para
defraudar os credores, para subtrair-se a uma obrigação existente, para
desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio
ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os tribunais poderão prescindir da
210
REALI, Ronaldo Roberto. A desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo
brasileiro (disregard of legal entity). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 266, 30 mar. 2004. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5008>. Acesso em: 17 fev. 2008.
211
NEGRÃO, op. cit., p. 234.
212
COELHO, 2003, p. 31.
63
personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de
homens que participam de tais atos e farão justiça entre pessoas reais.213
Cumpre ressaltar que a teoria da desconsideração não visa à desconstituição
da pessoa jurídica, atingindo o ato de constituição da sociedade; também, é estranha aos atos
de gestão de seus administradores no desenvolvimento do objeto social, quando resultantes da
atividade da pessoa jurídica (teoria dos atos ultra vires)214. A teoria da desconsideração,
213
In: REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, dez-69, v. 58, n. 410, p. 15.
214
Acerca da diferença entre a teoria da desconsideração com a teoria dos atos ultra vires societatis,
Roberta Macedo de Souza Aguiar, em lição esclarecedora, pontifica: “Fato muito comum, mas que,
todavia, jamais poderia ocorrer, é a confusão da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica
com a Teoria dos Atos Ultra Vires. Deve-se deixar bem claro que esta última se baseia no objeto
social, especificado no contrato ou no estatuto da sociedade. As sociedades, na situação de pessoas
jurídicas que são, praticam seus atos através de representantes legais. Estes não contraem
responsabilidade pessoal pelos atos praticados dentro da lei, do estatuto ou do contrato, e não
respondem pelo cumprimento das obrigações contraídas no exercício dessa função, uma vez que não
são suas, mas da sociedade. Seus atos estão vinculados ao objeto social, determinado no instrumento
de constituição; os representantes não podem praticá-los fora da finalidade da empresa, sob pena de
serem esses atos considerados ultra vires societatis. Aplicando essa teoria em termos absolutos, a
sociedade não se responsabiliza por tais atos, mesmo que eles tragam vantagens à empresa; os atos
estranhos ao objeto social são insanavelmente nulos, mesmo quando tiverem sido deliberados por
decisão unânime dos sócios. Qualquer negócio realizado pela sociedade além de seus poderes é nulo e
não pode ser ratificado. Cumpre frisar que o fim da sociedade é realizar o objeto social, sendo de
extrema importância a sua descrição precisa e completa, limitando a área de discricionariedade dos
administradores e a capacidade da sociedade. Isso torna mais fácil caracterizar o abuso, quando este
vier a ocorrer. A proibição ao sócio-gerente de realizar qualquer negócio além dos limites fixados no
contrato ou no estatuto social visa principalmente à proteção dos credores, sócios e acionistas, pois
estes, por estarem diretamente relacionados com a sociedade, são os eventualmente prejudicados pelos
efeitos dos atos abusivos que conflitem com a lei, com o contrato ou com o estatuto social. A proteção
aos sócios ou acionistas é devida, já que estes aplicam seu capital em determinada empresa da qual
conhecem a finalidade, o objeto. Este, por sua vez, é de confiança e interesse do investidor, pois se
parte da idéia de que a sociedade existe apenas para a realização daquele objeto social determinado no
seu instrumento constitutivo, não devendo o sócio ou acionista responder por um ato abusivo do
gerente, fora dos poderes a ele delegados. O excesso de poder do diretor de uma sociedade não pode
também prejudicar os credores, já que estes confiam nos negócios atuais da pessoa jurídica, não
podendo esta ingressar em negócio de natureza arriscada, do qual resultará perda do capital social.
Deve-se procurar proteger, contudo, a pessoa de boa-fé que negocia com a sociedade, visto que em
alguns momentos é difícil vislumbrar o desvirtuamento do objeto. Nessa hipótese, aplicar-se-á a teoria
da aparência, presumindo-se assim a boa-fé do terceiro, que se ilude frente à notória dificuldade de
verificar se o representante está ou não imbuído de poderes para contrair obrigações em nome da
pessoa jurídica. Dessa forma, violando a lei, o contrato ou o estatuto social, o administrador estará
agindo além dos poderes e atribuições que a lei lhe confere, o que enseja a responsabilidade deste pela
prática de tais atos, respondendo o administrador perante a sociedade e o terceiro prejudicado. Os
diretores responsáveis também devem responder em caráter pessoal, diretamente perante os
prejudicados, tendo estes legitimidade para acionar aqueles, diretamente, pelo prejuízo que causaram
com a má utilização dos poderes a eles delegados pela sociedade que representam. Nesses casos, não
haverá aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.” (AGUIAR, Roberta
Macedo de Souza. Desconsideração da personalidade jurídica no Direito de família. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 12-13).
64
portanto, não busca responsabilizar o sócio que, na sua atividade social, exerce-a com excesso
de poderes, infração à lei ou contrato social.215
Na verdade, a teoria da desconsideração visa à declaração de ineficácia
especial da personalidade jurídica, para determinado efeito – objetivamente aquele que incide
na contradição entre a finalidade do instituto da pessoa jurídica e a realidade da constituição e
funcionamento desta, com relação ao prejudicado por aquela contradição – prosseguindo,
contudo, a mesma incólume para outros fins jurídicos e para com outros que com a sociedade
se relacionem216, como bem aponta Fábio Ulhoa Coelho:
Pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de
separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da
pessoa jurídica num caso concreto, porque é necessário coibir a fraude
perpetrada graças à manipulação de tais regras. Não seria possível a coibição
se respeitada a autonomia da sociedade. Note-se, a decisão judicial que
desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato
constitutivo, não o invalidade, nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e
rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a
constituição da pessoa jurídica não produz efeitos apenas no caso em
julgamento, permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros
fins.217
Na mesma direção, Rubens Requião assevera que:
Pretende a doutrina penetrar no âmago da sociedade, superando ou
desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e vincular a
responsabilidade do sócio. Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou
declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados
atos.218 (grifo do autor)
Ricardo Negrão, por sua vez, completa:
Na aplicação da teoria do superamento, também chamada da penetração ou
disregard of legal entity, não se extingue a sociedade, mas apenas se afastam
os efeitos legais decorrentes da personalidade jurídica para estender a um,
alguns ou todos os sócios os efeitos de obrigações que a rigor seriam
suportados exclusivamente pela pessoa jurídica.219
215
LAZZARI, Sandra Maria. O abuso e fraude da forma da pessoa jurídica: sua desconsideração.
Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Instituto de
informática Jurídica, vol. 16, n. 44, 1986, p. 31.
216
Idem, p. 32.
217
COELHO, 2003, p. 40.
218
REQUIÃO, op. cit., p. 390.
219
NEGRÃO, op. cit., p. 262.
65
Desse modo, a aplicabilidade da teoria da desconsideração não importa a
dissolução ou anulação da sociedade. Apenas no caso específico, em que a autonomia
patrimonial foi fraudulentamente utilizada, ela não é levada em conta, é desconsiderada, o que
significa a suspensão episódica da eficácia do ato de constituição da sociedade, e não o
desfazimento ou a invalidação desse ato.220 Assim, preserva-se a validade e existência de
todos os demais atos estranhos à fraude perpetrada, protegendo, nesse quadro, a existência da
própria sociedade.221
É de se ressaltar, desde já, que a validade das sociedades fictícias ou de
favor, defendida no capítulo 5 deste trabalho, não representa, nem pode representar, uma
espécie de salvo conduto para perpetração de fraudes. Manipulada fraudulentamente a pessoa
jurídica, mesmo no domínio particular da sociedade fictícia, autoriza-se a desconsideração da
personalidade jurídica, de resto aplicável em qualquer hipótese de utilização fraudulenta das
formas societárias.
3.4.1 A teoria maior e a teoria menor da desconsideração
Existem, no Brasil, duas elaborações doutrinárias sobre a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, denominadas “teoria maior e teoria menor da
desconsideração.” A respeito dessas teorias, Fábio Ulhoa Coelho explica que:
Há, no direito brasileiro, na verdade, duas teorias da desconsideração. De um
lado, a teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, que
condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas
jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do
instituto. Nesse caso, distinguem-se com clareza a desconsideração da
personalidade jurídica e outros institutos jurídicos que também importam a
afetação de patrimônio de sócio por obrigação da sociedade (p. ex., a
responsabilização por ato de má gestão, a extensão da responsabilidade
tributária ao gerente etc.). Ela será chamada, aqui, de teoria maior. De outro
lado, a teoria menos elaborada, que se refere à desconsideração em toda e
qualquer hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social,
cuja tendência é condicionar o afastamento da autonomia à simples
insatisfação de crédito perante a sociedade. Trata-se da teoria menor, que se
contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais e
da solvência de qualquer sócio, para atribuir a este a obrigação da pessoa
jurídica.222 (grifos do autor)
220
COELHO, 2003, p. 40.
AGUIAR, op. cit., p. 13.
222
COELHO, 2003, p. 35.
221
66
Com efeito, a teoria maior, também denominada de teoria subjetiva,
fundamenta-se em maior apuro e precisão do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica, baseando-se em requisitos sólidos identificadores da manipulação fraudulenta ou
abusiva do instituto. O principal sistematizador dessa formulação doutrinária é o alemão Rolf
Serick, que, em sua precursora obra “Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles – El
abuso de Derecho por medio de la persona juridica”, assim pontificou:
A jurisprudência há de enfrentar-se continuamente com os casos extremos
em que resulta necessário averiguar quando pode prescindir-se da estrutura
formal da pessoa jurídica para que a decisão penetre até o seu próprio
substrato e afete especialmente a seus membros.223
No Brasil, a teoria maior da desconsideração foi inserida na doutrina por
Rubens Requião, aqui seu maior expoente, que tratou de sistematizá-la:
Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica,
o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há
de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a
personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e
bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.224
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, segundo Fábio
Ulhoa Coelho, “[...] não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e
à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto,
coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam.”225
Por seu turno, a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica
dispensa raciocínio mais acurado para a incidência do instituto, bastando que a diferenciação
patrimonial da sociedade e sócio se afigure como obstáculo à satisfação de credores. Assim
sendo, todas as vezes que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes em seu patrimônio para
a satisfação do crédito ou até mesmo em razão de sua iliquidez, os sócios seriam
responsabilizados.226
223
SERICK, Rolf. Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles – El abuso de Derecho por
medio de la persona juridica. Trad. Jose Puig Brutau, Barcelona, Ariel, 1958.
224
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, dez-69, v. 58, n. 410, p. 17.
225
COELHO, 2003, p. 37.
226
GUIMARÃES, Márcio Souza. Aspectos modernos da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3996>. Acesso em: 17 fev. 2008.
67
Trata-se, pois, de teoria que não se preocupa em determinar se há ou não
fraude ou abuso de direito na condução da sociedade por meio de seus sócios. Formulação
doutrinária proposta por Fábio Konder Comparato, a teoria menor combate o subjetivismo da
proposta original oferecida por Rubens Requião.227
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, ao contrário da teoria maior, a menor reflete
a crise do princípio da autonomia patrimonial:
A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem menos elaborada
que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia
patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. O seu pressuposto é
simplesmente o desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade,
em razão da insolvabilidade ou falência desta. De acordo com a teoria menor
da desconsideração, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é
solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A
formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da
regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma. Por outro
lado, é-lhe de todo irrelevante a natureza negocial do direito creditício
oponível à sociedade. Eqüivale, em outros termos, à simples eliminação do
princípio da separação entre pessoa jurídica e seus integrantes. Se a
formulação maior pode ser considerada um aprimoramento da pessoa
jurídica, a menor deve ser vista como o questionamento de sua pertinência,
enquanto instituto jurídico.228
Com efeito, a desconsideração da personalidade jurídica deve ter
necessariamente natureza excepcional, episódica, sob pena de tornar ineficaz o próprio
instituto da pessoa jurídica, um dos maiores responsáveis pelo impulso e desenvolvimento da
economia. Nessa senda, não se justifica o afastamento da autonomia da pessoa jurídica apenas
porque um credor seu não pôde satisfazer o crédito que titulariza. É indispensável tenha
havido manipulação fraudulenta ou abusiva da pessoa jurídica, a deturpação do instituto.229
3.4.2 Pressupostos para a aplicação da desconsideração: a fraude e o abuso de direito
Pela teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, os
pressupostos para o afastamento da autonomia patrimonial são a fraude e o abuso de direito.
Segundo a teoria menor, o pressuposto da desconsideração se encontra, fundamentalmente, na
confusão patrimonial.230 Como a primeira teoria é a de maior aceitação, porque encontra-se
227
COELHO, 2003, p. 43-44.
Idem, p. 46.
229
Idem, p. 38-39.
230
Idem, p. 44.
228
68
de acordo com a elaboração doutrinária original da desconsideração, passa-se a analisar os
seus elementos autorizadores, quais sejam, a fraude e o abuso de direito.
A fraude pode ser caracterizada com um procedimento utilizado para iludir,
ludibriar, enganar. Na definição de Clóvis, citada por Serpa Lopes, “[...] fraude é o artifício
malicioso utilizado para prejudicar terceiro, de persona ad personam.”231
Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira, a fraude é tida como “[...] a
manobra engendrada com o fito de prejudicar terceiro;” e tanto se insere no negócio unilateral
(caso em que macula o negócio ainda que dela não participe outra pessoa), como se imiscui
no negócio bilateral (caso em que a maquinação é concertada entre as partes).232 Para Roberta
Macedo de Souza Aguiar,
A fraude, um dos elementos ensejadores da utilização da Teoria da
Desconsideração da Personalidade Jurídica, pode ser conceituada como o
artifício malicioso para prejudicar terceiros, que não precisam ser
necessariamente credores, apesar de a fraude contra credores também ser um
dos fundamentos para que ocorra a aplicação da teoria em estudo [...] Notase uma grande proximidade entre a fraude contra credores e a doutrina da
desconsideração. Entretanto, pode-se afirmar que esta última é categoria
mais abrangente, por se estender a casos em que não é possível aplicar-se a
anulação do ato inquinado por invocação daquele primeiro instituto.
Existem, entretanto, hipóteses de fraudes específicas que justificam a
invocação da teoria em tela, por lidarem com o uso indevido da autonomia
do ente coletivo e que afastam a incidência da disciplina própria da fraude
contra credores. Trata-se de ocorrências que não equivalem a este tipo de
vício, por inexistir prejuízo a credores. São, portanto, atividades fraudulentas
que não redundam no vício da fraude contra credores teorizada na doutrina
civilista.233
Na mesma direção, Amanda do Nascimento Nóbrega entende que:
A fraude é o artifício malicioso para prejudicar terceiros, isto é, “a distorção
intencional da verdade com o intuito de prejudicar terceiros” (SILVA, 1999,
p. 36). O essencial na sua caracterização é o intuito de prejudicar a outros,
independentemente de se tratar de credores. Tal prática a princípio é lícita,
sua ilicitude decorre do desvio na utilização da pessoa jurídica, nos fins
ilícitos buscados no manejo da autonomia patrimonial. A pessoa jurídica não
existe para permitir que a pessoa física burle uma obrigação que lhe é
231
In: SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. vol. 1, 8. ed. rev. e aum. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1996. p. 466.
232
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao Direito Civil. Teoria
geral de Direito Civil. vol. 1, 21. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 536-537.
233
AGUIAR, op. cit., p. 15.
69
imposta, como ente autônomo ela tem o fim de favorecer o exercício normal
das atividades econômicas.234
O abuso de direito, por sua vez, conforme lição de Domingos Afonso Kriger
Filho,235 caracteriza-se pelo uso anormal das prerrogativas conferidas às pessoas pelo
ordenamento jurídico, objetivando, por dolo ou má-fé, auferir uma vantagem indevida ou
ilícita.
O Código Civil de 2002, em seu art. 187, reconhece expressamente o
instituto do abuso do direito, qualificando-o como um ato ilícito: “Também comete ato ilícito
o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Segundo Álvaro Villaça Azevedo,236 o abuso representa o excesso no
exercício do direito, ou ainda, no exercício do poder conferido ao titular de um direito. “O
poder pode ser exercido somente para os fins, em razão dos quais foi atribuído; todo ato não
justificado com referência a essa finalidade e que se desvie do escopo é considerado abusivo.”
De acordo com Heloísa Carpena, a nova lei determina de forma
incontestável a teoria do abuso do direito no ordenamento jurídico brasileiro, “[...]
reconhecendo expressamente o elemento ético que limita o exercício de direitos subjetivos e
outras prerrogativas”.237 Assevera a autora, ainda, que a teoria do abuso do direito é
decorrência da própria incompletude do direito positivo, que não pode prever todas as
condutas que se consideram ilegítimas perante os valores constitucionais:
A doutrina do abuso do direito está em sintonia com a mudança da
racionalidade jurídica, que se dirige à superação do ideal de completude do
ordenamento, ícone do positivismo contemporâneo. O reconhecimento de
que o direito positivo não pode dar conta de prever exaustivamente todas as
condutas anti-sociais ou indesejadas é o primeiro passo para a construção de
um sistema coerente e harmônico. Isto porque, se não é dado à lei
estabelecer todos os limites ao exercício dos direitos subjetivos, tal papel
será melhor confiado aos princípios, que desta forma assumem um maior
234
NÓBREGA, Amanda do Nascimento. A desconsideração da personalidade jurídica na sociedade
limitada e o novo Código Civil. Revista Forense, Rio de Janeiro: set.-out., vol. 381, 2005, p. 608.
235
KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na
lei do consumidor. Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13, p. 78-86, jan.-mar,
1995, p. 83.
236
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos. In: AZEVEDO,
Álvaro Villaça (coord.). Código Civil Comentado. vol. II. São Paulo: Atlas, 2003.
237
CARPENA, Heloísa. O abuso de direito no Código de 2002. Relativização dos direitos na ótica
civil-constitucional. In: TREPEDINO, Gustavo (coord). A parte geral do novo Código Civil: estudos
na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 395.
70
grau de normatividade, incidindo diretamente nas relações jurídicas
privadas.238
Citando Verrucoli, Alexandre Couto Silva239 assevera que o abuso de direito
é o caso mais comum de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Para o autor, caracteriza o abuso de direito a vontade de tirar proveito de uma situação não
fraudulentamente criada e que, por outro lado, permite, no fundo, que se consigam vantagens
indevidas.
No abuso de direito, para Rubens Requião,240 não existe propriamente trama
contra direito do credor, o que o distinguiria da fraude. O abuso surge do inadequado uso de
um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem.
Simone Gomes Rodrigues, resgatando a lição de Rolf Serick, assim
pontificou acerca da questão:
Segundo Rolf Serick, o abuso – a utilização do expediente da pessoa jurídica
com a intenção de furtar-se a uma obrigação legal ou contratual, ou ainda
prejudicar terceiros – é essencial existir para justificar o desconhecimento da
pessoa jurídica. Quem faz uso da pessoa jurídica para fins ilícitos não
merece a tutela que resulta do princípio da separação patrimonial, perdendo
a razão de ser a autonomia entre pessoa jurídica e seus membros, quando
estes ou aquela ultrapassam os limites traçados pelo ordenamento jurídico.241
Diante do exposto, pode-se dizer que age abusivamente aquele que, apesar
de obedecer aos ditames da lei, se desvia da destinação social e econômica desta, causando
dano a outrem. É essa uma maneira especial de prática do ilícito, que pressupõe um direito
subjetivo, o seu exercício anormal e o dano ou mal-estar provocado às pessoas.242
Sendo assim, na hipótese de o sócio de uma sociedade agir abusivamente,
por meio da pessoa jurídica da qual é membro, poderá haver a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica.
238
CARPENA, op. cit., p. 383.
SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito
Brasileiro. São Paulo: LTR, 1999. p. 93.
240
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, dez-69, v. 58, n. 410, p. 16.
241
RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do
Consumidor. Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, p. 07-20, jul.-set, 1994,
p. 7.
242
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 405.
239
71
3.4.3 A desconsideração inversa
Como dito, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é utilizada
como instrumento para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade.
Contudo, o inverso também é possível: desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa
jurídica para responsabilizá-la por dívida do sócio.243 Conforme assevera Fábio Ulhoa Coelho,
Desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por
obrigação do sócio [...] A fraude que a desconsideração invertida coíbe é,
basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa
jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a
usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica
controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo
executando tais bens.244
Na mesma direção, Ronaldo Roberto Reali afirma que:
Na desconsideração inversa, como o próprio nome diz, a ordem de
responsabilidade ocorre no sentido oposto, isto é, neste caso o que se busca é
a responsabilidade perante os bens da sociedade, por ato praticado pelo
sócio. Pela desconsideração tradicional busca-se responsabilizar o sócio por
obrigações contraídas pela sociedade, na inversa, é esta última que responde
por dívidas ou atos praticados pelo sócio, através da quebra de sua
autonomia patrimonial.245
Diferente não é a posição de Márcio Souza Guimarães:
A utilização de mecanismos para se furtar à responsabilidade, em virtude do
avançado grau de degradação moral do ser humano, tem dado azo à
utilização da desconsideração da personalidade jurídica para a tutela de
interesses legítimos, invertendo o percurso da sua aplicação original. Em vez
do sócio se utilizar da sociedade como escudo protetivo, passa a agir
ostensivamente, escondendo seus bens na sociedade, ou seja, o sócio não
mais se esconde, mas sim a sociedade é por ele ocultada. A terminologia
desconsideração “inversa” surge com a possibilidade vislumbrada de se
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para o alcance de bens
243
COELHO, 2003, p. 44-45.
Idem, p. 45.
245
REALI, Ronaldo Roberto. A desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo
brasileiro (disregard of legal entity). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 266, 30 mar. 2004. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5008>. Acesso em: 17 fev. 2008.
244
72
da própria sociedade, contudo, em decorrência de atos praticados por
terceiros – sócios.246
Corroborando a tese da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a
jurisprudência pátria vem decidindo que:
É possível a desconsideração da personalidade jurídica inversa, por meio da
qual a pessoa jurídica é responsabilizada por obrigação do sócio, tendo em
vista a necessidade de se evitar fraudes contra credores por meio da
utilização do instituto da autonomia patrimonial.247
[...]
Muito embora na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica,
parte-se do pressuposto que o sócio responde com seu patrimônio particular
pela obrigação da empresa, o direito não pode se furtar a aplicação dessa
teoria de forma inversa quando o devedor cria uma ficção jurídica para
defender seu patrimônio particular ameaçado de alienação judicial por força
de dívidas contraídas junto a terceiros.248
[...]
Desconsideração da personalidade jurídica inversa. Pertinência. O direito
não pode se furtar a aplicação dessa teoria quando o devedor cria uma ficção
jurídica, caso em que o princípio da separação patrimonial deve ser superado
por circunstâncias excepcionais, diante de prova de fraude por parte do sócio
para desfrutar dos benefícios de sua posição, não sendo justificável que o
devedor se esconda sob o manto da sociedade para fugir de sua
responsabilidade e burlar a sua função social. Possibilidade do deferimento
da penhora sobre as contas bancárias das empresas na proporção da
participação societária do devedor.249
Exemplo muito freqüente que permite a desconsideração inversa é o do
cônjuge que pretende se separar e se empenha no esvaziamento do patrimônio do casal,
transferindo os bens para uma sociedade. Quando do advento do desfecho do matrimônio, a
246
GUIMARÃES, Márcio Souza. Aspectos modernos da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3996>. Acesso em: 17 fev. 2008.
247
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. 3ª Turma Cível.
AGI 20030020081731. Relator: Desembargador Vasquez Cruxên. Brasília, DF, 03 nov. 03, v.u.,
recurso parcialmente provido, DJ de 12.2.04, p. 46.
248
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 12ª Câmara Cível. APC
1.0672.05.182169-8/0001(1). Relator: Desembargador Alvimar de Ávila. Belo Horizonte, MG, 13 set.
06, v.u., recurso improvido, DJ de 30.9.06.
249
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 15ª Câmara Cível. AGI
2007.002.30467. Relatora: Desembargadora Helda Lima Meireles. Rio de Janeiro, RJ, 18 mar. 08,
v.u., recurso parcialmente provido.
73
meação do cônjuge burlado restará reduzida a praticamente nada. Nesse desiderato, restou
decidido:
Separação Judicial. Reconvenção. Desconsideração da personalidade
jurídica. Meação [...] É possível a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica, usada como instrumento de fraude ou abuso à
meação do cônjuge promovente da ação, através de ação declaratória, para
que estes bens sejam considerados comuns e comunicáveis entre os
cônjuges, sendo objeto de partilha.250
Dessa forma, verificados os pressupostos de sua incidência, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica pode ser utilizada como instrumento para
responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade ou vice-versa, o que
implica responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.
3.4.4 A desconsideração indireta
A desconsideração da personalidade jurídica também pode ser utilizada
quando, diante da criação de constelações de sociedades coligadas, controladoras e
controladas, uma delas se vale dessa condição para fraudar seus credores. Fala-se, então, em
desconsideração indireta. Nessa hipótese, a desconsideração se aplica a toda e qualquer das
sociedades que se encontre dentro do mesmo grupo econômico, para alcançar a efetiva
fraudadora que está sendo encoberta pelas coligadas. Acerca da aplicação da desconsideração
indireta da personalidade jurídica, Amanda do Nascimento Nóbrega esclarece que:
Esta vertente da aplicação da teoria da desconsideração, recai sobre a
formação de grupos societários, que absorvem a coligação de várias
sociedades distintas, de forma a promover o seu controle conjunto, o que, de
acordo com os doutrinadores modernos, vem a reclamar novas normas que
as regulem, com o fim de proteger os direitos daqueles que forem incluídos
nesse processo, uma vez que a desconsideração da personalidade jurídica
para alcançar quem está por trás dela não se afigura suficiente, pois haverá
outra ou outras integrantes do mesmo grupo que também têm o objetivo de
encobrir algum fraudador. A vontade da sociedade controlada, coligada,
integrante do grupo ou consórcio pode estar maculada pela do controlador
efetivo.251
250
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Cível. APC
1999.001.14506. Relatora: Desembargadora Letícia Sardas. Rio de Janeiro, RJ, 7 dez. 99, v.u., recurso
improvido.
251
NÓBREGA, op. cit., p. 609.
74
A corroborar esse entendimento, Daniela Storry Lins afirma:
A nosso ver, tomando em consideração a concepção em que se funda a
desconsideração da personalidade jurídica, esta se vincula à existência de
controle societário, a partir do momento em que a vontade da empresa
muitas vezes identifica-se com a vontade de seu controlador, que pode,
assim, aplica-la abusivamente, tornando-se imprescindível estabelecer in
casu os exatos limites e efeitos da aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.252
A jurisprudência, na mesma direção, posicionou-se no sentido de admitir a
desconsideração da personalidade jurídica de sociedades que integram o mesmo grupo
econômico, quando presentes os pressupostos de sua incidência:
Pertencendo a pessoa jurídica embargante ao mesmo grupo econômico da
executada e havendo ato lesivo ao direito do credor perpetrado no curso de
ação judicial, independente do elemento subjetivo do agente, é legitima a
desconsideração da personalidade jurídica da devedora para que os efeitos da
execução alcancem as demais sociedades do grupo.253
[...]
CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
EMPRESAS SOB O MESMO GRUPO ECONÔMICO. PRESENÇA DOS
REQUISITOS. POSSIBILIDADE. A desconsideração da personalidade
jurídica da empresa executada é medida que se impõe quando se observa a
transferência dos bens entre as sociedades que se afiguram distintas apenas
formalmente, mas o que se observa é a tentativa de frustrar o credor que não
localiza bens passives à constrição para promover a execução.254
[...]
Desconsideração da personalidade jurídica. Grupo econômico. Cabimento.
1) No caso em análise, configura-se o abuso de direito, na medida em que,
de um lado, tem-se a Executada completamente debilitada e seu credor
insatisfeito; e de outro, as demais empresas do grupo econômico distribuindo
capital entre os sócios afortunados, sendo todas controladas por uma única
pessoa, detentora da maior parte do capital social. 2) Com efeito, observa-se
a utilização das sociedades à margem das situações para as quais o Direito
previu sua existência e tutelou sua personalidade, tendo sido conduzidas com
manobras que permitiram o isolamento econômico da Executada em relação
às demais empresas, em detrimento de seu credor, enquanto o restante do
252
LINS, Daniela Storry. Aspectos polêmicos atuais da desconsideração da personalidade jurídica no
Código de Defesa do Consumidor e na Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 69.
253
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. 2ª Turma Cível.
APC 20070110017890. Relatora: Desembargadora Carmelita Brasil. Brasília, DF, 26 set. 07, v.u.,
recurso improvido, DJ de 2.10.07, p. 12.
254
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. 4ª Turma Cível.
APC 20050610108358. Relator: Desembargador Gilberto de Oliveira. Brasília, DF, 13 jun. 07, v.u.,
recurso improvido, DJ de 2.10.07, p. 128.
75
grupo permaneceu satisfatoriamente atuando no mercado. 3) Aplicação da
doutrina da “disregard of legal entity” em sua feição clássica, tal como já era
admitida pela jurisprudência pátria mesmo antes da promulgação do CDC.255
Desse modo, a desconsideração da personalidade jurídica será sempre
possível quando restar configurado o abuso de direito ou a manipulação fraudulenta do
instituto da pessoa jurídica, permitindo-se, assim, levantar o véu de toda e qualquer das
sociedades que se encontre dentro do mesmo grupo econômico, para alcançar aquela
sociedade que, encoberta pelas demais, utilizou-se da personalidade jurídica de forma
indevida.
3.4.5 A desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo brasileiro
No direito positivo brasileiro, o primeiro dispositivo legal a se referir à
desconsideração da personalidade jurídica é o Código de Defesa e Proteção do Consumidor,
que assim dispõe:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
[...]
§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.
Consoante lição de Fábio Ulhoa Coelho, os fundamentos para a
desconsideração da personalidade jurídica em favor do consumidor são:
[...] a) abuso de direito; b) excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito, violação dos estatutos ou contrato social; c) falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração.
No tocante ao mencionado na letra a, é evidente a correspondência entre o
dispositivo legal e a teoria da desconsideração. Mas os fundamentos
255
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 4ª Câmara Cível. AGI
2006.002.01014. Relatora: Desembargadora Suimei Meira Cavalieri. Rio de Janeiro, RJ, 11 abr. 06,
v.u., recurso provido.
76
referidos na letra b dizem respeito a tema societário diverso, acerca da
responsabilidade do sócio ou do representante legal da sociedade por ato
ilícito próprio, isto é, embora relacionado com a pessoa jurídica, o ato
gerador de responsabilidade, nesse caso, pode ser imputado diretamente a
quem incorreu na irregularidade (sócio ou representante legal), não
representando a personalidade jurídica própria da sociedade nenhum
obstáculo a essa imputação. Já os fundamentos agrupados pela letra c
referem-se à responsabilidade por má administração, que é, igualmente, tema
diverso de direito societário, em cuja sede a personalização da sociedade não
impede o ressarcimento dos danos pelo administrador.256
E, acerca do § 5º do art. 28 do CDC, Fábio Ulhoa Coelho complementa:
No tocante ao § 5º do art. 28 do CDC, note-se que uma primeira e rápida
leitura pode sugerir que a simples existência de prejuízo patrimonial
suportado pelo consumidor seria suficiente para autorizar a desconsideração
da pessoa jurídica. Essa interpretação meramente literal, no entanto, não
pode prevalecer por três razões. Em primeiro lugar, porque contraria os
fundamentos teóricos da desconsideração. Como mencionado, a disregard
doctrine representa um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, e
não a sua negação. Assim, ela só pode ter a sua autonomia patrimonial
desprezada para a coibição de fraudes ou abuso de direito. A simples
insatisfação do credor não autoriza, por si só, a desconsideração, conforme
assenta a doutrina na formulação maior da teoria. Em segundo lugar, porque
tal exegese literal tornaria letra morta o caput do mesmo art. 28 do CDC, que
circunscreve algumas hipóteses do superamento da personalidade jurídica.
Em terceiro lugar, porque essa interpretação equivaleria à eliminação do
instituto da pessoa jurídica no campo do direito do consumidor, e, se tivesse
sido esta a intenção da lei, a norma para operacionalizá-la poderia ser direta,
sem apelo à teoria da desconsideração.257
Daí Fábio Ulhoa Coelho considerar que tais são os desacertos do dispositivo
legal em questão que pouca correspondência se pode identificar entre ele e a elaboração
doutrinária da teoria. Com efeito, adverte o autor:
[...] entre os fundamentos legais da desconsideração em benefício dos
consumidores, encontram-se hipóteses caracterizadoras de responsabilização
de administrador que não pressupõem nenhum superamento da forma da
pessoa jurídica. Por outro lado, omite-se a fraude, principal fundamento para
a desconsideração. A dissonância entre o texto da lei e a doutrina nenhum
proveito traz à tutela dos consumidores, ao contrário, é fonte de incertezas e
equívocos.258
256
COELHO, 2003, p. 50.
Idem, p. 51-52
258
Idem, p. 49.
257
77
O segundo dispositivo do direito brasileiro a fazer menção ao tema é o
artigo 18, da Lei Antitruste (Lei n° 8.884/94):
Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem
econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada
quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade
da pessoa jurídica provocados por má administração.
Acerca do dispositivo em comento, Alexandre Couto Silva, em artigo
doutrinário, assevera que:
A lei antitruste (lei 8.884), em seu artigo 18, revelou-se uma adaptação do
artigo 28 do Código Proteção e Defesa do Consumidor, reafirmando
erroneamente, como hipóteses de aplicação da teoria, o excesso de poder, a
falência ou estado de insolvência e o encerramento ou inatividade por má
administração, permanecendo o abuso de direito como única hipótese
justificadora da desconsideração da personalidade jurídica. Deve-se ressaltar
que quando a sociedade é utilizada para obtenção de monopólio, a
desconsideração pode muito bem ser aplicada para verificar a existência de
abuso de poder econômico, com vista à proteção do interesse público.259
Para Fábio Ulhoa Coelho, no campo da tutela do livre mercado, inexistem
dúvidas quanto à pertinência da aplicabilidade da teoria da desconsideração, podendo ser
utilizada tanto na configuração de infração da ordem econômica, quanto na aplicação da
sanção. Mas, por outro lado, “[...] como o legislador de 1994 praticamente reproduziu, no art.
18 da Lei Antitruste, a redação infeliz do dispositivo equivalente do Código de Defesa do
Consumidor, acabou incorrendo nos mesmos desacertos.”260
Desse modo, complementa Coelho, “[...] a segunda referência legal à
desconsideração no direito brasileiro também não aproveitou as contribuições da formulação
doutrinária, perdendo consistência técnica.”261
A terceira referência legal à teoria da desconsideração encontra-se no artigo
4º, da Lei nº 9.605, de 12.2.98, que dispõe sobre a responsabilidade por lesões ao meio
ambiente: “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
259
SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da personalidade jurídica: limites para sua aplicação.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 780, p. 47-58, out., 2000, p. 55.
260
COELHO, 2003, p. 53.
261
Idem, ibidem.
78
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.” Segundo
Elida Séguin:
O art. 4.º da LCA expressamente admite a desconsideração da personalidade
jurídica sempre que ela for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
à qualidade do Meio Ambiente, conforme valor fixado na execução civil da
sentença (art. 20 parágrafo único da LCA). Deve ser comprovada a fraude
contra o credor e que a personalidade jurídica esteja sendo usada para
salvaguardar os bens dos sócios. Provada a simulação, a disregard theory
pode ser aplicada no caso de insuficiência do patrimônio da empresa, pois a
responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a da pessoa física, que da
atividade da primeira tira proveito.262
Sobre o dispositivo em questão, Fábio Ulhoa Coelho pontifica que:
Desta feita, não cabe criticar o legislador por confundir a desconsideração
com outras figuras do direito societário, impropriedade em que incorreu ao
editar o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Antitruste. Mas não se
pode, também, interpretar a norma em tela em descompasso com os
fundamentos da teoria maior. Quer dizer, na composição dos danos à
qualidade do meio ambiente, a manipulação fraudulenta da autonomia
patrimonial não poderá impedir a responsabilização de seus agentes.263
Embora o Código Civil de 2002 não traga nenhum dispositivo com
específica referência à desconsideração da personalidade jurídica, traz, todavia, uma norma
que se destina a atender aos mesmos objetivos que nortearam a elaboração da disregard
doctrine. É o artigo 50:
Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica.
Insta ressaltar, a bem da verdade, que a doutrina e a jurisprudência
sedimentaram o entendimento no sentido de que a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica independe de qualquer previsão legislativa, valendo, nesse sentido, a
advertência de Fábio Ulhoa Coelho:
262
SÉGUIN, Elida. Direito ambiental: nossa casa planetária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
399.
263
COELHO, 2003, p. 53.
79
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
independe de previsão legal. Em qualquer hipótese, mesmo naquelas não
abrangidas pelos dispositivos das leis que se repartam ao tema (Código
Civil, Lei do Meio Ambiente, Lei Antitruste ou Código de Defesa do
Consumidor), está o juiz autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica sempre que ela for fraudulentamente manipulada para
frustrar interesse de credor. Por outro lado, nas situações abrangidas pelo art.
50 do CC/2002 e pelos dispositivos que fazem referência à desconsideração,
não pode o juiz afastar-se da formulação maior da teoria, isto é, não pode
desprezar o instituto da pessoa jurídica apenas em função do desatendimento
de um ou mais credores sociais. A melhor interpretação judicial dos artigos
de lei sobre a desconsideração (isto é, os arts. 28 e § 5º do CDC, 18 da Lei
Antitruste, 4º da Lei do Meio Ambiente e 50 do CC/2002) é a que prestigia a
contribuição doutrinária, respeita a instituto da pessoa jurídica, reconhece a
sua importância para o desenvolvimento das atividades econômicas e apenas
admite a superação do princípio da autonomia patrimonial quando necessário
à repressão de fraudes e à coibição do mau uso da forma da pessoa
jurídica.264
Conclui-se, dessa forma, que a desconsideração da personalidade jurídica
não depende de previsão legal para ser aplicada, uma vez que, deixar de aplicá-la, a pretexto
de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude e o
abuso de direito.265
3.4.6 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica
Ante a ausência de legislação que discipline especificamente a matéria,
discute-se ferrenhamente na doutrina e na jurisprudência qual o momento, bem como o
procedimento, a ser utilizado para a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica.
É bem de ver que existem três correntes a esse respeito: (i) a desconsideração na fase de
conhecimento do processo; (ii) a desconsideração por decisão no próprio processo de
execução; e (iii) a desconsideração por meio da instauração de um incidente processual na
fase de execução.266
Os adeptos da primeira corrente afirmam que os sócios ou administradores
da sociedade, que o credor social pretende responsabilizar, devem participar da relação
jurídica processual de conhecimento, a fim de lhes assegurar a efetiva observância aos
264
COELHO, 2003, p. 54.
Idem, p. 37.
266
SANTIAGO, Edna Ribeiro. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica à
luz do Código Civil de 2002 . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1701, 27 fev. 2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10986>. Acesso em: 17 set. 2008.
265
80
princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não só
em relação à existência ou não dos pressupostos autorizadores da desconsideração da
personalidade jurídica, mas também no que se refere à existência e ao conteúdo da dívida
objeto da lide.267
Afora isso, amparados pelo art. 472 do Código de Processo Civil,268
mormente pelos limites subjetivos da coisa julgada,269 sustentam que somente os sujeitos que
participaram do processo de conhecimento podem sofrer os efeitos da sentença neste
proferida, de modo que, se os sócios ou os administradores não integrarem o título judicial, o
patrimônio destes jamais poderá ser atingido na fase de cumprimento da sentença.270
Em artigo doutrinário sobre a desconsideração da personalidade jurídica no
Código de Defesa do Consumidor, Genacéia da Silva Alberton, forte nessa corrente, abona ao
posicionamento ora esposado:
É necessário, porém, observados os termos do Código do Consumidor acerca
da desconsideração, que seja mantida a defesa plena do demandado para que,
ao se afastar o abuso no plano material, não se cometa uma ignomínia no
plano processual. Por isso deve haver cautela do julgador em verificar se
aqueles que, no pólo passivo, ficarão sujeitos aos efeitos da sentença, isto é,
serão atingidos pela desconsideração, estão presentes na demanda, sob pena
de que, em relação a eles, a sentença deixe de fazer coisa julgada (art. 472 do
CPC).271
Acerca da necessidade de se respeitar os limites subjetivos da coisa julgada,
quando da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, já se decidiu que:
267
SANTIAGO, op. cit.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, art. 472: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se
houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença
produz coisa julgada em relação a terceiros.”
269
Acerca dos limites subjetivos da coisa julgada, Cândido Rangel Dinamarco assevera que: “Há duas
razões básicas pelas quais a autoridade da coisa julgada não deve ir e não vai além dos sujeitos
processuais. A primeira delas é a garantia constitucional do contraditório, que ficaria maculada se um
sujeito, sem ter gozado das oportunidades processuais inerentes à condição de parte, ficasse depois
impedido de repor em discussão o preceito sentencial. A segunda, colhida do modo como a coisa
julgada incide na vida das pessoas e das regras processuais sobre a legitimidade ad causam, consiste
no desinteresse dos terceiros pelos resultados do processo, que não lhes afetam diretamente a esfera de
direitos e obrigações.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol.
2, 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 317).
270
SANTIAGO, op. cit.
271
ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código do Consumidor.
Ajuris: Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 19, n. 54, maio,
1992, p. 175.
268
81
A desconsideração da personalidade jurídica com vistas à responsabilização
pessoal dos sócios por eventuais fraudes ou atos ilícitos, que culminem na
impossibilidade de quitação dos débitos da empresa, só é susceptível de
decretação por meio de ação de conhecimento, em que se outorgue às partes
a oportunidade de se defender e produzir as provas necessárias a tanto.
Permitir-se a constrição judicial de bens dos sócios, com base em crédito
representado por título executivo proveniente de cognição da qual não
configuravam no pólo passivo, afronta aos limites subjetivos da coisa
julgada (art. 472 do CPC), além de infringir os princípios do devido processo
legal e da ampla defesa, constitucionalmente consagrados.272
[...]
Nula, a teor do artigo 472, CPC, a decisão que estende a coisa julgada a
terceiro que não integrou a respectiva relação processual. A desconsideração
da pessoa jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de
pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito em
prejuízo de terceiros, o que deve ser demonstrado sob o crivo do devido
processo legal.273
Com efeito, essa corrente sustenta que, a fim de assegurar o devido processo
legal, o contraditório e a ampla defesa, deve o credor social propor a demanda tanto em face
da sociedade quanto de seus sócios ou administradores, formando-se um litisconsórcio
passivo facultativo eventual,274 pois, assim, se ficar demonstrado, no transcorrer do processo,
a utilização fraudulenta da personificação societária, poder-se-á, desde logo, decretar a
responsabilidade patrimonial dos sócios que nela incorreram.275
Adepto dessa corrente, mas com posicionamento um pouco diverso, Fábio
Ulhoa Coelho entende que a composição do pólo passivo da demanda depende da verificação
do momento em que a manipulação fraudulenta da personificação societária ocorreu:
[...] quando a fraude na manipulação da personalidade jurídica é anterior à
propositura da ação pelo lesionado, a demanda deve ser ajuizada contra o
agente que a perpetrou, sendo a sociedade a ser desconsiderada parte
272
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 14ª Câmara Cível. AGI
1.0024.96.100231-8/001(1). Relator: Desembargador Elias Camilo. Belo Horizonte, MG, 10 ago. 06,
v.u., recurso provido, DJ de 18.9.06.
273
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 347.524/SP. Relator: Ministro César
Asfor Rocha. Brasília, DF, 18 fev. 03, v.u., recurso provido, DJ de 19.5.03, p. 234.
274
A par dessa concepção, Flavia Lefrèvre Guimarães, ao dissertar sobre a desconsideração no âmbito
do direito do consumidor, manifestou-se no sentido de que: “O consumidor deve ser cauteloso no
momento de ajuizar a ação, e buscar, nos órgãos públicos competentes, os documentos societários da
pessoa jurídica contra a qual vá litigar e procure, desde o início, vincular todos os possíveis
responsáveis, previstos nos parágrafos do art. 28, ao resultado da sentença, fazendo uso dos institutos
processuais que regulam o litisconsórcio, a fim de garantir um grau de aproveitamento e otimização do
processo.” (GUIMARÃES, Flavia Lefrèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do
Consumidor: aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 149).
275
SANTIAGO, op. cit.
82
ilegítima. Por outro lado, se o autor teme eventual frustração ao direito que
pleiteia contra uma sociedade empresária, em razão de manipulação
fraudulenta da autonomia patrimonial no transcorrer do processo, ele não
pode deixar de incluir, desde o início, no pólo passivo da relação processual,
a pessoa ou as pessoas sobre cuja conduta incide o seu fundado temor. Nesse
caso, o agente fraudador e a sociedade são litisconsortes.276
Por outro lado, os adeptos da segunda corrente sustentam que a
desconsideração da personalidade jurídica pode ser deferida, por decisão interlocutória, no
próprio processo de execução ou no cumprimento da sentença, dispensando-se a propositura
de ação autônoma, uma vez que os sócios ou administradores, alcançados pela decisão,
poderão interpor, no momento oportuno, todas as medidas cabíveis na defesa de seus direitos
e interesses277, não se prosperando, assim, a alegação de ofensa aos princípios constitucionais
do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Nesse diapasão, já se decidiu
que:
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa
a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua
incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução
(singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato
de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a
concretização de fraude à lei ou contra terceiros. Os terceiros alcançados
pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a
interpor, perante o próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis,
visando a defesa de seus direitos.278
[...]
Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de
execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma.279
[...]
Pacífico o entendimento no sentido de possibilitar ao juízo da execução a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que
prescinde de ação autônoma, para buscar no patrimônio dos sócios a
satisfação da obrigação inadimplida pela sociedade empresária.280
276
COELHO, 2003, p. 55.
SANTIAGO, op. cit.
278
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. RMS 12.872/SP. Relatora: Ministra Nancy
Andrighi. Brasília, DF, 24 jun. 02, v.u., recurso improvido, DJ de 16.12.02, p. 306.
279
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 331.478/RJ. Relator: Ministro Jorge
Scartezzini. Brasília, DF, 24 out. 06, v.u., recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, DJ
de 20.11.06, p. 310.
280
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 12ª Câmara Cível. APC
70018535385. Relator: Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira. Porto Alegre, RS, 26 abr. 07, v.u.,
recurso improvido, DJ de 9.5.07.
277
83
[...]
Em homenagem ao princípio da celeridade e da efetiva prestação
jurisdicional, é perfeitamente possível a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução, sendo, pois,
prescindível a propositura de ação autônoma.281
[...]
A providência prescinde de ação autônoma. Verificados os pressupostos e
afastada a personificação societária, os terceiros alcançados poderão
interpor, perante o juízo falimentar, todos os recursos cabíveis na defesa de
seus direitos e interesses.282
Uma terceira corrente vem sustentando que a desconsideração da
personalidade jurídica deve se dar por meio da instauração de um incidente processual no
curso do processo de execução283. Fredie Didier Jr., em abono a esse posicionamento,
pontifica que:
Também entendemos possível a citação do sócio já no processo de execução,
desde que se instaure um incidente cognitivo – o que não é raro nem
esdrúxulo – no processo executivo, para que se apure, em contraditório, o
preenchimento dos requisitos legais que autorizam a aplicação da teoria, bem
como se lhe permita o exercício da sua ampla defesa.284
Insta ressaltar que, no intuito de estabelecer diretrizes, bem como de acabar
com a multiplicidade de posicionamentos acerca da forma e do momento de aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, foi apresentado, pelo Deputado Ricardo Fiúza, o
Projeto de Lei nº 2.426/2003, que, uma vez aprovado, preencherá a lacuna existente no
ordenamento jurídico pátrio acerca da matéria.
281
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. 3ª Câmara Cível. AGI 59701-4/180
(200704606733). Relator: Desembargador Felipe Batista Cordeiro. Goiânia, GO, 11 mar. 08, v.u.,
recurso improvido, DJ de 16.4.08, p. 70.
282
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. REsp 228.357/SP. Relator: Ministro Castro
Filho. Brasília, DF, 9 dez. 03, v.u., recurso provido, DJ de 2.2.04, p. 332.
283
SANTIAGO, op. cit.
284
DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do
CC-2002). In: Regras processuais no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 07.
84
4 A SOCIEDADE LIMITADA
Originária da Alemanha, onde nasceu por força da Lei de 20 de abril de
1892 (Gesellschaft mit beschränkter Haftung), a sociedade limitada se tornou a mais comum
em solo brasileiro, ganhando a preferência de micros e pequenos empreendedores e
investidores,285 pois, além de oferecer uma estrutura bem mais simplificada que a sociedade
por ações, ela também fornece um sistema apto a limitar a responsabilidade de seus sócios.286
Cuidar-se-á, neste capítulo, sobre os aspectos mais relevantes da sociedade
limitada, tais como a sua natureza jurídica, a forma de sua constituição, os direitos e deveres
de seus sócios, bem como, quanto a estes, a limitação da responsabilidade a eventuais
insucessos do negócio.
4.1 Conceito e natureza jurídica
A sociedade limitada, em seu atual conceito no direto brasileiro, é o “[...]
tipo social em que o capital é dividido em quotas iguais ou desiguais, e a responsabilidade de
cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, respondendo todos solidariamente pela
integralização do capital social.”287
Segundo o saudoso Professor Fran Martins, “Sociedades limitadas são
aquelas formadas por duas ou mais pessoas, cuja responsabilidade é identificada pelo valor de
suas quotas, porém todos se obrigam solidariamente em razão da integralização do capital
social.”288
Waldo Fazzio Júnior, por sua vez, formula um conceito-síntese que
contempla “[...] a sociedade limitada como a pessoa jurídica constituída por sócios de
responsabilidade limitada à integralização do capital social, individualizada por nome
empresarial que contém o adjuntivo limitada.”289
No
que
se
refere
à
natureza
jurídica,
discutiu-se,
ferrenha
e
irreconciliavelmente, a natureza intuitu personae (sociedade de pessoas) ou capitalista
285
NEGRÃO, op. cit., p. 350.
TOMAZETTE, 2004, p. 153.
287
SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. São Paulo: Manole, 2004. p. 3.
288
MARTINS, op. cit., p. 238.
289
FAZZIO JÚNIOR, 2005, p. 194.
286
85
(sociedade de capitais)290 da sociedade limitada. Hodiernamente, todavia, o entendimento
consagrado dá-se no sentido de considerar a sociedade limitada de natureza híbrida, porque,
dependendo da vontade dos sócios, ela pode ser tanto de pessoas quanto de capital.291 A esse
respeito, Maria Bernadete Miranda preleciona que:
As sociedades limitadas poderão ser de capital ou de pessoas, conforme
esteja prevista em seu contrato social a possibilidade ou não de livre cessão
das quotas, sem a anuência dos demais sócios. Portanto, somente
consultando-se o contrato social será possível saber se a sociedade limitada é
de pessoas ou de capital, o que se mostra determinante para a penhora da
quota social. Daí a razão das sociedades limitadas serem consideradas
híbridas.292
Desse modo, a sociedade limitada pode ser de pessoas ou de capital,
dependendo do que dispuser o contrato social. Todavia, se for impossível concluir a natureza
da sociedade limitada a partir da análise de seu contrato social, deve-se considerá-la de
pessoas, em virtude da incidência do Código Civil.293
4.2 Da constituição da sociedade limitada: o contrato social
Cabe ressaltar, preambularmente, que existem várias teorias acerca do ato
constitutivo da sociedade, destacando-se a teoria anticontratualista, a teoria do ato
corporativo, a teoria da instituição, a teoria contratualista e a moderna teoria do contratoorganização.294 Apesar dos entendimentos em contrário, a maior parte da doutrina
comercialista295 adotou a tese aprimorada por Tullio Ascarelli, de que a sociedade resultada
de contrato, de natureza plurilateral.
290
A respeito das sociedades de pessoas e de capitais, vide item 2.3.1 deste trabalho.
Destacando-se, dentre outros, REQUIÃO, op. cit., p. 488-489; COELHO, 2003, p. 370-376;
NEGRÃO, op. cit., p. 242.
292
MIRANDA, op. cit., p. 14.
293
COELHO, 2003, p. 376.
294
Sobre a moderna doutrina do contrato-organização, vide item 5.1 deste trabalho.
295
Nesse sentido, adotando e corroborando a tese do contrato plurilateral: REQUIÃO, op. cit., p. 382384; CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial – do Direito de empresa
– artigos 1.052 a 1.195. vol. 13, São Paulo: Saraiva, 2003. p. 55; ABRÃO, Nelson. Sociedades
limitadas. 9. ed. rev. amp. e atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 50;
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 5. ed. atual. e amp. Rio de Janeiro: Renovar,
2003. p. 78.
291
86
Nesse diapasão, Waldo Fazzio Júnior assevera que o “[...] contrato
conceptivo de sociedade empresária é plurilateral, aberto e instrumental, direcionado à
implementação de uma pessoa jurídica que tem por fito a prática profissional da atividade
econômica.”296
Nelson Abrão, em lição esclarecedora, destaca que o contrato plurilateral se
caracteriza:
a) pela possibilidade da participação de mais de duas partes; b) pelo fato de
que, quanto a todas essas partes, decorrem do contrato quer obrigações de
um lado, quer direitos do outro. O contrato plurilateral se distingue
substancialmente dos outros porque, enquanto nestes uma das partes está
defronte à outra como quem exige prestação em troca de contraprestação,
naquele as partes estão como que uma ao lado da outra, não trocando, mas
carreando paralelamente prestações para um fim comum. Ademais, no pacto
societário, a anulabilidade ou anulação da manifestação da vontade de um
sócio inquina apenas esta, não atingindo a validade do contrato.297
No contrato plurilateral, dessa forma, uma parte está ao lado da outra,
contratando para a realização do fim comum,298 sendo que todas as partes são titulares de
direitos e obrigações para com todas e não apenas para com a outra. Ademais, o
inadimplemento da obrigação de uma das partes não importa necessariamente o desfazimento
da sociedade, pois atinge somente a própria parte inadimplente, mantendo-se íntegro o
vínculo social em relação aos demais, se seu objetivo continuar viável.299
Por outro lado, assentado que a sociedade limitada se constitui por um
contrato, denominado contrato social,300 sujeita-se este a certos requisitos de validade, bem
como a determinados pressupostos de existência, sobre os quais passa-se a discorrer.
296
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 65.
297
ABRÃO, op. cit., p. 50.
298
A esse respeito, Amador Paes de Almeida destaca que: “O contrato de sociedade comercial tem
uma característica que o distingue fundamentalmente dos demais contratos. Com efeito, executando o
conjugal, os contratos em geral pressupõem vontades antagônicas, como ocorre, por exemplo, na
compra e venda, em que o comprador pretende o objeto, e o vendedor, o dinheiro. As partes têm,
portanto, interesses divergentes. No contrato de sociedade os interesses são convergentes, as vontades
caminham paralelamente, sendo fixado, por isso, objetivo comum.” (ALMEIDA, op. cit., p. 15).
299
DORIA, op. cit., p. 162; CASTRO, op. cit., p. 266.
300
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “Uma característica do contrato social está no efeito de criação de
um novo sujeito de direito (a sociedade limitada). Esse sujeito, de imediato, passa a titularizar direitos
e ter deveres relativamente aos sócios. O contrato social é espécie de ato constitutivo de pessoa
jurídica, e apresenta a particularidade marcante do gênero: os participantes do ato assumem obrigações
e titularizam direitos, uns perante os outros (como em qualquer negócio jurídico), mas, também, criam
um novo sujeito (a pessoa jurídica), com o qual passam a manter, de imediato, vínculos obrigacionais,
como devedores ou credores.” (COELHO, 2003, p. 399).
87
4.2.1 Requisitos de validade do contrato social
Os requisitos imprescindíveis à validade do contrato social são classificados
pela doutrina em duas ordens:
i) requisitos comuns ou genéricos de validade, que se aplicam aos negócios
jurídicos de um modo geral, inclusive ao contrato social; e
ii) requisitos específicos de validade, que dizem respeito exclusivamente ao
contrato social (contrato plurilateral).
4.2.1.1 Requisitos comuns ou genéricos de validade do contrato social
O contrato social, para ser válido em sua inteireza, deve obedecer às regras
comuns aos negócios jurídicos e, por conseguinte, pressupõe a) consenso; b) agente capaz; c)
objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e d) forma prescrita ou não defesa em
lei. Continuadamente, tem-se:
(I)
Consenso: na lição de Rubens Requião, “O contrato é fruto da
vontade. A pessoa para se obrigar deve manifestá-la livremente.”301 Deveras, o elemento
volitivo (consenso) é base e fundamento do ato, sua razão de ser, a alma do contrato social.
Mas, somente a presença da vontade não basta para validar o ato, porque, além de existir, ela
não pode estar contaminada por quaisquer vícios. Nessa direção, o Prof. Washington de
Barros Monteiro preleciona que:
[...] negócio jurídico é manifestação da vontade tendente a criar, modificar
ou extinguir um direito. A vontade é, pois, base e fundamento do ato, sua
razão de ser, a alma do negócio jurídico. Para que este validamente exista,
indispensável é a presença do elemento volitivo. Mas ainda, é necessário que
esse elemento, além de ter existido, haja funcionado normalmente. Só então
o ato produz os efeitos jurídicos almejados pelas partes.302
Com efeito, na celebração do contrato social, há casos em que a vontade
existe, mas ela se encontra contaminada por alguns dos vícios do consentimento (erro ou
ignorância, dolo, coação ou violência, estado de perigo e lesão). Em outros casos, a vontade
301
REQUIÃO, op. cit., p. 397.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1, 40. ed. rev. e atual.
por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, São Paulo: Saraiva, 2005. p. 225.
302
88
pode existir e funcionar normalmente, mas ela se desvia da lei, ou da boa-fé, e orienta-se no
sentido de prejudicar terceiros, ou de infringir o direito, surgindo, assim, os vícios sociais
(simulação e fraude contra credores). A esse respeito, Washington de Barros Monteiro
pontifica que:
[...] dentre esses defeitos, uns se manifestam diretamente sobre a vontade,
criando irredutível oposição entre o propósito íntimo do agente e sua
expressão, verbal ou escrita. São eles o erro e a ignorância, o dolo e a coação
ou violência, além do estado de perigo e a lesão. Os outros, simulação e
fraude contra credores, rigorosamente falando, não são vícios da vontade.
Exprimindo-nos com mais precisão, diríamos que são vícios sociais, que
comprometem também a ordem jurídica, pela deliberada afronta à lisura, à
honestidade e à regularidade do comércio jurídico. Mas tanto aqueles como
estes têm a mesma força de condenação, no sentido de induzir a
anulabilidade do ato jurídico.303
Já se mencionou e enfatiza-se que a defesa, neste trabalho, das sociedades
fictícias ou de favor, hipótese de negócio indireto, em nada se confunde com as hipóteses em
que a sociedade é simulada com o objetivo de dar operatividade a fraude. No primeiro caso, a
sociedade é válida, porque lícito é o negócio jurídico que a constitui. Por outro lado, no
segundo caso, o contrato que constituiu a sociedade estará fadado à nulidade, cuja decretação
corresponderá à própria extinção da pessoa jurídica, ou, dependendo do caso, em benefício da
sua preservação, a desconsideração da personalidade jurídica restará de toda autorizada.
Mas tudo isso é matéria que será melhor discutida no último capítulo deste
estudo.
(II) Capacidade: nos termos do art. 104, I, do Código Civil, a validade do
contrato social, negócio jurídico que é, requer agente capaz304, isto é, pessoa capaz de praticar
todos os atos da vida civil. A respeito da capacidade do agente, Américo Luís Martins da
Silva assevera que:
Todo negócio jurídico deve pressupor, obrigatoriamente, agente capaz, isto
é, pessoa física que possa praticar todos os atos da vida civil ou pessoa
jurídica com personalidade jurídica e regularmente representada, apta a
realizar o negócio jurídico. As regras da capacidade aplicam-se
303
MONTEIRO, op. cit., p. 226.
A esse respeito, Dylson Doria preleciona que: “As sociedades comerciais podem ser formadas de
pessoas físicas ou jurídicas. Com efeito, os sócios, denominação que se empresta às partes de um
contrato de sociedade, devem possuir capacidade jurídica para a declaração de vontade no ato
constitutivo. Essa capacidade pauta-se pelas normas de Direito Civil, pois a capacidade comercial não
é diversa da capacidade civil.” (DORIA, op. cit., p. 162).
304
89
indistintamente aos negócios jurídicos unilaterais, bilaterais e plurilaterais,
incluindo os contratos de sociedade mercantil.305 (grifo do autor)
Quanto à incapacidade dos menores, Fábio Ulhoa Coelho esclarece que: “O
menor – assistido ou representado na forma da lei civil – pode ser sócio de sociedade limitada,
se o capital estiver totalmente integralizado e não lhe for atribuída a função de gerente.”306
Importante ratificar307 que a incapacidade não se confunde com o
impedimento, de tal modo que a pessoa impedida de exercer a atividade de empresário não é
incapaz, mas pratica irregularmente atos válidos. A respeito dessa distinção, Caio Mario da
Silva Pereira doutrina que, além das incapacidades genéricas,
[...] a lei prevê ainda motivos específicos, que obstam a que o agente, sem
quebra de sua capacidade civil, realize determinados negócios jurídicos. A
fim de não colidirem tais restrições com a teoria das incapacidades, é
preferível designá-las como “impedimentos”. Com o nome, pois, de
impedimentos ou de incapacidades especiais, é positiva a restrição que a lei
impõe a uma pessoa, em dadas circunstâncias, quanto à realização de certos
atos, vigorantes apenas para aquele caso específico, enquanto o agente
guarda a sua liberdade de agir em tudo o mais. O requisito subjetivo de
validade dos negócios jurídicos envolve, pois, além da capacidade geral para
a vida civil, a ausência de impedimento ou de restrição para o negócio em
foco: é necessário, portanto, que o agente, além de capaz, não sofra ainda
diminuição instituída especificamente para o caso. Quando a lei diz que o
tutor não pode, mesmo em hasta pública, adquirir bens do pupilo, cria um
impedimento que não importa em incapacidade geral, mas que atinge apenas
o ato de aquisição ex ratione personarum.308 (grifos do autor)
(III) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável: o objeto
social, à luz do inciso II, do artigo 104, do Código Civil, deve ser lícito, possível, determinado
ou determinável, sob pena de, se assim não o for, o contrato social ser declarado nulo309, nos
termos do artigo 166, inciso II, do mesmo diploma legal.
Quanto à licitude do objeto social, Américo Luís Martins da Silva
preleciona que “Todas as atividades que não violarem a lei, a ordem pública, os bons
305
SILVA, Américo Luís Martins da. Sociedades empresariais. vol. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 74.
306
COELHO, 2003, p. 385.
307
Cf. item 2.2.2 deste trabalho.
308
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao Direito Civil. Teoria
geral de Direito Civil. vol. 1, 21. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro,
2006. p. 100.
309
A licitude, possibilidade e determinação do objeto, segundo Fábio Ulhoa Coelho, “[...] não
comporta maiores considerações: é nula a sociedade contratada para a exploração de atividade ilícita
(comércio de narcóticos, lenocínio etc.), impossível (venda de entusiasmo, p. ex.) ou sem
determinabilidade.” (COELHO, 2003, p. 385).
90
costumes e o contrato social não modificado anteriormente podem ser objeto da sociedade
mercantil.”310
Deveras, consoante o disposto no inciso I, do artigo 35, da Lei nº 8.934/94,
as Juntas Comerciais não arquivam os contratos sociais “[...] que não obedecerem às
prescrições legais ou regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes
ou à ordem pública, bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não
modificado anteriormente.”311
Além de ser lícito o objeto social, ele também deve ser possível,
determinado ou determinável, valendo, a esse respeito, a lição de Américo Luís Martins da
Silva:
Por objeto possível entende-se aquele objeto suscetível de ser praticado ou
relacionado a coisas efetivamente existentes, isto é, aquele que pode ser
suscetível de mercancia. O objeto impossível são coisas que se acham fora
do comércio por serem individualmente inapropriáveis [...] Dentro do tema
objeto possível, há que ser esclarecido a respeito da distinção entre
possibilidade física e possibilidade jurídica. A possibilidade física diz
respeito às coisas permitidas pela natureza (objeto possível propriamente
dito). A possibilidade jurídica refere-se ao que não for contrário às leis
(objeto lícito). Já objeto social determinado é aquele objeto que já foi
determinado, definido, fixado ou estabelecido, ou seja, aquele que é dado ou
certo. Objeto determinável é aquele que, apesar de no presente ainda não
estar definido ou estabelecido (objeto incerto), ele pode ser perfeitamente
definido ou determinado em qualquer momento futuro.312 (grifos do autor)
(IV) Forma prescrita ou não defesa em lei: a forma, segundo Clóvis
Beviláqua, “[...] dá existência ao ato jurídico. Sem ela, não passará de uma ação humana
estranha à vida jurídica.”313 Na seara do contrato social, a forma adequada “[...] é a escrita, e
310
SILVA, Américo, op. cit., p. 77.
Ainda quanto à licitude do objeto social, Américo Luís Martins da Silva lembra que ela “[...] está
diretamente ligada à incomercialidade de certos bens em virtude de o direito as subtrair da circulação
mercantil. A incomercialidade, no caso, abrange as coisas individualmente apreensíveis ou
apropriáveis, que a lei declara inalienáveis, por considerações econômicas, de defesa social ou de
proteção aos proprietários, como os imóveis dos incapazes, cuja alienação só em determinadas
circunstâncias e mediante certas formalidades pode ser realizada. A licitude diz respeito, também, a
incomercialidade em virtude dos bons costumes (objeto honesto ou não ofensivo a moral) e da ordem
pública. Nesta categoria se incluem as coisas que estão fora do comércio, por ser a disposição delas
contra a moral e a ordem necessária a vida em sociedade. Assim é que o homem tem a posse do
próprio corpo, mas não pode validamente dispor de uma parte dele de maneira a permanecer um
inválido, nem da própria vida.” (grifos do autor) (Idem, ibidem).
312
Idem, p. 78.
313
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. ed. histórica, Rio de
Janeiro: Editora Rio, 1975. p. 329.
311
91
os sócios podem optar sempre pelo instrumento público ou particular.”314 Isso porque,
conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, “As sociedades contratadas oralmente são irregulares, e
não podem ser provadas pelos sócios. Somente terceiros têm o direito de provar a existência
de sociedade de fato entre duas ou mais pessoas, para responsabilizá-las solidariamente.”315
4.2.1.2 Requisitos específicos de validade do contrato social
Além dos requisitos comuns de validade, que informam os negócios
jurídicos em geral, para os contratos sociais surgem outros requisitos de validade específicos,
próprios das sociedades empresárias. São eles: a) contribuição dos sócios para a constituição
do capital social; e b) co-participação dos sócios nos lucros e perdas.
Grande parte da doutrina comercialista316 enumera como requisitos
específicos de validade do contrato social, além destes, aqueles pressupostos referentes à
existência da sociedade, quais sejam, a pluralidade de sócios e a affectio societatis.
No entanto, neste trabalho, prefere-se tratá-los distintamente, uma vez que a
falta de um requisito de validade conduz à invalidação do contrato social, se comum, ou de
suas cláusulas, se específico, e a ausência de um pressuposto de existência leva, não à
invalidação, mas à dissolução da sociedade.317
(I)
Contribuição dos sócios para a constituição do capital social: nos
termos do inciso III, do artigo 997, do Código Civil, o capital social318 da sociedade deve ser
expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de
314
COELHO, 2003, p. 393.
Idem, ibidem.
316
Nesse sentido: REQUIÃO, op. cit., p. 400, afirma que: “Além dos elementos que informam o
contrato em geral, para os contratos sociais surgem requisitos específicos próprios das sociedades
comerciais, de que podemos enumerar os seguintes: a) pluralidade de sócios; b) constituição do
capital; c) affectio societatis; d) participação nos lucros e nas perdas.” No mesmo sentido: SILVA,
Américo, op. cit., p. 79, pontifica: “Além dos elementos ou requisitos que devem estar presentes nos
contratos em geral, para os contratos sociais das sociedades mercantis há que se satisfazer requisitos
específicos e exclusivos deste tipo de negócio jurídico mercantil. Tais elementos ou requisitos
específicos são os seguintes: a) pluralidade de sócios; b) constituição do capital; c) “affectio
societatis”; d) participação nos lucros e nas perdas.” (grifos do autor).
317
COELHO, 2003, p. 388.
318
“Ao contrário do patrimônio, que é variável, o capital social é fixo, pois é uma cifra contábil
constante do contrato social. O valor do capital social consta do passivo porque representa um débito
da sociedade para com os sócios, e que, em princípio, não pode ser saldado enquanto a sociedade
existir. Por isso é que o capital é registrado no balanço como passivo não exigível.” (LUCCA et al, op.
cit., 2005. p. 188).
315
92
avaliação pecuniária. Por sua vez, o artigo 1.004, do mesmo diploma legal, prescreve que “Os
sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato
social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela
sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.”
O capital social, constante do contrato, segundo lição de Newton de Lucca
et al, “[...] é a quantia correspondente ao valor dos bens ou direitos que os sócios transferiram
ou se obrigaram a transferir à sociedade, com a finalidade de fixar a limitação das suas
responsabilidades com a garantia dos credores.”319 Na mesma direção, Mauro Rodrigues
Penteado assevera que o capital social é
[...] um instituto destinado a tornar possível a limitação da responsabilidade,
mediante um conjunto de normas inderrogáveis, inclusive de natureza penal,
que visam tutelar aquele patrimônio especial, subtraído do conjunto geral de
bens dos sócios, para formar a base patrimonial da sociedade. É o capital
social, como salientou Ascarelli, um ponto de referência, que oferece a
terceiros uma tutela no tocante à gestão da empresa, propiciando de outra
parte, por meio da publicidade, a identificação de suas relações com o
patrimônio social de que é titular a sociedade, este último em contínuo
processo de mutação.320
Dessa forma, pode-se dizer que o capital social é a soma representativa da
contribuição dos sócios, e tem por finalidade limitar a responsabilidade do patrimônio pessoal
destes em relação às obrigações sociais. Por conta disso, todos os sócios devem contribuir
para a formação do capital social, seja pela entrega de dinheiro ou de bens.
Todavia, deve-se ressaltar que, se os sócios, por um lado, são obrigados a
contribuir para a formação do capital social, não existe, por outro lado, a exigência legal de
um percentual mínimo de participação.
Assim sendo, é perfeitamente lícito, por exemplo, um determinado sócio
subscrever 99,99% do capital social e seu sócio apenas 0,01%. Nessa hipótese, a participação
diminuta daquele que subscreveu e integralizou apenas 0,01% do capital social não influência,
de modo algum, no seu status de sócio.
(II) Co-participação dos sócios nos lucros e perdas: o Código
Comercial, em seu artigo 228, dispunha que a sociedade que atribuía somente a um sócio a
totalidade dos lucros ou das perdas era nula.
319
LUCCA et al, op. cit., p. 188.
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumento de capital das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva,
1988. p. 13.
320
93
O artigo 1.008, do Código Civil, tem regra semelhante, embora mais
restrita, uma vez que não declara nula a sociedade, mas “[...] a estipulação contratual que
exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.”
Assim, como bem destaca Ricardo Negrão, “[...] é da essência do contrato
de constituição a participação nos lucros e perdas da sociedade por parte de cada um dos
sócios, sendo nula a atribuição da totalidade deles a apenas um dos sócios.”321
É de se ressaltar que a lei veda a chamada cláusula leonina,322 na qual os
lucros ou perdas corram a favor ou a cargo de um único sócio, mas não veda a distribuição
diferencial, isto é, a distribuição dos lucros, tanto como a das perdas, pode ser efetuada de
forma não igualitária, fora da proporção da contribuição dos sócios para a formação do capital
social, de tal modo que, por exemplo, pode-se conceber àquele que contribuiu com parcela
menor quinhão maior nos lucros, ou vice-versa.323
4.2.2 Pressupostos de existência do contrato social
Segundo boa parte da doutrina, o contrato social, para existência da
sociedade, deve atender, no direito positivo brasileiro, a dois pressupostos: a) a pluralidade de
sócios; e b) a affectio societatis.324
Conforme se verá no próximo capítulo deste trabalho, mas deixando-se
algumas notas desde já, em face da admissibilidade, no Direito brasileiro, da subsidiária
integral, da empresa pública unipessoal e da unipessoalidade incidental temporária, a
exigência da pluralidade de sócios, como pressuposto de existência da sociedade, vem caindo
321
NEGRÃO, op. cit., 2006, p. 294.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “A cláusula que nega ao sócio parte dos sucessos da sociedade é
chamada de leonina. Aliás, a expressão cláusula leonina, atualmente de larga utilização do direito dos
contratos, nasce no societário, a partir da regra de repulsa à disposição que implique exclusão de sócio
dos resultados sociais. Inspirou-a uma fábula de Fedro – fabulista latino que viveu de 30 a.C. a 44 –,
em que o leão, após se associar à vaca, à cabra e à ovelha para caçarem juntos, apropria-se sozinho dos
despojos da caça.” (COELHO, 2003, p. 387).
323
REQUIÃO, op. cit., p. 409; CASTRO, op. cit., p. 278; SILVA, Américo, op. cit., p. 98-99.
324
Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho afirma que: “Para que a sociedade exista, o contrato social deve
atender, no direito brasileiro, a dois pressupostos: a) a pluralidade dos sócios; b) a affectio societatis.
Diferem essas condições dos requisitos de validade, anteriormente referidos. Isso porque a falta de um
pressuposto de existência não conduz à invalidação do contrato social ou de suas cláusulas, mas à
dissolução da sociedade. São situações jurídicas diferentes, já que a invalidação pode, se absoluta a
nulidade, comprometer todos os efeitos entre os sócios decorrentes do contrato social, enquanto a
dissolução nunca importa a desconstituição de efeitos pretéritos do contrato.” (COELHO, 2003, p.
388).
322
94
por terra, mormente porque não passa de um mero resquício de épocas passadas, quando a
sociedade era eminentemente contratual.325
Todavia, o Código Civil de 2002, embora tenha optado por um sistema
legislativo centrado na empresa, insistiu, de forma paradoxal, no caráter eminentemente
contratual e na pluralidade de sócios para a constituição de sociedade, razão pela qual passase a discorrer sobre os pressupostos de existência do contrato social, não obstante o descaso
do legislador brasileiro.
(I)
Pluralidade de sócios: o artigo 981 do Código Civil de 2002 diz que:
“Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com
bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados.” (grifos nosso)
Com efeito, da leitura do citado artigo, conclui-se que o direito positivo
brasileiro, ao contrário do que ocorre em muitos outros países, não se afeiçoa à sociedade
limitada originariamente unipessoal, isto é, de uma só pessoa326, embora se reconheça, como
exceção, a unipessoalidade originária tanto na constituição da sociedade subsidiária integral
(Lei nº 6.404/76, art. 251) quanto na da empresa pública unipessoal (Decreto-Lei nº 200/67,
art. 5º, II), bem como a unipessoalidade incidental temporária (Código Civil, art. 1.033, IV e
Lei nº 6.404/76, art. 206, I, ‘d’).
A ausência de uma disciplina normativa para a sociedade unipessoal
limitada, no Código Civil de 2002, foi sobremodo criticada pela doutrina pátria, sendo
oportuno destacar, neste diapasão, as sábias palavras de Carlos Antônio Goulart Leite Júnior:
É incompreensível que, em pleno século XXI, o legislador brasileiro
mantenha os olhos vendados não só para as soluções adotadas com
perspectiva de globalização, mas sobretudo para a realidade socioeconômica
brasileira, a necessidade de regulamentar a sociedade unipessoal de fato e a
notória conveniência de estabelecer no texto da lei as soluções amplamente
debatidas e consagradas no clamor da doutrina.327
325
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. p.
45.
326
A esse respeito, Fran Martins assevera: “A legislação nacional não consagrou e portanto deixou de
abraçar a tipologia empresária individual, na medida em que exige nas sociedades de forma geral a
presença de pelo menos dois (2) sócios, possibilitando que na hipótese de retirada, morte ou
transformação em firma individual, se obedeça ao prazo de um ano para regularização do contrato
societário.” (MARTINS, op. cit., item 154, p. 163).
327
LEITE JÚNIOR, Carlos Antônio Goulart. Affectio Societatis - na sociedade civil e na sociedade
simples. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 92.
95
Daí Newton de Lucca, com razão, concluir que:
À míngua de uma autorização legislativa para que possa proceder à
indispensável separação entre o patrimônio pessoal e aquele destinado à
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de
serviços, o empresário individual vê-se compelido a ludibriar o legislador
que não soube atender a essa sua necessidade básica... Cria, então, ainda que
a contragosto, só para satisfazer a idolatria das formas preconizada pela lei,
uma sociedade puramente fictícia, apenas para poder constituir um
patrimônio da pessoa jurídica - correspondente aos limites toleráveis de seu
risco -, distinto daquele que pretende salvaguardar para si e para sua
família.”328
De toda sorte, parece que o Código Civil de 2002, ao exigir a pluralidade de
sócios, perdeu a oportunidade de revelar-se um diploma realmente avançado para a sua
época.329 Afora isso, não há dúvidas que ele deixou uma multidão de empresas com sua
função social no limbo do reconhecimento de uma personalidade jurídica.330
(II) Affectio societatis: trata-se de uma antiga expressão latina, usada por
Ulpiano
331
, para exprimir a intenção de reunir esforços para a realização do fim comum.
Grande parte da doutrina considera que a affectio societatis é um
pressuposto essencial das sociedades, mas divergem, porém, quanto à sua definição.
Theophilo de Azeredo Santos, por exemplo, define a affectio societatis
como sendo “[...] a contribuição para o capital visando fim comum, através do esforço
coletivo.”332 De acordo com Edmond Thaller, affectio societatis refere-se ao elo de
colaboração ativa entre os sócios, sempre em vista de um fim comum, que é a realização de
um enriquecimento pelo concurso dos capitais e da atividade dos sócios.333
328
LUCCA et al, op. cit., p. 11.
Idem, ibidem.
330
LEITE JÚNIOR, op. cit., p. 93.
331
A esse respeito, Carlos Antônio Goulart Leite Júnior pontifica que: “Atribui-se a ULPIANO a
origem do termo. Ao determinar as hipóteses que ensejavam a ação pro socio e aquelas em que
unicamente podia caber a praescriptio verbis, e para solucionar quando cabia uma ou outra ação,
reputava necessário investigar se as partes tinham ou não a intenção de constituir uma sociedade,
investigação esta por ele designada com as locuções affectio societatis ou animus contrahendae
societatis.” (Idem, p. 34).
332
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de Direito Comercial. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1965. p. 197.
333
THALLER, Edmond. Traité élémentaire de Droit Commercial. 4. ed. Paris: Arthur Rousseau
Éditeur, 1910. p. 311.
329
96
Para Fran Martins, affectio societatis é cooperação efetiva entre os sócios,
isto é, “[...] o liame de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social.”334
Georges Ripert vê a affectio societatis essencialmente como a vontade da
colaboração ativa dos sócios, ou seja, significa que pessoas estão se unindo para operar ou
obrar simultaneamente, visando um objetivo comum como resultado de uma determinada
atividade econômica.335
Paul Pic, por sua vez, considera tal expressão a mais adequada para designar
a vontade, em todos os contratantes, de cooperar, direta ou indiretamente, na obra comum,
com a comunhão de capitais e dos esforços pessoais dos membros de uma sociedade.336
Acrescenta Pic que:
[...] todo contrato de sociedade pressupõe não somente a intenção de realizar
benefícios por uma reunião de capitais, intenção que se pode descobrir num
simples empréstimo, acompanhado de uma cláusula de participação, mas a
vontade bem determinada, da parte de todos os sócios, de cooperar
ativamente na obra comum. Discerne-se, em outros termos, em qualquer
sociedade, um pensamento de cooperação econômica (Ripert) ou, mais
exatamente, uma vontade de colaboração ativa (Thaller), em vista de um fim
comum, que é a realização de um enriquecimento pela comunhão dos
capitais e da atividade dos sócios.337
Daí Paul Pic propor, como caráter específico da sociedade, a “[...]
colaboração ativa, consciente e igualitária de todos os contratantes, para a obtenção de um
lucro a partilhar.”338
Todavia, essa formulação fundada na colaboração ativa, consciente e
igualitária dos sócios não resiste ao argumento de João Eunápio Borges, no sentido de que
existem sociedades “[...] em que somente um dos sócios trabalha efetivamente para o fim
social, limitando-se os demais a entrar com a sua cota para a formação do fundo social.”339
334
MARTINS, op. cit., p. 165.
RIPERT, Georges. Traité élémentaire de Droit Commercial. Paris: Librairie Générale de Droit et
de Jurisprudence, 1951. p. 163.
336
PIC, Paul. Traité Général de Droit Commercial: des sociétés commerciales. 10. ed. Paris: Librairie
Arthur Rousseau, 1925. p. 70.
337
Idem, p. 70-71.
338
Idem, p. 71.
339
BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial terrestre. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1964. p. 243.
335
97
Por outro lado, existem autores, como Silvio Rodrigues340 e César Fiúza,341
que apontam a affectio societatis como um elemento peculiar de distinção entre a sociedade e
outros estados jurídicos, em particular a comunhão e o condomínio. Rubens Requião, nessa
senda, chega a afirmar que finalidade prática da affectio societatis consiste em “[...] distinguir
a sociedade de outros tipos de contrato, que tendem a se confundir, aparentemente, com a
sociedade de fato ou presumida.”342
De outra banda, ainda, existem aqueles que sustentam que a affectio
societatis deixou de ser um pressuposto específico e caracterizador da sociedade. Nessa
esteira, José de Oliveira Ascensão, criticando severamente a doutrina subjetivista, preleciona
que:
[...] não há nenhum animus que seja necessário comprovar para que exista a
sociedade. Bastam os elementos objectivos que ficam enunciados. Fora
deles, só ficam os clássicos princípios integradores, como o da fraude à lei,
que também eles próprios são cada vez mais apresentados a uma luz
objectivista, e não subjectivista.343
Solá Cañizares, mais severo, afirma que a affectio societatis serve
unicamente para provocar discussões doutrinárias, sendo uma noção desconhecida pela
legislação, não tendo, pois, utilidade alguma.344
Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, por sua vez, não chega a negar a
presença da affectio societatis no negócio societário, mas, porém, não encontra utilidade nesse
340
Segundo Silvio Rodrigues, “O que nitidamente caracteriza o contrato de sociedade é o propósito,
comum aos contratantes, de se unirem para alcançar um resultado almejado. A esse fator subjetivo a
doutrina dá o nome de affectio societatis. Constitui ele o elemento subjacente e fundamental do
conceito de sociedade. Sua presença, ou não, é que distingue a sociedade do condomínio tradicional.
Enquanto naquela os sócios deliberadamente se unem para buscar um determinado fim, na comunhão
os consortes encontram seus interesses acidentalmente reunidos, sem que tal reunião tenha sido um
pressuposto para se atingir determinado escopo.” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e
das declarações unilaterais da vontade. vol. 3, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 315).
341
César Fiuza, na mesma direção, pontifica: “Definitivamente, não cabe confundir sociedade e
condomínio ou comunhão. Duas diferenças elementares traçam forte linha divisória entre os dois
institutos. Sociedade é, como vimos, ato jurídico, contrato. É pessoa jurídica. Condomínio é direito
real, que duas ou mais pessoas têm sobre um mesmo bem. Não tem personalidade jurídica. Esse
direito real nem sempre terá como origem ato jurídico. Seu nascimento pode ser eventual, por força da
Lei ou de circunstâncias. Exemplo disso é o condomínio que se estabelece para os herdeiros, até a
partilha da herança. Ademais, caracteriza a sociedade a affectio societatis, ou seja, a vontade de
constituir sociedade, o que não ocorre tratando-se de condomínio.” (FIUZA, César. Direito Civil:
curso completo. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 345-346).
342
REQUIÃO, op. cit., p. 408.
343
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Comercial: sociedades comerciais. vol. IV, Lisboa,
AAFDL, 2000. p. 36.
344
SOLÁ CAÑIZARES, Felipe de. Tratado de Derecho Comercial comparado. Barcelona: Montaner
y Simón S/A, t. III, 1963. p. 68.
98
conceito que, se não é muito claro, confunde-se com os mesmos elementos existentes nos
contratos, como consentimento, espírito de colaboração e participação nos lucros.345
Segundo Carlos Antônio Goulart Leite Júnior, “A negação da affectio
societatis como elemento caracterizador da sociedade decorre da modificação do conceito de
sociedade, a feição institucional conferida pela personalidade jurídica, pela imunidade aos
princípios contratuais e pela função social da empresa.”346
4.2.3 Da invalidade do contrato social
Invalidade é conceito genérico e abrangente de nulidade e anulabilidade,347
e representa “[...] uma pena,348 a conseqüência, a sanção civil que atinge determinado
negócio, por ter sido ele praticado ao arrepio da lei, apresentando lacunas ou vícios na
manifestação de vontade.”349
Sendo a invalidade uma sanção, a anulabilidade350 constitui-se numa pena
menos intensa, porque se aplica em defesa de interesses privados.351 Nas sábias palavras de
Orlando Gomes, “A anulabilidade é diferida, relativa, sanável e provisória, isto é, o contrato
subsiste até o momento em que o juiz o anula; apenas pode ser pleiteada pela pessoa a quem a
lei protege; admite confirmação e se purifica com o decurso do tempo.”352 (grifos do autor)
345
CUNHA PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 72.
346
LEITE JÚNIOR, op. cit., p. 40.
347
A invalidade, segundo Itamar Gaino, “[...] indica o desfecho negativo do procedimento normal de
formação do contrato: desfecho que, como tal, se contrapõe àquele de validade ou perfeição. Essa
denominação (invalidade) compreende duas figuras: nulidade e anulabilidade.” (GAINO, Itamar. A
simulação dos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 75).
348
Nessa senda, de que a invalidade é uma forma de sanção, Paulo Nader assevera: “A invalidade
constitui sanção porque é conseqüência imposta por lei em decorrência de sua inobservância na feitura
do ato negocial. A sua antítese, a validade, significa que o ato se reveste de todos os requisitos
essenciais e se acha em condições de produzir os efeitos de lei e os convencionais.” (NADER, Paulo.
Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1, 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 637).
349
VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p.
24.
350
Para Maria Helena Diniz, adotando definição de Clóvis Beviláqua, a “[...] anulabilidade refere-se ‘a
negócios que se acham inquinados de vício capaz de lhes determinar a ineficácia, mas que poderá ser
eliminado, restabelecendo-se a sua normalidade’.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
Brasileiro: teoria geral do Direito Civil. vol. 1, 21. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
484).
351
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. rev. atual. e aum. por Edvaldo Brito
(Coord.) e Reginalda Paranhos de Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 290.
352
GOMES, 2007a, p. 160.
99
Nos termos dos incisos I e II do art. 171 do Código Civil, o contrato social
pode ser anulado quando celebrado pelo relativamente incapaz, bem como pelas partes cujo
consentimento tenha se dado por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores.353
A nulidade, por sua vez, é a sanção mais severa imposta pela lei, porque
visa a punir os que infringem preceitos de ordem pública ou interesse geral.354 Segundo
Itamar Gaino, “A nulidade consiste num quê de negativo, ou seja, o contrato resta privado de
validade e dos efeitos que lhe são próprios (quod nullum est, nullum producit effectum).”355
Para Orlando Gomes, “Nulidade é a sanção por meio da qual a lei priva de eficácia o contrato
que se celebra contra preceito perfeito – leges perfectae – e, notadamente, os que disciplinam
os pressupostos e requisitos do negócio jurídico.”356
Ao contrário da anulabilidade, “a nulidade é imediata, absoluta, insanável e
perpétua.”357 Ela pode ser total ou parcial. É total a nulidade quando abrange todo o contrato
ou todas as suas cláusulas. A nulidade parcial,358 por seu turno, atinge apenas uma ou algumas
cláusulas do contrato, sem lhe atingir a parte principal.359
Com efeito, à luz dos incisos I, II e IV do art. 166 do Código Civil,360 a
inobservância aos requisitos comuns de validade361 conduz à nulidade do contrato social em
sua inteireza (nulidade total), mas a falta de um requisito específico362 compromete apenas a
validade de uma ou mais de suas cláusulas (nulidade parcial), e não a do contrato social como
um todo. Assim, no primeiro caso, a sociedade não se forma validamente, podendo ser
353
CÓDIGO CIVIL, art. 171: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado
de perigo, lesão ou fraude contra credores.”
354
GOMES, 2007b, p. 290.
355
GAINO, op. cit., 77.
356
GOMES, 2007a, p. 160.
357
Idem, ibidem.
358
A nulidade parcial, na verdade, constitui corolário do princípio da conservação do contrato. Aliás, o
Código Civil, em seu art. 184, preceitua que: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de
um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável.”
359
GAINO, op. cit., p. 79.
360
CÓDIGO CIVIL, art. 166: “É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa
absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; [...] IV - não revestir
a forma prescrita em lei.”
361
Cf. item 4.2.1.1 deste trabalho, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e
forma prescrita ou não defesa em lei, excetuando-se o requisito do consenso, cujo vício conduz à
anulabilidade do contrato social.
362
Cf. item 4.2.1.2 supra.
100
decretada a sua nulidade. Já, no segundo, a sociedade é válida, embora seu contrato social seja
parcialmente inválido.363
Entretanto, é de se destacar que a doutrina tem defendido uma utilização
parcimoniosa do instituto da invalidade ao contrato de sociedade, restringindo-o àquelas
hipóteses em que o vício a macular a constituição seja grave o suficiente a ponto de
inviabilizar o funcionamento da própria sociedade.364 Isso se deve porque a sociedade, ainda
que de forma inválida, atuou no mundo real, contraindo direitos e obrigações, tornando-se
muito difícil, por conseguinte, o retorno das partes ao statu quo ante, tal qual preconiza o art.
182 do Código Civil.365
Perfilando o entendimento esposado, mesmo sob a ótica do Código Civil de
1916, Egberto Lacerda Teixeira preleciona:
O erro, o dolo, a coação, a simulação e a fraude podem insinuar-se,
dissolventemente, na vida das sociedades mercantis. Nem sempre, todavia,
tais vícios conduzirão ao aniquilamento da sociedade, pessoa jurídica
independentemente da pessoa dos sócios. A noção institucional das
sociedades comerciais, a teoria do contrato plurilateral, o respeito à
preservação da empresa, como patrimônio destacado e autônomo,
aconselham prudência e comedimento na aplicação das sanções punitivas.366
E, logo em seguida, conclui:
O conceito de nulidades deve abrandar-se e amoldar-se às peculiaridades da
vida mercantil moderna. A sociedade ainda que nula ou passível de
anulação, atuou na órbita jurídica. Adquiriu direitos, assumiu obrigações. A
restituição das partes ao statu quo ante, recomendada no artigo 158 do
Código Civil [atual artigo 182], nem sempre é possível ou aconselhável. Daí
o esforço da doutrina e da jurisprudência no sentido de propiciar, tanto
quanto possível, a reparação dos vícios que inquinam os contratos
institucionais de sociedades sem chegar-se ao extremo da sua anulação.367
363
COELHO, 2003, p. 386 e 388.
Exemplo disso tem-se em Tullio Ascarelli, que defende a manutenção do contrato de sociedade
quando passível de separação e subsistência em face de uma manifestação de vontade viciada: “É
doutrina dominante a que não admite seja o contrato de sociedade viciado no seu conjunto, só pelo
fato de estar viciada uma das subscrições. O vício de uma das subscrições afeta apenas a subscrição
viciada; não o contrato na sua inteireza, a não ser que acarrete a impossibilidade de alcançar o objeto
social, sendo então de se aplicar a disciplina peculiar a este caso.” (ASCARELLI, Tullio. Problemas
das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001. p. 390).
365
CÓDIGO CIVIL, art. 182: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que
antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”
366
TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo:
Max Limonad, 1956. p. 71.
367
Idem, p. 71-72.
364
101
Na mesma direção, de amenizar o radicalismo da nulidade do direito civil na
órbita societária, é o magistério de Waldirio Bulgarelli:
Sem querer adentrar a fundo na tese de que o Direito Societário afastou-se
do Direito Obrigacional comum no campo das nulidades, para abrandá-lo, de
vez que a prática societária não comporta o mesmo rigor observado no
campo obrigacional in genere, a verdade é que a tendência dominante é a de
minorar o radicalismo da nulidade absoluta, no campo societário, inclinandose para reconhecer os efeitos dos atos ditos nulos ou inexistentes, impedindo
a sua retroatividade e permitindo a sua retificação, a que os espanhóis
chamam de subsanación do vício.368
Não destoa a opinião de Trajano de Miranda Valverde, para quem:
O regime comum das nulidades dos atos jurídicos não se ajusta, sem graves
desvios, aos organismos que, sob a denominação de sociedades, associações,
corporações, fundações, surgem por obra da energia dos homens e atuam,
como sujeitos de direito, na vida social. A afirmação de que o ato jurídico
nulo não existe é um nada – nihil actum est – soçobra no mar agitado da vida
econômica.369
Pois bem, segundo a mais abalizada doutrina, em homenagem ao princípio
da preservação da empresa e da autonomia patrimonial, o sistema de nulidades do direito civil
deve abrandar-se e amoldar-se às peculiaridades da vida empresarial, minorando, assim, o
radicalismo da nulidade no campo do direito societário. Nesse contexto, então, pode-se
afirmar que o contrato de sociedade não tem, de forma alguma, caráter eminentemente
contratual, porque, se tivesse, a ele seria aplicado o regime comum das nulidades, sem
ressalvas. Na verdade, o que se vê é a diluição da importância do contrato na proporção
inversa da relevância da sociedade, porque é ela, sociedade empresária, a titular da empresa.
Por aí, percebe-se o quanto é paradoxal o Código Civil: primeiro adota
como núcleo da sociedade empresária a atividade econômica – estereotipada com os
predicados de organização e profissionalismo370 –, ou seja, a empresa, mas depois insisti na
natureza contratual, consubstanciada, dentre outros aspectos, na imprescindibilidade do
número mínimo de dois sócios.371
368
BULGARELLI, Waldirio. Estudos e pareceres de Direito empresarial: o Direito das empresas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 162.
369
VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p.
94.
370
Cf. itens 2.1 e 2.2 deste trabalho.
371
LEITE JÚNIOR, op. cit., p. 92.
102
4.3 Dos sócios
É de se advertir, novamente, que o participante de uma sociedade
empresária (o sócio) não é empresário, porque é a sociedade empresária a titular da atividade
econômica organizada (empresa), e não os seus sócios. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho,
com precisão, doutrina:
Sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atendese que o adjetivo “empresária” conota ser a própria sociedade (e não os seus
sócios) a titular da atividade econômica. Não se trata, com efeito, de
sociedade empresarial, correspondente à sociedade de empresários, mas da
identificação da pessoa jurídica como o agente econômico organizador da
empresa. Essa sutileza terminológica, na verdade, justifica-se para o direito
societário, em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica, o seu
mais importante fundamento. Empresário, para todos os efeitos de direito, é
a sociedade, e não os seus sócios. É incorreto considerar os integrantes da
sociedade empresária como os titulares da empresa, porque essa qualidade é
da pessoa jurídica, e não dos seus membros.372 (grifos do autor)
A partir dessas considerações, Fábio Ulhoa Coelho qualifica os sócios da
sociedade empresária como “[...] empreendedores ou investidores; no primeiro caso, para a
identificação dos sócios que, além de investirem capital, são responsáveis pela concepção e
condução do negócio e, no último, dos que contribuem apenas com capital para o
desenvolvimento da empresa.”373
Dessa forma, sendo certo que o sócio não é empresário, não está ele, por
evidente, sujeito às normas que definem os direitos e deveres do empresário, mas, sim, sujeito
às regras reservadas pela lei para os que se encontram na condição de sócio.
Passa-se,
por
conseguinte,
a
verificar
os
direitos,
deveres
e
responsabilidades dos sócios.
4.3.1 Direitos dos sócios
Na província dos direitos, destacam-se os seguintes: (i) direito de
participação nos resultados sociais; (ii) direito de fiscalização da administração; (iii) direito de
372
373
COELHO, 2003, p. 5.
Idem, p. 6.
103
preferência; (iv) direito de retirada; e (v) direito de participação nas deliberações sociais.
Nessa ordem, resumidamente, tem-se:
(I)
Direito de participação nos resultados: a divisão dos lucros da
sociedade entre os seus membros é o fator que mais atrai o interesse dos sócios,
correspondendo, no plano jurídico, a direito inerente à titularidade da quota social.374-375-376
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, a participação nos resultados da empresa constitui o principal
motivo para que pessoas se unam em uma sociedade empresária. Os sócios visam, ao
contratar a constituição da limitada, obter retorno maior ou igual ao do capital nela
empregado.377
(II) Direito de fiscalização da administração: o sócio tem o direito de
fiscalizar a gestão dos negócios sociais, seja examinando, a qualquer tempo ou em épocas
determinadas pelo contrato social, os livros, documentos e o estado de caixa da sociedade
(Código Civil, art. 1.021), seja requerendo a prestação de contas dos administradores, na
forma prevista contratualmente ou ao término do exercício social (Código Civil, art. 1.020).378
(III) Direito de preferência: no aumento do capital social mediante a
criação de novas quotas, os sócios titularizam direito de preferência para as subscrever
proporcionalmente às respectivas participações. O prazo para o exercício desse direito é o de
30 dias seguintes à deliberação (Código Civil, art. 1.081, § 1º).379
374
Quota, segundo definição de Egberto Lacerda Teixeira, “[...] é a entrada, ou contingente de bens,
coisas ou valores com o qual um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do
capital social.” (TEIXEIRA, op. cit., p. 85).
375
Rubens Requião, filiado à doutrina de Carvalho de Mendonça, considera a quota como um direito
de duplo aspecto, sendo um patrimonial e outro pessoal: “O direito patrimonial é identificado como
um crédito consistente em percepção de lucros durante a existência da sociedade e em particular na
partilha da massa residual, decorrendo de sua liquidação final. Os direitos pessoais são os que
decorrem do status de sócio.” (REQUIÃO, op. cit., p. 499).
376
A tese acima esposada, de que a quota social representa um direito de duplo aspecto (patrimonial e
pessoal), é bem sintetizada da declaração de voto do Ministro Eduardo Ribeiro: “As cotas sociais,
segundo autorizada doutrina, constituem um direito patrimonial e um direito pessoal. O primeiro,
correspondendo ao direito de participar dos lucros e da divisão do patrimônio social líquido em caso
de dissolução; o segundo, conferindo o status de sócio.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª
Turma. REsp 248.269/RS. Relator: Ministro Eduardo Ribeiro. Brasília, DF, 2 mai. 00, v.u., recurso
provido, DJ de 19.6.00, p. 146).
377
COELHO, 2003, p. 421.
378
COELHO, 2006, p. 143; CASTRO, op. cit., p. 303.
379
COELHO, 2003, p. 439.
104
(IV) Direito de retirada: nos termos do art. 1.029 do Código Civil, o sócio
tem o direito de retirar-se de sociedade contratada por prazo indeterminado, notificando os
demais sócios com antecedência de sessenta dias para que se possa promover a alteração
contratual correspondente. Se contratada por prazo determinado, o sócio poderá retirar-se
antes de vencido o prazo de duração, desde que prove judicialmente justa causa.380
(V)
Direito de participação nas deliberações sociais: o sócio da
sociedade contratual tem o direito de intervir na administração da sociedade, participando da
escolha do administrador, da definição da estratégia geral dos negócios, entre outros. Todavia,
é evidente que a vontade da minoria societária não prevalecerá em confronto com a da
maioria, mas, mesmo assim, é assegurado a todos o direito de participação nas deliberações
sociais.381
4.3.2 Deveres dos sócios
No campo dos deveres,382 por sua vez, são dois os principais: a) dever de
integralizar a quota subscrita do capital social; e b) dever de lealdade.
380
A respeito do direito de retirada, Fábio Ulhoa Coelho assevera: “O sócio pode, em determinadas
condições, retirar-se da sociedade, dissolvendo-a parcialmente. Terá, então, direito de receber, do
patrimônio líquido da sociedade, a parte equivalente à sua cota do capital social. Na maioria das
sociedades contratuais de prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se sem necessidade de motivação.
Deverá notificar os demais sócios, os quais devem, em 60 dias, providenciar a alteração contratual
correspondente (CC, art. 1.029). Nas contratadas com prazo determinado, somente se houver justa
causa comprovada em juízo, poderá o sócio retirar-se antes de vencido o prazo de duração. Em sendo
limitada a sociedade com prazo, o direito de retirada surge também quando houver alteração contratual
incorporação ou fusão da qual divirja o sócio (CC, art. 1.077).” (COELHO, 2006, p. 144).
381
Idem, p. 143.
382
O sócio que não cumpre com os seus deveres, seja perante aos demais sócios, seja com a própria
sociedade, poderá desta ser excluído. A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho assevera: “O sócio da
limitada que não cumpre suas obrigações (perante os demais ou a sociedade) pode ser expulso. Tratase a expulsão – ou exclusão – de uma forma de desfazimento de vínculos societários exclusiva das
sociedades contratuais. A rigor, está-se diante de ato jurídico muito comum, que é a rescisão do
contrato, por culpa de uma das partes. Como qualquer outro contratante, o sócio da limitada que
descumpre as obrigações dá ensejo à rescisão do contrato.” (COELHO, 2003, p. 415). Todavia, a
rescisão do contrato social em relação a um sócio não afeta os demais vínculos plurilaterais dele
decorrentes, valendo, novamente, o magistério de Fábio Ulhoa Coelho: “A pessoa jurídica não se
extingue pelo só desfazimento dos vínculos contratuais que envolviam o expulso. Ao contrário,
prossegue existindo, em razão dos demais vínculos entre os sócios remanescentes [...] Um dos traços
peculiares ao contrato plurilateral é a imunidade das relações de direitos e deveres entre as partes
alheias à rescisão, quando operada esta por culpa de uma delas. A existência da sociedade limitada é
sempre preservada, na ocorrência de expulsão de sócio.” (Idem, p. 416).
105
(I)
Dever de integralizar a quota subscrita do capital social: segundo
magistério de Fábio Ulhoa Coelho, “o sócio tem, perante a sociedade, o dever de integralizar
a quota subscrita, ou seja, de transferir do seu patrimônio para o social dinheiro, bens ou
crédito, nos termos do compromisso assumido junto aos demais sócios.”383 Com efeito, o
sócio que deixa de integralizar, no prazo estipulado, a quota subscrita do capital social é
chamado de remisso. Os demais sócios podem, qualquer que tenha sido o modo de
subscrição, deliberar pela expulsão do remisso, preferindo-a à cobrança judicial do aporte
contratado e indenização (Código Civil, art. 1.004, parágrafo único).384
(II) Dever de lealdade: segundo Fábio Ulhoa Coelho, não obstante a
ausência de regra legal, pode-se sustentar que o sócio tem, perante os demais e a própria
sociedade, um dever de lealdade, traduzido na noção geral de colaboração para o sucesso do
empreendimento comum.385 Daí concluir que “É dever do sócio colaborar com o
desenvolvimento da sociedade, abstendo-se de praticar atos que possam prejudicar a empresa.
Ele deve portar-se, em outras palavras, com lealdade em relação à limitada.”386
4.3.3 Responsabilidade dos sócios
Uma vez integralizado o capital social, é correto afirmar que os sócios não
respondem, com patrimônio próprio, por qualquer outra obrigação da sociedade limitada.387
Entretanto, enquanto não integralizado o capital, cada sócio responde pela totalidade da
integralização, independentemente de ter completado o pagamento de sua parte.388
Essa, aliás, é a regra esculpida no artigo 1.052 do Código Civil: “Na
sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
383
COELHO, 2003, p. 400.
Sobre a matéria, Fábio Ulhoa Coelho pontifica: “O sócio remisso é aquele que não cumpre, no
prazo, a obrigação de integralizar a quota subscrita. A sociedade pode cobra-lhe o devido, em juízo, ou
expulsá-lo. Nesta última hipótese, deve restituir ao remisso as entradas feitas, deduzidas as quantias
correspondentes aos juros de mora, cláusula penal expressamente prevista no contrato social e
despesas.” (Idem, p. 401).
385
Idem, p. 413.
386
Idem, ibidem.
387
Excepcionalmente, quando presentes os requisitos para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica (cf. item 3.4 supra), o sócio poderá responder por obrigações da sociedade
limitada, apesar de o capital já se encontrar integralizado.
388
NEGRÃO, op. cit., p. 277-278.
384
106
Depois de analisar o artigo em comento, Arnaldo Rizzardo descreve, com
precisão, a característica peculiar da sociedade limitada:
Aí está a nota fundamental deste tipo de sociedade: os sócios respondem
pela integralização de suas quotas de capital; uma vez alcançada essa
incumbência, não respondem eles pelas dívidas da sociedade. Mais
precisamente, é limitada a responsabilidade dos sócios ao capital constante
na última alteração contratual, até que se opere a sua integralização.
Justamente a particularidade da limitação da responsabilidade ao montante
do capital subscrito é que tornou a mais comum das sociedades,
representando a maioria das registradas nas Juntas Comerciais.389
Corroborando esse entendimento, Maria Bernadete Miranda preleciona:
Se o sócio subscreve e integraliza as suas quotas, nada mais deverá à
sociedade e nem a terceiros credores, ainda que o total do ativo não seja
suficiente para saldar o passivo circulante ou real. Porém, se subscritas as
quotas, o sócio não as realiza e a sociedade vai à falência, será ele compelido
a saldar as obrigações sociais até o limite do capital total da sociedade a que
pertence, embora subsidiariamente.390
Outro não é o escólio de Arnoldo Wald:
Para a aquisição do status socii391, os sócios têm a obrigação de transferir à
sociedade bens ou direitos do seu patrimônio com valor econômico e,
passam em contrapartida, a ser titulares de quotas sociais. Depois de
integralizado o capital subscrito, não respondem mais os sócios por
quaisquer quantias devidas pela sociedade, salvo nos casos de abuso ou
excesso de poder, fraude ou prática de ato ilícito. Assim, o principal objetivo
da constituição de uma sociedade limitada é a delimitação dos riscos no
desenvolvimento de determinada atividade econômica, uma vez que os
sócios separam parte do seu patrimônio para alocar à sociedade e garantir
suas responsabilidades, e, assim, em princípio, restringem a contribuição que
dão à sociedade.392
Na verdade, conforme já salientado,393 a constituição regular de uma
sociedade limitada, com arquivamento do contrato social no registro competente, cria um
novo sujeito de direito, com vontade, patrimônio e responsabilidades próprias e autônomas
389
RIZZARDO, op. cit., p. 126.
MIRANDA, op. cit., p. 57.
391
“Status é a expressão utilizada para indicar o pressuposto comum de direitos e obrigações de um
sujeito, tendo em vista a sua participação em uma coletividade. O status socii existe em virtude da
‘abriguição’ de uma multiplicidade de direitos e deveres a um sócio.” (WALD; TEIXEIRA, op. cit.,
nota 16, p. 176).
392
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 176.
393
Vide item 3.2 deste trabalho.
390
107
em relação aos seus sócios. A formação da pessoa jurídica enseja a separação de patrimônio
destinado ao desenvolvimento da atividade empresarial, de maneira que apenas os bens da
sociedade respondem pelas obrigações contraídas em seu nome.394 Nesse diapasão, a lição de
Fábio Ulhoa Coelho:
A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial
entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos
distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um,
portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da
irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais.
Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas que se
comprometem, no contrato social (CC/2002, art. 1.052). É esse o limite de
sua responsabilidade.395
É bem de ver, por oportuno, que a limitação da responsabilidade dos sócios
existe para socializar, entre os agentes econômicos, os riscos de insucesso, constituindo-se,
pois, condição jurídica indispensável, na ordem capitalista, à disciplina da atividade de
produção e circulação de bens ou serviços. Neste diapasão, Fábio Ulhoa Coelho doutrina:
A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização,
entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer
empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades
empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada
desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim,
como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e
serviços oferecidos no mercado.396
Como se vê, pelas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, o risco é um
componente indissociável da atividade econômica, isto é, da empresa, razão pela qual
justifica-se a limitação da responsabilidade dos sócios.
Pois bem, se o risco está presente em qualquer empresa e esta pode ser
exercida tanto pelo empresário individual quanto pela sociedade empresária, porque viabilizase a limitação dos riscos apenas aos membros da sociedade empresária?
Ora, se o sócio de uma sociedade empresária pode limitar suas
responsabilidades pelas obrigações sociais, identicamente ao empresário individual deve ser
facultado o mesmo direito, uma vez que, à luz da Carta Política, todos são iguais em direitos e
obrigações, sem distinção de qualquer natureza.
394
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 176.
COELHO, 2003, p. 402.
396
Idem, p. 403.
395
108
4.4 A administração da sociedade limitada
A sociedade limitada, nos termos do artigo 1.060, do Estatuo Civil, “[...] é
administrada397 por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado”,
que podem ser sócios ou não.398 Fábio Ulhoa Coelho, a esse respeito, preleciona:
Os administradores (diretores ou gerentes) da sociedade limitada podem ser
sócios ou não. Podem, por outro lado, ser designados no contrato social ou
em ato apartado. De acordo com essas variáveis, e, numa hipótese, também
em função da integralização do capital social, é diferente o quorum para a
sua escolha ou destituição.399
Desse modo, a sociedade limitada pode ser administrada tanto por um ou
mais sócios como, também, por pessoas estranhas ao quadro social. Por aí se vê que o status
de sócio deriva da presença deste no quadro societário e em nada se relaciona à administração
social.
Passando-se ao campo das responsabilidades, o artigo 1.011, do Código
Civil, cuida do dever de diligência, tal como o fez o artigo 153, da Lei nº 6.404/76, ao impor
ao administrador, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem
probo400 costuma empregar na administração de seus negócios.401
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, além de diligente, o administrador da
sociedade limitada também deve ser leal (Lei nº 6.404/76, art. 155), porque os deveres de
diligência e lealdade “[...] podem ser vistos como preceitos gerais, aplicáveis a qualquer
pessoa incumbida de administrar bens ou interesses alheios.”402 Por conta disso, conclui o
autor, “Quando o administrador da limitada não cumpre seus deveres de atuar como homem
397
Gustavo Saad Diniz conceitua a administração da sociedade limitada como: “O órgão societário,
composto por uma ou mais pessoas naturais, com poderes específicos atribuídos pelo contrato social
para administrar a sociedade no âmbito interno e atuar por ela nas relações jurídicas com outras
pessoas naturais e jurídicas, privadas ou públicas.” (DINIZ, Gustavo Saad. Responsabilidade dos
administradores por dívidas das sociedades limitadas. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 88).
398
O art. 1.061 do Código Civil cria a possibilidade de o contrato social permitir administradores nãosócios, caso em que a designação dependerá de quorum especial (unanimidade, no caso de não
integralização do capital social, e dois terços, no mínimo, após a integralização).
399
COELHO, 2003, p. 441.
400
Segundo LUCCA et al, op. cit., p. 202, “Esse princípio, que surgiu inicialmente no âmbito do
mandato, mencionado no artigo 142 do Código Comercial, decorre da regra romana do vir probus, do
bonus pater familias.”
401
CÓDIGO CIVIL, art. 1.011: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração
de seus próprios negócios.”
402
COELHO, 2003, p. 442.
109
diligente e leal, e, em decorrência, a sociedade sofre danos, ele está obrigado a ressarcilos.”403
Deveras, de acordo com o disposto no art. 1.016, do Código Civil, “Os
administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados,
por culpa no desempenho de suas funções.”
No que se refere à responsabilidade tributária do administrador, esta é
regida pelo artigo 135, do Código Tributário Nacional, que assim estabelece:
Art. 135 São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes
ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[...]
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.
Acerca do dispositivo legal trazido ao destaque, Fábio Ulhoa Coelho
doutrina:
A pronta e indiscutível conclusão que se extrai da leitura desse dispositivo é
a de que nem sempre o administrador pode ser responsabilizado por
obrigação tributária da sociedade limitada. A referência a atos, em suma,
ilícitos e irregulares, no delimitar a imputação de responsabilidade tributária,
afasta a possibilidade de o fisco exigir dele as dívidas da pessoa jurídica,
quando inocorridas ilicitudes ou irregularidades na gestão social. Em termos
gerais, se a sociedade limitada possuía o dinheiro para o pagamento do
tributo, mas o seu administrador o destinou a outras finalidades, este é
responsável perante o fisco; mas, se ela não dispunha do numerário, não é
cabível a responsabilização do administrador. Para facilitar o exame da
matéria, chamo a primeira situação de sonegação, e a segunda, de
inadimplemento. O art. 135, III, do CTN deve ser interpretado no sentido de
imputar ao administrador a responsabilidade pelas obrigações tributárias da
sociedade limitada em caso de sonegação, mas não no de inadimplemento.404
(grifos do autor)
Importante lembrar que a regra do artigo 135, do Código Tributário
Nacional, não decorre da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (cf.
item 3.4 supra), mas, porém, tem o mesmo fundamento.405
403
COELHO, 2003, p. 442.
Idem, p. 444-445.
405
LINS, Daniela Storry. Aspectos polêmicos atuais da desconsideração da personalidade jurídica no
Código de Defesa do Consumidor e na Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 44 e ss.
404
110
5 A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL
A empresa – atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços – pode ser exercida tanto individualmente como
coletivamente. No primeiro caso, a atividade econômica organizada é explorada por uma
única pessoa, o empresário individual; no segundo, o agente econômico organizador da
empresa denomina-se sociedade empresária, cuja constituição resulta da união de duas ou
mais pessoas, chamadas de empreendedores ou investidores.
Inerente ao exercício de empresa, seja pelo empresário individual seja pela
sociedade empresária, está o risco, de tal sorte que a limitação da responsabilidade pelos
riscos da exploração de empresa “[...] é condição jurídica indispensável, na ordem capitalista,
à disciplina da atividade de produção e circulação de bens ou serviços.”406
Todavia, no Brasil, ao contrário do tratamento jurídico dispensado às
sociedades empresárias, onde os investidores ou empreendedores encontram um sistema
capaz de limitar os riscos inerentes ao exercício de empresa, porquanto respondem apenas
pelo valor das quotas que se comprometeram no contrato social, àquele que exerce
individualmente a atividade econômica não é conferido qualquer instrumento que permita a
limitação da responsabilidade ao montante investido na empresa.
Por outro lado, em muitos outros países, a limitação da responsabilidade do
empresário individual tem sido alcançada de duas formas diferentes: por um modelo
personificado e outro não-personificado. A técnica personificada permite a constituição de
uma sociedade empresária formada por uma única pessoa, a denominada “Sociedade
Empresária Unipessoal Limitada”. A técnica não-personificada, por sua vez, permite ao
empresário individual destacar parte de seu patrimônio e afetá-lo ao exercício de empresa,
mediante o denominado “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada” ou, como
querem alguns, “Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada”407.
406
COELHO, 2003, p. 402.
Embora a figura do patrimônio de afetação implique a limitação da responsabilidade de um sujeito
de direito – o empresário individual –, único suscetível de adquirir direitos e contrair obrigações,
muitos países têm denominado tal instituto de uma maneira inadequada. Portugal, por exemplo,
denomina-o de “Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada”, como se o
estabelecimento empresarial, classicamente definido como objeto de direito, (cf. item 2.1 supra)
estivesse dotado de personalidade jurídica, e, portanto, apto a adquirir direitos e contrair obrigações.
Cf. BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 117-120.
407
111
Com efeito, ambos os modelos de limitação da responsabilidade do
empresário individual, tanto o personificado quanto o não-personificado, serão alvos do
presente capítulo.
Além disso, cuidar-se-á, também neste capítulo, acerca da validade das
chamadas sociedades fictícias ou de favor, expediente há muito utilizado nos sistemas
jurídicos que não admitem a limitação de responsabilidade do empresário individual.
Por derradeiro, ver-se-á que a existência válida das sociedades fictícias,
hipótese de negócio jurídico indireto e negócio lícito, não se confunde com as hipóteses de
simulação fraudulenta da sociedade, onde o objetivo não é outro senão o de causar prejuízos a
terceiros.
5.1 Da sociedade empresária unipessoal limitada
O modelo personificado de limitação da responsabilidade do empresário
individual, amplamente difundido, aceito e utilizado principalmente por países europeus, é
aquele que contempla, desde o momento originário de sua constituição, a sociedade
unipessoal limitada. Admite-se, com efeito, a constituição de uma sociedade limitada, com
personalidade jurídica própria, por ato de vontade de uma só pessoa.
Por aí, percebe-se que tal modelo de limitação de responsabilidade só vem a
corroborar aquilo que já foi afirmado:408 a exigência da pluralidade de sócios, como
pressuposto de existência da sociedade, vem caindo por terra, porque não passa de um mero
resquício de épocas passadas, quando a sociedade era eminentemente contratual.409
Em solo brasileiro, sempre foi assente a necessidade de duas ou mais
pessoas para a constituição de qualquer tipo de sociedade. Entendia-se que a forma
associativa apenas se justificava como uma maneira de unificar a pluralidade de sócios a ela
subjacente, sendo a personalidade jurídica destinada única e exclusivamente a essa
finalidade.410
408
Vide item 4.2.2 deste trabalho.
BORBA, op. cit., p. 45.
410
PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Notas sobre as sociedades fictícias, ou de favor.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano XLIII (nova série), São Paulo:
Malheiros Editores, abr./jun., n. 134, 2004. p. 85.
409
112
Dessa forma, sempre se repudiou411 a idéia da sociedade unipessoal, fato
muito bem revelado pela perplexidade demonstrada por Trajano de Miranda Valverde ao
deparar-se com esse fenômeno:
Com absoluta falta de senso, sugeriu-se a possibilidade de se constituir
sociedade anônima com um único subscritor ou acionista. Gente que ouve
cantar o galo, mas não sabe onde. Nenhuma lei consagra, ou poderá
consagrar essa monstruosidade jurídica412: indivíduo-sociedade. Nem mesmo
a lei alemã de 1937, a mais revolucionária de todas, dada a orientação
política da Alemanha ‘nacional-socialista’, ousou admitir essa anomalia [...]
Aqui, porém, sob o calor dos trópicos, tudo se funde, até o bom senso.413
Essa postura da doutrina pátria deve-se, em certa medida, ao fato de que a
sociedade unipessoal jamais foi pensada, no Brasil, como um modelo legal, um instituto
jurídico próprio, mas sempre como uma hipótese inaceitável porquanto contrária a um
corolário necessário e inexorável da sociedade: a pluralidade de sócios.414
É exatamente essa concepção eminentemente contratualista de constituição
societária, fulcrada na pluralidade de sócios, que vem de encontro ao reconhecimento da
411
Esse repúdio à sociedade unipessoal pela doutrina nacional é bem elucidado na lição de José Maria
Trepat Cases: “No direito pátrio encontra-se grande resistência, por parte dos doutrinadores mais
conservadores, à aceitação da sociedade unipessoal. Arraigados ao conceito da societas, lhes é difícil
admitir a existência de uma sociedade originariamente constituída por uma só pessoa (física ou
jurídica). Não podemos culpá-los por tal intransigência, eis que têm companhia de juristas de vários
outros países. Torna-se, entretanto, imperativo que o direito societário atenda aos reclamos atuais das
nações que, em franca modernidade econômica, buscam, cada vez mais, melhor aparelhar e
desenvolver as pessoas jurídicas de direito privado. Tentar vincular os tipos societários, em princípio
mais adotados (sociedades de responsabilidade limitada e sociedades por ações), à societas do Direito
Romano clássico é o mesmo que pretender interromper a queda da areia na ampulheta. Não se pode
desprezar as grandes lições e os ensinamentos a nós legados por estes eminentes estudiosos da
matéria; todavia, sendo o Direito Comercial o ramo do Direito que carrega a força mais dinâmica,
cristalizá-lo em conceitos longevos seria tentar despi-lo das agilidade e praticidade que lhe imprimem
os comportamentos modernistas atuais.” (CASES, José Maria Trepat. Breves comentários sobre a
sociedade unipessoal.Disponível em: <http://www.professorchristiano.com.br/artigo_jose_maria.pdf >
Acesso em: 04 nov. 08).
412
É de se ressaltar que os comentários de Trajano de Miranda Valverde referem-se ao revogado
Decreto-lei nº 2.627, de 26.9.40, que dispunha sobre as sociedades por ações. Isso porque, ao contrário
da “monstruosidade jurídica” vislumbrada por Valverde, o legislador de 1976 introduziu no
ordenamento jurídico brasileiro, nos moldes da wholly owned subsidiary norte-americana, a figura da
sociedade anônima formalmente unipessoal (Lei nº 6.404/76, arts. 251 e seguintes). De acordo com a
exposição justificativa dos autores do Anteprojeto, visou-se dar “[...] juridicidade ao fato diário, a que
se vêem constrangidas as companhias, de usar ‘homens de palha’ para subscrever algumas ações em
cumprimento a ritual vazio da lei.”
413
VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. vol. I, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1959. p. 245, nota de rodapé 16.
414
PRADO FILHO, op. cit., p. 85-86.
113
sociedade unipessoal, sendo necessário, por conta disso, superar415 aquele antigo conceito de
sociedade.
Nesse contexto, a moderna doutrina do contrato-organização, bem como a
formulação da teoria do contrato plurilateral416, colocaram no centro da discussão sobre o
contrato de sociedade, não mais a sua vocação para unificar uma pluralidade de sócios, mas,
sim, o seu caráter instrumental e organizativo.417
A moderna teoria do contrato-organização contrapõe, funcionalmente, à
categoria dos contratos de permuta os associativos: enquanto os primeiros visam criar direitos
subjetivos entre as partes, os contratos associativos criam uma organização.418 Assim,
diferentemente dos contratos de permuta, que esgotam-se no cumprimento das obrigações
avençadas, “[...] o contrato de sociedade tem, no cumprimento dos deveres ao seu abrigo
constituídos, o pressuposto para a irradiação de sua eficácia típica: a organização dos fatores
produtivos para o exercício da empresa.”419
Daí José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho concluir, com muita
precisão, que a idéia de organização desloca-se “[...] de uma posição estrutural no contrato de
sociedade e passa a exercer um papel funcional.”420 E completa:
A celebração de tais contratos justifica-se na necessidade de organizar
esforços e recursos para o exercício da atividade econômica, sendo
irrelevante que a organização emergente do contrato seja constituída, ou
mesmo beneficie, um único sócio ou mais de dois deles. O próprio caráter
415
Acerca da superação da teoria eminentemente contratualista de constituição societária, Eduardo de
Sousa Carmo preleciona: “O contratualismo societário, típico, é tese amplamente superada. O contrato
não explica a sociedade na medida em que o seu vínculo se rompe com a infringência. No direito vivo
brasileiro o repúdio ao contratualismo societário está presente nos muitos casos em que os tribunais negando a dissolução total de sociedade por cotas de responsabilidade limitada - proferem a dissolução
parcial delas e determinam o pagamento dos haveres ao sócio divergente. Preserva-se, assim, a
sociedade que, antes de atender a compromissos com os seus sócios, deve satisfazer as exigências do
bem público e da função social da empresa.” (CARMO, Eduardo de Sousa. Sociedade unipessoal por
cotas de responsabilidade limitada. Revista Forense, Rio de Janeiro, jul.-set., vol. 303, p. 23-27, 1988.
p. 24).
416
Sobre a teoria do contrato plurilateral, aprimorada por Tullio Ascarelli, vide item 4.2 deste trabalho.
417
Segundo Carla Marshal, pela teoria do contrato-organização “[...] cria-se uma organização, apta a
atribuir individualidade e perpetuidade ao patrimônio a este fim destinado, perdendo importância a
pluralidade de sócios, pois tanto a pluralidade como o único indivíduo pode ter interesse na criação de
tal organização, não havendo confusão entre interesse social e interesse do sócio único.”
(MARSHALL, Carla C. A sociedade por quotas e a unipessoalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 33) Na mesma direção, Calixto Salomão Filho afirma que “[...] “tanto uma pluralidade como um
único individuo pode ter interesse na criação de uma tal organização.” (SALOMÃO FILHO, Calixto.
A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 58).
418
COELHO, 2003, p. 381.
419
PRADO FILHO, op. cit., p. 86.
420
Idem, ibidem.
114
aberto reconhecido ao contrato de sociedade, a permitir a entrada e saída de
associados sem o distrato da avença, permite-nos concluir que são de todo
irrelevantes, para a organização criada, tanto a quantidade quanto a
qualidade dos sócios.421
Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro não ter admitido a sociedade
empresária limitada originariamente unipessoal, ao menos reconheceu, ainda que
timidamente, esse caráter organizativo do contrato de sociedade, porquanto veio a admitir a
unipessoalidade originária tanto na constituição da sociedade subsidiária integral422 (Lei nº
6.404/76, art. 251) quanto na da empresa pública unipessoal423 (Decreto-Lei nº 200/67, art.
5º, II), bem como a unipessoalidade incidental temporária (Código Civil, art. 1.033, IV e Lei
nº 6.404/76, art. 206, I, ‘d’).
O Direito comparado, por outro lado, contempla a sociedade unipessoal
limitada, não apenas supervenientemente – quando a sociedade passa a contar com um único
sócio sem que haja, por isso, a necessidade de sua dissolução imediata, como, v.g., os casos
421
PRADO FILHO, op. cit., p. 86. Além disso, José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho afirma que
a personalidade jurídica deve ser compreendida de forma deslocada da pluralidade de sócios: “A
personificação jurídica deferida a alguns tipos de sociedades representa uma simples técnica de
imputação de direitos e deveres, com vistas à obtenção de autonomia patrimonial e limitação de
responsabilidade e deve, portanto, ser compreendida e estudada de maneira descolada da pluralidade
de sócios. Nada impede, nessa ordem de idéias, que a personificação seja concedida sobre substrato
que não represente pluralidade de pessoas, como ocorreria na sociedade unipessoal, desde que
autorizado por lei. É, aliás, justamente esse o caso das fundações, tal como admitidas no direito
nacional vigente, pessoas jurídicas cujo substrato é uma massa de bens.” (PRADO FILHO, op. cit., p.
86)
422
LEI N.º 6.404/76, art. 251: “A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo
como único acionista sociedade brasileira.”
423
Sobre a empresa pública unipessoal, José Cretella Júnior esclarece que: “Unipessoal é a empresa
pública federal, constituída sob forma de sociedade anônima de um só acionista - a União. Dotada de
personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, a
empresa pública federal, assim constituída, é criada por lei para a exploração de atividade econômica
que o Governo seja levado a exercer por contingência ou conveniência administrativa. Temos, assim,
a implantação de uma novidade em nosso direito, a sociedade de apenas um sócio acionista [...] O
objetivo da empresa pública unipessoal federal será a prestação de atividades econômicas, mas nada
impede que tenha por objetivo a exploração de serviços públicos administrativos. Criada por lei, a
empresa pública federal unipessoal explorará, necessariamente, atividade econômica, revestindo
personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União. Pode,
entretanto, a empresa pública unipessoal federal resultar da transformação de outra entidade já
existente, pública (autarquia) ou privada (concessionária ou permissionária), assumindo a União, no
caso, a gestão da empresa. Nesta hipótese, se a entidade anterior explorava ‘atividade privada’, a nova
categoria, empresa pública unipessoal federal, manterá a mesma modalidade de serviço; se a entidade
anterior explorava ‘serviço público’, a nova categoria também, é claro, na qualidade de mera
sucessora, assumirá a gestão dos serviços públicos administrativos, garantindo-lhes a continuidade.”
(CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. vol. 1, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 78).
115
do art. 1.033, IV do Código Civil e art. 206, I, ‘d’ da Lei nº 6.404/76) –, mas desde o
momento originário de sua constituição. É conferir:
Na Alemanha, já em 1980, com a alteração da GmbHG, possibilitou-se a
existência da sociedade limitada unipessoal (Einmann-GmbH).424 No mesmo ano, com a
modificação da lei sobre transformação de sociedades (Umwandlungsgestz), o legislador
alemão permitiu que a empresa individual alterasse a sua forma para sociedade limitada.425
Pela Lei nº 85.697, de 11.7.85, o legislador francês permitiu que uma pessoa
instituísse, por ato unilateral de vontade, uma sociedade de responsabilidade limitada,
denominada “empresa unipessoal de responsabilidade limitada” (entreprise unipersonnelle à
responsabilité limitée, ou EURL).426
Na Itália, com o Decreto Legislativo nº 88, de 3.3.93, possibilitou-se a
instituição de sociedade limitada originariamente unipessoal.427
A Lei espanhola de nº 2, de 23.3.95, em seus artigos 125 e seguintes,
disciplina as sociedades unipessoais de responsabilidade limitada, estabelecendo as formas de
publicidade, de tomada de decisão, forma de contratação com o próprio sócio e da eventual
responsabilidade do sócio no caso de insolvência.428
No direito português, o Decreto-Lei nº 246/86 instituiu o “estabelecimento
individual com responsabilidade limitada”, e, posteriormente, pelo Decreto-Lei nº 257, de
31.12.96, a sociedade unipessoal por quotas (de responsabilidade limitada) foi adicionada ao
Código das Sociedades Comerciais, não se utilizando, todavia, da figura da sociedade por
quotas para dar roupagem jurídica à nova figura.429
Na Bélgica, a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada foi
instituída pela Lei de 14 de julho de 1987, tendo sido complementada por outra Lei de 13 de
abril de 1995. O mesmo ocorreu no Luxemburgo, em virtude da lei de 28 de dezembro de
1992, e na Holanda, em decorrência da Lei nº 275/86.430
Dessa forma, a sociedade unipessoal limitada encontra-se largamente aceita
no Direito comparado, cuja finalidade não é outra senão a de incentivar micros, pequenos e
424
A redação do § 1º da GmbHG permite que as sociedades limitadas sejam constituídas por uma ou
várias pessoas.
425
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 175.
426
Idem, ibidem; MARTINS, op. cit., p. 163.
427
WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 175.
428
Idem, ibidem.
429
Idem, ibidem.
430
Idem, ibidem.
116
médios empreendedores,431 e, por conta disso, a inovação útil e oportuna também deveria ter
sido objeto de disciplina legislativa no Brasil.
No entanto, como bem disse Vera Helena de Mello Franco, o Código Civil
deixou “[...] passar em branco a possibilidade de introdução da sociedade limitada unipessoal
em descompasso flagrante com as leis modernas, sem explicar o porquê da postura
rançosa.”432
Ressalte-se que o silêncio do legislador pátrio para as sociedades
unipessoais limitadas e, pois, para a questão da limitação da responsabilidade do empresário
individual, não se coaduna com o pensamento da maioria da doutrina nacional433 a respeito do
tema. Veja-se, por exemplo, o entendimento de Newton de Lucca et al:
A possibilidade de limitação do risco, por parte de quem pretende lançar-se
isoladamente ao exercício da atividade empresarial, é poderoso fator de
estímulo ao surgimento de novas empresas. Se elas, como se viu no início
destas linhas, desempenham papel de extremo relevo na sociedade
contemporânea, não parece nada razoável a ausência de uma disciplina para
a empresa individual de responsabilidade limitada, no nosso NCC [...] Todos
sabem da absoluta necessidade, desde os primórdios do direito marítimo, da
necessidade da limitação da responsabilidade patrimonial para o
desenvolvimento das atividades mercantis. Nada mais natural e justo, afinal
de contas, por parte de quem se aventura na vida empresarial, que queira
431
“Nos considerandos da 12ª Diretiva da União Européia, que trata das sociedades de
responsabilidade limitada com um único sócio, há remissão específica à finalidade de beneficiar as
pequenas e médias empresas.” (WALD; TEIXEIRA, op. cit., p. 175).
432
FRANCO, Vera Helena de Mello. O triste fim das sociedades limitadas no novo Código Civil.
Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n. 123, p. 84, jul.-set., 2001.
433
É o caso de Arnaldo Wald, para quem: “Uma questão não enfrentada pelo legislador do novo
Código Civil é a possibilidade da limitação da responsabilidade do empresário individual, mediante a
utilização da figura das sociedades limitadas. Conforme o sistema jurídico brasileiro, o critério para a
verificação da pluripessoalidade não é a efetiva colaboração entre dois ou mais sujeitos, mas a
participação no capital social independente de percentual mínimo. Em vista disto, há situações nas
quais um sócio é titular de 99% das quotas, participando o outro com apenas 1% do capital. Para se
beneficiar da limitação da responsabilidade, e por não ser aceita a unipessoalidade, os empresários
utilizam-se da sociedade pluripessoal para revestir um empreendimento claramente desenvolvido por
uma única pessoa. A necessidade de se encontrar um parceiro fictício serve apenas como maneira de
cumprir as formalidades legais para atingir o fim pretendido, qual seja, a limitação da
responsabilidade. A permissão legal de constituição da sociedade unipessoal evitaria a verdadeira
hipocrisia que existe nestas empresas. A adoção de regras específicas para o caso, com vistas à
proteção dos credores e à previsão de formalidades que garantam a separação do patrimônio
empresarial dos bens individuais do sócio, importariam no reconhecimento de uma realidade préexistente. A unipessoalidade com responsabilidade limitada é relevante para a organização de
pequenos e médios empresários, pois implica na possível separação de parte do patrimônio para o
desenvolvimento da atividade empresarial, afastando a simulação de sociedade, quando na verdade há
apenas um interessado, sendo o outro sócio apenas um ‘homem-palha’ para cumprir com o requisito
da pluripessoalidade e obter o benefício da responsabilidade limitada.” (WALD; TEIXEIRA, op. cit.,
p. 175).
117
fazê-lo pondo em risco apenas uma parcela predeterminada de seu
patrimônio.434
Na mesma direção, absolutamente precisa a observação já traçada por
Sylvio Marcondes, no sentido de ser
[...] corrente que o princípio da responsabilidade patrimonial ilimitada,
especialmente no caso das pessoas físicas, não se coaduna com os caracteres
da atividade econômica moderna. A extensão e o complicado entrelaçamento
dos negócios, a enorme dificuldade de previsão nas operações comerciais e
industriais, os riscos e perigos que as circundam na interdependência,
freqüentemente mundial, dos fatos econômicos, impõem a limitação dos
riscos patrimoniais, e com um impulso irresistível, que se desafoga
inevitavelmente no ludíbrio à lei, quando não encontra nesta a fórmula
correspondente [...] A limitação da responsabilidade é uma aspiração
incoercível, que o comerciante singular, contra a lógica do princípio vigente,
concretiza pelo meio escuso de formas sociais fictícias. A empresa
individual com responsabilidade limitada pretende enfrentar essa realidade,
conferindo-lhe uma solução legal e, por isso mesmo, sincera. E o empenho
em criar o instituto encontra inspiração e claridade na lição de Ihering: ‘A
vida não deve dobrar-se aos princípios; os princípios é que hão de modelarse pela vida. Não é, de modo algum, a lógica; é a vida, são as relações, o
sentimento jurídico, que determinam o que deve ser.’435
Sobre essa necessária limitação do risco no exercício da atividade
econômica, é de se conferir, ainda, as seguintes considerações do inolvidável Sylvio
Marcondes:
Não obstante, setores há, de atividade, no campo da economia, em que a
aplicação do princípio deve sofrer atenuações, sob pena de entrave ao
progresso dos empreendimentos humanos. Os vultosos recursos necessários
ao desenvolvimento de certas iniciativas; o risco de prejuízos peculiar a
determinados negócios; a falta de habilitação técnica de pessoas providas de
capitais; a longa duração de algumas empresas; a timidez da pequena
economia; a alta especialização de vários ramos profissionais – eis algumas,
das múltiplas razões, subjetivas ou objetivas, que determinam a conciliação
daquele preceito geral, com interesses especiais da coletividade. É nas
necessidades do tráfico que operam esses motivos e, por isso, ao Direito
Mercantil e às leis do comércio compete regular-lhes os efeitos,
harmonizando conveniências e engendrando as formas próprias.436
Dessa forma, ao preferir o silêncio, senão o descaso, o legislador pátrio, no
Código Civil, perdeu a oportunidade de admitir e disciplinar as sociedades limitadas
434
LUCCA et al, op. cit., p. 11.
MARCONDES, op. cit., p. 16.
436
Idem, p. 19-20.
435
118
originariamente unipessoais, amplamente aceitas no Direito comparado, ou, como prefere
Newton de Lucca et al, perdeu “[...] a oportunidade de revelar-se um diploma realmente
avançado para a sua época.”437
De toda sorte, a inércia do legislador nacional convida o empreendedor
individual a constituir aquelas sociedades puramente fictícias, onde figurantes de
complacência comparecem apenas para satisfazer a idolatria das formas preconizada pela lei:
compor a pluralidade de sócios.
5.2 Do empresário individual de responsabilidade limitada
O modelo não-personificado de limitação da responsabilidade do
empresário individual, menos difundido, mas amplamente aceito, é aquele que permite ao
empresário individual destacar parte de seu patrimônio geral e afetá-lo ao exercício de
empresa, criando-se um patrimônio especial, não personificado. Quando à responsabilidade
patrimonial, o patrimônio geral, particular do empresário individual, não responde pelas
obrigações do patrimônio especial, afetado à empresa, bem como este não responde pelas
obrigações daquele.438
Dessa forma, a separação patrimonial reflete no fato de que somente os bens
destinados à atividade econômica, que formam o patrimônio especial afetado à empresa,
respondem pelas obrigações contraídas nesse âmbito, ou seja, o patrimônio particular do
empresário não é afetado por dívidas da empresa e os credores desta não concorrem com os
credores particulares.439
É de se ressaltar que, enquanto o modelo personificado de limitação da
responsabilidade do empresário individual, materializado na sociedade unipessoal limitada,
implica na superação da teoria eminentemente contratualista de constituição societária, o
modelo não-personificado consiste, igualmente, na superação daquela teoria clássica que
437
LUCCA et al, op. cit., p. 11.
Credita-se ao jurista Oskar Pisko o mérito de ter desenvolvido, pela primeira vez, o embasamento
jurídico para a limitação da responsabilidade para a atividade do empresário individual, com a noção
de patrimônio separado, autônomo, patrimoines d'affectation ou Zweckvermögen – na tradução literal
do alemão, patrimônio em virtude de um fim –, indicando o conceito de patrimônio autônomo
destinado a um objetivo: a atividade comercial com responsabilidade limitada. Essa foi a solução
adotada no Principado de Liechtenstein. Cf. COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Empresas unipessoais.
Revista de Direito Mercantil, ano XXII, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 33-44, jul.-set., n. 51,
1983.
439
SALOMÃO FILHO, 1995, p. 27.
438
119
compreende o patrimônio440 como “[...] emanação da personalidade e, por isso mesmo,
inseparável da pessoa, encarado como único e indivisível.”441
Cediço que o patrimônio tem um vínculo natural com a pessoa, seja ela
natural ou jurídica, pois supõe um sujeito a que se liga. Uma coisa, entretanto, é reconhecer a
ligação entre personalidade e patrimônio; outra, confundir as noções, reduzindo o último à
aptidão de ter direitos e obrigações,442 como muito bem elucidado por Orlando Gomes:
A noção de patrimônio foi ligada, primeiramente, à de personalidade.
Segundo a teoria clássica, o patrimônio é a ‘expressão do poder jurídico em
que toda pessoa está investida como tal’. As conseqüências da vinculação do
patrimônio à personalidade consubstanciam-se no elemento de coesão, que
explica o princípio de identidade e continuidade do patrimônio, pelo qual a
substituição dos bens e seu aumento ou diminuição não ferem a substância
conceitual de unidade abstrata, que se conserva a mesma durante toda a vida
da pessoa. Nessa conceituação, o patrimônio obedece a quatro princípios
fundamentais: 1º - só as pessoas, naturais ou jurídicas, podem ter patrimônio;
2º - toda pessoa tem necessariamente um patrimônio; 3º - cada pessoa só
pode ter um patrimônio; 4º - o patrimônio é inseparável da pessoa. A tese da
unidade do patrimônio confunde duas noções distintas: a de patrimônio e a
de personalidade. O patrimônio seria a aptidão para ter direitos e contrair
obrigações, tornando-se, assim, um conceito inútil.443 (grifos do autor)
De fato, no ordenamento jurídico brasileiro, a teoria do patrimônio subsiste
personalista, porquanto somente pessoas, naturais ou jurídicas, podem ser titulares de
patrimônio. Pode-se dizer também que todas as pessoas têm, pelo menos, um patrimônio,
onde deverão ingressar todas as posições jurídicas, ativas e passivas, simples e complexas, de
que o sujeito seja ou venha a ser titular. Mais que isso, porém, não se pode afirmar, uma vez
440
Segundo José Maria Trepat Cases, “A teoria clássica de patrimônio é do século XIX, erigida em
torno da obra de Aubry e Rau, desacreditada por alguns doutrinadores, em função de seu rigorismo
lógico e artificial. O ponto assinalado por seus criadores, que culmina na síntese da teoria, é o que leva
em conta o patrimônio como emanação da personalidade e expressão de potestade jurídica de que está
investida uma pessoa como tal. Estigmatizada pelos contrários com excessiva rigidez, a ponto de
considerarem uma aberratio, confunde patrimônio, que é um conjunto de bens, com personalidade,
que é a aptidão de possuir. Para Aubry e Rau o patrimônio e a personalidade estão unidos por vínculo,
sendo o primeiro um atributo da personalidade, cingido pelas características a seguir expostas.”
(CASES, José Maria Trepat. Patrimônio: novo conceito da teoria irrestritiva ou imaterial. Disponível
em: <http://www.professorchristiano.com.br/artigo_jose_maria01.pdf>. Acesso em: 04 nov. 08).
441
BRUSCATO, op. cit., p. 165.
442
Nesse sentido, a lição de Caio Mário da Silva Pereira: “Há, sem dúvida, uma relação necessária
entre a existência do indivíduo em sociedade e o seu patrimônio, sem, contudo, autorizar aquela
construção abstrata que encontrou em Aubry e Rau a sua expressão mais apurada, e que criou o
artificialismo da concepção do patrimônio como a personalidade mesma do homem, considerada em
suas relações com os objetos exteriores. Neste sentido, deixaria de ser um conjunto de valores
econômicos e se configuraria como o poder jurídico do homem, abstração incompatível com a sua
realidade concreta.” (PEREIRA, op. cit., p. 83).
443
GOMES, 2007b, p. 127.
120
que, na concepção moderna do patrimônio, os princípios de unidade e indivisibilidade não
sobrevivem,444 valendo, a esse respeito, a insuperável lição de Orlando Gomes:
[...] levanta-se a doutrina moderna, que justifica a coesão dos elementos
integrantes de uma universalidade de direito pela sua destinação comum. O
vínculo é objetivo. Patrimônio será, desse modo, o conjunto de bens coesos
pela afetação a fim econômico determinado. Quebra-se o princípio da
unidade e indivisibilidade do patrimônio, admitindo-se um patrimônio geral
e patrimônios especiais. No patrimônio geral, os elementos unem-se pela
relação subjetiva comum com a pessoa. No patrimônio especial, a unidade
resulta objetivamente da unidade do fim para o qual a pessoa destacou, do
seu patrimônio geral, uma parte dos bens que o compõem, como o dote e o
espólio. A idéia de afetação explica a possibilidade da existência de
patrimônios especiais. Consiste numa restrição pela qual determinados bens
se dispõem, para servir a fim desejado, limitando-se, por este modo, a ação
dos credores.445 (grifos do autor)
Na mesma direção, absolutamente precisa a observação já traçada por
Clóvis Beviláqua, segundo a qual a regra geral de que a cada pessoa corresponde um único
patrimônio não significa impossibilidade de criação de patrimônios distintos para um mesmo
sujeito de direito, assim denominados patrimônio especiais, porquanto “[...] o direito permite
a divisão delle, para satisfazer a necessidades de ordem prática.”446
O ordenamento jurídico brasileiro, aliás, é fértil em exemplos.447 Veja-se o
caso da herança: verificado o óbito, a massa hereditária transmite-se, desde logo, aos
444
Orlando Gomes, nesse sentido, é taxativo: “Na concepção moderna do patrimônio, os princípios de
unidade e indivisibilidade não sobrevivem.” (GOMES, 2007b, p. 127).
445
Idem, ibidem. Na mesma direção, José Maria Trepat Cases pontifica: “Toda pessoa tem um único
patrimônio geral, mas, em decorrência de determinadas situações, seja por vontade de seu titular, seja
por força de lei, poderão ser separados elementos ativos do patrimônio geral para formar um
patrimônio distinto, com o objetivo de atender a um fim determinado. São os chamados patrimônios
separados, patrimônios especiais, patrimônios de destinação ou patrimônios autônomos. São
exemplos de patrimônios distintos do patrimônio geral, dentre outros: a herança indivisa, massas
concursais – da falência, da insolvência civil e da liquidação extrajudicial - o dote, o fideicomisso, o
bem de família. Quanto à responsabilidade patrimonial, o patrimônio geral não responde pelas dívidas
do patrimônio separado ou autônomo e, o patrimônio separado ou autônomo, não o faz pelas dívidas
do patrimônio geral.” (CASES, op. cit.).
446
BEVILÁQUA, op. cit., p. 290-291.
447
Alguns desses exemplos são citados por José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho: “Além da
aceitação da herança, que em nosso ordenamento só pode ser a benefício de inventário (arts. 1.792 e
1.821 do Código Civil), veja-se os casos da comunhão matrimonial de bens (arts. 1.667 e ss.), do
patrimônio do ausente (arts. 22 e ss.), da herança jacente (arts. 1.819 e ss.) e da aceitação da herança
pelos credores do renunciante (art. 1.813). Há, ainda, duas grandes inovações trazidas pela
promulgação da Lei 10.406/2002. A primeira delas encontra-se no art. 974 e seu § 2º, que põem a
salvo do exercício da empresa os bens anteriores detidos pelo incapaz e que sejam estranhos ao acervo
da atividade; a segunda foi objeto do art. 978, que dispensa a outorga conjugal, qualquer que seja o
regime de bens, para alienação ou oneração de imóveis afetados ao exercício de atividade econômica.”
(PRADO FILHO, op. cit., p. 92).
121
herdeiros (Código Civil, art. 1.784), mas pelas dívidas do de cujus responderá apenas o monte
da herança (Código Civil, arts. 1792 e 1.821). Anote-se, também, a faculdade de que gozam
os credores de exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o do herdeiro, assegurandolhes preferência, em concurso com os credores deste (Código Civil, arts. 2.000).
Daí, então, Sylvio Marcondes entender que a coexistência no direito
nacional da herança e do patrimônio sob a titularidade de uma mesma pessoa, é suficiente
para que seja admitida a existência de patrimônio diversos na titularidade de um mesmo
sujeito direito.448
Dessa forma, pode-se afirmar que é perfeitamente possível a criação de
patrimônios distintos para um mesmo sujeito de direito, em razão de uma finalidade especial
previamente estabelecida, desde que tal providência seja obtida pela lei, ou na forma que esta
disciplinar.
Assim, vislumbrada a possibilidade de criação de patrimônios distintos para
um mesmo sujeito de direito, permite-se ao empresário individual destacar uma parte dos bens
que compõem o seu patrimônio geral para formar um patrimônio especial, não personificado,
afetado ao exercício de empresa. Essa segregação patrimonial traz consigo a limitação da
responsabilidade do empresário individual: os bens que compõem o seu patrimônio geral não
respondem pelas obrigações contraídas no exercício de empresa; são os bens destinados à
atividade econômica, que compõem o patrimônio especial afetado à empresa, que respondem
pelas obrigações contraídas nesse âmbito.
5.3 Em defesa da validade das sociedades fictícias ou de favor
Recapitulando, o ordenamento jurídico brasileiro não confere ao empresário
individual qualquer instrumento que permita a limitação de responsabilidade pelos riscos da
exploração de empresa. Sem um instrumento apto a limitar tais riscos, existentes em qualquer
empresa, o expediente utilizado pela pessoa natural do empresário individual, para lograr o
mesmo fim, tem sido a constituição de sociedades fictícias ou de favor, onde figurantes de
complacência comparecem para compor a pluralidade de sócios.
A questão que resta por analisar é a validade desse expediente, e dizem
respeito a duas ordens de idéias: (i) a eventual existência de simulação dos atos constitutivos
448
MARCONDES, Sylvio. Problemas de Direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970. p. 91.
122
das sociedades de favor; e (ii) a verificação, nesse caso, de fraude à lei. Antes dessa análise,
para melhor compreensão, exige-se uma breve incursão pela doutrina civilista da simulação e
da fraude à lei.
5.3.1 Da simulação e da fraude à lei no Direito Civil
A simulação, segundo Itamar Gaino, “[...] é o fenômeno da aparência
contratual criada intencionalmente. Tem-se simulação, precisamente, quando as partes
estipulam um contrato com a consciência de que ele não corresponde à realidade da relação
verdadeiramente querida.”449
No magistério de Orlando Gomes, “A simulação existe quando em um
contrato se verifica, para enganar a terceiro, intencional divergência entre a vontade real e a
vontade declarada pelas partes.”450 Na mesma direção,451 Luiz da Cunha Gonçalves diz que
“[...] na simulação verifica-se um propositado desencontro entre a vontade real e a vontade
declarada, tendo esta por fim a realização daquela, mas sem o conhecimento de terceiros ou
das autoridades e oficiais públicos, que intervêm no ato ostensivo.”452
Das lições de Francesco Ferrara, grande estudioso do tema, colhe-se a
seguinte definição:
Negócio simulado é o que tem uma aparência contrária à realidade, ou
porque não existe em absoluto ou porque é diferente da sua aparência. Entre
a forma extrínseca e a essência íntima há um contraste flagrante: o negócio
que, aparentemente, é sério e eficaz, é, em si, mentiroso e fictício, ou
constitui uma máscara para ocultar um negócio diferente. Esse negócio, pois,
é destinado a provocar uma ilusão no público, que é levado a acreditar na sua
existência ou na sua natureza, tal como aparece declarada, quando, na
verdade, ou não se realizou um negócio ou se realizou outro diferente do
expresso no contrato.453
449
GAINO, op. cit., p. 31.
GOMES, 2007b, p. 263.
451
Para Washington de Barros Monteiro, igualmente na mesma direção, a simulação “[...] se
caracteriza pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar,
aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o
ato realmente querido.” (MONTEIRO, op. cit., p. 254).
452
GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil
Português. 2. ed. atual e aum. e 1. ed. brasileira. v. 5, t. 2., São Paulo: Max Limonad, 1956. p. 851.
453
FERRARA, Francesco. A simulação dos negócios jurídicos. Tradução de A. Bossa. São Paulo:
Saraiva, 1939. p. 51.
450
123
Enzo Roppo, por sua vez, esclarece que:
Através da simulação, os contraentes declaram querer um certo regulamento
contratual, quando, na realidade, estão de acordo em não querer nenhum ou
em querer um diverso do declarado. Para tal fim, é necessário que, ao lado
da declaração, à qual corresponde o contrato simulado e, portanto,
simplesmente falso, as partes emitam um contradeclaração, que enuncie a
sua vontade real. Cria-se, assim, uma situação aparente, destinada, na
intenção das partes, a enganar os terceiros (o contrato simulado), por detrás
de cuja aparência está a situação real, que corresponde aos efeitos e ao
programa efetivamente querido pelas partes.454
A simulação, portanto, é um vício que produz efeitos para o exterior, na
medida em que os contraentes sabem exatamente o que declararam e o que na verdade
querem,455 não havendo nada há macular o consentimento das partes. Daí a doutrina
classificar a simulação, não como um vício do consentimento, mas como um vício social.456
Distinguem-se, como espécies de simulação, a absoluta e a relativa. A
simulação é absoluta,457 consoante lição de Itamar Gaino, “[...] quando o negócio nada tem de
real, ou seja, é uma pura aparência ou ficção, não ocultando qualquer negócio que, de fato,
tenha sido querido pelas partes.”458 A simulação é relativa, por sua vez, “[...] quando sob a
aparência de um negócio (falso), oculta-se outro (verdadeiro),”459 isto é:
Dá-se a simulação relativa quando se realiza aparentemente um negócio
jurídico, querendo e levando-se a efeito outro diferente. Os contratantes
concluem um negócio que é verdadeiro, mas o ocultam sob uma forma
jurídica diversa. A aparência serve apenas para iludir o público. Detrás dela
esconde-se a verdade, a que se chama negócio dissimulado.460 (grifos do
autor)
454
ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra:
Almedina, 1988. p. 162.
455
Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira assevera: “Não há na simulação um vício do
consentimento porque o querer do agente tem em mira, efetivamente, o resultado que a declaração
procura realizar ou conseguir. Mas há um vício grave no ato, positivado na desconformidade entre a
declaração de vontade e a ordem legal, em relação ao resultado daquela ou em razão da técnica de sua
realização. Consiste a simulação em celebrar-se um ato, que tem aparência normal, mas que, na
verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir. Como em todo negócio jurídico, há aqui
uma declaração de vontade, mas enganosa.” (PEREIRA, op. cit., p. 127).
456
A esse respeito vide item 4.2.1.1 supra.
457
Francesco Ferrara diz que “[...] é negócio absolutamente simulado aquele que, existindo em
aparência, carece de conteúdo real e sério. As partes não querem o ato, mas somente a ‘ilusão externa’
produzida pelo mesmo. O negócio limita-se a uma forma vazia destinada a enganar o público.”
(FERRARA, op. cit., p. 198).
458
GAINO, op. cit., p. 59.
459
Idem, p. 62.
460
Idem, ibidem.
124
Consoante o disposto no caput do art. 167 do Código Civil, somente é nulo
o negócio jurídico em sendo absoluta461 a simulação. Se for relativa,462 subsiste o negócio
que se dissimulou, salvo se este padecer de outro defeito, na forma ou na própria substância.
É bem de ver, aliás, que o Código Civil, em seu art. 167, § 1º, prevê três
hipóteses de simulação: (i) por interposição de pessoas; (ii) por ocultação da verdade na
declaração; e (iii) por falsidade da data.463
A primeira hipótese legal de simulação (Código Civil, art. 167, § 1º, I) é a
que se dá por interpostas pessoas (simulação ad personam ou simulação relativa subjetiva).
Nessa espécie, “[...] o negócio celebrado é real, mas a parte nele figurante em verdade parte
não é: é chamado ‘testa-de-ferro’, ‘homem-de-palha’ ou ‘presta-nome’. Parte verdadeira é a
que resta oculta e que se costuma chamar ‘pessoa real’.”464 Como explica José Beleza dos
Santos:
Dizem-se interpostas pessoas as que figuram nos negócios jurídicos como
simples intermediários entre aqueles a quem esses atos interessam
diretamente e sem terem qualquer interesse próprio nos atos que realizam. O
seu fim é apenas permitir que se efetuem indiretamente, por seu intermédio,
os negócios jurídicos que não se querem ou não se podem realizar.465
A interposição de pessoas, nas palavras de Itamar Gaino,
[...] consiste em fazer aparecer um sujeito diverso daquele que é verdadeiro.
O sujeito que, aparentemente, assume a obrigação, adquire o direito, ou
sucede no benefício, é um sujeito decorativo, destinado a substituir, no
secreto acordo simulatório, o sujeito efetivo, que de todos é ignorado, sendo
conhecido apenas pelas partes contratantes.466
461
A simulação é absoluta, para Washington de Barros Monteiro, “[...] quando a declaração de
vontade exprime aparentemente um negócio jurídico, não sendo intenção das partes efetuar negócio
algum (colorem habens, substantiam vero nullam). Caracteriza-se essa modalidade de simulação pela
completa ausência de qualquer realidade (umbra sine effectu). O ato é inexistente, ilusório, fictício.
Espelha uma simples aparência, uma sombra vã, um corpo sem alma, na feliz expressão de Baldo.”
(MONTEIRO, op. cit., p. 256).
462
É relativa a simulação, ainda na lição de Washington de Barros Monteiro, “[...] quando
efetivamente há a intenção de realizar algum negócio jurídico, mas este: (a) é de natureza diversa
daquele que, de fato, se pretende ultimar (colorem habens, substantiam vero alteram); (b) não é
efetuado entre as próprias partes, aparecendo então o testa-de-ferro, o prestanome, ou a figura de
palha; ou (c) não contém elementos verdadeiros, ou melhor, seus dados são inexatos.” (MONTEIRO,
op. cit., p. 257).
463
CÓDIGO CIVIL, art. 167, § 1º: “Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem
conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os
instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.”
464
GAINO, op. cit., p. 67.
465
SANTOS, José Beleza dos. A simulação em Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Lejus, 1999. p. 221.
466
GAINO, op. cit., p. 67.
125
Assim, a pessoa interposta é “[...] apenas um traço de união, uma ponte de
passagem, não tendo interesse patrimonial algum nos atos em que colabora, os quais apenas
interessam àqueles a quem o interposto serve de intermediário.”467
Todavia, deve-se distinguir a interposição que é lícita (interpostas pessoas
reais) daquela que é, ao contrário, considerada ilícita (interpostas pessoas simuladas).468 A
par dessa concepção, José Beleza dos Santos arrola os seguintes elementos como necessários
à configuração da simulação por interposta pessoa: a) que haja duas ou mais pessoas a quem
interesse a realização de um negócio jurídico; b) que todos ou alguns dos interessados não o
queiram ou não o possam diretamente realizar; c) que exista um intermediário por meio de
quem o ato se pratique e com quem os diretamente interessados estabeleçam relações
jurídicas; d) que esse intermediário não tenha interesse próprio na realização do negócio,
atuando apenas como um testa-de-ferro ou ponte de passagem.469
Por seu turno, a segunda hipótese legal de simulação (Código Civil, art. 167,
§ 1º, II) é a que se obtém por falseamento do objeto negocial, nele se fazendo inserir
declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira. Nessa espécie, segundo
Humberto Theodoro Júnior, “Forja-se um negócio que nunca se quis realmente praticar;
ajusta-se a aparência de um negócio quando nada de verdadeiro se pretendeu contratar
(simulação absoluta); ou declara-se um tipo de negócio, quando o verdadeiro é outro
(simulação relativa).”470
Vislumbra-se a terceira hipótese legal de simulação (Código Civil, art. 167,
§ 1º, III) quando os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados. Trata-se de
simulação relativa, “[...] porque debaixo do negócio aparente existe um verdadeiro que,
entretanto, se consumou em momento diverso do mencionado pelas partes. A manobra
467
SANTOS, op. cit., p. 222.
Acerca da distinção entre interposta pessoa simulada e interposta pessoa real, Itamar Gaino
destaca que: “Na primeira, a pessoa interposta não é destinatária dos efeitos do contrato e só
aparentemente figura como parte. Na interposição real, diversamente, a pessoa interposta adquire o
direito decorrente do contrato, mas é obrigada a retransmiti-lo a uma terceira pessoa. Na interposição
de pessoa real, o negócio é válido, produzindo efeitos em relação a ela.” (GAINO, op. cit., p. 69). Daí
Humberto Theodoro Júnior concluir que para ter-se a simulação por interposta pessoa “[...] é
necessário que o negócio aparente seja realmente falso. Não haverá, portanto, negócio simulado
quando o intermediário se apresentar ostensivamente como intermediário, na qualidade de mandatário,
representante ou gestor, ou quando, por exemplo, figurar como adquirente de um bem com a obrigação
de retransmiti-lo, em seguida, a outra pessoa. Em tal conjuntura não se entrevê negócio simulado
porque a declaração corresponde à vontade real dos participantes.” (THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Comentários ao novo Código Civil. vol. III, t. I, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.
254).
469
SANTOS, op. cit., p. 222.
470
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 255.
468
126
astuciosa geralmente se faz para fugir de concurso de credores ou para fraudar direitos de
terceiros.”471
Vista de um outro ângulo, isto é, em razão da boa-fé ou da má-fé do agente,
ou dos agentes, a simulação pode ser inocente ou maliciosa.472 Na primeira, “[...] faz-se uma
declaração que não traz prejuízo a quem quer que seja, e, por isto mesmo, é chamada inocente
e tolerada pelo direito.”473 Na segunda, por sua vez, “[...] há intenção de prejudicar a terceiros
ou de violar disposição de lei, e, como expressão da malícia ou da má-fé do agente, inquina o
ato negocial.”474
Assim sendo, “A simulação inocente, porque o é e enquanto o for, não leva
à nulidade do negócio. A maliciosa475 pode ter como conseqüência a nulidade do negócio.”476
É de se ressaltar, por oportuno, que o negócio simulado não deve ser
confundido com o negócio indireto. Este “[...] se caracteriza pelo propósito de se alcançar um
efeito jurídico por um meio, a rigor, não apropriado. É o uso de uma via oblíqua em lugar da
via normal ou o uso de um negócio típico fora de seu fim específico.”477
A diferença essencial entre negócio simulado e negócio indireto, segundo
Itamar Gaino, está em que: “[...] no negócio indireto aquilo que aparenta ser é o realmente
querido pela parte; na simulação, aquilo que aparenta não é o desejado, podendo haver, isto
sim, de modo oculto, o negócio real programado pelas partes.”478
Tullio Ascarelli, com excepcional clareza, ressalta que, no negócio indireto
“[...] as partes querem, efetivamente, o negócio que realizam; querem, efetivamente,
submeter-se à disciplina jurídica dele; querem também os efeitos típicos do negócio adotado,
471
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 255.
A esse respeito, Orlando Gomes pontifica: “A simulação pode ser inocente ou maliciosa, conforme
o fim a que se destina. Quando visa a prejudicar credores ou violar preceito legal diz-se fraudulenta. A
simulação inocente não é defeito do contrato.” (GOMES, 2007b, p. 263).
473
PEREIRA, op. cit., p. 127.
474
Idem, ibidem.
475
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, na simulação maliciosa, como “[...] as pessoas que
participam do negócio estão movidas pelo propósito de violar a lei ou prejudicar alguém, não podem
argüir o vício, ou alegá-lo em litígio de uma contra a outra, pois o direito não tolera que alguém seja
ouvido quando alega a própria má-fé: ‘nemo auditur propriam turpitudinem allegans’. Se o negócio é
bilateral, e foi simuladamente realizado, ambas as partes procederam de má-fé, e nele coniventes
ambas, a nenhuma é lícito invocá-lo contra a eficácia da declaração de vontade. Se o negócio é
unilateral, foi o próprio agente quem procedeu contra direito, e não tem qualidade para, propriam
turpitudinem allegans, pleitear a sua ineficácia. Mas o terceiro lesado, o representante do poder
público, ou qualquer legítimo interessado, poderão postular a nulidade do negócio simulado (art.
168).” (Idem, ibidem).
476
Idem, ibidem.
477
GAINO, op. cit., p. 50-51.
478
Idem, p. 51.
472
127
pois sem estes não alcançariam o objetivo que visam.”479 Já no negócio simulado, para
alcançar o fim visado, as partes “[...] declaram o que não corresponde à vontade delas,
regulando, no entanto, clandestinamente, as próprias relações jurídicas de modo conforme à
vontade real; no negócio indireto, ao contrário, o fim prático visado, pelas partes é alcançado
justamente por meio do negócio adotado e declarado.”480
Destarte, enquanto no negócio simulado as partes regulam clandestinamente
as próprias relações jurídicas de modo conforme à vontade real, mas diverso da vontade
declarada, no negócio indireto, ao contrário, o fim prático visado é alcançado justamente por
meio do negócio adotado e declarado. Neste, ao contrário daquele, não há qualquer
discrepância entre vontade declarada e vontade real. O que as partes querem é exatamente o
negócio declarado. A peculiaridade do negócio indireto está no fato que as partes visam
alcançar um fim que não é típico no negócio adotado.481
Exemplo clássico de negócio indireto, e, portanto, não simulado, é o
negócio fiduciário. Segundo definição clássica, colacionada pela doutrina especializada, o
negócio fiduciário é, desde a sua origem, no Direito alemão, “[...] um negócio seriamente
desejado, cuja característica consiste na incongruência ou heterogeneidade entre o escopo
visado pelas partes e o meio jurídico empregado para atingi-lo.”482 Como bem esclarece
Francesco Ferrara:
Os negócios fiduciários são sérios e efetivam-se realmente entre as partes
com o fim de obter um efeito prático determinado. Os contratantes querem o
479
ASCARELLI, Tullio. O negócio indireto. In: Problemas das sociedades anônimas e direito
comparado. Campinas: Bookseller, 2001. p. 91.
480
Idem, ibidem.
481
Sobre a diferença entre negócio simulado e negócio indireto, Humberto Theodoro Júnior destaca
que, no negócio indireto “[...] as partes usam uma figura negocial típica para atingir objetivos que não
lhe são próprios, mas isto não é feito para enganar ou prejudicar ninguém. Não se oculta o que
realmente querem os sujeitos do negócio. O meio técnico utilizado é que não é normal. O resultado,
porém, não é contrário ao direito. Na simulação o que se quer não é o negócio praticado, mas, ou se
intenta ocultar uma situação de total ausência de relação jurídica (simulação absoluta), ou um outro
negócio completamente diverso do aparente (simulação relativa). Às vezes pode-se quase confundir a
simulação relativa com o negócio indireto, quando, por exemplo, os agentes do negócio simulado não
tenham o objetivo de lesar terceiros (simulação inocente). Aí, realmente, a diferença será tênue e há
quem até identifique as duas figuras. Não é, porém, impossível distingui-las: o negócio indireto usa
uma via oblíqua, em lugar da via normal; usa um negócio típico fora de seu fim específico, mas o seu
fim é, de fato perseguido, embora não dentro da normalidade. Tudo o que aparenta o negócio
praticado é realmente querido. A divergência é de função apenas. É o que se passa com o uso do
cheque pré-datado em lugar da nota promissória. Na simulação relativa, a diferença é de substância.
Não se desvia o negócio aparente da função apenas. O negócio realmente querido é outro,
essencialmente diverso: pratica-se, aparentemente, uma compra e venda, quando na realidade o que
houve foi uma doação.” (THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 249).
482
CHALOUB, Melhim. Negócio fiduciário. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 41.
128
negócio com todas as suas conseqüências jurídicas, ainda que se sirvam dele
para uma finalidade econômica diversa [...] o negócio fiduciário, como
querido realmente, produz todos os efeitos ordinários, ainda que entre si os
contratantes assumam a obrigação pessoal de usar dos efeitos obtidos
unicamente para o fim entre eles estabelecido [...] Na prática, recorre-se a
esta espécie de negócio, ou para suprir uma deficiência do direito positivo
que não oferece a forma correspondente a uma certa finalidade econômica,
ou a oferece ligada a dificuldades e inconvenientes, ou então para obter
quaisquer vantagens especiais que resultam desta forma indireta de proceder.
O negócio fiduciário serve para tornar possível a realização de fins que a
ordem jurídica não satisfaz, para atenuar certas durezas que não se
compadecem com as exigências dos tempos, para facilitar e acelerar o
movimento da atividade comercial.483
Assim, o negócio fiduciário diverge do negócio simulado porque, como bem
sintetiza Pontes de Miranda, “[...] os negócios jurídicos de fidúcia e outros atos jurídicos
fiduciários são queridos. Não são aparentes: são.”484-485 Daí Heleno Tôrres concluir que:
[...] enquanto no negócio jurídico fiduciário persegue-se um escopo atípico,
que não é próprio de qualquer esquema negocial, pela simulação relativa, as
partes perseguem um escopo típico que, no todo ou em parte, é próprio de
um negócio jurídico típico diferente daquele aparentemente existente, ou
mesmo uma ficção, na simulação absoluta, ambos como meio para servir de
pressuposto para uma tutela dos terceiros que tenham confiado na situação
aparente. Eis o que qualifica e demonstra sua diferença em relação aos atos
simulados, pois nos negócios jurídicos fiduciários os efeitos são conhecidos,
desejados e manifestados pelas partes, de forma lícita e sem qualquer
interesse de causar prejuízos a outrem (simulação relativa), ou porque a
vontade é desejada efetivamente e não se trata de uma ficção (simulação
absoluta).486
Aliás, a jurisprudência, como se lê em paradigmático precedente do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça abaixo colacionado, reconhece a validade de negócios
fiduciários, afastando-os dos contornos dos negócios simulados:
O negócio fiduciário, embora sem regramento determinado no direito
positivo, se insere dentro da liberdade de contratar própria do direito privado
e se caracteriza pela entrega de um bem, geralmente em garantia, com a
483
FERRARA, op. cit., p. 76-77.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. t. IV, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1974. p. 443.
485
Esse também é o pensar de Marcos Bernardes de Mello: “O negócio simulado é negócio que não
corresponde à verdade. No negócio fiduciário, nada é inverídico, porque seu conteúdo é, precisamente,
aquele que querem as partes. O negócio jurídico fiduciário jamais prejudica terceiro, mas serve aos
fins explícitos dos figurantes.” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico (plano da
validade). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 159).
486
TÔRRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada, simulação e elusão
tributária. São Paulo: Revista do Tribunais, 2003. p. 328.
484
129
condição, verbi gratia, de ser devolvido posteriormente. Na lição de
Francesco Ferrara, ‘o negócio fiduciário, como querido realmente, produz
todos os efeitos ordinários, ainda que entre si os contratantes assumam a
obrigação pessoal de usar dos efeitos obtidos unicamente para o fim entre
eles estabelecido’ (A simulação dos negócios jurídicos, São Paulo: Saraiva,
1939, p. 76). No negócio simulado há uma distância entre a vontade real e a
vontade manifestada, ao contrário do negócio fiduciário, no qual a vontade
declarada corresponde à realidade.487
Deve-se ressaltar, ainda, que a fraude à lei distingue-se da simulação porque
tem configurações diversas. Segundo Paulo Nader, “A fraude à lei se caracteriza quando o
agente, valendo-se de negócios jurídicos permitidos, visa a alcançar resultados vedados no
ordenamento. O objetivo de quem o pratica não é tirar os proveitos previstos no instituto, mas
os que são escusos.”488 Heleno Tôrres, por sua vez, sintetiza: “Para se caracterizar a fraude à
lei basta que se tenha lei vedando expressamente um determinado agir, na constituição de
situações negociais.”489 Na lição de Itamar Gaino,
A figura da fraude à lei é particular, tipificando-se em negócio jurídico por
meio do qual as partes procuram criar uma ilusão, dando a entender que se
trata de uma modalidade de pacto, quando, na verdade, se trata de outro, que
é proibido por lei imperativa. Viola-se a lei por uma forma indireta,
insidiosa. Apenas na aparência se a respeita, acatando-se o seu texto, mas
falseando-se o espírito, com a finalidade de conseguir um resultado que
normalmente, de forma direta, não se poderia alcançar.490
Assim, na fraude à lei, “[...] o objetivo das partes é atribuir ao negócio
jurídico a aparência de legalidade, estando elas conscientes de que o resultado que procuram
alcançar é, de fato, proibido pela lei.”491 Daí Humberto Theodoro Júnior afirmar que:
Apenas as leis imperativas podem ser violadas ou fraudadas. As normas das
leis dispositivas são apenas supletivas, isto é, vigoram à falta de convenção
em contrário dos sujeitos do negócio jurídico. Logo, não há como falar-se
em violação de regra dispositiva ou facultativa. Quando, porém, o preceito
legal se apresenta cogente, dele decorre a proibição de qualquer prática que
lhe seja desconforme. A ofensa à lei, para nulificar o negócio jurídico, tem
de ser cometida contra lei imperativa (art. 166, VI e VII).492
487
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 155.242/RJ. Relator: Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira. Brasília, DF, 15 fev. 99, v.u., recurso provido, DJ de 2.5.00, p. 143.
488
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. vol. 7, Rio de Janeiro: Forense,
2008. p. 96.
489
TÔRRES, op. cit., p. 3489-349.
490
GAINO, op. cit., p. 54.
491
Idem, ibidem.
492
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 241.
130
Analisa a teoria da simulação e da fraude à lei, pode-se adentrar aos
questionamentos levantados, isto é, (i) a eventual existência de simulação dos atos
constitutivos das sociedades fictícias ou de favor, e (ii) a eventual existência, nesse caso, de
fraude à lei.
5.3.2 Da eventual existência de simulação dos atos constitutivos das sociedades fictícias
ou de favor
Como se disse, à mingua de um instrumento jurídico apto a limitar a
responsabilidade pelos riscos na exploração de empresa, outra alternativa não restou ao
empresário individual senão a de criar, ainda que a contragosto, só para satisfazer a idolatria
das formas preconizada pela lei, uma sociedade puramente fictícia, cujo quadro societário é
composto por um sócio quase totalitário – a própria pessoa natural do empresário individual –
e um sócio de complacência, também chamado de presta-nome ou homem-de-palha, detentor,
na maioria das vezes, de apenas uma quota do capital social.
Pergunta-se então: o ato constitutivo dessas sociedades fictícias seria um
negócio simulado? Ou melhor: existe simulação nas sociedades fictícias ou de favor?
Antônio de Arruda Ferrer Correia filia-se à tese da existência de simulação
nessas sociedades, sob o argumento de que, embora o sócio de complacência deseje
efetivamente a separação patrimonial advinda da constituição da sociedade, bem como aceite
as regras fixadas no contrato social, faltar-lhe-ia a real intenção de constituir-se sócio da
sociedade e assumir, desse modo, todos os direitos e obrigações advindos para os que se
encontram na condição de sócio.493 Em suma: as sociedades fictícias seriam simuladas, para o
autor ibérico, porque o presta-nome não adquire status de sócio.494
Francesco Dominedò, filiado igualmente à tese de simulação, argumenta
que nessas sociedades o presta-nome não tem interesse de concorrer para a formação do
fundo social, de participar nos lucros e perdas da sociedade, nem de cooperar na sua gestão.
Além disso, Dominedò acusa de simulada não só a participação do presta-nome, mas também
a do sócio quase totalitário, porque ele manifesta declaração divergente de sua real intenção:
493
FERRER CORREIA, Antônio de Arruda. Sociedades fictícias e unipessoais. Coimbra: Atlântida,
1948. p. 19 e 173.
494
FERRER CORREIA, op. cit., p. 165.
131
declara intenção de associar-se quando, em realidade, não deseja se tornar sócio de
ninguém.495
Entretanto, dizer que o sócio de complacência não seja efetivamente sócio,
ou que tenham ele e o sócio quase totalitário emitido declarações divergentes das realmente
queridas, consistem em argumentos frágeis demais.
É de se lembrar o já exposto. Na simulação, há uma discrepância entre a
vontade das partes e a declaração por elas emitida, divergência querida e deliberadamente
procurada pelos contraentes.496 As partes buscam, por meio do negócio simulado, a criação de
uma situação aparente, subjacente à qual se encontra a situação real, que corresponde aos
efeitos e ao programa efetivamente querido pelas partes.497
O negócio indireto, por outro lado, é sério e real: aquilo que aparenta ser é o
realmente querido pelas partes. Neste, não há qualquer discrepância entre vontade declarada e
vontade real. O que as partes querem é exatamente o negócio celebrado, sem que haja a
clivagem entre realidade e aparência que é essencial ao conceito de simulação.498
Ora, estes mesmos princípios valem para as sociedades fictícias. Nelas,
tanto o sócio quase totalitário quanto o sócio de complacência quiseram exatamente o que foi
celebrado, nada além ou aquém. Veja-se que, ao integralizar a quota subscrita, o presta-nome
demonstra a sua efetiva e real intenção de integrar o quadro societário, embora sua
participação seja diminuta em comparação a do outro sócio.499 Ademais, como bem destaca a
doutrina alemã, não é possível presumir que um sócio que assume obrigações e
responsabilidades como tal, não tenha intenção de ser efetivamente sócio.500 O mesmo se diga
495
DOMINEDÒ, Franceso. “La costituzione fittizia delle anonime”. In: Studi in onore di Cesare
Vivante. vol. II, Roma, Foro Italiano. p. 663-664.
496
GOMES, 2007b, p. 263; MONTEIRO, op. cit., p. 254; GONÇALVES, Luiz da Cunha, op. cit., p.
851; FERRARA, op. cit., p. 51.
497
ROPPO, op. cit., p. 162.
498
GAINO, op. cit., p. 51; ASCARELLI, op. cit., p. 91; PONTES DE MIRANDA, op. cit., p. 443;
MELLO, op. cit., p. 159; FERRARA, op. cit., p. 76-77.
499
Interessante apontar que o próprio Antônio de Arruda Ferrer Correia, filiado à tese da existência de
simulação nas sociedades fictícias, estabelece uma presunção de que o efetivo desembolso, pelo sócio
de complacência, da parcela de capital por ele subscrita, ainda que de pequeno valor, inverteria a
situação, estabelecendo que, em regra, não haveria simulação, posto que “[...] o mais natural será ele
ter querido adquirir nessa hipótese, para futuramente exercer no seio da corporação, os direitos
correspondentes à sua titularidade formal.” (FERRER CORREIA, op. cit., p. 171, nota de rodapé 2).
Daí José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho sustentar, com propriedade, que essa concessão de
Ferrer Correia “[...] equivale, em última análise, a admitir de fato a plena validade das sociedades
fictícias.” (PRADO FILHO, op. cit., p. 89).
500
SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade simulada. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, ano XXXVI (nova série), São Paulo: Malheiros Editores, jan.-mar., n. 105,
1997. p. 71.
132
em relação ao sócio quase totalitário, porquanto sua declaração exprime efetivamente o seu
verdadeiro intento: estruturar o controle da sociedade constituída em união com o sócio de
complacência de forma quase totalitária e em seu favor.501
No mais, o simples fato de o sócio de complacência permanecer alheio à
gestão da sociedade não influência, de modo algum, seu status de sócio, porque o status socci
em nada se relaciona à administração social.502 Na verdade, conforme já dito, é da titularidade
da quota social, da presença no quadro societário, que deriva o status de sócio, cujas
repercussões encontram-se regulamentadas pela lei e pelo próprio contrato social.503 Dessa
forma, o sócio de complacência assume, malgrado sua pequena participação, todos os direitos
e deveres que cabem aos membros da sociedade, valendo, nesse sentido, a advertência de José
Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho:
[...] irrelevante o fato de o sócio preocupar-se com atividade social,
cooperando ativamente na empresa que constitui o objeto social da pessoa
jurídica da qual participa, ou permanecer completamente alheio à ela,
comportando-se como mero investidor de capital. Sobre ele incidirão todos
os deveres de sócio, e ele poderá, no momento que desejar e
independentemente da vontade do controlador, invocar todos os direitos que
sua posição de sócio lhe garante.504
O que se vislumbra, portanto, é que nas sociedades fictícias ou de favor não
há nenhuma discrepância entre a vontade real das partes e a declaração por elas emitida. O
que existe é, em boa verdade, negócio indireto, e não negócio simulado. Lembre-se
novamente que, como muito bem anotado por Tullio Ascarelli, “[...] há negócio indireto
sempre que as partes recorrem, no caso concreto, a um negócio determinado visando a
alcançar através dele, consciente e consensualmente, finalidades diversas das que, em
princípio, lhe são típicas.”505
Com efeito, todo negócio jurídico é caracterizado por um escopo típico que
se destina a realizar, e, embora a consecução desse objetivo típico seja normalmente o
principal objetivo visado pelas partes, estas, nos negócios indiretos, vão além: pretendem não
só os efeitos típicos do negócio celebrado, mas também a consecução de um escopo ulterior,
para cuja realização faz-se necessária a eficácia padrão do negócio celebrado.506
501
PRADO FILHO, op. cit., p. 88.
A esse respeito vide item 4.4 deste trabalho.
503
Cf. itens 4.3.1 e 4.3.2 supra.
504
PRADO FILHO, op. cit., p. 89.
505
ASCARELLI, op. cit., p. 156.
506
Idem, p. 172-173.
502
133
Obviamente, a escolha do negócio a ser celebrado não é aleatória. As partes
elegem e celebram o negócio cuja disciplina seja por elas querida. Assim, não há apenas
submissão à forma do negócio, mas também às disposições legais que o regulamentam. É
exatamente isso que justifica a remissão, no negócio indireto celebrado, ao negócio direto,
tipificado no ordenamento jurídico: as partes desejam conscientemente afastar-se o menos
possível do terreno conhecido do negócio direto, sujeitando-se no maior grau possível à sua
disciplina.507
Desse modo, as partes visam, nos negócios indiretos, tanto os efeitos típicos
do negócio celebrado, previsto in abstrato pelo legislador, quanto objetivos ulteriores,
exclusivos às partes que celebram o negócio naquele caso in concreto. Há, aí, como bem
observado por Prado Filho, “[...] uma dúplice convergência de vontade, a afastar a idéia de
simulação.”508
Afora isso, enquanto no negócio simulado a vontade real das partes fica
oculta, dissimulada sob um manto de aparência, no negócio indireto, além da ausência de
divergência entre a vontade das partes e suas declarações, também inexiste a ocultação típica
da simulação, porquanto o processo desenvolve-se, na feliz expressão de Tullio Ascarelli,
“[...] à luz do sol, e não há homem experimentado que se engane sobre suas finalidades.”509
Os atos constitutivos das sociedades fictícias, assim, não são negócios
simulados; são, em verdade, negócios indiretos.
Contudo, é de evidência natural que o negócio indireto não pode servir para
superar ou evitar a aplicação de lei cogente, sob pena de incorrer-se em típica situação de
fraude à lei. Passa-se, então, a verificar a eventual existência de tal hipótese.
5.3.3 Da eventual existência de fraude à lei operada por meio dos atos constitutivos das
sociedades fictícias ou de favor
Em seu clássico trabalho sobre o negócio indireto, Tullio Ascarelli
distingue, com muita precisão, dois tipos de normas: (i) aquelas que disciplinam somente o
instrumento jurídico, sem qualquer preocupação com as finalidades perseguidas pelas partes,
que podem dar azo a proibições de meio; e (ii) aquelas que incidem sobre o resultado visado,
507
ASCARELLI, op. cit., p. 171.
PRADO FILHO, op. cit., p. 90.
509
ASCARELLI, op. cit., p. 180.
508
134
qualquer que seja o meio utilizado para atingi-lo, que podem dar guarida a proibições de
resultado.510 Feita tal distinção, Ascarelli leciona que apenas à essas normas da segunda
espécie, que contém proibições de resultado, é que se pode falar em fraude à lei operada por
meio do negócio indireto.511
Com efeito, para testar a validade das sociedades fictícias ou de favor,
negócios indiretos que são, é necessário identificar se os resultados últimos por elas atingidos
são interditados pelo legislador pátrio e ficam, desse modo, proibidos de serem atingidos por
quaisquer meios. Necessário saber, portanto, se há, no ordenamento jurídico nacional, normas
de resultado que importem em: (i) impossibilidade de separação patrimonial ou (ii)
impossibilidade de limitação da responsabilidade do empresário individual.512
Se existirem tais normas de resultado, as sociedades fictícias ou de favor
não passam de uma fachada, de um artifício para alcançar finalidade interditada pelo
legislador. Se, por outro lado, não existir nenhuma proibição de resultado no tocante à
separação patrimonial ou limitação de risco do empresário individual, tratar-se-á de hipótese
lícita e, portanto, de toda válida.
No que se refere à possibilidade de separação patrimonial, já se concluiu no
item 5.2 deste trabalho que a regra geral de que a cada pessoa corresponde um único
patrimônio não significa impossibilidade de criação de patrimônios distintos para um mesmo
sujeito de direito, assim denominados patrimônio especiais,513 valendo, para confirmação, a
lição de José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho:
Frente ao direito nacional, a proposição de que a personalidade é o suporte
lógico do patrimônio não pode ser interpretada de molde a obter como
resultado a imperatividade de que, a um mesmo titular, deva corresponder
apenas um único patrimônio (os assim chamados princípios da
indivisibilidade e unicidade do patrimônio).514
Dessa forma, a criação de um patrimônio especial não é objeto de proibição
de resultado por parte do legislador pátrio. O que se exige, conforme já salientando, é apenas
que a separação patrimonial seja obtida ao abrigo da lei, ou por meio dos instrumentos por ela
510
ASCARELLI, op. cit., p. 181.
Idem, ibidem.
512
PRADO FILHO, op. cit., p. 90-91.
513
BEVILÁQUA, op. cit., p. 290-291.
514
PRADO FILHO, op. cit., p. 91.
511
135
franqueados.515 É exatamente o que ocorre nas sociedades fictícias ou de favor, cujos sócios
valem-se de um instrumento já constituído pela lei para obter a criação de um novo sujeito de
direito – a pessoa jurídica –, destinado a limitar o risco a que estaria exposto o sócio quase
totalitário caso se lançasse à atividade econômica sob empresário individual.516 O que resta
por verificar é se tal providência, qual seja, a limitação da responsabilidade do empresário
individual, é colhida por alguma proibição de resultado no direito brasileiro.
Insta ressaltar, como já muito bem ressaltado por Ricardo Alberto Santos
Costa, que a limitação da responsabilidade do empresário individual, seja pelo modelo
personificado, com a admissão da sociedade empresária unipessoal limitada,517 seja pelo
modelo não-personificado, com a possibilidade de criação de um patrimônio especial afetado
à empresa,518 consiste na última fase de evolução da noção jurídica de responsabilidade. Isso
porque, o devedor, que respondia originalmente com sua própria vida, passou a responder
apenas com sua liberdade, e, mais tarde, com todo o seu patrimônio. Modernamente, em tema
de sociedade personalizada, a regra é a limitação da responsabilidade dos sócios ou acionistas
pelas obrigações da sociedade.519
O ordenamento jurídico brasileiro, ao admitir as sociedades limitadas, as
sociedades por ações, a subsidiária integral e a unipessoalidade incidental temporária, deixa
entrever que se encontra em linha com essa evolução, e não avesso à limitação do risco na
exploração da atividade econômica.520
Pode-se dizer, na esteira de Tullio Ascarelli521 e Antônio de Arruda Ferrer
Correia,522 que a limitação da responsabilidade do empresário individual não consiste em um
resultado em si mesmo proibido pelo legislador, mas uma pura e simples ausência de meios
diretos de obter tal limitação, sendo legítima, por isso, a utilização indireta de qualquer dos
instrumentos já admitidos para tanto. Está-se diante, nas palavras de Ferrer Correia, de uma
“[...] simples deficiência do sistema legislativo, explicável pelo fenômeno da inércia
jurídica.”523
515
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. vol. 5, parte geral, 3.
ed., 2. reimpr., São Paulo: Saraiva, 1984. p. 368; PRADO FILHO, op. cit., p. 92.
516
PRADO FILHO, op. cit., p. 92.
517
Vide item 5.1 deste trabalho.
518
Vide item 5.2 deste trabalho.
519
COSTA, Ricardo Alberto Santos. A sociedade por quotas unipessoal no Direito Português.
Coimbra, Almedina, 2002. p. 127.
520
PRADO FILHO, op. cit., p. 93.
521
ASCARELLI, op. cit., p. 217.
522
FERRER CORREIA, op. cit., p. 256.
523
Idem, p. 175.
136
Aliás, é exatamente nesse contexto de inércia jurídica que o negócio indireto
se insere, como uma espécie de “ponte de passagem histórica,”524 a fornecer um meio
destinado à evolução histórica do direito, via aproximações sucessivas, de molde a prover à
partes instrumentos aptos à satisfação das novas e diversas situações da vida.525
Ademais, até por uma questão de justiça e coerência, se a limitação do risco
no exercício da empresa fosse digna de repugnância pelo ordenamento jurídico pátrio, nada
justifica que o legislador a tivesse proibido ao empresário individual e admitido aos sócios,
nas sociedades limitadas, bem como aos acionistas, nas sociedades por ações.526
Deste modo, a única conclusão que se pode chegar é a que já foi dada e
confirmada por Tullio Ascarelli: “Fica destarte confirmado não haver, na constituição da
sociedade (de responsabilidade limitada) no interesse de um só sócio, fraude nenhuma.”527
5.3.4 Da validade das sociedades fictícias ou de favor
Ante o exposto, pode-se concluir que as sociedades fictícias ou de favor não
padecem de qualquer vício que lhes atinja o plano da validade, porquanto seus atos
constitutivos representam não só hipótese de negócio jurídico indireto, mas também hipótese
lícita.
Não há, pois, negócio simulado, porque na constituição dessas sociedades
não existe nenhuma divergência entre a vontade das partes e suas declarações. Tanto o sócio
de complacência quanto o sócio quase totalitário querem o negócio nos exatos e precisos
termos em que foi celebrado, nada além ou aquém, de tal forma que a sociedade constituída é
real e efetivamente querida tanto por um como pelo outro. Não fosse isso suficiente, na
constituição dessas sociedades também não se encontra a clandestinidade, que é peculiar aos
negócios simulados.
524
ASCARELLI, op. cit., p. 189.
Idem, ibidem.
526
Nesse contexto, Wilges Ariana Bruscato lança mão da seguinte indagação: “[...] por que não pode
uma pessoa fazer o que a lei permite que façam duas ou mais?” (BRUSCATO, op. cit., p. 56). Na
mesma direção, o magistério de Fran Martins: “E se o sócio de uma sociedade comercial pode limitar
suas responsabilidades pelas obrigações assumidas pela sociedade, não se comprometendo
subsidiariamente pelas obrigações sociais, identicamente ao comerciante individual deve ser facultado
o mesmo direito, não se concebendo que um indivíduo possa afetar parte de seu patrimônio em uma
sociedade, mas não o possa fazer negociar sozinho.” (MARTINS, op. cit., p. 434-435).
527
ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Red Livros, 2000. p. 251.
525
137
Não há, também, negócio ilícito, uma vez que não existe, no ordenamento
jurídico brasileiro, nenhuma proibição de resultado no tocante à separação patrimonial ou
limitação de risco do empresário individual. A questão coloca-se, em boa verdade, como pura
e simples ausência de meios diretos para obter tais resultados, que o negócio jurídico indireto
vem a suprir temporariamente, até que o legislador digne-se a tratar da matéria, valendo, nesse
contexto, a irreparável lição de Otto de Sousa Lima:
A satisfação das novas exigências, já se verifica, às vezes, lenta e
gradualmente, de modo a não comprometer a continuidade do sistema e a
certeza da norma jurídica aplicável. As novas necessidades são, então,
satisfeitas, mas o são com os velhos institutos. Nessa adaptação, a nova
exigência é satisfeita através de um velho instituto que traz consigo as suas
formas e a sua disciplina, e oferece à nova matéria, ainda em ebulição, um
velho arcabouço já conhecido e seguro. As velhas formas e a velha
disciplina não são abandonadas de chofre, mas só lenta e gradualmente, de
maneira que, muitas vezes, por longo tempo, a nova função vive dentro da
velha estrutura, e assim se plasma, enquadrando-se nos sistemas [...] a
adoção de determinados negócios para escopos indiretos não é feita por
acaso: tem explicação no intuito de se sujeitarem as partes, não somente à
forma, mas também à disciplina do negócio adotado. Esta se estende, assim,
a hipóteses para as quais não fora estabelecida, a princípio. O velho negócio,
através desse uso indireto, preenche novas funções, responde a novos
objetivos.528 (grifos do autor)
Assim, enquanto o direito pátrio não conceber outra solução efetiva para a
limitação da responsabilidade do empresário individual, quer pelo modelo personificado, com
a admissão da sociedade empresária unipessoal limitada, quer pelo modelo não-personificado,
com a possibilidade de criação de um patrimônio especial afetado à empresa, dever-se ter por
válida a existência das sociedades fictícias ou de favor, como realmente válidas elas são.
Todavia, a validade das sociedades fictícias ou de favor não pode, por
evidente, representar uma espécie de salvo conduto para a perpetração de fraudes contra
terceiros. Como muito bem já elucidará Wilson de Souza Campos Batalha, na constituição de
sociedades com o exclusivo intento de causar prejuízos a terceiros, não mais subsistirá
obstáculo ao levantamento da forma utilizada.529
Ou seja: contra a manipulação fraudulentamente da pessoa jurídica, mesmo
no domínio particular das sociedades fictícias ou de favor, valem os remédios ordinários do
528
LIMA, Otto de Sousa. Negócio fiduciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1962. p. 93-94.
CAMPOS BATALHA, Wilson de Souza. Direito Processual Societário. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1989. p. 378.
529
138
direito comum, mormente a desconsideração da personalidade jurídica,530 de resto aplicável
em qualquer hipótese de utilização fraudulenta das formas societárias.
Falando-se em fraude contra terceiros, passa-se ao último tópico deste
trabalho, que cuidará exatamente dos casos de constituição de sociedades cujo fim não é outro
senão o de causar prejuízos a terceiros.
5.4 Da sociedade simulada fraudulentamente
Viu-se que os atos constitutivos das sociedades fictícias ou de favor não são
negócios simulados, nem tampouco ilícitos. Ante a deficiência do sistema legislativo, duas
pessoas valem-se de um instrumento já franqueado pela lei para, criando um novo sujeito de
direito, limitar o risco a que estaria sujeito uma pessoa sozinha, caso esta se lançasse à
atividade econômica sob empresário individual. Ad argumentandum tantum, se houvesse
simulação na constituição dessas sociedades, poder-se-ia dizer, mutatis mutandis, que a
hipótese seria de simulação inocente, porque despida completamente de intuitos fraudatórios.
Situação completamente inversa ocorre quando duas ou mais pessoas criam
um novo sujeito de direito com o exclusivo intento de fraude. Tem-se, aqui, a simulação
fraudulenta ou maliciosa da sociedade.
Passa-se, por conseguinte, a discorrer sobre as sociedades simuladas
fraudulentamente, sem, contudo, esgotar-se a matéria, porque não é este o objetivo principal
deste trabalho.
Itamar Gaino, com amparo na doutrina de Mosset Iturraspe, assevera que a
simulação no âmbito das sociedades pode se dar em dois momentos distintos: já na sua
constituição ou durante o curso de sua atuação.
No primeiro caso, a constituição da sociedade faz surgir um ente de fachada
que carece em absoluto de realidade. Fala-se, então, de simulação da sociedade. No segundo
caso, a simulação ocorre durante a atuação da sociedade, ou seja, posteriormente à sua
constituição, mediante a modificação de seus integrantes e inserção de “laranjas”. Tem-se, aí,
a simulação na sociedade.531
530
531
Acerca da desconsideração da personalidade jurídica, vide item 3.4 deste trabalho.
GAINO, op. cit., p. 129-130.
139
5.4.1 A simulação da sociedade
Ocorre a simulação da sociedade quando duas ou mais pessoas criam um
novo sujeito de direito que carece em absoluto de realidade: tudo é ilusão, falso e inverídico.
Como bem destaca Itamar Gaino,
Freqüentemente se vê, nos meios de comunicação, notícia de criação de
empresa ‘fantasma’ com o objetivo de dar operatividade a desvio de dinheiro
público resultante de corrupção ou de dinheiro particular decorrente de
outras atividades ilícitas, como tráfico de entorpecentes. Cria-se sociedade
que nada tem de real: os sócios são fictícios ou são pessoas que emprestam
seus nomes (‘laranjas’) ou ainda pessoas pobres e ignorantes, que nem
mesmo chegam a tomar conhecimento do fato; o endereço é fictício ou
corresponde a uma casa residencial ou a um imóvel de outra natureza, mas
que não se presta a qualquer atividade empresarial.532
É bem de ver que, em regra, a simulação da sociedade pode se dar de três
formas,533 a saber:
(I)
Simulação de existência da atividade econômica (empresa): nesse
caso, conquanto constituída com aparência formal, a sociedade nem de longe tem por objeto o
exercício de “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços”, muito pelo contrário, sua finalidade de duas com certeza será uma: ou causar
prejuízos a outrem ou violar disposição de lei.
No âmbito da corrupção política, por exemplo, cria-se sociedade de fachada
para viabilizar a emissão de faturas contra o poder público, por fornecimentos inexistentes, e
assim possibilitar o recebimento do dinheiro espúrio. No âmbito de outras atividades
criminosas, cria-se sociedade com finalidade de “esquentamento” do dinheiro ilicitamente
532
GAINO, op. cit., p. 130-131.
Nesse sentido, o Regulamento do ICMS do estado de São Paulo (Decreto nº 45.490, de 30.11.00),
em seu artigo 30, dispõe que: “A inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS será enquadrada
como nula, a partir da data de sua concessão ou de sua alteração, quando, mediante processo
administrativo, for constatada: I) simulação de existência do estabelecimento ou da empresa; II)
simulação do quadro societário da empresa.” Por seu turno, o § 1º, do mesmo artigo, estabelece:
“Considera-se simulação: 1) a existência do estabelecimento ou da empresa quando: a) a atividade
relativa a seu objeto social, segundo declaração do contribuinte, não tiver sido ali efetivamente
exercida; b) não tiverem ocorrido as operações e prestações de serviços declaradas nos respectivos
registros contábeis e fiscais. 2) relativamente ao quadro societário, quando a sociedade ou entidade for
composta por pessoa interposta, assim entendidos os sócios, diretores ou administradores que: a) não
sejam localizados nos endereços informados como sendo de sua residência ou domicílio; b) não
disponham de capacidade econômica compatível com as funções a eles atribuídas; c) sejam
constatadas pelo fisco evidências da qualidade de pessoa interposta.”
533
140
arrecadado534, ou para fins de fornecimento de notas fiscais “frias” para outras sociedades,
ocultando-se, assim, a sonegação fiscal destas.
(II) Simulação do quadro societário da sociedade: a ocorrência mais
comum de simulação da sociedade opera-se com a utilização de interpostas pessoas
simuladas, vulgarmente chamadas de “laranjas”535 ou “testas-de-ferro”. Essas pessoas, na
constituição da sociedade, fazem às vezes dos verdadeiros sócios que, por motivos
irremediavelmente ilícitos, não querem ou não podem aparecer no quadro societário.
É o caso, por exemplo, muito bem apreciado pelo Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de Rondônia, onde se conclui que um determinado servidor público,
Diretor-Chefe de autarquia, proibido de contratar com o Poder Público, valeu-se de
interpostas pessoas simuladas na constituição de sociedade empresária e, por meio desta,
participou e venceu, fraudulentamente, vários processos licitatórios promovidos pelo Poder
Público daquela localidade. O Venerando Acórdão, aliás, restou assim ementado:
Improbidade administrativa. Servidor público. Diretor de autarquia. Partícipe
de licitações promovida pela autarquia. Constituição de empresa por meio de
simulação. Violação dos princípios da Administração. Enriquecimento
ilícito. Prejuízos ao erário. Constitui ato de improbidade a participação direta
ou indireta do servidor nas licitações promovidas pelo órgão do qual é
diretor, em que as contratadas são empresas das quais participa como sócio
ou com elas mantenha qualquer vínculo de natureza técnica, comercial,
econômica, financeira ou trabalhista. O mesmo aplica-se quando
evidenciado que a vencedora da licitação é uma empresa composta por
‘laranjas’, que agem em nome daquele servidor, muito embora o nome dele
não conste no quadro societário.536
Cita-se, ainda, o caso apreciado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, onde se constatou que o quadro societário de certa sociedade
534
GAINO, op. cit., p. 131.
O uso da expressão “laranja” tornou-se tão corriqueiro no meio jurídico, que o Emérito
Desembargador Joel Ilan Paciomik, nos autos da Apelação Cível nº 2004.70.02.002190-9/PR,
emprestou-lhe definição: “Pode-se definir como ‘laranja’ o indivíduo que, consciente ou
inconscientemente, voluntária ou coercitivamente, empresta dados seus (nome, CPF, registro civil,
etc.) a terceiros, a fim de que estes possam praticar atos sem que seu nome seja divulgado, seja por
razões de impedimento para a prática do ato determinado, seja para o fim de eximir-se de
responsabilidade.” (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. 1ª Turma. APC
2004.70.02.002190-9/PR. Relator: Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik. Porto Alegre, RS, 28
fev. 07, v.u., recurso provido, DE de 7.3.07).
536
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. 2ª Câmara Especial. APC
100.007.2003.005077-0. Relator: Desembargador Renato Martins Mimessi. Porto Velho, RO, 24 abr.
07, v.u., recurso provido.
535
141
empresária era composto por interpostas pessoas simuladas, porque os verdadeiros sócios
encontram-se inabilitados para o exercício de empresa em razão de falência:537
Os próprios autores admitem na inicial que eram apenas “laranjas” na
sociedade. Os verdadeiros donos seriam os membros da família Bonotto
Machado, que se encontravam impedidos de exercer atividades comerciais
em razão de falência, e por isso teriam utilizado o nome dos autores em
determinado período na empresa Moura & Schuartz Ltda, que mais tarde
passou a se denominar Cerealista MGM Ltda.538
(III) Simulação concomitante de existência da empresa do quadro
societário da sociedade: aqui, a simulação é resultado da soma das duas hipóteses anteriores
e, por conta disso, a ficção é total: os sócios que subscrevem as quotas do capital social não
são os verdadeiros sócios, são meros sujeitos decorativos (interpostas pessoas simuladas); e a
sociedade por eles constituída não tem por objeto as verdadeiras razões de sua criação. A
guisa de exemplificação, colaciona-se precedentes jurisprudenciais:
As investigações realizadas demonstraram a existência de diversas empresas,
constituídas em nome de interpostas pessoas, criadas e mantidas pelas
quadrilhas que compõem a organização criminosa, com o propósito de
sonegar tributos.539
[...]
O decreto condenatório encontra-se devidamente lastreado em conjunto
probatório consistente, apto a demonstrar, sem sombra de dúvidas, que os
apelantes utilizavam-se de terceiros (‘laranjas’) para encobrir sua
participação na empresa Agropar e assim ludibriar o fisco.540
[...]
Trata-se de fraude à execução quando há evidência que o sócio da empresa
executada criou nova empresa em nome de seus familiares a fim de abrigar
seu patrimônio pessoal e fraudar processo trabalhista em andamento.541
537
Acerca da inabilitação do falido ao exercício de empresa, vide item 2.2.2 deste trabalho.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 15ª Câmara Cível. APC
70017790320. Relator: Desembargador Paulo Roberto Felix. Porto Alegre, RS, 10 out. 07, v.u.,
recurso improvido, DJ de 19.10.07.
539
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. 1ª Turma. HC 2007.03.00.034253-6.
Relator: Desembargador Federal Vesna Kolmar. DJU de 19.2.08, p. 1570.
540
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. 4ª Turma. APR 2000.34.00.023906-0/DF.
Relator: Desembargador Federal Klaus Kuschel. Brasília, DF, 8 mai. 07, v.u., recurso improvido, DJ
de 18.5.07, p. 21.
541
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO. 1ª Turma. Ag-Pet 01376-2006-01112-00-3. Relatora: Desembargadora Águeda Maria Lavorato Pereira. Florianópolis, SC, 12 jun. 07,
v.u., recurso conhecido e, por v.m., improvido, DOE de 26.6.07.
538
142
Ressalte-se que, no caso de simulação do quadro societário, é de evidência
natural que os sujeitos decorativos ali inseridos são pessoas com pouquíssimo ou nenhum
patrimônio. Disso infere-se que somente a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica seria, nesse caso, totalmente ineficaz. Ora, se os sócios decorativos
nada têm, nem nada terão, por que levantar o véu da personalidade jurídica para
responsabilizá-los por dívidas formalmente imputadas à sociedade?
A solução mais plausível parece ser a de decretar a nulidade da sociedade,
cuja decretação corresponderá à própria extinção da pessoa jurídica, fazendo-se recair sobre
os verdadeiros sócios a responsabilidade pelas dívidas imputadas fraudulentamente à
sociedade.
5.4.2 A simulação na sociedade
A simulação também pode ocorrer na sociedade, ou seja, embora ela seja ab
origine constituída por seus verdadeiros sócios, estes, na intenção de se esquivarem das
responsabilidades administrativas, patrimoniais, ou penais decorrentes dos atos cometidos no
comando da sociedade, transferem tal ônus a terceiros, mediante alteração fraudulenta do
contrato social.542 É o chamado “alaranjamento”, como bem disse o Emérito Ministro Garcia
Vieira, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar caso típico de simulação na
sociedade:
Expediente como esse é muito comum. É o chamado ‘alaranjamento’. Os
sócios transferem suas cotas à pessoas em regra fictícia ou a pessoas sem
patrimônio que possa suportar execução. Visam, com isso, à desoneração,
notadamente quanto a débitos tributários, em relação aos quais existe a
responsabilidade por substituição (art. 135) ou a responsabilidade solidária
(art. 134 do CTN), conforme sejam sócios gerentes ou simplesmente sócios.
A infração à lei, em casos como este, é presumida. Dispensa-se a Fazenda
Pública de prova da prática de atos significativos de afronta à legislação
tributária. O art. 135 do CTN, ao definir a responsabilidade tributária de
542
Acerca da simulação na sociedade, Itamar Gaino preleciona: “A simulação pode ocorrer, também,
na sociedade, ou seja, no curso de sua atuação, por meio de transferência das quotas sociais a pessoas
fictícias ou sem qualquer patrimônio. É o chamado ‘alaranjamento’, que comumente tem a finalidade
de prejudicar credores ou de fugir de obrigação contraída perante o fisco. A falta de recolhimento de
tributos, motivada por excesso de poder ou infração da lei, do contrato social ou estatuto, é
considerada pelo art. 135 do Código Tributário Nacional como causa de responsabilidade pessoal do
sócio-gerente. Para fugir desta responsabilidade, os sócios agem de tal modo, transferindo fictamente
as quotas para terceiros. É simulação absoluta, pois a transferência das quotas é feita para não valer,
permanecendo o negócio em poder dos primitivos sócios e simuladores.” (GAINO, op. cit., p. 131).
143
terceiros, entre eles os sócios gerentes de pessoas jurídicas, estabelece o
pressuposto de serem os créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infrações de lei,
contrato social ou estatutos. Mas a responsabilidade exsurge por presunção
quando existem dívidas tributárias relativas a vários períodos e quando os
sócios hajam se retirado subrepticiamente, exatamente com o objetivo de
exoneração perante o Fisco, tudo isso indicando conduta ilícita, contrária à
lei.543
O Egrégio Supremo Tribunal Federal também já apreciou caso típico de
simulação na sociedade. Nos autos do RHC 54.411/MG verificou-se que “[...] o diretor de
direito era um simples ‘pantin’, um boneco, uma marionete que o diretor de fato puxava aos
cordéis”, razão pela qual se concluiu, com acerto, que “[...] quem transfere, conscientemente,
o controle acionário de empresa insolvente a presta-nomes irresponsáveis, se considera falido,
e sujeito às obrigações deste.”544 Aliás, nesse sentido, a jurisprudência é farta em exemplos:
Resta evidenciado o dolo na conduta do réu, consistente na intenção de
esquivar-se das responsabilidades administrativas, patrimoniais e penais
decorrentes dos atos cometidos no comando de empresa, transferindo tal
ônus a terceiros, mediante simulação de venda das cotas da sociedade e
inserção de informações ideologicamente falsas na 1ª e 2ª Alterações de
Contrato Social.545
[...]
Os apelantes dificultaram/impediram a satisfação do crédito através da
transferência fictícia de cotas sociais das suas empresas a terceiros,
conhecidos popularmente como ‘laranjas’. Contudo, eram eles, os apelantes,
que continuaram administrando, de fato, as empresas do Grupo Conforto
durante o período em que ocorreram os fatos geradores dos débitos
relacionados.546
[...]
Simulação de transferência de cotas sociais da empresa, inserindo falsos
sócios no contrato social, a fim de se evitar a perda do SIMPLES em relação
a outra sociedade, bem como a habilitação no Siscomex de pessoa que só
formalmente constava como sócio-administrador da pessoa jurídica,
caracterizam a prática, em tese, por duas vezes, do delito tipificado no art.
299 do CP, na medida em que inseridas declarações diversas das que
543
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. REsp 55.566/SP. Relator: Ministro Garcia
Vieira. Brasília, DF, 9 nov. 94, v.u., recurso improvido, DJ de 5.12.94, p. 33538.
544
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. RHC 54.411/MG. Relator: Ministro Cordeiro
Guerra. Brasília, DF, 21 mai. 76, v.u., recurso improvido, DJ de 20.8.76. In: RTJ 78/752.
545
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. 2ª Seção. EI 2005.71.07.001487-7. Relator:
Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro. Porto Alegre, RS, 17 mai. 07, DE de 23.5.07.
546
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. 2ª Turma. APC 2003.70.05.000794-7.
Relator: Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares. Porto Alegre, RS, 30 ago. 05, v.u.,
recurso improvido, DJU de 14.9.05, p. 631.
144
deveriam ser escritas, visando alterar a verdade sobre fatos juridicamente
relevantes.547
Posto isso, conclui-se que as sociedades fictícias ou de favor não se
confundem, de modo algum, com as sociedades simuladas fraudulentamente. Enquanto
naquelas sociedades fictícias ou de favor tudo é real, verdadeiro e verídico, nessas sociedades
fraudulentamente simuladas tudo é aparente, falso e inverídico. Naquelas, reina a licitude;
nestas, impera a fraude. Enfim, enquanto as primeiras vivem sob o manto da verdade, as
segundas sobrevivem até o engodo vir a lume.
547
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. 7ª Turma. RESE 2005.71.01.000291-3/RS.
Relator: Desembargador Federal Tadaaqui Hirose. Porto Alegre, RS, 31 out. 06, v.u., recurso provido,
DJU de 8.11.06, p. 597.
145
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto, pode-se concluir que:
1.
Empresa, empresário e estabelecimento empresarial, embora se
encontrem estreitamente correlacionados, são três noções distintas. Empresa é a atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. Empresário, por
sua vez, é o titular da empresa, é quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada. O exercício da empresa, por empresário, é viabilizado por meio de um complexo
de bens organizado, denominado estabelecimento empresarial.
2.
Em outras palavras, empresa, empresário e estabelecimento empresarial
podem ser distinguidos pelos verbos aplicáveis a cada qual: empresa se exercita; empresário
se é; estabelecimento empresarial se tem.
3.
Em tema de natureza jurídica, empresário é sujeito de direito, é a pessoa
que, em caráter profissional, combina os quatro fatores de produção (mão-de-obra, insumos,
tecnologia e capital) para explorar uma atividade criadora de riquezas. É, pois, o titular de
direitos e de obrigações, personagem que Rubens Requião denominou de titular da empresa.
4.
Entendido como um complexo de bens organizado de que dispõe o
empresário para o exercício de empresa, ao estabelecimento empresarial só lhe resta mesmo a
natureza jurídica de coisa, objeto de direito, que integra o patrimônio do empresário.
5.
A empresa, por seu turno, não é sujeito nem objeto de direito, porque
ela é a própria atividade de alguém. Daí falar-se que a empresa não existe, porquanto o que
existe são o empresário e o estabelecimento empresarial: o primeiro, como sujeito de direito; e
o segundo, como objeto. Deste modo, entendida como atividade econômica organizada, a
empresa é considerada como uma nova categoria jurídica, constituindo-se, pois, na noção de
fato jurídico lato sensu.
6.
Quanto à forma que reveste o exercício da empresa, esta pode ser
explorada tanto pelo empresário individual quanto pela sociedade empresária. Quanto uma
pessoa dispõe, sozinha, dos recursos necessários à implantação da empresa, ela própria se
lança ao exercício da atividade econômica sob empresário individual. A sociedade
empresária, por sua vez, resulta da união de duas ou mais pessoas, chamadas de
empreendedores ou investidores, que celebram contrato de sociedade para o exercício de
atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
146
7.
Inerente a qualquer uma dessas formas de exercício da empresa está o
risco. Em razão deste componente indissociável da atividade econômica, poucas pessoas
dedicar-se-iam a explorar novas empresas se o insucesso da iniciativa pudesse acarretar a
perda de todos os bens pessoais, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de
gerações. Daí surgirem instrumentos jurídicos aptos a limitar a responsabilidade daqueles
propensos ao exercício de empresa.
8.
No caso da sociedade empresária, desde a inscrição de seu ato
constitutivo (contrato ou estatuto social) no registro próprio, esta transforma-se em um novo
ser, em um novo sujeito de direitos e obrigações, estranho à individualidade das pessoas que
participaram de sua constituição. Daí concluir-se que a sociedade empresária não se confunde
com a pessoa de seus sócios.
9.
Além de a sociedade empresária ter existência distinta da dos seus
sócios, outro importantíssimo efeito decorrente da sua personalização é o princípio da
autonomia patrimonial, porquanto implica a separação patrimonial entre a sociedade
empresária e seus membros. Em razão desse princípio, sócios e sociedade empresária
possuem patrimônios distintos, inconfundíveis e incomunicáveis, motivo pelo qual, em regra,
um não responde pelas obrigações do outro.
10. Fala-se que os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da
sociedade empresária, porque, é de evidência natural, há exceções. É o caso, por exemplo, das
sociedades ilimitadas, onde todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações
sociais, como ocorre nas sociedades em nome coletivo. Exceções à parte, é na sociedade
empresária limitada, tipo societário de expressiva utilização, que esse efeito exsurge como
característica peculiar. Com efeito, pode-se afirmar que, uma vez integralizado o capital
social, os sócios não respondem, com patrimônio próprio, por qualquer outra obrigação da
sociedade limitada.
11. Por isso, embora a legislação pátria reconheça a existência de cinco
tipos diversos de sociedades empresárias, apenas a sociedade limitada e a sociedade por ações
possuem relevância econômica e jurídica, devido, sobretudo, à limitação da responsabilidade
dos sócios ou acionistas a eventuais insucessos na exploração de atividade econômica.
12. Em suma, a constituição regular de uma sociedade empresária limitada,
com arquivamento do contrato social na Junta Comercial, cria um novo sujeito de direito, com
vontade, patrimônio e responsabilidades próprias e autônomas em relação aos seus sócios. A
atribuição de personalidade jurídica à sociedade empresária limitada enseja, pois, a separação
147
de patrimônio destinado à exploração de empresa, de maneira que apenas os bens sociais
respondem pelas obrigações contraídas em nome da sociedade.
13. Em que pese a sociedade empresária seja dotada de personalidade
jurídica própria, o empresário individual não é capaz de criar uma nova pessoa. Enquanto
sócios e sociedade empresária são pessoas distintas, com patrimônio e responsabilidades
igualmente distintos, o empresário individual não tem personalidade distinta e separada da de
seu titular, ao revés, ambos, empresário individual e seu titular, são uma única pessoa, com
um único patrimônio, e uma única responsabilidade patrimonial.
14. Dessa forma, enquanto os sócios podem separar parte do seu patrimônio
para alocar à sociedade e, assim, limitar suas responsabilidades, o empresário individual
responde com todas as forças de seu patrimônio pessoal, capaz de execução, pelas dívidas que
assumiu, sejam estas contraídas no exercício de empresa, sejam no âmbito particular e privado
da pessoa natural.
15. A transformação do empresário individual em pessoa jurídica, diga-se,
é mera ficção do direito tributário, cuja finalidade não é outra senão a de sujeitá-lo ao mesmo
tratamento fiscal atribuído àquela. Por conta disso, tanto o empresário individual, pessoa
natural, quanto a sociedade empresária, pessoa jurídica, sujeitam-se às mesmas obrigações
tributárias, sejam elas principais ou acessórias. Nesse ponto, por questão de justiça e
coerência, o tratamento igualitário é digno de aplausos, pois, se tanto um quanto o outro
podem explorar uma atividade econômica, nada mais justo que ambos, no exercício dessa
atividade, tenham o mesmo tratamento, com as ressalvas, é claro, do disposto no art. 170,
inciso IX e no art. 179, ambos da Constituição Federal, que conferem tratamento diferenciado,
simplificado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte, o que não deixa
de ser igualmente justo.
16. Ora, também por questão de justiça e coerência, se o risco de insucesso
é inerente à exploração de atividade econômica, razão pela qual justifica-se a limitação da
responsabilidade dos sócios ao montante investido na sociedade, identicamente ao empresário
individual deve ser facultado o mesmo direito: limitar a sua responsabilidade ao montante
investido na empresa. Nesse contexto, se os sócios podem separar parte do seu patrimônio
para alocar à sociedade, a fim de limitar suas responsabilidades, ao empresário individual
deve ser conferido o mesmo tratamento, sob pena de estar-se infringindo o mais consagrado
dos princípios: o da igualdade.
17. Do postulado universal de que “deve-se tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”, o que se vê, aqui, é uma
148
grande contradição: enquanto as microempresas e as empresas de pequeno porte, em regra
exploradas pelo empresário individual, têm tratamento prejudicial, no sentido de não se
limitar a responsabilidade daquele, as médias e grandes empresas, em regra exploraras pela
sociedade empresária limitada ou por ações, têm tratamento favorecido, no sentido de,
exatamente, beneficiar os membros dessas sociedades com a limitação de responsabilidade.
Frise-se que não se almeja, nem de longe, que o benefício da limitação de responsabilidade
conferido aos membros das sociedades empresárias seja suprimido, mas, sim, apenas e tão
somente, por questão de justiça, que o mesmo benefício também seja concedido ao
empresário individual.
18. No Brasil, em suma, ainda que seja a limitação da responsabilidade uma
condição jurídica indispensável à disciplina da atividade econômica, ao contrário do
tratamento jurídico dispensado às sociedades empresárias, principalmente às sociedades
limitadas e às sociedades por ações, onde os sócios ou acionistas encontram um sistema capaz
de limitar os riscos inerentes ao exercício de empresa, porquanto respondem apenas pelo valor
das quotas ou ações que se comprometeram, àquele que exerce individualmente a atividade
econômica não é conferido qualquer instrumento que permita a limitação da responsabilidade
ao montante investido na empresa.
19. Muitos países, conscientes dessa manifesta contradição legal,
construíram instrumentos jurídicos aptos a limitar a responsabilidade daquele que decida
individualmente exercer empresa, conferindo, assim, tratamento igualitário a todos que
decidam explorar atividade econômica organizada de produção e circulação de bens ou
serviços. São dois, pois, os instrumentos utilizados por esses países: um personificado e outro
não-personificado.
20. A técnica personificada de limitação da responsabilidade do empresário
individual, amplamente difundida, aceita e utilizada principalmente por países europeus, é
aquela que contempla, desde o momento originário de sua constituição, a sociedade
unipessoal limitada. Admite-se, com efeito, a constituição de uma sociedade limitada, com
personalidade jurídica própria, por ato de vontade de uma só pessoa. A admissibilidade da
sociedade limitada originariamente unipessoal traz consigo a superação da teoria
eminentemente contratualista de constituição societária, colocando no centro da discussão
sobre o contrato de sociedade, não mais a sua vocação para unificar uma pluralidade de
pessoas, mas, sim, o seu caráter organizativo e instrumental: a organização dos quatro fatores
de produção (mão-de-obra, insumos, tecnologia e capital) para o exercício da empresa.
149
21. Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro não ter admitido a
sociedade limitada originariamente unipessoal, ao menos reconheceu, ainda que timidamente,
esse caráter organizativo do contrato de sociedade, porquanto admite a unipessoalidade
originária tanto na constituição da sociedade subsidiária integral (Lei nº 6.404/76, art. 251)
quanto na da empresa pública unipessoal (Decreto-Lei nº 200/67, art. 5º, II), bem como a
unipessoalidade incidental temporária (Código Civil, art. 1.033, IV e Lei nº 6.404/76, art. 206,
I, ‘d’).
22. Por
sua
vez,
a
técnica
não-personificada
de
limitação
da
responsabilidade do empresário individual, menos difundida, mas aceita, é aquela que permite
ao empresário individual destacar uma parte dos bens que compõem o seu patrimônio geral
para formar um patrimônio especial, não personificado, afetado ao exercício de empresa. Essa
segregação patrimonial reflete no fato de que somente os bens destinados à atividade
econômica, que formam o patrimônio especial afetado à empresa, respondem pelas obrigações
contraídas nesse âmbito, ou seja, o patrimônio particular do empresário individual não
responde por dívidas contraídas no exercício da empresa e os credores desta não concorrem
com os credores particulares.
23. Se técnica personificada de limitação da responsabilidade do
empresário individual, materializada na sociedade unipessoal limitada, implica na superação
da teoria eminentemente contratualista de constituição societária, a técnica não-personificada
consiste, igualmente, na superação da teoria clássica que compreende o patrimônio como
único e indivisível. Aqui, os princípios da unidade e indivisibilidade do patrimônio não
sobrevivem, porque aquela regra geral de que a cada pessoa corresponde um único patrimônio
não significa impossibilidade de criação de patrimônios distintos para um mesmo sujeito de
direito, em razão de uma finalidade especial, assim denominados patrimônio especiais, desde
que tal providência seja obtida pela lei, ou na forma que esta disciplinar.
24. Nem uma, nem tampouco outra. Quer seja pela técnica personificada,
com a admissão da sociedade empresária limitada originariamente unipessoal, quer seja pela
técnica não-personificada, com a possibilidade de criação de um patrimônio especial afetado à
empresa, o ordenamento jurídico brasileiro não possuiu qualquer instrumento apto a limitar a
responsabilidade do empresário individual pelos riscos inerentes à exploração de empresa.
25. Sem um instrumento capaz de limitar a responsabilidade ao montante
investido na empresa, o expediente utilizado pela pessoa natural do empresário individual,
para lograr o mesmo fim, tem sido o de criar, ainda que a contragosto, só para satisfazer a
idolatria das formas preconizada pela lei, uma sociedade puramente fictícia, cujo quadro
150
societário é composto por um sócio quase totalitário – a própria pessoa natural do empresário
individual – e um sócio de complacência – em regra, pessoas ligadas àquele por íntimos laços
afetivos, como, e.g., cônjuge ou filhos –, detentor, na maioria das vezes, de apenas uma quota
do capital social.
26. Não obstante filiarem-se alguns à tese da existência de simulação
nessas sociedades, porque, a um, o sócio de complacência não adquire status de sócio, bem
como porque, a dois, tanto o sócio quase totalitário quanto o sócio de complacência emitem,
na criação dessas sociedades, declarações divergentes de suas reais intenções, comprovou-se
neste trabalho que as chamadas sociedades fictícias ou de favor não padecem de qualquer
vício que lhes atinja o plano da validade, porquanto seus atos constitutivos representam, não
negócio simulado e ilícito, mas, sim, negócio jurídico indireto e lícito.
27. Não há negócio simulado, porque na constituição dessas sociedades
tanto o sócio quase totalitário quanto o sócio de complacência querem exatamente o que foi
celebrado, nada além ou aquém, inexistindo, pois, divergência entre a intenção das partes e
suas respectivas declarações. O sócio de complacência, ao integralizar a quota subscrita,
demonstra sua efetiva e real intenção de integrar o quadro societário. Afora isso, não se pode
presumir que um sócio que assume obrigações e responsabilidades como tal, não tenha
intenção de ser efetivamente sócio. Quanto ao sócio quase totalitário, sua declaração exprime,
igualmente, sua efetiva e verdadeira intenção: estruturar o controle da sociedade constituída
em união com o sócio de complacência de forma quase totalitária e em seu favor. Por aí,
conclui-se que tanto aquele quanto este querem o negócio nos exatos e precisos termos em
que foi celebrado, de tal forma que a sociedade constituída é real e efetivamente querida por
todos. Não fosse isso suficiente, na constituição dessas sociedades também não se encontra a
clandestinidade, que é peculiar aos negócios simulados.
28. No mais, o simples fato de o sócio de complacência permanecer alheio
à gestão da sociedade não influencia seu status de sócio, porque este pressuposto em nada se
relaciona à administração social. É, pois, da titularidade da quota social, da presença no
quadro societário, que deriva o status socci. Assim, malgrado sua participação diminuta, o
sócio de complacência assume todos os direitos e deveres que cabem àqueles que se
encontram na condição de sócio.
29. Não há, também, negócio ilícito, uma vez que não existe, no
ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma proibição de resultado no tocante (i) à separação
patrimonial ou (ii) à limitação de risco do empresário individual. No primeiro caso, concluiuse que criação de um patrimônio especial não foi objeto de proibição de resultado por parte do
151
legislador pátrio. O que se exige, em boa verdade, é apenas que a separação patrimonial seja
obtida ao abrigo da lei, ou por meio dos instrumentos por ela franqueados. É exatamente o
que ocorre nas sociedades fictícias ou de favor: os sócios valem-se de um instrumento já
franqueado pela lei para obter a criação de um novo sujeito de direito, destinado a limitar o
risco a que estaria exposto o sócio quase totalitário caso se lançasse à atividade econômica
sob empresário individual. Já no segundo caso, concluiu-se que, se a limitação do risco no
exercício da empresa fosse digna de proibição pelo ordenamento jurídico pátrio, nada justifica
que o legislador a tivesse proibido ao empresário individual e admitido aos sócios, nas
sociedades limitadas, bem como aos acionistas, nas sociedades por ações.
30. O que se comprovou, em suma, é que a questão se coloca como pura e
simples ausência de meios diretos para se obter a limitação da responsabilidade do empresário
individual, que o negócio jurídico indireto vem a suprir temporariamente, até que o legislador
pátrio digne-se a tratar da matéria. Assim sendo, enquanto o legislador permanecer inerte, sem
conceber um meio direto para a limitação da responsabilidade do empresário individual, quer
pelo modelo personificado, quer pelo modelo não-personificado, quer por qualquer outro
modelo, dever-se ter por válida a existência das sociedades fictícias ou de favor, como
realmente válidas elas são.
31. Por outro lado, restou a advertência no sentido de que a validade das
sociedades fictícias ou de favor não podem representar uma espécie de salvo conduto para a
perpetração de fraudes contra terceiros. Uma vez manipulada fraudulentamente a pessoa
jurídica, mesmo no domínio particular das sociedades fictícias ou de favor, valem os remédios
ordinários do direito comum, mormente a desconsideração da personalidade jurídica, de resto
aplicável em qualquer hipótese de utilização fraudulenta das formas societárias.
32. Aliás, para testar a validade das sociedades fictícias ou de favor, de
forma derradeira, resolveu-se, neste trabalho, comparar estas com aquelas sociedades
simuladas fraudulentamente. Viu-se que o negócio simulado no âmbito das sociedades pode
se dar em dois momentos distintos: já na sua constituição (simulação da sociedade) ou
durante o curso de sua atuação (simulação na sociedade).
33. No primeiro caso, a simulação pode ocorrer de três formas: (i) quando a
sociedade não tem por objeto as verdadeiras razões de sua criação, isto é, conquanto
constituída com aparência formal, a sociedade nem de longe tem por objeto o exercício de
empresa, muito pelo contrário, sua finalidade ou é causar prejuízos a outrem ou é violar
disposição de lei; (ii) quando interpostas pessoas simuladas fazem às vezes dos verdadeiros
sócios, simulando o quadro societário: os sócios que subscrevem as quotas do capital social
152
não são os verdadeiros sócios, são meros sujeitos decorativos; e (iii) quando as duas formas
anteriores somam-se, ou seja, simula-se concomitantemente a existência da empresa e o
quadro societário da sociedade.
34. No segundo caso, embora a sociedade seja ab origine constituída por
seus verdadeiros sócios, estes, na intenção de se esquivarem das responsabilidades
administrativas, patrimoniais, ou penais decorrentes dos atos cometidos no comando da
sociedade, transferem tal ônus a terceiros, mediante alteração fraudulenta do contrato social.
35. Daí concluir-se, de forma categórica, que as sociedades fictícias ou de
favor não se confundem, de modo algum, com as sociedades simuladas fraudulentamente.
Enquanto naquelas sociedades fictícias ou de favor tudo é real, verdadeiro e verídico, nessas
sociedades fraudulentamente simuladas tudo é aparente, falso e inverídico. Naquelas, reina a
licitude; nestas, impera a fraude. Enfim, enquanto as primeiras vivem sob o manto da verdade,
as segundas sobrevivem até o engodo vir a lume.
153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Saraiva, 2005.
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de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código do
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