A inflação externa e o Brasil
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A inflação externa e o Brasil
A inflação externa e o Brasil Gilmar Mendes Lourenço A acentuada aceleração dos preços internacionais das commodities, especialmente de alimentos, metais e petróleo, pode ser imputada, em grande medida, à impulsão do consumo em algumas economias emergentes, às intempéries climáticas e à deflagração de manobras especulativas realizadas por alguns fundos de investimentos em escala planetária. Na verdade, a combinação entre a pronunciada desaceleração do crescimento da economia norteamericana, por conta da crise das hipotecas de alto risco, surgida em agosto de 2007, e da tentativa de amenização via política de redução de juros, praticada pelo Federal Reserve (FED), Banco Central dos Estados Unidos (EUA), resultou na diminuição das expectativas de ganhos com aplicações nos mercados acionário, imobiliário e financeiro, particularmente na América do Norte, Europa e Japão. De pronto, delineou-se um curso de diversificação das carteiras de ativos das grandes corporações na direção de alguns redutos de juros elevados, como o Brasil, e das aplicações em mercado futuro de commodities, que passaram a registrar volumes de operações dez vezes superiores aos da produção física. As transações com produtos de origem agropecuária, realizadas na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), passaram de US$ 12,5 bilhões em 2006 para US$ 24,3 bilhões em 2007, podendo atingir, segundo projeções do mercado, US$ 45,0 bilhões ainda em 2008. Aliás, as cifras negociadas na BM&F cresceram 81,0% no primeiro quadrimestre de 2008, frente a igual intervalo de 2007. De acordo com projeções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), mesmo que retrocedam, as cotações dos alimentos devem permanecer em patamares superiores às médias históricas, em razão da instabilidade do crescimento econômico mundial, dos problemas ligados ao meio ambiente e a segurança alimentar, e das indefinições quanto à diminuição do protecionismo agrícola dos países ricos, concedendo vultosos subsídios aos produtores rurais. A propósito desse último ponto, mesmo depois de fragorosas derrotas na Organização Mundial do Comércio (OMC), como a disputa do algodão com o Brasil, surgida em 2003, os EUA preservam políticas de incentivo que deverão assegurar mais de US$ 40,0 bilhões para preços mínimos. Conforme o Itamaraty, os EUA despejaram mais de US$ 12,5 bilhões para apoio direto às lavouras de algodão entre 1999 e 2003, o que lhe assegurou a manutenção do 2º lugar na produção mundial da fibra. Com respeito ao petróleo, ressalvadas as diferenças de natureza geopolítica e o aprimoramento dos níveis de eficiência na utilização de insumos energéticos, não seria descabida a fixação do rótulo de Terceiro Choque, pois em uma situação de escassez de investimentos que perdurou por mais de duas décadas, os preços reais já superariam aqueles vigentes no último trimestre de 1979, depois da eclosão da revolução iraniana e do desfecho desfavorável aos interesses dos EUA. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima incremento de 6,0% nas despesas com petróleo requeridas para a obtenção de ampliação adicional de 1,0% no PIB mundial, contra 3,7% após a quintuplicação dos preços do óleo, verificada em 1973, e 7,3% no transcorrer da década de 1980. Enquanto a demanda mundial experimentou expansão de quase 2,0% ao ano entre 2001 e 2007, as cotações do barril do óleo observaram evolução de 21,0% a.a., subindo de US$ 24,5 para mais de US$ 135,0, entre janeiro de 2001 e março de 2008, com variações bruscas, fruto de ingressos e saídas de investidores em massa, típicas de mercados futuros de commodities. Por exemplo, a saca de soja Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.1, n.4, julho 2008 1 avançou de US$ 18,0 em setembro de 2007 para US$ 35,0 em fevereiro de 2008 e declinou para US$ 24,0 em abril de 2008. Considerando que a possível recuperação da confiança na economia dos EUA venha provocar o desmanche de algumas posições especulativas, seria conveniente às autoridades econômicas brasileiras calcular os riscos da inserção externa especializada em commodities. No Brasil, a inflação vem, inquestionavelmente, mostrando as suas garras, começando no atacado, puxada pelos produtos agrícolas e alguns de seus bens de produção associados ao petróleo (fertilizantes e diesel) e aos metais (aço e máquinas), e atingindo o varejo, especialmente os bens não duráveis e semiduráveis, sobretudo os alimentos, cujos preços exibiram, em maio de 2008, a maior variação desde maio de 2003 na capital paulista. O Índice de Preços ao Consumidor Classe 1 (IPC–C1), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para a população de baixa renda (com rendimentos mensais entre 1,0 e 2,5 salários mínimos) subiu 8,24% em doze meses encerrados em maio de 2008, contra 5,59% do IPC Brasil, medido para a faixa de rendimentos entre 1,0 e 33,0 mínimos. O índice foi puxado pelo item alimentação que aumentou 17,0%. Na área dos outros bens essenciais, a manutenção do panorama de aquecimento econômico, amparado primordialmente na variação da massa real de salários, vem oportunizando o repasse das majorações de custos aos preços finais.Porém, ainda se trata de um episódio atrelado a custos, pois os requisitos para a ocorrência de pressões pelo lado da demanda permanecem fora do ambiente macroeconômico. São eles: deficit público, elevações salariais superiores à produtividade e ampliação real de crédito ao setor privado. Até porque constatou-se superavit nominal nas contas públicas no primeiro quadrimestre de 2008, o primeiro da história, pois a folha de salários vem crescendo menos que a produtividade (exceto para o ramo de petróleo e gás, em razão de paralisações técnicas de refinarias), e o crédito privado está bastante aquém da média praticada por nações em desenvolvimento, 37,0% do PIB (ou pouco mais de 50,0% do PIB se forem contabilizadas as operações entre empresas) versus 80,0%. Adicionalmente, o número de horas trabalhadas vem expressando incremento superior aos da utilização da capacidade produtiva, aspecto revelador da maturação dos investimentos realizados em 2006 e 2007. O único componente da demanda que expressa comportamento desgarrado corresponde aos dispêndios públicos correntes, compatível com a necessidade de promoção do reequilíbrio macroeconômico, a partir da redução do superavit comercial, e com uma orientação fiscal mais frouxa durante o ambiente de eleições municipais. Inclusive, as articulações políticas visando à aprovação do projeto que institui a Contribuição Social da Saúde (CSS), em substituição de parte da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) integram um festival de promessas de liberações de verbas para parlamentares da base aliada ao governo. Mesmo assim, a necessidade de ajuste da inflação projetada para 2009, dentro do regime de metas operado pelo Banco Central desde 1999, forçou o Comitê de Política Monetária (Copom) a promover nova elevação da taxa básica de juros (Selic) de 11,75% a.a. para 12,25% a.a. Concretamente, a decisão traduz a tentativa de amainar e/ou compensar, via redução do consumo e investimento privado (famílias e empresas), os focos inflacionários originários de problemas de oferta (custos) e do incremento dos dispêndios do governo. Com isso, o Brasil preservou a liderança mundial em juros reais (7,0% a.a), seguido pela Austrália (5,5% a.a), Turquia (5,3% a.a.), Colômbia (3,7% a.a.) e México (2,6% a.a.), sem lograr êxito na contenção das pressões altistas de preços dos produtos de demanda inelástica e, o que é pior, prejudicar o desempenho das variáveis chaves à competitividade da agricultura de alimentos (crédito e câmbio), em um cenário de ausência de estímulos para a tomada de decisões de investimentos focadas no longo prazo. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.1, n.4, julho 2008 2
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