Histórias deste Mundo e, do Outro
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Histórias deste Mundo e, do Outro
luca mac doiss 2 Histórias deste Mundo e, do Outro Contos luca mac doiss luca mac doiss 3 Copyright © by luca mac doiss Reg.: 108/16 Capa e Projeto Gráfico : luca mac doiss Revisão : Augustus Octo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara do Livro, SP, Brasil) Mac doiss, LuCa Histórias deste Mundo e, do Outro / LuCa Mac doiss. São Paulo, SP: Ed. do autor , 2016. 1. Literatura Brasileira 2. Contos I. Título 15-08585 CDD-885.55 Índices para catálogo sistemático : 1. Romance : Literatura Brasileira 865.53 ISBN: 978-85-907003-5-5 luca mac doiss 4 Contos Pg Parte 1. Histórias deste Mundo 1. Ser feliz em Paraty 2. Com o tempo a favor 3. Uma disputa de santos 4. O santo de Cupertino 5. Livro 138 : Um amor enlaçado na maternidade Parte 2. Contos Místicos 6. Sinais do Filho 7. Promessa à Mãe 8. Eu tenho um camaro amarelo 9. Cabala 10. A minha mãe é a Iemanjá 11. No comment Parte 3. Histórias do Outro Mundo 12. Aquém : Uma promessa à cerveja 13. Nunca é Aquém : Correndo no Ibirapuera 14. O ouro de Serafino 15. Além é Aquém : A visita 16. Eclipse 17. Visões Parte 4. Crônicas : Emboabas 18. Como se tornar milionário 19. Crônica de um bêbado 20. A vida que merecemos 21. O melhor dos melhores luca mac doiss 7 15 24 34 41 58 66 72 79 85 92 100 108 116 124 138 146 156 162 166 169 5 Parte 1. Histórias deste Mundo luca mac doiss 6 Ser feliz em Paraty Ser feliz em Paraty! Apaixonar-se em Paraty! Naquela cidade de romances soltos, de prosadores falastrões, de poetas bêbados, de impostos escritores, de vampiros editores, pensar em um só rosto, em um só par de olhos. Naquela cidade de pedras assassinas, de ruelas gêmeas, de culpa, de punição, pensar em um só rosto, em um só sorriso. Naquela cidade de mar estonteante, de escondidas praias, de vida flutuante, pensar em um só rosto, em um só corpo. Por vezes penso que se fosse em outro lugar qualquer não teria acontecido com tanta rapidez. Como se lá fosse permitido dispensar preliminares, dispensar amenidades, “venha, amor, vamos trepar”. Na verdade, “come on baby, let´s fuck”. Sim, as palavras vieram em um inglês básico. Por que eu? Por que lá? Eu, um escritor caseiro... caseiro no sentido futebolístico; não que eu entenda desse esporte, mas quem não bateu uma bola quando jovem, não é? Eu! Defino, time caseiro só ganha em casa, em casa o time é o melhor do mundo; do mundo não, do Brasil, do Brasil basta, basta, se é o melhor do Brasil, é o melhor do mundo, basta; nós somos os... nossa, viva o ufanismo brasileiro: nós, como se todos aqui jogássemos bola, e bem, craques de berço, os melhores jogadores do mundo, os melhores times do mundo... lembrei-me da jocosa: “Em Paraty...”, é a bola da vez, a cidade da vez. Então, “Em Paraty só há puta e jogador de futebol”, disse o cara um. luca mac doiss 7 “Ei, pega leve, minha irmã mora lá”, disse o cara dois. “Joga um bolão a sua irmã!” Piada velha, mas é só para lembrarmos de prestarmos atenção onde vamos dizer o que vamos dizer, ou o que somente vamos dizer: “Joga um bolão a sua irmã”, bela frase de duplo sentido, não? Bem, eu não pretendo voltar tão cedo a Paraty. Junto: um escritor caseiro... eu, trinta anos de idade, solteiro convicto: convencido de ser a vida de pescador de fêmea o melhor dos mundos, e, ensino, para ter vida longa e piscosa o pescador não pode se apaixonar, regra única; quanto às fêmeas, basta não ser padre e pesar... lugar-comum, economizemos palavras. Junto: um escritor caseiro e um amigo de Paraty; resultado: grata oportunidade, chance para não ser desperdiçada; destino, se acreditarmos existir. Destinei uns dias, fui ver a FLIP, precisava ver os sagrados e consagrados escritores de perto e, aproveitando, conhecer a cidade do mais belo litoral do Brasil, do Brasil basta. Estavam homenageando o Graciliano Ramos. Seria uma honra conhecê-lo, ver o famoso autor de Vidas Secas e... tantos outros belíssimos trabalhos. – Quantos anos? – surpreso perguntei para me certificar que ouvira direito. – Cento e vinte – reiterou meu amigo Joberto, um jornalista de estudo, mas corretor de imóveis por necessidade. – Caracete, meu, e, ainda vivo? Bem, o Gil eu vi, de longe, mas vi. Cheguei um dia após a abertura, uma quinta-feira, consegui um quarto na pousada Bamboo, vinte minutos a pé até o centro histórico. Eu estava de carro, mas seria ganhar no bicho luca mac doiss 8 achar uma vaga para estacionar a menos de quinze minutos a pé do local do evento. À noite fui visitar o tombado centro histórico. Depois de meu gps tomar um nó das ruelas de salientes pedras angulares, estas, um aviso para não se exagerar no álcool, encontrei, por acaso, o restaurante em que me esperava o Joberto. Na procura do local descobri o significado da aplicação do verbo tombar. – Cara, essas casas tão pra cair, hein? – Vai querer comer o quê? – Nossa, esses preços são de tombar o cliente, hein? – Cidade turística, meu amigo. – Cidade turística brasileira, você quer dizer. – Verdade, esse prato ¨francês¨ é mais caro do que o original, em Paris – disse Joberto acenando dois dedos de cada mão. – Um pouco escuro aqui, não? – Esse é o estilo Paraty, e, pessoas importantes não gostam de serem reconhecidas. Foi nesse momento que, juro, eu vi o Machado de Assis jantando com o José de Alencar à mesa do fundo do salão. Fiquei surpreso, não por vê-los então lá: aquela cidade é Paraty; onde mais passariam os dias os imortais? Fiquei surpreso porque, depois de tudo que li sobre aqueles meus escritores prediletos, tinha como certo que eles não eram assim tão amigos. O número um vivia criticando o estilo do pai do Peri. Bem, o tempo apaga tudo, e mesmo os imortais com o tempo relevam; e, conveniemos, tempo não é problema para eles, não é mesmo? Após o jantar, circulamos pelo quadrado centro histórico. Como estava cansado e, mais acertado, com dinheiro con- luca mac doiss 9 tado para os dias em Paraty, não dei atenção aos convites de “vamos trepar, meu bem?”. Digo, foram vários, quase justificando a jocosa ali de cima. Fui dormir, e, só. Acordei cedo no outro dia, tínhamos um passeio de barco agendado. Ah, as famosas belas e exclusivas praias! Deviam ser tombadas. No café da manhã eu a vi pela primeira vez. Haviam as meninas chegado na noite anterior, por certo. Eu estava à xícara de café final quando elas se sentaram à mesa vizinha. A pele branca chamava a atenção: suecas? americanas? inglesas? A mente desocupada é uma coisa que vou lhe contar. Fui adiante, três meninas, nenhum homem: suecas? aventureiras? lésbicas? Fui adiante, uma, talvez, para evitar ser tombado por uma pedra assassina de bêbado, eu encarava, mas não dispensaria a bandeira; a brasileira, óbvio, pela pátria. A mais próxima dessa, beleza comum, mas gostosa; eu dispensaria a bandeira. A terceira, bonita e jeitosa, e, sexy com aqueles óculos de aro azul estreito e alongado; sexo de olhos nos olhos, com óculos e sem óculos. Ali, só um good morning trocamos. Sendo detalhista, dois, a da bandeira nem me olhou. Pelo horário, fui de carro até o cais, acharia vaga por certo. Nem havia dirigido cinquenta metros, quando, após a primeira curva, avistei as três meninas andando no limite da estrada – estrada, melhor nome para uma avenida de lados tomados pelo mato. Parei o carro ao lado delas. – Querem carona? – demorei segundos para perceber que elas não haviam entendido a pergunta. ‘Burro’, pensei, ‘como elas aprenderiam nossa Língua durante um simples café da manhã?’ – Sorry, a ride. Do you girls want a ride? luca mac doiss 10 Deixe-as na entrada do centro histórico. Trajeto de cinco minutos, só descobri que elas eram francesas e que estavam na cidade por dois dias. Os nomes delas, não perguntei, minha educação de berço não permitiu. Uma avalanche de perguntas poderia aparentar que a carona não sairia de graça, erroneamente; ou que tinha eu segundas intenções, acertadamente. Contei que faria um passeio de barco para conhecer algumas praias, e sugeri a elas esse passeio típico da cidade. Elas desceram do carro sem indicarem que haviam entendido a sugestão. No cais, mais barcos esperando turista que vagas à plataforma. ‘O peixe deve estar minguado’, pensei. Joberto esperava-me no início da plataforma, a escuna no final. Fizemos-nos ao mar; que alegria! Praias para que lhes quero. – Praia Vermelha – respondeu Joberto. – Um guarda de tráfego aqui não seria uma má ideia, hein, Joberto? – todos os veleiros, escunas, lanchas e outros flutuantes de Paraty lançaram as ancoras à praia naquela mesma hora. Para um mergulho, corajoso – a água estava fria –, precisei precisar o salto n’água, melhor, a barrigada n’água. Atrás das inúmeras ancoras, centenas de cabeças pontuavam a transparente água daquela praia. Mas pescador dos bons tem sorte. Quando cheguei à areia, avistei uma verdadeira sereia. Sim, uma verdadeira, pois apesar das fantásticas qualidades de uma mulata, de uma morena de praia ou de uma loira de shopping, não posso chamar uma dessas deusas de sereia, não depois de ver aquele monumento à volúpia passear aos meus olhos. Além do corpo de brasileirices formas, além do desfilar quebrado de uma mulata, além do sorriso convidativo de uma morena-jambo, reluzia ao sol aquela pele de leite. Uma verdadeira sereia, e, sozinha. luca mac doiss 11 Meus olhos a seguiram até ela se deter em um quiosque. Ao perceber uma previsível dificuldade na comunicação, corri a oferecer uma ajuda. – Um coco, ela quer uma água de coco – eu disse ao atendente. – Um côcô? – ela perguntou, tentando acertar a pronúncia. – No, co-co. – Côco. – Não. Água da Bahia – melhor evitar que o acento caísse no “o” errado e ela fosse encaminhada a uma não aprazível casinha. – Luca, my name – disse após me desculpar por não ter me apresentado quando da carona da manhã. – Marceline – disse abrindo um belo sorriso a garota dos óculos de aro azul, que para deixar as amigas a sós fazia uma caminhada, até ter surgido a sede e a vontade de beber a famosa água da fruta verde. – Água from Bahia, Salvador? – perguntou mostrandome o coco. – Yes, and you, from Paris? – yes, eu tinha cinquenta por cento de chance de estar certo, na resposta, e na pergunta. – Oui, mon cher ami. Pronto, estava irremediavelmente ajoelhado aos pés da sereia. Mas, ficou na água de coco, a escuna em que eu havia chegado estava de partida. Tomara três águas e estava com muita sede, e meus olhos, vitrificados. As belas imagens de outras mais belas praias não conseguiram substituir a imagem esculpida em minhas retinas, a de minha francesinha: ma chérie Marceline. luca mac doiss 12 Após o passeio, fomos ao jantar, eu e o meu amigo Joberto, então o dia estava escurecendo. Por milagre de Nossa Senhora dos Remédios, encontramos um restaurante que oferecia uma moqueca típica, baiana, por um preço justo, e uma boa promoção: “peça um vinho, um bom vinho português, e leve dois”. Levei um para a pousada, Joberto, o outro. Preferimos a cerveja para acompanhar a moqueca. Quando entrei no jardim da pousada, caminho do quarto, vi, sozinha, sentada em uma cadeira à beira da piscina, minha sereia, minha francesinha. Graças, dei, à Maria dos Remédios. Após um sorriso de pode se chegar, ou você até que serve para amenizar minha solidão, aproximei-me. Poucos minutos bastaram para saber que eu era bemvindo, e, saber que ela estava ali para deixar as amigas a sós, melhor, para continuarem a fazer o que tinham ameaçado fazer na praia. – Would you like to drink a wine? – oui! fui à cata de dois copos na cozinha da pousada; non! não achei copos apropriados para o vinho; yes! toda essa conversa foi em um inglês básico; no!!! fiquei sabendo que ela partiria no outro dia de manhã. Por conta de uma carona até São Paulo, antecipariam a partida que seria à noite, de ônibus. Carona oferecida por um casal que conheceram no restaurante Kontiki, e, enfatizou – com tradução simultânea: “Um chinês e uma japonesa, só no Brasil. Imagine, Lennon.” – Tomorrow? – que puta falta de sorte, pensei. Eu disse sim, que os deuses conspiravam contra minha felicidade. Pedi que ficasse mais um dia, eu a levaria até São Paulo. A tempo, elas partiriam de volta para Paris no domingo, de São Paulo. – Tomorrow – ela não podia deixar as amigas voltarem sozinhas, ela era a culpada, ou algo assim, por estarem naquela cidade. luca mac doiss 13 – But... – Come on baby, let´s fuck. Sexo à francesa. Que revolução! Nada igual eu experimentara até então. Amor de lavagem cerebral. O antes de minha vida sexual não existira. Paraty, como aconteceu em Paraty, e, para não deixar a frase de duplo sentido da jocosa lá de cima órfã, e, principalmente, para não descer o nível, e, por bom gosto, para não abusar do Português formal, vou assim dimensionar o tamanho da revolução em que entrei de cabeça, com placares: Primeiro jogo, da Fraternidade: 6 a 9 Segundo jogo, da Igualdade: 3 a 3 Terceiro jogo, da Liberdade: 1 a 0 Tomorrow. Acordei com o beijinho de adeus. Ela estava vestida e bem disposta. Eu mal consegui me levantar da cama para vê-la sair da pousada com as malas. Tomorrow. Três meses depois daquela noite. Vou ao aeroporto buscar a minha francesinha, ela vai passar um mês aqui em São Paulo, em meu ap, comigo. Paraty? Fui feliz, me dei bem, em Paraty! Apaixonei-me, me dei mal, em Paraty! luca mac doiss 14 Com o tempo a favor Todo conto é singular, mas não no sentido que aqui evoco. Eu nem começo e já estou com os pelinhos do braço em greve: “pare, não conte! ou pulamos fora!”, gritam, em pé, os rebeldes. Esqueçamos esses pentelhos, eu demorei a criar coragem para escrever estas linhas, não vou parar agora. Demorei... quase três anos... Nossa! passaram-se quase três anos do ocorrido. Agora, tenho pressa. Chovia a cântaros, diria o poeta; é melhor encostar, diria o prosador; mas pela experiência que eu já tinha, na época, em estrada, no verão, quando chove, parar no acostamento para esperar a chuva passar não é a melhor prática, pois além de ser perigoso – pode um outro motorista não ver o carro –, é muito provável que a chuva seja localizada, que alguns quilômetros adiante não esteja chovendo. Foi o que aconteceu na primeira chuva, na segunda e na terceira: vieram sem piedade, deixei-as para trás sem dor na consciência. É, eu viajava de carro para a minha cidade natal, João Ramalho... eu sei, quase ninguém conhece, além dos pouco além dos quatro mil habitantes e umas dezenas que de lá partiram. Bem, mas se eu tivesse escolhido qualquer outra pequena cidade distante de São Paulo, distante de onde eu iniciei essa viagem, distante uns quinhentos quilômetros, ficaria do mesmo tamanho, quase ninguém ia conhecer. Salvo umas duas ou três cidades combinadas com duas ou três pessoas, difícil encontrar quem sabe onde fica, quem, até, ouviu o nome da cidadezinha. Resumo: a probabilidade de encontrar alguém que conheça uma cidade pequena é pequena, qualquer que seja a cidade pequena escolhida, então, João Ramalho; por coincidência, a cidade onde nasci. luca mac doiss 15 luca mac doiss, 2006, nasceu da imaginação e paixão por palavra de um engenheiro, com especialização em administração, qualidade e planejamento estratégico. Livros Publicados: • • • • • • • • • Alma de Criança - Romance Mãe, eu cresci! - Infanto-Juvenil Espírito Santo, o herói sem fantasia - Romance Ficção O Coletor de Desejos - Romance Referência Manuscrito 511: Aborígines - Romance Épico Ouro de Tolo - Romance Sombras ao Sol - Romance Dançando com os Sapatos do Diabo e mais Contos Contos Histórias deste Mundo e, do Outro - Contos www.lucamacdoiss.com.br [email protected] luca mac doiss 16