Um Estudo Sobre os Múltiplos Arranjos Conjugais da Atualidade
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Um Estudo Sobre os Múltiplos Arranjos Conjugais da Atualidade
CONJUGALIDADES CONTEMPORÂNEAS: UM ESTUDO SOBRE OS MÚLTIPLOS ARRANJOS CONJUGAIS DA ATUALIDADE Terezinha Féres-Carneiro Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Introdução Em nossa proposta anterior, tivemos como meta estudar o lugar que o laço conjugal ocupa hoje no projeto de vida de jovens solteiros, a partir da percepção que tiveram do casamento de seus pais. A grande maioria dos entrevistados não incluiu, espontaneamente, o casamento em seus planos para o futuro. Surpreendeu-nos também o fato de os jovens não mencionarem o sexo, espontaneamente, como uma dimensão importante no laço conjugal. Os planos profissionais surgiram como os mais relevantes no projeto de vida destes jovens, e a cumplicidade, o companheirismo e a amizade como os ingredientes mais importantes da conjugalidade. Verificamos que o não enfrentamento pelos pais de seus conflitos conjugais e a manutenção de uma relação conjugal insatisfatória interferem no processo de identificação e de diferenciação dos filhos. Constatamos que o lugar que o casamento ocupa nos projetos dos jovens está relacionado com o modo como estes se apropriaram de sua herança familiar e com o discernimento sobre os aspectos da conjugalidade dos pais que os influenciaram (Féres-Carneiro, Magalhães & Ziviani, 2006; Magalhães & Féres-Carneiro, 2007; Féres-Carneiro, Ziviani & Magalhães, 2007). Outra meta, além das inicialmente formuladas, surgiu ao longo do trabalho: a validação do QCP- Questionário sobre a Conjugalidade dos Pais, um dos instrumentos utilizados na coleta de dados da pesquisa em fase de conclusão. O estudo de validação está em andamento e o QCP já foi aplicado em, aproximadamente, 1000 sujeitos de diferentes camadas sociais. O atual momento social é descrito como uma era cujas mensagens e fenômenos são confusos, fluídos e imprevisíveis. Bauman (2003) denomina esta era como “modernidade líquida” e compara o momento atual com o mundo darwiniano, onde o melhor e mais forte sobrevive. Neste mundo de sobrevivência, o relacionamento humano configura-se de forma efêmera. Os sentimentos são descartáveis, assim como os relacionamentos, em prol de uma sensação de segurança. Assim, a sociedade contemporânea enfrenta um paradoxo. A fragilidade do laço e o sentimento de insegurança inspiram um conflitante desejo de tornar o laço intenso e, ao mesmo tempo, deixá-lo desprendido. 1 Giddens (1993) afirma que o compromisso e a história compartilhada devem proporcionar algum tipo de garantia aos parceiros de que a relação será mantida por um período indefinido. No entanto, ele contrapõe esta idéia com o contexto social contemporâneo. Postula que o casamento não é mais considerado como uma “condição natural”, e que a relação é durável enquanto houver satisfação suficiente. Denomina este tipo de relação de “relacionamento puro”, o qual pode ser encerrado a qualquer momento por um dos parceiros. Assim como Bauman denomina a fugacidade do amor contemporâneo de “amor líquido”, Giddens a denomina de “amor confluente”, que se caracteriza pela finitude do laço, no momento em que este deixa de ser vantajoso para um dos parceiros, e que presume igualdade na doação e no recebimento emocional. Esta igualdade de investimento para a manutenção da relação é descrita por Heilborn (2004), quando afirma que os valores da família das camadas médias vêm sofrendo mudanças significativas, devido à ideologia igualitária. A partir de seus estudos, a autora conclui que este ideal igualitário promoveu transformações nos modelos familiares e também na desvalorização do papel da família. Os valores que interferem no comportamento e na interação entre os indivíduos estão calcados na singularidade e na liberdade individual. Isto desencadeou a recusa da distinção hierárquica entre os gêneros e a explicitação da homossexualidade. Além disso, em nome dos valores individualistas, houve um aumento no número de divórcios e de recasamentos, bem como o surgimento da não obrigatoriedade de ter filhos e da coabitação como regra conjugal. O amor passou a ser temido como a morte, sendo encoberto pelo desejo e a excitação de consumir, de ter tudo rapidamente, e de poder descartar quando não houver mais prazer. Para Bauman (2003), o consumo é movido pelo impulso, como se o desejo estivesse submetido às leis da compulsão, posto que não há nem mesmo tempo para que o desejo possa ser semeado, cultivado e alimentado. Este processo demanda um tempo, demasiadamente longo, para os padrões socais da modernidade líquida. Deste modo, os relacionamentos do momento podem ser considerados como relacionamentos “de bolso”, dos quais se pode dispor quando necessário, evitando, assim, o sufocamento da relação e deixando sempre abertas outras possibilidades mais completas de satisfação. Desta forma, no contexto social contemporâneo, múltiplos arranjos conjugais, dos mais tradicionais aos mais modernos, se constroem, se desconstroem e se reconstroem, em seguida, num ritmo acelerado. Na clínica de casais, cada vez mais, nos defrontamos com o sofrimento dos 2 cônjuges decorrente da ambivalência, e com as dificuldades encontradas por eles face às demandas paradoxais da vivência da conjugalidade hoje. Neste projeto, pretendemos estudar os contornos e as características dos arranjos conjugais contemporâneos, buscando compreender, a partir do relato dos sujeitos envolvidos em tais arranjos, como os mesmos são definidos e vivenciados. Para tal, adotaremos uma ótica multidisciplinar, articulando os saberes da sociologia, da antropologia, da psicologia social e da psicanálise de família e casal. Conjugalidade, individualidade e sexualidade Consideramos que o fascínio e a dificuldade de ser casal, residem no fato de esta díade encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois? Os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Por outro lado, constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal. Assim, o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo, por duas forças paradoxais. Se por um lado, os ideais individualistas estimulam a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por outro, surge a necessidade de vivenciar a conjugalidade, a realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais (FéresCarneiro, 1998). A instalação do casal, descrita por Kaufmann (1995) em três fases, é definida como um processo de reformulação de realidades, que corresponderia ao conceito de conjugalidade. Num primeiro momento da vida em comum, há um desconhecimento dos hábitos, opiniões e sentimentos entre os parceiros, levando a uma motivação de conhecer este “estranho íntimo”. A construção de uma realidade conjunta, assim como a convivência compartilhada marcam a segunda fase da instalação do casal, na qual há um sentimento maior de segurança e conforto devido à construção da identidade comum. No entanto, na terceira fase, ocorre uma retomada dos projetos individuais, exigindo que o casal delimite os espaços comuns e individuais. Nesta fase, os cônjuges são absorvidos pelo universo comum construído e o contexto doméstico interfere de forma mais intensa na relação conjugal. 3 Willi (1995) afirma que para o desenvolvimento pessoal de cada cônjuge, é necessária uma redefinição de papéis, regras e funções. É importante que as regras não sejam totalmente rígidas para a funcionalidade da relação. A construção de uma realidade compartilhada é necessária já que os membros do casal levam consigo um sistema de crenças baseado em valores, regras e mitos de suas famílias de origem. Esse sistema de crenças precisa ser remodelado aos poucos para que se forme a identidade conjugal do novo casal. Falar de conjugalidade nos dias atuais, segundo Wendling (2006), é uma tarefa complexa na medida em que as transformações culturais, sociais e econômicas se refletem na relação conjugal, dando ao casamento contemporâneo vários significados, com perspectivas diferentes para cada pessoa. A autora ressalta a importância fundamental da coexistência dos aspectos referentes à conjugalidade e à individualidade de cada cônjuge, e relata que, na sua experiência clínica, observa o quanto os casais se esforçam para manter o laço conjugal e para melhorar a qualidade da relação, indicando que, apesar das separações, o casamento ainda é considerado um aspecto importante na vida das pessoas. Em meio a tantas transformações sociais, a vivência da sexualidade também sofreu mudanças. A sexualidade, antes um atributo do papel social do indivíduo casado, é considerada hoje como algo indispensável para a experiência de intimidade e de união. Bozon (2003) postula que a sexualidade tornou-se um aspecto central na existência do casal contemporâneo, ressaltando que a experiência sexual passou a fazer parte do contexto de jovens solteiros, havendo um deslizamento para idades, cada vez, menores. Tal deslizamento permitiu que as mulheres tivessem uma vida sexual pré-conjugal, o que nas décadas de 1950 e 1960 era ainda um apanágio dos homens. Pesquisando, na França, os comportamentos sexuais, Bozon (2003) constatou que na vida a dois existem duas fases da vida sexual conjugal. A primeira, a fase de “casal nascente”, corresponde aos dois ou três primeiros anos de vida comum, na qual há uma freqüência elevada de atividade sexual, e uma grande importância atribuída à fidelidade. A sexualidade nascente é dedicada à construção do casal, pois é sobre a relação sexual que recai o peso de criar a díade conjugal. A segunda, a fase do “casal estabilizado”, corresponde a alguns anos depois de vida a dois, havendo uma transformação na atividade sexual caracterizada pela diminuição no ritmo das relações e, apesar de o funcionamento do ritual sexual estabilizar-se, a satisfação dos parceiros diminui. O autor observou também que o desejo sexual feminino, ao longo da vida conjugal, declina e aumentam as divergências entre homens e mulheres. 4 Conjugalidades heterossexual e homossexual Ao estudarmos o processo de escolha amorosa de homens e mulheres heterossexuais e homossexuais das camadas médias da população carioca (Féres-Carneiro, 1997), encontramos semelhanças e diferenças nestes dois tipos de conjugalidade. No grupo homossexual, predomina, na preferência dos homens, a qualidade “liberado sexualmente”, sendo importantes a atração física e a dimensão erótica na relação; enquanto na preferência das mulheres, predominam as qualidades “carinhosa” e “companheira”, e a importância do amor e da amizade. Observamos que em geral os sujeitos esperam que seus cônjuges possuam os atributos que a sociedade classifica como pertencentes ao gênero de seus parceiros potenciais, assim, “competência profissional” e “capacidade econômica”, culturalmente identificadas como atributos masculinos, foram valorizadas pelas mulheres heterossexuais e pelos homens homossexuais, na escolha de parceiros, não tendo sido consideradas importantes para os homens heterossexuais nem para as mulheres homossexuais. Em estudo que realizamos, no final dos anos 90, com solteiros, casados, separados e recasados, sobre as conjugalidades heterossexual e homossexual (Féres-Carneiro, 1999), constatamos também semelhanças e diferenças entre homens e mulheres de ambos os grupos, como também entre as dinâmicas conjugais destes dois arranjos. O relacionamento sexual é considerado por homens e mulheres como relevante, todavia, apenas os homossexuais masculinos falam de uma freqüência desejável para as relações sexuais, enquanto os outros sujeitos afirmam que a freqüência depende do casal. A fidelidade é considerada pela maioria dos sujeitos de ambos os grupos como de fundamental importância na relação amorosa. Entretanto, dentre os homossexuais, homens e mulheres indicaram a alternativa do sexo fora da relação, quer como estímulo para esta, quer como uma possibilidade colocada pela própria definição do relacionamento. No discurso dos homens homossexuais, foi possível perceber também uma diferença entre fidelidade sexual e fidelidade amorosa. Para estes sujeitos, a infidelidade sexual não é necessariamente uma traição, enquanto a infidelidade amorosa é sempre considerada uma traição. Já no início dos anos 90, Giddens (1993) considera comum, a homossexuais masculinos, uma grande diversidade de parceiros sexuais, com quem o contato pode ser apenas transitório. Todavia, uma grande quantidade de homens homossexuais e a maior parte das mulheres homossexuais, segundo o autor, se encontram constantemente em uma relação de coabitação 5 com apenas um parceiro. Nesta mesma década, Hite (1998) constata que as mulheres homossexuais teriam menor proporção de casos fora de seu relacionamento principal do que as mulheres heterossexuais. Também, enquanto a maior parte das mulheres heterossexuais esconderia tais casos de seus cônjuges, as mulheres homossexuais não-monógamas ou têm seus casos com o consentimento da parceira principal, ou a informação chega muito rápido a ela. Isso, segundo o autor, pode ocorrer devido a uma comunicação maior em um relacionamento entre duas mulheres do que em um relacionamento heterossexual. No final da década de 90, nossas pesquisas (Féres-Carneiro, 1997, 1999) revelam que a aceitação da família em relação à preferência sexual dos sujeitos homossexuais é maior no caso dos gays do que no caso das lésbicas. A maioria dos homens afirma que tal preferência é bem aceita pela família, enquanto a maioria das mulheres fala de um desconhecimento dos familiares em relação à sua condição de homossexuais. A questão dos filhos para os sujeitos homossexuais também se coloca de forma diferente para gays e lésbicas. Enquanto a maior parte dos homens diz não pretender ter filhos, no discurso da maioria das mulheres aparece o desejo de ter filhos, independente da maneira de concebê-los. Assim, apesar da tendência a se apagar, pouco a pouco, nas sociedades ocidentais, a linha que separa os campos da maternidade e da paternidade, parece permanecer mais forte nas mulheres, mesmo entre as homossexuais, o desejo de ter filhos. Rostosky, Korfhage, Duhigg, Stern, Bennett e Riggle (2004) examinam a questão do contexto familiar dos parceiros do mesmo sexo envolvidos em um relacionamento amoroso, estudando o quanto o apoio familiar, ou a ausência dele, pode influenciar na convivência do casal homossexual. Os resultados deste estudo mostram que, na percepção da maioria dos sujeitos, a qualidade do apoio familiar afeta o relacionamento do casal, fortalecendo-o, ou fragilizando-o. Como não há modelos culturais, rituais ou normas disponíveis, como exemplos para a integração de casais do mesmo sexo à família, estes casais têm de inventar seus próprios “rituais de pertencimento” que servirão para fortalecer e validar a sensação de ser um membro da família. Nessa perspectiva, Arán e Corrêa (2004) apontam para a mudança nas representações, nas práticas e nas identidades sexuais que vêm ocorrendo na contemporaneidade. Afirmam que os fatores principais para tal fenômeno são: a crise na família nuclear (monogâmica e heterossexual), a entrada da mulher no mercado de trabalho, a separação da sexualidade da reprodução e uma política de visibilidade da homossexualidade. Em tal contexto, o debate sobre o reconhecimento social e jurídico de casais homossexuais tem sido um dos fatores de destaque. 6 Já no início dos anos 90, Giddens (1993) afirma que a emergência da homossexualidade é um processo que culminou em uma apropriação de poder sobre a própria sexualidade, uma possibilidade de ser, de descobrir-se diferente de heterossexual. Segundo o autor, é comum a homossexuais masculinos uma grande diversidade de parceiros sexuais, com quem o contato pode ser apenas transitório, todavia, uma grande quantidade de homens homossexuais e a maior parte das mulheres homossexuais se encontram constantemente em uma relação de coabitação com apenas um parceiro. No que se refere aos aspectos jurídicos que regulamentam tais relações, em 1995, a então deputada Marta Suplicy lançou um projeto de lei no Congresso Nacional que permitiria a “parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo”1. Atualmente, o poder judiciário tem-se encarregado de regulamentar questões, sobretudo na esfera patrimonial, mas mesmo quando ocorre a partilha de bens, adquiridos em comum pelos membros de um casal homossexual, a alegação é de que se trata de uma “sociedade de fato”. Somente em tribunais do Rio Grande do Sul, ocorre a alegação de “união estável”, atribuindo-se à união homossexual o estatuto de família. Nesse estado vem sendo permitido também o registro de documentos que confirmam a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo nos Cartórios de Registro de Notas (Arán & Corrêa, 2004). Conjugalidade : enquadre e transmissão A conjugalidade, na literatura psicanalítica das relações amorosas, é definida como uma identidade compartilhada, produto de uma trama identificatória inconsciente dos sujeitosparceiros, que se origina na história familiar de cada um e se dirige a um ideal conjugal compartilhado. Os parceiros são inconscientemente impulsionados no sentido da realização de mandatos familiares transmitidos. Eiguer (1984) aborda a escolha amorosa como produto da organização inconsciente do casal, originada no interjogo das relações de objeto, modeladas a partir da identificação com o casal parental. Quase uma década mais tarde, McDougall (1993), ao discutir o papel das identificações no desenvolvimento afetivo-sexual dos sujeitos, assinala que a configuração do sentido de identidade sexual dos filhos está diretamente relacionada ao casal parental, através das identificações com ambos os pais. 1 Projeto de Lei nº 1.151, de 1995. 7 Ampliamos essa perspectiva e incluímos, no jogo identificatório, outros modelos conjugais que possuem valor significativo na vida do sujeito, além do casal parental propriamente dito. Esses modelos podem incluir representantes e/ou substitutos do casal parental. Em estudos recentes (Féres-Carneiro, Magalhães e Ziviani, 2006; Magalhães e FéresCarneiro, 2007), verificamos que o lugar que o casamento dos pais ocupa nos projetos de vida de seus filhos está relacionado, sobretudo, com o modo como os jovens se apropriaram de sua herança familiar e com o discernimento que possuem sobre os aspectos da conjugalidade dos pais que os influenciam. Nesse estudo, ressaltamos que a trama identificatória, que está na base da conjugalidade, é alicerçada nos modos de transmissão psíquica familiar. A transmissão da vida psíquica na família segue o modelo da passagem do objeto individual a um objeto comum. E, a conjugalidade pode, também, ser pensada como um conteúdo psíquico transmitido a partir da série identificatória familiar. Postulamos a existência de uma conjugalidade transmitida nessa série identificatória, constituída pela introjeção dos diversos vínculos conjugais significativos do grupo familiar mais amplo. A cadeia geracional precede o sujeito e, ao mesmo tempo, é transformada pela sua inserção na mesma. O sujeito tem os modelos parentais como referências importantes, mas deve operar suas próprias transformações, se auto-engendrando. Kaës (1993, 2000) ressalta que o modo como o sujeito lida com a herança torna-o um pensador e criador do material que lhe fora transmitido. O modo como o sujeito opera suas elaborações pode desencadear repetições, patologias ou construções criativas. Granjon (2000) enfatiza o trabalho de estabelecimento de ligações, transformações e diferenciações, fundamento da marca singular que é impressa por cada sujeito na cadeia geracional. A partir da inserção do sujeito na cadeia geracional, cicunscrevemos o lugar da conjugalidade. Consideramos a escolha amorosa como ponto inicial demarcatório dos contornos da conjugalidade. É no momento do encontro amoroso que os elos geracionais dos parceiros se entremeiam e formam a matriz da conjugalidade. A tessitura que se organiza, nesse momento, resulta do interjogo identificatório dos parceiros e das atrações mútuas entre conteúdos psíquicos análogos, simétricos ou complementares. Segundo Lemaire (1988), a conjugalidade se constitui na porosidade de limites dos parceiros. Para ele, ocorre uma atração entre os parceiros a partir de algumas zonas mal delimitadas do “eu”. São essas brechas psíquicas que favorecem a ligação e o investimento amoroso entre os cônjuges. 8 O tipo de matriz conjugal a ser constituída depende da história dos vínculos dos parceiros. Willi (1988) teoriza sobre uma tipologia da matriz conjugal, com base no conceito de colusão. O autor postula que colusão é o jogo inconsciente compartilhado do casal e que tal jogo ocorre em função de um conflito similar não superado pelos parceiros. Cada parceiro assume uma parcela do conflito compartilhado, movido pelo desejo de que o outro o liberte, por meio da projeção de aspectos regressivos e não elaborados. Winnicott (1951) contribui com construtos teóricos importantes para a compreensão da conjugalidade, desenvolvendo a noção de um objeto que se produz numa “realidade compartilhada”, não sendo exclusivamente resultado de projeções de partes do self. A “realidade compartilhada” é uma terceira área do psiquismo, uma área de experimentação para o sujeito, que inclui realidade interna e externa. Na conjugalidade, os parceiros compartilham essa terceira área, criando uma área transicional comum. Consideramos que essa área transicional representa um espaço potencial para as relações amorosas, área em que a porosidade dos limites dos sujeitos-parceiros favorece a constituição da conjugalidade ( Féres-Carneiro, Magalhães & Ziviani, 2006). Os psicanalistas teóricos das configurações vinculares postulam alguns parâmetros que definem o enquadre conjugal, não perdendo de vista a importância do suporte fornecido pelo contexto sócio-cultural. Tais parâmetros são: a cotidiano, o projeto conjugal, a tendência monogâmica e as relações sexuais (Puget & Berenstein, 1993). A conjugalidade resulta de uma transformação do objeto casal de cada parceiro num “objeto casal” compartilhado, uma criação inédita (Puget, 1988). Para a autora, estruturação da conjugalidade evidencia dois paradoxos fundantes do psiquismo. O primeiro se refere à escolha versus o pertencimento e está relacionado às possibilidades de o sujeito elaborar o seu modo particular de pertencer aos vínculos, delineando sua inserção no contexto social, nas instituições, dentre as quais ressaltamos a família e o casamento. O segundo paradoxo refere-se à coexistência fusão-separação e consiste no fato de que, por um lado, a fusão tende a eliminar a distância entre os dois “eus”, fundando o vínculo conjugal por meio do elemento passional e, por outro, a própria existência do vínculo implica um distanciamento mínimo entre os sujeitos, com o objetivo de preservação da alteridade. “Ficar”, namoro e noivado 9 Dentre as novas formas de relacionamentos amorosos, especialmente no que se refere a adolescentes, uma, a partir da década de 1980, vem-se tornando cada vez mais comum: o chamado “ficar” que, por ser relativamente recente, ainda não é completamente assimilado e compreendido por todos, como são outras relações mais tradicionais, como o namoro, o noivado e o casamento. O “ficar” tem como característica essencial a falta de compromisso entre os parceiros, que buscam obter prazer, a partir do exercício da sedução. O grau de envolvimento pode ir de uma simples troca de beijos e abraços até uma relação sexual, sendo que esta não necessariamente ocorre. Assim, há espaço para uma certa intimidade, mas mantém-se, ao mesmo tempo, um relativo afastamento (Matos, Féres-Carneiro & Jablonski, 2005). Para Chaves (2001) o “ficar” ganha sentido na sociedade urbana contemporânea na medida em que o que está em jogo é a auto-satisfação e a evitação da frustração que poderia decorrer de um compromisso afetivo com o outro. Assim, há uma espécie de negação da alteridade, em prol de objetivos narcísicos, tornando o outro “descartável”, facilmente substituível, caso não corresponda a certas expectativas. O “ficar” é classificado pela autora como beirando a “anti-paixão”, quando comparado com o amor romântico, que implica em um envolvimento afetivo, e em paixão, carregada de sentimentos em relação ao outro. Visando à quantidade e à intensidade dos prazeres imediatos, à satisfação de desejo, vista muitas vezes como passatempo, o “ficar” é uma espécie de experimentação, sem a preocupação com o objeto, que funciona como um meio para se obter uma descarga. Para a autora, o tempo do “ficar” é bastante relativo, podendo durar o tempo de um beijo, algumas horas, uma noite, um fim-desemana, vários dias, não havendo uma regra estabelecida. Independente de sua duração, o que é mais ou menos permanente é a característica de ausência de compromisso formal, de transitoriedade, motivo pelo qual “ficar” com mais de uma pessoa em apenas uma noite, por exemplo, não seria visto como uma transgressão. Em estudo realizado com adolescentes, Matos, Féres-Carneiro e Jablonski (2005) constataram que a forma de relacionamento mencionada pelos sujeitos como a mais freqüente na atualidade foi o “ficar”, uma relação inicialmente sem compromisso, mas que funciona como “teste”, para que se conheça uma outra pessoa, verificando se há afinidade, se é possível desenvolver um sentimento de amor, para, então, poder começar a namorar. Considerando que os adolescentes citaram como principais itens necessários para um relacionamento dar certo o amor, a fidelidade e a confiança, parece que os jovens desejam se envolver afetivamente, ansiando por relações “verdadeiras”, das quais buscam certificar-se através do “ficar”, que seria uma forma de 10 evitar uma decepção futura. Grande parte dos jovens destacou o fato de o namoro ser uma restrição, fazendo com que o indivíduo esteja “preso” a outra pessoa, através de um compromisso, mas não afastou esta forma de relacionamento como desejável. Os jovens “ficam” quando não há um “sentimento maior”, mas só namoram quando este sentimento existe. No estudo de Justo (2005), o "ficar" não foi citado majoritariamente como o tipo de relacionamento preferido. A preferência maior recaiu sobre o "namoro". Segundo o autor, isto indica que apesar de o "ficar" ser mais conhecido e lembrado quando se indaga sobre os relacionamentos jovens, existentes hoje, ele não é citado como o relacionamento desejado, aquele que o adolescente imagina como ideal ou que gostaria de viver ao longo da vida. No caso das meninas, assim como no estudo de Matos, Féres-Carneiro & Jablonski (2005), essa tendência, a não incorporar o "ficar" como um ideal de vida, é ainda mais acentuada. Justo (2005) considera que é perfeitamente compreensível que os adolescentes se lancem em experiências variadas e breves com o intuito de conhecer melhor o parceiro. Nesse sentido, não haveria tanta diferença entre o "ficar" e a paquera, embora essa seja tida como uma primeira aproximação que se inicia com olhares e avança para uma conversa mais reservada e íntima, enquanto o "ficar" envolve algum tipo de contato físico como carícias e beijos, podendo culminar numa relação sexual. O “ficar” aparece então como um primeiro contato que poderia levar a um namoro, reafirmando a tese da busca de um maior conhecimento sobre o parceiro. Para o autor, o adolescente vive a tensão gerada por modelos de amor e relacionamentos antigos e modelos gerados pelas forças psicossociais da atualidade. Se por um lado é atraente o ideário do amor romântico, pela promessa de segurança, confiabilidade, fidelidade, durabilidade e outras vantagens, por outro, também é fascinante a promessa da maior independência, autonomia, realização, diversidade e outras coisas com as quais o amor confluente acena. Além disso, não se trata apenas de escolher entre duas alternativas, mas sim de ter de assimilar, no plano afetivo, aquilo que viceja em todos os âmbitos da sociedade contemporânea. Por isso o "ficar" não é apenas um avanço de antigas formas de paquera, mas é um relacionamento que tende a se tornar hegemônico ou paradigmático das formas de relacionamento na contemporaneidade, ou seja, expressa fundamentalmente a compressão do tempo e do espaço na atualidade. Esta nova forma de conjugalidade é denominada por Rossi (2003) de fast food. Esse modelo se configura por uma relação utilitarista, em que não há vínculo de responsabilidade com o outro, objeto de uso e consumo. O encontro não deixa marcas nem saudades, não há apego. 11 Nesse contexto, relações de compromisso como namoro, noivado e casamento, tornam-se assustadoras. O autor afirma que, em sua experiência clínica, o modelo fast food deixa “feridas” e que os “feridos” são aqueles que se sentem desamparados e frustrados por não terem constituído família e por não se sentirem verdadeiramente importantes para alguém. Em relação à atividade sexual dos jovens, Rieth (2002) salienta os aspectos de uma moralidade tradicional face à iniciação sexual na juventude de mulheres e homens, segundo a qual, há uma interdição prescrita, quando se trata de uma relação de namoro. Em outro nível, observa-se a perpetuação de uma assimetria de gênero coexistente com o investimento na sensibilidade das mulheres. De acordo com sua pesquisa, as jovens vinculam sexo e amor num relacionamento de namoro com a “pessoa certa”. Em oposição a essa idealização do amor, os jovens buscam se afirmar como indivíduos por meio da experiência da sexualidade, não pressupondo um compromisso afetivo como o do namoro. Em tempos de arranjos amorosos abertos, quando o “ficar” se apresenta como uma possibilidade fácil de relacionamento, será que ainda há espaço para modelos mais tradicionais de relação amorosa, como o namoro e o noivado? Diferentemente do “ficar”, o namoro é visto, em nossa cultura, como uma relação afetiva constante e duradoura, tendo o compromisso como elo de ligação e a afetividade sempre presente. Há alguns anos, o namoro iniciava-se a partir de uma série de passos e regras a serem cumpridas. Nos anos 80, Azevedo (1986) discorre sobre a manifestação do namoro, em seus moldes clássicos, e considera que existem princípios e regras básicas no namoro tradicional que, embora venham sofrendo modificações através dos tempos, permanecem presentes, sobretudo, nos setores mais tradicionais da sociedade brasileira. O autor caracteriza o namoro no Brasil como variante de um modelo mais largamente difundido na cultura ocidental. Aponta ainda que, de modo geral, o namoro tradicional apresenta as seguintes características: encaminha e facilita escolhas probatórias de futuros cônjuges; evita a promiscuidade sexual, fixando a afetividade em parceiros únicos da união monogâmica; conduz os parceiros na direção de uma adequação aos papéis conjugais tradicionais de marido, esposa, pai e mãe. O autor assinala, ainda, que o namoro à antiga é um padrão relativamente uniforme e rígido que serve a um projeto de família isogâmica, realizado em fases bem definidas de seleção e de relacionamento dos candidatos ao casamento. Com as mudanças experimentadas pela família contemporânea em sua estrutura e organização, os padrões do enamoramento tornaram-se mais flexíveis. Contudo, ainda hoje, 12 encontramos, dentre os jovens que passaram pelo período de namoro tradicional, o estabelecimento do compromisso, no passo seguinte: o noivado. Alves, Tozo e Sagim (2006), em pesquisa realizada em classes médias urbanas da cidade de Ribeirão Preto, descrevem relatos de famílias trigeracionais sobre o que consideravam namoro. A primeira geração apontou que o tempo entre se conhecerem e se casarem era curto; em geral no namoro já existia um compromisso de casamento. No discurso da segunda geração, o namoro é longo, é comum que dure vários anos, seguindo-se o noivado, que marcava um compromisso sério e um período de aquisição de bens para a casa dos futuros cônjuges. Na terceira geração, os casais se descreveram como tendo bastante liberdade na época de namoro, com vida social intensa e vida sexual ativa. Casamento, separação e recasamento O casamento contemporâneo representa uma relação de significação muito intensa na vida dos sujeitos, na medida em que envolve um alto grau de intimidade e de envolvimento afetivo. No início da década de 70, Berger & Kellner (1970) argumentam que o casamento cria para o sujeito uma determinada ordem que permite que a vida seja experimentada com mais sentido. Esta função do laço conjugal enquanto instrumento de construção nômica dá a ele um lugar privilegiado entre as relações mais significativas estabelecidas pelos sujeitos contemporâneos. Em vários trabalhos Jablonski (2001, 2005, 2007) expõe os principais motivos que têm contribuído para o que ele denomina “a crise do casamento contemporâneo”. Dentre outros fatores, o autor ressalta o movimento de modernização da sociedade, o processo de secularização, a expansão do individualismo, o aumento da longevidade e a forma como a cultura valoriza o amor e a sexualidade nos dias de hoje. Discutindo algumas questões de gênero no casamento contemporâneo, Goldenberg (2001) ressalta que apesar das inúmeras e profundas mudanças pelas quais passaram os homens e as mulheres, muitos estereótipos sobre os sexos ainda permanecem. Para muitas mulheres, todos os homens têm muitas parceiras sexuais ao longo da vida e aproveitam todas as oportunidades para ter novas aventuras. Todavia, estudos recentes mostram que a realidade não é bem esta. Do mesmo modo, o estereótipo da mulher como vítima indefesa e frágil, que também não encontra respaldo na realidade, continua sendo alimentado por homens e mulheres. A autora argumenta que apesar das alternativas vanguardistas de conjugalidade, o modelo tradicional de casamento continua de alguma forma presente nas relações conjugais contemporâneas. Para ela, hoje, 13 homens e mulheres são quase iguais, escolhem-se com mais liberdade e separam-se com mais facilidade. Por outro lado, o estudo desenvolvido por Menandro, Rölke & Bertollo (2005), a partir de uma classificação de provérbios, sobre questões referentes ao casamento e às relações de gênero, evidencia como as concepções sobre o feminino e sobre as relações amorosas, que justificam o desequilíbrio de poder entre homens e mulheres no casamento, ainda hoje, estão presentes neste tipo de manifestação cultural, onde predomina a perspectiva masculina. Magalhães (1993) e Féres-Carneiro (1995, 1997), investigando concepções de casamento, verificaram que enquanto as mulheres concebem casamento como “relação amorosa”, para os homens, casamento é sobretudo “constituição de família”. A demanda predominantemente feminina de separação, constatada tanto no âmbito do judiciário (IBGE, 2005), como na clínica (Féres-Carneiro, 1995, 2003), pode ser entendida como uma das conseqüências do modo distinto como homens e mulheres definem casamento. Assim, para as mulheres, quando a relação não é satisfatória, sobretudo na sua vertente amorosa, a separação parece inevitável, o que não ocorre com os homens. O número crescente de separações conjugais na sociedade contemporânea pode parecer um contra-argumento da tese, a que nos referimos anteriormente, desenvolvida por Berger & Kellner (1970) de que o casamento é para os cônjuges uma das principais áreas de autorealização social e a base dos relacionamentos na esfera privada. Todavia, os sujeitos se separam não porque o casamento não seja importante, mas porque sua importância é tão grande que os cônjuges não aceitam que ele não corresponda a suas expectativas. É justamente a dificuldade desta exigência que o divórcio reflete e, quase sempre, os divorciados buscam o recasamento, os homens mais rapidamente que as mulheres (Féres-Carneiro, 1998). Em estudo, realizado no final dos anos 80, em que investigamos a manifestação das dimensões de aliança e de sexualidade em casais de primeiro casamento e em casais recasados, constatamos algumas diferenças em relação aos aspectos estudados (Féres-Carneiro, 1987). Concluímos que no grupo de primeiro casamento a dimensão de aliança assume um papel mais significativo do que a da sexualidade, o relacionamento com a família de origem é mais freqüente e mais valorizado, e os papéis de homem e de mulher aparecem de forma mais rígida. Em ambos os grupos o relacionamento sexual é considerado importante para o casal, mas a sexualidade aparece de forma mais personalizada e criativa entre os recasados, para os quais são maiores as demandas e as expectativas em relação à atividade sexual. 14 Estudos sobre o recasamento mostram como a família recasada tem características próprias, e é importante não tomá-la como a família nuclear recriada (Féres-Carneiro, 1998; Wagner & Féres-Carneiro, 2000; Bernstein, 2002; Travis, 2003). Na família recasada os limites dos subsistemas familiares são mais permeáveis, a autoridade paterna e materna é dividida com outros membros da família, assim como os encargos financeiros. Há uma complexidade maior na constituição do casal e da família, que demanda flexibilidade e originalidade na interação que se estabelece entre seus membros. É importante não interpretar, como disfuncionalidade, a complexidade destas relações. Pesquisas brasileiras realizadas por diversos autores (Féres-Carneiro, 1987; Costa, Penso & Féres-Carneiro, 1992; Wagner, Falcke, & Meza, 1997; Wagner & Féres-Carneiro, 2000; Wagner, 2002) enfatizam a possibilidade de promover saúde nas famílias recasadas, não evidenciando diferenças significativas entre famílias de primeiro casamento e famílias reconstituídas, em relação a diferentes variáveis relacionadas ao desenvolvimento emocional da criança e do adolescente e à dinâmica das relações familiares. Wagner (2002) ressalta como o número de pessoas que voltam a investir em uma nova relação conjugal vem crescendo aceleradamente. O recasamento é considerado uma possibilidade de reconquistar e recriar vínculos essenciais de intimidade, afeto e companheirismo. A idéia do reinvestimento, que caracteriza o recasamento, representa a expectativa das pessoas envolvidas no processo de reconstrução da vida afetiva. Muitas vezes, os parceiros investem grande soma de energia afetiva na nova relação, na tentativa de reparar os erros que ocasionaram rupturas anteriores. Para Bernstein (2002), é comum o comportamento dos cônjuges de buscar um equilíbrio por meio de uma nova experiência. Os que experimentaram, inicialmente, uma relação de muito afeto, buscam posteriormente, formas e motivos mais pragmáticos para a constituição do segundo casamento. Aqueles que vivenciaram um casamento mais utilitário procuram uma união estruturada no afeto, companheirismo e ideais românticos. No primeiro casamento os parceiros trazem uma bagagem emocional, econômica e sócio-cultural de suas famílias de origem. No recasamento, essa bagagem é enriquecida por experiências vividas nos casamentos anteriores. As experiências de coabitar, o enfrentamento das diferenças individuais no casamento, a experiência do diálogo conjugal e o aprendizado sobre si no contexto das relações conjugais, ampliam os recursos emocionais no recasamento. 15 No recasamento, diferentemente do primeiro casamento, no qual as famílias de origem tendem a participar mais ativamente na preparação que antecede a união do casal, espaços e tempos são menos planejados e demarcados. A organização de aspectos como definição da moradia do casal, rituais de passagem e a inserção dos parceiros nas redes sociais e familiares de ambos, ocorre de modo mais fluido (Ahrons, 1999; Carter & McGoldrick, 1999; Travis, 2003). Coabitação e união estável A coabitação é uma forma de relacionamento conjugal não tradicional que se difundiu, mundialmente, a partir da década de 70. Tem sido assumida como um estilo de vida alternativo, nas camadas médias dos grandes centros urbanos. Geralmente é escolhida por pessoas que se identificam mais com valores não tradicionais, sendo mais bem aceita, como opção conjugal, por aqueles que não são engajados em nenhuma religião (Béjin, 1985; Dias, 1995). Já no início da década de 80, Spanier (1983) se refere à coabitação como uma espécie de rito preliminar ao casamento, com funcionamento próximo deste, sem, portanto, haver uma formalização em termos legais. Segundo o autor, o aumento da coabitação pode ser explicado, pelo fato de haver uma maior aceitação social dessa modalidade de relacionamento, e por um aumento da liberdade sexual entre os jovens. A coabitação, enquanto fase preparatória constituise como um “casamento experimental”. A coabitação identifica-se com o casamento, mas estabelece diferenças na sua constituição ao estruturar-se na ausência dos vínculos legais e religiosos. Assim, o casamento e a coabitação se diferenciam na sua dimensão social. Segundo Skinner, Bahr, Crane e Call (2002), nas últimas quatro décadas, o número de casais que coabitam aumentou significativamente. Os autores ressaltam que os casais coabitantes, quando comparados com os casais casados, parecem ter maior probabilidade de terminar suas uniões. Casamentos precedidos por coabitação teriam maior taxa de dissolução do que os de outros casais casados. Em relação à união estável, Ennes (2006) se refere a este arranjo como uma forma de relação conjugal existente no plano social desde a antiguidade, contudo, seu reconhecimento como entidade familiar é um fenômeno jurídico novo. A autora ressalta que a legalização da união estável e especialmente as implicações, decorrentes da nova realidade social que ela passou a constituir, representam uma das principais mudanças ocorridas atualmente no âmbito da conjugalidade. 16 Num contexto social marcado de modo particular pela multiplicidade de arranjos conjugais e familiares, o novo Código Civil reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, manifestada de modo público e duradouro, com o objetivo de constituir família. A definição da vivência em comum foi alterada por um elemento jurídico que, em sintonia com a Constituição da República de 1988, utilizou a expressão união estável em substituição ao termo concubinato (Pereira, 2002). Assim, como ressalta Ennes (2006), a união estável é retirada da categoria de concubinato e introduzida no conceito atual de família. Para autora, a conjugalidade é, por assim dizer, o principal conceito implícito na comunhão de vida exigida em termos legais para que uma relação possa ser considerada união estável, na medida em que, se constituindo de tal forma na prática, ela precisa ser reconhecida como uma relação dotada dessa qualidade e, portanto, conjugal, no âmbito jurídico. Os conviventes precisam ser vistos socialmente como um casal para que, primeiramente, a relação constituída por eles seja considerada união estável no âmbito jurídico, e para que, posteriormente, em decorrência desse reconhecimento, possam incidir sobre eles os direitos e deveres previstos por lei. Em caso de separação, o patrimônio comum é dividido, cabendo 50% a cada membro do casal. A autora ressalta, ainda, alguns aspectos referentes à caracterização jurídica da união estável, como a não exigência legal da existência de filhos e da coabitação para sua definição como tal, e explicita algumas dificuldades encontradas pelos juristas referentes, por exemplo, à distinção entre “namoro firme” e união estável, em casos de separação. Poliamor O poliamor surgiu na década de 90 como uma nova modalidade de relacionamento amoroso, uma representação paradigmática do amor contemporâneo. Sem ligação com uma identidade sexual particular (Klesse, 2006), esta modalidade específica da não-monogamia é uma orientação de relacionamento na qual se acredita ser possível e aceitável amar muitas pessoas e manter múltiplos relacionamentos íntimos (Barker, 2005), se houver honestidade quanto a eles e se não for pensada, necessariamente, em termos de relacionamentos sexuais (Barker, 2005; Klesse, 2006; Anapol, 1997; Lano e Parry, 1995). A ênfase no amor, geralmente, vem acompanhada pela diminuição da ênfase na sexualidade. Alguns praticantes, inclusive, preferem o termo “polimorosos” ao rótulo de identidade “bissexual”, já que este último enfatiza o sexo e, apesar de o sexo ser importante, ter 17 muitas relações sexuais não é o objetivo dos poliamorosos. Muitos até chegam a ter menos parceiros sexuais do que pessoas que dizem praticar a monogamia. Esta valorização da possibilidade de se manter relacionamentos intensamente íntimos demanda que se acorde explicitamente sobre não-exclusividade; abrindo, assim, a possibilidade de se realizar todos os diferentes potenciais de um relacionamento. A amizade significa um relacionamento sem molde fixo, onde se negocia, com cada indivíduo, que rumo a relação pode tomar. As fronteiras entre amizade, parceria e relacionamento amoroso são ambíguas, mas importantes para o poliamor. Para alguns casais, é normal ter sexo com amigos e tal sexualização da amizade pode funcionar em diversas direções: às vezes amizades de longa data podem se tornar relacionamentos sexuais, a atração sexual pode marcar o começo de uma amizade, que depois não será mais sexual (Klesse, 2006). A partir de tais considerações, delineiam-se as configurações, com uma larga extensão de relacionamentos e práticas sexuais. Para Munson e Stelboum (1999), o termo poliamor inclui múltiplos tipos de envolvimentos íntimos, como a polifidelidade, ou casamento de grupo; relacionamentos primários abertos a envolvimentos secundários; e envolvimentos sexuais casuais com duas ou mais pessoas. Klesse (2006) acrescenta, ainda, casamento de grupo aberto ou fechado, tríades, quartetos, redes múltiplas, parceiros primários, secundários e terciários. Para este autor, existe uma distinção quanto à questão de relacionamentos não-monogâmicos. O poliamor é distingüido de outros tipos de não-monogamia e nem todos os poliamorosos aceitam tal denominação inclusiva, pois é preciso que haja uma coexistência pacífica, baseada em respeito mútuo de pessoas de diferentes estilos de vida nas comunidades “poli”. Lano & Parry (1995) trazem o conceito de “não-monogamia responsável”, se todos os parceiros estiverem cientes e partilharem de um consenso no aspecto não-monogâmico do arranjo do relacionamento. Essa explicação esbarra em dois temas extremamente importantes nos discursos poliamorosos: honestidade e consenso. A honestidade entra aqui como o axioma básico do poliamor. Outros elementos centrais são: comunicação, negociação, auto-responsabilidade, emoção e intimidade, sendo todos ligados ao tema dominante da honestidade (Klesse, 2006). O caráter ético do poliamor vem de tais elementos. Às vezes ele não aparece como uma forma distinta de não-monogamia, mas como algo totalmente diferente dela. Em alguns casos, a concepção de um poliamoroso pode envolver, por exemplo, dar o devido valor a cada pessoa e investir em um número limitado e simultâneo de longos relacionamentos com maior envolvimento emocional, mas não como ambição em ter muitos parceiros sexuais. 18 Alguns poliamorosos distingüem poliamor, sexo casual e promiscuidade, na medida em que este último termo tem conotação negativa, pois implica em um número sem razão de ser de parceiros. A promiscuidade é associada com imaturidade, deficiência de caráter, superficialidade, narcisismo, egocentrismo, incapacidade de relacionamento, falta de responsabilidade e desvalorização (Seidman, 1992; LeMoncheck, 1997; Klesse, 2006). Há um descontentamento generalizado entre os poliamorosos por serem confundidos com pessoas interessadas em sexo casual, swingue ou promiscuidade, pois existe, neles, interesse sincero em construir relacionamentos de longa duração. Além disso, entre os grupos poliamorosos, há o que Lano e Parry (1995) chamam de polifidelidade, isto é, um comprometimento do grupo em ter relações sexuais apenas entre eles e de não ter outros parceiros fora do grupo. Apesar de ainda estar em ascensão, o movimento do poliamor se propõe a quebras de padrão e surge com potencial para desafiar discursos vigentes sobre monogamia e infidelidade e para revelar a natureza construída da “heterossexualidade compulsória”. Como na cultura ocidental existe uma construção de sexualidade dominante, na qual um relacionamento sexual deve ser pautado por três elementos-chave, ou seja, deve ser (a) entre um homem e uma mulher, (b) monogâmico e (c) com o homem ativo e a mulher passiva; o poliamor surge discutindo esse ideal de relacionamento sexual. Também dialoga com a idéia de os relacionamentos serem apenas entre duas pessoas, e do ideal heterossexual do homem como o ativo e a mulher como passiva, problematizando os construtos binários homem/mulher e hetero/homo na raiz da heterossexualidade compulsória (Barker, 2005). Para esta autora, o discurso do poliamor surge tanto como diferente e ameaçador para a monogamia, quanto como normal e similar à monogamia. O discurso da “diferença” reflete a dificuldade que o poliamor tem para ser aceito pela monogamia e constrói, justamente, o que esse arranjo difere como potencialmente melhor ou mais realista que a monogamia. Para os poliamorosos, o poliamor é um modo melhor e mais honesto de se relacionar do que a monogamia, já que muitos indivíduos se sentem atraídos por mais de uma pessoa, e que isso faz os monogâmicos se sentirem ameaçados. Já o discurso da “similaridade” age como um dispositivo normatizador, que serve para aceitação das pessoas poliamorosas como “um outro qualquer”. Os discursos do “diferente” e do “igual” funcionam como forma de se apresentarem como melhores ou mais realistas dos que os monogâmicos, por um lado, e como normais e aceitáveis, por outro. 19 A celebração de amor e intimidade dos poliamorosos remete ao ideal hegemônico de casais monogâmicos juntos há muito tempo (Bell & Binnie, 2000; Califia, 2000). Desta forma, o poliamor, ao mesmo tempo que possui um discurso de uma “intimidade pública” (Jamieson, 1999), sustenta, de certa forma, o ideal normativo da monogamia (Klesse, 2006). Através da promoção de diversos parceiros, o poliamor desafia a hegemonia do casal central como a única forma válida de relacionamento. Muitos poliamorosos vêem o poliamor como um discurso crítico que visa a uma diversificação íntima e sexual das culturas. Por outro lado, o discurso do poliamor tende a estabelecer padrões exclusivos para o que deve ser considerado como ético nas práticas sexuais e de relacionamentos. Assim, o poliamor parece que se posiciona ambigüamente nos discursos contra e a favor da norma no sexo e nos relacionamentos, fazendo com que ele fique vulnerável a ser apropriado por ideologias normativas. Relação virtual Os computadores mudaram a forma pela qual trabalhamos, mas, em rede, também possibilitaram formas de relacionamento entre pessoas até então inimagináveis. Até mesmo sexo online vem-se tornando parte da vida moderna. Entretanto, sabemos muito pouco acerca dessas novas formas de relacionamento. Cabe, portanto, investigar em que aspectos um relacionamento virtual, no qual a emoção envolva duas pessoas que poderão nunca se ver ou se encontrar, difere de uma relação no chamado “mundo real”. Desde os primeiros estudos sobre o relacionamento romântico virtual (Williams, 1996; Schnarch, 1997; Cooper, 1998; Nicolaci-da-Costa, 1998), tem surgido na literatura sobre o tema grande variedade de trabalhos de natureza descritiva. Ao se examinar essa civilização de mundos virtuais, torna-se aparente que certos relacionamentos interpessoais passaram por uma transformação durante a última década do século vinte, ao complementarem a tradicional relação face a face por uma tecnologia social que possibilita o surgimento de uma relação amorosa sem contato pessoal dos parceiros. Em um dos primeiros esforços para conceituar o relacionamento romântico mediado pelo computador, Merkle & Richardson (2000) se propõem a considerar as maneiras pelas quais a tecnologia moderna veio a influenciar a natureza de se relacionar romanticamente com outra pessoa. Constataram a diferença entre a relação face a face e a relação virtual quanto à autorevelação, no sentido de que usuários da Internet vieram a saber mais um sobre o outro, mais rápida e intimamente, do que na relação face a face 20 Quais seriam os determinantes psicológicos envolvidos e como poderia se articular uma teoria da relação amorosa virtual? Destacamos o trabalho de Ben-Ze’ev (2004), para quem o ciberespaço é uma realidade psicológica na qual a imaginação desempenha papel crucial. A novidade do ciberespaço está na magnitude do aspecto imaginário e, particularmente, no seu aspecto interativo. Essa interatividade fez da realidade psicológica da imaginação uma realidade psicossocial além do indivíduo, na medida em que envolve outra ou outras pessoas. Diferentemente da carta, do telefone, até mesmo do e-mail, a relação virtual parece ser a primeira alternativa real de substituição da relação face a face. A natureza interativa do ciberespaço tem impacto profundo em dois de seus aspectos, o da igualdade e o da sedução. No da igualdade, no sentido de que muitas das características do indivíduo, significativas para a vida cotidiana, como idade, gênero, etnia ou religião, pouca relevância têm no relacionamento virtual. No da sedução, no sentido de que são acrescidas à imaginação e à interatividade as características da disponibilidade, com seu baixo custo, e do anonimato, que garante o controle do risco sempre presente nas relações interpessoais. Esse conjunto de características aponta para a natureza paradoxal das relações virtuais, pois viabiliza o que o autor chama de “vínculo desvinculado”; embora, no mundo real, a proximidade íntima seja inviável à distância, ela se viabiliza no ciberespaço. Dentre os aspectos que distinguem a relação virtual romântica da relação romântica “real”, face a face, Ben-Ze’ev aponta: distância e, simultaneamente, imediação; comunicação “enxuta” e, ao mesmo tempo, rica; anonimato e auto-revelação; sinceridade e fraude. Assim, a comunicação online viabiliza um novo tipo de relacionamento romântico no qual são combinadas tanto as características das relações próximas ou íntimas, quanto das relações remotas. São remotas e distantes no sentido espacial, mas são imediatas no sentido temporal: dois amantes podem se comunicar sem perda significativa de tempo e sem intermediação de terceiros. Além disso, a relação virtual envolve um grau maior tanto de fraude quanto de sinceridade. Entretanto, o desenvolvimento do relacionamento virtual é caracterizado pela incitação para sonhar e fantasiar, ao invés de fraudar. Desta forma, as contradições e a incerteza associadas aos relacionamentos virtuais os fazem menos estáveis e mais intensos; pois, neles, as emoções têm papel muito maior. Diversos trabalhos têm corroborado essas considerações. Entre nós, destacamos o trabalho de Nicolaci-da-Costa (1998) que, ao estudar o impacto da Internet sobre a intimidade, apontou para a profundidade e intensidade possíveis nos relacionamentos online, pois as relações 21 românticas virtuais, embora à distância, são fortes e duradouras. Mais recentemente, a autora alerta sobre o equívoco da generalização das características das interações virtuais passageiras, vistas por vários autores como se fossem “verdadeiros relacionamentos”, para todos os relacionamentos virtuais da contemporaneidade (Nicolaci-da-Costa, 2005). Outros autores brasileiros, ao investigarem relação romântica virtual, chegaram a conclusões que igualmente corroboram o contexto teórico aqui apresentado. Particularmente no que diz respeito à transformação da relação virtual duradoura em relação face a face, “real”, com o trabalho de Civiletti & Pereira, 2002; e ao fato de que tanto aspectos positivos quanto negativos podem ser observados tanto na relação amorosa virtual, quanto na relação face a face (Gonçalves, 2000). No trabalho de Joinson (2001), a auto-revelação mostrou-se também maior na comunicação mediada pelo computador do que na interação face a face. Segundo Sheeks & Birchmeier (2007), sujeitos que indicaram níveis altos tanto de timidez quanto de sociabilidade mostraram-se mais capazes de “mostrar seu verdadeiro eu”, ou seja, de auto-revelar-se, na situação online do que na situação face a face. O que torna uma relação amorosa online bem sucedida? A partir de sinais emitidos por “casais” do ciberespaço, Baker (2002) procurou responder acerca das condições sob as quais a relação se mantém, e concluiu que relações que começam online podem e, de fato, se tornam offline, transformando-se, muitas vezes, em relações estáveis e duradouras. Além do mais, o profundo alicerce construído por meio dos métodos de comunicação online podem permanecer com o casal ao mudarem para a relação na vida real, pois, para o autor, no encontro online, quanto mais importantes sejam as emoções e os pensamentos compartilhados, tanto menos importantes são as aparências. Quanto à questão da intimidade na forma virtual, Scott, Mottarella & Lavooy (2006) contrastaram níveis de intimidade relatada por sujeitos, em situação de relacionamento romântico, nas condições de comunicação mediada por computador versus comunicação face a face. Verificaram que sujeitos, passando pela relação online, relataram terem experimentado menos intimidade em suas relações face a face do que sujeitos que mantiveram apenas relação face a face. Diante disso, os autores concluem que as pessoas podem se voltar para a relação virtual após desafios em suas experiências face a face. Nos diferentes arranjos conjugais da contemporaneidade, a relação online pode, ou não, ter ocorrido na história do relacionamento; assim como as diversas dimensões relacionais, tais como a intimidade, a sexualidade, a fidelidade, a privacidade, dentre outras, podem estar 22 presentes de modos semelhantes ou distintos em cada um dos referidos arranjos. O que pretendemos realizar é, justamente, o estudo aprofundado de como as múltiplas conjugalidades contemporâneas são caracterizadas e vivenciadas. Justificativa e objetivos Diante de um panorama social que apresenta múltiplas conjugalidades que se constroem, se desconstroem e se reconstroem, em seguida, num ritmo acelerado, torna-se cada vez mais importante o desenvolvimento de pesquisas que aprofundem a compreensão sobre as questões relacionadas ao laço conjugal e aos diversos arranjos conjugais contemporâneos. Na clínica temos nos defrontado, cada vez mais, com os temas da relação amorosa, do casamento, da separação e do recasamento, contidos na demanda de psicoterapia dos indivíduos, dos casais e das famílias. Temos encontrado também um número, cada vez maior, de diferentes modos de vivenciar a relação amorosa em diversos arranjos conjugais. Investigar a formação destes diferentes arranjos, mapeando as concepções dos mesmos e o modo como os sujeitos neles inseridos interagem, permitirá uma compreensão aprofundada dos diversos temas relacionados a tais configurações. Tal investigação trará subsídios importantes para a prática das psicoterapias individual, de família e de casal, para as quais as questões relacionadas à conjugalidade e a suas múltiplas formas estão cada vez mais presentes. O objetivo geral deste projeto é desenvolver um estudo sobre as conjugalidades contemporâneas, buscando conhecer os diferentes arranjos conjugais presentes na atualidade. Temos como objetivos específicos: a) mapear conceitualmente tais arranjos, identificando os fatores que os sujeitos neles envolvidos indicam como definidoras dos mesmos; b) comparar as visões de homens e mulheres heterossexuais e homossexuais a respeito de tais configurações, buscando identificar semelhanças e diferenças entre elas; c) subsidiar a clínica individual, de casal e de família frente à demanda de atendimento dos sujeitos envolvidos nestes diferentes tipos de arranjos. Método Para atingirmos os objetivos propostos, desenvolveremos este projeto utilizando uma metodologia qualitativa, centrada em entrevista semi-estruturada que contemplará temas relevantes concernentes aos múltiplos arranjos conjugais contemporâneos. 23 Sujeitos e delineamento dos arranjos conjugais A amostra de conveniência será constituída de 100 sujeitos, das camadas médias da população carioca, com idades entre 20 e 50 anos, sendo 50 homens e 50 mulheres, constituídos em grupos de 4 sujeitos heterossexuais e 2 sujeitos homossexuais, distribuídos nos seguintes arranjos conjugais: Sujeitos Homem Mulher Arranjos Conjugais Total Heteros- Homos- Heteros- Homos- sexual sexual sexual sexual “Ficar” 4 2 4 2 12 Namoro 4 2 4 2 12 Noivado 4 * 4 * 8 Coabitação (primeira) 4 2 4 2 12 União estável (primeira) 4 2 4 2 12 Casamento civil (primeiro) 4 * 4 * 8 Recasamento 4 2 4 2 12 Casamento em casas separadas 4 2 4 2 12 Poliamor 4 2 4 2 12 36 14 36 14 100 Total (*) A amostra não incluirá sujeitos nas condições destas células. Consideramos que um desses arranjos conjugais – poliamor – se apresenta com singularidades estruturais e, como tal, sugere tratamento em separado. A entrevista com os sujeitos nessa condição terá uma reorientação adequada, sinalizada pelo roteiro invisível que estará preparado para essas contingências. Os arranjos “recasamento” e “casamento em casas separadas” poderão incluir sujeitos em diferentes condições, como “casamento civil”, “união estável”, ou “coabitação”. 24 Em síntese, serão estudadas as relações entre três variáveis. A primeira, gênero, em dois níveis (homens e mulheres); a segunda, orientação sexual, também em dois níveis (heterossexuais e homossexuais); e a terceira, os diferentes arranjos conjugais, em nove níveis. O espaço amostral da pesquisa como um todo será, portanto, constituído das trinta e seis células (2x2x9=36) da tabela apresentada acima, menos as quatro células assinaladas com asterisco, indicando que a amostra não incluirá sujeitos naquelas condições (homens e mulheres, homossexuais, nos arranjos conjugais “noivado” e “casamento civil”, ainda não instituído no Brasil). Instrumentos e procedimentos Construímos, com o objetivo específico de utilização neste estudo, a Ficha Biográfica, que se encontra no Anexo I, por meio da qual pretendemos levantar dados gerais sobre os sujeitos e suas famílias, tais como idade, sexo, escolaridade, profissão, orientação sexual, constituição da família atual, classe social, renda pessoal e participação na renda familiar. Para a obtenção dos dados específicos, utilizaremos uma entrevista semi-estruturada, com um “roteiro invisível”, cuja versão provisória encontra-se no Anexo II, com gravação (de áudio). A entrevista contemplará temas relevantes aos arranjos conjugais tais como: concepção de conjugalidade, escolha amorosa, história da relação (relacionamento online anterior ou concomitante com o relacionamento offline), individualidade, intimidade, sexualidade, fidelidade, liberdade, privacidade, cotidiano, trabalho, história da família de origem, valores, rede social, patrimônio, dinheiro, filhos (ou projeto de filhos). A ordem de emergência destes temas será determinada pelo próprio fluxo da entrevista. Quando, espontaneamente, os sujeitos não abordarem alguns deles, caberá ao entrevistador formular perguntas a eles relacionadas. A versão final do “roteiro invisível” da entrevista será formulada após o levantamento bibliográfico e a realização da pesquisa-piloto. Análise e discussão dos resultados Primeira etapa: a pré-análise Será feita a codificação, digitação e análise dos dados coletados pela Ficha Biográfica, na medida em que forem sendo realizadas entrevistas. Paralelamente, serão transcritas as gravações (de áudio) e preparado o material digitalizado para a constituição do corpus a ser submetido à análise de conteúdo, guiada pelos objetivos formulados. 25 Segunda etapa: análise de conteúdo Para a avaliação dos dados obtidos por meio das entrevistas, suas transcrições serão submetidas a uma análise de conteúdo, tal como proposto por Bardin (1977, 2003). As categorias de análise serão estabelecidas a partir do material obtido nas entrevistas; todavia os temas mencionados anteriormente podem sugerir possíveis categorias. Podemos definir o pensamento categorial, diz Bardin (2003), como “um procedimento cognitivo permitindo operar classificações de objetos a partir de propriedades comuns” (p. 251). A finalidade é a construção de conjuntos distintos e, idealmente, claramente delimitados; para isso, utilizam-se critérios. Além disso, procuraremos, na medida do possível, chegar à análise da enunciação, ou seja, a análise do conteúdo com categorização de unidades significantes. Neste caso, o objetivo é o de ultrapassar o plano manifesto, recortado pelas categorias por meio do reposicionamento dos variados índices de superfície do texto. Nessa análise poderemos utilizar também o programa de análise de dados textuais Alceste (2007) com o objetivo de evidenciar os perfis de significados nos diferentes arranjos conjugais estudados. Ou seja, as concordâncias, as palavras associadas e co-ocorrências, demarcando os padrões que aproximam ou diferenciam as características de tais arranjos. Terceira etapa : discussão dos resultados Os resultados encontrados por meio da análise de conteúdo serão discutidos a partir da literatura revisada dos campos da sociologia, da antropologia, da psicologia social e da psicanálise de família visando a atingir os objetivos formulados e a levantar questões para futuras investigações. Considerações éticas O Projeto será, inicialmente, submetido à Comissão de Ética do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e, só depois de aprovado, começará a ser desenvolvido. Os objetivos do estudo serão explicados aos sujeitos, solicitando que leiam e assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constarão as informações básicas sobre a pesquisa. Em relação à influência da pesquisa sobre os participantes, consideramos que não haverá nenhum prejuízo para os mesmos. Todavia, caso haja desconforto psicológico durante a entrevista, na medida em que o relato, sobre as questões referentes à experiência conjugal do 26 sujeito, possa suscitar nele algum sofrimento psíquico, o entrevistador estará preparado para o manejo da situação e, se for o caso, para interromper o procedimento e, até mesmo, para sugerir o encaminhamento para um atendimento psicológico. Cronograma O projeto, cuja duração é de 36 meses, será desenvolvido de acordo com o seguinte cronograma: 1) Seleção, leitura e fichamento de textos relevantes para a elaboração da fundamentação teórica da pesquisa – 03/2008 a 08/2008. 2) Refinamento dos dados da Ficha Biográfica e do Roteiro da Entrevista a partir do levantamento da literatura pertinente - 09/2008 a 11/2008. 3) Realização da pesquisa-piloto: a) aplicação da Ficha Biográfica e realização de entrevistas com 36 sujeitos - um sujeito de cada condição estabelecida (das 40 células que constituem o espaço amostral da pesquisa, 4 não incluem sujeitos: homens e mulheres homossexuais, nos arranjos conjugais “noivado” e “casamento civil”); b) codificação, digitação e análise dos dados coletados pela Ficha Biográfica; c) transcrição e análise das entrevistas-piloto – 12/2008 a 03/2009. 4) Refinamento da ficha biográfica e do “roteiro invisível” final da entrevista, a partir da pesquisa-piloto – 04/2009 a 06/2009. 5) Aplicação da ficha biográfica e realização da entrevista com os 100 sujeitos da pesquisa (50 homens: 36 heterossexuais e 14 homossexuais; e 50 mulheres: 36 heterossexuais e 14 homossexuais) distribuídos nos diferentes arranjos conjugais conforme previsto no planejamento metodológico – 07/2009 a 12/2009. 6) Análise dos resultados Primeira etapa – Codificação, digitação e análise dos dados coletados pela Ficha Biográfica; transcrição das entrevistas gravadas em áudio, à medida que forem sendo realizadas, e preparação do material digitalizado a ser submetido à análise de conteúdo - 08/2009 a 01/2010. Segunda etapa – Realização da análise de conteúdo conforme Bardin (1977, 2003) e utilização do programa de análise de dados textuais Alceste (2007) – 02/2010 a 08/2010. 7) Discussão dos resultados encontrados – 09/2010 a 12/2010. 8) Preparação de textos para publicação – 01/2011 a 02/2011. 27 Referências Ahrons, C. R. (1999). Divorce: An unscheduled family transition. Em B. Carter e M. McGoldrick, (orgs.). The expanded family life cycle: individual, family and social perspectives. Boston: Allyn & Bacon. Alceste (2007). Alceste: un logiciel d’analyse de données textuelles. Manuel d’utilisation. Toulouse: Image. Anapol, D. (1997). Poliamory: the new love without limits. São Rafael, CA: IntiNet Resource Center. Arán, M. & Corrêa, M. V. (2004). Sexualidade e política na cultura contemporânea: o reconhecimento social e jurídico do casal homossexual. PHYSIS: Revista Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v.14, n.2, 329-341. Azevedo, T. (1986). 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O ideal igualitário que predomina na sociedade contemporânea promoveu importantes transformações nos modelos de família e casal. Homens e mulheres parecem ansiosos por um relacionamento em que não se sintam descartáveis, ao mesmo tempo em que parecem desconfiados da condição de estarem continuamente vinculados. O compromisso é considerado como limitador da liberdade e provoca sentimentos que, muitas vezes, são vivenciados como intoleráveis. O casamento não é mais considerado como uma “condição natural”, a relação é durável enquanto houver satisfação suficiente e, a qualquer momento, pode ser rompida por um dos parceiros. Na clínica de casais, cada vez mais, nos defrontamos com o sofrimento dos cônjuges, decorrente da ambivalência, e com as dificuldades encontradas por eles face às demandas paradoxais da vivência da conjugalidade hoje. Na literatura psicanalítica das relações amorosas, a conjugalidade é definida como uma identidade compartilhada, produto de uma trama identificatória inconsciente dos sujeitos-parceiros, que se origina na história familiar de cada um e se dirige a um ideal conjugal compartilhado. O sujeito tem os modelos parentais como referências importantes, mas deve operar suas próprias transformações, se autoengendrando. Neste projeto, pretendemos desenvolver um estudo sobre as conjugalidades contemporâneas, buscando mapear conceitualmente os diversos arranjos conjugais presentes na atualidade, identificando as variáveis que os sujeitos indicam como definidoras de tais arranjos, e procurando compreender como os mesmos são vivenciados pelos sujeitos neles envolvidos. Pretendemos comparar as visões de homens e mulheres heterossexuais e homossexuais a respeito dessas conjugalidades contemporâneas, buscando identificar semelhanças e diferenças entre elas. Para atingirmos os objetivos propostos, desenvolveremos este projeto utilizando uma metodologia qualitativa, centrada em entrevista semi-estruturada que contemplará temas relevantes, concernentes aos múltiplos arranjos conjugais. A amostra de conveniência será constituída de 100 sujeitos, das camadas médias da população carioca, com idades entre 20 e 50 anos, sendo 50 homens e 50 mulheres, distribuídos em grupos de 4 sujeitos heterossexuais e 2 sujeitos homossexuais, nos seguintes arranjos conjugais: “ficar”, namoro, noivado, coabitação, união estável, casamento civil, recasamento, casamento em casas separadas e poliamor. Adotaremos uma ótica multidisciplinar, articulando os saberes da sociologia, da antropologia, da psicologia social e da psicanálise de família e casal. Pretendemos trazer subsídios importantes para a prática das psicoterapias individual, de família e de casal, para as quais as questões relacionadas à conjugalidade e às suas múltiplas formas estão cada vez mais presentes. 34 Equipe de Pesquisa Terezinha Féres-Carneiro – Professora Titular PUC-Rio (Coordenadora) Andrea Seixas Magalhães – Professora Assistente PUC-Rio Cílio Ziviani – Professor Visitante PUC-Rio Célia Regina Henriques – Doutoranda Bolsista CNPq Alberto Carneiro de Souza – Mestrando Bolsista CNPq Rebeca Nonato Machado – Bolsista AT/CNPq Aline Vieira de Souza – Bolsista IC/FAPERJ Mariana Reis Barcellos – Bolsista IC/FAPERJ Vanessa Augusta de Souza – Bolsista CNPq/PIBIC Luciana Janeiro Silva – Bolsista CNPq/PIBIC Laura Marques Rizzaro – Bolsista CNPq/Edital IC Gabriela Malvezzi do Amaral – Bolsista CNPq/Edital IC 35 ANEXO I FB – Ficha Biográfica Tipo de arranjo conjugal: __________________________________________. Tempo de relacionamento: __________________________________________. Idade: ______anos. Sexo: M F Profissão: __________________________________________. Escolaridade: Ensino Médio (2º grau) completo Ensino Superior (Universidade) Especialização Mestrado incompleto completo Curso:_________________. Doutorado Orientação Sexual: Homossexual Heterossexual Bissexual Constituição Familiar: Cônjuge- Idade _______ anos. Filhos: F M M F F M F M Profissão: ______________________________________. . idade _____ anos. idade _____ anos. idade _____ anos. idade _____ anos. Em caso de recasamento e casamento em casas separadas. Filhos: F F F F M M M M idade _________ idade _________ idade _________ idade _________ Morando com:____________________________________. Morando com:____________________________________. Morando com:____________________________________. Morando com:____________________________________. Renda Familiar: Renda pessoal: ____________________________________. Cônjuge : ________________________________________. Outros membros da família: _________________________. 36 ANEXO II Roteiro de Entrevista Concepção de conjugalidade; fatores que definem o arranjo conjugal. Escolha amorosa; história da relação (relacionamento online anterior ou concomitante com o relacionamento offline). Individualidade; liberdade; privacidade. Sexualidade; intimidade; fidelidade. Cotidiano; trabalho; projetos conjugais. Filhos (ou projeto de filhos). História da família de origem; valores. Dinheiro; patrimônio. Rede social. A ordem de emergência destes temas será determinada pelo próprio fluxo da entrevista. 37