Artigo Completo

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Artigo Completo
Trabalho de pesquisa
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e
fisiológicas
Feline therapy: pharmacological and physiological differences
Tathiana Mourão dos Anjos – Médica Veterinária, Especialista, Pós-graduanda em Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos, Membro da ABFel - Academia
Brasileira de Clínicos de Felinos. E-mail: [email protected]
Harald Fernando Vicente de Brito – Medico Veterinário Mestre, Professor do Instituto Qualittas de Pós-Graduação em Medicina Veterinária e Membro do
Corpo Clínico do Hospital Veterinário Dr. Eicke Bucholtz. E-mail: [email protected]
Anjos TM, Brito HFV. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009; 7(23); 554-567.
Resumo
É sabido que gatos apresentam respostas diferentes das manifestadas pelos cães, quando tratados
com diversos fármacos. Entretanto, as doses de muitos medicamentos, para terapêutica de felídeos,
são obtidas a partir das utilizadas para cães, ocasionando uma série de reações adversas. Essas reações se manifestam de várias maneiras, conforme dose utilizada, tipo de fármaco, via de administração, idade e condição física do animal, devido às diferenças no metabolismo entre as espécies. Gatos
apresentam uma deficiência relativa na atividade de enzimas glicuronil transferase, que catalisam as
reações de conjugação mais importantes nos mamíferos. Além disso, eles são muito susceptíveis à metahemoglobinemia e à formação de corpúsculos de Heinz, após a administração de alguns fármacos,
por possuir um número maior de grupos sulfidril comparado aos cães e humanos. O objetivo deste
trabalho é revisar as características metabólicas e fisiológicas dos felídeos domésticos e os principais
fármacos capazes de causar reações adversas e intoxicações nestes animais.
Palavras-chave: Terapêutica felina, metahemoglobinemia, glicuronidação
Abstract
It is known that cats respond differently from dogs to several drugs. Many medicine dosages recommended for dogs are extrapolated to cats, and this usually causes adverse reactions in felines. Those
reactions can be manifested by various ways according to a series of factors like the type of drug
used, the dose of drug, age, corporal status and route of administration. Those manifestations occur
mainly due to differences into the metabolism among the species. The cat has a relative deficiency in
the activity of some glycuronyl transferase, which catalyzes the most conjugation reactions in mammals. Besides, the species are very susceptible to methemoglobinemia and Heinz body formation after
administration of some drugs due own a major number of sulfidril groups compared with dogs and
men. The intention this paper is review cats physiologic and metabolic features and the main drugs
that can cause adverse reactions and intoxication in cats.
Keywords: Feline therapeutics, methemoglobinemia, glucuronidation
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Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23);554-567.
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Introdução
Os Médicos Veterinários têm conhecimento de que os gatos não respondem da mesma maneira que os cães quando
submetidos a uma variedade de drogas. No entanto, ainda
não existem protocolos terapêuticos seguros para a grande
maioria dos fármacos utilizados na medicina de felídeos, o
que resulta em muitos erros de prescrição (1).
As doses de medicamentos usadas em gatos são, em sua
maioria, obtidas a partir das doses recomendadas para cães.
Embora existam similaridades entre essas espécies, e a extrapolação de doses seja frequentemente bem sucedida, deve-se
ter em mente as variações da farmacocinética e do metabolismo de drogas entre elas, a fim de evitar que reações adversas
aconteçam (2).
Gatos possuem receptores para drogas semelhantes aos
dos outros animais, como alfa receptores, receptores para
esteroides, entre outros, sendo também a absorção e distribuição dos medicamentos semelhante, quando comparamos cães e gatos. Contudo, o metabolismo do fármaco
pode ser significativamente diferentemente, o que afeta
diretamente a eliminação da droga e/ou de seus metabólitos. Essa diferença no metabolismo resulta em diferentes
concentrações da droga ou de seus metabólitos, podendo
resultar em diferença na eficácia terapêutica e até em toxicidade (3).
A maioria dos casos de intoxicações e/ou reações adversas, que acontece nos felídeos, são resultantes do desconhecimento das diferenças de metabolização hepática e da estrutura da hemoglobina dos gatos, ou da escolha inadequada das
apresentações farmacêuticas dos medicamentos como, por
exemplo, cápsulas e comprimidos grandes, de difícil administração, ou de soluções parenterais extremamente concentradas (4).
Com o intuito de melhor informar o Médico Veterinário
sobre as particularidades metabólicas dos felídeos, propôs-se
esta revisão.
Farmacocinética
Os efeitos de um medicamento ou um agente tóxico no
organismo animal são consequências das suas características
farmacocinéticas e farmacodinâmicas (5).
A farmacocinética estuda o movimento de uma substância química, em particular, um medicamento no interior de
um organismo vivo, analisando sua absorção, distribuição,
biotransformação e excreção (6).
Absorção é a série de processos pelos quais passa uma
substância externa, para penetrar em um organismo vivo,
sem lesão traumática, e chegar à circulação sanguínea. Para
tanto, um determinado medicamento necessita atravessar
as diferentes membranas biológicas, como o epitélio gastrointestinal, o endotélio vascular e, também, as membranas
plasmáticas, para que possa ser absorvido. Para a realização
desses fenômenos, é de vital importância a constituição das
membranas celulares, o pH do meio, o pK do medicamento
e o transporte transmembrana. Os processos envolvidos na
absorção de substâncias químicas por membranas biológicas
são o transporte passivo ou a difusão; o transporte mediado
por carreador, como o transporte ativo e a difusão facilitada;
e processos como a fagocitose e a pinocitose (5).
Além das membranas biológicas, existem as barreiras tissulares corporais pelas quais uma substância é absorvida. São
elas: a mucosa do trato gastrointestinal; as barreiras epiteliais
da pele, córnea e bexiga; e as barreiras hematoencefálica, hemotesticular e capilares (5).
É importante ressaltar ainda, que a taxa e a magnitude de
absorção dos medicamentos são similares para cães e gatos,
independente da via de administração (1).
Na escolha da via de administração de um medicamento, vários fatores devem ser considerados, como a necessidade de efeito sistêmico ou localizado, latência, características físico-químicas, entre outros (5), contudo, vale
lembrar que, apesar de as vias transmucosas ou tópicas
serem utilizadas normalmente para a obtenção de efeitos
não sistêmicos, isto é, localizados, alguns medicamentos
podem ser absorvidos pela pele íntegra. Isso normalmente ocorre quando na formulação existem gorduras ou solventes de gordura. Ressalta-se ainda que a aplicação tipo
pour-on é considerada como uma via tópica, porém, dependendo do princípio ativo utilizado e do veículo, o mesmo
pode ser absorvido pelo organismo, apresentando efeitos
sistêmicos (5).
A velocidade de absorção de um medicamento por uma
determinada membrana biológica depende basicamente da
natureza química desse agente e da via de exposição. Agentes
químicos lipossolúveis podem dissolver-se nas membranas
das células e difundir-se facilmente. Em contraste, moléculas
ionizáveis não conseguem adentrar com facilidade nas células. Quanto à via de exposição, comparando a absorção percutânea com a absorção por via aérea, por exemplo, pode-se
notar que a primeira é extremamente vagarosa, pois envolve
a transferência do agente córneo, enquanto que a outra tende
a ser rápida, pois envolve a transferência do agente químico
por uma membrana fina, com uma extensa área de absorção
e um intenso fluxo sanguíneo (6).
O parâmetro que descreve a extensão da absorção é a biodisponibilidade, que é definida como a fração da dose ou da
concentração de um agente químico que foi transferido do local de administração ou exposição para a corrente sanguínea.
No caso de injetáveis, a biodisponibilidade é 100%, pois todo
agente químico adentra a circulação. A absorção incompleta
pode ser decorrente de vários processos como: dissolução incompleta do agente químico, passagem incompleta por meio
das membranas, biotransformação no local da administração
ou efeito de primeira passagem (5,6).
Após absorção, um medicamento pode ficar sob a forma
livre no sangue, ligar-se a proteínas plasmáticas ou, então,
ser sequestrado para depósitos no organismo. É importante
saber que somente o medicamento na forma livre é distribuído para os tecidos, definindo-se distribuição como fenômeno
em que um medicamento após ter chegado ao sangue, isto é,
após a sua absorção, sai desse compartimento e vai para o seu
local de ação (5).
Spinosa (5), afirma que é importante levar em consideração a água corporal, a qual representa cerca de 50 a 70% do
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peso do organismo, e que ela se distribui em 4 compartimentos, conforme descrito abaixo:
1. líquido extracelular: constituído de plasma sanguíneo, representando aproximadamente 4,5% do peso
corporal;
2. líquido intersticial (aproximadamente 16% do peso
corporal) e linfa (1-2%);
3. líquido intracelular (30-40%);
4. líquido transcelular (aproximadamente 2,5%), que inclui os líquidos cefalorraquidiano, intraocular, peritoneal, pleural, sinovial e secreções digestivas.
O autor afirma ainda que no interior de cada um desses
compartimentos aquosos, existem moléculas do fármaco em
solução livre e ligada, nas formas molecular ou iônica, de
acordo com o pH do compartimento. Além disso, o equilíbrio
da distribuição entre os vários compartimentos depende da
capacidade de um medicamento atravessar as barreiras teciduais de cada compartimento, da ligação do medicamento
no interior dos mesmos, da ligação dos medicamentos às proteínas plasmáticas e/ou teciduais, da ionização e da lipo ou
hidrossolubilidade das moléculas dos medicamentos.
Uma quantidade significante do fármaco absorvido por
um organismo tende a ligar-se de forma reversível às proteínas plasmáticas, e somente a fração livre do fármaco tem a
capacidade de deixar o plasma e alcançar seu sítio de ação (5).
A exposição concomitante a dois fármacos com alta porcentagem de ligação plasmática pode ocasionar um aumento
da atividade ou da toxicidade de um deles. Isso ocorre porque eles competem pelos mesmos sítios de ligação nessas
proteínas, havendo, portanto, o deslocamento de um deles
para a forma livre, responsável pela sua atividade ou efeitos
tóxicos (5).
A albumina plasmática é a mais importante proteína envolvida na ligação com medicamentos e agentes tóxicos, porém, não é a única: estão incluídas nesse grupo a beta globulina e a alfa 1 glicoproteína ácida (5).
É importante ter ciência sobre acumulação e estoque de
medicamentos que ocorrem dentro do organismo de um indivíduo para que seja calculada de maneira exata a dose necessária para se obter a concentração de medicamento livre,
suficiente para causar o efeito terapêutico desejado e não os
efeitos adversos, principalmente quando se utilizam doses
repetidas, uma vez que, ao ultrapassar a saturabilidade de
tais depósitos, a concentração do medicamento livre pode
aumentar rapidamente levando a efeitos tóxicos de natureza
grave (5).
Outro dado de importância para o estudo farmacocinético
é a meia vida plasmática, a qual é definida como o tempo
necessário para que a concentração por ml de sangue, de um
determinado agente terapêutico, se reduza à metade (5).
Em cães e gatos, as diferenças entre o volume de distribuição dos fármacos são pequenas. A concentração plasmática
dos fármacos pode ficar elevada nos gatos, quando o mesmo
regime de dose é utilizado para ambas as espécies, o que é explicado devido às diferenças no volume sanguíneo, que nos
cães é de 90 ml/kg e nos gatos é de 70 ml/kg (2), ficando o
fármaco confinado em um compartimento de fluido menor
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(2). Por esse mesmo motivo, a distribuição também se altera
quando há perdas hídricas (4). É importante lembrar ainda
que gatos doentes não se mantêm tão bem hidratados como
cães (4).
A biotransformação consiste na transformação química
de substâncias, sejam elas medicamentos ou agentes tóxicos,
dentro do organismo vivo, visando favorecer a sua eliminação. Ela não apenas favorece a eliminação de um fármaco,
como também, muitas vezes, resulta na inativação do mesmo.
Contudo, muitos metabólitos de medicamentos apresentam
ainda atividade farmacológica, podendo provocar efeitos similares ou diferentes das moléculas originais, e também ser
responsáveis por importantes efeitos tóxicos que se seguem à
administração do mesmo (5).
A função do metabolismo das drogas é transformar um
composto lipossolúvel em uma forma mais hidrossolúvel e
mais polar, com intuito de facilitar a sua excreção pelo organismo. As drogas relativamente hidrossolúveis não precisam ser metabolizadas e são eliminadas praticamente inalteradas na urina. A absorção e distribuição dessas drogas
são similares em todas as espécies domésticas, podendo-se,
então, usar as mesmas doses (ex.: aminoglicosídeos). Já as
drogas lipossolúveis não são prontamente eliminadas, podendo atingir concentrações tóxicas se não forem metabolizadas (2).
O metabolismo das drogas compreende duas fases, cada
uma catalisada por enzimas específicas. As enzimas da fase 1
catalisam reações de oxidação, redução ou hidrólise e estão
localizadas primariamente no fígado, embora também ocorra
alguma atividade nos rins, mucosa intestinal, pulmões e plasma (7), convertendo o medicamento original em metabólito
mais polar, podendo esse ser mais ativo do que a molécula
original, menos ativo ou até mesmo inativo (5). Essas reações
acontecem, normalmente, no sistema microssomal hepático
no interior do retículo endoplasmático liso. O processo básico é a hidroxilação, catalisada pelo sistema P450, exigindo
nicotinamida-adenina-nucleotídeo-fosfato (NADPH), nicotinamida-adenina-nucleotídeo (NADH) e oxigênio molecular.
Essa via oxidativa, análoga à cadeia de transporte de elétrons
que ocorre na mitocôndria, tem como principal componente
uma proteína heme (citocromo P450) que catalisa a oxidação
de medicamentos. Essa enzima também é denominada “oxigenase de função mista” ou ainda “monooxigenase”. Nesse
sistema, a oxidase final é designada citocromo P450 porque
pode ligar-se ao monóxido de carbono (CO), fornecendo um
produto com espectro de absorção com um máximo de intensidade em 450 nm. A maioria das enzimas da fase 1 pertence
ao sistema do citocromo P450 e são classificadas como enzimas microssomais. Os metabólitos dessas reações geralmente são menos ativos que o composto original, porém certas
drogas podem formar metabólitos mais tóxicos (ex.: acetaminofeno), mais ativos (ex.: primidona) ou com a mesma atividade. Pode ocorrer também a conversão de drogas inativas
em formas farmalogicamente ativas (ex.: ciclosfosfamida,
azatioprina, prednisona) (2). As reações da fase 1 geralmente
introduzem na molécula da droga grupos como OH, COOH
E NH2 que tornam os metabólitos susceptíveis às reações da
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fase 2. Se a droga já contém um desses grupos químicos pode
sofrer conjugação direta sem passar pela fase 1 (7).
As reações de fase 2 envolvem o acoplamento entre o
medicamento ou seu metabólito a um substrato endógeno
através do processo de conjugação tornando o medicamento menos ativo, menos tóxico e mais hidrossolúvel para ser
prontamente eliminado pela urina ou bile. As principais
moléculas utilizadas nas reações de conjugação são ácido
glicurônico, sulfato, glutation, glicina, cisteína, glutamina, taurina, grupos metil e acetil. Nos mamíferos, a reação
mais importante é a conjugação desses metabólitos com o
ácido glicurônico, catalisada por uma família de enzimas
microssomais, a uridina-difosfato-glicorunil transferase.
Além do fígado, essas enzimas também são encontradas
nos rins, no intestino, no cérebro e na pele. A natureza dos
grupos funcionais determina o destino metabólico do composto (7). Drogas que contêm OH, COOH, NH2, HN e SH
são particularmente susceptíveis à glicuronidação (2). Várias substâncias endógenas também são conjugadas com
o ácido glicurônico, entre elas os hormônios estradiol 17β,
progesterona, testosterona, cortisol e tiroxina. A enzima
β-glicuronidase, presente na mucosa do jejuno e nas bactérias intestinais, pode hidrolisar os conjugados glicurônicos recém formados, tornando-os novamente ativos. Se o
composto for lipossolúvel, será reabsorvido pelo trato gastrintestinal, o que caracteriza circulação entero-hepática,
prolongando o tempo de permanência da droga no organismo. A conjugação com o sulfato é catalisada pelas enzimas sulfotransferases presentes principalmente no citosol
dos hepatócitos. Esses conjugados são, em geral, altamente polares e rapidamente excretados na urina. Entretanto,
a capacidade de conjugação com o sulfato é saturada após
doses elevadas de drogas, o que não ocorre na conjugação
glicuronídica. A saturação deve-se à depleção do co-fator
obrigatório endógeno, o 3-fosfoadenosina 5-fosfossulfato.
As reações de acetilação são catalisadas por uma família de
N-acetiltransferases, localizadas no citosol das células de
alguns órgãos, como o fígado, intestino, rins e pulmões. Os
metabólitos acetilados geralmente são menos hidrossolúveis do que a droga original e cristalizam-se mais facilmente nos túbulos renais.
A conjugação com o glutation, também constitui um mecanismo importante de desintoxicação do organismo. A reação é catalisada por enzimas glutation S-transferases, presentes em praticamente todos os tecidos. Os conjugados de
glutation são clivados a derivados de cisteína e acetilados,
dando origem a conjugados N-acetilcisteína. Esses são conhecidos como ácidos mercaptúricos e são excretados na urina. A
metilação e a conjugação com os aminoácidos glicina, taurina
e glutamina são reações menos comuns para drogas, mas importantes para compostos endógenos (7).
Identificar as enzimas e seus substratos específicos de
cada droga na fase 1 é difícil. Entretanto, deficiências específicas nas reações de metilação e hidroxilação têm sido
descritas em gatos e podem ser responsáveis por diferentes
modelos de ativação de pró-droga (primidona) ou reações
adversas (cloranfenicol). Essas deficiências enzimáticas na
fase 2 são mais fáceis de serem identificadas. A mais comum
delas é a deficiência na conjugação de glicuronato que é justificada pela baixa concentração de glicuranil transferases.
Nem todas as drogas que são conjugadas com glicuronato
são tóxicas para gatos, pois eles apresentam deficiência só
de certas famílias de glicuranil transferases e, quando ocorre falha nessa via metabólica fazem a conjugação alternativamente pela via do sulfato, portanto, algumas drogas que
são excretadas como conjugado glicuronato em cães são excretadas como compostos sulfatados em gatos. Entretanto,
em felídeos, o sistema de conjugação com o sulfato, pode
ser facilmente saturado. As drogas que contêm grupos OH,
COOH, NH2, HN e SH são particularmente susceptíveis à
glicuronização (morfina, cloranfenicol, ácido acetil salicílico e poucas sulfonamidas) (2). Deficiência no processo de
glicuronização explica a predisposição de felídeos a efeitos
tóxicos das drogas do grupo fenol, como o paracetamol (acetaminofeno), e aumento da meia-vida de certas drogas como
o carprofeno e a aspirina. Recentemente, foi identificada deficiência de uma base molecular genética. Gatos domésticos
têm pequenas quantidades de UDP-glicuranil transferase
hepática (UGT) e novas técnicas de clonagem têm mostrado
mutações nessa UGP e pseudogenes. Os gatos podem ter deficiência nessa via metabólica devido à sua dieta carnívora
e à falta de exposição a plantas que contêm fitoalexinas (8).
Isso sugere que como os gatos são carnívoros eles, evolutivamente, não precisaram desenvolver sistemas de metabolização de fitoalexinas, um grupo de compostos encontrados em
plantas crucíferas (9). Todas as enzimas da família UGT-1
parecem originar-se de um único gene, porém há substratos
preferenciais como UGT-1-1 para bilirrubina, UGT-1-4 para
aminas terciárias, UGT-1-6 para fenois. Estudos recentes da
cinética do metabolismo do acetaminofeno em humanos e
ratos mostram que múltiplas UGT isoformas estão envolvidas no processo, principalmente a UGT-1-6. Há resultados
de pesquisa sugestivos de que os felídeos domésticos têm
total deficiência ou pequenas quantidades de espécies funcionais homólogas de UGT-1-6 (10).
O conhecimento das rotas preferenciais de biotransformação de um dado medicamento pode determinar o sucesso de
um tratamento ou a intoxicação de um determinado animal,
uma vez que para cada reação de biotransformação existem
diferenças entre as várias espécies animais.
De uma forma geral, gatos têm deficiência em conjugar
medicamentos com glicuronídeos e cães têm deficiência na
via do acetato (5).
Um medicamento, basicamente pode ser excretado após
biotransformação ou mesmo na forma inalterada. Os três
principais órgãos responsáveis pela eliminação de medicamentos são: os rins, onde os medicamentos hidrossolúveis
são excretados (principal processo de eliminação de agentes
tóxicos e medicamentos); o fígado, onde após biotransformação os medicamentos são excretados pela bile; e os pulmões,
responsáveis pela excreção de medicamentos voláteis. Na
saliva ou no suor também podem ser eliminadas pequenas
quantidades de medicamentos. Além dessas vias de eliminação, alguns medicamentos podem ser excretados pelo leite.
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Peculiaridades de felídeos
É necessário conhecer as características comportamentais
e físicas dos gatos para se obter sucesso na terapêutica. Os felídeos domésticos quando se encontram longe do seu habitat
domiciliar podem ficar estressados com muita facilidade e,
como são seres muito ágeis, a administração de medicamentos pode tornar-se bastante complicada. É aconselhável então
medicar gatos em locais tranquilos e sem aglomerações, minimizando assim os riscos para um animal agitado, além de
acidentes com o veterinário e proprietário (1). Gatos não toleram bem bandagens nem ambientes com cheiros e barulhos
de cães, sendo essas situações altamente estressantes para a
espécie. Devem-se então ter áreas separadas para gatos onde
eles se sintam seguros, confortáveis, aquecidos e felizes. Frequentemente, a presença de brinquedos e cobertores pessoais
contribui para isso (8). Gatos são mais seletivos e sensíveis
aos odores e paladares não familiares que os cães e alguns
não aceitam a medicação misturada aos alimentos ou em
líquidos. Salienta-se também, que muitos proprietários não
estão habituados ou não apresentam habilidade para administrar fármacos a seus gatos, sendo comum administração
incorreta de fármacos, resultando em concentrações plasmáticas inferiores às desejadas. Portanto, os veterinários devem
simplificar os tratamentos, evitando medicações desnecessárias e selecionando a via de administração e frequência em
função da prática e disponibilidade do proprietário e da tolerância do paciente (1).
A administração de medicamentos, por via oral, nas formas de soluções, suspensões, pós, cápsulas, comprimidos e
drágeas podem ser escolhidos para gatos de fácil manipulação (1). Contudo, essa é uma via problemática, já que os
felídeos não aceitam prontamente cápsulas e comprimidos e
rejeitam a medicação misturada à ração, devido à capacidade
acentuada desses animais em diferenciar sabores (11). A cavidade oral de gatos domésticos é pequena. A escolha do tamanho do comprimido, drágea ou cápsula deve ser de acordo com a facilidade de deglutição do paciente, sendo que,
quanto menor o eixo longitudinal do fármaco, melhor. As
cápsulas quando umedecidas pela saliva aderem à mucosa
da orofaringe, sendo recomendado lubrificá-las com manteiga ou margarina, podendo-se também empregar esse método
com intuito de mascarar sabores indesejáveis de comprimidos divididos (1). Outra consideração importante é que a administração de 6 ml de água após fornecimento de cápsulas
ou comprimidos, auxilia no trânsito esofágico, prevenindo
a formação de esofagite focal e estenose de esôfago associados ao uso de doxiciclina e anti-inflamatórios não-esteroidais
(12). Há relato de úlceras na mucosa esofágica de gatos, causadas por doxiciclina, oxitetraciclina, alprenolol, propanolol, succinato de ferro, sulfato de ferro (13). As preparações
líquidas são bem aceitas pelos felídeos quando apresentam
uma palatabilidade apropriada ou, pelo menos, que o animal
não demonstre nenhuma objeção. Os gatos geralmente não
gostam de sabores adocicados e quando não apreciam o sabor do medicamento, salivam profusamente. A concentração
das soluções líquidas deve ser de tal forma que permita uma
administração que não ultrapasse 2 ml por vez (1). Deve-se
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ter muita cautela também, quando se optar pela medicação
tópica em gatos, pois eles possuem o hábito de se lamberem,
podendo acarretar ingestão de drogas e possível intoxicação
(11). O cloranfenicol de uso oftálmico, apesar de indicado,
pode ser absorvido em quantidades significativas a partir de
aplicações oculares tópicas (14).
Clorexidine combinado com cetramida em uso otológico
pode provocar toxicidade coclear e vestibular (15).
Situações que podem predispor reações adversas
Em recém-nascidos a absorção dos fármacos é menor, provavelmente devido à diferença na motilidade e pH gástricos.
Contudo, o volume de distribuição e a meia-vida do fármaco
aparentemente são maiores em animais pediátricos se comparados com animais adultos, uma vez que o volume total de
água e a porcentagem entre água extracelular e intracelular
são maiores em animais jovens. A distribuição do fármaco
também pode ser aumentada devido à redução de ligação a
proteína plasmática atribuída a uma menor concentração de
albumina ou à competição devido a uma concentração aumentada de substratos endógenos como bilirrubina. As vias
metabólicas do fígado, principalmente glicuronidação, ainda
não estão maduras e podem ser ineficientes nos dois primeiros meses. Similarmente a eliminação renal do fármaco encontra-se reduzida no felídeo pediátrico (2). Deve-se ter um
cuidado maior também com gatos geriátricos, uma vez que,
com o passar da idade, ocorre uma diminuição do número
total de células (25 a 30%), bem como diminuição do tamanho
e da função celular. Com o aumento da idade ocorre também
diminuição da função gastrintestinal que resulta na redução
da absorção de vários fármacos, porém esse fato pode ser
compensado por outros fatores. Nos felídeos geriátricos magros deve-se ter cuidado com overdoses devido à diminuição
da massa de gordura. Deve-se considerar também a diminuição do volume total de água corporal que pode levar a um
aumento da concentração plasmática do fármaco. A diminuição da ligação com proteínas plasmáticas, principalmente a
albumina, pode aumentar a velocidade de distribuição do
fármaco e sua meia-vida plasmática. O metabolismo é geralmente mais lento em geriatras, devido à redução do fluxo
sanguíneo no fígado e diminuição da massa e da função dos
hepatócitos. A depuração renal dos fármacos e metabólitos,
também está frequentemente reduzida devido às alterações
de fluxo sanguíneo renal, filtração glomerular, atividade secretória tubular ou de reabsorção passiva. Além disso, o gato
geriátrico não assimila tão bem os nutrientes da dieta. Outra
consideração é que felídeos idosos recebem frequentemente
múltiplos fármacos e isso aumenta o potencial de reações adversas atribuídas à interação medicamentosa (2).
Em gatos a cinética cardioativa do propanolol apresenta
alterações em cardiopatas. Doenças do sistema gastrintestinal podem alterar a absorção do fármaco e provocar desordens endócrinas e metabólicas que culminam em diferença
na disposição do mesmo. Pela ampla expansão dos efeitos no
metabolismo total há mudanças na disposição e resposta antecipada do fármaco como no caso do hipertireoidismo (2).
Com relação à nutrição, uma importante fonte de sulfatos
e outras substâncias usadas na fase 2 do metabolismo hepáti-
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
co dos fármacos em gatos é a dieta proteica. Taurina também
é importante nesse metabolismo. Gatos anoréxicos são mais
predispostos a reações adversas pela diminuição da depuração dos fármacos e inadequada conjugação de compostos (2).
Metabolismo
Deficiência na conjugação com o ácido glicurônico
A reação mais importante de biotransformação de medicamentos nos mamíferos é a conjugação desses fármacos
com o ácido glicurônico, catalisada por uma família de enzimas microssomais, a uridina-difosfato-glicuronil transferase.
Além do fígado, essas enzimas também são encontradas nos
rins, no intestino, no cérebro e na pele. A natureza dos grupos funcionais determina o destino metabólico do composto.
Fármacos que contém grupos - OH, - COOH, - NH2, - HN e SH são particularmente susceptíveis à glicuronidação. O gato
apresenta uma deficiência relativa na conjugação com o ácido
glicurônico em razão das concentrações extremamente baixas
de algumas enzimas glicuronil transferases. Dessa maneira,
muitos fármacos que são metabolizados por essa via apresentam uma meia vida prolongada em gatos. Doses muito
elevadas podem levar a concentrações tóxicas, causando respostas farmacológicas exacerbadas ou intoxicações (2). Apesar dessa deficiência na conjugação, nem todos os fármacos
conjugados com o ácido glicurônico são tóxicos para felídeos
domésticos. Isso se deve ao fato de que o gato é deficiente
em apenas algumas famílias de glicuronil transferases. Conjugados de substâncias endógenas, como bilirrubina, tiroxina
e hormônios esteroides são formados normalmente, enquanto a síntese de glicuronídeos a partir de diversos fármacos
ocorre em proporções muito menores em felídeos do que em
outras espécies. Os compostos contendo fenois (hexaclorofeno), ácidos aromáticos (ácido salicílico) ou aminas aromáticas
(acetominofeno) são os principais exemplos de fármacos que
têm eliminação prolongada em gatos. Como a deficiência depende da afinidade da enzima pela molécula do fármaco, há
a possibilidade de que a conjugação glicuronídica entre compostos fenólicos seja também variável. Além disso, os fármacos podem ser metabolizados por uma via alternativa, como
a sulfatação. A conjugação com o Sulfato, em gatos, parece
ser bem desenvolvida. A sulfatação é catalisada pelas enzimas sulfotransferases, presentes principalmente no citosol
dos hepatócitos. Os conjugados de sulfato são altamente polares e rapidamente excretados na urina. Essa via, entretanto,
sofre saturação facilmente, o que contribui para a retenção
de fármacos no organismo (2). Os efeitos da deficiência de
glicuronidação no gato dependem da natureza do fármaco e
da presença ou não de vias alternativas de biotransformação.
Se a conjugação com o ácido glicurônico é a principal reação
para a inativação do fármaco e as vias alternativas não estão
disponíveis ou não são eficientes, o fármaco acumula-se no
organismo (16).
Oxidação da Hemoglobina
Gatos possuem dois tipos de hemoglobina no sangue,
chamadas HbA e HbB. As hemoglobinas felinas contém pelo
menos 8 grupos sulfidril oxidáveis, enquanto a espécie cani-
na apresenta 4 grupos e a espécie humana , somente 2 grupos
(4,17). Os grupos sulfidril são reativos e, portanto, susceptíveis à interação com fármacos ou metabólitos. Na presença
de um agente oxidante, a hemoglobina felina teria mais grupos sulfidril para serem mantidos em um estado reduzido.
Isso poderia ser responsável pela maior susceptibilidade dos
gatos à injúria oxidativa aos eritrócitos. Alguns fármacos específicos levam a reações adversas na hemoglobina do eritrócito felino, causando oxidação e levando a um quadro de
metahemoglobinemia. Esses fármacos incluem antissépticos
urinários que contêm azul de metileno, acetaminofeno, benzocaína e propiltiouracil. Alguns mecanismos estão sendo
postulados para explicar esse maior potencial dos gatos em
formar metahemoglobinemia (2).
O Glutation (GSH) é um tripeptídeo sintetizado nos eritrócitos, que protege a hemoglobina e outros componentes do
eritrócito, da injúria oxidativa. O glutation é oxidado por peróxidos endógenos e outros fármacos, formando ligações entre os grupos sulfidfril de 2 moléculas de GSH, ou entre uma
molécula de GSH e um grupo sulfidril de proteínas do eritrócito. A regeneração do GSH, feita pela enzima glutation redutase, é importante para assegurar a sua presença no estado
reduzido. Os agentes oxidantes ligam-se preferencialmente
ao glutation, portanto só causam dano ao organismo quando
grandes quantidades presentes levam à depleção do glutation. O ferro na hemoglobina está presente normalmente no
estado reduzido ou ferroso. Formam-se a metahemoglobina
quando compostos endógenos e fármacos oxidam o ferro ao
estado férrico. A metahemoglobina é incapaz de transportar
oxigênio. Em animais normais, há aproximadamente 1 a 2%
de metahemoglobina no sangue e o sistema enzimático metahemoglobina redutase, presente no eritrócito, faz a redução
da metahemoglobina a hemoglobina. A metahemoglobinemia desenvolve-se quando os níveis de metahemoglobina
excedem as quantidades endógenas normais. As vias metabólicas para redução da metahemoglobina a hemoglobina devem estar presentes e funcionais para prevenir a sua
cumulação. A ausência dos componentes enzimáticos necessários, ou um estresse oxidativo intenso podem resultar nas
manifestações clínicas de metahemoglobinemia. Nos gatos, a
hemoglobina B é menos estável que a hemoglobina A, sugerindo que a variabilidade individual no desenvolvimento de
metahemoglobinemia possa estar relacionada às diferenças
nas proporções dessas hemoglobinas. (7). Muitos fármacos
que causam metahemoglobinemia também podem provocar
desnaturação oxidativa da hemoglobina, resultando em corpúsculos de Heinz. A hemoglobina felina é susceptível a esse
tipo de injúria, e gatos normais têm alta prevalência de corpúsculos de Heinz nos eritrócitos. Enquanto a formação de
metahemoglobina é um processo reversível, a formação de
corpúsculos de Heinz é irreversível e pode levar à hemólise
(1). Existem cerca de 20 grupos sulfidrila na hemoglobina dos
gatos (2). A oxidação da hemoglobina leva a desnaturação e
precipitação na superfície dos eritrócitos, em que aparecem
corpúsculos de Heinz. Esses corpúsculos aumentam a fragilidade dos eritrócitos, levando a anemia hemolítica. Como a
metahemoglobina é insuficiente no transporte de oxigênio, a
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 559-567.
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
metahemoglobinemia e a anemia hemolítica causam dificuldade respiratória, depressão, fraqueza, palidez de mucosas,
cianose, dispneia, edema facial, hipotermia, icterícia e pigmentúria (18). Há citação também de vômito, náuseas, dor
abdominal e aumento da transaminase glutâmica pirúvica
(TGP) sérica como sinais de metahemoglobinemia (19).
Principais fármacos capazes de causar reações adversas em gatos
Há vários fármacos que não devem ser usadas em gatos,
pois não puderam ser determinados regimes de dosagem seguros para a espécie. Outros são terapeuticamente úteis, mas
podem causar reações adversas importantes e perfis de toxicidade/atividade diferentes dos que ocorrem em cães (2,3,4).
Acetaminofeno
Paracetamol ou acetaminofeno é um fármaco com propriedades analgésicas, mas sem propriedades anti-inflamatórias clinicamente significativas (20). Atua por inibição da síntese das prostaglandinas, mediadores celulares responsáveis
pelo aparecimento da dor. Essa substância tem também efeitos antipiréticos. É utilizado nas seguintes formas de apresentação: cápsulas, comprimidos, gotas, xaropes e injetáveis.
Atualmente é um dos analgésicos mais utilizados na medicina humana por ser bastante seguro e não interagir com a
maioria dos medicamentos. Entretanto, não há dose segura
de acetaminofeno para gatos. A dose tóxica reportada de
50 a 100mg/kg produziu sinais de intoxicação e morte (18),
portanto, é contraindicado para gatos (21). Contudo, por seu
baixo preço e a sua grande facilidade de aquisição pelos proprietários têm provocado o aparecimento de alguns casos de
intoxicação em gatos (1). O paracetamol é metabolizado principalmente no fígado, local onde grande quantidade dessa
substância converte-se em compostos inativos, por formação
de sulfatos e glicuronídeo, sendo posteriormente excretado
pelos rins. Somente uma pequena parte é metabolizada pelo
sistema enzimático do citocromo P-450 no fígado. Os efeitos
hepatotóxicos do paracetamol são atribuídos a um metabólito
alquilado menor (a imina N-acetil-p-benzoquinona) e não ao
próprio paracetamol ou alguns dos seus metabólitos principais (20). Esse metabólito tóxico reage com grupos sulfidrilos.
Em doses normais, é neutralizado rapidamente, combinando-se irreversivelmente com o grupo sulfidrilo do glutation
para produzir um composto não tóxico que é excretado pelos rins. Em situações de toxicidade por paracetamol, as vias
metabólicas do sulfato e do glicuronídeo ficam saturadas e,
portanto, maior quantidade de paracetamol é desviada para
o sistema do citocromo P450, onde se produz NAPQI (2,20).
Consequentemente, a quantidade de glutation é esgotada
pela NAPQI, que pode reagir livremente com as membranas
celulares, causando muitos danos e morte de muitos hepatócitos, resultando em seguida a necrose hepática aguda (2,20).
Gatos formam lentamente ou não totalmente glicuronatos com vários compostos por deficiência de glicuranil transferases. Mais especificamente, têm uma relativa ausência de
uma determinada glicuranil tranferase com alta afinidade e
especificidade pelo acetaminofeno. Essa deficiência relativa
de glicuronização resulta na conjugação do fármaco pela via
alternativa dos sulfatos, entretanto essa via tem uma capa-
560
cidade finita que é mais baixa em gatos do que em outras
espécies (2). Quando a via de sulfatação é exaurida, o acetaminofeno persiste no sangue e é metabolizado pelas enzimas do citocromo P-450 em N-acetil-para-benzoquinona
(NAPQI) (20). Os efeitos tóxicos do NAPQI são limitados
pela conjugação com glutation que é essencial para proteção celular após lesão oxidativa (20). A síntese de glutation
é inibida por altas doses de acetaminofeno e a presença de
NAPQI rapidamente acaba com o estoque de glutation (1).
Os eritrócitos são as células mais susceptíveis aos efeitos
do NAPQI em gatos, havendo duas de suas estruturas mais
sensíveis à injúria oxidativa: o ferro, do heme e os grupos
sulfidrila, da globina (18). Por eletrofilia, NAPQI causa oxidação do Fe2+ para Fe3+ que converte a hemoglobina em
metahemoglobina. Considerando que os gatos têm uma relativa falta de metahemoglobina redutase nos eritrócitos, a
metahemoglobinemia é a mais precoce e proeminente característica de intoxicação por acetaminofeno (18). Ao contrário
do que acontece nos seres humanos, os gatos não morrem
pela hepatotoxicidade do paracetamol, mas sim porque em
vez da formação de metahemoglobina, aparecem os corpúsculos de Heinz nos glóbulos vermelhos, impedindo o aporte de oxigénio às células, acabando por aparecer a hipóxia.
O tratamento pode ser possível para doses pequenas, mas
deve ser extremamente rápido. A administração do analgésico acetaminofeno em gatos pode causar intoxicação aguda
e morte. Na intoxicação por tal fármaco ocorre hemólise intravascular e metahemoglobinemia, reduzindo a capacidade
do eritrócito em transportar oxigênio. Os sinais clínicos clássicos são cianose, edema de face e membros e hiperventilação decorrente de hipoxemia e acidose láctica. Outros sinais
inespecíficos incluem anorexia, letargia, vômitos, ptialismo
e estupor. Um comprimido de 500 mg pode induzir a metahemoglobinemia rapidamente. As alterações laboratoriais
incluem hiperbilirrubinemia, anemia regenerativa, presença
de corpúsculos de Heinz nos eritrócitos, hemoglobinúria, bilirrubinúria e proteinúria. Na maioria das espécies animais,
a metabolização do acetaminofeno envolve reações de glicuronidação e sulfatação, e uma pequena quantidade é biotransformada pelas enzimas da fase 1 (citocromo P450) a metabólitos tóxicos. Esses são removidos pela conjugação com o
glutation antes que possam causar lesões no organismo. No
gato, devido à deficiência na glicuronidação e à rápida saturação da via de sulfatação, o acetaminofeno é desviado para
as enzimas da fase 1, o que resulta na formação de maior
quantidade de metabólitos tóxicos para serem inativados
através da conjugação com o glutation. O glutation sofre depleção rapidamente e os metabólitos tóxicos acumulam-se,
causando injúria oxidativa à hemoglobina e lesão hepatocelular (2,7,18,19,22). O tratamento inicial, se ainda em tempo
hábil, é a lavagem gástrica. Adicionalmente administra-se
o antídoto, acetilcisteína, por via intravenosa ou oralmente.
A absorção do paracetamol pelo trato gastrintestinal está
completa ao fim de duas horas em circunstâncias normais.
Por esse motivo a lavagem gástrica só tem vantagem se for
utilizada durante esse período. Se o acetaminofeno foi ingerido há menos de 60 minutos, o veterinário deve decidir se
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
é suficiente a administração de carvão ativado ou se deve
proceder também à lavagem gástrica. O xarope de ipeca, não
deve ser utilizado neste caso, porque ao provocar o vômito
também expulsa o carvão ativado e a acetilcisteína. Inicialmente havia alguma relutância em utilizar o carvão ativado,
porque esse podia também absorver a acetilcisteína. Alguns
estudos mostraram que o máximo de acetilcisteína oral que
era absorvida na administração concomitante, não ultrapassava os 39%. Outros estudos indicam que a administração
do carvão ativado é também benéfica na recuperação clínica
do paciente. Portanto, tudo leva a crer que há grande vantagem na utilização desse nas primeiras duas horas após a
ingestão do paracetamol. Existem opiniões diversas quanto
à dose oral de acetilcisteína a utilizar após a administração
do carvão ativado. A acetilcisteína funciona como antídoto,
reduzindo a toxicidade do paracetamol, ao fornecer grupos
sulfidrilos para serem oxidados no lugar da hemoglobina e
das proteínas estruturais dos hepatócitos. No organismo, a
N-acetilcisteína (NAC) é rapidamente hidrolisada a cisteína,
que é necessária para a síntese de glutation. Dessa forma,
a NAC repõe os estoques de glutation e compete pelo intermediário tóxico, pois esse se liga preferencialmente ao
glutation, quando disponível, ao invés de ligar-se às macromoléculas celulares. Além disso, ela constitui uma fonte exógena de sulfato para a conjugação com o acetaminofeno. Em
pesquisas realizadas com ratos intoxicados por acetominofeno, a NAC aumentou as concentrações séricas do sulfato,
favorecendo a conjugação por essa via (7). Recomenda-se o
tratamento com N-acetilcisteína na dose de 280 mg/kg, por
via oral, seguida de 140mg/kg após 4, 12 e 20 horas (3). Outra preconização é uma dose de 140 mg/kg, por via oral ou
endovenosa, seguida por 70 mg/kg, a cada 6 horas, durante
36 horas (19). A NAC é relativamente atóxica e o tratamento
deve ser iniciado imediatamente quando se suspeita de intoxicação, em conjunto com medidas de suporte, como fluidoterapia e/ou transfusão sanguínea e a administração de
oxigênio (3) O ácido ascórbico é administrado na dose de
30mg/kg, por via oral ou parenteral, nos mesmos intervalos que a N-acetilcisteína (7). A eficácia da NAC é bastante
significativa se administrada até 8 horas após a intoxicação
por paracetamol, mas a partir desse período o seu efeito já
é mínimo porque o fígado já começou a sofrer lesões de hepatotoxicidade, aumentando drasticamente a possibilidade de necrose e morte do paciente. Como descrito, quanto
mais cedo se administrar a NAC, maiores sãos os benefícios,
mas notam-se os seus efeitos benéficos até às 48 horas após
a intoxicação. O ácido ascórbico pode ser usado como complemento da terapia, por converter a metahemoglobina em
hemoglobina reduzida e inibir a ligação covalente dos metabólitos reativos, reduzindo-os novamente a acetaminofeno
livre. A redução na quantidade de metabólito tóxico permite
que quantidades suficientes de glutation sejam regeneradas
para facilitar a conjugação de acetaminofeno (7). A cimetidina, um inibidor das enzimas microssomais, pode diminuir a
produção de intermediários tóxicos (23). Ela pode ser administrada em uma dose inicial de 10mg/kg, seguida de 5mg/
kg, a cada seis horas nas primeiras 24 horas, com a finalidade
de inibir o metabolismo oxidativo do acetaminofeno no fígado, permitindo a formação de metabólitos não tóxicos que
são excretados mais rapidamente.
A terapia medicamentosa pode não ser rápida o suficiente
em casos graves de intoxicação pelo acetaminofeno, havendo necessidade de transfusões sanguíneas para melhorar o
transporte de oxigênio, enquanto se aguarda a reversão da
metahemoglobina em hemoglobina (1).
Ácido acetilsalicílico
O ácido acetilsalicílico (AAS) é um efetivo agente analgésico, anti-inflamatório, antitérmico e inibidor da agregação
plaquetária. Alcança efeito antitromboembólico em doses
mais baixas que as recomendadas para efeitos anti-inflamatórios e antipiréticos (24,25), e pode também ser utilizado no
tratamento da osteoartrite (20). O AAS é desacetilado para
formar salicilato, tendo o composto original meia-vida bastante curta. Acredita-se que o salicilato responde pela maior
parte das propriedades analgésicas e anti-inflamatórias desse fármaco, e o AAS, atividade antitrombótica. Os salicilatos
induzem inibição irreversível das COXs, logo, o efeito farmacológico persiste até que nova enzima seja sintetizada. Já
a inibição da síntese de tromboxano durará por toda a vida
da plaqueta, resultando em redução da coagulabilidade. No
caso de outros anti-inflamatórios não-esteroidais, a inibição
das COXs, dura apenas enquanto a droga estiver presente
(20). O ácido acetilsalicílico e outros salicilatos são eliminados como conjugados glicuronatos e sua meia-vida plasmática e eliminação são prolongadas. A meia-vida plasmática
da aspirina em gatos é de 38 horas, enquanto que em cães é
de apenas 9 horas. Gatos são relativamente deficientes em
glicuronil-transferase, enzima responsável pela conjugação
de salicilato com ácido glicurônico. Logo, a depuração hepática nesses animais é bastante prolongada. A maioria dos
quadros de intoxicação por salicilatos em felídeos resulta da
administração de doses elevadas, usando as doses indicadas
para humanos e para cães (1). O protocolo recomendado para
gatos consiste na diminuição da dose e aumento do intervalo
de administração, comparando-se com cães (24), sendo geralmente de 10 a 20 mg/kg a cada 48 horas, devendo-se preferir as apresentações tamponadas, (26). Nessas dosagens, a
concentração plasmática de salicilato no gato será de 20 a 50
μg/ml. Em quadros de intoxicação, a concentração plasmática de salicilato é maior que 300μg/ml (2). Doses de 130 mg
ou mais podem ter efeito fatal. Os sinais clínicos de toxicidade aguda são hiperpneia, hipertermia e hipersensibilidade.
O tratamento é de suporte (3), consistindo na remoção da
droga residual através de eméticos, lavagem gástrica e correção do desequilíbrio hidroeletrolítico (24). Sinais de intoxicação crônica são mais sutis, manifestando como efeitos gastrointestinais e disfunção hepática (24). Outros sinais iniciais
de toxicidade causada pelo AAS são anorexia, depressão e
vômito. Em doses mais altas pode-se encontrar febre, acidose metabólica, anemia, mielossupressão, convulsões (7), ou
ainda depressão, salivação profusa, gastroenterite hemorrágica, icterícia (associada à hepatite tóxica), nistagmo e óbito
após poucos dias (1).
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Fenilbutazona
A fenilbutazona é um potente agente anti-inflamatório
com baixa ação analgésica (14). Seu uso em gatos tem sido
relacionado com alta incidência de intoxicação (24). Os sinais
clínicos são anorexia, perda de peso, queda de pêlos, vômito, melena, desidratação, lesões renais e hepáticas. Podendo
ocorrer ainda anemia arregenerativa, neutrofilia e hipocelularidade medular (14), portanto, não deve ser usada em felídeos (26).
Ibuprofeno
É um anti-inflamatório, analgésico e antitérmico, metabolizado por conjugação com o ácido glicurônico, portanto, sua
eliminação em gatos é lenta. Sinais de intoxicação incluem
alterações gastrointestinais como vômito, anorexia, diarreia,
melena, hematemese e ulcerações, urinárias podendo o paciente apresentar poliúria, azotemia, hematúria e insuficiência renal, hematológicas, principalmente anemia e trombocitopenia, hepáticas, com notado aumento de enzimas,
dermatológicas como edema e urticária, cardiorrespiratórias,
principalmente taquipneia, bradicardia, tosse e neurológicas
como letargia, convulsões, ataxia e tremores na cabeça, além
de colapso (3). O tratamento para uma intoxicação por ibuprofeno é sintomático e de suporte (5).
Benzocaína
A benzocaína é o p-aminobenzoato de etilo, um éster
etílico anestésico para bloqueio local, derivado do ácido paminobenzoico (PABA) (26). Seu uso em gatos está associado
ao desenvolvimento de metahemoglobinemia, após a administração tópica para a dessensibilização da laringe, com a
finalidade de facilitar a intubação traqueal, ou para controle
do prurido cutâneo (2). O mecanismo de oxidação da hemoglobina pela benzocaína é desconhecido, mas deve estar relacionado com o metabolismo de produtos tóxicos (1). Os sinais
clínicos observados após o uso tópico de creme ou pulverizações contendo benzocaína em gato são: vômito, dispneia,
mucosa cianótica, taquicardia, taquipneia e prostração (3).
Para tratamento de animais intoxicados com esse fármaco,
recomenda-se a administração de N-acetilcisteína e a transfusão sanguínea nos casos graves (1).
Aminoglicosídeos
Todo aminogliosídeo possui um espectro de toxicidade
similar, sendo notável a ototoxicidade, afetando tanto componentes auditivos, quanto vestibulares. Também ocorrem
neurotoxicidade, revelada em insuficiência respiratória e nefrotoxicidade. O gato é particularmente sensível aos efeitos
ototóxicos desses antibióticos (14).
A estreptomicina e a di-hidroestreptomicina em doses terapêuticas podem causar em gatos náusea, salivação, vômito e ataxia. Em doses elevadas inquietude, dispneia e perda
da concentração. Em tratamento prolongado há lesão no 8º
nervo craniano, resultando em nistagmo e desequilíbrio, usualmente reversíveis, entretanto a surdez é irreversível. A estreptomicina pode causar também bloqueio neuromuscular
em gatos, por isso, sua utilização deve ser evitada (24). Essa
droga não é contraindicada para gatos, porém seu uso deve
562
ser feito em casos essenciais, tomando-se cuidado redobrado
em filhotes, idosos e nefropatas (14).
Gentamicina e amicacina em altas doses também podem
ser ototóxicas. Esse risco é provavelmente aumentado com
a aplicação tópica, principalmente se houver perfuração de
tímpano (24). Gentamicina quando usada em dose acima da
recomendação pode implicar em ataxia, nefrotoxicidade e
morte (14).
Cloranfenicol
É um antibiótico predominantemente bacteriostático de
amplo espectro, com ação contra Chlamydophilas, Mycoplasmas
e Ricketsias (26). Atualmente, o cloranfenicol é provavelmente
a droga de primeira escolha apenas contra infecção bacteriana nas câmaras oculares em pequenos animais. Há opiniões
mistas quanto ao fato de o cloranfenicol ser a droga de escolha contra infecções no SNC, mas ele atinge altas concentrações
nesse sistema (20). Essa droga é boa alternativa contra infecções
anaeróbias, no entanto, muitas outras drogas também passam
efetivamente pela barreira hematoencefálica na presença de
meningite, podendo ser mais efetivas e com ação bactericida
(20). O cloranfenicol é eliminado principalmente por meio de
conjugação de glicuronato hepático em cães e apenas 5 a 10%
dele é excretado de forma inalterada na urina. Embora a meiavida de eliminação do cloranfenicol seja semelhante em cães e
gatos, contrariamente aos cães, mais de 25% da droga é excretada inalterada na urina do gato, em decorrência da capacidade
reduzida dos gatos de realizar a glicuronidação. Essa diferença
no metabolismo resulta em esquema de dosagem bem diferente
para essa espécie (20), e cautela na utilização. Vale ressaltar ainda que gatos são mais sensíveis aos efeitos hematopoiéticos do
cloranfenicol. A anemia arregenerativa está associada à hipocelularidade na medula óssea, sendo que ambas são passíveis de
reversão com a descontinuidade do tratamento. Esses sinais se
desenvolvem com dosagens de 60mg/kg/dia (24). No sangue
periférico evidencia-se diminuição no número de neutrófilos,
linfócitos, reticulócitos pontilhados e plaquetas. O desenvolvimento de discrasias sanguíneas é menos provável se a duração
do tratamento não ultrapassar 7 a 10 dias (1). Em doses mais
altas de 120 mg/kg, administrado por via oral, durante 14 dias
foram encontrados sinais como depressão no SNC, desidratação, vômito, inapetência e perda de peso. Segundo Souza (1),
por seu efeito na medula óssea do gato, o cloranfenicol deve
ser utilizado com cautela, inclusive quanto ao uso de pomadas
oftálmicas, pois, segundo o autor, há evidências de que quantidades significativas são absorvidas. O autor afirma ainda que
o emprego do cloranfenicol nessa espécie deva ser reservado a
infecções que comprometam o SNC, pois esse agente antimicrobiano penetra nas membranas lipídicas rapidamente.
Enrofloxacina
A enrofloxacina é uma fluorquinolona de segunda geração, bactericida, predominantemente contra bactérias
gram-negativas, que tem sido utilizada amplamente e com
sucesso para cães e gatos. Essa droga tem um amplo espectro de ação, distribuição tecidual favorecida e baixa toxicidade, sendo a droga de escolha para tratamento de várias
doenças (27).
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 562-567.
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Revisões de literatura que sugerem a predisposição de
degeneração (atrofia) de retina induzida por fluorquinolonas
em gatos (27). Dentre os sinais de degeneração de retina estão: midríase, ausência de reflexo à ameaça, reflexos pupilares
lentos e cegueira aguda (28). Os fatores de risco da utilização
de enrofloxacina são altas doses (26,27) ou altas concentrações
plasmáticas, infusão endovenosa rápida, curso prolongado de
tratamento, idade, longa exposição a raios UVB durante a administração do antibiótico, interação com outros fármacos e
acúmulo de droga ou metabólito por metabolismo alterado ou
alimentação reduzida (27). Hipersalivação e diarreia têm sido
notadas em gatos ao uso de enrofloxacina. Deve-se ter cuidado com o uso de fluorquinolonas em animais jovens devido à
possibilidade de danos na articulação em altas dosagens (29).
Ciprofloxacina
Assim como a enrofloxacina, a ciprofloxacina também é
uma fluorquinolona de segunda geração, bactericida, predominantemente contra bactérias gram-negativas, e que pode
ser usada para várias dermatoses felinas. Essa droga em altas
doses pode causar eritema de pina, vômito, espasmos musculares clônicos e anorexia em gatos (30).
Macrolídeos
A claritromicina e um macrolídeo bacteriostático com
ação contra bactérias gram-positivas e micobactérias que
pode causar como efeito adverso em gatos, eritema do pavilhão auditivo (26).
Metronidazol
É um nitroimidazol protozoocida e antibacteriano, com
ação contra bactérias anaeróbias, que tem sido usado com sucesso para tratamento de giardíase em gatos. Sua administração oral pode ser associada com salivação, vômito, anorexia e
perda de peso. Essas reações adversas podem ser atribuídas
ao gosto amargo do fármaco (24).
Sulfonamidas
As sulfonamidas são quimioterápicos bacteriostáticos, de
amplo espectro e protozoostáticos que podem ser potencializadas combinando-as com trimetoprima ou pirimetamina
(trimetoprima com sulfadiazina ou sulfametoxazol e pirimetamina com sulfadiazina). Como sulfonamidas, trimetoprima e
pirimetamina também inibem a síntese do ácido fólico. Pirimetamina é mais tóxica que trimetoprima, sendo seu uso restrito
para tratamento de toxoplasmose. Assim como em cães, altas
doses de sulfonamidas potencializadas podem causar anemia
em gatos, sendo essa atribuída à deficiência de ácido fólico,
particularmente com uso crônico. Os efeitos deletérios na hematopoiese são rapidamente revertidos com a suplementação
oral de ácido fólico. Sinais como salivação profusa e vômito
têm sido reportados em gatos. Porém, a ceratoconjutivite seca
encontrada em cães não tem sido relatada em gatos. (24).
Pode ocorrer toxidez aguda, porém transitória em caso de
dose excessiva, promovendo ataxia, sonolência e anorexia e
problemas de desenvolvimento. Esses sinais podem ser encontrados também em caso de intoxicação crônica. A cristalúria é incomum nos gatos, quando acontece gera hematúria,
albuminúria e oligúria. Podem ocorrer também discrasias
sanguíneas, com depressão da medula óssea, agranulocitose,
anemia e também reações de hipersensibilidade, devendo,
nesses casos, o tratamento ser suspenso (14). Outros efeitos
adversos reportados são azotemia e falência renal (29).
Tetraciclinas
Tetraciclinas são agentes de escolha para o tratamento de
anemias infecciosas felinas e infeções clamidiais (14). A tetraciclina é um antibiótico predominantemente bacteriostático,
de amplo espectro, utilizado principalmente contra bactérias
gram-negativas. Gatos podem apresentar febre de 41º C, cólica, vômito, diarreia, sinais de depressão, inapetência, perda
de pêlos e depressão, após administração oral de tetraciclinas
(24,26). Há poucos dados sobre deposição do fármaco nos ossos e dentes de gatos em crescimento (14), mas, pode haver
deposição irreversível nos ossos e esmalte dentário em filhotes
de todas as espécies (26) e, pode ser observada descoloração
permanente dos dentes, quando administrada em gatos filhotes e gestantes (31). Lipidose hepática, aumento de atividade
de ALT, ptialismo e anorexia também podem ocorrer (20).
Tem-se especulado que os gatos podem ser mais susceptíveis
que outras espécies à hepatotoxicidade induzida por tetraciclina, por seu metabolismo e suas exigências de proteínas
únicos (20). As tetraciclinas também estão implicadas com febre idiossincrática em gatos (32). O uso da tetraciclina em pequenos animais tem sido substituído pela doxiciclina (32). A
doxiciclina é um antibiótico bacteriostático de amplo espectro,
com ação contra Ricketsias e Clamydophilas. Deve-se evitar o
uso desse fármaco em animais no terço inicial da gestação, lactantes ou em crescimento (26). A doxiciclina pode induzir lesões esofágicas e estenose do esôfago em gatos (26,33). Quando usado por via oral, é indicado administrar 6 ml de água
após a ingestão do comprimido para evitar a esofagite (26).
Brometo de Sódio
O Brometo de Sódio é um depressor da excitabilidade
neuronal e anticonvulsivante. Além dos efeitos adversos
como sedação, ataxia, tremores, paresia de membros pélvicos, pancreatite, polifagia, polidipsia, poliúria, vômito e constipação, em gatos pode também causar perda de peso, tosse
e dispneia (26).
Diazepam
É um benzodiazepínico pré-anestésico, ansiolítico, hipnótico, relaxante muscular e anticonvulsivante e estimulante do
apetite. Tem uma meia-vida curta em gatos (5,4 horas comparadas com 24 horas em humanos), portanto não é um bom
tranquilizante. Entretanto essa meia-vida pequena é benéfica
no manejo de convulsões agudas e de estimulação de apetite
(3). Não há bloqueio autônomo e mínimo distúrbio da função
cardiovascular respiratória ao uso de diazepam. Suas propriedades tornam essa droga adequada para efeito de sedação e,
apesar da ausência do efeito antiemético, diazepam é útil como
sedativo para viagens de carro. Diazepam é usado para profilaxia de crises convulsivas e no tratamento de status epilepticus
(14). No entanto, necrose hepática aguda idiopática fatal tem
sido associada ao uso de diazepam em gatos, porém, esse possível efeito adverso é raro e avaliação das enzimas hepáticas é
recomendável após 5 dias da introdução da droga (34). Expe-
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 563-567.
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Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
rimentalmente, essa necrose hepática foi observada em gatos
que receberam o diazepam por 5 dias, sendo que esse efeito
parece ter sido causado pelo seu metabólito nordiazepam (5).
Em situações de intoxicação, além de tratamento de suporte, deve ser utilizado o flumazenil, antagonista específico
dos benzodiazepínicos (5).
Fenitoína
Embora a fenitoína seja um agente anticonvulsivante bastante efetivo em seres humanos, não é útil em cães ou gatos
por diferenças farmacocinéticas acentuadas. Em gatos ela
possui meia-vida prolongada, acima de 40 horas, em decorrência da incapacidade desses em hidroxilar compostos fenólicos (23). Isso resulta em acúmulo rápido e desenvolvimento
de sinais adversos como sedação, ataxia e anorexia (20).
Primidona
A primidona é um precursor do fenobarbital. Sua administração em gatos é controversa, sendo contraindicada por
alguns autores (26). Contudo, Papich (32) afirma que embora algumas bulas sugiram cuidado com o uso em gatos, um
estudo experimental determinou que a primidona é segura
em doses recomendadas. Contudo, segundo Macy (3), nessa
espécie, ocorrem falhas na conversão para fenobarbital.
Anfotericina B
A anfotericina B é um antibiótico macrolídeo poliênico
fungicida e leishmaniostático. Gatos são mais sensíveis à sua
toxicidade, podendo apresentar reações de anafilaxia, quando ao uso de de tal fármaco (24). Suas propriedades antifúngicas são maiores que as do grupo azole, assim como seus
efeitos colaterais. Uma reação adversa bastante severa é a
nefrotoxicidade (35).
Cetoconazol
O cetoconazol é um derivado sintético de imidazol, que
parece ser seguro para gatos. Possui ação antifúngica eficaz
contra várias doenças, como criptococose, histoplasmose,
candidíase, dermatofitose e possivelmente esporotricose.
Seus efeitos colaterais são limitados a pêlos secos e perda de
peso. Alterações hormonais endógenas (cortisol, testosterona, progesterona) que são encontradas em cães não foram
documentadas em gatos (24). Em doses muito altas já foram
relatadas como reações adversas náuseas, raramente anorexia, elevação transitória de enzimas hepáticas, vômito, perda
de peso, icterícia, hepatopatia e até morte (29).
Griseofulvina
A griseofulvina é um antibiótico fungistático para tratamento de dermatofitoses. Vários casos têm sido reportados
de reações adversas em gatos ao uso desse fármaco. Anormalidades hematológicas e hepáticas podem se desenvolver
em gatos com a dose de 50 a 150 mg/kg, dividida em duas
tomadas diárias, administradas com alimento gorduroso. Essas anormalidades são consideradas idiossincrasias (1). Alguns gatos apresentam teratogenia, principalmente no terço
inicial da gestação, depressão, letargia, desidratação, vômito,
diarreia, anorexia, pirexia e em filhotes ataxia e angioderma.
Sinais laboratoriais de reações adversas da griseofulvina em
564
gatos incluem anemia, leucopenia com ou sem pancitopenia
e depressão medular. Esses sinais tendem a desaparecer entre 1 a 14 dias após suspensão da medicação (24). Essa droga
deve ser usada com cautela em filhotes e em animais portadores de imunodeficiência viral felina (26).
Itraconazol
O itraconazol é um antifúngico tiazólico para tratamento
de dermatofitoses e micoses sistêmicas. Resultados preliminares ao uso de itraconazol em gatos contra histoplasmose, blastomicose, criptococose e micetoma sugerem que esse fármaco
seja o mais eficaz para uma grande variedade de doenças fúngicas. Itraconazol parece ser bem tolerado por gatos. Reações
adversas limitam-se a anorexia, que é resolvida com a suspensão do tratamento. (2) Esse fármaco tem uma maior afinidade
pela parede celular fúngica do que o cetoconazol, portanto doses menores são suficientes para eficácia do tratamento. Além
disso, também apresenta espectro de ação mais amplo quando
comparado com o cetoconazol. O efeito colateral mais comum,
observado com a utilização do itraconazol em gatos é a anorexia, porém já foi reportado vômito, perda de peso, depressão,
icterícia, aumento das enzimas hepáticas, especialmente alanina amino transferase (ALT) e até hepatotoxicidade fatal em
um gato, sendo esses efeitos são dose-dependentes (29).
Cisplatina
Antineoplásico derivado da platina, para tratamento de
neoplasias diversas. Não deve ser utilizado em gatos por não
existir dose segura e efetiva estabelecida para essa espécie,
causando toxicidade pulmonar em doses de 40 a 60 mg/m2
(3).
Doxorrubicina
É um antibiótico antraciclínico que penetra em células,
fixando-se em estruturas nucleares e intercalando-se com o
DNA, e consequentemente inibindo a síntese de RNA dependente de DNA, bem como a duplicação do DNA. Ela é usada
como um agente único ou em protocolos de combinação (particularmente para tratamento de linfossarcoma). A doxorrubicina é potente contra vários tumores e é o agente único mais
comum usado contra tumores sólidos. Quando usada na dose
recomendada para cães (30 mg/m2), foi associada à indução
de insuficiência renal em gatos (COTTER et al., 1985). Segundo
Papich (32), com o uso desse fármaco, os gatos podem perder
as vibrissas (bigodes). O autor afirma ainda que a dose ideal da
doxorrubicina não foi determinada em gatos, recomendandose doses que variam de 20 a 30 mg/m2 a cada 3 semanas, por
via intravenosa. Como os gatos são relativamente resistentes
ao desenvolvimento de cardiomiopatia induzida por doxorrubicina, não há recomendação quanto a doses cumulativas.
Albendazol
Derivado benzimidazólico anti-helmíntico e protozoocida. Quando administrado em doses múltiplas, pode causar
anorexia, letargia, depressão e anemia aplásica (26).
Levamisol
Levamisol é um modulador imune não específico, um isômero levógiro do tetramisol (imidotriazol) anti-helmintico
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 564-567.
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
(inclusive filaricida) e imunoestimulante. Seus efeitos imunomoduladores incluem normalização da função anormal de
linfócitos T e estimulação da atividade fagocitária. Os efeitos
colaterais em gatos são comuns (em altas ou baixas doses), podendo-se observar transitoriamente nesses animais vômito, sialorreia, anorexia e supressão medular com uso prolongado (29).
Azul de Metileno
É um corante tiazínico antisséptico cutâneo e urinário,
antídoto de nitratos e cloratos, antineoplásico e para tratamento de metahemoglobinemia (26). O azul de metileno é
um antídoto específico e está indicado a qualquer paciente
com sintomas e/ou sinais de hipóxia (mudanças mentais, taquicardia, dispneia, dor torácica). Em felídeos, pode causar
anemia com formação de corpúsculos de Heinz e hemólise
intravascular, mas, segundo Papich (32), é seguro se administrado nas doses terapêuticas recomendadas. Souza (1) discorda de Papich (32), e afirma que o uso de azul de metileno
é contraindicado para gatos. Devido a suas propriedades de
agente redutor, o azul de metileno é empregado como um
medicamento para o tratamento de metahemoglobinemia,
que pode se originar da ingestão de determinados medicamentos ou feijões de fava. Basicamente, o azul de metileno
age por reduzir o grupo heme da metahemoglobina a hemoglobina. Esse fármaco obstrui também a acumulação do monofosfato cíclico do guanosina inibindo a enzima guanilato
ciclase. Essa ação resulta em resposta reduzida dos vasos a
vasodilatadores GMP-dependentes como óxido nítrico e monóxido de carbono (32).
Fenazopiridina
A fenazopiridina é um analgésico de vias urinárias, amplamente utilizada na medicina humana, porém, seu uso associado a antissépticos das vias urinárias é contra indicado
para gatos, ocorrendo com seu uso, oxidação irreversível da
hemoglobina que leva a formação de corpúsculos de Heinz e
hemólise intravascular (4). Os sinais clínicos de intoxicação
são depressão, dispneia, urina e fezes de coloração alaranjada, além de mucosas pálidas ou ictéricas (1). Ocorre também anemia 2 a 15 dias depois do início da terapia (4). De
um modo geral, as mudanças hematológicas são observadas
cinco dias após o inicio do tratamento (4). O tratamento visa
o término imediato do emprego das medicações, transfusão
de sangue e terapia de suporte (36). O uso inadvertido da fenazopiridina em gatos com doença do trato urinário inferior
leva a quadros de anemia aguda (1).
Propiltiouracila e Metimazole
Propiltiouracila é um derivado da tiureia, antagonista dos
hormônios tireoidianos, um medicamento usado para o tratamento de hipertireoidismo em gatos, que tem sido associado
com o desenvolvimento de várias discrasias sanguíneas como
anemia hemolítica, trombocitopenia e leucopenia em um percentual grande dos animais tratados, por períodos prolongados.
Além de discrasias sanguíneas, há relato de hepatopatia e manifestações de doenças imunomediadas (32). Muitas anormalidades são resolvidas com a descontinuidade de seu uso. propiltiouracila tem sido amplamente substituído por metimazole para o
tratamento do hipertireoidismo felino, porém há relatos recentes
de efeitos adversos associados ao uso prolongado de metimazole, incluindo depressão, inapetência e leucopenia reversível (3).
Aciclovir
O Aciclovir é um antiviral análogo da purina. Seu uso na
Medicina Veterinária é limitado, pois sua ação contra hersvírus que acometem animais é pobre ou desconhecida. Em
gatos, o aciclovir possui pouca absorção e produz toxicidade
(32), podendo causar leucopenia e anemia (26). Sua dose para
gatos, assim como para cães, não está bem determinada (32).
Compostos Fenólicos
Os gatos são muito sensíveis aos derivados de compostos
fenólicos, em função da difícil conjugação com o ácido glicurônico, além da rápida saturação do mecanismo de detoxicação com sulfato (4). As reservas de sulfato no organismo
são limitadas e facilmente exauridas e a retenção de compostos fenólicos não-metabolizados leva ao acúmulo de quinonas
tóxicas, que inibem a respiração mitocondrial, resultando na
formação de grandes quantidades de metahemoglobina (4).
Acetato de Megestrol e Acetato de Medroxiprogesterona
Esses progestágenos sintéticos têm indicação para tratamento de distúrbios reprodutivos, comportamentais e dermatológicos em gatos (4), contudo, não são recomendados
devido ao risco de efeitos colaterais sérios, que incluem hipertrofia e neoplasias mamárias, endometrite cística, supressão adrenal e diabetes melitus (20), que pode ser transitório ou
permanente (32). O acetato de medroxiprogesterona parece
produzir menos efeitos adversos que o acetato de megestrol,
embora uma única aplicação injetável do primeiro possa
levar à hiperplasia mamária fibroepitelial em gatas (32). O
mecanismo para ocorrência de diabetes melitus parece ser diferente do que ocorre em cães e está relacionado com aumento
da produção de hormônio do crescimento (20). O acetato de
megestrol também causa supressão adrenal (24).
Digoxina e Digitoxina
São glicosídeos cardioativos, com atividade cardiotônica e
diurética, utilizados para o tratamento de insuficiência cardíaca
congestiva, fibrilação atrial e taquicardias supraventriculares.
Gatos são mais sensíveis aos seus efeitos tóxicos dose-dependente (32). Sinais precoces de toxicidade incluem anorexia, vômito e depressão, que frequentemente aparecem anteriormente
às anormalidades do eletrocardiograma (3). Os efeitos colaterais da digoxina são exacerbados pela hipocalemia e diminuídos pela hipercalemia (32) Há controvérsia quanto ao uso desse
fármaco em gatos com cardiomiopatia hipertrófica (26).
Verapamil
É um bloqueador de canais de cálcio que promove vasodilatação, cronotropismo negativo e efeitos inotrópicos negativos. É indicado no controle de arritmias supraventriculares,
entretanto o seu uso tem sido reduzido por causa de seus
efeitos adversos, sendo estes: hipotensão, depressão cardíaca,
bradicardia, bloqueio atrioventricular e anorexia em alguns
pacientes (32). O fármaco dessa classe de uso preferido em
animais é o diltiazem, porém, tal droga não é bem tolerada
por gatos, portanto, não é recomendada para essa espécie (32).
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 565-567.
565
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Azatioprina
Antagonista da purina, cujo metabólito ativo é a 6-mercaptopurina, é um agente imunossupressor. A sensibilidade
e efeitos adversos observados com o uso desta droga podem
ocorrer devido à deficiência de metabolismo de enzimas tiopurina metiltransferases (TPMT), comum em cerca de 10%
dos pacientes humanos, e em alguns gatos. Em cães, a sensibilidade não está relacionada com os níveis de TPMT, entretanto, gatos são particularmente susceptíveis a intoxicações
e há relatos de baixas concentrações de TPMT (32). Portanto,
deve ser empregada com cautela em felídeos, que são mais
sensíveis aos efeitos do fármaco sobre a medula óssea.
Ciclosporina
Antibiótico polipeptideo, imunossupressor que tem várias indicações terapêuticas em pequenos animais, como por
exemplo, no tratamento de anemia hemolítica imunomediada,
doença inflamatória intestinal, adenite sebácea, ceratoconjuntivite seca, entre outras (32). Em gatos, a ciclosporina demonstrou possuir efeitos benéficos no tratamento do complexo
granuloma-eosinofílico, da dermatite atópica, da estomatite
e das doenças das vias aéreas respiratórias (asma felina) (32).
Diferentemente de outras medicações imunossupressoras, a
ciclosporina não causa mielossupressão (32). Efeitos adversos
como infecções secundárias, neoplasias e toxoplasmose foram
descritas em gatos após o uso crônico da ciclosporina (32).
Organofosforados e Carbamatos
Essas substâncias fazem parte da formulação de pesticidas de uso tópico, sistêmico e ambiental (37). Organofosforados comuns são fention, malation, clorpirifós, diazinon,
diclorvós, fosmet e propetanfós (37). São carbamatos fenoxicarb, metomil, bendiocarb, aldicarb, carbaril, carbofurano e
propoxur (37). Todos esses produtos afetam o sistema nervoso por inibir a acetilcolinesterase na junção neuromuscular,
resultando no excesso de acetilcolina e prolongada despolarização da membrana pós-sináptica (37). A reativação espontânea de acetilcolinesterase é muito lenta em gatos jovens, e
praticamente inexistente em gatos idosos (37). Esses efeitos
ocorrem mais facilmente na intoxicação por carbamato do
que por organofosforado (37).
Gatos são mais sensíveis e suscetíveis aos efeitos tóxicos
dos organofosforados e carbamatos do que as outras espécies,
embora o mecanismo para isso seja desconhecido (24). Esses
efeitos não se relacionam com capacidade metabolizadora hepática, pois os organofosforados são metabolizados por meio de
colinesterases localizadas nas terminações nervosas (20). Intoxicação dessa natureza em gatos ocorre, especialmente, com o
emprego de coleiras contra pulgas à base de diclorvós, sendo
associadas duas síndromes ao uso de coleiras impregnadas com
organofosforados (20,37). A doença espinhal pode resultar em
ataxia ascendente de membros pélvicos, que ocorre 10 a 14 dias
após a colocação de coleiras antipulgas e desaparece em seguida à sua remoção (37). A coleira pode causar também dermatite
local, se ficar muito apertada e úmida ou se for aplicada mais de
uma coleira (37). Habitualmente a remoção da coleira antipulgas resulta em cura, mas alguns gatos precisam de tratamento
rigoroso com corticosteroides orais e locais (37). Os sinais de in-
566
toxicação por organofosforados iniciam-se com inquietude, evoluindo para hiperexcitabilidade ou hipoexcitabilidade (37). São
comuns salivação e tremores musculares (fasciculações) (4,37),
seguidos de vômito, diarreia, miose, bradicardia, dor abdominal
e micção frequente. A presença de cianose e tetania generalizada
é sinal de toxicose avançada (37). Uma intoxicação crônica ou
retardada se manifesta como paresia ou paralisia, que pode ou
não ser reversível (37). Esses sinais precedem por curto lapso
de tempo convulsões, falência respiratória e morte (37). Gatos
podem tolerar exposições ao fention e clorpirifós durante várias
semanas antes da manifestação de intoxicação, sendo a anorexia
prolongada o sinal predominante (37). Com uso de clorpirifós,
também existe a possibilidade dos sinais surgirem depois de
vários dias de exposição, sendo comuns anorexia, ataxia, paralisia de membros pélvicos e ventroflexão cervical (37). Para essas
duas toxicoses (fention o clorpirifós), pode ser necessário um
tratamento com antídoto e apoio nutricional por várias semanas
ou meses (37). Tem-se relatado também necrólise epidérmica tóxica em gatos tratados topicamente com enxágues contra pulgas
à base de organofosforados (38). O malation parece ser um dos
mais seguros organofosforados para ser utilizado em gatos (3).
Uma pesquisa dos efeitos das coleiras antipulgas em gatos revelou alto número de reações adversas, variando de dermatite
a morte (38). O tratamento de intoxicação aguda é de suporte,
associado à administração do sulfato de atropina na dosagem de
0,1 a 0,2 mg/kg, por via endovenosa lentamente, sendo necessária repetição a cada 10 minutos, e após diminuição dos tremores
musculares, a cada 60 minutos (4). Os tratamentos associando
atropina e cloridrato de pralidoxima (2-PAM) trazem melhores
resultados (2,36). O cloridrato de pralidoxima é administrado
na dose de 20mg/kg, por via intravenosa, podendo ser repetido
após 60 minutos (36). O emprego do sulfato de atropina pode
ser requerido após 24 e 48 horas (1).
Piretrinas e Piretroides
Intoxicações em gatos por essas substâncias são ocasionais e geralmente não são fatais, com exceção da toxicidade
por dietiltoluamida (DEET). Entretanto, há alguma evidência
de que gatos com menos de um ano de idade podem ser mais
gravemente acometidos que os mais idosos (37). Piretroides
podem ser mais tóxicos se estiverem combinados com inseticidas sinérgicos. A intoxicação por piretroides fundamentase na sua capacidade de permitir o ingresso de quantidades
excessivas de sódio nas células, resultando em excessiva estimulação nervosa (37), sendo letargia e salivação abundante
os sinais clínicos mais brandos (17), que podem evoluir para
ataxia, tremores, hiperexcitabilidade, desorientação, hipotermia, midríase, vômito, diarreia, convulsões e, raramente,
morte (37). O tratamento para intoxicação por tais substâncias geralmente é feito com administração de diazepam por
via endovenosa, na dose de 0,5 a 1,25 mg/kg, para controle
de convulsões (37). Carvão ativado associado a catártico osmótico (sorbitol a 70%), promovem a remoção do inseticida
residual do trato gastrointestinal (37). Para remoção da toxina remanescente da pele é importante banhar o gato com um
xampu neutro (37). O prognóstico é geralmente bom se o paciente for tratado rigorosamente, com exceção da toxicidade
causada por DEET ou por combinações de inseticidas.
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 566-567.
Terapêutica felina: diferenças farmacológicas e fisiológicas
Sulfato de Atropina
Esse fármaco causa uma severa diminuição na produção lacrimal em gatos, quando comparado a outras espécies.
Deve-se ter bastante atenção quando esses animais são anestesiados usando combinações de tal droga à cetamina, para
evitar ressecamento excessivo da córnea e desenvolvimento
de ceratites de exposição (3).
Benzoato de benzila
Corresponde ao éster fenilmetilico do ácido benzoico. É
utilizado no tratamento de escabiose e pediculose na medicina humana sob as formas de loção e sabonete. O benzoato de
benzila não é indicado para gatos, pois acarreta dor abdominal, vômito e diarreia, hiperexcitabilidade e convulsões (39).
O tratamento indicado é a remoção imediata da substância da
pele através de banhos e terapia de suporte (1).
Enemas à Base de Fosfato
São medicamentos utilizados como catárticos, que atuam
provocando aumento da osmolaridade do lúmen intestinal e consequente influxo de água para essa região. A intoxicação grave
ocorre em gatos com soluções à base de fosfato de sódio por meio
da absorção pela mucosa retal (2). Isso está relacionado ao desenvolvimento de hiperfosfatemia, hipocalcemia e hipernatremia. Os
sinais clínicos iniciam-se cerca de 30 a 60 minutos após a administração, sendo eles: depressão, ataxia, vômito, gastrenterite hemorrágica, mucosas pálidas, estupor e óbito. As análises laboratoriais
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O tratamento consiste na reposição de fluidos com baixos níveis
de sódio (dextrose 5%) suplementado com cálcio (3), podendo ser
utilizado o diazepam caso ocorra convulsões (5).
Iodo e Iodóforos
Compostos a base de iodo podem levar a intoxicação em
gatos pelo hábito desses animais de higiene por lambedura
(4). Prostração, inapetência, úlcera na língua, distúrbio gastrintestinal são sinais clínicos de intoxicação por tais substâncias (4). O tratamento de feridas em gatos com antissépticos
polivinilpirrolidona-iodo (povidine tópico e tintura) na concentração a 1% e 10% causam irritação e necrose tecidual. Assim sendo, é aconselhável uma diluição, para a obtenção de
uma solução polivinilpirrolidona e iodo de 0,1% a 0,5% (1).
Conclusão
Gatos possuem características próprias, tanto comportamentais quanto fisiológicas. Portanto, devemos respeitar
essas peculiaridades ao tratarmos essa espécie e considerar
fatores como idade, estado nutricional e de saúde, metabolismo, tipo de fármaco, forma farmacêutica, via de administração e a possibilidade do proprietário em medicar seus gatos,
minimizando assim, os riscos de efeitos adversos na rotina da
terapêutica de felídeos.
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Recebido para publicação em: 14/01/2010.
Enviado para análise em: 14/01/2010.
Aceito para publicação em: 20/01/2010.
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 567-567.
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