1 UMA VISÃO DA PSICOMOTRICIDADE SOBRE A
Transcrição
1 UMA VISÃO DA PSICOMOTRICIDADE SOBRE A
UMA VISÃO DA PSICOMOTRICIDADE SOBRE A APLICAÇÃO DO TAI CHI CHUAN AOS ADOLESCENTES EM PROCESSO PUBERAL A vision of the Psychomotricity on the implementation of Tai Chi Chuan for adolescents in pubertal process Peterson Mendonça Rodrigues1 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vania Ramos2 RESUMO: A educação psicomotora proporcionada pelo Tai Chi Chuan torna-se um diferencial no desenvolvimento adolescente por ser uma arte holística, que visa a integração do corpo, mente e espírito. Sua prática consciente e freqüente deve auxiliar na formação de púberes capazes de gerir as próprias crises internas, inerentes às transformações mentais, físicas e sociais desta etapa, oferecendo-lhes condições de construir esquemas e imagens corporais adequados, com vistas à boa autoestima. A partir disso, assumem suas condições de sujeitos capazes de estabelecer boas e inovadoras relações com seus iguais, com a família, com a sociedade e com o transcendente. A aplicação do Tai Chi Chuan como terapia psicomotora destinada aos adolescentes em processo puberal não se restringe às escolas, mas é uma proposta aberta a qualquer segmento que atue em áreas socioeducativas, como clubes, igrejas, organizações não governamentais, dentre outras. Entretanto, o ensino desta arte requer pessoal formado e qualificado, ficando o convite para seu aprendizado àqueles que queiram se dedicar a tal missão na educação. Assim, unindo a prática ocidental a esta arte de filosofia oriental, temos convicção de que ampliamos nossa visão da Psicomotricidade no processo puberal. Palavras–chave: Adolescência; Educação; Terapia; Psicomotricidade; Tai Chi Chuan. ABSTRACT: The psychomotor education provided by the Tai Chi Chuan becomes a differential in adolescent development to be a holistic art, which aims to integrate the body, mind and spirit. His frequent and conscious practice should assist in the formation of pubertal able to manage their own internal crises, transformations inherent mental, physical and social consequences of this step by offering them capable of building schemes and appropriate body images, with a view to good selfesteem. From there, take their conditions of subjects able to establish good and innovative relationships with their peers, family, society and the transcendent. The application of Tai Chi Chuan as psychomotor therapy for adolescents undergoing puberty is not restricted to schools but is open to any proposal for a segment that acts in socio areas, such as clubs, churches, nongovernmental organizations, among others. However, the teaching of this art requires trained and qualified personnel, getting the call for learning to those who wish to devote to this task in education. Thus, joining the Western practice of this art of oriental philosophy, we believe that we broaden our view of Psychomotricity the pubertal process. Keywords: Adolescence; Education; Therapy; Psychomotricity; Tai Chi Chuan. 1 Pós-graduado em Psicomotricidade (UNIFAI); Educador Brincante (Instituto Brincante); Instrutor de Tai Chi Chuan (Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental); Reeducador do Movimento (Escola do Movimento Ivaldo Bertazzo); Fisioterapeuta (Faculdades de Guarulhos); catequista com adolescentes (10-13 anos) na Diocese de Guarulhos (SP). E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Ciências Sociais e Mestre em Gerontologia (PUC-SP); Psicopedagoga; Psicomotricista; Sócio Titular nº 132 da SBP; Coordenadora do curso de pós-graduação em Psicomotricidade do UNIFAI. 1 1 INTRODUÇÃO O presente artigo parte das reflexões empreendidas durante um longo percurso de pesquisa científica e prática terapêutica, a envolver estudos sobre a adolescência e seu desenvolvimento corporal, tocando em aspectos da puberdade psíquica, puberdade corporal e da imagem corporal do púbere. Associados a este tema estão a Psicomotricidade e o Tai Chi Chuan, aplicado como terapia psicomotora durante o processo puberal. Esta revisão bibliográfica não se restringe aos teóricos da Psicomotricidade, como os então citados Le Boulch, Vitor da Fonseca e outros como Pagotti (1991), Melo (1997) e Sousa (2004), mas segue ao encontro de terapeutas corporais do ocidente que, partindo dos conceitos holísticos que visam a integração corpo-mente, escrevem sobre as estratégias psicomotoras utilizadas em seus trabalhos de reeducação, merecendo destaque Ehrenfried (1991) e Bertazzo (1998). A necessária abrangência da cultura oriental e do Tai Chi Chuan é fornecida por autores talvez menos conhecidos em nosso meio, como Huang (1979), Despeux (1981), Wong (1996), Jou (2004), Waysun (2006) e um artigo de Soci (2006). Os adolescentes - público alvo - são abordados principalmente através dos conceitos de Aberastury e Knobel (1980 e 1981), Levisky (1995) e Tiba (1986 e 2005). No âmbito da adolescência, etapa de desenvolvimento biopsicossocial, buscam-se as condições necessárias à formação do esquema e imagem corporal dos púberes, como base para a boa autoestima. Neste contexto, a aplicação do Tai Chi Chuan encontra respaldo teórico e prático na Psicomotricidade, a fim de auxiliar o púbere a estabelecer boas relações com o próprio ser em transformação, tendo em vista a educação do corpo e do espírito. Com isso, espera-se que se torne apto para assumir sua condição de sujeito capaz de estabelecer boas relações com a sociedade e com o transcendente, a partir da construção do esquema e imagem corporal adequados. A aplicação do Tai Chi Chuan abre-se como responsabilidade de segmentos que atuam em áreas socioeducativas como escolas, clubes, igrejas, organizações não governamentais, dentre outras. Seu ensino requer pessoal formado e qualificado, ficando o convite para o aprendizado àqueles que queiram se dedicar a 2 tal missão na educação. Acima de tudo, é importante lembrar que o processo educacional começa na família, e os pais devem ser líderes educadores, ajudando no despertar dos filhos para que vejam e se comprometam a realizar o melhor que podem e o que tem de ser feito. No amplo sentido do desenvolvimento humano, com vistas a um mundo melhor, é preciso que tenhamos a esperança renovada, para que se viabilize no jovem o que ele tem de melhor como força propulsora de grandes transformações na realidade brasileira, pois o jovem necessário à sociedade de hoje precisa ser autônomo e solidário. (TIBA, 2005). Por isso, “há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”.3 2 DISCUSSÃO É impossível falar do corpo humano sem enquadrá-lo em uma perspectiva mais ampla. De fato, o nosso corpo é uma unidade, entidade psicológica e fisiológica indivisível e estrutura mais ou menos definida que organiza todas as suas partes e sensações. É no corpo onde se originam todos os impulsos, desejos e necessidades vitais orgânicas, e em tudo isso estão inseridas as experiências de prazer ligadas às suas satisfações. (RAMOS, 2005). Desse modo, para falar do desenvolvimento biopsicossocial do ser humano, importa lembrar que ele passa por três importantes períodos, que são o nascimento, a adolescência e o envelhecimento. O nascimento é o primeiro e mais importante, caracterizado por três períodos de socialização pelos quais a criança passa: “elementar”, até 2 anos de idade, no qual aprende a identificar suas funções e necessidades fisiológicas, formando o ‘Núcleo do Eu’4; “familiar”, até 4-5 anos, quando aprende a ser parte da família a partir das normas de comportamento que recebe; e “comunitária”, que pode ter início 3 Coração de estudante, composição de Wagner Tiso e Milton Nascimento, 1983. A formação do ‘Núcleo do Eu’ ocorre durante a ‘socialização elementar’ da criança, que estabelece três papéis que delimitam três áreas: a área da Mente (aparelho psíquico) tem no ato de ingerir o papel de ingeridor (até 3º mês) de formas e conteúdos de elementos que nela ficam gravados; a área do Corpo (físico) tem no ato de defecar o papel de defecador (entre 3º-8º mês), que o torna capaz de manifestar sensações e sentimentos; a área percepção do Ambiente (que se refere ao ambiente interno) tem na micção o papel de urinador (entre o 8º-24º mês), sendo percebida pelas áreas da mente e do corpo (provenientes de um ambiente externo), integrando as três áreas. O fim deste período se caracteriza pelo surgimento do “não” na criança, demonstrando sua capacidade de perceber o que lhe foi pedido, elaborar (entender) esse pedido e sentir qual seria sua vontade em relação ao pedido, negando-se a atendê-lo, por fim. Cf. TIBA, I. Puberdade e adolescência, p. 10. 4 3 concomitante à familiar, notando-se pelas diferenças entre tais socializações. (TIBA, 1986). Adolescência e puberdade são temas profundamente intrincados, mas com características distintas. (LEVISKY, 1995). Como segunda modificação do desenvolvimento, a adolescência se caracteriza pela autonomia comportamental do adolescente, que busca afastar-se da própria família - com quem frequentemente se indispõe - para inserir-se nos grupos dos amigos de sua própria escolha - com quem enfrenta o mundo e até tolera os mais inconvenientes; sozinho, no entanto, pode perder a coragem de abordar um estranho. Essa autonomia é provocada pelos hormônios pubertários, que geram a necessidade da individualização e da luta pela realização das vontades próprias, aspectos saudáveis ao desenvolvimento (ABERASTURY, 1980; TIBA, 2005), que ocorrem junto a um mundo de transformações e descobertas. (LEVISKY, 1995). É a fase das alegrias e sofrimentos perante a entrada no mundo adulto, abrindo uma espécie de abismo entre um passado não mais vigente e influente, e um futuro que ainda não está constituído. Nos momentos de crise, os processos de desprendimento e diferenciação desorganizam e desestruturam sua precária identidade, de maneira que a luta entre as gerações é sempre um motor de progresso e mudança da sociedade. (PAZ, 1980). Mas sua natural rebeldia é essencial para manter a saúde emocional (ROLLA, 1980), e tudo vai contribuir na definição de sua personalidade e ideologia, marcadas pelo fato de pensar e falar muito mais do que age, quando fica mais propenso a frustração ao perceber que não é escutado nem compreendido. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981). Neste século XXI, já é normal o fato das crianças passarem a infância na escola, enquanto suas mães trabalham. Nos grandes centros as famílias são cada vez menores e isoladas nos condomínios, visitando cada vez menos os parentes, o que pode comprometer a formação dos vínculos familiares da criança e de valores como gratidão, religiosidade, disciplina, cidadania e ética. A convivência entre vizinhos também tem diminuído, as ruas são trocadas pelos shoppings e as esquinas das padarias por lojas de conveniência. Tantas variáveis interferem no processo evolutivo social, surgindo uma geração “antecipada” de adolescentes, 4 denominada Geração Tween5. Criada pelo marketing para definir um nicho de mercado consumidor, é formada por crianças entre 8-12 anos, as quais são inteligentes, acham bobas as outras crianças e se comunicam intensamente por internet e celular. Neste contexto desestruturado, chegam na adolescência “de fato”; é quando se deparam com o “medo” da passagem do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental. Esta crise se deve à mudança psicopedagógica da relação alunoprofessor para a nova relação com vários professores, bem como devido ao choque do aluno pelo contato com o ambiente da nova escola, características sociais importantes que não podem ser banalizadas pelos professores. (TIBA, 1986; 2005; NORTE, 2009). Diante disso, os pais precisam limitar os desejos de consumo dos filhos, bem como estar junto deles a fim de ajudar na organização da programação do dia escolar, conferir as datas de trabalhos e provas, bem como o material a ser levado à escola. Neste panorama, são os meninos que mais sofrem com tantas dificuldades psíquicas; sobretudo, é importante ter paciência perante suas atrapalhações, a fim de cultivar neles a autoestima. Assim, mais do que simples provedores, os pais tornam-se líderes educadores6, ajudando no despertar dos filhos para que vejam e se comprometam a realizar o melhor que podem e o que tem de ser feito. Precisam dar liberdade, mas também interferir quando algo não vai bem, auxiliando-os a superar seus obstáculos. Agindo desta maneira, os filhos adolescentes se sentirão úteis, produtivos e aptos ao aprendizado em todos os âmbitos. (TIBA, 2005). Numa visão antropológica, MELLO (1986: 167) diz: Ser homem é viver perigosamente. Por isso a vida é tão angustiosa para uns, tão cheia de ansiedade para outros e tão séria para todos. Não admira que esta vida leve alguns à loucura, à insensatez, ao heroísmo, ao vandalismo, à santidade, à insensibilidade... Ante o futuro o homem é acometido pelo riso, pela lágrima, pelo labor, pelo torpor, pela fé, pela descrença. A cultura traz reflexos diretos sobre a biologia do homem (MELLO, 1986) e, dessa maneira, apesar do processo da adolescência depender de fatores 5 ‘Tween’ é um termo que vem da palavra inglesa between, e significa a etapa entre a infância e a adolescência em que a maioria dos tweens ainda nem entrou na puberdade. Cf. TIBA, I., Op.cit., p. 171. 6 ‘Educador’ é um termo amplo, e se refere à atitude e responsabilidade assumidas por qualquer pessoa perante o mundo, e não somente aos professores. 5 característicos de cada região, há aspectos que podem ser considerados universais. (LEVISKY, 1995). Segundo Aberastury e Knobel (1981), esse comportamento universal é denominado Síndrome da Adolescência Normal, para a qual Knobel (1980) elencou algumas expressões básicas de conduta: busca de si e da própria identidade7; tendência grupal; necessidade de fantasiar e intelectualizar; crises religiosas; deslocamento temporal do pensamento; evolução bissexual para a genitalidade heterossexual adulta; atitude social reivindicatória; manifestações de conduta contraditórias; luta constante por uma separação progressiva dos pais; flutuações de humor e de estado de ânimo. A psicopatia se configura somente em caso de intensidade ou persistência destes fenômenos. Para Aberastury e Knobel (1981), essa “normal anormalidade” do adolescente varia em relação ao meio sócio-econômico, político e cultural. Não significa submetimento ao meio, mas pauta-se na capacidade de exteriorização dos conflitos, de acordo com a estrutura e experiências, e por isso precisa ser compreendida pela sociedade a fim de facilitar sua aproximação juntos aos jovens. Somente assim, o adolescente será capaz de desenvolver-se correta e satisfatoriamente, gozando de sua identidade - ainda que esta tenha raízes patológicas - para elaborar uma personalidade sadia e feliz. 2.1 Puberdade psíquica e corporal do adolescente A puberdade8 traz em si fatores comuns aos adolescentes do campo e da cidade, revelando as mutações pelas quais passa todo ser humano. Como processo contido na adolescência, é considerada um segundo parto e marca o fim da infância. É uma etapa filogeneticamente programada, que não obedece às vontades da pessoa ou da família, exceto por uma interferência medicamentosa, iniciando com a produção dos hormônios sexuais, que resulta no desenvolvimento dos pêlos pubianos. (TIBA, 2005). 7 As mudanças que se vão operando promovem a perda da identidade infantil e implicam a busca de uma nova identidade, a partir da introjeção das imagens satisfatórias proporcionadas pelo mundo externo e pelos pais. Tudo isso ajuda o adolescente a elaborar suas crises internas. Cf. KNOBEL, M. In: ABERASTURY, A. et cols. Adolescência, 1980, p. 111-42. 8 A palavra puberdade vem do latim púbis e significa “penugem, pelo”. Cf. TIBA, I., Puberdade e adolescência, p. 13. 6 Para esta evolução o púbere consome tanta energia que pouco sobra para interessar por outras pessoas. [...] É uma ressocialização tanto familiar quanto comunitária, bastante carregada de projeção de seus conflitos internos. Sente que a família não o elege para o que ele deseja, mas sempre é escolhido para o que ele não quer. [...] Estas situações ocorrem principalmente quando o púbere se sente solicitado pelo social. Por sua própria iniciativa, o púbere raramente quer ser o primeiro ou o último, principalmente pelo receio de chamar a atenção dos outros sobre si mesmo. (TIBA, 1986: 24). Partindo desse novo aprendizado e reconhecimento corporal, o ‘Núcleo do Eu’ formado na infância precisa ser redimensionado, trazendo de volta a necessidade de um novo auto-reconhecimento. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981). A forma física que o indivíduo tiver “esculpido” durante sua segunda infância e adolescência será a expressão fiel de toda a sua personalidade. (EHRENFRIED, 1991). A intenção é re-significar as três fases de socialização já vividas, com a diferença de que no púbere já existe a memória do caminho percorrido, enriquecido pelas novas condições corporais e sensoriais e pelo aprimoramento do pensamento abstrato. A partir disto, percebe e sente o ambiente de maneira mais rica e elaborada, reagindo a ele de maneira diferente de como reagiria quando criança, marcando a etapa “social” da puberdade. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981; TIBA, 1986). Entretanto, se as primeiras fases de socialização foram mal vividas e/ou apresentaram dificuldades, provavelmente serão reavivadas, marcando um novo reconhecimento do Tu (o mundo externo) e o retorno ao Eu (egocentrismo da infância), interferindo em relacionamentos que deveriam ser progressivos.9 Neste momento, o púbere passa a julgar-se alvo de conversas alheias ou sente como se todos falassem ou reparassem nele, naquilo que ele mesmo não entende e/ou não gosta em si. Mas ao reconquistar sua socialização, reencontra seu lugar na família e, posteriormente, na comunidade, fortalecendo os relacionamentos e aceitando que seus amigos também tenham outros amigos, ainda que não esteja livre do ciúme nem da tendência de comparação e competição com os colegas. É preciso que o mundo externo confirme suas características positivas, comprovando seus valores e apoiando suas conquistas. Interações desse tipo são necessárias para contribuir no seu processo de crescimento, impedir o trauma e abrir espaço para um 9 O ‘relacionamento progressivo’ é construído através da ‘linguagem do amor’, onde todos ganham. Constitui-se em 3 níveis compostos por, no mínimo, duas pessoas: ‘Eu’ e ‘Tu’. Assim: se ‘Tu’ estiveres abaixo, ‘Eu’ deveria ajudá-lo; se ‘Tu’ estiveres no mesmo nível, ‘Eu’ deveria me associar; se ‘Tu’ estiveres acima, ‘Eu’ deveria admirá-lo. Cf. TIBA, I. Adolescentes, p. 139 e 141. 7 desenvolvimento saudável, alegre e gratificante. Ainda que este seja um contexto complexo, favorável a muitas crises, há púberes que se desenvolvem naturalmente e sem grandes complicações, pois no corpo se operam as mais visíveis modificações, mas é na mente que novas características fazem-no questionar o próprio meio em busca de soluções para problemas reais. (ABERASTURY, 1980; TIBA, 1986). Assim, há um fenômeno que se inicia numa média de 2-3 anos antes das primeiras modificações corporais, denominado puberdade psíquica. Esta se caracteriza pela maturação lenta e progressiva do raciocínio infantil, que evolui para o dedutivo e a interdependência de conceitos, a fim de organizar o esquema corporal. Afeta as meninas de 9-10 anos (no 4º ano escolar), e mais tarde, aos 11 anos, os meninos (no 6º ano escolar). Ambos adquirem as mesmas capacidades do pensamento relativo (em substituição ao pensamento absoluto) e da elaboração complexa dos acontecimentos, que culminam no pensamento abstrato por volta dos 13 anos nos meninos, ao passo que as meninas já apresentam boas capacidades psíquicas desde os 11 anos. Esse descompasso psíquico faz com que os meninos tenham dificuldades em acompanhar adequadamente o ritmo das aulas e as novas exigências impostas pela escola, sobrevindo um possível fracasso escolar. Isso os deixa suscetíveis à baixa autoestima, que pode ser agravada pelo desprezo que as meninas dão a eles, por achá-los “meio bobos”. Diferentemente do corpo, onde as modificações são definitivas, a mente é mais plástica e seu amadurecimento psíquico tanto pode evoluir quanto regredir. Assim, quanto mais tranqüila for a criança e o seu meio, mais naturalmente amadurece seu pensamento, pois a mente se enriquece com as características adultas sem perder as infantis, que podem ser acionadas quando ela se encontra sob fortes tensões. (TIBA, 1986; 2005). A puberdade corporal também tem início primeiramente nas meninas, aos 810 anos, seguindo até o surgimento da menarca, por volta dos 11-12 anos. Os hormônios estrogênios e a progesterona são os responsáveis pelo surgimento de suas características sexuais secundárias: crescimento das mamas, pêlos pubianos, menarca e pêlos axilares. São também responsáveis pela erotização sexual, lubrificação vaginal e ciclo fértil para a reprodução. Entretanto, o desenvolvimento das mamas, dos 11 aos 18 anos, é o fator que mais influi na psique feminina, ao provocar sensações corporais até então desconhecidas. (ABERASTURY, 1980; TIBA, 1986; GUYTON e HALL, 1998). O peso corporal constitui um drama, devido 8 aos padrões de magreza impostos pela mídia, e os pais devem ficar atentos às dietas e remédios usados sem orientação médica, pelo risco da anorexia e bulimia. A mãe deve educar a filha com amor, e o diálogo é fundamental para ajudá-la a adquirir autoestima e saber dos seus limites. (FIORI, 2007). No corpo dos meninos, a puberdade abrange um período maior, dos 9-11 anos até os 13-17 anos, quando se dá a mudança da voz. O hormônio testosterona é o maior responsável por suas características sexuais secundárias: crescimento dos testículos, pêlos pubianos, aumento do pênis, mudanças de voz, produção de sêmen e espermatozóides, pêlos axilares e desenvolvimento da barba. Atua também nos impulsos sexuais, agressividade, crescimento em altura, força física e vida sexual e reprodutiva. (ABERASTURY, 1980; TIBA, 1986; GUYTON e HALL, 1998). Apesar do fim da puberdade, a adolescência continua para ambos, até os 2327 anos. (TIBA, 1986). 2.2 Esquema e imagem corporal do púbere Na puberdade, as grandes modificações rumo a um corpo que começa a tomar formas adultas, dão ao púbere um sentimento de impotência (TIBA, 1986), gerando ansiedade e preocupação num momento de crise. (KNOBEL, 1980). São grandes as alegrias, benefícios e possibilidades com o novo corpo, mas também pode haver o sofrimento pela perda do corpo infantil e a vontade de negar esse crescimento, caracterizando sérios problemas de aceitação da nova imagem. (TIBA, 1986). Este fenômeno é denominado por Aberastury e Knobel (1981) como Luto pelo corpo infantil perdido10, e precisa ser superado. Tal fato é inevitável e implica numa nova atitude de relações perante o mundo adulto. No curso desta crise elaborativa, aparecem estados de angústia e crises de despersonalização, bem como alterações do esquema corporal e necessidade de ligação a outro grupo de amigos, em substituição aos pais da infância. (PAZ, 1980). Quando o luto é bem elaborado, conduz à identidade sexual adulta, à criatividade e à busca de um 10 Quanto ao ‘luto pelo corpo infantil’, percebe-se uma evolução no pensamento de TIBA (1986) ao comparar a referência que faz a partir da teoria de ABERASTURY (1981), com sua fala mais recente em TIBA (2005). Nesta última, ele parece demonstrar não ter mais tanta certeza disso ao comentar: “Se Freud fosse vivo, empreendedor como era, [...] Seus seguidores talvez nem falassem mais tanto em luto pela perda da infância.” Cf. TIBA, I. Adolescentes, p. 149-50. 9 parceiro, alterando a relação com os pais, que adquire características adultas. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981). Uma boa experiência é a observação de desenhos feitos por púberes, que buscam na representação do próprio corpo novas formas de se ver: elas capricham nos adornos, ao passo que os meninos desenham personagens armados de revólveres, espadas e metralhadoras. Nas deformações dos desenhos podem ser detectadas as alterações do esquema corporal, que vão mudando incessantemente. Desenhar o corpo é um modo de regressar ao passado, reter o presente e apressar o futuro. (ABERASTURY, 1980). Para Le Boulch (1988: 177), o esquema corporal é “uma estrutura que permite a globalização e a unificação incessante das informações provenientes do ‘corpo próprio’. [...] é, portanto, a base fundamental da função de ajustamento e o ponto de partida necessário de qualquer movimento.” O desempenho da função de interiorização, a partir da atenção perceptiva centrada no corpo, favorece a conscientização do esquema corporal, que é resumo e síntese das experiências motoras operadas pelo corpo. Ninguém existe sem antes perceber o próprio corpo. Se nosso corpo constitui-se de vários “pedaços”, o movimento é o fator que nos possibilita juntar essas peças e criar unidade. [...] É essa síntese motora que nos fornece a confortável sensação de unidade, de identidade. [...] Essa é a maneira que o corpo possui para nos certificar de sua presença. (BERTAZZO, 1998: 34). Segundo Tiba (1986; 2005), a formação do esquema corporal do púbere acompanha um ciclo biológico que se repete com as modificações do próprio corpo, as quais são promovidas pela fase do estirão11, que contribui para o surgimento da confusão pubertária12, alterando o comportamento do adolescente. Um clássico exemplo é o menino descoordenado, “estabanado”. No aspecto estético, em ambos os sexos, o púbere busca novas atitudes corporais para disfarçar (ou realçar) uma 11 O ‘estirão’ é um grande desenvolvimento físico, causado sobretudo pelo crescimento do fêmur, tíbia e fíbula. Nas meninas, ocorre por volta dos 11-12 anos, cessando com a menarca; nelas a principal característica é o crescimento “para os lados” (mamas, nádegas e quadris). Nos meninos, o crescimento é marcadamente vertical, e começa depois dos 12-13 anos, cessando com a mudança da voz, aos 15-17 anos. Cf. TIBA, I. Adolescentes, p. 49-50. 12 A ‘confusão pubertária’ surge devido às interferências da mente na captação das modificações do corpo e seus segmentos, manifestando desequilíbrios motores. Ibid, p. 44-5. 10 nova característica. Neste caso, um bom exemplo é a mocinha que projeta os ombros para frente, a fim de disfarçar as mamas avantajadas. No âmbito social, o esquema corporal do púbere apresenta-se como consequência das próprias experiências em contínua evolução, que o levam a estruturar um novo ego corporal em busca da própria identidade, e o instiga a novos questionamentos: “Quem sou eu hoje?”, “se eu fosse você?”, “eu sou como você?”, “eu sou como todos?”. Esses novos papéis, frente à nova condição corporal, são vividos como uma invasão súbita e incontrolável através de um novo esquema corporal que modifica sua posição frente ao mundo, obrigando-o a procurar novas pautas de convivência. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981). Pelo desejo de ser original, o adolescente não suporta o sentimento de se sentir diferente ou anormal perante os outros, ou muito inferiorizado quando tais diferenças fogem do seu controle. Por exemplo, se o menino percebe ou “julga” que o tamanho do seu pênis não é normal, passa a evitar a troca de roupa na presença dos colegas ou de tomar banho em chuveiros coletivos (ABERASTURY, 1980; TIBA, 1986), de maneira que, quanto mais afetada estiver sua autoestima, mais defeitos poderá enxergar nas mudanças corporais. Entretanto, esse mesmo adolescente que sofre é também sensível ao prazer e ao sucesso. (TIBA, 1986; 2005). Dessa maneira, a imagem corporal se define a partir do “quadro mental que fazemos do nosso corpo, isto é, o modo no qual o corpo se apresenta a nós mesmos sendo a imagem tridimensional que cada um tem de si mesmo”. (Schilder, 199413 apud RAMOS, 2005: 33). Ou seja, a imagem se fundamenta sobre associações, memória, experiências, intenções, aspirações volitivas e tendências, (RAMOS, 2005), meios pelos quais se efetiva a terapia psicomotora. Segundo Le Boulch (198314 apud Melo, 1997), a estruturação da imagem corporal na puberdade corresponde à etapa do corpo representado, quarta fase de um processo que teve início após o nascimento, e que chega ao final de sua concretização durante o período de 7-12 anos. Nesta etapa, a síntese das experiências tônicas e motoras interiorizadas e verbalizadas são relacionadas aos dados externos, produzindo uma primeira imagem sintética do corpo. A criança, então, dispõe dessa imagem para efetuar e programar mentalmente suas ações a partir do pensamento, tornando-se 13 14 (SHILDER, Paul. A imagem do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1994). (LE BOULCH, Jean. Psicomotricidade. Uberlândia, SEED/MEC, 1983). 11 capaz de organizar e combinar as diversas orientações espaciais. Portanto, para Le Boulch (1988) é importante ajudar a criança e o púbere nesta fase a realizar o ajustamento do esquema com a nova imagem corporal. Um esquema corporal incerto ou mal estruturado pode determinar deficiências no plano perceptivo ou motor, imprimindo ao corpo distúrbios de insegurança ou perturbações afetivas da relação com o outro. Segundo Tiba (1986), não é raro encontrar expressões como: “Sou ruim em matemática, mas bom no futebol”, isso porque o púbere já tem uma autoimagem diminuída que o predispõe aos fracassos; somente se tiver um estímulo muito grande é que irá superar este pessimismo, já que para o futebol ele vai se reforçando e melhorando a sua autoimagem a cada sucesso atingido. Vejamos a percepção que as meninas e os meninos têm de si mesmos, utilizando como fonte de informação uma enquete feita num encontro catequético com adolescentes15: Como me vejo? (Meninas) “Sou uma garota extrovertida, mas muito realista. Tenho um certo jeito de ajudar, mas de vez em quando preciso regular. Sou sincera e quando preciso, desabafo. Apaixonada por um destino impossível, mas confiante com uma coisa: o amor de Deus me guiará!”; “Eu me vejo como uma garota importante para Deus”; “Sou amorosa, adorável e tudo de bom”; “... sou inteligente, companheira, verdadeira, amiga ...”; (Meninos) “... eu sou legal com os pais, mas às vezes não”; “Eu sou bom no futebol, péssimo aluno, uma pessoa brincalhona”; “... eu brigo com meu irmão direto”; “... eu me vejo um menino muito atrapalhado”; “Eu sou um filho criado por Deus, mas tenho muitos defeitos como todo mundo”; “... sou impaciente, às vezes, [...] tenho vários defeitos. Mas sou legal, inteligente e tenho muitos amigos”. Para que o púbere – bem como qualquer pessoa – possa construir uma estima pessoal adequada, é preciso que busque um equilíbrio que brote da percepção de si e do outro, pois todas as pessoas possuem dois rostos no coração: um rosto ferido e um rosto de potencialidades. Ao se conscientizar disso, pode dar início ao caminho pela autovalorização e aceitação pessoal positiva, em qualquer instância. (CARBARRÚS, 2007). Passemos então para algumas considerações acerca da Psicomotricidade e sua relevância no contexto da adolescência. 15 Enquete realizada em 09.06.2009, com adolescentes entre 10-13 anos. 12 2.3 A terapia psicomotora A Psicomotricidade não encerra somente a história dos conceitos do exercício físico, da motricidade e do corpo, convocados para restaurar uma ordem psíquica perturbada ou facilitar o funcionamento do espírito, mas também o estudo causal e a análise de condições de adaptação e de aprendizagem que tornam o comportamento humano possível. (FONSECA, 2002). No contexto da adolescência, faz-se mister uma visão interdisciplinar, pois é preciso buscar soluções para o desenvolvimento das potencialidades do púbere; essa visão pode se dar através da educação pelo movimento, a terapia psicomotora. Como afirma Le Boulch (1988: 15): “O objetivo central da educação pelo movimento é contribuir ao desenvolvimento psicomotor da criança, de quem depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar.” (grifos meus). O enfoque psicomotor está centrado na importância da qualidade das relações, privilegiando a totalidade e a unidade psicossomática numa dimensão prospectiva de evolução, pois se relaciona com diversas áreas, em total interdisciplinaridade. (FONSECA, 2002). Ao estabelecer os métodos necessários para o tratamento e evolução do indivíduo, parte sempre da investigação e estudo das relações entre o psiquismo e a motricidade característicos da pessoa. (SOUSA, 2004). Desta maneira, a reeducação psicomotora surge como técnica que se dirige ao ser humano em sua totalidade, e usa como recursos o corpo e o movimento. Seu objetivo é permitir a fluidez do corpo e sua melhor integração perante a ação gravitacional, bem como à estruturação da consciência corporal e organização práxica e expressiva do indivíduo, que então se torna capaz de se situar no espaço, no tempo e no mundo dos objetos. (AJURIAGUERRA e SOUBIRAN, 1959 apud FONSECA, 2002). Por meio dessa harmonização entre psiquismo e motricidade, as manifestações serão edificadas de maneira efetiva na descoberta do outro, dos objetos e de si mesmo, dando ao indivíduo condições de agir sobre o mundo, por meio de uma reflexão que transcenda o corpóreo e o instante vivido. (PAGOTTI, 1991). Discutindo sobre a prática do movimento, Bertazzo (1998) nos deixa uma pertinente observação: O movimento é a base de toda a inteligência, e as funções mais sutis do corpo humano são forçosamente subordinadas à estrutura do movimento. Ou seja, nossa psicomotricidade regula todas as funções de nosso 13 organismo, mesmo as mais sutis, e não o contrário. [...] A prática do movimento é o instrumento capaz de fornecer condições para que nossas potencialidades ganhem forma. (BERTAZZO, 1998: 29). Um prognóstico animador para a efetividade da terapia psicomotora é dado por Ehrenfried (1991: 81), que afirma: “Uma experiência de quarenta anos provounos que é possível reeducar a psicomotricidade de um indivíduo. Ele pode adquirir e elaborar melhores reflexos condicionados, o que modificará seu comportamento.” Assim, a atenção que se deve dar à formação de nossos adolescentes, na puberdade, é de extrema importância e não pode ficar alheia à família e à sociedade, nem a uma escola que talvez não lhes dê a atenção devida. No amplo sentido do desenvolvimento humano, com vistas a um mundo melhor, é preciso que tenhamos a esperança renovada, para que se viabilize no jovem o que ele tem de melhor como força propulsora de grandes transformações na realidade brasileira, pois o jovem necessário à sociedade de hoje precisa ser autônomo e solidário. (TIBA, 2005). Por isso, “há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”.16 Após discutirmos sobre a Psicomotricidade e seu papel no contexto da adolescência, passaremos para um outro ponto da nossa discussão, o Tai Chi Chuan e a sua importância para entendermos a estrutura do movimento do corpo humano no aspecto psicomotor. Faremos um breve passeio teórico acerca da história do Tai Chi Chuan, seus aspectos de expansão e recolhimento, sua aplicação e os benefícios da sua prática. 2.3.1 História do Tai Chi Chuan17 Há milhares de anos os chineses começaram a se dedicar à procura da mais elevada forma de vida possível para a mente e o corpo (WAYSUN, 2006), sendo Fu Hsi (2953 a.C.) uma de suas grandes marcas, lendário Imperador Amarelo a quem é atribuída a criação da cultura chinesa e o estudo da natureza com seus símbolos que deram origem ao “I Ching”, “O livro das mutações”. O segundo imperador lendário, Ta Yu (2205-1766 a.C.), construiu diques e canais, organizou a política, 16 Coração de estudante, composição de Wagner Tiso e Milton Nascimento, 1983. Em chinês românico, os termos “Tai Chi” e “Tai Chi Chuan” são ditos: Taiji e Taiji quan. Ambas as grafias são válidas e a pronúncia sempre se dá de acordo com os termos citados entre aspas. 17 14 economia e vida social, e instituiu o “I Ching” como obra de grande influência na vida do povo, do governo e da filosofia. No Oriente, medicina e religião sempre andaram juntas e constam relatos de prática da Medicina Tradicional Chinesa (MTC)18 já há mais de 3.000 anos a.C. Entretanto, somente com o surgimento de médicos, cirurgiões, nutricionistas e veterinários, a partir de 771 a.C., a MTC se dissociou dos aspectos místicos e de invocação dos ancestrais, tão comuns naquela cultura. (JOU, 2004). Em sua essência, a MTC diz: Para que o indivíduo possa ter equilíbrio físico e emocional, é necessário haver uma relação harmoniosa entre o indivíduo, suas relações e o meio ambiente, e isto dependerá do seu Equilíbrio Fisiológico (saúde física), Equilíbrio psicológico (fluxo equilibrado de emoções) e do Equilíbrio postural (desenvolvimento adequado das faculdades mentais e de adaptação). (JOU, 2004: 160). Ainda nessa mesma época o feudalismo chinês entrou em declínio, surgindo uma nova forma de relações sociais com o Confucionismo19, que diz: “Quando o homem usa corretamente seu corpo e sua natureza, preservando bons costumes de alimentação, vestimenta e moradia, ordem e harmonia são mantidas, e se isso não acontecer a doença ocorrerá.” (JOU, 2004: 21). Por volta de 480-221 a.C., o feudalismo se dissolveu, consolidando-se o Império da China e antigos conceitos do Taoísmo20, Yin-Yang21 e Cinco Elementos22, aos quais se somaram o conceito de 18 Na MTC, o Corpo-Mente é um todo integrado, que interage entre sistemas internos e aspectos emocionais. As emoções podem causar desequilíbrios, como também serem por eles causadas, pois são parte natural da existência humana e nenhum ser humano está livre de sentir tristeza, fúria, raiva ou preocupações. Cf. JOU Eel Jia. Ch´an Tao, conceitos básicos, p. 136-9. 19 O Confucionismo, 1º pilar do pensamento chinês, foi criado por Confúcio (em chinês Koung Fou Tseu) por volta de 551-479 a.C.; é uma filosofia e ideologia política, social e religiosa, que define a busca de um caminho superior (Tao) como forma de viver bem e em equilíbrio entre as vontades da terra e do céu, estabelecendo regras de bom comportamento social e de vivência da espiritualidade. Ibid, p. 43-6. 20 O Taoísmo, 2º pilar do pensamento chinês, é uma tradição espiritual milenar que propõe o retorno do homem a um estado de consciência e vida plena, ou seja, ao Tao (o Absoluto). Representa a idéia da coexistência harmoniosa do ser humano e a natureza. Seu principal representante é Lao Tzu, possível autor do “Tao Te Ching” (“O Livro do Caminho Supremo”). Ibid, p. 46-7. 21 Yin e Yang expressam a dinâmica das polaridades, a constante mutação, significando que não existe apenas frio e calor, mas calor transmutando-se em fio e frio em calor. O Yin, devido ao frio e ao recolhimento, atua nas contrações musculares; tais contrações geram atividade, calor e velocidade, características do Yang, que por sua vez atua nas expansões do movimento. Assim, o corpo segue em busca de equilíbrio e harmonia. Ibid, p. 71. 22 Os Cinco Elementos são a base da MTC; caracterizam-se por cinco processos básicos decorrentes das qualidades de elementos da natureza: Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal. Ibid, p. 79. 15 Chi23. Somente após um longo período, por volta de 506 d.C., o Budismo24 chegou na China, introduzido pelo monge indiano Bodhidarma, 28º patriarca do Budismo Ch´an (Zen). Neste contexto surge o Tai Chi como “Unidade Suprema”, princípio que rege o universo e preside à união do Yin e do Yang. (DESPEUX, 1981). É uma doutrina que prega a contínua progressão da pessoa rumo ao ilimitado, à grande eternidade (Tao), através de um modo de vida natural e moderado que se conforma ao ritmo dos sopros e da revolução do universo. (WAYSUN, 2006). Marcado pela teoria do “Princípio original” - teoria dos opostos Yin e Yang -, o movimento do Tai Chi produz o Yang e este, no seu apogeu, é seguido pelo repouso Yin; desse repouso, o movimento se reinicia e produz os cinco elementos que formam o Yin e o Yang, os quais formam o Tai Chi e o Wu Chi (onde ‘Tai’ é movimento e ‘Wu’, repouso) que, juntos, formam o Tao (o Absoluto). (DESPEUX, 1981). Percebe-se, então, um princípio filosófico e religioso que, se comparado neste ponto à filosofia judaicocristã, assemelha-se ao que se diz de um Deus que não tem princípio nem fim, mas que é o princípio e o fim de tudo: “Ele existe antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nele.” (Cl 1,17), “Sem pai, sem mãe, sem genealogia, a sua vida não tem começo nem fim ...” (Hb 7,3).25 Sem sincretismo, esta é apenas uma proposta para se entender o modo chinês de pensar e viver. Como diz Zhou Dunyi, segundo Despeux (1981: 42 e 47): O sábio ordena sua vida esforçando-se por conservar o centro, o correto, o amor, a equidade. [...] A boa sorte do homem nobre provém do fato de que ele cultiva suas virtudes [...]. É por isso que se diz (I Ching): ‘Para representar o caminho do céu empregam-se os termos de Yin e Yang, para o caminho da terra, os termos de flexibilidade e dureza, para o caminho do homem, os termos de amor e equidade’. [...] O universo é um Taiji, mas o corpo humano também é um Taiji. Na área da saúde, os chineses possuem e praticam, há muito tempo e em larga escala, um ensinamento de psicomotricidade requintado, uma verdadeira 23 Chi (Qi) pode ser entendido como formação contínua e única de Energia que não se perde nem se destrói, incriada e invariável, mas que se transforma. É a força e o poder de transformação de cada ser; é sua consciência. Ibid, p. 50-1. 24 O Budismo, 3º pilar do pensamento chinês, é uma religião e filosofia de vida. Sua origem se deu na Índia, a partir dos ensinamentos de Sidhartta Gautama, o Buda. Seu intento é despertar a consciência das pessoas, a fim de obter a iluminação. Seus preceitos principais são: evitar o mal, fazer o bem, purificar a mente. Ibid, p. 29-43. 25 (BÍBLIA Sagrada. Edição Pastoral. 63. reimp. São Paulo: Paulus, 2007). 16 escola de movimento, identificado como Tai Chi. (BERTAZZO, 1998). Sua sistematização como arte marcial tem uma origem lendária, associada à fundação de um templo na montanha Wu-tang, pelo monge taoísta Chang San-feng, por volta de 1200 d.C., destinado à prática do Taoísmo. Diz-se que esse monge teria vivido do século XII ao XIV-XV, ou seja, mais de duzentos anos. Em seus ensinamentos, mestre Chang propunha a harmonia do Yin e do Yang como meio para o progresso das capacidades mentais e físicas, a partir de uma meditação natural associada a uma técnica de movimentos corporais gerados por uma energia interna que se desenvolvia após certo grau de realização prática. (DESPEUX, 1981; WAYSUN, 2006). Há centenas de anos, aqueles que buscavam um meio de elevar o corpo e o espírito humano ao seu máximo grau de progresso desenvolveram um sistema engenhoso, chamado de Exercício do T’ai Chi. Esse sistema, inspirado pela doutrina do T’ai Chi [...] mostrou-se desde então o sistema mais avançado de exercício corporal e condicionamento mental já criado pelo ser humano. (WAYSUN, 2006: 18). O termo Chuan, posteriormente agregado ao Tai Chi, refere-se ao “punho” e designa a força e bravura inerentes à prática marcial; supõe a idéia de domínio e poder, mas também de medida e avaliação. Entretanto, alerta o mestre Chen Pinsan (DESPEUX, 1981: 101): “Todo o corpo humano, de alto a baixo, é um Taiji, [...] é um quan. Urge, pois, não ver no termo ‘quan’ unicamente o sentido de punho”. Assim, a idéia de corpo e universo, como micro e macrocosmo, constitui papel fundamental na prática do Tai Chi Chuan (TCC) como técnica de longa vida, pois nela o praticante busca harmonizar o próprio ritmo ao ritmo do universo. O surgimento do TCC deve-se há dois supostos fundadores. No contexto histórico, surgiu com as milícias camponesas do século XVII, formadas por famílias inteiras e por filhos de outras famílias pobres, com o intuito comum de defender suas aldeias. Alguns dizem que Wang Zongyue, célebre artista marcial, teria transmitido esta arte à família Chen. Mas grande parte das pesquisas indica que a família Chen26 seja o berço desta arte, que foi praticada por Chen Wangting durante seu período de recolhimento na velhice; este tinha formação militar e havia servido na 26 A cada estilo de Tai Chi Chuan é atribuído o nome da família. Assim, ao 1º estilo Chen, bem como ao 2º estilo, Yang, correspondem as tradições herdadas das famílias Chen e Yang. 17 corte imperial da dinastia Ming. Entretanto, foi somente com seu descendente Chen Changxing (1771-1853) que o TCC passou a ser ensinado fora da família Chen. Foi assim que Yang Luchan, da família Yang, tornou-se seu discípulo, sendo mais tarde o responsável pela migração desta arte do campo para a cidade, quando a difundiu em Pequim. Este fato tem grande importância, pois foi a partir do mestre Yang Luchan que o TCC evoluiu da técnica vigorosa de combate do estilo Chen para a disciplina psicossomática e esporte popularizado (DESPEUX, 1981), calmo e gracioso do estilo Yang, sendo o mais praticado atualmente em todo o mundo devido à promoção dos aspectos da saúde. Contudo, importa ressaltar que, no estilo Yang, os princípios marciais continuam a ser mantidos e difundidos, pois são responsáveis por desenvolver a forma física, agilidade, calma, clareza mental, restabelecimento da vitalidade e equilíbrio do Chi. (WONG, 1996). Assim, na China de 1925, o TCC do estilo Yang passou a ter também característica de ginástica e técnica terapêutica, sendo introduzido na educação escolar e ensinado aos professores de educação física, a fim de que fosse também praticado por idosos e todos os não-especialistas em artes marciais. (DESPEUX, 1981). Os aspectos de expansão e recolhimento operam juntos com a respiração, no eixo central dessa prática, pois segundo Huang (1979: 30), o “Tai Chi é uma das diversas maneiras de ajudar a disciplinar o corpo e encontrar uma vazão para a tensão interna. Tai Chi pode ser um modo de permitir que o corpo nos ensine e oriente na resolução dos conflitos cotidianos”. Neste aspecto, distingue-se de outras artes marciais ocidentais e orientais pelo fato de não dar destaque ao trabalho muscular, mas ao trabalho interior do sopro, da energia e do espírito. Este motivo fez os chineses dedicarem especial atenção à respiração, criando um conjunto de exercícios respiratórios27 que visa o trabalho sobre a energia, denominado Chi Kung. A respiração deve ocorrer de forma natural e não forçada, com o corpo relaxado: o diafragma desce na inspiração e intumesce discretamente o baixo ventre28, onde se concentra a atenção do praticante. Agindo assim, é possível obter inspirações e expirações mais longas, que beneficiam o trabalho digestivo graças à pressão do diafragma sobre os órgãos. A respiração lenta e profunda se efetua pelo nariz e somente em alguns exercícios de Chi Kung o ar é solto pela boca. Alguns dos 27 A inspiração é Yin e a expiração é Yang. Cf. DESPEUX, C. Tai-chi chuan, p. 59. No baixo ventre está o ‘campo de cinábrio inferior’, local onde se acredita que a energia se transmuta; está frequentemente localizado a 7,62 cm abaixo do umbigo. Ibid, p. 60. 28 18 efeitos biopsíquicos imediatos é o aparecimento de forte calor e transpiração em todo o corpo, seguido de grande calma no espírito. (DESPEUX, 1981). A prática do TCC tem ainda como característica a forma circular dos movimentos, pois todo círculo é um Tai Chi, conforme descreve Despeux (1981:53): A idéia do círculo está ligada à de continuidade. [...] Um encadeamento do Taiji quan compõe-se, de fato, de uma infinidade de movimentos que não se podem isolar uns dos outros. O princípio de um movimento é o fim do movimento precedente. Não há corte nem parada na passagem de um movimento para outro. O adepto obedece unicamente a um ritmo: [...] A continuidade, portanto, reside menos na execução dos movimentos do que no pensamento (yi): “Se a energia vital pode ser interrompida, o 29 pensamento não o pode”. [...] A continuidade e a ligação desempenham um papel não só na execução dos movimentos, mas também na mobilidade do corpo, cujas diferentes partes devem participar dos movimentos e estar ligadas umas às outras sem a menor interrupção. O aperfeiçoamento do será TCC favorecido pelos movimentos automatizados, os quais dependem de uma prática freqüente e correta desta arte. Os processos de aprendizagem e maturação neurológica ajustam-se frequentemente aos novos padrões de movimento que são integrados e elaborados pela memória, tornando a automatização possível. (PAGOTTI, 1991). Esta automatização é um processo pelo qual os movimentos, ações e gestos são condicionados pela repetição, de forma que o indivíduo chega a um domínio sobre sua expressão motora, passando a executá-la inconscientemente ao poupar a consciência de sua participação no processo elaborativo. Nesse momento, o esforço motor e psicológico é minimizado, diminuindo o gasto energético, de forma que as manifestações automatizadas aumentam acumulativamente. (RODRIGUES, 2003). Segundo Bertazzo (1998: 12), “Quando nos dispomos fisicamente para o movimento e o iniciamos, há como que um fio condutor que nosso corpo reencontra, reconhece, aprova e recupera.” Assim, Despeux (1981) nos oferece uma descrição de características presentes nos praticantes mais avançados, muito semelhante ao que foi dito dos movimentos automatizados: ... quando o corpo responde instantaneamente ao pensamento emitido, há automatismo do movimento e passagem ao inconsciente. Já não se faz necessário o esforço consciente para executar o movimento nem para emitir 29 Citação de Wu Yuxiang. Ibid, p. 53. 19 o pensamento determinado que lhe corresponde. [...] Nesse estado, não está sujeito a pensamentos desordenados que o assaltam de todos os lados, suas tensões desapareceram, substituídas pela calma e pela serenidade. Esse efeito semelha o da meditação. (DESPEUX, 1981: 72). Para Bertazzo (1998: 38), “O movimento acontece para manter e atualizar a forma, para fazer com que a matéria não se deteriore, para que ela mantenha sua integridade. Toda a forma de vida se mantém pelo contínuo exercício do movimento.” Segundo Ehrenfried (1991), esse movimento se torna cada vez mais “normal”, à medida que funciona sem entraves. Paralelamente, vê-se a forma mudar de aspecto, tornar-se mais satisfatória e mais bonita, de maneira que a psicomotricidade de cada um dependerá, em grande parte, de uma emotividade mais ou menos evoluída. Assim, pode-se confirmar a presença do processo psicomotor na prática do TCC, pois que atua na construção e transformação dos movimentos e gestos do indivíduo a partir da elaboração e reelaboração de caminhos mentais em busca da automatização para uma práxis eficiente, com economia de energia e ganho de flexibilidade psíquica e corporal. 2.3.2 Aplicação do Tai Chi Chuan A partir dos benefícios apontados pela prática do TCC, pode-se pensar em sua aplicação aos adolescentes em processo puberal, a fim de auxiliar na estruturação do esquema e imagem corporal, como base para a boa autoestima. Com isso, espera-se que se torne apto para assumir sua condição de sujeito capaz de estabelecer boas relações com a sociedade e com o transcendente, a partir da construção do esquema e imagem corporal adequados. Neste aspecto, colaboram os Dez Princípios Essenciais30 estabelecidos pelo mestre Yang Chengfu, os quais precisam ser memorizados pelo praticante. Ao serem agregados à prática, contribuirão no processo de reeducação do corpo, mente e espírito, guiando o praticante na evolução e máximo aproveitamento dos 30 Optou-se pelo termo ‘Dez Princípios Essenciais’ usado por Despeux (1981: 107-10), uma vez que é apresentado de maneiras distintas por outros autores. Assim, Wong (1996: 52-5) usa o termo ‘Os dez pontos mais importantes do Tai Chi Chuan’ e Waysun (2006: 129-30) usa ‘Pontos Fundamentais a Observar na Prática do T´ai Chi’, citando 22 pontos. 20 benefícios propostos pelo TCC. Cada princípio é altamente filosófico e nesta pesquisa serão apenas citados, não aprofundados. Segundo DESPEUX (1981), WONG (1996) e WAYSUN (2006), são: 1) Sentir uma energia leve e sensível no topo da cabeça; 2) Afundar o peito e arredondar as costas; 3) Relaxar a “cintura”; 4) Discernir “cheio” e “vazio”; 5) Afundar os ombros e deixar cair os cotovelos; 6) Usar a mente, não a força física; 7) Coordenar o “superior” e o “inferior”; 8) Harmonia entre o “interno” e o “externo”; 9) Dar continuidade ao movimento e 10) Ter tranqüilidade no movimento. Como veículo mais perfeito, o corpo humano é a ponte mais imediata e presente para um autoconhecimento global. (BERTAZZO, 1998). Isto é importante para o processo de autoconhecimento, através do qual o TCC promove o cultivo de Cinco Virtudes, que certamente contribuem no resgate da autoestima e da criatividade. São elas: 1) Capacidade de adaptação (flexibilidade para alterar as posturas de base); 2) Sensibilidade receptiva ao que outros ignoram; 3) Prudência no pensar e capacidade de compreender; 4) Discernimento contínuo (pelo movimento ininterrupto); e 5) Ser sincero consigo mesmo (desejo de alcançar o eterno pela prática correta). (WAYSUN, 2006). Por fim, a prática do TCC gera frutos interiores, que são apresentados pelo mestre Li Yi Yu por meio da Fórmula dos Cinco Caracteres31. Segundo DESPEUX (1981) e WONG (1996), são: 1) Calma do espírito (mente tranquila); 2) Agilidade; 3) Controle do sopro (energia plena); 4) Ordenação da energia (força total pela unidade); e 5) Espírito concentrado. A fim de ratificar a possível realização de tão nobres objetivos, importa expor a experiência da aplicação do TCC a crianças entre 06 e 10 anos, promovida pela SBTCC32. Esta experiência visou a introdução dessas crianças ao TCC, com suas práticas, princípios e ênfase em seus corpos, emoções e mentes. No nível corporal, buscou-se o fortalecimento ao apresentar imagens da forma do TCC, com as quais brincaram através de movimentos, entrando em contato com a energia sem nenhuma intenção competitiva. “Suavemente, elas entendem as muitas possibilidades de como podemos mover o nosso corpo, esticando e fortalecendo 31 Este é o termo usado por Wong (1996: 49-51). Entretanto, Despeux (1981: 114-16) apresenta um termo diferente e contexto similar: ‘Fórmulas dos cinco princípios’. 32 Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental, em São Paulo. 21 músculos e tendões sem lesões.”, descreve Soci33 (2006: 12). No nível mental, enfatizou-se o desenvolvimento da atenção pela concentração nos detalhes dos movimentos, ajudando-as a desenvolver a calma mental, que tem contribuído para o aprendizado escolar. Segundo Soci (2006: 12), “Pensando nos movimentos e em seu próprio corpo ao mesmo tempo, e entendendo a sutil coordenação dos movimentos, aumenta seu auto controle e dirige sua energia, naturalmente explosiva, para tarefas mais úteis!”. No nível emocional, os exercícios visam o aumento da autoestima, autoconfiança e habilidade para realizar coisas novas; tudo favorece à criatividade e bom relacionamento entre os colegas. São ainda apresentados belos contos do Tai Chi, com seus heróis e fadas, aos quais estão implícitas ricas filosofias para suas vidas como uma agradável introdução a importantes princípios éticos. Para Soci (2006: 13), “As crianças tem tido grande interesse na prática do Tai Chi Chuan. Professores e pais podem sentir que elas ficam mais calmas, mais atentas e menos agressivas com amigos e membros de suas famílias.” Esta experiência deu base para a elaboração de um “Método Pedagógico de Tai Chi Chuan para Crianças”, pela SBTCC, a partir da combinação de brincadeiras e prática corporal, a fim de manter a atenção da criança e desenvolver nelas o prazer em desfrutar desta arte para o alcance dos benefícios mentais e corporais. Quanto a isso, a instrutora Cristina Miyamoto34 diz: Eu entendo que precisamos juntar a idéia de brincar e trabalhar, e então em minhas aulas eu incluo desenho, canções, e até corridas e saltos. Crianças têm muita energia, e para apresentar o Tai Chi Chuan a elas nós precisamos aplicar métodos para atrair sua atenção, e então, elas terão interesse em aprender e desenvolver as formas! As histórias são muito importantes porque estimulam a imaginação, e usando isso, nós vamos apresentando os movimentos! (SOCI, 2006:13) Nas palavras de Soci (2006:13): Nossa experiência tem nos mostrado que não precisamos ser muito duros com as crianças, mas não podemos ser muitos suaves também. Disciplina precisa ser mantida, mas temos também muitas brincadeiras, quando elas 33 Angela Soci e Roque Severino são diretores do Centro Yang Chengfu de São Paulo / Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental, onde ensinam TCC desde 1978. 34 Instrutora formada pela SBTCC, que atuou voluntariamente junto às crianças. 22 podem relaxar e estarem prontas para entender as ótimas razões para seguirem a prática que ensinamos. Para Bertazzo (1998: 09), “Nossa época exige passos largos: mais e mais pessoas devem iniciar, juntas, seu processo de transformação. [...] Certamente será esta a proposta de educação das escolas do futuro.” Quanto a isso, a professora Sueli Zaparolli35 expressa ser possível e válida a aplicação do TCC em ambiente escolar: Seria ideal o trabalho de Tai Chi Chuan nas escolas; [...] para todas as faixas etárias, visto que trabalhando-se a auto-estima obtém-se progressos visíveis em todos os sentidos do ser humano. O trabalho de postura, conduta e auto-controle, quando feitos de forma lúdica, motiva e colabora para a garantia de aprendizagem no processo escolar. Uma citação final pode corroborar a eficácia da experiência descrita, quanto à combinação de brincadeiras e prática corporal. O objetivo é deixar a criança – e neste caso, o púbere – disponíveis e aptos ao aprendizado do TCC como atividade que exige calma, concentração, disciplina e leveza do ser. A atividade livre e espontânea permite a criança [e o púbere] expressar seu desejo através da ação, do movimento ou mesmo da verbalização. Assim, ela se torna mais criativa em face das suas possibilidades de ação e descoberta pessoal. Ao brincar, se manifesta mais alegre e mais humana. Também com os pais e professores, esse brincar ajudará a uma compreensão melhor do seu momento de vida e no resgate de seu desejo reprimido. No ato de brincar, a criança [e o púbere] adquire melhor compreensão do mundo, desenvolve-se intelectualmente pela construção dos seus pré-conceitos sobre os objetos, o espaço, o tempo e as causas e efeitos que regem os acontecimentos. (SOUSA, 2004:22) (grifos meus). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação do Tai Chi Chuan como terapia psicomotora destinada aos adolescentes em processo puberal não se restringe às escolas, mas é uma proposta aberta a qualquer segmento que atue em áreas socioeducativas, como clubes, igrejas, organizações não governamentais, dentre outras. Entretanto, o ensino desta 35 Coordenadora Pedagógica do Colégio Luiza de Marilac, em São Paulo, que gentilmente forneceu um parecer por escrito, em novembro de 2007, quanto à perspectiva de aplicação do Tai Chi Chuan em escolas do Ensino Fundamental. 23 arte requer pessoal formado e qualificado, ficando o convite para seu aprendizado àqueles que queiram se dedicar a tal missão na educação. Acima de tudo, o bem desses jovens deve ser buscado por meio de uma família bem estruturada e de condições dignas de vida, como o direito à moradia, alimentação, saúde e acesso à escola. A educação psicomotora proporcionada pelo Tai Chi Chuan torna-se um diferencial no desenvolvimento adolescente por ser uma arte holística, que visa a integração do corpo, mente e espírito. Sua prática consciente e freqüente deve auxiliar na formação de púberes capazes de gerir as próprias crises internas, inerentes às transformações mentais, físicas e sociais dessa etapa, oferecendo-lhes condições de construir esquemas e imagens corporais adequados, como base para a boa autoestima. A partir disso, assumem suas condições de sujeitos capazes de estabelecer boas e inovadoras relações com seus iguais, com a família, com a sociedade e com o transcendente. Assim, unindo a terapêutica educativa ocidental a esta arte de filosofia oriental, temos convicção de que ampliamos nossa visão da Psicomotricidade no processo puberal. 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERASTURY, Arminda & cols. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Mauricio & cols. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981. BERTAZZO, Ivaldo. Cidadão Corpo: identidade e autonomia do movimento. São Paulo: Summus, 1998. CARBARRÚS, Carlos Rafael (SJ). A dança dos íntimos desejos: sendo pessoa em plenitude. São Paulo: Ed. Loyola, 2007. DESPEUX, Catherine. Tai-chi chuan: arte marcial, técnica de longa vida. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Círculo do Livro, 1981. EHRENFRIED, L. Da educação do corpo ao equilíbrio do espírito. Tradução Maria Angela dos Santos. 2. ed. São Paulo: Summus, 1991. FIORI, Vera. Hormônios em ebulição. Suplemento feminino de O Estado de S.Paulo, 68, 1 de jul. 2007. FONSECA, Vitor da. Para uma Epistemologia da Psicomotricidade. Departamento de Educação Especial e Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana – Universidade de Lisboa. http://www.castelobranco.br/prppg/revista/Textos/artigo/ vitor.htm. Visualizado em 13.06.2002. GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. 24 HUANG, Al Chung-liang. Expansão e recolhimento: a essência do t´ai chi. Tradução de George Schlesinger e Mauro Rubinstein. São Paulo: Summus, 1979. JOU Eel Jia. Ch´an Tao, conceitos básicos: medicina tradicional chinesa, Lien Ch’ i e meditação. 2. ed. São Paulo: Ícone, 2004. KNOBEL, Mauricio. A adolescência e o tratamento psicanalítico de adolescentes. In: ABERASTURY, Arminda & cols. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. p. 111-42. LE BOULCH, Jean. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad. Jeni Wollf. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. LEVISKY, David Léo. Adolescência: reflexões psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MELO, José Pereira de. Desenvolvimento da consciência corporal: uma experiência da educação física na idade pré-escolar. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997. MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. NORTE, Diego B. A transição do 5º para o 6º ano, Planejamento e Avaliação, ed. 228, dez. 2009. http://revistaescola.abril.com.br. Visualizado em 15.04.2010. PAGOTTI, S. A. de G. Movimento e Consciência: bases para a compreensão da psicomotricidade. Uma análise conceitual. 1991. 167p. (Tese de Doutorado em Psicologia da Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). PAZ, Lea Rivelis de. Adolescência. Crise de dessimbiotização. In: ABERASTURY, Arminda & cols. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. p.165-84. ROLLA, Edgardo H. Vicissitudes do trabalho de desidealização no adolescente. In: ABERASTURY, Arminda et cols. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. p. 73-91. RAMOS, Vânia de P. Introdução à Psicomotricidade. Apostila do curso de Psicomotricidade do UNIFAI. São Paulo, 2005. RODRIGUES, Peterson M. O processo construtivo psicomotor do gesto humano harmônico, guiado por alguns aspectos antropológicos, semióticos e biomecânicos. 2003. 116 p. (Trabalho de conclusão de curso. Fisioterapia. Faculdades de Guarulhos). SOCI, Angela. Tai Chi Chuan para crianças: uma experiência do Centro Yang Chengfu de São Paulo. Revista da Associação Internacional do Estilo Yang de Tai Chi Chuan, n.18, p.12-3, 2006. SOUSA, Dayse Campos de. Psicomotricidade: integração pais, criança e escola. Fortaleza: Ed. Livro Técnico, 2004. TIBA, Içami. Puberdade e adolescência: desenvolvimento biopsicossocial. 2. ed. São Paulo: Agora, 1986. _________. Adolescentes: quem ama, educa! São Paulo: Integrare Editora, 2005. WAYSUN Liao. Clássicos do T´ai Chi. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Ed. Pensamento, 2006. WONG Kiew Kit. O livro completo do Tai Chi Chuan: um manual pormenorizado dos seus princípios e práticas. Tradução Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Ed. Pensamento, 1996. 25
Documentos relacionados
um dos mais inquietos editores brasileiros
foi lançado um movimento provisoriamente chamado de Mídia Livre. Em outras palavras, é na prática que a democratização dos meios de comunicação vira realidade. Está programado um grande fórum no mê...
Leia mais