TCC versão final - Conservação e Restauração de Bens Culturais

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TCC versão final - Conservação e Restauração de Bens Culturais
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia e Conservação e Restauro
Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis
Estudo dos vitrais do Instituto São Benedito da cidade de Pelotas,
RS. Diagnóstico do estado de conservação e proposta de
intervenção do painel da fachada externa.
Flávia Silva Faro
Trabalho de conclusão apresentado ao
Bacharelado em Conservação e Restauro
de Bens Culturais Móveis da Universidade
Federal de Pelotas, como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Conservação e Restauro de Bens
Culturais Móveis Sob orientação da Prof.ª
Ms.Mariana Wertheimer.
Pelotas, RS.
2013
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Banca examinadora:
____________________________________________
Profª Drª. Carla Gastaud (UFPel)
____________________________________________
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Profª Ms. Mariana Wertheimer (UFPel)
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Zita e Faro.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à Universidade Federal de Pelotas – UFPel, ao Instituto de Ciências
Humanas e ao Curso de Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis.
À minha orientadora Professora Ms. Mariana Wertheimer, que com sua experiência,
dinamismo, entusiasmo, pode me mostrar através da prática o que até então eu só
admirava pela observação.
À Professora Drª. Carla Gastaud, quem eu admiro e dona de profundo saber, que
com muita gentileza aceitou fazer parte desta banca.
Aos meus queridos mestres com os quais eu pude conviver e desfrutar de muito
aprendizado durante três anos e meio. Muito obrigada Roberto Heiden, Silvana
Bojanoski, Jaime Mujica, Luiza Neitzke, Paula Garcia, Francisca Michelon, Daniele
Baltz da Fonseca, Pedro Sanches e um agradecimento muito especial à professora
Andréa Bachettini, a qual sempre depositou em mim confiança para realização de
trabalhos, com os quais ganhei muita experiência e prática.
À Keli Scolari por me ensinar a confiar, não ter medo, realizar com limite e ir em
frente. Ao Jeferson, Fran e Ana com quem sempre pude contar nas horas mais
corridas.
À Naida Corrêa e Loreni de Paula que possibilitaram e me orientaram no estágio
realizado no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, MARGS.
À Irmã Luciane Piovesan, e todas as pessoas que me receberam no Instituto São
Benedito.
Aos meus amigos de coração Karen e Claudio, que me fizeram estar aqui, e com
quem sempre pude contar. Às minhas queridas Poliana Pasa, Carol Mesquita e
Marina Sanes pelas correções, formatações, desenhos e principalmente pelo tempo
dedicado. À Priscilla Lampazzi pelo coleguismo e parceria sem limite.
Aos meus tios Fernando, Eli e Maria pela força e apoio. Ao meu filho amado Gabriel,
e aos meus amores Zita, Faro, Luke e Marco Primo, simplesmente obrigada por
tudo.
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“A mente que se abre a uma nova idéia,
jamais voltará ao tamanho original”.
Albert Einstein
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RESUMO
FARO, Flávia Silva. Estudo dos vitrais do Instituto São Benedito da cidade de
Pelotas, RS: diagnóstico de estado de conservação e proposta de intervenção
para o painel da fachada externa. Monografia – Curso de Bacharelado em
Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de
Pelotas, Pelotas, RS.
O presente trabalho tem por objetivo fazer um diagnóstico do estado de
conservação dos três vitrais do Instituto São Benedito da cidade de Pelotas-RS,
assim como propõe uma solução de preservação e possível proposta de intervenção
para o painel localizado na fachada da edificação, com seu reverso voltado para Rua
Félix da Cunha, e que se encontra sem a informação que lhe dá nome, ou seja, a
imagem do patrono da instituição.
Os painéis são considerados um bem cultural, que necessita exercer sua função
como objeto estético, fazendo parte integrante da arquitetura de uma edificação.
A pesquisa foi realizada respeitando os critérios da mínima intervenção, baseada
nos preceitos das teorias de restauro contemporâneas servindo a um bem cultural.
Toda a ação proposta terá como objetivo salvaguardar e assegurar a integridade
física, artística e histórica destas obras, contribuindo para sua compreensão e
valorização.
Palavras chave: Vitral; Diagnóstico; Conservação; Restauração.
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ABSTRACT
FARO, Flávia Silva. Estudo dos vitrais do Instituto São Benedito da cidade de
Pelotas, RS: diagnóstico de estado de conservação e proposta de intervenção
para o painel da fachada externa. Monografia – Curso de Bacharelado em
Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de
Pelotas, Pelotas, RS.
This paper seeks to produce a diagnostic analysis on the conservation state of three
stained glass pieces from the Saint Benedict Institute in the city of Pelotas, Rio
Grande do Sul, as well as to offer a preservation solution and possible intervention
proposal to the panel on the building’s façade which has its reverse turned to Félix da
Cunha street and does not present the information attributed to it: the image of the
patron of the institution. The panels are considered cultural property and, so, must
exercise their function as aesthetic objects and part of the building’s architecture.
This research was conducted with concern for the minimum intervention criteria,
based on the precepts of contemporary restoration theories serving a cultural
property. The entire action proposal will have the goal to safeguard and assure the
physical, artistic and historic integrity of the pieces in order to contribute to their
comprehension and appreciation.
Keywords: Stained glass; Diagnosis; Conservation; Restoration.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Calha de chumbo com perfil em “H” _______________________19
Figura 2 - Pontos de solda ______________________________________19
Figura 3 - Vitral com composição figurativa _________________________20
Figura 4 - Vitral com composição geométrica________________________21
Figura 5 - Fragmentos encontrados na abadia de Lorsh, Alemanha ______23
Figura 6 - Cabeça de Cristo, abadia de Weissemburg, Alemanha ________23
Figura 7 - Vitrais verticais com os quatro profetas do Antigo Testamento _24
Figura 8 - Arcos ogivais. Sainte Chapelle, França ____________________25
Figura 9 - Detalhe do vitral de Alfons Mucha. ________________________30
Figura 10 - Módulo do vitral “Árvore de Jessé. A Virgem e o Menino______31
Figura 11 - Vitral da Bolsa do Café de Santos, SP. “Visão de Anhaguera”__35
Figura 12 - Diversidade de efeitos do vitral “Os Anfitriões”.______________36
Figura 13 - Vitral figurativo com cercadura e marca do doador. Instituto São
Benedito, Pelotas, RS __________________________________________37
Figura 14 - Assinatura Veit & Filho________________________________38
Figura 15 - Instituto São Benedito. Pelotas, RS_______________________42
Figura 16 - Localização dos painéis JSE1 e JSE2 ____________________43
Figura 17 - Localização do painel JS1______________________________44
Figura 18 - Painéis JSE1, JSE2 e JS1 respectivamente _______________44
Figura 19 - Detalhe da cercadura alvo de vandalismo _________________45
Figura 20 - Esquema de módulos em estrutura de ferro________________47
Figura 21 - Convenção de documentação gráfica ____________________48
Figura 22 - Convenção de documentação gráfica ____________________49
Figura 23 - Reverso do painel JSE1 e JSE2. ________________________50
Figura 24 - Painel JSE1. Instituto São Benedito.______________________51
Figura 25 - Lacuna por desprendimento de calha em B2_______________52
Figura 26 - Sujidades generalizadas _______________________________53
Figura 27 - Fratura em A2_______________________________________53
Figura 28 - Diagrama de calhas do painel JSE1______________________54
9
Figura 29 - Vitral JSE2. Instituto São Benedito, Pelotas, RS ____________54
Figura 30 - Fratura do tipo concoidal, lacuna e fratura em A2. Painel JSE
57
Figura 31 - Fissura em D2. Painel JSE2____________________________ 56
Figura 32 - Diagrama de calhas do painel JSE2______________________ 57
Figura 33 - Composição figurativa do painel JS1 _____________________ 59
Figura 34 - Painel JS1 em 1995 __________________________________ 60
Figura 35 - Atual estado de conservação do painel JS1________________ 60
Figura 36 - Esquema de módulos do painel JS1______________________ 61
Figura 37 - Diagrama de calhas __________________________________ 62
Figura 38 - Vitral restaurado por Jacques Le Chevallier. _______________ 65
Figura 39 - Vidros coloridos. Catedral de Colônia, Alemanha____________ 66
Figura 40 - Janela preenchida por quadrados de vidros, Catedral de Colônia
Alemanha ___________________________________________________ 66
Figura 41 Grade de proteção. Catedral São Francisco de Paula._________ 67
Figura 42 Proposta de intervenção em esquema de módulo_____________ 68
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SUMÁRIO
Introdução __________________________________________________11
1. Vitral: conceito e trajetória ___________________________________15
1.1 O vidro: provável origem e suas características __________________15
1.2 Vitral: composição e técnicas _________________________________18
1.3 Trajetória do vitral na Europa _________________________________22
1.3.1 Período de ascensão do vitral________________________________25
1.3.2 O Vitral no Renascimento e sua decadência____________________28
1.3.3 Período do ressurgimento – Séculos XIX e XX __________________29
1.4 Vitral no Brasil_____________________________________________32
1.4.1 Ateliês no Rio Grande do Sul________________________________36
2. Instituto São Benedito_______________________________________41
2.1 Histórico__________________________________________________41
2.2 Vitrais – Diagnóstico do estado de conservação___________________42
2.3 Proposta de intervenção para o painel JS1_______________________62
Conclusão___________________________________________________69
Referências Bibliográficas_____________________________________72
Referências Eletrônicas_______________________________________73
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INTRODUÇÃO
Alguns elementos decorativos representam verdadeiras obras de arte
associadas à edificações, como pinturas murais, mosaicos, escaiolas, elementos de
marcenaria, forros decorados, vitrais, esculturas, lustres, ou seja, bens culturais
integrados que representam ressonância e significância social.
O presente trabalho tem como tema o diagnóstico do estado de conservação
dos três vitrais e uma possível proposta de intervenção do vitral da fachada externa,
localizado em diagonal com a Rua Félix da Cunha os quais integram os elementos
da arquitetura do Instituto São Benedito da cidade de Pelotas, RS. A proposta em
questão foi baseada nos critérios mínimos de intervenção, respeitando os preceitos
das teorias de restauro contemporâneas e, ao mesmo tempo, servindo a um bem
cultural, que, além de cumprir sua função como objeto estético, necessita vedar um
vão, tentando manter a integridade física, artística e histórica desta obra, de forma a
contribuir para sua compreensão e valorização: “O papel de um vitral, é dosar
equilibradamente a luz; sublinhar a harmonia geral da arquitetura; animá-la por suas
cores e lembrar uma história (MICHELOTTI, 2001).”
Com o objetivo de padronizar a compreensão das terminologias do campo da
conservação do Patrimônio Cultural Tangível entre a comunidade de profissionais da
área e com o público em geral, os termos adotados seguiram as normas
convencionadas pelos membros do Conselho Internacional de Museus e Comitê de
Conservação, ICOM-CC, por ocasião da 15ª Conferência Trienal em Nova Delhi, em
setembro de 2008, na qual se define: conservação, todas aquelas medidas e ações
que tenham como objetivo a salvaguarda do patrimônio cultural tangível,
assegurando sua acessibilidade a gerações presentes e futuras. Dentro das
mesmas convenções, conservação compreende a conservação preventiva, a
conservação curativa e a restauração. Conservação preventiva são todas as
medidas e ações que tenham como objetivo evitar ou minimizar futuras
deteriorações ou perdas. Ocorrem sobre o contexto ou a área circundante ao bem
ou conjunto de bens, são medidas e ações indiretas, não interferem com os
materiais ou estrutura do bem, e não modificam sua aparência. Conservação
curativa são todas as ações aplicadas de maneira direta sobre um bem ou um grupo
de bens culturais que tenham como objetivo deter os processos danosos presentes
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ou reforçar sua estrutura. São ações que só se realizam quando o bem se encontra
em estado de fragilidade notável e se deteriorando em ritmo acelerado, muitas vezes
modificam o aspecto dos bens. Quanto à restauração, é o conjunto de ações
aplicadas de maneira direta sobre um bem individual estável, que tenha como
objetivo facilitar sua apreciação, compreensão e uso, só se realiza quando um bem
perdeu uma parte do seu significado ou função através de uma alteração ou
deterioração passada. Baseia-se pelo respeito ao material original, e na maioria dos
casos estas ações modificam o aspecto do bem (ABRACOR, 2010).
O diagnóstico do estado de conservação do objeto em questão foi feito através
de visitas ao local, com a observação das patologias, através de exames
organolépticos, fotografias e embasados a partir de uma revisão bibliográfica. Para
uma possível proposta de intervenção para o painel da fachada externa do instituto
localizado na Rua Félix da Cunha, foram tomadas como exemplos algumas
situações similares, onde painéis originais foram perdidos em decorrência de
fenômenos
naturais
e
vandalismo.
Também
foram
realizados
alguns
questionamentos entre pessoas leigas e pessoas da própria área do restauro,
levando em conta o valor do objeto no contexto histórico. O desafio foi tentar
resolver como fazer uma proposta de intervenção a um painel, que figurava com a
imagem de São Benedito, patrono da instituição, e que hoje por vandalismo,
apresenta somente sua cercadura e vão do arco com peças originais.
O processo de produção de vitrais vem de uma tradição milenar, baseada na
prática do fazer, transmitido sob a forma oral, de geração para geração e por meio
de documentação escrita. Nas ultimas décadas, a arte do vitral vem se
diversificando tanto no estilo quanto na técnica, entrando num processo de
experimentação. É um elemento construtivo, utilizado em prédios públicos, privados,
edificações religiosas, hospitais e outros. Na Europa, a França, a Inglaterra e a
Alemanha foram e ainda são importantes pólos de produção de vitrais (DÍAZ, 2007).
No Brasil a tradição está vinculada a países europeus, como Itália, Alemanha.
Algumas oficinas se destacaram como a Casa Conrado em São Paulo, a Casa
Genta e a Casa Veit no Rio Grande do Sul (WERTHEIMER, 2011).
Contextualizando o objeto de pesquisa, podemos dizer que a cidade de Pelotas
possui extensos exemplares, entre os quais temos alguns com livre acesso à
observação e contemplação, como os da Catedral São Francisco de Paula, Catedral
do Redentor, Instituto São Benedito, os quais estão localizados em áreas externas.
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Alguns destes painéis foram alvos de vandalismo como depredações, roubos etc,
refletindo condutas que danificam e podem causar perdas irreversíveis ao
patrimônio.
No que diz respeito ao objeto em estudo, observou-se que o conjunto de vitrais
do Instituto São Benedito, divide-se em três exemplares, dois no andar inferior
(capela), e um no andar superior contendo apenas a cercadura e o fragmento que
compõem o arco da janela. Esta obra em particular foi alvo de vandalismo e foi
quase que completamente destruída há aproximadamente quatorze anos. No lugar
da imagem figurativa, que teve comprovada sua existência por fotografias antigas,
foram colocados vidros coloridos. Não foram encontrados registros dos vitrais em
estudo, somente sabe-se que podem ter sido doados, pois há marcas do doador nos
dois painéis situados na capela, o que remete a influência européia nos vitrais do
Rio Grande do Sul, não sendo descartada também a hipótese de terem sido
importados. Pode-se constatar que mesmo em livros caixa, atas e alguns
documentos, não há descrições, assinatura, ou mesmo o nome da oficina
realizadora do trabalho.
O Instituto São Benedito, desde 1901, faz um trabalho de inclusão social
atendendo a crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social
oriundas de famílias da periferia da cidade de Pelotas. Trata-se de uma entidade
administrada por diretorias, constituídas de membros voluntários da comunidade
local que sucessivamente vem prestando seus serviços com extraordinária
dedicação e gratuidade. Esta obra de assistência social começou com a
determinação de Luciana Lealdina de Araujo, jovem negra, filha de mãe escrava e
dotada de grande sensibilidade com os pobres, nascida em 1870 na cidade de Porto
Alegre, Rio Grande do Sul. Atualmente, o Instituto São Benedito continua sendo uma
Instituição Assistencial Filantrópica, cujo público alvo é de crianças e adolescentes e
desenvolve programas de serviço de convivência e fortalecimento de vínculos de 06
a 12 anos e de 12 a 17 anos, apoio sócio familiar e geração de trabalho e renda,
ensino fundamental de 1º ao 5º ano.
O primeiro capítulo do presente trabalho abrange conceitos, técnicas e
trajetória do vitral pela Europa, Brasil e Rio Grande do Sul. O segundo capítulo está
voltado para o diagnóstico das patologias e técnicas ligadas à intervenção do objeto
de estudo de acordo com as teorias contemporâneas de intervenção. Os estudos
realizados, e todo contexto que gira em torno dos vitrais teve como tarefa básica
14
mostrar de forma sucinta esta arte milenar, além de promover uma sensibilização
instigando novos estudos e investigação nesta área tão pouco estudada nos países
de língua portuguesa. Arte que por muitas vezes passa despercebida aos olhos do
espectador, mas ao mesmo tempo ressurge na contemporaneidade.
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1 VITRAL: CONCEITO E TRAJETÓRIA
1.1 O VIDRO: PROVÁVEL ORIGEM E SUAS CARACTERÍSTICAS
O vidro é uma substância inorgânica, homogênea e amorfa, obtida através do
resfriamento de uma massa em fusão. É uma das muitas importantes descobertas
do homem, porém com uma história cheia de lacunas e incertezas. Não existem
dados precisos sobre sua origem, imagina-se que o vidro já era conhecido há pelo
menos quatro mil anos antes da Era Cristã. Provavelmente por volta de 1500 anos
a.C. já eram fabricados os primeiros objetos de vidro no Egito, como amuletos,
vidros de perfume e estatuetas. Eram feitos de uma pasta de areia e carbonato de
sódio, hoje conhecida como barrilha, chamada na época de natriun, que, colocada
em fornos, adquiria uma estrutura vítrea. Entretanto, esses objetos vitrificados não
podem ser considerados um vidro típico. De uma forma ou de outra, a produção do
vidro evoluiu bastante com a invenção dos fenícios, em 100 a.C., do tubo ou cânula
de sopro, o qual ampliou muito a capacidade de moldar o vidro, permitindo grande
versatilidade de formas. De acordo com a história, ao desembarcarem nas costas da
Síria a cerca de 7000 anos a.C., os fenícios improvisaram fogões usando blocos de
salitre sobre a areia. Observaram que, passando algum tempo de fogo vivo, escorria
uma substância líquida e brilhante que se solidificava rapidamente (ALVES;
GIMENES; MAZALI, 2001 apud MICHELOTTI, 2011). Algum tempo depois, os
romanos passaram a usar o sopro dentro de moldes, o que possibilitou uma
produção de artefatos em série. O apogeu deste processo se deu no século XIII, em
Veneza, após incêndios provocados por fornos de vidro, acarretando uma mudança
da indústria para Murano1, onde até hoje perdura sua fama de cristais e espelhos.
No final do século XVIII, na França, a indústria vidreira, prosperou e alcançou um
grau notável. Neste mesmo século, o rei francês Luis XIV reuniu alguns mestres
vidreiros e montou a Companhia de Saint-Gobain, uma das empresas mais antigas
do mundo. Hoje, uma companhia de grande importância na produção de vidros
planos em inúmeros países.
Ilha próxima a Veneza. Disponível em: < http://www.cebrace.com.br/v2/vidro> Acesso em:
10 de dezembro de 2012.
1
16
No Brasil, a indústria do vidro iniciou-se com as invasões holandesas, no
período entre 1624 e 1635, com quatro artesãos, os quais acompanhavam o
príncipe Maurício de Nassau2. Porém, a atividade não teve muita duração. Até o
século XX, a produção era muito artesanal, com a utilização dos processos de sopro
e de prensagem, sendo as peças produzidas uma a uma. A partir do início deste
século foi que a indústria de vidro se desenvolveu, com a introdução de fornos e
maquinários para a produção em massa. Em 1982, a indústria francesa SaintGobain e a inglesa Pilkington se uniram para construir a primeira fábrica de vidro
float3 do Brasil, a Cebrace, na região do Vale do Paraíba, no estado São Paulo. Em
2004, a Cebrace inaugurou sua quarta linha em Barra Velha no estado de Santa
Catarina, a qual, junto com as outras unidades, produz cerca de 2.700 toneladas de
vidro por dia4.
Com relação à composição do vidro, deve-se considerar a areia ou sílica, como
o principal componente, mas não o único. A sílica caracteriza-se por ser uma
matéria-prima que apresenta uma grande proporção de óxido de silício (SiO2), o
qual entra na composição da mistura vitrificável5 juntamente com outros materiais,
envolvendo uma reação química dos materiais vitrificáveis, resultando na produção
de um material novo, o vidro. A composição do vidro pode ser modificada a partir da
variação de seus componentes básicos, assim podem-se obter diferentes vidros com
propriedades diversas. Os materiais fundentes (sódio, potássio, chumbo) têm função
de rebaixar a temperatura de fusão da areia, que é a fonte de sílica. Os materiais
estabilizadores aumentam a resistência do vidro ao ataque de agentes químicos e
tornam a massa fundida mais moldável.
Existem alguns métodos de obtenção de vidro, todos com base em uma massa
vítrea em fusão. Para se trabalhar esta massa, os processos podem ser diretos ou
indiretos. São indiretos quando se obtém um segundo produto a partir da massa
vítrea. Aos métodos de produção diretos, chamamos os produtos obtidos através da
Nobre alemão-holandês, Governador da colônia holandesa e, Recife, Pernambuco, Brasil.
Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/mauricio-de-nassau.jhtm> Acesso em:
28 de dezembro de 2012.
3
Qualquer tipo de vidro fabricado pelo processo de flutuação( float glass). Nele a matériaprima quase liquefeita, é derramada sobre um leito de estanho derretido sobre o qual o vidro
flutua e se espalha, buscando seu nível natural, assumindo uma forma de lâmina lisa e
contínua. Disponível em: <http://www.alusistem.com.br/VIDROS.htm> Acesso em: 05 de
janeiro de 2013.
4
Disponível em:< http://www.cebrace.com.br/v2/vidro> Acesso em: 11 de dezembro de 2012.
5
Areia, calcário, barrilha, feldspato.
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17
massa vítrea, podendo ser livre, com moldes, ou ainda com superfícies
estruturadoras, ou seja, o sopro6 que pode ser dentro de um molde ou no ar,
estiramento7, prensagem8 e flutuação9.
O processo artesanal de produção de vidro, através da técnica de soflagem é
usado até hoje em pequenas manufaturas e ateliês artísticos. Segundo Lorenz
Heilmair10, antigo vitralista alemão, radicado no Brasil, “não há, e nunca poderá
haver, equipamento que substitua o trabalho de um bom soprador de vidro. E um
bom soprador surge depois de anos de prática” (BRANDÃO, 1994). As técnicas de
fabrico de vidro, já mencionadas, baseiam-se em dois processos: o de coroa e o de
manga. Ambos feitos a partir de uma massa em fusão que é recolhida em uma cana
e soprada conforme os objetivos (WERTHEIMER, 1998).
Nos últimos trinta anos o vidro passou a desempenhar um papel imprescindível
na sociedade contemporânea. Com as conquistas da ciência e da tecnologia,
presenciou-se a evolução no desenvolvimento dos vidros e suas muitas aplicações:
vidros laminados; vidros à prova de bala; vidros temperados; as vitrocerâmicas; as
técnicas de reciclagem de vidro; o aprimoramento das fibras óticas; o
desenvolvimento dos lasers; vidros fluorescentes, e muitos outros que foram sendo
utilizados nas áreas da engenharia, indústria farmacêutica, etc, trazendo mais
facilidades para o cotidiano (MICHELOTTI, 2011 apud MICHELOTTI, 2006). Alguns
tipos de vidros como sódico e potássico são utilizados em embalagens em geral, tais
como, potes e garrafas. Os de boro-silicato, utilizados em utensílios domésticos são
resistentes ao choque térmico. O púmblico é usado para cristais, copos, taças,
O artífice mergulha uma cana ( tubo oco de ferro), em vidro fundido, e a bola de vidro que
adere à extremidade do tubo é inflada na forma de balão, o artífice com habilidade faz a
forma do objeto de vidro que desejar(MICHELOTTI, 2011).
7
No estiramento a peça é resfriada lentamente e depois tratada termicamente por
recozimento (longas peças de vidro, lâminas, barras, tubos e fibras, seção reta constante).
Disponível
em:<http://www.respostatecnica.org.br/dossie-tecnico/downloadsDT/MjA5>
Acesso em: 07 de janeiro de 2013.
8
Neste processo o vidro é obrigado a tomar a forma do molde que o contém, por meio da
compressão de uma punção, em prensa especializada(MICHELOTTI, 2011).
9
Método mais usado na fabricação de vidros planos. Consiste em estirar uma larga lâmina
de vidro derretido em um tanque de estanho também derretido, o vidro flutua, e o resultado
é um vidro que apresenta ambos os lados brilhantes dispensando o acabamento por
polimento, vidro float. (MICHELOTTI, 2011).
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Era contra o trabalho feito por encomendas em catálogos, o qual por ele era tachado de
“burocrático”, trabalho feito em sério, por esse motivo entrou em conflito com a Casa Genta
(será citada em vitrais no Rio Grande do Sul ainda neste capítulo) da qual se demitiu. O
único trabalho original em que houve a participação de Lorenz, foi com o arquiteto Benedito
Calixto (BRANDÃO,1994).
6
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ornamentos, etc. Em objetos decorativos como, por exemplo, algumas divisórias e
vitrais, há uma diversidade muito grande em técnicas de coloração e de fabrico do
vidro, ou seja, podem ser coloridos na massa como os opalinos e opalescentes,
enriquecendo os efeitos e os olhos do espectador. O vidro tornou-se um dos poucos
materiais o qual se faz presente no cotidiano, estando cada vez mais integrado nas
pesquisas tecnológicas para o bem estar do homem.
1.2 VITRAL: COMPOSIÇÃO E TÉCNICAS
Conhecida como uma arte complexa, a qual necessita um conhecimento das
variações da luz solar e das estações, da composição do vidro e suas cores, de
reflexão e habilidade, o vitral tem suas origens ainda imprecisas. Há sinais dos
vitrais na Mesopotâmia, Pérsia e Síria. No século III, em Roma, os imperadores em
seus editais denominavam os vitrais como “artes suntuárias”, mesmo sendo ainda
muito rústicos. Eram comuns no Oriente, nos séculos VI e VII da era cristã, e seus
segredos de manufatura chegaram ao Ocidente através do Mediterrâneo. Um século
mais tarde, entre sírios e egípcios, duas técnicas haviam sido utilizadas no
fechamento de vãos de palácios, residências nobres e mesquitas: a kamariya11 e a
Chamisiya12( BRANDÃO, 1994).
A arte do vitral desde a sua origem baseia-se na luz, na cor e no vidro.
Segundo Brandão, 1994, a luz vem de Deus. A cor vem da luz, e o homem
conseguiu decompô-la e aprisioná-la, reproduzindo-a, e o homem, continua a peça
essencial nesta arte delicada e coletiva, cujos princípios pouco se modificaram
através dos séculos.
O vitral pode ser entendido como um conjunto de vidros, coloridos ou não,
agrupados a partir de calhas de chumbo13(fig.1), unidas por pontos de solda (fig.2),
sendo esta uma liga de chumbo e estanho (WERTHEIMER,1998). Para que os
painéis fiquem bem vedados, as calhas são necessariamente rebaixadas e a
calafetagem é feita com uma argamassa relativamente flexível, composta por gesso
Pedaços de vidro encaixados em placas de gesso, circulares (BRANDÃO, 1994).
Vidros montados em quadros retangulares de madeira (BRANDÃO, 1994).
13
Perfis em forma de H, Y e U para unir e dar acabamento das peças de vidro que formam o
vitral. É formando por duas partes: a alma, plano interior que dá rigidez à calha, e a aba, que
sustenta os vidros encaixados. Ao oxidar-se com o ar, adquire uma tonalidade acinzentada
característica (MICHELOTTI, 2011).
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cré14 e óleo de linhaça. Dependendo das dimensões dos painéis, eles poderão estar
subdivididos em módulos, fixados em uma estrutura de ferro ou madeira, e possuir
ainda barras de fixação para evitar deformações posteriores (WERTHEIMER, 2009).
Durante sua história, suas tecnologias e seus estilos sofreram algumas alterações
baseadas em experimentos, mas o conceito básico permanece até os dias de hoje.
Figura 1 - Calha de chumbo com perfil em H.
Fonte: Flávia Silva Faro. Pelotas, RS. 2012.
Figura 2 - Pontos de solda.
Fonte: Flávia Silva Faro. Porto Alegre, RS. 2012.
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Carbonato de cálcio.
20
Os painéis formam geralmente composições figurativas (fig.3) ou geométricas
(fig.4) a partir de pinturas que podem ser fixadas com altas temperaturas ou pela
própria coloração do vidro, que por sua transparência, seu colorido, e sua
característica de difusão da luz, pode transformá-la em efeitos visuais específicos e
característicos, produzindo assim, no interior dos templos, a ilusão de um lugar
particular onde se manifestavam os fulgores da divindade. A qualidade da luz
emitida pelos vitrais corresponde, perfeitamente, ao seu conceito metafísico15
desenvolvido pelos primeiros teólogos cristãos. Os vitrais se tornaram um elo entre o
mundo celestial e o terreno. As imagens que eram representadas nestes painéis
funcionavam como objeto de devoção, muito mais do que as figuras talhadas e
esculpidas ou pintadas sobre os muros das mesmas igrejas. As representações de
Cristo e da Virgem, e mesmo outros personagens cristãos, revestidos com suas
auras de luz radiante, fascinavam os fiéis oferecendo-lhes um prazer estético
incomparável e um estímulo para alimentar sua fé (DÍAZ, 2007).
Figura 3 - Vitral com composição figurativa. Hospital Santa Casa de Misericórdia.
Fonte: Flávia Silva Faro. Porto Alegre, RS. 2010.
15
A luz como símbolo e imagem do espiritual (DÍAZ, 2007).
21
Figura 4 - Vitral (clarabóia) com composição geométrica. Gabinete Real Português, Rio de
Janeiro.
Fonte: Flávia Silva Faro, 2011.
A coloração do vidro na massa se obtém pela introdução de óxidos metálicos
ou por agentes opalizantes, os quais interferem na composição do vidro. A coloração
do vidro por suspensão coloidal se obtém pela aplicação de óxidos de prata16 sobre
a superfície. Esta técnica pictórica se iniciou a partir do século XIV e se denomina
pintura à amarelo de prata, podendo-se obter tons que vão desde o amarelo limão
ao amarelo âmbar. O caráter do vidro, a combinação dos óxidos na mistura, a
temperatura e a atmosfera do forno são fatores que interferem na coloração por
óxidos, por isso um mesmo óxido pode conferir diferentes cores de acordo com a
atmosfera do forno devido aos diferentes graus de oxidação dos próprios óxidos.
A grisallha é o material de pintura mais usado, sua coloração é geralmente
castanha, castanha avermelhada e negra. É composta por um pó fundente17, um
corante que pode ser óxido de ferro, de cobalto ou de cobre, e um ligante18. É
aplicada sempre pela face interior do vitral e seu cozimento varia de 600º a 650º.
Permite modelar formas a partir do controle de luz, nunca acrescentando cor ao
vidro, o que a difere dos esmaltes. O uso da grisalha pode ser feito de diferentes
maneiras, explorando diferentes efeitos e podendo ser aplicado através de técnica
como aguada, contorno e pontilhado.
Composto químico com a fórmula Ag2O. É um pó fino preto ou marrom, que é utilizado
para preparar outros compostos de prata. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93xido_de_prata> Acesso em: 20 de dezembro de 2012.
17
Pó de vidro e muitas vezes óxido de chumbo (WERTHEIMER, 1998).
18
Vinagre, vinho. Na Idade Média, a urina.( WERTHEIMER, 1998).
16
22
A tradição na produção dos vitrais é fortemente identificada pelas camadas
pictóricas, quando se observa o desenvolvimento da aplicação de grisalha, pela
pincelada ou traço desta, podendo-se identificar algumas vezes a origem de um
vitral.
A modernização advinda da criação de máquinas e de complexos eletrônicos,
ainda interfere pouco na estrutura de produção de vitrais. De acordo com Brandão,
1994, a ação humana é a pedra angular na inspiração do desenho pesquisas,
moldes, maquetes, preparação dos vidros, controle de cores, fundição do chumbo e
montagem.
1.3 TRAJETÓRIA DO VITRAL NA EUROPA
Registros mostram que, na Europa, os vitrais tiveram uma produção
amadurecida a partir dos séculos XI e XII, período românico, e seu apogeu até o
final do período gótico. Do período românico têm-se poucos exemplares sobre a arte
do vitral. Sabe-se que se desenvolveu em várias regiões da Europa, na França em
especial, com suas discretas janelas nas abadias e igrejas da época. Os painéis que
se conservaram, mostram técnicas rudimentares de produção, ainda montados em
armações de madeira e com figuras com uma grande carga de expressividade
obtida a partir de traços ligeiros e fortes.
O primeiro exemplar de vitral figurativo dessa época foi encontrado em 1932.
Sua origem é imprecisa, podendo estar entre o final do século IX e o início do século
X. Era formado por fragmentos descobertos em escavações na abadia de Lorsh
(fig.5), Alemanha (WERTHEIMER, 2011). Também se destaca uma valiosa peça
que representa uma enigmática “Cabeça de Cristo”(fig.6), proveniente da abadia de
Weissemburg, região da Alsácia, na Alemanha, e que hoje encontra-se no Museu de
Obras de Nossa Senhora de Estrasburgo, na França. Trata-se de uma peça com
dimensões de 25 x 25 cm, ou seja, um pedaço que restou de um vitral maior e
acredita-se datar do século IX. Neste painel provavelmente estava Cristo de corpo
inteiro, sentado em seu trono, como era usual vê-lo em representações bizantinas.
Atualmente este fragmento está integrado a um painel construído no final do século
XI. (DÍAZ, 2007). Entre o fragmento da “Cabeça de Cristo” e alguns outros
exemplares transcorrem quase dois séculos.
23
Figura 5 - Fragmentos encontrados na abadia de Lorsh,
Alemanha.
Fonte:
<http://www.google.com.br/imgres?um=1&hl=pt- BR&client=firefoxa&sa=N&tbo=d&rls=org.mozilla:pt-BR:official&biw=1889&bih=878&tbm=isch&tbnid=xcjsaFsznK2uM> Acesso em: 02 de janeiro de 2013.
Figura 6 - Cabeça de Cristo, abadia de Weissemburg, Alemanha.
Fonte:<http://ufpelvitrais.blogspot.com.br/search?q=cabeça+de+cristo>
Acesso em: 02 de janeiro de 2013.
Na catedral de Santa Maria, em Augsburgo, na Alemanha, conserva-se uma
janela com dois painéis verticais com os quatro profetas do Antigo Testamento
(fig.7), com figuras frontais em pé, um pouco maiores que o tamanho natural, com
provável data de 1050 a 1100. A frontalidade, simetria, o caráter monumental e a
predominância das cores azul e vermelho, remetem a características de
24
manifestações românicas. Os vitrais alemães se distinguem dos franceses pelo uso
de cores mais quentes, ou seja, uso abundante do amarelo, verde e castanho,
enquanto que o cromatismo em vermelho e azul eram típicos da produção francesa
(WERTHEIMER, 2011). Estas são consideradas as primeiras obras completas que
se conhece. Apesar de terem sido restauradas em épocas distintas, acredita-se que
sua estrutura metálica e outras peças fazem parte dos painéis originais.
Outras obras deste período são as que estão conservadas na catedral de Le
Mans, na França, com o tema: “A Ascensão de Cristo”. Seriam do ano 1130,
compostas por figuras expressando movimento, conceitos plásticos com os quais
começa uma transição artística para o estilo gótico. Na Inglaterra, o principal centro
românico de vitrais encontra-se na Catedral da Cantuária19, situada no sudeste deste
país, a qual apresenta um grande conjunto de vitrais de diferentes períodos, (FARTI,
1968 apud WERTHEIMER, 2011).
Figura 7 - Painéis verticais com os quatro profetas do Antigo Testamento. Catedral de Santa
Maria
em Augsburgo, Alemanha.
Fonte:<http://ufpelvitrais.blogspot.com.br> Acesso em: 06 de dezembro de 2013.
1.3.1 PERÍODO DE ASCENÇÃO DO VITRAL
A CATEDRAL DE CANTUÁRIA - Canterbury Cathedral: A Catedral é imensa, inúmeras
naves se intercalam num verdadeiro labirinto, centenas de vitrais. Disponível em:
<http://www.flickr.com/photos/jcassiano/7024693647/> Acesso em: 16 de dezembro de 2012.
19
25
A revolução da arte gótica também causou efeito nos vitrais. Denominado por
Giorgio Vasari20, num sentido depreciativo, “O estilo Gótico” teve suas origens no
século XII na região da França, que se converteu em um importante centro de
produção de vidros e outros materiais para a elaboração de vitrais.
O período mais conhecido do vitral ocorreu nos séculos XII e XIII, na França,
na Itália e na Inglaterra, em virtude das novas conquistas em termos de recursos
arquitetônicos como, por exemplo, o aumento no tamanho e quantidade de vãos
livres e arcos ogivais21(fig.8), muito característicos desse período. Também nesse
período foi incluída na arquitetura, a janela em forma de “rosa”, de nome rosácea, a
qual teria sido associada a uma mandala (DÍAZ, 2007). Nessa época, a paleta de
cores aplicada aos vitrais era mais escura, para compensar o aumento da
iluminação, com características variadas, devido ao regionalismo e individualidades
de seus criadores, (BARROSO, 1996, apud WERTHEIMER, 2011).
Figura 8 - Arcos ogivais. Sainte Chapelle. França.
Fonte:< http://www.patheos.com> Acesso em: 28 de dezembro de 2012.
As catedrais, com o tempo, foram se convertendo em suporte fundamental para
a educação religiosa e social. Continham em seus muros, e em todos os espaços
Teórico renascentista que descreveu o gótico como um período de arte bárbara,
desordenada e de mal gosto (DÍAZ, 2007).
21
Na arquitetura esse tipo de figura caracteriza o estilo gótico, podendo formar um ângulo
mais ou menos agudo na parte superior. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ogiva >
Acesso em: 16 de dezembro de 2012.
20
26
interiores e exteriores, cada vez mais elementos didáticos para a evangelização, tais
como esculturas, vitrais, talhas, pinturas e retábulos. Nesse tempo, as imagens e a
tradição oral eram as únicas maneiras de transmitir a cultura aos povos.
Com o aumento da produção de vitrais, muitas vezes era necessária a
migração de profissionais de outros países, e muitas vezes mais de um artista
trabalhava em um mesmo projeto, o que explica proximidades estilísticas em
trabalhos feitos em locais distantes. Nomes de reis, nobres, cléricos, mercadores e
artesãos passaram a aparecer, normalmente localizados no registro inferior do
painel (WERTHEIMER, 2011).
No período gótico, as tendências foram diversificadas, variavam de região para
região. No entanto, a tradição francesa vinda do período românico permaneceu nos
principais vitrais góticos.
Serão citadas algumas das igrejas e catedrais que foram e ainda são
respeitadas por sua arquitetura e conjunto de vitrais, mas nem todas serão
comentadas. Faz parte deste conjunto de obras a igreja de Sainte Chapelle em
Paris, na França, cujos muros desapareceram quase que totalmente substituidos
pelos vitrais que atingem uma altura aproximada de quinze metros, separados por
colunas estilizadas. Destacam-se também deste período outras igrejas francesas
com interessantes vitrais: Reims, Amiens, Bourges, Sens, Agers, Tours, Soissons e
Laon.
Na abadia de Saint Denis22, surge um novo estilo na arte do vitral, o
aproveitamento dos vidros para a representação de temas cristãos, dividindo as
janelas em pequenas porções geométricas, fazendo com que cada parte narre a
história de personagens bíblicos, tornando o vitral um meio pedagógico de
evangelização. Com a Revolução Francesa de 1789, os vitrais de Saint Denis foram
seriamente afetados, mas muitos ainda se encontram conservados, trata-se de um
período em que muitas igrejas francesas foram totalmente destruídas. De acordo
com Díaz (2007), os primeiros vitrais genuinamente góticos devem ser considerados
os trabalhos realizados em Sant Denis.
Ampla igreja abacial na comuna de Saint-Denis, atualmente um subúrbio ao norte de
Paris. A igreja abacial foi nomeada catedral em 1966 e é a residência do Bispo de SaintDenis, Pascal Michel Ghislain Delannoy. O edifício é de importância ímpar histórica e no que
diz
respeito
à
arquitetura.
Disponível
em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Bas
%C3%ADlica_de_Saint-Denis> Acesso em: 19 de dezembro de 2012.
22
27
Declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1979, a catedral de
Chartres, em Paris, contém em suas janelas um dos mais admiráveis conjuntos de
vitrais, nos quais a maioria das peças é original, o que a difere das outras catedrais
francesas que sofreram com o reflexo da revolução Francesa e de guerras mundiais.
Em 1194 a catedral sofreu um forte incêndio, restando quatro vitrais intactos, um dos
quais é “Notre Dame de la Belle Verrière”. Os vitrais de Chartres podem ser
considerados o ponto alto das realizações desse ofício, claramente percebido como
uma continuação do estilo e técnicas desenvolvidos anteriormente em Saint Denis.
Na catedral de Notre Dame, de Paris, destacam-se duas grandes rosáceas
laterais com pequenas figuras em tons de azul cobalto, muito características nesse
templo. Ainda em Notre Dame de Paris foram realizados e concluídos restauros em
1967 em painéis medievais com idéias contemporâneas. Das igrejas góticas em
outros países da Europa, pode-se citar, na Inglaterra, a maior catedral de estilo
gótico, a catedral de York, localizada na cidade de York, no norte europeu 23, na qual
se encontra um dos maiores exemplares de vitrais com grisalha (DÍAZ, 2007). Na
Alemanha, as catedrais mais importantes por seus vitrais, são as de Colônia24, que
também teve parte de seus painéis restaurados diante de critérios da
contemporaneidade, de Ulm, de Lübeck, de Estrasburgo e de Hallenkirche. Na
Espanha, destacam-se as catedrais de Burgos, Toledo, Barcelona, e Ovideo. A
catedral de León, a noroeste da Espanha, construída no século XIII, possui um
conjunto de vitrais que pode ser comparado a França e Inglaterra por sua variedade
de cores. Na Itália, a catedral de Milan caracteriza-se por ser a maior expressão
gótica com numerosos painéis de vitral com tendências às formas do Renascimento.
1.3.2
VITRAL NO RENASCIMENTO E SUA DECADÊNCIA
Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_de_Iorque> Acesso em: 20 de
dezembro de 2012.
24
Com a Segunda Guerra Mundial, a catedral acabou recebendo 14 ataques aéreos sem
desabar; a reconstrução foi completada em 1956. Na base da torre noroeste, um reparo de
emergência realizado com tijolos de má qualidade retirados de uma ruína próxima da guerra
permaneceu visível até fim da década de 1990 como uma lembrança da guerra, mas então
foi decidido que a parte deveria ser reformada para seguir a aparência original. Disponível
em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_de_Col%C3%B4nia> Acesso em: 20 de dezembro
de 2012.
23
28
A Renascença marca a transição do fim da Idade Média para o surgimento da
Idade Moderna, fazendo uma referência ao interesse pelos tesouros intelectuais e
artísticos da Grécia e da Roma antigas. A redescoberta do mundo clássico provocou
alterações na pintura, na escultura e na arquitetura da Itália (FARTHING, 2010).
A arte dos vitrais não ficou indiferente, as inovações não só se manifestaram
nos conteúdos e concepções plásticas, como também na técnica de construção e
pintura. Foram utilizados esmaltes sobre o vidro, o que resultava em maior colorido,
permitindo uma maior variedade cromática em uma mesma placa de vidro,
convertendo a idéia da diversidade de cores pela união de diversas placas de vidro
coloridas na massa. No século XV, o vitral se aproxima muito de uma pintura de
cavalete representada no vidro, ou seja, a influência renascentista se fez sentir no
contexto dessa arte, com destaque para a figura humana representada em sua fiel
anatomia academicista. As figuras começaram a ficar cada vez maiores. Com isso,
os recortes de vidro foram aumentando e a presença das calhas de chumbo foi
sendo reduzida. Os contornos das figuras que antes eram ocupadas pelo chumbo,
foram remarcados pela grisalha dando efeitos delicados ao desenho. Nos Países
Baixos, os vitrais não estavam exclusivamente nos vãos das igrejas, mas também
em palacetes e casas particulares, nos quais era comum a execução no vidro de
emblemas heráldicos25 da nobreza familiar.
Durante o período renascentista foram produzidos menos vitrais em relação às
épocas precedentes. No século XVI, os grandes vitralistas do centro europeu
começaram a interromper suas atividades, com exceção da Inglaterra, país onde
alguns vitralistas seguiram trabalhando durante o século XVII. O vitral foi perdendo
espaço para as pinturas murais representadas pela técnica do “a fresco” (DÍAZ,
2007).
1.3.3
PERÍODO DO RESSURGIMENTO- SÉCULOS XIX e XX
Heráldico: relativo a brasões; parassematográfico, Ferreira,1999 (apud WERTHEIMER,
2011).
25
29
Na Inglaterra no século XIX, deu-se o verdadeiro renascimento dos ofícios
medievais, o que não ocultou reflexos no ressurgimento dos vitrais com a
originalidade estilística apresentada com o trabalho de William Morris, em 1861
(WERTHEIMER, 2012). Fundador do movimento Arts & Crafts26, dedicou-se a
desenhar e produzir desde casas a objetos de uso doméstico, dentro de um mesmo
conceito estilístico. Morris defendia a arte feita pelo povo e para o povo, a idéia de
que o operário se tornasse artista e pudesse conferir valor estético ao trabalho
desqualificado
da
indústria.
Foi
premiado
em
uma
importante
exposição
internacional em Londres, pela amostra de vitrais que haviam sido desenhados por
Burne-Jones27 e construídos por ele. Morris foi um dos artistas que construiu vitrais
de extrema importância, revitalizando o papel dos painéis ao recuperar a luz a partir
de linhas sinuosas e elementos fitomórficos28, mais tarde utilizados no Art
Nouveau29.
Com uma linha de desenho baseada na figura humana e elementos da
natureza, o Art Nouveau, teve sua expressão não só nas pinturas, mas também na
produção de uma linha completa na decoração, incluindo: mobiliário, jóias,
acessórios, papéis de parede, arquitetura de casas, edifícios e também janelas com
vitrais. Entre os artistas mais representativos conhecidos nos centros europeus pela
decoração de casas e portas com vitrais, está o escocês Charles Rennie
Mackintosh. Os trabalhos do arquiteto espanhol Antoni Gaudi, do francês Hector
Guimard e do belga Victor Horta tornaram-se também fundamentais para uma nova
concepção de vitral, que passou a ser executado a partir de uma visão única entre
arquitetura e decoração. Em Paris, também destacou-se como criador de vitrais, o
pintor e desenhista checo Alfons Mucha. Entre trabalhos memoráveis de Mucha,
Arts & Crfts é um movimento estético e social inglês, da segunda metade do século XIX,
que defende o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa.
Reunindo teóricos e artistas, o movimento, busca revalorizar o trabalho manual e recuperar
a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente para o uso cotidiano. Disponível
em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?
fuseaction=termos_texto&cd_verbete=4986> Acesso em: 26 de dezembro de 2012.
27
Pintor (Díaz, 2007) e sócio de William Morris (WERTHEIMER, 2012).
28
Que apresenta característica morfológica semelhante à dos vegetais.Disponível em:
<http://bemfalar.com/significado/fitomorfico.html> Acesso em 22 de dezembro de 2012.
29
Estilo artístico que se desenvolve entre 1890 e a Primeira Guerra mundial na Europa e
Estados Unidos.,espalhando -se para o resto do mundo, e que interessa mais de perto às
artes aplicadas: arquitetura, artes decorativas, design, artes gráficas e outras.Utilização de
materiais como ferro, vidro e cimento. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?
fuseaction=termos_texto&cd_verbete=909 > Acesso em: 26 de dezembro de 2012.
26
30
estão os vitrais da Catedral de São Vito (fig.9), em Praga, na República Checa, com
temas religiosos e um inconfundível estilo Art Nouveau. Nos Estados Unidos
destacam-se Louis Confort Tiffany e John La Farge. Tiffany consagrou sua marca, a
qual até hoje está vinculada a um status, conferindo um caráter de beleza e
integrando além de biombos e abajures, também os vitrais na decoração de
mansões, palacetes e vários edifícios públicos como, por exemplo, na Casa Branca.
Este último comportou um grande vitral no primeiro andar, o qual foi
lamentavelmente destruído a golpes por ordem de Theodore Roosevelt30 (DÍAZ,
2007).
Figura 9 - Detalhe do vitral de Alfons Mucha. Catedral de São VIto,
Castelo de Praga, República Checa.
Fonte: <http://prosimetron.blogspot.com.br/2009/08/redescobrindo- alphons-mucha.html>
Acesso em: 06 de janeiro de 2013.
A partir da primeira metade do século XX ocorreu uma grande explosão de
vitrais com desenhos variados, os quais marcaram a produção contemporânea
(WERTHEIMER, 2011). A tecnologia aplicada à arquitetura deste século, em alguns
casos, deixou espaços para a criação de vitrais, ou seja, estruturas executadas em
Vigésimo quinto vice-presidente e vigésimo sexto presidente dos Estados Unidos. Em
1906, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Theodore_Roosevelt> Acesso em 26 de dezembro de 2012.
30
31
concreto favoreceram o uso de vãos livres. Desta forma, o vitral ocupou um espaço
afastado de conceitos medievais e religiosos. O vitralista contemporâneo usava a
arte como meio de expressão. Um dos mais importantes nomes no ofício dos vitrais
desta época foi o russo Marc Chagall, vários de seus trabalhos se destacam
mundialmente
em
edifícios
públicos,
algumas
igrejas
e
sinagogas
com
representações compostas por muita espiritualidade. Chagall transportava sua
atmosfera onírica31 para a linguagem do vitral. Na catedral de Rheims, na França há
um conjunto de vitrais, realizados entre 1968 e 1974, entre os quais está, “Árvore de
Jessé”, composta por vários módulos (fig.10).
Figura 10 - Módulo de “Árvore de Jessé”. A Virgem com o Menino.
Fonte: <http://doportoenaoso.blogspot.com.br/2012_09_01_archive.html.>
Acesso em: 26 de dezembro de 2012.
Em sua trajetória, o vitral ocupou um lugar especial nas igrejas e catedrais,
fazendo-se presente no cotidiano de povos tanto de forma informativa como também
no âmbito espiritual. Muitas vezes eram pagos por doadores particulares,
associações ou grupos de cidadãos. Inicialmente, substituiu quase que a totalidade
de paredes das catedrais no período gótico com simbolismo, ou simplesmente com
um mero documentário, ou ainda com um registro episódico. Passou por períodos
em que a pintura de cavalete conquistou um espaço à frente. Posteriormente,
31
Relativo aos sonhos. http://www.dicio.com.br/onirico/ acesso em 26 de dezembro de 2012.
32
ocupou espaços maiores de acordo com os novos conceitos da arquitetura e pode
ser considerado para integrante desta.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as autoridades francesas, cientes do
perigo que corria o patrimônio artístico, retiraram de seus lugares nada menos que
50 mil metros quadrados de vitrais, guardando-os em refúgios secretos muito
procurados pelos alemães durante os saques que fizeram às obras de arte. Devido a
essa iniciativa, verdadeiros tesouros foram recolocados em seus lugares logo depois
do conflito armado (BRANDÃO, 1994). O fato é que a evolução é constante, os
temas mudaram, a tecnologia do momento interfere, mas não ocupa lugar principal.
A presença do homem ainda constitui o principal elemento para a execução desta
arte.
1.4 VITRAL NO BRASIL
Segundo Wertheimer (2009), no Estudo de Patrimônio de Vitrais produzidos em
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a falta de tradição brasileira relativa à produção de
vitral, estaria vinculada à colonização portuguesa, a qual não privilegiou o exercício
desta arte. Nas cidades mais ricas do período da mineração, as residências
utilizavam para vedar o vão das janelas, folhas de madeira. Da colonização
portuguesa, não há tradição do ofício de vitrais. Assim, muito do que possuímos se
deve à posterior imigração alemã e italiana. A arte foi trazida da Europa e grandes
artistas vitralistas se radicaram no Brasil deixando sua memória em vários pontos
espalhados de norte a sul.
Vindo de um país de rica tradição em vitrais, Conrado Sorgenicht, nascido em
1836, na Renânia, a oeste da Alemanha, imigrou para o Brasil juntamente com sua
família e fundou, no ano de 1889, o ateliê Casa Conrado, principal casa de vitrais do
país. Era um muralista32, decorador de paredes, desenhista de paisagens,
desenhista de motivos florais, de fauna e de personagens. Teve sua arte
Muralismo, pintura mural ou parietal é a pintura executada sobre uma parede, quer
diretamente na sua superfície, como num afresco, quer num painel montado numa
exposição permanente. Ela difere de todas as outras formas de arte pictórica por estar
profundamente vinculada à arquitetura, podendo explorar o caráter plano de uma parede ou
criar o efeito de uma nova área de espaço.
Disponível em :http://pt.wikipedia.org/wiki/Muralismo Acesso em: 26 de dezembro de 2012.
32
33
reconhecida e seus trabalhos apareciam em grandes residências, mas era notório
que enquanto, as paredes das novas casas eram ricas, as vidraças e portas
passavam despercebidas à apreciação, tornando-se quase prosaicas dentro dos
ambientes. Os vitrais que na época existiam no Brasil eram importados da Inglaterra,
França e Alemanha. Conrado Sorgenicht fez suas primeiras experiências obtendo os
mais diferentes efeitos nos vidros transparentes, utilizando gravações a ácido.
Diante da grande demanda, aprendizes foram contratados. Entre os imigrantes
italianos, foram escolhidos os que possuíam mais habilidade e alguma informação
sobre o ofício. A firma expandiu-se sempre com a influência estrangeira nos motivos
representados. Tornou-se bastante representativa a influência do Art Nouveau com
o uso de vidros muito coloridos, desenhos rebuscados e formas complexas
(BRANDÃO, 1994). No ateliê, que crescia de forma inovadora, utilizou-se nos
painéis o vidro plaqué33 ou dublé.
A história do ateliê Casa Conrado foi formada por três gerações que se
dedicaram às artes aplicadas e à arquitetura. De acordo com Mello, (1996 apud
WERTHEIMER, 2011), registros indicam que já no ano de 1889 ocorreu a primeira
encomenda de vitral para o ateliê, uma rosácea34, para a igreja Luterana de São
Paulo, um painel com aproximadamente 3,5m de diâmetro, o qual não mais existe
tendo sido substituído por uma réplica em acrílico. Em 1901, com a morte de
Conrado aos 65 anos, seu filho o substituiu. Mudou-se para Munique,
aperfeiçoando-se na arte, estudou mosaico e vidraria em Murano e Roma, na Itália.
Conrado neto acompanhava o pai e foi o último da dinastia a trabalhar no ramo dos
vitrais.
Com premiações internacionais e nacionais, o ateliê firmou ainda mais sua
reputação. No final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, observou-se uma
tendência gradual pela temática brasileira, como por exemplo o painel da Bolsa do
Café de Santos (fig.11), com projeto de Benedito Calixto 35, em que está retratada
toda a epopéia dos bandeirantes - história, realidade e mitologia misturadas.
Duas camadas de vidro sobrepostas, unindo entre si um vidro colorido e um transparente.
(BRANDÃO, 1994).
34
O mais antigo dos 600 trabalhos catalogados no Brasil e realizados pela Casa Conrado,
datado de 1908. Disponível em < http://www.luteranos.com.br/portal/site/conteudo.php?
idConteudo=3908> Acesso em: 26 de dezembro de 2012.
35
Benedito Calixto de Jesus, nascido em Conceição de Itanhaém, São Paulo em 1853, foi
pintor,
professor,
historiador,
ensaísta.
Disponível
em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?
fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1238> Acesso em: 27 de dezembro de 2012.
33
34
Passam a predominar cores tropicais e exuberantes e o vitral adquire sua
independência, desligando-se do padrão europeu (BRANDÃO, 1994).
Entre os anos 20 e 30, a arte em vitrais viveu seu primeiro auge na cidade. O
quase monopólio da Casa Conrado se deveu, em parte, a uma parceria com o
engenheiro e arquiteto Ramos de Azevedo36. Além de produzir os vitrais do
Mercadão37, Conrado Filho executou as obras do Palácio das Indústrias, de 1924, da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco e da mansão da Avenida Paulista hoje
conhecida como Casa das Rosas, ambas de 1934. O segundo pico de encomendas
veio nas décadas de 50 e 60, já sob o comando de Conrado Adalberto Sorgenicht ,
neto do fundador e único dos três nascido em São Paulo, em 1902. Ele levantou os
vitrais da Beneficência e da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com 58
obras de diferentes artistas entre eles Tarsila do Amaral, Carybé, Lina Bo Bardi,
Portinari e Tomie Ohtake. As obras começaram a ser instaladas em uma parede de
vitrais com 230 metros quadrados a partir dos anos 50.
Figura 11- Vitral da Bolsa do Café de Santos, SP. “A Visão de Anhanguera”
O modelo arquitetônico que Ramos de Azevedo implantou em São Paulo possibilitou sua
integração aos programas e modelos mais importantes do século XIX. Nasceu a 08 de
dezembro de 1851 na cidade de São Paulo. Em Janeiro de1872, interrompeu os estudos e
começou a trabalhar na área da contrução civil, participando dos trabalhos de construção
das primeiras secções das Companhias Paulista e Mogyana de Estradas de Ferro. Em 1875
parte para a Bélgica onde realiza seus estudos em arquitetura, laureando-se em 1878 pela
Universidade de Gand. De volta ao Brasil, fixa-se em 1879 na cidade de Campinas.
Transfere residência para São Paulo (1886), quando realiza seu primeiro projeto de um
edifício público, o prédio do Tesouro (1886-91). Disponível em:
< http://www.revistasp.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=20>Acesso em:
27 de dezembro de 2012.
37
Mercado municipal em São Paulo. Os painéis com ilustrações rurais que colorem o
Mercadão, no centro, desde 1932 foram feitos por Conrado Filho após uma viagem pelo
campo para fotografar referências. Disponível em: < http://vejasp.abril.com.br/materia/a-rotados-vitrais-as-obras-da-casa-conrado> Acesso em: 06 de dezembro de 2013.
36
35
Fonte: <http://imgms.viajeaqui.abril.com.br> Acesso em: 28 de dezembro de 2012.
No início da década de 1960, o ateliê Casa Conrado se transformou em uma
sociedade anônima, com filiais no Rio de Janeiro, e em Belo Horizonte, passando a
ser chamada de Vitrais Conrado Sorgennitch S.A.(WERTHEIMER, 2011). No ano de
1963, a empresa passou por dificuldades e entrou em concordata em 1964. Todo
seu espólio foi levado a leilão.
No Rio de Janeiro, além dos painéis existentes da Casa Conrado, também
foram fabricados vitrais pelo italiano Cesar Alexandre Formenti, os quais podem ser
encontrados, por exemplo na igreja da Candelária. Em 1910, o arquiteto Henrich
Moser, outro artista plástico, veio para o Brasil a trabalho e acabou fixando
residência no país. Foi criador de quadros de formatura, pintava os retratos dos
formandos e participou de cursos de arquitetura. Pintou murais, e trabalhou na
remodelação e restauração de algumas igrejas. Dedicou-se a vitrais com temáticas
regionalistas e profanas, em tons quentes, retratando a atmosfera do nordeste ainda
com influência germânica. Os vitrais da igreja de Nossa Senhora das Graças, em
Recife, Pernambuco, exemplificam algumas de suas obras. Um de seus primeiros
trabalhos foi na sacristia da Basílica do Carmo, na mesma cidade. Inventou um
método de proteção à pintura dos vidros, além de importar materiais da Alemanha.
Também comprou uma fieira38 datada do século XVIII. A riqueza de seus tons e as
nuances de seus matizes, foram alcançados diante de infindáveis pesquisas.
Produziu o efeito de luz e sombra primeiramente com pincéis de cedras muito finas,
posteriormente substituído por pistola com pressão de ar, técnica que requer muita
habilidade. Trabalhava com vidros cujos matizes alcançavam aproximadamente 200
38
Prensa de chumbo (BRANDÃO, 1994).
36
tons e também com vidros plaqué, conseguindo uma diversidade de efeitos (fig.12).
Foi qualificado como perfeccionista em seus trabalhos, com desenhos harmoniosos
e suavidade de colorido, características que elevaram a arte do vitral em Recife.
Figura 12 - Diversidade de efeitos no vitral “Os anfitriões”.
Clube Internacional, Recife, PE.
Fonte: Ary Diesendruck (BRANDÃO, 1994).
1.4.1 ATELIÊS NO RIO GRANDE DO SUL
A trajetória do vitral no Rio Grande do Sul esteve ligada diretamente aos
imigrantes europeus do início do século XX, fato que explica a grande influência
européia nos vitrais sulistas. Caracterizam-se por esquemas compositivos pouco
inovadores, com ênfase para o vitral figurativo com cercadura39 e marca de
doadores, perdurando até as ultimas décadas do século XX (WERTHEIMER, 2011).
Características que são observadas no conjunto de vitrais do objeto de estudo
(fig.13).
Figura 13 - Vitral figurativo com cercadura e marca do doador.
Capela do Instituto São Benedito, Pelotas, RS.
Tudo que rodeia, guarnição, orla.< http://www.dicio.com.br/cercadura/>Acesso em: 10 de
janeiro de 2013.
39
37
Fonte: Flávia Silva Faro. 2011.
Inicialmente a produção de vitrais riograndenses foi marcada pela presença do
alemão José Wollman. São de sua autoria os painéis da antiga igreja Menino Deus,
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e das
janelas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, capital gaúcha.
Dos ateliês do Rio Grande do Sul que marcaram presença a nível nacional e
também com inúmeras encomendas, as quais lhes renderam algumas premiações,
estão a Casa Veit e a Casa Genta.
Com sua produção distribuída em quase todas as regiões do Rio Grande do
Sul, a Casa Veit foi um dos ateliês mais importantes da cidade de Porto Alegre. Foi
formada por uma estrutura familiar de três gerações, a qual produzia e reproduzia as
técnicas tradicionais de vitral. Albert Gottfried Veit imigrou para o Brasil instalando-se
na antiga Estação Barros, hoje cidade de Gaurama, situada a 20 quilômetros de
Erechim, no Rio Grande do Sul. Formado em pintura de vidro, em 1915 deixou o
interior e partiu para Porto Alegre, trabalhando primeiramente em vidraçaria artística
para aprimorar a prática na arte. Abriu seu primeiro estabelecimento juntamente com
seus filhos e neto, Albert, Hans e Albert Veit Hoepf, o qual foi chamado de Vitraux e
Arte Veit, posteriormente Casa Veit. Albert Gottfried Veit produziu placas de vidro
para estabelecimentos comerciais, abajures, lustres e especialmente gravação e
pinturas de vidro com motivos sacros e profanos. Foi um dos pioneiros no Rio
38
Grande do Sul a fazer publicidade de vidraçaria assinando seus trabalhos como Veit
& Filho (fig.14), Veit & Hans Veit.
Figura 14 - Assinatura Veit & Filho.
Fonte: <http://ufpelvitrais.blogspot.com.br >Acesso em: 03 de janeiro de 2013.
Segundo Wertheimer, (2011), registros mostram que Hans Veit, ao restaurar
trabalhos antigos, muitas vezes suprimia a assinatura original colocando a de sua
intervenção. Dentre alguns de seus trabalhos, pode-se citar os das igrejas São José,
São Pedro e São João, em Porto Alegre, e os painéis das catedrais de Santa Cruz
do Sul e de Pelotas (BRANDÃO, 1994). Em 1926, 1928, 1929 e 1931 a Casa Veit foi
premiada na Exposição Geral de Indústria e Agrícola de Porto Alegre. Também entre
1928 e 1929 conquistou medalha de ouro tanto para Vitraux de Arte quanto para
mosaicos de vidro em Porto Alegre e o Primeiro prêmio na Exposição IberoAmericana de Sevilha, em 1929. Algumas características foram marcantes nos
vitrais da Casa Veit, como o traçado requintado de hachuras40 bem trabalhadas, as
quais permitiam a entrada gradativa da luz e o uso de vidros opalinos e
opalescentes (WERTHEIMER, 2011). Albert Veit morreu em 1934 e com a morte de
seu filho Hans, a dinastia Veit de vitrais se encerrou.
A maior representatividade na arte de vitrais do Rio Grande do Sul ficou a
cargo da Casa Genta, que iniciou sua história em 1906. Teve como fundador
A hachura é uma técnica artística utilizada para criar efeitos de tons ou sombras a partir do
desenho de linhas paralelas próximas. O conceito principal é o de que a quantidade, a
espessura e o espaçamento entre as linhas irão afetar o sombreamento da imagem como
um todo e enfatizar as formas, criando ilusão de volume, diferenças na textura e na cor. As
linhas tracejadas devem sempre seguir o formato do objeto desenhado. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Hachura> Acesso em: 02 de janeiro de 2013.
40
39
Antônio Genta, nascido em Montevidéo em 1879. Antônio casou-se com Albertina
Sophia Fisher e desde então começou a trabalhar com vidros juntamente com seu
irmão Miguel Genta e cunhado Arthur Felipe Ficher. A arte de trabalhar com vidros
foi aprendida desde cedo por Antônio e Miguel Genta, visto que seu pai Giuseppe
Genta , logo após emigrar da Itália para o Uruguai, passou a exercer a profissão que
lhe foi passada em Gênova e Altari, reproduzindo assim a arte veneziana. Em
Montevidéu, Giuseppe fixou-se com uma indústria de vidros e espelhos, onde
provavelmente seus filhos aprenderam o ofício. Em 1913, enquanto Antônio
administrava os negócios, seu irmão Miguel viajou para a Europa com o propósito de
conhecer novas técnicas, materiais, maquinários e artesãos, onde permaneceu até
meados de 1921 em virtude da Primeira Guerra Mundial.
Com o retorno de Miguel, a empresa tomou maior porte e uniu-se a Helmuth
Shimidt Filho41 quando passou a girar sobre o nome empresarial “ Casa Genta –
M.Genta, Shimidt & Cia”. Na segunda fase da empresa, tendo em vista os belos
trabalhos em vidro, intensa produção em vitrais e vitrines, a Casa Genta foi
premiada com medalha de bronze na exposição de Chicago; medalha de ouro, em
1925, pelos Cinqüenta anos da Colonização Italiana no Estado; bem como, em
1935, em comemoração ao centenário da Revolução Farroupilha em Porto Alegre.
Em 1960, foi fundada uma filial na cidade de Caxias do Sul e, em 1968, outra
na cidade de Passo Fundo, ambas no Rio Grande do Sul. Os materiais e tecnologias
utilizados na Casa Genta eram praticamente todos importados, os vidros coloridos
vinham a maior parte da Bélgica e Inglaterra, assim como os profissionais que
trabalhavam no ateliê procediam da Europa. Na composição dos vitrais se percebe
que os artesãos trabalhavam de forma padronizada, ou seja, o cliente escolhia o
desenho em catálogos, as medidas eram alteradas e adaptadas de acordo com o
vão (BRANDÃO, 1994).
No início dos anos 1970, a produção de vitrais diminuiu e suas filiais
passaram a atender basicamente o mercado de vidros planos e espelhos. O maior
ateliê do estado do Rio Grande do Sul funcionou até 1980 e teve, além de outros
grandes nomes, os pintores que atuaram na fabricação de vitrais, o espanhol
Francisco Huguet e o alemão Maximiliam Dobmeier ( Wertheimer, 2011).
Sobrinho de Albertina Fisher. Disponível em: <http://ufpelvitrais.blogspot.com.br/search?
updated-max=2012-06-29T22:47:00-07:00&max-results=7> Acesso em: 02 de janeiro de
2013.
41
40
Francisco Huguet, natural de Madrid, na Espanha, foi um dos principais
pintores e desenhistas do ateliê. No Brasil, trabalhou com sua filha Maria da Luz
Huguet Alscher. Mestre Huguet possuía um traço vigoroso com linhas densas e
fortes, que eram observados nos rostos e mãos executados por ele. O alemão
Maximiliam Dobmeier chegou ao Brasil em 1936. Era funcionário exclusivo do ateliê,
muito ágil e rápido em seus trabalhos, conferia às figuras um caráter delicado a
partir de linhas finas e precisas.
Diante de tantos nomes de artistas consagrados na Europa e no Brasil, a arte
do vitral ainda permanece oculta ou mesmo despercebida, ou ainda pouco
valorizada em comparação a outras manifestações artísticas. Percebe-se que, no
curso de sua história, atingiu o ápice, o desmoronamento e ainda o ressurgimento.
E, deste ressurgimento, ainda na contemporaneidade se faz presente não mais tão
alusivo ao espiritual, mas, sim como forma de expressão artística. Existem ainda
vários estúdios que se dedicam a vitrais para residências, muitos trabalham com
fibra de vidro, acrílico e plástico, técnicas que não são consideradas pelos vitralistas,
pois se trata de elementos que sofrem muito velozmente a ação do tempo. Muitas
dessas obras perderam todas as cores tornando-se transparentes ao longo dos anos
(BRANDÃO, 1994).
2. INSTITUTO SÃO BENEDITO
41
2.1 HISTÓRICO
A história do Instituto São Benedito é narrada por uma trajetória de poucos
registros documentais. De acordo com informações fornecidas por uma das
responsáveis, Irmã Luciane Piovesan, a formação desta obra assistencial, foi e
continua sendo muito expressiva na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul.
Sua iniciadora, Luciana Lealdina de Araújo, se radicou em Pelotas no início
do século XX juntamente com sua família iniciando sua cruzada nesta cidade com a
fundação dessa instituição. Filha de mãe escrava, Luciana de Araújo tinha como um
ideal ajudar meninas órfãs. Idealizou e começou sua peregrinação benemérita, a
qual primeiramente recebeu o nome de Asilo de Órfãs São Benedito em
homenagem a São Benedito, O Mouro42. No dia 06 de janeiro de 1901, em uma
reunião pública ocorreu a fundação, em 13 de maio foi oficialmente inaugurado o
Asilo de Órfãs São Benedito. O povo pelotense confirmou sua tradição filantrópica
apoiando o ideal de Luciana de Araújo. A campanha foi iniciada e começaram a
surgir os donativos.
Em 1902, em função dos serviços prestados por essa obra, foram
reconhecidos os primeiros sócios, logo após formou-se a primeira diretoria, seguida
de uma comissão e elaboração de um estatuto. A obra assistencial começou suas
atividades na antiga Praça Matriz, atual Praça José Bonifácio mais precisamente na
casa de número 07, em frente à catedral São Francisco de Paula.
Nos primeiros dois anos foram matriculadas onze crianças, mas entre os anos
de 1901 a 1915, devido ao aumento expressivo de indivíduos, a sede da entidade
passou a ocupar um novo endereço gratuitamente cedido pelo benfeitor Joaquim
Rasgado43. Em 1916, foi adquirido através de campanha de líderes pelotenses, um
42
Nascido na Sicília, em 1526, filho de escravos, São Benedito foi chamado de “O Santo
Mouro” por causa de sua cor negra. Sua festa litúrgica é celebrada dia 5 de outubro.
Certamente é um dos santos mais populares do Brasil, cuja devoção nos foi trazida pelos
portugueses, e são inúmeras as paróquias e capelas que o escolheram como padroeiro
inspiradas em seu modelo admirável de caridade e humildade. Disponível em:
<http://www.estigmatinos.com.br/s-bened.htm>Acesso em: 08 de janeiro de 2013.
Médico Dr. Joaquim Rasgado, primeiro presidente de honra da Instituição. Disponível em:
<http://www.ucs.br/ucs/tplcinfe/eventos/cinfe/artigos/artigos/arquivos/eixo_tematico1/Instituto
%20Sao%20Benedito%20Amparando%20e%20Instruindo%20Meninas%20Carentes.pdf>
Acesso em: 26 de janeiro de 2013.
43
42
terreno com um prédio, onde hoje se encontra a sede do estabelecimento, situado
na rua Félix da Cunha, número 909 (fig.15). Atualmente o Instituto São Benedito
continua sendo uma instituição assistencial filantrópica, cujo público alvo é de
crianças e adolescentes na faixa etária de 06 a 17 anos de idade em situação de
risco e vulnerabilidade social, oriundos da periferia do município de Pelotas.
Figura 15 - Instituto São Benedito. Pelotas, RS.
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
2.2 VITRAIS - DIAGNÓSTICO DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO.
A cidade de Pelotas possui uma extensa gama de exemplares de vitrais os
quais se distribuem em prédios religiosos, públicos, e propriedades particulares. O
objeto em estudo não faz parte dos painéis que foram inventariados em pesquisa44
recente. De acordo com Wertheimer, 2011, em trabalho realizado no Inventário do
Patrimônio Cultural desta cidade, disponibilizado pela Secretaria de Cultura da
Prefeitura Municipal de Pelotas, na qual foram identificados 13 prédios onde ocorre
presença de vitrais, cita-se: a antiga Escola de Belas Artes, Escola de Idiomas
Yázigi, Hospital da Santa Casa de Misericórdia, Catedral Anglicana do Redentor,
Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Casarão Santa Eulália, Capela da
Universidade Católica de Pelotas-Campus II, Universidade Católica de PelotasCampus I, Catedral São Francisco de Paula, Clínica de Radiologia- CLINRAD,
44
A Arte do Vitral do século XX em Pelotas, RS.( WERTHEIMER, 2011).
43
Colégio Estadual Félix da Cunha, Escola de Ensino Fundamental Castro Alves,
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas.
O objeto em estudo, o conjunto de vitrais do Instituto São Benedito, dividi-se
em três exemplares. Dois no andar térreo situados na capela com reverso para um
jardim interno (fig.16), e um no andar superior com o reverso voltado para a fachada
externa (fig.17). Para uma melhor compreensão, as janelas onde se encontram os
painéis foram numeradas de acordo com as normas do Corpus Vitriarum45,
embasadas na orientação solar. Sendo assim, passaram à seguinte nomenclatura: o
painel que representa a figura de Jesus Cristo recebeu a nomenclatura JSE1, janela
sudeste um; o painel que representa a figura da Virgem recebeu a nomenclatura
JSE2, janela sudeste dois, ambos na capela. O painel do andar superior, o qual
representava a figura de São Benedito, recebeu a nomenclatura JS1, janela sul um
(fig.18).
Figura 16 - Localização dos painéis JSE1 e JSE2
Fonte: Ilustração Marina Sanes. 2013.
Figura 17 - Localização do painel JS1.
45
Disponível em: < http://www.corpusvitrearum.org/> Acesso em: 26 de janeiro de 2013.
44
Fonte: Ilustração Marina Sanes. 2013.
Figura 18 - JSE1, JSE2 e JS1 respectivamente. Instituto São Benedito, Pelotas RS.
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
Os painéis JSE1 e JSE2 apresentam estabilidade em relação ao estado de
conservação, porém algumas patologias foram observadas. O painel JS1 encontrase apenas com a cercadura e o fragmento que compõem o arco da janela, estando
mais marcado pela patologia em si do que pelo valor do objeto.
Não foram encontrados até o momento indício dos registros dos vitrais em
estudo. Pode-se constatar que mesmo em livros caixa, atas e alguns documentos,
45
não há descrições. Partiu-se do princípio que foram doados, pois os painéis JSE1 e
JSE2 apresentam a marca dos doadores, o que já não se pode concluir a respeito
do painel JS1.
Assim como é freqüente em vários acervos das mais variadas tipologias, a
conservação de um vitral, também enfrenta dificuldades. A variação de temperatura,
com invernos e verões bem diferenciados, a umidade, os ventos, a ação de
elementos químicos existentes no meio ambiente, a fumaça, poluição, as chuvas
ácidas, fenômenos naturais e também vandalismo (pedras, roubos de vidros),
(fig.19), são exemplos de dificuldades enfrentadas neste campo (BRANDÃO, 1994).
Figura 19 - Detalhe da cercadura alvo de vandalismo, vitral da fachada externa do Instituto
São Benedito, Pelotas, RS.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2012.
Ainda pode-se incluir nesta gama de problemas, as intervenções realizadas
inadequadamente, ação que muitas vezes torna-se irreversível diante de materiais e
técnicas as quais não contribuem com o restauro.
46
Com o objetivo de proporcionar uma melhor compreensão para o leitor, a
localização das patologias dos painéis JSE1 e JSE2 serão indicadas em um mesmo
esquema representado pelos 30 módulos idênticos em estrutura de ferro (fig.20). As
patologias foram representadas em diagramas, nos quais foram desenhadas
somente as calhas de chumbo com suas respectivas figuras e foram pontualmente
representadas por símbolos, feitos por convenções para a documentação gráfica de
painéis individual de vitral (fig.21) e (fig.22), baseado no Centro de Conservação da
Batalha (WERTHEIMER, 1997/98). Os diagramas também foram baseados no
relatório do Centro de Conservação e Restauro da Batalha (WERTHEIMER,
1997/98) e ambas as representações foram embasadas segundo as normas do
Corpus Vitrearum. Para o painel JS1, foi utilizado outro esquema de módulos e
diagrama de calhas dentro das mesmas normas, porém com estrutura e número de
módulos diferentes.
Os exames organolépticos foram feitos in loco sem auxilio de binóculo ou
lupa, visto que os painéis não se encontram em altura elevada. Os registros
fotográficos foram todos utilizados para uma aproximação e melhor visualização das
patologias identificadas.
Figura 20 - Esquema de módulos em estrutura de ferro.
47
Fonte: Ilustração Karen Caldas. 2013.
Figura 21 - Convenção de documentação gráfica para painel individual de vitral.
48
Fonte: (WERTHEIMER, 1997/98).
Figura 22 - Convenção de documentação gráfica para painel individual de vitral.
49
Fonte: (WERTHEIMER, 1997/98).
Ainda para o presente trabalho incluiu-se mais dois símbolos para fratura do
tipo concoidal “o” e para fissura “–x-x-“.
50
Analisando o vitral JSE1, observou-se um painel em arco ogival, com
dimensões aproximadas de 2,50m de altura por 1,28m de largura, composto por 30
módulos. Seu anverso está voltado para dentro da capela e seu reverso (fig.23) para
o jardim interno do instituto.
Figura 23 - Reverso do painel JSE1. Instituto São Benedito, Pelotas, RS.
JSE1
JSE2
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
O painel JSE1(fig.24) possui um desenho figurativo representado pela
imagem de Jesus Cristo em simetria longitudinal. Em sua base a janela apresenta
um módulo com ventarola móvel para a circulação de ar, sua estrutura é em ferro,
não há barra de sustentação e nenhum tipo de proteção, fator que permite um
contato direto com o exterior, plantas e sujidades em geral.
Na composição figurativa do vitral, Jesus Cristo está representado em meio a
uma paisagem com plantas, árvores, nuvens e cordeiros. Sobre sua cabeça há uma
auréola ou halo. Na arte cristã um halo ou nimbo, é a luz que brilha a volta da
cabeça dos seres divinos. Uma auréola ou mandorla46 as vezes circundado toda a
figura, reserva-se para Deus Pai, para Cristo e para Virgem (CARR-GOMM, 1995).
Uma parte da cercadura é composta por motivos fitomórficos, em sua base
46
Uma área maior de luz (CARR-GOMM, 1995).
51
encontram-se figuras que lembram pequenos castelos com colunas e escadaria, as
quais também aparecem por cima da cabeça de Cristo. A figura dos castelos pode
sugerir que a imagem de Jesus Cristo esteja vinculada à realeza, majestade.
Figura 24 - Painel JSE1. Instituto São Benedito. Pelotas, RS.
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
Em sua mão direita Jesus Cristo segura um cajado, o que geralmente
pertence aos pastores, mas também pode aparecer como atributo de Cristo e seus
Apóstolos, o “Bom Pastor”. Com sua mão e braço esquerdo segura um cordeiro, e
ainda a seus pés figura um pequeno rebanho com quatro ovelhas, três delas em seu
lado esquerdo e uma no lado direito. O cordeiro pode simbolizar um dos rebanhos
de seguidores de Cristo sob a proteção do Bom Pastor (CARR-GOMM, 1995). Seus
pés descalços em posições diferentes remetem a um movimento. Sua veste é
branca cor do reino dos céus, da luz Divina de Deus, da Santidade e simplicidade.
As pessoas justas, que viveram pela verdade, são representadas nos ícones com
vestes brancas. O branco atribuído a Deus Pai, é o símbolo da verdade absoluta de
Deus. Não menos importante, também representa a fé e a pureza. Seu manto é
vermelho, cor do calor, paixão, e da energia doadora de vida, e por isso tornou-se o
52
símbolo da ressurreição47. Apresenta marca do doador com a seguinte frase: Oferta
do Grande Benfeitor Francisco Behrensdorf48. O arco em ogiva apresenta três
florões, um central maior e dois laterais menores em forma de uma rosácea ou
mandala, remetendo uma herança gótica.
Nas (fig.25), (fig. 26) e (fig.27) alguns registros fotográficos de patologias do
painel JSE1.
Figura 25 - Lacuna por desprendimento de calha em B2.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2013.
Figura 26 - Sujidades generalizadas.
< Disponível em: http://www.iconografiabrasil.com/Simbolismo.htm>Acesso em: 26 de
janeiro de 2013.
48
Nasceu em 1908, filho de Karl Julius Ernest Behrensdorf e Charlotte Johanna Engel.
Casado com Berthe Elise Louise Jeanneret . Disponível em:
<http://mitoblogos.blogspot.com.br/2008/07/genealogia-282-famlia-behrensdorf.html>
Acesso em: 21 de janeiro de 2013.
Foi presidente da Associação Comercial de Pelotas no período de 1930 a 1932. Disponível
em:< http://www.ascompel.com.br/institucional/presidentes.php >Acesso em: 21 de janeiro
de 2013.
47
53
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
Figura 27 - Fratura em A2.
Fonte: Flávia Silva Faro, 2012.
54
Diagrama de calhas com localização das patologias identificadas no painel
JSE1(fig.28).
Figura 28 - Diagrama de calhas do painel JSE1.
Fonte: Ilustração desenho à mão livre, Flávia Silva Faro. 2013.
55
Analisando o vitral JSE2 (fig.29), observou-se um painel com arco ogival
com dimensões aproximadas de 2,50 m de altura por 1,28m de largura, composto
por 30 módulos. Seu reverso está voltado para o jardim interno (fig.23), em sua base
a janela também apresenta um módulo com ventarola móvel para a circulação de ar.
Sua estrutura é em ferro, não há barra de sustentação e nenhum tipo de proteção,
ou seja, mesmas características estruturais e posicionais do painel JSE1.
Figura 29 - Vitral JSE2. Instituto São Benedito, Pelotas, RS.
Fonte: Flávia Faro, 2012.
O painel JSE2 tem como tema figurativo a Virgem em composição
logitudinal a qual aparece de braços abertos em meio às nuvens. Circundando sua
cabeça uma auréola, seus pés aparecem em posição estática e envoltos por uma
serpente com uma maçã, fruta que faz referência ao pecado. A serpente de acordo
com o Antigo Testamento, era sinônimo do mal. A Virgem representada com uma
serpente sob os pés, mostra o triunfo sobre o mal (CARR-GOMM, 1995). Sua veste
56
é branca e seu manto é azul, típico de Nossa Senhora, representando infinito do céu
e o símbolo de outro mundo eterno e fé49. A cercadura e a parte superior do arco em
ogiva têm as mesmas representações já analisadas no painel JSE1. Possui marca
do doador com seguinte frase: Oferta da benfeitora Luiza Behrensdorf Maciel50.Nas
(fig.30) e (fig.31) registros fotográficos de patologias no painel JSE2.
Figura 30 - Fratura do tipo concoidal, lacuna e fratura em A2. Painel JSE2.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2012.
Figura 31 - Fissura em D2. Painel JSE2.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2013.
Disponível em: < http://www.iconografiabrasil.com/Simbolismo.htm> Acesso em: 28 de
janeiro de 2013.
50
Luiza Behrensdorf Maciel, de acordo com árvore genealógica, é irmã de Francisco
Behrensdorf, casada com Leopoldo Antunes Maciel, este, filho do Barão de São Luis.
Disponível
em:
<http://mitoblogos.blogspot.com.br/2008/07/genealogia-282-famliabehrensdorf.html> Acesso em: 21 de janeiro de 2013
49
57
Diagrama de calhas com a localização das patologias diagnosticadas no painel
JSE2 (fig.32).
Figura 32 - Diagrama de calhas do painel JSE2
Fonte: Ilustração feita à mão livre, Flávia Silva Faro. 2013.
58
Algumas características semelhantes foram encontradas entre os vitrais JSE1
e JSE2: foi observada uma numeração à grisalha, feita aleatoriamente que pode
sugerir um mapeamento. Pode ter sido feita para a identificação dos painéis,
levando-se em consideração que ambos possuem o mesmo desenho na bandeira
da janela. Observou-se também que uma das flores centrais do florão do painel
JSE1, é semelhante ao conjunto de flores centrais do painel JSE2, o que sugere um
erro de montagem.
Com relação às patologias, observou-se que a maioria da fraturas do tipo
concoidal foi encontrada perto das calhas de chumbo, e a lacuna por
desprendimento de calha foi localizada em ambos os vitrais nos módulos B2, onde
fica localizada a ventarola de circulação de ar.
Em análise feita no painel JS1 observou-se que suas características
apresentam-se diferentes dos demais. Possui dimensões aproximadas de 1,98 m de
altura por 1,18m de largura e não possui arco em ogiva. Apresenta estrutura de ferro
composta por 12 módulos, seu reverso está para Rua Félix da Cunha, fachada
externa, fato que contribuiu para o atual estado de conservação do vitral, visto que
não há tela nem janela de proteção.
O painel apresentava composição figurativa. Hoje, apresenta apenas a
cercadura com motivos fitomórficos e em sua base figuras que parecem castelos
assim como os demais painéis em estudo. Em pesquisa51 realizada no Instituto São
Benedito, com acesso a álbum de fotografias, assim como fotografias aleatórias
pode-se observar como era a composição figurativa deste painel (fig.33), porém não
se obteve informações sobre sua datação. Pelos registros fotográficos percebeu-se
que o ambiente em que se localizava era uma sala de aula, hoje, correspondente a
uma sala de aprendizado de costura. Observou-se também por fotografia, que logo
abaixo do painel encontra-se uma estrutura de madeira, a qual permanece até hoje,
remetendo a idéia de um altar para preces a São Benedito, O Mouro.
Livros de registros, atas, álbuns e conversa informal com membros do Instituto São
Benedito.
51
59
Figura 33 - Composição figurativa do painel JS1.
Fonte: Instituto São Benedito, Pelotas, RS.
Lamentavelmente, em meados do ano de 1995, o painel tornou-se alvo de
vandalismo
(fig.34).
Segundo
Dvorák
em
Catecismo
da
Preservação
de
Monumentos, 2008, mais precisamente no capítulo “Perigos que Ameaçam os
Antigos Monumentos”:
Em primeiro lugar são as obras de arte e sua expressão visual que
unem presente e passado no plano do sentimento e na fantasia.(...)
quem destrói tais monumentos é um inimigo de sua cidade e de seu
país e prejudica a comunidade, pois as obras de arte públicas não
foram criadas para esse ou aquele indivíduo, e aquilo que elas
encarnam enquanto obras de arte, fascínio pictórico, recordações ou
qualquer outro sentimento, é um patrimônio comparável às criações
dos grandes poetas ou às realizações da ciência. (p.70-71).
De acordo com a composição figurativa do painel JS1 em 1995, a imagem de
São Benedito aparece em simetria longitudinal com uma paisagem, nuvens e um
desenho remetendo a idéia de uma janela. São Benedito veste túnica marrom, cor
que representa tudo que é terreno, símbolo da humildade, da renúncia às alegrias
da vida terrena, e da pobreza. Em seus braços uma criança, Menino Jesus, com
veste branca, simbolizando as crianças, a fé e a paz. Em suas cabeças uma
auréola.
60
Figura 34 - Painel JS1 em 1995.
Fonte: Instituto São Benedito, Pelotas, RS.
De acordo com o atual estado de conservação do painel JS1(fig.35), suas
patologias foram localizadas no esquema de módulos (fig.36) e marcadas no
diagrama com desenho das calhas (fig.37) com base nas normas e convenções já
citadas.
Figura 35 - Atual estado de conservação do painel JS1.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2012.
61
Figura 36 - Esquema de módulos do painel JS1.
Fonte: Ilustração Karen Caldas. 2013.
62
Diagrama de calhas com localização das patologias diagnosticadas no painel
JS1 (fig. 37).
Figura 37 - Diagrama de calhas.
.
Fonte: Ilustração feita à mão, Flávia Silva Faro. 2013.
63
2.3 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA O PAINEL JS1.
Mediante conversas e questionamentos realizados entre pessoas leigas e
pessoas envolvidas na área da conservação e restauro, pode-se observar uma
grande diferença entre as opiniões com relação à solução para uma proposta de
intervenção relacionada ao painel JS1. “As opiniões resultam da diversidade de
interesses, os valores sociais mudam com o tempo”(FUNARI; PELEGRINI, 2009,
pag.10). Entre várias pessoas questionadas sobre o assunto situadas fora do campo
do restauro, obteve-se como solução para a restauração do painel, a criação de um
novo desenho figurativo de São Benedito, fato perfeitamente compreensível se
levarmos em conta que hoje, no estado em que se encontra o vitral, seria uma
solução inicial, visto que, o painel não exerce mais sua função original.
Para a grande maioria dos profissionais da área de conservação e restauro, as
reconstruções jamais poderão substituir aquilo que realmente existiu, seria um erro
acreditar que através de reformas, reconstruções ou repinturas realizadas em nome
da fidelidade ao estilo, poder-se-ia devolver a uma obra de arte ou monumento, sua
forma original (DVORÁK, 2008).
Com base em leitura feita sobre a restauração de alguns painéis da Catedral
de Notre-Dame de Paris e da catedral de Colônia, na Alemanha, e associada aos
valores simbólicos que este painel representa para o instituto e comunidade e, de
acordo com Teoria Contemporânea da Restauração de Salvador Muñoz Viñas,
2003, pode-se chegar a uma proposta de intervenção para o painel JS1.
A catedral de Notre Dame é uma das mais antigas do estilo gótico, sua
construção foi iniciada em 1163, e contou com intervenções de muitos arquitetos,
dentre os quais, Viollet-le-Duc. No século XIX ao restaurar a catedral, Viollet-le-Duc,
encontrou em estado de conservação instável os vitrais do século XVIII, os quais
substituiu por painéis com desenhos narrativos, com personagens grandes e com
aplicação de grisalha clara, ou seja, representações ligadas à tradição medieval.
Outro fato ocorrido mais precisamente no século XX com painéis também do século
XVIII, foi a percepção da propagação de uma luz escassa, devido ao vidro fosco que
fazia parte da composição desses vitrais. Partindo deste fato, desde 1936 a
administração dos Monumentos Históricos solicitou doze pintores de vitrais,
juntamente com o tema proposto: uma evocação aos vinte e quatro santos
64
devotados em Paris. No entanto, até 1939 não havia ocorrido esta mudança nos
vitrais, e com a Segunda Guerra Mundial, todos os painéis da catedral foram
recolhidos, ou melhor, salvaguardados. Quando os trabalhos foram retomados,
muitos dos artistas pintores haviam falecido, seus esboços teriam que ser retocados,
fato que dificultou a execução do projeto, pois cada artista possuía inúmeras
expressões particulares.
A questão então foi optar pelos assuntos figurativos, ou por um vitral
decorativo. Depois de vários ensaios o artista Jacques Le Chevallier52, evidenciou o
quanto era necessário dar certa densidade de cores para os 24 painéis restaurados
(fig.38). Para cada um deles apresentou uma harmonia de cores, sendo a variação
do azul a cor predominante. Conforme a tradição recorrente da arte do vitral, Le
Chevallier, utilizou muita grisalha, com o intuito de reduzir a superfície transparente
de cada vidro, diminuindo assim a irradiação de luz de certas cores, principalmente o
azul. Os vidros utilizados foram feitos por soflagem e a colocação dos painéis teve
início em 1963 e finalizada em 196753. Com sua técnica, Le Chevallier permaneceu
com estilo e harmonia das janelas e rosetas do século XVIII. Em artigo 54 escrito por
Sabine Marchand, na revista “The Arts” de 16 de junho de 1965, relata: “(...) fomos
surpreendidos por não ouvir qualquer observação em seu modernismo, alguns
painéis foram confundidos com as janelas do século XVIII”. Desta maneira, o
conjunto de painéis conservou o parentesco com os primeiros vitrais da catedral,
porém de forma contemporânea sem a recriação de imagens, visto que não se trata
de uma só figura, mas de várias figuras que compõem os painéis.
Jacques Le Chevallier (26 de julho, 1896 - 1987) foi um francês vidreiro, artista decorativo,
ilustrador e gravador. Foi mobilizado durante a Primeira guerra Mundial, depois se tornou
um mestre artesão no estúdio de Louis Barilet, onde criou uma série de vitrais janelas e
onde permaneceu até 1945. Muito conhecido pela produção de luminárias entre 1920 e
1930. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Jacques_Le_Chevallier >Acesso em: 05
de janeiro de 2013.
53
Traducción castellanada Chantal Alcouffe-Cugno. Impresso em Francia por: Grou
Radenez et Joly, Paris, Association Maurice de Sully. Dépôt legal: 3 trimestre 1991.
54
Disponível em: < http://www.notredamedeparis.fr/spip.php?article281> Acesso em: 09 de
fevereiro de 2013.
52
65
Figura 38 - Vitral restaurado por Jacques Le Chevallier na Catedral de Notre Dame em
Paris.
Fonte:< http://www.notredamedeparis.fr/spip.php?article281> Acesso em: 10 de fevereiro de
2013.
Fato semelhante ocorreu na Catedral de Colônia, na Alemanha. O pintor e
fotógrafo Gerhard Richer, substituiu a janela de vidro liso a qual foi instalada na
catedral depois dos bombardeios que atingiram o vitral original durante da Segunda
Guerra Mundial. O plano para a substituição desta janela por vitral figurativo
tradicional foi rejeitado, dando lugar ao projeto abstrato do artista. Foram produzidos
11.500 quadrados de vidros (fig.39) e 72 cores para o preenchimento dos 20 metros
de altura da janela55 (fig.40), fazendo uma seleção harmoniosa com as cores dos
vitrais da catedral.
Disponível em:< http://www.spiegel.de/international/zeitgeist/gerhard-richter-s-symphonyof-light-cologne-cathedral-gets-new-stained-glass-window-a-502271.html> Acesso em: 09 de
fevereiro de 2013.
55
66
Figura 39 - Vidros coloridos. Catedral de Colônia, Alemanha.
Fonte:< http://www.derix.com/en/artists/Gerhard-Richter/83/793/> Acesso em: 10 de
fevereiro de 2013.
Figura 40 - Janela preenchida por quadrados de vidros, Catedral de Colônia Alemanha.
Fonte:<http://www.derix.com/en/artists/Gerhard-Richter/83/793/ >Acesso em: 10 de fevereiro
de 2013.
67
Vale salientar que os vitrais restaurados estão no meio de um conjunto de
painéis figurativos medievais com intervenções realizadas anteriores ao século XX,
fato que contribui bastante para que não haja um destacamento maior aos olhos do
observador. No objeto em estudo, o painel JS1 é único, tanto na parede quanto na
sala onde se encontra.
Para uma proposta de intervenção para o painel JS1, de acordo com as
bases já citadas, sugeriu-se em primeiro lugar uma conservação preventiva, para
evitar ou amenizar futuras deteriorações ou perdas (ICOM-CC,2008). Sugeriu-se
uma tela de proteção a qual é instalada pelo reverso do painel, assim como pode-se
observar no conjunto de vitrais da Catedral São Francisco de Paula dessa cidade
(fig.41).
Figura 41- Tela de proteção. Catedral São Francisco de Paula, Pelotas, RS.
Fonte: Flávia Silva Faro. 2013.
Para a lacuna encontrada em C1 sugeriu-se seu preenchimento com vidro
artesanal e uma aproximação da cor violeta e da cor castanha com uso de grisalha
para amenizar a superfície transparente do vidro. Em D3 há uma fratura do tipo
concoidal a qual não necessita intervenção.
Assim sendo, para a intervenção dos módulos A2, B2 e C2, sugeriu-se a
substituição dos atuais vidros do tipo impresso ártico de 3mm, os quais foram
colocados no painel à medida que os módulos do vitral iam sendo atingidos. No
68
lugar destes vidros retirados, sugeriu-se a colocação de vidros artesanais, os quais
não têm a superfície tão lisa e consequentemente um brilho uniforme como o vidro
float. Os novos vidros ficariam ao fundo de uma imagem estilizada de São Benedito,
remetendo a idéia de uma nova imagem, uma nova leitura. Para o fundo do painel
sugeriu-se cores com tons aproximados das que restaram do vitral original, com
figuras geométricas diferentes remetendo a idéia das intervenções realizadas nas
catedrais de Notre Dame e Colônia, como mostra a simulação feita em esquema de
módulos (fig. 42), com uma aguada de grisalha. Para a nova imagem de São
Benedito sugeriu-se cores e tons diferentes das cores originais. Ainda completando
a proposta de intervenção, sugeriu-se a colocação de um quadro fixo, ao lado do
vitral restaurado, contendo as imagens do painel original e possíveis datações.
Figura 42 – Simulação em esquema de módulos.
Fonte: Ilustração Karen Caldas. 2013.
69
CONCLUSÃO
O presente trabalho descreveu de forma sucinta a representação dos vitrais
na história bem como suas técnicas de fabrico ao longo dos séculos, tendo como
tema principal o diagnóstico do estado de conservação e uma proposta de
intervenção para o objeto de estudo. Buscou uma reflexão sobre o papel da
conservação e restauro relacionando os bens com seus valores simbólicos e
funções representados na sociedade da época em que se insere.
No estudo dos vitrais do Instituto São Benedito da cidade de Pelotas, pode-se
observar o dilema que o profissional conservador-restaurador encontra diante das
decisões a serem tomadas com relação à proteção de um bem cultural e seus
valores estéticos. Decisões estas que devem estar baseadas em teorias que são a
base do repertório que constrói e qualifica o profissional. Ter o conhecimento da
trajetória do pensamento científico na área da conservação e restauro, remete ao
profissional a uma gama de opções as quais fortalecem e embasam sua tarefa de
decidir os caminhos a serem seguidos. Não existe uma norma ou padrão, as
situações são diferentes e necessitam singularidade de escolha. Falar da teoria
contemporânea da restauração, implica que existe uma teoria da restauração que
não é contemporânea, é dizer que existiram outras teorias que pertenceram ao
passado (VIÑAS, 2003), as quais também contribuíram para a construção do
pensamento contemporâneo ligado à intervenção e a proteção dos bens culturais.
Com relação ao diagnóstico do estado de conservação dos painéis JSE1 e
JSE2 as patologias encontradas foram: fratura, fratura do tipo concoidal, fissura,
lacuna, lacuna por desprendimento de calha e sujidades. Mesmo com a observação
desta patologias, os painéis encontraram-se estáveis com relação ao estado de
conservação, fato que pode ser atribuído à localização dos vitrais. Os resultados do
diagnóstico foram baseados em exames organolépticos e registros fotográficos.
O painel JS1, por conseqüência de sua localização, veio a acarretar
patologias que com certeza poderiam ter sido evitadas se a população tivesse
consciência dos danos causados ao patrimônio gerado pelo vandalismo. As
patologias encontradas neste painel, foram: fratura do tipo concoidal, lacunas,
sujidades e substituição dos vidros originais por vidros do século XX, sendo que
70
esta ultima patologia, apareceu causando um grande comprometimento na fruição
do vitral.
Para a elaboração de uma proposta de intervenção para o painel JS1, foi
levado em consideração o papel que este vitral exercia, ou seja, seu valor simbólico
e sua função diante dos membros da instituição, pois sua figura representava o
patrono São Benedito. Foi levada em conta também sua autenticidade e seu papel
de bem integrado, objeto específico que necessita de fruição para que assim possa
cumprir sua função, além de vedar um vão. Desta forma sugeriu-se a substituição
dos vidros que foram colocados no lugar dos painéis atingidos por projétil, por
figuras geométricas, juntamente com uma figura de São Benedito em cores
diferentes das originais, deixando clara a intenção de que a intervenção fosse feita
de modo a contribuir e não chamar mais atenção do que o que restou do original.
Em paralelo a esta proposta, sugeriu-se a colocação de um quadro fixo ao lado do
painel restaurado contendo fotos originais do vitral para que a idéia da intervenção
seja repassada de maneira clara para os membros da comunidade.
A proposta foi feita a partir de idéias proporcionadas pelos pensamentos
contemporâneos de restauro, as quais foram geradas por uma série de
transformações relacionadas com a cultura, o indivíduo e o objeto. O teórico que
fundamentou e embasou a elaboração desta proposta, foi Salvador Muñoz Viñas, o
qual diz que o que caracteriza a restauração não são suas técnicas ou instrumentos,
mas sim a intenção com que se fazem as ações, ou seja, a restauração não
depende “do que” se faz e sim “para que” se faz.” O autor muda o foco da
restauração antes direcionado para o objeto e sua materialidade, onde se apóia toda
a teoria de Cesare Brandi, para a função que o objeto assume dentro de um
contexto e também o significado que esse objeto representa para determinado grupo
(CALDAS, 2011). Segundo Salvador Muñoz Viñas, (2003), a ética contemporânea
da restauração pretende contemplar equilibradamente a todas as funções, ou seja,
não só para os profissionais, mas também para os usuários. Neste trabalho, foi
realizada uma pesquisa primária para uma obtenção dos resultados referentes às
opiniões das pessoas da comunidade e profissionais da área do restauro, como já
citado, foram feitos questionamentos informais. Esta proposta pretendeu levantar
uma solução possível para a problemática complexa de intervenção para danos
irreversíveis. Foi condicionada a reflexões atuais as quais como já foi dito, são
passíveis de alteração no decorrer do tempo, podendo ainda ser objeto de maior
71
análise a partir de uma coletânea de informações organizadas de modo a obter
dados quantitativos e qualitativos.
Desta forma, acredita-se ter feito uma proposta adaptada ao contexto,
restando ao conservador-restaurador estar atento às condições mutáveis da
sociedade, sempre atuando com responsabilidade optando por intervenções
reversíveis e respeitando os limites do restauro, mas com espaço para novos
pensamentos.
72
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Alves Esteves Lima, Jens Baugarten, Beatriz Mugayar. São Paulo-SP: Ateliê
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WERTHEIMER, G. Mariana. A Arte Vitral do século XX em Pelotas-RS. 2011.
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73
WERTHEIMER, G. Mariana..Estudo e Tratamento de Painéis de Vitral. 1997/98
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