filosofia unidade iii

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filosofia unidade iii
Filosofia, Ética e Cidadania: educação para a formação do jovem e do adulto na sociedade
UNIDADE 5 – ENCONTRO ÍNTIMO COM A FILOSOFIA
PARTE I - É PRECISO LER A SI MESMO!
“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos
do que os outros fizeram de nós.” (Jean Paul Sartre)
Ler é direcionar a vista e a mente em alguma coisa, é interpretar, é dar sentido.
Quando lemos algo não estamos, necessariamente,
lendo só letras e palavras escritas, mas tudo o que é possível
de se ver, ouvir, dar conta... Interpretar.
Ao ler o mundo e a vida, enquanto criança, ou em
menoridade, interpretamos e damos sentido ao que captamos, não a partir do nosso olhar, mas da maneira pela qual
nos é ensinado a olhar. Criamos uma ideia do mundo e da
vida com o que nos é informado. Estas informações nos vêm
de várias fontes, podendo ser, dentre outras, familiar, escolar,
social, religiosa, geográfica, política, circunstancial. Neste
aprendizado internalizamos muitas coisas, que vão de conhecimentos universais às opiniões ou pontos de vista. São
atribuídos a estes conhecimentos internalizados pesos semelhantes quando na verdade possuem valores diferentes.
O tempo passa, a vida nos conduz a infinitas atividades e obrigações e às vezes mal nos
damos conta que o nosso olhar pode ainda estar lendo o mundo de forma tutelada. É preciso redimensionar tanto a capacidade como a forma de se olhar.
Capacidade é o espaço interior vazio. Ser capaz não é só preencher este vazio. Para facilitar
vamos nos comparar a uma caneca. O espaço vazio da caneca está lá e até que percebamos ela
será enchida com o que nos for dado. Sem distinguir ou questionar de forma significativa, engolimos.
Muito do que está lá é bom e nos ajuda a fortalecer. Mas junto com o que nos fortalece, ha
muitas coisas que não nos faz diferença alguma e outras tantas que são
altamente prejudiciais. O problema é que está tudo junto e misturado e
geralmente mal se sabe identificar o quê é o quê. Devido a essa
confusão a vida acaba também sendo pautada por princípios que, além
de não terem valor algum, já deveriam ter sido descartados. Por
exemplo, se alguém o chamou de incapaz, feio, agressivo, inútil ou
qualquer coisa do gênero e VOCÊ colocou essas informações em sua
caneca, há um sério risco de acabar acreditando que isto é verdade.
Da mesma maneira você pode internalizar que quer muito ser de
determinada forma, gostar de alguns gostos, comprar ou obter coisas
que na verdade você não quer ou não quer tanto assim. Este espaço ou
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capacidade que agora está em parte preenchido precisa e deve ser reestruturado. E a reestruturação
não parte do que está lá dentro mas da forma como se vê o que esta lá dentro. Mudando o olhar,
modifica-se a leitura. Modificando a leitura você conseguirá identifica o que é necessário conservar,
transformar e descartar de sua caneca. Ao esvaziar-se você, resignifica o mundo, a vida e a si
mesmo.
Quando você pensa, atribui pesos reais ao que vale ou não para sua vida e coloca na balança
(sopesar) você começa a fazer uso da razão sem o condicionamento do outro, deixa de estar sob
tutela. Seria o mesmo que dizer que você não precisa mais que o olhar do outro lhe informe como
você deve pensar/raciocinar/agir, você o faz a partir de si mesmo, você se torna o sujeito do seu
pensamento, alguém esclarecido, maior de idade. Entenda aqui ‘outro’ como tudo o que é exterior a
você (pessoa(s), família, religião, sociedade, normas, dogmas, preceitos...).
Maioridade ou menoridade aqui não tem haver com o tempo cronológico ou a idade e sim
com a capacidade que temos ou não, de nos tornar responsáveis pela nossa própria história.
Débora Moreira Amorim
PARA PENSAR MAIS:
SÓCRATES (470-399 A.C.):
Sócrates é um dos grandes responsáveis por
estimular no ser humano a vontade de conhecer a si
mesmo, de reconhecer o que julga saber e também, pela
ideia de que sábio é o homem que só sabe que nada
sabe.
Mario Sérgio Cortella, Filósofo e professor da USP,
nos fala um pouco mais sobre esta ideia.
Para assistir, acesse o código QR ou o link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=I6NCCqx47zM&list=RDelDaZhMDdMU&index=37
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O filme “Mãos Talentosas” nos faz crer na importância da Leitura e
o quanto pode ser prejudicial, à nossa vida, acreditar em um
“saber” que não nos pertence. Conta à história real do menino
pobre, desmotivado, que tirava notas baixas na escola e que se
tornou neurocirurgião (no Centro de Neurologia Pediátrica do
Hospital Universitário Johns Hopkins, em Baltimore, EUA.) de fama mundial.
Para assistir, acesse o código QR ao lado, ou o link
abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=k4xrwBE12ok
CONTEXTUALIZAÇÃO:
A partir do poema “Deficiências”, observe como magicamente Mário Quintana consegue mudar a
leitura ao mudar a forma de olhar.
"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as
imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter
consciência de que é dono do seu destino.
"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria,
e só têm olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o
apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer
garantir seus tostões no fim do mês.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da
máscara da hipocrisia.
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de
sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.
"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.
E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
"Miseráveis" são todos que não conseguem Amar.
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PARA PENSAR MAIS:
Boa parte do raciocínio que desenvolvemos até aqui tem como referência o pensamento de
IMMANUEL KANT (1724-1804):
Kant viveu no período do ILUMINISMO, também
conhecido como ESCLARECIMENTO.
No primeiro parágrafo do seu texto “O que é o Iluminismo” (1783), temos:
“Esclarecimento é à saída do homem da sua
menoridade, da qual ele próprio é o culpado. A menoridade é
a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a
direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado
dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta
de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de
servir-se a si mesmo, sem a direção do outro. Ousa saber!”
Perceba aqui que o homem NÃO é menor de idade,
ele é maior. Porém, por não fazer uso da sua razão sem a interferência do outro que direciona seu
pensar e consequentemente seu agir, ele permanece na menoridade. Não é o responsável primeiro
pelas suas próprias escolhas, pela sua vida.
Repare que ao nosso redor, não é difícil encontrarmos pessoas que não são donas das suas
próprias escolhas e vivem a maldizer a vida e a esparramar lamúrias. Boa parte do tempo tudo está
ruim ou errado e o responsável por isso é sempre o outro. Como posso responsabilizar o outro,
independente de proceder ou não, se não consigo responsabilizar-me pela minha própria vida? Esse
processo de saída da menoridade é única e exclusivamente de responsabilidade pessoal. Não há
como fazer pelo outro. É um processo em que cada um tem que assumir as “rédeas” da sua vida.
Afinal, somos nós que enchemos a ‘caneca’ e somos nós que devemos ver o que nos alimenta e o
que nos envenena para, a partir daí, agir.
Para Kant, ainda que eu seja
direcionada pelo outro, e que tudo o
que eu faça ou pense seja ditado por
este outro e ele tenha o controle da
minha ação e até mesmo do meu
pensamento, ainda assim, submetido
a esta tutela, eu sou o culpado desta
situação, o responsável pela minha
condição de tutela. Isto porque
entendimento, eu tenho, o que me
falta é vontade e coragem para
usar a razão de forma livre, não
tutelada. Somos os culpados por ser
dependentes, por não ser donos de
nós mesmos.
Se tivéssemos sido criados sem entendimento, sem uso da razão, não teríamos responsabilidade nenhuma em ser dirigidos por outro(s), de sermos autômatos, robôs.
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Mas não é esse o caso, visto que temos entendimento, temos razão e, portanto, temos a
POSSIBILIDADE de dirigir a nós mesmos, de nos governarmos.
O primeiro passo para sairmos da menoridade reside em tomarmos consciência dessa culpa.
Kant nos convoca a esse passo quando nos desafia: “OUSA SABER!!!”, ou seja, tenha VONTADE
de fazer uso do seu próprio entendimento.
Ao descrever a menoridade e a maioridade, Kant não se refere somente ao indivíduo
enquanto tal. Esse indivíduo faz parte de um contexto histórico. Não se trata aqui simplesmente de
uma evolução histórica pessoal, da passagem de uma fase ruim para outra melhor.
A HISTÓRIA NÃO É ALGUMA COISA QUE TRANSCORRE SOZINHA, POR ELA MESMA, MAS ATRAVÉS DOS INDIVÍDUOS QUE A FAZEM
Ao mesmo tempo em que a história se desenvolve graças a nós também se desenvolve
independente de cada um de nós. Se os indivíduos não fizerem por onde tornar-se emancipados e
atingir a maioridade não é a história que o fará por eles. Em contrapartida, se ousarmos saber, a
emancipação acontecerá com o indivíduo e na história.
Eu sou o responsável pela tarefa de me fazer livre, eu sou responsável pela minha
menoridade e eu serei responsável pelo meu esclarecimento. Sou responsável por ter vivido sobre
tutela. Serei responsável por viver emancipadamente.
Esta é a relação entre a modernidade e autonomia. O homem moderno pode ser definido
como aquele que faz uso da razão.
Depois de definir o esclarecimento e o colocá-lo como característica moderna, Kant pergunta
se os homens, de modo geral, são esclarecidos? E ele responde, NÃO!
Também pergunta se vivemos uma época esclarecida? E a resposta é a mesma, NÃO!
Para Kant, no contexto do séc. XVIII, se vive em uma época de esclarecimento, mas não em
uma época esclarecida. Falta muito ainda para que os seres humanos, tomados em conjunto,
possam ser colocados numa situação na qual sejam capazes de fazer uso seguro do seu próprio
entendimento, sem serem dirigidos por outros.
A diferença entre uma época esclarecida e uma em fase de esclarecimento é o fato de ainda
não ser, mas estar em PROCESSO. Existem vários aspectos (religião, relações sociais, história,
moral...) que a humanidade ainda não é capaz de pensar por si mesma. Há alguma autonomia, mas
está bastante longe de ser plenamente realizada. O esclarecimento (Iluminismo) não é só a meta da
história (chegaremos lá e está tudo certo!). Se não houver o reconhecimento da culpa pela
menoridade e da responsabilidade da saída da menoridade para o esclarecimento, NÃO chegaremos
lá. Existe aí uma tarefa, um trabalho humano individual a ser feito: “OUSA SABER”!
A grande inovação de Kant foi fazer uma filosofia de caráter CRÍTICO. Critica aqui se refere ao fato
de buscar ver o aqui e agora. O que acontece no meu contexto.
Kant indica que a VONTADE e a CORAGEM desempenham um papel relevante (OUSA
SABER) e aponta a filosofia crítica como um caminho para entender quais são as POSSIBILIDADES
e LIMITES do conhecimento e da ação. Kant nos alerta que a liberdade de pensar, exercida com
responsabilidade, tem que nos levar à verdade e não a ILUSÕES.
Ao sairmos da menoridade entramos em uma história de libertação que é feita aqui e agora,
no presente. Kant mais uma vez nos desafia ao nos fazer refletir sobre:
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O QUE EU POSSO SABER?
O QUE EU DEVO FAZER?
O QUE EU POSSO ESPERAR?
NOTA: Segundo MICHEL FOUCAULT (1926-1984), Kant é o primeiro filósofo a dizer que o que é
digno de ser pensado é o presente.
Débora Moreira Amorim
CONTEXTUALIZAÇÃO
Ao assistir o filme “Mandela – Luta pela liberdade” perceba a
possibilidade real de alguém que, ao “ousar saber”, ao fazer uso do
seu entendimento, modificou não só a sua, mas a nossa história.
Muito se conhece a respeito da história de Nelson Mandela,
advogado e um dos maiores líderes do movimento antiapartheid, na
África do Sul – por causa da luta, Mandela ficou preso por 27 anos, até
ser libertado e, posteriormente, ser eleito o primeiro presidente da
história do país em uma eleição totalmente democrática. O filme
“Mandela – A Luta Pela Liberdade”, do diretor Bille August, nos
apresenta à batalha do líder africano utilizando como ponto de vista o
olhar de um homem cuja vida ele modificou profundamente.
“Educação
não transforma o mundo.
Educação muda às pessoas.
Pessoas transformam o mundo.”
(Paulo Freire)
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TRABALHO: A partir do filme, responda as questões a seguir, em uma folha avulsa. Não é preciso
copiar as perguntas, basta enumerá-las.
01. Que relação você percebe entre as frases “Eu sou o que acredito ser” e “Conhece-te a ti
mesmo”?
02. Comente: “Você pode ser o que quiser nesta vida, contanto que trabalhe para isso”.
03. “Ver com o cérebro”, no filme equivale a IMAGINAR. A imaginação tem alguma relação com
leitura? Justifique:
04. No contexto do filme, comente: “Não se preocupe com os outros. O mundo está cheio de outros”.
05. Na biblioteca havia uma frase de Aristóteles, “Conhecimento é Poder”. Em sua opinião, por que
conhecimento é poder?
06. Por que LER é “abrir a porta”? Por que você deve ler a sua própria vida?
07. Ao encher sua ‘caneca’, Benjamim chegou a acreditar que era “burro”. Por que isso aconteceu?
Como ele desconstruiu essa ideia, que não lhe pertencia?
08. Por que existe preconceito?
09. Em quê você é bom?
10. Não existe uma “fórmula” comum para se “chegar lá”. Você se permite querer muito alguma
coisa? O que você faz para “chegar lá”?
11. A resposta decisiva para que Benjamim fosse aceito em sua pós-graduação foi: “o cérebro é um
milagre”. Em sua opinião, o que ele quis dizer com isso?
12. O que é capaz de “quebrar” uma atitude agressiva ou indesejada?
13. Por que é importante ter ATITUDE, CORAGEM? Para você, o que significa tais palavras? Você
se considera uma pessoa DECIDIDA? Por quê?
14. Nas imagens-citações abaixo, assinale a(s) que, em sua opinião, mais se aproxima do tema
trabalhado.
A)
B)
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C)
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PARTE II: COMO ANDA A MINHA ‘CANECA’?
Por muito tempo enchi minha ‘caneca’ com o que me foi dado. Preciso
pensar (por na balança) tudo que está lá dentro, esvaziar e reconhecer
quais são os “sabores e saberes” que não me cabe mais. A sensação é
parecida com o insistir em calçar um sapato que o número ficou menor.
Este uso só traz sofrimento e calosidades. É chegada a hora de esvaziar
para conhecer melhor. Conhecer não é ser dono, aprisionar na caneca
verdades e certezas. Conhecer está mais próximo de se lançar, sair para
além de si, tomar consciência.
A consciência é o movimento do olhar. Se este olhar estiver significativamente preenchido de
verdades e certezas inquestionáveis ele não irá além, em direção ao
outro, porque é prisioneiro de si mesmo. Provavelmente você já deve ter
tido a oportunidade de conversar com alguém que mal te escutou ou te
percebeu. É como se ele estivesse conversando ou relacionando com ele
mesmo. Às vezes, chega a acontecer de você falar algo e instantes
depois, a pessoa fala exatamente o que você havia dito, como se aquela
ideia ou expressão fosse dela e não sua. Ela estava tão contida nas suas
verdades e certezas que perdeu a oportunidade de interagir com você.
Essa interação, onde eu tenho que me lançar, sair de mim e ir ao encontro do outro, me
ajuda a descobrir quem eu sou. Porque quem eu sou eu descubro não nas correntes de verdades e
certezas que me aprisionam, mas quando eu me permito ir em direção ao que eu quero me tornar.
Diferentemente de qualquer outro ser, seja animal, vegetal ou objeto confeccionado (ex.:
tesoura), segundo alguns pensadores, o ser humano NÃO tem uma natureza pré-estabelecida.
PARA PENSAR MAIS:
JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712-1778)
Rousseau, em seu livro “O Discurso Sobre a
Origem da Desigualdade Social” ao citar o gato
nos dá o exemplo de que precisávamos. Ele
menciona que quando o gato nasce ele já nasce
com tudo que precisa para ser gato. De tal
maneira que, a natureza que permite que o gato
nasça é a mesma que permitirá ao gato viver até
o fim da sua vida. De tal forma que “O GATO
NÃO APERFEIÇOA”, o gato não melhora na arte
de viver.
Se ele já nasce pronto não há por que aperfeiçoar. Todas as dificuldades enfrentadas pelo gato
serão resolvidas pela sua natureza-instinto de gato, pela sua essência de gato. Sua vida é pautada
por essa natureza.
Se você colocar, lado a lado, uma tartaruga que acabou de sair do ovo e um recém-nascido, a
tartaruga é tartaruga em segundos, o recém-nascido não é homem/mulher no mesmo instante. Ele
vai se tornando homem/mulher no decorrer de toda sua vida.
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Embora o ser humano também tenha algum instinto, seu instinto não é suficiente para que ele
resolva seus problemas existenciais. Se o homem respeitar os seus instintos, ele desaparece. Exatamente por isso ele tem que ir além, porque terá que resolver problemas que a sua natureza não
resolve. Ele terá que dar soluções para além dos seus instintos.
Rousseau nos lembra que o homem tem que aprender a viver. Por isso temos escolas.
Não nos consta que gatos, pombos, tartarugas e outros, tenham construído escolas para si.
Eles vivem sem precisar aprender.
A vida humana não está pronta nem na sua trajetória pessoal nem na sua vida em
comunidade. Ao compararmos a vida das pessoas há dois mil anos com a vida das formigas, nesta
mesma época, constataríamos que as formigas, tanto singular quanto de forma coletiva, vivem hoje
da mesma forma que viviam antes. Ao passo que a nossa vida é significativamente diferente. Por
isso além da Cultura e Educação também temos a política. Não há política nos formigueiros.
Rousseau preocupou substancialmente tanto com a educação quanto com a política. Duas de
suas principais obras são: “Emilio” (educação) e “Do Contrato Social” (política).
JEAN PAUL SARTRE (1905-1980)
Em seu livro “A Náusea”, Sartre também nos dirá que
NÃO existe uma natureza ou essência humana.
Imagine, por exemplo, uma tesoura! Como será que surgiu
a primeira tesoura? Alguém pensou em um jeito de cortar
(papel, pano...) e imaginou que se tiver uma lâmina assim,
outra sobreposta, e uma forma de apertar as duas
lâminas, ai teríamos uma tesoura.
Foi bolado um plano, uma ideia, uma essência de tesoura e a partir daí estruturou-se um
esquema de execução da ideia de tesoura e a primeira tesoura foi feita. Neste caso, o da tesoura, a
essência vem antes da existência, o que equivale dizer que a ideia da tesoura veio antes da tesoura.
Por muito tempo, e até mesmo hoje, muitos acreditam que em igual sentido, o homem, tal qual a
tesoura (o gato, o repolho, a ameba...), tem uma essência (natureza) que vem antes da sua
existência. Esta natureza/essência é quem dá as ordens, é quem diz o que o ser humano é e como
deve proceder.
Sartre diz NÃO, NÃO e NÃO!
“A EXISTÊNCIA DO SER HUMANO PRECEDE SUA ESSÊNCIA”.
Eu não sou um gato, eu não sou uma couve-flor, eu não sou uma tesoura, eu
não sou a materialização de uma ideia. Eu existo e a partir desta minha
existência é que vai se formando a minha essência. Por isso sou livre para
existir e é na liberdade, nas minhas escolhas conscientes que vou me
definindo. Por isso tenho que me lançar me projetar para além de mim
mesmo, porque não sou um ser pronto, sou um ser em PROCESSO, em
construção. Não posso me fixar em uma ideia pré-estabelecida de mim mesmo, porque sou quem
me permito estar sendo, sou o que quero me tornar.
Ser o que se quer tornar implica em ter que pensar (por na balança) para viver. Às vezes
sinto que isso é bom. É bom ter liberdade para decidir. Mas por outro lado, às vezes não é tão bom
assim e me entristeço por não saber o que fazer da minha vida.
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Essa tristeza especificamente existencial foi muito trabalhada pelo filósofo SOREN
AABYE KIERKEGAARD (1813-1855), a que ele chamou de angústia. A angústia é a
própria possibilidade da liberdade e o medo que essa possibilidade gera. É preciso
CORAGEM para ir além.
Segundo Kierkegaard, “Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar é
perder a si mesmo. E aventurar-se no sentido mais elevado é precisamente tomar
consciência de si mesmo”.
Não é fácil viver e mais difícil ainda é nos responsabilizar por nossa vida. Por isso, às vezes, o que
mais queremos é tirar férias de nós mesmos, ou que alguém nos dê
“colo”, melhor ainda, nos carregue no colo. Talvez por isso,
mecanismos como autoajuda, crenças, estereótipos e definições que
nos digam o que fazer ou como agir, desperta em alguns de nós
tanta gratidão e benevolência. É como se tirassem o peso dos
nossos ombros. São mecanismos que aparentemente cuidam de nós
à medida que diminuem a dor que a angústia nos causa. Porém, o
fato de diminuir a dor e não resolver as questões que as causaram
acaba criando um novo problema que é a diminuição da
autoconfiança e o aumento na crença de que as soluções para os
meus problemas estão fora de mim, quando na verdade não estão.
O maior especialista da minha vida sou eu mesmo. Estes artifícios
só diminuem a soberania que tenho sobre mim.
Autoajuda é só a ponta do iceberg contemporâneo. Se olharmos a história da humanidade o
que não faltará são exemplos cruéis de subordinação.
O comportamento de abrir mão da liberdade para definir a vida em nome de uma crença em
uma essência que escraviza, Rousseau chama de imbecilidade.
Sartre em sua obra “O Ser e o Nada” nos dá o exemplo de um garçom de um café. Veja o
garçom de café tão convencido de ser garçom de café que age como se fosse um garçom de café,
estereotipicamente. Primeiro ele se convence que é um garçom de café. Depois ele condiciona ou
escraviza sua vida pela crença em ser somente um garçom de café.
Quase todos nós conhecemos uma pessoa que já teve uma situação de vida econômica boa
e acabou perdendo este status. Mesmo estando desprovida de recursos ainda teima crer que é o que
não é mais. E o pior, age como se fosse melhor que os outros. São pessoas enrijecidas pela convicção de ser alguma coisa.
Sartre chama de MÁ FÉ quando respeitamos uma essência imaginária (ilusão)
que aparentemente facilita a vida, mas, no fundo, subordina a consciência.
Ainda que a sociedade nos condicione e oprima não deveríamos jamais abrir
mão da nossa liberdade de perceber e pensar a nossa vida a partir de nós
mesmos. Quem abre mão dessa liberdade não comete somente uma falta ética,
mas também trai a si próprio porque a consciência é antes de tudo, liberdade.
Nelson Mandela é um grande exemplo do que estamos falando. Mesmo preso,
não abriu mão da sua liberdade.
A consciência ou o sujeito não é algo definido. Vou descobrindo a minha existência na medida
em que vou vivendo e me lançando ao que ainda não é, mas pode vir a ser. Vou
me PROJETANDO. Sartre diz que o homem está condenado a ser livre justamente
por sempre se projetar. Fazendo referencia ao filme “Mãos talentosas”, qualquer
pessoa pode vir a ser o que quiser, contanto que ela trabalhe para isto.
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Nossa liberdade, neste contexto, não é liberdade, é LIBERTAÇÃO! Somos livres para nos libertar ou
no mínimo, para tentar.
Se você não sabe o que fazer da sua vida, não será difícil encontrar tiranos, gatunos,
canalhas e espertalhões para trabalhar em cima da sua angustia. Farão dos programas existenciais
que a eles interessam, soluções para sua angústia. Não tenha dúvida que a angustia humana, há
tempos, direta ou indiretamente, vem ajudando a movimentar, e muito, o mercado financeiro.
Débora Moreira Amorim
CONTEXTUALIZAÇÃO
Os filmes, “Sombras de Goya”, “A Lista de Schindler”, “O Menino de Pijama Listrado”, “A Vida
é Bela”, são alguns dos muitos exemplos de cruel subordinação vividos pela humanidade e o quanto
é preciso aprender a mudar o foco do olhar para resignificar o que a vida nos oferece.
Sombras de Goya apresenta um cenário épico do século
XVIII e mostra o poder da Igreja Católica sobre a sociedade
espanhola, o que leva o povo a uma nítida censura de
pensamento, onde ler os filósofos iluministas franceses é algo
condenável. A arte não sacra como a do pintor Goya também
não é vista com bons olhos pelos clérigos do Santo Ofício.
Em sua trama, Sombras de Goya mostra a dramática história
de Inês, filha de um rico comerciante espanhol que é presa
sobre a acusação de seguir o judaísmo, profissão de fé
condenável pela Igreja Romana, ela é torturada e acusada de
heresia injustamente, depois de passar anos na prisão vive
sobre a miséria e a sombra de uma filha que concebeu no
cárcere, enquanto isso o jogo do poder político na Espanha é
alterado com a ocupação de Napoleão Bonaparte, imperador
da França.
Lista de Schindler conta a história controversa de Oskar Schindler
(Liam Neeson – atuação perfeita) m típico fanfarrão, simpatizante do
nazismo, rico, mas que pela sua extrema solidariedade para com o
ser humano, é capaz de “perder” toda a sua fortuna, em prol de
salvar mais de mil judeus dos campos de concentração. Schindler
usava a sua fortuna para comprar tudo que bem entendia: mulheres,
bebida, bens, produtos no mercado negro, além de pessoas do alto
escalão da Gestapo. Em uma dessas transações, ele
conhece Itzhak Stern, um contador judeu, que lhe convence de que
a mão de obra judia é a melhor e mais barata que ele pode
conseguir. A partir daí, Schindler passa a contratar judeus para
trabalhar com ele. Logo depois, a guerra eclode ainda mais, e Hitler
lança a campanha “Solução Final”, cujo objetivo era acabar de vez
com os guetos. Em vista de perder a sua mão de obra barata, Schidler, faz um acordo que os seus
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funcionários sejam colocados em um local mais seguro. Porém, a sua versão humana fala mais alto,
quando em visita a um dos campos de extermínio, onde presencia a real situação na qual estão os
ditos “não arianos”, ele acaba fazendo a famosa “lista”, com a ajuda de Stern, onde constam
os 1.100 nomes que comporiam a lista, Schindler viria a pagar um boa soma de dinheiro a Goeth
(Amon Goeth comandante de Auschwitz, interpretado por Ralph Fiennes, em sua estreia no cinema),
que tomaria as medidas necessárias para o que o desvio de rota fosse bem sucedido, levando os
presos para a Tchecoslováquia e não para Auschwitz. “Schindler fundou a fábrica de utensílios de
cozinha Emalia para enriquecer com a guerra. Nela empregou entre 1939 e 1944 muitas centenas de
judeus. Eram a sua força de trabalho, empregados especializados, mesmo que não o fossem, não
deixavam de ser escravos. Pensou, durante algum tempo, que bastava aos seus judeus e aos outros
manterem-se saudáveis para chegarem ao fim da guerra vivos. Percebeu que não, depois percebeu
que iam morrer todos e usou o que ganhara com eles para salvar alguns. Mais de mil. Schindler
escreveu os seus nomes numa lista e deu-lhes vida”
A Vida é Bela conta a história do judeu Guido que se muda do campo para a cidade nos anos 30
onde se apaixona por uma professora chamada Dora depois de cinco
anos eles estão casados e tem um filho chamado Josué Guido junto
da sua família e seu tio eles são capturados e levados para um
campo de concentração e Guido para amenizar o sofrimento do filho
faz com que Giosué acredite que aquilo tudo não passa de uma
grande brincadeira no qual se acumulam pontos e quem conseguisse
mais pontos ganharia o tanque de guerra.
Para assistir, acesse o código QR ao lado, ou o
link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=Ve33bdNeksY
Adaptação do livro A Menina que Roubava Livros, do australiano Markus
Zusak, o filme acompanha a história de Liesel Meminger. Durante a Segunda
Guerra Mundial, Liesel e seu irmão são deixados pelos pais e adotados por
um casal vivido por Geoffrey Rush e Emily Watson. O garoto morre no trajeto
e é enterrado por um coveiro que deixa cair um livro na neve. Ela aprende a
ler com o incentivo de sua nova família e Max, um judeu refugiado que eles
escondem baixo às escada. Para Liesel e Max, o poder das palavras e da
imaginação se transformam em escape dos tumultuosos eventos que
acontecem ao seu redor. Em meio ao caos, a jovem encontra refúgio na
literatura para sobreviver. Ajudada por seu pai adotivo, ela passa a roubar
livros e descobrir neles a esperança perdida durante a guerra.
Para assistir, acesse o código QR ao lado, ou o link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=mm9KEYo0e_I
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Filosofia, Ética e Cidadania: educação para a formação do jovem e do adulto na sociedade
TRABALHO:
Assista a pelo menos um dos filmes sugeridos, relacionando-o ao poema de Bertolt Brecht, “Nunca
digam – Isso é natural!” e à obra Saturno, de Goya (1746-1828). No quadro abaixo expresse através
de desenho ou relato, o que sentiu ao fazer a correlação.
"Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável."
Bertolt Brecht (1898-1956)
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Filosofia, Ética e Cidadania: educação para a formação do jovem e do adulto na sociedade
UNIDADE 6 – O AMOR ESTÁ NO AR
É PRECISO DESCONSTRUIR PARA CONSTRUIR.
NOSSA LIBERDADE SE FAZ NO CAMINHO
Nossa liberdade é libertação, estar livre. Livre do quê?
Tanto a palavra Libertar quanto Salvar, se refere a livrar. Do
que o ser humano deve se livrar? Ou se preferir, o que esvaziar de
nossa caneca? Principalmente o que bloqueia, paralisa, danifica,
enrijece a consciência. A consciência não é algo que já está pronto,
é o processo constante de vir a ser, é a forma de olhar, que quanto mais “limpa” mais livre. Lembrome de uma antiga e sábia historinha em que alguém olhava pela janela de sua casa e comentava o
quanto as roupas da vizinha, penduradas no varal, estavam sujas e mal se dava conta que o que
estava sujo era o vidro da sua Janela. Há também uma passagem bíblica que se refere ao fato de
não podermos conduzir ninguém se não extrairmos o cisco do nosso olhar.
Imagine se vendo, dentro da sua casa, a olhar no olho mágico da sua porta. Você dará conta
do que está do lado de fora, porém a visão não é ampla, pelo contrário é focada, reduzida. Nossa
consciência é como o olho mágico que nos permite ver de forma focada e reduzida. Porém, quanto
mais VOCÊ amplia esta abertura, tanto melhor será sua visão. Ampliar a abertura é limpar nossa
janela, extrair de nós o cisco e com ele tudo que bloqueia, paralisa, danifica e enrijece nossa vida.
Como fazer?! Não há uma fórmula mágica e única. Cada um tem que descobrir o seu
caminho. Mas há um fato que pode nos ajudar nessa descoberta. A saber, as maiores e mais
significativas mudamos que fazemos em nossas vidas são feitas por Amor. O Amor não é interpretado de forma única.
Para trabalhar a visão sobre o Amor a partir de Platão, Aristóteles e Jesus Cristo, tomaremos
partes da palestra “Amor”, ministrada pelo professor Clóvis de Barros Filho, Doutor em Direito
(Universidade de Paris) e em Comunicação (USP), e consultor de Ética da UNESCO.
O professor Clóvis distingue a moral do amor pontuando que existe moral toda vez que
escolhemos um caminho, toda vez que decidimos por algo e descartamos as outras possibilidades
de vida. O ato de descartar essas possibilidades, conscientes ou não, é uma opção por não vivê-las.
Há aqui uma decisão racional, uma escolha. O amor não é escolha. Surge sem que tenhamos
decidido e vai embora sem que nada possamos fazer para impedir. Amor e moral não tem nada
haver. No entanto é fácil perceber que na hora em que usamos a inteligência para fazer nossas
escolhas, o amor possui um grande peso.
Quem ama se dá e se dá por amor, não há aqui generosidade. A generosidade é uma atitude
moral que imita a atitude de quem ama. Se há imitação é porque não há amor. Mas ainda assim, por
escolha, se quer agir de forma semelhante. É uma decisão pensada. É uma decisão ética.
PARA PENSAR MAIS:
PLATÃO (427/347 A.C.) em sua obra “O Banquete”, explica o Amor como Eros.
Amar, enquanto Eros é desejar. Você ama aquilo ou aquele que deseja. Você ama
enquanto e na intensidade que deseja. A má notícia é que se o desejo acaba o amor
também acaba. Amor e desejo é a mesma coisa. Se Eros é desejo, desejo é o quê?
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Desejo é a falta. É a busca do que faz falta. É a energia para buscar o que ainda não se consegue
fazer. Resumidamente, você ama aquilo que deseja e deseja aquilo que não tem.
E quando tem? Ai não deseja mais. Se não deseja mais, não ama mais. É um “amor de
vitrine”. Olho e quero muito, desejo a possibilidade de tê-lo. Ao adquirir/possuir já não desejo mais. O
amor desaparece. Coloco o amor na estante ou em um baú de coisas assassinadas pela presença,
pela posse, um baú de desejos mortos pelo consumo.
Quem pode querer andar? Quem não anda porque quem anda, anda. Se o amor é desejo ele é
sempre desejo por aquilo que não temos. E se por ventura algum dia tivermos, deixaremos de amar.
Ao olharmos boa parte das empresas que existem hoje em dia perceberemos que elas são
fundamentalmente caracterizadas pelo Eros de Platão. O que uma empresa projeta? Metas. Meta é o
que a empresa já conquistou? Já faz parte do patrimônio da empresa? Já é o lucro a comemorar?
NÃO! Meta é o que falta. O que se espera do funcionário? Amor pela meta. Eros. Excitação pelo
lucro do patrão. Loucura pela conquista do dinheiro que pode ir para a mão do concorrente. É isso
que se espera.
Nascemos em um mundo que neste sentido já é erotizado. Vivemos boa parte da nossa vida
acostumados a perseguir “amores de vitrine” e “cenouras”. O que é perseguir cenouras? Quando
criança, próximo à casa dos meus avós, no interior, via a cena e achava cruel. Era amarrada uma
cenoura em um fio preso à ponta do cabo de uma vassoura e sobreposta, em cima e à frente, da
cabeça de um jumento, de tal modo que ele corria atrás da cenoura o tempo todo, tentando alcançála para comer, mas, este momento nunca chegava. Com isto ele se tornava mais ágil em relação aos
interesses do seu dono. Não muito diferente passamos a vida toda perseguindo coisas com o intuito
de se “chegar lá”. Esse chegar lá nunca chega ou nunca chega como queríamos. Passamos a maior
parte da nossa vida nos preparando para enfim dizer: a vida chegou, não tenho que perseguir mais
nada. Agora eu cheguei, consegui, posso usufruir, posso viver feliz! “Só que não”!
No mundo do consumo não há plena satisfação. O vizinho compra um celular, você compra
também. O vizinho compra um carro, você compra também. O vizinho compra um carro com teto
solar, você compra também... Ai, você percebe que sempre haverá o que você não tem e sua vida
será uma busca incessante e uma eterna frustração.
Definitivamente, essa vida em que passamos o tempo todo perseguindo coisas que não
temos, é um saco sem fundo, uma vida que por si só não vale a pena.
ARISTÓTELES (384-322 A.C.), questiona o amor como Eros.
Não pode ser só isso, só desejo. A vida desejante é infeliz. Em sua obra
“Ética a Nicômaco”, Aristóteles propõe o amor como alegria, que é o
amor pelo que você já possui e te faz bem (Philia). Philia - Philos
equivale à amizade, amor. Se desejo é a busca do que não temos e nos
faz falta, o que é a alegria? Alegria em Aristóteles é a passagem para
um estado mais potente do PRÓPRIO ser. Nossa potência de agir oscila.
Ora estamos em alta, ativo, animado inspirado... ora estamos em baixa,
desanimado, angustiado, deprimido. Quando passo de uma potência
baixa para uma alta, isto gera em mim alegria.
O fator que gera essa passagem é da ordem pessoal, não vale para qualquer um. O que me
faz sentir alegre não é necessariamente é o que te faz alegrar-se. É um fator que cada um tem que
achar o seu. Não existe modelo-fórmula ideal que se encaixe para todos da mesma maneira. A
minha forma de alegrar-me só funciona comigo e a sua, contigo. Se alguém prometer lhe dar a
fórmula mágica, os “10 passos” para ser feliz ou algo que o valha, duvide, é balela, picaretagem.
Quem lhe promete tal feito está zombando da sua inteligência.
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Filosofia, Ética e Cidadania: educação para a formação do jovem e do adulto na sociedade
Se alguém perguntar: O que faço para
alegrar-me? A resposta do professor Clóvis é, vai
viver, observe, “conhece-te a ti mesmo”, esteja
atento a sua vida.
Se Platão foi um grande mestre e disse
que amor é desejo pelo que falta, se Aristóteles
foi um grande mestre e disse que Amor é alegria
pelo que não falta, com qual dos dois eu fico?
Talvez uma sábia resposta seja, fique com os
dois. Nada te impede de amar o que você não
tem e nada te impede de também amar o que
você já tem.
Porém a alegria é muito mais rara que o desejo. Segundo o professor Clóvis isto acontece
porque fomos condicionados a correr atrás de nossas cenouras. Não fomos preparados para a
alegria. Na própria educação por várias vezes a alegria é punida e comparada à imaturidade. É
comum nos incentivar a desejar e nos desencorajar a alegrar-se. No mundo das empresas não é
diferente. Muito se ouve: “É preciso sair da zona de conforto”.
De Eros para Philia subimos um degrau.
Querer tocar o corpo de qualquer ícone de beleza como, por exemplo, o da Juliana Paes ou
do Rodrigo Santoro, é para todo mundo. Viver com a mesma pessoa e depois de anos conseguir se
alegrar com ela, requer espírito elevado e maturidade afetiva. Por que desejar todo mundo deseja,
alegrar-se não é tão simples assim.
Agora subiremos mais um degrau ao relatar o amor proposto por Jesus Cristo. Repare aqui
que não estamos nos referindo à religião ou religiosidade. Estamos explicitando uma breve ideia
sobre o amor, falada por três grandes mestres na história da humanidade.
O amor de JESUS não é Eros nem Philia porque não é o desejo nem a alegria de quem ama.
Jesus o chamará de Ágape. Ágape é o amor por qualquer um. Amor ao próximo é amor por qualquer
um. E se o amor de Jesus é por qualquer um não pode ser desejo, porque não desejamos qualquer
um. Se for por qualquer um não pode ser alegria, porque não é todo
mundo que nos alegra.
Para entender o amor Ágape é preciso que você perceba a diferença:
Em Eros o que importa é que quem deseja sou EU, o amante. O amado
eu troco. Ex.: desejo uma pamonha, amor pela pamonha. Desejo um
carro, amor pelo carro... Você substitui o amado (sublimação). Na alegria
sou EU que me alegro e o amor é por tudo que me alegra. Em Ágape é o
oposto. O que importa é o amado. E o amante tudo fará pelo amado.
Não por obrigação ou generosidade, simplesmente por amor. Entendemos o amor Ágape quando a dor do outro me incomoda tanto que me
doeria menos se eu estivesse no seu lugar.
Se fosse perguntado ao professor Clóvis o que a vida tem que ter
para ser boa, ele lhe diria:
Primeiro, deseje muito o que te faz falta, porque a vida nunca vai ser boa na derrota e na frustração.
Mas, perceba que só o desejo não basta.
Depois, permita-se a alegria. Consiga se alegrar com o que você já tem e, sobretudo perceba que
depois de uma conquista que te alegra, se você não tiver com quem comemorar, sua alegria durará
muito pouco e morrerá asfixiada pela solidão.
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Enfim, preocupe-se também em proporcionar alegria a quem está a sua volta e você verá que a sua
própria alegria durará um pouco mais.
Com esses três requisitos não têm como a vida dar
errada. O problema é que nem sempre o amor dá
conta. Vivemos com muitas pessoas e amamos
muito pouco. Por isso a ética é tão importante. A
ética é a busca de melhorar uma convivência sem
amor. É a busca da melhor forma de conviver. Este
aperfeiçoamento é proporcionado pela inteligência
compartilhada, é inteligência a serviço da vida. O
Amor e a Ética são os caminhos mais confiáveis
para os instantes de vida feliz.
A ética está ligada ao que se espera encontrar (esperança). De
uma torta de morango, por exemplo, se espera que tenha gosto
de morango. Embora muitas vezes não tenha, embora seu gosto
seja artificial, é o gosto do morango que se espera dela. Da
mesma forma a vida deve ter gosto de felicidade. Gosto de
felicidade, aqui, está relacionado a tudo que você gostaria que
durasse um pouco mais. Se eu passo o dia esperando o fim do
dia, a semana esperando o
fim de semana... Estou
torcendo para que a vida
acabe rápida. Felicidade é o
contrário. Se você torce para
não acabar é porque está
valendo à pena viver deste
jeito. Se você estiver torcendo
para acabar, para o tempo
passar rápido, troque de vida.
Ninguém merece ser o patrocinador da sua própria tristeza. Se
andas a procura de metas, dar causa a felicidade de alguém é a
única meta que vale a pena conseguir.
Uma vida sem pensamento é totalmente possível,
mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência
ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva.
Homens que não pensam são como sonâmbulos.
Hannah Arendt (1906-1975)
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CONTEXTUALIZANDO
Sonhar
Mc Gui
Não nasci na rua mas me joguei nela
Criança quer ser jogador pra dar pra
Sou mero aprendiz na vida de favela
Família um futuro melhor
Tenho certeza que a fé nunca morre
Acende essa luz ai no fim do túnel
E a vida real não parece novela
Que é pra esse menor no futuro enxergar
Se hoje eu tenho quero dividir
Se hoje eu tenho quero dividir
Ostentar pra esperança levar
Ostentar pra esperança levar
Pras crianças nunca desistir
Pras crianças nunca desistir
Um sonho que leve a gente acreditar
Um sonho que leve a gente acreditar
Peço pra Deus o caminho iluminar
Acredito e tenho o pé no chão vou fazer
Que a luta que eu travo não me traga dor
Um som me jogar no mundão
Eu faço o possível pra gente ganhar
Quero ser do bem não importa o estilo
A guerra de miséria que a gente criou
Com tanto que tenha tudo que eu preciso
Cê tá ligado, o quanto é difícil
Minha família tá sempre aumentando,
Quado lá em cima querem derrubar
meus amigos
Mas quando embaixo se pede ajuda
Só vem pra somar, quando eu sinto
Ninguém da a mão se é pra te levantar
Que tá me atrasando já chuto pra longe
Pra não mais voltar
Sonhar, nunca desistir
Ter fé, pois fácil não é e nem vai ser
Sonhar, nunca desistir
Tentar até se esgotar suas forças
Ter fé, pois fácil não é e nem vai ser
Se hoje eu tenho quero dividir
Tentar até se esgotar suas forças
Ostentar pra esperança levar
Se hoje eu tenho quero dividir
Ostentar pra esperança levar
Sonhar, nunca desistir
Ter fé, pois fácil não é e nem vai ser
Sonhar, nunca desistir
Tentar até se esgotar suas forças
Ter fé, pois fácil não é e nem vai ser
Se hoje eu tenho quero dividir
Tentar até se esgotar suas forças
Ostentar pra esperança levar e o mundo sorrir
Se hoje eu tenho quero dividir
Ostentar pra esperança levar e o mundo sorrir
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Filosofia, Ética e Cidadania: educação para a formação do jovem e do adulto na sociedade
O filme conta a história de Michael Oher (Quinton Aaron), um jovem negro
vindo de um lar destruído, que é ajudado por uma família branca, liderada
por Leigh Anne (Sandra Bullock) que acredita em seu potencial. Com a
ajuda do treinador de futebol, de sua escola e de sua nova família, Oher
terá de superar diversos desafios a sua frente, o que também mudará a
vida de todos a sua volta.
TRABALHO:
A partir de tudo o que foi visto até aqui, responda: Por que é importante aprender Filosofia?
Após desenvolver sua resposta, sinta-se à vontade para fazer críticas e ou sugestões que julgar
pertinentes.
NOTA: Palavras que inspiraram a construção deste módulo:
ACEITAR – ACREDITAR – CONSTRUIR
Aceitar quem fomos (reconhecer), acreditar
em quem somos e construir quem seremos.
Débora Moreira Amorim
REFERÊNCIAS
1. Chauí M. Iniciação à Filosofia. 1ª. ed. São Paulo: Ática, 2012.
2. Aranha MLA, Martins MHP. Filosofando: introdução à filosofia. 4ª. ed. São Paulo:
Moderna, 2009.
3. Marques M, Kauark P, Birchal T. CBC – Proposta Curricular de Filosofia. Secretaria
de Estado e Educação de Minas Gerais.
4. Cotrin G, Fernandes M. Fundamentos da Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Col. Magistério 2º Grau. Série Formação Geral.
5. Cortella MS. Pensar Bem nos Faz Bem! (Filosofia, Religião, Ciência e Educação). 1ª
Ed. Petrópolis: Vozes, 2014
6. De Barros Filho C. A Filosofia Explica Grandes Questões da Humanidade. 1ª Ed. Rio
de Janeiro. Casa da Palavra, 2014.
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