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15 de maio de 2012 Por Peter Temple Wake in Fright foi publicado pela primeira vez em 1961 quando Kenneth Cook tinha trinta e dois anos. Era seu segundo romance, o primeiro fora retirado de circulação por causa de uma ameaça de ação legal. Foi um sucesso editorial, publicado na Inglaterra e nos Estados Unidos, traduzido para várias línguas, e adotado como leitura obrigatória nas escolas. Embora faça quatro décadas que o livro foi publicado, ele retem seu frescor, sua narrativa ainda envolve, e sua visão sombria ainda inquieta. A versão cinematográfica, dirigida pelo norte-americano Ted Kotcheff e com um elenco que incluía um Donald Pleasance transpirando maldade, também encontrou aprovação da crítica ao ser lançada. Fora da Austrália, o filme foi chamado Outback (e provavelmente fez o turismo australiano A cada 15 -Peter Temple regredir pelo menos vinte anos). Sua sequência de abertura permanece na mente — o panorama 360 graus de uma paisagem plana, vazia, o pub solitário, desconfortável e rodeado de moscas, o trem de brinquedo avançando gradualmente pela planície, o jovem homem de expressão honesta esperando na plataforma tosca. Wake in Fright é sobre os cinco dias de um jovem professor em uma árida cidade mineradora no outback chamada Bundanyabba (“Yabba” para os locais). John Grant não planeja passar cinco dias ali; ele está de passagem por uma noite antes de pegar o avião para Sidney, a 2000 quilômetros. Ele já percorreu seis horas de trem de sua escola de uma única sala em Tiboonda, um nome outorgado a um pub e duas cabanas carcomidas flutuando em um mar de poeira. Nas palavras de Grant, no início da história, em lugares como Tiboonda “um homem sentia que tinha que ou beber ou explodir seus miolos.” (ainda não havia passado por sua cabeça que escolher o primeiro não evitaria o segundo). Uma noite a passar em Yabba. Uma noite quente. Então o avião para Sidney, o mar, a civilização, seis semanas para impressionar a deliciosamente inacessível Robyn. Mas, nessa noite quente em Yabba, Grant vai a um pub enfumaçado, barulhento. Algumas horas febris depois, ele não tem nada. Está completamente falido. Ele foi de um homem com um cheque de seis semanas de pagamento de férias e vinte libras em dinheiro para alguém que tem dois xelins e onze cigarros em seu nome. Pela manhã, de ressaca, Grant toma seu café da manhã de hotel pelo qual já havia pagado, pega suas malas e perambula pelas ruas. Às 9:30, os montes de entulho se agitam no mormaço, o asfalto está começando a borbulhar. Desesperado, com sentimento de culpa, pânico em sua garganta, ele entra em um pub, compra um copo pequeno de cerveja, planeja bebericá-lo. Um homem local de meia idade faz amizade com ele. Ele aceita uma cerveja. Uma segunda cerveja. Os dias seguintes passam como em um pesadelo, uma névoa induzida pelo álcool na qual Grant está em companhia de estranhos sombrios cujas ações e razões são um mistério para ele. Quando o nevoeiro se ergue, o John Grant educado, nascido em Sidney, não existe mais. Agora existe um 15 de maio de 2012 homem que se odeia em um parque deserto; sujo, tresnoitado, hálito de coelho meio cru, sentado apoiado em uma árvore e olhando para um rifle, uma bala sobrando. O ex-primeiro ministro australiano Paul Keating uma vez disse de sua cidade natal: “Se você não mora em Sidney, você está acampando.” O sentimento faz uma distinção clara entre os dois mundos australianos, entre centro e periferia. Kenneth Cook nasceu em Sidney, onde frequentou a Escola Para Garotos de Fort Street. Sua cidade fictícia de Bundanyabba é baseada em Broken Hill, onde ele passou algum tempo como jornalista. A experiência de Cook tanto em Sidney quanto acampando lhe deu uma visão de que havia duas Austrálias (e dois tipos de australiano, quase que duas espécies). Uma é representada por John Grant e pela Sidney classe média, de colarinho branco: urbana, educada, sofisticada. A outra é o interior, o mundo rude, esmagado pelo calor, entornador de cerveja, de colarinho azul, representado pela insignificante Tiboonda e por Bundanyabba, ambas no meio do nada: “em algum lugar não distante naquele mormaço trêmulo estava a fronteira de estado, marcada com uma cerca quebrada... mais adiante no calor estava o centro silencioso da Austrália, o Coração Morto.” John Grant está no outback porque é a única maneira de pagar por seu contrato de professor. Ele está no exílio tanto quanto qualquer condenado inglês. Para seu trabalho como professor ele olha com toda a desesperança do missionário pregando o evangelho a pessoas que não entendem uma palavra do que está dizendo. Ele combina um profundo desgosto pela paisagem e o clima do interior com um desprezo por seus habitantes brancos. Essa desafeição é manifestada desde as páginas iniciais: “Mais um ano neste remendo de cidade, ele próprio um excluído em uma comunidade de pessoas que estavam em casa na terra desolada e assustadora que se espalhava em torno dele agora mesmo, quente, seca e insensível consigo mesma e com as pessoas que diziam possuí-la.” Cook não terá nada do que o historiador Richard White chamou de “iconografia familiar do outback da Austrália — a fazenda, as ovelhas, o eucalipto solitário e o aborígene orgulhoso.” Para ele, o lugar é uma variação do inferno. E a habilidade de estar em casa na “terra desolada e assusta- A cada 15 -Peter Temple dora” é uma falha nas pessoas do outback. Há algo de errado com elas por aturarem esse lugar inóspito. Elas não são as vítimas inocentes da terra solitária, árida; elas fizeram uma escolha não natural de viver nela que reflete a sua própria natureza perturbada, até mesmo perversa. Seu epítome é o personagem Doc Tydon de Cook. Somente no outback poderia ser aceito o bêbado distribuidor de cerveja choca e benzedrina, vagamente sinistro. É claro, escritores australianos (e outros, principalmente D. H. Lawrence) sempre foram indelicados a respeito de personagens australianos em geral. Na década de 1940, o poeta James McAuley escreveu: As pessoas são frias, amavelmente, com nada dentro delas, Os homens são independentes mas não se poderia dizê-los livres Os lábios de Cook se contraem tão cruelmente quanto os de qualquer um em seu desgosto, mas este é reservado aos habitantes brancos do interior. Seu personagem John Grant é um “australiano costeiro”, algo que o coloca acima das pessoas do interior. Sidney, a civilização, escapar do calor e do clarão, essas são as coisas nos sonhos de Grant. E o mar, acima de tudo o mar: deitar-se no mar, lavando a poeira do outback. “O mar, dois mil quilômetros para o leste, tinha se erguido e se encolhido em suas marés, do começo ao fim do dia durante um ano, e ele não o tinha visto.” O anseio de Grant pelo mar, pela costa, é familiar na escrita australiana. A costa simboliza o lar, mulheres, um lugar onde as pessoas são civilizadas, refinadas, leem livros e conversam sobre ideias. Não é como o interior, que é alienado e masculino e desprovido de qualquer coisa assemelhando-se a uma vida cultural. A partir da costa os navios partem, e para um colono pôr o pé no convés de um navio com destino a casa já é estar em casa. O mar une todas as costas; desse modo a costa está ligada ao velho país; deixar a costa é esticar demais — e possivelmente partir — o cordão que une o exílio ao país materno, ao mundo. Era uma vez, Londres tinha Sidney. Ela tinha muitas Sidneys, uma em cada colônia. As Sidneys imitavam a metrópole colonial, simulavam seus costumes e maneiras, clonavam seus edifícios e suas instituições. E então as Sidneys ganharam suas próprias posses — seus Yabbas, suas colônias internas. Os homens iam a esses lugares em busca de fortuna, cavavam buracos, suportavam o calor, congelavam. Sem mulheres, encontravam formas de viver na ausência de afeições permissíveis. A lei que os seguia 15 de maio de 2012 punia os indígenas ao pé da letra. Mas descia seu cassetete de leve sobre os brancos que seguiam as leis não escritas. O que seriam crimes punidos com prisão nas Sidneys, era tolerado ou ignorado. E então os Yabbas, como os locais de encarceramento em todo lugar, instituições quase totais, tornaram-se seus próprios mundos. As pessoas neles primeiro pararam de olhar para fora, depois olharam para dentro, depois pararam de olhar. Elas simplesmente existiam. É um lugar assim que Grant captura tão bem em Wake in Fright. Yabba é uma cidade de homens, isolada na interminável planície vazia do interior, suas casas aglomeradas em uma ligeira eminência. À noite, de longe, o autor vê as luzes da cidade como parecendo aquelas de uma frota de navios parados em uma vasta enseada, escura. E Yabba é como um navio — não há para onde ir, é um mundo fechado com seus próprios rituais, costumes e punições. Ninguém a bordo pode ficar indiferente. Não ser absorvido, não buscar a absorção, é cometer uma transgressão. É esse desejo das pessoas de Yabba de sugar os estranhos, de processá-los, de homogeneizá-los, que o John Grant nascido na cidade acha difícil de entender. Mas ele sabe instintivamente que deve tentar manter essas pessoas ao seu alcance ou elas vão tomar posse dele, colonizá-lo. Em uma cena pivô, Grant sucumbe à generosidade de seu benfeitor no pub, Tim Hynes, e vai à casa dele. Aqui tudo é uma normalidade antiquada, classe média-baixa do subúrbio — a sala de estar escura, o tapete grosso, as poltronas, os cigarros em uma caixa decorativa na mesa de centro. A polida Sra. Hynes prepara uma refeição. A silenciosa Srta. Hynes é uma filha devotada, participa de uma conversa polida com o convidado. Não fosse o calor, poderia ser uma casa em Double Bay. Ainda assim, sentimos imediatamente que não é um lar pequeno burguês ordinário: a hospitalidade de Tim Hynes parece insistente demais, exigente demais. A Srta. Hynes pode ser um súcubo . A última coisa de que John Grant se lembra é alguém perguntando “O que acha de Yabba, John?” John Grant está achando Yabba por demais além da conta. Mas a provação do viajante ainda não acabou; Grant ainda tem um caminho a percorrer antes que saiba que está de volta às origens. Ainda por vir estão as cenas mais memoráveis — perturbadoras, obcecantes — do romance. Quando Wake in Fright foi publicado pela primeira vez, o respeitável A cada 15 -Peter Temple crítico norte-americano Anthony Boucher, escrevendo no New York Times, chamou Cook um “vívido novo talento.” De maneira geral, Boucher estava impressionado, mas discordou do editor que colocara o livro no “gênero do romance tenso de suspense”. Boucher via Wake in Fright como “um romance perfeitamente dentro dos padrões sobre tornar-se adulto.” Ele estava parcialmente certo a respeito disso. Não é um romance de suspense como a maioria das pessoas utilizaria o termo. É um romance de ameaça: a terra emana ameaça; as pessoas parecem sempre estar na penumbra, trocando olhares, escondendo suas intenções reais atrás de manifestações de generosidade. Também há a ameaça que acompanha a insolência de John Grant. Ele é arrogante e desdenhoso e por essas coisas sabemos que ele deve pagar um preço. E o “romance sobre tornar-se um adulto” que Anthony Boucher identificou? De algum modo, os cinco dias em Yabba contribuem para a passagem de John Grant à idade adulta. Ele é profundamente transformado pela privação, tentação e degradação que vivencia. O que é mais interessante, entretanto, é a regressão de Grant. Cook, como muitos escritores australianos antes dele, não tem confiança na durabilidade da armadura da civilização. Grant pode estar vestido em todos os ornamentos de uma cultura mais civilizada, mas por baixo deles ele é somente outro animal ereto brutal e concupiscente. Cook reconhece que uma certa flor negra dorme no coração humano, aguarda o momento certo para abrir suas pétalas de sangue. Na guerra, muitos homens descobriram esse horrível botão florescendo em si, sucumbiram a ele e foram assombrados por ele até mesmo na idade avançada conforme mancavam em filas de medalhas tintilantes para honrar seus próprios mortos. Wake in Fright é o trabalho de um jovem escritor: romântico, em certos momentos ingênuo. Ele também sofre de alguma incerteza de estilo e há problemas de equilíbrio. Essas são falhas, mas elas são sobrepujadas pelas forças do escritor. Cook consegue nos fazer sentir o calor, enxergar o horizonte sem fim, ouvir a triste cantoria em um trenzinho conforme ele atravessa a planície monótona: “As fazendas eram somente manchas amarelas de luz nas janelas, mas o maquinista soava o apito mesmo assim e, na escuridão, havia crianças acenando mesmo assim. E Cook tem variedade também. Ele captura o charme gelado, trans- 15 de maio de 2012 bordante, da primeira cerveja em um dia de calor intenso. Ele sabe como é ficar olho no olho com a sorte e encará-la através de um cômodo enfumaçado, sentir o merecimento irritadiço daquilo, ouvir a fortuna cantando docemente nas veias. E ele sabe coisas sombrias — o abismo apavorante que se abre quando a certeza desaparece, a selvageria no coração humano. Wake in Fright tem o poder de perturbar, uma coisa rara em qualquer romance. Peter Temple nasceu em 1946. Conhecido por seus romances policiais que têm o detetive Jack Irish como protagonista, Templeé dos mais aclamados e premiados escritores australianos da atualidade.