Imagem animada

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Imagem animada
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| Design | Lingua
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Eliane M. Gordeeff
Mestre em Artes Visuais (UFRJ)
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar a animação como uma expressão
artística que se utiliza de efeitos óticos para apresentar histórias
e visões de mundo, por intermédio de um processo projetual – o
design. A imagem animada é analisada enquanto resultado visual
de uma intenção de seu criador, como uma expressão da vontade
deste, onde essas imagens são criadas com o intuito de simular o
movimento e/ou criar uma história. Mas a construção eficaz destas
imagens somente é possível através de um sistema ordenado de
ações projetuais.
PALAVRAS-CHAVE:
Cinema de animação, Imagem expressiva, Imagem animada,
Design, Projeto de design
Animated Image: Expression and Design
Abstract
The objective of this article is to present the animation as an artistic
expression that uses optical effects to present stories and worldviews,
through a projectual process – the design. The animated image is
analyzed as an intension of its creator, as an expression of his will,
where these images are created in order to simulate movement
and/or create stories. But the effective construction of these images
is only possible through an ordered system of methodological and
projectual actions.
Keywords:
Animation Cinema, Expressive Picture, Animated Image, Design,
Design Project
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INTRODUÇÃO
Aristóteles (2006) já caracterizava o “movimento próprio” como
distinção entre os animais e as coisas estáticas: os que possuem
anima, e os inanimados.
Para o historiador Charles Solomon (1987, p.10), a palavra
animação é “imagem em movimento confeccionada quadro a
quadro a partir do início do século XX”, destacando-a das demais
artes visuais por ter no movimento sua singularidade. E para Rudolf
Arnheim (1986, p.365), “o movimento é a atração visual mais intensa
da atenção”.
Mesmo com todos os avanços tecnológicos e o desenvolvimento
da indústria de animação, esta permanece obedecendo aos mesmos
princípios desenvolvidos por figuras históricas como Winsor McCay,
Disney ou Norman McLaren. Ela continua sendo a arte de “dar alma”
a quem não a tem – considerando que o verbo “animar”, deriva do
latim animare, que significa “dar vida a”.
Depois do advento da informatização dos meios de produção
dos mercados gráfico e cinematográfico, a animação ganhou
impulso, desenvolvendo-se também para as novas mídias. Tal
avanço resultou num aumento das produções de longas-metragens,
e na sua utilização como efeito especial na esmagadora maioria
das produções feitas para o cinema e para a televisão.
Este texto analisa a animação como uma expressão artística
que se utiliza de fenômenos óticos para apresentar histórias e visões
de mundo, por intermédio de um processo projetual – o design. A
imagem animada é apresentada em termos ótico-técnicos, assim
como a sua expressividade e a sua dualidade: é técnica e arte – ela
se utiliza do design, nas suas duas instâncias, enquanto método de
projeto e elemento de ordenação visual.
Devido à escassez de material teórico que vincule a animação
ao design, tornou-se necessária uma pesquisa abrangente dentro
dos dois campos distintos. Vale salientar que os estudos de João
Gomes Filho – a partir do trabalho de Thomas Haufle (1996) – foram
fundamentais para a elaboração deste texto como um modelo de
análise, que possibilitou a identificação de vínculos entre as duas
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áreas de conhecimento; como também os estudos de Jacques
Aumont sobre a expressão da imagem no cinema.
Observa-se que não são abordadas questões sobre a natureza
da Arte, sobre filosofias metodológicas ou análises profundas
sobre Física, mas sim o desenvolvimento de uma análise focada na
relação entre a imagem animada e o design – processo projetual e
de produção.
1 A ANIMAÇÃO ENQUANTO TÉCNICA
1.1 A ilusão do movimento
No século XIX, os brinquedos óticos como o zootrópio –
criado pelo relojoeiro inglês William Horner (1786-1837) – faziam
a alegria de adultos e crianças. O zootrópio é constituído de um
tambor giratório com frestas em toda a sua circunferência. Em seu
interior, colocam-se as sequências de imagens desenhadas em tiras
de papel, de modo que cada imagem se posiciona abaixo de uma
fresta, com a do lado oposto à sua frente. Ao girar o tambor, olhandose através das aberturas, assiste-se ao “movimento” das imagens.
Assim, estes brinquedos já utilizavam a persistência retiniana e o
Efeito Phi para a simulação visual do movimento.
A persistência retiniana foi descrita pelo médico Peter Mark
Roget (1770-1869), em 1826, mas foi o físico Joseph-Antoine
Plateau (1801-1883) quem mediu pela primeira vez o seu tempo de
intervalo (1830). Ela consiste na capacidade da retina em reter uma
imagem por aproximadamente 1/16 de segundo, mesmo depois da
mudança desta. Tal fenômeno foi aceito como responsável pela
ilusão do movimento por vários estudiosos de animação e de
cinema, inclusive André Bazin (1918-1958).
Mas segundo Jacques Aumont (1993), só a persistência
retiniana produziria uma confusão de imagens remanescentes. Para
o estudioso, na realidade é possível ver o movimento devido ao
Efeito Phi e ao “mascaramento visual” que nos libera da persistência
retiniana. O primeiro fenômeno é a ilusão de ótica de se perceber
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como único, a dois estímulos luminosos que são expostos, com
pequenos intervalos de tempo em diferentes posições. Já o
“mascaramento visual” descreve a interferência que um segundo
estímulo luminoso causa na percepção visual de um anterior,
tornando-o menos contrastado e definido.
Tal observação procede, e o que é possível concluir é que tais
fenômenos se complementam, explicando assim a ilusão visual do
movimento das imagens, originalmente estáticas.
1.2 As técnicas animadas
Enquanto imagem sequencial, a animação difere do cinema
live-action, pois cada movimento é construído e capturado quadro
a quadro e não diretamente filmado. Na primeira há a construção da
cena, dos personagens – através de desenhos, bonecos, modelagem
(no caso do 3D) ou atores (que agem como bonecos, no caso do
Pixilation) –; no segundo, há a figura dos atores para representar
os personagens, e suas ações são filmadas durante a encenação.
É possível congregar as diversas “técnicas de animação” –
compreendendo técnica como sendo “meio para um fim [...] é uma
atividade do homem” (HEIDEGGER, 2003, p.11) – em três grupos
diferenciados, segundo suas caraterísticas:
• o Desenho Animado – resultado de toda a produção que
utilize o desenho na construção final de suas imagens (fig.
1);
• o Stop motion (animação com areia, massinha, recorte,
bonecos, pintura sobre vidro, Strata-cut e Pixilation) – que
é a captura do movimento quadro-a-quadro, através de um
meio fotográfico onde cada imagem é, depois da primeira,
o resultado da anterior, modificada (fig. 2);
• e a Computação Gráfica – que consiste na utilização do
computador como ferramenta para se animar. Esta pode ser
2D, versão digital do desenho animado (com a utilização de
mesa digital e animação via processo de renderização1);
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ou 3D, animação tridimensional, versão digital do Stop
motion (animação tridimensional real) (fig. 3).
Fig. 1 – Exemplo de Desenho Animado, Os Três Porquinhos (GUIMARÃES, 2006).
Fig. 2 – Exemplo de animação Stop Motion, Aula de Yoga Nº 34 (GORDEEFF &
GUIMARÃES, 2009).
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Fig. 3 – Exemplos de Computação Gráfica 2D, Problemas de Viagem (GORDEEFF &
GUIMARÃES, 2003), e 3D, Fiat Lux (GORDEEFF & GUIMARÃES, 2001).
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Mas independentemente da técnica empregada, a animação
é (e sempre será) a manipulação dos materiais (criando objetos e personagens), dos espaços, dos objetos, da própria visão humana (na simulação dos movimentos) e da emoção (quando simula ações para sensibilizar
o público). É produto de um conjunto de técnicas [...] (GORDEEFF, 2011,
p.142),
da técnica de criação de bonecos (ou desenhos), da técnica de
animação e da técnica cinematográfica – considerando cinematográfico “aquilo que só é suscetível de aparecer no cinema e que, portanto, constitui de maneira específica a linguagem cinematográfica no
sentido restrito do termo” (Aumont, 2008, p.96).
2 A ANIMAÇÃO ENQUANTO IMAGEM
EXPRESSIVA
Como toda imagem criada pelo homem, a animada é um tipo
de expressão, de um ponto de vista, de uma forma do artista ver
o mundo. Observando os estudos de Aumont (1993), a imagem
animada pode ser considerada expressiva, pois:
• induz certo estado emocional em seu público (definição
pragmática) como na animação Pai e Filha (WIT, 2001) que
apresenta a história de uma menina que perde o pai e se
torna adulta sem esquecer essa perda;
• é aquilo que exprime um sujeito criador (definição subjetiva),
como em O Velho e o Mar (PETROV, 1999), que é um ponto
de vista do animador sobre a obra homônima de Ernest
Hemingway (1899-1961);
• e pode ou não ser uma obra cuja forma é expressiva
(definição formal), como em Prazeres de Guerra (LINGFORD,
1998), animação repleta de contrastes de claro e escuro e
de flexibilidade das linhas dos desenhos, que apresenta a
história bíblica de Judite.
Mas somente ‘exprime’ a realidade (definição realista), quando
esta refere-se a situações emocionais, sociais ou políticas, como em
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Mídia (KOUTSKÝ, 2000) – que é uma crítica sobre o bombardeio de
informações das diversas mídias que sofre o homem comum, feita
em técnica mista, Stop motion e desenho animado.
Mas como observa Suzanne Langer (AUMONT, 1993, p.279),
a expressividade está não só presente, mas identicamente presente em
todas as obras de arte2: o que é expresso são os sentimentos (feelings),
e a expressão é a encenação de uma forma abstrata, é o que dá forma
abstrata, é o que dá forma simbólica ao feeling;
Em trabalhos abstratos como os de Oskar Fischinger3 (19001967) tal definição se aplica perfeitamente, pois “a emoção não
simbolizada escapa e a realidade só se transmite se for abstrata
e simbolizada: assim a arte implica sempre num processo de
abstração” (AUMONT, 1993, p.279).
Mas a expressividade da animação também é extrínseca, pois
como observa Bergson (2007, p.110), “não importa como abstrato
uma concepção pode ser ela sempre tem seu ponto de origem na
percepção” – ela é dependente da percepção do receptor. E para
que a percepção seja disparada é necessário haver algum tipo de
identificação com o repertório imagético do público, para que este
entenda ou realize um encadeamento das ações projetadas, criando
internamente uma compreensão intelectual ou emocional. Mas tal
entendimento pode ou não ir de encontro com as intenções do
autor, pois depende do grau de coincidência de seus repertórios.
Essa legibilidade acontece num “primeiro nível de leitura do filme, a
sua denotação, isto é, permitir o reconhecimento dos objetos e ações
mostradas na imagem” (AUMONT, 2001, p.107). Porém, Manguel
(2001, p.28) também explica que “nenhuma narrativa suscitada por
uma imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua
justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem
à própria narrativa”.
Enquanto imagem, na maioria das vezes, as animações “não
são as coisas que representam, elas se servem das coisas para
falar de outra coisa” (JOLY, 1996, p.84). Construída por elementos
diversos, com suas características físicas, materiais, mas que em
suas ações, representam situações ou emoções, agregando às
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imagens um sentido conotativo – como na animação Dimensões do
Diálogo (SVANKMEYER, 1982), que utiliza ferramentas, alimentos e
material de desenho técnico, para representar a comunicação entre
grupos de níveis tecnológicos diferentes, criando um paralelo com
o desenvolvimento humano.
Artifícios técnicos também contribuem para a expressividade
do movimento da imagem animada: a utilização do timing (relação
entre o tempo de uma ação, e o número de quadros necessários
para representá-la) e dos conceitos básicos de animação, que
são normas que devem ser seguidas para a fiel representação
dos movimentos. Algumas dessas representações já haviam sido
conceitualizadas em livros e periódicos dos anos 20 [...] mas foi com
Walt Disney e colaboradores que estes conceitos foram melhor aplicados
e difundidos (GORDEEFF, 2011, p.20).
Entre eles, os que denotam maior expressividade são:
• o Staging: representação do personagem, suas expressões
faciais e corporais;
• o Exagero: nos movimentos é desejável e necessário para
visualizá-lo como verídico e real;
• o Desenho sólido: a representação da perspectiva no
desenho sempre enriquece a imagem;
• e a Sedução Estética ou Apelo: criação de empatia com o
público.
3 O DESIGN NA ANIMAÇÃO
Um conceito que se faz importante para fundamentar esta
análise é o conceito de o que é design. Há inúmeras definições
conhecidas, mas uma delas é a de Bonsiepe (1994 apud MARTINS,
2009, p.168): “Design é uma atividade projetual, responsável pelas
características estruturais, estéticas, formais e funcionais de um
produto para a fabricação em série”. É uma definição sucinta, porém
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abrangente, e que reforça a questão do planejamento, do ‘projetar’,
independente de outra função – seja ela estética, de comunicação
ou de utilidade.
A produção de uma animação, seja um longa ou curtametragem, é composta de uma série de etapas que devem ser
elaboradas e definidas previamente à realização da mesma (WILDER
e DOWLATABADI, 1991), independente da técnica utilizada.
Somente o momento de sua idealização, em geral, não é
um momento de planejamento – em termos metodológicos.
Posteriormente, inicia-se o processo chamado de pré-produção, o
qual consiste na elaboração do roteiro e na definição da técnica a
ser utilizada (com as pesquisas pertinentes necessárias) (fig. 4). Em
função desses parâmetros são criados o concept art – a estética da
animação que melhor representará a história (fig. 5) –, o storyboard
– o roteiro em forma de desenhos (fig. 6) –, o colorscript – que é
a paleta de cores das sequências –, os cenários, os personagens –
que serão desenhados (model sheet), construídos ou modelados, no
caso das animações 3D (fig.7). Nesta fase também são gravados os
sons guias (dos diálogos) para o lip-sync (animação das bocas dos
personagens).
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Fig. 4 – Pesquisas feitas sobre elementos de cenário para o filme Rio (SALDANHA,
2011).
Fonte: Arquivo fotográfico da autora. Exposição Rio, a arte da animação (Museu Nacional
de Belas Artes, 2011).
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Fig. 5 – Estudos para cenário e personagens para o filme Rio (SALDANHA, 2011).
Fonte: Arquivo fotográfico da autora. Exposição Rio, a arte da animação (Museu Nacional
de Belas Artes, 2011).
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Fig. 6 – Parte do storyboard do filme Rio (SALDANHA, 2011).
Fonte: Arquivo fotográfico da autora. Exposição Rio, a arte da animação (Museu
Nacional de Belas Artes, 2011).
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Fig. 7 – Uma folha de Model Sheet e escultura para o personagem Blue, do filme Rio
(SALDANHA, 2011).
Fonte: Arquivo fotográfico da autora. Exposição Rio, a arte da animação (Museu
Nacional de Belas Artes, 2011).
Segue-se a etapa de produção, período em que a animação é
efetivamente realizada e são gravados os diálogos definitivos. Com
auxílio do storyboard e das folhas de animação – onde são estudados
e marcados os tempos dos movimentos, sincronias de som e os ciclos
animados – dá-se prosseguimento a um processo sistêmico que
norteia e favorece a cadeia produtiva – exatamente como ocorre na
produção de um automóvel, onde o produto se desloca pelas etapas
de produção, os conjuntos de cenas da animação passam pelos
postos de criação dos quadros-chave, da intervalação, dos testes
e da arte-finalização (a limpeza – se necessário –, acabamento e
colorido final dos desenhos). Os diversos testes de animação são
necessários para possibilitar a identificação e correção de falhas,
antes da finalização dos desenhos e da fase de edição.
Segue-se então a pós-produção, onde são realizados: a edição
final do filme, a aplicação de efeitos de luz e ambiente, a edição
final de som (com a adição dos efeitos sonoros, trilha sonora) e sua
sincronia com a imagem final do filme – é a renderização completa
do arquivo digital do filme que então, pode ser copiado para as
diversas mídias.
Como é possível observar, numa produção animada
apresentam-se as duas funções fundamentais do design: ele é
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projeto e organização visual. “Existem dois fatores fundamentais
a serem levados em consideração durante a produção de design: o
conhecimento das tecnologias disponíveis para transformar ideias
em objetos e a capacidade de organização das linguagens para
tornar clara a ideia que se pretende passar” (MARTINS, 2009, p. 1689), e “a animação por suas características artesanais, industriais e
artísticas envolve um processo projetual criativo” (ibid.).
Enquanto planejamento, uma produção animada segue os
mesmos procedimentos que a fabricação de qualquer produto
produzido com design:
• uma metodologia de pesquisa sobre um conceito (o tema
da história);
• planejamento e organização das etapas de trabalho,
otimizando a produção (com a utilização de cronograma e
fluxograma de produção, uso de storyboard e de folhas de
animação);
• definição de uma forma visual que melhor represente ou
facilite a função do produto (a escolha de uma técnica de
animação, e a criação do concept art, do storyboard e do
model sheet – folha com desenhos do personagem, em
várias posições e com diversas expressões, para servirem
de modelo para todos os animadores da produção);
• utilização de normatização (característica de uma produção
seriada, design industrial), com o uso dos conceitos básicos
de animação, de model sheet, de templates, de cenários
e de personagens (arquivos modelos que carregam as
características físicas e de movimento), de scanner e
impressora tridimensional, para a produção das peças dos
bonecos para Stop motion, como em Coraline (SELICK, 2009),
–; e de uma logística do fluxo de trabalho, que facilite o
processo como um todo.
Em termos visuais, o design serve para a elaboração da
construção das imagens de acordo com o seu público-alvo, com as
ações e o clima das sequências do filme – favorecendo a comunicação
visual – que inclui uma identidade visual, que se reflete na plástica
dos personagens, dos cenários, na paleta de cores, na luz do filme,
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criando uma unidade formal para o produto audiovisual.
E como nos informa Gomes (2006, p. 46), “na linguagem do
design, um dos principais conceitos ligados ao uso do produto pode
ser compreendido a partir do estudo centrado na correspondência
que se estabelece no diálogo entre homem e objeto”. E que o que
facilita a percepção e a compreensão durante o uso do produto
são os aspectos essenciais das interfaces entre usuário-produto,
identificados nas três funções básicas: a prática, a estética e a
simbólica, em diferentes graus de preponderância. A primeira é
identificada como sendo a relação (objetiva) de uso entre usuário
e produto, envolvendo aspectos fisiológicos e de efeito orgânicocorporal; a função estética se concentra na percepção, nos
aspectos psicológicos, no uso do produto; enquanto a simbólica,
nos aspectos psíquico-espirituais, envolvendo fatores culturais,
sociais, políticos e econômicos (LÖBACH, 1981 apud GOMES,
2006). Estas funções estão presentes concomitantemente em
quase todos os tipos de produto, em menor ou maior intensidade.
E podem ser preponderantes (uma em relação às outras duas),
conforme a necessidade ou objetivo na/da produção do produto, o
que é configurado pelo designer (GOMES, 2006).
Como num produto de design, numa animação também é
possível identificar essas funções básicas. O entretenimento, a
diversão é a sua função prática e a função mais forte para a grande
maioria das produções animadas comerciais (são um produto do
mercado audiovisual) – excetuando-se os casos de animações
feitas para representar efeitos químicos, biológicos, por exemplo,
para aulas e programas científicos, cuja função prática seria então
a de informar. Pois, como observou o bem sucedido produtor de
cinema de animação, Walt Disney ([195-?] apud SURRELL, 2009,
p.155): “não tenho a pretensão de conhecer qualquer coisa sobre
arte. Faço filmes para o entretenimento”; e
“a coisa mais importante que aconteceu no último quarto de século da
história do cinema é o reconhecimento de que o lazer, a recreação e a
diversão de massa já não são mais um luxo dispensável. O divertimento
da família é tão necessário para a vida moderna quanto uma geladeira
na cozinha” ([195-?] apud SURRELL, 2009, p.21).
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E neste caso, as funções estética e simbólica trabalham em
função, e para o objetivo da função prática. A preponderância não é
determinada por um designer, mas pela equipe da produção animada.
A função estética se apresenta mais intensamente nas
produções com propostas mais artísticas (ou abstratas), como em
Fantasia (GRANT e HUEMER, 1940) e O Velho Moinho (JACKSON,
1937), ambos de Walt Disney (1901-1966). No primeiro havia uma
proposta de imagem animada mais sofisticada (era composta de
pequenas narrativas independentes, com desenhos de animais,
vegetais e objetos sincronicamente animados ao som de músicas
eruditas); e o segundo foi o resultado da produção com um então,
recente avanço técnico: a câmera multiplano, onde cada elemento
da cena ficava em um plano distinto, a uma distância diferente da
câmera e com iluminação independente, podendo ser aproximados
e afastados da objetiva de acordo com a necessidade da cena.
Assim tornou-se possível criar uma forte ilusão de profundidade
na imagem de um desenho animado, originalmente bidimensional.
A função simbólica é encontrada em maior grau nas produções
cujo objetivo é traduzir uma mensagem, um protesto, questões
políticas, sociais, filosóficas, etc. Neste caso, encontram-se presentes
em produções sem fins lucrativos, financiadas por instituições
governamentais ou não governamentais, de educação/formação ou
independentes. É o caso de A Face do Führer (KINNEY, 1943), ou Você
já foi à Bahia? (FERGUSON, GERONIMI, KINNEY, ROBERTS e YOUNG,
1944), outras duas produções dos estúdios Disney, porém estas
foram produzidas como parte da campanha americana na Segunda
Guerra Mundial – a primeira é uma critica ferrenha a Adolf Hitler, e
a segunda, uma valorização dos laços geográficos e de vizinhança
com o Brasil e o México.
CONCLUSÃO
A partir do trabalho de Thomas Haufle (1996), Gomes
(2006, p.21) classifica o Design Industrial como Design Gráfico –
especialidade Media Design, ou Design dos Meios de Comunicação –
quando é “a criação de produtos para as mídias de cinema, televisão,
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vídeo (como: filmes, vinhetas, aberturas de programas) e
outras manifestações cinético-digitais”. O que é pertinente,
levando-se em consideração as grandes produções de cinema,
em que o filme é um produto industrial sistêmico, de alta
complexidade configuracional, tecnológica e de fabricação,
pois, ainda segundo Gomes: este apresenta
a necessidade de um enorme planejamento para uma adequada
organização técnica e administrativa, além do emprego de recursos
humanos diversificados – oriundos dos mais variados campos do
conhecimento. Normalmente conta com a colaboração de inúmeras
indústrias fabricantes, diversos fornecedores, empresas montadoras,
etc. para a concepção e materialização dos produtos. Obviamente,
trata-se de um trabalho orgânico, integrado e realizado em equipe
(idid., p.32),
– como ocorre numa grande produção animada, com uma
gama diversificada de profissionais (animadores, fotógrafos,
desenhistas, roteiristas, pesquisadores, programadores, etc).
Na construção da imagem sequencial animada com suas
peculiaridades – seu segmentado processo de trabalho na
construção das cenas, inserido nas diversas etapas de produção
–, há a necessidade fundamental de um método no fazer: um
o quê, um quando e um como.
Como um meio visual do cinema, a “arte” da animação
participa de sua dualidade inicial: é arte e técnica/indústria.
Não há como refutar a necessidade de criatividade, de senso
artístico, de sensibilidade na criação das imagens, mas
também não há como ignorar que todo o aparato de produção
que torna possível a materialização dessas imagens, passa
pelo planejamento e utilização dos meios metodológicos e
tecnológicos de produção. Em sua dualidade, a animação
utiliza o design nas suas duas semânticas: é planejamento –
técnica, metodologia – e organização visual – o que possibilita
que a expressão artística aconteça. Tal conclusão é reiterada
na prática, pela autora, no cotidiano de sua vida profissional, a
cada novo projeto de animação.
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E questão da expressão da imagem animada está
inerentemente ligada à sua plástica, resultado da utilização de
um conjunto de técnicas adequadas (de desenho, de utilização
da cor, de animação e de cinematografia), pois como analisa
Heidegger (2003, p.12), “tudo depende de se manipular a
técnica, enquanto meio e instrumento, de maneira devida”.
Ainda segundo ele, a “técnica é uma forma de descobrimento”
(idid., p.18): de descobrir o que o criador tinha em mente,
através do descobrimento de uma forma, obtida através de
um conjunto de ações que tornem possível a concretização de
imagens externas visíveis desse ideal.
Isto é, um processo de construção a partir do domínio
de métodos, de técnicas, de ferramentas, de materiais para se
obter a imagem e as ações idealizadas pelo autor. E na luta por
esse domínio, o design é uma estratégia fundamental.
NOTAS
1 Expressão usada para a automatização do processo
de intervalação, entre os desenhos das posições-chave da
animação; ou para a geração de um arquivo de filme digital.
2 Considerando que obra de arte é “um corpo, auto
referenciado, uma junção insubstituível e sutil, composta
segundo a vocação de cada arte [...], com o espaço-tempo
próprio, em sua imanência, e de suscitar, ao mesmo tempo, um
sentido transcendente, um ‘mundo’, ou seja, um conjunto mais ou
menos vasto de possibilidades de existência e de tonalidades
afetivas, ora abstratas, [...], ora concretas [...]” (HAAR, 2000, p.6).
3 Como Composição em Azul (1935). Disponível em:
<http://www.tudou.com/programs/view/kBpPBtQ48v0/>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
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