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EDITORIAL VISÃO Ser um polo educacional de referência no Rio Grande do Sul pela qualidade, responsabilidade social e inovação. MISSÃO Promover educação de qualidade através da construção, produção e socialização do saber, com base nos princípios cristãos, para atuar numa sociedade em transformação. VALORES E PRINCÍPIOS ? DIGNIDADE: atuação com ética, responsabilidade social e respeito à pluralidade. ? QUALIDADE DE ENSINO: conhecimento, inovação e Esta edição da Revista Espaço Dialógico traz uma grande diversidade de artigos, permeando importantes temas da sociedade atual (Educação, Informática e Administração), aliando a investigação científica e a pesquisa teórica. No desenvolvimento dos conteúdos foi significativa a conexão dos temas com as pesquisas desenvolvidas pelos autores e suas experiências no ambiente profissional, propiciando ao leitor uma maior articulação com as vivências do cotidiano. . Abaixo é descrito um breve chamamento aos artigos com o objetivo de instigar os leitores à leitura. empreendedorismo. ? REFERENCIAL LUTERANO: vivência cristã, amor e cooperação. ? JUSTIÇA: exercício da cidadania consciente. ? VALORIZAÇÃO DAS PESSOAS: integralidade, comprometimento e qualificação para o desenvolvimento humano. ? AUTOSSUSTENTABILIDADE: criatividade, gestão integrada e melhoria contínua. NOSSO FOCO Educação No artigo sobre os Mucker, Daniel Luciano Gevehr, apresenta uma análise das interpretações dadas por autores e líderes da época que tentaram apresentar argumentos que pudessem justificar o massacre tanto do grupo, como da liderança. Os sistemas nacionais de inovação e a situação brasileira, artigo de Daniel Pedro Puffal, contextualiza a dificuldade das empresas de articularem iniciativas de inovação por conta própria e a importância de investimentos nacionais na alavancagem do desenvolvimento de um país. Como pode uma empresa manter-se competitiva no mercado através de suas competências e recursos. Esta é análise feita pelo artigo Perspectiva de recursos e capacidade como fontes de vantagem competitiva de autoria de Cezar Miguel Monteiro da Silva e Pedro Léo Gulini. O tema é aprofundado pelo estudo de dois casos relacionados a cada um dos enfoques. Qual o significado atribuído à ação avaliativa, avaliar competências ou por competência, avaliação de fatos, avaliação de conceitos? São alguns dos sub-temas do artigo que trata da avaliação por competência do professor, elaborado pela autora Maria Celina Melchior, com o título A importância da avaliação na construção de competências. O artigo esclarece dúvidas, indica alguns caminhos e coloca desafios nesta questão tão polêmica que é a avaliação. Colaborar, cooperar, estas são palavras de ordem, principalmente para pequenas e microempresas. Torná-las estratégias competitivas foi o intuito da pesquisa detalhada neste artigo, Análise compreensiva da estratégia colaborativa organizacional como diferencial competitivo de autoria de Dusan Schreiber. DIRETORIA Presidente Sílvio Paulo Klein Administração e Finanças Clarel Selbach - Afonso Licório Fröhlich Patrimônio Márcio Fernando Fritz - Valdir Ivan Laux Ensino e Relações Comunitárias Sérgio Mylius - Leandro Osmar Heldt Hennemann Assuntos Estratégicos Marcelo Clark Alves - Marcos Sebastião Baum A atuação de um professor de Educação Física na Educação Infantil requer especificidades peculiares na sua formação. Analisar a contribuição da formação destes docentes para atuação neste nível de ensino foi o principal objetivo da pesquisa desenvolvida com o título A formação do educador físico para a Educação Infantil: a percepção de profissionais de Educação Física de Novo Hamburgo - RS, realizada por Gustavo Paraboni Cerveira e Ricardo Reuter Pereira. O universo do Sítio do Picapau Amarelo permanece encantador, contrariando a fluidez dos nossos tempos de “modernidade líquida”. Com esta frase do resumo apresentamos o artigo Os carrapichos de Lobato: permanência e transcendência do universo do Sítio do Picapau Amarelo em tempos de modernidade líquida, escrito por Luciane Maria Wagner Raupp, que faz uma análise da importância da Obra de Monteiro Lobato no atual contexto literário. Vogais Otair Leite da Silva - Hardy Brandenburg - Pedro Airton da Silva O capelo e a palavra do reitor: cerimonial do rito de passagem, este artigo de autoria de Isabel Lisakoski; faz uma viagem pelo mundo das universidades e traz diversos elementos que envolvem este importante momento na vida de um acadêmico, a sua formatura. Conselho Fiscal Titulares: Jairo Elenor Reinheimer - Jacson Drews Geraldo dos Santos Suplentes: Raul Cassel - Carlos Helberto Zwetsch - Raul Oscar Hartmann Detalhar as diversas etapas do método de integração de teste em circuitos eletrônicos digitais baseado na norma IEEE1149.1 é o principal objetivo do artigo Inserção de testabilidade em núcleos de sistemas digitais – a norma IEEE 1149.1, de autoria de Eduardo Santos Back. DIREÇÃO GERAL Seno Leonhardt Uma ótima leitura a todos e um convite para ocupar este precioso espaço de compartilhamento de conhecimentos, de pesquisas e de experiências; capazes de motivar para o ato de empreender novas atividades. VICE-DIREÇÃO DE EDUCAÇÃO BÁSICA Déborah Cassel Seno Leonhardt Diretor Geral da IENH SUMÁRIO 04 Perspectiva de recursos e capacidades como fontes de vantagem competitiva 09 Imagens que não se apagam: a líder dos Mucker e seu combatente 13 Os sistemas nacionais de inovação e a situação brasileira 17 Análise compreensiva da estratégia colaborativa organizacional como diferencial competitivo 21 Inserção de testabilidade em núcleos de sistemas digitais – a norma IEEE 1149.1 25 A formação do educador físico para a Educação Infantil: a percepção de profissionais de Educação Física de Novo Hamburgo - RS 32 O capelo e a palavra do reitor: cerimonial do rito de passagem 36 Os carrapichos de Lobato: permanência e transcendência do universo do Sítio do Picapau Amarelo em tempos de modernidade líquida 39 A importância da avaliação na construção de competências Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. CONSELHO EDITORIAL Cezar Miguel Monteiro da Silva Júlio Cézar Adam Poliana Fraga Sabrina Vier Seno Leonhardt CORREÇÃO Luciane Maria Wagner Raupp EDITORAÇÃO Assessoria de Comunicação IENH Revista Espaço Dialógico - v. 04, n. 04, fev. 2010 TIRAGEM 1000 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PERSPECTIVA DE RECURSOS E CAPACIDADES COMO FONTES DE VANTAGEM COMPETITIVA Cezar Miguel Monteiro da Silva * Pedro Léo Gulini** Resumo A teoria dos recursos e capacidades da empresa surge como um eixo de fundamental importância para a direção estratégica da organização. Nos últimos anos, tem se produzido uma série de artigos notáveis que apresentam uma visão global e sistematizada desta teoria. Neste estudo, a primeira parte aborda uma introdução sobre enfoque nos recursos e capacidade da empresa. A segunda parte centra sua atenção sobre a definição e características de recursos. Na terceira parte, são analisadas discussões sobre as capacidades dinâmicas como novas formas de vantagens competitivas. Finalmente se analisam as aplicações desses marcos teóricos em dois estudos de caso. Busca apresentar dois casos, onde a empresa através de seus recursos e competências procura manter competitiva no mercado. O primeiro enfocando uma estratégia de crescimento através de replicação de seu conhecimento adquirido e no segundo nos seus recursos e competências. Palavras-chave: Recurso. Capacidades dinâmicas. Capacidades distintivas. Replicação do conhecimento. Introdução Nos últimos anos, a direção estratégica tem sido dominada por um enfoque produto-mercado. A partir dessa perspectiva, as empresas podem e devem posicionar-se elas mesmas e seus produtos - em relação a seus mercados e a seus competidores (PORTER, 1986). Mas em uma era em que as empresas operam em entornos globais e as mudanças tecnológicas se aceleram, esse enfoque de orientação ao mercado encontra limitações práticas e, diante desse cenário, cresce o interesse pelos recursos internos da própria empresa. ESPAÇO DIALÓGICO 04 combinados, por meio dos processos organizacionais, em função de um objetivo específico (GRANT, 1991) 1 Enfoque nos recursos e na capacidade da empresa A teoria da empresa baseada em recursos (PENROSE, 1959; RUMELT, 1984; WERNEFELT, 1984; AMIT E SCHOEMAKER, 1993) reconduz a obtenção da receita à estrutura dos ativos da empresa e a vantagem competitiva a processos de acumulação e utilização de recursos (LIPPARINI, CAZZOLA, PISTARELLI, 2000). Sobre essa fundamentação, origina-se a visão baseada em recursos da empresa, fundada sobre as idéias desenvolvidas por Penrose (1959), assegurando que a heterogeneidade entre as empresas pode ser explicada pelas realizações de que cada empresa, através de seu ciclo de vida, acumula um conhecimento próprio e idiossincrático (DIERICKX e COOL, 1989). Esse conhecimento determina a capacidade da empresa para explorar e combinar todos os recursos para a produção especifica de serviços. Segundo Fernández e Suárez (1996), a perspectiva de recursos pressupõe uma forte mudança de orientação, propondo que são os recursos e capacidades internas os principais determinantes da variabilidade dos resultados e não a posição dos produtos no mercado de oferta e procura. Ou seja, a perspectiva de recursos vem a indicar outras possíveis origens de vantagem competitiva sustentável, a qual, por sua vez, vai mais adiante da posição da empresa no mercado de produtos, supostamente defendido por Porter (1986). Neste artigo, descreveremos o papel dos recursos e das capacidades na criação da vantagem competitiva. Com a utilização de dois estudos de caso, pretendemos dar sustentação ao marco teórico e aspirar à argumentação que as competências da empresa residem sobretudo na capacidade de empregar recursos, frequentemente Dessa forma, o enfoque baseado nos recursos e capacidades sugere que os recursos que possuem uma empresa são mais importantes do que a maneira como está estruturada a indústria a que pertence (RUMELT et. al, 1994). Para esse enfoque estratégico, a vantagem competitiva da empresa pode ser obtida através das formas em que a * Titulação: Mestre em Administração pela UNIVALI/SC – Vice-diretor de Ensino Superior e Educação Profissional da IENH ** Titulação: Mestre em Administração pela UNIVALI/SC – Coordenador Vendas Regional SC da Brasil Telecom Essa concepção pode ser observada desde a perspectiva das rendas ricardianas da empresa, através das quais se maximizavam os rendimentos sobre os custos reais daqueles recursos escassos que conferem à empresa uma vantagem competitiva. Como indica Wernerfelt (1984), a propriedade dos recursos e o processo de aquisição permitem a criação de barreiras com base nesses recursos. Dierickx e Cool (1989) sugerem que uma empresa que não tem recursos não negociáveis e necessários para a implantação de sua estratégia de mercado se vê forçada a construir esse recurso. Por exemplo, a reputação de um produto de qualidade pode ser construída a través de um conjunto de medidas de produção, de controle de qualidade, entre outros. Isso também vale para o capital humano: a lealdade dos vendedores e a capacidade de pesquisa e desenvolvimento da empresa (HOFFMANN, 2002). As rendas empresariais expressam o resultado das decisões tomadas pelos diretores para desenvolver e distribuir recursos pois, uma vez que os recursos tornam-se obsoletos e são imitados por outras empresas, seu potencial de gerar rendas decresce (GRANT, 1991). transformados em produtos finais para uso por um grande número de ativos e mecanismos de outras empresas, tais como, tecnologias, sistema de gestão da informção, sistemas de incentivos, confiança entre diretores e trabalhadores, entre outros. 1.2 Características dos recursos Peteraf (1993) classifica os recursos e capacidades atendendo aos níveis de eficiência que se apresentam, distinguindo três tipos gerais. O primeiro tipo contempla aqueles que são escassos, únicos, e proporcionam uma eficiência superior no seu uso. O segundo tipo de recursos refere-se aos que proporcionam uma eficiência normal, também chamada de mobilidade perfeita. Por último, o terceiro tipo compreende os que dão uma eficiência inferior. Seguindo essa classificação, a empresa que tiver recursos do primeiro tipo estará em condições de obter rendas econômicas, entendendo-se tais recursos como todo ingresso superior ao custo necessário para atrair os serviços do fator produtivo. CARACTERÍSTICA DESCRIÇÃO MECANISMOS Heterogeneidade Os recursos são distribuídos de forma heterogênea entre as empresas da indústria, e somente aquelas que possuem os recursos que são escassos e com eficiência superior têm vantagem competitiva. Restrição à competição 1.1 ex post Uma vez adquiridos ou acumulados pela empresa, os recursos devem ser difíceis ou impossíveis de serem imitados pelos concorrentes ou de serem substituídos por outros mais eficientes. Restrição à competição 1.2 ex ante A corrida da empresa em assumir uma posição de destaque na indústria, com relação a posse de recursos superiores, não deve despertar a competição pelos recursos. Mobilidade imperfeita São os recursos difíceis de serem transferíveis para outras empresa, pois são idiossincráticos e não teriam pouco ou nenhum outro uso fora da empresa. Escassez, dificuldade de suprimento para a indústria, pelo menos no curto prazo, monopólio da posse do recurso e alta eficiência na sua utilização produtiva na indústria. Recursos socialmente complexos, não-negociáveis no mercado de fatores de produção, que possuem alta carga de conhecimento tácito, como reputação, e contingentes a história da empresa que os acumulou, geram ambigüidade do que seria relevante de ser copiado. Imperfeições de mercado, como informações privilegiadas e sorte. O desenvolvimento de recursos não-negociáveis, como imagem da empresa, devem avaliados em seu custo de oportunidade para não dissipar as rendas futuras. Recursos específicos da empresa e com altos custos de transação. Caso a empresa não os possua e estejam nas mãos do fornecedor, é necessário analisar como fica a divisão das rendas geradas pelo uso do recurso. 1.1 Definição de Recursos Um dos primeiros conceitos sobre recurso origina-se de Vernerfelter (1984), que o define como qualquer coisa que poderia ser pensada como uma força ou uma fraqueza de uma determinada empresa. Mais formalmente, os recursos de uma empresa em um determinado momento poderiam ser definidos como aqueles valores (intangível e tangível) no qual são ligados semi permanentemente a empresa. Já Barney (1991) define recursos como “todos os ativos, capacidades, processos organizacionais, atributos da empresa, informação, conhecimento etc., controlados pela empresa, que a possibilita elaborar e implementar estratégias que melhorem sua eficiência e eficácia.”. O autor classifica os recursos em: a) recursos físicos, tais como equipamentos, fábricas, localização geográfica e acesso a matéria-prima; b) recursos humanos, ou seja, relações sociais e experiências dos funcionários; e c) recursos organizacionais, como estruturas, processos e sistemas de informação (BANDEIRA DE MELO E CUNHA, 2001). Para Grant (1991), recursos são os elementos que ingressam num processo de produção, constituindo uma unidade básica de análise. Já Amit e Schoemaker (1993, p. 35), buscando ampliar a definição, registram que os recursos são estoques de fatores disponíveis que são propriedade e então são controlados pela empresa. Recursos são Quadro 1 - Características de recursos essenciais para a manutenção da vantagem competitiva Fonte: Adaptado de Peteraf (1993) (apud BANDEIRA DE MELLO e CUNHA, 2001) Com referência à heterogeneidade das empresas, Peteraf (1993) combina esse enfoque com a economia neoclássica e articula um modelo econômico para a vantagem competitiva segundo a qual esse tipo de vantagem está em função de uma combinação de limites exante da competência, da mobilidade imperfeita, da heterogeneidade dos recursos e dos limites ex-post da competência. Com esse modelo, Peteraf (1993) argumenta que as organizações são diferentes entre si em função dos recursos e capacidades que possuem em um momento determinado e p e l a s d i fe r e n t e s c a r a c t e r í s t i c a s d e l a s m e s m a s (heterogeneidade). Esses recursos e capacidades não estão disponíveis para todas as empresas nas mesmas condições (mobilidade imperfeita). A heterogeneidade e a mobilidade 05 ESPAÇO DIALÓGICO organização configura e administra seus recursos internos, que, cada vez mais, serão uma maior fonte de vantagem diferencial entre as empresas. Segundo esse contexto, os diferentes desempenhos da empresa são os resultados de diferenciais na eficiência. Nesse sentido, teriam mais interesse os recursos e as capacidades que são de larga duração e são difíceis de imitar do que os facilmente reproduzíveis (BARNEY, 1991). imperfeita explicam as diferenças de rentabilidade entre as empresas, inclusive as pertencentes a uma mesma indústria. 1.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas A abordagem de Teece et al. (1997) denominada capacidades dinâmicas, pretende explorar ao máximo ascompetências internas e externas da organização para lidar com as mudanças do ambiente. O termo “dinâmicas” refere-se à capacidade de renovar competências ao mesmo tempo em que atinge congruência com o mutante ambiente de negócios. Certas respostas inovadoras são requeridas quando o tempo para responder ao mercado é um fator crítico, a taxa de mudança tecnológica é rápida e a natureza da competição e do mercado futuro são difíceis de determinar. ESPAÇO DIALÓGICO 06 De qualquer modo, as competências podem prover vantagem competitiva e gerar rendas somente se forem baseadas na coleção de rotinas, habilidades e ativos complementares que são dificilmente imitados. Uma rotina particular pode perder seu valor se ela suportar a competência por longo tempo, ou se ela pode ser com prazer replicação ou emular o competidor. 1.4 Casos analisados Para fundamentação das discussões teóricas deste artigo, buscaram-se dois estudos de caso que, nas seções seguintes, são detalhados. 1.4.1 Caso 1 – Rede de Fast Food O termo “capacidades” enfatiza o papel-chave da gestão estratégica, qual seja o de adaptar, integrar e reconfigurar apropriadamente as competências pessoais específicas (skill), os recursos e as competências funcionais internas e externas da organização, de forma a atingir os resultados necessários no referido ambiente. Bandeira de Mello et al (2002) buscaram apresentar, em seu estudo, a questão da replicação do conhecimento como uma estratégia de crescimento em uma rede de fast food. Nesse trabalho, apresentou-se o processo de acumulação das habilidades gerenciais e organizacionais exigidas na implementação da transferência do conhecimento necessário para criação de novas unidades produtivas. Coerente com a relação entre estratégia e capacitação, Teece et al. (1997) referem-se ao trabalho de Dierickx e Cool (1989), que enfatizam que a decisão sobre quanto investir em cada área da organização é central para a estratégia da empresa. As escolhas sobre os domínios de competência são influenciadas pelas escolhas passadas . Em um dado momento, as empresas devem seguir uma certa trajetória ou alternativa (path) de desenvolvimento de competências. Tal alternativa não apenas define quais são as oportunidades que estarão abertas para a empresa hoje, mas também impõe limites em termos dos repertórios internos futuros, ou seja, ao mesmo tempo em que apontam as capacidades q u e s e rã o d o m i n a d a s, t a m b é m s e d e f i n e m a s incompetências futuras da organização. A replicação do conhecimento organizacional foi popularizada na literatura econômica por Nelson e Winter (1982). A lógica da estratégica de replicação fundamenta-se na visão da competição baseada em recursos, na qual o conhecimento organizacional é considerado um recurso essencial e fonte de vantagem competitiva sustentável. A replicação é vista como uma das formas mais eficientes de alavancar ativos baseados em conhecimento. A lógica de replicação considera que a empresa deve ser capaz de incorporar conhecimentos sobre como uma unidade produtiva deve operar, sobre como transferir, ou replicar, os conhecimentos para novos pontos de vendas, e sobre como torná-los operantes Teece et al. (1997) identificaram uma série de classe de fatores que ajudam a determinar as competências distintas e as capacidades dinâmicas. Essas classes foram organizadas em três categorias: processos, posição e caminhos. Esse estudo foi baseado na metodologia de Argotte e Darr, considerando que o conhecimento está depositado em três áreas: equipamentos, layout e processos. Buscou-se descrever o processo de construção do núcleo replicável ao logo do tempo, na percepção dos gerentes entrevistados. O processo gerencial ou organizacional refere-se à maneira como as coisas são feitas na empresa, ou que podem ser referenciadas como rotinas, ou padrão de praticas correntes ou aprendizados. Posição refere-se a certas vantagens específicas correntes de tecnologia ou propriedade intelectual, ativos complementares, base de clientes e relações externas com fornecedores e complementadores. Caminho refere-se a alternativas estratégicas disponíveis para as empresas e a presença ou ausência do retorno crescente e servindo de caminho dependente. Ainda para os autores, aprendizado é um processo cuja repetição e experimentação habilita tarefas para ter performance melhor e mais rápida. Também habilita novas produções de oportunidades para serem identificadas. Equipamentos Forno, geladeira especial, freezer, espremedor de Núcleo laranjas, Replicável liquidificador, (comum a recipientes para todas as transporte e lojas) armazenamento dos calzones, demais utensílios. Processos Abastecimento das lojas, recebimento e armazenamento dos calzones, assamento dos calzones, preparo dos sucos, atendimento ao cliente, treinamento dos gerentes. Layout Formato padrão das lojas de shopping centers, disposição padrão dos equipamentos, padronização da logomarca e dos displays. Restrição do formato das lojas Estufa importada, de rua, restrição Carisma do gerente Aspectos câmara fria, quanto ao espaço em manter a para contextuais número de gavetas equipe. do forno. abastecimento das lojas de shopping Quadro 2 - Processo de construção do Núcleo Replicável Fonte: Bandeira de Mello et al. (2002) 1.4.2 Caso 2 – Empresa de Café Lipparini et al (2000) apresentam, em seu estudo, como uma empresa de café consegue, através de seus recursos e competências, redefinir e renovar as suas próprias capacidades buscando a criação da vantagem competitiva. A estratégia para a busca da vantagem competitiva utilizada por essa empresa foi construir blocos, que consistiu no empreendimento de uma série de projetos para o desenvolvimento e na transferência de conhecimento, que envolveu várias áreas da empresa, como compras, pesquisa e desenvolvimento, distribuição e marketing. A empresa adotou algumas estratégias. Criaram-se parcerias com os fornecedores, pois estaria adquirindo a matéria-prima diretamente dos fornecedores, dessa maneira sempre buscando a qualidade do produto. Também se procurou a inovação constante na área de pesquisa e desenvolvimento, uma vez que a empresa já possuía esta cultura desde seu nascimento. Foram desenvolvidos vários equipamentos para buscar a melhoria do produto final, sempre utilizando a aplicação de método científico no aprimoramento da qualidade do produto e processo. Tais como projeto para aplicação dos algoritmos do cálculo fractal para descrever e empacotamento da camada de café moído; projeto de análise da percolação utilizando modelos matemáticos; Projeto ESSE (Easy Serving Espresso); concessão gratuita da patente para divulgar um determinado o padrão de café; projeto de simulação computadorizada da percolação pelo modelo dos autômatos celulares e projeto da máquina eletrônica dotada de microprocessador para seleção do café. Houve também seleção dos canais de distribuição, que são cuidadosamente avaliados com base no conhecimento que demonstram no uso correto das máquinas e nas características que o café deve apresentar para ser considerado excelente. Para Lipparini et al (2000), as competências distintas no processo produtivo são importantes, pois além da capacidade de relacionamento, é intuitivo relacionar a excelência qualitativa à posse de competências em nível de processo produtivo. Por isso, neste estudo, foram identificadas as seguintes competências: (a) Qualidade das matérias-primas: a empresa somente utiliza as melhores partidas de café do mercado; (b) Blending: uma das regras fundamentais para obter um ótimo café expresso prevê que se combinem diferentes variedades de grãos para equilibrar o gosto. Por isso, a empresa desenvolveu um processo que consegue manter o gosto do café equilibrado e constante; (c) Seleção eletrônica dos grãos de café: a empresa tem desenvolvido uma máquina para escolha dos grãos, permitindo, assim, garantia da utilização de lotes de café sem defeito; (d) Degustação dos lotes: antes da aprovação final do produto, é realizada por degustadores a verificação da qualidade do café, sendo analisada a aparência, aroma, sabor e corpo; (e) Resfriamento por ar: para manter constantes os aromas do café, a empresa optou por esse sistema. Terminado o processo de torrefação e imediatamente após a saída das partidas, o controle identifica as características e os dados relativos a sua partida; (f ) Pressurização: todos os esforços no processamento do café poderiam ser em vão se não fossem preservadas as características até o consumo. A empresa desenvolveu um processo que garante o produto fresco durante três anos. Neste caso, para a empresa de café, saber como apreender, e como apreender mais rapidamente que os concorrentes, representa a melhor fonte de vantagem competitiva sustentável, enquanto a competição com base nas competências se torna uma tarefa irrenunciável. Buscou apresentar estes dois casos, nos quais as empresas, através de seus recursos e competências, mantêm-se competitivas no mercado. No primeiro caso, enfoca-se uma estratégia de crescimento através de replicação de seu conhecimento adquirido, e, no segundo, nos seus recursos e competências. 07 ESPAÇO DIALÓGICO Como resultado desse estudo, Bandeira de Mello et al (2002) consideraram que existe lógica da replicação do conhecimento organizacional e que pode ser utilizada como modelo para explicar o crescimento organizacional de empresas que se expandem por meio da criação de pontos de venda, ou unidade produtivas, semelhantes e distantes geograficamente. Referências AMIT, R. y SCHOEMAKER, P. Strategic Assets and Organizational Rent. Strategic Management Journal: 1993, vol. 14, p. 33-46. BANDEIRA DE MELLO, R.; SILVA, A.B.; LENGERT, L. A replicação do conhecimento como estratégia de crescimento em uma rede de fast food. In: C O N G R E S S O L AT I N O - A M E R I C A N O D E ADMINISTRAÇÃO – CLADEA 2002. Anais.Porto Alegre, 2002. BARNEY, J. B. Firm Resources and Sustained Competitive Advantage. 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Revista de Administração de Empresas – RAE, São Paulo, v.40, n.2, p.16-25, 2000. NELSON, R. y WINTER, S. An Evolutionary Theory of Economic Change. Har vard University Press. Cambridge, Massachussets, 1982. PENROSE, E. The theory of growth of the firm. London: Basil Blackwell. 1959. PORTER, Michael E. Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. 7. ed. Rio de Janeiro : Campus, 1986. PETERAF, M. A. The Cornerstones of Competitive Advantage: A Resource-based View. Strategic Management Journal, vol. 14, p. 179-191, 1993. RUMELT, R. P. SCHENDEL, D. e TEECE, D. J. Fundamental Issues in Strategy. En R. P. Rumelt, D. E. Schendel e D. J. Teece (eds.) Fundamental Issues in Strategy. Boston: Harvard Business School Press, 1994. p.9-53. TEECE, D.J.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18 (7): 509-533, 1997. WERNERFELT, B. A Resource-based View of the Firm. 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Observamos, através de nossa análise, que tanto os Mucker quanto Jacobina foram alvo de diferentes interpretações por parte dos autores analisados, que em todos os momentos atentaram para sua condenação moral. Essa condenação, por sua vez, revestia-se de todo um caráter ideológico, que procurava justificar o massacre que se praticou por parte das autoridades e diferentes grupos sociais no Ferrabraz em 1874. Dessa forma, as narrativas analisadas no artigo evidenciam o caráter condenatório por parte de seus autores em relação aos Mucker e a sua líder Jacobina. Palavras-chave: Mucker. Representações sociais. Memória. Introdução N o presente artigo, pretendemos investigar parte das representações construídas sobre os Mucker¹ e, de forma especial, sobre sua líder, Jacobina Maurer, que contava com a ajuda de seu marido João Jorge Maurer, conhecido como “o curandeiro”. Os Mucker serão, especialmente no período compreendido entre o final do século XIX e início do século XX – em que se verifica a forte presença do ideal positivista da ordem e do progresso - ,alvo de diferentes interpretações, que tiveram como ponto comum a condenação moral do conflito e de sua líder. As representações construídas sobre os Mucker, no final do século XIX, apontam-nos como os únicos responsáveis pelos acontecimentos. As interpretações feitas sobre o movimento, especialmente no período logo após o final do conflito, apontam para a condenação moral do grupo e, especialmente, de sua líder, Jacobina Maurer, descrita, nas fontes analisadas, como a principal responsável pelo fanatismo do grupo e pela violência vivenciada durante o conflito no morro Ferrabraz, localizado no atual município de Sapiranga-RS. Conforme veremos, parte das narrativas construídas sobre os Mucker procuraram incutir no imaginário do leitor a noção de “verdade”, fazendo com que o discurso do autor parecesse e assumisse a condição de descrição fiel dos seus personagens e fatos. As representações construídas sobre os Mucker, no final do século XIX, apontam-nos como os únicos responsáveis pelos acontecimentos. As interpretações feitas sobre o movimento, especialmente no período logo após o final do conflito, apontam para a condenação moral do grupo e, especialmente, de sua líder, Jacobina Maurer, descrita, nas fontes analisadas, como a principal responsável pelo fanatismo do grupo e pela violência vivenciada durante o conflito no morro Ferrabraz, localizado no atual município de Sapiranga-RS. Conforme veremos, parte das narrativas construídas sobre os Mucker procuraram incutir no imaginário do leitor a noção de “verdade”, fazendo com que o discurso do autor parecesse e assumisse a condição de descrição fiel dos seus personagens e fatos. 1 Os Mucker e sua líder Jacobina Iniciamos nossa análise sobre os personagens centrais do conflito apresentando, de forma abrangente, a biografia de Jacobina Mentz Maurer. Em relação a ela, sabe-se que * Titulação: Graduado, mestre e doutor em história pela UNISINOS. NOTA ¹ O movimento Mucker ocorreu no final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1868 e 1874, na Antiga Colônia de São Leopoldo, atual município de Sapiranga, RS, envolvendo um grupo de cerca de 150 colonos, formado por imigrantes e descendentes de imigrantes alemães. Esse grupo, supostamente, estaria formando uma nova de caráter messiânico, liderada por Jacobina Mentz Maurer e por seu marido João Jorge Maurer. O conflito acaba com o extermínio desses colonos, em nome pelas forças oficiais, lideradas pelo Coronel Genuíno Sampaio, no ano de 1874. Já o termo Mucker, ao que tudo indica, foi utilizado pelo pastor evangélico-luterano Frederico Boeber para se referir ao grupo liderado por Jacobina. O termo apresenta diferentes significados, podendo significar santarrão, embusteiro ou fanático religioso. O termo pode ainda ser associado ao zumbido das abelhas, quando estão trabalhando na colméia. Essa última tinha como intenção a identificação dos Mucker como um grupo que, quando reunido em culto, demonstrava todo seu fervor e fanatismo religioso. 09 ESPAÇO DIALÓGICO Área de atuação: É professor da IENH, ISEI e FACCAT. Atua como professor convidado no Curso de Especialização em História do RS na UNISINOS. nasceu em data desconhecida do mês de junho de 1842, na localidade de Hamburgo Velho, atual município de Novo Hamburgo – RS. Jacobina foi confirmada em 04 de abril de 1854, na Igreja Evangélica de Hamburgo Velho, onde viria a se casar com João Jorge Maurer. Foi assassinada em 02 de agosto de 1874, pelas forças oficiais, em seu esconderijo ao pé do morro Ferrabraz. Jacobina, quando criança, teve sérias dificuldades na escola, não tendo conseguido aprender a ler e escrever. Segundo os diagnósticos do Dr. Hillebrand, Jacobina apresentava, desde criança, sinais de transtornos nervosos que se haviam agravado em sua fase adulta, quando iniciou a leitura e interpretação da Bíblia. Segundo o médico, esses transtornos teriam provocado uma verdadeira mania religiosa e sonambulismo espontâneo. Contrapondo-se às representações construídas e difundidas sobre Jacobina, encontramos aquelas que retratam o coronel Genuíno Sampaio, que nasceu em 1822, na Bahia. Iniciou cedo sua carreira militar, tendo participado em diversos conflitos da história do Brasil, defendendo os interesses do Estado. germanidade daqui, de 1875. Nele encontramos a primeira imagem idealizada de Jacobina. Publicado por Koseritz², em seu Koseritz Kalender, o artigo procurava alertar as pessoas para os fatos que ocorriam, consistindo em um “ato de denúncia” em relação ao grupo que se organizava no Ferrabraz. Para Koseritz, estes fatos lançam luz terrível sobre nosso progresso e que são motivo das mais sérias preocupações para o futuro³. Apresentando os Mucker como fanáticos religiosos e avessos aos avanços da ciência, Koseritz tece críticas severas a eles, na medida em que não praticavam os valores da verdadeira germanidade 4. O alvo preferido por Koseritz, no entanto, foi Jacobina Mentz Maurer. Para ele, Jacobina representava a demência religiosa que se havia instaurado na colônia, devido à indigestão crônica de passagens bíblicas, aliada a temor cuidadosamente nutrido ante inferno e diabo e crença demente em revelação, em vocação divina e em milagres de toda a espécie. Para Koseritz, Jacobina era: Uma mulherzinha doida, histérica como Jacobina Maurer teria sido simplesmente ridicularizada, sem jamais encontrar adeptos que se deixassem inflamar a tais atos macabros. Sabemos de sobejo que com a publicação desta nossa opinião, baseada na mais intima convicção, haveremos de chocar novamente os mais amplos círculos. O agourento “S.v.K.” será novamente o alvo da baba piedosa que espirra do alto dos púlpitos de ambas as confissões; hão de trovejar contra o almanaque popular e proibir a aquisição do mesmo, - isso, contudo, pouco importa, pois cumprimos nosso dever, dizemos a verdade e esclarecemos os leitores a respeito das verdadeiras causas da fraude Mucker nas colônias5. Mais tarde, já coronel, Genuíno voltou ao Rio Grande do Sul, vindo a comandar a guarnição de uma parte da fronteira e, depois, fixando residência em Porto Alegre, onde comandava seu batalhão. Com a eclosão do conflito na colônia alemã de São Leopoldo, o coronel foi chamado para apaziguar e acabar com o conflito entre os colonos do Ferrabraz. Foi durante essa ação que Genuíno morreu, no dia 21 de julho de 1874. A causa de sua morte é bastante discutida, havendo diferentes versões, que ora incriminam os Mucker, ora os inocenta. Em função de sua morte, entrou no cenário o Major Francisco Santiago Dantas, que levaria o conflito até o final, com a derrota dos Mucker. A desqualificação de Jacobina no texto de Koseritz fica bem evidente no emprego do diminutivo “mulherzinha”. Jacobina é descrita como uma desajustada socialmente e responsável por atos macabros. Vale ressaltar que a questão de gênero aparece como um elemento desqualificador de Jacobina, ao ser apontada como “mulherzinha”, de quem eram esperadas determinadas características psicológicas: A representação construída sobre o Coronel - e que se consagrou no imaginário da população - foi a do militar que tombou em nome da civilização contra a barbárie. Nesse caso, Genuíno representava a lança da civilização, enquanto os Mucker representavam o universo bárbaro, não civilizado. Começamos a análise dessas representações sobre os dois personagens com o artigo A Fraude Mucker na Colônia Alemã. Uma Contribuição para a história da cultura da As onças choviam em sua casa, que em pouco tempo se tornou ponto de reunião de muitos doentes, aos quais prescrevia toda a sorte de decocções de ervas. Não curou ninguém, mas que importa, os doentes acorriam como antes a ele que buscou acorrentá-los de outra maneira. Para tanto, a pretensa inspiração divina de Jacobina proporcionou-lhe a algema necessária. Como Deus se dignasse nomear-lhe medicamentos e interferir no ofício dos médicos, nada foi mais natural para Maurer do que explorar a propensão à crendice6. Ainda na versão publicada em 1880, sob o título NOTAS ² Karl Von Koseritz nasceu em 03 de fevereiro de 1834, em Dessau, na Alemanha. Chegou pela primeira vez ao Brasil em ESPAÇO DIALÓGICO 10 1850, regressando logo em seguida à Alemanha. Chega pela segunda vez ao Brasil e acaba participando do grupo formado para lutar contra Rosas na Argentina, conhecido como os Brummer. Num primeiro momento, Koseritz trabalhou como jornalista em Pelotas e Rio Grande, sendo que em 1864 assumia a direção do Deutsche Zeitung, de Porto Alegre. Além disso, Koseritz teve grande participação na política do RS, ao lado dos liberais, onde desempenhou forte atuação na defesa dos interesses do partido. Faleceu em 1890. ³ VON KOSERITZ, Carlos. A Fraude Mucker na Colônia Alemã. Uma contribuição para a história da cultura da germanidade daqui. Koseritz Kalender. p. 1. (Tradução de Martin N. Dreher). Lembramos que essa publicação ocorreu em meio às comemorações do 50º Jubileu da Cidade de São Leopoldo, que, segundo Koseritz, eram alusivas à coragem alemã e pelo trabalho alemão. Ainda como exemplo da exaltação da germanidade, Koseritz refere-se aos imigrantes e a seus descendentes como portadores do cerne operoso da natureza alemã e de natureza sadia da raça alemã. 4 5 VON KOSERITZ, Carlos. A Fraude Mucker na Colônia Alemã. Uma contribuição para a história da cultura da germanidade daqui. Koseritz Kalender. p. 5. (Tradução de Martin N. Dreher). (grifos nossos) 6 Ibidem, p. 6. (grifos nossos) Marpingen 7 und der Ferrabraz, Jacobina é descrita como mensageira da palavra de Cristo. Para o autor, contudo, Jacobina não passava de uma enganadora, que se dizia proferir palavras divinas aos seus adeptos no Ferrabraz. Para ele, a personagem Jacobina surgiu num contexto de fanatismo religioso, em decorrência de uma educação deficiente que transformou todos os crédulos em potencial. Sua visão detratora influenciou categoricamente vários outros estudos realizados a partir do final do século XIX. Consideramos também necessária, nesse contexto do final do século XIX, a análise do relatório escrito por Dantas_8 em 1877, uma vez que a versão apresentada por ele influenciou de forma decisiva o processo de construção e difusão de representações sobre o conflito. Na narrativa 9 de Dantas, prevalece o ponto de vista de um militar preocupado com a descrição do cenário e das ações militares que envolveram o combate dos Mucker. Como exemplo disso que afirmamos, apresentamos o único trecho em que Jacobina foi citada nominalmente, sendo que, no decorrer de sua narrativa, seu nome torna-se ausente: para incentivar as ações dos soldados que, abalados com a morte do coronel, se viram em uma situação difícil. Dantas afirmou que a morte de Genuíno deveria servir-lhes de exemplo de bravura e que estes não deveriam se deixar abalar. Ao contrário, deveriam tomar esse fato como lição e com isso salvar a dignidade do uniforme nacional12. Genuíno era, na interpretação de Dantas, o exemplo de herói, que havia dado sua vida no combate aos Mucker. Concordando com a visão detratora sobre os Mucker, apresentada até aqui por Koseritz e Dantas, o padre jesuíta Ambrósio Schupp13afirmou que Jacobina e seu marido eram os principais responsáveis pela formação do grupo, apresentando-os como o casal misterioso do Ferrabrás [que] se deixou penetrar e possuir dessa convicção14, ao aliar a cura de doenças à prática religiosa. Para o autor, cuja obra se constitui como a primeira referência historiográfica sobre o tema, o mistério envolvia o casal Maurer, que não teria outra pretensão senão a de enganar os colonos. Para ele, Jacobina era uma pessoa dotada de capacidades limitadas e praticante de atos criminosos, como ficou evidenciado na seguinte passagem: João Jorge Maurer e sua mulher Jacobina haviam organizado no município de S. Leopoldo uma seita religiosa que se baseava em arbitrárias interpretações dos Livros Santos. Discutiam os teólogos a questão da crença; debaixo do ponto de vista em que escrevo pouco importa10. A ausência nominal de Jacobina, no entanto, não diminui a sua participação na organização do grupo, sendo que Dantas, ao referir-se à casa do casal, denominou-a de casa Maurer, numa referência a João Jorge e Jacobina. A casa Maurer, no entanto, é apresentada ao leitor como um símbolo da destruição dos Mucker, devido à ação militar bem sucedida. Na análise da narrativa de Francisco Dantas, percebemos, ainda, sua preocupação em evidenciar a existência de dois grupos rivais, os Mucker e os não-Mucker. Nesse contexto recriado por Dantas, o Coronel aparece como personagem de destaque, dada a sua atuação em combate, que acabou levando-o à morte. Genuíno Sampaio foi apresentado como distinto coronel Genuíno 11, demonstrando a intenção de Dantas de enfatizar o caráter de Genuíno, que se perfilava entre os mais destacados militares brasileiros. A morte de Genuíno foi, também, utilizada por Dantas Segundo ele, Jacobina, ao final do conflito, teria sido descoberta ao lado de seu suposto amante: Jacobina, toda escabelada, o olhar desvairado, precipita-se para fora da choupana. De um salto acha-se a seu lado Rodolfo, pronto a sacrificar a vida por ela. Com olhar de louco, bramindo como um tigre, parecia querer defendê-la de todos os lados, a um tempo16. Além disso, constatou-se a plena identificação do autor com as autoridades policiais. Isso fica evidenciado no uso da expressão nosso delegado, evidenciando a posição favorável a um dos grupos envolvidos, o da repressão aos Mucker. Também nessa mesma linha interpretativa, Schupp destaca a atuação de Genuíno Sampaio, afirmando que essa se deu a partir do momento em que as atividades do grupo liderado por Jacobina no Ferrabraz foram associadas a verdadeiros atos de barbárie. Para ele, o Ferrabraz havia se transformado 7 VON KOSERITZ, Carlos. Marpingen und der Ferrabraz. In: PETRY, Leopoldo. O episódio do Ferrabraz: os mucker. 2ª ed. São Leopoldo: Rotermund, 1966. p. 170-173 (Marpingen é traduzido por Leopoldo Petry como sendo um lugarejo da Alemanha). 8 Francisco Santiago Dantas nasceu em Itaguaí, RJ, no dia 19 de maio de 1844. De formação militar, Dantas foi também engenheiro militar. Na política, exerceu o mandato de deputado na Assembléia Provincial do RS entre 1879 e 1880. Dantas faleceu em 11 de junho de 1889 em Cuiabá. AHRS. Ligeira Notícia sobre as Operações Militares contra os Muckers na Província do RS. Francisco C. de Santiago Dantas. Rio de Janeiro, 1877. Maço 152. 9 10 Ibidem, p. 2. (grifo nosso) 11 Ibidem, p. 6. 12 Ibidem, p. 11. 13 Ambrósio Schupp nasceu em Montabaur, Alemanha em 26 de maio de 1840. Cursou filosofia e teologia na Universidade de Würzburg. Chegou ao Brasil em 10 de outubro de 1874, um pouco após o término do conflito Mucker. Faleceu em 1914. 14 SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. 3 ed. Porto Alegre: Selbach & Mayer, s/d p. 42. 15 Ibidem, p. 277 (grifos nossos). 16 Ibidem, p. 299 (grifos nossos). 11 ESPAÇO DIALÓGICO NOTAS Jacobina mandara degolar o próprio filho, criança de peito, para que o choro desta não descobrisse o seu esconderijo; ordenado mais que, em dia determinado, se fizesse o mesmo a todas as crianças menores de cinco anos; pois assim como o Salvador fora salvo pelo sangue dos recém-nascidos, assim também ela devia ser salva pelo sangue das crianças de tenra idade15. num cenário de horror, no que se realizava, por iniciativa de Jacobina, uma festa de sangue17, disseminando um ambiente de orgia de sangue nas picadas18. O falecimento de Genuíno é utilizado para reforçar a imagem heróica do personagem, já que a mesma se deu em combate. Sua atuação corajosa no combate contra Jacobina e seus adeptos acabou sendo legitimada através do ritual, que envolveu o sepultamento, realizado em Porto Alegre: (...) acompanhado de todo o clero, vinha o bispo da diocese; seguindo-se a oficialidade, os corpos das diversas armas, e os altos funcionários públicos, e, fechando a procissão fúnebre, representantes das diversas corporações civis, negociantes, operários, e, por fim, uma multidão compacta de populares. Chegados ao cemitério, à beira da sepultura que devia guardar os despojos mortais do malogrado militar, entoou o Bispo o “De profundis”. Um estremecimento de dor percorreu toda aquela multidão, e a muitos, sentindo o coração apertado pelos mais negros pressentimentos, marejaram as lágrimas19. Fica evidente a intenção do narrador ao descrever o ritual de sepultamento do coronel: a de ressaltar a participação de diversas autoridades e da população da capital que, segundo ele, estavam comovidas e sensibilizadas com a morte de Genuíno. Schupp enfatiza o sentimento de dor, a comoção e as lágrimas derramadas pelos presentes, exaltando, assim, a imagem do coronel. apresentada pelo padre jesuíta Ambrósio Schupp, representante do pensamento dos jesuítas de seu tempo, observamos uma forte intenção de difundir uma única imagem sobre os Mucker, associada à barbárie e ao não civilizado, no contexto do final do século XIX. Essa imagem, no entanto, consagrar-se-ia ainda nas primeiras décadas do século XX, quando ainda, lentamente, surgirão novas linhas interpretativas. Como já afirmamos na introdução do artigo, selecionamos em nossa análise apenas os autores situados no contexto do final do século XIX e início do século XX e que, em seu tempo, procuraram acusar e incriminar os Mucker e sua líder Jacobina apenas como culpados e responsáveis pelos fatos ocorridos no morro Ferrabraz. Entretanto, não podemos esquecer que, além dessas fontes, que procuram condenar moralmente os Mucker, possuímos outras várias fontes, que merecem destaque nesse mosaico de representações sociais sobre os Mucker. Essas fontes, que apontam para outras interpretações sobre os personagens envolvidos no conflito, encontram-se temporalmente distantes dessas analisadas neste artigo. Essas revelam toda uma outra ideologia que demonstra um pensamento bastante diferente desse apresentado até aqui, que procurou colocar os Mucker e sua líder na condição única de culpados. Esse fato justifica a criação de representações tão negativas a seu respeito. Considerações Finais Desde as narrativas de Koseritz, responsável pela primeira imagem detratora sobre os Mucker, até aquela Referências AMADO, Janaína. Conflito social no Brasil: a revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978. BACZKO, Bronislaw. Los imaginários sociales: memórias e esperanzas colectivas. Buenos Aires: Nueva Visión, 1984. BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas lingüísticas. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1998. ESPAÇO DIALÓGICO 12 HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Escrita, linguagem, objetos: leituras de história cultural. Bauru: EDUSC, 2004. POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. C H A R T I E R , R o g e r. O M u n d o c o m o representação. Estudos Avançados. São Paulo, n. 11, nov. 1991. NOTAS 17 SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. 3ª ed. Porto Alegre: Selbach & Mayer, s/d. p. 217. 18 Ibidem, p. 221. 19 Ibidem, p. 273. (grifos nossos) OS SISTEMAS NACIONAIS DE INOVAÇÃO E A SITUAÇÃO BRASILEIRA Daniel Pedro Puffal* Resumo A capacitação tecnológica em suas diferentes dimensões tem sido uma preocupação central na agenda de políticas públicas de países e nas estratégias de empresas. Governos buscam alocar recursos nessa direção de modo a elevar o padrão de vida de sua população, enquanto os gastos de empresas procuram mantê-las competitivas. Embora em uma economia de mercado o principal locus onde ocorre inovação seja as empresas, a história tem mostrado que, de um modo geral, elas não conseguem capacitar-se sozinhas, sendo necessária a existência de um sistema nacional de inovação que as auxiliem nessa empreitada. A partir de análise de dados secundários, percebeu-se que há um baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento relativo à inovação no Brasil e que há espaço para ampliação da interação entre empresas e universidades. Além disso, conclui-se que o sistema nacional de inovação pode ser classificado em nível intermediário, quando comparado com países desenvolvidos. Palavras-chave: Inovação. Sistema Nacional de Inovação. Competitividade. A geração de inovação se vê facilitada na presença de infraestrutura tecnológica, na existência de recursos humanos qualificados, de relação de cooperação entre empresas e destas com outras instituições, de sistema de financiamento e de marco regulatório apropriado. O Sistema Nacional de Inovação – SNI constitui-se no arranjo institucional adequado a esse fim. O presente trabalho busca investigar o estágio em que se encontra o sistema nacional de inovação bem como a relação universidade-empresa a partir de dados da Pesquisa de Inovação e Tecnologia – PINTEC. Inicialmente, após a introdução, o artigo apresenta o esforço inovador das empresas e o sistema de inovação, a situação brasileira em relação à inovação e, finalmente, as considerações finais. O conceito de Sistema Nacional de Inovação, que tem sido discutido por economistas tais como Freeman (1987), Lundvall (1994, 2007), Nelson (2006), entre outros, alcançou respeitabilidade no meio acadêmico e entre as instituições internacionais, sendo considerado um elemento importante na determinação da riqueza das nações. 1 Esforço inovativo nas empresas e os sistemas de inovação A A interação entre a produção científica e a produção tecnológica desempenha um papel importante nos sistemas nacionais de inovação. Nos países desenvolvidos; é possível identificar a existência de circuitos de retroalimentação positiva entre essas duas dimensões, em que há fluxos de informação e de conhecimento nos dois sentidos. Nas últimas décadas, a difusão de novas tecnologias de informação e comunicação e a maior liberalização comercial entre países alteraram o ambiente competitivo onde as empresas atuam. Em trabalho sobre padrões tecnológicos e desempenho de firmas industriais brasileiras, De Negri, Salerno e Castro (2005) constataram que a estratégia de inovação e de diferenciação de produtos é a mais promissora para as empresas. Em 2000, observou-se que apenas 1,7% das empresas adotavam essas práticas, sendo responsáveis por 13,2% dos empregos e 25,9% do faturamento total. *Titulação: Mestre e doutorando em Administração, especialista em Marketing e Administração Escolar, graduado em Administração. Área de atuação: Coordenador do Curso de Bacharelado em Administração da Faculdade IENH e professor de disciplinas de marketing na IENH e Faculdade de Tecnologia SENAC-RS. 13 ESPAÇO DIALÓGICO inovação tem sido apresentada na literatura como uma fonte para a sobrevivência e para a expansão de empresas no mercado. A partir da contribuição seminal de Schumpeter (1982), em que à inovação é dado o principal papel na explicação do desenvolvimento econômico, novos avanços teóricos têm sido feitos para compreender melhor esse fenômeno. Universidades e institutos de pesquisa produzem conhecimento que é transmitido às empresas do setor produtivo, enquanto que o acúmulo do conhecimento tecnológico produz questões importantes para a elaboração científica e para a orientação da qualificação de recursos humanos. Já em países menos desenvolvidos, como o Brasil e outros, o sistema nacional de inovação ainda se apresenta imaturo (SUZIGAN e ALBUQUERQUE, 2008), visto que essa interação é pouco desenvolvida. Introdução Os autores apontam que essa estratégia influencia positivamente os salários pagos pelas firmas e também está positivamente correlacionada com seus volumes de exportações. Além disso, há outros benefícios, como a melhoria na qualidade dos produtos, conformidade com normas internacionais, ampliação da participação em mercados e redução de custos e de impactos ambientais. A concepção de sistema de inovação foi desenvolvida, durante os anos 1980, de forma paralela em diferentes instituições da Europa e dos Estados Unidos da América. Para Lundvall (2007), não há dúvida da importância da colaboração entre Christopher Freeman e o Grupo IKE da Universidade de Aalborg no sentido de melhorar as versões iniciais cujos ingredientes básicos e inspiração foram encontrados nos estudos de vários pesquisadores da inovação daquele período. Para Lundvall (1999), o primeiro trabalho publicado com significativa abrangência, que introduz o conceito de sistema nacional de inovação, foi a análise do Japão realizada por Freeman (1987). Porém, o conceito foi definitivamente estabelecido na literatura sobre inovação em decorrência de trabalhos de Freeman, Nelson e Lundvall na coletânea de artigos publicada em forma de livro em Dosi et al. (1988). 2 A situação da inovação no Brasil Com objetivo de elaborar indicadores nacionais e regionais comparáveis internacionalmente, o IBGE realiza periodicamente um levantamento sobre distintos aspectos do processo de inovação tecnológica nas empresas brasileiras. A pesquisa é denominada PINTEC – Pesquisa de Inovação Tecnológica. Já foi realizada e publicada três vezes, no entanto a prevista para 2008 ainda não foi publicada até a data da elaboração deste artigo. Segundo o IBGE (2008), em 2003, existiam, na indústria brasileira, aproximadamente 84 mil empresas com mais de dez empregados na base de dados do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ. Em 2005, esse número passou para 91 mil, representando um aumento de 8% no número total de empresas, como pode ser observado na tabela 1. 2001 – 2003 PINTEC 2003 Número total de empresas da pesquisa Empresas que implementaram inovações em produto novo para o mercado nacional Empresas que implementaram inovações em processo novo para o mercado nacional % do total 84 262 2003 – 2005 PINTEC 2005 % do total 91 055 Crescimento 2003 – 2005 % 8,0 2 297 2,7 2 956 3,2 29,0 1 023 1,2 1 509 1,7 48,0 Tabela 1 – Comparação do número de empresas e implementação de inovação em produto e processo Fonte: IBGE - PINTEC 2003 e 2005 O SNI é composto de organizações, instituições e da interação entre elas. Firmas, universidades, centros de pesquisa, agências governamentais, organizações políticas entre outros, formadas por estruturas formais, compõem o SNI. O conjunto de regras, rotinas e hábitos estabelecidos, assim como as leis que regulam as relações entre indivíduos e organizações, representam instituições do SNI. O ponto, para Lundvall (1994), é que o SNI está localizado dentro das fronteiras nacionais. Assim, sistemas de inovação são conjuntos de elementos e estruturas de uma nação que possuem funções específicas nos diversos processos relativos ao conhecimento para fins de inovação têm como finalidade propiciar a produção de conhecimento, sua difusão e sua utilização de modo que o país eleve seu padrão de vida. ESPAÇO DIALÓGICO 14 As empresas ocupam um papel de destaque no processo de inovação. Nelson (2006) aponta duas razões básicas para tal. A primeira é que deve haver conhecimento necessário para identificar e delimitar os pontos fortes e fracos da tecnologia que está em vigor já há algum tempo, bem como possíveis melhorias para orientar um trabalho inovador e com alto rendimento. Esse conhecimento geralmente está no interior das empresas que usam a tecnologia, assim como em seus fornecedores e clientes. A segunda razão, também presente nas empresas, é a exploração comercial da tecnologia, a qual necessita de estudos de viabilidade econômica e técnica, coordenação das áreas de P&D, produção e marketing, com objetivo final de maximizar o potencial da inovação. Constata-se, de acordo a tabela 1, que, apesar do crescimento significativo do número de empresas que implementaram inovações no período analisado, 29% nas que inovaram em produto e 48% nas que inovaram em processo, o percentual relativo ao total de empresas ainda permanece baixo. Somente 3,2% das empresas implementaram inovações em produto novo para o mercado nacional entre 2003 e 2005, e 1,7% das empresas implementaram inovações em processo para o mercado nacional nesse mesmo período. Buscando compreender a razão para o baixo percentual de empresas com inovação, apresentam-se, na tabela 2, os problemas e os obstáculos de alta importância relativos à inovação, apontados na PINTEC 2005. Apesar de os respondentes atribuírem aos problemas um grau de importância alta, média ou baixa, a tabela 2 apresenta somente o número de empresas que indicaram como alto o grau de importância aos problemas e aos obstáculos, considerados os mais relevantes para este trabalho. Na tabela 2, constata-se que os três obstáculos mais importantes à inovação apontados pelas empresas estão relacionados a questões financeiras. Ou seja, a falta de recursos impede a inovação das empresas. Por outro lado, é interessante a afirmação de De Negri, Salerno e Castro (2005) relativa ao desempenho das empresas inovativas de que a inovação tem correlação positiva com o resultado financeiro e parcela de mercado. Isso leva a um espiral descendente, sendo que a empresa que não investe em inovação por não ter recurso passa a não ter recurso por falta de inovação. Elevados custos da inovação Riscos econômicos excessivos Escassez de fontes apropriadas de financiamento Dificuldade para se adequar a padrões, normas e regulam entações Falta de pessoal qualificado Escassas possibilidades de cooperação com outras emp resas ou instituições Escassez de serviços técnicos externos adequados Falta de informação sobre tecnologia Falta de informação sobre mercados Fraca resposta dos consumidores quanto a novos produtos Rigidez organizacional Centralização da atividade inovativa em outra empresa do grupo Total de empresas da pesquisa Número de empresas 7 500 5 785 5 739 1 757 1 748 1 594 1 392 1 220 836 793 707 96 95 301 ocupados com ciência e tecnologia (OECD, 2008). % 7,9 6,1 6,0 1,8 1,8 1,7 1,5 1,3 0,9 0,8 0,7 0,1 Tabela 2 – Problemas e obstáculos à inovação com alta importância para empresas da PINTEC 2005 Fonte: IBGE - PINTEC 2005 Para De Negri, Salerno e Castro (2005), existe um razoável consenso de que o esforço inovativo das empresas brasileiras ainda é insuficiente para levar a economia a alcançar taxas de crescimento mais altas e inserir-se de forma sólida no comércio internacional. Daí a necessidade de se identificar de que maneira as empresas brasileiras podem aumentar o seu esforço inovativo, questão central para o desenvolvimento sustentado do país. Um dos caminhos é a constituição de um Sistema Nacional de Inovação que suporte as atividades das empresas nessa direção. Em 2008, foi publicada pela OCDE uma visão geral sobre ciência, tecnologia e indústria, objetivando rever as principais tendências relativas à ciência, à tecnologia e à inovação (OECD, 2008). Utilizando informações e indicadores disponíveis, o trabalho examina o perfil de desempenho da ciência e inovação dos países membros da OECD bem como de não membros, tais como Brasil, Chile, China, Israel, Rússia e África do Sul, relacionados com seus contextos nacionais. De forma geral, o texto revela que o investimento em ciência, tecnologia e inovação beneficiou fortemente o crescimento econômico, exemplificando que economias não pertencentes à OCDE aumentam sua importância em relação à P&D, e o ritmo do crescimento em P&D abrandou, mas está mais internacionalizado. Também apresenta que, nos últimos 5 anos, o número de patentes e publicações científicas disparou, assim como aumentou a procura por recursos humanos específicos da área de P&D. No Brasil, em 2006, o percentual gasto com P&D em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1,02%, o que pode ser considerado baixo se comparado com o padrão médio dos países membros da OCDE (Organização para cooperação econômica e desenvolvimento). Porém, esse valor estava acima dos gastos de Portugal, Turquia, Polônia e México (OECD, 2008). Considerando países não membros da OCDE, os gastos brasileiros estavam abaixo da China e Rússia, mas acima dos da Argentina. Com relação a recursos humanos, que possuem papelchave no desenvolvimento, em 2006 o Brasil contava com 1,48 pesquisadores por 1000 trabalhadores, e apenas 10,7% dos graduados no curso superior eram da área da ciência ou engenharia. De forma mais geral, 7,8% da população com idade entre 25 e 64 anos possui nível educacional superior em 2004, 18,4% do total dos trabalhadores estavam O Brasil produz 0,31 patentes triádicas por milhão de habitantes, o que o coloca em situação similar à da China e à da Rússia (OECD, 2008). Segundo a CAPES (2008), o Brasil está na 15ª colocação no ranking da produção científica mundial, com 19.428 artigos publicados em 2007, responde por 2,02% do total da produção científica no mundo, superando a Suíça (1,89%) e a Suécia (1,81%) e aproximando-se da Holanda (2,55%) e da Rússia (2,66%). Considerações finais Já há consenso, na academia e entre policy makers, de que a inovação é fator relevante na determinação da riqueza das nações e na competitividade de empresas. A atividade inovativa é importante para o crescimento econômico e sistemas nacionais, regionais e locais de inovação desempenham papel relevante nesse objetivo. O Brasil, quando se compara o seu estágio de desenvolvimento tecnológico em âmbito internacional, aparece entre aqueles países com relativamente baixo investimento em ciência e tecnologia, sendo que esses gastos são ainda predominantemente estatais. Por isso, não é de se admirar que o país careça de um sistema nacional de inovação mais desenvolvido ou de maior maturidade (SUZIGAN e ALBUQUERQUE, 2008). Contudo, embora de maneira tímida, esse quadro tem se modificado nos últimos anos. Além de se procurar aumentar os recursos destinados a P&D, já se procura organizar informações de modo a acompanhar o esforço inovativo de empresas e instituições brasileiras. Por exemplo, a PINTEC, realizada pelo IBGE, já se encontra em sua terceira edição. Pode-se inferir que o Brasil possui um SNI com um nível de desenvolvimento intermediário quando comparado com aqueles de países desenvolvidos. Constata-se, a partir de informações da PINTEC, que o esforço inovador das empresas nacionais ainda é relativamente baixo, embora venha aumentando. Das 91 mil empresas objeto de investigação no país no período 20032005, apenas 3,2% implementaram inovações em produtos, enquanto 1,7% o fizeram em processos. São variados os fatores de dificuldade alegados pelas empresas para se envolverem mais intensamente em atividades inovadoras. Dentre esses, cabe destacar os de ordem financeira, como os elevados custos requeridos na inovação, as restrições no acesso a fontes de financiamento e os próprios riscos associados a esse tipo de empreendimento. Uma maneira de as empresas superarem dificuldades individuais na inovação é estabelecer parcerias com universidades e outras instituições de pesquisa. Essa prática, contudo, ainda não é muito desenvolvida no Brasil, embora empresas venham reconhecendo esse canal como sendo importante em suas atividades. Ainda, de acordo com a PINTEC, é reduzido o número de empresas que consideram as universidades uma fonte importante de informação para 15 ESPAÇO DIALÓGICO Problemas e obstáculos apontados com alto grau de importância suas práticas inovativas. Esse quadro existente no país indica que há um amplo caminho a ser explorado na cooperação entre empresas e universidades, de modo a superar o atraso tecnológico relativo de nossa estrutura produtiva. Referências DE NEGRI, J. A.; SALERNO, M. S; CASTRO, A. B. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. In: DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M. S. (Org.). Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: IPEA, 2005. DOSI, Giovanni et al. (ed.). Technical Change and Economic Theory. London/New York: Pinter Publishers, 1988. FREEMAN, Christopher. Technology Policy and Economic Performance: lessons from Japan. London/New York: Pinter Publishers. 1987. ESPAÇO DIALÓGICO 16 IBGE. PINTEC - Pesquisa de Inovação e Te c n o l o g i a . D i s p o n í v e l e m http://www.pintec.ibge.gov.br/ acessado em 11 de fevereiro de 2008. LUNDVALL, B-A. National Innovation Systems – Analytical concept and development tool. Industry and Innovation. V. 14, n. 1, p. 95-119, 2007. _________. National business systems and national systems of innovation. International Studies of Management & Organization; Vol. 29 n. 2, p. 60-77, 1999. ________. 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ANÁLISE COMPREENSIVA DA ESTRATÉGIA COLABORATIVA ORGANIZACIONAL COMO DIFERENCIAL COMPETITIVO Dusan Schreiber* Resumo A colaboração entre as empresas transformou-se em uma das estratégias mais relevantes no âmbito das micro e pequenas empresas, na medida em que essas organizações atuam com sérias restrições de recursos, o que as impede de enfrentar a concorrência, cada vez mais próxima e presente. No entanto, entende-se que a decisão de cooperar e de atuar de forma conjunta exige das organizações a consolidação da base reflexiva no tocante à representação simbólica da respectiva concepção de estratégia colaborativa. O presente ensaio destina-se a lançar luz sobre alguns dos tópicos mais significativos nesse sentido. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de incorporação da resiliência ao portfólio de competências gerenciais. Palavras-chave: Estratégia. Colaboração. Teoria Econômica. A análise da relação da firma com o contexto circundante tem sido motivo de vários questionamentos teóricos, tornando-se necessário examinar as questões relativas ao modo como as organizações influenciam sistematicamente seus ambientes e como os ambientes organizacionais influenciam as outras organizações. Fazendo uma análise histór ica das teor ias organizacionais e econômicas, identifica-se que, em maior ou menor grau, quase todas consideram os aspectos relativos à seleção e à adaptação. Nesse sentido, no escopo de processo de decisão, Fiegenbaum (1996) relaciona SRP (escolha de pontos de referência) e a escolha de comportamento estratégico (Teoria da Expectativa, que relaciona o risco com os retornos esperados a partir do comportamento da escolha de estratégias dos gestores) e o desempenho da firma. A escolha de pontos de referência, que consiste de capacitação (aptidão) interna, condições externas e tempo, pode ajudar uma firma a obter um alinhamento estratégico para melhorar o seu desempenho e alcançar uma vantagem competitiva sustentável. A escolha de pontos de referência relaciona-se com algumas teorias organizacionais, entre elas a teoria da organização industrial econômica (BAIN, 1963; CAVES, 1996; PORTER, 1989), e a teoria da intenção estratégica (IMAI, 1988; PRAHALAD e HAMEL,1994). É nítida a preocupação de pesquisadores e executivos em identificar, dentro de um determinado contexto, as variáveis que facultem a construção de um quadro de decisão por meio do qual possam evidenciar as vantagens e possíveis desvantagens de associação a outros atores econômicos. O dilema de quando a firma deve fazer ou quando é preferível comprar (insumos, produtos ou serviços) representa, com certeza, um dos temas mais discutidos tanto em meio corporativo como acadêmico, desde que seus alicerces teóricos foram constituídos na consagrada obra de Coase (1937), que analisou os fundamentos da firma. Por esse motivo, no presente trabalho, serão apresentadas as vertentes teóricas de autores seminais que focam o referido tema, sendo que, à guisa de conclusão, o autor se fará presente por meio de reflexões individuais, com o intuito de lançar novas linhas de pesquisa. 1 Estratégia As primeiras contribuições ao tema de estratégia, desde a sua concepção até a sua implementação, tiveram sua origem no início do século passado, vinculadas inicialmente ao conceito de planejamento estratégico. Sloan e Chandler (apud CHANDLER, 1992) definiram como objetivo principal da estratégia o retorno do capital. Todas as ações empreendidas pela corporação deveriam focar esse objetivo. Na década seguinte, surgiram vários modelos de concepção de estratégias corporativas. Entre as mais relevantes, constam as pesquisas da Harvard Business School, com destaque para o modelo de análise SWOT, proposto Andrews (1980), baseado em observações * Titulação: Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Área de atuação: Docente da IENH. 17 ESPAÇO DIALÓGICO Introdução empíricas. Além disso, vale citar os trabalhos das empresas de consultoria como a Boston Consulting Group e McKinsey & Company, que se consagraram pelas ferramentas de apoio à gestão como a “curva BCG” e o método de análise de portfólio e de unidades estratégicas de negócios. Analisando as definições de planejamento estratégico, Henry Mintzberg (1973) argumentou que o planejamento não é sinônimo de definição de estratégias. O modo de estratégia deve, segundo autor, adequar-se à situação, o que está ligado mais a uma perspectiva contingencial e sugere que, em relação a isso, planos estratégicos deveriam especificar pontos finais (objetivos gerais) e rotas alternativas, mas deixar o gestor com a flexibilidade necessária para reagir a um ambiente dinâmico. Em 1978, Henry Mintzberg realizou uma pesquisa empírica longitudinal, da qual emergiram três pontos importantes: (a) a formação da estratégia pode variar entre ambientes dinâmicos e momentos burocráticos, com mediações da liderança entre esses momentos; (b) a formação da estratégia compõe-se de períodos distintos regulares; (c) o estudo das relações entre estratégias intencionais e realizadas levam à compreensão do “coração deste complexo processo organizacional”. Além disso, os estudos demonstraram dois tipos de estratégias: intencional e realizada, permitindo a combinação de três formas: a) estratégia deliberada: estratégia intencional que se realiza; b) estratégia não realizada: estratégia intencional que não se realiza devido a má interpretação do ambiente ou mudanças durante a implementação; c) estratégias emergente: estratégia não intencionada mas realizada. Na prática, no entanto, o tipo de estratégia utilizado não é “puro”. Ele compõe-se de estratégias em parte emergentes, em parte deliberadas. A formação da estratégia deve ser pensada por meio de uma composição de três forças básicas: o ambiente e suas mudanças, a burocracia e a influência da liderança entre essas forças. Assim, a estratégia pode ser vista como um conjunto de comportamentos consistentes estabelecidos pela organização por um determinado tempo e mudanças estratégicas como respostas a mudanças do ambiente limitadas pela burocracia e ação da liderança (MINTZBERG, 1978). ESPAÇO DIALÓGICO 18 Quase onze anos depois, Porter (1989) conseguiu reunir e sintetizar o conhecimento até então construído acerca de desenvolvimento de estratégias. Duas questões centrais embasam, segundo ele, a escolha da estratégia competitiva: (a) a atratividade das indústrias (ramos industriais) em termos de rentabilidade em longo prazo, e os fatores que determinam esta atratividade; (b) os determinantes da posição competitiva dentro de uma indústria. A estratégia competitiva deve surgir de uma compreensão sofisticada das regras da concorrência que englobam as cinco forças competitivas: (1) entrada de novos concorrentes, (2) ameaça de substitutos, (3) poder de negociação dos compradores, (4) poder de negociação dos fornecedores e (5) rivalidade entre os concorrentes existentes. Para autor, os dois tipos básicos de vantagem competitiva, combinados com o escopo de atividades da organização, levam a três estratégias genéricas para alcançar o desempenho acima da média em uma indústria: liderança de custo, diferenciação e enfoque (no custo ou na diferenciação). As diferenças organizacionais presentes em cada estratégia genérica trazem uma série de implicações subjacentes, tais como padrão de investimento requerido pela empresa, perfil dos executivos a serem contratados e treinados, cultura organizacional da empresa e política organizacional (PORTER, 1989). Essas diferenças foram exploradas com maior profundidade por Whittington (2002) em abordagens teóricas diferenciadas em escolas de pensamento como a clássica, evolucionária, processual e sistêmica. Outros pesquisadores do campo de estratégia perceberam a relação de dependência com uma das derivações da teoria mainstream de economia – a RBV (Resource Based View). Abordado inicialmente no campo econômico por Penrose (1995), o assunto foi retomado de forma mais consistente por pesquisadores em administração apenas na década de oitenta (WERNERFELT, 1984) e noventa (MAHONEY, J.H.; PANDIAN, 1992). A propriedade de recursos escassos valiosos, monopólio advindo de proteções e barreiras para competidores e a partir de empreendimentos schumpeterianos associados ao empreendedorismo e riscos (que se perdem com a difusão do conhecimento) e de recursos específicos à firma, podem representar a vantagem competitiva. Entende-se que esse seja talvez um dos principais fatores motivadores de todos os pesquisadores e autores que realizaram estudos do respectivo tema, ampliando o escopo da primeira abordagem, histórica e seminal, do Coase (1937). Naquela ocasião, no artigo intitulado “The nature of the firm” o respectivo dilema foi retratado sob a ótica de custo de transação. Quando o custo de fabricação de um produto, dentro da própria firma, fosse mais alto do que o custo de aquisição do produto no mercado, a firma deveria abdicar de sua produção e optar pela sua aquisição externa. 2 A vertente econômica Na sua essência, a Teoria Econômica busca compreender os fenômenos colocando o mercado como ponto central no processo de análise do tema. Verifica-se a tendência de privilegiar a perspectiva do mercado autossuficiente, principalmente à luz da lei de oferta e demanda. De acordo com essa visão, conforme Adam Smith (1981), a “mão invisível” do mercado teria o poder de se autoregular e harmonizar as relações entre a oferta e a demanda. Entretanto, no início do século passado, mais especificamente a partir da década de trinta, algumas correntes de pensamento, dentro da área de economia, De acordo com a definição de Coase (1937), a firma consiste de uma estrutura economicamente produtiva que estaria submetida ao movimento de preços, coordenados por meio de transações de troca no mercado com custos. Keneth Arrow (apud WILLIAMSON, 1985) definiu esses custos como custos de transação, ou ainda como os “custos de funcionamento do sistema econômico”. Baseado nesses custos, o dilema que se coloca para a firma é: internalizar ou externalizar? Comprar ou fazer? Ao internalizar, essas transações de mercado são substituídas pela estrutura da firma para organizar os processos de produção. Já quando a firma externaliza, as transações decorrentes dessa decisão orientadas por contratos, com custos inerentes à sua coordenação (WILLIAMSON, 1985). Destarte, qualquer análise baseada nos custos de transação deve incluir as variáveis envolvidas com esses contratos, decorrentes dos conceitos de racionalidade limitada e oportunismo de Simon (1945). Além desses, Williamson (1985) apresenta ainda três dimensões relativas às decisões sobre os custos de transação, a saber, a especificidade dos ativos, a incerteza e a frequência com que ocorre a transação. Segundo a ver tente evolucionária, para se compreender a firma, é essencial a compreensão do processo de mudança econômica decorrente de sua resposta às mudanças do mercado, do crescimento econômico e da competição através da inovação (NELSON e WINTER, 1982). Segundo essa abordagem, a firma deverá possuir um conjunto de capacidades próprias e de regras de decisão. No entanto, essas capacidades poderão vir a ser modificadas, de acordo com a necessidade de se adaptar ao mercado. Dessa forma, é possível afirmar que a firma possui certa limitação no controle de suas decisões, pois, de acordo com as mudanças do ambiente (externo, mas também interno), uma firma deverá mudar (evoluir), reconstruindo seu conjunto de competências e capacidades, alterando suas características originais. Nesse enfoque da firma, o conhecimento assume uma dimensão de alta relevância na questão de possível expansão de seus limites (SAVIOTTI e METCALFE, 1989). No entanto, esse conhecimento é limitado e restrito, seguindo o princípio de racionalidade limitada de Simon (1945) e, portanto, assimétrico, para o conjunto de firmas operando no mercado, o que pode ser verificado pela diferenças que podem ser evidenciadas em trajetórias tecnológicas seguidas por cada uma delas (DOSI, 1988), o que implica condicionamento da sua performance. Sem viabilidade técnica e econômica para verticalizar a sua produção, cabe à empresa optar pela aquisição de itens cuja fabricação seria tecnologicamente inviável ou os quais a firma não consegue produzir por um custo marginal menor do que o obtido do mercado. À guisa de conclusão da abordagem do dilema “Fazer ou Comprar?”, com base na abordagem da teoria econômica e a partir dos conceitos emanados por Coase (1937), Penrose (1995), Wernerfelt (1984), Williamson (1985) e Peteraf (1993), é possível afirmar que a firma tende a externalizar as atividades sempre quando chega ao limite de sua competência, que se reflete em custos internos superiores aos praticados no mercado. No entanto, remanesce ainda assim a questão de racionalidade limitada dos agentes, representada pela impossibilidade de aquilatar todas as informações necessárias para a tomada de decisão, no tocante, principalmente, a custos de coordenar os contratos e ao quadro de incerteza relativo à competência técnica dos contratados e ao comportamento oportunista que estes agentes podem apresentar. Considerações finais Chandler (1992) afirma que a estratégia é definidora da estrutura. Considerando-se que o desenho da formulação estratégica, por seu turno, depende de variáveis ambientais, que estão permanentemente em processo de transformação, o referido alinhamento torna-se uma tarefa complexa. Ao mesmo tempo, é possível constatar que o ambiente interno das organizações também está eivado de deficiências e inconsistências internas, exigindo das empresas construir novas aptidões, capacidades e competências (GALBRAITH, 1986; PRAHALAD e HAMEL, 1994; BARNEY, 1991). Por isso, a função da gerência em alinhar estratégias, sistemas e processos representa o desafio relevante. É possível perceber que a teoria econômica e o enfoque estratégico proporcionam uma base sólida para interpretar os resultados de processo decisório de muitas organizações. No entanto, a caracterização do universo multifacetado das organizações e a complexidade dos processos decisórios organizacionais exigem uma base teórica mais completa. Sabe-se que o lado humano das organizações representa a essência da estrutura organizacional e é responsável por orientar, em grande parte, o modo de pensar e de agir dos gestores organizacionais, e as atividades realizadas internamente encontram-se inscritas no universo simbólico de muitas organizações. A referida tarefa já apresenta nuances de complexidade por implicar na combinação de recursos com características diferentes para atingir os resultados esperados. Torna-se mais complexa pela incerteza e pela ambigüidade decorrentes da variabilidade tanto dos recursos como das 19 ESPAÇO DIALÓGICO começaram a se opor a essa visão, argumentando que o elemento mais importante na economia de mercado seria a firma. Esse seria o principal motivo pelo qual a visão ortodoxa da economia não podia conseguir explicar os movimentos econômicos. Movido por esse desafio, Coase (1937) formula, então, a questão que se contrapôs à linha de pensamento ortodoxa, baseado no questionamento se tudo era regulado por movimentos de preços, então a produção podia ocorrer sem a firma e, nesse caso, por que a firma deveria existir? condições ambientais vinculadas ao contexto no qual a organização encontra-se inserida. A racionalidade limitada do gestor, a falta de confiança e possibilidades diversas na combinação dos recursos, peculiares e dependentes do foco ensejado também contribuem para elevar a atividade de gestão para o nível de categoria artística. Além disso, não se pode esquecer da subjetividade envolvida no referido processo de gestão, exigindo do decisor exercício da capacidade preditiva de eventos sujeitos a interpretação simbólica. Referências ANDREWS, Kenneth R. The concept of corporate strategy. Rev. ed. Homewood: Richard D. Irwin, 1980. BAIN, Joe S. Organización industrial. Barcelona: Omega, 1963. BARNEY, J. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, v.17, n.1, p.99-120, 1991. CAVES, Richard E. World trade and payments: an introduction. New York: Harper Collins, 1996. CHANDLER, Alfred D. Organizational Capabilities and the Economic History of the Industrial Enterprise. The Journal of Economic Perspectives (1986-1998); Summer 1992; 6, 3; pg. 79 COASE, R. H. The nature of the firm. Economica, v.4, 16, p.386-405, 1937. DOSI, G. Technical change and industrial transformation. London: Macmillan, 1988. FIEGENBAUM, Avi. Strategic reference point theory. 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Rio de Janeiro: Campus, 1989. PRAHALAD, C K; HAMEL, Gary. Strategy as a field of study: Why search for a new paradigm? Strategic Management Journal; Summer 1994; 15, pg. 5 SAVIOTTI, P. P. e METCALFE, J. S. Present Development and Trends in Evolutionary Economics In SAVIOTTI, P.P. e METCALFE, J.S. (1991) Evolutionary Theories of Economic and Technological Change. Hardwood Publishers. SIMON, Herbert A. Bounded Rationality and Organizational Learning. Organization Science. Vol. 2, Nº 1, pp. 125-134 (1991) SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e a causa da riqueza das nações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. WERNERFELT, B. A resource-based view of the firm. Strategic Management Journal, v.5, n.2, p. 171-180, 1984. MAHONEY, Joseph T.; PANDIAN, Pajendran J. The resource -based view within the conversation of strategic management. Strategic Management Journal, v. 13, n. 5, June, 1992. WHITTINGTON, Richard. O que é Estratégia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. Capítulo 2 – Teorias sobre estratégia, p.11-48. MINTZBERG, H. Strategy-making in three modes. California Management Review, v. 26, n. WILLIAMSON, O.E. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1985. INSERÇÃO DE TESTABILIDADE EM NÚCLEOS DE SISTEMAS DIGITAIS – A NORMA IEEE 1149.1 Eduardo Santos Back* Resumo Este artigo discorre sobre a integração de teste em circuitos eletrônicos digitais. O enfoque é o método baseado na norma IEEE1149.1, destinada a definir uma infraestrutura baseada na técnica do boundary scan para o teste de placas de circuito impresso. São apresentadas características de testabilidade desenvolvidas para microcontroladores, utilizando-se a técnica do boundary scan em sua periferia e a técnica do scan path em seu núcleo. A inserção dessas características de teste facilita a depuração e testes em nível de sistema, imaginando-se o sistema como algo maior, fazendo parte por exemplo de um sistema informatizado e, por que não, em redes de computadores. Palavras-chave: Teste, Boundary-Scan, IEEE1149.1, JTAG, Scan Path. A cada dia, tornam-se mais importantes as características de testabilidade dos circuitos eletrônicos produzidos em série. Com a crescente miniaturização dos componentes e placas, a tarefa de testar torna-se cada vez mais complexa, originando o problema da testabilidade frente à miniaturização. A complexidade dos sistemas em um único chip (SOC System on a chip) e a tecnologia submicrônica (VDSM - Very deep submicron) nor teiam o desenvolvimento de semicondutores, fazendo com que os métodos de teste se tornem rapidamente inadequados e com alto custo. Atualmente, a demanda do mercado é por equipamentos eletrônicos cada vez mais baratos, menores e mais rápidos, com certeza também de melhor qualidade. Para garantir esses pontos básicos, há a necessidade de melhores testes e procedimentos de diagnose. Para ajudar a resolver esses problemas, normas têm sido criadas a fim de definir padrões de integração de capacidades de testabilidade em placas e em componentes eletrônicos. Dessa forma, facilita-se e até mesmo, em casos mais graves, permite-se que possam ser feitos testes que antes eram impossíveis, tamanha a miniaturização dos componentes e placas dos sistemas eletrônicos atuais. Partindo da hipótese de que há a funcionalidade do teste na placa e em seus circuitos, há ainda a necessidade de que possam ser feitos os devidos testes com o auxílio de computadores. Além da análise de algumas técnicas de teste e verificação de falhas, são abordados, neste artigo, aspectos sobre a arquitetura boundary scan. Esta última, a base para a norma IEEE 1149.1. 1. Teste e projeto visando o teste de sistemas digitais Em substituição parcial às placas de circuito impresso, o projeto de sistemas eletrônicos vem assumindo uma nova forma, que consiste na integração de diversos subprojetos em um projeto maior de um único chip, implementado portanto sobre um mesmo substrato de silício. São os chamados projetos baseados em núcleos de hardware ou cores. Os subprojetos são como circuitos independentes, projetados absolutamente em separado, mas passíveis de comunicação com outros núcleos de hardware. O reaproveitamento de núcleos é fator interessante, mas alguns problemas estão relacionados a essa organização, entre eles a dificuldade de comunicação entre os cores (núcleos, módulos) de fornecedores distintos e a necessidade de testes dos núcleos quando integrados em silício. Os núcleos de hardware atualmente são disponibilizados pelos mais diversos fabricantes, facilitando a sua utilização no que se refere ao custo, que tende a ser reduzido com o passar do tempo. Tarefas executadas por diversos circuitos integrados agora podem ser agregadas em um único chip, porém isso agrega maior complexidade em uma única pastilha, que pode conter milhões de transistores. Os testes em circuitos integrados iniciam com as provas nos wafers de circuitos, que serão divididos, formando *Titulação: Mestre em Informática pela UFRGS (2002), ênfase em Microeletrônica, Analista de Sistemas pela Unisinos (1997) e Técnico em Eletrônica pela Fundação Liberato (1991). Atua na área de Informática desde 1995, com foco em redes de computadores. Área de atuação: Professor da IENH e coordenador do Curso Superior de Tecnologia de Redes de Computadores. 21 ESPAÇO DIALÓGICO Introdução diversos chips. Os circuitos integrados (CIs) são testados a cada etapa de sua vida útil: após a produção dos primeiros protótipos, após a fabricação em série, após a montagem em placa de circuito impresso e durante sua utilização, por razões de manutenção preventiva ou corretiva. Como a tecnologia segue evoluindo, continua a confrontar a tendência de maior complexidade, maior desempenho e maior densidade. Para permitir esses três aspectos, mudanças fundamentais são esperadas na forma de realização de CIs, como o projeto, encapsulamento, processo de elaboração do silício, processo de montagem em placa, etc. Essas mudanças têm impacto direto nos métodos de teste, ferramentas e equipamentos adotados. A dificuldade de acesso aos transistores internos é um problema bastante sério nos testes de chips. Há uma disparidade entre o crescimento interno do relógio desaes chips e a capacidade de entrada e saída, fazendo com que testes à velocidade real do chip tornem-se muito difíceis ou praticamente impossíveis. A capacidade de banda de I/O tem um maior impacto sobre os métodos de teste de chips. Como os equipamentos de teste são de tecnologias sempre anteriores às dos chips que estão sendo desenvolvidos, é muito mais difícil garantir os seus testes de forma adequada. Os equipamentos de teste, além de caros, estão baseados em tecnologias anteriores àquelas utilizadas nos circuitos a serem testados. É aqui que surge o conceito de teste no próprio chip. É o projeto visando à testabilidade (design for testability). Significa que, conforme as necessidades de teste, componentes específicos são colocados dentro do chip, como parte integrante de seus circuitos. Uma dessas técnicas é o scan path. Consiste em ter-se um caminho serial dentro do chip, de forma que possam ser testadas as suas funcionalidades por meio da introdução de dados específicos em determinados pinos. Por outro lado, quanto mais pinos, maior o custo. Projetos de system on a chip (SOC), ou sistema em um único chip, podem implicar no reuso de blocos funcionais préprojetados, também chamados componentes virtuais, IP (Intellectual Properties, ou propriedade intelectual). Esses núcleos de funções podem ser adquiridos com funções prédefinidas de teste e serem reutilizados em diferentes circuitos. Uma linguagem de teste foi definida pelo IEEE, a CTL (Core Test Language), a fim de facilitar e simplificar a integração de núcleos (cores). Os núcleos mais usados hoje são de memórias. Essas memórias têm alguma redundância e, em caso de falha em testes, são reconfiguradas de forma a continuarem com sua capacidade original. ESPAÇO DIALÓGICO 22 Com o contínuo incremento da velocidade dos CIs, defeitos relacionados à velocidade são cada vez mais importantes. Um teste externo, nesses casos, não é eficiente, além de caro. É o caso já citado de que os testadores estão sempre atrasados em relação aos seus testados. Enquanto a precisão de um testador externo aumenta da ordem de 12% ao ano, a velocidade interna dos chips aumenta 30% no mesmo período . Dessa forma, ainda mais importante é o teste embutido, interno ao chip. 2. Os diferentes métodos de teste e de projeto visando o teste Partindo do início do projeto, qualquer circuito passa por várias etapas de verificação, quais sejam: fase de depuração do projeto, teste de produção e teste de manutenção. Nessas etapas, é possível identificar e isolar os dispositivos que contêm falhas ou ainda substituir partes com problemas. Esses são os testes off-line, ou seja, quando o circuito em teste não está em funcionamento. Outro tipo de teste é o on-line, quando o dispositivo está em funcionamento e, neste caso, os próprios estímulos funcionais, devidamente codificados segundo códigos detectores e/ou corretores de erros, são utilizados para a aplicação do teste e para a verificação da validade das operações realizadas. No contexto de testes off-line e com o intuito de verificarse o correto funcionamento do circuito na velocidade nominal de operação, temos o teste funcional. Este, de fato, confronta o comportamento observado com a especificação do sistema e, por isso, é capaz de identificar problemas de desempenho. Por outro lado, tem-se o teste estrutural, onde procura-se confrontar a implementação física ao esquemático originalmente previsto para o circuito. Este, tentando abstrair ao máximo a funcionalidade do circuito, verifica a presença ou ausência de problemas neste (fault-based). Mas, para que haja testes eficientes, são necessários modelos de falhas realistas. Grande parte dos defeitos são relacionados ao substrato de silício onde as estruturas foram fabricadas, como, por exemplo, impurezas no material utilizado para se produzirem os wafers. Em outros casos, os defeitos ocorrem durante alguma etapa do processo de fabricação, como o deslocamento das máscaras ou a presença de partículas de poeira na sala onde os circuitos estão sendo produzidos. Nesse caso, têm-se as chamadas falhas múltiplas, em que um defeito afeta várias partes do circuito. Outros problemas podem acontecer durante a vida útil do circuito, ocasionados por fatores térmicos ou fenômenos mecânicos, e neste caso têm-se falhas simples que afetam, em geral, dispositivos individuais. Pode-se estabelecer ainda uma diferenciação entre os tipos de falhas no que diz respeito à permanência de resultados errôneos: falhas transitórias, que ocorrem devido a fenômenos aleatórios e de curta duração, como interferências eletromagnéticas; falhas intermitentes, que têm um comportamento lógico determinístico, fornecendo sempre o mesmo tipo de erro, mas que não se manifestam sempre; e falhas permanentes, que, uma vez instaladas, permanecem como interconexões abertas ou em curto-circuito. Alguns exemplos de modelos de falhas utilizados em circuitos digitais são: entradas e saídas de portas lógicas sempre em nível '1' ou '0' (stuck-at), transistores sempre conduzindo (stuck-on) ou que nunca conduzem (stuck-open) e atrasos em portas na subida ou descida do sinal (slow-to-rise ou slow-to-fall) representam falhas de dispositivos. Curtocircuitos entre conexões (bridging), fios desconectados ou ainda atrasos no caminho crítico do circuito representam falhas de interconexão. O processo de elaboração de uma bateria de testes a ser Uma ferramenta mais elaborada seria capaz de gerar, de maneira automática, os vetores de entrada necessários ao teste. O problema consiste em encontrar um conjunto de estímulos de entrada que seja suficiente para garantir a máxima cobertura de falhas, ou seja, para garantir a detecção do maior número possível de falhas que fazem parte do modelo adotado. Se o objetivo é diagnóstico, torna-se necessária a distinção entre possíveis falhas que apresentem o mesmo comportamento na saída do circuito, as ditas falhas equivalentes. Para a geração automática de vetores de teste, podem ser utilizadas as abordagens exaustiva, pseudoaleatória ou determinística. Na primeira, consideram-se a geração e a aplicação de todos os vetores de teste possíveis. Dessa forma, tem-se a maior cobertura possível, porém essa abordagem só deve ser aplicada a circuitos muito pequenos. Na segunda abordagem, geradores especiais produzem vetores pseudoaleatórios a partir de uma semente, um vetor de inicialização. Esse método gera uma boa cobertura de falhas em um tempo razoável de teste, porém, para circuitos em que poucos vetores gerariam seqüências suficientes, as seqüências de testes obtidas de maneira pseudoaleatória podem ser muito longas. Na abordagem determinística, há dois métodos: algébrico e topológico. No método algébrico, vetores de teste são computados a partir de expressões booleanas que descrevem o funcionamento do circuito em teste. No método topológico, os vetores de teste são derivados a partir da estrutura do circuito. Ainda que se utilize uma ferramenta que gere estímulos de teste, algumas falhas podem ser difíceis de detectar, aumentando o tempo e o custo do teste para se atingir uma melhor cobertura de falhas. Sendo assim, o re-projeto de partes do circuito pode ser vantajoso, melhorando a acessibilidade a partes internas deste, o chamado projeto visando à testabilidade, ou DFT (Design for Testability). Aqui se enquadra a técnica do scan path, já mencionada na seção anterior. Devido à crescente miniaturização, pode-se considerar outra possibilidade de projeto visando ao teste, que é a concepção de circuitos autotestáveis, ou com BIST (Built In Self Test). A idéia básica aqui consiste em transferir módulos originalmente implementados no testador para dentro do próprio circuito a testar. Nesse caso, blocos geradores de estímulos e analisadores das respostas de teste são integrados no circuito. Os métodos de BIST têm, é claro, um custo associado, devido ao aumento da área do circuito e, quanto mais transistores ele tiver, maior é a probabilidade de falhas ocorrerem nesse circuito. Ou seja, deve ser pesado o custo desse incremento de unidades funcionais frente à provável diminuição de peças com defeito saindo de uma linha de produção. Além do mais, apesar da diminuição dos custos de teste, a integração de estruturas BIST em muitos casos ocasiona a inserção de atrasos no circuito, que devem ser verificados, analisados e, na medida do possível, eliminados. 3. A norma IEEE std 1149.1 A partir da década de 70, os testes de placas de circuitos eletrônicos foram baseados na técnica de Bed-of-Nails (cama de pregos). Essa técnica consiste na utilização de uma estrutura com diversos pinos, as chamadas ponteiras ou simplesmente pregos. Sobre essa estrutura, é colocada uma placa a ser testada, existindo na placa predisposição para fazer contato com os pinos. Nos pinos, são colocados vários sinais lógicos, de forma a testar os componentes da placa, bem como as interconexões entre as diversas partes. O teste pode ser realizado em duas etapas distintas: power-off e power-on. No primeiro caso, a integridade dos contatos entre os pinos dos componentes e partes da placa é testada, sendo identificadas falhas de circuito aberto e curtocircuito, a partir da medição da impedância. No caso do teste de power-on, aplicam-se sinais lógicos sobre um componente, em parte da placa ou na sua totalidade, verificando-se a resposta. Essa técnica depende de um acesso físico às partes sob teste, dificultado pelo fato de, com o passar do tempo, utilizarem-se placas com mais de uma face e ainda com trilhas internas, além da constante miniaturização dos componentes. Na década de 80, um grupo de engenheiros de teste de companhias européias se uniu, formando o JETAG (Joint European Test Action Group), a fim de buscar soluções para o problema da testabilidade de circuitos eletrônicos. Esse grupo sugeriu a adoção de uma técnica utilizando um caminho serial de registradores de deslocamento entre os componentes do circuito, recebendo o nome de Boundary-Scan. Tempos mais tarde, o grupo se uniu a outros engenheiros da América do Norte, dando origem a um novo grupo, o JTAG (Joint Test Action Group). Essa idéia acabou sendo padronizada internacionalmente, tornando-se a norma IEEE 1149.1. Algumas vantagens da utilização dessa norma podem ser verificadas: verificação de falhas estruturais durante a fabricação; redução nos pontos de teste na placa; lay-out mais simples, com redução do custo do teste; redução de tempo de teste; interface padrão; redução no time-to-market. A norma IEEE 1149.1 não define detalhes da arquitetura de teste, detendo-se na sua funcionalidade. A infraestrutura de teste proposta consiste em uma porta de acesso (TAP – Test Access Port), uma lógica de controle, que inclui a decodificação de instruções de teste, e um conjunto de registradores, dentre os quais o registrador de deslocamento de periferia composto por células de memorização e varredura conhecidas como células boundary scan. A eficiência de um teste BS depende, evidentemente, da disponibilidade de circuitos integrados que suportem esta tecnologia. Nos últimos anos, muitos têm sido os fabricantes a disponibilizar CIs com esta tecnologia, apesar de ainda raras as placas 100% compatíveis com a norma IEEE1149.1. 23 ESPAÇO DIALÓGICO aplicada em um determinado circuito precisa de ferramentas computacionais que auxiliem a contornar a complexidade da obtenção de estímulos adequados de teste. A mais elementar das ferramentas é a simulação de falhas. Esta consiste na simulação do comportamento do circuito, injetando-se na sua descrição falhas que pertençam ao modelo adotado, e na comparação dos resultados obtidos na saída do circuito com e sem falhas. O objetivo é verificar se essas falhas são detectadas a partir de determinados estímulos de entrada. 4. A Arquitetura Boundary-Scan Na arquitetura Boundary-Scan, a cada pino de entrada e de saída de sinais é acrescido um registrador de 1 bit (flip-flop), conforme mostra a figura 1. Os registradores conectados a pinos de entrada de sinal são chamadas de células de entrada. Os registradores conectados a pinos de saída de sinal são chamados de células de saída. Os sinais podem ser inseridos através de um pino adicional no circuito integrado, chamado TDI (Test Data In), o início do caminho BS. Ao final do caminho, há também o pino TDO (Test Data Out), por onde os dados são retirados do chip. Figura 1 - Princípio da arquitetura Boundary-Scan Muitos tipos de teste podem e devem ser executados sobre uma placa de circuito impresso, antes dela ser aprovada e deixar a fábrica. Para isto, há mais um pino adicional ao circuito integrado: o pino TMS (Test Mode Select). O pino TMS ativa um circuito adicional dedicado ao controle de testes. A norma IEEE 1149.1 permite ainda um pino opcional de TRST (Test Reset). O uso das células BS não deve inter ferir no funcionamento da lógica do CI, e o caminho de teste (scan path) é independente da função do componente. A figura 2 mostra um exemplo de uma célula básica de Boundary-Scan. A norma IEEE 1149.1 não define a arquitetura, mas apenas a sua funcionalidade. O circuito é constituído de 2 flip-flops tipo D e 2 multiplexadores (MUX). Há 4 modos de operação da célula BS: normal, update (atualização), capture (captura) e deslocamento (serial shift). Figura 2 - Célula básica Boundary-Scan Conclusões De fato, o interesse nos testes de placas de circuito impresso não está apenas em testar a funcionalidade dos componentes individualmente, uma vez que já foram feitos durante o processo de fabricação, e sim em proporcionar testes entre as interconexões dos circuitos. As causas de defeitos mais comuns em circuitos são descarga eletrostática, choque mecânico ou choque térmico, afetando ou a periferia do dispositivo ou pontos de solda ou as interconexões entre componentes. Bastante incomum é encontrar problemas na lógica central do componente sem haver problemas na sua periferia. A inclusão de testabilidade em núcleos mostra-se tarefa bastante complicada pela necessidade do entendimento bastante completo das estruturas e do funcionamento dos circuitos envolvidos, bem como da norma de teste em questão. Outro ponto importante é a escolha dos registradores da cadeia interna de varredura. Uma possível sequência deste trabalho aponta para uma implementação prática. A inclusão e validação dos testes no contexto de circuitos reais ou ainda a introdução de estruturaspadrão como parte de uma biblioteca. O teste prático pode ser realizado através de um equipamento de teste que atende à norma, o testador Boundary-Scan JTAG PM3705, disponível em laboratórios da área. Referências BACK, E. S. Tecnologias Industriais de Teste. 2000. Trabalho Individual (Mestrado em Ciência da Computação) Instituto de Informática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. CARRO, L. et al. Using Reconfigurability to Break Down Test Costs: a case study. In: IEEE LATIN AMERICAN TEST WORKSHOP, 1., 2000, Rio de Janeiro. Digest of papers. [Amissville: IEEE Computer Society], 2000. p.209 – 214. DERVISOGLU, B. IEEE 1149.2 Description and Status Report. IEEE Design & Test of Computers, Los Alamitos, v. 9, p.79 - 81, Sept. 1992. ESPAÇO DIALÓGICO 24 FRANCO, D. T. Estudo de Caso de um System-on-Chip para Validação de um Modelo de Sistemas. 2000. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) - Instituto de Informática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. IEEE. IEEE Standard Test Access Port and Boundary Scan Architecture, IEEE Standard 1149.1. New York,1990. KAPUR, Rohit et al. P1500-CTL: Towards a Standard Core Test Language. In: VLSI TEST SYMPOSIUM, 17., 1999, Dana Point. Proceedings... Los Alamitos: IEEE Computer Society, 1999. p. 489 - 490. KAUTZ, W. Testing for Faults in Wiring Networks. IEEE Transactions on Computers, New York, v. C-23, n. 4, p. 358-636, Apr. 1974. LUBASZEWSKI, M. Boundary Scan: The Pioneer of Test Standards. In: CONGRESS OF THE BRAZILIAN MICROELECTRONICS SOCIETY, SBMICRO, 10., 1995, Canela. Proceedings... Porto Alegre: Instituto de Informática da UFRGS, 1995. p. 145-166. MALY, W.; NIGH, P. Built-In Current Testing – Feasibily Study, In: INTERNATIONAL CONFERENCEON COMPUTER-AIDED DESIGN, 1988, Santa Clara. Digest of technical papers. New York: IEEE, 1988. p.340-343. MCHUGH, P. IEEE 1149.5 Module Test and Maintenance Bus. IEEE Design & Test of Computers, Los Alamitos, v. 9, p. 62 - 65, Dec. 1992. RENOVELL, M. 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Optou-se, como marco metodológico, a pesquisa qualitativa. Como instrumentos de coleta de informações, as observações com roteiro semiestruturado, o diário de campo e entrevistas foram utilizados. Três professores com formação em Licenciatura Plena em Educação Física, atuantes na Educação Infantil, e as Supervisoras Pedagógicas das instituições onde atuam os profissionais acima citados foram entrevistados. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para fins de análise. Foram realizadas, também, observações das aulas de Educação Física ministradas pelos profissionais entrevistados. Essas observações foram devidamente registradas no diário de campo. Os resultados mostraram que os professores não se sentem ou se sentiram preparados para o trabalho com a Educação Infantil após a sua formação inicial, e, segundo eles, a experiência do trabalho do dia-a-dia e a formação continuada são as melhores maneiras de se qualificar para o trabalho com a Educação Infantil. Além disso, através desta pesquisa, foi explicitado que nem sempre é o profissional de Educação Física a atuar com a Educação Infantil, mas profissionais generalistas, como as professoras regentes. Palavras-chave: Educação Física. Educação Infantil. Formação inicial. Saberes docentes. Considerações iniciais M uitos acadêmicos, quando chegam ao final do curso de Licenciatura Plena em Educação Física, questionam se estarão realmente preparados para enfrentar o mercado de trabalho após a conclusão do curso. Refletem se todos os conhecimentos, fragmentados, adquiridos durante sua graduação, trarão segurança na hora de desenvolver a Educação Física em suas diversas áreas de atuação. de Educação Física para atuar na Educação Infantil após a conclusão do curso. Sendo assim, objetivou-se, na presente investigação, analisar a percepção dos profissionais de Educação Física sobre sua formação inicial e continuada e suas atuações no contexto da Educação Infantil, para refletir sobre a formação acadêmica atual no curso de Educação Física em extinção de um Centro Universitário do Vale dos Sinos. 1 Educação Física escolar Dessa forma, este estudo justifica-se academicamente no momento em que traz reflexões sobre o processo de formação dos profissionais de Educação Física relacionando à sua prática no âmbito da Educação Infantil. Além disso, este documento instiga instituições de ensino superior à reflexão e talvez à reavaliação de seus currículos, conteúdos e suas metodologias, se estão realmente preparando o profissional Atualmente, existem várias concepções na área da Educação Física, todas tendo em comum a tentativa de romper com os modelos mecanicista e tecnicista, que são originários de uma etapa recente da disciplina que durou até o final da década de 1970 (SOARES, 2002). No que diz respeito ao âmbito escolar, não há muita diferença. A Educação Física escolar foi e continua sendo tema de inúmeras pesquisas. Diversos pesquisadores e estudiosos buscam encontrar o real significado e os objetivos da Educação Física no contexto escolar. Contudo, a cada dia que passa, inúmeras dúvidas surgem e diversas teorias são concebidas sobre a função que a Educação Física deve assumir na formação do aluno dentro da escola. * Titulação: Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física. **Titulação: Doutorando em Educação, Mestrado em Ciências do Movimento Humano, Especialização em Psicologia do Exercício e do Esporte e Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física, professor orientador desta pesquisa. 25 ESPAÇO DIALÓGICO No que diz respeito especificamente à Educação Física na Educação Infantil, a reflexão sobre a formação do profissional torna-se de suma importância, no momento em que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB 9.394/96, 1996) dá ao profissional de Educação Física a habilitação para atuar junto às escolas de Educação Infantil. Apesar de estar habilitado, será que o profissional está qualificado para intervir na Educação Infantil? Para Ferraz e Macedo (2001), a Educação Física, como componente do currículo escolar, tem como seu principal objetivo difundir conhecimentos ordenados sobre a cultura corporal e de movimentos. Sendo assim, ao final da escolarização, o aluno deverá estar apto para participar e usufruir de programas de ginástica, natação dança, esporte, etc. Já segundo Betti e Zuliani (2002), a Educação Física, sendo componente curricular da Educação Básica, tem o dever de assumir o papel de introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que irá desenvolvê-la, instruindo-o para se beneficiar dos jogos, dos esportes, das atividades rítmicas expressivas, das ginásticas e práticas que tenham por finalidade a busca da qualidade de vida. Não se deve, contudo, caracterizar a Educação Física na escola somente como uma disciplina que tem por objetivo difundir a cultura corporal e do movimento, tampouco limitá-la ao aprendizado de jogos recreativos, modalidades esportivas, ou à pura e simples repetição de movimentos. A Educação Física tem uma função mais ampla no contexto escolar. Ela deve formar um cidadão consciente de seus direitos e deveres, cumpridor de leis e regras estabelecidas pela sociedade na qual está inserido e, acima de tudo, um ser humano ético e informado, que entende o mundo em que vive. A Educação Física tem de estar integrada à proposta pedagógica da escola, considerando assim a criança em sua totalidade (SOARES, 2002). 2 Educação Infantil Até ser inserida na esfera da Educação Básica, a Educação Infantil passou por diversas mudanças. Durante muito tempo, acreditou-se na dicotomia da educação/assistência, a partir da qual as crianças eram acompanhadas não por educadores, mas por “cuidadores”¹, porém, com o passar do tempo, a indissociabilidade entre educação e cuidado começou a ser considerada no dia-a-dia das escolas de Educação Infantil. Ferraz e Macedo (2001), em suas recentes pesquisas, verificaram que os professores consideram sua ação como uma tarefa educacional e não mais exclusivamente assistencial. ESPAÇO DIALÓGICO 26 Nesse processo de ressignificação, de transição entre a simples função de cuidar e a nova concepção de cuidar e educar encontra-se diversos significados e funções para a “nova” Educação Infantil. Os documentos públicos afirmam que a Educação Infantil tem como objetivo oportunizar a interação das crianças com adultos e outras crianças, em situações variadas, elaborando conhecimentos sobre si próprios, sobre o meio físico e social, desenvolvendo todas as suas potencialidades e possibilidades (BRASIL, 1998). Complementando isso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica cita: NOTA [...] a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (LDB 9.394/96, 1996, artigo 2). Pesquisas mais recentes em Educação Infantil, citadas por Silva e Pinheiro (2002), apontam para a sua necessária multidisciplinaridade. Nesse sentido, Rocha (apud SILVA E PINHEIRO, 2002, p. 46) compreende a Educação Infantil como: [...] campo de conhecimento que envolve a infância tomada como objeto por diferentes campos de saber científico nas áreas da saúde, do direito, da sociologia, da história, da antropologia, das ciências humanas e sociais incluindo a demografia, a arquitetura, as artes, as letras o serviço social, a lingüística, a Educação Física e a Educação, que tem, por sua vez, também a infância como objeto de estudo e campo de intervenção. A Educação Infantil é um tempo e espaço onde a criança tem acesso a conhecimentos formados historicamente e, ao mesmo tempo, participa como sujeito sócio-histórico, produtor desses conhecimentos. Com a interação com o outro, a criança descobre-se, descobre o outro, descobre o mundo e, experimentando, ressignifica, a todo o momento, sua compreensão e intervenção nesse mundo (SOARES, 2002). É indiscutível que a fase de vida dos seres humanos, dos zero aos seis anos, é uma das mais importantes, senão a mais importante. É nessa fase que a criança começa a descobrir o mundo em que vive. Durante esse período, a criança terá um desenvolvimento psicológico, social, intelectual e motor que, talvez, não alcançará novamente, na mesma proporção, durante toda a sua vida. Por isso e por diversos outros motivos, é que cada vez mais se necessita de profissionais qualificados para cuidar e educar, em sua totalidade, estes alunos. Já evoluímos bastante, mas é preciso que se busque intensamente a qualificação de todos os educadores envolvidos nesta nova Educação Infantil. 3 Educação Física na Educação Infantil Desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96, BRASIL, 1996), as discussões em torno da Educação Física na Educação Infantil têm se intensificado. Conforme essa lei, a Educação Infantil é denominada primeira etapa da Educação Básica e, por conseqüência, a Educação Física, como componente curricular da mesma, torna-se componente curricular da Educação Infantil. Mesmo com a inserção da Educação Física na esfera da Educação Infantil sendo um grande avanço, um grande problema vem no seu encalço. Como devem ser desenvolvidas as aulas de Educação Física para a Educação Infantil? Quais são os objetivos deste componente curricular para com as crianças de zero a seis anos? ¹ Ainda existem diversas pessoas ou estabelecimentos que prestam o serviço de cuidar de crianças, mesmo não estando habilitados para a função de cuidar / educar, contudo, no contexto social em que vivemos, estes “cuidadores” são a única alternativa que, talvez, muitos pais encontram para deixar seus filhos, enquanto estão ocupados. Analisando a Educação Física na Educação Infantil, Mello (2001, p. 97) afirma que: As crianças necessitam de um trabalho com movimento direcionado às suas vidas, engajado no trabalho dos demais componentes curriculares da Educação Infantil, para que ela possa ver a relação da Educação Física com a sua vida, com a aquisição de conhecimentos e não apenas a relação com o esporte e a saúde. Não existe maneira de falar sobre Educação Física na Educação Infantil sem falar de movimento. “O movimento é o elemento que possibilita a interação do ser humano com o meio ambiente e, portanto, o seu não desenvolvimento tornaria a educação da criança seguramente incompleta” (TANI, 2001, p. 112). Mas que dimensões do movimento seriam adequadas às práticas pedagógicas da Educação Física na Educação Infantil? Seria o simples deslocamento do corpo? Manoel, Kokubun, Tani e Proença (apud FERRAZ E MACEDO, 2001) comentam que proporcionar oportunidades de movimento, adequadas às características e necessidades da criança, mostra-se fundamental para seu desenvolvimento como um todo. Contudo, o conceito de movimento, neste caso, não se restringe ao simples deslocamento de um corpo no espaço-temporal da contração muscular, mas é, através dele, que a criança se relaciona com o meio ambiente com o intuito de alcançar seus objetivos. Piaget (apud FERRAZ E MACEDO, 2001, p. 85) afirma que: As experiências motoras nos primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, uma vez que fornecem o meio pelo qual a criança explora, relaciona e controla seu ambiente. A integração das sensações, resultando em percepções, irá influenciar toda a aprendizagem simbólica posterior, em forma de estruturas cognitivas, uma vez que a criança terá que organizar, no plano do pensamento, tudo que organizou no plano das ações. Complementando o que foi dito por Piaget (apud FERRAZ E MACEDO, 2001), percebe-se o quanto é forte a sua reflexão de que a capacidade de movimentar-se do ser humano não é inata. Isso significa que a quantidade e a qualidade de experiências motoras, nessa faixa etária, são fundamentais para o enriquecimento e flexibilidade do acervo motor que, por sua vez, permitirá aprendizagens mais complexas. Ayoub (2001), em sua afirmação, proporciona uma definição que pensa-se ser mais esclarecedora sobre os reais objetivos da Educação Física na Educação Infantil. Segundo a autora: A Educação Física na Educação Infantil pode configurar-se como um espaço em que a criança brinque com linguagem corporal, com o corpo, com o movimento, alfabetizando-se nessa linguagem. Brincar com a linguagem corporal significa criar situações nas quais a criança entre em contato com diferentes manifestações da cultura corporal (entendida como as diferentes práticas corporais elaboradas pelos seres humanos ao longo da história, cujos significados foram sendo tecidos nos diversos contextos sócio-culturais), sobretudo aquelas relacionadas aos jogos e brincadeiras, às ginásticas, às danças e às atividades circenses, sempre tendo em vista a dimensão lúdica como elemento essencial (AYOUB, 2001, p.57). Muitos são os estudos e as concepções de Educação Física na Educação Infantil, porém o que muitas vezes observa-se na prática é que profissionais desqualificados, estagnados em conhecimentos ultrapassados e práticas errôneas, não proporcionam as vivências motoras necessárias à faixa etária que é abrigada pela Educação Infantil, não cumprindo os objetivos propostos por esta etapa da Educação Básica. Complementando, segundo Fontoura et al (2006), a ação pedagógica do professor de Educação Física, na Educação Infantil, é de suma impor tância no desenvolvimento das crianças, uma vez que ajuda a estruturar as funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas e relacionais. Portanto, para que a ação pedagógica do professor não se torne inadequada, ele necessita conhecer as etapas do desenvolvimento da criança, que se organiza em categorias que vão se aprimorando de acordo com a evolução de sua vida até se concretizar na adolescência (FERNANDES, NOGUEIRA E MARTINEZ, 2008). Por conseguinte, conhecer intimamente a criança, suas fases de desenvolvimento, suas características e suas peculiaridades, torna-se fundamental para o professor de Educação Física que atua ou pretende atuar na Educação Infantil. A partir de tudo que foi comentado anteriormente, pensa-se que a inserção da Educação Física como componente curricular da Educação Infantil, seja um enorme avanço para o seu desenvolvimento e reconhecimento. Entretanto, não somente com uma lei obteremos uma Educação Física de qualidade, é preciso, sim, investir em capacitação de profissionais para atuarem com as crianças de zero a seis anos, faixa etária que possui suas diversas particularidades e necessidades. 4 Formação inicial do educador físico e a Educação Infantil Muito tem se refletido sobre a formação inicial dos profissionais de Educação Física. Prova disso é a contínua produção de artigos discutindo este tema. Entretanto, ainda há um abismo entre os conhecimentos obtidos durante a formação inicial e o dia-a-dia da prática docente. Freitas (2001) considera que o distanciamento entre a formação acadêmica e a realidade escolar possui um vínculo com a dicotomia teoria/prática. Esse tipo de configuração gera problemas no processo de ensino-aprendizagem durante a formação inicial, pois, geralmente, os saberes são vistos como resultados das produções científicas e distantes da formação docente. Nesse sentido, os professores desenvolvem uma relação de exterioridade com os saberes que possuem, transmitem e tendem a desvalorizar a 27 ESPAÇO DIALÓGICO Percebem-se diversas lacunas no que diz respeito ao como e ao que deve ser trabalhado no cotidiano das aulas de Educação Física para essa faixa etária. Além do mais, o desconhecimento dos objetivos da Educação Física para com essas crianças, gera a criação de posturas pedagógicas, muitas vezes, inadequadas e sem propósito. formação acadêmica (formação inicial), na medida em que encontram um universo totalmente novo quando se deparam com a realidade escolar, na qual sem uma habilidade compreensão do contexto educativo não é possível a aplicação de teorias e técnicas para a resolução de problemas enfrentados na prática (BORGES, 1997 apud FREITAS, 2001). Günther (2000) contribui, ainda, afirmando que a preparação deficitária do professor durante sua graduação, muitas vezes relacionada à dissociação entre a teoria e a prática não é um problema exclusivo da formação de professores de Educação Física, contudo, a forte vinculação desta com atividades práticas parece acentuá-lo. A formação inicial do profissional de Educação Física utiliza-se dos esportes para desenvolver o paradigma da performance esportiva, a partir dos quais a aprendizagem mecânica é evidenciada na formação do professor (BORGES, APUD SCHERER, 2000). Esse ensino de conhecimentos, habilidades e competências é, em geral, descontextualizado da sociedade, possibilitando a formação de professores não reflexivos e com uma posição de neutralidade política (KINCHELOE, 1997 apud SCHERER, 2000). Falando especialmente do âmbito da Educação Infantil, a formação inicial do educador físico parece não se comprometer com a qualificação do acadêmico (AYOUB, 2001; SAYÃO, 1999). O discurso de que a formação inicial não prepara o profissional de Educação Física para trabalhar no âmbito da Educação Infantil é encontrado em comentários de acadêmicos em formação e profissionais já graduados. Sayão (1999, p. 223) afirma que “tradicionalmente, não há, nos cursos de Licenciatura em Educação Física, uma preocupação em formar professores para intervirem na educação de zero a seis anos”, ou seja, faixa etária abrangida pela Educação Infantil. Ayoub (2001) complementa afirmando que as discussões em torno da Educação Infantil como um todo, suas problemáticas específicas e suas relações mais amplas com o contexto educacional brasileiro parecem não fazer parte da formação dos(as) licenciados(as) em Educação Física. Para Tardif (2002), o saber docente é um saber plural constituído a partir da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e da experiência. Conforme Therrien (1995), os estudos que abrangem a formação do professor continuam dissociados entre a formação e seu atuar no dia-a-dia, desconsiderando a questão dos saberes que são mobilizados na prática, ou seja, os saberes da experiência. Esses saberes são vivenciados e adaptados passando a integrar a identidade do professor, constituindo-se em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas, sendo, por conseqüência, caracterizados como um saber original. Essa junção de saberes que envolve os saberes da experiência é tida como central na competência profissional e originária do cotidiano e do meio vivenciado pelo professor. Entretanto, Queiroz (2001) comenta que a experiência responsável pela construção dos saberes profissionais não se limita ao cotidiano junto aos alunos. A autora, enfatizando a formação do professor de Física, traz uma contribuição importante sobre os saberes da experiência. Segundo ela, o saber da experiência necessita ser analisado em sentido profissional amplo, emergindo na relação entre a formação docente e as diversas interferências, tais como: da escolarização, de leituras, de participações em pesquisas educacionais acadêmicas ou na escola, de cursos de atualização e pós-graduação, da participação em seminários, encontros, conferências e palestras onde se realizam trocas tanto com colegas na escola como com professores dos diferentes níveis de ensino (QUEIROZ, 2001). Compreende-se, a partir do que foi exposto, que os saberes da experiência são originários de experiências obtidas durante toda a vida do profissional docente, ou seja, desde o momento em que este era aluno, até a sua prática docente diária, sendo um saber fundamental em seu desenvolvimento profissional. Compreende-se também que o professor, em sua trajetória profissional, constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade de utilização dos mesmos, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais. 6 Materiais e métodos O período da graduação não deve ser uma etapa em que o acadêmico somente pratique esportes, ou simplesmente tenha uma postura de receptor de informações. Segundo Tardif (2002), a formação inicial tem como objetivo habituar os acadêmicos, futuros professores, à prática profissional, e a fazer deles profissionais práticos reflexivos. Isso significa proporcionar uma constante relação de troca entre a prática profissional e a formação teórica, entre a experiência concreta e a pesquisa, entre os formandos e os formadores, buscando aproximações entre formação e atuação profissional (SILVA; KRUG, 2008). ESPAÇO DIALÓGICO 28 O presente estudo, de natureza qualitativa, utilizou como delineamento a pesquisa descritivo-interpretativa. Entende-se por qualitativo, segundo Molina Neto (1999), o conjunto de pressupostos e procedimentos que tem como finalidade explicar, interpretar e compreender as representações e os significados que um determinado grupo (no caso deste trabalho, o profissional de Educação Física) atribui as suas ações diárias. A característica descritivointerpretativa é definida por Triviños (1987) como aquela que pretende descrever “com exatidão” os fatos e fenômenos de uma realidade. 5 Saberes da experiência As diversas pesquisas sobre formação e profissão docente nos remetem a compreender a prática pedagógica do professor, que é o mobilizador de saberes profissionais. Neste estudo, selecionou-se, por conveniência, 03 professores que atuam no âmbito da Educação Física para a Educação Infantil na cidade de Novo Hamburgo, RS. Além disso, participaram desta investigação as supervisoras Após a coleta, as informações foram codificadas com letras e números a fim de manter certa organização destas. Colocou-se OB para observações, EP para entrevistas com profissionais de Educação Física, ES para as entrevistas com as supervisoras pedagógicas e DC para representar anotações no diário de campo. Então, tendo todo o material codificado, passou-se às etapas da análise, que foram divididas em três fases. A primeira compreende unidades de significado e categorias, em que se procurou identificar palavras que tivessem significado para a pesquisa e estas foram agrupadas em grandes categorias. Na segunda fase, deu-se a categorização e subcategorização, momento em que se estabeleceram as categorias e subcategorias de análise das informações. Já a terceira etapa consistiu na triangulação, em que se utilizou três tipos de triangulações: a triangulação por fontes, a triangulação teórica e a triangulação reflexiva. A triangulação por fontes caracteriza-se por comparações de uma determinada fonte mediante outra. Já a triangulação teórica, objetiva interpretar, de maneira alternativa, dados coletados ou tornar visíveis aspectos que se apresentem de forma contraditória. A triangulação reflexiva, por seu turno, caracteriza-se por complementar outras formas de triangulação. Ela deve ocorrer em todos os momentos do trabalho, pois é fundamental para o discernimento e compreensão dos fatos (CAUDURO, 2004). 7 Resultados e discussão A formação inicial, em qualquer área, tema central discutido nesta pesquisa, gera diversas discussões. Será que a formação inicial deveria preparar totalmente o profissional para atuar no mercado de trabalho? Pode-se atribuir à formação inicial o preparo integral de um profissional? Essa discussão não é diferente no âmbito da Educação Física. Diversos acadêmicos, ao chegarem ao final do curso de graduação, começam a refletir se estão realmente preparados para o mercado de trabalho. Reflexão essa que se acentua quando falamos de Educação Física e Educação Infantil, um tema que gera muitos questionamentos. Dos três professores entrevistados, dois possuem um discurso similar, quando questionados sobre seu preparo para a atuação na Educação Infantil após a sua formação NOTA inicial. Um deles comenta que: “sobre Educação Infantil, na faculdade, eu não tive nada”; (EP1 03/09/08) já o outro exclama o seguinte: “a formação acadêmica não favoreceu em nada o meu preparo para atuar na Educação Infantil e com crianças principalmente”. (EP2 23/09/08) Pensa-se ser este “nada”, um pouco exagerado, porque, embora não tenha tido o conteúdo específico da Educação Infantil, muitas atividades ou conhecimentos podem ser adaptados. Entende-se, porém, que os professores, talvez, percam essa dimensão, pois não percebem o seu crescimento durante a formação. Talvez os professores, na época em que eram acadêmicos, também não deram a devida importância para certas disciplinas, por não serem entendidas como úteis, como se pode obervar na dissertação de mestrado de Pereira (2004). Segundo o autor, que fala sobre seus entrevistados, o gosto pelo esporte e as intenções que levaram os professores à escolha do curso superior em Educação Física não os fizeram reconhecer as demais disciplinas como importantes. O autor ainda comenta que essa importância somente foi percebida quando os professores começaram a lecionar, fato que os levou a lamentarem o tratamento dado a disciplinas vinculadas à área da Educação e Psicologia da Educação principalmente. A Educação Física é uma área do conhecimento muito ampla, e aproveitar os momentos de aprendizado que a f a c u l d a d e p ro p o rc i o n a , a l é m d e b u s c a r o u t ro s conhecimentos fora dela, é de suma importância para uma formação inicial consistente. A respeito disso, quando questionada se buscou conhecimentos sobre a Educação Física na Educação Infantil, durante a formação inicial, a professora Elisa comenta que: “não, porque eu não trabalhava com Educação Infantil [...] naquele período eu não achei importante, mas agora sinto falta e vejo que é importante” [...]. (EP1 03/09/08) A formação inicial em Educação Física, que abrange diversos conhecimentos, tem por objetivo formar um profissional cujo conhecimento seja generalista. A base de conhecimentos proporcionados pela formação inicial precisa ser aperfeiçoada através do tempo, seja durante a graduação ou após a mesma, e isso é função do acadêmico, “construtor” de seu conhecimento. Ele, talvez, seja o principal responsável por sua formação, que não se restringe aos conhecimentos ou saberes teóricos. A formação integral de um docente abrange saberes que são construídos e reconstruídos durante toda a formação inicial e continua durante toda a sua vida. O saber docente é um saber plural constituído a partir da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e da experiência. Atendo-se aos saberes da experiência, estes entendidos como o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito de atuação do professor, e que não são oferecidos pelas instituições de formação (TARDIF, 2002), portanto a constituição dos mesmos está condicionada à aplicação, na prática, das teorias aprendidas, pode-se refletir, ² Na apresentação das entrevistas, foram inseridos pseudônimos aos sujeitos entrevistados para que fosse mantido o seu anonimato. 29 ESPAÇO DIALÓGICO pedagógicas das respectivas escolas onde atuam os três professores. Os sujeitos² foram, primeiramente, contatados pessoalmente ou por telefone através das instituições nas quais eles atuam para o agendamento das entrevistas e observações das aulas de Educação Física para a Educação Infantil. Todos os sujeitos colocaram-se à disposição para par ticipar do estudo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo liberdade de interromper, a qualquer momento, sua participação no estudo. Como instrumentos de pesquisa, foram utilizadas observações de campo não participantes, entrevistas semiestruturadas, que foram gravadas e transcritas, e notas de campo, devidamente registradas em um diário de campo. no caso da Educação Física na Educação Infantil, como não é concebível um profissional “preparado” para seu trabalho sem ter uma vivência prática da realidade na qual atua ou atuará. Ele necessita vivenciar o que estuda durante toda a sua graduação. Ele necessita construir, através da prática diária,este saber tão importante na constituição do docente, o saber da experiência. Muito se discute sobre tendências pedagógicas e outras teorias durante a graduação, mas se o acadêmico não as relacionar com a prática, não conseguirá aplicá-las, testá-las ou até reformulá-las, conforme sua realidade. Uma frase antiga torna-se pertinente neste contexto. “Na prática, a teoria é outra”. Ela não é citada com o objetivo de induzir os leitores desta pesquisa, sejam eles acadêmicos, profissionais ou leigos, a pensarem que todas as discussões teóricas não se aplicam na prática, mas, sim, refletir no sentido de que é necessário testar as teorias aprendidas, utilizando-as na prática, para assim construir o próprio conhecimento de acordo com a realidade na qual o profissional vive e trabalha. A respeito da importância da vivência prática e da experiência do trabalho do dia-a-dia, relacionando-os com a formação acadêmica e o preparo para o trabalho na Educação Infantil, a professora Deise afirma que: A graduação, não é que não prepare para a Educação Infantil, tu tens muita teoria, tens muitos conteúdos específicos, tens atividades, mas, na verdade, a prática do dia-a-dia vem da experiência. Os cursos, claro, dão muitas idéias e muita base, mas é no teu dia-a-dia que tu consegues essa vivência, consegues os detalhes, consegues ir te aprimorando, ver o que dá certo e o que não dá. (EP3 01/10/08) Já em conversa durante uma das observações feitas (DC2 20/08/08), perguntou-se à professora Elisa de onde se originavam os conhecimentos que aplica em suas aulas. A entrevistada respondeu que a maioria das atividades eram oriundas de leituras feitas após sua formação inicial e de experiências vividas no contato com as crianças. Foi comentado, ainda, que aprendeu muito no contato e na prática diária com as crianças. Complementando a idéia das professoras Deise e Elisa, o professor Reinaldo comentou sobre o seu trabalho com a Educação Infantil: “olha, muita coisa tu trazes de fora para a escola, outras, tu adquires com os teus colegas e com a própria criança [...],adquiri muitas coisas no contato direto com as crianças; isso, sim, é essencial.” (EP2 23/09/08) ESPAÇO DIALÓGICO 30 Pode-se perceber que os professores, colaboradores desta pesquisa, reconheceram a experiência, aliada à teoria, como um fator fundamental na formação profissional. Embora anteriormente relatassem que sua formação inicial em nada contribuiu para o seu trabalho na Educação Infantil, agora já percebiam, como a professora Deise comenta (DC11 01/10/08), que a prática do dia-a-dia, aliada à base proporcionada pelo curso, promove um aprimoramento da prática do professor. É nessa relação entre conhecimentos adquiridos durante a graduação e a prática docente diária que o professor constrói sua identidade profissional. A prática diária, no entanto, é privilégio de poucos professores na época de acadêmicos. Isso faz com que eles somente tenham contato com o dia-a-dia escolar no final do curso, quando necessitam realizar os estágios curriculares. Segundo Pereira (2004), alguns professores por ele entrevistados comentam que seu verdadeiro preparo para o trabalho foi o estágio. Foi no estágio que realmente a maioria dos acadêmicos começou a ter uma visão global do trabalho na escola. Kenski (2001) critica o modo como é realizado o estágio na formação de professores. Conforme o autor, o estágio, além de ser no final do curso e desvinculado das atividades praticadas pelos alunos em semestres anteriores, é considerado um espaço reduzido no universo da graduação. Talvez proporcionar mais momentos de vivências práticas durante a graduação, integrando o que é estudado com sua realidade prática, seja uma forma mais eficiente de se formar um professor mais qualificado. Considerações finais Ao final desta investigação, percebe-se o processo de formação do profissional de Educação Física, e sua atuação junto a Educação Infantil de uma forma diferenciada. Os professores colaboradores deste estudo, apesar de criticarem a formação inicial, dizendo que esta não prepara o profissional para o trabalho com a Educação Infantil, percebem a prática diária como uma das formas de desenvolvimento do profissional que atua nesta faixa etária. Porém, a oportunidade de vivências práticas do trabalho com a Educação Infantil não é proporcionada aos professores durante a sua formação inicial. Essa vivência somente é apresentada ao professor se o mesmo buscá-la voluntariamente, ou se uma oportunidade de trabalho se apresenta a este. É preciso que haja, desde o início do curso, oportunidades de vivências práticas desta realidade. Assim como todos os professores entrevistados nesta pesquisa, acredita-se que a integração dos saberes teóricos, adquiridos desde o início da graduação, com a experiência da prática diária, também desde o início do curso, talvez seja uma das melhores maneiras de construirmos uma formação consistente por meio da qual o profissional tenha convicção da sua atuação. Percebe-se, como formação inicial sólida e qualificada, não aquela que deve ensinar “tudo de tudo”, até porque não é essa a proposta da formação inicial, mas aquela que proporcione uma base sólida de conhecimentos generalizados, que permita que o professor os aprofunde, seja em leituras, palestras, seminários, observações, entre outros, e os vivencie na prática, construindo e reconstruindo assim a sua identidade profissional a cada dia. Finalizando, acredita-se que novas pesquisas possam, e devam ser realizadas, objetivando analisar a formação inicial do profissional de Educação Física, pois, nos últimos anos, estamos passando pelo processo de reestruturação dos currículos dos cursos de graduação em geral. No caso da Educação Física, antes a Licenciatura Plena formava profissionais para atuar na Educação Física em suas diversas manifestações. Hoje se verifica a existência de dois cursos de Educação Física, licenciatura e bacharelado, onde se formam profissionais para atuar com Educação Física escolar e para atuar na em atividades relacionadas à gestão do movimento humano e à atividade física, respectivamente. Esse fato proporciona ao acadêmico realizar o curso que mais se aproxima da realidade na qual deseja atuar. Referências BETTI, Mauro; ZULIANI, Luiz Roberto. Educação Física Escolar: uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, ano I, n. 1, p. 7381, 2002. BRASIL. 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Nesse contexto, as vestes, os códigos, as hierarquias, as palavras e demais espaços e objetos ritualizados e simbolizados descortinam o que o humano expressa no desejo de aceitação e reconhecimento. Palavras-chave: Capelo. Cerimonial. Rito de passagem. Introdução O ser humano ocupa um espaço único e diferenciado das demais espécies. Desde os primórdios até a atualidade, os grupos humanos ritualizaram diversos momentos das suas vidas. Neste sentido, primeiramente serão apresentados, neste artigo, os processos de ritualização nas universidades e os meios para festejar as conquistas dos/as acadêmicos para a carreira e o futuro profissional. Em seguida, analisar-se-ão as diversas funções dos ritos de passagem e seu papel na sociedade, favorecendo a compreensão de inúmeras simbologias que deram significado à vida das pessoas e grupos, ao longo da história. Para finalizar, tratar-se-á da apresentação dos diversos passos da colação de grau, com todos os procedimentos que confirmam a condição de passagem para um novo momento dos acadêmicos e o reconhecimento para a comunidade. 1 Cerimonial do rito de passagem ESPAÇO DIALÓGICO 32 Com a frase “Eu juro”, cada formando alcança a passagem para os caminhos e escolhas da sua vida presente, passada e futura. No cerimonial, mesclam-se desejos intensamente humanos, existentes desde os primórdios da humanidade. Nesse espaço, estão representados pelos formandos os desejos que cada um traz consigo e da sua família desde o nascimento e cada um com suas singularidades. Há também os desejos da universidade, que, como instituição, celebra, a cada nova formatura, a continuidade de valores e saberes universalizados por meio de todo contingente de pessoas que ali passam, tendo em vista a aceitação social. Nesse sentido, Rivière (1996) entende que os ritos fazem parte do processo social. Nas palavras do autor: O rito exprime o ritmo da vida social, da qual é o resultado. Só se reunindo é que a sociedade pode reavivar a percepção, o sentimento que tem de si mesmo. (RIVIÉRE,1996, p.8) A promessa, escrita em latim, Ego promitto me, semper principiis honestitatis, inhaerentem, mei gradus muneribus perfuncturum atque operam meam in jure patrocinando, justitia exeqüenda et bonis moribus praecipiendis, nunquam causae humanitatis defuturum (VIANA, 1998, p. 204) proclama a inserção do formando e a condição para a participação no grupo de iguais da profissão escolhida. Diz no juramento do bacharel em Direito: Prometo, no exercício das funções de meu grau, respeitar os princípios de honestidade, patrocinando o direito, realizando a justiça preservando os bons costumes e nunca faltando à causa da humanidade. (VIANA, 1998, p.204) Os ritos, como este de que agora nos ocupamos, colocam marcas diferenciadas para cada pessoa e a apresentam à sociedade com sua própria identidade, representando as diversas manifestações culturais e históricas. Essa questão é abordada por RIVIÈRE (1996, p.16), que *Titulação: Mestre em Educação Comunitária com Infância e Juventude, Pósgraduada em Psicologia dos Processos Educacionais, Licenciada em Pedagogia Orientação Educacional. Área de atuação: Coordenadora do Programa Social da IENH, Professora do Centro de Educação Profissional – CEP e da Faculdade IENH. O autor (1996) também referencia aspectos como inclusão e exclusão presentes nas diversas manifestações dos ritos de passagem. Explica que, entre os grupos dos incluídos, estão aqueles que não fazem parte dos momentos formais instituídos pela sociedade, os excluídos. No caso da formatura, poderíamos refletir sobre o universo de jovens que não têm acesso ao curso universitário. Cabe também a reflexão não somente à universidade, mas aos diversos espaços onde os saberes consolidam possibilidades de acesso e aceitação social. Em paralelo ao cerimonial de formatura e à abordagem sobre a inclusão e a exclusão nos processos educacionais como privilégios de poucos para alcançar o espaço de reconhecimento, podemos destacar o filme “O Clube do Imperador” (EUA, 2002). Ambientado na escola de St. Benedict's, narra a história de alunos, de seus familiares e de um professor, representando a elite economicamente abastada, que perpetua os vencedores determinados pelo imaginário das famílias. O filme possibilita diversas reflexões sobre o assunto, entre elas os procedimentos dos professores e direção, uma vez que os conteúdos que circulam nas salas de aula validam o poder daqueles que procuram o educandário. Também os diversos rituais reforçam o sacrifício necessário para manter a tradição das famílias, consagrando a reputação da academia. Outra questão centra-se nos privilégios para alguns alunos em detrimento de outros, expondo aspectos do caráter ético dos professores, em nada diferente da atitude apresentada por algumas famílias consagradas pelo poder econômico e social. O filme também mostra que o currículo escolar é selecionado, com passagens que reforçam e reproduzem a história daqueles jovens, com a trilha de grandes homens, marcadas para alcançar o sucesso. Dessa mesma forma, a disciplina garante a excelência para os alunos, e a autodisciplina destaca-se como regra para alcançar uma carreira ditosa, às vezes até sem se importar com os meios para alcançar tais objetivos. Sobre a perpetuação do poder e o currículo escolar, principalmente com os conteúdos e personagens da história, Larrosa (2006, p. 135) entende que, “Por outro lado, essa história, enquanto que insiste na continuidade do presente e passado, conecta perfeitamente os fabricantes de ontem com os dominadores de hoje e reproduz, portanto, a ideologia dos vencedores”. Por meio das suas reflexões, Rivière (1996) auxilia no aprofundamento do assunto, pois expressa a relação entre o rito e as relações sociais. É o que se vê no excerto abaixo: Além de contribuir para satisfazer e, eventualmente, para criar as expectativas individuais, o rito apresenta uma forma sensível e social. É também o reflexo expressivo de relações sociais constituídas que ele torna visíveis ao colocar em jogo a própria condição social daqueles que o realizam, uma condição negociada em um jogo de reconhecimento e oposição mútuas que supera os limites do tempo e do espaço rituais. Por conseguinte, a ordem social não se mantém somente pela coerção, ou pela legitimação das relações de força, mas também pela imagem que dá de si mesmo através da representação dos atores, ritualizando sua vida coletiva. (Rivière, 1996, p.75) Ao expressar as relações da coletividade na sociedade, os ritos e cerimoniais perpetuam os jogos de poder, legitimando sua função histórica na preservação de valores cultuados em cada período da humanidade. Para compreender as manifestações dos ritos de passagens nas formaturas, assim como de outros cerimoniais, os aspectos históricos apresentados a seguir auxiliam na compreensão do assunto e esclarecem sobre alguns procedimentos sociais cultuados ao longo dos tempos. Na obra Universidade: Protocolo, Rito e Cerimonial, Vianna (1998) descreve, como indica o título, protocolos, ritos e cerimoniais, mostrando a sua pesquisa sobre a procedência de tais vivências e possibilita por meio dos aspectos históricos a compreensão e fundamentação sobre o assunto. O autor (1998) afirma que a origem do cerimonial remonta o período neolítico/ pedra polida, entre 10.000 e 3600 a.C. A hierarquia e pré-requisitos próprios de cada posição dos indivíduos, como regras de comportamento, leis, estatutos e diretrizes de vida, denotavam a vida comunitária. O autor (1998) esclarece que, no Egito, surgiram os primeiros rituais e estes se concentravam nas mãos do faraó, que agia como deus. Já na tradição greco-romana, os rituais estavam intimamente ligados às crenças da época. No funeral, por exemplo, não bastava apenas sepultar o corpo, mas era necessário seguir ritos tradicionais e pronunciar fórmulas determinadas, além dos objetos e alimentos para a vida após a morte. O autor também cita a igreja católica, com o cerimonial da Santa Sé. Exemplifica que, quando recebia seus embaixadores, dispunha de um camareiro secreto e outro honorário, vestidos de capa e espada, que seguiam com outros atos de grande pompa. Cada período apresenta, na sua singularidade, seus aspectos relevantes, em que o rito representa a vivência marcante expressa pelas pessoas da época e que servem de modelo para as demais que virão. Nesse aspecto, Rivière (1996) coloca seu entendimento sobre o papel dos ritos na estrutura pessoal e na sociedade quando diz: É evidente que o rito consiste em uma série de atos. Menos evidente é que incita a agir de uma determinada forma. E é ainda menos evidente que tem efeitos inconscientes estruturadores da personalidade, um papel de negociação e um poder de modelagem das consciências e de renovação do elo social. (RIVIÈRE, 1996, p.95) 33 ESPAÇO DIALÓGICO diz: “O rito é a respiração da sociedade”. Essa afirmação permite-nos a análise sobre o rito de passagem e nos faz pensar sobre as necessidades expressas por meio dos ritos, que a humanidade busca e perpetua, recriando-os periodicamente por meio de diversas manifestações na sociedade. Ainda na continuidade dos estudos, Viana (1998) destaca que, das grandes festividades medievais às recepções palacianas requintadas, no Brasil, além dos cerimoniais dos indígenas, a Coroa Portuguesa contribuiu com características próprias. Entre essas, podemos destacar alguns como o Cerimonial Público, que envolve a Presidência da República, dos Estados e Municípios. Também o cerimonial privado, que envolve as empresas particulares, instituições sociais (igrejas, hospitais, escolas, sindicatos), cerimonial universitários, dentre outros. Para compreender melhor o processo do rito de passagem nas formaturas, o diálogo com profissionais da área de Relações Públicas esclarece que os diversos encaminhamentos nos cerimoniais são realizados em cada universidade de acordo com a sua origem histórica e local. Nesse sentido, nas instituições com vínculo religioso, a missa ou culto faz parte do cerimonial. Também o mestre de cerimônia só pode exercer sua função se for graduado. Em outras universidades, o Reitor faz todo cerimonial. O chamamento para compor a mesa é hierárquico, da maior posição para a menor. Na formação da mesa, há ordem hierárquica, a qual privilegia o Reitor, colocando-o ao centro, e os demais lugares são ocupados por ordem de importância. No caso dos formandos, os mesmos são chamados por ordem alfabética ou por afinidade. Já a preparação da formatura acontece com uma reunião cinco meses antes, quando os alunos recebem o manual, que orienta todos os procedimentos para o cerimonial. Nesse momento, organiza-se a comissão de formatura, que escolhe os homenageados e paraninfos. Essa lista vai para o Reitor, que faz uma carta. Os alunos recebem a carta e encaminham-na para os homenageados, convidando-os formalmente. No dia da cerimônia, o Reitor, com toda a autoridade que lhe é conferida, proclama as palavras que concedem ao formando o status de honra na colação de grau para o exercício da sua profissão. Ao colocar simbolicamente o capelo sobre a cabeça, dizendo: ”Eu confiro-lhe o grau”, declara para a sociedade que os formandos estão aptos para seguir caminhos que nenhuma formatura ou cerimonial prescreve. Portanto, por meio do juramento, descrito no Manual de Formatura da FEEVALE (2005), “os formandos assumem o compromisso público de exercer a profissão com dignidade e fidelidade aos princípios éticos, respeito à pessoa e contribuindo com o progresso do País”. (Manual de Formatura, 2005, p. 1) ESPAÇO DIALÓGICO 34 É importante ressaltar que o cerimonial universitário, de acordo com os estudos de Viana (1998), tem sua origem no período medieval, proveniente das aulas de medicina de Constantino, que ensinavam conhecimentos de nível superior, de caráter científico e tecnológico. Nesse período, também a Escola de Direito Canônico (1158) conferia privilégios especiais aos estudantes. A figura do “Rector Scholariorum”, inicialmente o Chanceler da Instituição, mais tarde Reitor, dirige -a com todos os poderes. O desenvolvimento do ensino superior condicionou a preservação de valores históricos e tradicionais da cultura, de onde se apresenta o cerimonial universitário. Nesse aspecto, Vianna (1998) destaca: Dessa forma, desde a ordem de precedência, passando pela indumentária própria e por vários elementos sígnicos, como todos os demais conjuntos de rituais, estabelecem no cerimonial universitário a continuidade e de práticas oriundas principalmente das universidades européias. (VIANA, 1998, p. 40) O capelo e a palavra do Reitor constituem simbolicamente o universo de vivências que, ao longo da história, nos remete para práticas de ritos, que são constitutivos do humano e de suas simbologias. Conclusão A descrição da cerimônia de formatura mescla assuntos que não envolvem apenas os formandos, mas a todos que de alguma maneira projetam suas expectativas e alimentam seus sonhos de aceitação e realização. Portanto, percebe-se que, por parte dos formandos, a expectativa pela carreira possibilita a entrada na profissão e ascensão social. Para os pais, o ritual da formatura representa o cumprimento de todos os projetos e projeções, realizadas com advento do nascimento de um filho, investido de toda herança genética, histórica e emocional. No âmbito da academia, a projeção e aceitação social, para os professores, vinculam-se ao cumprimento dos objetivos educacionais e às perspectivas de sucesso da universidade, culminando com a possibilidade dos alunos trilharem suas escolhas com ascensão social. O conhecimento do cerimonial, nos seus diversos aspectos administrativos na Universidade, com seu ritual próprio, permite o entendimento das especificidades de cada local. A vivência significativa do cerimonial de formatura resistiu ao tempo e está presente na maioria dos eventos ainda hoje na sociedade contemporânea. A pesquisa com dados históricos mostrou que, ao longo dos tempos, a humanidade evoluiu com ritos e cerimoniais específicos, denotando suas funções históricas e sociais. Por isso, as contribuições de Larrosa (2006) refletem claramente a necessidade de repensar nossa abordagem dessa questão, quando diz: A história pedagógica, aquela que nos forma e nos transforma, não pode ser outra coisa senão a reivindicação da liberdade, dessa liberdade que as formas por demais convencionais da história dos historiadores parecem negar-lhe e que a verdadeira literatura, a verdadeira ficção, deu-se a si mesma, em sua obcecada resistência a qualquer servidão. E não pode ser, tampouco, outra coisa senão o método que nos põe em relação com o impensável, um método que a novela encarna de maneira exemplar e que a história dos historiadores talvez tenha esquecido, ocupada como está em transmitir o já pensado. E, por fim, não pode ser outra coisa senão o permanente questionamento daquilo que somos, um questionamento que a história dos historiadores parece tentar reprimir, ocupada como está em funcionar como memória dos vencedores. (LARROSA, 2006, p. 137) Para finalizar, cabe o questionamento sobre os caminhos na perpetuação dos conteúdos históricos com seus ritos e cerimoniais, descritos na literatura que a transmite e que não contribui ainda, suficientemente, para o espaço de transformação social. Referências LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. LUZ, Márcia. Lições que a vida ensina e a arte encena. Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 Manual de Formatura. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2005. MOSCOVICI, Fela. A organização por trás do espelho: reflexos e reflexões. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. O CLUBE do Imperador. Produção com direção de Michael Hoffmann. Estados Unidos, Universal Pictures, 2002, (108min). RIVIÈRE, Claude. Os Ritos Profanos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1996. VIANA, Flávio Benedicto. Universidade: Protocolo, Rito e Cerimonial. São Paulo: Lúmen, 1998. 35 ESPAÇO DIALÓGICO DAUNIS, Roberto. Jovens: Desenvolvimento e Identidade – Troca de perspectiva na psicologia da educação. São Leopoldo: Sinodal, 2000. OS CARRAPICHOS DE LOBATO: PERMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA DO UNIVERSO DO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO EM TEMPOS DE MODERNIDADE LÍQUIDA Luciane Maria Wagner Raupp* Resumo O universo do Sítio do Picapau Amarelo permanece encantador, contrariando a fluidez dos nossos tempos de “modernidade líquida”. A transcendência desse universo não se deve apenas à óbvia visibilidade proporcionada pelas sucessivas adaptações televisivas, mas pelo processo de identificação, do “encarrapichar” dos leitores e telespectadores pelos conteúdos representados na ficção. Esses conteúdos aludem ao saudosismo rural impregnado na cultura brasileira, à exploração de sentidos e à definição de valores e de papéis sociais e familiares. Palavras-chave: Sítio do Picapau Amarelo. Modernidade líquida. Identificação. Considerações iniciais E m tempos de “modernidade líquida¹”, de pensamentos fragmentados, de entidades e identidades estilhaçadas, configura-se como, pelo menos, curioso o fato de algumas manifestações culturais transporem o seu tempo, perpetuando-se, embora modificadas, de geração a geração. É o caso do universo paralelo criado por Monteiro Lobato no conjunto de suas obras infantis. Lobato manifestava, em carta enviada a Godofredo Rangel², a seguinte intenção: Ando com idéias de entrar por esse caminho: livros para crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para as crianças um livro é todo um mundo. Lembrome de como vivi dentro do Robinson Crusoé do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robinson e n'Os filhos do Capitão Grant. (LOBATO, 1959, p. 239) Monteiro Lobato, apesar de seu espírito visionário, certamente não imaginaria quantas crianças não só viriam a morar nas páginas de seus livros, como também – e principalmente ? o universo por ele criado penetraria nos lares brasileiros por meio das telas televisivas. Iniciado em 1921, com a publicação de A menina do nariz arrebitado, mais tarde rebatizada de Reinações de Narizinho, o processo de criação e recriação desse universo nunca parou. Escapou às mãos de seu criador, entregando-se a outras formas de realização que, dialeticamente, complementam-se e alimentam-se dos originais literários. Além da óbvia recriação feita por cada leitor, na sua perspectiva singular, o material imagético do Sítio foi apropriado, incorporado, relido por outros meios de expressão, instaurando semioses das mais diversas. Nessa perspectiva de recriação, há que se sublinhar a visceral importância que as diversas adaptações televisivas tiveram na perpetuação do universo do Sítio. Embora as releituras distanciem, em maior ou menor grau, os conteúdos representados dos originais literários, a força das personagens lobatianas faz com que as características essenciais sobrevivam em qualquer meio de expressão. Como se comenta, Monteiro Lobato, hoje, é um escritor muito conhecido, mas pouco lido. Esse “dar-se a conhecer”, ou seja, a sua visibilidade, deve muito ao meio de comunicação de massa que se tornou a televisão a partir da década de 1970 no Brasil. Neste artigo, procurar-se-á lançar luz sobre os motivos da permanência do interesse sobre o Sítio e seus personagens, baseando-se em hipóteses complementares que transcendem a obviedade da visibilidade televisiva. Essas h i p ó te s e s d i ze m re s p e i to à re p re s e n t a t i v i d a d e “encarrapichada” do espaço e dos personagens, que “pega” o leitor ou o telespectador não apenas por todos os sentidos objetivos mas também pelos sonhos para os quais os transporta. 1 O processo de “encarrapichamento” Monteiro Lobato, também em carta enviada ao seu amigo Rangel, reflete sobre o ato de criação literária: ESPAÇO DIALÓGICO 36 * Titulação: Licenciada em Letras, especialista em Linguística do Texto e Mestre em Ciências da Comunicação/Semiótica. Área de atuação: Professora de Língua Portuguesa e Literatura na Unidade Fundação Evangélica. Professora do curso de Letras das Faculdades Integradas de Taquara – Faccat. NOTA ¹ Faz-se referência à obra de Bauman (2001). ² Trata-se das cartas de Monteiro Lobato a seu amigo Godofredo Rangel publicadas na obra A barca de Gleyre. Com que palavras e conteúdos Lobato deu suas “pinceladas carrapicho”? Como engata seus leitores em suas obras? De certa forma, Lobato diz, de uma maneira simples, o que mais tarde teorizou Iser (1996) acerca do ato de leitura. Para o teórico, as palavras são índices que ativam a memória. Assim, “busca-se relacionar o não-idêntico ao familiar e compreensível” (p.53, vol.1). A estratégia de Lobato de “enganchar as reminiscências do leitor” encontra eco, portanto, na teoria de Iser na medida em que ambas sublinham a importância das experiências prévias do leitor, em um processo de identificação. Essa importância é salientada nas palavras do teórico: Não há dúvida de que o texto inicia sua própria transferência, mas esta só será bem sucedida se o texto conseguir ativar certas disposições da consciência ? a capacidade de apreensão e de processamento. Referindo-se a normas e valores, como por exemplo o comportamento social de seus possíveis leitores, o texto estimula os atos que originam sua compreensão. (op. cit., p. 9, v.2) Como aponta Iser no excerto, um texto só será bem sucedido se conseguir estimular a sua própria compreensão, “encarrapichando-se” nos sistemas de normas e valores interiorizados na consciência de seus possíveis leitores. Entendendo-se “o processo de leitura como interação dinâmica entre texto e leitor” (idem, p. 10), sabe-se que só se obtém prazer dessa experiência “[...]no momento em que nossa produtividade entra em jogo, ou seja, quando os textos nos oferecem a possibilidade de exercer as nossas capacidades” (ibidem, p.10). Trata-se, assim, de deixar margem à interpretação do leitor. O autor não pode ter a pretensão de dizer tudo, mas “sugerir”. Monteiro Lobato parece intuir isso. Nas palavras do autor: Isto mostra como a extrema sobriedade, quando hábil, desentranha maravilhas na imaginação do leitor – e o tolo as vai atribuindo ao romancista esperto. Em suma, o caso é de esperteza, como nas fábulas do jaboti. Fazer que o leitor puxe o carro sem perceber. Sugerir. Arte é isso só. [...]( LOBATO, 1959, p.14) Percebe-se, assim, a necessidade da sugestão, de ativar os conhecimentos prévios do leitor, tomando por base a idéia de que o texto ficcional, de acordo com o que teoriza Iser, existe como produto de efeitos estimulados no leitor. Não é possível dizer, por isso, que se “decifra o sentido” de uma obra literária: levantam-se sentidos possíveis. Esse potencial de sentido, por sua vez, nunca será plenamente elucidado. Isso torna a análise literária a arte do “enquanto”. Essa perspectiva de compreensão do texto ficcional a partir das reminiscências e das individualidades dos leitores poderia apontar para um certo caos interpretativo. Não se NOTA trata disso. De acordo com Iser (1996, p. 54, vol.1): Ainda que sejam individuais em cada caso, as nuances de sentido constituído, o próprio ato de constituição tem características assinaláveis em que se baseiam as realizações individuais do texto; por conseguinte, elas são de natureza intersubjetiva. Essa dimensão intersubjetiva do ato de leitura leva a algumas considerações acerca da permanência e da transcendência dos “carrapichos” das obras infantis de Lobato. Quais seriam os conteúdos representados por Lobato tão preciosos ao público literário e televisivo que perpetuam a sua obra? Certamente, a resposta passa pela questão de valores e de traços que permitem a identificação do leitor. 2 O lugar de resistência como hipótese Em tempos de “modernidade líquida”, vivendo em uma sociedade “que tornou incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e sexuais” (BAUMAN, 2005, p. 12), encontrar uma representação, ainda que ficcional, de valores préestabelecidos firmemente, como é o caso do universo do Sítio, é reconfortante. Representa o que Bauman (2005) chama de “abrigo em comunidade”. Quando o Sítio estimula o processo de identificação, usando múltiplos recursos de evocação de conteúdos intersubjetivos, instaura a noção de “pertencimento”, de uma certa estabilidade. No entanto, o Sítio, já nos originais literários, antecipa a fluidez e a porosidade dos tempos globalizados. Visionário, Lobato incorporou personagens de contos de fadas, da literatura européia e da indústria cinematográfica norteamericana ao universo rural paulistano do início do século XX representado nas suas obras infantis, em uma espécie de globalização precoce. Procedimento semelhante foi usado nas adaptações televisivas, tanto na de 1978 como na dos anos 2000. Essa porosidade do Sítio aos elementos externos, tornando extremamente elásticas as suas fronteiras, antecipa, nos originais literários, as tendências globalizantes. Nas versões televisivas, vai ao encontro das tendências do momento. Talvez aí resida um dos segredos da permanência e da transcendência do sítio: a elasticidade, a fluidez. Afinal, de acordo com Bauman (2005, p.33), “No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam”. É o que o Sítio (televisivo e literário) faz: representa traços da identidade rural – tão saudosa e cara aos brasileiros -, ancorando-as em características não-conflitantes da modernidade de sua época de enunciação. A ambivalência do Sítio pode ser explicada pelas palavras de Bauman: “É quando descobrimos a ambivalência da identidade: a nostalgia do passado conjugada à total concordância com a 'modernidade líquida'” (idem, p. 13). A nostalgia do passado de que nos fala o teórico, no caso do Sítio, refere-se à representação do rural como ambiente idílico, impregnado de saudosismo³. ³ Esse saudosismo em relação ao ambiente rural é um fenômeno que se pode observar no panorama literário brasileiro a partir da década de 1930, época em que o país começava a urbanizar-se. Assim, o rural ficou no remotismo idealizado, como lugar ideal, livre dos problemas e dos males das grandes cidades. 37 ESPAÇO DIALÓGICO (...) o certo é apenas sugerir – é dar um rápido relevo de estereoscópio com meia dúzia de pinceladas rápidas e manhosas. Pinceladas carrapicho, nas quais se enganchem as reminiscências do leitor. Forçamo-lo a colaborar conosco – ele vê mil coisas que não dissemos, mas que com os nossos carrapichos soubemos acordar dentro dele. (LOBATO, 1959, p. 13-14) É como se o Sítio fosse um “lugar de resistência” dos valores, dos sonhos, dos papéis sociais e familiares bem delineados. Esse espaço de definições é, hoje, o “carrapicho” mais eficiente do universo lobatiano. o leitor. Isso ocorre devido à potencialidade de sentidos nostálgicos imbuídas nesses detalhes. Há sempre uma memória afetiva a ser despertada por esses objetos ? algo como “minha avó tinha”, aludindo a um tempo de certezas e, por isso, de felicidades. 4 Alguns carrapichos Tanto nas obras literárias quanto nas versões televisivas, o Sítio é um espaço reconfortante. Ninguém trabalha, mas a fartura é constantemente ressaltada, apelando para outros sentidos além do visual e auditivo. É o caso da seguinte passagem de Memórias de Emília nas palavras das personagens Alice e Narizinho: - Que coisa gostosa – murmurou Alice – chupar laranja-lima ao lado de uma anjinho do céu que conta as coisas de lá! Estou mudando de opinião. Emília. Estou achando que esse sítio de Dona Benta é ainda mais gostoso que o nosso Kensington Garden lá de Londres... - E é mesmo – observou Narizinho. – Não há lugar no mundo que valha o sítio da vovó. Quem o vê pela primeira vez, com estas árvores velhas, todo espandorgado, não dá nada por ele. Mas depois que o conhece não troca nem pela Califórnia, que é um paraíso. O sítio da vovó é gostoso como um chinelo velho.” (LOBATO, 2007, p. 38) Ao aludir ao “chinelo velho”, o texto remete a sensações táteis de conforto e calor. Essa comparação, jogando ainda com o adjetivo “gostoso” reitera, por meio da exploração dos sentidos, a representação do Sítio como lugar de segurança, de conforto, em oposição ao desconhecido, ao estrangeiro: “ainda mais gostoso que o nosso Kensington Garden”. A característica de sítio “espandorgado” é, em parte, ressaltada na versão televisiva de 1978 4. Essa imagem, no entanto, não encontra eco na versão dos anos 2000, que atualiza o cenário, dando-lhe contornos paisagísticos modernos. Esse procedimento se estende, em parte, ao mobiliário, especialmente da cozinha, onde panelas de barro convivem com geladeiras duplex e forno de microondas 5 , representando a já aludida ambivalência do Sítio. Os elementos antigos no cenário encarrapicham o telespectador assim como as descrições equivalentes também o fazem com Em relação às certezas estabelecidas pelo Sítio, o comportamento previsível das suas personagens, devido às suas características bem delineadas, também é um elemento de conforto “encarrapichador”. Mesmo a boneca Emília, a personagem mais complexa, é previsível: sabe-se que ela irá discordar, inventar, responder, rebelar-se. Como ela fará isso é o elemento criativo. Assim, há papéis pré-fixados: o menino corajoso, a menina inteligente, o sábio, a avó bondosa e permissiva, a cozinheira habilidosa e afável, a rebelde buscando uma causa. Em uma época de colapso de identidades, essas definições, em seu conforto, prendem o leitor ou telespectador, cujo “mundo a sua volta está partido em fragmentos mal coordenados, enquanto suas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados” (BAUMAN, 2005, P. 18). O Sítio, então, mostra-se como lugar de plenitude, onde se pode estar por inteiro, sem assumir diferentes papéis simultaneamente. Considerações finais Poder-se-ia apontar inúmeros outros fatores de “encarrapichamento” nas versões televisivas e literária do Sítio, extrapolando-se os limites deste artigo. Há que se salientar, no entanto, que esses fatores direcionam-se para um fator em comum: o estabelecimento de um lugar de conforto, de um porto seguro na tempestade dos mares da modernidade líquida. Se o mundo liquefeito configura-se adverso, inóspito, um espaço atópico, o universo paralelo do Sítio representa o utópico, o sonho de uma vida feliz, próspera e farta não só nos aspectos materiais mas principalmente no que tange às aspirações emocionais mais profundamente humanas. Mais uma vez, por trás de uma obra infantil, observa-se o conflito dos adultos. Referências BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. ISER, Wolfgang. O ato de leitura. v.1 e 2. São Paulo: Editora 34, 1996. ESPAÇO DIALÓGICO 38 LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. Quarenta anos de correspondência literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. 9. NOTAS ed. São Paulo: Brasiliense, 1959. tomo 2 LOBATO, Monteiro. Memórias de Emília. São Paulo: Globo, 2007 TV GLOBO. Memórias de Emília. Coleção Monteiro Lobato. Rio de Janeiro: Som Livre, 2004. DVD. TV GLOBO. Memórias de Emília. Versão exibida em 1978. Rio de Janeiro: Som Livre, 2008. DVD. 4 Na versão de 1978, como se pode ver na versão em DVD comercializada pela Som Livre, na abertura do programa, mostrase a casa-sede com pintura desgastada e com uma tábua faltando na cumeeira. Não há projeto paisagístico, mesclando-se as mais diversas árvores e arbustos. 5 O forno de microondas aparece como um elemento perturbador na narrativa, representando o conflito entre o tradicional e o moderno. Tal capítulo merece uma análise pormenorizada, fugindo dos limites deste artigo. A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS Maria Celina Melchior* Resumo No desenvolvimento de competências, não basta trabalhar para que haja aprendizagem dos saberes, porque ser competente envolve, além dos saberes, a capacidade de mobilizá-los frente a uma nova situação problema. A postura adequada do professor em relação à ação avaliativa contribui significativamente para a construção de competências, quando ele faz avaliação formativa, com a orientação em relação à retomada dos aspectos não aprendidos; quando faz uma avaliação integral, considerando todos os aspectos do desenvolvimento humano; quando trabalha a autoavaliação e o estímulo ao desenvolvimento da autonomia na busca da autoqualificação. Palavras-chave: Avaliação. Competência. Saberes. Autoavaliação. Especialmente nos cursos técnicos e tecnológicos, ouvimos com naturalidade as expressões: “avaliar competências” ou “avaliar por competência”. Mas sabemos que, no desenvolvimento da ação, a tranquilidade não é a mesma, muitos ficam ansiosos e inseguros. Para discutir essas expressões, é preciso, antes de tudo, pensar no significado tanto da ação avaliativa como na de competência. O que significa avaliar? Para que serve a avaliação? Avalia-se competência ou por competência? Em uma sequência de pesquisas realizadas com alguns grupos de docentes, as conclusões foram semelhantes, alterando-se apenas os índices. Os professores, em geral, não têm clareza sobre os conceitos básicos relacionados à avaliação, quanto aos seus objetivos e ao papel dos seus instrumentos. Um erro comum é reduzir a ação avaliativa à aplicação de um instrumento. Ao aplicar uma prova, por exemplo, o professor diz: “vou fazer uma avaliação”. Faz uma ficha de exercícios, recolhe e diz “avaliei”. Na realidade, ele obteve resultados que vão fazer parte da avaliação, porque avaliar, em educação, é uma ação muito mais complexa e ampla. O presente artigo refere-se à discussão sobre o significado do conceito de avaliar e do entendimento da avaliação quando o objetivo é desenvolver competências. Faz referência à avaliação dos diferentes saberes, com ênfase na avaliação formativa e na autoavaliação como condição para desenvolver a autonomia na autoqualificação e a conseqüente construção de competência. 1 Significado atribuído à ação avaliativa Avaliação escolar, em geral, é um assunto polêmico, mas essencial para garantir a aprendizagem dos diferentes conteúdos e a transferência dos mesmos e possibilitar a construção de competências pelo aluno. Considerando o conceito de Luckesi (in: MELCHIOR, p. 36, 2002) “avaliar é julgar dados relevantes, recolhidos durante os processos de ensino e de aprendizagem, para tomar uma decisão”, pode-se dividir o conceito em três etapas. Primeiro é preciso recolher os dados ou fazer as observações, propor as atividades que serão avaliadas. Em segundo lugar, conhecendo os diferentes resultados, deve-se tentar compreender seus significados, através da interpretação e análise de todas as informações. Com base nas conclusões retiradas dessa ação, pode-se julgar ou avaliar os diferentes desempenhos conforme os critérios estabelecidos, frente aos objetivos que se propõem alcançar. Esse julgamento implica valores em consideração à individualidade do aluno, suas condições, sua postura em relação à disciplina e aos trabalhos que desenvolve para, assim, ver o aluno como um todo, de forma integral. Também é necessário levar em conta os objetivos que estão sendo avaliados, seu significado e representatividade em relação ao esperado, enfim, qualificar os dados. 39 *Titulação: Mestre em Educação, Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino e Pedagoga. Atualmente é avaliadora do INEP/MEC e docente no Ensino Superior na IENH. Pesquisa sobre avaliação escolar. Publicou quatro livros sobre o assunto, e em 2004 ampliou o campo de estudos e lançou o livroAvaliação Institucional da Escola Básica, além de vários artigos em revistas educacionais. ESPAÇO DIALÓGICO Considerações iniciais Portanto, avaliar é muito mais abrangente do que a simples atribuição de uma nota. Quando os professores dizem: “nós avaliamos com notas” ou “nós avaliamos com conceitos”, confirmam os dados da pesquisa de que a avaliação fica restrita aos resultados dos instrumentos, que representam medidas, ou seja, apenas o aspecto quantitativo da avaliação. Toda a avaliação envolve o quantitativo, mas não pode restringir-se a isso: precisa ser qualificada através da análise avaliativa referida no parágrafo anterior. O último aspecto do conceito está relacionado ao porquê avaliar. O resultado do julgamento vai orientar as decisões na sequência do processo. Quando o professor avalia para apresentar um resultado, no momento em que ele expressa e registra esse resultado, está cumprida sua função. Mas, se ele avalia para acompanhar o desenvolvimento do aluno, para identificar o que já foi alcançado ou o que está faltando para cada um dos alunos e utiliza os resultados para retomar seu planejamento e para encaminhar formas de rever o que está faltando, ele está avaliando com a finalidade de qualificar as ações e de melhorar a aprendizagem. Esse é o primeiro aspecto da importância da avaliação na construção de competências, porque vai fazer o aluno refletir sobre sua ação e rever o que não foi aprendido. 2 Avaliar competências ou por competência? Quando o assunto é competência, existem controvérsias maiores ainda. Os professores, especialmente os das escolas técnicas, são orientados a avaliar competências ou avaliar por competência. Qual o entendimento que eles têm sobre isso? Como se avalia competência ou por competência? Será que por competência tem o mesmo significado que avaliar por nota? Parece que sim, porque alguns professores dizem “prefiro avaliar por nota e não por competência”. Depresbiteris (2009) fez uma longa análise sobre os conceitos de competência na ótica de diferentes autores, desde a evolução histórica do uso desse termo. Faz referência a Perrenoud (2002), que diz que a competência envolve uma orquestração de diversos recursos cognitivos e afetivos para enfrentar um conjunto de situações complexas. Boterf (2003) tira a ênfase dos recursos (saberes, saber-fazer ou saber-ser) a serem mobilizados e enfatiza a sua mobilização. Dolz (2004) caracteriza a ação de mobilizar como um conjunto de operações mentais que transformam os conhecimentos, em vez de deslocá-los. ESPAÇO DIALÓGICO 40 Partindo do entendimento dos autores citados, as competências envolvem os diferentes saberes, mas seu uso não depende só do domínio deles: exige a mobilização de vários deles numa situação adversa. Assim, configura-se como uma “visão de conjunto necessária para julgar, discernir, intervir, resolver problemas, propor soluções a problemas concretos que surgem cotidianamente” (HIRATA, 1994: 130). Isso implica o uso de metodologias diferenciadas e uma postura adequada tanto em relação ao ensino como na avaliação, com um trabalho muito mais abrangente. Depresbiteris (2009) diz que tem receio da ilusão sobre avaliar competências na escola. A defesa da idéia de que se podem avaliar os recursos que as mobilizarão, mas não as competências, já vinha sendo feita por outros autores desde 2003 (MELCHIOR, 2008). Como a competência envolve, além dos saberes, as capacidades de fazer a integração entre eles, a avaliação deve ser formativa. Nesse caso, o professor preocupa-se em verificar se houve a assimilação de fatos e a construção de conceitos, pois precisa compreender e ter a capacidade de relacionar o assunto com uma rede de outros conceitos, assim como verificar se o aluno aprendeu a utilizar os saberes na prática. O questionamento quanto à avaliação de competências está relacionado, em primeiro lugar, à avaliação dos procedimentos, que nem sempre são possíveis de ser comprovados. Mesmo que esses aspectos estejam de acordo com o esperado, ainda é necessário que o indivíduo tenha uma atitude adequada ao aprendido. Isso nos leva ao segundo e mais importante ponto que envolve as dificuldades de avaliar competência: as atitudes. Em qualquer profissão, observamse profissionais que fizeram o mesmo curso, com os mesmos professores, e, na atuação profissional, alguns se tornam excelentes e outros nem sempre. Por quê? Quais as causas dessa diferença? Poder-se-ia dizer que são as condições familiares, as oportunidades, etc. Acredita-se que o diferencial básico está nas atitudes, na postura e no investimento que cada um faz na sua qualificação, tanto durante o período de formação como, depois, na ação profissional. Isso implica a necessidade da avaliação ser formativa, que é a modalidade voltada para a orientação, a cada aluno, no sentido de desenvolver, sistematicamente, a autoavaliação e o autocontrole de suas ações, com o objetivo de desenvolver a autonomia em relação à sua autoqualificação e vir a tornar-se competente como profissional. 3 Avaliação dos saberes No processo de construção de competências, é necessária a avaliação de todos os saberes. Fatos e conceitos são o que tradicionalmente se entendeu como conteúdo do ensino e o que foi – e continua sendo – objeto da maior parte das avaliações realizadas nas salas de aula. Tanto o conhecimento científico como as informações da vida diária consistem em fatos. Precisa-se de uma base de fatos para poder entender-se sobre determinado assunto. A aprendizagem deles implica lembrá-los ou reconhecê-los de modo literal. No entanto, para a aprendizagem significativa, não basta conhecer uma série de dados. Esses precisam ser interpretados em função dos próprios marcos conceituais. Então, uma pessoa constrói um conceito quando é capaz de dotar de significado a informação, ou seja, quando compreende esse material e é capaz de traduzir, com suas 3.1 Avaliação de fatos Na avaliação de fatos, são usadas questões objetivas, pois as respostas são prontas, necessitando serem transcritas, assinaladas ou relacionadas. Ao elaborar esse tipo de questões, deve-se ter o cuidado de selecionar apenas conteúdos significativos que fazem parte de aprendizagens indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo. Esse tipo de questão exige que o aprendiz lembre o fato no momento adequado, o que, muitas vezes, torna-se difícil. De acordo com Baddeley (apud COLL, 1998), as estratégias a seguir relacionadas facilitam a recuperação de um fato: apresentar, na questão, uma situação ou um contexto similar ao aprendido; solicitar o reconhecimento do fato, com a apresentação de várias alternativas para selecionar uma correta. 3.2 Avaliação de conceitos Nesse caso, é preciso verificar se o avaliando os construiu e não está, apenas, repetindo o que memorizou. Isso exige uma forma diferente e mais complexa de avaliar. Coll (1998) apresenta algumas sugestões para facilitar esse tipo de avaliação: solicitar o significado do conceito e valorizar mais o uso que o aluno faz de suas próprias palavras do que a repetição do aprendido; reconhecer uma definição que possibilita avaliar a compreensão; fazer exposição temática, através da construção de um texto e da comparação entre dois ou mais conceitos; identificar categorias e exemplos, verificando se a lista de exemplos selecionados foi feita a partir da compreensão do conceito e solucionar problemas, utilizando os conceitos aprendidos. De acordo com o autor citado, este último é o tipo de situação mais indicado para a avaliação de conceitos, já que possibilita fazer a integração de diferentes conceitos. Será mais adequada ainda se o professor questionar sobre o porquê das ações do aluno. Se ele deixa para corrigir depois que a tarefa está concluída, em geral, não há condições de verificar se houve a construção de um conceito ou a memorização dos fatos. 3.3 Avaliação de procedimentos A avaliação dos procedimentos necessita da presença do professor enquanto a ação é executada. Na aplicação do procedimento, há situações particulares, pois o avaliador vai verificar se o avaliando tem o domínio suficiente do saber e se usa e aplica essa informação de forma correta para resolver um determinado problema. Um último aspecto a considerar está relacionado à automação de procedimentos. É importante que o professor acompanhe cada etapa das ações para verificar a organização, a sequência e a forma adotada para a execução da tarefa, se todas foram aprendidas, ou, em caso negativo, localizar onde está a dificuldade para poder organizar novas estratégias de aprendizagem. 3.4 Avaliação de atitudes A principal técnica usada na avaliação das atitudes é a observação, que vai limitar-se aos indicadores que evidenciam a atitude adequada. Por exemplo, a pontualidade só pode ser avaliada através da atitude do indivíduo em ser pontual ou não. As atitudes fazem parte dos conteúdos de todas as disciplinas. Dessa maneira, também são avaliadas de forma conjunta com os outros tipos de conteúdo. Essa é uma ação bem mais complexa do que avaliar os outros saberes, porque a atitude do indivíduo, em um determinado momento, não representa que haja uma internalização e que ela será repetida em outros momentos. Ao observar com a finalidade de avaliar, o professor necessita deter-se nos três componentes de uma atitude: cognitivo, afetivo e a tendência à ação, que representam significados importantes na vida de uma pessoa, tais como pensar, sentir e atuar. As linguagens e as ações das pessoas são as ferramentas mais eficazes na avaliação das atitudes, porque os indicadores não verbais, como gestos faciais e corporais, silêncios e olhares, representam uma série de limitações, principalmente se o avaliador não é preparado para desenvolver esse tipo de avaliação e se conhece pouco o avaliando. Considerações finais Ao finalizar este texto, é importante que se considerem alguns aspectos que tornam a avaliação um importante instrumento na construção de competência. No planejamento das ações avaliativas, é importante uma reflexão sobre seus objetivos e sobre a importância deles para a construção de outros conhecimentos. Assim, o grau de exigência do professor, na avaliação de qualquer dos saberes, vai depender da importância desse conhecimento e do uso que o aprendiz fará deles. Na análise global das informações sobre os alunos, não podem ser considerados apenas os aspectos quantitativos, mas, principalmente, os qualitativos, especialmente, quando se pretende desenvolver competências. Coll (1998) considera necessário que o avaliador tenha bem claro que um único dado sobre o desempenho do aluno não pode ser visto isoladamente, mas todos eles de uma forma interrelacionada. As avaliações dos diferentes tipos de conhecimento são simultâneas e complementares. 41 Para avaliar o aluno operando uma máquina, por exemplo, é necessário verificar se ele conhece os procedimentos, a sequência e a razão de agir de tal forma e em tal sequência. Por outro lado, não basta evidenciar conhecimento compreensivo sobre esses fatos e conceitos, é necessário demonstrar que sabe utilizá-los de forma e em ESPAÇO DIALÓGICO próprias palavras, o aprendido. O entendimento da diferença entre a aprendizagem de fatos, ou memorização, e a aprendizagem de conceitos, ou significativa, é muito importante quando se pensa em avaliar esses saberes. tempo adequados. Também é preciso verificar se ele tem uma atitude adequada em relação ao cumprimento das normas, no cuidado com a máquina, com sua saúde e respeito para com os colegas no desenvolvimento da ação. A postura do professor em relação à avaliação tem que estar voltada para a orientação a cada aluno, no sentido de não esperar que ele esteja ou se considere pronto ou competente para o exercício profissional. Mas que desenvolva a autonomia em relação à sua qualificação, para se modificar, melhorar sua maneira de pensar, suas estruturas cognitivas, suas atitudes, de forma contínua. Pois a competência se constrói no exercício da mobilização dos recursos cognitivos e práticos, acrescidos de atitudes adequadas aos saberes necessários em cada situação. Referências ESPAÇO DIALÓGICO 42 COLL, C. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artmed, 1998. MELCHIOR, M.C. Da avaliação dos saberes à construção de competências. 2. ed. Porto Alegre: Premier, 2008 DEPRESBITERIS, Lea. file:///C|/Educação Profissional/Textos/boltec312a.htm (14 of 15)14/1/2009. MELCHIOR, M.C. Avaliação Pedagógica: função e necessidade. 3ª. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2002. HIRATA, H. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In. FERRETTI et al (org). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. INSTRUÇÕES AOS/ÀS AUTORES/AS A Revista Espaço Dialógico é uma publicação da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo - IENH. Os artigos deverão ser redigidos em português, em 3ª pessoa. Um artigo é um texto que relata uma pesquisa científica feita com uma amostra de dados e/ ou com uma revisão bibliográfica. Tem, geralmente, as seguintes partes: * Elementos pré-textuais: título, autoria e titulação, resumo (apresentação concisa de todos os pontos relevantes do trabalho: problema de pesquisa + pressuposto teórico + corpus de estudo e método + descrição + resultados. O espaço destinado ao resumo corresponde a um texto de 50 a 150 palavras) e palavras-chave; * Elementos textuais: introdução (questão de pesquisa, caracterização de um problema e justificativa; síntese do que será feito e do foco que será dado ao longo do texto); referencial teórico (revisão da literatura, o que já se escreveu sobre o tema e o que será utilizado/ levado em conta no artigo); corpus de estudo e método (se houver); observação/ descrição do que foi encontrado (se houver materiais e métodos); discussão e reflexão dos resultados (reflexão acerca do que se viu a partir da descrição do corpus: pondere, critique, sintetize, aponte prós e contras, faça implicações/ relações com o objetivo e a questão de pesquisa); conclusões (considerações finais com respostas para as questões colocadas na introdução) e referências que foram citadas. Os trabalhos poderão ser enviados eletronicamente para o endereço [email protected]. No caso de conterem imagens, estas deverão ser submetidas em tamanho original, em arquivos separados (JPG), não inseridas no texto e com resolução mínima de 300 dpi. Deve ser indicado no decorrer do texto o local aproximado onde deve ser inserida a imagem, bem como o seu título e fonte. A publicação dos artigos está sujeita à aprovação prévia do Conselho Editorial. Este poderá realizar ajustes/ revisões nos textos, se necessário. O texto original deverá conter no mínimo 10000 e no máximo 15000 caracteres na seguinte ordem: " título; " nome do/a autor/a, titulação e área de atuação; " resumo acompanhado de no mínimo três palavras-chave, separadas por ponto final; " texto completo do artigo, escrito em Arial 12 pt e com espaçamento 1,5; " referências (material efetivamente citado no texto)/ obras consultadas (utilizadas pelo autor, mas não citadas no texto). As citações no interior do texto devem obedecer à norma NBR 10520 da ABNT. As referências/ obras consultadas devem obedecer a norma NBR 6023 da ABNT, sendo listadas ao final do texto, em ordem alfabética, em 12 pt, com espaçamento 01 entre linhas, com 01 espaço em branco entre cada referência/ obra consultada. Próxima edição: Serão recebidos artigos até o dia 31 de maio de 2010. Instituição Evangélica de Novo Hamburgo Conselho Editorial da Revista Espaço Dialógico Rua Frederico Mentz, 526 - Bairro Hamburgo Velho CEP 93525-360 - Novo Hamburgo/ RS, Brasil e-mail: [email protected] Exemplos de referências: ARTIGOS DE PERIÓDICOS COMO surgiu o Origami? Mundo Estranho, São Paulo, v. 1, n. 9, p. 26-27, nov. 2002. GOULART, Tânia. O grande Rillo. Jornal NH, Novo Hamburgo, n. 9261, 5 ago. 2004. ABC do Gaúcho, p. 39. ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES RELATIVAS A EVENTOS No todo: SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo. Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003. Artigos dentro de anais: MEDEIROS, Paulo Fernando. A Dislexia infantil: práticas de aprendizado. In: SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo. Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003. p. 35-39. LIVROS RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. CAPÍTULOS DE LIVROS Caso seja uma obra com vários autores: MARTINS, Altair. Primeira experiência. In: KIEFER, Charles (Org.). O livro dos homens. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. p. 29-44. Caso seja um capítulo na obra de um único autor: RAMOS, Graciliano. Da saída do sertão. In: ______. Vidas secas. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. cap. 5. DISSERTAÇÕES E TESES GEVEHR, Daniel Luciano. Fanáticos, violentos e ferozes liderados por Jacobina endiabrada: as representações anti-muckers em "O Ferrabraz" (1949-1960). São Leopoldo, 2003. aprox. 200p. Apresentada como dissertação de mestrado, Universidade do Vale do Sinos, 2003. SITES CAVALCANTE, Elisabete. Aprendendo a lidar com a frustração. [S.l.]: Somos Todos Um, [ 2 0 0 4 ] . D i s p o n í v e l e m : <http://vidanova.terra.com.br/conteudo/co nteudo.asp?id=3575>. Acesso em: 6 ago. 2004. EM dia com Alcides Maya. Jornal da Universidade, Porto Alegre, v. 6, n. 70, abr./ maio 2004. Disponível em: <http:ufrgs.br/jornal/maio2004/index.htm>. Acesso em: 6 ago. 2004. ARTIGOS Perspectiva de recursos e capacidades como fontes de vantagem competitiva 4 4 Imagens que não se apagam: a líder dos Mucker e seu combatente 4 Os sistemas nacionais de inovação e a situação brasileira 4 Análise compreensiva da estratégia colaborativa organizacional como diferencial competitivo 4 Inserção de testabilidade em núcleos de sistemas digitais: a norma IEEE 1149.1 4 A formação do educador físico para a Educação Infantil: a percepção de profissionais de Educação Física de Novo Hamburgo - RS 4 O capelo e a palavra do reitor: cerimonial do rito de passagem 4 Os carrapichos de Lobato: permanência e transcendência do universo do Sítio do Picapau Amarelo em tempos de modernidade líquida 4 A importância da avaliação na construção de competências UNIDADE DE ENSINO PINDORAMA Educação Infantil (Níveis 2 ao 5), Ensino Fundamental 8 anos (4ª e 5ª série) e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª, 3ª e 4ª série) Espaço Brincar e Criar (Níveis 2 ao 5 - manhã) UNIDADE DE ENSINO OSWALDO CRUZ Educação Infantil (Níveis 2 ao 5), Ensino Fundamental 8 anos (4ª e 5ª série) e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª, 3ª e 4ª série) CURRÍCULO BILÍNGUE - português/ inglês CURRÍCULO DE TEMPO INTEGRAL e CURRÍCULO BILÍNGUE português/ inglês (1ª a 5ª série) CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP Nível Técnico: Administração, Marketing (51) 3594 8040 - [email protected] (51) 3594 8050 - [email protected] UNIDADE DE ENSINO FUNDAÇÃO EVANGÉLICA Ensino Fundamental (6ª a 8ª/ 9ª série) e Ensino Médio IENH IDIOMAS Inglês, Alemão e Espanhol [email protected] CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP Curso Normal - Formação de Professores (noturno) Nível Técnico: Administração, Comércio Exterior, Informática, Logística, Marketing (51) 3594 3022 - [email protected] UNIDADE DE ENSINO IGREJINHA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP Nível Técnico: Design de Móveis, Informática (51) 3545 6967 - [email protected] www.ienh.com.br FACULDADE IENH Bacharelado em Administração Tecnologia em Redes de Computadores Ciências Biológicas - Licenciatura [email protected]