O Devido Processo Legal e as Provas no Processo
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O Devido Processo Legal e as Provas no Processo
Signature Not Verified Acadepol Digitally signed by Acadepol Location: Florianopolis SC LEONÍSIO LAURO MARQUES O DEVIDO PROCESSO LEGAL E AS PROVAS NO PROCESSO DISCIPLINAR Monografia apresentada parcial para obtenção Especialista em Segurança Pública, no graduação Lato Sens” Pública, da Universidade Catarina. Florianópolis, setembro 1999 como requisito do título de Administração Curso de Pósem Segurança do Sul de Santa LEONÍSIO LAURO MARQUES O DEVIDO PROCESSO LEGAL E AS PROVAS NO PROCESSO DISCIPLINAR Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Administração em Segurança Pública, no Curso de PósGraduação Lato Sensu em Segurança Pública, Setor de Ciências Sociais, Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientador: Raulino Jacó Bruning MSc - UNISUL Florianópolis, setembro de 1999 LEONÍSIO LAURO MARQUES O DEVIDO PROCESSO LEGAL E AS PROVAS NO PROCESSO DISCIPLINAR Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista, no Curso de Especialização em Administração em Segurança Pública, Setor de Ciências Sociais, Universidade do Sul de Santa Catarina, pela Banca formada pelos professores: Orientador: ___________________________________ Raulino Jacó Bruning Profº MSc - UNISUL ____________________________________ Nilcéia Juncklaus Zanotelli Profª MSc – Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - UNISUL _____________________________________ Antônio Alves da Silva Filho Cel PM – Comandante do Centro de Ensino PMSC Florianópolis, setembro de 1999 ii Não é digno de saborear o mel, aquele que se afasta da colmeia com medo das picadas das abelhas. William Shakespeare É do entrechoque de opiniões que, às vezes, faíscam as verdades. San Tiago Dantas iii DEDICATÓRIA Ao Criador, por tudo que sou e que tenho. Aos meus familiares pelo tempo sonegado de seu convívio na tarefa de aprender! iv SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1 CAPÍTULO I .......................................................................................................... 5 1. ORIGEM HISTÓRICA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL............................. 5 1.1 O Conteúdo do Devido Processo Legal ................................................ 9 1.2 Aspectos Procedimentais do Devido Processo Legal ....................... 10 1.3 Aspectos Materiais do devido Processo Legal................................... 10 1.4 Interpretação do Devido Processo no Brasil ...................................... 12 CAPÍTULO II ....................................................................................................... 16 2. O Devido Processo Legal e o Poder Disciplinar da Administração Pública............................................................................................................ 16 2.1 Poder Disciplinar da Administração Pública ...................................... 16 2.2 O Devido Processo Legal no Regime Disciplinar............................... 18 2.3 O Princípio do Devido Processo Legal na Constituição Federal Brasileira de 1988. ................................................................................ 19 CAPÍTULO III ...................................................................................................... 23 3. As Provas no Processo Disciplinar .......................................................... 23 3.1 As Provas no Processo Administrativo .............................................. 23 3.2 Procedimentos para Apurações das Transgressões Disciplinares na Esfera Civil e Militar .............................................................................. 26 3.2.1 Dos Procedimentos da Polícia Civil ............................................................. 26 3.3 O Procedimento para Apuração das Transgressões Disciplinares na Esfera Militar.......................................................................................... 32 3.3.1 Dos Procedimentos da Polícia Militar ......................................................... 32 3.3.2 PMs Com Estabilidade - Exclusão .............................................................. 35 3.3.3 PMs Sem Estabilidade - O Licenciamento ................................................. 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMPLEMENTARES............................... 44 v LISTA DE SIGLAS CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal EPC – Estatuto da Polícia Civil NGA – Normas Gerais Administrativas RDPMSC – Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina vi RESUMO A presente monografia tem como objetivo o estudo das provas no processo administrativo e disciplinar e com ela demonstrar quais os meios de prova admitidas nos procedimentos administrativos punitivos, bem como, o contraditório e a ampla defesa na esfera civil e na militar. O procedimento administrativo disciplinar, segundo a doutrina corrente, é constituída de quatro fases, instrução, defesa, relatório e julgamento. Baseado no art. 5º , incisos LIV e LV, da Constituição Federal Brasileira, aspecto formal consiste na sujeição de qualquer questão que fira a liberdade e os bens de um ser humano ao crivo do Judiciário, por meio de um juiz natural. Num processo contraditório, em que assegure ao interessado ampla defesa, e que as normas aplicadas não sejam intrinsecamente injustas. Quanto ao princípio do contraditório impôs a condição dialética do processo. Exigindo assim, que em cada passo do processo, cada parte tenha a oportunidade de apresentar suas razões, ou se for o caso suas provas. Implica a ele, portanto, o que os processantes denominam par contio, ou seja, igualdade entre as partes. Na esfera civil a norma legal faz uma abordagem compatível da prova com o princípio analisado. Porém, na esfera militar este que é o caso, faz-se necessário reformular as normas legais vigentes, harmionizando-as com os ditames da Constituição Federal de 1988, seguindo devidamente o devido processo legal. vii 1 INTRODUÇÃO A evolução do significado da cláusula do devido processo legal 1 (due process of Law) prende-se a concepção filosófica dos direitos assegurados também chamada de teoria dos direitos adquiridos (doctrine of vested rights). Esta doutrina dos direitos assegurados foi o resultado direto da filosofia dos direitos naturais do período revolucionário dos finais do século XVIII, onde se acreditava que certos direitos eram tão fundamentais ao indivíduo, que estariam além do controle governamental. O governo constitucional existia para a proteção destes direitos naturais, os quais derivavam da natureza da justiça. Alguns destes direitos estavam especificados nas declarações de direitos das constituições, mas estas listas não deveriam ser interpretadas como exaustivas, mas sim exemplificativamente, vez que dentre estes direitos, estava o da propriedade (individual’s right to be secure in his possession of private property). Dessa maneira, o legislador não teria um direito ilimitado de interferir de maneira arbitrária em matéria relativa à propriedade privada. De acordo com a doutrina em tela, era trabalho das cortes de justiça declararem inválidas leis violadoras deste direito de propriedade, não em virtude de qualquer provisão constitucional, mas porque tais leis violam a natureza fundamental de todo governo constitucional. Assim, durante o séc. XIX, nos Estados Unidos da América, a doutrina 1 A expressão Due Process of law foi utilizada pela primeira vez na lei inglesa de 1354, elaborada sob o reinado de Eduardo III. Esta lei foi denominada de “Estatuto das Liberdades de Londres”. 2 dos direitos assegurados foi revivida, ligada ao devido processo de direito (due process of law), e usada para defender o direito de propriedade privada, e, posteriormente, os demais direitos da pessoa humana. Também não se pode estudar o desenvolvimento da cláusula do devido processo, dado pela jurisprudência americana, sem breve referência ao constitucionalismo do séc. XVIII, movimento derivado do iluminismo e da escola de direito natural, segundo o qual se acreditava que uma constituição escrita seria o instrumento adequado para formalizar o contrato social, ou seja, para a organização dos poderes do Estado, e, principalmente, para proteção do indivíduo contra as investidas do mesmo. A declaração de direitos seria justamente o reconhecimento daqueles direitos naturais, anteriores, portanto ao Estado, aos quais este deve respeito. Na verdade, inicialmente, a declaração de direitos não era outra coisa senão o elenco de liberdades públicas, isto é, poderes de agir reconhecidos pelo Poder Público. Posteriormente, as Declarações de Direitos passaram a englobar os chamados Direitos Sociais, ou seja, direitos de exigir, verdadeiros direitos de crédito frente ao Estado. A Constituição dos EUA, datada de 1787, com algumas emendas posteriores importantes, mas muitas, igualmente antigas, não tem este completo elenco antes referido. Contém apenas a declaração de algumas liberdades públicas, mas não direitos de crédito frente ao Estado. 3 Embora os revolucionários norte-americanos tenham também sofrido o influxo das idéias iluministas, tiveram que se preocupar com a consolidação da Confederação recém-independente. Aqui está uma das importantes particularidades do Direito Constitucional dos EUA. O Direito Constitucional norteamericano deve muito de sua evolução às inovadoras interpretações que a sua Suprema Corte deu aos poucos artigos que são escritos em sua Constituição formal. É verdadeiramente um direito jurisprudencial 2. Este trabalho visa a compreensão da cláusula do devido processo legal no Direito Administrativo Disciplinar, e, isto não se pode fazer sem o estudo da clause of due process of law do Direito americano. Dedica-se portanto o primeiro capítulo a origem histórica do devido Processo Legal, o conteúdo do devido processo no Brasil, tal como inscrito em nossa Constituição Republicana de 1988; traçando-se um paralelo com o princípio da legalidade, igualmente presente em nossa Carta Maior - esta com maior tradição em nosso Direito Constitucional desde a Constituição de 1824. No segundo capítulo será feita a análise do poder disciplinar da administração pública e devido processo legal nos regimes disciplinares, e o princípio na Constituição Federal de 1988, seguida do terceiro capítulo, as provas no processo administrativo e o procedimento para apuração das transgressões disciplinares na esfera civil e militar. 2 O Direito norteamericano é descendente da família jurídica da “common law” - originada na Inglaterra do séc. XII e desenvolvida a partir das decisões dos Tribunais Reais, e, caracterizando-se por uma metodologia jurídica casuística, onde a solução brota do caso em concreto, sobre uma base eminentemente jurisprudencial -, mas tem algumas nuances; justamente como apresentar uma Constituição escrita e rígida, enquanto na Inglaterra a Constituição é costumeira e flexível. 4 Para tanto foi utilizado o método dedutivo-lógico formal, próprio da Ciência jurídica, onde temos como premissa maior a cláusula do devido processo legal insculpida na Constituição Federal de 1988 e como premissa menor a análise de sua efetividade nos processos administrativos disciplinares. A técnica utilizada foi a de pesquisa bibliográfica. 5 CAPÍTULO I 1. ORIGEM HISTÓRICA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Faz-se necessário em caráter propedêutico demonstrar o nascedouro deste principio. Cumpriremos tal mister investidos da função de compilador daquilo que é tratado pelos doutos. Cabe inicialmente frisar que o sentido desta cláusula teve uma grande alteração no seu significado primordial, constante inicialmente dos textos legais ingleses, dos quais foi importada para a 5ª. Emenda da Constituição americana: "No person shall... be deprived of life, liberty or property without due process of law". Esta cláusula é equivalente à expressão law of the land , foi o direito norte-americano que ao adotar o Due Process of law traçou, de maneira inequívoca, sua evolução, reconhecendo expressamente a cláusula law of the land como antecessora do Due Process of law”. do direito inglês, insculpido na Magna Carta de João Sem Terra (1215): "No freeman shall be taken or imprisioned or disseid or exiled or in any way destroyed... except by lawful judgment of his peers and by the law of the land". significava que os direitos dos homens livres - barões e proprietários de terra relativo à vida, à liberdade e à propriedade só poderiam ser suprimidos segundo regras constantes da lei da terra ou do direito costumeiramente aceito”. “A law of the land, conforme explica Webster, é a lei que ouve antes de condenar, que obra mediante investigação dos fatos, e não sentencia senão no termo do processo. Ela assegura aos cidadãos a vida, a liberdade, a propriedade, todos 6 os seus direitos e imunidades, pondo-os sob a proteção dos dispositivos gerais 3 que regem a comunhão” A expressão Due Process of law foi utilizada pela primeira vez na lei inglesa de 1354, elaborada sob o reinado de Eduardo III. Esta lei foi denominada de “Estatuto das Liberdades de Londres” (Statute of Westminster of the Liberties of London). Na Federação Americana, o princípio Due Process of law foi inserido na Constituição de 1787, mas já era adotado, a exemplo da Magna Charta inglesa, em algumas Constituições Estaduais (Maryland, Pensylvannia e Massachusetts). Com efeito, através do fenômeno da “recepção”, o direito norte-americano foi o herdeiro direto dessa garantia constitucional, tendo tido o mérito de embalá-la, criá-la e fazê-la florescer com inexcedível criatividade. São inúmeras as decisões da Suprema Corte norte americana que reconhecem expressamente a sinomímia entre a expressão law of the land e due process of law, placitando o entendimento, aliás historicamente incontroverso, de que a segunda é sucessora legítima da primeira.4 Em 3 de novembro de 1776, com a “Declaração dos Direitos de Maryland” foi inserido, de maneira expressa, o trinômio vida-liberdade-propriedade. Claro está aí, tanto na cláusula original do direito inglês, como no direito constitucional americano, num primeiro momento, a significação processual do instituto, ou seja, como uma restrição processual à atividade governamental, pela qual se garantiam determinados direitos ao acusado por crime, para ser privado de seus bens, liberdade e vida. Tal entendimento, nos EUA, prevaleceu até 1850. Todavia, a partir da segunda metade do séc. XIX (1850), iniciou-se uma tentativa, na Suprema Corte 3 BUENO FILHO, Edgard Silveira. In O Direito à Defesa na Constituição, p. 44. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira, O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. p. 7-11. 4 7 norte-americana, de associar o devido processo à doutrina dos direitos investidos: Wynehamer v. New York [1856]; Dred Scott [1857]; Hepburn v. Griswold [1870]. Estes casos configuraram uma radical mudança no sentido e conteúdo históricos da cláusula sub examen. Esta nova associação entre o devido processo e os direitos investidos deu ao due process um conteúdo substantivo, fazendo-o uma garantia contra uma irrazoável interferência legislativa na propriedade privada. Mas, antes de 1870, esta concepção substancial da cláusula em questão permaneceu minoritária, aparecendo em pouquíssimos julgados. Em 1868, foi aduzida a 14ª. Emenda à Constituição Norte-americana, assim redigida: "Nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law". Diferentemente da similar cláusula constante da 5ª. emenda, que garantia o indivíduo contra as investidas do governo federal, na 14ª emenda o devido processo lhe confere uma garantia federal contra a ação arbitrária estadual que interferisse nos direitos individuais. tal emenda foi criada originariamente para proteger os novos direitos políticos e legais adquiridos pelos negros, mas que acabou por se tornar, posteriormente, um das balizas do direito constitucional moderno. Porém, esta concepção protetora contra leis irrazoáveis (unreasonable) não foi imediatamente adotada pela Suprema Corte. Ao contrário, a sua primeira manifestação acerca do sentido da 14ª. Emenda Constitucional, em Slaughterhouse v. Louisiana [1873], foi a de negar-lhe caráter substancial. 8 O mesmo entendimento estreito e conservador da cláusula do due process constante da Emenda 14ª. foi mantido em outro caso posteriormente decidido pela mesma corte: Munn v. Illinois [1877]. Mas, apesar desta posição inicial, no sentido de validar a regulação pública do direito de propriedade, porque expressão do poder de polícia estadual, a Corte finalmente entre 1890-98 deu total reconhecimento à concepção substantiva do devido processo, como limitação ao poder legislativo estadual. Foi em Stone v. Farmers Loan Trust Co. [1886], que a Corte Suprema deu o grande passo em direção à substantivização do devido processo. Isto porque, embora, in casu, ela tenha negado o caráter protetivo da cláusula em tela, os juízes admitiram in abstracto a violação por lei do due process, quando da regulação do direito de propriedade individual. De grande importância para o desenvolvimento daquela substantivização foi o julgado Chicago, Milwaukee, and St. Paul Ry. Co. V. Minnesota [1890], último degrau para a consagração do caráter protetor do due process. Aqui ficou assentado que a regulação pública ao direito de propriedade deve ser razoável e o que é razoável é justamente uma questão judicial. Finalmente a consagração final veio em famoso aresto Reagan v. Farmers’ Loan and Trust Co., quando uma lei estadual foi declarada nula por contrariedade ao devido processo, porque criava obrigações tributárias irrazoáveis. Todavia, o caráter substantivo do devido processo, até então somente aplicado ao direito de propriedade, foi ampliado para abarcar o direito de liberdade, o que foi feito em Allgeyer v. Louisiana [1897]. Entendendo-se por liberdade não 9 somente o aspecto físico, mas também no sentido de aproveitar todas as suas faculdades, utilizando-a de todas as maneiras legítimas: morar, trabalhar, contratar. Além disto, esta interpretação de caráter protetivo da Emenda 14ª. foi também admitida em relação à Emenda 5ª., pelo que também o Poder Legislativo Federal ficou constrito à razoabilidade de seus atos. É o que ficou decidido em Adair v. United States [1908]. O apogeu do caráter substantivo do devido processo se deu entre 1900 e 1937, sob uma grande influência do pensamento econômico liberal: laissez-faire. Aqui, o objetivo fundamental era defender a propriedade privada e proteger a livre iniciativa contra as investidas do poder estatal (público). Todavia, a partir de 1937, outra doutrina econômica passou a vigorar, qual seja, Keynesianismo (intervencionismo estatal), a qual, associada com os ideais do new deal, transformaram o pensamento econômico vigente, e, consequentemente, a postura dos juizes da Suprema Corte norte-americana. Com isto, a cláusula do due process se ligou muito mais à proteção dos direitos individuais assegurados expressamente no bill of rights e implicitamente os demais reconhecimentos. 1.1 O Conteúdo do Devido Processo Legal Do exposto anteriormente, deve-se concluir que a cláusula do devido processo, tal como desenvolvida pela Suprema Corte Americana, admite dois 10 significados distintos. O primeiro de índole processual (procedural due process) e, o segundo, de índole material (substancial due process) 5. 1.2 Aspectos Procedimentais do Devido Processo Legal Este sentido guarda relação com o surgimento histórico do instituto na Inglaterra, já anteriormente descrito, ou seja, permanece vinculada à defesa das liberdades individuais. A faceta processual da cláusula em voga identifica-se com as garantias processuais ao acusado e demais demandantes, de um processo justo, correto. Admite-se inclusive, que a garantia do devido processo engloba todos os demais princípios informativos do processo 6: ampla defesa e contraditório, duplo grau de jurisdição, decisão fundamentada, entre outras derivadas do art. 5º da Constituição Federal. 1.3 Aspectos Materiais do devido Processo Legal O substancial Due Process é um limitação substantiva geral ao Poder de Polícia do Estado: lei, decreto ou ato administrativo, que imponha qualquer limitação 5 Chega a esta mesma conclusão, que o devido processo tem um lado processual e outro lado material, o prof. da UFPR, Augusto do Amaral DERGINT em artigo publicado na RT 709/249 (nov/94), entitulado Aspecto material do devido processo legal. 6 NERY JR. Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1992. 11 no direito à propriedade privada, liberdade contratual e demais direitos da pessoa humana. A Corte Americana entende que tem direito a examinar qualquer lei e determinar se ela constitui um legítimo exercício do poder de polícia. Neste sentido, o que constitui legítimo exercício do poder de polícia, torna-se agora uma questão judicial e não meramente uma questão legislativa. Teoricamente o desejo do legislador permanece respeitado pela Corte. Para que esteja dentro dos limites do devido processo, uma lei deve, na opinião da Corte, ser razoável. Este o teste pelo qual o ato legislativo deve passar. Isto é, a lei deve empregar razoáveis meios para atingir seus fins, os meios devem mostrar uma razoável e substancial relação aos propósitos do ato, não impondo qualquer limitação irrazoável ao direito de propriedade e liberdade contratual. Além do aferimento da razoabilidade, inclusa estava a exigência de que a lei não fosse arbitrária. Uma lei razoável era aquela que parecia sensível, plausível e inteligente aos juizes que a examinaram. Todavia, este critério seletivo é uma concepção filosófica e econômica subjetiva, ou seja, tem como base o modelo subjetivo de cada um. Assim, quando a corte aplicava o teste da razoabilidade da lei, julgava-a com base nas suas próprias convicções sociais e econômicas. Do exposto, fica claro que o sentido do devido processo substantivo pode ser resumido na regra da razão. Todavia, a razoabilidade não advém do próprio texto constitucional, nem se trata de limitação ao legislativo expressa na 12 constituição. É da própria concepção filosófica econômica e social- pessoal que o juiz formula sua decisão a respeito da razoabilidade da lei. Portanto, criou-se uma nova espécie de revisão judicial, pela qual a Corte examinava a constitucionalidade de leis estaduais e federais à luz das idéias econômicas e sociais dos juizes, intrometendo-se em matéria de política pública, tradicionalmente da alçada dos poderes ditos políticos. O que tornou a Corte um tipo de terceira câmara legislativa negativa, interferindo na discricionariedade e no desejo do poder legislativo. 1.4 Interpretação do Devido Processo no Brasil O Texto Constitucional de 1988 dispõe textualmente em seu artigo 5° LIV: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;" Numa primeira análise deste tema, agora numa perspectiva nacional (Direito brasileiro), poder-se-ia pensar que o constituinte de 1988, ao consagrar a cláusula do devido processo legal no supra transcrito artigo, inclusive de teor literal muito próximo de sua vizinha norte americana, insculpida na 14ª. Emenda à Constituição estadunidense. Estaria admitindo no Brasil expressamente um amplo controle judicial de razoabilidade das leis e dos atos administrativos, isto é, um controle sobre a arbitrariedade cometida pelos representantes do povo quando em exercício do poder que lhe é delegado legitimamente. O que significaria dizer que o Poder Judiciário ocuparia uma posição fundamental na organização do Estado brasileiro. 13 Todavia, tal conclusão não é tão simples e absoluta. Isto porque o constitucionalismo brasileiro seguiu, historicamente7, a tradição francesa do princípio da legalidade 8, segundo o qual seria a lei, resultado da vontade do povo, quem preveniria eventuais abusos de quem exercesse o poder; quem asseguraria a liberdade individual 9. No entanto o constituinte de 1988, ao mesmo tempo em que adotou o princípio da legalidade, como sempre o fizera, também escreveu no texto constitucional atual a regra de controle americana, inclusive adotando uma má tradução do original: due processo of law por devido processo “legal”, quando law jamais poderia ter sido traduzido por “legal”, pois que significa, na verdade, Direito. Lei nos países anglo-saxões é chamada act, estatute. Como, então, deve ser lida esta cláusula inculpida em nossa Carta Maior? Outra interpretação não pode haver senão a de que o constituinte recebeu a cláusula americana em seu sentido atual, isto é, de controle da 7 A Constituição Política do Império do Brasil, em seu art. 179, 1º., rezava que “Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”. Esta tradição se manteve em todas as Constituições Republicanas posteriores: a de 1891, a de 1934, a de 1946, a de 1967-9 e a de 1988, salvo a de 1937 (promulgada sob a ditadura de Getúlio Vargas, dita Estado Novo). 8 Tal como inscrito nas Constituições brasileiras, a declaração de direitos encabeçada na Carta Constitucional francesa de 1795, em seu art. 7º., tem referência expressa: “Ce qui n’est pas défendu par la loi ne peut être empêché; - Nul ne peut être contraint à faire ce qu’elle n’ordonne pas” (aquilo que não estiver proibido por lei, não pode ser impedido; - ninguém poderá ser constrangido a fazer aquilo que ela não ordenar). 9 Tanto é assim, que PONTES DE MIRANDA (“Comentários...”, t. IV, p. 635) não confunde o princípio antes referido da legalidade (p. 01, t. V) com o que chama de “princípio da liberdade”, ambos consagrados no mesmo art. 153, par. 2º., da CN/67; atualmente, art. 5º., II, CN/88. Esta tese encontra guarida ao se analisar em combinação os arts. 4o. e 5o. da Declaração de Direitos de 1789, onde predominavam expressamente as idéias jusnaturalistas: “La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui...” (A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudicar outrem) e “La loi n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la societé.” (A lei só pode proibir as condutas prejudiciais à sociedade); e os arts. 2º. e 7º. da Declaração de Direitos de 1795 - o art. 7º. já foi citado acima; o 2º. assim dispõe: “la liberté consiste à pouvoir faire ce qui ne nuit pas aux droits d’autrui” (a liberdade consiste em poder fazer aquilo que não prejudique outrem). Entretanto, por sua vez, MONTESQUIEU (“O espírito...”, XI, III, p. 156), mescla os dois princípios na definição de liberdade como “o direito de fazer tudo o que as leis permitem;”. 14 razoabilidade dos atos do poder executivo e das leis provenientes do poder legislativo. Bem se sabe a influência do constitucionalismo norteamericano no pensamento dos constituintes brasileiros, tanto é assim que sofremos sua influência em diversas outras matérias (p. ex. federalismo). Pensar o contrário, isto é, supor que os feitores da Carta Magna brasileira de 1988 pretendiam dar à regra do devido processo um significado do início do século passado - processual -, seria ridicularizar os parlamentares brasileiros envolvidos com a elaboração da Constituição, admitindo a sua ignorância, o que é absurdo. Por isso a melhor interpretação jurídica para o problema acima apontado, deve ser de que temos atualmente, através de disposição constitucional expressa, um controle judicial de razoabilidade das leis e dos atos administrativos, a despeito das implicações políticas e filosóficas que tal compreensão acarreta. A contra-indicação política é de que o sistema americano confere uma supremacia ao Poder Judiciário, a ele cabe, em última instância o controle constitucional dos outros poderes. Enquanto que, na sistemática francesa, é ao parlamento, representante da vontade popular, a quem cabe uma posição de eminência frente aos demais poderes. Na França, inclusive, o Poder Judiciário não goza da mesma independência, estando vinculado ao Ministério da Justiça. 10 Na Inglaterra, embora seja ela representante do sistema jurídico da common law, também o princípio é de supremacia do parlamento, não existindo sequer controle de constitucionalidade das leis, que diga-se de passagem, estão no mesmo grau hierárquico daquela. 10 Adota-se, entre o franceses o sistema da jurisdição dual onde o Estado não se sujeita ao Poder Judiciário, mas sim a um órgão de jurisdição administrativa: o Conselho de Estado. 15 No Brasil, uma vez que nossa atual Constituição Nacional conferiu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a atribuição de guardião da Constituição, além das diversas outras disposições constitucionais relativas à independência daquele poder (como, por exemplo, dotação orçamentária própria), deve-se entender que o Judiciário tem o necessário fundamento constitucional para assumir aquela posição de eminência, tal como o faz nos EUA. Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) (...) 16 CAPÍTULO II 2. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.1 Poder Disciplinar da Administração Pública Após uma breve análise histórica-sociológica do princípio do devido processo legal e considerando que o objetivo deste trabalho é demonstrar a aplicabilidade e extensão do referido princípio no regime disciplinar da administração pública faz-se agora necessário a análise deste novo elemento: o Poder Disciplinar. A natureza pública dos serviços do Estado, impõe características próprias e necessárias à correta e adequada realização das tarefas que são peculiares à administração. Não podemos perder de vista que, em todos os braços de serviço público estamos diante da administração do legal, onde não há liberdade nem vontade pessoal, mas apenas e tão somente a vontade descrita num comando genérico e impessoal, imposto ao administrador público, como norma de conduta obrigatória. Na consecução de seus objetivos a administração pública é dotada de vários poderes administrativos que funcionam como instrumentos de trabalho necessários à satisfação de seus objetivos, ou seja, na realização do bem comum. 17 Esses poderes, chamados instrumentais, são distintos dos poderes políticos, de natureza estrutural e orgânica, inerentes à organização Constitucional. São, portanto, poderes administrativos, distintos dos poderes do Estado: a) o Hierárquico (de avocar, delegar, atribuir tarefas e organizar); b) o Discricionário; c) o Vinculado; d) o Regulamentar; e) o de Polícia e f) o Disciplinar. Este último consiste na faculdade de punir, internamente, as infrações dos servidores e demais pessoas que, por relação jurídica de qualquer natureza, se vinculam à administração e que, por isso, se sujeitam às normas de funcionamento do serviço que integram, definitiva ou transitoriamente. Assim, o exato desempenho das funções estatais, a correta utilização dos meios e formas de execução e a conduta interna dos servidores, constituem o núcleo do poder disciplinar, via conducente à apuração de responsabilidade e conseqüente punição das pessoas pelas faltas cometidas ou pelos desvios ocorridos, prejudicais à finalidade pública e ao bom desempenho dos serviços, no âmbito da própria administração. Egberto Maia Luz observa: No tocante ao exercício do jus puniendi, que é intrinsecamente elemento fundamental do Direito Administrativo Disciplinar, deve-se constatar que o seu exercício não é ilimitado e quando extravasa da previsão legal e da admissibilidade moral, fica perfeitamente configurada a arbitrariedade, a violência ou o abuso de poder. O agente do poder público que, na suposição, embora bem intencionada, queria preservar o interesse do Estado, agindo em nome deste com rigor excessivo, 18 deve ser por isto responsabilizado convenientemente, porque então estaria concorrendo não só para desnaturar a legítima pretensão punitiva do Estado, 11 como exceder o jus puniendi que lhe é inerente. Os Tribunais já decidiram: A autonomia do poder disciplinar só se entende com os fatos que constituem, exclusivamente, faltas disciplinares. Assim, faz-se mister que a discricionariedade não venha a ser usada abusivamente, sob pretexto de pena disciplinar, particularmente onde inexiste o ilícito, ou seja ele de existência 12 havida por duvidosa. 2.2 O Devido Processo Legal no Regime Disciplinar A utilização do devido e regular processo apuratório constitui requisito inafastável para a legalidade do ato punitivo. É que o poder discricionário conferido ao administrador não vai ao ponto de permitir que este puna, arbitrariamente, o subordinado. O judiciário decidiu recentemente: Direito Constitucional e Administrativo. Servidora pública estadual. Suspensão funcional. Ausência de procedimento administrativo mesmo que sumário, CF, art. 5°, inc. LV. Honorários advocatícios. CPC, art. 20 § 4°. Recurso e remessa desprovidos. Portaria que aplica pena de suspensão a servidora pública estadual, fere o disposto no art. 5°, inc. LV da Constituição Federal, desde que não antecedida de qualquer procedimento administrativo que dê ensejo à instauração de sindicância mesmo que sumária. Mesmo que o art. 161, parágrafo único da Lei Estadual n.° 6.745/85 não exija a realização de processo disciplinar quando a penalidade seja inferior a 30 dias de suspensão, ainda assim, faz-se indispensável a realização procedimento administrativo pois o dispositivo da lei estadual é anterior à vigência da CF/88 e 11 LUZ , Egberto Maia. in Direito Administrativo Disciplinar (Teoria e Prática). São Paulo: Bushatsky, 1977, pág. 68. 12 RT. 417/361 19 no confronto das duas regras, evidentemente, face a superioridade hierárquica da norma fundamental, prevalece esta última. O art. 20, § 4° do CPC prescreve que nas causas em que for vencida a fazenda pública, os honorários são fixados consoante apreciação eqüitativa. Assim, se a eqüidade deve ser aquela que corresponda ao bom senso e não implique em quantia irrisória, matem-se sentença na parte que estabelece em 15% sobre o 13 valor da condenação, os honorários. A irregularidade administrativa deverá, assim, ser apurada pelos meios legais compatíveis com a gravidade da falta e da pena a ser imposta, com observância da ampla defesa e do contraditório. Sem o atendimento satisfatório desses requisitos de apuração preliminar, a punição que viesse a ser aplicada não resultaria de ato discricionário, mas de arbitrariedade e, como tal, ilegítimo e viciado. Eis a seguinte decisão: Não é de ser concedido Mandado de Segurança contra ato disciplinar oriundo de autoridade competente e que obedeceu a formalidade essencial. A demissão a bem do serviço público e a cassação de aposentadoria de funcionário que, ainda na ativa, praticara ato punível com demissão, se decretadas pelo Governador do Estado em inquérito administrativo, revestido das formalidades legais, não são 14 passíveis de reforma por via de Mandado de Segurança. 2.3 O Princípio do Devido Processo Legal na Constituição Federal Brasileira de 1988. Sobre ditos princípios, tem-se na Constituição Federal de 1988: Art. 5°. (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente. 13 Apelação Cível n° 88.074491-5(46.176), da Capital, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, ESC X Custódia de Oliveira Guimarães, por maioria de votos, DJSC n° 9903, de 02 de fevereiro de 1998, pág. 07 20 Veja-se que a norma acima transcrita não estabelece qualquer restrição ao princípio nela consagrado. Isto é, reconheceu o legislador constitucional que não há como regrar milimetricamente a forma de garantir a ampla defesa. Para atingi-la, devem ser observados todos os meios e recursos a ela inerentes. “Inerente”, diz Aurélio Buarque de Holanda é aquilo que "está por natureza inseparavelmente ligado a alguma coisa ou pessoas". Assim, todo e qualquer meio ou recurso intrinsecamente ligado à ampla defesa deve ser observado para garanti-la. Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa integram as chamadas garantias processuais de ordem constitucional, e são corolários do denominado devido processo legal, como já vimos. Visões exclusivamente formulárias que defendem que para garantir o devido processo legal basta obedecer as formas legais são totalmente incompatíveis com o sistema preconizado pela Constituição Federal de 1988. Alias, demonstrando, claramente, que devido processo legal não se confunde com a simples observância de rito procedimental, José Afonso da Silva, lembra uma importante lição de José Frederico Marques: ...Garante-se o processo, e “quando se fala em processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos de ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a 15 bilateralidade dos atos procedimentais. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, ensinam o seguinte, a respeito da ampla defesa e do contraditório: 14 15 TJ AM, Ac. un. do Tribunal Pleno, em 14/07/70. MARQUES, José Frederico. Apud SILVA, José Afonso. in Curso de Direito Constitucional Positivo, 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 411 21 O conteúdo da defesa consiste em o réu ter iguais possibilidades às conferidas ao autor para repelir o que é contra ele associado. Essa igualação não pode ser absoluta porque o autor e réu são coisas diferentes. Uma mesma faculdade conferida a um e a outro poderia redundar em extrema injustiça. A própria posição específica de cada um já lhes confere vantagens e ônus processuais. (...) A ampla defesa visa pois a restaurar um princípio de igualdade entre partes que são essencialmente diferentes. A ampla defesa só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibilidades de convencimento de magistrado, quer seja ela alegada pelo autor, quer pelo réu. O contraditório, por sua vez, se insere dentro da ampla defesa. O contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. 16(grifos nossos) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre a ampla defesa nos diz o seguinte: Pela Constituição, foi o princípio claramente estendido ao processo administrativo, evidentemente de natureza disciplinar. Em face do direito anterior, não era indiscutida essa extensão, todavia, como apontada Alda Pellegrini Grinover, havia jurisprudência que anulava processos administrativos em que não se deram condições de defesa ao acusado . 17 Por fim, vejamos Hely Lopes Meirelles: Processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm decidido reiteradamente nossos Tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal, ou, mais especificamente, da garantia de defesa. 18 16 BASTOS, Celso Ribeiro. in Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 2 volume, pág., 267, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo: Saraiva, vol. 1, página 68 18 MEIRELLES, Hely Lopes. in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1996, p. 594 17 22 Feitas estas considerações, faz-se agora necessário a materialização do contraditório na esfera dos servidores públicos civis e militares, analisando os meios de prova à luz da lei 8.112/90, no primeiro caso. No que tange aos militares elegemos o procedimento vigente à luz do modelo vigente no Estado de Santa Catarina. 23 CAPÍTULO III 3. AS PROVAS NO PROCESSO DISCIPLINAR 3.1 As Provas no Processo Administrativo Em sede da Lei 8.112/90, que dispõe acerca do Regime jurídico único adotado pela União a seus servidores civis, podemos afirmar que é durante a instrução do processo, quando se inicia a fase do inquérito administrativo, que as provas da ocorrência dos fatos inquinados de irregulares e da autoria são coligidas e trazidas a baila, necessariamente, para o processo, sendo lícito realizar qualquer investigação, em diligência conveniente à sua elucidação. Eis a materialização do contraditório e da mais ampla defesa. No processo administrativo disciplinar, são acolhidas todas as provas em direito admitidas, sendo as mais utilizadas as que resultarem de: a) confissão; b) inquirição e reinquirições de testemunhas; c) perícias; d) documentos públicos ou particulares; e) acareações; f) veementes indícios. 24 Rigorosamente, todos os meios lícitos são hábeis para provar a verdade dos fatos. Nesse sentido, as disposições constitucionais do inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.". Regra similar é a do C.P.C., constante do art. 332 e a do C.P.P., art. 233: "Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa.". Vejam-se, ainda, as pertinentes disposições do art. 155, do C.P.P.: "No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições à prova estabelecida na lei civil." Além das modalidades probatórias exemplificativamente elencadas na Lei 8.112/90, acrescente-se, também, a que resulta de indícios veementes formados pelo conjunto de circunstâncias capazes de gerar convicção da existência do fato e de sua autoria. Segundo, o art. 239 do C.P.P.: "Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluirse a existência de outra, ou outras circunstâncias." A definição legal, constante do C.P.P., refere-se à indução e não a dedução, o que faz lembrar os métodos filosóficos de investigação da verdade, ou seja: o indutivo e o dedutivo. Pelo método dedutivo parte-se do geral para o particular e, pelo indutivo, que nos interessa, parte-se do particular para o geral. 25 O raciocínio indiciário, deverá, assim, ser formado a partir de fato restrito, comprovadamente existente, para se chegar, por lógica, à conclusão de fato mais geral, que se pretende provar. Ressalva, no entanto, se deve fazer sobre a prova indiciária para se recomendar profunda cautela na utilização do método. É que se trata de conclusão indireta sobre fatos e, por isso mesmo, passível de equívoco. Realmente, o fato, embora comprovado, pode levar o sindicante a conclusão errônea. Na dúvida, decide-se, por princípio, a favor do acusado. Persistindo a dúvida, apesar de todos os esforços tendentes aos esclarecimentos necessários, aplica-se, então, o princípio in dubio pro reo. Presente, ao processo disciplinar, o princípio da livre investigação da prova, consistente na liberdade conferida à entidade processante para determinar a produção da prova necessária à elucidação da verdade, independentemente de provocação das partes. O princípio da livre investigação da prova, que predomina, também, no procedimento penal, é de natureza publicista e se exterioriza na busca da verdade material ou real. Segundo Hely Lopes Meireles 19 , o princípio da livre investigação da prova autoriza a administração a valer-se de qualquer prova de que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde, obviamente, que a faça trasladar para o processo. Com o conjunto de provas obtidas, o que se persegue é a verdade real ou material, sendo, por isso, de se buscar a harmonia entre elas, especialmente das 19 MEIRELLES, Hely Lopes. in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1996, p. 584 26 declarações prestadas, com a comprovação documental e pericial, de tal forma a se excluírem as versões não verdadeiras, como de resto, a auto-acusação falsa. Nesse particular, convém registrar que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Importante é, ainda, observar, em respeito ao princípio do contraditório, que nova prova que venha a integrar os autos, após a instrução, deverá, em obediência ao princípio do contraditório, ser objeto de necessária vista ao acusado, que terá o direito de sobre ela manifestar-se. Tudo quanto for alegado deverá ser provado. Assim, por exemplo, a alegação de insanidade mental do acusado, constituirá o incidente de sanidade, de que trata o art. 160 e seu parágrafo único da Lei 8.112/90, a ser dirimido por junta médica e processado em auto apartado. As provas, especialmente a audiência das testemunhas, deverão ser obtidas antes do interrogatório do acusado, a teor do que dispõe o art. 159 da Lei n.º 8.112/90. 3.2 Procedimentos para Apurações das Transgressões Disciplinares na Esfera Civil 3.2.1 Dos Procedimentos da Polícia Civil Na Polícia Civil, a Lei 6.843 de 28/07/86, Estatuto da Polícia Civil, em seu Capítulo III, DA APURAÇÃO DAS INFRAÇÕES, o artigo 224 preceitua: 27 Art. 224 – As Autoridades Policiais, Diretores de órgãos Policiais e Corregedores, que tiverem notícia de irregularidades cometidas por policial civil, são obrigados a promover sua apuração imediata por meio de sindicância, no prazo de 15 (quinze ) dias, prorrogáveis mediante despacho fundamentado da autoridade sindicante, se tratar-se de subordinado seu, ou comunicá-la dentro de 48 (quarenta e oito) horas à autoridade competente sob pena de se tornar conivente. § lº - Em qualquer caso os corregedores poderão sindicar “ex- ofício”. § 2º- Pode ser afastado preventivamente das funções, sem prejuízo da remuneração, até completa apuração dos fatos, o policial civil ao qual foi imputada falta ou infração que, por sua natureza aconselhe tal providência. § 3º - O afastamento a que se refere o parágrafo anterior, deve ser comunicado imediatamente à Superintendência da Polícia Civil. § 4º - Do que for apurado, no prazo estabelecido neste artigo, deve ser cientificado, o Delegado Geral da Polícia Civil, através de sindicância ou relatório que especifique: I – data, modo e circunstância em que teve notícia do fato; II- versão do fato na forma que teve conhecimento; III- declarações do policial civil sindicado.” A sindicância tem sido usada sob forma de um pequeno inquérito, para esclarecimento breve de um fato ou de sua autoria, ou, ainda, para a apuração e apenamento de faltas disciplinares não muito graves. Uma manobra, nestes casos, válida, para evitar o processo disciplinar de procedimentos prescritos em lei, livre contraditório, prazo mais amplo e, como tal reservado para casos mais 20 graves . Entendemos que a Autoridade deverá usar de muita cautela ao determinar a abertura de uma sindicância. Assim sendo, recomendamos a nossas Autoridades Policiais, evitar atitudes precipitadas, que poderão trazer problemas sérios à instituição desestabilizando e desacreditando os procedimentos existentes, bem como gerar insegurança em todos os demais funcionários. Considerando os aspectos procedimentais tem vigência o princípio de que um policial não poderá responder a dois procedimentos administrativos sobre o mesmo fato. A nosso ver, a autoridade que primeiro tiver conhecimento de fato tido como infração disciplinar, deverá imediatamente comunicar ao superior hierárquico, 20 OCTAVIANO, Ernomar e GONZALES, Átila J.. Sindicância e Processo Administrativo, 5ª edição, Ed. Universitária de Direito, 1990, p. 20-21. 28 salvo se tratar de seu subordinado, quando estará autorizada a instaurar a sindicância. O prazo para comunicação à autoridade competente é de 48 (quarenta e oito) horas, contados da ciência do fato. Não procedendo desta maneira, poderá o policial responder pela infração prevista no art. 209, VII, do Estatuto da Polícia Civil. Art 209 – São puníveis com suspensão de 31 dias e sessenta dias; (...) VII – deixar por condecendência, de punir subordinado que cometer infração disciplinar, ou, se for o caso, de levar o fato ao conhecimento da autoridade superior. O pedido de prorrogação de prazo de sindicância deverá ser justificado através de despacho fundamentado nos autos pela própria autoridade sindicante. O prazo para a instauração e conclusão da sindicância é contado a partir do conhecimento do fato e não da instauração e conclusão da mesma, prazo este peremptório. A súmula 20, do STF, dispõe: “É necessário processo administrativo, com ampla defesa para demissão de funcionário admitido por concurso”, art. 81, parágrafo 3º e 224 , parágrafo 4º, todos do Estatuto da Polícia Civil. Art 81 - São assegurados, policiais civis; além de outros benefícios desta lei, ainda, aos (...) § 3º Assegurar-se-á ao funcionário, no procedimento disciplinar, ampla defesa. Conforme o Estatuto da Polícia Civil art. 242, parágrafo único. Algumas dúvidas têm sido suscitadas a respeito de funcionários que prestam serviços à Polícia Civil. Neste caso, seguindo a regra contida no art. 4º do Estatuto da Polícia 29 Civil, não temos dúvida de que os mesmos devem se subordinar ao sistema disciplinar preconizado na Lei. Para tanto, impõe que os mesmos estejam prestando serviços oficialmente à Polícia Civil, isto é, que estejam efetivamente à disposição, com exercício em órgão ou unidade da corporação para exercerem atividade policial civil. Do caso contrário, se os serviços prestados forem temporários e/ou se não são inerente à Polícia Civil, como é o caso de empréstimos de funcionários por Prefeitura Municipal para ter atuação na área de trânsito, entendemos que deva ser subordinar ao sistema disciplinar a qual está vinculado estatutariamente o funcionário, nada obstando que as irregularidades sejam apuradas em sindicância policial civil, mormente se houver repercussão no âmbito da corporação. Sindicância é promovida como peça preliminar e informativa do processo disciplinar e sempre que este não for obrigatório, como adiante se verá. É absolutamente correto dizer-se que a sindicância está para o processo administrativo assim como o inquérito policial está para o processo criminal (...). Sindicância e inquérito, no entanto, não se erigem em peças essenciais à instauração processual. O processo pode apoiar-se nessa peça informativa, inicial, ou simplesmente Ter vida e curso autônomo. 21 Ainda nesta linha de raciocínio identifica-se que as irregularidades praticadas por militares, no exercício de função eminentemente policial civil, deverão ser apuradas de acordo com às disposições deste Estatuto. Justifica-se o entendimento nos seguintes princípios: a) O servidor que presta serviços de natureza policial civil deve se subordinar ao regime disciplinar deste ordenamento jurídico, sob pena de haver quebra de princípios da maior relevância para a instituição, como a Hierarquia e Disciplina; 21 LUZ, Edberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar , 2ª edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 128 30 b) Estímulo a prática de infração disciplinar; c) estímulo a indisciplina e insubordinação; d) evitar a impunidade; e) efetiva apuração dos fatos; f) efetivada resposta sobre infrações disciplinares com repercussão na sociedade; g) preservação dos serviços prestados pela Polícia Civil. Em se tratando de policial civil prestando serviços em órgão estranho à Polícia Civil, entendemos que deva o mesmo se subordinar ao regime disciplinar a qual esteja vinculado funcionamento, salvo se a infração praticada venha violar disposições previstas no diploma, sendo alcançado pelo regime disciplinar policial civil. O Procedimento Administrativo Disciplinar é constituído em quatro fases: instrução, defesa, relatório e julgamento. Manda o art. 235, do Estatuto da Polícia Civil, que “Terminada a instrução, a comissão de processo disciplinar deve lavrar resumo sucinto dos fatos apurados e promover a citação do acusado e a intimação do defensor para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar a defesa escrita “. O resumo a que se refere o supra dispositivo deverá constituir-se de uma exposição do que foi levantado, de forma precisa e objetiva, sem maior comentários, contudo bastante clara quanto aquilo de que irá defender-se o acusado. Cumprindo o in fine do mesmo preceito legal por último mandará o Presidente da transcrito, Comissão Processo Disciplinar, citar o acusado para 31 apresentar defesa escrita com ciente do defensor que poderá ser tomado no mesmo mandado, deixando-se cópia com ambos. Durante o decurso do prazo será concedida vista dos autos ao acusado e a seu patrono, na repartição. Caso a esta altura o acusado esteja em lugar incerto e não sabido e ainda não tenha sido decretado sua revelia, deverá a citação ser feita por edital, com prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação, para apresentação da defesa escrita. Segundo o qual não atendida a citação por edital, é designado ex- ofício um funcionário, de preferência bacharel em direito para promover a defesa. A mesma providência deverá ser tomada, embora citado pessoalmente se findo o prazo o acusado não apresentar a defesa. O relatório final constitui-se de um resumo dos fatos, com a apreciação das provas colhidas e um confronto com a defesa apresentada, tendo como resultante a responsabilidade do acusado. Para a elaboração desse documento serão colhidas as opiniões dos membros da Comissão e sendo elas divergentes deverão das seus votos em separado, devidamente fundamentados. Caso seja um só o discordante será ele voto vencido e no relatório ficará consignado que dará duas razões a parte. Pronto o relatório, mandará o Presidente da Comissão de Processo Disciplinar encaminhar o processo diretamente ao Delegado Geral da Polícia Civil. O julgamento proferido pela autoridade administrativa competente, normalmente baseia-se nas conclusões do relatório, mas pode desprezá-las, por não estar adstrita à conclusão do relatório da comissão que presidiu o processo administrativo, por interpretação diversa das normas legais aplicáveis ao caso subjúdice, ou por chegar a julgamento a conclusões fáticas diferentes das da 32 comissão processante, o essencial é que a decisão seja motivada com base na acusação, da defesa, e na prova dos autos. Não pode esquecer o julgador a necessária motivação de sua decisão, inclusiva, cumprindo os requisitos necessários ao exercício da ampla defesa e do contraditório. 3.3 O Procedimento para Apuração das Transgressões Disciplinares na Esfera Militar 3.3.1 Dos Procedimentos da Polícia Militar Elaborado em 16.09.80, o Decreto Lei nº 12.112 (RDPMSC) não estabelece normas para apuração de transgressões disciplinares que, efetivamente, garantam ao acusado ampla defesa e contraditório, prazo ou prova, corolários naturais do devido processo legal. O art. 10 do RDPM dispõe: Art. 10 - Todo Policial-Militar que tiver conhecimento de um fato contrário à disciplina deverá participar ao seu chefe imediato, por escrito ou verbalmente. Neste último caso, deve confirmar a participação, por escrito, no prazo de 48 horas. § 1° - A parte deve ser clara, concisa e precisa; deve conter os dados de identificar as pessoas ou coisas envolvidas, o local, a data e hora da ocorrência e caracterizar as circunstâncias que a envolveram, sem tecer comentários ou opiniões pessoais. § 2° - Quando, para preservação da disciplina e do decoro da Corporação, a ocorrência exigir uma pronta intervenção, mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor, a autoridade policial militar de maior antiguidade que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar imediatas e enérgicas providências, dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e das providências em seu nome tomadas. § 3° - Nos casos de participação de ocorrências com Policial-Militar de OPM diversa daquela a que pertence o signatário da parte, deve este, direta ou 33 indiretamente, ser notificado da solução dada, no prazo máximo de oito dias úteis. Expirando este prazo, deve o signatário da parte informar a ocorrência referida à autoridade a que estiver subordinado. § 4° - A autoridade, a que a parte disciplinar é dirigida, deve dar a solução no prazo máximo de oito dias úteis, ouvindo, sempre que possível, o transgressor e, se julgar necessário as pessoas envolvidas, obedecidas as demais prescrições regulamentares. Na impossibilidade de solucioná-las neste prazo, o seu motivo deverá ser necessariamente publicado em boletim e neste caso, o prazo poderá ser prorrogado até 30 dias. § 5° - A autoridade que receber a parte, não sendo competente para solucionála, deve encaminhá-la a seu superior imediato. Após a leitura do artigo supracitado percebe-se que a forma regulamentar de conhecimento da transgressão é a verdade sabida 22 , sendo que a comunicação e procedimento de apuração da transgressão dá-se através de simples “memorando” 23 , com ouvida do transgressor “sempre que possível”, ou seja, não é obrigatório, como não é obrigatório ouvir as pessoas envolvidas. Também não há previsão legal que possibilite a o transgressor requerer ou produzir qualquer espécie de prova, seja ela testemunhal, documental ou pericial. Infelizmente é enorme a discrepância existente entre o RDPMSC e os ditames Constitucionais considerada a cláusula Due Process of Law, que impõe à Administração Pública no exercício de seu poder- dever de aplicar sanções, a obrigatoriedade de fazê-lo num processo regular, legal, em que ao transgressor se ofereça o direito de defesa dentro de procedimento contraditório, com prazos razoáveis e possibilidade de produção de provas. Hely Lopes Meirelles 24 afirma: “Não basta ser ouvido em declarações para dizer-se observado o direito de defesa. Mister se torna dar ao acusado a 22 O ordenamento jurídico brasileiro após a Constituição de 1988 que instituiu a Ampla defesa e o Contraditório não comporta mais a figura da verdade sabida. 23 Memorando é a forma simplificada de correspondência, em que do escalão superior são dadas ou transmitidas ordens, advertências, comunicações ou convites a subordinados. Art. 85, NGA 200/56. 24 MEIRELLES, Hely Lopes. in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1996, p. 590. 34 oportunidade de produzir a sua ampla defesa, dando-lhe prazo razoável para arquitetá-la, como entenda seu interesse”. Garantia Constitucional, consubstanciada no Devido Processo Legal, de prática universal nos Estados de Direito, impõe condutas formais e obrigatórias. Para garantia dos acusados contra arbítrios da Administração, assegurando-lhes não só a oportunidade de defesa como a observância do rito legalmente estabelecido para o processo. 25 Apesar da inadequação da legislação vigente ao quadro constitucional, a PMSC despende um esforço digno, que merece todo respeito e reconhecimento, quando, na pessoa de seus comandantes de OPM, institui em cada unidade formas de procedimentos para apuração de transgressões disciplinares que comportam ampla defesa e contraditório. Sem embargo a esta valorosa iniciativa, pois denota a consciência de nossos policiais da necessidade de adequação ao imperativo constitucional da cláusula Due Process of Law, pressuposto do Estado de Direito, lembra-se que, embora, imbuídos das melhores intenções, os comandantes de OPM, muitas vezes, não têm o conhecimento técnico- científico suficiente, para criar um processo administrativo disciplinar dentro dos ditames processuais e constitucionais vigentes. Por isso é indispensável a previsão legal no Estatuto com regulamentação no RDPM de processo administrativo disciplinar, que, embora informal, deve obedecer às regras do devido processo legal, em consonância com a tendência moderna de jurisdicionalização dos processos administrativos. 25 MEIRELLES, Hely Lopes. in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1996, p. 597. 35 A jurisdicionalização dos processos administrativos disciplinares se justifica na lição do emérito processualista Cândido Rangel Dinamarco: O poder exercido pela Administração através dele é o mesmo poder que os juizes exercem sub specie jurisdictionis, tendo-se verdadeiro processo estadual lá e cá: se o processo é o modelo eletivo das atividades jurisdicionais, estas não lhe detêm a exclusividade. Ë o sistema processual administrativo, no Estado-deDireito, regido por garantias e grandes princípios constitucionalmente instalados, inclui a limitação do exercício do poder, definidos os seus limites numa ordem de 26 legalidade que assegura a prevalência da Cláusula Due Process of Law; 3.3.2 PMs Com Estabilidade - Exclusão A praça com estabilidade tem assegurado verdadeiro processo administrativo disciplinar quando apenado com a exclusão (equivalente a demissão do funcionário civil e ao licenciamento ex-officio a bem da disciplina da praça sem estabilidade). A lei Estadual 8.209 de 08.04.76 e a lei 8.518 de 06.01.92 garantem à praça a mais ampla defesa e contraditório incluindo a produção de provas e demonstram a elogiável tendência da Corporação em moldar-se à cláusula do devido processo legal que determinou a generosa tendência rumo à denominada “jurisdicionalização do processo administrativo”. 27 Finalmente lembra-se, que de acordo com o art. 1°, IV, da lei n° 8518/92 o defensor deverá ser intimado de todos os atos praticados no processo. 3.3.3 PMs Sem Estabilidade - O Licenciamento 26 DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentabilidade do Processo, p. 71. 36 O licenciamento consiste no afastamento da praça das fileiras da corporação e é previsto no Estatuto da Polícia Militar de Santa Catarina em duas modalidades: A - A pedido - nesta modalidade a praça pode a qualquer tempo, desde que não cause prejuízo à Corporação, requerer seu desligamento das fileiras da Corporação. B - “Ex-officio”- nos seguintes casos: 1) por conclusão do tempo de serviço, nos períodos de engajamento e reengajamento; 2) por inadaptabilidade funcional durante o período de formação; 3) por conveniência do serviço, após o período de formação e durante os dez primeiros anos de efetivo serviço; 4) a bem da disciplina, como forma de punição à transgressão disciplinar. Para análise do tema é necessário que se faça, em primeiro lugar, a diferença entre os licenciamentos por conveniência, por inadaptabilidade funcional (itens 2 e 3 supracitados) do licenciamento a bem da disciplina (item 4 supracitado), o primeiro e o segundo correspondem à exoneração do servidor público civil e o terceiro à pena de demissão do servidor público civil. É importante não confundir exoneração com demissão. A exoneração está ligada ao período de instabilidade do funcionário público (estágio probatório) e é a simples dispensa do funcionário por não convir à Administração, a sua permanência, uma vez que por inadaptação, inaptidão ou desídia demonstrou não possuir a capacidade presumida quando da aprovação no concurso, desta forma não é penalidade. Como não é penalidade, para a exoneração basta a Administração basear-se em motivos e fatos reais (ficha 27 Ada Pelegrini Grinover. Do Direito de Defesa em Inquérito Administrativo. p. 9-18. 37 de ponto, ficha de conduta, etc.) que justifiquem a medida, sendo dispensável o formalismo de um processo disciplinar, pois tal medida diz respeito exclusivamente à conveniência da dispensa, por parte da administração. A demissão é pena administrativa aplicada ao servidor, instável ou estável, quando transgride o regulamento disciplinar. Por se tratar de uma pena, é imprescindível a apuração da falta em processo administrativo disciplinar, revestido das garantias do devido processo legal, comprobatório da infração. Dentro destes parâmetros, o Estatuto da Polícia Militar, ao tratar dos licenciamentos por conveniência ou inadaptabilidade (que equivale, como já dissemos anteriormente, à exoneração), efetuado através de simples análise das alterações da praça só se distancia da lei maior, no que tange a razoabilidade do ato administrativo, quando não prevê, expressamente, a necessidade de justificativa (fundamento) da dispensa. 28 Há que se observar que embora o Estatuto seja omisso, atualmente a Corporação, ao licenciar a praça com base na inadaptabilidade ou conveniência do serviço fundamenta seu ato anexando a ele a ficha de alterações da praça, e concede a ampla defesa com base na diretriz administrativa. O licenciamento ex-officio a bem da disciplina (demissão) também é previsto no Estatuto como dispensa da praça após simples análise das alterações. Nem o Estatuto, nem o RDPMSC estabelecem direito à ampla defesa ou qualquer forma de procedimento para efetivação do desligamento, ficando até 1992 a critério do Comandante de OPM o modus procedendi. 28 Mandado de Segurança no 859 STJ - RDA 191, jan/mar, 1993. 38 Com o evento da C.F. de 1988, houve a necessidade de adequar a norma do Estatuto ao preceito Constitucional do Direito à defesa e Contraditório. Objetivando suprir esta necessidade o Comando Geral em 1992 editou a Diretriz Administrativa n° 008/CMDO G/91, regulando procedimento asseguratório do Direito à Defesa para licenciamentos ex-officio. Sem embargo à iniciativa do Comando Geral, observamos que a diretriz, ao ser específica para o licenciamento ex-officio, foi insuficiente, pois que continua a descoberto as demais sanções. O que devemos ter em mente, com a máxima clareza, é que o licenciamento “ex-officio” a bem da disciplina é uma sanção e é como tal que deve ser aplicada ao transgressor dentro de um processo administrativo regular. 29 Esta necessidade é justificada pelo fato que embora exercendo seus poderes de autotutela, a Administração Pública não tem o direito de impor sanções, que no caso dos militares atingem desde seu direito à liberdade de ir e vir (detenção e prisão) até ao patrimônio, (licenciamento e exclusão) sem ouvi-los adequadamente ou conceder-lhe prazo razoável para produção de prova, negando-lhes o direito de defesa. Lembramos que tal direito é decorrente do devido processo legal, devendo, por isso, obedecer o rito adequado (preestabelecido), permitindo ao transgressor, através da cientificação dos fatos, a mais ampla defesa, incluindo aqui o contraditório e a produção de provas com o prazo pré-estabelecido. 30 29 “Processo administrativo punitivo é todo aquele promovido para imposição de penalidade por infração de lei, regulamento ou contrato. Esses processos devem ser necessariamente contraditórios, com oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal Due Process of Law, sob pena de nulidade da sanção imposta.” Hely Lopes Meirelles, RDA 193, jul/set, 1993, p. 147. 30 RDA 193, jul/set, 1993, p. 140. 39 A função da diretriz administrativa é adequar a Corporação aos ditames legais diante da dificuldade de modificação a curto prazo do Estatuto, pois que, como lei estadual, para sofrer alterações tem longo e tortuoso caminho a seguir. Desta forma, tal norma administrativa, infelizmente, foi muito restrita, pois embora regulando procedimento para aplicação da sanção máxima, deixou de fora as sanções mais brandas, hoje aplicadas, quanto ao procedimento, a critério dos comandantes de OPM. Percebemos, também, que o Estatuto e o regulamento disciplinar tratam formas distintas de desligamento de praças, com fundamentos diversos, que deveriam por isso ter procedimentos diferenciados, sob a mesma nomenclatura e mesmo procedimento, tornando a aplicação confusa e imprecisa, gerando insegurança ao Comandante e ao transgressor. Por sua vez, a diretriz administrativa que teve por objetivo o atendimento da ordem constitucional, também deu tratamento igual à institutos administrativos diversos, amarrando, desnecessariamente, a administração à elaboração de um processo disciplinar, quando ela tem o poder e o dever de desligar de seus quadros integrantes instáveis, por conveniência ou inadaptabilidade, através de decisão unilateral fundamentada e provada com a ficha de conduta do elemento discricionariedade. 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante toda a abordagem efetivada percebe-se que a falta de adequação aos preceitos constitucionais abarcados pelas cláusulas do Devido Processo Legal, quais sejam: ampla defesa, contraditório e produção de provas, entre outras, tornam freqüentes as reintegrações judiciais por ilegalidade da forma, tais decisões refletem negativamente no ordenamento hierárquico e disciplinar, tanto na esfera civil como militar, embora nesta última a cadeira hierárquica seja melhor estruturada, na esfera civil também sente-se tais faltas, posto que de forma mais branda também há que se respeitar a hierarquia legal e em sendo mais branda, também mais sensível aos efeitos negativos causados por uma eventual ou anulação de uma pena disciplinar. A legislação vigente, civil ou militar, está em descompasso com o preceito constitucional do devido processo legal, reflexo principalmente da ampliação interpretativa dada pela Constituição de 1988, através da receptividade de seus aspectos substanciais. A cláusula do devido processo legal , em sua interpretação material comporta não somente o direito de defesa mas também o direito ao contraditório e o direito a produção de provas dentre outros, elencados no art. 5º da Constituição Federal de 1988, posto que a essência da ampla defesa está atrelada à possibilidade de produção de provas e ao contraditório. 41 O advento da Constituição Federal de 1988, reflete a preocupação do legislador em garantir a todo e qualquer acusado o direito ao devido processo legal e, infelizmente, as legislações pertinentes aos procedimentos administrativos que visam a apuração e aplicação de sanções disciplinares não forem adequadas a esta tendência, o que tem gerado ilegalidades na aplicação de penas disciplinares e que vem acarretando desgastes e descréditos nas autoridades detentoras do direitodever de punir o transgressor. O Devido Processo Legal em sua interpretação a partir de 1988 passou a comportar não só os procedimentos adotados nos processos, judiciais ou administrativos, interpretação processual, mas também a essência do próprio processo de garantidos das liberdades individuais dadas pela interpretação substancial que consagra o trinômio vida – liberdade – propriedade. Assim os processos disciplinares, civis ou militares, necessitam adequar – se a essência deste princípio, posto que não há de se falar em ampla defesa, sem respeito a produção de provas e por conseqüência ao contraditório, pois um não subsiste sem o outro. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16a edição. São Paulo: Saraiva, 1994. BUENO FILHO, Edgard Silveira. O Direito à Defesa na Constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. CASTRO, Sebastião Moreira de. Reflexos do art.5°, inciso LV, da C. da República Federativa do Brasil: sobre ordenamento disciplinar da PM. Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Monografia do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, 1991. DERGINT, Auhusto do Amaral. Aspecto Material do Devido Processo Legal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 709/249 – Nov 1994. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do Processo FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, Vol 1. GRINOVER, Ada Pelegrini. As Garantias Constitucionais do Processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo Disciplinar (Teoria e Prática). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19a Edição. São Paulo: Malheiros, 1994. , Hely Lopes. Revista de Direito Administrativo. São Paulo. 193, jul/set, 1993. 43 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. OCTAVIANO, Ernomar e GONZALES, Átila J.. Sindicância e Processo Administrativo, 5ª edição, Ed. Universitária de Direito, 1990, p. 20-21. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11a edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMPLEMENTARES 1- BENDLIN, José Adalberto. Processo Administrativo Disciplinar. Centro de Ensino da Polícia Militar de Santa Catarina. Monografia do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, 1994. 2- CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. 3- COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. São Paulo: Saraiva, 1984. 4- COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981. 5- GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 2a edição. São Paulo: Saraiva, 1992. 6- GRINOVER, Ada Pelegrini. Do Direito de Defesa em Inquérito Administrativo. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo. 183 jan/mar, 1991. 7- LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 1993. 8- MARINONI, Luis Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. 45 9- MELLO, Celso Antonio Badeira de. Elementos de Direito Administrativo. 1a edição. 6a tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. 10 - PEREIRA JR., Jessé Torres. O Direito à Defesa na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. 11 - ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar (Parte Geral). São Paulo: Saraiva, 1994. 12 - SILVA, Almiro do Couto e. Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo 179/180, jan/jun, 1990.