3.2 Percepciones y propuestas sobre el imaginário

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3.2 Percepciones y propuestas sobre el imaginário
3.2 Percepciones y propuestas sobre el imaginário mediático de las
migraciones
Cristina Wulfhorst
Denise Cogo
Sara Losa
Nesse capítulo, nos dedicamos a analisar como os migrantes latino-americanos e
europeus entrevistados em Barcelona e Porto Alegre se apropriam e constroem sentidos sobre
os imaginários que oferecem os meios de comunicação sobre as migrações. Sem nos
determos na interação dos migrantes com uma modalidade específica de programação,
produto ou formato mediático ou mesmo com um meio de comunicação em particular, nos
circunscrevemos às percepções gerais dos entrevistados como receptores de mídias que se
definem justamente por estarem expostos a interações com uma multiplicidade de fluxos de
conteúdos, programas, gêneros, etc., ofertados por diferentes meios de comunicação.
A leitura e análise dos dados das transcrições das 140 entrevistas com migrantes nos
permitiram perceber a articulação de três perspectivas em que aparecem explicitadas as
percepções dos entrevistados sobre como os meios de comunicação constroem ou poderiam
construir as migrações e os migrantes em geral. Duas primeiras perspectivas dizem respeito à
opinião geral de cada entrevistado sobre o tratamento dado, na atualidade, pelos meios de
comunicação às migrações e aos migrantes em geral assim como aos cidadãos de sua mesma
nacionalidade1 assim como às lembranças ou exemplos específicos evocados sobre esse
tratamento midiático das migrações. 2 Uma terceira perspectiva está relacionada a sugestões
1
Ou de seu mesmo país de nascimento, termo preferencial utilizado em nossa pesquisa para fazer referência aos vínculos
dos entrevistados com os países de procedência.
2
Para levantar essas três percepções, as seguintes questões foram formuladas aos entrevistados na Espanha em Brasil no
bloco dedicado a explorar, na entrevista, as relações “Meios de comunicação e imigração”: (1) ¿Los medios de
comunicación muestran al inmigrante? (2) ¿Qué imagen muestran los medios sobre el inmigrante? (3) ¿Qué tipo de vida
asocian los medios con el inmigrante? (4) ¿Se acuerda de algún ejemplo concreto en que aparecen inmigrantes? (5) ¿Algún
programa concreto sobre inmigración? (6) Si tuviera que hacer alguna producción para un medio, ¿qué aspectos mostraría
para dar a conocer al inmigrante? (7) ¿Cómo muestran los medios a las personas de su país?(8) ¿Se acuerda de algún
e propostas concretas formuladas pelos entrevistados sobre o tratamento midiático que
poderia ser dado às migrações e aos migrantes em geral e aos cidadãos de sua mesma
nacionalidade.
Perspectiva teórica central que sustenta a análise dessas percepções dos entrevistados,
os processos mediáticos são entendidos como aquelas dinâmicas de transformação que
intervêm na constituição e conformação de relações e interações sociais que resultam da
crescente e preponderante presença dos meios de comunicação na vida cotidiana. Partimos,
portanto, do reconhecimento de que os meios de comunicação vêm operando, de forma
crescente, como racionalidade produtora e organizadora de sentidos e, nesse sentido, como
instância configuradora da realidade social,. (Mata, 1999). A midiatização constitui-se, desde
essa perspectiva, em uma dinâmica que opera, na atualidade, como conformadora de
imaginários sociais aparecem entrelaçados com a memória, protagonizada pelos sujeitos, em
nível coletivo e individual, colaborando para a constituição de processos de midiatização
materializados em diferentes modos de produção e circulação dos meios de comunicação.
A compreensão de imaginário social, também eixo conceitual de nossa análise, nos
remete a questões relacionadas ao caráter construído da realidade social, assim como à
interpretação que fazem os atores do mundo em que vivem e os sentidos que outorgam às
suas práticas sociais. Compartilhamos, nesse sentido, da proposição de Charles Taylor,
quando sustenta que a conformação dos imaginários sociais não deriva de elementos explícita
e teoricamente construídos, mas que, podendo ou não ser expressos verbalmente, aparecem
como supostos e como imagens subjacentes aos nossos processos de interação. Dentre esses
ejemplo en concreto? (9)¿Considera correcta la imagen que dan los medios de las personas de su país de origen?(10) ¿Se
asemeja a la realidad de su entorno? (11) ¿Se siente identificado? (12)Si tuviera que hacer alguna producción para un medio,
¿qué aspectos mostraría de las personas de su nacionalidad?
2
elementos, situam-se as lendas, mitos, histórias, estereótipos, preconceitos e tradições, ideais
e fins considerados adequados para orientar a vida social. Como patrimônio de grupos de
pessoas, os imaginários sociais geram, entre seus partícipes, um sentimento de legitimidade
amplamente compartilhado (TAYLOR, 2006; GIROLA, 2007). Agregamos a essa reflexão, a
constatação de que a mídia constitui-se, na atualidade, como uma das principais instâncias a
protagonizar e oferecer aportes à construção desses imaginários.
Estreitamente relacionada à noção de imaginário, a memória é um fenômeno coletivo e
social que deriva de processos seletivos (conscientes ou inconscientes) de construção em que
os sujeitos articulam transformações constantes na interação com os demais sujeitos e com o
mundo, incluindo as tecnologias de comunicação.
A memória configura-se como um
elemento constituinte das identidades culturais, na medida em permite processos permanentes
de (re) articulações (re) negociações identitárias intra e inter-individuais e coletivas (BONIN,
2006; POLLACK, 1992). Em função de seu caráter subjetivo, a memória não é fixa, mas está
em constante mutação como produto da compreensão de que “o tempo erosiona e debilita a
lembrança”. (TRAVERSO, 2007, p. 22).
Filtrada por conhecimentos adquiridos
posteriormente, pela reflexão que segue o acontecimento, por experiências que se sobrepõem,
se sucedem e modificam a recordação, a memória é concebida, assim, como uma dinâmica
em permanente construção. (TRAVERSO, 2007).
A inter-relação entre midiatização e memória nos permite perceber o quanto as mídias
se convertem em cenários cotidianos de reconhecimento social na medida em que se
encarregam de construir, expressar, oferecer e selecionar imaginários sociais relacionados a
modos de ser, a expectativas, a desejos, a temores, a esperanças que aparecem (re)
construídos pela memória. O que nos sugere, segundo sintetiza Martín-Barbero (2005, p. 63),
que nos meios de comunicação “não apenas se reproduzem ideologias, mas também se faz e
3
se refaz a cultura das maiorias, não somente se comercializam formatos, mas recriam-se as
narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a memória coletiva”. É o que
Traverso (2007, p. 13) enfatiza, em perspectiva similar, ao evidenciar o caráter político que
assume a memória ao invadir o espaço público das sociedades ocidentais, fazendo com que o
passado acompanhe o presente e se instale no imaginário coletivo “como uma ‘memória’
poderosamente amplificada pelos meios de comunicação, às vezes gestionadas pelos poderes
públicos”.
Para a análise das interações dos migrantes entrevistados com os processos de
midiatização das migrações, assumimos, ainda, o ponto de vista das teorias da recepção,
desde as quais os receptores das mídias são concebidos como protagonistas ativos na
apropriação e usos dos sentidos midiáticos presentes em seu cotidiano e em que entram em
jogo processos constantes de (re) construção e (re) negociação de referentes de suas
identidades culturais. Protagonismo que não supõe um poder irrestrito dos receptores frente
às mídias, sobretudo se considerarmos as assimetrias que pautam a distribuição dos recursos
comunicacionais em nossa sociedade. Como chama a atenção a pesquisadora Maria Cristina
Mata (2001, p. 167), “a pluralidade de sentidos que se constroem nas interações cotidianas
não pode se contrapor à unicidade do discurso massivo”, coincidindo antecipadamente,
segundo a autora, com o que Ien Ang formularia ao postular que “os públicos podem ser
muito ativos de maneiras muito diversas e interpretar os meios, mas seria ingenuamente
otimista confundir sua atividade com um poder específico”.
Na perspectiva da recepção e da memória, nos interessa capturar a singularidade dos
sentidos plurais sobre o (s) imaginário das (s) migrações midiatizadas que podem ser
produzidos no marco do consumo e usos que fazem os migrantes entrevistados dos meios de
comunicação tendo em vista a própria relevância que vem assumindo os processos de
4
midiatização das migrações na sociedade contemporânea. Na captura e compreensão desses
sentidos, consideramos, ressalvados os limites da técnica da entrevista, a articulação dos
múltiplos posicionamentos identitários individuais e coletivos (de gênero, geracional,
nacional, profissional, etc.) dos entrevistados, especialmente aqueles conformados por suas
experiências migratórias.
A opção por entender as interações dos migrantes com os processos de midiatização e
não com algum meio de comunicação ou gênero específico (televisão ou telenovela, por
exemplo) deriva da constatação, oriunda das próprias entrevistas, de que, como espaços de
interação, as experiências de migração são geradoras de dinâmicas particulares de consumo
de usos midiáticos que se caracterizam pela fluidez, transitoriedade e pluralidade.
Características tributárias e conformadoras dos próprios padrões também fluidos e
provisórios de mobilidade física e simbólica e de acesso e conexão desiguais que definem a
condição dos migrantes como receptores dos meios de comunicação na contemporaneidade.3
As especificidades temporais e espaciais para o qual convergem tanto os processos
midiáticos como as dinâmicas migratórias na contemporaneidade concorrem, de forma
decisiva, para produzir processos específicos de seleção e fixação da memória acerca dos
imaginários das migrações construídos pelos meios de comunicação. O que, desde a
perspectiva das interações comunicacionais, se traduz pelo consumo e usos por parte dos
migrantes de distintos meios de comunicação, formatos e conteúdos midiáticos que se
desenrolam em múltiplos cenários (como o dos locutórios, o das redes de migrantes, etc.) e
não mais unicamente no espaço doméstico. As incidências políticas desses processos podem
se traduzir na afirmação de determinados imaginários da migração como o do europeu em
3
No marco dos estudos de recepção, a noção de fluxo midiático tem interessado especialmente os pesquisadores da
comunicação não apenas no que diz respeito às audiências portadoras de experiências migratórias, mas como resultado do
próprio incremento e fragmentação das tecnologias da comunicação.
5
detrimento do latino-americano ou a da hegemonia dos riscos, incertezas e instabilidades
representados pela diversidade cultural dos migrantes.
No percurso das entrevistas, observamos, por exemplo, como esses processos de
seleção e fixação da memória se evidenciam na dificuldade de alguns entrevistados em
lembrarem seja de nomes de emissoras ou programas consumidos seja de episódios recentes
específicos que tematizam as migrações. Ou como mesclavam, sem distinguir, memórias
ancoradas em uma vivência com os meios de comunicação com aquelas não fundadas em
uma materialidade midiática, como resultado do próprio entrelaçamento, em sua vida
cotidiana, dessas duas instâncias comunicacionais – midiático e não midiático.
Foi possível distinguir igualmente como um tipo consumo midiático que, configurado
por um ou muitos trânsitos migratórios – favorece, entre os entrevistados, a formulação de
juízos críticos sobre conteúdos midiáticos que versam, por exemplo, sobre seus países de
nascimento. Ou como permitem, ainda, distinções e confrontos entre as culturas midiáticas
nacionais vivenciadas em diferentes países, relacionados, por exemplo, aos modelos de
televisão que podem derivar dos sistemas privado e/ou públicos que regulam os meios de
comunicação e que condicionam modalidades de ofertas de gêneros e conteúdos televisivos.
Na
análise
das
entrevistas,
buscamos,
entender
igualmente
os
possíveis
desdobramentos dos sentidos sobre as migrações midiatizadas produzidos pelos entrevistados
para o que postulamos como cidadania comunicativa no campo das migrações midiatizadas.
Cidadania que, ao se definir pela democratização do acesso e participação da sociedade na
propriedade e distribuição dos recursos comunicacionais, pode reverter em modalidades de
participação dos migrantes na gestão de políticas plurais de representação pública de sua
diversidade cultural. Participação que possa se traduzir seja em intervenções visando ao
agendamento e a um tratamento diferenciado migrações pelos meios de comunicação
6
generalistas seja na produção e manejo de meios próprios de comunicação geridos por
migrantes, suas redes e organizações. 4
O exercício da cidadania comunicativa pelos migrantes, em âmbito local e global,
pode contemplar, ainda, a inclusão na agenda dos meios de comunicação e,
conseqüentemente, na agenda pública da sociedade, o debate sobre outras duas modalidades
de cidadania que dizem respeito especificamente à experiência transnacional das migrações
contemporâneas: a cidadania intercultural e a cidadania global ou cosmopolita. Concebemos
a cidadania intercultural como aquela passível de ser construída a partir de um diálogo capaz
de produzir um “lugar” ou uma “ética” que permita a combinação entre universalismos e
particularismos, não se referindo unicamente à satisfação dos direitos que levam à igualdade,
mas também aqueles que se reportam à diferença como componentes também da democracia.
(Sousa, 2006; Cortina, 2005)
Quanto à cidadania cosmopolita, a percebemos como um projeto que se pauta pelo ideal
de universalização da cidadania social através da criação de princípios universais e
organizadores capazes de delimitarem e regerem a diversidade presente no espaço público
para além da exclusividade de pertencimentos locais, regionais e nacionais. No caso
específico das migrações, a cidadania cosmopolita estaria associada principalmente às
demandas relacionadas à livre circulação dos sujeitos no contexto global assim como o
acesso a direitos sociais e políticos em diferentes territórios e nações, independente de sua
origens ou lugares de nascimento. (HELD, 2005)
Criminalização e pobreza como percepções sobre as migrações midiatizadas
4
Sobre cidadania comunicativa, ver MATA, 2006.
7
Na análise empírica dos sentidos produzidos no consumo midiático dos 140 migrantes
entrevistados em Barcelona e Porto Alegre e de sua possível constituição em experiências de
cidadania comunicativa, percebemos, inicialmente, como as lembranças dos entrevistados
sobre as migrações midiatizadas convergem para a predominância de um imaginário das
migrações contemporâneas associadas a conflito, problema e criminalidade,
O confronto de percepções dos migrantes de diferentes nacionalidades nesses dois
distintos contextos locais e nacionais nos sugere que a criminalização se consolida, de modo
crescente, no âmbito da recepção, como um dos sentidos hegemônicos que constitui o
imaginário midiático das migrações contemporâneas. 5
Dos 140 entrevistados, 84 (41 em Porto Alegre e 43 em Barcelona) mencionaram
alguma lembrança relacionada ao tratamento mediático das migrações. 6. Dos exemplos
mencionados, 66 fizeram referência à presença de um imaginário negativo sobretudo
relacionado à criminalização no tratamento das migrações nos meios de comunicação, 43 dos
quais referidos por entrevistados em Barcelona, tanto latino-americanos quanto europeus7.
Generalmente son problemas. Creo que la figura de lo inmigrante aparece em
Barcelona quando hay que mencionar, quando acabe asignalar o contar algun
problema, algun incidente que tuvo: son los ilegales, pateras, pisos tomados y
interviene el ayuntamiento y tal. Siempre cuando suceden cosas generalmente
negativas [...] entonces existe certo temor al inmigrante.” (Sebastián, 28 anos,
Barcelona, nascido no Peru)
5
As próprias pesquisas anteriores de alguns dos autores dessa publicação nos servem de referência para consolidar essa
percepção. No Brasil, ver COGO (2006), e na Espanha, Bertran, E.; Gutiérrez, M.; Huertas, A.; Lorite, N.; Losa, S. y
Mateu, M. (2006) e LORITE GARCÍA, Nicolás. (2004).
6
Faz referência a algum um episódio relatado de manera coerente e argumentada em relação a alguna unidade informativa
determinada (por exemplo: um programa, uma reportagem, um filme, etc.).
7
Vale destacar que alguns entrevistados mencionam mais de um exemplo no decorrer da entrevista. Um total de 122
lembranças, não apenas negativas, sobre a migração nos meios de comunicação foram referidas por 84 entrevistados.
8
Sei lá, é complicado, é sempre aquela coisa, eles não mostram a parte positiva
da coisa, sempre a negativa: equatoriano matou mulher a punhaladas. Mouro
atacou, uruguaio foi achado fazendo tráfico. (Norberto, Barcelona, 53 anos,
nascido no Uruguai)
Los medios si muestran al inmigrante. La mayoria de las veces relacionada con
problemas o algo que ocurre, violencia o algo así y busca de trabajo, permiso,
más problemas. (Carla, Barcelona, 32 anos, nascida na Itália)
Por exemplo, na RBS8 apareceu o argentino que matou a família, fora isso, não
aparece. Se um argentino ajudou um uruguaio, isso não é notícia, ou se um
argentino fechou um negócio com uma pequena empresa brasileira, também
não é notícia. (Lorenzo, Porto Alegre, 40 anos, nascido no Peru)
O que mostram são notícias [...] Sempre que tu sabe de alguma coisa de um
estrangeiro, de alguma notícia, é sempre por uma coisa ruim. Então, nunca
mostraram que tal chileno fez alguma coisa boa, sabe, não mostram isso.
(Alberto, Porto Alegre, 45 anos, nascido no Chile)
Siempre cuando pasa algún homicídio, alguna cosa, es resaltado el inmigrante.
(Luis, Porto Alegre, 60 anos, nascido no Chile)
Faz tempo atrás mostraram , por exemplo, aqueles imigrantes ilegais em São
Paulo, que estavam muito explorados, né? Os bolivianos que chegam aqui e
são explorados por bolivianos também [...] Mais negativo, né? (Desirée, Porto
Alegre, 57 anos, nascida na Bolívia)
Muy mal, muy mal en general porqué pienso, no? se habla ya de problema de
la inmigración y solo con este concepto ya negativo y entonces cuando uno
oye esto repetitivamente, inconscientemente ve la inmigración o el inmigrante
como un problema, no? (Amélie, Barcelona, 27 años, nascida na França)
8
RBS (Rede Brasil Sul de Comunicações), rede afiliada à Globo no estado do Rio Grande do Sul.
9
A simultaneidade desse imaginário de criminalização sobre as migrações midiatizadas
nas memórias dos entrevistados nos dois contextos – Barcelona e Porto Alegre - sugere o
quanto a transnacionalização se torna uma dimensão configuradora da produção e circulação
midiáticas de imagens as migrações contemporâneas.
9
Mesmo quando essas imagens
assumem matizes locais pautadas em situações e episódios envolvendo essas migrações em
contextos locais e nacionais específicos, como é o caso das lembranças evocadas por
entrevistados em Barcelona acerca dos grupos juvenis como os Latin Kings ou dos episódios
de repressão a travessia de migrantes das Vallas de Ceuta e Melilla no sul da Espanha 10.
Mas o exemplo mais significativo dessa consolidação de imaginário midiático a
partir de matizes locais da cobertura dos meios de comunicação emerge na reiteração, por
parte dos entrevistados latino-americanos e europeus em Barcelona, de recordações sobre
imagens de pateras e cayucos veiculadas pelos meios de comunicação espanhóis. Menção a
essas imagens despontam como resposta imediata da maioria dos entrevistados à pergunta
sobre qual sua primeira lembrança sobre migração nos meios de comunicação. 11
O deslocamento da terminologia patera para cayuco no transcurso das entrevistas ou
a menção ao termo subsahariano, para fazer referência genérica a migrantes chegados em
embarcações desde uma região específica da África, são outros exemplos recolhidos das
9
Lembrando que os dados indicam presença mais significativa dessa memória entre os entrevistados de Barcelona.
Vallas são cercas instaladas pelo governo espanhol que separam a fronteira entre sul da Espanha e Marrocos.
11
Pateras são pequenas embarcações que transportam migrantes desde países africanos, como Marrocos, para a costa
espanhola que têm sido amplamente focalizadas na cobertura sobre as migrações pelos meios de comunicação espanhóis nos
últimos anos. A partir de 2006, embarcações com maior capacidade, denominadas de cayucos, são foco do mesmo tipo de
agendamento da mídia espanhola, ao serem usados no transporte de migrantes oriundos de países da África Subsahariana,
como Senegal e Mauritânia.
10
10
entrevistas em Barcelona que servem para reafirmar a incidência desse imaginário midiático
no universo da recepção dos migrantes tanto latino-americanos como europeus. 12
O que se reafirma quando constatamos que nenhum dos entrevistados mencionou ter
chegado à Espanha usando um desses dois meios de transporte ou ter tido contato com algum
migrante que tenha protagonizado um episódio similar de chegada à Espanha. Conforme
evidencia a síntese proposta por uma migrantes francesa, de 27 anos, entrevistada em
Barcelona, “la mayoría de la gente llega en avión y sin ningún problema para entrar en el
país, pero siempre muestran imágenes porque la tele tiene que haber publico y entonces tiene
que haber modo de los pobres africanos que intentan saltar la valla, supongo que queda más
impactante, no?”
Observamos, assim, o quanto os entrevistados se convertem em narradores de
experiências sociais midiatizadas que independem de sua participação como testemunhas
oculares de episódios da vida cotidiana. Protagonizam um processo que alguns autores têm
designado como “colonização da memória pela mídia” para definirem a preponderância da
penetração dos meios de comunicação nas dinâmicas de rememoração de indivíduos e
coletividades em substituição às suas vivências e relatos de participação direta na vida social.
(Thomson; Frisch; Hamilton, 2006: 90). O que não elimina, claro, as possibilidades de
apropriação crítica desse imaginário por parte dos entrevistados, seja quando manifestam
explicitamente sua discordância com esse tipo de abordagem das migrações pelas mídias, seja
quando adotam um tom de reprovação ou de ironia na menção desse tipo de lembrança
midiática.
12
Isso ficou mais evidente pelo fato da realização das entrevistas ter coberto o período em que observamos um deslocamento
do uso do termo para patera para cayuco no agendamento dos meios de comunicação.
11
Se ha asociado el inmigrante con la patera no? (Ramiro, Barcelona, 33 anos,
nascido no Peru)
En las pateras. A cada mañana, siempre veo. Veo, ya sé lo que van a pasar, las
bombas en Irak, las pateras. (Manuel, Barcelona, 28 anos, nascido no Peru)
De lo de la patera, siempre, es lo que más me impresiona. (Norma, Barcelona,
29 anos, nascida no Brasil)
Bueno, la que siempre ponen en la tele es la de las pateras ¿ eh ? Mucho,
mucho Bueno no sé, en el telediario sólo hablan de pateras, entonces claro, es
un poco, es el lado negativo de la inmigración ¿no? (Amélie, Barcelona, 31
anos, nascida na França)
No se, a diario, la patera que llegan a invadir entre comillas cuando en realidad
este pais necesitara mano de obra extranjera.(Norma, Barcelona, 32 anos,
nascida na Argentina)
Generalmente en la pobreza, estan mal, no suelen hacer documentales de gente
como yo que estoy integrada, que tengo trabajo, que tiene una vida que es
feliz. Suelen mostrar gente que es explotada que es, como general, o que
vienen en las pateras. Los muestran al llegar, o por dos por tres naufraga algun
o mueren o llegan y son detenidos por la policia, mujeres embarazadas, es muy
fuerte (Sandra, Barcelona, 33 anos, nascida na Argentina)
Pero otra cosa dentro viste que, había un periódico que no me acuerdo cual
periódico dice: el español prefiere al latino como trabajador, pero no como
vecino. Como trabajador esta bien, pero como vecino no. No quieren tener,
simplemente ayer salió una patera (Celso, Barcelona, 43 anos, nascido no
Ecuador)
Entonces, soportar tantos inmigrantes a estas condiciones, guau es fuerte para
los países. Eso me impacta un poco, y ves que ya es a diario que llegan pateras
de tantos y son tantos no es que llegan dos, tres. Son 60, ciento y pico y
doscientos no sé qué. Y diariamente, eso me impresiona bastante.(Ramón,
Barcelona, 46 anos, nascido na Venezuela)
12
Dan una imagen negativa. Hablando con gente de Algecira, cuando vienen las
pateras, lo que dicen es: “lo que viene es la morralla”, como lo peor. Hoy han
dicho que ha bajado el número de pateras (Sara, Barcelona, 53 anos, nascida
na Alemanha)
Por ejemplo, estoy viendo los inmigrantes que están viniendo de cayucos y
todas esas cosas. Nada más muestran eso, no muestran lo otra vida que, que sé
yo, que algunos, estamos trabajando, estamos creciendo poco a poco, eso no
muestran. (Casimiro, Barcelona, 26 anos, nascido no Paraguai)
No, en Paraguay hay muchísimos uruguayos, argentinos, muchos brasileros, y
son personas extrajeras, nunca se les dio el título inmigrante así como entraron
así como, Porque aquí inmigrante ya, ya, lo primero que me viene a la cabeza
(risas) son esa gente que viene en canoas, esas, en cayucos. Es lo primero
cuando me dicen inmigrante yo pienso en eso. (Adriana, Barcelona, 29 anos,
nascida no Paraguai)
Na configuração desse imaginário midiático de criminalização das migrações,
verificamos, ainda, o quanto as narrativas dos migrantes entrevistados em Barcelona tendem
a incorporar e a reproduzir com fluidez um repertório cunhado nos últimos anos pelos meios
de comunicação espanhóis na cobertura das migrações nos meios de comunicação.
Problema, morte, ilegalidade, “sin papeles”, catástrofes, corrupção, roubos, assassinatos,
delinqüência, conflito, sofrimento, falta de soluções, violência doméstica, gangues latinas,
invasão, perigo, oleada, são algumas dos termos que aparecem reiterados nos testemunhos
dos latino-americanos e europeus em Barcelona, sugerindo a incidência, no universo dos
entrevistados, de um campo semântico que colabora para reafirmar um imaginário midiático
relacionado à criminalização das migrações.
Em Porto Alegre, uma memória similar sobre as migrações como problema (crime e
ilegalidade) emerge, entre os entrevistados, relacionada à visibilidade dada aos meios de
13
comunicação a episódios envolvendo brasileiros no exterior, sobretudo em países como
Estados Unidos e Portugal, ou migrantes latino-americanos na fronteira do México com
Estados Unidos. Um tipo de visibilidade que é lembrada e ao mesmo tempo criticada por
alguns dos entrevistados latino-americanos pelo fato de aparecer privilegiada pelos meios de
comunicação em detrimento da própria visibilidade das migrações internacionais de latinoamericanas em âmbito local (Porto Alegre) ou nacional (Brasil), ainda que tais experiências
migratórias apresentem similaridades.
Uma vez eu escrevi pra Globo, eu tava falando, tava passando a novela, a da
Sol, a imigração lá. É a mesma história da que eu vivi no Brasil. Eles estavam
dando uma coisa, nos Estados Unidos, e não sabem que aqui é igual, sabe? Até
eu mandei por e-mail pro Jornal Nacional. Eu escrevi lá, isso. E pra outro, pra
outro programa, que mandei também. Porque eles só falam dos Estados
Unidos e a gente vive aqui na América do Sul. Pra pegar um visto de
permanência, a Polícia Federal foi às oito e meia na minha casa pra ver se
realmente eu morava com o meu marido, se realmente eu casei por amor ou,
ou casei só pra ficar aqui.13 (Lina, Porto Alegre, 30 anos, nascida no Paraguai)
Nada. O que eu lembro ter visto ou ouvido tem a ver com essa novela que está
acontecendo em canal 12, mas, sobretudo, com lo que acontece com lo
brasileiro que vai para fora.14 É, o brasileiro olha muito para si mismo. No, no
olha muito para o que acontece nos lados. Então, olha muito para si mismo.
Ele está olhando para o que acontece para o brasileiro que vai para fora. Mas,
não está olhando para o que vem de fora para o Brasil. Tá? A lei do Brasil é
pior do que a dos Estados Unidos. Está em vigência ainda. E ninguém mudou.
(Bárbara, Porto Alegre, 54 anos, nascida na Argentina)
13
14
A entrevistada refere-se à telenovela América, produzida pela Rede Globo e exibida no Brasil em 2005 no horário das 21h.
A entrevista faz referência também à telenovela América
14
A associação entre migração e pobreza desponta igualmente nos depoimentos dos
entrevistados nos dois contextos da pesquisa relacionados a essa memória de criminalização
das migrações nos meios de comunicação. Vários entrevistados, especialmente em Barcelona,
formulam percepções críticas sobre a tendência de vitimação do migrante que decorre de um
tratamento midiático que enfatiza a precariedade de suas condições de vida, de moradia e de
trabalho. O que colabora, segundo a visão dos entrevistados, para unificar a heterogeneidade
de uma experiência cultural das migrações e principalmente para reduzir a uma perspectiva
economicista a complexidade do fenômeno migratório.
“Pobrecitos los inmigrantes” (Pedro, Barcelona, 35 anos, nascido no Chile) ou “El
estilo de vida es del pobre, el pobrecitos” (Ramiro, Barcelona, 33 anos, nascido no Peru) são
testemunhos que sintetizam percepções dos entrevistados sobre construções midiáticas que
concebem o migrante como “carente de ajuda”, “em busca do trabalho que não encontra em
seu país de nascimento” ou que freqüentemente “rouba o trabalho da população local”.
Digamos una clase social medio baja, más bien baja, que bueno que son pobres
y que como vienen ah, a robarles el trabajo, así a “robarles” entre comillas a la
gente de acá. En general como si el inmigrante viene a ser el pobre, muerto de
hambre que está en su país muriéndose del hambre y que viene acá a buscar
trabajo y a salvar su vida, no? Por ahí como que choca un poco porque como
que no representa la realidad de todos. No digo de todos, pero de la mayoría
de unos inmigrantes, creo que eran marroquíes, que mostraron una habitación
donde vivía. Y vivían no sé por lo menos veinte personas en una misma
habitación. Sí y decían ‘bueno esto es donde viven y miren que pobre gente
que no sé que’. O sea, te los mostraban para que dijeras, esos, entir lástima,
pero no para dar soluciones. (Jina, Barcelona, 25 anos, nascida na Argentina).
Los medios, es lo que comentábamos, que nos dedicamos a beber y, y eso.
Que venimos aquí a quitarles el trabajo. Eso A pesar que somos los que
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estamos resurgiendo aquí. O sea, sacando adelante. Y no venimos a quitarles
el trabajo, venimos a trabajar, no a quitar. Estamos haciendo el trabajo que no
quieren hacer ellos. (Hector, Barcelona, 25 anos, nascido no Equador)
Eh una persona con poca ropa eh, de viaje, un barco, o abajo de un coche, a
veces. Eh bueno, aquí en España creo que más embarque, una persona sucia,
una persona que no tiene donde dormir eh, una persona que lucha, Eh una
persona no tiene medios para traer sus hijos por esto viaja mucho tiempo a
países de Europa. Una persona que necesita ayuda pero también una persona
que no quiere, porque para nosotros como europeos es un problema (Susana,
Barcelona, 30 anos, nascida na Polônia)
Bueno, la asociación general diría que es más negativo y mas, bueno, vinieron
aquí para trabajar, casi no van a encontrar trabajo, y si lo encuentran están aquí
para hacer un trabajo malo, mal pagado, cualquier cosa. Sí creo que es eso, los
inmigrantes están puestos en un cajón muy definido, de los cuales es bien
difícil salir.(Jisela, Barcelona, 35 anos, nascida na Alemanha)
El inmigrante que vive en condiciones, los que sobreviven de la economia
submergida, los que quitan el trabajo a los autoctonos, porqué cobran mucho
menos desvalorizando el valor de la mano de obra, esta es la que prevalece.
(Carmen, Barcelona, 27 anos, nascida na Argentina)
Porque o imigrante ainda está rotulado o cara que vem a tirar o espaço, em
geral não por ser chileno, qualquer nacionalidade latina. Me parece que o
imigrante traz consigo sempre o rótulo de um invasor, o cara que vem tirar
algo de alguém, seja espaço físico seja o que for. afeta de qualquer forma [...]
onde estiver é um estorvo, está sobrando esse cara..(Fernando, Porto Alegre,
48 anos, nascido no Chile).
16
Carência material, atraso, primitivismo, catástrofes, crise econômica e violência são
os principais referentes que sintetizam, na visão expressa pelos entrevistados latinoamericanos em Barcelona e Porto Alegre, as construções midiáticas sobre os seus países
latino-americanos de procedência. Ao construírem uma América Latina “pelo déficit”, “pelo
que falta”, tais construções contribuem para afirmação de um imaginário midiático que
vincula migração e pobreza como definição homogeneizadora das experiências migratórias.
Aqui se distingue um tipo de oferta midiática que é reconhecida pelos entrevistados como
relacionada especificamente à migração latino-americana uma vez que a “chegada massiva” e
muita vezes “irregular” em pateras e cayucos não aparece associada, nos testemunhos dos
entrevistados, aos latino-americanos, mas migração de origem africana e, em muitos casos, à
migração em geral.
Por ejemplo, ¿qué sale en un noticiero aquí? Yo soy de la costa pero qué sale
en un noticiero de Ecuador, siempre salen las personas de, de por allá de Ibarra
que siempre andan con los anacos, o las personas con los cabellos largos, con
las trenzas, y las alpargatas, pero nunca sale de Guayaquil, nunca sale de
Quito, las ciudades así. Siempre salen los, los aldeaños. Como le decía, nos
tienen clasificados por, como indígenas. Nos tienen clasificados así, como que
todos somos así. Por ejemplo, no es por nada, pero me dicen que yo no soy de
allá, porque no soy chiquito y no soy morenito. A mí me lo dicen. (Hector,
Barcelona, 25 anos, nascido no Equador)
Los suelen presentar poco, siempre se van a la zona andina o a la Amazônia
donde están los indios, esto te choca. Ecuador es um pais grande, tienen que
mostrar más zonas.(Otília, Barcelona, 37 anos, nascida no Equador)
A Colombia, lo muestran como lo peor: el trafico de drogas, la cocaina, la
prostitución, porque siempre te lo muestran. Porque si viene un colombiano a
17
robar o a vender droga. Y si viene una chica a prostituirse es lo que muestra la
televisión y a Colombia como un país donde sólo hay caminos, no hay
avenidas ni carreteras. Y no, es una ciudad, como es Madrid, Barcelona, con
sus avenidas, con sus grandes edificios. Tiene cosas buenas también. (Marisa,
Barcelona, 45 anos, nascida na Colombia)
Mostrar às vezes é difícil, mas até agora uma coisa que sempre escuto dos
meus amigos, das minhas amizades com bolivianas, peruanas, chilenas, que
quando vem alguma coisa na TV, vem sempre algo muito paupérrimo, muito
pobre. O que às vezes mostram da Bolívia, do Peru, é a pobreza. Tudo bem, lá
tem pobreza, como tem em qualquer lugar. (Mara, Porto Alegre, 34 anos,
nascida no Peru)
Y lo otro que se mostró mucho fue que en el 2000, cuando fue el problema económico
en el 2001, que había caos, pero tampoco es que está toda la gente pegándose en la
calle, mostraban sólo la, digamos, la parte crítica ¿no? Sólo mostraron el momento
crítico, entonces, me acuerdo bueno, mi hermana estaba acá y nos llamaba todos los
días super preocupada porque mostraban y lo que pasaba y sólo en Buenos Aires. O
sea, no se mostraba la realidad de las demás provincias. (Jina, Barcelona, 25 anos,
nascida na Argentina).
Outros enquadramentos mediáticos unificadores das experiências migratórias
destacados pelos entrevistados são aqueles relacionados a determinadas essencializações que
dizem respeito à nacionalidade de origem. Por um lado, os entrevistados manifestam que a
menção ou demarcação da nacionalidade dos migrantes é um referente preponderante para a
criminalização das migrações pelos meios de comunicação. “Si hay alguien que robó y es
español no se dice, pero si hay alguien que es inmigrante aparece, el marroquí, el no sé qué,
18
el gitano”, expressa, a respeito disso, Hermínia, de 48 anos, entrevistada em Barcelona e
nascida no Chile. 15
Por outro lado, alguns entrevistados assinalam que essencializações relacionadas à
nacionalidade operam igualmente para uma homogeneização da experiência migratória
mesmo quando não colaboram para a criminalização das migrações. É o caso dos brasileiros
entrevistados em Barcelona que não se percebem criminalizados, mas que também não se
sentem reconhecidos nos meios de comunicação quando esses elegem o samba, a praia, o
carnaval, a música, o futebol e, principalmente, a sexualidade, como elementos culturais para
a definição do migrante brasileiro. Ou, ainda, da experiência de uma entrevistada nascida na
Argentina quando recorda das repercussões em sua vida cotidiana de determinados
estereótipos relacionados ao futebol e aos argentinos no Brasil.
Os entrevistados chamam a atenção para o distanciamento que resulta dessa
homogeneização da diversidade cultural a partir de um esquema que tende exotizar e a
folclorizar o Outro em um movimento de afirmação da alteridade descrito por MartínBarbero como aquele que "ao mesmo tempo em que o torna interessante, o exclui de nosso
universo, negando-lhe a capacidade de nos interpelarmos e questionarmos." (Martín-Barbero,
1997, p. 6)
Quando se retrata o imigrante brasileiro nos meios é pra falar não de imigração
é pra falar de festa, é pra falar de festa ou pra falar de música, pra falar de
carnaval, ou pra falar de, às vezes, de sexo, de prostituição, mas não como a
imigração aí se ta falando de prostituição, a imigração vem como um elemento
dentro da prostituição e aí é a puta brasileira. Então, o brasileiro quase nunca tá
nesse assunto de imigração, ele entra, ele entra de tabela. A mesma coisa, eu
mais do que ressaltar aspectos e, aí a gente volta numa característica que eu
15
Embora a entrevista faça questão de complementar que isso não se retringe aos meios de comunicação, mas passa em
outras esferas da vida social.
19
tinha comentado antes, o Brasil é tão grande, a pluralidade é tão grande, a
diversidade é tão grande que é muito difícil se tratar uma coisa só. (Damian,
Barcelona, 32 anos, nascido no Brasil)
Playa, mujeres, vacaciones, samba, carnaval, esto, bastante mal la imagen. Y
deportiva, fútbol. Ah si, que pasó un programa de los de Sao Paolo, de la
violencia, de los empresarios que van de helicóptero, no van de coche.
Bastante esto, bastante marcante. Mucha gente comentó, de cómo es la vida en
Sao Paolo, una gran ciudad que es enorme, en un país como Brasil. Entonces
la violencia, los problemas de trafico, 7 horas para desplazarse de un lado a
otro, cosas así. Esto me marco porque mismo yo no sabia de cosas, que allí
mira, pensamos que es normal y aquí es un absurdo. (Norma, Barcelona, 29
anos, nascida no Brasil)
A las personas de Brasil, las muestran felices y abiertos, pero eso es muy
superficial, y hay un sentimiento mucho más profundo, la música, la
caipirinha. La imagen es simplista y tiende a ir por los extremos, o es mucha
violencia o todo es fiesta no es muy acertado.(Alex, Barcelona, 31 anos,
nascido no Brasil)
Pero hay cosas como muy marcadas que creo que te marcaron mucho en su
tiempo acá en los medios, que fue por ejemplo todo lo que, todo lo que es
Maradona, que es lo primero que te preguntan cuando: Qué pensás de
Maradona? Vos sos así de que lo tenés de ídolo, o de Dios. Eh creo que se
mostró mucho eso ¿no? Como que Argentina igual a Maradona, y como que
todos los argentinos lo tienen de Dios. (Jina, Barcelona, 25 anos, nascida na
Argentina).
Em torno a esse tipo de essencialização cultural acerca da nação e da nacionalidade,
converge em Barcelona e Porto Alegre um tipo de memória midiática transnacional de
entrevistados nascidos no Paraguai, que, ao associar os paraguaios e o próprio Paraguai a
20
falsificações, assume igualmente repercussões na vida cotidiana local dos migrantes,
conforme assinalam os testemunhos de duas entrevistadas.
Ah! Isso é um problema. É uma briga que a gente tem, assim. No Brasil, o
paraguaio é tudo falsificado, assim. Ah! O paraguaio, isso. Eu acho que, hã, eu
não sei, eu acho que as duas parte tem que sentar um dia e chegar a um acordo.
Porque o meio é que faz a imagem, assim. Então, aonde tu vai: “Ah! O
paraguaio é falsificado. Então, isso mexe muito com a gente. Mas, não é o
Paraguai que somos quem falsifica. O Brasil também falsifica. O Brasil
compra né? (Lina, Porto Alegre, 30 anos, nascida no Paraguai)
Para conocer el país cómo es y por ejemplo, yo de mi país veo que tienen una
imagen muy, no sé si decir horrible pero como que Paraguay siempre falsifica
todo. Entonces, no tiene muy buena fama, y no es así. No debían de pasar esa
imagen. Ya vienen todos los productos de fora, así, ya prontos realmente, a
gente só traz de fora e infelizmente já vem así, isso é o que eu mostraria que é
o contrário. (Fina, Barcelona, 36 anos, nascida no Paraguai)
Essa convergência de uma leitura sobre as imagens do Paraguai nos dois contextos da
pesquisa pode ser confrontada com o contraste percebido em outras duas diferentes
apropriações – em Barcelona e Porto Alegre - de construções midiáticas locais sobre a
nacionalidade por parte de entrevistados nascidos na Argentina.
No contexto de Porto
Alegre, a midiatização dos argentinos é vivenciada pelos entrevistados como (re) atualizadora
de matrizes da rivalidade que marcam a relação histórica entre Brasil e Argentina, segundo
remeta o depoimento de uma entrevistada argentina residente há 30 anos em Porto Alegre
As pessoas falam mal da gente, entendeu? Eu sinto muita rivalidade. Ontem,
mesmo, minhas filhas me chamaram pra ver. Começou uma professora
argentina da aula pra ter nenê […] uma coisa assim […] é uma menina e ela é
21
argentina - essa professora – e os alunos começaram a falar mal dela […] a rir,
sabe? E aí elas me chamaram pra ver isso, entendeu? Justamente, ontem.
(Mónica, Porto Alegre, 43 anos, nascida na Argentina) 16
Essa rivalidade se afirma, desde outra perspectiva, em alguns relatos de migrantes
uruguaios entrevistados sobre episódios que costumam vivenciar habitualmente em Porto
Alegre ao serem “confundidos” com argentinos, conforme relata Mauro, 27 anos. “A gente
aqui, que não te conhece disse: uruguaio ou argentino? No, desculpa é: Argentino ou
Uruguaio? Porque sempre primeiro o argentino. Aí digo: ‘No, uruguaio’, ‘Ah, menos mal’”.
Não parece operar com suficiência para a relativização desse sentimento, (re) afirmado pela
mídia, nem mesmo a proximidade cultural entre Argentina e o estado do Rio Grande do Sul,
conforme evoca, em seu testemunho, Arturo, argentino de 48 anos, “Sí, mas mais pelo Rio
Grande do Sul eu me sinto identificado. A cultura gaúcha é mais similar, entre todos, por la
tradição assí, né? É mais similar a da Argentina. Me sinto identificado. Mas com Brasil todo,
no seria.”17 .
O futebol desponta como um dos principais espaços de reconhecimento e de crítica,
por parte dos entrevistados argentinos em Porto Alegre, dessa (re) atualização da rivalidade
Brasil-Argentina no âmbito dos meios de comunicação no que se refere à nacionalidade e à
nação.
A maioria das, já tô entrando na parte só dos argentinos, há mais crítica do que
informaciones positivas de Argentina. Exclusivamente a Rede Globo. Se fala
de jornalismo. Galvão Bueno é o pior de todos. Para mim és un canalha.
Porque ele deve incentivar a união de los povos, mas, ele incentiva a discórdia,
né? Isso é uma visão minha, né? E que a maioria dos argentinos que dão a
16
O episódio a que se refere a entrevistada ocorreu em Malhação, série de ficção que tematiza a juventude produzido pela
Rede Globo e exibido pela emissora afiliada no Rio Grande do Sul - RBS TV – no horário das 17h35min.
17
É o que mencionaram também alguns uruguaios entrevistados em Porto Alegre
22
palavra, falam isso também. Ele incentiva a discórdia entre os povos, né.
(Arturo, Porto Alegre, 48 anos, nascido na Argentina)
E só a única rivalidade que pode ter é futebol, o resto eu acho que não tem
nada. Porque los argentinos se não gostassem de Brasil que nem se fala tanto
aqui, viriam tanto para aqui, não teriam porque vir. Eu acho horrível, horrível
esse Galvão Bueno18, aquele outro velho que nunca me lembro o nome dele,
eles só falam mal do argentinos na TV, e aquele jeitinho de falar, eu digo, pra
que isso aí. Eles estão botando fogo contra as pessoas que não tem nada a ver
(Oscar, Porto Alegre, 42 anos, nascido na Argentina)
A afirmação do europeu nas percepções sobre as migrações midiatizadas
Em contrapartida, para os migrantes nascidos na Argentina e entrevistados em
Barcelona, um sentimento de proximidade cultural com a Europa e o “europeu” parece
colaborar para reconhecimento de um tratamento midiático distintivo e até mesmo integrador
dos argentinos em relação aos demais latino-americanos. A formação de Argentina baseada
em uma segmentação étnica nacional derivada de uma migração européia e branca, sobretudo
de matriz espanhola e italiana, aliada aos movimentos de expansão fronteiriça do país
associada à figura do “gaúcho”, são dois principais processos culturais identificados pelo
pesquisador brasileiro Gustavo Lins Ribeiro para conformar o que ele define como
europeísmo, sentido de pertencimento que faz com a Europa seja o grande e subjacente
referencial distintivo de argentinidade” (Frigerio, Ribeiro, 2002).
Ni los medios, ni la gente tampoco hablan mal del argentino. (Francisco,
Barcelona, 48 anos, nascido na Argentina)
18
Principal locutor de futebol da Rede Globo de Televisão.
23
En cierta forma se refleja, ahora con el tema de las deportaciones no, pero un
argentino siempre pasa desapercibido, o es considerado entre la inmigracion a
otro nivel.”(Carmen, Barcelona, 27 anos, nascida na Argentina)
Porque hay como que todos somos hijos de inmigrantes de los que 90%
españoles Bueno, hay como una complicidad sutil y hay un buen trato. Si,
aparece, aparece en los medios porque no sé, las personas que, hay mucho
respeto por el hacer en Argentina, cuando alguien tiene talento se lo respeta.
(Norma, Barcelona, 32 anos, nascida na Argentina)
Hay un poco de todo, pero en general, estamos bastante bien vistos los
argentinos. Por lo menos no me desgusta o que los mostran de los argentinos.
(Sandra, Barcelona, 33 anos, nascida na Argentina)
A presença de traços do europeísmo que permeia as apropriações que, em Barcelona,
fazem os argentinos das migrações nos meios de comunicação apresenta similaridade com as
apropriações que encontramos, em Porto Alegre, entre os entrevistados nascidos em países
europeus representados, em nossa amostra, por Alemanha, Espanha, Itália e Portugal. A
primeira lembrança sobre migração na mídia mencionada por esses entrevistados aparece
relacionada majoritariamente ao agendamento nos meios de comunicação de episódios de
manifestações culturais e festivas relacionados à memória das chamadas migrações históricas
de europeus, sobretudo alemães e italianos, que colonizaram o Sul do Brasil no século XIX.
Através da ênfase e, mesmo do enaltecimento, de valores como o trabalho e o
progresso econômico e cultural assim como dos sentidos de pertencimento e de comunidade
deixados pelos migrantes europeus no sul do país, essas apropriações parecem convergir para
a (re) criação, entre os entrevistados de origem européia, de uma memória sobre a Europa
ancorada em um legado de modernização deixado pela presença de italianos e alemães no sul
24
do Brasil19. Reconhecimento que pode colaborar para o que a historiadora Sandra Pesavento
define como revigoramento da vigência do Primeiro Mundo como alteridade, que, na
perspectiva de um dos emblemas que preside a constituição da identidade brasileira pode ser
sintetizado como um “voltar as costas para a identidade nacional e ter a Europa como marco
identitário” (Pesavento, 1999, p.126).
Mostram, tem vários programas bonitos. No canal 7 tem bastante, 2 também,
tem muita coisa. Fazem aquelas festas da imigração italiana e alemã. Mostra o
folclore de cada país, a parte culinária, os tipos de comida que fazem, como é
feita, tem bastante [...] Eu tive uma certa amizade com uma repórter, porque
fui entrevistado várias vezes, apareci na televisão na Rua da Praia. Depois
outra vez fui entrevistado quando foi feita a inauguração da Praça Itália perto
do Praia de Belas, ali tinha dois repórteres. Um era do canal 12, e me
perguntou várias coisas sobre imigração. (Roberto, Porto Alegre, 73 anos,
nascido na Itália)
Muita gente conseguiu viver bem aqui e também a influência da imigração
alemã é notável aqui, principalmente no sul, todas as firmas grandes, Renner,
tem muitas, Gerdau, Volkswagen, são todas alemãs, então a influência foi
muito grande. Italiano por exemplo, eles mostram que eles tem mais em
Caxias no cultivo de uvas, eles mostram às vezes com comentários bonitos.
(Yolanda, Porto Alegre, 74 anos, nascida na Alemanha)
Eles mostram bem os nossos ancestrais. Eles mostram lá a época do meu avô,
do meu bisavô, também, não é verdade? Então, eu me vejo porque foi meu
antepassado. Na minha época já. Uma era mais moderna. Mas quando eu vejo
o imigrante, lembro mais do meu vô, porque na realidade, tu falou na guerra.
Meu vô foi um que ele era pobre, e ele na época da guerra foi, saiu da Itália
por problemas fascistas, sei lá porque, de guerra, e foi trabalhar na França e diz
que trabalhava em subterrâneo e nunca mais voltou. Na realidade, meu vô foi
19
Reflexões mais aprofundadas sobre a produção dos meios de comunicação brasileiros sobre essa migração histórica, pode
ser encontrada em pesquisa publicada em COGO (2006).
25
considerado, minha vó foi considerada suposta viúva. (Tamara, Porto Alegre,
55 anos, nascida na Itália)
Olha, a televisão dá muito valor ao imigrante, eu acho que ela mostra em parte
o imigrante, o valor que ele tem, se ela dissesse o contrário ela era fajuta,
ninguém acreditava, porque eu acho que o imigrante, bá, a palavra imigrante
dá idéia assim, acho que quando fala de imigrante fala em salvador da pátria.
Eu acho que o Brasil deve tudo ao imigrante, embora tem muito imigrante que
não presta, mas na parte principal, na maioria, o brasileiro deve tudo ao
imigrante, o imigrante fez tudo, olha aqui, nós temos um exemplo. Na
fronteira ali para cima é terra que não acaba mais, e se tu vai num restaurante
em Uruguaiana, numa churrascaria não tem uma salada verde, eles não
plantam nada, então tu vai aqui na serra eles têm tudo, verdura, mate, até tem
gente que faz, tu abre a janela do apartamento cria tomate, essas coisas, e
brasileiro, o pêlo duro, o pobre mesmo não tem nada, não planta nem uma
alface, então o imigrante eu acho que tem que ser respeitado, tem que ser dado
o valor, ele ensinou. O que eles sofreram e superaram para fazer essas cidades
da serra, Encantado, Arroio do Meio.. (Alan, Porto Alegre, 83 anos, nascido
em Portugal)
Essa hegemonia dada pelos meios de comunicação à reinvenção de uma memória
sobre as migrações históricas de europeus incide no universo dos latino-americanos em Porto
Alegre que, a exemplo de entrevistados nascidos na Europa, tem
essa modalidade de
migração como primeira lembrança das migrações midiatizadas. .“Mostram os italianos, tu vê
a cultura alemã, mas no mostram dos argentinos, dos uruguaios”, ressalta Arturo, de 48 anos,
um dos entrevistados de Porto Alegre, nascido na Argentina.
Ao mesmo tempo, os entrevistados procedentes da América Latina atribuem, em
grande medida, a essa hegemonia o que poderia ser definido como invisibilidade das
26
migrações latino-americanas em Porto Alegre e no Brasil, que, em alguns casos, aparece
criticada por deixar de potencializar, em âmbito local, tanto processos comunicacionais de
encontro e sociabilidade quanto a obtenção de apoio em questões relacionadas à integração
através da inserção profissional ou mesmo da obtenção da cidadania jurídica entre migrantes
nascidos em diferentes países da América Latina.
É o que assinala Bea, de 50 anos, nascida no Chile: “Yo nunca escucho que digan así
la colonia uruguaya está haciendo tal cosa, o hizo una fiesta así o asá, o […] Siempre,
escucho siempre migrantes alemanes e italianos, el resto no existe (Bea, Porto Alegre, 50
anos, nascida no Chile.
Mauro, 27 anos, nascido no Uruguai se refere às repercussões de
uma precária visibilidade midiática de uma agenda das migrações latino-americanas na
circulação de informações sobre o acordo firmado recentemente entre os governos brasileiro
e uruguaio visando à cidadania jurídica de migrantes uruguaios no Brasil.
Morando aqui e tudo isso. E um liga pros meios. E eles não sabem nada. Tu
liga pro consulado uruguaio e dizem “sim, já dá pra fazer os papéis e tudo”. E
tu liga pra Polícia Federal e dizem ‘eles não sabem nada. Tem uma rádio, que
agora é uma AM, Latino Americana. Eu não sei muito bem a emissora dela.
Mas que tem um programa bem curtinho, de meia hora sobre o Uruguai. Que
aí ela fala bastante. (Mauro, Porto Alegre, 27 anos, nascido no Uruguai)
Essa permanência mitificada de recordações positivas relacionadas às chamadas
migrações históricas de europeus no Brasil nos leva a refletir sobre o caráter político que da
construção midiática da memória social. Os meios poderiam estaria promovendo, como no
caso das culturas européias, uma relativização na noção da memória como obra aberta, em
transformação permanente, quando se encarregam de fixar e fazerem permanecer no tempo
determinados imaginários sobre as migrações. (Traverso, 2007).
27
Contudo, também em Porto Alegre, entre entrevistados nascidos na Europa, as
apropriações sobre as migrações históricas midiatizadas podem assumir matizes críticos,
especialmente entre portugueses e espanhóis. Trata-se de duas nacionalidades cuja presença
periférica no agendamento dos meios de comunicação pode estar relacionada com também
presença histórica distinta, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, que poderia ser
sintetizada na premissa do pesquisador Néstor García-Canclini quando aponta para a opção,
na América Latina, por um modelo de modernização que freqüentemente priorizou os
alemães aos portugueses assim como os ingleses e os franceses em detrimento dos espanhóis.
Ou que, ainda, que
colaborou, em grande medida,
para produzir discriminações dos
europeus em relação aos latino-americanos assim como a admiração inversa dos latinos frente
aos europeus. 20
O mesmo entrevistado que usa o exemplos dos italianos para manifestar concordância
com um imaginário midiático que “valoriza o migrante europeu”21 , se posiciona desde sua
nacionalidade, quando lembra que “se fala mais da Europa de alemães e italianos e pouco da
Europa de portugueses e espanhóis.” (Alan, Porto Alegre, 83 anos, nascido em Portugal).
Outro entrevistado espanhol remete ao exemplo da migração italiana para refletir sobre a
midiatização que mitifica uma memória do passado para afirmar o êxito da migração
européia no Sul do Brasil. “Es uma cosa, a veces, meio fantasiosa. Eles não são mais
italianos, né? Eles são brasileiros. (Matias, Porto Alegre, 46 anos, nascido na Espanha)
Em Porto Alegre, são migrantes dessas nacionalidades que coincidem com alguns
entrevistados europeus de Barcelona quando criticam a folclorização que costuma pautar,
contemporaneamente, a construção de suas imagens nos meios de comunicação espanhóis.
Entrevistada em Porto Alegre, Marta de 59 anos, nascida na Espanha, postula que seu país
20
21
GARCÍA CANCLINI, Néstor. La globalización imaginada. Buenos Aires: Paidós, 1999.
O testemunho foi mencionado em detalhes anteriormente, na p. 19
28
poderia ser mostrado para além da dança e da paella ao passo que, em Barcelona, Sara,
migrante alemã de 53 anos, reitera que “Siempre se entrevista a alemanes que hablan español
con acento alemán, que tienen pinta de alemanes, que sus casas son alemana […] Una se
llama Ursula, o Otto, o Fritz, y hacen patatas. Caray. Hay otro tipo de alemanes”.
No caso de Barcelona, essas imagens que folclorizam as migrações assim como a de
aposentados alemães que se estabeleceram em Málaga e Mallorca, ou, ainda, de turistas
franceses. são as recordadas pelos entrevistados europeus com as únicas que desestabilizam o
que entendem por uma invisibilidade da chamada migração comunitária da União Européia.
Amélie, 27 anos, nascida na França, considera “que los medios no hablan mal de Francia,
más bien no hablan de nosotros como inmigrantes porque aquí no se nos considera como
inmigrantes, somos europeos y al fin y al cabo esto es Europa” . Tanto que, como
contraposição a essa imagem, propõe mostrar nos meios de comunicação que “De Francia?
Que somos muy pesados y muy arrogantes […] no, no sé […] lo que diría de Francia.”. Paul,
de 23 anos, também nascido na França, constata que, embora estejam presentes, os franceses
“no se muestran mucho, no están”, lembrando que apenas são mostrados quando chega o
verão a partir de cifras turísticas.”.
Em Barcelona, há um reconhecimento, por parte dos entrevistados, da consolidação
de espaços nos meios de comunicação orientados a um tratamento não criminalizador de
diferentes procedências, especialmente aqueles que focalizam a cultura e o cotidiano dos
migrações que passaram a ser produzidos e exibidos em televisões locais nos últimos anos.
Amélie, de 31 anos, nascida na França, avalia como positivo ter encontrado em Barcelona
esse tipo de programação que percebia ausente nos meios de comunicação de Madri, onde
viveu durante dois anos e meios. “Hay un programa, pues cada vez coje una cultura y
entonces una persona enseña cómo cocinar. También hay bastantes programas sobre culturas
29
árabes, esas son las que […] pues tienen más problemas. A ver, hay más diferencias, entonces
siempre hay como más choques.”
Contudo, alguns europeus entrevistados em Barcelona apontam para a necessidade de
propor uma visibilidade midiática que não se reduza à folclorização ou mesmo assepsia
política de suas experiências culturais e migratórias que observam, por exemplo, naqueles
programas que se centram em cozinhas étnicas. Sugerem, igualmente, uma visibilidade que
não se limite a uma defesa essencialista da integração lingüística em programas sobre
migração de televisões locais generalistas que escolhem focalizar, por exemplo, protagonistas
que dominam o catalão.
Lo que pasa, no sé, hay poco medios, además la inmigración el único lado
bueno que le ponen es la cocina. Programas de cocina con cocina étnica que
me parece muy bien pero no me parece suficiente. Es muy […] no sé, ponen la
gente en un lugar, el inmigrante en su cocina y no hablemos de política con el,
no hablemos de otras cosas. Ahora empieza a haber un poco de intentos de,
una apuesta un poco más abierta, no? Pero en general lo encuentro muy, lo
pintan de manera muy negativa. (Amélie, Barcelona, 27 anos, nascida na
França)
Es que vi una vez uno y me quedé asi, vale, una cosa, el sentido era bueno pero
que daba un poco,era “Los nuevos catalanes” algo asi, y hacian entrevistas a
extranjeros, personas que viven aquí desde mucho tiempo y hablaban catalan.
La intención era buena pero un poco asi la manera, no tampoco la manera, mas
la sensación que abajo era como dar un pequeño premio, decir mira despues de
tanto tiempo te has integrado completamente, sabes hablar catalan, eres de
aquí, sabes. No me gusta demasiado, por el hecho que si vas a vivir a otro pais
te vas a integrar pero no vas borrando todo lo que es tu vida asi, que no tengo
30
que ser premiado porque se hablar catalan o porque se como moverme, no se
es un poco asi, no se si me he explicado. (Carla, Barcelona, 32 anos, nascida
na Itália)
Ah, assim, várias vezes digamos programas, ver TV em que se potenciava um
pouco “somos todos diferentes”, isto é um slogan que vi em Portugal com,
com a nova campanha anti-racismo que eram todos diferentes, todos iguais.
Ah, e digamos, e que juntavam uma série de pessoas para cozinhar, cada um
cozinhava um prato de seu país e tal, as pessoas, ah, que não digo o contrário,
mas que, como vou explicar, um retrato um pouco, e desinfetado da situação e,
por outro lado, há o imigrante delinqüente, ou seja, e eu penso que entre uma
coisa e outra, há espaço muito grande em que, em que se pode caber uma série
de coisas, (Julio, Barcelona, 40 anos, nascido em Portugal)
Cidadania comunicativa e humanização das migrações midiatizadas
Experiências pessoais de comunicação mediatizadas e não mediatizadas, relacionada
tanto às vivências migratórias recentes como aos vínculos anteriores e atuais com os seus
países de nascimento, concorrem para que a maioria dos latino-americanos entrevistados, nos
dois contextos da pesquisa, não se auto-reconheçam em construções midiáticas que tendem à
criminalização das migrações contemporâneas. E colaboram, desse modo, pelo menos em
âmbito individual, para a relativização e pluralização de um imaginário construído pelos
meios de comunicação que privilegia uma memória das migrações contemporâneas associada
à criminalização e pobreza.
A vivência em Barcelona, instiga Lucas, de 30 anos nascido na Argentina, colabora a
questionar o caráter classista que rege a predominância das imagens das pateras e das
migrações africanas sobre outros fluxos de migrações que não são visibilizados pelas mídias,
31
como as de andaluzes em Catalunha, das migrações de trabalhadores italianos e, sobretudo, a
de ingleses e alemães que escolhem a Espanha como destino turístico ou para se
estabelecerem como aposentados. “No deja de ser inmigración, gente que está viviendo en
otro país, que está haciendo su vida, alemanes, ingleses que están viviendo de puta madre,
estos son guiris que trabajan bien, es como una doble visión de lo mismo, claro, esos vienen
con pasta y no vienen a currar.”, destaca o entrevistado.
A experiência de Ramiro, de 33 anos, como alvo de reiteradas correspondências de um
banco espanhol para remessas de dinheiro a seu país de nascimento, Peru, para onde nunca
enviou, mas de onde sempre recebeu recursos para financiar um máster em Barcelona, é útil
para que a (re) afirmação de sua visão sobre a impossibilidade de uma concepção unificada
sobre a migração pretendida pelos meios de comunicação.
[…] por ejemplo yo he venido aquí y he abierto mi cuenta en Caja Madrid aquí
en España hice una transferencia de ochenta míl euros una cosa así para poder
vivir, para pagar el master ¿no? Pero […] luego me envían a mí cartas,
diciéndome […] tienes tanto y tanto y porque nosotros te conocemos hemos
creado un producto especial para ti para que envíes dinero a tu familia y con
una tasa de interés muy baja. Pero no se dan cuenta que yo no he enviado hasta
ahora. (Ramiro, Barcelona, 33 anos, nascido no Peru)
Na formulação de críticas às imagens de criminalização que predominam nos meios
de comunicação espanhol, Amelie, de 27 anos, nascida na França, lança mão de informações
apropriadas da convivência com amigos que pesquisam o tema das migrações na
universidade. Com base nisso, sustenta que “80% do que falam os meios de comunicação
sobre migração na Espanha hablan de lo que pasa en Ceuta y Melilla y de las pateras. Cosa
32
que representa realmente es menos del 5% de la inmigración con lo cual es una imagen muy
sensacionalista”
Ainda na perspectiva de uma pluralização de um imaginário e memória das migrações
contemporâneas, essas formulações críticas dos migrantes entrevistados em Barcelona e
Porto Alegre se desdobram em propostas para a humanização do tratamento das migrações
pelos meios de comunicação. No marco do que denominamos de propostas de cidadania
comunicativa, algumas dessas propostas vinculam-se a demandas no âmbito da regulação
jurídica das migrações. Em Porto Alegre, os entrevistados latino-americanos enfatizam o
papel cidadão que poderia ser assumido pelos meios de comunicação no agendamento
público das mudanças propostas para uma nova lei de imigração no Brasil no marco das lutas
lideradas pelos movimentos sociais, especialmente as pastorais de apoio às migrações no
Brasil.22
As questões relacionadas à chamada “legalidade” ou “clandestinidade” dos
estrangeiros não se reduziria a uma abordagem jurídica, conformem percebem hoje nos meios
de comunicação os latino-americanos entrevistados em Barcelona e Porto Alegre, mas
assumiria igualmente um caráter de experiência vivida em suas propostas de visibilidade
midiática das migrações.
No entanto, essas propostas não implicam necessariamente, por parte dos
entrevistados, no deslocamento dos sentidos hegemônicos, pelo menos no que se refere a um
imaginário sobre o êxito econômico e o legado cultural das migrações européias, em que se
ancoram as propostas de alguns migrantes europeus entrevistados em Porto Alegre. Hans, de
76 anos, nascido na Alemanha, reiteraria uma visibilidade midiática que se desse repercussão
22
Em vigor no Brasil, a Lei do Estrangeiro foi elaborada durante a ditadura militar e moldada com base na Doutrina de
Segurança Nacional. A lei proíbe a organização e manifestação política, restringe o exercício de atividades remuneradas e
burocratiza o processo de legalização dos não brasileiros.
33
aos resultados do trabalho dos imigrantes europeus no Sul do Brasil. “Em Caxias, por
exemplo, o italiano tem muita admiração pelo italianos, gente trabalhadora, que fizeram,
fizeram um montão de coisas, né,? Aí não tem fim”,
Roberto, italiano de 73 anos privilegiaria o que denomina de “história muita bonita”
do desenvolvimento que deriva da contribuição cultural específica das diferentes culturas
européias que colonizaram o sul do Brasil. “[…] Cada zona tem a própria imigração. Na zona
de Caxias, Bento, Garibaldi é tudo colonização italiana, um sucesso, um desenvolvimento
tremendo com muito trabalho, seja na indústria, seja de tudo, por causa das imigrações. E
hoje com a Internet é mais fácil ainda se desenvolver, a comunicação é rápida.”
Entre alguns latino-americanos, as propostas de cidadania comunicativa aparecem
marcadas por uma concepção pautada por uma busca da essência e das raízes culturais e de
um retorno à tradições. É o caso de Oscar, de 38 anos, nascido no Peru, que entende que
mostrar o “outro lado da imigração” seria evidenciar a “verdadeira essência nossa aqui, no?
[...] na verdade nosso orgulho no é ser peruano, o orgulho que nós temos é justamente (...), o
fato de ter uma, ter a nossa, ter essa tradição, a herança, né? Que foi legada pra nós dos
ancestrais, que sobre a forma de vida do passado, sobre a nossa cultura, sobre arquitetura,
sobre o mundo, sobre o equilíbrio”.
A pluralização de um imaginário relacionada às migrações contemporâneas não
européias, especialmente as de latino-americanos, converge em Porto Alegre e Barcelona
como principal demanda relacionada a essa humanização das migrações. Essa demanda se
traduz pela necessidade apontada pelos entrevistados de um deslocamento, tanto em
Barcelona como em Porto Alegre, das imagens de criminalização das migrações
contemporânea assim como daquelas construções midiáticas que associam migração com
pobreza.
34
Os entrevistados elegem três das principais perspectivas para ancorar essa outra
visibilidade das migrações nos meios de comunicação: os motivos das migrações para além
do econômico; o cotidiano dos migrantes e a diversidade cultural, entendida desde aquela
constitui os países de nascimento como a que constitui o latino-americano para definir uma
presença migratória entendida como heterogeneidade e hibridização cultural. 23
Mostraría los distintos tipos de inmigración que hay, los distintos motivos de
las distintas realidades de inmigración. Como la inmigración de los 76, fue una
inmigración política, fundamentalmente, como la inmigración de los 80, bueno
los distintos tipos de inmigración y las características que tuvo. Cómo fue que
de algún modo el argentinito medio que fue llegando a España. Fue muy
distinto, de acuerdo a las distintas oleadas de llegada ¿no?Y cómo esas
distintas
oleadas
se
fueron
integrando
o
no,
eso
me
parece
interesantísimo.(Hilario, Barcelona, 55 anos, nascido na Argentina)
Eu mostraria o cotidiano do imigrante, o dia a dia. Para aqueles que abriram as
portas e pra aqueles que continuam ai na batalha. O que eu mostraria, eu
mostraria a, o dia-dia, o que ele faz, os horários, aquele que ele acorda, como
ele, como ele se alimenta, para onde ele viaja, se está passando necessidade.
Os progressos, o dia-a- dia das pessoas” (Oscar, Porto Alegre, 38 anos,
nascido no Peru)
Yo trataría de los aspectos positivos. Todo lo relacionado con los aspectos
positivos de los inmigrantes, pues lo trataría con que de alguna manera se
publicara, todos los aspectos positivos. El valor de las personas, de los
inmigrantes que vienen aquí a tratar de superarse, a trabajar, a estudiar y, con
grande sacrificio, salir adelante.(Fernando, Barcelona, 48 anos, nascido no
Ecuador)
23
Em Porto Alegre, se destacam algumas ao papel da mídia para a alteração da atual Lei do Estrangeiro
35
Bueno, mostraría restaurantes peruanos, comenzaría por ay, no. Restaurantes
peruanos, se que hay restaurantes peruanos, acá he ido a algunos. Entonces
mostraría eso a los peruanos trabajando y aportando, no. Bueno, de comida,
sus lugares, su cultura (Julio, Barcelona, 27 anos, nascido no Peru)
La familia que se va, la familia que se queda. Las alegrías, las tristezas, las
ilusiones, las decepciones, las trabas que se tienen. é interessante ver que cada
um tem a sua historia, porque as pessoas vêm para este país, pessoas que vão
para outros países e assim por diante, e as pessoas que saíram do Uruguai não
necessariamente vieram para o Brasil, choque culturais, quando a pessoa vem
e outro país.(Wilfredo, Porto Alegre, 49 anos, nascido no Uruguai)
Então, mostrar uma outra realidade da imigração, de estar convivendo com a
cultura, procurando integrar-se, e outras coisas relacionadas à imigração que
estão apartadas. (Karen, Barcelona, 22 anos, nascida no Brasil)
Opa. Eu mostraria la diversidad cultural. No? Eu creo que es bueno que lo, que
todos los imigrantes que estamos aqui em el, que estamos aqui, tenemos coisas
importantíssimas para aportar. No? Porque aí puedes ouvir la diversidad y se
puede enriquecer la cultura, no? Porque, em realidad, eso de ‘yo soy
brasileño’, ‘yo soy uruguaio’, ‘yo soy’ eso no existe. Ou seja, humanos. Nós
somos seres humanos. (Alberto, Porto Alegre, 25 anos, nascido no Uruguai).
Mostraria a particularidades de cada cultura, o que cada cultura realmente faz,
o Brasil no fundo é isso, essa mistura cultural. Acredito que seria interessante
aprofundar mais essas particularidades. Mas eu não sei, é uma pergunta
interessante para se pensar. (Hector, Porto Alegre, 35 anos, nascido na
Argentina)
De, de Venezuela, toda la diversidad también, toda la diversidad de culturas
que forman el país, primero que nada, primero muchísima información sobre,
sobre su gente, que hace la gente, los niveles de educación, las realidades
36
socio-culturales que son tan distintas a la europea, sobre las diferencias
sociales, para contextualizar un poco e informar, porque muchísima gente no
conoce las realidades concretas del país, políticamente hablando, y de las
personas como tal, existe una entidad llamada Venezuela, pero que alejada de
otras migraciones que es un país de migrantes no. (Ester, Barcelona, 32 anos,
nascida na Venezuela)
Cuando hablan de los latinos, generalmente. Hablan en general, para, para los
medios, o sea aquí los latinos somos todos. No, no diferencian. Por ejemplo
eso pasa con, con algunos compañeros que tengo de Honduras en la
Universidad. A ellos también les dicen sudamericanos y les dicen “Sudacas,
ellos dicen, pero yo no soy sudamericano.¡No soy Suramérica, yo soy CentroAmérica! Bueno en general acá todos, todos somos sudamericanos o Latinos.
(Julio, Barcelona, 27 anos, nascido no Peru)
No caso específico, de Porto Alegre, mais do que os sentidos de criminalização
enfatizados pelos migrantes latino-americanos, implicaria em superar o que os entrevistados
identificam como uma (in)visibilidade da migração latino-americana em âmbito local ao
propugnarem por um papel das mídias como espaço comunicacional que favoreçam
dinâmicas de sociabilidade ancoradas no estar junto e no colocar em comum os sentidos e
em confronto o comum e o diferente. A visibilidade midiática aparece entendida não apenas
como política de identidade com vistas à representação pública das culturas latinoamericanas, mas como espaço comunicacional de vivência relacional dessas culturas em
âmbito local. Mauro, 27 anos, nascido no Uruguai, exemplifica com a vivência das redes
comunicacionais que se dinamizam no bar onde trabalha como garçom em Porto Alegre.
Como vários uruguaios aqui, e a gente tem muita coisa uruguaia, típica
bebidas, comidas, todas essas coisas [...] o público nosso a maioria já sabe
Uruguai, por isso chega ao bar. Entende? Entonces é uma constante troca de
37
comunicação, de novidade, de noticias tanto eles que nos vêm a decir, como
também nos perguntam e como nós também, pelo menos eu estou bem
comunicado, tenho a certeza de poder repasarle, de comentarle cosas (Mauro,
Porto Alegre, 27 anos, nascido no Uruguai)
No caso dos meios de comunicação, essa perspectiva não se restringe à função que
poderia ser desempenhada pela mídia generalista, na medida em que alguns migrantes
entrevistados identificam esse espaço em construção também no contexto das chamadas
mídias alternativas ou comunitárias, como aquelas produzidas no âmbito do CIBAIMigrações24 ou a ser construída, através de propostas como, por exemplo, a de um projeto
não concretizado de uma rádio comunitária relembrado por Bea, nascida no Chile.
Claro, Uruguay fue el que me habló a mí. Fue le presidente que me dijo, Bea
mira tu, estamos tratando haber si podemos conseguir de hacer una radio
comunitaria de los países de habla española. Ba! Le dije, sería regio. Cualquier
cosa te vamos a informar, porque queremos también que todos los países,
Uruguay, Paraguay, este […] entremos en esa. Mas, yo creo que no […] nunca
me llamaron, nunca me dijeron nada […] No, ya lleva mucho tiempo, hace
más de un año. Ya estaría, o alguna cosa estaría ya se programando, mira va a
haber una radio, no, no. Nada, no.(Bea, Porto Alegre, 50 anos, nascida no
Chile)
A perspectiva biográfica de narração de histórias de vida do ponto de vista das vozes
dos próprios migrantes é a estratégia narrativa midiática que se destaca nos testemunhos dos
entrevistados, especialmente dos latino-americanos em Barcelona e Porto Alegre, para a
conformação da mídia como espaço de visibilidade do cotidiano dos migrantes. Alguns
24
Exemplo é o boletim Família da Pompéia editado em português, espanhol e italiano pelo CIBAI-Migrações.
38
entrevistados partem de suas próprias experiências socioculturais, ainda que pontuais, como
migrantes, ou ainda, midiáticas, como entrevistados pelos meios de comunicação ou como
produtores de mídias (cinema, por exemplo) para proporem essa humanização pelo
biográfico.
Quizás como decía antes, una información mucho más amplia, sobre la
situación de las personas […] quizá también un aprendizaje […] sobre el país,
sobre los países más frecuentados, del cual vienen los inmigrantes, por qué
vienen y su contexto cultural, bueno, la situación de cada país afectado, por
qué vienen (Jisela, Barcelona, 35 anos, nascida na Alemanha)
Hablan mucho y mal, porque podrian hablar mucho y bien. En respecto a esto
del inmigrante podrian dedicarse a hablar mejor pero nunca dicen que hay
cientificos, que hay musicos, que hay cocineros y mismo el obrero que le
levanta sus casas, que cuida sus hijos y hace su comida. (Norma, Barcelona, 32
anos, nascida na Argentina)
Eh […] este que aspecto mostraría de la inmigración? Como te decía, todos.
Yo creo que es importante hasta porque Brasil también tiene mucha migración,
en todos los países de América Latina tenemos migración eh […] es muy
importante, por ejemplo, en un documental mostrar absolutamente todo. La
familia que se va, la familia que se queda. Las alegrías, las tristezas, las
ilusiones, las decepciones…las trabas que se tienen, porque lamentablemente,
a pesar de que teóricamente somos seres humanos el Planeta Tierra es nuestra
casa, la cosa no es bien así. Porque el propio ser humano no se acepta.
(Wilfredo, Porto Alegre, 49 anos, nascido no Uruguay)
Acho que uma coisa poderia ser o que levou o Argentina a migrar do seu país?
Houve diferentes razões? Não sei há muita coisa, depende das pessoas, do
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motivo que levou, ou como que levou da situação que se enfrentou aqui com
os papéis, para podermos sair, para podermos viver, para trabalhar e fazer a
vida.”(Esperanza, argentina, Porto Alegre, 54 anos, nascida na Argentina)
Mostrar mi experiencia, como inmigrante […] pues, sí, mostrar mi
experiencia, porque tampoco puedo hablar de algo que no se, no [,.,] hablar de
lo que yo he vivido y de lo que he pasado al llegar acá” (Julio, Barcelona, 27
anos, nascido no Peru)
Me concentraría en la familia.. Por ejemplo vino Juan en el 2000, enfocar,
personalizado. Porqué la gente lo generaliza, pero cada uno tiene su historia.
Pero miraría también de Juan, Juan tiene hijos, dejó hijos, extraña a sus hijos,
o a lo mejor están aquí y entonces ver como están sus hijos en el colegio, la
discriminación porque en los colegios también hay y creo que esto irá a mas
me parece.” (Susana, Barcelona, 28 anos, nascida no Peru)
Mira, yo hace un verano, hace un año, empecé a tratar de producir un
documental, y bueno lo tengo ahí, esperando un mejor momento de[…]
económico, que era un documental sobre cultura e inmigración […] Con las
estatuas en las ramblas, la gente que hace estatuas en las ramblas, que la
mayoría son argentinos, la mayoría son sudamericanos. Y […] … yo creo que
uno de los aspectos a remarcar, podría ser[…] esa.. ese deseo de llevar
adelante lo de uno. ¿No? Que no encuentra límites, que uno […] le cuesta
dejar de seguir adelante con su idea, con su sueño ¿no? [Creo que es la gran
capacidad que tenemos […] eh […] de […] solucionar […] de […] (Hilário,
Barcelona, 55 anos, nascido na Argentina)
Considerações finais
No que se refere às percepções sobre o imaginário que aportam os meios de
comunicação acerca das migrações contemporâneas, constatamos as repercussões na
40
recepção dos migrantes entrevistados do crescente protagonismo dos meios de comunicação
como espaço de construção e oferta de memórias coletivas transnacionais das migrações. Os
migrantes entrevistados em Barcelona e Porto Alegre compartilham sentidos sobre a
“criminalização” e a “pobreza” como imaginário midiático hegemônico sobre as migrações
contemporâneas de não europeus, ainda que esses imaginários assumam matizes locais como
decorrência das especificidades do desenvolvimento das migrações e da estruturação dos
próprios meios de comunicação nos dois contextos.
É o caso da memória predominante da chegada de migrantes em pateras e cayucos ao
sul da Espanha expressa pelos migrantes latino-americanos e europeus entrevistados em
Barcelona, a despeito de nenhum ter sido testemunho ocular desses episódios ou ter
conhecido algum migrante que o tenha protagonizado. Configuram-se como memórias
produzidas e mantidas quase que exclusivamente como resultado das interações dos
entrevistados com os meios de comunicação.
No caso de Porto Alegre, essa criminalização estaria mais associada, na percepção dos
entrevistados latino-americanos, a migrações de latinos, especialmente de brasileiros no
exterior, colaborando, inclusive, para promover o que esses entrevistados avaliam como
invisibilidade local das migrações oriundas da América Latina. Nas percepções dos
entrevistados em Barcelona, as imagens de carência material, atraso, primitivismo,
catástrofes, crise econômica e violência que predominam no agendamento dos países latinoamericanos pela mídia colaboram efetivamente para a construção dessa criminalização e
pobreza das migrações ao conformarem uma idéia de América Latina “pelo déficit”.
Na perspectiva da nacionalidade, paraguaios coincidem em Barcelona e Porto Alegre
sobre as conseqüências, em sua vida cotidiana, de uma “criminalização” que costuma
associar Paraguai e paraguaios à falsificação. Assim como os argentinos, rememoram,
41
especificamente em Porto Alegre, episódios do agendamento midiático que, desde a
cobertura do futebol, (re) atualizam a rivalidade histórica entre argentinos e brasileiros. Por
sua vez, os migrantes brasileiros em Barcelona refletem que certas essencializações culturais
que, embora não os criminalizem a exemplo dos demais latino-americanos, reduzem sua
experiência cultural especialmente quando os “exotizam” pela enquadramento em referentes
como o carnaval e a sexualidade.
No marco dessas especificidades locais, observamos, ainda, que a ”folclorização
midiática” das migrações de europeus aparece rejeitada pelos entrevistados de origem
européia em Barcelona, mas não compartilhada, em Porto Alegre, por aqueles entrevistados
nascidos em países europeus. Em Barcelona, os entrevistados criticam, por exemplo,
programas de televisão locais que, embora não criminalizem os migrantes sejam europeus
sejam latino-americanos, mostrem migrantes alemães em trajes típicos, priorizem as cozinhas
étnicas ou essencializem a integração focalizando entrevistados que dominam o idioma
catalão.
Em Porto Alegre, ao contrário, imagens midiáticas similares relacionadas à
contribuição econômica e cultural das migrações históricas de matriz européia produzem
percepções em italianos e alemães que sugerem uma mitificada (re) atualização e
permanência de recordações positivas relacionadas às chamadas migrações históricas de
europeus que colonizaram o Brasil em séculos passados. O que nos leva a refletir, desde um
ponto de vista político, em que medida os meios de comunicação estariam promovendo uma
desestabilização da premissa da memória como obra aberta, em transformação permanente,
para, de modo crescente, fixar e fazerem permanecer, determinados imaginários sobre as
culturas migratórias como é o caso da “europeidade” no contexto de Porto Alegre, sul do
Brasil. (Traverso, 2007).
42
No marco do que entendemos por cidadania comunicativa, emergem, por parte dos
entrevistados em Barcelona e Porto Alegre, propostas para a humanização do tratamento das
migrações pelos meios de comunicação. Muita delas, por parte dos europeus entrevistados em
Porto Alegre, reafirmam a adequação de um tratamento midiático enaltecedor da migração
européia assim como outras, de latino-americanos, apostam na busca de essência e retorno às
tradições das culturas nacionais latino-americanas.
Parte significativa dos entrevistados, contudo, se filia, em ambos os contextos da
pesquisa, à exigência de deslocar dos sentidos de criminalização e pluralizar os imaginários
midiáticos sobre as migrações. Destacam, em seus testemunhos, três perspectivas a serem
assumidas como pauta dessa visibilidade: os motivos da migração (para além do econômico),
o cotidiano dos migrantes e a diversidade cultural de que são portadores. Ao mesmo tempo,
o biográfico definido como narração de histórias de vida do ponto de vista das vozes dos
próprios migrantes é a estratégia narrativa midiática que se destaca nos testemunhos dos
latino-americanos em Barcelona e Porto Alegre, para a conformação da mídia como esse
espaço comunicacional de visibilidade fundamentada na pluralidade das culturas migratórias
com base nessas três perspectivas.
Em Porto Alegre, os migrantes entrevistados reivindicam, ainda, por um tipo de
visibilidade midiática que não se configure simplesmente como uma política a mais de
representação pública das culturas latino-americanas, mas que contribua para que os meios de
comunicação dinamizem ou se convertam em espaços comunicacionais de interação social
entre os migrantes latino-americanos no cenário urbano. Espaços já experimentados fora dos
espaços midiáticos por alguns dos entrevistados através das experiências de sociabilidades
comunicacionais em contextos de encontros e trocas, como o de um bar freqüentado por
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uruguaios, ou do esforço de concretização de experiências de comunicação alternativa, como
a de uma rádio comunitária, lembrado por uma entrevistada nascida no Chile.
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