direito ao nome:autonomia privada, segurança

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direito ao nome:autonomia privada, segurança
DIREITO AO NOME: AUTONOMIA PRIVADA, SEGURANÇA JURÍDICA E
ASPECTOS CORRELACIONADOS
Autora: Profª. Giovana Muniz
O nome, composto pelo prenome e sobrenome, é um direito de todo aquele
que nasce vivo. O nome é um direito da personalidade, ou seja, faz parte de um
conjunto de normas intransmissíveis, irrenunciáveis e todo indivíduo ao nascer, com
vida, adquire-os. Luiz Guilherme Loureiro, estudioso em registros públicos,
conceituando o nome, leciona que “[...] é o sinal que identifica e individualiza a pessoa
no grupo familiar e na sociedade”. (LOUREIRO, 2013: 57) Assim, nome é um sinal
(elemento de identificação) individualizador da pessoa, possibilitando que ela seja
reconhecida e identificada pelos demais membros da coletividade e da família. O nome
acompanha a pessoa do nascimento até à morte.
Saliente-se: hodiernamente, há alguns regramentos que garantem também ao
natimorto o direito ao nome.
O nome, é sabido, se adquire com o registro de nascimento, cujo ato é
obrigatório e gratuito. É o primeiro ato de cidadania. Esta obrigatoriedade, de forma
geral, está regulamentada nos artigos 50 a 55 da Lei 6.015/73, Lei dos Registros
Públicos, outros ordenamentos legais e infralegais buscando, concretamente, erradicar o
subregistro. Aqueles casos em que serão aniquiladas as possibilidades de pessoas
ficarem sem o assento de nascimento.
Uma vez efetuado o registro, o nome é imutável, a priori, por razões, dentre
outras, de segurança jurídica. A lei, precariamente, define algumas possibilidades de
retificação e mudança de nome. Os Tribunais Superiores vêm, conforme a necessidade
da particularidade da cada caso concreto, flexibilizando as possiblidades de alterações
de nome.
Dentre as pessoas, obrigadas a declarar o nascimento, estão o pai ou a mãe,
isoladamente ou em conjunto, em igualdade de condições, nos termos da recente Lei
13.112/15 que alterou o art. 52 primeiro e segundo itens. No caso de impedimento de
ambos, o parente mais próximo. Se esse também faltar, os administradores de hospitais,
médicos, parteiras ou pessoas encarregadas da guarda do menor declararão o
nascimento.
No que tange à escolha do nome, esta, maioria das vezes, compete aos
genitores, que o fazem, carinhosamente, atribuindo ao filho um nome com algum
significado particular: religioso, mitológico, bíblico, etc. Algumas vezes apõem um
agnome – Júnior, Sobrinho, Neto, Filho – com a intenção de homenagear alguém
querido. Outras vezes, escolhem o nome do filho, simplesmente, por considerarem
bonito este ou aquele nome. Esta escolha, em princípio, é livre.
A escolha, da qual nos referimos, permeia o prenome, pois o sobrenome
virá, obrigatoriamente, pelos apelidos de família, não podendo ser prejudicados pelo bel
prazer do declarante do nascimento.
Todavia, há limites na escolha do nome, mais particularmente do prenome.
E, sobre essa questão, muito ainda se há que debater e estudar, pois para que o indivíduo
usufrua do seu próprio nome, o Estado, por meio de seus agentes delegados, os
registradores das Serventias Registro Civil das Pessoas Naturais, deve anuir o nome
escolhido, o que se faz pelo processo de registro civil com suas regras inerentes.
Num Estado de Direito regido também pela autonomia privada, acerca da
escolha do nome, questiona-se: “por que não podem os pais dar aos seus filhos o nome
que mais lhes aprouver?”, “os pais, de forma livre, podem usar a criatividade para
inventar nomes para os filhos?”, “a grafia do nome pode ser livremente escolhida pelos
pais?” 1, assim seguem os inúmeros questionamentos que, infelizmente, ainda hoje, são
feitos de forma muito rasa se compararmos à importância do direito tratado.
O art. 55, parágrafo único da Lei 6.015/73, confere ao oficial o poder – na
verdade mais um poder-dever, dada sua função pública – do que somente um poder, de
obstar o registro de prenomes que exponham ao ridículo os seus portadores . Se os pais
não se conformarem com a recusa do oficial, este deverá submeter a questão ao juiz
competente, sem quaisquer custos para a parte.
Não é demasiado enaltecer a proteção dada ao nome pelo Código Civil, art.
17, “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou
representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção
difamatória.” (BRASIL, 2002:01)
Entretanto, a recusa do oficial também encontra limites, sob pena de
suprimir direito dos interessados. Aqui, outro campo ainda nebuloso e carente de
1
Parafraseando os mesmos questionamentos de Marcelo Guimarães Rodrigues (2014)
regulamentação precisa.
O eminente desembargador Marcelo Guimarães Rodrigues, numa doutrina
moderna e adequada aos novos clamores de tais direitos, leciona: “Cabe ao oficial
recusá-los, recomendando-se, não obstante, que, ao fazê-lo, atue o registrador com
moderação, ou seja, apenas se diante de situação induvidosamente aberrante da
normalidade, cabendo-lhe exercer a recusa.” (RODRIGUES, 2014: 67)\
O citado autor exemplificando casos do Direito comparado, de nomes que
foram recusados e nos servem de orientação, a saber: “No que diz respeito aos
prenomes, lei sueca dispõe: Prenomes ofensivos que possam causar desconforto ao seu
titular não devem ser aprovados, ou aqueles que por razoes óbvias não servem como
prenome” 2 (ISRAEL apud RODRIGUES, 2014:78) Ainda, explicitando as informações
fornecidas por David K. Israel, Marcelo Rodrigues prossegue:
Nome rejeitado: Brfxxccxxmnpcccclllmmnprxvclmnckssqlbb111163
(pronuncia-se “Albin”) foi submetido pelo pai de uma criança em
protesto à lei de nomes. Foi rejeitado. [...] Também foram rejeitados
os seguintes nomes: “Metallica”, “Superman”, “Veranda”, “Ikea” e
“Elvis”. [...] No Japão apenas um prenome e um sobrenome são
escolhidos para os bebês, com exceção à família imperial, que
somente pode escolher os prenomes. Excepcionalmente em alguns
casos, mas de forma geral é óbvio quais nomes são prenomes e quais
são sobrenomes, independentemente da ordem que foram dados.
Existem milhares de nomes “Kanji”e “comumente são utilizados
caracteres” para nomear os bebês. Somente os “Kanji” oficiais podem
ser utilizados para nomear os filhos. A proposta é ter certeza de que os
nomes podem ser facilmente lidos e escritos. Os japoneses também
restringem os nomes que podem ser considerados inapropriados.
Nomes rejeitados: “Akuma”, que significa demônio. (ISRAEL apud
RODRIGUES, 2014:78-79)
Considerando alguns ordenamentos da Nova Zelândia, o mesmo autor evidencia:
2
ISRAEL, David K.CNN. 3 July 2010. Disponível em: http://edition.cnn.com/2010/LIVING/ 07/03/
mf.baby.naming.laws/index>.
O Ato de 1995 de Registro de nascimentos, mortes e casamentos na
Nova Zelândia não permite que as pessoas deem nomes “que possam
causar ofensa ao seu titular; ou que seja desarrazoadamente longo; ou
sem uma justificação adequada, que inclui ou faça referência a títulos
oficiais ou cargos”. Os oficiais de registro têm obtido êxito na tarefa
de dissuadir os pais da ideia de conferir nomes embaraçosos aos seus
filhos.Nomes rejeitados: “Satllion”, “Yaah Detroit”, “Fisch and
Chips”(Peixe e Fritas), “Twisty Poi”, Keenan Got Lucy (Keenan
pegou a Lucy), “Sex Fruit”(Fruta do Sexo), “Satan” e “Adolf Hitler”.
(ISRAEL apud RODRIGUES, 2014:78-79)
Na Dinamarca, em sequencia, Marcelo Rodrigues anota:
A Dinamarca possui uma legislação muito rigorosa quanto aos nomes
pessoais, com a finalidade de proteger crianças de nomes estranhos
que satisfaçam as fantasias de seus pais. Para tanto, os pais podem
escolher dentre os 7.000 nomes pré-aprovados para meninos e para
meninas em uma lista. Se a intenção é escolher um nome que não
consta na lista, deverá conseguir uma permissão especial da igreja
local e submetê-lo à apreciação de oficiais do governo. Grafias
criativas de nomes comuns são usualmente rejeitadas. [...] Nomes
rejeitados: “Anus”, “Pluto” e “Monkey” (Macaco) [...] (ISRAEL apud
RODRIGUES, 2014:79)
No Brasil, país de grande extensão territorial e cuja população é imensa, em
quantidade e em mistura de raças, a criatividade de nomes alcança índices astronômicos
e bizarros. E, como não há uma proibição específica de certos grupos de nomes ou de
nomes com significados determinados – e ainda somando-se a esses fatores a autonomia
privada – o único óbice legislativo quanto à escolha do prenome é o art. 55, parágrafo
único, da Lei 6.015/73. Fica, ainda, sujeito ao subjetivismo do registrador, possuidor do
controle de obstar o assento de nomes que exponham ao ridículo seus portadores. Para
exemplificar: se para o registrador o nome “Lúcifer” não for um nome vexatório, ele
fará o registro, mesmo sendo o nome designativo de demônio e, para a grande maioria
das pessoas, ofensivo.
Dessa maneira, nomes vexatórios de toda ordem são registrados no Brasil, e
que, posteriormente, podem ser (e são) objeto de alteração ou mudança via judicial. Os
casos ficam submetidos à análise casuística pelos Tribunais. Por isso, é necessário que
os operadores do Direito, graduandos, juízes, advogados, registradores, promotores de
justiça e todos os profissionais aprofundem investigações sobre o assunto.
Constrangimentos desnecessários serão evitados e o desafogamento de ações judicias de
retificação, alteração e mudança de nomes, com a confecção de um regramento claro,
coerente e garantidor dos direitos fundamentais, a fim de facilitar, nessa toada, a vida
dos cidadãos brasileiros.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2002 Acesso em: 31 de março de 2015.
______. Lei n. 6015/73. Disponível em: www.planalto.gov.br Acesso em: 6 de abril de
2015.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2013.
RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Tratados de registros públicos e direito notarial.
1.ed. São Paulo: Atlas, 2014.