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ISSN 1980-0029 CIÊNCIA e CULTURA Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barrretos Ciência e Cultura Vol.11 n.1 Jan-Jun 2015 Vol. 11 n.1 Jan-Jun 2015 CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 10, nº 1, maio/2014 - ISSN 1980 - 0029 CENTRO UNIVERSITÁRIO DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE BARRETOS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CIÊNCIA E CULTURA Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos Endereço: POSGRAD - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos Av. Prof. Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto 14783-226 – Barretos – SP – Brasil [email protected] http://www.unifeb.edu.br/revista/edicao.php Publicação Semestral / Semi-annual publication Solicita-se permuta / Exchange desired / Si chiede lo cambio / On demande l’échange / Man bittet um Austausch Ciência e Cultura 3 CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 CIÊNCIA E CULTURA CENTRO UNIVERSITÁRIO DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE BARRETOS Reitoria Reitor: Prof. Dr. Reginaldo da Silva Pró-Reitora de Graduação: Profa. Dra. Sissi Kawai Marcos Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa: Profa. Dra. Fernanda Scarmato De Rosa Pró-Reitora de Pós-Extensão e Cultura: Profa. Maria Paula Barcellos de Carvaho Superintendente de Administração e Finanças: Wander Furegatti Ramos Martins Conselho Curador Lucio Antonio Pereira Presidente Carlos Henrique Diniz Buch Camila Rocha Marin Cláudia Cristina Paschoaletti Marina Kitagawa Rafael Luciano de Lucas Vice-Presidente Fauze José Daher João Paulo Penha Vitor Edson Marques Junior Secretário Susimar César Borges Jairo de Souza Machado Letícia Oliveira Catani Ciência e Cultura Editor chefe: Prof. Dr. Matheus Nicolino Peixoto Henares Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos - UNIFEB Comitê Editorial Profa. Dra. Ana Emília Farias Pontes Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos - UNIFEB Prof. Dr. Claudinei da Cruz Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos - UNIFEB Prof. Dr. Romildo Martins Sampaio Universidade Federal do Maranhão - UFMA Prof. Dr. Luiz Fabiano Palaretti Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Câmpus de Jaboticabal PRODUÇÃO EDITORIAL ZEPPELINI P U B L I S H E R S Rua Bela Cintra, 178, Cerqueira César – São Paulo/SP - CEP 01415-000 Zeppelini – Tel: 55 11 2978-6686 – www.zeppelini.com.br Instituto Filantropia – Tel: 55 11 2626-4019 – www.institutofilantropia.org.br CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Editorial1 Transmigração de canino inferior: relato de caso clínico Transmigration lower canine: a clinical case report Monyk dos Santos Braga, Joseane Mary de Queiroz Nascimento, Eric Barbosa de Camargo, José Maurício de Souza Cruz Veloso Filho, Elizangela Partata Zuza, Juliana Rico Pires 3 Isolamento absoluto em dentes com extensa destruição coronária: relato de caso clínico Absolute isolation in teeth with extensive coronal destruction: a case report Mateus Machado Delfino, Rodrigo Antonio Pereira, Maria José Pereira de Almeida, Walter Antonio de Almeida 11 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? Clinical problem of determination of pulp vitality. Which test can be used? Vanessa Carla de Queiroz Neves, Renata Moya Martelli, Elizangela Partata Zuza, Juliana Rico Pires, Benedicto Egbert Corrêa de Toledo 19 Remoção de odontoma composto associado a canino impactado: relato de caso Compound odontoma removal associated with impacted canine: case report Eric Barbosa de Camargo, Monyk dos Santos Braga, José Maurício de Souza Cruz Veloso Filho, Joseane Mary de Queiroz Nascimento, Felipe Leite Coletti, Celso Eduardo Sakakura 35 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração Medication adherence: conceptual definitions, factors involved and measurement methods Wandson Rodrigues Sousa, Clícia Mayara Santana Alves, Maria Helena Seabra Soares de Britto, Sally Cristina Moutinho Monteiro 43 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão Curriculum proposal of São Paulo to discipline of Chemistry: implantation, presentation and discussion Lucas Fernandes Domingues, Terezinha Maia Martincowski 55 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? Urban floods: obstacles to implementation of effective drainage systems, impotence or unconcern? Thiago Rodrigo de Oliveira Alves, Paulo Roberto Moreira Monteiro 69 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica Population density and application times of the glyphosate in transgenic soybean Rogério Farinelli, Gabriel Meneguello, Rafael Tadeu Alves Mancini 83 Ciência e Cultura v CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Editorial Esta edição da Ciência e Cultura, revista multidisciplinar do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB), contém dez artigos que contemplam estudos na área da Ciências da Saúde (Odontologia e Farmácia), Ciências Agrárias, Educação e Engenharias. Os seis artigos publicados na Área de Odontologia abordaram assuntos relacionados a remoção de odontomas, uso de testes para a avaliação da sensibilidade e vitalidade pulpar, uso de cimentos para reparação da dentina, isolamentos de dentes afetados por extensa destruição coronária e transmigração de canino inferior. Um artigo abordou a relação existente entre doença periodontal e cardiovascular em paciente com Diabetes mellitus. O artigo da Ciências Farmacêuticas expôs os desafios da saúde pública relacionados à baixa adesão aos medicamentos. Na Ciências Agrárias, um estudo foi realizado com o objetivo de avaliar o desempenho agronômico da cultura da soja transgênica em combinação com diferentes densidades populacionais e épocas de aplicação de herbicida. A surpresa (positiva!) desta edição da Revista Ciência e Cultura fica por conta dos artigos publicados na Área da Educação e Engenharias. Na Educação, um trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a proposta curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de Química (2008). Os autores abordaram amplamente o tema e concluíram que o Estado possui uma postura avaliadora, pois espera maior preparo dos docentes, enquanto a maioria dos docentes justificam o despreparo por ausência de subsídios. As inundações urbanas (Engenharias) foram abordadas de forma indagativa por autores que questionam se elas estão relacionadas aos obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, à debilidade ou devido ao desinteresse. Nesse breve relato dos artigos publicados é possível observar a diversidade de temas abordados pelos autores. Dessa forma, os artigos publicados nesta edição representam ferramentas importantes na divulgação das grandes áreas do conhecimento científico, o que reforça o escopo multidisciplinar da Revista. Enfim, agradeço os pesquisadores que contribuíram com esta edição, especialmente aos autores e revisores dos manuscritos. Aproveito para convidá-lo a leitura do vol. 11, n. 1 do ano de 2015 da Revista Ciência e Cultura. Matheus Nicolino Peixoto Henares Editor-Chefe Ciência e Cultura 1 CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Transmigração de canino inferior: relato de caso clínico Transmigration lower canine: a clinical case report Monyk dos Santos Braga1, Joseane Mary de Queiroz Nascimento1, Eric Barbosa de Camargo1,2, José Maurício de Souza Cruz Veloso Filho1,2, Elizangela Partata Zuza1, Juliana Rico Pires1 Curso de Mestrado em Ciências Odontológicas, Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. 2 Faculdade de Odontologia, Instituto Amazônia de Ensino Superior (IAES) – Manaus (AM), Brasil. 1 Resumo Introdução: A impactação de caninos inferiores é frequentemente observada na prática clínica odontológica, porém quando esses dentes atravessam a linha mediana para o lado oposto do hemiarco mandibular denomina-se transmigração. Assim, diversos tipos de tratamentos são propostos com o objetivo de promover uma harmonia estética e funcional por meio do reposicionamento do dente comprometido. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi apresentar um caso clínico com diagnóstico e tratamento de transmigração de canino inferior impactado na região de sínfise mandibular. Material e método: Paciente de 15 anos de idade, gênero feminino, melanoderma, natural de Manaus, Amazonas, apresentou canino inferior esquerdo (dente 33) localizado horizontalmente na região mentual. Embora a paciente estivesse em idade óssea aceitável para o tracionamento ortodôntico, optou-se pela exodontia em razão de o dente apresentar angulação desfavorável e estar em estágio de formação radicular completo. Resultado: O procedimento cirúrgico ocorreu tecnicamente de forma adequada. No pós-operatório não houve relato de dor nem alterações de sensibilidade nervosa, e a paciente apresentou mínimo edema. Após 60 dias, a paciente apresentou completa cicatrização tecidual, ausência de inflamação ou sintomatologia. Conclusão: É de fundamental importância a abordagem multidisciplinar, envolvendo o planejamento ortodôntico e/ou cirúrgico, para a escolha mais adequada do tratamento de casos de transmigração. Dessa forma, a remoção cirúrgica de canino impactado transmigrado e o acompanhamento longitudinal são essenciais para o sucesso do caso clínico. Palavras-chave: dente impactado; dente canino; cirurgia bucal. Abstract Introduction: The lower canines impaction is often seen in the dental practice, but when these teeth cross the midline to the opposite side of the mandibular hemi-arch it is called transmigration. Thus, various kinds of treatments are proposed, which aims to promote an aesthetic and functional harmony by repositioning the affected tooth. Objective: The objective of this paper was to present a clinical case with diagnosis and treatment of impacted mandibular canine transmigration in the mandibular symphysis region. Material and method: A15-years-old patient, female, melanoderm, from Manaus, Amazonas, presented lower left canine (tooth 33) located horizontally in symphysis chin. Although this patient was acceptable in bone age for orthodontic traction, it was decided for the tooth extraction due to unfavorable angle and complete stage of Autor para correspondência: Monyk dos Santos Braga – Rua Prof. Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto – CEP: 14783-226 – Barretos (SP), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 10/04/2015 Aceito para publicação em: 16/09/2015 Ciência e Cultura 3 Transmigração de canino inferior: relato de caso clínico BRAGA et al. root formation. Result: The surgical procedure was properly technically performed. In the postoperative, there was no report of pain, nor nerve sensitivity or changes, and the patient presented minimal swelling. After 60 days, the patient experienced complete wound healing and presented absence of inflammation or of symptoms. Conclusion: It is vital a multidisciplinary approach, involving orthodontic planning and/or surgical, for the most appropriate choice of treatment of cases of transmigration. Thus, the surgical removal of impacted canine transmigrated and the longitudinal follow-up are essential to the success of the case. Keywords: impacted tooth; canine tooth; oral surgery. Introdução Um dos grandes desafios enfrentados pela Odontologia é o tratamento de caninos impactados por serem de grande relevância na estética e na função. Nos casos em que o canino impactado atravessa a linha média, trata-se de uma transmigração (ARAS et al., 2008). O canino permanente inferior é o único dente da arcada relatado como sendo capaz de cruzar a linha média (BATRA, 2003; CAMILLERI e SCERRI, 2003). Autores consideraram que a ocorrência de transmigração em caninos superiores é rara por causa da barreira que a sutura palatina mediana oferece (BATRA e LEYLAND, 2005). A incidência de impactação de caninos superiores varia de 0,92 a 2,2%, sendo a ocorrência de caninos impactados na maxila 20 vezes mais comum que na mandíbula (BATRA e LEYLAND, 2005; TUESTA et al., 2003), o que demonstra que a falha do irrompimento de canino inferior é pouco comum. A prevalência de caninos inferiores transmigrados foi de 0,33% na população previamente pesquisada, sendo mais comum nas mulheres do que nos homens (TUESTA et al., 2003; AULUCK et al., 2006). As etiologias da falha do irrompimento de dentes permanentes podem ser primárias e secundárias. Dentre as etiologias primárias, destacam-se: reabsorção radicular do dente decíduo, trauma dos germes dos dentes decíduos, falta de 4 disponibilidade de espaço no arco, rotação dos germes dos dentes permanentes, fechamento prematuro dos ápices radiculares e irrupção de caninos em área de fissuras palatinas. As etiologias secundárias incluem pressão muscular anormal, doenças febris, distúrbios endócrinos e deficiência de vitamina D (ALMEIDA et al., 2001; MOYERS, 1963) As causas mais comuns da impactação são geralmente localizadas e resultam da combinação de um ou mais fatores, dentre eles discrepância do comprimento do arco, retenção prolongada de dentes decíduos, posição anormal do germe dentário, presença de fissura alveolar, anquilose, cisto ou formação neoplásica, dilaceração radicular, origem iatrogênica e condição idiopática (BISHARA, 1992; MAAHS e BERTHOLD, 2004; LEWIS et al., 2005). Outro fator etiológico relacionado à impactação que também tem sido mencionado na literatura refere-se à trauma na região anterior dos maxilares (ALMEIDA et al., 2001; MAAHS e BERTHOLD, 2004). A escolha do tipo de tratamento depende de alguns fatores, como a idade do paciente, estágio de desenvolvimento da dentição, posição do canino não erupcionado, evidência de reabsorção dos incisivos permanentes, percepção do problema pelo próprio paciente e predisposição e prognóstico do paciente ao tratamento (TITO et al., 2008). Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB O cirurgião-dentista dispõe de várias possibilidades de tratamento, como acompanhamento clínico nos casos em não será realizado nenhum tipo de tratamento, apenas a proservação para verificação de possível alteração patológica; autotransplantação do canino; extração do canino impactado associado à movimentação do pré-molar para a região do canino; extração do canino e posterior osteotomia para movimentar o seguimento posterior e fechar o espaço residual; exposição cirúrgica do canino e posterior tracionamento ortodôntico; e a prótese para substituição (ALMEIDA et al., 2001). A avaliação da posição e angulação do canino, bem como a relação com os dentes vizinhos, observando a presença de espaço suficiente na arcada e a ausência de obstrução no trajeto em que se pretende movimentar o canino, são fatores que devem ser analisados para obtenção de um tratamento favorável (WILLIANS et al., 1997; BECKER, 2004). Diante dessas considerações, o objetivo deste trabalho foi apresentar um caso clínico de transmigração de canino inferior impactado na região de sínfise mandibular, com enfoque no planejamento ortodôntico e/ou cirúrgico. Relato de caso Paciente de 15 anos de idade, gênero feminino, melanoderma, natural de Manaus, Amazonas, procurou tratamento por motivo ortodôntico no curso de Odontologia na Faculdade do Amazonas. Durante o exame clínico, foi observada a presença de canino decíduo inferior do lado esquerdo (dente 73) não esfoliado. O exame radiográfico confirmou a presença do canino permanente (dente 33) incluso do lado esquerdo da mandíbula em posição horizontal (transmigração) e com toda a sua coroa voltada para o Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 quarto quadrante, cruzando a linha média mandibular (Figura 1A). Em razão da angulação e do estágio de formação do dente, foi proposta, como tratamento, a remoção cirúrgica do dente transmigrado, com utilização de instrumental e materiais adequados. A paciente apresentava boas condições de saúde bucal, com baixo índice de placa visível (IPV=15%) e de sangramento gengival (ISG=7%). No pré-operatório, foi prescrito protocolo medicamentoso com 1 g de Amoxicilina e 4 mg de Dexametazona uma hora antes do procedimento cirúrgico. A paciente foi submetida à anestesia local, através do bloqueio bilateral dos nervos alveolares inferiores e anestesia bilateral dos nervos mentuais e incisivos. Inicialmente, foi realizada uma incisão linear em fundo de sulco vestibular à 5 mm de distância da linha mucogengival, com extensão de canino esquerdo decíduo (dente 73) a canino direito permanente (dente 43). Um retalho mucoperiosteal parcial foi obtido e o osso da região anterior da mandíbula foi acessado (Figura 1B). Foi realizada osteotomia no osso da mandíbula na região da coroa do dente transmigrado, por meio de utilização de broca esférica multilaminada (carbide nº 6) para ter acesso ao dente, sob irrigação abundante em solução de cloreto de sódio 0,9% estéril (Figura 1C). Para remoção do dente, foi realizada odontossecção no nível da junção amelocementária com utilização de uma broca cirúrgica multilaminada (zecrya) em alta rotação, também em abundante irrigação. A coroa foi removida com alavanca seldin reta 2, sendo em seguida a raiz odontosseccionada em duas partes para preservação do osso cortical, de maneira que o elemento transmigrado 5 Transmigração de canino inferior: relato de caso clínico foi removido com sucesso (Figura 1D), procedendo-se então à curetagem com remoção do capuz pericoronário, sob irrigação abundante com solução de cloreto de sódio 0,9% estéril. BRAGA et al. A sutura da ferida cirúrgica foi feita em planos. O plano muscular foi suturado com fio absorvível do tipo Poliglactina 910 (Vicryl 5.0). Em seguida, a mucosa foi suturada com fio de nylon A B C D E F G H Figura 1. (A) Radiografia panorâmica. (B) Incisão linear e sindesmotomia de tecido para acesso ao osso da região mentoniana. (C) Osteotomia para remoção de canino impactado. (D) Dente removido. (E) Sutura festonada. (F) Pós-operatório com 10 dias. (G) Pós-operatório com 60 dias. (H) Radiografia panorâmica, após 60 dias. 6 Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB 4.0 (Figura 1E). A paciente foi orientada no pós-operatório quanto à utilização de compressa de gelo na parte externa da face, a cada 15 minutos, durante a primeira hora após a cirurgia; quanto à alimentação de consistência pastosa e/ ou amolecida, com temperatura de fria a gelada; e quanto aos cuidados durante a higienização. A prescrição medicamentosa envolveu antibiótico (Amoxicilina 500 mg 8/8 horas por 5 dias), anti-inflamatório (Nimesulida 100 mg de 12/12 horas por 3 dias) e analgésico (Dipirona Sódica 500 mg de 6/6 horas nas primeiras 24 horas, em caso de dor). No pós-operatório de 10 dias (Figura 1F), a paciente compareceu à clínica sem queixas e sem alterações de sensibilidade nervosa. O edema era mínimo, a sutura encontrava-se em posição, não havia sinais de infecção, e o tecido apresentava-se com boa condição de reparo tecidual. Após 60 dias, clinicamente, a paciente apresentou completa cicatrização tecidual, ausência de inflamação ou sintomatologia (Figura 1G). No exame radiográfico, foi possível observar início do processo de reparo ósseo na região onde se encontrava a raiz dentária, mostrando ainda rarefação óssea entre os elementos 42 e 43, com menor extensão da loja cirúrgica (Figura 1H). Discussão A transmigração de dentes é uma anomalia rara de ser encontrada (0,33%), ocorrendo apenas na dentição permanente, sendo mais comum em caninos inferiores (AYDIN e YILMAZ, 2003). A literatura tem demonstrado que a incidência de caninos transmigrados é maior nas mulheres (TANAKA et al., 2000; ALMEIDA et al., 2001; BATRA, 2003; CAMILLERI e SCERRI, 2003; MUPPARAPU, 2002), Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 em concordância com o presente caso. Da mesma forma, tem-se observado que o lado esquerdo é mais comumente acometido que o direito (DHOORIA et al., 1986), fato também verificado neste relato. Não existe consenso entre os autores em relação à etiologia da transmigração. Como normalmente os pacientes não relatam sintomas, os dentes impactados são descobertos por meio dos exames radiográficos, sendo um dos motivos da procura ao cirurgião-dentista a demora da esfoliação do canino decíduo (HYPPOLITO et al., 2011). Porém, alguns autores especulam quanto às causas e origens da impactação e da transmigração dos caninos inferiores, entre as quais citam: impactação vestibular, geralmente impactados verticalmente; impactação lingual, geralmente impactados horizontalmente; reabsorção radicular de dentes adjacentes; infecção das impactações parciais, resultando em dor e trismo; cisto dentígero que pode tornar-se um ameloblastoma; e reabsorção do próprio dente (ALMEIDA et al., 2001). A terapêutica proposta foi a remoção cirúrgica do elemento transmigrado, sendo esta a conduta mais comumente indicada quando não há possibilidade do tratamento conservador, porém existem outras opções de tratamento, como tracionamento ortodôntico e transplante, que não se aplicaram ao presente caso. Alguns autores consideraram a remoção cirúrgica o melhor tratamento para a transmigração do canino em relação ao tracionamento ortodôntico (CAMILLERI e SCERRI, 2003). No caso clínico apresentado, embora a paciente estivesse em idade óssea aceitável para o tracionamento ortodôntico, essa opção foi descartada durante o planejamento, optando-se pela exodontia, 7 Transmigração de canino inferior: relato de caso clínico em razão de alguns fatores como a angulação desfavorável (90° com o plano sagital), o estágio de formação radicular completo e a localização do dente, uma vez que a densidade óssea na região mentual dificultaria uma possível movimentação. Esse tratamento está de acordo com relatos anteriores dos autores Joshi (2001), Camilleri e Scerri (2003). Conclusão O diagnóstico clínico e radiográfico são imprescindíveis para um prognóstico favorável e seleção de tratamento adequado de transmigração de caninos inferiores. Dessa forma, a remoção cirúrgica de canino incluso transmigrado e o acompanhamento longitudinal são essenciais para o sucesso do caso clínico. 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Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB JOSHI, M.R. Transmigrant mandibular canines: a record of 28 cases and retrospective review of the literature. The Angle Orthodontist, v. 71, n. 1, 2001, p. 12-22. LEWIS, B.; DURNING, P.; MCLAUGHLIN, W.; NICHOLSON, P.T. Canine transposition following trauma and loss of a central incisor: treatment options. Journal of Orthodontics, v. 32, 2005, p.11-19. MAAHS, M.; BERTHOLD, T. Etiologia, diagnóstico e tratamento de caninos superiores permanentes impactados. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, v. 3, n. 1, 2004, p.130-138. v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 cases. Dentomaxillofacial Radiology, v. 31, n. 6, 2002, p. 355-360. TANAKA, O.; DANIEL, R.F.; VIEIRA, S.W. O dilema dos caninos superiores impactados. Ortodontia Gaúcha, v. 4, n. 2, 2000, p. 121-128. TITO, M.A.; RODRIGUES, R.M.P.; GUIMARÃES, J.P.; GUIMARÃES, K.A.G. Caninos superiores impactados bilateralmente. 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Ciência e Cultura 9 CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Isolamento absoluto em dentes com extensa destruição coronária: relato de caso clínico Absolute isolation in teeth with extensive coronal destruction: a case report Mateus Machado Delfino1, Rodrigo Antonio Pereira1, Maria José Pereira de Almeida2, Walter Antonio de Almeida2 Curso de Odontologia, Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. Disciplina de Endodontia, Curso de Odontologia, UNIFEB – Barretos (SP), Brasil. 1 2 Resumo O isolamento absoluto constitui manobra auxiliar indispensável à correta execução da terapia endodôntica. Embora alguns profissionais contestem sua utilização, alegando o custo e o tempo despendidos, as vantagens decorrentes de sua aplicação justificam plenamente seu uso – colabora na assepsia, impede a ingestão ou aspiração de instrumentos endodônticos, melhora a visualização do campo operatório e elimina a interferência de tecidos moles, permitindo a intervenção endodôntica com segurança. Quando a perda estrutural coronária é de grande monta, torna-se um fator limitante para o uso do isolamento absoluto, levando profissionais a realizarem a endodontia sem ele. Os procedimentos mais utilizados para casos em que haja falta de estrutura dental remanescente ainda são as cirurgias periodontais, porém existem outras técnicas que possibilitam o isolamento absoluto. O objetivo deste caso foi realizar o tratamento endodôntico em dente com grande destruição coronária sob o isolamento absoluto, além de restabelecer sua estética e função. Uma coroa total provisória foi confeccionada em resina Duralay, com uma cânula, e sua ponta aflorando para face palatina, por onde se realizou o preparo biomecânico. Na boca foi realizado o preparo do dente, no seu terço cervical com brocas de Largo, adaptando-se a cânula e a coroa, testando-se a oclusão, e posterior cimentação utilizando cimento fosfato de zinco. Em seguida, efetuou-se isolamento absoluto, assepsia e antissepsia do campo operatório, odontometria, pulpectomia, preparo biomecânico e obturação do canal radicular, por se tratar de uma biopulpectomia. A confecção do dispositivo provisório foi de fundamental importância para a realização do isolamento absoluto e restabelecimento da estética do paciente e função do dente. Palavras-chave: isolamento absoluto; terapia endodôntica; destruição coronária. Abstract The rubber dam is an essential maneuvering auxiliary to the correct execution of endodontic therapy. Although some professionals to challenge their use, claiming the time and money spent, the benefits of its application justifies it – it prevents the ingestion or aspiration of endodontic instruments, improves visualization of the operative field, and eliminates interference from soft tissues, allowing endodontic therapy Autor para correspondência: Walter Antonio de Almeida – Avenida Professor Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto – CEP: 14780-000 – Barretos (SP), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 23/06/2015 Aceito para publicação em: 15/10/2015 Ciência e Cultura 11 Isolamento absoluto em dentes com extensa destruição coronária: relato de caso clínico DELFINO et al. safely. When the coronary structural loss is of major consequence, it becomes a limiting factor for the use of the rubber dam, leading professionals to perform endodontics without it. Procedures most commonly used for cases in which there is lack of remaining tooth structure are still periodontal surgery, but there are other techniques that enable the total isolation. The aim of this case was to carry out endodontic treatment in tooth with great coronary destruction under the absolute isolation, and restore its aesthetics and function. A provisional overall crown was made of Duralay resin, with a needle large caliber adapted, and its tip surfacing for cleft face, where there was the biomechanical preparation. In the mouth was carried out the preparation of the tooth in its cervical third with Largo drills, adapting the needle large caliber adapted and crown, tested to occlusion and subsequent cementation using zinc phosphate cement. Then, it was made absolute isolation and antisepsis of the operative field, biomechanical preparation and root canal filling, because it is a treatment of tooth root canal with pulp vitality. The making of the provisional device was of great importance for the realization of absolute isolation and reestablishment of the patient’s tooth aesthetics and function. Keywords: isolation absolute; endodontic therapy; coronary destruction. Introdução O isolamento absoluto adequado do campo operatório é um requisito indispensável e diretamente ligado ao sucesso do tratamento endodôntico (LEONARDO e LEONARDO, 2012). Seu uso durante o tratamento do canal radicular proporciona um controle maior da cadeia de infecção, proteção ao paciente, segurança ao cirurgião-dentista e uma intervenção eficaz, tornando o procedimento final excelente e de grande longevidade (SILVA et al., 2011). Na literatura há relatos de casos de deglutição ou aspiração de instrumentos endodônticos que se deslocam para o trato pulmonar ou gastrointestinal durante a terapia endodôntica; esses tipos de acidentes podem ser impedidos pelo isolamento absoluto do dente. Muito embora seja uma manobra auxiliar indispensável, alguns profissionais contestam sua utilização, alegando principalmente preocupações com a aceitação do paciente, o custo e o tempo despendidos (AHMAD, 2009). Existem casos em que o método convencional de isolamento absoluto é dificultado pelas condições anatômicas naturais do dente, perda parcial ou total da coroa, presença de próteses fixas e dentes parcialmente irrompidos, o que torna o isolamento absoluto bastante tra- 12 balhoso, exigindo do profissional a busca de recursos especiais ou adaptações nas técnicas convencionais para promover o isolamento absoluto adequado (ENDO et al., 2007). Sem dúvida, os procedimentos mais utilizados para casos em que haja falta de estrutura dental remanescente ainda são as cirurgias periodontais, porém existem várias outras técnicas menos invasivas, como cimentação de banda, confecção de coroa com pino vazado, grampos retentivos e extrusão ortodôntica, que possibilitam o isolamento absoluto, como relatado por Ishikiriama et al. (2003) e Silva et al. (2011). Algumas dessas técnicas podem ser usadas em casos nos quais não seria possível a realização de cirurgias em razão de condições locais ou sistêmicas desfavoráveis (SILVA et al., 2011). De acordo com Lindhe et al. (2011), a principal contraindicação do aumento de coroa clínica é a necessidade de sua realização em um único dente anterior, o que comprometeria a estética. Enfatizando as vantagens do uso do isolamento absoluto durante os procedimentos da terapia endodôntica, reforça-se: facilidade quanto à realização do tratamento pelo profissional; manutenção da cadeia antisséptica do canal e do campo Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 operatório; promoção da biossegurança; afastamento de estruturas anatômicas próximas ao dente a ser tratado; melhor visualização do campo operatório; não ingestão de produtos químicos empregados durante o tratamento endodôntico; e prevenção contra acidentes indesejáveis, como aspiração ou deglutição de corpos estranhos. Sendo um procedimento imprescindível na Odontologia, não faz parte apenas do tratamento mas também promove a biossegurança tanto para os pacientes quanto para os profissionais da área odontológica (MACHADO, 2009). Portanto, o objetivo do presente trabalho foi realizar o tratamento endodôntico em um dente com grande destruição coronária sob o isolamento absoluto, utilizando-se de técnica não invasiva por meio da confecção de um dispositivo provisório, que, além de promover o isolamento absoluto, restabelece a estética e a função do dente. colocação de grampo, lençol de borracha e arco, sem sucesso, optou-se por não realizar cirurgias periodontais, e sim utilizar técnicas menos invasivas, confeccionando-se um dispositivo a fim de atender às necessidades para o caso em questão. Preparou-se uma cânula com aproximadamente 15 mm de comprimento e de gauge correspondente a uma lima tipo Kerr no 100, obtida de uma agulha hipodérmica, cortada e alisada as rebarbas com disco de carborundum. Relato do caso Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, sob o no: CAAE 42227814.1.0000.5433. Paciente C.V.I.P, 45 anos, sexo feminino, melanoderma, compareceu à clínica de Endodontia do curso de Odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB), com queixa de fratura coronária no elemento 11 e dor em razão da exposição dentinária. Constatou-se uma destruição coronária de grande monta (Figura 1), e foi realizado exame clínico, radiográfico e teste de vitalidade pulpar, por meio dos quais se verificou a necessidade de tratamento endodôntico (Figura 2). Após inúmeras tentativas de realizar o isolamento absoluto por meio da Figura 1. Exame clínico mostrando o elemento 11 com grande destruição coronária. Ciência e Cultura Figura 2. Radiografia periapical do elemento 11. 13 Isolamento absoluto em dentes com extensa destruição coronária: relato de caso clínico DELFINO et al. Sob anestesia, promoveu-se a remoção do tecido cariado, o preparo cervical para receber uma coroa provisória, e, em seguida, foi realizada abertura coronária, pulpotomia alta e preparo do terço cervical do canal com brocas de Largo, e a adaptação da cânula metálica (Figura 3). Após a adaptação da cânula de metal, aproximadamente 2/3 (10 mm) dela permaneceu no interior do canal radicular, abaixo da crista óssea, evitando assim uma possível fratura do terço cervical da raiz. Preparou-se resina Duralay, cor 69, e na forma de um bloco foi levada ao dente, onde 1/3 do pino ficou inserido no bloco de resina com uma de suas extremidades aflorando na face palatina, e vedada com cera rosa no 7, evitando sua obliteração. Em seguida à presa da resina, foi realizada a escultura, dando-se as características anatômicas do dente em questão e polimento. Depois de verificada a oclusão (Figura 4), removeu-se a cera das extremidades, realizou-se desinfecção da cânula e provisório, e o dispositivo foi cimentado com cimento de fosfato de zinco, tomando-se cuidado para que não penetrasse cimento no interior da cânula. Após a cimentação do dispositivo, foi feita a remoção dos excessos de cimento, procedeu-se ao isolamento ab- soluto com grampo no 211 (Figura 5), assepsia e antissepsia do campo operatório, com álcool 70%, combate da infecção superficial da abertura coronária e cânula com soda clorada 4 a 6%, radiografia para odontometria, determinando o comprimento de trabalho (CT), tendo a incisal como referência. Realizou-se a pulpectomia do remanescente pulpar, selecionando-se Instrumento Apical Inicial (IAI), lima tipo Kerr 35; o preparo biomecânico do canal radicular, realizado por meio da Técnica do Recuo Progressivo Programado; e determinou-se o instrumento memória (IM), lima tipo Kerr 50, e o escalonamento com o Instrumento Final (IF), lima tipo Figura 3. Preparo do remanescente coronário e adaptação da cânula metálica. Figura 5. Vista palatina do dispositivo cimentado e com isolamento absoluto. 14 Figura 4. Dispositivo para o isolamento absoluto (cânula e coroa), visão palatina. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Kerr 80. Solução irrigadora: Líquido de Dakin (a cada troca de lima, o canal radicular foi irrigado com 4 mL da solução). Fez-se uma tomada radiográfica para prova do cone principal e, em seguida, o toalete final com tergentol e EDTA. A obturação do canal radicular foi realizada pela técnica clássica com cimento Sealapex e iodofórmio em proporções iguais, corte dos excessos de guta-percha inclusive no interior da cânula, condensação vertical, selamento provisório com bolinha de algodão e cotosol. Procedeu-se à radiografia final (Figura 6) e ao encaminhamento da paciente às demais clínicas do UNIFEB para a continuidade do tratamento pertinente ao caso. Resultados O dispositivo confeccionado e acima descrito atendeu às finalidades e aos objetivos para o qual foi realizado, permitindo a realização do tratamento endodôntico do caso sobre o isolamento absoluto. Figura 6. Radiografia periapical final do tratamento endodôntico do elemento 11. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Discussão No presente trabalho, foi desenvolvida uma coroa provisória com cânula de metal vazado, a qual foi utilizada como um pino retentor intrarradicular, atendendo aos objetivos propostos, que foram promover o isolamento absoluto do campo operatório em um dente com grande destruição coronária e restabelecer a estética e a função do dente. O isolamento absoluto tem uma importância muito grande quando utilizado na terapia endodôntica, de acordo com Leonardo e Leonardo (2012) e Anabtawi et al. (2013), porque ele permite que se tenha proteção do paciente e do profissional (KUO e CHEN, 2008). O isolamento absoluto mantém seco o ambiente de trabalho, a assepsia e a limpeza, protege os tecidos moles, melhora a visibilidade do campo de trabalho, impede a caída de soluções irrigadoras, limas, cones e outros na cavidade bucal do paciente, além de apresentar como principais vantagens a biossegurança, a praticidade e melhor qualidade dos procedimentos executados (MACHADO, 2009; PEDROSA et al., 2011). Apesar da boa aceitação por parte do paciente quanto ao uso do isolamento absoluto, existe um número relativamente baixo de profissionais que não realizam esta técnica (HILL e BARRY, 2008; AHMAD, 2009; SHASHIREKHA et al., 2014). Ao mesmo tempo, há dentes que não favorecem a realização do procedimento, por exemplo, coroas com grandes destruições coronárias (ENDO et al., 2007). Alguns procedimentos são utilizados nos casos em que haja falta de estrutura dental remanescente, como as cirurgias periodontais, gengivectomia, gengivoplastia, aumento de coroa clíni- 15 Isolamento absoluto em dentes com extensa destruição coronária: relato de caso clínico ca, deslocamento apical do retalho com osteotomia, que nem sempre são utilizadas em razão das condições locais ou sistêmicas desfavoráveis do paciente (ISHIKIRIAMA et al., 2003; SILVA et al., 2011). As desvantagens dos procedimentos periodontais cirúrgicos geralmente são: recessão gengival, comprometimento estético, risco de cárie radicular e perda óssea (LINDHE et al., 2011). Várias outras técnicas menos invasivas possibilitam o isolamento absoluto, como utilização de grampos especiais, bandas ortodônticas, tracionamento dental e confecção de coroas provisórias dos mais variados materiais (VICENTE NETO et al., 2006; RODRIGUES et al., 2009; SILVA et al., 2011). Em dentes com grande destruição coronária ou com estrutura mínima de coroa (SILVA et al., 2011), o isolamento absoluto do campo operatório torna-se inviável pelas técnicas convencionais. Procurando solucionar esses problemas, Berger (1985) incorporou uma técnica para a realização do isolamento absoluto, nesses casos, confeccionou uma coroa com pino de ponta de caneta esferográfica vazado. Conclusão De acordo com o caso clínico desenvolvido, pode-se concluir que: • a extensa destruição coronária não foi um fator limitante para o uso do isolamento absoluto do campo operatório; • a confecção do dispositivo provisório foi de fundamental importância para a realização do isolamento absoluto e o restabelecimento da estética da paciente e a função do dente; 16 • DELFINO et al. o uso de técnicas menos invasivas é um fator positivo para realizar um tratamento mais rápido no qual as condições sistêmicas e bucais possam ser limitantes. Referências AHMAD, A. 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Vanessa Carla de Queiroz Neves1, Renata Moya Martelli1, Elizangela Partata Zuza2, Juliana Rico Pires2, Benedicto Egbert Corrêa de Toledo2 Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. 2 Professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, UNIFEB – Barretos (SP), Brasil. 1 Resumo A maior e essencial parte do processo de diagnóstico das doenças pulpares é o uso de testes para a avaliação da sensibilidade e vitalidade da polpa, a fim de se obter uma informação adicional para o diagnóstico clínico. Diferentes testes foram desenvolvidos ao longo do tempo, como os testes térmicos a frio ou calor e os elétricos. Esses testes continuam sendo utilizados até hoje, entretanto apresentam limitações e falhas. Os testes Laser Doppler Flowmetry e oxímetro de pulso foram desenvolvidos para obter maior acurácia no diagnóstico do estado pulpar. O objetivo do presente estudo foi analisar o uso clínico desses testes por meio de consulta da literatura científica disponível dos últimos anos, com a finalidade de propiciar aos clínicos uma orientação sobre suas características e indicação dos testes. Foi observado que nenhum teste mostrou superioridade aos outros, indicando que os resultados devem ser cuidadosamente analisados. Por razões práticas, foi concluído que os testes térmicos a frio, como o spray de substância refrigerante, foram os testes de escolha em razão de sua alta sensibilidade e reprodutibilidade. Palavras-chave: diagnóstico pulpar; testes de sensibilidade; vitalidade pulpar. Abstract The major and essential part of the diagnosis process of the pulp conditions is to use tests for pulp sensitivity and vitality evaluation in order to obtain additional information for clinical diagnosis. Different tests have been developed over time, such as the heat or cold thermal tests and the electrical one. These pulp tests are still be used nowadays, therefore they have been showed limitations and failures. Laser Doppler Flowmetry and pulse oximeters were developed to get a more accuracy on the diagnosis of the pulp status. The proposal of the present study was to analyze the clinical use of these tests by consulting the available scientific literature in recent years, with the aim of providing guidance on the clinical characteristics and test indication. It was observed that there was no superiority among tests, indicating that results should be carefully analyzed. For practical reasons, it was concluded that the cold thermal tests, such as cooling substance spray, was the test of choice due its high sensitivity and reproducibility. Keywords: pulp diagnosis; sensitivity pulp test; pulp vitality tests. Autor para correspondência: Vanessa Carla de Queiroz Neves – Avenida Professor Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto – CEP 14783-226 – Barretos (SP), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 12/09/2014 Aceito para publicação em: 17/07/2015 Ciência e Cultura 19 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? Introdução Ao longo da vida do dente, a polpa apresenta inúmeras alterações fisiológicas ou reparativas que resultam em redução progressiva no tamanho da cavidade pulpar. Diferentes autores, estudando a histologia pulpar, têm descrito sinais que caracterizam um envelhecimento do tecido (BADILLO e BROUILLET, 1991; TEN CATE, 1994). Ingle e Bakland (1994) afirmam que nossos dentes envelhecem não somente com o passar do tempo mas também sob a ação de estímulos da função e de irritantes. Dessa forma, embora ocorra influência do avanço cronológico, algumas alterações da polpa, pelo seu íntimo contato com a dentina, podem representar uma resposta prematura a agressões como a cárie, restaurações extensas, trauma ou doença periodontal. Assim, como muito bem salienta Aguiar (1999), “parece difícil, frente à análise dos estudos disponíveis, observar uma imagem de polpa isenta de agressões”. Isso ocorre porque, desde que o dente surge na arcada, uma série de irritações passam a influenciar, em maior ou menor grau, as suas estruturas. Inicialmente, são as agressões fisiológicas ligadas à função e, ao longo do tempo, a essas se somam problemas patológicos ligados à cárie e agressões das intervenções clínicas como os procedimentos operatórios restaurativos, traumas ou tratamento periodontal. As alterações na fisiologia pulpar, provocadas por estímulos contínuos e duradouros, resultarão em dor como resposta, podendo a intensidade variar de suave a moderada ou severa, conotando com o comprometimento pulpar. Essas alterações poderão ser resultantes de injúrias aos tecidos pulpares por substâncias químicas atuando diretamente 20 NEVES et al. sobre a dentina ou por estímulos irritantes. Na fase inflamatória reversível, uma vez removido o estímulo ou devidamente tratado, a normalidade do tecido pulpar pode ser restabelecida. Porém, na fase degenerativa é improvável que o estado pulpar melhore, sinalizando uma anormalidade irreversível, na qual os sintomas tendem a mudar o tempo todo. Segundo Gopikrishna et al. (2009), um dos grandes desafios na prática clínica odontológica é a avaliação acurada do estado pulpar. Embora a questão da vitalidade da polpa tenha interessado especialmente os profissionais ligados à prática endodôntica, nos mais diferentes ramos da Odontologia, a determinação da resposta pulpar, como um indicativo da sua saúde, morbidade ou mortalidade, é uma questão fundamental no planejamento dos tratamentos clínicos. De acordo com Chen e Abbott (2009), a forma mais exata de avaliação do estado pulpar é pelo exame de secções histológicas de amostras teciduais envolvidas para avaliar a extensão da inflamação ou a presença de necrose como meio de aferir a saúde pulpar. Infelizmente, no cenário clínico isso não é possível nem prático, e, assim, indica-se a utilização de testes pulpares para a avaliação da vitalidade da polpa, a fim de se obter uma informação adicional para o diagnóstico clínico. A maior e essencial parte do processo de diagnóstico das doenças pulpares é o uso de testes de sensibilidade pulpar. Diagnosticando a origem da dor pulpar, ou seja, o dente causador da sintomatologia, esses mesmos testes podem ser usados na reprodução dos sintomas relatados pelo paciente, no diagnóstico do dente doente, bem como no estado da doença pulpar (JAFARZADEH e ABBOTT, 2010a). Entretanto, esses autores chamam a atenCiência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB ção para a maior limitação desses testes, que é mostrarem indiretamente a indicação do estado pulpar ao medir a resposta neural e não o suplemento vascular, podendo ocorrer respostas falso-negativas e falso-positivas; assim, surgiram os testes de vitalidade, procurando verificar as condições circulatórias e de oxigenação dos tecidos pulpares (CHEN e ABBOTT, 2009; JAFARZADEH e ABBOTT, 2010a). Assim, a finalidade deste estudo foi realizar uma revisão para esclarecer os clínicos sobre importantes características dos testes de sensibilidade e vitalidade da polpa dental, relatadas na literatura, bem como as suas indicações clínicas. Metodologia Para a realização do estudo, inicialmente, foi realizada uma busca bibliográfica nos sítios da PubMed e EBSCO, na qual a palavra-chave “pulp tests” foi cruzada com “clinical study”. A busca foi ampliada manualmente. Foram selecionados estudos que analisassem as características dos diferentes testes de avaliação da sensibilidade e vitalidade pulpar e as revisões de excelência sem atribuição de limites. Revisão da literatura Para Kolbinson e Teplitsky (1988), o teste pulpar elétrico (EPT) é um valioso auxiliar no diagnóstico da vitalidade pulpar, no entanto a sua utilização com o operador usando luvas de procedimentos é controversa. Esses autores realizaram um estudo com 30 indivíduos, 15 do sexo feminino e 15 do sexo masculino. Todos os indivíduos tiveram dois dentes diferentes testados com o Analytic Technology Digital Electric Pulp Tester (EPT), um teste elétrico pulpar digital com o operador utilizando luvas de látex Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 para procedimentos e um teste sem a utilização delas. Os resultados obtidos foram registrados, não demonstrando diferenças estatisticamente significativas quanto aos resultados do EPT para os mesmos dentes, estando o operador com ou sem luvas de procedimentos. No entanto, as diferenças entre as médias dos resultados do EPT foram pequenas, e os autores concluíram ser insignificantes quanto à determinação do diagnóstico nas diversas situações clínicas. Portanto, concluiu-se que o paciente “completa o circuito” por também segurar a alça metálica do eletrodo do EPT, podendo os dentistas, de maneira fácil, confiável e com precisão, utilizarem o testador elétrico usando luvas de látex para procedimentos. Bender et al. (1989) realizaram um estudo com 12 dentes anteriores, em 53 pacientes, para determinarem o local de menor sensibilidade, ideal para o posicionamento do eletrodo durante a realização do teste elétrico pulpar. Os resultados mostram variações individuais significativas no terço cervical, terço médio, terço incisal e borda incisal, com um nível de confiabilidade de 99%, de acordo com a análise de variância. Os dentes superiores apresentaram um limiar de resposta maior do que os dentes inferiores, e diferentes tipos de dentes (caninos e incisivos) apresentaram limiares de resposta diferentes estatisticamente significativas. Concluíram que a aplicação do eletrodo do teste elétrico na borda incisal produz menor resposta sensitiva, ou seja, é um local ideal para o teste elétrico determinar a vitalidade pulpar com um limiar de resposta menor significativamente. Peters et al. (1994) investigaram as respostas negativas e positivas de 1.488 dentes, em 60 pacientes, utilizando testes pulpares elétricos e térmico a frio. 21 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? Os dentes foram divididos em três subgrupos — os doentes (despolpados ou que receberam tratamento endodôntico parcial), os que receberam tratamento endodôntico (canais obturados), e os que apresentavam radiolucência apical, os quais foram identificados — e suas respostas, avaliadas separadamente. Os testes foram aplicados em duas superfícies do dente (oclusal e cervical) e no tecido gengival de cada paciente, com os dois testes elétricos. As principais conclusões foram que os dentes que não respondiam ao teste frio nem ao elétrico, ou respondiam a altos níveis de leitura do teste elétrico, tinham uma grande probabilidade de pertencerem ao grupo dos despolpados ou com polpa alterada; as únicas respostas falso-positivas ao frio, nos três subgrupos, foram em dentes multirradiculares, provavelmente pela permanência de vitalidade em pelo menos um canal. Nos três subgrupos, se as respostas falso-positivas ao teste elétrico foram em níveis mais elevados do que a resposta tecidual do paciente, estas foram consideradas como negativas. A diferença de falso-positivos entre os testes frio e elétrico não foi estatisticamente significante. Medeiros e Pesche (1997) analisaram a eficácia do bastão de gelo e do tetrafluoroetano na determinação da vitalidade pulpar. Testaram em 594 dentes humanos cariados, restaurados e íntegros, de 72 pacientes, de 47 a 60 anos. Verificaram que a aplicação do gás de tetrafluoroetano estatisticamente propiciou maior número de acertos quando comparado ao bastão de gelo. Myers (1998), ao estudar as características do teste elétrico na determinação da sensibilidade das condições pulpares, utilizando um medidor elétrico multifuncional e não um pulp test convencional, verificou que a corrente elétrica pode via- 22 NEVES et al. jar entre os dentes adjacentes através de contato com restaurações de amalgama interproximais, sugerindo respostas falso-positivas, alertando para um cuidado na interpretação dos seus resultados em dentes que apresentem essas restaurações. Hall e Freer (1998) estudaram o efeito da movimentação ortodôntica sobre a resposta pulpar em indivíduos de 14 a 18 anos de idade, nos 6 dentes anteriores, superiores, íntegros, sem lesões de cárie, restaurações ou trauma. Os dentes foram secos e isolados, pois o campo seco é essencial durante o teste elétrico para evitar a propagação da corrente elétrica sobre o dente, atingindo fibras periodontais. Como controle, os testes foram aplicados em dentes posteriores, para avaliar o tipo de sensação esperada. Foram aplicados os testes pulpares elétrico e térmico (frio e calor) antes da movimentação dos dentes e após um e dois meses. Para o teste elétrico, foi utilizado um aparelho Analytical Technology, e o sítio de aplicação foi o terço incisal, para evitar a interferência das bandas. Para o teste a frio, utilizouse o dióxido de carbono em cristais de neve, e para o teste quente, utilizou-se a guta-percha aquecida, com vaselina previamente aplicada sobre o dente. Após os períodos de um e dois meses, houve falta de resposta ao estímulo elétrico, mas continuaram as respostas aos testes térmicos. Os resultados sugeriram que os testes elétricos, realizados durante o tratamento ortodôntico, deverão ser interpretados com cautela, e que os testes térmicos ofereceram dados mais confiáveis. Petersson et al. (1999) procuraram avaliar a habilidade dos testes térmicos e elétricos em registrar a vitalidade pulpar. Os testes térmicos estudados foram a frio (cloreto de etila), a calor (guta-percha quente) e o elétrico (Analityc Technology Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Pulp Tester). A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos negativo e positivo foram calculados com um “padrão-ouro”, estabelecido pela inspeção direta da polpa de 46 dentes vitais e 29 com polpas necróticas. Os resultados indicaram que a probabilidade de uma reação negativa representar uma polpa necrótica foi de 89% com o teste a frio, 48% com o teste quente e 88% com o teste elétrico. Isso também indicou que a probabilidade de uma reação sensitiva representar uma polpa vital foi de 90% com o teste frio, 83% com o quente e 84% com o elétrico. Segundo Cardon et al. (2007), o primeiro problema nos diagnósticos pulpares parece ser o de identificar o dente sintomático quando a polpa está em estado irreversível, com a doença restrita ao sistema de canais radiculares. Diferentes métodos de testar a vitalidade pulpar têm sido utilizados na tentativa de determinar as condições da polpa; no entanto, até o momento, não têm conseguido cumprir tal função na medida em que têm somente capacidade de determinar se existe sensibilidade por parte do paciente ao estímulo dado pelo determinado teste. Na opinião dos autores, o teste elétrico de sensibilidade pulpar pode ser usado como um meio auxiliar no diagnóstico das condições pulpares, sendo até o momento a única forma de quantificar objetivamente a resposta do paciente aos estímulos, porém pode apresentar resultados falso-positivos e falso-negativos. Lin et al. (2008), considerando que o teste elétrico pulpar tem sido utilizado e disseminado por mais de um século na prática odontológica, realizaram uma revisão de literatura para obterem uma ampla visão sobre esse teste auxiliar de diagnóstico. As considerações clínicas incluíram o isolamento do dente, a utilização de luCiência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 vas e a colocação do eletrodo. Concluíram que, embora o teste elétrico seja valioso, nenhum teste pulpar sozinho poderá ser confiável na determinação do diagnóstico das alterações pulpares. Advertiram quanto ao levantamento da história do paciente e ao comportamento dele, à utilização apropriada das radiografias, às respostas alcançadas pelos dentes controles e às limitações dos testes elétricos, especialmente, nos casos de dentes imaturos e traumatizados, que deverão ser considerados e cuidadosamente analisados. Bruno et al. (2009) fizeram uma análise microscópica de polpas de dentes humanos permanentes, traumatizados, em 20 pacientes que haviam sofrido subluxação, luxação extrusiva, luxação lateral ou avulsão ao trauma, com coroa intacta e diagnóstico clínico de necrose pulpar. Avaliaram-se a resposta aos testes pulpares térmicos e elétricos, a percussão e a mobilidade. Dos 20 dentes que tiveram a polpa removida, 15% não apresentavam tecido pulpar, 15% mostravam necrose parcial e 70% tiveram necrose total. Os resultados dos testes de vitalidade pulpar foram negativos em 90% quando submetidos a estímulo ao calor e 85% ao frio. Por outro lado, 75% foram positivos à percussão e 50% foram positivos ao teste elétrico. Os autores concluíram que os testes de sensibilidade térmica, ao calor e ao frio, foram mais precisos do que o teste elétrico para a determinação da vitalidade pulpar. Weisleder et al. (2009), em estudo em vivo, avaliaram a validade de dois testes térmicos, o frio e o elétrico, na determinação da vitalidade pulpar, comparando com a inspeção direta da polpa, em 105 pacientes que procuraram tratamento endodôntico. Os pacientes foram classificados como tendo a polpa vital ou necrótica mediante a utilização dos 23 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? testes pulpares, com confirmação posterior pela presença de sangue no acesso por meio de uma cavidade. Foram calculados sensitividade, especificidade e valores preditivos de cada teste e a combinação dos testes, para determinar suas validades e utilização clínica. Os três testes confirmaram a vitalidade da polpa em 97% dos dentes, enquanto em 90% foi confirmada a presença de uma polpa necrótica; a combinação de testes determinou a presença de polpa necrótica em 46% dos 10% restantes. Esses resultados dão suporte à utilização desses testes para o diagnóstico do estado pulpar e revelam que a associação dos testes frio e elétrico resulta em diagnóstico mais acurado. Tavares (2010), estudando in vitro a capacidade de diferentes testes térmicos de provocarem alterações de temperatura da câmara pulpar, utilizou pré-molares extraídos, três gases refrigerantes e guta-percha aquecida, como agentes sensibilizadores, além de um termômetro conectado a um termopar para avaliar as variações da temperatura. Os resultados demonstraram que o Congelante aerossol promoveu maior capacidade de alterações térmicas dentro da cavidade pulpar quando comparado com o Endofrost, Endo-ice e a guta-percha aquecida, podendo ser utilizado para testes de sensibilidade pulpar. Jafarzadeh e Abbott (2010a) salientam que a maior e essencial parte do processo de diagnóstico das doenças da polpa é o uso dos testes de sensibilidade pulpar. Ao diagnosticar a dor pulpar, esses testes podem ser usados para reproduzir os sintomas relatados pelo paciente e diagnosticar o dente doente, bem como o estado da doença. A maior limitação desses testes é que apenas indicam indiretamente o estado da polpa, 24 NEVES et al. medindo uma resposta neural e não o suprimento vascular, o que pode levar a resultadosfalso-negativosoufalso-positivos. Assim, ao revisarem a literatura sobre os testes de sensibilidade térmica ao frio e ao calor, concluíram que, se esses testes forem usados apropriadamente, a injúria da polpa dental é altamente improvável, mas os resultados devem ser interpretados com cautela. Jafarzadeh e Abbott (2010b), agora analisando os dados do teste elétrico pulpar e o teste de cavidade, sugerem que o teste elétrico é um tipo de teste de sensibilidade que pode ser utilizado como um meio auxiliar de diagnóstico do estado de saúde pulpar, porém apresentando as mesmas limitações dos testes térmicos. O teste elétrico não fornece uma informação direta sobre a vitalidade da polpa, em termos de fluxo sanguíneo, ou se a polpa está necrótica. Assim, respostas falso-positivas poderão ocorrer, além de existirem fatores que podem afetar os resultados. É importante que o clínico compreenda a natureza desse teste e saiba como interpretar seus resultados. O teste de cavidade requer cautelosa indicação, em razão de sua natureza invasiva e irreversível, não podendo ser utilizado em pacientes ansiosos, e não fornecendo informações além das que possam ser obtidas por meio dos testes térmicos. Segundo Gutmann e Lovdahl (2012), as alterações pulpares foram definidas, clinicamente, mediante as respostas aos testes térmicos, não somente quanto a se a polpa responde, mas como ela responde. Porém, o valor desses testes tem sido questionado até certo ponto quanto à sua correlação direta com a existência de um processo patológico. Os testes térmicos existem na Odontologia há muito tempo, fornecendo uma avaliação indireta através Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB da estimulação do tecido nervoso ou do fluxo sanguíneo. Salienta-se que, embora não forneçam a condição fisiológica ou a saúde relativa do tecido pulpar, esses testes, com algumas modificações, continuam a ser utilizados na prática clínica. Portanto, deve-se considerar que a magnitude da resposta é menos importante que a duração, uma vez que qualquer resposta aos testes que dure 10 segundos, ou mais, é considerada anormal, sendo improvável que o estado da polpa melhore. Com os testes térmicos, é possível reproduzirmos sensações relatadas pelo paciente. Existem dois aspectos que deverão ser avaliados, se a polpa responde ou não aos testes e o aspecto qualitativo da resposta. Dentre os testes térmicos mais comumente utilizados para a determinação da vitalidade pulpar, estão o teste frio com substâncias refrigerantes, e o teste de calor (bastão de guta-percha aquecida). A guta-percha aquecida é um recurso empregado e criticado quanto à possibilidade de respostas falso-negativas pelo fato de não existir um controle da manutenção constante dessa temperatura (CHEN e ABBOTT, 2009), enquanto o teste frio com gás refrigerante mostrou eficácia clínica comprovada. Mejàre et al. (2012) realizaram uma revisão sistemática, avaliando a exatidão dos sinais e sintomas pulpares e dos testes utilizados para determinar a condição da polpa nos dentes afetados por lesões de cárie profundas, traumas ou outros tipos de injúria. Com base em estudos de alta ou moderada qualidade, a qualidade da evidência de cada método/teste de diagnóstico foi classificada em quatro níveis. Nenhum dos estudos atingiu uma alta qualidade, e dois foram de média qualidade. As evidências em geral foram insuficientes para afirmar o valor quantiCiência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 tativo da dor de dente, ou reação anormal ao estímulo frio ou ao calor, na determinação da condição pulpar. Isso também se aplica aos métodos de estabelecimento do estado pulpar, incluindo o Pulp test elétrico ou o teste térmico, ou aos métodos de medida da circulação sanguínea pulpar. Villa-Chávez et al. (2013) verificaram clinicamente a probabilidade de os testes pulpares, térmico e elétrico, realizarem um correto diagnóstico, determinando sensibilidade, especificidade, acurácia, reprodutibilidade e os valores preditivos positivos e negativos. Os testes foram aplicados em 110 dentes, sendo 60 dentes vitais e 50 com polpa necrótica; o padrão ideal foi estabelecido pela inspeção direta da polpa. A mais alta acurácia (0.94) e reprodutibilidade (0.88) foram observadas para os testes a frio, o que levou esses autores a considerarem esse teste como o método mais indicado para o diagnóstico das condições pulpares. Abu-Tahun et al. (2012) afirmam que a atual diversidade de opiniões no diagnóstico endodôntico tem sido uma fonte de interesse e debate acadêmico entre clínicos e pesquisadores. Segundo esses autores, atualmente, nenhum teste de vitalidade pulpar isolado pode realmente diagnosticar as condições pulpares e não tem provado ser superior nos outros aspectos. A preocupação com os meios de diagnóstico em Endodontia foi expressa por Borges (2002) quando avaliou o uso da radiografia convencional e digital indireta e a tomografia computadorizada helicoidal, confrontando seus resultados com exames macroscópicos já realizados clinicamente. A conclusão foi que os melhores resultados foram, em ordem decrescente, da tomografia computadorizada, seguida da radiografia digital e, por último, da radiografia convencional. Essa preocu- 25 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? pação com os meios de diagnóstico em Endodontia, revelada por Borges, também se manifesta na busca de novos testes de sensibilidade e vitalidade pulpar. Assim, Ingolfsson et al. (1994) procuraram verificar se o Laser Doppler Flowmetry (LDF) poderia auxiliar na determinação de dentes com polpa necrótica entre os dentes vitais. Onze dentes anteriores com polpa necrosada, diagnosticada clinicamente, foram medidos com o LDF e comparados a dois pares de dentes contralaterais com polpas vitais. Com o método LDF, os sinais provenientes dos dentes com polpa necrótica foram significativamente mais baixos do que nos dentes contralaterais vitais, sendo 42,7% em média mais baixos. Dos 11 dentes com polpa necrótica, 4 responderam positivamente ao teste elétrico pulpar. Hartmann et al. (1996) realizaram, em humanos, um estudo procurando determinar os efeitos do meio ambiente nas medidas do fluxo sanguíneo pulpar realizadas com a utilização do LDF. O estudo foi focado na análise de três pontos: isolamento do campo, tipo de dente e influência da superfície onde foi feita a medida. Concluíram que, no homem, a participação do periodonto pode ter subestimado as avaliações anteriores do fluxo sanguíneo pulpar. Segundo Evans et al. (1999), o LDF é uma técnica eletro-ótica não invasiva, que permite uma avaliação semiquantitativa do fluxo sanguíneo pulpar. Esses autores fizeram um estudo procurando determinar a efetividade, medida como sensibilidade e especificidade, do LDF como um método de verificação da vitalidade pulpar de dentes anteriores traumatizados, comparando seus resultados com os testes de diagnósticos pulpares padrão (história clínica da dor, percussão, descoloração coronária, 26 NEVES et al. radiografia e sensibilidade, com o frio pelo cloreto de etila e com o pulp test elétrico). Foram utilizados 67 dentes não vitais anteriores, de 55 pacientes, em que o estado pulpar foi confirmado pela Pulpectomia. Como controle, foram utilizados 84 dentes vitais anteriores. Os resultados foram considerados em termos de sensibilidade e especificidade de 1.0. Nenhum dos testes-padrão de diagnóstico pulpar foram considerados confiáveis. Verificou-se sensibilidade de 0.92 com o de cloreto de etila, de 0.36 para a radiografia periapical e 0.16 para a história da dor. Goodis et al. (2000) mediram o fluxo sanguíneo pulpar e a sensibilidade ao estimulo elétrico em dentes com temperaturas reduzidas. O Laser Doppler foi utilizado para medir o fluxo de sangue da polpa, e os limiares sensoriais foram registrados simultaneamente, usando-se um pulp test elétrico. Com a temperatura reduzida dos dentes, as respostas ao estímulo diminuíram e o fluxo sanguíneo também, mas não cessou completamente. Concluíram que nos dentes com temperatura reduzida os limites sensoriais foram alterados, e em alguns casos abolidos, sem interrupção do fluxo sanguíneo pulpar. Outro tipo de teste sugerido para avaliar a vitalidade pulpar é a oximetria de pulso, que é um método não invasivo para a determinação da saturação de oxigênio e taxa de pulso de um tecido. Trabalha com duas fontes de luz, que detectam hemoglobina oxigenada (sangue arterial) e hemoglobina desoxigenada (sangue venoso). A proporção de absorção de dois comprimentos de luz fornece a porcentagem de oxigenação do sangue. A taxa de pulso é determinada pelas trocas entre o sangue arterial altamente saturado de oxigênio sobre o sangue venoso livre de oxigênio e a mudança na recepção da luz. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Gopikrishna et al. (2006) pesquisaram o uso de uma sonda de um oxímetro de pulso adaptado ao uso dental para verificar a saturação de oxigênio vascular da polpa dental em dentes permanentes. Verificaram que as leituras do oxímetro de pulso podem diferenciar os dentes vitais dos não vitais, e os seus valores são menores que os encontrados nos dedos dos pacientes, mas afirmam que o oxímetro de pulso é uma alternativa para os métodos térmicos e elétricos de avaliação da vitalidade pulpar. Abrão (2006) avaliou o uso da oximetria de pulso como recurso auxiliar na determinação da vitalidade pulpar de dentes permanentes traumatizados. Salientou que os recursos semiotécnicos específicos para verificação da vitalidade pulpar mais comumente empregados são os testes térmicos e elétricos, mas que são testes com limitações clínicas que interferem na análise e interpretação dos dados obtidos. Os testes de sensibilidade são estímulos de origem térmica, elétrica ou mecânica aplicados aos dentes e que são transmitidos às fibras nervosas sensitivas pulpares, não levando em consideração a atividade circulatória de tecido pulpar e as condições de oxigenação, que são os reais indicadores da vitalidade do tecido. Nos casos de traumatismos dentários, por diversos fatores, a resposta pulpar se torna mais difícil de ser obtida. Seu estudo procurou estabelecer parâmetros para a utilização do oxímetro de pulso, como teste de vitalidade pulpar, avaliando comparativamente os níveis de saturação de oxigênio do dedo indicador com os de dentes controles positivos e dentes traumatizados do mesmo paciente. Os dentes traumatizados apresentavam resposta negativa aos testes de sensibilidade pulpar com gás refrigerante e ausência de outro sinal ou sintoma de Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 necrose pulpar. O autor concluiu que as taxas de oxigenação obtidas nos dentes traumatizado são confiáveis, permitindo ainda um monitoramento da condição pulpar ao longo do tempo. Gopikrishna et al. (2007a) verificaram a eficiência de uma nova sonda dental adaptada ao oxímetro de pulso com os testes térmicos e elétricos de verificação da vitalidade pulpar, analisando a sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos negativos e positivos de cada teste, comparados com a inspeção direta do estado pulpar. Seus resultados levaram à afirmativa de que a nova sonda é um método efetivo e acurtado na avaliação da vitalidade pulpar. Esses mesmos autores (GOPIKRISHNA et al., 2007b) utilizaram a mesma sonda na medição do estado pulpar de dentes recentemente traumatizados, e ela se mostrou mais eficaz nas leituras da vitalidade positiva desses dentes, em observações de 0 a 6 meses, quando comparadas com os testes térmico e elétricos. Calil et al. (2008) estudaram 28 incisivos centrais superiores e 32 caninos inferiores em 17 pacientes, medindo o estado pulpar com o oxímetro de pulso, acoplado a um sensor para uso odontológico com as medidas do dedo. Foram encontradas diferenças nas mensurações entre a porcentagem de saturação do oxigênio do dedo e dos dentes, respectivamente, de 95 e 91,2%. Os autores concluíram que o oxímetro de pulso apresenta potencial para determinar o nível de saturação de oxigênio pulpar. Jafarzadeh e Rosenberg (2009) apontam em uma revisão que, apesar de o oxímetro de pulso ser considerado um meio adequado de verificação da vitalidade pulpar, existem algumas limitações inerentes à sua tecnologia, como o efeito 27 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? de aumento da acidez e razão metabólica, que causam desoxigenização da hemoglobina e mudanças na saturação do oxigênio sanguíneo, e que o movimento do corpo ou sonda pode complicar as medidas obtidas. Chen e Abbott (2009) afirmaram que o teste pulpar é um auxiliar usual e essencial ao diagnóstico em Endodontia. Esses testes, denominados de sensibilidade, incluem os testes térmicos e elétricos, que avaliam a saúde pulpar pela resposta sensorial, e, embora sejam os mais utilizados, não estão isentos de limitações e falhas. Os testes de vitalidade devem verificar a condição do fluxo sanguíneo pulpar, que é considerada uma medida mais real da saúde pulpar do que a sensibilidade propriamente. São exemplos de testes de vitalidade o Laser Doppler Flowmetry e a oximetria de pulso, que, embora apresentem resultados promissores, ainda contêm muitas questões práticas que precisam ser resolvidas antes que possam substituir os testes de sensibilidade convencionais. Como todos os testes de vitalidade pulpar, os resultados necessitam ser cuidadosamente interpretados, pois falsos resultados podem levar a um mau diagnóstico e, consequentemente, a tratamentos incorretos, inapropriados ou desnecessários. Pozzobon et al. (2011) utilizaram o oxímetro de pulso dental adaptado para avaliar a efetividade na determinação do fluxo sanguíneo pulpar em dentes decíduos e permanentes em 123 dentes de 84 crianças e comparar com os níveis obtidos do dedo mínimo dos pacientes. O oxímetro de pulso foi capaz de identificar todas as polpas clinicamente normais da amostra, e em todos os dentes endodonticamente tratados, que foram os dentes controles, a resposta foi negativa. Entretanto, não houve correlação entre os níveis 28 NEVES et al. de saturação de oxigênio dos dentes e dos dedos dos pacientes. Resende (2011) avaliou a condição de vitalidade pulpar, in vivo, após um trauma dental, comparando os testes de sensibilidade com os de vitalidade pulpar de 71 dentes traumatizados e 79 dentes colaterais de 40 pacientes. A condição de vitalidade pulpar, após o trauma, foi avaliada por meio de 3 testes de sensibilidade (elétrico, térmicos quente e frio, e a oximetria de pulso). Foram observados em um intervalo de no mínimo 5 minutos entre cada um dos testes. Verificou-se a correlação significativa entre os testes de sensibilidade, tanto nos dentes traumatizados como nos colaterais, mas não entre os testes de sensibilidade e vitalidade. Isoladamente o oxímetro de pulso mostrou alta porcentagem de diagnóstico da vitalidade pulpar. Os resultados demonstraram que o oxímetro de pulso foi o teste que apresentou maior eficácia na avaliação da condição de vitalidade pulpar de dentes traumatizados. Discussão A maior e essencial parte do processo de diagnóstico de doenças pulpares são os testes de sensibilidade ou vitalidade pulpar (JAFARZADEH e ABBOTT, 2010a), e, para atingir essa finalidade, inúmeros testes têm sido utilizados ao longo do tempo por clínicos e pesquisadores. Os testes de sensibilidade seriam aqueles que medem uma resposta sensorial, transmitida pelas fibras nervosas sensitivas pulpares, provocada por estímulos térmicos ou elétricos. Já os de vitalidade seriam os que procurariam verificar as condições circulatórias e a oxigenação dos tecidos pulpares (ABRÃO, 2006; CHEN e ABBOTT, 2009; ABBOTT e SALGADO, 2009; JAFARZADEH e ABBOTT, 2010a). Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Os testes de sensibilidade, térmicos a frio e calor, e o teste elétrico foram os mais utilizados e pesquisados, com diversas fontes de estímulo, excetuando o térmico ao calor, em que o agente sempre foi a guta-percha (PETERSSON et al.,1999; TAVARES, 2010), sendo criticada em razão da possibilidade de produzir resultados falso-negativos pela falta de um controle de manutenção constante de sua temperatura (CHEN e ABBOTT, 2009). Talvez por essa razão os testes térmicos com o calor tenham mostrado resultados inferiores aos testes com o frio ou elétrico (PETERSSON et al., 1999; TAVARES, 2010; VILLA-CHAVEZ et al., 2013), embora apareçam resultados comparáveis ao teste ao frio (BRUNO et al., 2009). Assim, os testes térmicos foram estudados por Medeiros e Pesche (1997), que encontraram melhores resultados com o tetrafluoretano. Petersson et al. (1999) relataram resultados superiores do teste frio (cloreto de etila) sobre o quente (guta-percha) e o elétrico. Jafarzadeh e Abbott (2009) os consideraram apropriados se os seus resultados forem analisados com cautela. Tavares (2010), estudando a capacidade de diferentes testes térmicos, afirmou que um aerossol congelante poderia ser utilizado para testes de sensibilidade pulpar, com resultados superiores ao Endo-Ice e Endofrost, produtos que são bastante utilizados na clínica endodôntica. De acordo com Gutmann e Lovedahl (2012), as alterações pulpares foram definidas clinicamente por meio das respostas aos testes térmicos, que existem há muito tempo e, com algumas modificações, continuam a ser utilizados na prática clínica. O teste elétrico já foi definido como valioso auxiliar no diagnóstico da doença pulpar (KOLBINSON e TEPLITSKY, 1988). As condições técnicas de sua utiliCiência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 zação foram analisadas por Bender et al. (1989) e Peters et al. (1994), especialmente para evitar que sua propagação atinja as fibras periodontais, o que poderia influenciar os resultados (HALL e FREER, 1998). Peters et al. (1994) não encontraram diferenças estatísticas de falso-positivos entre dois testes elétricos e o teste ao frio. Resultado semelhante ao encontrado por Petersson et al. (1999) ao verificarem que as probabilidades de representar uma polpa necrótica foram semelhantes entre os testes a frio e os elétricos (89 e 88%) respectivamente. Cardon et al. (2007) defende o uso dos testes elétricos como meio auxiliar no diagnóstico das condições pulpares afirmando ser, até o momento, a única forma de quantificar objetivamente a resposta do paciente diante dos estímulos, embora Hall e Freert (1988) tenham verificado que os testes térmicos são mais confiáveis. No entanto, Chen e Abbott (2009) salientaram que os testes térmicos e elétricos, embora sejam os mais utilizados, não estão livres de limitações e falhas. Esse fato tem levado os pesquisadores a buscar novos testes de avaliação da sensibilidade ou vitalidade pulpar (BORGES, 2002). Com essa finalidade, Ingolfsson et al. (1994), Hartmann et al. (1996), Evans et al. (1999) e Goodis et al. (2000) procuraram verificar a utilização do LDF como meio auxiliar na determinação da vitalidade pulpar através de medida do fluxo sanguíneo pulpar, sem resultados significativos. Segundo Hartmann (1996), os resultados de seu uso podem ser subestimados pela participação do periodonto. Outro teste de vitalidade pulpar sugerido é a oximetria de pulso, método para a determinação da saturação do oxigênio e taxa de pulso de um tecido. Assim, Gopikrishna et al. (2006), Abrão (2006) e 29 O problema clínico da determinação da vitalidade pulpar. Qual teste pode ser utilizado? Calil et al.(2008) avaliaram o uso da oximetria de pulso como recurso auxiliar na determinação da vitalidade pulpar, utilizando um aparelho adaptado para uso odontológico. Concluíram que esse método apresenta um potencial para determinar o nível de saturação de oxigênio pulpar, e, se comparado aos testes térmicos e elétricos, demonstrou maior eficiência na verificação das condições pulpares de dentes traumatizados (ABRÃO, 2006; RESENDE, 2011). Chen e Abbott (2009), na sua excelente revisão sobre os testes utilizados para determinar as condições pulpares, avaliam que, se os testes convencionais de sensibilidade estão sujeitos a limitações e falhas, os resultados dos testes de vitalidade, como o Laser Doppler Flowmetry e oxímetro de pulso, também devem ser cuidadosamente interpretados, porque, embora sejam promissores, existem ainda muitas questões práticas e funcionais (POZZOBON et al., 2011) que precisam ser resolvidas antes que possam substituir os de sensibilidade. Assim, torna-se importante a verificação de Evans et al. (1999) de que nenhum dos testes de diagnóstico pulpar, incluindo o térmico a frio, o elétrico e o Laser Doppler Flowmetry, foram considerados confiáveis em termos de sensibilidade e especificidade, o que é reafirmado por Abu-Tahum (2012) e Mejàre et al. (2012). Mejàre et al. (2012), após uma revisão sistemática sobre os testes utilizados para determinar a condição da polpa, afirmam que nenhum deles, incluindo os térmicos, elétricos e os de circulação sanguínea, foram suficientes para afirmar o valor quantitativo ou as reações anormais do estado pulpar. Abu-Tahum et al. (2012) consideraram que atualmente ne- 30 NEVES et al. nhum teste de vitalidade pulpar isolado pode realmente diagnosticar as condições pulpares e não tem provado ser superior aos outros. O teste de cavidade é considerado um procedimento-padrão na determinação da vitalidade pulpar (VILLA-CHÁVEZ et al., 2013). Por esse motivo, pode ser utilizado na confirmação dos resultados de outros testes ou quando não há outro meio de verificar o estado de vitalidade da polpa. Requer uma cautelosa indicação, por sua natureza invasiva e irreversível, e também por não fornecer mais informações que os testes térmicos (CHEN e ABBOTT, 2009; JAFARZADEH e ABBOTT, 2010b), sendo contraindicado em pacientes ansiosos. Assim, o mais confiável seria a utilização de dois ou mais testes, como sugerem Toledo (2003) e Abbott e Salgado (2009). Mas esse procedimento pode ser reservado para as situações que necessitem de um diagnóstico mais apurado. Na clínica diária, por razões práticas, como armazenamento, baixo custo e uma técnica de fácil aplicação, os testes térmicos pulpares a frio, como o Endo Frost e o Cold Spray (Roeko, Langenau, Alemanha), podem ser os mais indicados (CHEN e ABBOTT, 2009), já que a possibilidade de que uma reação negativa represente uma polpa necrótica sob esse estímulo é de 90 % (PETERSSON et al., 1999; WEISLEDER et al., 2009). Conclusão Com base nos estudos encontrados na literatura, concluímos que, até o momento, não existe um teste para verificação do estado de saúde/doença da polpa que demonstre resultados superiores aos outros, todos os testes apresentaram limitações e falhas. No entanto, como são considerados essenciais no processo de Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 diagnóstico das doenças pulpares, os resultados obtidos devem ser cuidadosamente analisados. 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Sua constituição se dá principalmente de esmalte e dentina, com quantidade variável de cemento e polpa; são usualmente assintomáticos e de lenta progressão. Seu diagnóstico ocorre, geralmente, por meio de exames radiográficos, e seu tratamento consiste em excisão cirúrgica. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso clínico de odontoma composto, associado a um canino impactado, abordando os aspectos relativos a sua classificação, etiologia, diagnóstico, exames radiográficos e histológicos, além do tratamento proposto. Material e método: Paciente de 39 anos de idade, gênero feminino, apresentou durante o exame intraoral ausência do elemento 43 e tumefação na região vestibular entre os elementos 42 e 44, com característica assintomática a palpação. Verificou‑se no exame radiográfico a presença de uma massa radiopaca envolta por uma cápsula radiolúcida, sugestiva de odontoma composto, portanto o tratamento proposto foi excisão cirúrgica. O pós‑operatório decorreu de forma satisfatória, a paciente não apresentou edema nem dor. O odontoma composto é assintomático, sendo diagnosticado por meio de exames radiográficos de rotina. A remoção cirúrgica é a escolha mais adequada para essa patologia, visando a um prognóstico favorável. Palavras‑chave: odontoma; dente impactado; dente canino; cirurgia bucal. Abstract Odontomas are considered a malformation of development, of unknown etiology, which can be associated with the presence of non‑erupted teeth. Its membership is mainly enamel and dentin, with variable amount of cementum and pulp; odontomas are usually asymptomatic and of slow progression. Diagnosis usually occurs through radiographic examination, and treatment consists of surgical excision. The objective of this study was to report a clinical case of compound odontoma associated with an impacted canine, addressing aspects relating to their classification, etiology, diagnosis, radiographic and histological Autor para correspondência: Eric Barbosa de Camargo – Rua Prof. Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto – CEP: 14783‑226 – Barretos (SP), Brasil – E‑mail: [email protected] Recebido em: 01/04/2015 Aceito para publicação em: 15/09/2015 Ciência e Cultura 35 Remoção de odontoma composto associado a canino impactado – relato de caso CAMARGO et al. examinations in addition to the proposed treatment. Material and method: A 39‑years‑old patient, female gender, presented during intraoral examination absence of the element 43 and swelling in the vestibular region between elements 42 and 44, with asymptomatic characteristic palpation. It was found, in the presence of radiographic examination, a radiopaque mass surrounded by a radiolucent capsule, suggesting compound odontoma, therefore the proposed treatment was surgical excision. The postoperative period was satisfactory, the patient had no edema neither pain. The compound odontoma is asymptomatic and diagnosed through routine radiographic examination. Surgical removal is the most suitable choice for this pathology, aiming at a favorable prognosis. Keywords: odontoma; impacted tooth; canine tooth; oral surgery. Introdução Apresentando tecidos de origem epitelial e mesenquimal, o odontoma é classificado como tumor odontogênico neoplásico misto. Tal termo foi utilizado pela primeira vez por Brocca (1969 apud SANTOS e SAMPAIO, 1981) para designar de forma genérica patologias que incluíam cistos e tumores odontogênicos (SANTOS e SAMPAIO, 1981). Segundo a Classificação Internacional de Tumores da Organização Mundial da Saúde, os odontomas compostos são conceituados como malformações em que as células apresentam completa diferenciação, sendo atingido o estágio de formação de esmalte e dentina. De acordo com Tommasi (1998), nos estágios iniciais de desenvolvimento está presente uma proliferação de epitélio odontogênico e mesenquimal em quantidade variável, sendo por isso que, histologicamente, as lesões apresentam todas as estruturas dentárias: matriz de esmalte, dentina, polpa e cemento em um estroma de tecido conjuntivo fibroso, sendo toda a massa envolta por uma cápsula fibrosa. Os odontomas são assintomáticos, podendo ser identificados pela falta de erupção, pelo desvio da posição normal dos dentes ou em exames radiográficos de rotina (TOMMASI, 1998). Sua etiopatogenia constitui um aspecto bastante investigado, entretanto sua etiologia continua 36 desconhecida, sendo sugeridos fatores como: mutações genéticas ou interferência de um gene no controle do desenvolvimento dentário, traumatismo ou infecções locais, restos epiteliais de Mallassez, germinação aberrante primitiva da lâmina dentária, hiperatividade da lâmina dentária, podendo estar relacionada com doenças sistêmicas e até mesmo ter uma possível associação com fatores genéticos (SHAFER et al.,1987; AMORIM et al., 2001). Neville et al. (2004) publicaram que os odontomas são classificados em dois tipos distintos: odontoma composto e odontoma complexo. O odontoma composto é uma malformação que surge de uma proliferação exorbitante da lâmina dentária na qual os tecidos dentais estão representados em um padrão ordenado, formando estruturas semelhantes a pequenos dentes. O odontoma complexo, por sua vez, surge de uma invaginação do epitélio no germe em desenvolvimento em um padrão no qual os tecidos dentais representados estão desordenados, sem que seja possível perceber semelhança com dentículos (STAFNE, 1982). Os odontomas ocorrem com maior frequência na segunda década de vida, acomete ambos os gêneros e são mais comuns na maxila do que na mandíbula (BUDNICK, 1976). O tipo composto é geralmente encontrado na região anterior Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB de maxila, enquanto odontomas complexos ocorrem mais frequentemente na região de molares, em ambos os maxilares (NEVILLE et al., 2002). A presença de odontoma pode causar uma série de transtornos, sendo destacados os problemas relacionados com a interferência no processo de irrompimento do dente, retardando ou impedindo os movimentos de erupção e, em alguns casos, provocando erupção ectópica (BENGTSON et al.,1993). Nos diagnósticos por imagem radiográfica, os odontomas compostos têm aspectos característicos, como um número variável de pequenas estruturas radiopacas semelhantes a dentes, envolvidos por uma linha radiolúcida. Já no odontoma complexo, é observada uma distribuição irregular dos tecidos dentários formando uma verdadeira massa, não traduzindo a forma anatômica de dentes normais (FREITAS, 2000). A técnica cirúrgica empregada para a remoção dos odontomas consiste, de modo geral, na observância dos princípios cirúrgicos básicos para extração de dentes inclusos (MADEIRA et al., 1987). Deve‑se realizar enucleação, com atenção para a completa remoção da cápsula que envolve a lesão. Essa medida concorda com o tratamento sugerido por Neville et al. (2002). Em casos nos quais há retenção de elementos dentais, a remoção cirúrgica dos odontomas é sempre indicada para que se estabeleça a condição de oclusão adequada. Complicações pós‑operatórias incluem parestesia do lábio inferior e mandíbula, principalmente, quando a massa tumoral contacta com canal mandibular. Hemorragias por falta de controle de áreas sangrantes e infecção secundária por ruptura das suturas são outros aspecCiência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 tos a serem observados (KURAMOCHI, 2006; QUEIROZ et al., 2006). O objetivo deste presente trabalho foi descrever um caso clínico de odontoma associado a um canino impactado, abordando os aspectos relativos à sua classificação, etiologia, diagnóstico, exames radiográficos e histológicos, mostrando alternativa de tratamento e prognóstico para esse tipo de caso. Relato de caso Paciente R.L.S., gênero feminino, 39 anos de idade, leucoderma, procurou atendimento, encaminhada por seu ortodontista, com queixa de não erupção do dente permanente (43). Durante anamnese, constatou‑se que a paciente era normoreativa e, no exame intraoral, confirmou‑se a ausência do canino inferior direito 43 e a presença de uma pequena tumefação na região vestibular entre os elementos 42 e 44 (Figura 1) com característica assintomática a palpação. Verificou‑se no exame radiográfico a presença de uma massa radiopaca envolta por uma cápsula radiolúcida, sugestiva de odontoma composto, impedindo a erupção do elemento 43, que se encontrava impactado (Figura 2). Foi solicitada, como exame complementar, tomografia computadorizada para melhor escolha terapêutica (Figura 3). Figura 1. Aspecto clínico intraoral. 37 Remoção de odontoma composto associado a canino impactado – relato de caso CAMARGO et al. Com base nos achados clínicos e exames complementares, o tratamento proposto foi excisão cirúrgica com o protocolo‑padrão: antissepsia intra e extraoral; bloqueios anestésicos dos nervos alveolar inferior e nervo lingual, além de anestesias infiltrativas. Com a lâmina de bisturi número 15, iniciou‑se uma incisão sulcular associada a uma relaxante, do tipo Newman modificado, para melhor visualização do campo operatório (Figura 4). Para exposição do elemento 43 e da lesão sugestiva de odontoma composto, foi realizada uma osteotomia em alta rotação com broca carbide número 6 (KG Sorensen®) (Figura 5), sob abundante irrigação e ampliação da loja cirúrgica, fazendo com que fosse possível a remoção da lesão com a alavanca Heid brink número1 (Quinelato®). A ferida cirúrgica foi suturada com fio absorvível 3‑0 (Vicryl®) (Figura 6), e as peças da lesão removida foram incluídas em solução formalina a 10% e encaminhadas para análise histopatológica (Figura 7). O resultado foi diagnosticado, segundo o laudo, como odontoma composto, pois apresentava tecido acinzentado e, na microscopia, tecido fibroso denso. Foram dadas as recomendações pós‑operatórias, e prescritos analgésico, anti‑inflamatório e antibiótico. A paciente foi orientada a retornar após 20 dias para o acompanhamento da cicatrização (Figura 8). Foi solicitada à paciente uma nova radiografia panorâmica, após 30 dias, para assegurar o sucesso do tratamento (Figura 9). Figura 2. Radiografia panorâmica. Figura 4. Visualização do campo operatório. Figura 3. Tomografia computadorizada. 38 Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Discussão O odontoma composto é uma malformação que, na maioria dos casos, está localizada nas raízes dos dentes permanentes. De acordo com Cavalcanti e Varoli (1996) e Neville et al. (2004), o diagnóstico é comumente realizado na primeira década de vida; em contrapartida, Alvarenga et al. (2012) relatou maior v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 prevalência na segunda e na terceira década de vida, o que também pode ser constatado no presente caso relatado. Ressalta‑se, porém, que a época em que a maioria dessas lesões é diagnosticada está relacionada ao fato de que a maior parte dos pacientes só descobrem esse tipo de patologia quando submetidos aos exames radiográficos, como as radiografias panorâmicas. Figura 5. (A) Osteotomia. (B) Lesão exposta. Figura 6. Síntese com fio absorvível (Vicryl®). Figura 8. Pós‑operatório, após 20 dias. Figura 7. Peças removidas. Figura 9. Radiografia panorâmica após 30 dias. Ciência e Cultura 39 Remoção de odontoma composto associado a canino impactado – relato de caso Em um estudo realizado por Amorim et al. (2001), no qual foram analisados 706 casos de tumores odontogênicos, a prevalência dos odontomas foi superior a 65%, sendo mais comuns nas duas primeiras décadas de vida, com uma média de idade de 14 anos no momento do diagnóstico. Tanaka et al. (1999), estudando os tipos de tumores encontrados em pacientes de até 15 anos de idade, constataram que o odontoma representou o tumor intraósseo de maior prevalência. Há divergências encontradas na literatura em relação ao local de acometimento do odontoma composto. Alguns estudos (NEVILLE et al., 2002; REGEZI e SCIUBBA, 2000) relataram que há predileção pelo osso maxilar em sua região anterior para o acometimento do odontoma composto, divergindo do local descrito no caso relatado, que se tratava da região anterior do osso mandibular. Outro aspecto discutido é a respeito da predominância por gêneros. Para alguns autores (REGEZI e SCIUBBA, 2000) parece não haver predominância por gêneros, porém outros relataram uma leve predominância no gênero masculino (FERNANDES et al., 2005), ou ainda pelo gênero feminino (CAMISASCA et al., 2005). Destaca‑se que neste relato a paciente era do gênero feminino. O odontoma é um o tipo de tumor odontogênico, assintomático, de evolução lenta, que pode passar despercebido e trazer prejuízos para o paciente tanto nas estruturas ósseas e dentárias como provocando alterações de ordem estética, fonética e, principalmente, alterações oclusais importantes (VIEIRA et al., 1997). O odontoma composto encontra‑se frequentemente associado a dente incluso, germes dentários ou dentes supranumerários (CAVALCANTI e VAROLI, 1996) e sua presença causa uma 40 CAMARGO et al. série de transtornos oclusais, como interferência no processo de erupção do dente, deslocamento e malformação dos dentes vizinhos, e, em alguns casos, erupção ectópica. Autores como Jaeger (1984) mostraram que cerca de 70% dos odontomas estão associados à impactação, à ausência de dentes, ao mau posicionamento, a diastemas, à malformação e à desvitalização de dentes adjacentes. No presente relato, radiograficamente, o dente canino estava sendo retido por lesão, porém os dentes adjacentes apresentavam‑se alinhados no arco e sem reabsorções, estado este que corrobora com Bacetti (1995), o qual ressaltou que a presença do odontoma pode interferir na erupção dos dentes adjacentes, provocando impactação ou desalinhamento desses. Neste caso, torna‑se evidente a íntima relação entre odontoma e retenção dental, fato já comprovado por Cavalcanti e Varoli (1996). O presente caso relata de forma clássica todos os problemas e complicações dessa patologia, sendo sua remoção o tratamento mais indicado. O tratamento de escolha para os odontomas é a remoção cirúrgica conservadora, sendo relativamente simples, facilitada em razão da clivagem (SHAFER et al., 1987). A técnica cirúrgica (enucleação e curetagem) está de acordo com a conduta terapêutica sugerida por alguns autores (REGEZI e SCIUBBA, 2000; NEVILLE et al., 2002), sendo esse o método de escolha terapêutica adotada neste caso clínico. Conclusões O odontoma é um tumor odontogênico benigno e sua evolução é lenta, de forma que o diagnóstico precoce ocorre por meio de exames complementares. A remoção cirúrgica deve ser o tratamento de Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB escolha, sendo o seu prognóstico favorável e a taxa de recidiva baixa. A proservação radiográfica é de extrema importância para assegurar o sucesso do tratamento. Referências ALVARENGA, R.L., JAEGER, F.; LAGE, F.O.; REIS, I.A.; LEAL, R.M. Odontoma Composto‑ relato de caso. Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentaria e Cirurgia Maxilofacial. v. 53, n. 4, 2012, p. 252‑257. AMORIM, R.F.B.; QUEIROZ, S.B.F; MEDEIROS, A.M.C.; SOUZA, L.B. 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Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração Medication adherence: conceptual definitions, factors involved and measurement methods Wandson Rodrigues Sousa1, Clícia Mayara Santana Alves1, Maria Helena Seabra Soares de Britto2, Sally Cristina Moutinho Monteiro2 Programa de Pós-Graduação em Saúde do Adulto e da Criança, Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – São Luís (MA), Brasil. 2 Departamento de Farmácia, UFMA – São Luís (MA), Brasil. 1 Resumo Introdução: A baixa adesão medicamentosa tem demonstrado ser um grande desafio de saúde pública mundial, apresentando consequências negativas sobre a qualidade de vida dos usuários, podendo elevar custos da saúde. Dessa forma, a adesão compreende um ponto crítico para o sucesso terapêutico, bem como a determinação de fatores causais para a não adesão e a utilização de instrumentos que possibilitem a mensuração do grau de adesão medicamentosa de forma prática e efetiva. Objetivo: Foi estabelecer as definições conceituais de adesão terapêutica e evidenciar os métodos mais estudados para a mensuração da adesão medicamentosa. Metodologia: Trata-se de uma revisão narrativa da literatura do tipo bibliográfica, composta por artigos científicos indexados nas bases de dados SciELO, PubMed e ScienceDitect, no período de 2000 a 2014, que abordavam a avaliação de adesão medicamentosa nos idiomas espanhol, português e inglês. Resultados e conclusão: Adesão é definida como o grau de coincidência entre o comportamento do usuário e as recomendações terapêuticas orientadas por profissionais de saúde em todos os âmbitos de cuidado. A não adesão é uma das principais causas de insucesso das terapias e aumento das hospitalizações, cujas razões mais frequentes são o não cumprimento do tratamento, o desconhecimento da patologia, a complexidade do tratamento, a má relação médico-paciente, reações adversas e o baixo suporte sanitário e sociofamiliar. A mensuração da adesão medicamentosa pode ser realizada por métodos diretos e indiretos, e, embora os métodos indiretos não tenham a mesma precisão que os diretos, apresentam-se como alternativas de fácil aplicação, baixo custo e compatíveis com atendimentos assistenciais. Palavras-chave: adesão medicamentosa; uso de medicamentos; adesão do paciente. Abstract Introduction: The low medication adherence has been shown to be a major challenge to global public health, with negative consequences on the quality of life for users, and that could increase medical and health costs. Thus, the adhesion comprises a critical point for the success of therapy, as well as the de- Autor para correspondência: Sally Cristina Moutinho Monteiro – Avenida dos Portugueses, 1966 – Bacanga – CEP: 65080-805 – São Luís (MA), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 24/04/2015 Aceito para publicação em: 21/10/2015 Ciência e Cultura 43 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração SOUSA et al. termination of causal factors for non-adherence and the use of instruments that allow the measurement of the degree of medication adherence in a practical and effective way. Objective: It was to establish the conceptual definitions of adherence and highlight the most studied methods for measuring medication adherence. Methodology: This is a narrative review of the literature type, consisting of scientific articles indexed in SciELO databases, PubMed and ScienceDitect, from 2000 to 2014, that addressed the assessment of medication adherence in Spanish, Portuguese and English. Results and conclusion: Adherence is defined as the degree of coincidence between user behavior and treatment recommendations guided by health professionals at all care levels. Non-adherence is a major cause of failure of therapy and increased hospital admissions, highlighting the most frequent causes of non-adherence with treatment, the disease lack the complexity of the treatment, poor doctor-patient relationship, adverse reactions and low support health and social-family. The measurement of medication adherence can be performed by direct and indirect methods, and, although the indirect methods do not have the same precision as the direct, they appear as user-friendly alternative, low cost and compatible with assistance calls. Keywords: medication adherence; medication use; patient adherence. Introdução Embora nas últimas décadas tenha se conseguido avanços significativos no diagnóstico e tratamento das patologias, a não adesão terapêutica apresenta-se ainda como um grande desafio a ser superado. A não adesão é considerada um problema de saúde mundial, na medida em que impacta significativamente, de forma negativa, no sucesso do tratamento e na qualidade de vida dos pacientes. Estima-se que a não adesão medicamentosa alcance uma taxa de 50% entre os portadores de doenças crônicas nos países desenvolvidos e que esses indicadores podem ser mais preocupantes nos países pobres e em desenvolvimento, dada a fragilidade dos seus sistemas de saúde, a escassez de recursos e as desigualdades de acesso aos cuidados de saúde (WHO, 2003; SANTA HELENA, 2007; SOUZA, 2008). A adesão medicamentosa é um processo complexo e deve ser compreendido como parte fundamental das terapias medicamentosas para que se alcancem os resultados clínicos desejados. Desse modo, determinar as causas para a não adesão medicamentosa requer uma minuciosa investigação, tendo em vista a multiplicidade de fatores que estão envol- 44 vidos com o comportamento aderente ou não dos indivíduos diante do tratamento proposto. Grande parte das dificuldades encontradas para determinar a adesão medicamentosa deriva da necessidade da utilização de instrumentos que permitam a mensuração de forma efetiva do grau de adesão dos usuários aos medicamentos (SANTOS et al., 2013; CONTHE et al., 2014). Dessa forma, este estudo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura buscando estabelecer as definições conceituais da adesão terapêutica e evidenciar os métodos mais estudados para a mensuração do grau de adesão medicamentosa. Material e métodos Foi realizada uma revisão narrativa da literatura por meio de levantamento retrospectivo de estudos publicados em periódicos nacionais e internacionais, durante o período de 2000 a 2014, com uma síntese qualitativa dos resultados. Foram incluídos artigos publicados em periódicos indexados em bases de dados nacionais e internacionais, disponíveis na íntegra de forma gratuita, permitindo uma avaliação detalhada dos estudos selecionados, e que abordavam a avaliação Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB da adesão medicamentosa nos idiomas espanhol, português e inglês. Não participaram do levantamento livros, resumos e/ou capítulos de livro. As bases de dados utilizadas para a coleta de dados foram: coleção Scientific Electronic Library Online (SCIELO), e National Center for Biotechnology Information (NCBI - http://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), envolvendo o PubMed, e o ScienceDirect (http://www. sciencedirect.com/). Os descritores utilizados durante as buscas foram: adesão ao tratamento (adherence treatment), adesão do paciente (patient adherence) e uso de medicamentos (medication use). Revisão de literatura Adesão terapêutica Definições conceituais de adesão terapêutica As definições conceituais de adesão terapêutica podem se apresentar diferentes entre os diversos autores na literatura (Tabela 1). Dessa forma, terminologias comumente aplicadas na língua inglesa para definir a adesão apresentam entendimentos contrários entre os estudiosos. Por exemplo, o termo compliance, traduzido como obediência, pressupõe um papel Tabela 1. Conceitos de adesão terapêutica. Autor/ano Definição conceitual Compreende o grau em que o Sackett et al. comportamento de uma pessoa (em (1975) apud relação a tomar medicamentos, seguir Gusmão e uma dieta e realizar a modificação do Mion Jr. (2006) seu estilo de vida) coincide com as orientações médicas ou sanitárias. Miller et al. É um meio para se alcançar um fim, (1997) apud uma abordagem para a manutenção ou Gusmão e melhora da saúde, visando reduzir os Mion Jr. (2006) sinais e sintomas de uma doença. Inclui como comportamentos aderentes a busca de atenção médica, aquisição das prescrições, tomada adequada, busca por vacinas, cumprimento do calendário de consultas e execução de modificações WHO (2003) comportamentais como: higiene pessoal, autogestão de asma ou diabetes, tabagismo, contracepção, comportamentos sexuais de risco, dieta pouco saudável e prática de atividade física. O grau em que o paciente toma sua Cramer et al. medicação em conformidade com a (2008) dose, o tempo e a posologia prescrita. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Comentários Alguns autores compreendem essa definição como um posicionamento paternalista, limitando o papel ativo do paciente. Restringe a adesão a uma relação dicotômica: meio e fim; causa e efeito. Amplia o conceito de adesão não só à correta utilização de medicamentos e a mudanças no estilo de vida como também à promoção e à prevenção da saúde. Torna, ainda, a relação mais ampla entre o paciente e as orientações prestadas por todos os profissionais da saúde. Adota que os termos adesão e cumprimento terapêutico são sinônimos. 45 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração passivo por parte do paciente, no qual este obedece de forma passiva às “ordens” médicas e no qual o plano de tratamento não resulta de um acordo entre ambas as partes. Já o termo Adherence ou adesão é adotado por grande parte dos autores, uma vez que melhor representa um posicionamento de livre escolha do paciente em seguir ou não as recomendações terapêuticas, sendo este corresponsável pelo gerenciamento do seu tratamento (BRAWLEY e CULOS-REED, 2000; OSTERBERG e BLASCHKE, 2005). Atualmente, o termo adesão tem sido mais aplicado, sendo definido como o grau com que o comportamento dos pacientes coincide com as orientações médicas e de saúde, levando-se em conta não apenas o caráter medicamentoso mas também a manutenção dos compromissos planejados, a busca por cuidados e a modificação no estilo de vida apresentados pelo paciente (GUTIERREZ-ÂNGULO et al., 2012). Os impactos clínicos e econômicos da baixa adesão terapêutica Impactos clínicos No contexto clínico, muitos estudos têm demonstrado, de forma inequívoca, uma relação direta entre a não adesão terapêutica e a evolução das doenças crônicas ou, pelo menos, diminuição dos riscos aos quais os indivíduos portadores estão submetidos. Pacientes com doenças renais submetidos à diálise, por exemplo, quando perdem uma ou mais sessões mensais, apresentam um aumento do risco de mortalidade em torno de 25 a 30% por complicações decorrentes da nefropatia (KIM e EVANGELISTA, 2010). Pode ser observado que grande parte dos estudos de revisão sistemática 46 SOUSA et al. realizados está relacionada principalmente às doenças cardiovasculares (DCV). Segundo Cramer et. al. (2008), os achados na literatura mundial demonstram que a não adesão terapêutica do tratamento da hipertensão arterial atinge uma média de 30% dos hipertensos. Mesmo em países desenvolvidos, onde se disponibilizam maiores recursos voltados ao tratamento da hipertensão arterial, menos de 25% dos pacientes tratados apresentam níveis controlados da pressão arterial, e mais de 50% dos pacientes que são diagnosticados e iniciam o tratamento anti-hipertensivo abandonam o seguimento ainda no primeiro ano (LOWRY et al., 2005). No Brasil, a não adesão aos medicamentos anti-hipertensivos tem sido detectada de forma bastante expressiva na população, visto que estudos realizados por Bastos-Barbosa et al. (2012) com uma população de idosos brasileiros demonstraram taxas de adesão à terapia anti-hipertensiva variando entre 36 e 52%, na dependência do método de mensuração aplicado. De modo geral, a baixa adesão ao tratamento com anti-hipertensivos tem sido ligada diretamente à elevação dos riscos de doenças cardiovasculares, ao acontecimento de DCV e ao aumento da mortalidade (NATARAJAN et al., 2013). Além disso, a não adesão representa um desafio para os profissionais que acompanham a evolução clínica dos pacientes e para os sistemas de saúde que custeiam os tratamentos. Impactos econômicos A não adesão terapêutica, bem como a baixa adesão, gera enormes custos aos sistemas de saúde, desperdícios de recursos e maior emprego de tempo na terapêutica, de forma que realizar esforços Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB para melhorar a adesão dos pacientes na utilização de medicamentos já disponíveis traria maiores contribuições para garantir e resguardar a saúde e a vida dos pacientes que empregar recursos e esforços na criação de novas terapias (LEMSTRA et al., 2012). Segundo levantamentos de Jha et al. (2012), entre os pacientes diabéticos não aderentes ao tratamento as taxas de reinternações hospitalares e atendimentos de urgência se elevam em 15%, enquanto entre os aderentes ao tratamento foi observada uma diminuição de 13%. Desse modo, a melhoria da adesão entre esses pacientes representaria para o sistema de saúde uma redução de 699 mil atendimentos de urgência e 341 mil internações ao ano, com uma desoneração financeira de 4,7 bilhões de dólares ao ano. Nas farmácias espanholas, durante o ano de 2011, foram recolhidos pelo Sistema Integrado de Gestão e Recolhimento de Resíduos (SIGRE), aproximadamente, 3.200 toneladas de medicamentos vencidos e não consumidos, que em grande parte são atribuídas à não adesão terapêutica. O armazenamento e a falta de consumo desses medicamentos podem ocasionar sérios riscos à saúde, como a automedicação irresponsável e intoxicações, assim como elevação dos gastos pelo sistema de saúde (GONSALEZ e PISANO, 2014). No Brasil, as pesquisas sobre o assunto ainda são incipientes, e sabe-se muito pouco sobre como os baixos índices de aderência afetam os cofres públicos. Desse modo, melhorar a adesão terapêutica à medicação implica racionalizar de forma consciente os recursos disponíveis e melhorar a assistência aos pacientes, além de ser um ponto fundamental para a resolubilidade de um tratamento. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Fatores que influenciam a adesão terapêutica A adesão deve ser entendida não como um fator isolado e dependente exclusivamente do paciente e da sua capacidade de autogerenciamento da sua patologia. Essa compreensão simplificada pode ser enganosa, visto que a adesão é um fenômeno multidimensional, resultante da interação de cinco conjuntos de fatores ou “dimensões” (Figura 1), organizados e categorizados em: fatores relacionados à terapia propriamente dita, fatores relacionados ao sistema e à equipe de saúde, fatores relacionados às características sociais e econômicas, fatores relacionados ao paciente, e fatores relacionados à natureza da patologia (WHO, 2003). Dentro das cinco grandes dimensões da adesão, uma grande diversidade de fatores atua de forma inter-relacionada na determinação do comportamento aderente dos pacientes. Esses fatores podem estar ligados diretamente ao paciente, ressaltando-se a idade, o grau de escolaridade, o contexto social e cultural no qual este se encontra inserido, e a personalidade de cada indivíduo. Desse modo, muitos pacientes não aderem ao tratamento frequentemente por desacreditarem dele ou, ainda, por crerem que o medicamento utilizado não cause os efeitos esperados, existindo ainda um número expressivo de pessoas que não aderem por apresentarem dificuldades na compreensão das orientações médicas a respeito do seu tratamento (DILLA et al., 2009). Podem ser destacados ainda os fatores condicionantes da não adesão relacionados à própria terapêutica, como os efeitos adversos, a complexidade dos esquemas terapêuticos, as trocas sucessivas dos medicamentos (como nas dislipidemias em que a troca de um medicamento 47 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração por outro de mesma classe farmacológica está associada a uma diminuição de 20% na adesão entre esses pacientes), entre outros (VOORHAM et al., 2011). Além disso, existem fatores ligados à própria patologia, como a depressão, a ansiedade, os transtornos de personalidade, a perda de memória, a gravidade da doença, comorbidades associadas, necessidade de outros tratamentos e a presença ou ausência de sintomatologia, entre outros. As relações com a equipe de saúde e médica (má relação médico-paciente, baixa satisfação do paciente e/ou pouca confiança no seu médico, sentimento de não ser ouvido, sensação de não ser reconhecido) também têm sido ligadas a declínio nas taxas de adesão ao tratamento (BUITRAGO, 2011). Dessa forma, a compreensão do comportamento aderente dos pacientes passa por uma investigação detalhada dos diversos fatores em suas dimensões, e há Fatores socio-econômicos SOUSA et al. uma busca constante em estabelecer as relações de como esses elementos inseridos na vida dos sujeitos podem influenciar a adesão terapêutica. Os métodos de medida da adesão medicamentosa Quando o foco dos estudos está voltado para a mensuração da adesão medicamentosa, pode ser verificado que esta não é uma tarefa fácil de realizar, tendo em vista a complexidade de aspectos e dimensões envolvidos no fenômeno da adesão, não havendo um método considerado ideal (Gold standard) para tal aferição. A multiplicidade de métodos existentes pode ser considerada um complicador, visto que se torna difícil a comparação dos resultados entre os diferentes estudos. Na sua totalidade, os métodos aplicados à mensuração da adesão estão divididos em diretos e indiretos (Tabela 2) (SANTOS et al., 2013). Fatores relacionados com o tratamento Fatores relacionados ao paciente Fatores relacionados com a patologia Fatores relacionados com o sistema e a equipe de saúde Fonte: Adaptado de WHO, 2003. Figura 1. As cinco dimensões da adesão. 48 Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Os métodos diretos Segundo Farmer (1999) apud ObreliNeto et. al. (2012), os métodos diretos podem ser divididos fundamentalmente em três grandes grupos, sendo eles: a detecção do fármaco ou metabólito em fluidos biológicos, a adição de um marcador, e a observação direta do paciente. Os métodos diretos são ensaios fundamentados em técnicas analíticas que buscam detectar se o medicamento foi administrado ou tomado na dose e frequência necessárias por meio da identificação de metabólitos do medicamento ou de marcadores químicos de maior permanência no organismo, preferencialmente em fluidos biológicos como sangue e urina. Esses métodos, no entanto, apresentam um custo elevado, o que os torna pouco disponíveis v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 universalmente, sendo a sua grande precisão uma das suas maiores vantagens (GUTIERREZ-ÂNGULO et al., 2012). Os métodos indiretos Os métodos indiretos, por sua vez, são passíveis de crítica por apresentarem a tendência de superestimar a aderência, no entanto apresentam-se como boas alternativas a serem aplicadas na mensuração clínica da adesão, pois são mais acessíveis economicamente e apresentam uma boa sensibilidade. Entre os métodos indiretos, podemos destacar: a contagem de comprimidos, os sistemas de monitorização eletrônicos e as entrevistas clínicas de autorrelato, sendo essas últimas as mais recomendadas pela maior parte dos autores (GUTIERREZ-ÂNGULO et al., 2012). Tabela 2. Métodos diretos e indiretos de mensuração da adesão terapêutica. Método de medida Vantagens Desvantagens Métodos diretos Observação direta Não é um método prático para da ingesta de Muito preciso a rotina clínica. Paciente pode comprimidos esconder o comprimido. Dosagem das Métodos de elevado concentrações Objetivo e exato custo, sujeitos a variações sanguíneas interindividuais, não aplicável a Dosagem de todos os medicamentos e pouco marcadores em Objetivo e exato vantajoso na rotina clínica. fluidos biológicos Métodos indiretos Pode superestimar a adesão Simples, objetivo e Contagem de pílulas ao tratamento e é facilmente quantitativo modificável pelo paciente. Pode ser facilmente modificado pelo paciente, visto que Dispensação Muito objetivo e não garante a ingesta dos eletrônica (MENS) quantitativo comprimidos e não é viável para a prática assistencial. Sensível, com elevado valor Autorrelato (selfpreditivo positivo entre não Podem superestimar os valores report) aderentes, e aplicáveis à de adesão. prática assistencial Fonte: Adaptado de Conthe et al., 2014. Ciência e Cultura 49 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração Contagem de pílulas O método de contagem de pílulas tem sido empregado em avaliações de adesão terapêutica e apresentou-se como uma metodologia sensível e objetiva, estando seu uso centrado na mensuração da adesão de formas farmacêuticas sólidas para administração oral (CONTRERAS et al., 2005). A contagem de pílulas é um método que requer colaboração do paciente e de elementos auxiliares, como o registro de dispensação dos medicamentos e o retorno do paciente portando todos os frascos ou caixas entregues na visita anterior, para que se proceda à contagem das pílulas que não foram tomadas e à estimação do grau de adesão. Contudo, esse é o método mais sujeito à manipulação pelos pacientes, visto que não é raro o compartilhamento de medicação entre estes (KROUSEL-WOOD, 2004; OIGMAN, 2006). A estimação do grau de adesão por essa metodologia é realizada por meio do cálculo da porcentagem de cumprimento (PC), sendo este entendido como a razão entre o número de comprimidos consumidos em determinado período de tempo e o número total de comprimidos que deveriam ser tomados nesse mesmo período, multiplicado por 100. Um paciente que faça uso de 80% ou mais dos comprimidos pode ser considerado um bom aderente ao tratamento. Utilizando essa metodologia não raro se encontram pacientes que chegam ou se aproximam dos 100% de aderência ou até os ultrapassam, pois esse cálculo pode ser superestimado na dependência do número de comprimidos efetivamente utilizados e os comprimidos que tiveram fins diversificados, como empréstimos e/ou descartes (OIGMAN, 2006). 50 SOUSA et al. Sistemas de monitorização eletrônica de tomada de medicamentos O método conhecido como Medication Event Monitoring System (MEMS), ou método de dispensação eletrônica, constitui-se o modelo mais moderno e oneroso dentre os métodos indiretos para a mensuração da adesão. É composto por uma caixa de medicação equipada com um microchip na sua tampa, que registra todas as datas e os horários de aberturas do frasco de medicamentos, sendo cada abertura contabilizada como a ingestão de uma dose. Posteriormente, os dados armazenados são transferidos para um software, no qual será analisada e mensurada a adesão do paciente. De maneira semelhante à contagem de pílulas, a mensuração por MENS pode ser superestimada na medida em que os frascos podem ser abertos e as medicações não ingeridas (OIGMAN, 2006; WETZELS et al., 2007). Entrevista clínica ou self-report As entrevistas são os métodos indiretos de maior utilização em saúde pública para avaliar o grau de adesão à terapia medicamentosa. Essa larga aplicação, em grande parte, deve-se às suas características de ser um instrumento rápido, de baixíssimo custo e de fácil aplicação, que consiste em fazer perguntas diretas ao paciente para tentar avaliar o seu grau de adesão. Entre as entrevistas, a Morisky Medication Adherence Score (MMAS-8) e o teste de Haynes-Sackett têm se destacado como os instrumentos mais estudados. A escala MMAS-8 foi criada a partir de um aprimoramento da escala inicial de apenas quatro itens de Morisky e Green, que foi construída para mensurar a adesão a medicamentos anti-hipertensivos, no entanto apresenta a versatilidade de Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB poder ser adaptada a outras doenças crônicas. As quatro questões adicionais que complementam a escala original têm por finalidade ampliar um maior número de circunstâncias que envolvem a adesão terapêutica, como a capacidade dos pacientes de se lembrarem das tomadas dos seus medicamentos e a complexidade dos regimes posológicos (MORISKY et al., 2008). Portanto, a Escala de Adesão Terapêutica MMAS-8 é um instrumento que proporciona a verificação da atitude do paciente adiante da tomada de medicamentos. As perguntas são elaboradas a fim de reduzir o viés das respostas predominantemente positivas, invertendo a formulação das perguntas sobre a maneira como os pacientes podem experimentar falhas em seguir o regime terapêutico, uma vez que há uma tendência de os pacientes darem respostas positivas aos médicos e profissionais de saúde (MORISKY et al., 2008). A MMAS-8 se encontra ainda validada em diversos idiomas, entre eles o português, apresentando-se um instrumento confiável e de grande reprodutibilidade (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012). Estudos realizados por KrouselWood et al. (2009) demonstraram, por meio da comparação entre a MMAS-8 e outros métodos de mensuração, que a escala MMAS-8 possui grande confiabilidade na detecção de pacientes não aderentes à terapia medicamentosa com anti-hipertensivos. O teste de Haynes-Sackett, por sua vez, é um questionário constituído por duas partes, com uma abordagem que tenta evitar a generalização do sentimento de culpa acerca do não cumprimento terapêutico. Na primeira etapa da entrevista, procura-se criar um ambiente adequado para um diálogo franco, introduzindo inicialmente comentário a respeito da Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 dificuldade encontrada por muitos pacientes em tomar o seu medicamento com a seguinte frase: “a maioria dos pacientes possuem dificuldades em tomar seus comprimidos”. A partir do estabelecimento desse diálogo inicial, o entrevistador passa a executar a segunda parte do teste, introduzindo o seguinte questionamento: “você possui dificuldades em tomar os seus medicamentos?”. Nesse momento, haverá duas possibilidades de respostas as quais o entrevistador deverá interpretar; em caso de resposta afirmativa, o paciente deverá ser considerado não aderente, enquanto respostas negativas deverão ser investigadas, aplicando-se um terceiro questionamento: “como você os toma?”; concluindo assim a segunda parte da entrevista (CONTRERAS, 2008). Considerando a existência de diferentes metodologias e a adequação delas às necessidades e possibilidades de cada realidade, somos levados a uma reflexão sobre as nossas responsabilidades pessoais e sobre a abordagem realizada aos pacientes, na qual se deve considerar todos os fatores envolvidos com a adesão medicamentosa, sem nos esquecermos de utilizar ferramentas que nos auxiliem na identificação da adesão medicamentosa e que norteiem a tomada de decisões que otimizem os tratamentos. Conclusão Neste estudo foi adotado como referência conceitual de adesão o grau de coincidência entre o comportamento do paciente e as recomendações terapêuticas orientadas por qualquer profissional de saúde, em todos os aspectos de atenção e cuidado. Assim, faz-se necessário um comportamento aderente no qual o paciente assume o seu protagonismo no manejo de sua saúde e patologia. 51 Adesão medicamentosa: definições conceituais, fatores envolvidos e métodos de mensuração O comportamento não aderente é uma das principais causas de insucesso das terapias, aumentando significativamente o número das hospitalizações e recorrências nos atendimentos emergenciais, e onerando os sistemas de saúde. Destacam-se como causas principais da não adesão terapêutica as dúvidas sobre os medicamentos, o desconhecimento da patologia, a complexidade do tratamento, a má relação médico-paciente, as reações adversas e o suporte social e familiar. Existem vários métodos para mensurar o grau de adesão medicamentosa, os quais fornecem uma estimativa do comportamento pontual do paciente. Os métodos indiretos, apesar de não apresentarem o mesmo nível de exatidão dos métodos diretos, são de fácil aplicação e apresentam boa correlação com o nível de adesão medicamentosa, podendo ser utilizados na triagem e na quantificação da adesão nas rotinas de assistência. Referências BASTOS-BARBOSA, R.G.; FERRIOLLI, E.; MORIGUTI J.C.; NOGUEIRA, C.B.; NOBRE, F.; UETA, J.; LIMA, N.K.C. Adesão ao Tratamento e Controle da Pressão Arterial em Idosos com Hipertensão. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 99, n. 1, 2012, p. 636-641. BRAWLEY, L.R. & CULOS-REED, N. Studying adherence to therapeutic regimens: overview, theories, recommendations. Controlled Clinical Trials, v. 21, n. 5, 2000, p. 156-163. BUITRAGO, F. Therapeutic adherence. How difficult it is to comply! Atención Primaria, v. 43, n. 7, 2011, p. 343-344. 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Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão Curriculum proposal of São Paulo to discipline of Chemistry: implantation, presentation and discussion Lucas Fernandes Domingues1, Terezinha Maia Martincowski2 Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ), curso de Mestrado Profissional em Ensino de Química, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – São Carlos (SP), Brasil. 2 Curso de Pedagogia, Instituto Superior de Educação (ISE), Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. 1 Resumo Mudanças curriculares de planejamento e a adesão de “novas” propostas são hoje aspectos corriqueiros no que se refere à Educação, e no Estado de São Paulo não é diferente. A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a Disciplina de Química (2008) gera polêmicas desde sua adesão até os presentes dias. Há uma divergência constante entre a posição do Estado, os gestores e os professores. Logo, as críticas à proposta levaram à elaboração deste trabalho, que permitiu observar que a Proposta Curricular do Estado de São Paulo encontra-se bem idealizada e elaborada em quase todos os seus tópicos, principalmente naqueles referentes à última Reforma do Ensino Médio. E, apesar de pecar na qualidade da ordem organizacional dos conteúdos específicos da disciplina de Química, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo é muito mais completa e coerente com a literatura do que nós, enquanto profissionais da educação, considerávamos. Mas o saldo do Estado com a Educação ainda é deficitário. Palavras-chave: proposta curricular; currículo; ensino de Química. Abstract Change curriculum concerning planning and the adherence to “new” curriculum proposals are now common place aspects with regard to Education, and in the State of Paulo it is not different. The Curriculum Proposal of São Paulo for the Discipline of Chemistry (2008) generates controversy since its accession to the present day. There is a constant difference between the position of the State, managers and teachers. Therefore, the criticism of the proposal led to the elaboration of this work, that allowed us to observe that it is very well conceived and developed in almost all its topics, especially those related to the last Reform of Secondary Education. And, although sin in organizational order quality of the specific content of the discipline of Chemistry, the Curriculum Proposal of São Paulo is much more complete and consistent with the literature that we, as educational professionals, considered. But the balance between State and Education is still lacking. Keywords: curriculum proposal; curriculum; chemistry teaching. Autor para correspondência: Lucas Fernandes Domingues – Avenida Emígdio Vellozo, 625 – Centro – CEP: 14735-000 – Severínia (SP), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 03/10/2014 Aceito para publicação em: 17/07/2015 Ciência e Cultura 55 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão Introdução Reformulações de grades curriculares, flexibilização de currículos e adesão de “novas” propostas curriculares são hoje aspectos corriqueiros e polêmicos no que se refere à Educação. Nos últimos anos, observou-se que a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (PCESP) para o Ensino Médio, hoje reformulada e denominada Currículo Oficial, começou a fazer parte desse quadro nas escolas estaduais paulistas. Escolheu-se a primeira versão, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, para desenvolver este trabalho em razão do fato de esta ser a iniciativa pioneira para as atuais mudanças ocorridas nos currículos e nas escolas do Estado, que hoje utilizam o Currículo Oficial, documento baseado na PCESP e que se difere muito pouco desta. As polêmicas em torno desse documento ocorreram por sua implementação ter sido feita sem antes ter havido uma discussão mais ampla entre os docentes. Tal fato é constatado pela obscura divulgação de uma pré-proposta, o que evidencia a intenção do governo em apenas simular uma participação dos docentes em relação à PCESP. Essa percepção é referendada pela alegação da grande maioria dos professores de que foram apenas informados sobre o novo norte de trabalho e a sua obrigação de segui-lo (PEREIRA, 2009). Segundo Guimarães et al. (2008), o que se percebe é que nestes últimos anos as reformas educacionais propostas têm exigido o desenvolvimento de competências profissionais, contudo, sem o apoio necessário para tal, acarretando grandes desafios. Outro aspecto que chama a atenção é o comentário de Domingues et al. (2000) sobre o comportamento dos professores em ignorar os guias curriculares presentes na maior parte dos estados, em razão de sua preferência por materiais de caráter propedêutico. Contudo, 56 DOMINGUES et al. o autor também discute a pouca divulgação e o difícil acesso a esses materiais. Assim, fica claro que “esse modelo de currículo, como um elenco prescritivo e conteudista de disciplinas (matérias e seus programas), tem se mostrado inadequado” (p. 70). Daí uma das necessidades da origem dessa nova proposta a que se refere o presente trabalho. A partir disso, o que se vê é uma quantidade exacerbada de críticas de todos os lados e uma enorme falta de informação em relação ao que a PCESP realmente propõe. Tal fato ocorre também no que se refere à disciplina de Química, foco deste trabalho, por apresentar tantas características e relações com uma dimensão microscópica, tornando, ainda, a discussão, a extensão e as proporções maiores. Essa situação de críticas e falta de informação discutidas torna imprescindível entender que o termo “Proposta Curricular” não se refere a algo concreto e, muito menos, concretizado. Uma proposta curricular deve ser entendida como uma construção contínua de aspectos necessários para realizar um objetivo de caráter educacional e, por consequência, político e social. Não é nada que esteja pronto ou solucione um problema com medidas remediativas. Para Kramer (1997), é o reflexo literal de uma aposta com base no que vem sendo observado e precisa ser mudado ou orientado para melhor construção do conhecimento. Nessa direção, Pereira (2009) e Domingues et al. (2000) consideram ser fundamental entender as mudanças que ocorrem na sociedade, focando as esferas política e econômica, para que se alcance a essência e o real objetivo da PCESP. Kramer (1997) também entende que um currículo ou uma proposta pedagógica deve considerar três aspectos: bases teóricas, diretrizes práticas fundamentadas nessas bases e aspectos de natureza técnica. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Entretanto, esses aspectos nem sempre são notados em propostas curriculares consideradas como “novas”, que não levam em conta as experiências e os resultados positivos outrora obtidos com a aplicação das propostas anteriores. Dessa forma, torna-se muito importante para a sociedade, como um todo, entender o que se passa dentro das salas de aula, assim como valorizar as experiências anteriores. É imprescindível ter esclarecimento do que vem sendo trabalhado durante os cinco anos passados desde a implantação e a utilização do documento em questão. Uma vez que o Estado transfere a sua responsabilidade de gestão para a escola, esta acaba trazendo consigo, por consequência, uma sociedade, geralmente, leiga ou até ignorante, assim como professores e gestores que, muitas vezes, não entendem bem o que lhes foi proposto, para dividir tamanha responsabilidade (BARROSO, 2005). Esse caráter de transferência de responsabilidade e de críticas constantes ao documento motivou a presente pesquisa, que tem como objetivo analisar, aprofundar e compreender, a partir de uma análise crítica, a organização da PCESP para o Ensino Médio e as orientações para a disciplina de Química, verificando se as críticas feitas à PCESP são coerentes ou não. Dessa forma, pretende-se compreender o método de ensino-aprendizagem e o embasamento teórico e prático do material que vem sendo utilizado pelos alunos do Ensino Médio das escolas públicas do Estado de São Paulo desde 2008, com um foco voltado para o ensino de Química, e discutir desafios enfrentados pelos docentes ao trabalhar com a PCESP. Metodologia Este trabalho apresenta e analisa a PCESP, utilizando o caminho metodológico Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 de análise documental, discutindo-a à luz de inúmeros subsídios apontados por Kramer (1997), que possibilitam embasar e dissertar sobre uma leitura crítica de propostas curriculares em geral, assim como de outras bases, retiradas de levantamento bibliográfico a respeito do tema. Diante disso, efetuou-se primeiramente uma apresentação da proposta, que é comum a todos os profissionais inseridos na educação pública estadual paulista, dividida em três tópicos constantes da PCESP: 1. Uma educação à altura dos desafios contemporâneos 2. Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo 3. Sobre as áreas do conhecimento (este em quatros subtópicos) Na sequência, há uma discussão e compreensão das orientações da PCESP e suas propostas para a disciplina de Química, levando também em conta a literatura que compreende a parte de currículo, linguagem e ensino de Química. Da proposta curricular do estado de São Paulo Na visão de Macedo (1998), há falta de uma melhor relação entre o conhecimento produzido na escola e sua aplicação social. Nesse contexto, Domingues et al. (2000), envolvendo a nova realidade das escolas públicas, pós Reforma Nacional do Ensino Médio, destaca a possibilidade de as escolas terem uma grande dificuldade para exercer o que propõem as novas reformulações curriculares em razão da falta de material didático, uma vez que nem todos contemplam as competências mínimas da sociedade tecnológica atual. Com o intuito de mudar esse paradigma, foi criada a PCESP, a qual pretendemos analisar e discutir à luz de argumentos de 57 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão vários autores. Em um primeiro contato, podemos, logo em sua apresentação, visualizar a forma organizacional da sua divisão em dois tópicos: 1. Uma educação à altura dos desafios contemporâneos 2. Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo Este segundo tópico apresenta os subitens: • Uma escola que também aprende • O currículo como espaço de cultura • As competências como referência • Prioridade para a competência da leitura e da escrita • Articulação das competências para aprender • Articulação com o mundo do trabalho Vale lembrar que a subdivisão curricular foi feita em “áreas do saber”, respeitando o que foi proposto na última Reforma do Ensino Médio, e será discutida num terceiro momento. Na intenção de evitar ter um “currículo único”, ocorrido antes com outras Reformas Pedagógicas e outras Propostas Curriculares que foram esquecidas, a Secretaria do Estado de São Paulo fez o possível para descentralizar o currículo, pois a descentralização espera do professor uma postura diferente em relação ao currículo. Uma educação à altura dos desafios contemporâneos A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por meio de análises e experiências, propôs em 2008 e dentro da PCESP duas iniciativas para, como ela mesma define, “... fomentar o desenvolvimento curricular e garantir uma base comum...” (p. 9) de conhecimento para os alunos das escolas públicas do Estado. Essas iniciativas são, basicamen- 58 DOMINGUES et al. te, um levantamento bibliográfico do que já se tem como efetivo na teoria e uma consulta às unidades escolares e seus protagonistas para uma troca de experiências sobre boas práticas e bons resultados. De fato, analiticamente, é possível perceber a execução da primeira iniciativa citada no contexto da proposta, gerando, por consequência, uma impressão positiva que, entretanto, é perdida ao longo de sua leitura, uma vez que isso não ocorre com a segunda iniciativa, a de consulta às unidades escolares. Em nenhum momento, há relatos ou evidências de que o que está contido ali foi advindo de experiências eficazes anteriormente adquiridas, por um método ou outro com qualquer que fosse o objetivo, aplicado dentro de uma unidade escolar. Observou-se que “... integra esta proposta um segundo documento, de Orientações para a Gestão do Currículo na Escola... mas tem a finalidade específica de apoiar o gestor...” em sua liderança (PCESP, 2008, p. 9). Contudo, esse documento não foi passível de considerações, uma vez que não se encontra diretamente acessível. Todavia, segundo a PCESP, esse mesmo documento traz orientações para a realização de um Projeto Pedagógico por parte das escolas. A finalidade dessas orientações é garantir a aplicabilidade da Proposta, sendo assim “... um recurso efetivo e dinâmico para assegurar aos alunos a aprendizagem dos conteúdos e a constituição das competências previstas nesta Proposta Curricular” (PCESP, 2008, p.9). Deve-se ainda citar os Cadernos do Professor, que, por sua vez, apresentam interações e coerência em relação à proposta, mas são ineficazes quanto à tarefa de garantir uma base comum. Segundo Pereira (2009), a real intenção é a de homogeneização das escolas estaduais. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Esses cadernos são entendidos, pelo mesmo autor, como um “... material determinado e delimitado para o professor”. Nesse material o conteúdo, as habilidades e as competências estão organizados por série e são acompanhados de orientações sobre a gestão de sala de aula, a avaliação e a recuperação. Além disso, existem sugestões de métodos e estratégias de trabalho, projetos coletivos, atividades extraclasse, experimentações, estudos interdisciplinares e apresentação de situações de aprendizagem como modelos. Entretanto, devemos relativizar a crítica do autor, pois, como coloca a PCESP (2008), estes são mais uma ferramenta que auxiliará o docente no seu trabalho. Pereira (2009) observa que esses elementos, com certeza, contribuem para uma melhoria, mas não são suficientes para resolver o problema, uma vez que a aplicação deles depende de vários fatores, como o nível de aprendizado dos alunos, o material de apoio disponível e a formação do professor para uma otimização da proposta. O que se evidencia nessa discussão é a importância dada pelo Estado para a real aplicação do conteúdo, para que o trabalho e a elaboração da PCESP não tenham sido em vão. Ou seja, não se observa a preocupação com o que sucederá a proposta e sequer apoio ou ações eficazes caso a implementação desta falhe. Além disso, na busca do conhecimento para a interação com o mundo, não são levadas em conta a “condição social” do aluno nem a rede de ensino que ele frequenta. Entretanto, a própria proposta enaltece que “apropriar-se ou não desses conhecimentos pode ser um instrumento da ampliação das liberdades ou mais um fator de exclusão” (PCESP, 2008, p.11). É impossível falar de desenvolvimento, Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 liberdade, autonomia e identidade sem levar em conta a “condição social”, mas não apenas como retórica. Ainda nessa direção, destaca-se que a elaboração do currículo deve ser cuidadosa, uma vez que o documento em questão... (...) tem como princípios centrais: a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo de aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho (PCESP, 2008, p.11). Com base no que se pôde observar e colocar em pauta, chegamos às considerações sobre os nortes do currículo da proposta. A seguir, vamos discutir o segundo tópico da PCESP. Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo Com o propósito de tornar a análise desse item mais clara e dinâmica, será feita uma discussão geral dos itens desse tópico. Já de início, existe concordância com Domingues et al. (2000) sobre toda a modificação no currículo ser mais uma etapa do progresso político do país, a qual deve ser coesa e articulada com essa nova visão política da Educação. Esse segundo tópico denota a importância do currículo na PCESP visto que a escola deve também “aprender a ensinar”. E isso deve se tornar uma verdade relevante, pois um currículo remete à consequência da aprendizagem de competências e habilidades, à forma de atuar dos professores, aos conteúdos nele contidos, aos métodos de ensino e aprendizagem dos alunos, compondo, assim, um sistema que implicará em indivíduos capazes de 59 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão exercer suas responsabilidades sociais de forma produtiva (MOURA, 2008). Desse modo, entende-se que, por mais teórico que seja, o currículo deve ser entendido como algo positivo e alcançável. Todavia, como ressaltado por Domingues et al. (2000), de nada adianta engajar essas mídias no âmbito escolar sem um concomitante preparo dos verdadeiros agentes do currículo — os docentes. Nesse mesmo raciocínio, o professor é visto como um formador de opinião, e a PCESP ressalta a responsabilidade dos gestores, que devem ter a postura de aplicar aos professores tudo aquilo que recomendam, e orientá-los para que estes, por sua vez, apliquem as recomendações com seus alunos. Outrossim, o professor, antes visto como um recurso nas propostas antigas (DOMINGUES et al., 2000), na PCESP tem papel essencial. Deve ser ciente de que, no contexto escolar, é comum ver a cultura associada aos conhecimentos folclóricos e ter o conhecimento como um objetivo inalcançável. Logo, espera-se um docente articulador entre teoria e prática, epistemologia e senso comum. “O Currículo é a expressão de tudo o que existe na cultura científica, artística e humanista, transposto para uma situação de aprendizagem e ensino” (PCESP, 2008, p. 13). Portanto, deve ser anexo da cultura do aluno, e não estar contido nesta, não sendo um obstáculo, mas sim ferramenta para uma aprendizagem cultural articulada pelo docente. Para ser efetivo, segundo a PCESP, o currículo do qual falamos deve também apresentar competências que sejam articuladas entre os aspectos indissociáveis. Podem ser entendidos como aspectos indissociáveis: atuação do professor, conteúdos, metodologias disciplinares e metodologias de aprendizagem. 60 DOMINGUES et al. Assim, como consequência dessa boa elaboração curricular, a escola cumpre o papel que se espera dela nos dias de hoje (PCESP, 2008, p. 13): formar um cidadão capaz de problematizar, interagir e solucionar situações adversas na sociedade em que está inserido. Com a LDB (Lei no 9.394/1996), para a qual o ponto-chave não é mais o que o professor ensinou, e sim o que o aluno aprendeu, a proposta posiciona-se a fim de priorizar como competência curricular o que considera indispensável que todos os alunos tenham aprendido no final do processo educacional (e chama isso de “garantir uma base comum”). Entretanto, vale lembrar que, muitas vezes, o professor formula seu plano de aulas focado no que irá ensinar e não no que o aluno deverá aprender. Então, ao final do ano letivo, tendo seu plano em dia e cumprido, caso algum aluno fracasse, o seu argumento será de que a sua parte foi feita, e o aluno não aprendeu por questões próprias (PCESP 2008, p. 15). Agindo dessa forma, o Estado posiciona-se como um agente regulador por trás de uma “modernização” caracterizada por uma falsa autonomia (BARROSO, 2005). O Estado devolve (para as escolas) as táticas, mas conserva as estratégias, ao mesmo tempo em que substitui um controle direto, centrado no respeito das normas e dos regulamentos, por um controle remoto, baseado nos resultados (BARROSO apud LÜCK 2000, p. 18). Assim, de acordo com essa linha de pensamento, podemos afirmar que a atitude do professor advém do reflexo do que o Estado faz com as entidades escolares ao transferir a responsabilidade que outrora era sua. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Nessa questão é imprescindível lembrar-se dos aspectos indissociáveis, citados a pouco, que tornam o objetivo possível. Assim, a PCESP segue afirmando que esta mutação da cultura do ensino para a aprendizagem significativa não ocorre individualmente. É a escola quem deve manter um ambiente propício para a coletividade entre seus gestores e professores. Na visão de Vygotsky (2001), o ser humano apresenta-se constituído de linguagem. E, para que a aprendizagem seja significativa, é essencial que essa linguagem seja intrínseca ao cotidiano do aluno, tomando-se os devidos cuidados para que não seja apenas mais um recurso de reprodução de conhecimento, mas sim que preze que aluno fale a língua do conhecimento, tornando-se crítico, com as habilidades dos pensamentos antecipatório, combinatório e probabilístico, podendo, por consequência, criar e sistematizar hipóteses. Segundo a PCESP, é no período da adolescência que o indivíduo aprende a usar a linguagem no seu mais alto nível de complexidade como ferramenta para interagir na sua sociedade, sendo a escola responsável por esse aprendizado. Isso é o que vai possibilitar que o adolescente faça escolhas durante sua vida adulta analisando situações e tomando decisões, ciente das consequências de suas atitudes (MOURA, 2008). Por isso, a PCESP prioriza a competência de leitura e escrita, e revela o professor como semeador de conhecimentos que posteriormente serão transformados em competências e habilidades, pois estas têm por função educar para a vida adulta toda. Depois dessas discussões, pode-se observar na sequência da leitura do documento em questão uma mudança de foco nos discursos, embasados até aqui na postura dos professores e gestores, para o papel Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 dos alunos, discutindo o que o estes devem compreender quanto ao sentido da sua aprendizagem e que devem identificar, com um olhar crítico, as referências de cada área do conhecimento, apresentando-se como portador das competências básicas para o caminhar da sua vida adulta. Assim, este aluno, com seu conhecimento construído, deve apropriá-lo e aplicá-lo em situações práticas, casando bem com as linhas estabelecidas na LDB e ainda citando que a ineficácia do ensino está diretamente ligada às dificuldades de estabelecer uma relação prática para o conhecimento (PCESP, 2008). Nesse ponto da discussão, a própria PCESP (2008, p. 22) destaca que: A Química é erroneamente considerada mais prática por envolver atividades de laboratório, manipulação de substâncias e outras idiossincrasias, no entanto não existe nada mais teórico do que o estudo da tabela dos elementos químicos. Já aproveitando essa linha de pensamento da proposta em relação ao aprendizado da Química, a PCESP (2008) destaca que este deve ser usado como ferramenta para solucionar questões do tipo “Que alimentos ou produtos com aditivos químicos devem ou não ser consumidos?”. Não há necessidade de ser um profissional da área Química para resolver que atitude tomar, basta utilizar-se do conhecimento aprendido. Isso é o que se espera do aluno no que concerne à articulação do aprendizado com o cotidiano, com a tecnologia e com o trabalho. Outro ponto positivo na sequência da leitura se dá quando a PCESP nos lembra da nitidez com que o fácil acesso à informação por meio das atuais mídias tecnológicas vem gerando um acúmulo de conhecimen- 61 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão tos por parte dos professores e mais ainda dos alunos. No que se refere à tecnologia, esta se apresenta inserida no currículo dividindo-se em dois caminhos para, segundo ela, uma melhor assimilação do aluno. O primeiro norte tecnológico da proposta trata de que há certa necessidade de se fazer uma “alfabetização tecnológica”. Esta consiste em entender os processos e os recursos tecnológicos que levaram aos avanços do mundo contemporâneo, hoje realidade direta ou indireta no cotidiano de qualquer que seja a classe econômica. Já o segundo é reflexo do primeiro nas áreas do conhecimento entendidos como: avanços, experimentos, máquinas, métodos armazenamento de informações, etc. De tal modo, englobando os tópicos já citados, vale ressaltar que, segundo a LDB, estão entre as competências do Ensino Médio: “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento superiores”. Logo, fica claro, quanto ao objetivo do currículo, que o aluno, ao se formar, tenha condições de executar, resolver situações problema, tomando decisões com embasamento e voltando a uma qualificação profissional posterior, cumprindo assim com o que é proposto, e não tendo o caráter propedêutico e cegamente voltado aos vestibulares. Sobre as áreas do conhecimento Destaca-se aqui, em uma breve discussão, a forma organizacional da PCESP no que se refere à divisão das áreas do conhecimento e sua subdivisão curricular. É importante destacar, para um melhor entendimento dessa organização, que essa 62 DOMINGUES et al. subdivisão curricular ocorre em ramificações não mais individuais, mas trazendo um conjunto de disciplinas algumas das quais permanecem como no que foi proposto na última reforma do Ensino Médio. A Resolução CEB/CNE nº 03/98 organiza essas disciplinas em: Ciências Humanas e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Estas estão acompanhadas do termo “tecnologias” em razão do objetivo da resolução de conectar os conhecimentos científicos à suas aplicações tecnológicas. Já na PCESP, a novidade fica na compreensão de haver uma área específica para a Matemática, uma vez que essa se comunica com todas as outras áreas do conhecimento. Isso se dá pela busca por uma melhoria no ensino com o objetivo de garantir que os conteúdos sejam trabalhados de forma segura e eficiente, mas que resguarde a autonomia do docente. Obviamente, essa busca não tem um caráter neutro, mas sim manifestado nas linhas de pensamento e conhecimento presentes nos cadernos das disciplinas que compreendem as áreas do conhecimento citadas (GUIMARÃES et al., 2009). No contexto discutido por Guimarães et al. (2009), é compreensível, então, ter esse tipo de distribuição. Apresentamos abaixo as áreas do conhecimento compostas pelas respectivas disciplinas segundo a PCESP (2008): • Ciências Humanas e suas Tecnologias: História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Psicologia. • Matemática e as Áreas do Conhecimento: Matemática. • Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Artes e Educação Física. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB • Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Biologia, Física e Química. Tal fato nos chama a atenção de que a PCESP (2008), com embasamento na LDB de 1996, considera a união de certas disciplinas em um único conjunto como algo natural e visto também como um recurso pedagógico no sentido de constituir uma pré-articulação entre elas. Em uma discussão inicial e aprofundando mais o interesse do presente trabalho, sintetizou-se a seguir o embasamento teórico para a criação e divisão dessas diferentes áreas, assim como as metas mais claras e objetivas que cada uma dessas áreas do conhecimento compreendem. Da área do saber ‘Ciências Humanas e suas Tecnologias’ Esta área encara a ciência como algo humano, resultado do acúmulo de conhecimento e investigações. É necessário aqui que o aluno possa se apropriar e compreender cientificamente as relações entre diferentes sociedades e conhecimentos. Da área do saber ‘Matemática e as Áreas do Conhecimento’ O conceito de alfabetização remete àquele indivíduo capaz de ler, escrever e contar. Logo, essa última competência é de responsabilidade da Matemática, sendo, segundo a organização das PCN’s, a disciplina mais próxima da área de Ciências Naturais e encarada na PCESP como base e instrumento de trabalho para ser usada nessa área. Da área do saber ‘Linguagens, Códigos e suas Tecnologias’ A linguagem é claramente um meio de comunicação que pode ser aplicado de diversas formas. Assim, deve-se trabalhar o conhecimento linguístico e as técnicas Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 de interpretação para que o aluno possa compreender, discutir e remeter o que foi aprendido ou informado. É de responsabilidade dessa área fazer a ligação entre intertextualidade e interdisciplinaridade. Da área do saber ‘Ciências da Natureza e suas Tecnologias’ Nesse grupo de áreas do conhecimento existe um maior aprofundamento com uma discussão mais ampla associada aos avanços tecnológicos e científicos, assim como à compreensão desses avanços, aos métodos experimentais, aos recursos utilizados e à diferença que fazem no cotidiano social. Da mesma forma, discute unidades de medida, produção de materiais e alimentos, termos técnicos etc., rompendo a fronteira preconceituosa que muitas vezes fica pela falta de conhecimento. Cabe aqui o exemplo de que não é preciso ser químico para discutir a qualidade de uma água tratada. Nesse caminho, as discussões de Moura (2008), assim como a visão dos autores deste trabalho, tornam explícito que a proposta se apresenta com uma forma organizacional muito diferente de quando transferida para o cotidiano escolar, uma vez que a autonomia das lideranças a incorporam da forma que lhes convém. E isso, muitas vezes, é o que gera toda a polêmica que envolve essa proposta e agrava ainda mais a questão dos envolvidos no meio educacional não darem fé à eficácia do documento. Nota-se também dificuldade de adaptação à PCESP, pois sua forma de trabalho engaja interdisciplinaridade e contextualização, campos ainda inexplorados por certos docentes. Outro aspecto que também torna o processo das propostas curriculares do Ensino Médio conflituoso é o fato de os agentes que compõem a escola como 63 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão um todo não estarem dispostos a acatarem propostas que não refletem o dia a dia das escolas, mas também não deixam de lado os cômodos velhos hábitos. Boa parte dos empecilhos colocados à aplicação da PCESP está ligada à primeira manifestação material da última Reforma do Ensino Médio que se remete a um currículo composto por ideais da interdisciplinaridade e contextualização. Segundo Domingues et al. (2000), essa ideologia tenderia a reorganizar as experiências dos agentes escolares, fazendo com que revissem suas práticas, debatessem aquilo que ensinam e como ensinam. Visto que, para a disciplina de Química os algozes não são diferentes, temos então pautadas algumas observações para discorrer em nosso próximo eixo de discussão. As orientações da pcesp para a disciplina de química Uma vez apresentado o conhecimento químico como ferramenta e parte da construção do caráter do ser humano e sua sociedade, o aluno poderá entender a ciência e seu percurso até os conhecimentos de hoje, e, por conseqüência, tratar isso como uma forma alternativa de ver e viver a sociedade (PCN+, p. 87 apud PCESP, 2008). Para que a PCESP cumpra com seu objetivo é necessário que o gestor se faça presente na articulação das competências do docente para uma organização dos conteúdos diferente do que se conhece como “transmissão de conhecimento” e “aprendizagem mecânica”. Não mais se devem despejar definições e fórmulas no aluno, mas sim permitir que ele mesmo construa seu próprio conhecimento. Este deve ser orientado a partir de uma base em tripé constituída pela associação de: materiais e suas propriedades, 64 DOMINGUES et al. modelos explicativos e transformações químicas (PCESP, 2008), sendo que essa associação é de responsabilidade do docente. Vygotsky (2001, p. 211) nos lembra de que “a formação dos conceitos surge sempre no processo de solução de algum problema que se coloca para o pensamento do adolescente”. Nesse contexto, o docente pode, por exemplo, discutir ideias, prós e contras no uso de determinada fonte de energia, gerando por consequência das suas interações uma aprendizagem significativa e contextualizada com a realidade. No entanto, por melhor que seja a intenção do docente em promover o conhecimento químico, engajando-o a processos, aplicabilidade, opinião e decisão sobre problemáticas distintas, é necessário que o aluno esteja numa condição voluntária a conceber esse conhecimento para que obtenha as habilidades de fazer, conhecer, ser e estar em sociedade. Fica explícito o porquê de uma sequência didática alternativa, que não se inicie pela compreensão de um átomo, por exemplo, pois, segundo a PCESP (2008, p.42): Essa sequência didática, que parte da apresentação de um modelo atômico microscópico e abstrato, exige que o aluno compreenda uma possível explicação microscópica para propriedades macroscópicas dos materiais, antes mesmo de conhecer fatos químicos. A aprendizagem, muitas vezes, é mecânica e pouco significativa. Diante dessas ideias, deve-se construir um conhecimento diferenciado, crítico e ativo, permitindo que o aluno, por si só: compreenda, investigue e conclua, articulando a Química com as outras áreas e no exercer de sua cidadania. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Quanto aos docentes, estes devem propor desafios e problemáticas que instiguem o aluno a articular as habilidades em diferentes áreas do conhecimento e de seu cotidiano (PCESP, 2008). Para esse fim, há uma organização de temas propostos para cada série, que se voltam especificamente para o ensino de Química e devem ser trabalhados pelo docente com certa dedicação e cuidado. Para um melhor trabalho do docente e maior qualidade na aprendizagem, a alternativa mais adequada encontrada foi dividir a disciplina em temas de acordo com a série no Ensino Médio, levando em conta a capacidade de assimilação, discussão e conhecimentos prévios dos alunos. A partir disso, dividiram-se os temas das seguintes maneiras (PCESP, 2008, p.45): • Para a primeira série: transformação química na natureza e no sistema produtivo. • Para a segunda série: materiais e suas propriedades. • Para a terceira série: atmosfera, hidrosfera e biosfera como fontes de materiais para uso humano. Sobre os temas e seus desenvolvimentos, pode-se definir, segundo a PCESP (2008): • Para o primeiro ano: as transformações químicas que ocorrem cotidianamente aos nossos olhos e aquelas induzidas para que os padrões de vida e de desenvolvimento sejam respectivamente mantidos e evoluídos. Espera-se que o aluno tenha a noção fenomenológica de mutação de um ou mais materiais em novos compostos com propriedades diferentes e sua importância social. • Para o segundo ano: aprofundamento na questão das propriedades e Ciência e Cultura • v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 composições dos materiais, já que é a partir dessas propriedades que se pode prever a formação de um composto a partir de uma reação tal qual a tendência de certa substância apresentar interação com outra e sua relevância, ampliando assim seu conhecimento sobre as transformações e como elas acontecem. Para o terceiro ano: a influência do homem no meio ambiente e seus resultados e consequências para o próprio homem. A reversibilidade é inserida nos conceitos de transformações químicas tanto quanto conceitos de velocidade das reações e como o homem obtém materiais e compostos para que haja a compreensão da importância do equilíbrio químico. Desse modo, para a disciplina de Química, a PCESP faz jus ao que é proposto. Porém, o que fica em aberto é a execução dessas ideias visto que o preparo dos professores e a disposição dos alunos podem divergir em vertentes não naturais. Tendo por entendida e revisada a forma organizacional da PCESP no que se refere à disciplina de Química, trataremos com um olhar crítico em uma discussão final a aplicabilidade da PCESP, tentando fundamentar a situação de críticas constantes que levaram à elaboração deste trabalho. Resultados e discussão Finalmente, encerram-se aqui as análises dos autores sob o pensamento de que, com a mudança do foco de trabalho do professor para o aluno, novos rumos foram dados à educação pública. A partir da Reforma do Ensino Médio nos anos 2000, intensificaram-se os processos para a criação de propostas curriculares e a busca por materiais didáticos. O Estado de São Paulo, 65 Proposta curricular do estado de São Paulo para a disciplina de Química: implantação, apresentação e discussão por sua vez, desenvolveu seus próprios materiais, e a PCESP no ano de 2008, mas sem a consulta apurada aos professores e gestores. Tal aspecto gerou uma forte postura de protesto e transferência de responsabilidade entre esses entes que compõem o âmbito educacional. Visivelmente, o Estado passou a ter um papel de analista crítico em base de dados que não leva em conta o peso do aspecto social. Todavia, isso não é algo solucionável de imediato. Portanto, é indispensável que o docente, dentro de seus nortes, abrace a proposta para que haja uma mútua troca de saberes entre os profissionais, as atitudes competentes e os alunos. De acordo com as fontes consultadas, consideramos que as reclamações e os empecilhos colocados por docentes e gestores são pivôs de uma grande discussão que permeia a aplicação efetiva da PCESP a ponto de culminar num descaso com o aluno, visto que as obrigações da escola vão além do que foi citado ao longo dos conteúdos do trabalho. Levou-se em conta, ainda, o aspecto relevante da capacitação do docente para confrontar desafios como educação inclusiva e desigualdade social, além da perspectiva de se ter um bom entendimento da proposta para que haja, então, um resultado positivo. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirma que oferece aos docentes, em grande número, opções de formação continuada. Essa afirmação por parte do Estado acarreta questões quanto às condições de trabalho, jornada de trabalho, salário, até muitas outras que devem se fazer presentes para que o docente sinta-se à vontade para buscar uma formação continuada. Esse caráter de reprovação que começa dentro da sala de aula chega aos gestores, que repensam na utilização do material, e, principalmente, aos alunos, que por sua vez 66 DOMINGUES et al. reproduzem as palavras de seus mestres em casa, abalando o potencial e a perspectiva positiva da PCESP. Um número considerável de docentes ainda critica negativamente a PCESP e a gestão, colocando a cargo do aluno a responsabilidade pela aprendizagem não significativa. Todavia, essas atitudes caracterizam esses docentes como recíprocos à forma em que o Estado tende a conduzir a Educação. No entendimento dos autores deste trabalho, um Estado participativo na escola pública, mas não autoritário (BARROSO, 2005) e unidades escolares motivadas (RIBEIRO, 2008) são fatores que podem tornar possível a construção de uma identidade coletiva e compartilhada entre os agentes da Educação ainda tendo a PCESP não como obrigação, mas como um norte à construção de todo conhecimento e toda proposta pedagógica individual. Isso acarretaria uma melhora na qualidade da Educação e tenderia a intensificar as reformulações constantes dos currículos, uma vez que se vive em uma era na qual o avanço da tecnologia é exponencial, enquanto o avanço social é linear. Conclusão De tal modo, conclui-se que, de uma forma objetiva e bem embasada quanto à gestão e sua autonomia, a PCESP concretiza a ideia de um Estado com postura de avaliador, que espera um maior preparo dos docentes sem estabelecer condições para que isso se realize. Esses docentes, em sua maioria, justificam seu despreparo por não ter os subsídios necessários e reprovam o uso dos Cadernos do Professor (muitas vezes em forma de protesto) em vez de buscar uma melhor condição de trabalho, uma vez que é de vão esforço confrontar algo que não é passível de uma mudança imediata. Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Todos os aspectos estudados ressaltam a tamanha importância do Estado em ser participativo, incentivador, investidor e não apenas um avaliador. Em relação ao docente, sua posição quanto a quaisquer fatos tem um peso ideológico incalculável pelo fato de atuar profissionalmente na condição de formador de opinião. Assim, definitivamente, só uma postura alternativa de ambas as partes pode mudar esse quadro — e a iniciativa dever partir do Estado como fez com a PCESP. Só então poder-se-ia chegar a uma conclusão quanto à efetividade concreta da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de Química. v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 KRAMER, S. Propostas pedagógicas ou curriculares: Subsídios para uma leitura crítica. Educação & Sociedade, ano XVIII, n. 60, 1997. LÜCK, H. Perspectivas da gestão escolar e implicações quanto à formação de seus gestores. Em Aberto, v. 17, n. 72, 2000, p. 11-33. MACEDO, E.F. Os temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Química Nova na Escola, n. 8, 1998, p. 23-27. Referências BARROSO, J. O Estado a educação e a regularização das políticas públicas. Educação & Sociedade, v. 26, n. 92, 2005, p. 725-751. MOURA, M.R.L. Reformas educacionais e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Primeiras Aproximações. 2008. Disponível em: <www.estudosdotrabalho. org/anais6seminariodotrabalho/ marcilenemoura.pdf> Acesso em 27 set. 2012. BRASIL. Ministério da Educação. 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Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Química. São Paulo: SEE; 2008. Ciência e Cultura VYGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2001. 67 CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? Urban floods: obstacles to implementation of effective drainage systems, impotence or unconcern? Thiago Rodrigo de Oliveira Alves1, Paulo Roberto Moreira Monteiro1 Curso de Engenharia Civil, Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. 1 Resumo Este trabalho teve por objetivo acompanhar a evolução dos sistemas de drenagem urbana, ao longo da formação das cidades, tendo como foco os problemas relacionados às inundações. Foi realizada uma revisão bibliográfica referente ao processo evolutivo do sistema de drenagem urbana e da formação das cidades brasileiras, examinando-se os principais autores relacionados aos temas. Ao longo do processo de expansão territorial no Brasil, diversas cidades cresceram de forma acelerada e sem planejamento, expansão esta conduzida principalmente pela influência de características topográficas, econômicas e de interações sociais. Isso resultou em sistemas de drenagem impróprios e deficientes, os quais refletem em sérios problemas econômicos, ambientais e para o bem-estar da população. O governo tem a obrigação de agir na prevenção e no combate de incidentes que possam vir a gerar danos à saúde da população, e as inundações urbanas estão entre os principais eventos danosos. Estudou-se também brevemente a influência que a formação cultural brasileira pode apresentar sobre a administração pública atual quanto ao combate e à mitigação de inundações urbanas, buscando respostas para os problemas existentes no planejamento urbano brasileiro. Conclui-se que características culturais herdadas durante o processo de colonização demonstram-se influentes na administração pública atual, principalmente na falta de planejamento e na ausência de uma cultura de segurança, em que, muitas vezes, deixa-se de lado a prevenção e assume-se um papel de vulnerabilidade após a ocorrência dos desastres hidrometeorológicos. Palavras-chave: drenagem urbana; desastres naturais; plano diretor; políticas públicas. Abstract This paper aimed to monitor the development of urban drainage systems along with the formation of cities, focusing on the problems related to flooding. A literature review was conducted concerning the evolution process of urban drainage system and the formation of Brazilian cities, examining the main authors related to the themes. Throughout the process of territorial expansion in Brazil, several cities grew rapidly and without planning, expansion that was driven mainly by the influence of topographic and economic features and social interactions. This resulted in improper and disabled drainage systems, which reflects in serious problems regarding the economy, environmental and the welfare of the population. The gov- Autor para correspondência: Thiago Rodrigo de Oliveira Alves – Avenida Professor Roberto Frade Monte, 389 – Aeroporto – CEP: 14784-226 – Barretos (SP), Brasil – E-mail: [email protected] Recebido em: 06/08/2014 Aceito para publicação em: 10/09/2015 Ciência e Cultura 69 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? ALVES et al. ernment has the obligation to act in prevent and combating incidents that may come to generate damage to the health of the population, and urban flooding are among the main damaging events. It was briefly studied the influence that the Brazilian cultural formation can exercise over the current government as to combat and mitigate urban floodings, seeking answers to the problems in the Brazilian urban planning. It was conclude that cultural characteristics inherited during the colonization process show to be influential in the current government, especially in the lack of planning and safety culture, often leaving aside the prevention and assuming a vulnerability role after the occurrence of hydrometeorological disasters. Keywords: urban drainage; natural disasters; master plan; public policy. Introdução Desastres naturais ocupam cada dia mais destaque na mídia no Brasil, principalmente as inundações, que se apresentam por todo o território nacional. Alcántara-Ayala (2002) define desastre natural como um evento natural com capacidade de provocar danos físicos e socioeconômicos, gerados durante ou após sua ocorrência. Cunha (2012) afirma que a inundação é um desastre tipicamente brasileiro por afetar todas as regiões do país. Um dos casos de inundação mais marcantes registrados ultimamente no Brasil ocorreu em Alagoas, entre os dias 16 e 20, durante o mês de junho no ano de 2010. De acordo com Souza (2011), as cabeceiras dos rios Mundaú e Paraíba, localizados entre os estados de Pernambuco e Alagoas, foram atingidas por uma intensa chuva, resultante de um fenômeno denominado Onda de Leste, aumentando historicamente a vazão dos rios e inundando diversos municípios da região. O incidente gerou graves consequências socioambientais, causando a morte de mais de 40 pessoas. Além desse episódio, diversos outros casos de inundações foram registrados ao longo das últimas décadas no país. Conforme a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008 (IBGE, 2010), entre 2004 e 2008, 2.274 mu- 70 nicípios declaram ter problemas com inundações, e 60,7% destes confirmaram haver ocupação urbana em áreas inundáveis naturalmente por cursos d’água. Segundo relatório das Nações Unidas e do Banco Mundial (2010), estima-se que entre os anos de 1970 e 2010, aproximadamente, 3,3 milhões de pessoas morreram em consequência de desastres naturais. De acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2007), comunidades urbanas de baixa renda tendem a ser mais vulneráveis a eventos extremos, especialmente comunidades presentes em áreas de risco. Cunha (2012) afirma que comunidades com menor renda financeira são mais vulneráveis à ocorrência de desastres naturais, principalmente, pela falta de informações e treinamentos. Kobiyama et al. (2004) sugerem a criação de grupos de autodefesa contra desastres naturais (GADN) dentro das comunidades, com o objetivo de atuar antes, durante e após os desastres. Entende-se, segundo Parkinson e Butler (2005), que o gerenciamento do saneamento e das águas pluviais apresenta relação direta com o índice de doenças transmissíveis. Problemas relacionados a catástrofes, como no caso de inundações, podem apresentar impactos diferentes de país para país; sua condição econômica definirá o ritmo de reconstrução (ISDR, 2005). Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Holanda (1995) atribui diversas características da sociedade portuguesa diretamente associadas com a formação cultural nacional. Mas, qual a influência dessas características na atuação da administração política brasileira para o combate a inundações urbanas? Quais os deveres e limitações da administração pública quanto à prevenção e ao combate às inundações? O objetivo deste artigo foi, mediante a revisão da bibliografia do tema inundações urbanas, examinando-se os principais autores relacionados ao tema, analisar a atuação da administração pública no Brasil e se características culturais herdadas pelo processo de colonização portuguesa têm relação com os sistemas de drenagem ineficientes existentes atualmente no país. Almejou-se encontrar respostas para os eventos de inundações presentes cada vez mais no dia a dia de toda a população, propondo-se superficialmente estudos futuros para a obtenção de melhorias no combate a inundações urbanas. Material e métodos A pesquisa realizada neste trabalho abrange uma análise multidisciplinar, envolvendo estudos nas áreas de Ciências Hidrológicas, Engenharia Urbana, Políticas Públicas e Ciências Sociais. A análise de todos os dados apresentados ao longo do artigo é realizada pelos métodos indutivo e dedutivo. Quanto à metodologia, o trabalho fez uso do método dialético, qualitativo, pois não se busca enumerar estatisticamente a ocorrência de eventos, mas sim qualificar os dados coletados referentes ao problema. Foi realizada uma revisão bibliográfica concernente ao processo evolutivo do sistema de drenagem urbana e da formação das cidades brasileiras, examinando os principais autores relacionados aos temas. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Também foram associados trabalhos referentes à influência de características culturais durante a colonização, discutindo a relevância destas no combate e prevenção de inundações urbanas. A pesquisa pode ser classificada como bibliográfica e documental. As bases de dados para a busca literária foram SciELO, Periódicos Capes, livros relacionados às áreas de conhecimento da pesquisa, além de artigos na íntegra on-line. Resultados e discussões A importância da Ciência Hidrológica De acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM, 2006), historicamente, o sistema de drenagem urbana pode ser dividido em três distintas fases: Higienismo, Período da Racionalização e Período Científico. O Higienismo é caracterizado pela grande preocupação com problemas de saúde, no qual se evitavam locais com água parada, os quais serviam como meio de propagação de doenças. No Período da Racionalização, graças aos avanços na realização de cálculos hídricos, tornou-se possível a criação de canais urbanos retificados e maiores, podendo-se assim promover uma evacuação mais rápida das águas pluviais. Por fim, no começo do século XX, deu-se início ao Período Científico, no qual, graças ao desenvolvimento de técnicas e, mais tarde, do avanço de programas computacionais, pode-se separar a água de chuva da água de esgoto. Nota-se que, a partir desse período, a rápida evacuação das águas pluviais não é mais o objetivo principal dos sistemas de drenagem, mas o estabelecimento de uma retenção natural por meio de uma nova visão sustentável. 71 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? Conforme Cruz et al. (2007) e Butler e Parkinson (1997), são sistemas de drenagem sustentáveis aqueles que minimizam as perturbações a outras atividades sociais e a processos naturais. Entende-se, mediante os dados mencionados, que as cidades formadas no Brasil anteriormente ao século XX não apresentaram conscientização sobre a importância da realização de projetos sob as perspectivas desenvolvidas no Período Científico. Segundo Chow (1964) e também Villela e Matos (1975), Hidrologia é a ciência responsável por estudar a ocorrência, a circulação e a distribuição da água na terra, suas propriedades físicas e químicas, e as relações apresentadas com o meio ambiente. Essa definição pode ser complementada pela seguinte afirmação de Tucci (2000, p. 25), Hidrologia é uma ciência interdisciplinar que tem tido evolução significativa em face aos problemas crescentes, resultado da ocupação das bacias, do incremento significativo da utilização da água e do resultante impacto sobre o meio ambiente do globo. Ainda segundo ele, profissionais de diferentes áreas podem atuar nessa ciência em razão do amplo leque de subáreas presentes na Hidrologia. Vestena et al. (2002) enfatiza a importância da Ciência Hidrológica para prevenir e mitigar os mais diversos desastres naturais relacionados à água. Tendo em vista que diversos desastres hidrológicos estão relacionados à quantidade e às características das águas, conclui-se assim que, para o planejamento de ações de combate e prevenção de inundações, a realização de estudos hidrológicos é um fator 72 ALVES et al. significativo, demonstrando ser ponto de partida para os demais estudos. Contudo, diversos fatores assumem papel desafiador para a gestão hídrica, intensificando a ocorrência de inundações e dificultando a execução de medidas corretivas. Os desafios da gestão hídrica Monteiro (1991) corrobora que as enchentes e os deslizamentos não resultariam em danos tão significativos caso o homem não ocupasse planícies inundáveis. Canholli (2005) ressalva uma importante característica no processo de formação das cidades, a necessidade da proximidade de corpos hídricos. Segundo ele, as áreas mais baixas, próximas às várzeas dos rios ou beira-mar, são adotadas durante o processo de urbanização, sendo utilizadas como meio de transporte, fonte de alimento e para mitigação da sede dos animais. Historicamente, a crescente urbanização desordenada tem contribuído para o surgimento de áreas de risco de inundações e alagamentos em grande número de cidades, em todas as regiões brasileiras (CUNHA, 2012). Nota-se que, durante o processo de formação das cidades brasileiras, a falta de conhecimento hidrológico, não se dando a devida atenção à dinâmica do movimento das águas, associado à necessidade da proximidade com rios e córregos, instalando-se em áreas de várzea, ocasionou ambientes propícios à ocorrência de inundações. O crescimento populacional é mais um fator que se mostra diretamente ligado à ocorrência de inundações; quanto maior a população e o seu ritmo de crescimento, maior são as possibilidades de inundação em decorrência da maior impermeabilização do solo e da redução do tempo de concentração, como também da maior vazão ocorrente (TUCCI, 2007). Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Observa-se, segundo Vestena (2008 apud ALEXANDER 1995), que a estimativa populacional mundial prevista para o ano de 2050 é de 12,5 bilhões, o que contribuirá com um aumento significativo na demanda por terras para ocupação e produção de alimentos, resultando na ocupação de áreas instáveis e propícias à ocorrência de desastres naturais, principalmente pelas classes sociais menos favorecidas. Nota-se, por meio dos dados analisados, que locais sujeitos à ocorrência de incidentes com inundações perderão valor de mercado, tornando-se um atrativo para a população com renda inferior, pois esta optará por habitar espaços mais acessíveis economicamente. De acordo com Machado (2008, p. 96), a atividade produtiva, a qualidade de vida dos moradores e o patrimônio ambiental são afetados pela estrutura urbanística das cidades. Entende-se, segundo Cardoso Neto (2006), que o processo de zoneamento urbano sem condições técnicas adequadas, ou seja, com ausência de estudos hidrológicos, deficiência nas fiscalizações, falta de regulamentações e diversos outros fatores, destaca-se quanto a ocupações inadequadas do solo. Como resultado, em muitos casos, tem-se a ocupação de cabeceiras íngremes e várzeas de rios, acarretando em áreas sujeitas futuramente a possíveis problemas de drenagem. Diversos outros fatores demonstram-se influentes para o aumento de desastres naturais, entre eles as mudanças climáticas, o desmatamento e as alterações no ciclo hidrológico, deixando a população à mercê das forças da natureza, assumindo uma posição vulnerável. A remoção de florestas mostra-se a grande causadora de alterações no ciclo Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 hidrológico, conforme apontam diversos experimentos realizados em microbacias experimentais por todo mundo. O aumento da vazão dos cursos d’água locais é uma dessas consequências (TRANCOSO et al., 2007). O alto índice de impermeabilização do solo, associado ao desmatamento e ao aumento na taxa de sedimentos (principalmente materiais provenientes da construção civil, como bota-foras), reflete no desregulamento do ciclo hidrológico, que passa a ter maiores picos e vazões. Tais fatores estão associados ao assoreamento das seções de drenagem, reduzindo consideravelmente sua capacidade de escoamento. Falconeri (2006) afirma que o Poder Público deve zelar pelo correto funcionamento de atividades que possam causar danos ao meio ambiente. O governo também deve zelar pelo bem-estar da população, e a ocorrência de inundações proporciona situações prejudiciais à qualidade de vida dos moradores das áreas atingidas e ao meio ambiente, tornando-se um obstáculo para as administrações políticas existentes. Dever/atuação das políticas públicas O sistema de drenagem urbano está diretamente relacionado com o saneamento básico de uma determinada região. Qualquer erro em seu planejamento tende a ocasionar danos à cidade, resultando em queda na qualidade de vida da população de diferentes formas. Pode, por exemplo, interferir no bem-estar físico da população pelo aumento no índice de proliferação de doenças, no bem-estar psicológico em decorrência do caos ocasionado pela situação, e acarretar enormes prejuízos financeiros em razão dos danos causados ao patrimônio publico e privado, além de muitas outras avarias. 73 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? Ribeiro (1995 apud Silva 1998, grifo nosso): Numa perspectiva sociológica, um desastre é entendido como um acontecimento não rotineiro que provoca uma disrupção social, cujo seu grau de impacto reflete em grande parte, o tipo e o grau de preparação de uma determinada comunidade para lidar com os riscos naturais e tecnológicos. Este é usualmente entendido como algo de natureza ruinosa e desoladora que se traduz numa situação de emergência, para a qual é imprescindível uma intervenção imediata. (SILVA 1998, p.1). Segundo Almeida (2009, p.1): No que tange aos perigos ditos “naturais”, há estatísticas que confirmam o crescimento das perdas humanas e econômicas em todo o mundo, ao mesmo tempo em que crescem a frequência e a magnitude dos eventos naturais. Surge o questionamento: as perdas (humanas e econômicas) têm aumentado em função do acréscimo na frequência e magnitude dos eventos ou pelo aumento na quantidade de pessoas vulneráveis aos perigos naturais?. Segundo Cunha (2012), a ocorrência de desastres naturais assume papel desafiador para os governos, especialmente administrações municipais, pelas sequelas ambientais, sociais e econômicas. Podem-se citar entre essas consequências, o aumento na proliferação de doenças e a ocorrência de mortes. Humenhuk (2004) corrobora que todo cidadão tem direito a uma vida de qualidade, afirmação esta reforçada pelo artigo 196 da Constituição Federal (1988). 74 ALVES et al. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifos nossos) O artigo 2º da Lei nº 8.080/90 estabelece que o Estado deve promover indispensavelmente condições para que o ser humano tenha uma vida saudável. A ocorrência de inundações posiciona-se como um obstáculo, pois essa catástrofe ocasiona danos profundos ao bem-estar da comunidade. Analisando-se os dados mencionados ao longo do artigo, conclui-se que o governo tem a obrigação de agir na prevenção e no combate de incidentes que possam vir a gerar danos à saúde da população, e as inundações urbanas estão entre os principais eventos danosos. O Poder Público tem o dever de zelar pelo bom e correto funcionamento das atividades que possam causar danos ecológicos, vigiando e orientando os particulares para que estes estejam sempre em acordo com as normas. Caso essa vigilância esteja sendo efetuada de maneira inadequada, e a omissão cause prejuízo para as pessoas, o Poder Público deve responder solidariamente com o particular. (FALCONERI, 2006, p. 9). ... a política pública resulta de decisões tomadas pelos governos e as decisões governamentais de não fazer nada são tão políticas, tanto quanto aquelas para fazer alguma coisa. (HOWLETT e RAMESH, 2003, p. 5 a 10). Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Com o intuito de proteger a população, criou-se a Defesa Civil, também denominada em muitos países “proteção civil”, a qual, segundo Cunha (2012), corresponde ao conjunto de ações de prevenção, socorro, assistência e de reconstrução, tendo como objetivo evitar ou minimizar os desastres, preservando o bem-estar da comunidade. Segundo o mesmo autor, a Defesa Civil no Brasil é guiada por normas e legislações, entre elas a Política Nacional de Defesa Civil, aprovada pela Resolução nº 2, de 12 de dezembro de 1994, do Conselho Nacional de Defesa Civil (CONDEC). O planejamento da Defesa Civil é realizado por órgãos dos três níveis de governo, coordenados pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, responsável por planejar e coordenar as atividades realizadas. Outra ferramenta que auxilia no combate às inundações é o Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDU). Segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (2006, p. 25), O Plano Diretor de Drenagem Urbana - PDDU é o conjunto de diretrizes que determinam a gestão do sistema de drenagem cujo objetivo é minimizar o impacto ambiental devido ao escoamento das águas pluviais. O PDDU deve priorizar as medidas não estruturantes, incluir a participação pública, ser definido por sub-bacias urbanas e ser integrado ao plano diretor de desenvolvimento urbano. Seus principais objetivos são evitar perdas econômicas, preservar ao máximo o meio ambiente e zelar pelo bem-estar da população. Analisando suas diretrizes, entende-se que cabe ao PDDU aliar Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 a ocupação territorial a um sistema de distribuição fluvial eficiente, levando-se em conta o tempo e o espaço disponível, e priorizando medidas não estruturais. Com isso, combatem-se as ocupações de áreas irregulares e planeja-se corretamente a ocupação de áreas baixas, visando prevenir problemas de drenagem futuros. Para a realização do Plano Diretor de Drenagem Urbana, primeiramente atribuem-se informações básicas denominadas “dados de entrada”, compostas por dados da bacia hidrográfica, características da ocupação do solo, características econômicas regionais, entre outros, as quais servirão como base para o projeto. Por sua vez, o plano não pode ser desenvolvido individualmente, é necessário trabalhar ao lado de outros planos, como o Plano de Desenvolvimento Urbano e o Plano de Saneamento e Limpeza Urbana, o que dificulta ainda mais sua correta implantação. Entretanto, a administração política nacional demonstra-se falha no combate à ocorrência de inundações, que são cada dia mais frequentes na vida do cidadão brasileiro. Alguns autores, como Tucci (2005), afirmam que muitos prefeitos não veem obras de drenagem com bons olhos, pois sua realização não é notória para a população e confronta o interesse de grandes proprietários de áreas de risco. O gerenciamento atual não incentiva a prevenção destes problemas, já que à medida que ocorre a inundação o município declara calamidade pública e recebe recurso a fundo perdido e não necessita realizar concorrência pública para gastar. Como a maioria das soluções sustentáveis passa por medidas não estruturais, que envolvem res- 75 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? trições à população, dificilmente um prefeito buscará este tipo de solução, porque geralmente a população espera por uma obra. Enquanto que, para implementar as medidas não estruturais, ele teria que interferir em interesses de proprietários de áreas de risco, que politicamente é complexo a nível local. (TUCCI, 2005, p. 30). Observa-se, segundo ele, que a implantação de legislações restritivas com o objetivo de proteger os mananciais apresenta muitas vezes resultados negativos. Em razão da desvalorização econômica e da necessidade de pagamento de impostos sobre as áreas de risco, diversos proprietários incentivam a invasão dessas áreas pela população de baixa renda, com o objetivo de vender as áreas ao Poder Público. Embora existam diversas cidades planejadas no Brasil, a cultura de não se planejar é um fator influente durante a formação de muitas das cidades brasileiras. A falta de informação da população, aliada à ausência de uma cultura de segurança, tratando desastres naturais como evento repentino e inesperado, apresenta forte influência na situação dos sistemas de combate a inundações existentes atualmente. Tal situação é reforçada pelo comportamento da administração política nacional. Mas, por que, ao contrário de muitos países, o Brasil não apresenta uma cultura de prevenção e planejamento eficiente? Teriam essas características culturais algum tipo de relação com o processo de colonização do Brasil pelos portugueses? Raízes culturais e a administração política nacional Entende-se que a administração pública nacional apresenta deficiências quanto ao combate das inundações ur- 76 ALVES et al. banas, como já visto, deixando a desejar quanto à execução de fiscalizações, apresentação de regulamentações ineficazes e investimentos insuficientes no combate e prevenção a desastres hidrológicos. De acordo com Seibel (2001), as instituições públicas apresentam dificuldade em exercer suas funções de modo social e organizado. Tal citação é reforçada por diversos trabalhos sociológicos, destacando-se entre estes os de Sérgio Buarque de Holanda (1995), que associa a frouxidão de laços sociais, consequentes da colonização brasileira, a sua estrutura organizacional, de modo a impor maior valor ao individualismo e não à coesão social. Holanda (1995) atribui características da sociedade portuguesa, como o espírito aventureiro e a falta de estabilidade, diretamente à formação cultural brasileira. Ao contrário das colônias espanholas, que eram planejadas para racionalizar espaço físico, de maneira ordenada e eficiente, as colônias portuguesas apresentavam uma formação irregular, a qual é conduzida por características topográficas e de interações sociais. Ferreira et al. (2009, p. 8) corrobora a respeito da colonização do Brasil, “promovida pelo espírito do português aventureiro, que exibe a mobilidade e a adaptabilidade, que nega a estabilidade e o planejamento [...]”. A falta de planejamento durante o processo de formação de muitas das cidades brasileiras, presente até os dias atuais, é um dos fatores responsáveis pela ocupação de áreas de risco e o desregulamento do ciclo hidrológico de uma região, demonstrando relação direta com as características culturais herdadas. Araújo (2008, p. 31) afirma a respeito do improviso presente no processo de formação das cidades coloniais: Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Havia, com efeito, um certo desapego ao lugar o que se revelava no desleixo da própria urbanização. Por mais de um século os colonos quase sempre encararam o Brasil como coisa provisória do ponto de vista pessoal, como terra onde se podia facilmente enriquecer e logo retornar à Metrópole. Nota-se que a expansão territorial de diversas cidades brasileiras apresenta as mesmas características das cidades portuguesas descritas por Holanda (1995). O processo de formação das cidades reflete uma imagem de habitação provisória, sem preocupações com a qualidade de vida proveniente do espaço ocupado e sua interferência ao meio ambiente, de tal modo que as características topográficas e sociais definem sua trajetória de expansão, ou seja, opta-se principalmente por áreas de fácil acesso, planas e próximas a rios e lagos. Outro fator relevante que está fortemente ligado à política administrativa atual é o clientelismo — homens públicos que muitas vezes agem para o benefício privado, enternecendo as leis, para que instituições públicas passem a atuar de maneira contrária a suas funções sociais e políticas —, outro fator que pode ser associado à ineficiência da administração pública em exercer suas funções, no caso em análise, no combate e prevenção a inundações. (...) a fragilidade das instituições públicas em exercer suas prerrogativas, em realizar as funções para as quais foram social e politicamente constituídas e organizadas (SEIBEL, 2001, p.24). Carmona Rodrigues, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e mentor do Plano de Drenagem de Lisboa em 2008, comenta a respeito das inundações Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 ocorridas por toda a cidade de Lisboa nas últimas semanas em entrevista para a página eletrônica do Diário de Notícias de Portugal em 2014. Segundo ele, a macrodrenagem existente não acompanhou o crescimento da cidade ao longo das últimas décadas, aumentando consideravelmente o índice de impermeabilização do solo, em decorrência das construções, e não investindo em melhorias no sistema de drenagem, apresentando redes coletoras de águas pluviais antigas e com capacidade limitada. Para ele, o Plano de Drenagem de Lisboa tem que avançar, pois, se isso não acontecer, será devido à falta de vontade política e não por motivos financeiros. Entende-se, mediante os dados apresentados, que, assim como o Brasil, Portugal apresenta problemas de desinteresse político quanto ao planejamento urbano e a investir em sistemas de prevenções, afirmações estas que demonstram a simetria existente entre os dois países no processo de formação das cidades e de suas políticas administrativas. Para Prado Júnior (2000), “de um modo geral, pode-se afirmar que a administração portuguesa estendeu ao Brasil sua organização e seu sistema, e não criou nada de original para a colônia”. Faoro (2000) complementa a ideia, afirmando que, no processo de formação e colonização do país, encontram-se as respostas para as agruras referentes ao poder público administrativo atual. Entende-se, segundo Holanda (1995) e Silva (2009), que o homem leva para a esfera pública a visão do mundo obtida durante sua formação. Percebe-se que o patrimonialismo que se faz presente nos homens públicos, associado à tipologia do “homem cordial” de Holanda, dificulta o entendimento dos domínios públicos para os privados. 77 Inundações urbanas: obstáculos para a concretização de sistemas de drenagem eficientes, debilidade ou desinteresse? Silva (2009, p. 11, grifo nosso): A presença destas características, que weberianamente falando são pré modernas, não pode ser considerado como único fator causador de todos os males brasileiros, mas com certeza se constitui em problemas centrais diante dos quais se devem pensar alternativas. Desse modo, atribui-se que, em razão dos fatores apresentados sobre a administração existente, a realização de obras públicas pode ser tomada como elemento de divulgação política, adotado como material de campanha. Nota-se assim que problemas sociais encontram-se diretamente associados a essas situações, de modo que obras com maior destaque visual são frequentemente adotadas, tornando-se veículos de campanha política, evitando-se obras não estruturais e preventivas. Outro fator cultural fortemente ligado à ocorrência das inundações é a ausência de uma cultura de segurança. Soriano (2009) alega que o Brasil não apresenta uma cultura de segurança, empecilho para a efetivação da gestão de risco, tomando providências apenas após a ocorrência dos incidentes. Para ele, a ausência de conhecimento e monitoramento das ameaças naturais é um dos elementos responsáveis pela ineficácia da cultura de segurança. A Defesa Civil demonstra-se insuficiente na execução de medidas preventivas, atuando intensamente após a ocorrência dos desastres. Debarati Guha-Sapir, consultora externa da ONU e diretora do Centro de Pesquisa sobre Epidemiologia dos Desastres, citada por Chade (2009), afirma que não há vontade política no Brasil para preparar o país para lidar com os desastres naturais. 78 ALVES et al. O Brasil tem dinheiro suficiente para lidar com o problema dos desastres naturais e há anos já poderia ter colocado em funcionamento um sistema de prevenção. Mas a grande realidade é que falta vontade política. [...] Isso poderia ser evitado há anos. (apud CHADE, 2009, on-line) O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, que faz um trabalho de monitoramento de gastos públicos, em entrevista para a BBC Brasil no ano de 2013, reforça as afirmações apresentadas. Para ele, o Brasil tem um tipo de tradição de investir mais na correção dos danos provocados pelas catástrofes do que de preveni-las. Quando as tragédias acontecem, nós já conhecemos o ritual: as autoridades sobrevoam as áreas atingidas de helicóptero, prometem solidariedade às famílias atingidas, declaram estado de emergência e as verbas saem por medida provisória. (apud QUERO, 2013, on-line) Segundo ele, há interesses políticos em agir posteriormente à ocorrência das catástrofes. “Politicamente (a prevenção) não dá tantos votos ou reconhecimento político”. Muitas vezes prevenir significa chegar a uma área de encosta, em um dia de sol, e comunicar a todos os moradores que eles vão ser remanejados para outro local, às vezes distante de onde eles já estão morando. Esta tarefa é mais para os estadistas do que para os políticos, que veem só as próximas eleições. (apud QUERO, 2013, on-line) Claudio Gurgel (2013), economista e professor de Administração Pública da Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a falta de força política das comunidades carentes é um forte fator responsável pelo descaso e esquecimento destas pelo governo. Não é um problema de natureza técnica. Ele se apresenta como um problema de natureza técnica, mas efetivamente é um problema de natureza política, em que segmentos a serem beneficiados com essas providências não têm voz. Essas comunidades não têm força política para se representarem na execução dessas políticas públicas. (apud QUERO, 2013, on-line) Conclusão Ao longo do processo de expansão territorial no Brasil, diversas cidades cresceram de forma desordenada e sem planejamento, expansão esta conduzida principalmente pela influência de características topográficas e de interações sociais. Isso resultou em sistemas de drenagem impróprios e deficientes, os quais refletem em sérios problemas econômicos, ambientais e para o bem-estar da população. O governo tem a obrigação de agir na prevenção e no combate de incidentes que possam vir a gerar danos à saúde da população, e as inundações urbanas estão entre os principais eventos danosos. A administração pública tem entre os principais instrumentos para prevenir e mitigar as inundações o cumprimento de políticas de gestão de uso e ocupação do solo, aliado ao acompanhamento do Plano Diretor de Drenagem Urbana, os quais se demonstram fundamentais para que a expansão territorial das cidades possa ocorrer de forma planejada e em harmonia com a natureza. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 A Defesa Civil também é outro forte aliado no combate aos danos provenientes dos desastres naturais. Entretanto, entende-se que o governo necessita de uma melhor articulação entre os órgãos públicos, abrangendo esferas municipais, estaduais e federais. Características culturais herdadas durante o processo de colonização demonstram-se influentes na administração pública atual, principalmente na falta de planejamento e na ausência de uma cultura de segurança, muitas vezes deixando de lado a prevenção e assumindo um papel de vulnerabilidade após a ocorrência dos desastres hidrometeorológicos. Com isso, pode-se afirmar que o desinteresse por parte da administração pública em executar medidas preventivas resulta na sua debilidade durante a ocorrência de inundações, podendo apenas reparar os estragos provocados após o evento. Referências ALCÁNTARA-AYALA, I. Geomorphology, natural hazards, vulnerability and prevention of natural disasters in developing countries. Geomorphology, v. 47, n. 2-4, 2002, p. 107124. 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Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica Population density and application times of the glyphosate in transgenic soybean Rogério Farinelli1, Gabriel Meneguello1, Rafael Tadeu Alves Mancini1 Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. 1 Resumo O objetivo do trabalho foi avaliar o desempenho agronômico da cultura da soja transgênica na combinação de diferentes densidades populacionais e épocas de aplicação de glyphosate. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso em esquema fatorial 4x2, sendo as densidades representadas por 250, 300, 350 e 400 mil plantas ha‑1, e as épocas de aplicação de glyphosate (480 g.L‑1 de sal de isopropilamina) por 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 aplicados nos estádios V2 e no V4, e por 960 g i.a. ha‑1 aplicado no estádio V3. De acordo com os resultados obtidos, concluiu‑se que as densidades populacionais e as épocas de aplicação de glyphosate afetaram as características agronômicas e produtivas da soja RR. As produtividades foram distintas, sendo superiores com a aplicação sequencial de 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 (estádio V2 e V4) com as densidades de 300.000 e 400.000 plantas ha‑1. Palavras‑chave: Glycine max L.; cultivar RR; população de plantas; herbicida; produtividade. Abstract The objective of this study was to evaluate the agronomic performance of transgenic soybean in the combination of different densities and application times of glyphosate. The experimental design was a randomized block in factorial 4x2, the population densities being represented by 250, 300, 350 and 400 thousand plants ha‑1, and application times of glyphosate by 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 applied in stadiums V2 and V4 and 960 g i.a. ha‑1 applied at V3. According to the results, it was concluded that the population densities and application times affected the agronomic and yielding characteristics of RR soybean. Yields were distinct, being higher with the sequential application of 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 (stadiums V2 and V4) with densities of 300.000 and 4000.000 plants ha‑1. Keywords: Glycine max L.; RR cultivation; plants population; herbicide; yielding. Autor para correspondência: Rogério Farinelli – Avenida Professor Frade Monte, 389 – CEP: 14783‑226 – Barretos (SP), Brasil – E‑mail: [email protected] Recebido em: 26/01/2015 Aceito para publicação em: 24/04/2015 Ciência e Cultura 83 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica Introdução Avanços na biotecnologia possibilitaram a criação de cultivares de soja transgênica resistentes ao glyphosate – Roundup Ready® (soja RR). Essa modalidade de soja representa uma descoberta revolucionária na tecnologia de manejo de plantas daninhas, pois permite o uso desse herbicida em pós‑emergência da cultura (MONQUERO, 2005). Segundo Abrasem (2013), a área semeada com cultivares de soja RR alcançou 90% da área total na safra 2012/2013 no Brasil, ou seja, 24,97 milhões de hectares. Este total é 15% superior aos 21,65 milhões de hectares cultivados na safra anterior, cuja representatividade foi revisada para 86%. Uma das práticas agrícolas muito recomendadas à cultura da soja é o emprego adequado do arranjo espacial de plantas, principalmente a densidade populacional. Até a década de 1980, era comum cultivar a soja com 400.000 plantas ha‑1 ou até mais. Uma maior população de plantas visava a garantir maior competição entre as plantas, para aumentar a altura e sombrear o solo em menos tempo e de forma uniforme, de forma a competir com as plantas daninhas. Com o advento dos herbicidas de pós‑emergência e as semeadoras de precisão, essas mudanças permitiram reduzir para 300.000 plantas ha‑1 e, em condições favoráveis ao acamamento, para 200.000 a 250.000 plantas ha‑1. De modo geral, cultivares de porte alto e de ciclo longo requerem populações menores, sendo o inverso também verdadeiro (EMBRAPA, 2010). Na soja RR, apenas a formulação de glyphosate Roundup Ready® (648 g.L‑1 de sal de isopropilamina e 480 g.L‑1 de equivalente ácido) é registrada, e pode ser utilizada em aplicações únicas ou sequenciais. As doses e épocas das apli- 84 FARINELLI et al. cações irão variar conforme as espécies e populações de plantas daninhas presentes na lavoura, e também de acordo com a tecnologia de aplicação do produtor. No entanto, estudos relacionados a possíveis efeitos fitotóxicos de outros produtos comercializados a base de glyphosate são necessários, pois outras formulações do herbicida poderão ser aplicadas e ocasionar prejuízo à cultura e, consequentemente, perda de produtividade de grãos (CORREA e DURIGAN, 2007). É possível observar na literatura resultados importantes quanto à utilização da soja RR, inclusive quando associada ao estudo de população de plantas. Ludwing et al. (2010) verificaram que o aumento da densidade de plantas (250.000, 400.000 e 550.000 plantas ha‑1) não proporcionou aumento na altura das plantas e na altura de inserção da primeira vagem nas cultivares RR (A 6001 RG, Mágica, AL 72 e A 8100 RG). Já os maiores valores de rendimento biológico foram observados na densidade de semeadura de 550.000 plantas ha‑1. Esses resultados podem estar relacionados às características intrínsecas ao genótipo expressas nas condições de cultivo em que o trabalho foi conduzido, pois Neto et al. (2009) observaram alteração, tanto na altura de plantas, como na altura da primeira vagem com aplicação de herbicidas diferentes. Correa e Durigan (2007) avaliaram a seletividade das cultivares CD 214RR e M‑SOY 8008RR a herbicidas à base de glyphosate (Roundup Ready, Roundup Transorb, Roundup Original, Roundup WG, Polaris, Gliz, Glifosato Nortox e Trop), na dose de 1,2 kg.ha‑1 de equivalente ácido de glyphosate. No estádio V3, observaram que não ocorreu diferença significativa entre os produtos, que não influenciaram o desenvolvimento vegetaCiência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB tivo e reprodutivo das cultivares. Ainda, afirmaram que as diferenças na produtividade das cultivares RR ocorreram em função das características de cada uma e não do uso dos de diferentes formulações. O desempenho de cultivares de soja sob condições de cultivo torna‑se fundamental na busca do entendimento do manejo da cultura. Dessa forma, a época de semeadura, a densidade de plantas e o controle de plantas daninhas são práticas que devem ser aprimoradas para maior eficiência do sistema de produção. Sendo assim, a identificação de um arranjo espacial de plantas que resulte em menor competição intraespecífica e permita um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis para o crescimento e rendimento de grãos torna‑se imprescindível (RAMBO et al., 2003). Logo, o objetivo do presente trabalho foi avaliar densidades populacionais, associadas a épocas de aplicação do herbicida glyphosate, no desempenho da cultura da soja RR. Material e Métodos O experimento foi iniciado durante a safra primavera‑verão 2011/2012, em área comercial consorciada à cultura da seringueira, em Colina (SP), onde o solo foi classificado como Latossolo vermelho distrófico, apresentando latitude de 21°41’S, longitude de 48°32’ e 600 metros de altitude. Segundo a classificação de Köeppen, o clima da região é do tipo Cwa, definido como tropical de altitude, com inverno seco e verão quente e chuvoso (LOMBARDI NETO e DRUGOWICH, 1994). Os resultados da análise química do solo da área experimental, na profundidade de 0‑20 cm, realizada de acordo com a metodologia de Raij et al. (2001), apresentaram Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 os seguintes valores: pH (CaCl2)=5,4; M.O. (g.kg‑1)=13; P (mg.dm‑3)=7; K (mmolc. dm‑3)=1,8; Ca (mmolc.dm‑3)=18; Mg (mmolc.dm‑3)=6; H+Al (mmolc.dm‑3)=16; SB (mmolc.dm‑3)=25,8; CTC (mmolc. dm‑3)=41,8 e V=61,7%. Tendo em vista que a área experimental foi conduzida sob a forma de consórcio com a cultura da seringueira com idade de três anos, um sistema de produção muito utilizado na região de estudo, foi avaliada a comunidade infestante da área. Dessa forma, foi verificada a presença de trevo‑azedo (Oxalis latifólia Kunth), carrapicho‑de‑carneiro (Acanthospermum hispidium,DC.),capim‑pé‑galinha(Eleusine indica, L.), capim‑colchão (Digitaria sanguinalis, L.Scop.) e trapoeraba (Commelina benghalensis L.). O preparo do solo foi realizado em 10 de novembro de 2011, com a utilização de gradagem intermediária, escarificação e, posteriormente, duas gradagens niveladoras. A semeadura foi realizada mecanicamente em 3 de dezembro de 2011, utilizando o espaçamento de 0,5 m entre linhas e uma densidade de 500.000 sementes ha‑1. Na emergência das plântulas, foram efetuados os desbastes em cada parcela a fim de promover as densidades populacionais estudadas. A cultivar de soja utilizada foi a BMX Potência RR, que possui como características: ciclo semiprecoce, crescimento indeterminado, flores brancas e pubescência cinza, hilo de coloração marrom claro, resistência ao nematóide do cisto (raça 3), ao acamamento e ao glyphosate. Além disso, esta cultivar necessita de fertilidade do solo de média a alta e, segundo a análise química, a área era recomendável à aplicação do estudo. Na adubação mineral de semeadura, foi utilizado o formulado 2‑20‑20 com 85 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica a quantidade de 350 kg.ha‑1, levando‑se em consideração os resultados da análise química do solo e as recomendações de Mascarenhas e Tanaka (1997). As sementes foram tratadas previamente utilizando fungicidas e inoculante recomendados à cultura (EMBRAPA, 2010). O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso em esquema fatorial 4x2 (quatro densidades populacionais e duas épocas de aplicação de glyphosate), perfazendo oito tratamentos com quatro repetições. As densidades populacionais foram representadas por: 250.000, 300.000, 350.000 e 400.000 plantas ha‑1. As épocas de aplicação de glyphosate (480 g.L‑1 de sal de isopropilamina – g.i.a) foram constituídas por 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 aplicados nos estádios V2 e V4 (1o trifólio e 3o trifólio completamente expandido, respectivamente), e por 960 g i.a. ha‑1 aplicado no estádio V3 (2o trifólio). Cada parcela experimental foi formada por cinco linhas de cinco metros de comprimento, espaçadas em 0,5 m. A área útil foi formada pelas três linhas centrais, eliminando‑se 0,5 m das extremidades de cada linha. Para a aplicação foi utilizado um pulverizador costal pressurizado a CO2, contendo uma barra de pulverização de quatro bicos leques (modelo XR 110‑02), espaçados em 0,5 m, pressão de 25 lpf pol‑2, com volume de calda de 160 L.ha‑1 e mantendo‑se uma altura de pulverização de 0,4 m em relação às plantas de soja. Os demais tratos culturais, como controle de insetos‑praga e doenças, foram devidamente realizados segundo recomendações de Embrapa (2010). Durante o desenvolvimento do trabalho foram realizadas as avaliações de fitotoxicidade na soja aos 7 e 14 dias 86 FARINELLI et al. após a aplicação (d.a.a.), atribuindo‑se a cada unidade experimental uma nota, utilizando‑se a escala de valores proposta pela European Weed Research Council (EWRC, 1964), em que 1 é igual a nenhum prejuízo e 9 significa morte da planta. Juntamente, foi realizada a avaliação de controle (7 e 14 d.a.a.) por meio de escala visual (EWRC, 1964) de 0 a 100% (ausência de controle e controle total das plantas daninhas, respectivamente), cuja nota é atribuída à comunidade infestante em geral na parcela. Posteriormente, avaliou‑se o florescimento, compreendido em número de dias entre a emergência das plântulas até 50% das plantas da área útil de cada parcela experimental entrarem no estádio R1, ou seja, apresentarem pelo menos uma flor aberta na haste principal. A maturação fisiológica com o número de dias compreendido entre a emergência das plântulas até 50% das plantas da área útil de cada parcela experimental no estádio R8, ou seja, maturação plena. No final do ciclo da cultura da soja, foram coletadas dez plantas ao acaso na área útil de cada parcela experimental, objetivando avaliar os componentes morfológicos e produtivos. A altura de cada planta foi determinada medindo‑se com uma régua a distância compreendida entre a superfície do solo e a extremidade apical da haste principal. A altura de inserção da primeira vagem foi determinada medindo‑se com uma régua a distância entre o nível do solo (colo da planta) a inserção da primeira vagem. O número de vagens por planta foi fornecido pela relação entre o número total de vagens e o número total de plantas da amostra. A porcentagem de vagens chochas por planta foi estimada pela relação entre o número de vagens chochas Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB e o número total de plantas da amostra, expressa em porcentagem. O número de grãos por vagem foi avaliado pela relação entre o número total de grãos e o número total de vagens. A massa de 100 grãos foi determinada pela contagem de duas subamostras de 100 grãos coletadas ao acaso por parcela experimental, seguida pela pesagem das amostras. E a produtividade de grãos foi analisada colhendo‑se as plantas da área útil de cada parcela experimental, com posterior trilha mecânica e pesagem dos grãos, sendo os dados obtidos transformados em kg.ha‑1, considerando 13% de umidade determinado por meio do método da estufa a 105±3°C por 24 h (BRASIL, 2009). Os resultados foram submetidos à análise de variância utilizando o teste F e as médias das densidades populacionais das épocas de aplicação de glyphosate. As interações significativas foram comparadas pelo teste de Tukey (p<0,05), utilizando o programa estatístico Sisvar (FERREIRA, 2000). Resultados e Discussão As avaliações de intoxicação da soja foram realizadas e não foi constatada fitotoxicidade em nenhum dos tratamentos estudados. O mesmo foi observado por Mancini (2012) e Feres (2014), que testaram a mesma cultivar (BMX Potência RR) com a mesma formulação do herbicida (480 g.L‑1 de sal de isopropilamina), em doses que variaram de 480 a 2.160 g i.a. ha‑1 aplicados nos estádios V2 ao V4. Mesmo assim, de acordo com Santos et al. (2007), a aplicação de qualquer herbicida sobre as plantas de soja causa algum tipo de estresse, que pode ser mais ou menos pronunciado dependendo de genótipo da planta. Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 Em relação às avaliações de controle das plantas daninhas, os valores permaneceram em 90% para todos os tratamentos com aplicação de glyphosate, sendo superior aos resultados de Feres (2014), que nas mesmas doses obteve um controle de plantas daninhas de 71 a 81%, em área sob pousio. Nos tratamentos sem aplicação, o controle foi representado por 0%, em virtude da matocompetição. Por isso, para ambas as características, não foram efetuadas análises estatísticas. O florescimento ocorreu aos 47 dias após a emergência (d.a.e.) e a maturação fisiológica aos 113 d.a.e, respectivamente, para todos os tratamentos. Para a altura de inserção de primeira vagem, não ocorreu efeito significativo dos tratamentos (Tabela 1). Os valores de 13 cm obtidos para esta característica foram satisfatórios, como também é adequada para a colheita mecanizada, pois minimiza as perdas nas operações de corte e alimentação da máquina. Segundo Rezende e Carvalho (2007) e Heiffig e Câmara (2006), as colhedoras mais modernas possuem a capacidade de efetuar a colheita em plantas de soja apresentando altura mínima de inserção de vagem de 10 a 12 cm. No desdobramento da interação para altura de plantas, verifica‑se que o valor de 75,7 cm foi obtido com a utilização da densidade de 300.000 plantas ha‑1 associada à aplicação sequencial de glyphosate (Tabela 2), ao passo que nessa densidade, com aplicação de 960 g i.a. ha‑1 no estádio V3, a altura de plantas foi inferior. A altura de plantas pode ser modificada à medida que se eleva a densidade populacional, em virtude da competição intraespecífica por água, luz e nutrientes. No entanto, tal fenômeno não foi verificado no presente trabalho, uma vez que a diferença em rela- 87 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica ção ao porte da planta e à altura de vagem são influenciadas por fatores ambientais, práticas culturais e está fortemente relacionado com as cultivares de soja (HEIFFIG e CÂMARA, 2006). Correa e Durigan (2007) relataram que não ocorreram alterações no desenvolvimento vegetativo das plantas com o uso de formulações de glyphosate em cultivares de soja RR, no que diz respeito à altura de plantas e de nós por planta. Em relação à densidade de plan- FARINELLI et al. tas e cultivares de soja RR, Ludwing et al. (2010) também não obtiveram nenhuma alteração na altura e na inserção de primeira vagem com o aumento de 250.000 a 550.000 plantas ha‑1. Os melhores resultados quanto ao número de vagens por planta foram alcançados com 250.000 e 300.000 plantas ha‑1 com a aplicação sequencial (Tabela 3). Tal efeito não se assemelhou ao resultado de Agostinetto et al. (2009a), pois o número de vagens por planta foi Tabela 1. Altura de plantas, altura de inserção de primeira vagem, número de vagens por planta e porcentagem de vagens chochas por planta em função da densidade populacional e épocas de aplicação de glyphosate em soja transgênica Altura Altura de Vagens Vagens de inserção de por chochas Tratamentos plantas primeira vagem planta por planta cm n % Densidades populacionais (D) 250.000 plantas ha‑1 70,0 13,0 39 a 1,7 ab ‑1 300.000 plantas ha 69,0 13,6 37 b 2,4 ab 350.000 plantas ha‑1 68,0 13,6 35 c 2,8 a ‑1 400.000 plantas ha 69,2 13,0 32 d 1,5 b Teste F 1,08ns 1,07ns 82,68* 3,97** Épocas de aplicação (E) 720 (V2) + 480g i.a ha‑1 (V4) 70,3 a 13,2 43 a 1,8 960 g i.a. ha‑1 (V3) 67,8 b 13,4 29 b 2,3 Teste F 10,77** 0,51ns 1596,50* 2,87ns DxE Teste F 26,15* 0,60ns 57,78* 2,65** Média 69,0 13,3 36 2,1 CV (%) 3,04 7,40 2,74 40,21 Médias seguidas de letras distintas diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). *significativo a 1%, **significativo a 5%; ns: não significativo. Tabela 2. Desdobramento da interação entre densidade populacional e épocas de aplicação de glyphosate em soja transgênica para a altura de plantas (cm) Densidades populacionais (plantas ha‑1) Épocas de aplicação 250.000 300.000 350.000 400.000 720 (V2) + 480g i.a ha‑1 (V4) 68,5 bA 75,7 aA 68,7 bA 68,2 bA 960g i.a ha‑1 (V3) 71, 5 aA 62,2 bB 67,5 aA 70,2 aA Médias seguidas de letras distintas minúsculas na linha e maiúsculas na coluna diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). 88 Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB superior na última época de aplicação (50 d.a.e.) comparativamente às demais épocas (25 e 35 d.a.e.). Isso se deve à competição exercida pelas plantas daninhas que emergiram após a aplicação do herbicida, na fase inicial de desenvolvimento da cultura, uma vez que o glyphosate não apresenta efeito residual. Porém, no presente trabalho, a aplicação de 960 g i.a. ha‑1 prejudicou o desenvolvimento das vagens, representado pelo número de vagens chochas (Tabela 3). De modo geral, o acréscimo no número de plantas por área diminuiu o número de vagens por planta (Tabela 1), pois a planta de soja nessas condições apresenta menor número de ramificações, menor número de axilas foliares e, consequentemente, menor formação de racemos florais e, assim, menor número de vagens. Tal ocorrência é correlacionada mais uma vez com a competição por fatores edafoclimáticos pelas plantas de soja, o que também foi verificado por Souza et al. (2010) em razão do aumento da densidade populacional de 120.000 para 360.000 plantas ha‑1 em cultivares de soja RR. Para a porcentagem de vagens chochas, os tratamentos com 250.000 e 300.000 plantas ha‑1 na aplicação 720+480 g i.a. ha‑1 proporcionaram me- v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 nores valores médios (Tabela 3). Isto é benéfico, pois se trata de um componente da produção que afeta negativamente a produção da cultura da soja e é influenciado por temperaturas altas, seca, como também por incidências de pragas e doenças. Para o número de grãos por vagem não foi realizada análise estatística, pois não ocorreu variação de valores dos tratamentos (Tabela 4). Essa característica é influenciada pelo genótipo e, segundo Correa e Durigan (2007), as diferenças não podem ser atribuídas aos herbicidas empregados na soja. Para a massa de 100 grãos não ocorreu influência dos tratamentos nem da interação densidades em relação a épocas de aplicação de glyphosate (Tabela 4). Para Linzmeyer Junior et al. (2008), os componentes da produção, representados pelo número de vagens por planta, grãos por vagem e massa de 100 grãos, também não foram influenciados pela alteração da densidade populacional. Quanto à produtividade de grãos, verifica‑se efeito isolado da densidade de plantas e efeito da interação (Tabela 4). Apesar do menor número de vagens por planta obtido na maior densidade populacional com a aplicação sequencial de glyphosate (Tabela 3), a utilização Tabela 3. Desdobramento da interação entre densidades populacionais e épocas de aplicação de glyphosate em soja transgênica para o número de vagens por planta e porcentagem de vagens chochas por planta Densidades populacionais (plantas ha‑1) Épocas de aplicação 250.000 300.000 350.000 400.000 Número de vagens por planta 720 (V2) + 480g i.a ha‑1 (V4) 47 aA 48 aA 41 bA 36 cA 960g i.a ha‑1 (V3) 32 aB 27 bB 29 bB 28 bB Porcentagem de vagens chochas por planta 720 (V2) + 480 g i.a. ha‑1 (V4) 1,5 bA 3,0 aA 1,4 bA 960 g i.a. ha‑1 (V3) 1,9 abA 2,6 abA 1,5 bA Médias seguidas de letras distintas minúsculas na linha e maiúsculas na coluna diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). Ciência e Cultura 89 Densidade populacional e épocas de aplicação do glyphosate em soja transgênica de 400.00 plantas ha‑1 neste modo de aplicação promoveu a maior média de produtividade, com 3.380 kg.ha‑1 (Tabela 5). Para a aplicação única com 960 g i.a. ha‑1 no estádio V3 ocorreu o inverso, ou seja, na menor densidade populacional foi obtido o maior número de vagens por planta (Tabela 4), e também melhor resultado para a produtividade, com 3.326 kg.ha‑1 (Tabela 5). Contudo, utilizando as maiores densidades populacionais associadas à aplicação de glyphosate de forma sequencial, foram alcançadas as maiores médias de produtividades. FARINELLI et al. Rezende et al. (2004) constataram que a densidade populacional afetou a produtividade de grãos. Nas maiores densidades (acima de 500.000 plantas ha‑1), as plantas ficaram mais adensadas, o que acarretou uma maior competição intraespecífica, levando as raízes a se aprofundarem e se espalharem mais no solo à procura de água. Contudo, a utilização da população de 400.000 plantas ha‑1 proporcionou ótima produtividade e um menor índice de acamamento, o que corrobora em parte os resultados do presente trabalho. Tabela 4. Número de grãos por vagem, massa de 100 grãos e produtividade de grãos em função da densidade populacional e épocas de aplicação de glyphosate em soja transgênica Grãos por Massa de 100 Produtividade Tratamentos vagem grãos de grãos n g kg.ha‑1 Densidades populacionais (D) 250.000 plantas ha‑1 3 13,0 2.969 a 300.000 plantas ha‑1 3 12,7 2.670 b 350.000 plantas ha‑1 3 12,8 3.103 a ‑1 400.000 plantas ha 3 13,0 3.125 a Teste F – 0,18ns 11,87* Épocas de aplicação (E) 720 (V2) + 480 g i.a. ha‑1 (V4) 3 12,9 2.935 960 g i.a. ha‑1 (V3) 3 12,8 2.998 ns Teste F – 0,05 1,04ns DxE Teste F – 0,31ns 22,91* Média 3 12,9 2.967 CV (%) – 6,13 5,03 Médias seguidas de letras distintas diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). *significativo a 1%. Tabela 5. Desdobramento da interação entre densidades populacionais e épocas de aplicação de glyphosate em soja transgênica para a produtividade de grãos (kg.ha‑1) Densidades populacionais (plantas ha‑1) Épocas de aplicação 250.000 300.000 350.000 400.000 720 (V2) + 480g i.a ha‑1 (V4) 2.712 bB 2.363 bB 3.287 aA 3.380 aA 960g i.a ha‑1 (V3) 3.326 aA 2.976 abA 2.919 abB 2.870 bB Médias seguidas de letras distintas minúsculas na linha e maiúsculas na coluna diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). 90 Ciência e Cultura CIÊNCIA E CULTURA - Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB Porém, os resultados na literatura são conflitantes. Arce, Pedersen e Hartzler (2009), sob densidade de 240.000 a 420.000 plantas ha‑1 para três cultivares, relataram que as densidades mais altas proporcionam maior produtividade de grãos, ainda mais sob efeito de competição com plantas daninhas. Ludwing et al. (2010), nas densidades de 250.000, 400.000 e 550.000 plantas ha‑1 também verificaram maior produtividade utilizando a maior densidade populacional. Já para Linzmeyer Junior et al. (2008), a produtividade não foi influenciada pela alteração da densidade populacional. A produtividade de soja RR, como a soja convencional, é extremamente influenciada pelos anos agrícolas, devido às condições edafoclimáticas disponíveis. Souza et al. (2010) reportaram tal ocorrência, e os mesmos não verificaram efeito de densidades populacionais (120.000 a 360.000 plantas ha‑1) em cultivares RR, tampouco da aplicação de glyphosate em pré‑semeadura e no estádio V4. Em outro trabalho, Agostinetto et al. (2009b) concluíram que todas as formulações e doses de glyphosate aplicadas no estádio V3 apresentam seletividade a cultivar de soja RR e não alteraram a produtividade de grãos. Segundo a Embrapa (2010), as variações de 200.000 a 500.000 plantas ha‑1, normalmente, não influenciam o rendimento final da soja ou apresentam pouco efeito significativo, aumentando ou reduzindo a produtividade dependendo de diversos fatores (tais como condições climáticas, épocas de semeadura e tecnologia adotada). Essa informação não corrobora os resultados obtidos no presente trabalho, pois o aumento na densidade populacional influenciou positivamente (Tabela 4), havendo acréscimo de 17% na produtividade de grãos (455 kg.ha‑1), Ciência e Cultura v. 11, nº 1, jan/jun - 2015 - ISSN 1980 - 0029 principalmente na variação de 300.000 a 400.000 plantas ha‑1. Diante de todos os dados apresentados, salienta‑se que para os melhores tratamentos obtidos nas interações significativas (Tabela 5), as produtividades foram superiores a média nacional da safra 2010/2011, como também do estado de São Paulo, que foi de 2.788 kg.ha‑1 (CONAB, 2012). Portanto, o experimento foi conduzido em ambiente propício à cultura, em um solo de média fertilidade e com práticas adequadas ao cultivo da soja. Conclusões As densidades populacionais e as doses de aplicação de glyphosate afetaram as características agronômicas e produtivas da soja RR. As produtividades foram distintas, sendo superiores com a aplicação sequencial de 720 g i.a. ha‑1 + 480 g i.a. ha‑1 (estádio V2 e V4) nas densidades de 300.000 e 400.000 plantas ha‑1. Referências ABRASEM. Soja transgênica ocupa 90% da área plantada. Disponível em: <http: //www.abrasem.com.br/soja‑transgenica ‑ocupa‑90‑da‑area‑plantada>. Acesso em: 16 set. 2013. AGOSTINETTO, D.; DAL MAGRO, T.; GALON, L.; MORAES, P. V. D.; TIRONI, S. P. Resposta de cultivares de soja transgênica e controle de plantas daninhas em função de épocas de aplicação e formulações de glyphosate. Planta Daninha, Viçosa, v. 27, n. 4, p. 739‑746, 2009a. AGOSTINETTO, D.; TIRONI, S. P.; GALON, L.; DAL MAGRO, T. 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Planta daninha, Viçosa, v. 28, n. 4, p. 887‑896, 2010 93 INSTRUÇÕES AOS AUTORES Finalidade Página de Identificação A Revista Ciência e Cultura é um periódico Multidisciplinar publicado semestralmente pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos - UNIFEB. A Revista tem como objetivo divulgar os conhecimentos produzidos em pesquisas desenvolvidas no UNIFEB e outras Instituições, nas grandes áreas do conhecimento. Podem ser publicados Trabalhos originais, Revisão de literatura, Relato de caso e Desenvolvimento de metodologias ou técnicas, em português ou inglês. A página de identificação deverá conter as seguintes informações na ordem em que seguem com espaço de 1 (uma) linha entre os itens: título em português e inglês de forma clara e concisa (redigidos apenas com as iniciais maiúsculas); (Nomes científicos deverão ser grafados de acordo com o Código Internacional de Nomenclatura, em itálico); área de conhecimento do trabalho; nome dos autores por extenso (redigidos apenas com as iniciais maiúsculas); utilizar sobrescrito numérico para identificar a Instituição de origem dos autores; Iniciar a nomeação das instituições seguindo a mesma ordem estabelecida para a autoria do manuscrito; endereço de E-mail e telefone do autor correspondente. Política Editorial O conteúdo dos arquivos será previamente avaliado pelo Comitê Editorial. Caso seja necessário o manuscrito será devolvido aos autores para alterações e adequações. Após as modificações ou, no caso do manuscrito não precisar de modificações prévias, ele receberá um número de protocolo e será enviado para os revisores “ad hoc”, capacitados e especializados na área especifica do conteúdo do manuscrito. Os pareceres dos revisores serão encaminhados aos autores para eventuais correções, sem conhecimento das partes envolvidas nos processos de publicação e avaliação. Somente serão aceitos para publicação, os manuscritos com parecer final favorável. Os manuscritos podem conter, em forma de agradecimento, o nome da agência financiadora e o número do processo. Procedimento para envio do manuscrito Os autores deverão preparar os manuscritos seguindo as instruções abaixo. Os manuscritos deverão ser enviados para o E-mail: [email protected] em formato doc ou docx, elaborado no editor de textos “Word for Windows” contendo tabelas e figuras em formato que possibilite serem editados e em alta qualidade. O recebimento dos arquivos originais pela secretaria da Revista não implica na obrigatoriedade da publicação do manuscrito. O conteúdo do manuscrito deverá ser inédito ou parcialmente inédito e não ter sido publicado ou enviado para publicação em outro periódico. O autor correspondente deverá enviar por e-mail, juntamente com os arquivos correspondentes ao manuscrito, a declaração de Autorização da publicação e cessão dos direitos autorais (em: www.unifeb.edu.br) à Revista Ciência e Cultura. Além dos arquivos supracitados, os manuscritos que relatam experimentos realizados com modelos em seres vivos devem vir acompanhados do certificado de aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde o autor desenvolveu a pesquisa ou da Instituição onde os indivíduos da pesquisa foram recrutados, conforme Resolução vigente do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Preparação do Manuscrito O texto, incluindo Resumo, Abstract, tabelas, figuras e referências, deverá ser redigido no Word for Windows”, fonte “Times New Roman”, tamanho 12, espaçamento 1,5 cm, margem lateral esquerda de 3,0 cm, margem direita 2,5 cm, superior e inferior com 2,5 cm e papel tamanho A4. Parágrafos deverão conter tabulação 1,25 cm à esquerda. Todas as páginas do manuscrito deverão ser numeradas a partir da página de identificação, com total de até 20 páginas, incluindo as figuras, tabelas e referências. As linhas do manuscrito devem ser numeradas sequencialmente, sem interrupções. O manuscrito deverá indicar uma das seguintes áreas de conhecimento: Ciências Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Sociais e Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. Resumo e Abstract Esses itens deverão preceder o texto principal do trabalho, digitados sem tabulação e/ou recuo, com no máximo 250 palavras e em parágrafo único. Descreva brevemente a introdução, o objetivo, material e métodos, os principais resultados e as conclusões. Palavras chave e Keywords Palavras chave e Keywords deverão ser redigidas logo após espaço de 01 linha do Resumo e o Abstract, respectivamente, em número de 3 a 5, separadas por “ponto e vírgula” ( ; ) e “ponto final” ( . ) após a última palavra. As palavras chave e keywords deverão ser grafadas em letras minúsculas, exceto nomes próprios e científicos. Evite usar as mesmas palavras usadas no título do trabalho. Texto O texto deverá apresentar os seguintes elementos: Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão, Conclusão e Referências. Esses itens devem ser redigidos sem recuo, em negrito com inicial maiúscula (ex. Introdução). NÃO devem ser numerados. Introdução: deverá apresentar o “estado da arte” de forma concisa e ao final, as hipóteses e os objetivos a serem avaliados. Material e métodos: apresentados com detalhes suficientes para responder aos objetivos, confirmar ou refutar as hipóteses, incluindo critérios para o controle das variáveis, padronização do experimento, amostragem e delineamento estatístico. Resultados: apresentado em forma de texto, tabelas e figuras, sem duplicidade de informações entre essas formas de apresentação. O relato dos resultados deve ser conciso, seguindo a ordem descrita no item Material e métodos. Discussão: A discussão consiste em inferência de hipóteses ou sugestões com base fundamentada nos resultados obtidos no próprio manuscrito confrontados com os resultados encontrados na literatura. Limitações na metodologia deverão ser indicadas, bem como, implicações em pesquisas futuras. Conclusão: deve ser concisa e responder aos objetivos do estudo de forma clara. Agradecimento: este item é opcional e deve ser reservado para citação de instituições financiadoras e de apoio material ou de pessoas que prestaram ajuda técnica. Referências: usar o sistema Vancouver autor-data. Todas as referências citadas no texto devem estar listadas por ordem alfabética no item Referências. A lista de referência deve ser digitada sem recuo e/ou tabulação com espaço de 01 linha entre as citações. Referências à comu- INSTRUÇÕES AOS AUTORES nicação pessoal, trabalhos em andamento e/ou submetido à publicação, bem como a citação de trabalhos apresentados em eventos científicos no formato de resumo simples ou expandido, Dissertação e Tese devem ser evitados. A correta citação das referências no texto assim como sua inserção no item Referência é de responsabilidade dos autores do manuscrito. Dar preferência às referências mais atualizadas e relevantes ao estudo. No caso específico de artigo de Relato de Caso, o texto deverá apresentar os seguintes elementos: Introdução, Relato de Caso, Discussão, Conclusão e Referências. No item Relado de Caso deverão ser apresentados detalhes suficientes do caso para responder aos objetivos, podendo ser apresentadas tabelas e figuras, sem duplicidade de informações entre essas formas de apresentação. Citações no texto A citação de um autor no texto deve ser feita em letras maiúsculas e minúsculas pelo sobrenome seguido do ano de publicação entre parênteses, ex.: Lie (1990). A citação de dois autores segue o mesmo padrão, porém com a conjunção “e” entre os autores, ex.: Lie e Hire (1990). Mais de dois autores, a citação deve ser indicada pelo sobrenome do primeiro autor em letras minúsculas seguido da expressão “et al.” e do ano entre parênteses, ex.: Lie et al. (1990). Citações no final de frase ou parágrafos: Seguem as mesmas recomendações para as citações no texto, porém o nome dos autores são grafados em letras maiúsculas. Ex.: Taxas de arraçoamento incrementam a produção em resposta à entrada de nutrientes (BOYD, 2004). Elevada taxa de arraçoamento ocasiona aumento das concentrações de nutrientes, mesmo em sistemas de cultivo com baixas densidades de estocagem (THAKUR e LIN, 2003). O crescimento das populações de fitoplâncton e de bactérias se deve ao incremento de nutrientes (REDDING et al., 1997). Documentos do mesmo autor publicados no mesmo ano, acrescentar letras minúsculas após o ano, sem espaço: [...] (REDDING et al., 1997a) [...] (REDDING et al., 1997b) REDDING et al. (1997a,b) [...] Vários trabalhos de autores diferentes, indicar em ordem cronológica a citação dos autores. [...] (REDDING et al., 1997; THAKUR e LIN, 2003; BOYD, 2004) ou Redding et al. (1997), Thakur e Lin (2003) e Boyd (2004) observaram que [...] Periódicos Sobrenome Prenome(s) do(s) autor(es) (abreviados). Título do artigo: subtítulo (se houver). Título do periódico, volume, número do fascículo, ano de publicação, páginas. Ex.: LOE, H.; THEILADE, E.; JENSEN, S.B. Experimental gingivitis in man. Journal of Periodontology, v. 36, 1965, p. 177-187. Livros e trabalhos acadêmicos Autoria. Título: subtítulo (se houver). Edição (1a ed., não precisa constar). Local de publicação: Editora; Ano. Paginação. Ex.: SILVA JÚNIOR, A.G. Modelos tecnoassistenciais em saúde: o debate no campo da saúde coletiva. 2a ed. São Paulo: Hucitec; 2006. 132 p. Capítulo de livros: Autoria do capítulo. Título do Capítulo. In: Autor do livro. Título do Livro. Edição (1a ed., não precisa constar). Local: Editora; Ano. p. página inicial-final. Ex.: ROJKO, J.L.; HARDY, W.D. Jr. Feline leukemia virus and other retroviruses. In: SHERDING, R.G., editor. The cat: diseases and clinical management. New York: Churchill Livingstone; 1989. p. 229-332. Trabalhos acadêmicos Autoria. Título da obra: subtítulo (se houver) [grau]. Localidade: Instituição onde foi apresentada; ano. Grau (mestrado - dissertação; tese - doutorado e livre-docência, monografia - trabalho de conclusão de curso) Ex: PEREIRA, V.A.R. Variação sazonal nas concentrações de aeroalérgenos em diferentes níveis de poluição ambiental [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2007. Documento em formato eletrônico Autoria. Título do trabalho. Título da publicação [Descrição física do meio eletrônico]. Volume, número do fascículo, ano de publicação, páginas (se houver) [data do acesso da obra on-line]. Endereço eletrônico. Ex.: CONTI, M.B.; MARCHESI, M.C.; RUECA, F.; FABI, T. Tumori gastrici nel cane: osservazioni personali. Atti della Societa Italiana di Scienze Veterinarie, [CDROM]. 2004; 58. ABOOD, S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. 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As legendas devem ser apresentadas na parte inferior. No texto, a referência à figura, deve estar no local considerado mais apropriado pelos autores. Não serão publicadas figuras coloridas, a não ser em casos de absoluta necessidade e, a critério do Comitê Editorial com recomendação expressa dos revisores. A impressão das páginas coloridas será custeada pelos autores. Se houver figuras extraídas de outros trabalhos, deverão ser mencionadas as fontes de origem. Abreviaturas, Siglas e Unidades de Medidas Para unidades de medida deve seguir o Sistema Internacional (SI) de Medidas. Nomes de medicamentos e materiais registrados, bem como produtos comerciais, devem aparecer em notas de rodapé; o texto deverá conter somente nomes genéricos. PRODUÇÃO EDITORIAL ZEPPELINI P U B L I S H E R S Rua Bela Cintra, 178, Cerqueira César – São Paulo/SP - CEP 01415-000 Zeppelini – Tel: 55 11 2978-6686 – www.zeppelini.com.br Instituto Filantropia – Tel: 55 11 2626-4019 – www.institutofilantropia.org.br ISSN 1980-0029 CIÊNCIA e CULTURA Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barrretos Ciência e Cultura Vol.11 n.1 Jan-Jun 2015 Vol. 11 n.1 Jan-Jun 2015