Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
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Volume 5n. 2 – Abr/Jun 2013 ISSN 2175-2338 www.fatesa.edu.br Expediente ISSN 2175-2338 Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives - EURP Publicação oficial FATESA - EURP Faculdade de Tecnologia em Saúde Diretor Administrativo Diretor Científico Francisco Mauad Neto Wellington de Paula Martins Presidente do Departamento Científico Diretor de Pesquisa Procópio de Freitas Fernando Marum Mauad Bibliotecária Secretária Geral Adileuza Cordeiro Souza Almeida Janete Cristina Parreira de Freitas Diretor Responsável pelo Setor Gráfico Presidente Michel da Silva Francisco Mauad Filho Professores Adilson Cunha Ferreira Fernando Marum Mauad Francisco Mauad Filho Jorge Garcia Procópio de Freitas Carlos César Montesino Nogueira Gerson Claudio Crott Jorge Rene Garcia Arevalo José Augusto Sisson de Castro José Eduardo Chúfalo João Francisco Jordão Luís Guilherme Carvalho Nicolau Simone Helena Caixe Wellington de Paula Martins EURP Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Editor Científico Wellington de Paula Martins Editor Executivo Francisco Mauad Filho Conselho Editorial Adilson Cunha Ferreira Jorge Rene Garcia Arevalo Carlos César Montesino Nogueira José Eduardo Chúfalo Carolina Oliveira Nastri Luis Guilherme Nicolau Fernando Marum Mauad Procópio de Freitas Gerson Cláudio Crott Simone Helena Caixe João Francisco Jordão Secretária Executiva Adileuza Cordeiro Souza Almeida Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013 SUMÁRIO EURP v. 5, n. 2, p 40-75 Abr/Jun 2013 ISSN 2175-2338 O uso do ultrassom contrastado no trauma abdominal 40 The use of enhanced ultrasound in abdominal trauma Arthur Ferreira Drummond Ultrassonografia complementar no diagnóstico do câncer de mama 43 Adjunctive ultrasound to diagnostic breast cancer Maria Cátia Mendes Rodrigues Medida da transluscência nucal 47 Nuchal translucency measurement Jordânia da Paz Oliveira Restrição de crescimento intrauterino 52 Intrauterine growth restriction Kátia Regina Gandra Lafetá Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013 Contribuição do Ultrassom Doppler no diagnóstico e planejamento cirúrgico do aneurisma da artéria poplítea 57 Contribution of Doppler ultrasound in the diagnosis and surgical planning of the popliteal artery aneurysm Ana Paula Machado Bisker Achados ultrassonográficos e alterações endócrinas em mulheres com síndrome dos ovários policísticos 61 Sonographic findings and endocrine disorders in women with polycystic ovary syndrome Marizene Alves Lemos Estimativa do volume de liquido amniótico através da ultrassonografia 65 Sonographic estimate of amniotic fluid volume Alexandre Mark Staviack O papel da ultrassonografia na litíase biliar 70 The role of ultrasound in biliary lithiasis Renan Lopes Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013 Artigo de Revisão O uso do ultrassom contrastado no trauma abdominal The use of enhanced ultrasound in abdominal trauma Arthur Ferreira Drummond 1 O trauma abdominal é um dos problemas mais encontrados nos serviços de urgência. Podem ser de dois tipos: aberto ou fechado. Existem várias formas de diagnóstico: clínico, cirúrgico por laparotomia (podendo também ser terapêutica), laboratoriais, a lavagem peritoneal diagnóstica, os métodos de imagem, em que a tomografia computadorizada continua sendo o padrão ouro para diagnóstico de lesões em vísceras abdominais, embora tenha diversas limitações. A ultrassonografia vem ocupando papel de maior relevância no tema, já que é um método eficaz para identificar líquido livre na cavidade abdominal. Possui as limitações de não ser eficaz em pacientes não cooperativos, em lesões de vísceras ocas que podem sofrer interposição gasosa ou em casos de pacientes com traumas abdominais sem instabilidade hemodinâmica com ou sem a presença de líquido na cavidade. Ele pode ser melhorado com o emprego de contraste por microbolhas que aumenta a sensibilidade de lesão em órgãos sólidos. No futuro, poderá ser usado como seguimento de pacientes que estão em tratamento conservador diagnosticados previamente por tomografia, evitando o seu uso indiscriminado e permitir a redução de custos. Palavras-chave: Trauma Abdominal; Ultrassonografia; Contraste por Microbolhas. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 14/02/2013, aceito para publicação em 19/05/2013. Correspondências: Arthur Ferreira Drummond Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract The abdominal trauma is the most problems found in Trauma Centers. May be of either closed or opened. There are several ways to diagnose: clinical; surgical laparotomy (can also be therapeutic); laboratory tests; the diagnostic peritoneal lavage; or image, in the Computed Tomography is the gold standard for diagnosis of lesions in abdominal viscera. Ultrasound has been occupying most relevant role in the theme, since it an effective method to identify free fluid in the abdominal cavity. Has the limitation of not being efficient in non-cooperative patients, in lesions of hollow viscera that can suffer interposition gaseous or in cases of abdominal trauma patients without hemodynamic instability with or without the presence of fluid in the cavity. It can be enhanced with the use of microbubble contrast which increases the sensitivity of lesions on solid organs. In the future, can be used as follow-up of patients who are diagnosed under conservative treatment beforehand by tomography, preventing their widespread use and enable cost reduction. Keywords: Abdominal Microbubbles Contrast. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Trauma; Ultrasound; EURP 2013; 5(2): 40-42 41 Drummond – Ultrassom contrastado no trauma Introdução O trauma abdominal é frequentemente abordado por socorristas que trabalham em Serviços de Urgência. Pode ser classificado de 2 formas: aberto ou fechado. O primeiro consiste em lesões causadas por armas brancas ou de fogo. O segundo se relaciona com traumas associados a acidentes de trânsito, quedas e lesões corporais. Em alguns casos, o diagnóstico pode ser difícil devido à baixa cinética que alguns estão envolvidos, e consequentemente, a detecção de pequenas lacerações em órgãos sólidos e / ou vísceras ocas. Existem várias formas de determinar a presença do trauma abdominal: o exame clínico, o uso de métodos laboratoriais (o lavado peritoneal é o mais indicado por ser mais específico), a abordagem cirúrgica exploratória (principalmente nos pacientes mais graves) e os métodos de imagem do qual a tomografia computadorizada do abdome é o padrão ouro para o tema em discussão, embora tenha limitações, e a ultrassonografia é um método barato e de fácil acesso. O objetivo deste texto é estudar o uso da ultrassonografia em benefício dos pacientes vítimas do trauma abdominal, suas limitações e a ampliação de seu uso com o contraste por microbolhas visando melhoria da assistência dos serviços de saúde em geral. Aspectos gerais Dependendo do acidente, o trauma abdominal fechado pode ter uma prevalência maciça no contexto geral. Dos órgãos abdominais, o baço é o mais acometido, seguido do fígado e vísceras ocas 1. Os dados clínicos são importantes para direcionamento de possíveis focos das lesões e a natureza das mesmas 2. Mas o exame físico é bastante limitado para detecção de alterações, com índices limitados de sensibilidade 3. Pacientes com instabilidade hemodinâmica definida ao exame clínico necessitam de uma rápida abordagem, especialmente na presença de lesões maciças dos órgãos abdominais que causam extensas hemorragias, não se descartando também outros possíveis segmentos corporais traumatizados que causam intensa perda volêmica. É um desafio realizar diagnóstico de lesão em órgãos abdominais em pacientes com estabilidade hemodinâmica, pois geralmente possuem exame Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives clínico normal ao primeiro atendimento, mas podem evoluir para a instabilidade, desenvolvendo líquido pela cavidade e complicarem para choque hipovolêmico, aumentado o risco de mortalidade. Propedêutica Os testes laboratoriais geralmente são inconclusivos para o diagnóstico específico em trauma abdominal. Podem ser importantes de acordo com o contexto clínico do paciente, especialmente aqueles que apresentam instabilidade hemodinâmica e/ou distúrbio ácido básico associado. Enzimas hepáticas, pancreáticas e leucogramas já foram usados no passado na tentativa de se realizar diagnóstico específico, mas foi abandonado para tal propósito 4. Manejo Pacientes com trauma abdominal que apresentam instabilidade hemodinâmica devem ser abordados cirurgicamente o mais rápido possível, já que é estabelecido o risco de morte devido volumosas hemorragias que ocorrem nestes casos. Estudos revelam melhores desfechos quando o tratamento cirúrgico é estabelecido antes dos 90 minutos pós-trauma 5. A Laparoscopia Diagnóstica é uma ótima ferramenta para abordagem de pacientes que possuem trauma abdominal, mas que estão hemodinamicamente estáveis, e com probabilidade de possuírem lesões toracoabdominais, diafragmáticas ou em órgãos sólidos, evitando–se consequentemente a realização de laparotomia exploratória e suas possíveis complicações 6. A ultrassonografia abdominal à beira do leito focada para o trauma (FAST, sigla em inglês) cada vez mais tem sido empregada, já que é um método muito sensível para a detecção de líquido livre em cavidade abdominal, e nos casos de pacientes que apresentam instabilidade hemodinâmica, dá maior subsídio terapêutico para que o tratamento cirúrgico seja realizado com mais segurança 7.Existem centros que já estabeleceram protocolos em que se realiza a laparotomia quando o teste ecográfico se encontra positivo. Mas é limitada para o diagnóstico de lesões retroperitoneais, vísceras ocas, órgãos sólidos com laceração em fase inicial em seu parênquima e quando não há liquido livre em cavidade abdominal que possam evoluir para instabilidade hemodinâmica. EURP 2013; 5(2): 40-42 42 Drummond – Ultrassom contrastado no trauma Ultrassonografia contrastada por microbolhas A ecografia contrastada por microbolhas é um método que promete diagnosticar lesões em órgãos sólidos parenquimatosas de difícil avaliação pela ecografia convencional, e na ausência de líquido livre na cavidade, já que algumas situações, como em pacientes não cooperativos , segmentos hepáticos profundos ou órgãos sobrepostos por meteorismos gasosos pioram a sensibilidade da ultrassonografia. A tomografia computadorizada (TC) continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico nas situações descritas acima, mas possui as desvantagens de possuir alto custo, ser ionizante e não poder ser operada à beira do leito. A ecografia contrastada pode ser indicada em casos de pacientes vítimas de traumas abdominais de baixa velocidade em que estes não seriam inicialmente indicados para a TC devido a escassez de dados clínicos que justificassem sua aplicação. As microbolhas são constituintes gasosos que podem ser revestidos por proteína, lípides ou polímeros. Elas se localizam nos vasos sanguíneos, diferenciando dos agentes que atuam na Tomografia e na Ressonância, que ocupa o espaço intercelular. Quando estas entram em contato com os ecos do transdutor, suas moléculas alteram seu tamanho, gerando ecos por ressonância que potencializam sua recepção pelo transdutor, emitindo frequências próximas desta, melhorando sua resolução ao processamento da imagem 8. A grande dificuldade é o tempo de duração do contraste no organismo, que não dura mais geralmente do que 5 minutos. As lacerações em órgãos sólidos podem ser facilmente identificadas quando o edema e ausência de circulação no ponto traumatizado diferenciam-se do parênquima habitual delimitado pela vascularização que contêm as microbolhas. Os órgãos parenquimatosos possuem fases arteriais e venosas diferentes, portanto, deve-se ter em mente essa observação para facilitar a interpretação. Normalmente, examinam-se os rins inicialmente, devido a sua rápida fase arterial. Podem-se examinar inicialmente cada um após cada injeção, avaliando-se posteriormente o fígado e o baço, ou vice-versa 9. Nos casos de trauma abdominal em que a tomografia computadorizada torna-se mandatória e que evoluem para casos conservadores, estes podem ser seguidos por esta Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives modalidade, já que potencialmente diminuem os custos hospitalares, o risco de iatrogenia e o índice de radiação nesses pacientes. Considerações finais Vê-se que a ultrassonografia terá mais destaque para a abordagem de pacientes vítimas de trauma abdominal no futuro. O grande desafio é melhorar a confiabilidade do método para o uso dos socorristas, ampliando o treinamento e o acesso destes, garantindo melhores tomadas de decisão. É meta importante diminuir o número de complicações e iatrogenias devido ao uso de outras modalidades, por serem atualmente os métodos consagrados à luz dos conhecimentos atuais. E o uso do contraste por microbolhas pode ajudar esse contexto no futuro, tornando mais prático o seguimento dos pacientes vítimas de trauma abdominal e reduzindo os custos aos serviços de saúde. Referências 1. Davis JJ, Cohn I, Jr., Nance FC. Diagnosis and management of blunt abdominal trauma. Annals of surgery 1976;183:(6):672-678. 2. Rivara FP, Koepsell TD, Grossman DC, Mock C. Effectiveness of automatic shoulder belt systems in motor vehicle crashes. JAMA : the journal of the American Medical Association 2000;283:(21):2826-2828. 3. Brown CK, Dunn KA, Wilson K. Diagnostic evaluation of patients with blunt abdominal trauma: a decision analysis. Academic emergency medicine : official journal of the Society for Academic Emergency Medicine 2000;7:(4):385-396. 4. 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Nesse sentido, encontramos a importância da ultrassonografia, que possibilita a detecção de lesões, mesmo com esses fatores limitantes. Porém o uso frequente do ultrassom mamário aumenta a taxa de resultados falso-positivos e biópsias. Sendo assim, apesar do seu benefício, é necessário que sua indicação seja analisada criteriosamente, a fim de minimizar desgastes psicológicos e custo desnecessários. O objetivo deste trabalho é avaliar a importância da ultrassonografia no diagnóstico de câncer de mama em pacientes jovens e idosas, principalmente naquelas sintomáticas ou com tecido mamário denso. Palavras-chave: Ultrassonografia; Densidade Mamária; Câncer De Mama; Mamografia. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 18/02/2013, aceito para publicação em 19/05/2013. Correspondências: Maria Cátia Mendes Rodrigues Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract Until early 1990, the purpose of ultrasound breast was narrower, but with the advancement of technology, enabling highfrequency transducers, their use has expanded greatly increasing the diagnosis of breast cancer using ultrasound exams, both as first-line (in younger patients), and as a complementary method to mammography (in older patients). Mammography has some limitations such as breast density and age of the patient, often restricted by the identification of lesions, may delay diagnosis. Accordingly, we find the importance of ultrasound, which enables the detection of lesions, even with these limiting factors. But the frequent use of breast ultrasound increases the rate of falsepositive results and biopsies. Thus, despite its benefits, it is necessary that this information is analyzed carefully in order to minimize unnecessary cost and psychological strain. The objective of this study is to evaluate the importance of ultrasonography in the diagnosis of breast cancer in young and elderly patients, especially those with symptomatic or dense breast tissue. Keywords: Ultrasonography; Dense Breast; Breast Cancer, Mammography. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013; 5(2): 43-46 44 Rodrigues – Ultrassonografia no câncer de mama Introdução O câncer de mama é o câncer feminino mais comumente diagnosticado, acometendo cerca de 30% de todas as mulheres com câncer no Reino Unido. A mamografia, ultrassonografia e ressonância magnética são os métodos de imagem para rastreamento ou investigação do câncer de mama, sendo que a ultrassonografia é a primeira opção em imagem da mama em pacientes jovens e um complemento muito útil à mamografia em pacientes mais velhas 1 principalmente naquelas com mamas densas. Inicialmente, a ultrassonografia era utilizada principalmente para distinguir entre massas sólidas e císticas e em casos de biópsias guiadas, porém, com o avanço tecnológico, sua utilidade cresceu e atualmente é um excelente método complementar no diagnóstico de câncer de mama 2. A utilização da ultrassonografia mamária é evidenciada em várias situações, como em pacientes jovens e idosas, com mamas densas e lipossubstituídas, como exame inicial ou como complemento, ou ainda para simples aquisição de imagem ou para guiar procedimentos minimamente invasivos. Em todos esses casos, percebemos sua importância e vamos analisar em que situação é mais benéfica, ficando evidente o valor do método combinado (mamografia e ultrassonografia) no diagnóstico de câncer de mama. Modalidades de imagem na investigação da mama A mamografia e a ultrassonografia são as principais modalidades de imagem para a mama, embora a ressonância magnética tenha se mostrado um teste altamente sensível 3. Para rastreamento, a mamografia ainda é o principal método. O rastreio tem a finalidade de detectar câncer oculto, em estágio inicial, com tumor preferencialmente menor que 01 cm, axila negativa e sem evidência de metástase 4. Apesar de ser um método de rastreio por excelência, é bem reconhecido que uma mamografia normal não exclui a presença de um câncer de mama 5. A incidência de mamografia falso-negativa é alta, em torno de 8-34% e é mais frequente em pacientes jovens com aumento da densidade da mama 6 e neste caso, a ultrassonografia entra como um excelente complemento. Recomenda-se a ultrassonografia como um adjuvante à mamografia em mulheres Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives idosas e, como primeira linha de investigação em mulheres mais jovens . Por fim, a combinação de mamografia e ultrassonografia aumenta consideravelmente a detecção de câncer de mama 7, 8. Diretrizes internacionais recomendam o ultrassom de mama como um exame suplementar, mas não o principal método para o rastreamento de câncer de mama 9, 10. A sensibilidade da mamografia está entre 4590%, dependendo de alguns fatores, como a idade e a densidade da mama 5. A sensibilidade do ultrassom isolado é geralmente referida como sendo de 80-90% 3 e tem-se mostrado menos afetada pela idade do que a mamografia, com a capacidade de detectar um maior número de câncer não visualizado ao exame mamográfico 11. Em câncer de mama clinicamente óbvio, a utilização de apenas uma imagem teste em combinação com uma agulha de biópsia fornece sensibilidade máxima, com pouco aumento na sensibilidade de diagnóstico por metodologias de imagem adicionais 12. BI-RADS ultrassonográfico A fim de assegurar critérios padronizados de avaliação, o Colégio Americano de Radiologia (ACR) desenvolveu em 2003 um sistema de classificação de relatórios das imagens por ultrassonografia, o BI-RADS (Breast ImagingReporting and Data System) 13, que é análogo ao BI-RADS para mamografia. A classificação para ultrassom de mama consiste em sete categorias: 0) inconclusivo – necessita de imagem adicional, 1) negativo, 2) benigno, 3) provavelmente benigno, 4) anormalidade suspeita, 5) altamente sugestivo de malignidade, e 6) conhecidamente maligno 2. Densidade mamária como fator de risco para câncer de mama A densidade mamográfica é um marcador para o risco aumentado de câncer de mama e está associada com uma maior possibilidade para câncer de mama de intervalo 2, além de ser um dos fatores que podem levar a resultados falsonegativos nos exames de imagem 13-15. O grupo de mulheres com mamas densas correm um risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver câncer de mama do que as outras mulheres 16, 17 e alguns estudos epidemiológicos revelam que a ultrassonografia complementar permite o diagnóstico de câncer de mama após rastreamento mamográfico negativo, EURP 2013; 5(2): 43-46 45 Rodrigues – Ultrassonografia no câncer de mama principalmente neste grupo de mulheres e a maioria dos carcinomas diagnosticados ocorrem em mama tipo ACR 3 e 4 2. Inclusive alguns estudos revelam que mais de 90% das mulheres, nas quais o câncer de mama foi diagnosticado por ultrassonografia, apresentam mamas densas tipo 3 ou 4 3. Classificação da densidade mamária As estruturas que formam as mamas saudáveis são ductos, lóbulos, vasos sanguíneos, glândula, parênquima e gordura, que variam de tamanho, quantidade e distribuição a depender de alguns fatores, como volume mamário, status hormonal e idade da mulher. A distribuição de quantidade dessas estruturas no volume mamário classifica a mamografia em padrões, sendo que o mais difundido é o padrão de densidades do American College of Radiology – ACR BIRADS™. Com esses padrões as imagens são analisadas e classificadas, indicando aos médicos as áreas que merecem maior atenção devido ao maior risco de câncer de mama. O padrão ACR BI-RADS™ classifica as imagens da mama em quatro padrões de densidade, baseado numa descrição do tipo de tecido mamário, sendo: Padrão 1 – Radiolucente (mamas quase totalmente gordurosas); Padrão 2 – Densidade baixa (mamas com densidades fibroglandulares esparsas); Padrão 3 – Densidade igual (mama heterogeneamente densa); Padrão 4 – Densidade alta (mama extremamente densa). Desvantagens do uso rotineiro da ultrassonografia O uso frequente de ultrassom traz algumas desvantagens, como aumento do número de exames falso-positivos, resultando em procedimentos desnecessários, aumento da angústia e custo financeiro 5 quando comparado com a mamografia, o ultrassom adicional proporciona uma taxa maior de biópsias 2. Apesar de uma maior taxa de detecção com ultrassom, esse aumento do número de falsopositivos associados a implicações de recursos têm muitas vezes restringido seu uso de rotina para todos os pacientes. Na tentativa de melhorar isso em pacientes sintomáticos, vários estudos têm tentado identificar aqueles pacientes em que o ultrassom é realmente indicado. Pacientes com nódulos mamários palpáveis ou rastreio mamográfico alterado têm sido apontados como Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives os mais suscetíveis de benefício com ultrassom 11. 7, Ultrassonografia como método complementar à mamografia O rastreamento mamográfico perde uma fração de neoplasias malignas, que fica evidenciado por mamografia posterior 2 e o uso de ultrassonografia complementar diminui esse retardo no diagnóstico. Apesar de a ultrassonografia complementar estar associada a uma maior taxa de exames falsos positivos, alguns resultados demonstram uma melhoria na detecção de câncer de mama de 24,4% em pacientes de todas as idades em comparação com mamografia isolada 1, principalmente quando se trata de tumores pequenos em mulheres com mamografia de tecido mamário denso 2. As mulheres com mamas com padrão de densidade ACR – tipo 3 ou 4 são as que tem a maior proporção dos casos de câncer de mama diagnosticados por exame de ultrassom, geralmente com nódulos pequenos (de até 9.9 mm) e, na maioria das vezes, status axilar negativo. 2. A avaliação tripla da mama, que consiste em imagem da lesão, exame físico e biópsia por agulha, continua sendo o pilar de diagnóstico do câncer de mama. Para tanto, imagens precisas são fundamentais, não apenas para identificar os casos de câncer, mas também porque resultados falso-positivos podem levar a biópsias desnecessárias, enquanto resultados falsonegativos podem causar atrasos no diagnóstico 3. Com relação à sensibilidade da mamografia e ultrassonografia em relação à idade, os estudos sugerem que a ultrassonografia é mais útil como adjuvante da mamografia em pessoas mais jovens. Em pacientes com idade acima e abaixo de 50 anos, o diagnóstico é mais fiel, se comparado mamografia isolada versus ambas as modalidades (mamografia e ultrassom), com a associação das duas naquelas pacientes com idade inferior a 50 anos (em torno de 30% de melhora no diagnóstico), apesar de também conferir uma melhora de cerca de 20% em pacientes acima de 50 anos de idade 1. Quanto aos impactos adversos decorrentes da intervenção ultrassonográfica nas mamas, alguns estudos revelam que três vezes mais mulheres necessitam ser submetidas à biópsia quando o carcinoma é detectado por ultrassom em EURP 2013; 5(2): 43-46 46 Rodrigues – Ultrassonografia no câncer de mama comparação com aqueles detectados por mamografia de rastreamento isolada 18. O conhecimento dos resultados mamográficos anteriores tem sido previamente relatado para melhorar a interpretação e qualidade de apresentação dos resultados de ultrassom de mama em mulheres sintomáticas 8. Sensibilidade e especificidade da ultrassonografia complementar versus mamografia isolada A sensibilidade da ultrassonografia complementar à mamografia gira em torno de 80% 1, 5, 7, 8 e é maior que a da mamografia isolada (80,8% versus 56,6%, p<0,001), em pacientes com idade média de 57 anos, com intervalo de 34-89 anos 1. De acordo com estudos epidemiológicos, a sensibilidade da mamografia foi maior em pacientes com mais de 50 anos em comparação com mulheres abaixo dessa idade (62,5% versus 45,7%, p = 0,10), enquanto a sensibilidade do ultrassom foi semelhante entre os dois grupos (82,8% versus 77,1%, p = 0,60). Quando se trata de mamografia e ultrassom combinados em comparação com mamografia isolada, os exames combinados apresentam maior sensibilidade, tanto acima, quanto abaixo de 50 anos de idade (abaixo de 50: 45,7% → 77,1% e acima de 50: 62,5% → 82,8%). Estes resultados sugerem que a diferença na sensibilidade da mamografia contra a abordagem de investigação combinado foi mais marcado em pacientes com menos de 50 anos de idade (abaixo de 50 = 31,4% versus acima de 50 = 20,3%) 1. A ultrassonografia não apresenta diferença significativa na sensibilidade entre pacientes com mais ou menos de 50 anos de idade (82,8% versus 77,1%, p = 0,60) 1. Alguns estudos demonstram que a especificidade do ultrassom adjuvante e mamografia isolada não são significativamente diferentes (99,1% versus 99,4%, p = 0,68) 1, o que pode muitas vezes acontecer pela utilização de um limiar alto para a suspeita de câncer, ou seja, considerar como potencialmente suspeito para câncer apenas os exames de classificação 4 ou 5 19. Quanto ao valor global preditivo positivo de detecção de carcinomas para ultrassom complementar e mamografia isolada, geralmente apresenta uma diferença pequena e depende dos critérios de avaliação 2 e giram em torno de 90% 1. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Características clínicas A maioria das pacientes, aproximadamente 50%, com sintomas clínicos de mama apresenta-se com um nódulo e a maior parte destas pacientes terá um resultado benigno 20. Os principais sintomas encontrados são nódulo de mama, mastalgia, descarga papilar ou retração do mamilo. Pacientes assintomáticos também estão presentes por uma das seguintes razões: seguimento após cirurgia de câncer na outra mama, história de câncer de mama na família, aconselhamento antes de terapia hormonal ou em caso de rastreamento mamográfico suspeito 1. Um desafio importante em mamas clinicamente sintomáticas é aumentar as taxas de detecção de câncer, enquanto minimiza o número de biópsias desnecessárias 5. Impressão ao exame físico x resultado definitivo De acordo com estudo realizado no Reino Unido, quando é feita a comparação da impressão clínica com o resultado definitivo para câncer de mama, fica evidenciado que com base no exame físico tinha suspeita de câncer em 59,6%, doença benigna da mama em 31,3% e mama “normal” em 9,1% pacientes. Considerações finais A ultrassonografia é um método fácil e rápido para detecção de lesões mamárias. Porém, os critérios para sua utilização são heterogêneos e devem ser valorizados. Até mesmo a experiência do examinador pode influenciar no resultado do exame. Apesar de a ultrassonografia complementar estar associada com uma maior taxa de exames falso-positivos, consideramos válida sua utilização já que existe um aumento de 24% na detecção de câncer de mama em pacientes de todas as idades em comparação com a mamografia isolada, sem uma perda significativa da especificidade, principalmente em mamas densas, tipo 3 ou 4, onde possibilita a detecção de pequenos tumores, ocultos à mamografia. Fica claro que devido aos resultados falsopositivos, é necessário estabelecer critérios para a realização do exame, pois apesar de possibilitar facilmente um procedimento de biópsia ou punção em caso de lesão, devemos levar em conta o abalo psicológico que mulheres experimentam antes, durante e depois de uma biópsia realizada EURP 2013; 5(2): 43-46 47 Rodrigues – Ultrassonografia no câncer de mama devido a um “alarme falso”. Porém em pacientes sintomáticos ou com mamas densas, temos bem estabelecida a sua importância Referências 1. 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EURP 2013; 5(2): 43-46 Artigo de Revisão Medida da transluscência nucal Nuchal translucency measurement Jordânia da Paz Oliveira 1 O rastreamento efetivo das aneuploidias mais comuns pode ser realizado com sucesso no primeiro trimestre de gestação. E a medida da Translucência Nucal através de ultrassonografia é considerada atualmente o método mais importante diante de cromossomopatias. Além disso, o seu aumento está fortemente relacionado com doenças cardíacas congênitas. Os índices de detecção das anormalidades genéticas pode atingir cerca de 95% se a translucência for associada a outros marcadores como a idade materna, marcadores bioquímicos, ausência do osso nasal, presença de regurgitação tricúspide e aumento da impedância do fluxo do ducto venoso na ecografia. O rastreamento no início da gestação permite a interrupção da gestação nos países onde o abortamento é permitido e pode justificar mortes perinatais espontâneas no nosso meio. Permite ainda orientar os pais com aconselhamento diante de aneuploidias. Palavras-chave: Programas de Rastreamento; Ultrassonografia, Pré-Natal; Medição da Translucência Nucal. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 22/02/2013, aceito para publicação em 21/05/2013. Correspondências: Jordânia da Paz Oliveira Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract Effective screening for major aneuploidies can be provided in the first trimester of pregnancy. Measurement of the fetal nuchal translucency thickness using an ultrasound is considered to be the most relevant method to assess chromosomal abnormalities. Moreover, its increase is strongly related to congenital heart diseases risk. Detection rate of genetic disorders may achieve about 95% by combining nuchal translucency with other methods as maternal age, serum markers, absence of the nasal bone, tricuspid regurgitation and increased impedance to flow in the ductus venosus on Doppler. Early screening allows pregnancy interruption where abortion is legal and may help distinguish perinatal death causes in our context. Furthermore, it permits proper counseling to parents concerning aneuploidies. Keywords: Mass Screening; Ultrasonography, Prenatal; Nuchal Translucency Measurement. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013; 5(2): 47-51 48 Oliveira – Transluscência nucal Introdução As aneuploidias são consideradas a maior causa de morte no período perinatal e de sequelas na infância. Nas décadas de 1970 e 1980 os principais métodos para seu rastreamento era idade materna e avaliação das concentrações no soro materno de frações livres de β-HCG e PAPPA (proteína plasmática ligada à gestação). Entretanto no início da década de 1990, o prof. Kypros Nicolaides relatou a associação do acúmulo de líquido na região da nuca fetal (tranlucência nucal) nos fetos portadores da trissomia do 21. E nos últimos anos, outros marcadores ultrassonográficos adicionais foram descritos, o que aumentou as taxas de detecção das aneuploidias e reduziu os índices de falso positivos 1. A Translucência Nucal (TN) consiste em uma coleção subcutânea transitória de líquido na região cervical fetal vista na ultrassonografia entre 11-14 semanas de idade gestacional 1. O percentil 95 da TN aumenta com a idade gestacional, mas entre 11-14 semanas é de cerca de 2,5mm, enquanto que o percentil 99 é de 3,5mm. O aumento da TN acima do percentil 99 é bastante importante no rastreamento das trissomias dos cromossomos 21,18 e 13 que são responsáveis por cerca de 30% dos óbitos fetais entre 12 semanas de idade gestacional e o termo 2. Entretanto a TN não é apenas importante para detectar anomalias cromossômicas, mas também para apontar sinais não específicos de distúrbios de uma gravidez normal. Na presença de cariótipo normal, um aumento da TN pode ser observado em fetos com anormalidades estruturais e desordens genéticas das quais o mais comum é o defeito cardíaco congênito 3-6. Além da TN, outros marcadores ultrassonográficos específicos e sensíveis são muito importantes para rastreio no primeiro trimestre de gestação. São exemplos, a ausência do osso nasal, aumento da impedância no ducto venoso (onda a reversa) e a regurgitação tricúspide. Esses marcadores somados à idade materna, TN e frações livres do β-HCG e da PAPP-A resultam em um aumento dos índices de detecção de anomalias e uma diminuição de falso positivo para 2,5% 7-9. Translucência Nucal A TN é considerada a principal forma de rastreamento para cromossomopatias no primeiro Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives trimestre porque praticamente em todas as pacientes a sua medida pode ser obtida na idade gestacional indicada. A via abdominal é a indicada para a aquisição da imagem e esta é obtida em cerca de 90% dos pacientes por um profissional devidamente treinado. Em casos de maior dificuldade, pode-se optar pela via transvaginal com sucesso de cerca de 100%. Entretanto o espaço da TN é muito pequeno (0,52,5 mm) e o treinamento adequado deve ser realizado assim como o controle de qualidade 1, 10. A medida ultrassonográfica da TN é obtida no período compreendido entre 11 a 13 semanas e 6 dias de gestação ou comprimento cabeça-nádega (CCN) entre 45 a 84 mm, tendo correlação com a idade gestacional. A universalização da sua medida foi desenvolvida pela “Fetal Medicine Fundation” (FMF) e vários critérios para aquisição da medida foram estabelecidos, para citar: corte longitudinal, feto em posicão neutra, somente cabeça e parte superior do tórax incluídos na imagem e obrigatoriedade de nítida distinção entre pele fetal e âmnio. Pelo menos três medidas devem ser obtidas e a maior mensuração é usada pela FMF para cálculo do risco 1. A Fisiopatologia do aumento da translucência é tema de várias pesquisas e muitos mecanismos foram propostos para explicar o edema. A alteração da matriz extracelular, a anemia fetal ou a hipoproteinemia e a infecção fetal foram consideradas. Mas uma importante vertente é a falha cardíaca 11. A idéia da falha cardíaca transitória é tanto devido a disfunções miocárdicas como a defeitos cardíacos congênitos que levam ao acúmulo de fluido e ao edema nucal. Os defeitos estruturais são sem dúvidas mais prevalentes em fetos com aumento da TN, mas disfunções cardíacas e falhas hemodinâmicas nem sempre levam ao aumento do edema 2. Uma terceira hipótese a ser considerada seria o desenvolvimento alterado ou retardado do sistema linfático e/ou a falha na drenagem deste sistema, que pode por sua vez, fortalecer a ligação entre o aumento da TN e os defeitos cardiovasculares 12. Importância da TN A medida da translucência está ganhando cada vez mais popularidade para rastreamento de aneuploidias no primeiro trimestre. Estudos multicêntricos já mostraram a alta sensibilidade para o rastreio da Síndrome de Down principalmente se associados a outros métodos. EURP 2013; 5(2): 47-51 49 Oliveira – Transluscência nucal Os pacientes são atraídos tanto pela garantia de alta confiabilidade como pela privacidade proporcionada 13. Os avanços da ultrassonografia nos últimos anos ocorreram juntamente com a mudança demográfica materna. Mulheres com mais de 35 anos apresentam maior risco de ter filhos com Síndrome de Down e outras anomalias cromossômicas. Na década de 1970, todas essas mulheres tinham indicação de realizar amniocentese para pesquisa de aneuploidias. Atualmente, a quantidade de mães com “idade avançada” aumentou bastante e a opção de rastreamento por métodos não invasivos como a TN parece ser bem atrativa para a população materna 14. Além disso, o aumento da espessura da TN (maior que 3,5 mm) é altamente relacionado com doenças cardíacas congênitas. Baseado neste dado, a medida da TN pode ser usada também como método de rastreamento para tais doenças a fim de identificar os fetos de alto risco para realizar ecocardiografia em centros de referência. O diagnóstico precoce no pré-natal é muito importante: o defeito pode ser muito grave a ponto de se questionar a interrupção da gestação nos países onde isso é permitido, em outras situações pode-se tentar tratamento intra-útero a fim de reduzir a mortalidade ao nascimento e em outros casos ainda, pode-se preparar as condições para o reparo logo após o parto 2, 15. Para os especialistas, a TN é particularmente considerada um método de rastreamento porque é mensurada com sucesso em cerca de 90% das pacientes em 20 minutos de exame. De acordo com a posição fetal e a possibilidade de uso tanto da via abdominal como da vaginal o sucesso pode chegar a 100%. A medida sofre pequenas variações de acordo com o profissional que faz a ultrassonografia, contudo, treinamentos específicos e programas de avaliação de desempenho estão sendo introduzidos com o objetivo de obter um controle de qualidade 10, 16. Outros marcadores O primeiro marcador para rastreamento de anomalias cromossômicas a ser considerado é a idade materna, já que o risco de aneuploidias aumenta com a idade da mãe. As gestações com alterações cromossômicas também são associadas com alterações das concentrações séricas de vários produtos fetoplacentário (AFP), incluindo α-feto proteína, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives fração livre do β-HCG, inibina A, estriol não conjugado (uE3) e PAAP-A. A mensuração desses marcadores é mais fiel no segundo trimestre de gestação mas sua dosagem foi movida para o primeiro trimestre para combinar a época com os outros marcadores 1. Na trissomia do 21 a fração livre do β-HCG encontra-se duas vezes mais alta enquanto que PAAP-A é reduzida pela metade em comparação com uma gravidez euplóide. No rastreamento para síndrome de Down a idade materna e os marcadores bioquímicos detectam cerca de 65% com um índice de falso-positivo de 5% 17, 18. Nas trissomias do 18 e 13, a fração livre do β-HCG e a PAAP-A estão diminuídas. E nas anomalias ligadas ao sexo, a fração do β-HCG está normal e PAAP-A está baixa. Não há uma associação significativa entre os marcadores séricos e a espessura da TN, mas os marcadores bioquímicos e os ultrassonográficos devem ser usados de forma combinada no rastreamento das anomalias cromossômicas, pois juntos trazem maior efetividade 1. Em adição a translucência, outros marcadores ultrassonográficos têm elevada sensibilidade e especificidade no rastreamento das aneuploidias, são eles: a ausência do osso nasal, o aumento da impedância do fluxo do ducto venoso e a regurgitação tricúspide. A ausência do osso nasal, a onda a reversa e a regurgitação tricúspide são observadas em 60, 66 e 55% dos fetos com trissomia do 21 e 2.5, 3 e 1% respectivamente nos fetos euplóides. A aquisição de cada um desses marcadores ecográficos pode ser incorporada no primeiro trimestre com a idade materna, medição da TN e marcadores bioquímicos. O que resulta em um rastreamento muito mais eficaz com aumento do índice de detecção de 93 para 96% e diminuição dos falso-positivos para 2.5% (KAGAN, 2009b; KAGAN, 2009c; MAIZ, 2009). Recentemente mais um marcador ecográfico foi descrito para o rastreio da Síndrome de Down, o aumento do fluxo da artéria hepática fetal 3, 19. Aparentemente, o uso dos marcadores bioquímicos em um primeiro estágio de rastreamento para aneuploidias parece lógico pela simplicidade do método. Contudo, a interpretação dos resultados laboratoriais depende da medida ultrassonográfica da TN, que dessa forma, não pode ser evitada. Então, existem várias vantagens de se optar por marcadores ecográficos, sobretudo a medida da TN em um primeiro estágio de rastreamento. Primeiro, a EURP 2013; 5(2): 47-51 50 Oliveira – Transluscência nucal redução do custo, porque a mensuração sérica da fração livre de β-HCG e PAAP-A somente seria realizada em 20% das gestações ao invés de todas elas; segundo, a anatomia fetal pode ser examinada em todos os casos facilitando o diagnóstico de enumeras anormalidades não só naquelas gestantes com o rastreio bioquímico positivo; terceiro, o Doppler pode ser realizado durante o mesmo exame; e quarto, a onda a reversa do ducto venoso e a regurgitação tricúspide são úteis não só na pesquisa de trissomia do 21 e de outras aneuploidias, mas também identifica casos de aumento do risco defeitos cardíacos e de outros desfechos adversos 1. abortamentos espontâneos e óbitos no período perinatal. Vários métodos se somam para melhor predizer o risco, mas a translucência nucal é considerada o marcador mais efetivo dado à eficácia do método, a facilidade de realização do mesmo e a oportunidade de realizar outros tipos de rastreio durante o exame ultrassonográfico. A ecografia com ênfase na medição da translucência parece constituir o passo inicial, devendo ser seguida das dosagens bioquímicas maternas nos casos com risco considerado. Dessa forma, a devida conscientização do casal e as medidas apropriadas podem ser tomadas diante do cálculo dos riscos logo no início da gestação. Princípios do diagnóstico precoce de aneuploidias O diagnóstico pré-natal permite, portanto, a detecção precoce de anomalias congênitas e desordens genéticas intra-útero. A recomendação da Comissão Europeia é que esse diagnóstico seja realizado voluntariamente e com o único objetivo de obter conhecimento a cerca da saúde fetal, independente da opção do casal ou opinião do médico sobre interromper ou não a gestação. Então, em muitos países a detecção precoce é importante tanto para garantia de uma assistência médica pré e pós-natal quanto para a decisão informada dos pais sobre continuar ou não com a gravidez. Nesses países muito investimento é feito para este fim para que a decisão possa ser tomada em tempo hábil 20. No Brasil, onde o abortamento não pode ser realizado rotineiramente, pouco se investe no rastreamento do início da gestação. Os diagnósticos de anomalias e alterações fetais são feitos com maior facilidade e sem maiores ônus no segundo e terceiro trimestre. E é por esta razão que os programas de rastreamento precoce no país não têm alcançado a toda a população. Referências Considerações finais Diante da mudança na faixa etária média das gestantes nas últimas décadas, uma quantidade cada vez maior de pacientes está exposta a maiores riscos de anomalias cromossômicas fetais. Um rastreamento efetivo no primeiro trimestre deve ser realizado mesmo que em nosso meio o abortamento não seja legalmente permitido, a não ser em casos selecionados. O diagnóstico de aneuploidias pode justificar Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives 1. Nicolaides KH. Screening for fetal aneuploidies at 11 to 13 weeks. Prenatal diagnosis 2011;31:(1):7-15. 2. Clur SA, Ottenkamp J, Bilardo CM. The nuchal translucency and the fetal heart: a literature review. Prenatal diagnosis 2009;29:(8):739-748. 3. Bilardo CM, Timmerman E, Pajkrt E, van Maarle M. Increased nuchal translucency in euploid fetuses--what should we be telling the parents? Prenatal diagnosis 2010;30:(2):93-102. 4. Makrydimas G, Sotiriadis A, Huggon IC, Simpson J, Sharland G, Carvalho JS, et al. 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Tem na prevenção e orientações pré-concepcionais sua atuação de maior impacto positivo. A possibilidade de complementar o estudo ecográfico com o Doppler permite conseguir melhora no prognóstico, reduzindo natimortos e prematuridade iatrogênica. Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão da literatura e determinar critérios ultrassonográficos utilizados na rotina para predição, diagnóstico e acompanhamento de fetos com restrição de crescimento. Palavras-chave: Retardo do Crescimento Fetal; Cuidado Pré-Natal, Ultrassonografia. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 25/02/2013, aceito para publicação em 22/05/2013. Correspondências: Ana Paula Machado Bisker Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract The intrauterine growth retardation is a condition of disadvantage to the fetus in which there is a limitation on the diagnosis, with a controvertial and debatable concept. This situation has its evaluations and real prevalence still little known. It represents a situation in which the prenatal must be of extreme criteria and quality, because there are possible complications peri and post-partum, with high rates of morbidity and mortality. This event is based on the evolution of the gestation, with serial clinical and ecographic follow-up, for better diagnostical definition. It is on prevention and pre-conceptional guidelines its greatest positive impact performance. The possibility to complement the study with Doppler ultrasound allows achieving improved prognosis, reducing iatrogenic prematurity and stillbirth. This paper aims to review the literature and determine criteria used in routine ultrasound for prediction, diagnosis and monitoring of fetal growth restriction. Keywords: Fetal Growth Retardation; Prenatal Care; Ultrasonography. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013; 5(2): 52-56 53 Lafetá – Restrição de crescimento intrauterino Introdução A restrição de crescimento intrauterino (RCIU) é uma condição em que se observa potencial de crescimento menor que o esperado para uma idade gestacional. Sua definição ainda é muito controversa, sendo mais aceita atualmente sua determinação, tendo como critério principal o peso fetal esperado abaixo do percentil 10 para uma determinada idade gestacional, de uma curva populacional 1. Esta definição se confunde com aqueles fetos com baixo peso ou ainda com os constitucionalmente pequenos 2. Discute-se a necessidade de mudar tal conceito e ainda ampliar suas análises 3. A OMS define RCIU como aqueles que se encontram com peso abaixo de dois desvios padrão da média, ou aproximadamente abaixo do percentil 3. Estimase que a incidência seja de aproximadamente 3 a 10 %, com maior frequência em países em desenvolvimento. A importância clínica de definirmos uma gestação em que está ocorrendo essa restrição está em suas repercussões intra e extrauterinas, principalmente com a elevação nas taxas de morbidade e mortalidade, tendo em vista que as complicações durante o parto e perinatais são oito vezes mais frequentes. Verifica-se ainda a presença de repercussões na vida adulta com aumento na incidência de hipertensão arterial crônica, diabetes mellitus e cardiopatias isquêmicas 4. Em gestações de risco habitual, não existe, até o momento, um rastreamento específico para esta condição. Porém, através de uma história clínica detalhada, investigação de fatores de risco e exames de rotina, é possível a suspeição clínica de tal situação. A avaliação da medida da altura uterina (AU) por um mesmo observador associada à determinação da idade gestacional por um exame ultrassonográfico precoce (antes de 20 semanas) permite maior acurácia diagnóstica. A medida AU seriada tem sensibilidade de 27 a 86% e especificidade de 80 a 96%. Estudam-se marcadores bioquímicos que melhorem a sensibilidade, contudo esses ainda não se mostram indispensáveis 5. Nas gestações em que já existe um risco elevado para restrição, o acompanhamento com ultrassonografia com estudo Doppler se mostra de grande valia, inclusive como predição (LAUSMAN et al., 2012; FIGUERAS E GARDOSIS, 2011). Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Os achados ecográficos como avaliação da biometria fetal se apresentam como ferramenta extremamente útil para determinar idade gestacional e através de suas avaliações seriadas, acompanhar crescimento fetal e com estudo Doppler conhecer a hemodinâmica materno-fetal. A prevenção de fatores de risco e orientações préconcepcionais ainda são as medidas mais úteis de se melhorar o prognóstico do produto da concepção 6. Etiopatogenia O crescimento fetal adequado depende de mecanismos moleculares que o regulem. Na fase embrionária, esse suprimento nutricional é fornecido por fatores produzidos na vesícula vitelínica. Nas fases seguintes, o feto depende da regulação endócrina da placenta. Esse crescimento é dividido em três fases. Inicialmente, até aproximadamente 16 semanas, observa-se uma fase de hiperplasia celular, com reprodução celular rápida. Em seguida, do início do 2° trimestre até início do 3° trimestre, há uma fase em que predominam as duas fases de hiperplasia e hipertrofia. A partir de então, há apenas a hipertrofia, com maior deposição de gordura e glicogênio. A restrição acontece quando a homeostase se rompe em qualquer dessas etapas do crescimento fetal. Sendo importante a época em que a exposição a fatores de risco acontece para a classificação em três grupos. Tais agentes podem atuar no feto, placenta, causa materna ou ainda se associarem 5. Classificação Os tipos de RCIU são: • Tipo I ou simétrico: A agressão está presente na fase hiperplásica do crescimento celular na embriogênese; geralmente irreversível e representa 1/3 dos casos. Associado a malformações fetais. • Tipo II ou assimétrico: A agressão acontece predominantemente na fase hipertrófica, com redução no ritmo de crescimento. Geralmente associada com insuficiência placentária e acomete 2/3 dos casos 7. Com frequência, altera apenas circunferência abdominal fetal. • Tipo III ou intermediária: A agressão acomete ambas as fases, com todos os segmentos corporais fetais envolvidos. Geralmente há comprometimento cefálico EURP 2013; 5(2): 52-56 54 Lafetá – Restrição de crescimento intrauterino e de ossos longos, mas em grau menor do que no tipo I, o que dificulta seu diagnóstico. Fatores de Risco São conhecidos na literatura vários fatores que podem interferir no crescimento fetal. Podem ser atuantes sobre concepto, placenta, mãe ou ainda interligados 5. Em cerca de até 40% dos casos, a etiologia não é conhecida. 1. Fetais: anomalias cromossômicas, infecções congênitas, aneuploidias, síndromes genéticas, gemelaridade. 2. Maternas: baixo nível sócioeconômico, gestação prévia com RCIU, desnutrição, extremos de idade, exposição a álcool e tabagismo, uso de drogas ilícitas, teratogênicos, hábitos de vida e trabalho, doenças maternas prévias(hipertensivas, cardiopatias, anemias, diabetes mellitus, doenças autoimunes, trombofilias), malformações uterinas. 3. Placentárias: tumores placentários, placenta circunvalada, hematomas e descolamento parcial, placenta prévia, inserção velamentosa ou marginal do cordão, infarto viloso, insuficiência placentária. Diagnóstico O acompanhamento pré-natal de rotina é de maior importância para que haja suspeição clínica 6. Através da anamnese e do exame físico, é possível delimitar fatores causais e acompanhar clinicamente o crescimento fetal através da medida da altura uterina. A medida seriada por um mesmo examinador tem sensibilidade e especificidade de até 80% 5. O diagnóstico pode ser confirmado através do exame ecográfico, porém até 30% pode não ser detectado por tal método. Na avaliação do crescimento fetal, é importante a datação correta e precoce da gestação, com exame realizado o mais inicialmente possível, ainda no 1° trimestre, mas aceitável até 20 semanas. As avaliações seriadas permitem o controle desse crescimento. Através da complementação ecográfica com estudo Doppler, é possível avaliar hemodinâmica fetal, ampliando diagnóstico e avaliando prognóstico. Também com a cardiotocografia basal e com o perfil biofísico fetal, pode-se acompanhar bemestar fetal. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Importância da Ultrassonografia A ultrassonografia se apresenta como método de diagnóstico e também de avaliação prognóstica, avaliando vitalidade fetal. As medidas de biometria seriadas, associads à determinação precoce da idade gestacional permitem maior predição do diagnóstico de RCIU. Nas gestações iniciais, entre sete e doze semanas, é possível a medida do comprimentocabeça-nádegas do embrião, com erro de até cinco dias. Nas gestações de 14 a 20 semanas, avaliamse diâmetro bi-parietal (DBP), comprimento do fêmur (CF), circunferência cefálica (CC) e circunferência abdominal (CA). A partir dessas medidas, pode-se calcular o peso fetal estimado. Utilizam-se fórmulas para seu cálculo, sendo as mais usadas as de Shepard et al., 1982 e de Hadlock et al., 1985. Como medida isolada, a mensuração da CA pode estabelecer até 85% dos casos. Após estabelecer a idade gestacional (IG) e o peso fetal, pode-se, a partir de então, acompanhar o crescimento fetal. Esta avaliação deve ser feita com exames ecográficos a cada duas ou quatro semanas na suspeita de restrição de crescimento. Nos casos em que não foi possível estabelecer IG precocemente, estima-se esta com avaliação também de diâmetro cerebelar transverso e medidas nas órbitas 1. Estabelecido o diagnóstico ou mantendo suspeição, é necessário acompanhar este feto com avaliação da hemodinâmica materno-fetal 8. O estudo ecográfico se mostra ainda mais eficiente com auxílio do Doppler 9. A avaliação do líquido amniótico também é importante para definir na ocorrência de oligoâmnio a presença de sofrimento fetal intraútero. Espera-se, nesses casos, uma redistribuição do aporte sanguíneo fetal com desvio para órgãos vitais como cérebro, miocárdio e adrenais. Dessa maneira, observa-se que, no RCIU, o fluxo nas artérias umbilicais está reduzido. A avaliação do fluxo diastólico nessas artérias frequentemente constitui o primeiro sinal de restrição em fetos com peso estimado abaixo do precentil 10 ou CA abaixo do percentil 5. O Doppler da artéria cerebral média permite diagnóstico da centralização de fluxo com base na vasodilatação cerebral e representa estágio inicial de deteriorização. Enquanto a avaliação do ducto venoso com fluxo anormal representa esse estágio avançado. A onda A ausente ou reversa, neste vaso, indica interrupção da gestação com EURP 2013; 5(2): 52-56 55 Lafetá – Restrição de crescimento intrauterino indicação de disfunção cardíaca grave e comprometimento metabólico. A avaliação das artérias uterinas com permanência da incisura protodiastólica, após 26 semanas, pode predizer doença hipertensiva da gestação ou RCIU, devido má perfusão placentária. Rotinas do exame ecográfico A ultrassonografia obstétrica no 1° trimestre é extremamente importante para determinar a idade gestacional(IG). Através de equipamentos de alta resolução, é possível medir, por via vaginal, o diâmetro médio do saco gestacional (SG) a partir da quarta semana. A imagem ecográfica do SG é anecóica, esférica, com limites bem definidos, sem ecos em seu interior. Mas, o padrão-ouro para determinar a IG depende da presença do embrião, com a medida do comprimento cefalocaudal, que é o comprimentocabeça-nádegas, com erro máximo de cinco dias. Deve-se medir o embrião em posição neutra, corte longitudinal, por via transvaginal, com o embrião em repouso. Com atenção para colocação dos medidores nas extremidades. Em gestações acima de doze semanas, utilizam-se as medidas de DBP, CC, CF e CA. No diâmetro biparietal, deve-se avaliar no corte axial, tendo presentes as seguintes estruturas: Tálamos, Cavum do septo pelúcido, Fissura de Sylvius e Cisterna ambiens. Identificando esses pontos, é importante colocar o medidor na parte externa do osso biparietal e o outro diametralmente oposto na parte interna do mesmo 1. A circunferência cefálica é obtida na mesma aquisição do DBP, podendo ser automática, se o aparelho possuir o recurso, ou pela equação da elipse. Para determinar a medida do comprimento do fêmur, inicialmente, identifica-se a coluna vertebral com varredura até o osso ilíaco, angulando o transdutor de 30 a 60 graus. Identificam-se as extremidades do osso, não incluindo os núcleos de ossificação. É necessário realizar a média de pelo menos três medidas para diminuir erros intrínsecos do observador. A circunferência abdominal é medida por um corte transversal do abdômen fetal, ao nível da inserção do cordão. Deve-se observar a presença de certas estruturas: estômago fetal, vasos portais, corpo vertebral e grandes vasos à sua frente. Colocam-se os medidores nas extremidades dos diâmetros transverso e ântero-posterior do abdômen 1 e calcula-se a circunferência através de fórmula indireta. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives No estudo Doppler, das artérias uterinas, deve-se avaliar a persistência da incisura protodiastólica após 26 semanas, pode ocorrer dificuldade em reproduzir o seu fluxo quando a cabeça fetal estiver insinuada, então se deve lateralizar o transdutor obliquamente ou ainda preferir a via transvaginal, sempre avaliando bilateralmente. Na avaliação da artéria umbilical, deve-se medir a velocidade sanguínea nos locais de inserção do cordão umbilical próximo à placenta e no abdômen fetal. É necessário afastar a presença de circular de cordão com avaliação da região cervical. Registrar de 15 a 20 ciclos de captação ideal das ondas, trabalhar com filtro do equipamento acima de 100 kHz. Verificar sempre a presença das duas artérias, respectivos calibre e fluxos comparativos. A avaliação da artéria cerebral média é realizada através do corte axial da cabeça fetal com observação do polígono de Willis e da saída da ACM em cada lado. A velocidade real desse vaso é medida nesta região pelo ângulo de insonação de zero, podendo-se utilizar tanto a via abdominal quanto transvaginal. Conduta Estabelecida a presença de RCIU, é importante entender os sinais de gravidade e a idade gestacional em que se encontra a gestação. Naquelas a termo, a interrupção deve ser aventada, sendo a via de parto obstétrica. Nos casos de prematuridade, é imperativo avaliar antes a possibilidade de realizar a maturação pulmonar fetal com uso de corticosteróides. Para interrupção, avalia-se a vitalidade fetal e, quando esta estiver em risco, deve-se indicar o parto. A interrupção, então, é determinada a partir da avaliação da hemodinâmica fetal com estudos através da análise Doppler, perfil biofísico fetal e cardiotocografia basal. Considerações Finais A RCIU é uma situação que ainda não tem sua real incidência bem conhecida no mundo devido às dificuldades em se estabelecer o diagnóstico. Mas, observa-se aumento em seus índices, com repercussões negativas a curto e em longo prazo. Referências 1. March MI, Warsof SL, Chauhan SP. Fetal biometry: relevance in obstetrical practice. Clinical obstetrics and gynecology 2012;55:(1):281-287. EURP 2013; 5(2): 52-56 56 Lafetá – Restrição de crescimento intrauterino 2. Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine Growth as Estimated from Liveborn BirthWeight Data at 24 to 42 Weeks of Gestation. Pediatrics 1963;32:793-800. 3. Zhang J, Merialdi M, Platt LD, Kramer MS. 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EURP 2013; 5(2): 52-56 Artigo de Revisão Contribuição do Ultrassom Doppler no diagnóstico e planejamento cirúrgico do aneurisma da artéria poplítea Contribution of Doppler ultrasound in the diagnosis and surgical planning of the popliteal artery aneurysm Ana Paula Machado Bisker 1 A artéria poplítea é o principal sítio de localização dos aneurismas periféricos. Eles podem ser uni ou bilaterais e, na metade dos casos, estão associados a aneurisma da aorta abdominal. O quadro clínico pode-se confundir com as manifestações agudas e crônicas da doença arteriosclerótica, como claudicação e dor de repouso no membro. O ultrassom Doppler determina então o diagnóstico etiológico, auxiliando no planejamento da estratégia cirúrgica. É importante também no acompanhamento seriado dos pacientes submetidos ao tratamento conservador e na vigilância da patência pós-operatória dos enxertos. Pacientes com aneurismas de diâmetro acima de 20 mm, sintomáticos ou com trombos intramurais, têm indicação de intervenção, que pode ser por meio de realização de um by pass ou correção por técnica endovascular. Palavras-chave: Aneurisma, Artéria Poplítea, Ultrassonografia, Doppler. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 13/03/2013, aceito para publicação em 22/05/2013. Correspondências: Ana Paula Machado Bisker Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract The popliteal artery is the major site of location of peripheral aneurysms. They may be unilateral or bilateral, and in half of the cases are associated with abdominal aortic aneurysm. The most common symptoms can be confused with acute and chronic manifestations of Arteriosclerotic disease such as claudication and rest pain on the Member. The ultrasound Doppler determines then the etiological diagnosis, aiding in the planning of surgical strategy. It is also important to monitor series of patients submitted to conservative treatment and post-operative patency of grafts surveillance. Patients with aneurysms with a diameter of over 20 mm, symptomatic or with intramural thrombus, have indication of intervention, which can be through completion of a by-pass or correction by endovascular technique. Keywords: Aneurysm, Ultrasonography, Doppler. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Popliteal Artery, EURP 2013; 5(2): 57-60 58 Bisker – Aneurisma da artéria poplítea Introdução Os aneurismas periféricos mais comuns estão localizados na artéria poplítea, representando 85% dos casos, são freqüentemente bilaterais (53%) e associados a aneurismas da aorta abdominal em 40 a 50% dos pacientes. Tem prevalência no sexo masculino, principalmente na 7ª década de vida 1-4. A etiologia é geralmente degenerativa (aterosclerótica), embora já tenham têm sido descritos casos de origem familiar, micótica, sifilítica e até memsmo traumática 5, 6. Alguns pacientes apresentam-se assintomáticos no momento do diagnóstico, mas cerca de 55% a 66% são sintomáticos e podem apresentar sinais de isquemia crônica como claudicação ou isquemia aguda evoluindo até para amputação do membro 7-10. O exame inicial desses pacientes com o ultrassom Doppler determina a etologia da doença isquêmica e avalia todas as artérias das extremidades, auxiliando na decisão do procedimento a ser realizado 11, 12. Quadro clínico Os aneurismas da artéria poplítea devem ser considerados no diagnóstico diferencial de qualquer forma de isquemia dos membros inferiores e mais da metade dos pacientes com aneurismas de artéria poplítea são sintomáticos na no momento do diagnóstico 7, 9. Os sintomas decorrem principalmente da trombose do aneurisma ou da embolização distal, mas a compressão de estruturas adjacentes como nervos e veias pode causar dor na perna e edema da panturrilha, respectivamente. Os sintomas crônicos ocorrem em pacientes com circulação colateral adequada e confundem-se com os sintomas da doença arteriosclerótica, como claudicação intermitente. Os sintomas agudos são graves, com risco de perda do membro e incluem claudicação, dor de repouso, frialdade e déficit motor no membro afetado. Nos casos de ruptura do aneurisma da artéria poplítea a taxa de amputação pode chegar a 50%-70% 2. No exame físico deve-se suspeitar de aneurisma quando há maior amplitude do pulso poplíteo ou uma massa na fossa poplítea 13. Um pulso poplíteo contralateral e/ou aórtico amplos também são sugestivos. Nos casos agudos verifica-se ausência dos pulsos e frialdade do membro, podendo ser acompanhada de déficit motor, dependendo do tempo evolução da isquemia 7-9, 14. Técnica de exame Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives A disponibilidade do ultrassom Doppler nos serviços de emergência, a facilidade de execução e baixo custo tornam o método de escolha para a primeira abordagem ao paciente 15, 16. O exame das artérias dos membros inferiores é realizado com o paciente em decúbito dorsal e rotação externa da perna. Se necessário, o paciente passa para decúbito ventral com o joelho em completa extensão. Em situações especiais (problemas de saúde do paciente) o exame pode ser realizado com o paciente sentado ou em posição ortostática 17, 18. Utilizam-se Transdutores de matriz linear, de 7-12 de MHz. Na primeira fase do exame, procedem-se as varreduras tranversais e longitudinais que permitem a identificação das artérias de interesse usando o modo-B e color, iniciando na região inguinal e continuando distalmente até as atérias podais. Nesta fase são identificados os diâmetros das artérias, a presença de placas e/ou trombos, a perviedade, além de excluir doenças de origem não vascular. A segunda fase do exame é representada pela avaliação do fluxo com Doppler pulsado no corte longitudinal com um ângulo Doppler de 60 graus ou menos 18. Nesta fase são mensurados os graus de estenose e confirmados a perviedade ou oclusão do vaso. Diagnóstico O diâmetro normal da artéria poplítea é de 5,4 mm (+ou- 0,11 mm) nos segmentos médios e proximal e ligeiramente menor no segmento distal 17, 18. E o padrão de fluxo é trifásico devido à alta resitência periférica. A artéria poplítea é dita aneurismática quando seu diâmetro é maior que 20 mm (HOLLIER ET AL., 1983). A maioria dos aneurismas da artéria poplítea apresenta entre 30 a 40 mm de diâmetro no momento do diagnóstico 10, 19, 20. O ultrassom Doppler pode avaliar bilateralmente as artérias poplíteas, determinar a presença de trombos intramurais e excluir outras patologias como o cisto de Baker, além de verificar a presença de aneurisma de aorta abdominal 13. O ultrassom Doppler é mais sensível do que o exame físico no diagnóstico e fornece informações sobre a localização, diâmetro e extensão do aneurisma, além de mensurar a velocidade do fluxo e determinar a presença de trombo mural. O método também verifica a situação das artérias distais de escoamento do fluxo. Além do mais, ajuda o cirurgião a desenvolver uma estratégia de revascularização e EURP 2013; 5(2): 57-60 59 Bisker – Aneurisma da artéria poplítea fornecer informações de prognóstico para o paciente 15. Em comparação com a angiografia, o ultrassom Doppler detecta a estenose acima de 50% com uma sensibilidade de 85-90% e uma especificidade de mais de 95% 12. A angiotomografia e angioressonância são coadjuvantes úteis porque fornecem informações sobre os vasos proximais e de escoamento do fluxo, além de fornecer imagens da fossa poplítea. Vantagens e limitações do ultrassom Doppler As principais vantagens do método são que as variações anatômicas arteriais são raras, há boa reprodutibilidade entre os diferentes examinadores, e informações precisas no tipo de lesão, localização, extensão e gravidade 12, 18, 21. As limitações do método ocorrem nos pacientes obesos, com edema, hiperesteria e movimentos involuntários dos membros inferiroes, além da presença de calcificações parietais que diminuem a detecção do fluxo na luz. Tratamento Como em qualquer paciente com doença arterial obstrutiva o curso do tratamento é determinado pelo grau de injúria isquêmica do membro inferior. O tratamento conservador fica reservado aos pacientes assintomáticos, com aneurismas menores que 2 cm de diâmetro, sem trombos na luz e devem ser acompanhado com ultrassom Doppler seriado. O Tratamento cirúrgico é recomendado para todos os aneurismas sintomáticos e na maioria dos aneurismas assintomáticos apresentando diâmetro acima de 2 cm, ou ainda naqueles em que verifica-se trombo intramural. No reparo cirúrgico realizado de forma eletiva a taxa de amputação do membro foi menor que 5%, segundo alguns trabalhos 19. Pacientes com sinais de isquemia aguda necessitam de revascularização urgente, tornando-se um tratamento cirúrgico difícil, com uma incidência de 20% a 60% de amputação do membro e até 12% de mortalidade 8, 14, 22-24. O procedimento cirúrgico dos pacientes com aneurismas não trombosados inicia com uma arteriografia femoral que vai mostrar o grau de obstrução das artérias de escoamento do fluxo. Se a patência desses vasos é confirmada pode-se realizar a exclusão do aneurisma com ligadura proximal e distal e um by pass com artéria femoral superficial distal e a poplítea distal ou Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives tronco tibio-fibular. Nesses casos a veia autógena tem patência superior às próteses sintéticas 16, 19, 25, 26. Quando a artéria poplítea ou os vasos de escoamento distal encontram-se trombosados, inicia-se a trombólise intra-arterial, para tentar desobstruir pelo menos uma artéria de deságue distal do fluxo, seguido do reparo definitivo do aneurisma. Trabalhos recentes mostram os resultados do tratamento endovascular do aneurisma da artéria poplítea com stent recoberto, porém necessitam maiores estudos. Considerações finais O ultrassom Doppler desempenha um papel importante no acompanhamento na doença aneurismática da artéria poplítea. Ele é um método não invasivo, de baixo custo e grande disponibilidade. Está presente no diagnóstico etiológico das síndromes isquêmicas dos membros inferiores, permite avaliação seriada dos pacientes submetidos ao tratamento conservador, desempenha papel fundamental no planejamento cirúrgico pré-operatório e ainda é utilizada no acompanhamento da perviedade dos enxertos e escoamento distal do fluxo no pósoperatório. Referências 1. Evans WE, Vermilion BD. Popliteal aneurysms. In: Stratton Ga, ed. Aneurysms: Diagnosis and Treatment; 1982:487. 2. Mitchell ME, Carpenter JP. Popliteal Artery Aneurysm. In: Mosby, ed. Current Therapy in Vascular Surgery; 2001:341-345. 3. Szilagyi DE, Schwartz RL, Reddy DJ. Popliteal arterial aneurysms. Their natural history and management. Archives of surgery 1981;116:(5):724-728. 4. Wychulis AR, Spittell JA, Jr., Wallace RB. Popliteal aneurysms. Surgery 1970;68:(6):942-952. 5. Henke PK. Popliteal artery aneurysms: tried, true, and new approaches to therapy. Seminars in vascular surgery 2005;18:(4):224-230. 6. 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Early complications and long-term outcome after open surgical treatment of popliteal artery aneurysms: is exclusion with saphenous vein bypass still the gold standard? Journal of vascular surgery 2007;45:(4):706-713; discussion 713-705. EURP 2013; 5(2): 57-60 Artigo de Revisão Achados ultrassonográficos e alterações endócrinas em mulheres com síndrome dos ovários policísticos Sonographic findings and endocrine disorders in women with polycystic ovary syndrome Marizene Alves Lemos 1 A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma das desordens endocrinológicas mais frequentes em mulheres na idade reprodutiva, com prevalência de 6 a 10%. Seu diagnostico é baseado em aspectos clínicos, laboratoriais e aspecto ultrassonográfico. A fisiopatologia das alterações morfológicas das uterinas e ovarianas, que geralmente são analisadas ao ultrassom para diagnosticar essa síndrome, está intrinsecamente relacionada a alterações endócrinas e metabólicas. Há vários estudos que mostram uma relação entre os níveis de hormônio anti-mulleriano, níveis de andrógenos e níveis de insulina e sua relação com as alterações ultrassonográficas típicas desta síndrome. Desse modo esta revisão pretende abordar se ha ligação entre as mudanças hormonais típicas desta síndrome e as alterações ultrassonográficas sugestiva de SOP. Palavras-chave: Ovário; Hiperandrogenismo; Anovulação; Ultrassonografia. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 25/03/2013, aceito para publicação em 23/05/2013. Correspondências: Marizene Alves Lemos Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract The Polycystic Ovary Syndrome (PCOS) is one of the most common endocrine disorders in women of reproductive age, with a prevalence of 6 to 10%. Diagnosis is based on clinical, laboratory and sonographic features. The pathophysiology of morphological changes of uterine and ovarian, which are generally considered to ultrasound to diagnose this syndrome, is intrinsically related to endocrine and metabolic changes . There are several studies that show a relationship between hormone levels anti-Mullerian, androgen levels and insulin levels and their relationship to sonographic typical of this syndrome. This review intended to approach whether there is connection between the hormonal changes typical of this syndrome and ultrasound changes suggestive of PCOS. Keywords: Ovary; Ultrasonography. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Hyperandrogenism; Anovulation; EURP 2013; 5(2): 61-64 62 Lemos – Síndrome dos ovários policísticos Introdução A síndrome dos ovários policísticos (SOP) foi descrita inicialmente por Stein e Leventhal, em 1935, os quais observaram uma associação entre amenorreia, hirsutismo e obesidade com ovários de aspecto policístico. Estes eram aumentados de volume bilateralmente, com cápsulas espessadas e esbranquiçadas e com múltiplos cistos de localização preferencialmente subcapsular e estroma denso e hipertrófico. A heterogeneidade dos achados histológicos e das características clínicas levou à adoção do termo “síndrome dos ovários policísticos”. Com a introdução de novas técnicas de investigação, o que antes era um diagnóstico baseado apenas em aspectos clínicos e anatômicos passou a incorporar critérios bioquímicos e ultrassonográficos. O diagnostico da Síndrome dos ovários policísticos (SOP) de acordo com o Consenso de Rotherdam é feito quando pelo menos 2 dos seguintes critérios estão presentes: oligo- ou anovulação, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e ovários policísticos à ultrassonografia, excluindo também outras etiologias como hiperplasia adrenal congênita, tumores secretores de androgênios e síndrome de Cushing 1. A síndrome dos ovários policísticos é uma das síndromes endócrinas mais prevalentes em mulheres na fase reprodutiva, com prevalência de cerca de 6 a 10% 2. No Brasil, há apenas um estudo sobre a prevalência dessa síndrome, e este estudo estima que cerca de 8,5% das mulheres em pré menopausa da cidade de Salvador tem SOP(Fernandes, 2009). A fisiopatologia da SOP que resulta em seus sinais e sintomas tem inicio no período prépuberal. O aumento da função adrenal pré- ou peripubertal pode resultar em elevação dos andrógenos circulantes que por conversão periférica, são modificados para estrógenos. Os níveis excessivos de estrogênio são responsáveis por uma perturbação na frequência de impulso (e / ou amplitude) e no padrão de secreção do hormônio luteinizante (LH). Isto, por sua vez, estimula o compartimento do tecal ováriano a secretar androgenos 3. Quando esse círculo vicioso é estabelecido, é possível identificar a estrutura típica alterações no ovário. A identificação do ovário policístico deve obedecer a critérios diagnósticos estritos e não somente se apoiar na aparência multicística ou Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives policística do ovário. Isso foi possível a partir do emprego do ultrassom de alta resolução em tempo real por Swanson e cols., em 1981 (Swanson, 1981), que permitiu detectar cistos e folículos ovarianos em condições normais e patológicas. O Consenso de Rotterdam, utilizado atualmente para diagnosticar SOP 1, decidiu que o ovário policístico deve ser definido pela presença de 12 ou mais folículos medindo entre 2 e 9 mm de diâmetro e/ou aumento do volume ovariano (> 10 cm3). Estudos prévios relatam que hiperandrogenismo e o numero elevados de folículos foram intimamente relacionados em pacientes com SOP 4, 5. As concentrações séricas de andrógenos estão fortemente correlacionadas com o alto número de folículos antrais de 2-9 milímetros, critério ultrassonográfico de SOP 5, 6. O mesmo é verdade com as concentrações no soro de hormônio antimulleriano (AMH) 6-9, que é um marcador de pequenos folículos do ovário . Essas observações se encaixam bem com a hipótese fisiopatológica que os andrógenos intraovárianos desempenham um papel relevante na foliculogênese alterada da SOP 5. Desse modo, pode-se perceber que a fisiopatologia da Síndrome dos Ovários Policisticos está ligada a alterações endócrinas, apesar de não ser obrigatória a presença mutua de hiperandrogenismo e ovários policísticos ao ultrassom para o diagnostico de SOP. Assim o objetivo desta revisão é estudar a relação entre as alterações hormonais e as alterações ultrassonografias em portadoras de SOP. Níveis de AMH e alterações ultrassonografias Estudos relatam um aumento nos níveis séricos de AMH em portadoras de SOP. Isso corresponde ao esperado, pois este hormônio é produzido pelas células da granulosa de folículos em estágio pré-antral que por sua vez tem numero elevado em portadoras dessa síndrome. Foi demonstrado que nível sérico de AMH é um bom marcador do numero de folículos antrais ovarianos podendo até mesmo substituir o critério ultrassonografico para SOP quando não for possível realizar a ultrassonografia ou fazer parte desses critérios diagnósticos 6, 9-11. Além disso, foi proposto um novo valor para o limite mínimo de numero de folículos (>19) na morfologia do ovário policístico baseado no numero de folículo e nos níveis de AMH em EURP 2013; 5(2): 61-64 63 Lemos – Síndrome dos ovários policísticos mulheres com morfologia de ovários policísticos com e sem SOP 10. Comprovou-se ainda que os níveis de AMH, assim como a obesidade, resistência insulinica e andrógenos elevados podem correlaciona-se com numero elevado de folículos antrais e aumento do volume do ovário em mulheres com SOP. Se pressupõe que a obesidade e a resistência insulínica desregulam os níveis de AMH e de andrógenos resultando no surgimento de ovários policísticos 6. Alterações no fluxo ovariano nos vários policísticos e alterações metabólicas Estudos mostram que portadoras de SOP tem um fluxo sanguíneo ovariano uterino aumentado, entretanto não foi possível correlacionar esta alteração hemodinâmica com o aumento do volume ovariano, característica diagnostica desta síndrome. Entretanto níveis aumentados de insulina e esteroides sexuais se correlacionou positivamente aumento do fluxo sanguíneo ovariano. Diante desse fato propõe que as alterações vasculares arteriais intraovárianas e uterinas ocorrem devido a uma desordem primária dentro do ovário policístico e a seu diferente estado hormonal 9, 12. Alterações hormonais na SOP e alterações ovarianas Estudos mostram que pacientes com SOP e ovários policisticos no ultrassom apresentam maior hiperandrogenismo e obesidade do que pacientes com SOP sem OP. Indicando que o aparecimento de ovários policístico ao ultrassom se correlaciona com alterações hormonais mais severas típicas da SOP (resistência a insulina, aumento nos niveis de andrógenos, aumento da relação LH:FSH, aumento dos níveis de insulina) 13. Entretanto o aparecimento de ovários policísticos em irmãs de portadoras de SOP porem sem SOP não predispôs a resistência insulínica - alteração metabólica clássica desta síndrome. Este fato demonstra que a presença ovários policísticos ao ultrassom em pacientes com parentes em primeiro grau com SOP, não aumentou o risco de desenvolvimento desta síndrome 14. Em mulheres portadoras de SOP que não ovulam há uma falha na seleção do folículo primordial causada por uma maturação precoce dos folículos antrais. Acredita-se que há uma responsividade precoce das células da granulosa Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives aos níveis de LH aumentando precocemente os níveis de estrógenos e suprimindo o FSH inibindo a maturação do folículo primordial. Pressupõe-se que essa responsividade precoce ao LH ocorra devido à hiperinsulina que ocorre na SOP. Além de que o desenvolvimento de folículos primordiais em pacientes com SOP se relacionou a melhora da sensibilidade à insulina. Pacientes com SOP tem aumento dos níveis de andrógenos, particularmente a androstenediona que se correlaciona com aumento do estroma ovariano. Além disso a razão entre estroma e superfície ovariana se relaciona diretamente com o aumento de andrógenos, constituindo em um bom parâmetro para avaliar ovários policísticos em portadoras de SOP 15-17. Considerações Finais Muitas mulheres, cerca de 30% da mulheres em idade fértil, tem morfologia de ovários policísticos ao ultrassom, mas não tem SOP. Os novos métodos de ultrassom facilitam a observação do numero de folículos e de outros aspectos característicos de ovários policísticos em mulheres com SOP, porém pode aumentar o número de falso-positivos. Desse modo a combinação de níveis hormonais de andrógenos e de AMH pode facilitar o diagnostico de SOP em mulheres com ovários policísticos, na medida em que há uma correlação entre esses níveis e alterações ultrassonográficas características desta síndrome. Referências 1. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and longterm health risks related to polycystic ovary syndrome. Fertility and sterility 2004;81:(1):19-25. 2. Ehrmann DA. Polycystic ovary syndrome. The New England journal of medicine 2005;352:(12):1223-1236. 3. Insler V, Lunenfeld B. Pathophysiology of polycystic ovarian disease: new insights. Human reproduction 1991;6:(8):1025-1029. 4. Homburg R. Androgen circle of polycystic ovary syndrome. Human reproduction 2009;24:(7):1548-1555. 5. Jonard S, Dewailly D. 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Ambos os métodos foram comparados à técnica de volume amniótico determinado por corante, tendo se evidenciado que o ILA e MB não são confiáveis para estimativa do volume de líquido amniótico (VLA). Além disso, a utilização do parâmetro de ≤ 5 cm como corte para diagnóstico de oligodramnia pelo ILA não se mostra fiel a piores desfechos perinatais, ao analisar a presença de mecônio ou pH < 7 arterial de cordão umbilical. O uso de collor doppler super estimou o diagnóstico de oligodramnia, levando a uma pior acurácia diagnóstica. O uso de MB se mostra como uma avaliação melhor para o diagnóstico em relação ao ILA, pois este conduz a um aumento de casos de oligodramnia, que resulta a uma maior intervenção obstétrica sem melhora do desfecho perinatal. Palavras-chave: Liquido Amniótico; Assistência Perinatal; Ultrassonografia. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 04/04/2013, aceito para publicação em 29/05/2013. Correspondências: Alexandre Mark Staviack Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract This bibliographic review assessed the accuracy of the two main ultrassonographics methods, the amniotic fluid index (AFI) and the single deepest pocket (SDP), used for diagnostic of oligohidramnios. Both methods were compared to a dye-determined amniotic fluid volume, having a evidence that the AFI and the SDP aren´t reliable to estimate the amniotic fluid volume. Furthermore, the utilization of the parameters of ≤ 5 cm like a cut off for the diagnostic of oligohidramnios by AFI doesn´t demonstrate reliable to the worst adverse perinatal outcomes, when analyzes the presence of meconium and the umbilical cord arterial pH < 7. The use of the color Doppler overestimated the diagnostic of oligohidramnios, leading to a worse diagnostic accuracy. The use of SDP demonstrate like a better evaluation to the diagnostic for AFI, because this last one leads an increase oligohidramnios cases, which results a more obstetric intervention without of perinatal outcomes. Keywords: Amniotic Ultrasonography. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Fluid; Perinatal Care; EURP 2013; 5(2): 65-69 66 Staviack – Estimativa do volume de liquido amniótico Introdução As alterações do volume de liquido amniótico (VLA) estão relacionadas a uma maior morbimortalidade fetal. Dessa forma, preconizase uma estimativa do volume de liquido amniótico para uma melhor monitoração fetal durante os períodos antenatal e do trabalho de parto, e interrupção da gestação, nos casos de oligodramnia 1. As avaliações do VLA utilizadas são: estimativa subjetiva, índice de líquido amniótico (ILA) e maior bolsão (MB), através da ultrassonografia. Porém, dentre essas, as mais comumente utilizadas são o ILA 2 e o maior bolsão 3. Esta revisão tem como objetivo avaliar os principais métodos utilizados para determinar qual apresenta maior precisão no diagnóstico de oligodramnia, e consequentemente ter uma melhor acurácia na intervenção da gestação, devido à redução de casos falsos positivos e, desse modo, melhorando o desfecho perinatal. Métodos de avaliação ultrassonográficas do VLA Avaliação subjetiva A estimativa subjetiva do VLA (interpretação visual sem medidas ultrassonográficas), apesar de ser amplamente utilizada, é incerta sua precisão diagnóstica, necessitando de confirmação com a realização do ILA, quando se suspeita de alguma alteração do VLA 4. Porém, em uma avaliação do VLA comparativo entre a estimativa subjetiva, ILA e MB com a técnica do volume determinado por corante, as três técnicas ultrassonográficas utilizadas tiveram acurácias similares 5. Maior bolsão O Uso do MB como estimativa do VLA foi utilizado como parte do perfil biofísico fetal em gestações de risco 6. A medida do VLA normal foi definido como normal de 2 a 8 cm, marginal de 1 a 2 cm e oligodramnia menor que 1 cm 3. Porém, investigadores, ao relacionar a taxa de mortalidade perinatal com a medida do MB, evidenciaram-se: 1,97 de 1000 para MB de 2 a 8 cm, 37,7 de 1000 para 1 a 2 cm e 109,4 de 1000 para menor que 1 cm. Assim, a oligodramnia ficou definida como valor abaixo de 2 cm. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives Índice de liquido amniótico O ILA foi introduzido em 1987 7. Conforme o valor do ILA diminuía, foi evidenciado mais frequentemente testes não reativos, presença de mecônio ao nascimento, sofrimento fetal durante trabalho de parto e Apgar menores que 6 no primeiro e quinto minutos. Esses achados estavam relacionados quando o ILA era menor ou igual a 5 cm quando comparados com o ILA maior que 5 cm 8. Porém, em alguns estudos, não se evidenciou que o diagnóstico de oligodramnia, baseado com ILA menor ou igual a 5 cm, é preditor de desfecho adverso perinatal, tanto em gestações de baixo risco, quanto às de alto risco 9, 10. Em uma metanálise, foi observado um aumento de cesáreas por sofrimento fetal e Apgar menor que 7 no quinto minuto, em gestantes que apresentavam ILA menor ou igual a 5 cm, quando comparadas àquelas com ILA maior que 5 cm. Mas, não houve diferenças em relação ao risco de acidose neonatal, ou seja, pH menor que 7.0, um parâmetro objetivo11. Essa contrariedade quanto ao desfecho perinatal relacionada ao corte fixado de 5 cm para diagnóstico de oligodramnia, parece ser devido à utilização de parâmetros subjetivos, utilizados como avaliadores comparativos entre os grupos estudados. Os únicos parâmetros objetivos são a acidose neonatal, avaliada pela dosagem do pH fetal pelo cordão umbilical e a presença de mecônio 12. Auxílio do color Doppler na aferição do VLA O uso do color Doppler tem sido usado para evitar a aferição de bolsões de liquido amniótico contendo cordão umbilical. Porém, evidenciou-se que houve uma diminuição do ILA e MB, se comparado à utilização apenas da escala de cinzas. Dessa forma, ocorreu um maior número de diagnósticos de oligodramnia, porém com VLA normal. Ou seja, a técnica utilizada conduziu a um maior número de casos falsos positivos 13, 14. Qual melhor preditor diagnóstico de oligodramnia? De acordo com Moore 15, o ILA apresentou uma melhor acurácia ao identificar pacientes com diagnóstico de oligodramnia, quando a aferição encontrava-se menor que o percentil 5 para idade gestacional, quando comparado ao MB. Relatou que 58% das pacientes que apresentaram EURP 2013; 5(2): 65-69 67 Staviack – Estimativa do volume de liquido amniótico diagnóstico de oligodramnia com ILA, não foram confirmadas ao utilizar o MB. Entretanto, ambos os métodos utilizados para a determinação do VLA, não foram comparados a um parâmetro padrão ouro 12. Em um estudo que avaliou 1400 gestantes com gravidez única, com mesmos critérios de inclusão como gestações de baixo risco e desfecho normal, no estudo ultrassonográfico por Moore, observou-se que o ILA menor ou igual a 5 cm diagnosticou oligodramnia em 8 % das gestantes, e o MB menor que 2 cm, em 2 %. Assim, concluiuse que a técnica que desse um menor número de diagnósticos de oligodramnia deveria ser utilizada 15. Magann e cols realizaram uma comparação dos métodos ultrassonográficos, ILA e MB, para determinar qual apresentava maior acurácia para diagnosticar oligodramnia. Ambos os métodos foram comparados à técnica objetiva, volume determinado por corante. Em 179 gestantes submetidas à avaliação, 62 apresentaram diagnóstico de oligodramnia, tendo o ILA e o MB, uma sensibilidade de 10 % e 5 % e especificidade de 96 % e 98 %, respectivamente. Assim, concluíram que as duas técnicas ultrassonográficas mais utilizadas não se mostraram confiáveis 16. Tabela 1. Estudos clínicos randomizados comparando a acurácia do MB (maior bolsão) e do ILA (indice de liquido amniótico) como preditores de complicações perinatais. Estudo Alfirevic Chauhan Moses Magann População N IG≥290 dias MB=250 MB – 2 % ILA = 250 ILA – 10 % MB = 588 MB – 10 % ILA = 530 ILA – 17 % Pródromos de trabalho de parto MB=501 MB – 8 % ILA = 499 ILA – 25 % Alto risco MB = 273 MB – 17 % ILA = 264 ILA – 38 % Alto risco Oligodramnia Resultados R Maior indução no grupo do ILA,sem melhora do desfecho perinatal MB Sem diferença no desfecho periparto MB Sem diferença no desfecho periparto MB Maior indução no grupo do ILA, sem melhora do desfecho perinatal MB MB : Maior Bolsão; ILA: Indice de liquido amniótico; IG: idade gestacional; R: recomendação. Qual melhor preditor para desfecho adverso? Dentre os estudos recentes sobre os métodos ultrassonográficos para avaliar o VLA e seus desfechos adversos, existem quatro Ensaios Clínicos Randomizados comparativos entre ILA e MB, além de uma revisão realizada pela Cochrane (Tabela 1). A Tabela 1 demonstra resumidamente o resultado dos 4 ensaios clínicos que compararam a acurácia do ILA e do MB como métodos preditores de complicações perinatais. Os Ensaios Clínicos apresentaram um maior número de pacientes com diagnóstico de oligodramnia quando usado o ILA em comparação com o MB 17-20. Não houve diferenças em desfechos adversos em relação aos métodos 17, porém ocorreu uma maior intervenção obstétrica, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives como indução do parto e monitoramento eletrônico fetal durante trabalho de parto, além de maior número de cesarianas nas pacientes que foram submetidas à avaliação do VLA pelo ILA em relação ao MB, 18,8 % vs 13,2%, respectivamente. Chauhan e cols avaliaram através da realização do perfil biofísico fetal modificado, diferenciando apenas a estimativa do VLA, sendo um grupo pelo ILA e outro pelo MB. Não houve diferenças significativas entre os grupos perante a cesarianas por sofrimento fetal, acidose neonatal (pH < 7.1) e admissões de neonatos na UTI neonatal 18. Um estudo clínico randomizado 20 comparou o ILA e MB nas pacientes em trabalho de parto EURP 2013; 5(2): 65-69 68 Staviack – Estimativa do volume de liquido amniótico com o objetivo de predizer um desfecho adverso intraparto. Além do que foi citado anteriormente, ambas as técnicas não serviram como preditores de eventos adversos. Magann e cols compararam os métodos por meio da avaliação do perfil biofísico fetal. Não se evidenciaram qualquer fator preditor de evento adverso e nem diferença no número de cesarianas por sofrimento fetal. Eles concluíram que o fato do ILA apresentar um maior número de casos com oligodramnia em até duas vezes, acaba por aumentar o risco de maior intervenção obstétrica 19. A revisão sistemática da Cochrane 21 teve como objetivo identificar o parâmetro na estimativa do VLA como melhor preditor de eventos adversos, já que a oligodramnia está relacionada em gestações de alto risco e com pior desfecho perinatal. Os critérios de seleção foram estudos controlados randomizados que avaliaram gestações com único feto, tanto de baixo risco como de alto risco, comparativos entre ILA e MB. Nenhum dos métodos avaliados foram superiores em predizer um desfecho perinatal adverso, como admissão em unidade de terapia intensiva neonatal, pH de artéria de cordão umbilical < 7.1, presença de mecônio, Apgar menor que 7 no quinto minuto e cesariana. Os autores concluíram que o MB se destaca como melhor método devido a um maior número de casos com diagnóstico de oligodramnia pelo ILA, o que leva a uma maior indução do parto sem melhora do desfecho perinatal. Considerações finais Atualmente, a estimativa do VLA durante a prática obstétrica é realizada através da Ultrassonografia. Os dois principais métodos utilizados são o ILA e o MB, porém, ambos se mostraram não confiáveis para estimar o VLA após terem sido comparados com o método de determinação do volume amniótico por corante. Tanto o ILA quanto o MB apresentam baixa sensibilidade para o diagnóstico de oligodramnia. Apesar dos dois métodos não terem boa acurácia para avaliação do VLA, o MB se mostra como um método preferível em relação ao ILA por ter um menor número de diagnósticos de oligodramnia ou casos falsos positivos, tendo assim uma menor intervenção obstétrica, como indução do parto ou de cesariana. Dessa forma, pode-se concluir que se tem uma menor Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives morbimortalidade materno e fetal, sem afetar o desfecho perinatal. É importante ressaltar que a utilização do Collor Doppler para excluir o cordão umbilical durante as medidas do MB ou ILA comparada à escala de cinzas se mostrou ineficaz, levando um maior número de casos falsos positivos de oligodramnia. Referências 1. ACOG Practice Bulletin No. 101: Ultrasonography in pregnancy. Obstetrics and gynecology 2009;113:(2 Pt 1):451-461. 2. Moore TR, Cayle JE. The amniotic fluid index in normal human pregnancy. American journal of obstetrics and gynecology 1990;162:(5):1168-1173. 3. Chamberlain PF, Manning FA, Morrison I, Harman CR, Lange IR. Ultrasound evaluation of amniotic fluid volume. I. The relationship of marginal and decreased amniotic fluid volumes to perinatal outcome. American journal of obstetrics and gynecology 1984;150:(3):245-249. 4. 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A maioria dos portadores de cálculos biliares permanece assintomática e a ampla gama de apresentações clínicas pode tornar o diagnóstico difícil. A ultrassonografia é o método de escolha para a investigação de cálculos biliares, sendo método de imagem acessível, seguro e de elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de litíase e obstrução biliar. O presente trabalho tem como objetivo revisar as indicações da ultrassonografia frente a suspeita de litíase biliar e suas complicações, bem como descrever os principais achados ultrassonográficos. Palavras-chave: Vesícula Biliar; Ultrassonografia; Cálculos Biliares. Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 1 Recebido em 08/03/2013, aceito para publicação em 30/05/2013. Correspondências: Renan Lopes Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Email: [email protected] Abstract Gallstones are extremely common in the Western world, and its formation depends upon the interaction of a number of environmental risk factors and genetic factors. Its great potential to generate complications implies a high number of hospitalizations and high expenditure on health. Most patients with gallstones remain asymptomatic and the wide range of clinical presentations can make diagnosis difficult. Ultrasonography is the method of choice for investigation of gallstones, and is an accessible and safe imaging method, of high sensitivity and specificity for the diagnosis of gallstones and biliary obstruction. This paper aims to review the indications for ultrasound front of suspected gallstones and their complications, as well as describe the main sonographic findings. Keywords: Gallbladder; Ultrasonography; Gallstones. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives EURP 2013; 5(2): 70-75 71 Lopes – Litíase biliar Introdução A litíase biliar é patologia comum no mundo ocidental e, devido à dor e potenciais complicações, impõe importante ônus aos sistemas públicos de saúde. Nos Estados Unidos, é uma das doenças mais dispendiosas do trato digestivo, sendo superada somente pelos gastos com doença do refluxo gastroesofágico 1. Nesse país, a condição afeta mais de 20 milhões de pessoas anualmente, implicando gastos diretos de mais de 6.3 bilhões de dólares 2. No Reino Unido, cerca de 8% da população com mais de 40 anos tem cálculos na vesícula biliar, percentual que aumenta até 20% na faixa dos 60 anos, sendo que 90% desses cálculos permanecem 3 assintomáticos . Nos Estados Unidos e na Europa, desse modo, a prevalência de cálculos biliares é de 10 a 15%, sendo a doença do trato digestivo que mais gera internações 4. No Brasil, em estudo realizado na cidade de Curitiba, a prevalência de litíase vesicular foi de 9,3%, chegando até 27,5% em pessoas com mais de 70 anos 5. A estimativa para os brasileiros com mais de 20 anos de idade é de que 10 milhões destes apresentam cálculos na vesícula biliar 5. Observase que existem altas taxas de litíase biliar em populações específicas, como os índios americanos, com prevalência de até 60% para o sexo feminino 1 e como os índios nativos do Chile e Peru, cuja população feminina chega a ter um risco próximo a 100% ao longo da vida para o desenvolvimento de cálculos 3. De forma geral, o sexo feminino é mais acometido, estimando-se que quase 40% das mulheres na nona década de vida tenham cálculos. A prevalência, para ambos os sexos, aumenta com a idade 6. Na infância e adolescência, a litíase biliar é rara, sendo mais frequentes os cálculos pigmentares nas doenças hemolíticas 1. Apesar de comuns, os cálculos biliares frequentemente não provocam sintomas, e a ampla gama de apresentações clínicas atípicas pode tornar o diagnóstico difícil 3. Há uma série de possíveis complicações ligadas à litíase biliar, como coledocolitíase, colecistite aguda, perfuração da vesícula biliar, pancreatite, estenose de via biliar, colangite, fístula biliar e síndrome de Mirizzi 6. Sabe-se ainda que há uma forte associação entre litíase vesicular de evolução prolongada e o desenvolvimento de câncer da vesícula biliar 7. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives A ultrassonografia é o exame de escolha para a investigação de cálculos biliares, de modo que toda suspeita de litíase biliar sintomática deve ser avaliada por esse método 1. Tem a vantagem de ser um método seguro, não-invasivo, acessível e executável tantas vezes quanto necessário, tendo sensibilidade e especificidade elevadas para o diagnóstico de litíase vesicular e obstrução biliar 8. A ultrassonografia substituiu a colecistografia oral na avaliação da litíase vesicular e suas complicações, particularmente a colecistite aguda, sendo habitualmente o primeiro método de imagem a ser empregado para tal avaliação 6. Além da avaliação das vias biliares, a ultrassonografia permite ainda o exame simultâneo de outros órgãos que podem estar causando os sintomas 1. Fatores de risco A suscetibilidade à formação de cálculos biliares depende, na maioria dos casos, de uma interação entre fatores ambientais e genes litogênicos (LITH) 1. Do ponto de vista fisiológico, o fluxo biliar depende de uma corrente de informações integrada entre o fígado e o instestino, de modo que o correto entendimento das vias moleculares subjacentes à modulação funcional e farmacológica do fluxo biliar tem aberto novos horizontes para potenciais tratamentos da litíase biliar 9. É conhecida a influência da dieta, particularmente o consumo de gorduras, na incidência de cálculos biliares 3. Obesidade, diabetes, sedentarismo, dislipidemia, trânsito intestinal prolongado, uso de contraceptivos orais, nutrição parenteral total, cirrose, patologias ileais e lesão medular também aumentam a prevalência de cálculos 6. Há correlação consistente entre resistência insulínica e formação de cálculos biliares, da mesma forma que também a rápida perda ponderal (mais de 1,5kg/semana) representa risco de litíase biliar 1. Outras situações que também levam a um esvaziamento lentificado da vesícula biliar – como vagotomia troncular, desnutrição severa, octreotide – também estão relacionadas a um maior risco de formação de cálculos 3. Sugere-se que a prevalência de litíase biliar seja maior nos pacientes submetidos a transplante de órgãos 5 e, ainda, que o risco de formação de cálculos aumente com o número de gestações 1. É maior a incidência de barro biliar e cálculos biliares nos últimos dois trimestres de gestação, bem como EURP 2013; 5(2): 70-75 72 Lopes – Litíase biliar nos primeiros seis meses após o parto. Argumenta-se que alterações hormonais que ocorrem durante a gestação (estrogênio contribuindo para a supersaturação de colesterol na bile e progesterona impedindo a contração da vesícula biliar), bem como a resistência insulínica do último trimestre, seriam os fatores facilitadores da formação de cálculos 1. Patogênese Cálculos biliares são formados quando é excedida a solubilidade do colesterol ou da bilirrubina 3. No Ocidente, a maioria dos cálculos são formados por colesterol 1. Estima-se que o colesterol seja o principal componente de 80% dos cálculos, enquanto que os cálculos pigmentares (bilirrubina) têm menos de 25% de colesterol em sua composição, sendo seu maior componente o bilirrubinato de cálcio 6. Cálculos de bilirrubina formam-se na vesícula biliar quando há hemólise, levando a um aumento na produção de bilirrubina, quando há obstrução das vias biliares ou por acúmulo de pigmento sobre um pequeno cálculo primário 3. Dessa forma, as doenças hemolíticas (como anemia falciforme, esferocitose hereditária, talassemia) podem levar à hiperbilirrubinemia não-conjugada, aumentando o total de bilirrubina insolúvel transportada ao fígado para conjugação 1. A rápida cristalização do colesterol na bile é fator decisivo para a formação de cálculos de colesterol 10. A concentração relativa de colesterol, sais biliares e lecitina determina a solubilidade do colesterol na bile. Aumentam as chances de formação de cálculos quando aumenta a concentração de colesterol ou quando diminui a concentração de sais biliares e lecitina, tornando a bile super-saturada em colesterol 3. No entanto, pelo menos 50% dos indivíduos normais secretam bile super-saturada em colesterol após uma noite de jejum, levando a crer que outros fatores, como estase e secreção de muco, tenham importância na patogênese 5. Anatomia topográfica e ecográfica Situada entre os segmentos IV e V do fígado, na face póstero-inferior do lobo hepático direito, a vesícula biliar é estrutura sacular, piriforme, destinada ao armazenamento, concentração e acidificação de bile. É normalmente localizada lateralmente à segunda porção do duodeno e anteriormente ao cólon transverso e ao rim direito. Pode ser dividida em fundo, corpo, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives infundíbulo e colo 8. Através do ducto cístico, comunica-se com a árvore biliar pelo ducto hepático comum que, a partir desta inserção, é denominado ducto colédoco, segmento que estende-se até o duodeno. São diâmetros máximos normais: 10cm (eixo longitudinal) e 4,0cm (eixo transversal). Diz-se que a vesícula é hidrópica quando ultrapassa 5,0cm de diâmetro transversal e contraída quando não ultrapassa 2,0cm, mesmo em jejum adequado. A espessura de suas paredes deve ser preferencialmente avaliada na parede anterior, evitando-se artefatos, sendo normal a medida até 0,3cm. A serosa e a mucosa formam linhas ecogênicas, enquanto que a muscular, entre elas, é camada hipoecóica. O conteúdo normal da vesícula biliar é anecóico. Quadro clínico A maioria dos pacientes com cálculos biliares permanecem assintomáticos – ao longo de décadas, menos de 20% desenvolvem sintomas 7. Dos indivíduos sintomáticos, se deixados sem tratamento, 20% podem evoluir para colecistite 2. O risco anual de desenvolver cólica biliar é de 1 a 4% 11 e espera-se que, na população geral, 1 em 10 indivíduos com cálculos biliares assintomáticos desenvolvam sintomas ou complicações que exijam intervenção dentro de 5 anos 12 A maioria dos pacientes acometidos por um primeiro episódio de dor associada a cálculo biliar irão experimentar novos episódios de dor 1 O sintoma principal da colelitíase não-complicada é a cólica biliar, normalmente causada pela impactação de um cálculo no colo da vesícula ou no ducto cístico, frequentemente após uma refeição 2. A dor é usualmente severa e sentida no hipocôndrio direito, podendo irradiar-se para o epigástrio ou para o dorso 3. Apesar da denominação "cólica", geralmente persiste por 15 minutos até 24 horas (duração típica de 1-3 horas), aliviando espontaneamente ou com uso de analgésicos opióides 11. Variações desse padrão são conhecidas, como dor exclusivamente epigástrica, dor no hipocôndrio esquerdo ou dor retroesternal. Icterícia obstrutiva e pancreatite biliar podem ocorrer como complicações de cálculos impactados do colédoco 3. A litíase vesicular pode ser também complicada por colecistite, que apresenta-se por dor mais persistente, massa palpável e sensível em hipocôndrio direito, febre e leucocitose, achados estes classicamente descritos, porém nem sempre presentes 2. Sem o tratamento apropriado, EURP 2013; 5(2): 70-75 73 Lopes – Litíase biliar pode haver superinfecção bacteriana, necrose e gangrena (colecistite enfisematosa e gangrenosa), levando à perfuração da parede da vesícula, formação de abscesso pericolecístico e eventualmente sepse 6. Existe associação entre colelitíase e carcinoma de vesícula biliar. O risco para os portadores de cálculos assintomáticos, no entanto, é inferior a 0,01% 11. Os fatores de risco mais importantes identificados são os cálculos maiores que 3cm, os pólipos de vesícula biliar maiores que 1cm e a calcificação da parede da vesícula (vesícula em porcelana) 1. Rotina de exame Coletar uma breve história do paciente, bem como palpar o abdome antes de realizar o exame, são procedimentos recomendáveis e que complementam as informações obtidas pela ultrassonografia 8. Uma vesícula biliar distendida e preenchida por bile facilita a visibilização de cálculos, pelo que é ideal um jejum de pelo menos oito horas precedendo o exame 13. O jejum também otimiza a visibilização, na medida em que reduz o gás intestinal. Em pacientes obesos, nos quais há aumento de espessura do panículo adiposo, ocorre atenuação do feixe de ultrassom, obscurecimento das estruturas a serem avaliadas e, consequentemente, pode haver resultados falso-negativos e erros de diagnóstico. O paciente é inicialmente examinado em posição supina e em decúbito lateral esquerdo, podendo o decúbito ventral e a posição ortostática ser também utilizados, especialmente para demonstrar a mobilidade do conteúdo vesicular 8. Na aquisição oblíqua subcostal direita, a fissura interlobar, localizada superior ou medialmente à vesícula, pode ser visibilizada como marco de referência. Com o paciente em decúbito lateral esquerdo e o transdutor perpendicular aos arcos costais no hipocôndrio direito, o ducto hepatocolédoco pode ser visibilizado 8. Os cálculos biliares apresentam-se à ultrassonografia como imagens hiperecogênicas, móveis às mudanças de decúbito do paciente e com marcada sombra acústica posterior. A presença de sombra acústica é achado relevante, sendo que estruturas que não provocam este fenômeno acústico menos provavelmente 6 representam cálculos . O papel da ultrassonografia Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives A ultrassonografia desempenha hoje papel de rotina na prática diária, tanto para o rastreamento de pacientes assintomáticos quanto para a avaliação de pacientes com qualquer dor abdominal. É um método que permite ao médico avaliar o sistema biliar em busca de sinais suspeitos de doença 8. O Colégio Americano de Radiologia recomenda a ultrassonografia como método de imagem de escolha para a avaliação inicial de pacientes com dor em quadrante abdominal superior direito 14. Cálculos são frequentemente encontrados como achado casual em pacientes 15 assintomáticos . A ultrassonografia substituiu a colecistografia no diagnóstico de litíase vesicular. Por sua alta sensibilidade e especificidade - em torno de 95 a 98% 2 – a ultrassonografia que não apresentar imagem sugestiva de cálculos, em pacientes com forte suspeita clínica de colelitíase, deverá sempre ser repetida 3. Além da acurácia, tem como vantagens ser exame não-invasivo, desprovido de radiação ionizante, de baixo custo, capaz de avaliar órgãos adjacentes e possível de ser realizado à beira do leito 6. O treinamento de médicos emergencistas para a realização de ultrassonografia à beira do leito tem servido de importante auxílio diagnóstico nos casos de colecistite aguda, havendo inclusive resultados comparáveis aos de exames realizados por médicos radiologistas 16. A ultrassonografia pode ainda indicar complicações como colecistite ou câncer de vesícula biliar 1, não havendo, no entanto, evidências que associem o rastreamento regular do carcinoma de vesícula biliar pela ultrassonografia com a redução da sua mortalidade 7. Como fatores limitadores do método estão situações como obesidade, distensão abdominal por presença de gás intestinal, curativos cirúrgicos e a experiência do ultrassonografista 8. Comparada à tomografia computadorizada, em pacientes com suspeita de doença biliar aguda, a ultrassonografia é melhor método de avaliação inicial, devendo a tomografia ser reservada para aqueles casos onde há achados ultrassonográficos ambíguos, amplo diagnóstico diferencial ou achados clínicos confusos 17. Em revisão retrospectiva publicada em 2011, Benarroch-Gampel et al 14 demonstraram haver excesso de solicitações de tomografia computadorizada em casos de litíase vesicular complicada, sendo o maior preditor a realização EURP 2013; 5(2): 70-75 74 Lopes – Litíase biliar de exames no período noturno, quando médicos ultrassonografistas estão menos disponíveis. Na identificação de cálculos no ducto hepatocolédoco, a ultrassonografia apresenta baixa sensibilidade, com resultados que variam de 22% a 75%, sendo atualmente superada pela colangiopancreatografia endoscópica retrógrada e pela ressonância magnética 6. No entanto, apresenta alta sensibilidade e especificidade (96% e 95% respectivamente) na identificação de dilatação do ducto hepatocolédoco 18 . A presença de bile espessa (barro biliar) pode estar associada com cálculos biliares e obstrução biliar extra-hepática. É visibilizada à ultrassonografia como ecos de baixa amplitude dispostos em camadas, deslocando-se lentamente às mudanças de decúbito e não produzindo sombra acústica. Além de eventualmente desenvolver cálculos, pode causar complicações como cólica biliar, colangite aguda e pancreatite aguda 10. Para o diagnóstico de colecistite aguda, a ultrassonografia tem papel relevante, visto que nenhum achado clínico ou laboratorial é isoladamente suficiente para estabelecer ou excluir essa complicação 19. A presença de cálculos vesiculares associada aos achados ultrassonográficos de espessamento da parede vesicular (> 4mm), fluido pericolecístico e sensibilidade ao comprimir o transdutor contra a vesícula biliar (sinal de Murphy ultrassonográfico), na presença de dor aguda em hipocôndrio direito, sela o diagnóstico 2 radiológico da colecistite aguda A ultrassonografia pode também ser relevante na avaliação de sinais de gravidade da colecistite aguda, particularmente quando há marcado processo inflamatório local (colecistite gangrenosa, colecistite enfisematosa, abscesso pericolecístico, abscesso hepático, peritonite biliar) 20. Em pacientes selecionados, particularmente com colecistite grave ou com mau prognóstico cirúrgico, a colecistostomia percutânea guiada por ultrassom é procedimento que pode ser utilizado para descomprimir a vesícula inflamada, remover cálculos e reduzir morbidade cirúrgica, frequentemente resolvendo o quadro de colecistite aguda 2. Considerações finais A elevada prevalência e custos implicados na litíase biliar associam-se a fatores de risco muitos Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives frequentes no mundo ocidental, como os componentes da síndrome metabólica, o uso de anticoncepcionais hormonais e as dietas hiperlipídicas. O incremento da incidência com a idade, a variedade de apresentações clínicas e o elevado risco de complicações são dados que corroboram a necessidade de um diagnóstico cada vez mais preciso e precoce, com tomadas de decisão que reduzam a morbidade da doença. Nesse sentido, a evolução tecnológica da ultrassonografia, bem como a ampliação das habilidades médicas, conduz a um quadro promissor. Além de ser método diagnóstico, o ultrassom ainda possibilita maior segurança na colecistostomia percutânea, servindo como guia a uma opção de tratamento não-cirúrgico em pacientes graves. Não resta dúvidas quanto as vantagens da ultrassonografia no que diz respeito à praticidade e custos quando comparada com a tomografia computadorizada e a colangioressonância magnética, nos casos em que sua acurácia é elevada. O treinamento da ultrassonografia para médicos emergencistas e o desenvolvimento de protocolos de rastreamento baseados em evidências, poderão tornar possível o diagnóstico em fases cada vez mais iniciais, refinando a decisão clínica. O elevado ônus que a litíase biliar acarreta à saúde pública, então, poderia ser amenizado com o adequado investimento em tecnologia e treinamento profissional. Referências 1. Wittenburg H. Hereditary liver disease: gallstones. Best practice & research. Clinical gastroenterology 2010;24:(5):747756. 2. Strasberg SM. Clinical practice. Acute calculous cholecystitis. The New England journal of medicine 2008;358:(26):2804-2811. 3. Johnson CD. ABC of the upper gastrointestinal tract. Upper abdominal pain: Gall bladder. 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