Situações urgentes em Gastrenterologia
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Situações urgentes em Gastrenterologia
APOIO: SITUAÇÕES URGENTES EM GASTRENTEROLOGIA JOSÉ PEDROSA Editor convidado FICHA TÉCNICA Produção Gráfica Rabiscos de Luz Com o patrocínio exclusivo de: AstraZeneca - Produtos Farmacêuticos Lda. Tiragem: 5000 exemplares Depósito Legal: 250185/06 3 SITUAÇÕES URGENTES EM GASTRENTEROLOGIA EDITOR CONVIDADO José Pedrosa, Assistente Graduado de Gastrenterologia Hospital Padre Américo Vale do Sousa, Serviço de Gastrenterologia COLABORADORES Adélia Rodrigues, Assistente Graduada de Gastrenterologia Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, Serviço de Gastrenterologia Américo Silva, Assistente Graduado de Gastrenterologia Hospital S. Teotónio – Viseu, Serviço de Gastrenterologia Ana Paula Oliveira, Chefe de Serviço de Gastrenterologia Hospital de S. Bernardo – Setúbal, Serviço de Gastrenterologia António Castanheira, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia Hospital S. Teotónio – Viseu, Serviço de Gastrenterologia Carla Andrade, Interna do Internato Complementar de Gastrenterologia Centro Hospitalar do Funchal, Serviço de Gastrenterologia Cristina Fonseca, Assistente Graduada de Gastrenterologia Hospital Garcia da Orta – Almada, Serviço de Gastrenterologia Filipe Silva, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia Hospital de Santo André – Leiria, Serviço de Gastrenterologia Helena Vasconcelos, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia Hospital de Sto. André – Leiria, Serviço de Gastrenterologia Henrique Morna, Assistente Graduado de Gastrenterologia Centro Hospitalar do Funchal, Serviço de Gastrenterologia Horácio Guerreiro, Chefe de Serviço de Gastrenterologia Hospital Distrital de Faro, Serviço de Gastrenterologia 5 COLABORADORES (Cont.) João Mangualde, Interno do Internato Complementar de Gastrenterologia Hospital de S. Bernardo – Setúbal, Serviço de Gastrenterologia José Ramada, Director do Serviço de Gastrenterologia Centro Hospitalar do Alto Minho – Serviço de Gastrenterologia Luís Lopes, Coordenador da Unidade de Endoscopia de Intervenção do Serviço de Gastrenterologia Centro Hospitalar do Alto Minho – Serviço de Gastrenterologia Nuno Nunes, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia Hospital Divino Espírito Santo - Ponta Delgada, Serviço de Gastrenterologia Margarida Sampaio, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia Hospital do Barlavento – Portimão, Serviço de Gastrenterologia Rita Ornelas, Interna do Internato Complementar de Gastrenterologia Hospital Distrital de Faro, Serviço de Gastrenterologia Rui Loureiro, Interno do Internato Complementar de Gastrenterologia Hospital Garcia da Orta – Almada, Serviço de Gastrenterologia Rui Sousa, Assistente Graduado de Gastrenterologia Hospital Amato Lusitano - Castelo Branco, Serviço de Gastrenterologia Sónia Fernandes, Interna do Internato Complementar de Gastrenterologia Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, Serviço de Gastrenterologia Vítor Viriato, Chefe de Serviço de Gastrenterologia Hospital Pedro Hispano – Matosinhos, Serviço de Gastrenterologia 7 ÍNDICE Prefácio .............................................................................................. 13 Isabelle Cremers Introdução .......................................................................................... 15 José Pedrosa Disfagia total. Etiologia e terapêutica .............................................. 17 Vítor Viriato Ingestão de cáusticos e corpos estranhos .......................................... 27 Américo Silva e António Castanheira Hemorragia digestiva alta no Serviço de Urgência .......................... 53 Margarida Sampaio Tratamento endoscópico da hemorragia digestiva alta de causa não varicosa ............................................................................ 65 Filipe Silva e Helena Vasconcelos Hemorragia digestiva associada à hipertensão portal ...................... 85 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Hemorragia digestiva baixa .............................................................. 119 Luís Lopes e José Ramada Urgência na Doença Intestinal Inflamatória – Diagnóstico e Tratamento ........................................................................................ 131 Carla Andrade e Henrique Morna Urgência em Proctologia .................................................................. 145 Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues 9 Insuficiência hepática aguda.............................................................. 157 Rui Sousa Ascite refratária e Síndrome hepatorrenal ........................................ 177 João Mangualde e Ana Paula Oliveira Colangite aguda ................................................................................ 199 Nuno Nunes Pancreatite aguda .............................................................................. 207 Cristina Fonseca e Rui Loureiro 11 PREFÁCIO A edição de livros pelo Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais serviu vários objectivos: estreitar a ligação aos médicos de Medicina Geral e Familiar; colaborar na formação pré-graduada dos estudantes de medicina da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho e da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior; contribuir para a formação pós-graduada de médicos gastrenterologistas, hepatologistas e de outras especialidades; enriquecer a Biblioteca Gastrenterológica em língua portuguesa; realçar o importante papel desempenhado pelos gastrenterologistas dos Hospitais do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais na actividade assistencial, cuja experiência representa uma mais-valia destes livros, adicionando o conhecimento da sua prática clínica aos ensinamentos das publicações já existentes; o de comprovar que os Gastrenterologistas do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais cumprem a tripla faceta que caracteriza o Assistente Hospitalar: a actividade assistencial, o ensino e a investigação clínica. A edição deste livro coincide com o final do mandato de uma Direcção do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais, à qual tive a honra de presidir, procurando nestes anos continuar o trabalho dos meus antecessores e manter as características da nossa Associação, realçando as suas potencialidades no campo da investigação, proporcionadas pela implantação dos seus Associados por todo o país, prestando assistência médica a cerca de 75 % da população. Ao Dr. José Pedrosa, editor deste livro, agradeço a disponibilidade, o apoio e a amizade. Aos colegas que empenhadamente colaboraram nos vários capítulos, agradeço o contributo. A todos os que participaram neste projecto, felicito pela qualidade da obra realizada, que prestigia o Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais. Setúbal, Setembro de 2006 M. ISABELLE CREMERS (Presidente do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais) 13 INTRODUÇÃO O convite que me foi formulado pela Direcção do N.G.H.D. para coordenar como editor esta 5ª publicação, integrada numa série de edições sob os auspícios do N.G.H.D. e subordinada ao título “Situações Urgentes em Gastrenterologia”, constituiu um desafio inolvidável e de responsabilidade acrescida pela relevância e actualidade do tema. Simultaneamente consideramos honrosa e prestigiante a possibilidade que nos foi oferecida de poder concretizar um projecto tão abrangente e multicêntrico, tendo sido nossa preocupação aliar a experiência adquirida no terreno por alguns colegas com a energia e vontade dos mais novos que connosco trabalharam com pundonor e profissionalismo. A rápida e vertiginosa evolução tecnológica permitiram nos últimos anos que a Endoscopia Digestiva ultrapassasse o cariz meramente diagnóstico para assumir um papel cada vez mais interventivo e definitivo no tratamento de situações clínicas de difícil resolução evitando frequentemente o recurso a alternativas terapêuticas mais penalizantes. Não quisemos contudo monopolizar os aspectos meramente endoscópicos porque entendemos que a Gastrenterologia não deve ser restringida apenas aos aspectos técnicos, outro sim deve continuar a privilegiar a vertente clínica. Tivemos a preocupação de tentar uniformizar e homogeneizar os vários capítulos que integram esta publicação, mas não queremos cometer a estultícia e a presunção de o termos conseguido na sua plenitude. Caberá ao leitor e colega que nos lê julgar até que ponto é que esse desiderato foi ou não atingido. Fica uma última palavra de agradecimento perene e inelidível para todos os que colaboraram neste projecto e que com brio profissional e sacrifício pessoal, ajudaram a torná-lo uma realidade. Penafiel, Setembro de 2006 JOSÉ LUÍS PEDROSA (Editor Convidado) 15 DISFAGIA TOTAL ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA VITOR VIRIATO caracterizada pela ausência de peristalse, tanto primária como secundária no corpo esofágico, bem como pressão aumentada com relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior na maior parte dos casos. A disfagia obstrutiva é causada pelo estreitamento mecanico ou estenose na faringe, esófago ou transição esófago-gástrica. É o tratamento endoscópico das causas de disfagia obstrutiva e da acalásia o objectivo fundamental desta revisão. (Quadro 1) I -INTRODUÇÃO A disfagia define-se como a sensação de demora na passagem do bolo alimentar nos 10 segundos imediatos ao início de uma deglutição. A disfagia nunca é psicogénica. É um dos sintomas mais específicos e fácilmente identificáveis que se encontram na prática clínica. A história clínica, a observação da deglutição, o “timing” do início da disfagia são muito importantes no diagnóstico da disfagia e identificam em 80-90% das situações o mecanismo envolvido, a localização e a causa benigna ou maligna da situação. Portanto, se ouvirmos o doente com atenção e fizermos as perguntas apropriadas o diagnóstico é habitualmente fácil. A disfagia total, situação clínica que implica a completa inabilidade para deglutir, inclusivé a própria saliva e secreções, é mais frequentemente um episódio agudo, desencadeado a maior parte das vezes pela obstrução do lúmen do esófago ( já habitualmente comprometido por patologia prévia) pelo bolo alimentar ou corpo estranho e o seu tratamento endoscópico será abordado neste capítulo em conjunto com o tratamento endoscópico das causas mais comuns de disfagia. Os três principais tipos de disfagia podem ser classificados como de transferência, de trânsito e obstrutiva. A disfagia de transferência corresponde a uma alteração patológica do mecanismo neuromotor da fase orofaríngea da deglutição. A disfagia de trânsito é clássicamente representada pela acalásia, alteração QUADRO I - CAUSAS DE DISFAGIA ESOFÁGICA Corpos estranhos intra-luminais (causa habitual de disfagia aguda) Doenças da mucosa • DRGE (estenose péptica) • Anéis e membranas ( disfagia sideropénica ou Síndrome de Plummer-Vinson ) • Neoplasias do esófago • Lesões cáusticas (e.g. ingestão de lixívia, “pill esophagitis”, pós escleroterapia) • Pós-radioterapia • Esofagite infecciosa Doenças do Mediastino • Tumores (e.g. cancro pulmão, linfoma) • Infecções (e.g. tuberculose, histoplasmose) • Cardiovasculares (aurícula dilatada, compressão vascular) Doenças do músculo liso ou da inervação • Acalásia • Esclerodermia • Outras alterações da motilidade • Pós-cirurgia (i.e. pós-fundoplicatura, dispositivos anti-refluxo) 17 DISFAGIA TOTAL. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA é que a disfagia poderá começar a ser sentida quando há no máximo perda de 20-30% do lúmen. No entanto nesta fase precoce os doentes frequentemente ignoram o sintoma que apenas é percebido como uma sensação de demora transitória na passagem do bolo alimentar. A disfagia ou não é suficientemente incomodativa para trazer o paciente ao médico ou é simplesmente negada. As estenoses benignas progridem lentamente, estão raramente associadas com emagrecimento significativo, são a maioria das vezes consequência da esofagite de refluxo e são praticamente sempre tratadas adequadamente através de dilatação esofágica. Por outro lado as estenoses malignas são tipicamente progressivas a partir do aparecimento da disfagia e praticamente sempre associadas a história de emagrecimento significativo antes do doente procurar o médico. Infelizmente a maioria dos doentes com obstrução esofágica de causa maligna têm disfagia significativa 3 a 6 meses antes do diagnóstico. Doenças obstrutivas O doente com obstrução do lúmen aprende frequentemente a lidar com esta situação de forma a manter um razoável estado de nutrição e evitar atenção médica. Habituam-se muitas vezes a alimentação exclusivamente líquida ou mole, prolongam o tempo demorado na refeição por vezes até chegar aos 90 minutos, mastigando exaustivamente antes de deglutir e “empurrando” a comida bem mastigada com grandes quantidades de líquidos. Com frequência a obstrução completa ocorre de forma aguda devido a impactação por bolo alimentar. A maioria desses episódios de obstrução aguda é devida a estenoses benignas do esófago. Os pacientes com estenose esofágica quase sempre têm dificuldade em deglutir pelo menos um dos seguintes alimentos: carne, especialmente bife, maçãs, ou pão fresco. O doente prefere habitualmente frango ou peixe, evita o bife há algum tempo, aprendeu a torrar o pão e descasca as maçãs de forma a reduzir a disfagia. O doente com obstrução mecânica desenvolve tipicamente a disfagia de início para sólidos de maior volume, progredindo subsequentemente por vezes até ao ponto de ter dificuldade na deglutição de líquidos e da própria saliva. Algumas pessoas têm graus estáveis de estenose e nunca desenvolvem disfagia progressiva e apenas em determinadas circunstâncias, como a embriaguês é que têm episódios transitórios de disfagia, não procurando por isso cuidados médicos. No entanto, quando a estenose é provocada por reacção inflamatória progressiva ou crescimento tumoral, o doente desenvolve disfagia progressiva em semanas ou meses Quando a disfagia ocorre regularmente com alimentos sólidos, o médico pode prever com segurança que o lúmen do esófago está reduzido em pelo menos 50% do diâmetro habitual. Devemos recordar que o lúmen crítico para disfagia persistente para sólidos é de 13mm ou menos. O trágico desta situação Acalásia A disfagia nos doentes com acalásia é o sintoma dominante e surge tanto para sólidos como para líquidos. A sua gravidade flutua ao longo do tempo, mas o mais comum é atingir um “plateau” que não piora com o passar do tempo. Há no entanto alguns doentes com disfagia muito pronunciada e importante emagrecimento. Os doentes referem com frequência o uso de manobras posturais para melhorar a deglutição, como levantar os braços acima da cabeça ou extensão forçada do dorso. Associados à disfagia surgem a regurgitação, por vezes dor torácica (em 1/3 dos doentes) e sintomas de aspiração pulmonar. 18 Vitor Viriato cortantes localizados a nível do cricofaríngeo. No entanto a esofagoscopia flexível é preferida na grande maioria das outras circunstâncias já que é também eficaz, não necessita de anestesia geral como a rígida e permite a observação completa do esófago, estômago e duodeno. II - ABORDAGEM DAS CAUSAS MAIS COMUNS DE DISFAGIA 1 - Corpos estranhos A abordagem aos corpos estranhos no tubo digestivo alto será especificamente alvo de um capítulo nesta publicação. Não poderíamos no entanto passar sem pelo menos, num capítulo com o título de disfagia total abordar os princípios gerais que devem nortear a actuação do clínico quando confrontado com estes doentes e a actuação perante um caso de impactamento alimentar, causa mais comum de disfagia total. Equipamento O equipamento que deve estar prontamente disponível inclui pinças “dente de rato”, “alligator jaws”, ansas de polipectomia, recuperadoras de pólipos, cesto de Dormia, rede de recuperação e “overtubes” de várias dimensões. É muitas vezes útil a realização de um teste de recuperação de um objecto similar com o mesmo equipamento antes do início do exame. A utilização de 1 “overtube” protege as vias aéreas, permite múltiplas introduções do endoscópio e protege a mucosa do esófago de erosões e lacerações durante a retirada de objectos cortantes Princípios gerais Logo que a ingestão do corpo estranho esteja diagnosticada o médico tem de decidir se é ou não necessária qualquer tipo de intervenção, qual o grau de urgência e por que meios. A abordagem é influenciada pela idade do doente, estado clínico, tamanho, forma e tipo de corpo estranho. Têm também importância a localização do corpo estranho e as capacidades técnicas do endoscopista. O “timing” da endoscopia na ingestão de corpos estranhos á ditado pelos riscos apreciados em relação á aspiração e/ou perfuração. É necessária intervenção urgente quando há um corpo estranho cortante ou uma “pilha” no esófago. De igual forma é também necessário actuar com urgência para prevenir a aspiração, quando um corpo estranho ou um impactamento alimentar criam uma obstrução quase total de forma que o doente tem até dificuldade em deglutir as próprias secreções. Aqueles doentes sem evidência de obstrução de alto grau e que não estão em “distress” agudo podem ser tratados de forma menos urgente, até porque pode haver resolução espontânea da situação. Em nenhumas circunstâncias deve um corpo estranho ou impactamento alimentar ser deixado no esófago mais de 24 horas. A esofagoscopia rígida ou laringoscopia directa podem ser tentadas em objectos Impactamento alimentar O tipo mais comum de corpo estranho em adultos é o impactamento de carne ou outro tipo de bolo alimentar. Os doentes em “distress” agudos ou incapazes de deglutir as secreções requerem intervenção imediata. Se o doente não se sente desconfortável, não está em risco de aspiração e engole bem a saliva, a intervenção não necessita ser urgente e pode ser deferida para um período mais conveniente porque muitos impactamentos alimentares resolvem-se espontaneamente. No entanto a endoscopia não deverá ser retardada para além das 24 horas após apresentação, porque o risco de complicações aumenta de forma significativa. A observação endoscópica inicial deverá reconhecer e localizar o local exacto do impactamento. O bolo alimentar pode geralmente ser removido na totalidade ou em fragmentos com os instrumentos acima citados. Poder-se-á, como também já descrito, utilizar um “overtube”. Depois de o bolo alimentar estar reduzido em tamanho poderá ser ultrapassado pelo endoscópio. Quando conseguimos 19 DISFAGIA TOTAL. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA progredir até ao estômago podemos recuar o endoscópio até ao nível da obstrução e empurrar suavemente o bolo alimentar até ao estômago. Não é aconselhável efectuar esta manobra de forma “cega” já que é muito comum nos impactos alimentares a existência de patologia esofágica subjacente. A enzima proteolítica papaína não deve ser utilizada já que tem sido associada a casos de hipernatremia, erosões e perfuração do esófago. A administração de Glucagon 1 mg EV, numa tentativa de relaxar o esófago é em geral segura e pode ajudar á resolução espontânea da situação enquanto se programa a endoscopia. No entanto o seu uso não deverá contribuir para atrasar a intervenção endoscópica. estenoses. Os sintomas são habitualmente progressivos iniciando-se com disfagia para sólidos que pode progredir até á disfagia para líquidos. Estes sintomas estão directamente relacionados com o calibre da estenose: inicia-se disfagia para sólidos quando o lume atinge 13 mm ou menos. A base do tratamento é a dilatação esofágica, que no entanto deve ser sempre seguida por terapêutica com IBP em dose plena já que esta reduz significativamente a taxa de recidiva da estenose. As estenoses pépticas devem ser dilatadas progressivamente com dilatadores de Savary ou com balões. A escolha entre os tipos de dilatador deve ser baseada na experiência e na correcta adaptação do endoscopista ao seu uso. A experiência publicada até á data não demonstrou convincentemente a superioridade de um tipo de dilatador em relação a outro. Se a dilatação for efectuada com dilatadores de Savary o diâmetro do primeiro dilatador deve ser semelhante ao diâmetro calculado para a estenose. Introduzem-se depois dilatadores de diâmetro progressivamente crescente até se encontrar resistência, após o que não se devem passar mais que dois dilatadores numa mesma sessão. Se forem utilizados dilatadores de balão o diâmetro inicial não deverá ser superior a 45 French. Não parece que exista relação entre o nível de dilatação inicial e a recidiva posterior da estenose pelo que não há suporte para a crença de que as estenoses devem ser dilatadas de forma agressiva para evitar recidivas. A extensão da dilatação num paciente individual deve ser baseada na resposta sintomática à terapêutica e nas dificuldades encontradas durante a dilatação. A maioria dos doentes tem um bom alívio da disfagia com a dilatação para diâmetros entre os 12 mm e os 16 mm. As estenoses não devem em geral ser dilatadas acima dos 18 mm. Para doentes cuja disfagia persiste ou recorre após uma dilatação inicial e terapêutica anti-refluxo, devemos confirmar endoscopicamente a cicatrização da esofagite antes de repetir a dilatação. 2 – Estenoses esofágicas benignas As duas causas mais frequentes de estenoses benignas do esófago são o refluxo gastro-esofágico e as anastomoses cirúrgicas. Constituem também causas relativamente comuns de estenose esofágica benigna alguns anéis e membranas, as estenoses cáusticas e pós-radioterapia. Estenoses pépticas A estenose péptica é uma complicação da doença de refluxo gastro-esofágico (DRGE) que surge em cerca de 10% dos doentes com esta patologia e que procuram apoio médico. Têm sido associadas com idade mais avançada dos doentes, com o sexo masculino e com duração prolongada dos sintomas de refluxo. Localizam-se habitualmente a nível do esfíncter esofágico inferior e quando são mais proximais estão associadas com esófago de Barrett. A endoscopia é essencial na sua avaliação, mas por vezes estenoses ligeiras podem passar despercebidas, mesmo quando sintomáticas, pelo que a sua avaliação clínica deve ser complementada por um trânsito esofágico. Existe esofagite proximalmente á estenose em cerca de 50% dos casos mas devem ser efectuadas biópsias em todas as 20 Vitor Viriato Depois da cicatrização da esofagite a necessidade de dilatações é determinada empiricamente. Em estenoses refractárias pode-se fazer uma tentativa com injecção de corticóides na estenose. Muito raramente estenoses verdadeiramente refractárias requerem ressecção esofágica e reconstrução. Excepcionalmente pode haver indicação para colocação de uma prótese em estenoses benignas. fície lisa, pouco espessas (menos de 4 mm), localizadas a nível da transição gastro-esofágica e recobertas por epitélio escamoso em cima e colunar na parte distal. A sua patogenia não é clara, mas pelo menos em alguns doentes o refluxo gastro-esofágico tem sido incriminado. Os doentes têm habitualmente disfagia intermitente para sólidos, principalmente quando o lume tem 13 mm ou menos. Esta disfagia é de curta duração, acompanha-se de desconforto torácico e é aliviada por manobras posturais, pela regurgitação ou pela ingestão de água. São muitas vezes responsáveis por quadros de disfagia total após o doente deglutir um grande bocado de carne (steak-house syndrome) que exigem imediata intervenção endoscópica para a sua resolução. Os anéis e as membranas são tratados por dilatação esofágica, com balão ou dilatadores de Savary, a qual deve ser levada até aos 20 mm, com o objectivo de evitar recidivas e numa única sessão. Estenoses de anastomoses cirúrgicas As estenoses das anastomoses podem ser muito estreitas e tortuosas, especialmente quando surgem após uma deiscência pós-operatória. Encontram-se em até 40% das anastomoses gastro-esofágicas, especialmente se for usado “stapler” ou houver deiscência da anastomose. A dilatação com balão (método ao qual damos preferência nesta indicação) ou vela é eficaz em 75-90% dos casos, mas há necessidade em média de 3 a 5 sessões de dilatação por doente. A realização de endoscopia no pós-operatório precoce (3 a 5 dias após cirurgia) e dilatação conduzem a uma necessidade de menor número de dilatações em fases mais tardias. Para minimizar o risco de recidiva a dilatação deve ser efectuada até 18-20 mm. Algumas estenoses muito estreitas necessitam dilatação com velas já que não é nesses casos sequer possível a insuflação do balão. Estenoses cáusticas As lesões cáusticas do esófago, abordadas especificamente noutro capítulo desta publicação, têm frequentemente como sequelas estenoses esofágicas. Estas estenoses, mesmo sem serem especialmente longas, são habitualmente muito difíceis de dilatar, têm uma taxa de recidiva mais elevada que as estenoses de qualquer outra etiologia e estão associadas com um maior risco de perfuração o qual se estima entre 1-2% por procedimento. Se nos lembrarmos que alguns doentes, até terem uma resposta aceitável às dilatações, necessitam de numerosas sessões, temos este risco aumentado muitas vezes. É necessário todo o cuidado, mesmo quando a dilatação é efectuada com balões ou velas de pequeno calibre. Anéis e membranas Os anéis e membranas são estruturas de fino calibre, frágeis e que comprometem parcial ou totalmente o lúmen esofágico. O termo membrana designa uma prega mucosa que faz protusão no lúmen e é recoberta por epitélio escamoso. São mais comuns no esófago cervical e causam frequentemente disfagia intermitente ou são assintomáticas sendo descobertas aquando de investigação endoscópica ou radiológica por outros motivos. Estão frequentemente associados com anemia ferropénica ( Síndrome de Plummer-Vinson ou de Patterson –Kelly). Os anéis esofágicos foram descritos por Schatzki como estruturas mucosas de super- Estenoses rádicas Alguns doentes submetidos a radioterapia a tumores da cabeça, pescoço ou tórax acabam por desenvolver estenoses rádicas do esófago. O tempo que medeia entre a radioterapia e o seu aparecimento é em média de 14 semanas. 21 DISFAGIA TOTAL. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA Tal como em outros tipos de estenose esofágica a dilatação com balão ou dilatadores de Savary é o tratamento de eleição, recomendando-se também nas estenoses desta etiologia dilatações progressivas, não forçadas em função do risco também aumentado de perfuração nesta condição. minimizar as complicações. Estas são muito menos frequentes com uma única dilatação com balão de 30 mm o qual proporciona desaparecimento ou redução significativa da disfagia a curto prazo em 70-85% dos doentes e a longo prazo em 50-65% dos doentes. É prática da maioria das instituições propor como tratamento inicial a dilatação e considerar a esofagomiotomia por via laparoscópica em caso de falha ou recidiva após a 1ª dilatação (ou 2ª em muitas instituições), desde que o paciente tenha condições para tal. A injecção de toxina botulínica no esfincter esofágico inferior pode também ser utilizada, habitualmente em doentes que representam maior risco cirúrgico. Trata-se de um procedimento seguro e que induz remissão clínica durante pelo menos 6 meses em aproximadamente 2/3 dos doentes com acalásia. No entanto a maioria dos doentes necessita injecções repetidas para manter a remissão e apenas aproximadamente 2/3 dos doentes em remissão aos 6 meses permanecerão em remissão ao fim de 1 ano, mesmo com injecções repetidas. 3- Acalásia O termo acalásia provém do Grego e significa “que não relaxa”. De facto, a ausência de relaxamento do esfíncter esofágico inferior com a deglutição é a causa dos sintomas nesta doença. Não se conhece a sua causa, atinge igualmente homens e mulheres, raramente antes da adolescência e é relativamente pouco frequente (incidência de 1/100.000). A disfagia para sólidos e líquidos é o seu principal sintoma, podendo também aparecer regurgitação, dor torácica, tosse, soluços e emagrecimento. Antes de se proceder ao seu tratamento por meios invasivos (dilatação ou cirurgia) devemos excluir um quadro de pseudoacalásia provocado por lesões malignas para o que pode muitas vezes ser necessário efectuar TCA e/ou ecoendoscopia a fim de excluir lesões infiltrativas dessa área. A dilatação é efectuada nesta situação com balões pneumáticos, os quais são passados sob controlo radioscópico e sobre um fio-guia até à transição gastro-esofágica e insuflados a grande pressão. Parece não haver risco aumentado de perfuração com períodos de insuflação maiores ( até 1 ou 2 minutos) embora a preferência generalizada dos endoscopistas vá para períodos menores ( 15-30 segundos). É objectivo desta dilatação a rotura das fibras do esfíncter esofágico inferior e desta forma aliviar a obstrução funcional. Existe um risco apreciável de perfuração esofágica (2-8%) neste tipo de dilatação, o qual constitui a sua principal limitação, embora muitas vezes a perfuração possa ser tratada de forma conservadora se for reconhecida precocemente. Existem balões com diâmetros de 30, 35 e 40 mm, devendo sempre começar-se pelos de 30 mm de forma a 4- Neoplasias do esófago O cancro do esófago é habitualmente diagnosticado numa fase avançada e incurável. Os doentes com doença localmente irressecável ou não candidatos a cirurgia podem ser submetidos a variados tipos de medidas paliativas de tipo endoscópico em que o gastrenterologista tem importante papel. Os objectivos desta paliação são o alívio da disfagia, a melhoria do estado nutricional e da qualidade de vida. Têm sido utilizadas múltiplas técnicas endoscópicas mas não há consenso quanto á melhor abordagem. A escolha é primariamente ditada pelas características do tumor, a preferência do doente e a experiência do endoscopista. O tratamento deve ser individualizado e em diferentes fases da doença podem ser aconselháveis diferentes métodos de paliação. (Quadro II) 22 Vitor Viriato QUADRO II - TERAPÊUTICA PALIATIVA NO CANCRO DO ESÓFAGO MÉTODOS MÉDODOS ENDOSCÓPICOS NÃO ENDOSCÓPICOS permite o alívio rápido da disfagia em apenas um procedimento. As próteses metálicas autoexpansíveis (PMAE) substituíram rapidamente as próteses plásticas, já que necessitam de pouca ou nenhuma dilatação prévia e são de introdução mais fácil. Além disso expandem o lúmen obstruído para um diâmetro maior (18-23 mm) do que o proporcionado pelas próteses plásticas. A eficácia no alívio da disfagia é semelhante para os 2 tipos de prótese (> 90%), mas a experiência proporcionada por múltiplos ensaios prospectivos e randomizados mostra que as PMAE estão associadas a menor número de complicações relacionadas com a introdução (10%-43% vs 0%-16%), menor número de dias de hospitalização e melhor qualidade de vida e sobrevida em alguns ensaios. Embora bastante mais caras que as próteses plásticas a diferença no custo é amplamente compensada por estas vantagens. Dilatação Cirurgia Colocação de prótese Radioterapia Ablação com LASER Quimioterapia Terapêutica fotodinâmica Injecção de álcool Colocação de sonda para alimentação As estenoses esofágicas malignas podem ser dilatadas utilizando balões TTS ou velas tipo Savary, com ou sem controlo radiológico. A dilatação pode ser complicada por perfuração em até 10% dos casos. A maioria dos doentes pode ser dilatada até um diâmetro que permita a passagem de alimentação líquida e mole (9-12 mm), mas as melhoras são breves (desde alguns dias até 4 semanas). A dilatação é portanto utilizada principalmente em conjugação com outros métodos, nomeadamente facilitando a colocação de 1 prótese ou em doentes “aguardando” melhoras na deglutição após Radioterapia. Entre todas as técnicas endoscópicas a colocação de próteses assume presentemente o papel principal nas técnicas paliativas já que Existem presentemente comercializados vários tipos de PMAE (Quadro III), diferindo no design e sistemas de libertação. A sua colocação pode ser efectuada com ou sem controlo por radioscopia e a maioria das presentemente utilizadas são parcialmente recobertas por uma membrana de silicone ou poliuretano a fim de QUADRO III - PMAE APROVADAS PELA FDA Material Design Coberta Força radial Sistema de libertação (F) Comprimento (cm) Diâmetro extremidade (mm) Diâmetro corpo (mm) Grau de encurtamento (%) Fecho de fistulas Ultraflexa Wallstent IIa Z-Stentb Nickel titanium (nitinol) Rede Sim + 16 10, 12, 15 23, 28 18, 23 30-40 Sim Elgiloy Rede Sim +++ 18 10, 15 28 20 30 Sim Aço inoxidável Zigzag Sim ++ 31 8, 10, 12, 14 25 18 0-10 Sim aMicrovasive/Boston Scientific Inc (Natick, MA). bWilson-Cook Medical (Winston-Salem, NC). 23 DISFAGIA TOTAL. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA impedir o crescimento tumoral para o interior da prótese. Num estudo prospectivo randomizado com 62 doentes as próteses recobertas obtiveram melhor paliação do que as não recobertas devido ao menor crescimento tumoral para o interior da prótese (3% vs 30%) e necessidade de menor número de reintervenções (0% vs 27%). As próteses recobertas tendem no entanto a migrar mais frequentemente que as não recobertas (26% vs 0%), principalmente quando se colocam no esófago distal. Algumas modificações no “design” das próteses como a prótese Flamingo Wallstent e a prótese Ultraflex com “flaps” proximais têm vindo a melhorar este aspecto das próteses recobertas. Estes dois últimos tipos de prótese têm sido utilizados com sucesso na paliação de tumores distais com taxas de migração de 6%. Não existem presentemente dados inequívocos que demonstrem superioridade de um tipo de prótese sobre as outras pelo que a escolha do tipo de prótese depende principalmente da sua disponibilidade, da familiaridade do endoscopista e da sua preferência pessoal. O tipo e frequência das complicações relacionadas com as PMAE variam segundo os estudos. Os resultados de um inquérito nacional nos USA mostraram taxa de complicações técnicas no imediato de 5% – 17%, incluindo má colocação (0,3% – 5%), expansão falhada (4% – 7%), colocação falhada (1% – 3%), e migração (0,3% – 2%). As complicações imediatas ocorreram em 7% – 15% dos casos, incluindo dor torácica (6% – 12%), hemorragia (0,2% – 0,6%), perfuração (0,6% – 1%), e morte (0,5% – 1,4%). Complicações técnicas tardias ocorreram em 9% – 18% dos casos, incluindo crescimento tumoral para dentro da prótese ou nos seus extremos (6%–11%) e migração da prótese (3%–7%). As complicações tardias ocorreram em até 27% dos doentes, incluindo sintomas de refluxo (4% – 5%), disfagia recorrente (8% – 9%), fistulas traqueo-esofágicas (1% – 3%), hemorragia (0,5% – 4%), perfuração (0,5% – 0,8%), e morte em resultado da doença maligna subjacente nos 30 dias imediatos em 7% dos doentes. O crescimento tumoral para o interior ou nos extremos da prótese pode ser tratado através da colocação de nova prótese ou através da ablação do tecido tumoral utilizando Laser, Árgon-plasma ou terapêutica fotodinâmica. Deve ter-se sempre muito cuidado durante a utilização de métodos térmicos de ablação para não danificar a prótese subjacente. A utilização de Radioterapia após colocação de PMAE não é consensual. Há estudos que apontam para uma melhor sobrevida destes doentes enquanto outros apontam para uma maior taxa de complicações, nomeadamente fistulas traqueo-esofágicas e hematemeses massivas devido a erosão da aorta pela prótese. Portanto a colocação de PMAE antes da radioterapia deve ser efectuada com muita ponderação. A comparação entre os diferentes tipos de estudos torna-se difícil devido aos diferentes tipos de próteses e “design” dos estudos. As próteses são ideais para as neoplasias estenosantes do esófago médio. A seguir á colocação da prótese os doentes devem ser aconselhados a modificar a dieta e evitar alimentos sólidos (por exemplo pão e carne) que possam ocluir a prótese. As próteses que atravessem a junção gastro-esofágica podem levar a sintomas graves de refluxo pelo que devem ser instituídas medidas gerais antirefluxo e terapêutica com inibidores da bomba de protões. A colocação de próteses na vizinhança do esfíncter esofágico superior é difícil tecnicamente, embora haja séries publicadas de colocação com sucesso. As complicações incluem sensação de corpo estranho, aspiração para as vias aéreas e compressão traqueal com compromisso respiratório. A colocação de próteses nesta localização só deve ser tentada por endoscopistas experimentados ou então serem utilizadas modalidades alternativas na paliação destes doentes. As próteses podem ser eficazes na paliação da disfagia resultante de compressões extrínsecas do esófago. As próteses recobertas utilizam-se também no tratamento de fístulas 24 Vitor Viriato malignas traqueo-esofágicas, situação em que constituem uma indicação formal e levam ao fecho da fistula em 90-100% dos casos. Os doentes com fístulas traqueo-esofágicas persistentes mesmo após colocação de prótese esofágica poderão beneficiar da colocação de uma segunda prótese nas vias aéreas para fechar a fístula. A injecção intra-tumoral de álcool absoluto leva a necrose e redução da massa tumoral. A técnica é barata, disponível e de execução técnica simples. O esclerosante é tipicamente injectado em bólus de 0,5-1ml com uma agulha de escleroterapia nas partes exofíticas do tumor. A experiência mostra uma eficácia de 80-100% no alívio da disfagia. No entanto este efeito paliativo é de curta duração ( menos de 1 mês) pelo que são necessárias injecções repetidas. É comum o aparecimento de dor torácica após a terapêutica e podem surgir complicações sérias como mediastinite e fistulas traqueo-esofágicas. Esta técnica deverá ser apenas aplicada em tumores curtos, exofíticos e não fibróticos para os quais não existam outras alternativas disponíveis. Há relatos preliminares de injecção intratumoral de cisplatina e gel de epinefrina com alguma eficácia deste tipo de quimioterapia local, o qual permanece experimental até á data. A paliação da disfagia pode também ser conseguida através da coagulação tumoral com Árgon-plasma. A demora média nas reintervenções é de cerca de 1 mês sendo necessárias 5 sessões em média por paciente. Apesar da pouca profundidade de coagulação atingida pelo Árgon plsma (2 mm) têm sido descritos casos de perfuração em 1-2% dos tratamentos. Parece não haver grande benefício na utilização do Argon plasma em tumores muito exofíticos, mas no entanto esta técnica parece ser de maior utilidade no controle de tumores sangrantes e no tratamento dos crescimentos tumorais para dentro e nos extremos das próteses esofágicas. O laser ND:YAG provoca lesão mais profunda que o Árgon plasma porque vaporiza o tecido e recanaliza o lúmen obstruído. Lesões exofíticas pouco extensas em comprimento são a indicação ideal para o laser. O procedimento é habitualmente repetido 48h após. É habitualmente efectuado de forma retrógrada exigindo por isso muitas vezes a realização de dilatação prévia. Os tumores muito próximos do esfíncter esofágico superior são melhores indicações para laser que para colocação de prótese. No entanto a terapêutica com laser é menos eficaz que a colocação de próteses em tumores da junção gastroesofágica e do cárdia. A terapêutica com laser é eficaz no alívio da disfagia em 70%–95% dos caso e a duração da resposta vai de 1-2 meses, o que leva frequentemente á necessidade de múltiplas sessões devido ao crescimento tumoral. A resposta pode ser potenciada por radioterapia ou braquiterapia. As complicações “minor” do laser incluem a dor torácica, agravamento transitório da disfagia devido ao edema pós-tratamento e leucocitose. As complicações “major” incluem a hemorragia, perfuração e fístula traqueo-esofágica. Ao contrário da colocação de próteses a terapêutica com laser está contraindicada na presença de fístulas e não está indicada em tumores longos, tortuosos e muito estenosantes. Também não é eficaz na disfagia provocada por compressão extrínseca. A terapêutica fotodinâmica tem sido também empregue como técnica paliativa no tratamento da disfagia de causa maligna. Não está apenas indicada em tumores exofíticos, podendo também ser utilizada em lesões de tipo infiltrativo ou plano e em lesões longas. A sua utilização é também mais fácil que a colocação de próteses ou laser nos tumores do esófago cervical. A disfagia melhora em 6090% dos casos e as complicações agudas são do mesmo tipo que as observadas nas outras técnicas endoscópicas oscilando entre 5 a 20%. Um dos principais obstáculos á sua utilização nos cancros avançados do esófago é o tempo de foto-sensibilização (4-6 semanas) associado à terapêutica que se torna excessivo no contexto da sua utilização como método paliativo. 25 DISFAGIA TOTAL. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA BIBLIOGRAFIA Feldman, Orlando. Atlas of esophageal diseases, 2nd edition,2002, Current Medicine Tytgat, Classen, Waye, Nakasawa. Practice of therapeutic endoscopy, 2nd edition, 2000, WB Saunders T. E. Lerut, J.J.B. van Lanschot. Chronic symptoms after subtotal or partial oesophagectomy: diagnosis and treatment. Clinical Gastroenterology 2004; 18:5: 901-915 Edwards DAW. Flow charts, diagnostic keys, and algorithms in the diagnosis of dysphagia. Scot Med J 1970;15:378-85. Nord HJ, Boyce HW Jr. Dysphagia and esophageal obstruction. In: Conn HF, ed. Current therapy. Philadelphia: WB Saunders, 1979. Castell DO. Approach to the patient with dysphagia. In: Yamada T, ed. Textbook of gastroenterology. New York: JB Lippincott, 1991: 562-72. Boyce HW Jr. Hiatal hernia and peptic diseases of the esophagus. In: Sivak MV, ed. Gastroenterologic endoscopy. Philadelphia: WB Saunders Co, 1987. S. A. Riley, S.E.A. Attwood. Guidelines on the use of oesophageal dilation in clinical practice. Gut 2004; 53; 1-6 Ronnie Fass. Aproach to the patient with disphagia. 2006; Up-to-date J.R. Malagelada (Chair), F. Bazzoli, A. Elewault etal. WGO-OMGE Practice guideline: dysphagia. January 2004 26 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS AMÉRICO SILVA ANTÓNIO CASTANHEIRA carcinoma esofágico são as complicações mais importantes a médio e longo prazo. Não há terapêutica provada que impeça a evolução estenótica das lesões mais graves. A maioria dos corpos estranhos ingeridos atravessa o tubo digestivo espontaneamente, não requerendo qualquer tipo de abordagem terapêutica(11,16). Em 10 a 20% dos casos a terapêutica é não cirúrgica, estando esta indicada, actualmente, em menos de 1% das situações(16,17). Ao longo deste capítulo vamos rever os aspectos epidemiológicos, clínicos, de abordagem diagnóstica e terapêutica e as complicações inerentes à ingestão de cáusticos e de corpos estranhos. INTRODUÇÃO A ingestão de produtos cáusticos e corpos estranhos é uma emergência gastrenterológica relativamente frequente, sendo responsável por 4 a 12 % das endoscopias urgentes. Os cáusticos são substâncias com elevada capacidade destrutiva do tracto digestivo, podendo ser letais. A morbilidade associada à ingestão de corpos estranhos é significativa, com complicações minor em 15 a 42% e major em 0,5 a 7,5%. São raros os casos de morte publicados(1,2) e a mortalidade após admissão hospitalar é baixa como atestam as séries publicadas(3-9), com nenhuma fatalidade em 852 admissões de adultos e uma em 2206 admissões de crianças. Apesar dos dados da literatura, a mortalidade global pode atingir os 3,5%, estimando-se a ocorrência anual de 1500 mortes por ingestão e 3000 por aspiração de corpos estranhos(10-11), nos USA. O tipo e a extensão das lesões decorrentes da ingestão de cáusticos, dependem de factores relacionados com a natureza do agente corrosivo, a sua forma de apresentação, a quantidade e o modo de ingestão, acidental ou intencional. A endoscopia é o melhor meio de triagem das lesões, permitindo avaliação diagnóstica e prognóstica. Cinquenta a 80% dos doentes com suspeita de ingestão de cáustico não apresentam lesões significativas no exame endoscópico(12,13). Na fase aguda, pode ocorrer necrose e perfuração, com mortalidade entre 1 e 4%, nos países ocidentais(14,15). As estenoses esofágicas e gástricas e o desenvolvimento de INGESTÃO DE CÁUSTICOS Epidemiologia Apesar de medidas de saúde pública restritivas quanto à apresentação e venda de produtos corrosivos, constata-se um aumento progressivo da incidência de lesões cáusticas graves desde a introdução no mercado, em 1960, dos produtos de limpeza alcalinos. Em 2000 ocorreram 206 636 casos de ingestão de produtos de limpeza nos USA, 58% em crianças menores de 6 anos(12). Em Espanha, a incidência da intoxicação por cáusticos entre 1994 e 2001, foi de 38,7 / 100 000 habitantes, sendo a etiologia maioritariamente acidental (84,6%). No mesmo estudo o suicídio motivou 6,8% dos casos com observação hospitalar(18). 27 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS Em Portugal não há estatísticas conhecidas, não existindo, provavelmente, protocolos de conduta devidamente uniformizados no diagnóstico e terapêutica destes doentes. Haverá até atitudes inadequadas ou mesmo nocivas que poderão concorrer para uma maior gravidade das lesões cáusticas, quer na abordagem extra-hospitalar, quer já no serviço de urgência. Por outro lado, é consabido a potencial gravidade da ingestão de cáusticos, produzindo lesões extensas no tracto digestivo, que podem resultar na perfuração e morte na fase aguda (1 a 4% nos países ocidentais)(14,15), ou no desenvolvimento de estenoses e carcinoma esofágico a médio e longo prazo, respectivamente. Alcalinos São os agentes corrosivos mais frequentes nos países ocidentais, encontrando-se na maioria dos produtos de limpeza doméstica e industrial(19). Os produtos de limpeza doméstica mais comuns contêm peróxido de hidrogénio (3%), hipoclorito de sódio ou hidróxido de sódio em baixas concentrações (1%), com pH entre 10,8 e 11,4, sendo irritantes ligeiro a moderados(19,20). A sua ingestão acidental produz habitualmente lesões mínimas, podendo ocorrer dano mais sério por ingestão de grandes quantidades. É raro o desenvolvimento de estenoses. Outros produtos, como os usados no desentupimento de canalizações, são mais agressivos. Contêm hidróxido de sódio (soda cáustica) entre 4% e 45%, sendo a apresentação cristalina mais perigosa que a forma líquida. Produzem lesões severas, incluindo perfuração e desenvolvimento frequente de estenoses. Natureza dos agentes cáusticos Cáustico corresponde a toda a substância química com capacidade de destruição dos tecidos orgânicos expostos, lesando as membranas celulares e provocando necrose. Pode tratar-se de produto alcalino ou ácido (tabela 1). Ácidos A ingestão de ácidos corrosivos é rara nos países ocidentais (<5%). É relativamente TABELA 1 – PRODUTOS CÁUSTICOS MAIS FREQUENTES (*) Tipo de agente Alcalino Ácido Hidróxido de sódio e de potássio ++++ Hidróxido de sódio e de potássio em concentrações elevadas Hidróxido de amónio Hipoclorito de sódio e cálcio Carbonato de sódio Perborato de sódio Fosfato de sódio Hipoclorito de sódio ++++ Utilidade Detergentes Agentes de limpeza de fornos e canalizações Cosméticos/Sabões Pilhas ++ ++ ++ ++ ++ ++ Ácido clorídrico ++++ Ácido sulfúrico ++++ Ácido nítrico Peróxido de hidrogénio ++++ +++ Ácido fosfórico ++ Desinfectante Branqueador Branqueador Branqueador Pasta dentífrica Detergente Desinfectante Limpeza de sanitários Antioxidantes Limpeza de piscinas Limpeza de sanitários Líquido de baterias Fabrico de tintas Desinfectante Branqueador Detergentes Ácido acético Ácido férrico + + Solventes para pinturas Tinta de escrita 28 Américo Silva e António Castanheira vulgar em países como a Índia, onde os ácidos clorídrico e sulfúrico são de fácil acessibilidade (21-23. No Ocidente, os ácidos encontram-se em produtos de limpeza e desinfecção de sanitários (sulfúrico e clorídrico), produtos anti-ferrugem (clorídrico, oxálico, fluorídrico), fluido de baterias (sulfúrico) ou agentes de limpeza de piscinas (clorídrico). insípidos, inodoros e incolores. Além disso, são muitas vezes colectados em embalagens de reciclagem doméstica, originando confusões trágicas. Sendo de fácil ingestão, provocam frequentemente lesões importantes (figuras 1 e 2) no esófago e estômago(13,18,19,24). Fisiopatologia Alcalinos Os agentes corrosivos alcalinos têm habitualmente pH entre 11,5 e 14. Produzem necrose coliquativa ou de liquefação(13). A sua acção envolve destruição do colagénio, saponificação das gorduras, dissolução de proteínas, emulsão das membranas lipídicas e desidratação tissular. A trombose vascular e produção de calor concorrem para a lesão em profundidade. A destruição tissular é rápida, logo nos primeiros segundos ou minutos, podendo progredir durante várias horas. A concentração do cáustico e o tempo de contacto são importantes. Por exemplo, uma solução de hidróxido de sódio (NAOH) a 22,5%, em contacto com o esófago durante 10 segundos, e outra a 30% durante 1 segundo, podem provocar igualmente lesão transmural (13,19). Há, no entanto, outros factores que influenciam a intensidade e extensão da lesão cáustica, nomeadamente: o volume ingerido (pode relacionar-se com a etiologia da ingestão), a forma de apresentação (líquida ou sólida) e grau de viscosidade; a existência de condições patológicas prévias que reduzam a clearance esofágica, a presença de refluxo gastro-esofágico e a presença ou ausência de alimentos(13,18,19,24). Os alcalinos em forma sólida ou cristalina (p. ex. soda cáustica) são de difícil deglutição, tendem a aderir à mucosa oral e faríngea, provocando lesões mais ou menos graves a esse nível, poupando o esófago. Os líquidos alcalinos possuem características que potenciam a sua agressividade: são habitualmente FIGURA 1 - ESOFAGITE CÁUSTICA - GRAU 2B FIGURA 2 - QUEIMADURA GÁSTRICA POR CÁUSTICO - GRAU 3 Após a agressão cáustica, sobrevem o descolamento da mucosa entre o 4º e 7º dia, iniciando-se a invasão bacteriana, resposta inflamatória e formação de tecido de granulação. A deposição de colagénio tem início após a 2ª semana. As primeiras 2 semanas são, por isso, o período de maior fragilidade e risco de perfuração(22). 29 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS A fase de cicatrização começa na 3ª semana, podendo continuar-se por vários meses. Ocorre, frequentemente, retracção com encurtamento do órgão e dismotilidade, além de estenoses fibróticas, nas queimaduras mais graves(14). A lesão típica por corrosivo alcalino envolve o esófago em 100% dos casos e provoca lesões focais no estômago, dada a neutralização parcial do cáustico pelo ácido gástrico(21). alcalinos líquidos lesam predominantemente o esófago, podendo até não induzir lesões orofaríngeas. Os ácidos são habitualmente mais corrosivos a nível gástrico. O envolvimento da laringe ou epiglote associam-se a rouquidão e estridor. A lesão do tracto respiratório pode ocorrer no acto de ingestão do cáustico ou por aspiração de vómito(12). Sede intensa, náuseas e vómitos são habituais. Os sintomas de queimadura esofágica incluem odinofagia e disfagia, enquanto o envolvimento do estômago pode determinar epigastralgias e hematemeses. Podem surgir melenas ou hematoquézia e sinais de irritação peritoneal, mesmo sem perfuração. A ocorrência de hematemese massiva associa-se a fistulização com vaso de grosso calibre e é frequentemente letal (p. ex. fístula aorto-entérica)(13). O quadro clínico pode incluir também acidose metabólica, necrose tubular aguda, insuficiência renal, pancreatite, hiponatrémia, síndrome de dificuldade respiratória, coagulação intravascular, anemia secundária a hemorragia e hemólise. Em casos graves, com lesão de toda a parede visceral e tecido perivisceral, com mediastinite e/ou peritonite química, advém colapso cardiovascular e choque hipovolémico(18). A perfuração gástrica ou esofágica pode acontecer em qualquer momento durante as primeiras 2 semanas (fase de ulceração e granulação). A alteração do estado clínico do doente com agravamento súbito de dor abdominal preexistente, ou aparecimento de dor torácica, impõem avaliação radiológica adequada(19). Diversos investigadores tentaram estabelecer a previsibilidade de lesão esofágica através de um determinado quadro semiológico. Num estudo, por exemplo, a presença de estridor associou-se a lesão significativa do esófago em 100% dos casos(26). Porém, outro estudo mostrou que nenhum sintoma isolado ou grupo de sintomas podia predizer adequadamente a presença de lesão esofágica (27). Todavia, é consensual que crianças Ácidos Os cáusticos ácidos têm, geralmente, pH inferior a 2 e induzem uma necrose de coagulação pelo efeito proteolítico e de termo-coagulação proteica que determinam(25). Dada a pouca viscosidade, o trânsito dos ácidos é rápido e, com a neutralização parcial pelo pH alcalino do esófago, as lesões a este nível são usualmente pouco severas, localizando-se nos 2/3 distais do órgão. No estômago, é rápido o atingimento da pequena curvatura e região pré-pilórica, com produção de queimadura mais ou menos profunda e formação de escara que pode ser transmural. É habitual o espasmo antral e pilórico, aumentando a intensidade da lesão gástrica. A presença de alimentos não impede lesões extensas, dada a natureza hidrófila do ácido. Por outro lado, o estômago vazio, contraído e verticalizado, associa-se a queimadura do antro e corpo médio(13,18,23). O duodeno também pode ser atingido pelo excesso de ácido após o relaxamento pilórico. Apresentação clínica Fase precoce (aguda e sub-aguda) Como atrás se disse, a apresentação clínica depende sobretudo do tipo de substância, da quantidade e da sua forma de apresentação. Os alcalinos sólidos, de mais difícil ingestão, provocam maior lesão a nível da mucosa oral e faríngea e poupam relativamente o esófago; os 30 Américo Silva e António Castanheira assintomáticas com suspeita de ingestão involuntária de cáustico, não apresentam, geralmente, lesões significativas na endoscopia(28). Dez a 30% dos doentes com queimadura esofágica não apresentam lesões orofaríngeas. Até 70% dos pacientes com queimaduras orofaríngeas não apresentam lesões esofágicas significativas. Na verdade, a presença de lesões na orofaringe não é um indicador adequado de lesão esofágica. Nenhum sinal ou grupo de sinais prediz adequadamente os achados endoscópicos(29). Abordagem diagnóstica e terapêutica do doente causticado Medidas pré-hospitalares A ingestão real ou potencial de um produto cáustico constitui sempre uma situação de grande alarme e premência na tomada de atitude salvadora mas, frequentemente, inadequada ou até gravosa para a vítima. A lavagem gástrica e a indução do vómito estão contra-indicados, pois a reexposição do esófago ao agente corrosivo tende a provocar lesões adicionais. Por outro lado, não está provada a eficácia da água ou leite como antídotos, podendo mesmo determinar agravamento das lesões pela reacção química exotérmica que originam. Além disso, a administração de leite vai prejudicar a observação endoscópica. O carvão activado é ineficaz, favorece o vómito, facilitando a aspiração e obscurece o campo de visão para a endoscopia. Está, por isso, contra-indicado também. Estará indicada apenas a irrigação da boca e faringe com água ou leite sem deglutir, para remoção de partículas de cáustico aderentes à mucosa(18,33). Exceptuam-se à conduta referida as situações seguintes: 1) na ingestão de partículas sólidas com probabilidade de aderência à mucosa esofágica e possível lesão transmural, é lícito a ingestão de 150 ml de água, leite ou bebida não carbonatada (50 ml nas crianças); 2) no caso de ingestão de corrosivo ácido, poderá ter lugar a sondagem gástrica com drenagem e lavagem nos primeiros 60 minutos pós ingestão (se possível por via endoscópica, já em meio hospitalar)(18,34). Fase tardia As sequelas a médio-longo prazo da ingestão de corrosivo relacionam-se, fundamentalmente, com o desenvolvimento de estenoses esofágicas e/ou gástricas e, menos frequentemente, duodeno-jejunais(13,19). As estenoses esofágicas desenvolvem-se com o início da cicatrização depois da 2ª semana e podem tornar-se sintomáticas dentro de 3 meses ou manifestar-se até 1 ano após a agressão cáustica. A estenose gástrica, nomeadamente com obstrução de drenagem (estenose antro-pilórica), pode evidenciar-se dentro de 4 a 6 semanas ou só se tornar patente vários anos depois(21-23). Acloridria, gastroenteropatia perdedora de proteínas, mucocelo esofágico (1 a 5 anos após interposição de cólon com exclusão esofágica), carcinoma gástrico de células escamosas (raro, 3%) e o carcinoma esofágico (incidência 1000 a 3000 vezes superior à da população geral), são outras complicações possíveis das queimaduras por cáusticos. O carcinoma esofágico tem habitualmente um longo período de latência, que pode ir até 58 anos. A maioria das lesões ocorre a nível da carina e tem geralmente melhor prognóstico, dado surgir em doentes mais jovens, com sintomatologia mais precoce(30-33). No hospital O diagnóstico da ingestão e lesão por cáusticos faz-se pela anamnese, exame objectivo e exploração instrumental. É importante a recolha de dados sobre o quê, quando, como, porquê e em que quantidade ocorreu a ingestão do cáustico. 31 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS Importa conhecer também as atitudes tomadas até à assistência hospitalar. A abordagem inicial deve focar-se na manutenção das vias aéreas e ressuscitação de volume(12,18). As primeiras medidas que se impõem são uma observação rigorosa da boca, faringe e laringe (laringoscopia directa), assegurar a permeabilidade das vias aéreas; efectuar intubação endotraqueal se necessário, ou traqueostomia na sua impossibilidade. É corrente a administração de corticóide para resolução do edema laríngeo (embora de resposta lenta). Importantes são, também, gestos simples como a elevação da cabeceira (evitar o refluxo, lesão adicional e bronco-aspiração). A administração de um antiemético potente de acção central e analgesia adequada podem ser igualmente indispensáveis(35). Simultaneamente, importa estabilizar o doente. Dependendo da gravidade da apresentação clínica, é conveniente obter um acesso venoso periférico eficaz, pelo menos duas vias; controlar o equilíbrio ácido-básico e efectuar balanço analítico; monitorizar os parâmetros vitais; repor líquidos (glucose 5% e lactato de Ringer). Se shock, administrar expansores do plasma e albumina; eventuais fármacos vasoactivos (dopamina, dobutamina, norepinefrina). Se hemorragia, transfundir concentrado de eritrócitos. Prevenir IRA (secundária a hemólise e shock), administrando furosemida(18). contraste hidrossolúvel não é inócuo, devendo atender-se à possibilidade de aspiração brônquica, com risco de edema pulmonar associado à hipertonicidade do produto(36). No seguimento destes doentes, o exame radiológico com contraste baritado é mais adequado, pois permite a avaliação das complicações com maior detalhe morfológico. Possibilita a apreciação da gravidade e extensão das queimaduras, nomeadamente no que concerne à sua evolução estenótica(37). Endoscopia A EDA é o exame primordial na abordagem do doente com história de ingestão de cáustico. Deve efectuar-se tão cedo quanto possível, logo que o doente esteja estabilizado e não haja evidência de perfuração(18,22). Indicação Não existem guidelines definitivas, mas a presença de queimaduras orais e/ou sintomatologia é indicação segura para EDA. A suspeita de ingestão de lixívia doméstica em crianças assintomáticas, sem lesões orais, não obriga a endoscopia. A quantidade ingerida (uma colher ou uma chávena, p. ex.), a eventual intenção suicida e a persistência de sintomas são circunstâncias relevantes na indicação para a realização do exame(13). Contra-indicação A presença de queimaduras do 3º grau na hipofaringe ou obstrução respiratória, sinais ou sintomas de perfuração, instabilidade hemodinâmica ou shock, são contraindicação para EDA. A fase sub-aguda entre os 5 e 15 dias pós ingestão, associada a risco elevado de perfuração por amolecimento dos tecidos, contra-indica também a realização do exame (18,22). Exames radiológicos A avaliação inicial do doente causticado grave inclui, obrigatoriamente, a radiografia simples do tórax e abdómen, tendo em mente a possibilidade de aspiração ou perfuração. Esta pode ser sugerida pela presença de ar no mediastino ou sub-diafragmática, indiciando perfuração esofágica ou gástrica, respectivamente. O exame radiológico com contraste hidrossolúvel realiza-se na suspeita de perfuração, nas queimaduras hipofaríngeas graves, na endoscopia incompleta ou na impossibilidade da sua realização. O uso de Timing, risco de perfuração e extensão da EDA A endoscopia deve efectuar-se tão precocemente quanto possível, geralmente antes das 24 horas, embora alguns autores apontem 32 Américo Silva e António Castanheira as 96 horas pós-ingestão como limite para o exame sem risco de complicações(13,19). A realização precoce do exame permite a triagem de doentes quanto à gravidade das lesões, possibilitando uma adequada racionalização dos meios terapêuticos. O exame deve ser efectuado sob sedação apropriada, sendo a entubação endotraqueal necessária apenas em doentes com dificuldade respiratória. O risco de perfuração associado à exploração endoscópica relacionava-se com a utilização de aparelhos rígidos e doentes não colaborantes, sendo obviado pelo uso de endoscópios flexíveis e pela sedação conveniente(22). A extensão do exame é a esófago-gastroduodenoscopia, sempre que exequível sem risco que a contra-indique. A ausência de lesões esofágicas ou a sua presença, não exclui ou permite graduar a intensidade de lesões gastro-duodenais. É, todavia, geralmente aceite a recomendação de não progredir além de uma queimadura circunferencial do 2º grau ou uma lesão de 3º grau, dado o risco acrescido de perfuração. A avaliação do tracto digestivo não explorado, nesta circunstância, será efectuada por exame radiológico contrastado, incluindo o TAC com duplo contraste, oral e intravenoso(18,19). Recentemente, surgiram estudos avaliando o potencial aumento da eficácia diagnóstica e prognóstica da endoscopia com o complemento da ultrassonografia. Enquanto uns autores consideram uma mais valia em termos prognósticos (38), outros concluem que a técnica não aumenta a capacidade preditiva de complicações precoces ou tardias fornecida pela endoscopia convencional(39). Há, igualmente, estudos que dão ênfase à associação de parâmetros clínico-laboratoriais (hematemeses, LDH elevada) à severidade dos achados endoscópicos, na previsão do risco de desenvolvimento de estenose fibrótica(40). Graduação dos achados endoscópicos A classificação ou estadiamento das lesões por cáusticos (tabela 2) é similar às queimaduras cutâneas: grau 1, 2, e 3. A classificação endoscópica das queimaduras por cáusticos é, como vimos, de grande relevância clínica, pois permite uma avaliação prognóstica e orientação terapêutica adequadas. Cinquenta a 80% dos doentes com suspeita de ingestão de cáustico não apresentam lesões na endoscopia(12,13). As lesões de grau 1 e 2a determinam pouca morbilidade aguda e, em regra, não evoluem para estenose. Permitem dieta oral e alta hospitalar a curto prazo, com inibidor da secreção ácida. Nos casos de lesão mais grave (2b e 3) é, geralmente, necessário o internamento em TABELA 2 – GRADUAÇÃO ENDOSCÓPICA E CORRESPONDENTE PATOLOGIA (12,22). Achados endoscópicos Patologia Grau 0 Normal Grau 1 Edema e eritema Lesão das camadas superficiais da mucosa Grau 2a Friabilidade, lesões bolhosas, hemorragia, exsudato esbranquiçado, erosões ou ulceração superficial Extensão até à muscular própria Grau 2b Lesões de grau 2a mais profundas mas descontínuas ou ulcerações circunferenciais ““ Grau 3a Múltiplas ulcerações profundas, coloração acinzentada ou castanho-escuro Lesão transmural com extensão possível a estruturas mediastínicas ou peritoneais Grau 3b Necrose extensa ““ 33 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS unidade de cuidados intensivos com suporte nutricional adequado. Nestes casos (2b e 3a), a evolução para estenose cifra-se entre 70% e 100%. As queimaduras 3b associam-se a elevada a mortalidade (65%), podendo ser necessária esofagectomia como medida salvadora(15,22). na ausência de corticoterapia. Porém, está indicado o seu uso precoce, no caso de aspiração brônquica e perfuração gástrica ou esofágica(14,46-48). Sucralfato Melhora a mucosite, mas não acelera a cicatrização nem previne complicações(49). Terapêutica da lesão cáustica e prevenção de estenoses Inibidores da secrecção cloridro-péptica Os inibidores da bomba de protões (IBP) são mais eficazes que os antagonistas H2, favorecem a regeneração da mucosa gástrica e previnem a agressão esofágica por refluxo, que é complicação habitual e contribui para desenvolvimento rápido de estenoses(50). Não há terapêutica específica e a evolução para estenose depende quase exclusivamente da intensidade e extensão das lesões(12,15). Terapêutica médica e instrumental Corticosteróides Os estudos são controversos. São fármacos com potente acção anti-inflamatória e inibidora da fibrogénese, que actuam atrasando ou diferindo a estenose cicatricial em queimaduras esofágicas severas por alcalinos. A sua eficácia baseia-se em estudos não controlados em animais que mostram uma redução até 50% da evolução estenótica(41). Existem estudos prospectivos e meta-análises que favorecem a utilização de corticóides em doentes com lesões de grau 2b e 3(42,43). Todavia, outros estudos não mostram qualquer benefício e sublinham até os seus efeitos perniciosos. Com efeito, os corticóides mascaram o aparecimento de sinais mediastinite ou peritonite e alteram a barreira de protecção gástrica; favorecem a sobreinfecção bacteriana e fúngica, e alterarem o metabolismo ósseo(44-46). São, contudo, de uso corrente, administrando-se a metilprednisolona em doses endovenosas de 40 a 60 mg em lesões severas e circunferenciais (2b e 3a) durante pelo menos 3 semanas, com redução progressiva subsequente. Outros agentes farmacológicos Além dos conhecidos inibidores da síntese do colagénio (b-aminoproprionitrilo, penicilamina, N-acetilcisteina e colchicina)(51,52), mais recentemente, têm sido investigadas outras substâncias, como a heparina, o factor de crescimento epidérmico (EGF)e o ester fenetil do ácido cafeico (CAPE)(53,54). São substâncias que mostraram uma diminuição de estenose cicatricial nos estudos em animais, aguardando-se ensaios em humanos. Intubação nasogástrica A colocação de sonda nasogástrica com intuito de manutenção da patência do lúmen esofágico pode associar-se ao desenvolvimento de estenoses longas, pelo que o seu uso deve ser parcimonioso(13,19). A alimentação por sonda nasoentérica é, no entanto, quando possível, um meio de aporte nutricional adequado, sem as potenciais complicações sépticas, metabólicas e tromboembólicas associadas à nutrição parentérica. A maioria dos autores recomenda início de alimentação nasoentérica às 24 horas e introdução de líquidos per os depois de 48 horas, se o doente consegue deglutir a saliva sem dificuldade(15). Antibióticos O uso de antibioterapia de largo espectro é consensual, na administração de corticóides, não se advogando a sua utilização profilática, 34 Américo Silva e António Castanheira Cirurgia A cirurgia tem indicação precoce ou emergente, na fase aguda e também diferida ou reconstrutiva, no tratamento das complicações a médio e longo prazo. As indicações para cirurgia emergente são a evidência de perfuração, complicações graves do tracto respiratório (fistula traqueoesofágica, p. ex.), hemorragia gastrointestinal maciça, necrose extensa esofágica e/ou gástrica (lesões grau 3b). A presença de shock, acidose metabólica, alterações da coagulação e ingestão de grande quantidade de cáustico associa-se a achado de lesões mais graves na laparotomia, sendo estes doentes que mais poderão beneficiar com cirurgia precoce(22,61-64). A cirurgia diferida tem indicação na reconstrução da continuidade do tubo digestivo em doentes esofagectomizados; a plastia ideal é a interposição de cólon, geralmente mais de 6 meses após a queimadura(18,63,64). A cirurgia tem lugar, igualmente, no tratamento das complicações a médio prazo, como seja a resolução de estenoses gástricas ou o fracasso da dilatação nas estenoses esofágicas. A longo prazo tem indicação no tratamento do carcinoma espinhocelular, sequela tardia, mas com incidência elevada nas vítimas da ingestão de cáusticos. Apresenta-se um algoritmo de abordagem diagnóstica e terapêutica, necessariamente genérico, consubstanciado na tabela 3. Nutrição parentérica total A nutrição parentérica total (NPT) é indispensável nos casos mais graves, quando a opção não é a alimentação por sonda nasoentérica ou por jejunostomia. Por outro lado, alguns autores atribuem-lhe a vantagem suplementar de poder evitar a formação de estenoses(13), embora essa possibilidade não seja inequívoca. O efeito deletério do traumatismo alimentar a nível da queimadura esofágica ou gástrica associado à potencial colonização bacteriana, poderão agravar e perpetuar a reacção inflamatória exacerbando a fibrose(55). Colocação de stent Outros investigadores ensaiaram a introdução de próteses de silicone no esófago com lesão cáustica grave, no intuito de prevenir a evolução estenótica, com eficácia não universalmente aceite(56,57). Dilatação precoce Como atrás se disse, a fase sub-aguda, entre os 5 e 15 dias pós ingestão de cáustico, é o período de maior fragilidade da parede esofágica dada a avulsão do material necrótico substituído gradualmente por tecido de granulação. Alguns autores preconizam o início de dilatação precoce para profilaxia de estenose cicatricial(58), mas este procedimento não é recomendado, dado o risco acrescido de perfuração. Tratamento de estenoses A resolução por dilatação endoscópica periódica de estenoses curtas no esófago é exequível e razoavelmente bem sucedida. Estenoses antro-pilóricas que requeriam, habitualmente, terapêutica cirúrgica, também podem ser tratadas com sucesso por dilatação endoscópica. A aplicação intra-lesional de corticóide de acção prolongada pode melhorar os resultados, reduzindo a frequência de dilatação(59,60). As sessões de dilatação iniciam-se geralmente à 3ª ou 4ª semana de ingestão de cáustico, após diagnóstico radiológico da estenose. INGESTÃO DE CORPOS ESTRANHOS Aspectos Epidemiológicos e História Natural Os corpos estranhos podem classificar-se em dois tipos: impactos alimentares e verdadeiros corpos estranhos. Estes últimos podem subdividir-se, consoante as suas caracteristicas morfológicas e toxicológicas, em rombos, cortantes ou pontiagudos, e tóxicos ou não tóxicos. 35 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS TABELA 3 – ALGORITMO DE ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA (*) Investigar: -Tipo de substância -Volume -Concentração -Ingestão acidental Evitar vómito provocado ou auto-induzido Ingestão de cáustico Dificuldade respiratória? Estabilização hemodinâmica Assegurar vias aéreas Nada per os Laringoscopia directa Intubação orotraqueal ou traqueostomia Radiografia simples do tórax e abdómen Perfuração Não Sim Endoscopia Cirurgia urgente 0-2a 2b-3a Tratamento sintomático Avaliação psiquiátrica se intenção suicída 3b Nutrição nasoentérica Prevenção estenoses de Opção A (?) Opção B (?) -Corticóides -Antibióticos -Antisecretores Stent Rx com contraste baritado aos 14 dias e cada 2 semanas durante 8 semanas Opções A e B – eficácia não provada Estenose Cirurgia electiva Tratamento endoscópico dilatações anterógradas / Stent (?) Fracasso (*) Adaptado de Montoro Huguet M. y García Cabezudo J. Lesiones por ingestión de cáusticos. © AEG - Asociación Española de Gastroenterología (www.aegastro.es) 36 Américo Silva e António Castanheira rias (2-10%), das pilhas (1-3%) e moedas (12%). Por vezes ocorrem situações bizarras como a ingestão de insectos (figura 3), de casca de amêijoa (figura 4) e mesmo ratos vivos com fins supostamente terapêuticos(68). A ingestão do corpo estranho pode ser voluntária ou involuntária e, neste caso, perceptível ou não. Independentemente da forma como se dá a ingestão, podemos deparar com três situações, a saber: 1. Uma fatalidade, habitualmente como consequência da obstrução da árvore respiratória. Esta ocorrência é cada vez menos frequente, com o conhecimento mais ou menos generalizado da manobra de Heimlich. 2. A resolução espontânea, entendendo-se como tal a transposição do cardia, que sucede na maioria dos casos (80-90%). Não significa, contudo, a solução do problema, pois as complicações podem acontecer durante o seu trânsito no tubo digestivo, e motivar a ida a um serviço de urgência no prazo de horas, dias ou mesmo meses. FIGURA 3 - INSECTO NO ESÓFAGO 3. Por último, a impactação esofágica do corpo estranho que ocorre em 10 a 20% dos casos, motivando a procura imediata ou a curto prazo de cuidados médicos. A análise de onze séries publicadas(3e a experiência nacional apresentada (HUC, H.S.Teotónio - Congresso Nacional Gastrenterologia – Vilamoura 2005; e H. S. Marcos - Reunião Anual do NGHD) permitenos afirmar relativamente a aspectos epidemiológicos que, apesar da ingestão de corpos estranhos ocorrer em qualquer idade, é particularmente frequente nas crianças com idades compreendidas entre os seis meses e os três anos, nos adultos com deficiência mental, psico-motora ou doença psiquiátrica, nos alcoólicos, e quando se pretende ganho secundário com o acto (ex.: presidiários para obtenção de melhores condições ou tentativa de fuga; como chamada de atenção familiar). Os corpos estranhos mais frequentes são os impactos alimentares (34-59%), seguidos dos ossos e espinhas (16-18%), das próteses dentá- 9,17,65-67) FIGURA 4 - CASCA DE AMÊIJOA NO ESÓFAGO O esófago é o local de impactação mais frequente do tubo digestivo, ocorrendo nos 2/3 inferiores em 38 a 52% e no 1/3 superior em 23 a 36% dos casos, logo seguido do estômago (716%) e da faringe/cricofaríngeo (6 a 16%). Outras áreas importantes de impactação são o arco duodenal e a válvula ileo-cecal (< 2%). O conhecimento da normal anatomia esofágica e dos seus locais de estreitamento fisiológico é importante, pois permite-nos 37 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS identificar as áreas de maior risco de impactação, que são: o músculo cricofaríngeo / esfíncter esofágico superior (E.E.S.) a 15-17 cm dos incisivos (figura 5); o arco aórtico (A.A) a 23 cm dos incisivos (figura 6); o ramo principal do brônquio esquerdo (R.P.B.E) a 27 cm dos incisivos (figura 7); o esfíncter esofágico inferior (E.E.I.) a 36-38 cm dos incisivos (figura 8). FIGURA 7 - IMPACTAÇÃO NO R.P.B.E. FIGURA 5 - IMPACTAÇÃO NO E.E.S. FIGURA 8 - IMPACTAÇÃO NO E.E.I. Comparando os diferentes aspectos epidemiológicos entre o impacto alimentar e os verdadeiros corpos estranhos, verificamos que: 1. O impacto alimentar esofágico é mais frequente nos idosos, ao contrário dos verdadeiros corpos estranhos, que são mais frequentes nas crianças. FIGURA 6 - IMPACTAÇÃO NO A.A. 2. A ingestão de verdadeiros corpos estranhos nos adultos é maioritariamente voluntária, ao contrário das 38 Américo Silva e António Castanheira crianças em que é acidental e, muitas vezes, consequência da sua curiosidade explorativa do meio que a rodeia. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA A abordagem inicial, no Serviço de Urgência, não é efectuada por um gastrenterologista na grande maioria dos nossos Hospitais. O internista ou cirurgião poderão, em alguns casos, ter de implementar medidas emergentes no sentido de restabelecer a permeabilidade das vias respiratórias. Quando tal não é necessário, a colheita de elementos como o tipo de corpo estranho ingerido, o timing de ingestão, a sintomatologia associada, a existência ou não de patologia digestiva prévia, são importantes para a posterior decisão terapêutica. O exame objectivo deve centrar-se na detecção de complicações. A laringoscopia directa deverá ser o prolongamento do exame objectivo podendo, ocasionalmente, permitir a observação e remoção do corpo estranho e assim a resolução imediata do problema. 3. O impacto alimentar esofágico está habitualmente associado a patologia esofágica adquirida no adulto, a malformações anatómicas nas crianças, e a problemas de dentição ou ao uso de próteses dentárias nos idosos. ASPECTOS CLÍNICOS A maioria dos pacientes é capaz de relatar a história da ingestão do corpo estranho. Outros, no entanto, pela idade, por alterações mentais ou psiquiátricas, não fornecerão qualquer informação. Os sintomas são variados e muitas vezes inespecíficos, dependendo fundamentalmente do local de impactação, do grau de obstrução e da existência de complicações associadas. Incluem graus variados de disfagia, odinofagia e dor torácica. Com a obstrução esofágica completa surge a sialorreia e a regurgitação. Até 5% dos pacientes manifestam sintomas sugestivos de obstrução respiratória (69), com dispneia, estridor e tosse, consequência da impactação do corpo estranho no crico-faríngeo e esfíncter esofágico superior, por compressão da traqueia ou mesmo por aspiração do corpo estranho ou secreções. Crianças mais jovens e indivíduos com alterações mentais ou psiquiátricas podem apresentar-se no Serviço de Urgência em choque, com dificuldade respiratória, recusa alimentar, vómitos, impossibilidade de deglutição da saliva, pneumonias de repetição, devendo os corpos estranhos ser incluídos no diagnóstico diferencial destas situações. Sinais como tumefacção, eritema, tensão, crepitação na região cervical, indiciam perfuração orofaríngea ou do esófago proximal. O abdómen deve ser observado para exclusão de sinais de peritonite ou obstrução intestinal. Papel dos meios de diagnóstico não endoscópicos – A Imagiologia A imagiologia tem um papel importante na abordagem diagnóstica do doente que ingeriu um corpo estranho, a radiografia simples torácica e abdominal, em dois planos, permite a identificação, a caracterização, a localização e, quando for caso disso, a monitorização da progressão ao longo do tudo digestivo de um corpo estranho radiopaco. Doentes assintomáticos no momento da observação no Serviço de Urgência, têm estudos radiológicos positivos em 15% dos casos(69) enquanto nos sintomáticos detectar-se-á algum tipo de alteração na maioria dos exames. Estima-se, no entanto, a ocorrência de 0,5% falsos negativos e 20% falsos positivos(70,71). A radiografia simples toraco-abdominal permite estabelecer o diagnóstico de complicações como a perfuração, pela presença de ar livre a nível sub-cutâneo na região cervical ou torácica, no mediastino ou no peritoneu. Mais raramente pode revelar uma migração extra-digestiva de um corpo estranho. 39 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS A utilização de contraste deve evitar-se pois pode inviabilizar ou dificultar, de certa forma, a realização de endoscopia digestiva alta (EDA), e está contra-indicado em doentes com sintomas de manifesta obstrução. Na suspeita de perfuração deverá utilizarse gastrografina como meio de contraste, que poderá estabelecer o local de rotura (figura 9). A intervenção será sempre necessária quando a impactação de um corpo estranho ocorre no esófago, devendo esta acontecer no prazo máximo de 12 a 24 hrs, dependendo do tipo de objecto em causa. Pelo risco acrescido de complicações, especial atenção deverá ser dada aos corpos estranhos pontiagudos ou cortantes, cuja remoção deve ser feita antes da sua passagem para lá do estômago. Relativamente ao grau de urgência da intervenção, esta deverá ser emergente quando o corpo estranho ou bólus alimentar impactado causam alto grau de obstrução, condicionando risco de aspiração ou asfixia; quando se trata de um objecto pontiagudo ou cortante, pilhas ou disco de bateria alojados no esófago ou estômago; ou quando o tempo de impactação é desconhecido. Ciriza et al, num trabalho prospectivo envolvendo 122 doentes(73) admitidos por suspeita de corpo estranho ou impactação alimentar esofágica, concluiram que o início imediato de sintomas após ingestão do corpo estranho e a presença de disfagia no momento de observação no Serviço de Urgência indicam, com uma sensibilidade de 86% e especificidade de 63%, que o corpo estranho irá ser encontrado no esófago, tornando assim necessária e urgente a intervenção. A abordagem terapêutica vai depender de vários factores, como a idade e condição clínica do doente, o local de impactação e característica do corpo estranho, a experiência pessoal e da própria instituição. São várias as opções terapêuticas disponíveis, passando pela endoscopia flexível e rígida, pela eventual utilização de tipos variados de cânula balão (exemplo: Foley), dilatadores ou fármacos, ficando a cirurgia reservada à falência do método endoscópico ou perante o diagnóstico de algumas complicações. Não existem estudos controlados prospectivos comparando os diferentes métodos, fundamentalmente pela variabilidade de factores envolvidos, como: diferentes localizações, tamanhos e formas dos corpos estranhos; diferentes tempos de impactação; presença ou ausência FIGURA 9 - PERFURAÇÃO ESÓFAGICA - TRÂNSITO COM GASTROGRAFINA O TAC e a RMN raramente são necessários, podendo, no entanto, ser úteis nos seguintes casos: corpos estranhos de pequenas dimensões, como espinhas ou esquírolas ósseas na hipofaringe e no esófago cervical; na avaliação das complicações pré e pós-remoção; na caracterização da extensão da lesão na parede digestiva; no diagnóstico de abcessos intra e extra-murais; na avaliação da extensão de massas cervico-torácicas e a sua relação com as estruturas neuro-vasculares(72); na ocorrência de mediastinite; e, por último, em casos duvidosos com RX/EDA “normais” mas com persistência de sintomas Papel do Gastrenterologista e da Endoscopia Digestiva Ao gastrenterologista cabe decidir da necessidade ou não de intervenção, do grau de urgência da mesma e dos meios a utilizar. 40 Américo Silva e António Castanheira de patologia esofágica associada; nível variado de experiência do endoscopista. Os métodos endoscópicos, como técnica de remoção de corpos estranhos foram pela primeira vez descritos em 1936 por Chevalier Jackson, e a primeira utilização da endoscopia flexível ocorreu em 1972. Desde essa data, a endoscopia digestiva alta tem adquirido vantagem, pela facilidade técnica, com excelente visualização e possibilidade de remoção de corpos estranhos até ao duodeno, pela baixa morbilidade, por evitar a anestesia geral na maioria dos adultos e em algumas crianças, reduzindo assim os custos do procedimento e, também, pela possibilidade de diagnóstico incidental de outras patologias. A endoscopia flexível é, na actualidade, o melhor método de diagnóstico e terapêutica. No entanto, para a sua total eficácia, o gastrenterologista deverá ter disponível uma variedade de equipamentos acessórios(74), nomeadamente: pinça de corpos estranhos, ansas de polipectomia, cesto de Dormia e overtubes com diferentes comprimentos, que possam permitir a remoção de corpos estranhos no esófago ou no estômago. O apoio da anestesia é, em algumas circunstâncias, crucial para o sucesso final do procedimento. Como é natural a avaliação dos meios a utilizar deve ser feita caso a caso e depende muito da experiência do endoscopista. Apoiando-nos nas guidelines da ASGE e da SPED(74,75) e em múltiplos trabalhos publicados, vamos rever, seguidamente, as recomendações terapêuticas relativas à impactação alimentar esofágica e à ingestão dos diferentes tipos de verdadeiros corpos estranhos e, por último, descrever as complicações a eles associadas. mento luminal ou alterações da motilidade; 2º da natureza e volume dos alimentos deglutidos. Na realidade constatamos que, na presença de patologia esofágica (observada em 25% dos doentes(77) submetidos a endoscopia por corpo estranho) e quando os alimentos, particularmente a carne, são mal mastigados e rapidamente deglutidos, pode ocorrer a impactação alimentar esofágica. FIGURA 10 - IMPACTAÇÃO ESOFÁGICA - BÓLUS ALIMENTAR A remoção endoscópica deverá ser imediata quando o doente se apresenta com dificuldade respiratória, está incapaz de deglutir as secreções orais, ou quando o tempo de impactação é desconhecido. Se está confortável, sem risco de aspiração e capaz de deglutir as secreções salivares, a intervenção não necessita de ser emergente, devendo contudo ocorrer nas 12 horas imediatas à admissão. Consegue-se, dessa forma, diminuir o risco de complicações. Por vezes, durante o período de espera, dá-se a resolução espontânea da impactação. A observação endoscópica permite identificar o tipo de bolus alimentar, o local de impactação e a existência de patologia esofágica associada. As opções terapêuticas mais frequentemente utilizadas são: 1 - remoção em bloco ou por fracções; 2 - empurramento para o estômago em bloco ou por fracções; 3 sucção sob visão directa, utilizando o cilindro Impactação Alimentar Esofágica A impactação esofágica de um bólus alimentar (figura 10) constitui a causa mais comum de “corpo estranho” esofágico nos adultos, sendo raramente observado nas crianças(76). Resulta, habitualmente, da combinação de dois factores: 1º da presença de patologia esofágica que condicione estreita41 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS de Stiegman da laqueação de varizes; 4 - a conjugação das técnicas anteriores; 5 - a utilização de fármacos isolados ou em associação às técnicas anteriores. A remoção em bloco ou por fracções com auxílio de pinça de corpos estranhos, ansa de polipectomia ou cesto Dormia, deve ser feita quando o bólus é volumoso, contém espinhas ou ossos ou quando existe estenose esofágica. Quando a opção é o empurramento em bloco ou por fracções, deverá ser excluída a existência de estenose esofágica e, o procedimento efectuar-se-á sob visão directa, exercendo uma suave pressão, preferencialmente sobre o lado direito do bólus. Historicamente, os fármacos mais utilizados são o glucagon, o diazepam e os enzimas proteolíticos. O glucagon é de utilização segura não devendo, no entanto, atrasar a realização da endoscopia(77,78). Ao actuar sobre fibra muscular lisa, relaxando os 2/3 inferiores do esófago e diminuindo a pressão do EEI, pode promover a passagem espontânea do bólus alimentar. A dose óptima parece ser 0,5 mg, todavia, na práctica clínica utiliza-se 1 e 2 mg podendo repetir-se(79). Está contraindicada a sua utilização na suspeita de feocromocitoma ou insulinoma. Alguns autores associam o diazepam ao glucagon para promover o relaxamento das fibras musculares estriadas. Os poucos trabalhos publicados não mostram diferença estatisticamente significativa(80) entre a utilização de glucagon+placebo vs glucagon+diazepam (32% vs 38%). Os efeitos secundários da terapêutica com glucagon incluem nauseas, vómitos e hiperglicémia(12,81). Os enzimas proteolíticos e os comprimidos libertadores de gás que em tempos foram utilizados estão, actualmente, contraindicados em absoluto. Foram responsabilizados por erosões, perfurações, hipernatrémias e edema pulmonar hemorrágico, no caso da papaína(81) e, perfuração ou rotura esofágica, no caso dos comprimidos libertadores de gás(12). Após resolução do impacto alimentar, mesmo quando espontânea, é obrigatória a avaliação endoscópica cuidada de todo o esófago, não só para despiste de patologia subjacente, mas também de eventuais complicações resultantes do procedimento ou da impactação. Corpos Estranhos Pontiagudos e/ou Cortantes Uma grande diversidade de corpos estranhos pontiagudos ou cortantes ingeridos, voluntária ou involuntariamente, aparecem descritos na literatura. Os mais frequentes são, indiscutivelmente, as espinhas de peixe (figura 11) e os ossos de galinha, mas as agulhas, alfinetes, clips, palitos metálicos ou de madeira, e as próteses dentárias (figura 12) também ocorrem comummente e, como os primeiros, são responsáveis e estão associados às complicações mais graves. A suspeita de ingestão de um corpo estranho pontiagudo ou cortante implica a realização de endoscopia digestiva alta, mesmo na presença de um exame radiológico negativo, dado que a maioria das esquírolas ósseas ou espinhas não são demonstráveis radiologicamente. FIGURA 11 - REMOÇÃO DE ESPINHA COM PINÇA DE CORPOS ESTRANHOS Um objecto pontiagudo ou cortante alojado no esófago constitui uma emergência médica, pois quanto maior for o tempo de impactação, maior é o risco de complicações. A localização gástrica ou no duodeno proximal, por descida 42 Américo Silva e António Castanheira Os acessórios a utilizar durante a remoção endoscópica, nomeadamente overtubes, campânula de Ballard, e mesmo adaptações como, neste caso, um cilindro de sistema de laqueação de varizes esofágicas (figura 13), dependerão sempre da experiência do operador e do seu julgamento caso a caso. espontânea ou após manipulação, obriga a atitude terapêutica endoscópica imediata(69,82) com remoção, dado o risco acrescido de complicações como a perfuração, 15-35%(83-85), associadas ao seu trânsito pelo tubo digestivo. FIGURA 12 - PRÓTESE DENTÁRIA IMPACTADA NO ESÓFAGO FIGURA 13 - PRÓTESE DENTÁRIA COM PONTE METÁ- LICA REMOVIDA COM UTILIZAÇÃO DE Não existem normas rígidas para a remoção de corpos estranhos pontiagudos, devendo, no entanto, algumas regras ser respeitadas. Assim, o procedimento deverá ser efectuado sempre sob visão directa e, especial atenção será prestada à extremidade pontiaguda (figura 11), que deverá ser orientada distalmente. Na impactação esofágica, a libertação do corpo estranho pontiagudo da parede do esófago com segurança é um aspecto terapêutico da máxima importância. Y.T. Jeen et al(86) propuseram a utilização de um balão insuflável adaptado à extremidade distal do endoscópio que, ao ser insuflado, afasta as paredes do esófago promovendo a libertação do corpo estranho e a sua posterior remoção, diminuido assim o risco de complicações. Os corpos estranhos pontiagudos alojados na região da hipofaringe, no cricofaríngeo e no esófago proximal junto ao esfíncter esofágico superior, representam um desafio adicional e, por vezes, serão removidos de forma mais segura por laringoscopia directa no primeiro caso, ou por endoscopia rígida com anestesia geral no segundo. CILINDRO DE LAQUEAÇÃO DE VARIZES ESOFÁGICAS Quando o corpo estranho pontiagudo ou cortante está fora do alcance do endoscópio, o seu trânsito ao longo do tubo digestivo deverá ser monitorizado, com realização de radiografias diárias, para documentar a sua passagem ou detectar eventualmente e de forma precoce, uma complicação. Os doentes deverão iniciar uma dieta rica em fibras e os laxantes ou procinéticos estão contra-indicados; por outro lado, devem ser instruídos no sentido do recurso imediato ao Serviço de Urgência em caso de dor abdominal, vómitos, febre e hematemeses ou melenas. A abordagem cirúrgica será considerada quando o objecto pontiagudo não progredir por três dias consecutivos. Corpos Estranhos Rombos vs Longos A ingestão de objectos rombos é mais frequente nas crianças, ocupando as moedas um lugar de destaque. Os objectos rombos são, 43 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS grafia semanal é suficiente para seguir a progressão ou confirmar a expulsão. Um objecto que permaneça uma semana na mesma localização ou na ocorrência de sintomas indiciadores de complicação obstrutiva, ou outra, está indicada cirurgia imediata(3,16). Os objectos com comprimento superior a 6 cm (figura 14) não ultrapassam habitualmente o arco duodenal, devendo, por isso, ser removidos endoscopicamente(88,93). A utilização de overtube é aconselhável, de preferência um overtube longo (45 cm) que ultrapasse a junção gastroesofágica. A remoção “overtube+endoscópio+corpo estranho” deverá ser feita em bloco(94). habitualmente, fáceis de remover e estão associados a menor número de complicações. Quando a sua passagem para o estômago está confirmada, é permitida, na maioria dos casos, uma atitude conservadora(5,8,9,87). No entanto, se esta passagem se verifica durante a endoscopia, muitos autores preconizam a sua remoção(4,88). As complicações da ingestão de moedas são raras e incluem: falência na progressão no tubo digestivo, aspiração e obstrução respiratória, erosões ou ulcerações da mucosa e formação de fístulas(9,89). Quando alojadas no esófago (figura 5-8), são facilmente removidas com pinça de corpos estranhos tipo dente de rato ou “alligator”(3,85,89,90). Outra alternativa para remoção de moedas alojadas no esófago, por vezes utilizada por pediatras em centros onde a endoscopia não está facilmente disponível, é a utilização de sonda balão tipo Foley, com apoio radiológico. Este método é eficaz e as complicações são raras. No entanto, convém referir que não há controlo sobre o corpo estranho durante a remoção, sendo real o risco de aspiração, e não se exclui a existência de patologia esofágica associada (16,91,92). Quando a remoção do corpo estranho rombo alojado no esófago é impossível por endoscopia flexível ou rígida, a alternativa será o empurramento para o estômago. A decisão posterior estará dependente da dimensão do corpo estranho, podendo a atitude ser conservadora se for inferior a 25 mm. Se a dimensão for superior a 25 mm, a transposição do piloro geralmente não ocorre, devendo ser tentada de novo a remoção endoscópica, com apoio eventual de outros acessórios. A cirurgia será a última alternativa. Se o corpo estranho já não está acessível ao endoscópio, será expelido nas fezes ao fim de 4 a 6 dias, na maioria das situações. Pode, contudo, demorar mais tempo, havendo casos descritos de 4 semanas. Os pacientes devem ser aconselhados a uma dieta rica em fibra e a vigiar as fezes. Caso se trate de um objecto rombo radiopaco a realização de uma radio- FIGURA 14 - PARAGEM DE PROGRESSÃO DE CORPO ESTRANHO LONGO, METÁLICO. Pilhas ou Discos de Bateria A ingestão de pilhas ou discos de bateria ocorre mais frequentemente nas crianças, que as deglutem de forma involuntária, ao contrário dos adultos que, na maioria das vezes, o fazem voluntariamente para ganho secundário. A maioria das séries aponta para uma incidência de 65 a 70% nas crianças vs 30 a 35% nos adultos(95). A impactação no esófago deste tipo de corpos estranhos é uma emergência endoscópica dado que a necrose de liquefação e a perfuração podem ocorrer 44 Américo Silva e António Castanheira rapidamente(95,96). Maves et al demonstraram (97) que as alterações da mucosa ocorrem no prazo de 1 hr, progredindo para a perfuração em 8-12 hrs. Os mecanismos envolvidos na agressão da mucosa são: 1) Acção corrosiva directa; 2) Queimadura de baixa voltagem; 3) Necrose de pressão (19). O mecanismo mais importante no desencadear da maioria das lesões parece ser a acção corrosiva directa dos químicos alcalinos (12). A regra de ouro relativamente à impactação de pilha ou disco de bateria no esófago é a sua remoção imediata utilizando os meios julgados mais eficazes, eventualmente com entubação endotraqueal ou ajuda de overtube, para adequada protecção da árvore respiratória. Quando a pilha ou o disco de bateria está alojada no esófago e a remoção endoscópica é impossível, deverá ser empurrada para o estômago. Na localização gástrica, a remoção com um cesto Dormia é habitualmente fácil. Por sua vez, a decisão da remoção ou não, depende da dimensão da pilha ou do disco de bateria ou seja: se inferior a 25 mm a atitude poderá ser conservadora, pois o trânsito processa-se na maioria das vezes sem complicações, sendo o objecto expulso até às 96 hrs (85% são expulsos em 72 horas após transposição duodenal(98). Se for esta a opção, deverá efectuar-se radiografia às 48 horas(95). No caso de a pilha ou o disco permanecer no estômago, deverá ser removido endoscopicamente. Por este motivo, em nossa opinião, deverá sempre ser tentada a remoção endoscópica inicial e assim resolver, em definitivo, o problema. Se a pilha ou disco de bateria tiverem dimensão superior a 25 mm, as possibilidades de transposição do piloro são diminutas e, mesmo que esta se verifique, o risco de impactação jejunal é elevado. Nesta circunstância, está sempre indicada a remoção endoscópica imediata. Todavia, se todas as possibilidades de remoção endoscópica estão excluídas e a expulsão natural não ocorre, ou se durante o trânsito intestinal surgem compli- cações a alternativa é cirúrgica. Se a pilha ingerida for de óxido de mercúrio, existe o risco adicional de intoxicação por este composto(69). A administração de eméticos, catárticos, inibidores da bomba de protões não tem qualquer valor comprovado. Registe-se inclusivamente um caso de re-impactação esofágica após uso de eméticos, descrito na literatura (95). A lavagem gástrica pode, caso se trate de discos de bateria, facilitar e promover a passagem do piloro(99), não sendo também aconselhada. Narcóticos - “body packing” A deglutição de cocaína ou outros narcóticos envolvidos em invólucros plásticos, de látex ou de outra natureza, ocorre muitas vezes na tentativa de tráfico de drogas através de fronteiras ou , em desespero, numa rusga ou fuga policial(100). A remoção endoscópica não está aconselhada e, perante um quadro de “body packing”, os invólucros podem ser demonstráveis radiologicamente ou por TAC em 70 a 90% dos casos. Porém, os falsos negativos acontecem com frequência(101,102). Aconselha-se internamento em Hospital com Unidade de Cuidados Intensivos Gerais, preconizando-se uma atitude de “vigilância armada” devido à possibilidade de rotura do invólucro, designadamentede quando é frágil ou há paragem de progressão, com ou sem oclusão intestinal. A suspeita clínica de rotura tem lugar quando o quadro semiológico inclui taquicardia, arritmias, hipotensão ou hipertensão, diaforese, tremores, hipertermia, agitação psicomotora ou de forma mais dramática depressão respiratória e coma. Perante esta evolução clínica impôem-se medidas celeres de reanimação e cirurgia. Complicações da ingestão de corpos estranhos As complicações decorrem habitualmente das características morfológicas do corpo estranho (dimensão, forma, composição), da 45 INGESTÃO DE CÁUSTICOS E CORPOS ESTRANHOS sua impactação, ou como consequência da sua manipulação durante a tentativa de remoção. A.T.Y.Lai et al em estudo retrospectivo (103) que englobou 1338 casos de ingestão de corpo estranho concluíram que os factores de risco preditivo de desenvolvimento de complicações, após ingestão de corpo estranho são: 1 - Recurso tardio ao Serviço de Urgência (> 48hr); 2 - Corpo estranho visível no Rx cervical; 3 - Corpo estranho impactado no cricofaríngeo ou 1/3 superior do esófago. Complicações ligeiras traduzidas por edema, erosões, lacerações superficiais, hematomas ou alterações respiratórias discretas, ocorrem em 15 a 42% dos casos de ingestão de corpo estranho(85,104-106). A abordagem terapêutica destas complicações é médica. Menos frequentemente, ocorrem complicações mais graves (0,5 a 7,5%), como a perfuração (figuras 9 e 15), a formação de fístulas (traqueo-esofágica ou aorto-esofágica) e abcesso extra ou intra-mural(85,104-106). A abordagem terapêutica destas complicações é mais complexa, sendo na maioria delas necessária a intervenção cirúrgica. A perfuração é a complicação severa mais frequente, e a fístula aorto-esofágica é a mais fatal(107-109). O período de latência entre a ingestão de um corpo estranho e a formação de uma fístula varia entre 1 e 3 semanas, podendo ocorrer anos mais tarde(104). Mais raramente, pode dar-se a migração do corpo estranho para o mediastino, pulmões, brônquios, peritoneu, originando, por vezes, quadros sintomáticos inexplicáveis. Conclusões A ingestão de cáusticos e de corpos estranhos constitui uma situação clínica relativamente frequente e potencialmente mortal, podendo necessitar de uma abordagem multidisciplinar de urgência ou diferida, por intensivistas, ORL, pneumologistas, gastrenterologistas, especialistas em nutrição e cirurgiões. Em relação à ingestão de cáusticos é importante a monitorização intensiva dos casos mais graves. Salientamos o risco de perfuração na fase aguda e a evolução estenótica frequente das lesões do 2º e 3º graus. É discutível a eficácia dos corticóides e antibioterapia na prevenção da formação de estenoses. O risco aumentado de carcinoma espinho-celular obriga a uma vigilância a longo prazo. Não existem regras “standard” para a remoção de corpos estranhos do tubo digestivo, uma vez que cada caso é único e o sucesso depende de uma variedade de factores. O bom senso, a experiência e a existência de equipamento adequado, permitem ao gastrenterologista uma actuação endoscópica segura e eficaz, na maioria das situações. A endoscopia rígida poderá ser útil em corpos estranhos localizados na proximidade do esfíncter esofágico superior e em algumas impactações esofágicas que não se conseguem resolver com endoscopia flexível. O papel do cirurgião está, na actualidade, limitado a algumas complicações e a sua intervenção inicial, na remoção do corpo estranho, só é necessária numa percentagem residual (< 1%) de casos. FIGURA 15 - COMPLICAÇÕES: PERFURAÇÃO DE DIVERTÍCULO DE MECKEL POR ESPINHA (CEDIDA PELO SERVIÇO DE CIRURGIA I H.S. TEOTÓNIO - VISEU - DIRECTOR: DR. JOÃO LEITÃO 46 Américo Silva e António Castanheira BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. Simic MA, Budakov BM. Fatal upper esophageal hemorrhage caused by a previously ingested chicken bone: case report. Am J Forensic Med Pathol 1998;19:166-8. Bennet DR, Baird CJ, Chan KM , et al. Zinc toxicity following massive coin ingestion. Am J Forensic Med Pathol 1997;18:148-53. Webb WA. Management of foreign bodies of the upper gastrointestinal tract; update. Gastrointestinal Endoscopy 1995; 41: 39-51. Kim JK, Kim SS, et al. Management of foreign bodies in the gastrointestinal tract; an analysis of 104 cases in children. Endoscopy 1999; 31: 302-304. Panieri E, Bass DH. The management of ingested foreign bodies in children – a review of 663 cases. Eur. J. Emerg. Med. 1995;2:83-7. 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Sucessful salvage of aortoesophageal fistula caused by a fish bone. Ann Thorac Surg. 1996;61:1843-1845. 51 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA MARGARIDA SAMPAIO Serviço de Urgência com hemorragia digestiva alta, focando aspectos da avaliação inicial, da ressuscitação e estabilização hemodinâmica, do papel da endoscopia alta e da avaliação prognóstica. Nos próximos dois capítulos serão abordados de uma forma mais específica as hemorragias de causa varicosa e não varicosa. INTRODUÇÃO A hemorragia digestiva alta (HDA) é um dos motivos mais frequentes de admissão nas urgências hospitalares. É duas vezes mais frequente nos homens do que nas mulheres e aumenta com a idade, variando a incidência anual entre 36 e 102 por 100 000 habitantes(1-4). Associa-se a morbilidade, mortalidade e custos financeiros significativos e, apesar de todos os avanços em endoscopia digestiva e farmacoterapia das últimas décadas, a taxa de mortalidade permanece elevada, entre os 6 e 10% (1, 5-7). Este facto poderá ser atribuído ao envelhecimento da população e ao aumento da prevalência da comorbilidade, verificando-se que a maioria dos doentes com hemorragia morrem não por causa do episódio de hemorragia, mas em consequência de descompensação de outras doenças(1,3). A endoscopia digestiva alta tem um papel fulcral na abordagem do doente com HDA. Deve ser efectuada precocemente após a admissão(8,9) permitindo identificar a causa de hemorragia em 80 a 90% dos casos(10,11). O espectro de lesões que podem causar HDA é diverso. A úlcera péptica continua a ser a causa mais frequente seguindo-se as varizes gastroesofágicas(6,12-14). A terapêutica hemostática endoscópica nas úlceras de alto risco e nas varizes, reduz a necessidade de transfusão sanguínea, a necessidade de cirurgia e a duração do internamento hospitalar(9). Neste capitulo irei debruçar-me sobre a abordagem do doente que se apresenta no Avaliação inicial A abordagem inicial do doente com suspeita de HDA inclui uma breve história clínica e exame físico sumário, focados na identificação da etiologia da hemorragia e na avaliação da gravidade da hemorragia. Os principais sintomas da hemorragia alta são as hematemeses (vómitos de sangue vivo ou digerido) e as melenas (fezes negras, viscosas e com cheiro característico) que surgem respectivamente em 60 a 80% e 40 a 70% dos doentes. Embora no geral, seja clinicamente óbvio se a origem da hemorragia digestiva é o trato gastrointestinal alto ou baixo, em alguns doentes surgem duvidas. As melenas indicam usualmente uma origem no trato gastrointestinal alto (acima do ligamento de Treitz) e podem ser produzidas experimentalmente pela ingestão de 100 a 200ml de sangue. No entanto, quando o volume da hemorragia baixa é demasiado pequeno para causar hematoquézia ou a motilidade cólica é muito lenta, a hemorragia com origem no intestino delgado ou no cólon proximal pode originar melenas.(15) Em oposição, a hematoquézia 53 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA alertar para a possibilidade de hemorragia varicosa. Outros problemas médicos, como a cirurgia prévia com colocação de prótese aórtica, a neoplasia gastrointestinal já conhecida, podem apontar para diagnósticos específicos(15). Na avaliação inicial é importante estimar a gravidade da hemorragia. A agitação, a palidez da pele, a taquicardia e a hipotensão podem indicar choque com necessidade de reposição de volume imediata. O choque traduz uma perda de cerca de 25% do volume total do sangue. A diminuição ortostática de 20 mmHg na pressão sistólica ou o aumento no ritmo do pulso de 20 pulsações por minuto, indicam uma depleção de pelo menos 20% do volume intravascular(21). (tabela 1) (evacuação de sangue vermelho, fezes cor de tijolo e ou coágulos) é geralmente um sinal de origem baixa da hemorragia, mas pode ocorrer nos casos de HDA maciça ou de trânsito gastrointestinal acelerado (10-15%). A descrição feita pelos pacientes pode ser indutora de erro, sendo mais fiável a observação directa do aspecto das dejecções ou a realização do toque rectal.(16-18) Em algumas circunstâncias, particularmente quando o doente apresenta perdas hemáticas rectais difíceis de caracterizar como hematoquézias ou melenas, na ausência de hematemeses, a colocação de uma sonda naso-gástrica pode ser útil na identificação da origem alta ou baixa da hemorragia(19). A demonstração de sangue no aspirado nasogástrico indicia o tracto gastrointestinal alto como a origem da hemorragia. Já a ausência de sangue no aspirado, não exclui esta origem, visto que um piloro competente pode impedir o refluxo duodenogastrico do sangue na úlcera duodenal com hemorragia(20). Embora alguns dados clínicos possam indiciar a causa provável de hemorragia, mesmo os gastrenterologistas mais experientes não conseguem prever a etiologia da hemorragia numa fracção significativa de doentes. A história passada de úlcera péptica ou de dispepsia sugerem hemorragia por úlcera. O uso de AINE e antiagregantes plaquetários associam-se ao desenvolvimento de úlceras e ao aumento de risco de hemorragia. O diagnóstico prévio de cirrose, a presença de ascite, a identificação de estigmas de doença hepática ou de hepato-esplenomegalia, devem A repercussão hemodinâmica da hemorragia é determinante, tanto das medidas necessárias para a abordagem posterior do doente, como do prognóstico. Por exemplo, um doente com instabilidade dos sinais vitais tem com elevada probabilidade uma fonte vascular importante como a úlcera péptica com vaso visível ou as varizes gastroesofágicas. O prognóstico destes doentes é pior do que o dos doentes com sinais vitais normais, e exigem uma intervenção imediata e mais agressiva(22). A avaliação analítica na admissão deve incluir hemoglobina, hematócrito, estudo da coagulação, contagem de plaquetas, tipo sanguíneo, ureia, creatinina, ionograma e “provas hepáticas”. Os valores de hemoglobina e hematócrito iniciais são maus indicadores de quantidade de sangue perdida, TABELA 1 - STATUS HEMODINÂMICO, SINAIS VITAIS E GRAVIDADE DE HEMORRAGIA Status hemodinâmico/ % de perda Gravidade da Sinais vitais de volume intravascular hemorragia Choque (hipotensão em repouso) Taquicardia ou hipotensão ortostática Normal 20-25 10-20 <10 Maciça Moderada Minor Adaptado de Rockey DC, 2005 (21) 54 Margarida Sampaio mas servem como indicadores de gravidade e decisão da necessidade de transfusão. Na hemorragia aguda, quando determinados pouco após o início da hemorragia, podem não reflectir com acuidade a quantidade de sangue perdido. Pode existir instabilidade hemodinâmica com um valor de hematócrito razoável, se a perda de sangue tiver sido rápida e a análise realizada precocemente, já que na sequência do episódio hemorrágico a restauração do volume intravascular por chamada de liquido extra vascular, pode levar 24 a 72 h sendo a descida do valor do hematócrito progressiva. Inversamente o doente com ferropenia por perdas crónicas pode apresentar-se com hematócrito muito baixo mantendo a estabilidade hemodinâmica. O volume globular médio baixo e a ferritina baixa são pistas importantes neste caso. A relação ureia/creatinina elevada resulta de elevação da azotemia, por aumento da carga de proteínas no trato gastrointestinal alto, resultante do sangue digerido, e aponta para hemorragia digestiva alta. Este achado não é específico e pode representar depleção de volume intravascular e azotemia prerenal(6,15). A realização de um electrocardiograma está indicada sobretudo no idoso, na presença de factores de risco coronário e na hemorragia grave. provas de compatibilidade de sangue. Não são necessários cristalóides a não ser que exista hipoalbuminémia severa. O pulso e tensão arterial devem ser monitorizados (são indicadores mais rápidos e fiáveis de persistência/recidiva de hemorragia que os valores laboratoriais). Quando a hemorragia é grave ou activa, é importante a inserção de um cateter urinário para avaliar o débito urinário e em casos seleccionados (doença cardiopulmonar concomitante) pode ser necessário a colocação de um cateter venoso central e a monitorização da pressão venosa central. Os doentes com instabilidade hemodinâmica persistente devem ser transferidos para uma unidade de cuidados intensivos. A ressuscitação agressiva e a monitorização em UCI parecem reduzir a mortalidade(21,22). Os critérios para avaliação da necessidade de transfusão de sangue variam em função da idade do doente, da presença de doença cardiovascular concomitante e da persistência da hemorragia. Em geral o hematócrito deve ser mantido acima de 30% nos idosos e acima dos 20% a 25% nos jovens saudáveis. Nos doentes com hipertensão portal não se deve ultrapassar os 27-28% (21). Quando o volume transfundido é elevado (> 3000 ml), o sangue deve ser aquecido(23). Os concentrados de glóbulos vermelhos são preferidos ao sangue total, sendo este reservado para circunstâncias raras, como a hemorragia maciça com necessidade de reposição rápida de grande volume, em que é necessária a reposição de factores de coagulação. Como orientação, na ausência de hemorragia activa, uma unidade de concentrado de glóbulos vermelhos eleva, em média, a hemoglobina em 1g/dl. Quando existem alterações marcadas da coagulação, por exemplo no caso de cirrose hepática, de anticoagulação oral, ou quando houve necessidade de várias transfusões (> 10 unidades de concentrado de glóbulos vermelhos), está indicada a transfusão de plasma fresco congelado, para corrigir o deficit de Estabilização Hemodinâmica/Ressuscitação A rapidez com que são instituídas as medidas de ressuscitação é curcial, já que muita da morbilidade e mortalidade associada a HDA surge em consequência do choque(22). Quanto mais grave for a hemorragia, mais vigorosas e prontas devem ser as medidas de ressuscitação. No doente com instabilidade hemodinâmica devem ser canalizadas de imediato duas veias com cateteres de grande calibre (18 gauche ou superiores), iniciando-se rapidamente a reposição do volume intravascular com coloides (soro fisiológico ou lactato de Ringer), enquanto se aguarda a realização das 55 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA factores de coagulação. A transfusão de plaquetas deve ser ponderada nos casos de hemorragia activa com contagem de plaquetas inferiores a 50000 por mm3(13,24). excluir outras causas, como a úlcera péptica, o sindroma de Mallory-Weiss, a gastropatia da hipertensão portal e a ectasia vascular antral (13). Reconhecidamente a origem da hemorragia é um dos mais importantes factores prognósticos na HDA. A hemorragia varicosa tem uma taxa de recidiva e uma mortalidade superior ás outras causas, atingindo os 30% de mortalidade no episódio inicial e variando a recidiva entre 50 e 70%(15). Relativamente á úlcera péptica, a identificação de estigmas de hemorragia como a hemorragia activa, o vaso visível e o coagulo recente, é determinante na definição do risco de recidiva de hemorragia e do prognóstico. (Tabela 3). Endoscopia – diagnóstico e hemostase Diagnóstico A endoscopia digestiva alta é fundamental na abordagem do doente com HDA. Permite localizar com acuidade a origem e avaliar a persistência e/ou o risco de recidiva da hemorragia. Na maioria das séries endoscópicas a causa de hemorragia é identificada em 90 a 95% dos episódios hemorrágicos e em 20 a 30 % existe mais do que uma causa potencial de hemorragia. As três etiologias mais frequentes são a úlcera péptica, as lesões agudas gastroduodenais e as varizes esofágicas (5,12-14). (Tabela 2). A dimensão e localização da úlcera e do vaso sangrante têm também importância. A recidiva hemorrágica é mais frequente nas úlceras maiores que 2 cm e vasos com mais de 1mm. A parte alta da pequena curvatura do estômago e parede posterior do bulbo são localizações desfavoráveis pela proximidade, No doente com cirrose hepática as varizes são a causa da hemorragia digestiva em 50 a 90% dos casos. A endoscopia urgente permite TABELA 2 - CAUSAS DE HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA IDENTIFICADAS EM SÉRIES ENDOSCÓPICAS Causa de hemorragia Frequência (%) Laine 2001 (ref 15) Sofia e col 1992 (ref 12) Ulcera péptica Varizes gastroesofágicas Mallory-Weiss Gastroduodenite erosiva Esofagite erosiva Neoplasias 35-62% 4-31% 4-13% 3-11% 2-8% 1-4% 45,6% 27,5% 4,0% 11,5% 4,3% 2,1% Causa não identificada 7-25% 8,1% TABELA 3 - ESTIGMAS ENDOSCÓPICOS E RISCO DE RECIDIVA NA HEMORRAGIA POR ÚLCERA Estigmas Hemorragia activa Vaso visível Coagulo aderente Outros Base limpa Incidência (%) 8% 15-50% 18-20% 12-18% 10-36% Adaptado de ref 15 56 Risco de persistência/recorrência (%) 85-100% 18-55% 24-41% 5-9% 0% Margarida Sampaio respectivamente, das artérias gástrica esquerda e gastroduodenal(15). Reconhece-se que a endoscopia precoce, geralmente definida como a realizada nas primeiras 24 horas(25), reduz a necessidade de recursos, os custos hospitalares, a necessidade de transfusão e a duração do internamento hospitalar(26). No entanto, não existe consenso na determinação do momento óptimo para a realização da endoscopia alta no doente com hemorragia digestiva alta(25). Admite-se que se a urgência dispuser de um endoscopista treinado, será vantajoso que o exame seja realizado o mais próximo possível da apresentação, já que fornece informação muito importante sobre a etiologia – a EDA mais precoce parece ter maior rendimento diagnóstico (12) – sobre a actividade da hemorragia e o risco de recidiva e, permite uma abordagem do paciente mais adequada às necessidades e ao risco. Os doentes com persistência de hemorragia e os com cirrose hepática beneficiam da realização da EDA o mais precoce possível. Quando a endoscopia não é conclusiva, a angiografia é útil na abordagem diagnostica do doente com HDA. Para que neste exame se detecte o local, a hemorragia deve ser arterial e ter um débito de pelo menos 0,5 a 0,6 ml/min. Pode ajudar nos doentes com hemorragia recorrente de causa obscura e representa uma alternativa terapêutica, por exemplo, na embolização de úlceras sangrantes e neoplasias em doentes inoperáveis. Tem uma taxa de complicações graves significativa, especialmente quando se efectua embolização, devido a necrose isquémica e perfuração(27). Nos doentes com risco elevado de complicações decorrentes do exame endoscópico, como os com enfarte agudo de miocárdio no último mês, deve ser cuidadosamente ponderada a relação risco beneficio na realização da endoscopia(28). A ressuscitação adequada, definida como a estabilização hemodinâmica, antes da EDA, dos doentes com hemorragia digestiva alta, reduz significativamente a mortalidade(22). A lavagem gástrica previa á endoscopia, ajuda a remoção de sangue residual, coágulos e outros conteúdos gástricos, melhorando as condições de observação e de execução de eventual terapêutica, mas pode ser insuficiente. A administração de eritromicina endovenosa, em dose única de 3mg/Kg peso, a correr em 20 a 30 minutos, cerca de 30 a 90 minutos antes do exame endoscópico, acelera o esvaziamento gástrico e melhora as condições da endoscopia, reduzindo o tempo de execução e a necessidade de repetir o procedimento(29,30). A intubação endotraqueal, para protecção da via aérea, deve ser considerada nos doentes com risco de aspiração pelo débito de hemorragia ou falta de colaboração, nomeadamente quando existe alteração do estado de consciência. Os doentes com HDA submetidos a terapêutica endoscópica estão sujeitos a uma bacteriémia transitória pós-procedimento, que no entanto, não tem consequências na maioria dos casos. Nos doentes com risco de endocardite bacteriana devem ser cumpridas a as recomendações para profilaxia antibiótica (31). Particularmente nos doentes com cirrose hepática, os estudos recentes demonstram que a profilaxia antibiótica reduz a recorrência de hemorragia e melhora a sobrevida(24). Preparação para endoscopia A endoscopia não é um exame isento de complicações (1,0% de morbilidade e 0,1% de mortalidade na endoscopia diagnóstica), muitas das quais dependem de factores relacionados com o doente, como a idade, a co-morbilidade e a instabilidade hemodinâmica. Os doentes devem ser adequadamente monitorizados não esquecendo a oximetria. Hemostase endoscópica A endoscopia no doente com hemorragia digestiva alta deve ser sempre realizada com intenção de actuar terapêuticamente caso os achados endoscópicos o justifiquem(25). As diferentes técnicas de hemostase 57 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA endoscópica e seus aspectos práticos serão assunto dos próximos capítulos, motivo pelo qual serão aqui referenciadas sumariamente. Na úlcera péptica, que continua a ser a causa mais frequente de hemorragia digestiva alta, quando estão presentes de estigmas de hemorragia, a terapêutica hemostática endoscópica (injecção de adrenalina e/ou esclerosantes, métodos térmicos ou abordagem combinada) reduz a taxa de mortalidade, a persistência/recidiva de hemorragia e a necessidade de cirurgia urgente. Recomenda-se o tratamento da hemorragia activa e do vaso visível. O coágulo aderente deve, se possível, ser removido para permitir a identificação de estigmas subjacente e definir melhor a necessidade de terapêutica endoscópica(15,25). A recidiva de hemorragia após hemostase endoscópica, varia entre os 15 e 20% e ocorre geralmente nas primeiras 48-72horas(25). Na primeira recidiva deve ser tentado novo tratamento endoscópico, verificando-se em estudos que é eficaz em cerca de 50% dos casos e reduz a necessidade de cirurgia(32). Na falência das medidas médicas e endoscópicas em controlar a hemorragia deve ponderada precocemente a cirurgia ou a angiografia de intervenção, quando existe contra-indicação cirúrgica.(15) A hemorragia varicosa para espontaneamente em cerca de 50% dos casos. A mortalidade no episódio inicial é mais elevada do que a verificada na hemorragia digestiva não varicosa, cifrando-se em 30% e podendo atingir os 70-80% quando o sangramento persiste. A terapêutica endoscópica no episódio agudo (escleroterapia ou ligadura elástica) associa-se a melhoria do prognóstico, com eficácia quer no controlo da hemorragia activa (80 a 90% dos casos) quer na prevenção da recidiva hemorrágica no internamento índex. A combinação de agentes vasoactivos com a terapêutica endoscópica parece ser mais eficaz que o seu uso isolado.(24) A colocação do balão de SengstakenBlakemore deve ser reservada para os casos de doentes com hemorragia maciça não controlada por medidas médicas e ou terapêutica endoscópica. Embora em 90% dos casos se consiga a hemostase, uma vez desinsuflado o balão, a taxa de recidiva é elevada, pelo que nestes casos devem ser consideradas medidas terapêuticas mais definitivas como shunt transjugular intrahepatico portosistemico (TIPS) ou a abordagem cirúrgica.(24) Tratamento não endoscópico A lavagem gástrica com soro fisiológico gelado não tem qualquer efeito benéfico na hemostase e pode mesmo, acompanhar-se de efeitos negativos, como a redução do débito cardíaco. Caso se opte por realizar lavagem gástrica na preparação para a endoscopia, recomenda-se a utilização de água á temperatura normal. Em relação á hemorragia por úlcera péptica, os únicos agentes farmacológicos com eficácia comprovada em vários estudos, são os inibidores da bomba de protões em doses elevadas. Existem estudos que demonstram a superioridade do omeprazole oral, em doses elevadas, quando comparado com placebo, na redução da recorrência da hemorragia, da necessidade de cirurgia urgente, do número de transfusões e da duração do internamento nos doentes não submetidos a terapêutica hemostática. O omeprazole em doses elevadas, endovenoso ou oral, é comprovadamente vantajoso após hemostase endoscópica.(33-35) O pantoprazole endovenoso continuo reduz a taxa de recidiva hemorrágica nos doentes com ulcera péptica com estigmas major, submetidos a hemostase endoscópica, quando comparado com ranitidina endovenosa ou placebo(36,37). Em resumo, admite-se o efeito benéfico do uso dos inibidores da bomba de protões (omeprazole ou pantoprazole) nos doentes com úlceras pépticas de alto risco, submetidos ou não a tratamento endoscópico, recomendando-se um bolus endovenoso de 80 mg, seguido de infusão endovenosa (8mg/h) nas primeiras 72 horas, período em que a recidiva hemorrágica é mais frequente(38). Não existe evidência científica suficiente para recomendar o uso 58 Margarida Sampaio sistemático empírico de inibidores da bomba de protões antes da endoscopia nos doentes com HDA alta, mas esta utilização poderá ser admissível face ao excelente perfil de segurança destes fármacos(38). Em relação a outros fármacos, como os inibidores H2, a somatostina (ou o seu análogo sintético octreotido), a vasopressina, as prostaglandinas, os resultados dos estudos disponíveis são demonstram claramente a eficácia e a sua utilização rotineira não é recomendada(38). O uso de acido tranexâmico (inibidor do plasminogenio) foi abandonado devido a indução de efeitos secundários graves. Em relação á hemorragia por varizes existe um grande número de estudos sobre a utilização de agentes vasoactivos. A vasopressina associava-se a efeitos secundários significativos o que levou ao desenvolvimento de agentes mais seguros como a somatostatina, o octreotido e a telipressina. A eficácia no controlo da hemorragia, na redução da necessidade transfusional e na recorrência da hemorragia foi amplamente comprovada para todos estes agentes, mas a redução na mortalidade em relação ao placebo, só foi demonstrada para a telipressina. Outro aspecto vantajoso da telipressina é a sua semivida mais longa e a possibilidade de poder ser facilmente administrada ainda antes do internamento hospitalar ou logo na admissão hospitalar com redução da falência do controlo da hemorragia. A combinação de agentes vasoactivos com terapêutica endoscópica das varizes apresenta-se vantajosa(24). Após endoscopia os doentes com baixo risco de recidiva de hemorragia podem iniciar precocemente dieta oral(38). A abordagem da hemorragia digestiva no Serviço de Urgência deve ser multidisciplinar. O cirurgião deve ser consultado precocemente e a sua intervenção deve ser ponderada atempadamente(38). A cirurgia urgente é a opção nas seguintes situações: na hemorragia grave com choque não abordável endoscopicamente em que a cirurgia emergente é a única forma de evitar a exsanguinação; na falência em controlar medica e endoscopicamente a hemorragia; na recidiva grave após duas tentativas de hemostase endoscópica; na complicação grave da terapêutica endoscópica nomeadamente a perfuração(39). Factores prognósticos e estratificação de risco Os doentes com HDA aguda apresentam-se com um largo espectro de gravidade clínica que vai desde a hemorragia insignificante á hemorragia catastrófica(40). Embora cerca de 80 % dos episódios de hemorragia digestiva alta parem espontaneamente, nos restantes 20% a hemorragia persiste ou recidiva, o que se associa a aumento da mortalidade, a maior necessidade de cirurgia e de transfusões de sangue, a maior duração do internamento hospitalar e aumento dos custos económicos(11,38). É fundamental a identificação pronta deste subgrupo de doentes, que claramente beneficiam com a vigilância apertada e a intervenção terapêutica agressiva. Na literatura identificam-se vários indicadores de prognóstico e ou risco aumentado de recidiva na HDA. (tabela 4). TABELA 4 - RISCO AUMENTADO DE RECIDIVA NA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA Idade avançada (> 60 anos) Choque/instabilidade hemodinamica/ortostatismo na apresentação Co-morbilidades (cardiopatia isquemica, insuficiência cardíaca congestiva, doença hepática ou renal, neoplasia) Diagnostico endoscópico específico (varizes, ulcera péptica, neoplasia digestiva…) Uso de anticoagulantes/coagulopatia Lesão de alto risco na endoscopia (hemorragia arterial, vaso visível, coagulo) Relativamente aos aspectos clínicos são valorizados como indicadores de pior prognóstico a gravidade da hemorragia inicial, a idade avançada do paciente, a presença e a gravi59 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA dade de doenças concomitantes (insuficiência renal crónica; doença cardiopulmonar severa; insuficiência hepática; cardiopatias; cancro). O início da hemorragia, durante internamento hospitalar por outro motivo, tem maior gravidade (os doentes que sangram enquanto internados têm uma taxa de mortalidade de 25%). Reconhece-se como importante a origem da hemorragia, sendo que a hemorragia varicosa tem taxas de recidiva e mortalidade particularmente elevadas. Em relação a úlcera péptica a presença e o tipo de estigmas de hemorragia tem importância major. No outro extremo do espectro, é possível identificar um número significativo se doentes com hemorragia de gravidade mínima, com baixo risco de recidiva e mortalidade. Nos doentes com idade inferior a 60 anos e sem comorbilidade importante, a taxa de mortalidade, por HDA não varicosa, chega a ser inferior a 1%. A conjugação da avaliação de risco associado a presença de estigmas endoscópicos, permite identificar um sub grupo de doentes de baixo risco em que poderá ser adequada a alta precoce ou mesmo o tratamento em regime de ambulatório, sem que seja afectada a qualidade dos cuidados, com uma significativa economia de recursos(40,41). evidência de doença hepática ou cardíaca. Sugerem que a aplicação dos seus critérios pode identificar cerca de 20% de doentes que podem não ser internados ou ter alta precoce sem necessidade de EDA urgente(42). Cameron e colaboradores desenvolvem um sistema de estratificação de risco que identifica os doentes com elevado e baixo risco de recidiva da hemorragia, de mortalidade e de necessidade de intervenção terapêutica urgente(43). O mais divulgado sistema de estratificação com critérios endoscópicos é o de Rockall e colaboradores. Utilizam factores clínicos e endoscópicos para identificar doentes em risco de recidiva de hemorragia ou morte (tabela 5). Estabelecem que a endoscopia precoce pode identificar doentes candidatos a alta precoce. Um score igual ou superior a 8 pontos indica uma mortalidade de 41-46%, um score igual ou inferior a 2 implica um prognóstico excelente, podendo ter alta precoce ou ser tratado em ambulatório(39,40). Foram propostos vários sistemas de estratificação de risco na hemorragia digestiva alta aguda a que me referirei sumariamente. Alguns são baseados em critérios clínicos e têm como objectivo a estratificação de doentes antes da endoscopia, direccionando-se para a previsão da necessidade de tratamento (transfusão, terapêutica endoscópica ou cirurgia), internamento e monitorização. Outros incluem critérios endoscópicos, fazendo uma boa previsão do prognóstico (incluindo o risco de morte) e identificando a necessidade de monitorização mais intensiva e de internamento mais longos. Blachford e colaboradores, propõem um score baseado na hemoglobina da admissão, uremia, pulso, pressão arterial sistólica, apresentação com síncope ou melenas e na 60 Margarida Sampaio TABELA 5 - SCORE DE ROCKALL Factor Idade (anos) Choque Pulso(ppm) PAS(mmHg) Comorbilidade Diagnóstico Estigmas de hemorragia recente pontuação 0 <60 Ausente <100 ≥100 ausente 1 60-79 Taquicardia ≥100 ≥100 2 ≥80 Hipotensão <100 CI;IC; outra comorbilidade major Lesão maligna TDA Malorry-Weiss; Todos outros ausência de lesão diagnosticos ou ausencia de EHR Ausência de estigmas de hemorragia recente ou mancha negra na base da ulcera 3 IR;IH;doença maligna disseminada Sangue no TDA, coagulo aderente, vaso visível ou hemorragia em jacto Legenda: PAS- pressão arterial sistólica ; CI- cardiopatia isquémica ; IC- insuficiência cardíaca; IR - insuficiência renal; IH - insuficiência hepática; EHR - estigmas de hemorragia recente; TDA - tracto digestivo alto. Adaptado de Rockall et al 1996 (ref 40) A hemostase endoscópica quando aplicada adequadamente é muito eficaz no controlo da hemorragia activa e na prevenção da recidiva. Estão publicadas várias recomendações sobre a abordagem específica do doente com úlcera péptica sangrante e hemorragia varicosa, quer em relação ao papel da endoscopia quer em relação à terapêutica médica. Embora o internamento hospitalar seja necessário na maioria dos casos, é possível identificar um sub-grupo de doentes com muito baixo risco de recidiva de hemorragia e mortalidade que poderão ter alta precoce ou ser enviados directamente para o domicílio após realização da endoscopia. Considerações Finais A HDA é uma situação comum no Serviço de Urgência e a urgência gastrenterológica mais frequente. Na figura 1 apresentam-se esquematicamente os passos principais da abordagem na urgência desta situação. O espectro de gravidade da HDA é variável, salientando-se a importância da identificação precoce de factores de risco para recidiva e mortalidade. As medidas de estabilização hemodinâmica devem ser iniciadas precocemente, já que são determinantes na prevenção/reversão do choque e redução da mortalidade. A endoscopia digestiva alta deve ser realizada idealmente nas 12 a 24 horas após a apresentação já que é fundamental na identificação da etiologia da HDA, na definição do risco de persistência/recidiva da hemorragia e, secundariamente, do risco de mortalidade. As etiologias mais frequentes da HDA são a úlcera péptica, as lesões agudas da mucosa gastroduodenal e as varizes. 61 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO SERVIÇO DE URGÊNCIA FIGURA 1 - ALOGARITMO DE ABORDAGEM DO DOENTE COM HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA hemorragia digestiva alta doente co m cirrose In i c i a r an t i b i ó t i c o e ag e n t e s v a s o a c t i v o s avaliação clinica inicial ressuscitação inicial estabilização avaliação de risco inicial pré-endoscopia risco elevado de recidiva risco baixo de recidiva internamento em enfermaria ou SO EDA urgente (12-24h) internamento em UCI EDA emergente EDA polipo, MAV, Mallory-Weiss, Dieulafoy, neoplasia úlcera peptica varizes esofagicas ou gastricas causa não identificada estigmas de hemorragia activa/recente? terapêutica endoscópica sim abordagem terapêutica de acordo com os achados endoscópicos e situação de base não terapêutica endoscópica vigilância em internamento investigação adicional alta clínica precoce Legenda-UCI - unidade de cuidados intensivos; SO-serviço de observação; EDA-endoscopia digestiva alta ; MAV-malformação arteriovenosa 62 Margarida Sampaio BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 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As potencialidades da endoscopia digestiva terapêutica estão relacionadas com a possibilidade de tratar a causa da hemorragia e diminuir a taxa de recidiva, sendo esta reconhecida como o factor que mais afecta negativamente o prognóstico. A hemostase endoscópica na HDA de causa não varicosa foi introduzida em 1976 por Soehendra, utilizando a injecção de um agente esclerosante (polidocanol a 1%) na UP com hemorragia activa.(4) Dois estudos de meta-análise dos anos 90, demonstraram que no subgrupo de elevado risco a terapêutica endoscópica é benéfica dado que reduz a incidência da recidiva hemorrágica, bem como a necessidade de intervenção cirúrgica e a mortalidade(5,6). A hemorragia digestiva alta (HDA) é umas das emergências médicas mais comuns. Apesar de todas as inovações terapêuticas introduzidas nas últimas décadas a mortalidade por HDA mantém-se entre os 10-14%. Este facto está relacionado com o envelhecimento da população. A maioria dos doentes com HDA é idoso e tem múltiplas patologias associadas e encontrando-se polimedicado. Existe uma relação directa entre o número e gravidade da patologia médica e a mortalidade(1). A causa mais frequente de HDA é a úlcera péptica (UP) com cerca de 50%, seguida por outras causas tão diversas como: esofagite, erosões gastro-duodenais, varizes, lesão de Mallory-Weiss, angiodisplasias, lesão de Dieulafoy, ectasia vascular antral, neoplasias entre outras (Tabela 1). TABELA 1 - CAUSAS DE HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA (2) Causa Úlcera péptica Erosões gastro-duodenais Esofagite Varizes Mallory Weiss Malformações vasculares Neoplasias Percentagem (%) 35-50 8-15 5-15 5-10 15 5 1 Outras 5 65 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA TABELA 2 - TÉCNICAS DE HEMOSTASE A realização de terapêutica endoscópica está indicada nas situações de risco hemorrágico elevado. O tipo e modalidade da técnica terapêutica a ser utilizada está sujeita a maior controvérsia. São múltiplos os estudos que demonstram que na globalidade todos os métodos são igualmente úteis. Difícil é definir, em cada caso específico, o método mais eficaz. Isto deve-se ao facto dos estudos existentes possuírem diferentes metodologias, serem frequentemente de um só centro e com relativamente reduzido número de doentes, o que interfere com o valor estatístico dos mesmos. Outra crítica resulta da heterogeneidade dos estudos, nomeadamente no que diz respeito aos “end-points”, factores de risco associados à recidiva, níveis de experiência do endoscopista no tratamento e reconhecimento das lesões hemorrágicas, o que torna difícil uma comparação directa das diferentes técnicas. Existem diferentes modalidades de terapêutica endoscópica com eficácia demonstrada na hemostase, no entanto a sua aplicabilidade está também dependente da disponibilidade em cada unidade de endoscopia, sendo que cada unidade tende a utilizar mais frequentemente o tipo de terapêutica com que está mais familiarizado, isto é, aquele em que tem mais experiência. ENDOSCÓPICA Injecção Adrenalina Esclerosantes (álcool, polidocanol, etanolamina) Cianoacrilato Fibrina Trombina Térmicos Sonda térmica Sonda multipolar (BICAP) / monopolar Laser Árgon plasma Mecânicos Hemoclips Laqueação elástica Endoloop Sutura 1.1. Métodos de Injecção Esta técnica é muito utilizada pela sua simplicidade/facilidade de execução, baixo custo e fácil disponibilidade. A solução é injectada com auxílio de agulha de esclerose em redor (nos 4 quadrantes) e no ponto hemorrágico. Podem ser utilizadas várias substâncias, como por exemplo: adrenalina diluída, agentes esclerosantes (álcool absoluto, polidocanol, etanolamina, etc.), cola de fibrina, trombina e cianoacrilato. A solução injectável ideal tem sido motivo de controvérsia considerável. A utilização de adrenalina diluída é provavelmente a substância mais utilizada. Não está demonstrado que uma solução injectável seja superior a outra, nomeadamente a adrenalina diluída quando comparada com as outras soluções. A associação de outro agente injectável é também motivo de discussão, sendo que a maioria dos estudos randomizados não demonstram benefício. No entanto é uma prática comum, atendendo à complementaridade no seu mecanismo de acção. 1. TÉCNICAS DE HEMOSTASE ENDOSCÓPICA As diferentes técnicas de hemostase endoscópica têm como objectivo final parar a hemorragia e reduzir o risco de recidiva. Isto é alcançado com a obliteração da lesão hemorrágica sangrante. Podemos dividir as técnicas de hemostase em 3 grandes grupos (Tabela 2): métodos de injecção, térmicos (com ou sem contacto) e mecânicos(3,7-9). 66 Filipe Silva e Helena Vasconcelos 1.2. Métodos térmicos A acção da adrenalina (concentração 1:10000 ou 1:20000) resulta do efeito de tamponamento local, vasoconstrição e indução da agregação plaquetária. Ao contrário dos agentes esclerosantes a adrenalina não causa lesão tecidual. Os agentes esclerosantes actuam por efeito de tamponamento, indução de resposta inflamatória e efeito trombosante, que pode provocar lesão tecidual significativa e logo maior risco de complicações. É de ter presente que no caso destas soluções, quanto maior for efeito trombosante/esclerosante, maior é o risco de perfuração. Por isso deve-se atender às doses de agente a injectar: álcool absoluto, administrar doses parciais de 0,1 a 0,2 ml não devendo exceder a dose total de 1,5-2 ml; no polidocanol a 1%, doses parciais de 1-2 ml, não devendo exceder um total de 10-15 ml. A cola de fibrina, resulta da mistura de fibrinogénio e trombina e é aplicada de forma semelhante aos esclerosantes. Permite a obliteração do vaso sangrante, mas ao contrário dos agentes esclerosantes, não se associa a lesão tecidual significativa. Os melhores resultados de hemostase endoscópica têm sido obtidos com a aplicação repetida até ao desaparecimento dos estigmas hemorrágicos de risco. Potenciais desvantagens, são desde logo, o custo (quando comparado com as outras soluções), a possibilidade de ocorrer obstrução na agulha de injecção, de danificar o endoscópio e ainda os riscos inerente a um tratamento que utiliza derivados do sangue. Existem estudos também que utilizam a injecção de trombina que, tal como a cola de fibrina, não induz lesão tecidual. O cianoacrilato (histoacryl) tem sido utilizado na hemostase endoscópica sobretudo no tratamento de lesões varicosas, em particular nas varizes fúndicas. No âmbito de lesões não varicosas a experiência é mais reduzida. Esta substância polimeriza e endurece de imediato em contacto com o sangue, levando à obliteração da lesão sangrante(3,7-9). Os métodos térmicos podem ser divididos de acordo com existência de contacto ou não da sonda/cateter com a lesão vascular. Relativamente ao primeiro grupo, temos a sonda térmica e a electrocoagulação monopolar e multipolar, sendo o laser e o árgon plasma os representantes do segundo grupo. A hemostase obtida por estes métodos é feita à custa do calor produzido nos tecidos. O calor produz edema tecidual, coagulação das proteínas e contracção arterial. Outro mecanismo de hemostase é por tamponamento local, por firme aplicação da sonda sobre a lesão sangrante. A sonda térmica (heater probe) consiste num cilindro de alumínio com uma resistência de aquecimento que pode atingir 250ºC, envolvido numa bainha de teflon para diminuir o risco de adesão tecidual. Possui orifícios de irrigação, proximal à extremidade da sonda, que possibilita a lavagem de sangue ou coágulos. Pode-se aplicar perpendicular e tangencialmente, o que permite o tratamento de lesões com mau acesso. No tratamento de úlcera péptica é preconizado aplicação firme na sonda (tamponamento) e coagulação com 3 a 4 pulsos de 30 Joules cada. Tem como inconveniente a necessidade de maior tempo de contacto com a lesão vascular para poder induzir a sua trombose/obliteração. A electrocoagulação consiste na passagem de corrente eléctrica de elevada frequência pela lesão sangrante, provocando libertação de calor e coagulação do vaso. Na electrocoagulação monopolar a corrente eléctrica de elevada frequência estabelece-se entre a extremidade da sonda e uma placa terra colocada no doente. Produz uma destruição tecidual menos controlável e maior, que se associa a um maior risco de perfuração, sendo por isso pouco utilizada. Na electrocoagulação multipolar (ex: BICAP) a corrente eléctrica estabelece-se entre dois ou mais eléctrodos existentes na extremidade da sonda. Isto origina um efeito coagulante e de queimadura 67 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA que produz uma lesão em profundidade mais limitada e logo com menor risco de perfuração. Possui um canal central de irrigação, existindo em diferentes calibres (7 ou 10 French), em função do tamanho do canal de trabalho do endoscópio, sendo que a utilização de maiores diâmetros parece ser mais eficaz. A sonda Gold (injection-Gold probe) combina as duas terapêuticas – térmicas e esclerose. O laser (Nd:YAG) tem uma penetração maior que o árgon plasma, o que consequentemente se associa a um maior risco de perfuração. Associado a este inconveniente, temos que referir os elevados custos de aquisição do material e a sua mobilidade limitada, o que faz com o laser não seja actualmente uma terapêutica muito utilizada, a não ser para tratamento de hemorragias secundárias a tumores. No árgon plasma a corrente eléctrica é transmitida por árgon ionizado e produz um efeito de coagulação máximo de 3-4 mm de profundidade, tendo por isso risco de perfuração menor que o laser. Pode-se aplicar perpendicular e tangencialmente, é facilmente mobilizável e relativamente barato. A intensidade da corrente eléctrica e o débito gasoso são pré-determinados conforme a lesão e local de tratamento. O árgon plasma espalha-se como um spray e logo é muito útil aquando do tratamento de lesões difusas na mucosa(3,7-9). dos tangencialmente. Outro aspecto é a dificuldade da sua aplicação em lesões ulcerosas com fundo muito fibrótico e eventual deslocamento prematuro. A laqueação elástica foi inicialmente aplicada no tratamento de patologia hemorroidária e posteriormente no tratamento de varizes esofágicas. Tem sido também descrita a sua aplicação no tratamento de lesões não varicosas, nomeadamente em lesões de Dieulafoy, Mallory Weiss, angiodisplasias e no tratamento de hemorragia pós polipectomia. Tem como handicap significativo a limitação do campo visual que pode prejudicar a sua adequada aplicação(3,7-9). 2. HEMOSTASE ENDOSCÓPICA DE ACORDO COM O TIPO DE LESÃO 2.1. Úlcera Péptica A úlcera péptica (UP) é a causa mais frequente de hemorragia digestiva alta de origem não varicosa, com mais de 50% dos casos de hemorragia digestiva alta. A mortalidade associada à HDA por UP não tem melhorado nos últimos anos. Este facto está intimamente associado ao envelhecimento da nossa população (com aumento de patologias) e ao aumento do consumo de fármacos que predispõem a hemorragia digestiva. Tornou-se necessário estratificar o risco individual de cada doente, para poder definir qual o grupo de doentes com maior risco de recidiva hemorrágica/mortalidade e assim definir o grupo com maior necessidade de cuidados e de terapêutica hemostática. Existem vários scores (ex. score Rockall) que combinam factores clínicos e factores endoscópicos no sentido de estratificar o risco de cada doente (Tabela 3). Os achados endoscópicos são extremamente importantes na orientação do doente. A terapêutica endoscópica tem como objectivos, por um lado, parar a hemorragia, por outro, reduzir o 1.3. Métodos mecânicos No âmbito dos métodos mecânicos, os mais difundidos são a aplicação de hemoclips e elásticos. Pretende-se com estes métodos, e como o nome indica, obliterar mecanicamente o vaso sangrante, sem causar lesão tecidual circundante. Os hemoclips são conceptualmente um método ideal para alcançar hemostase de um vaso sangrante, assemelhando-se praticamente à laqueação cirúrgica dum vaso. Porém eles são por vezes difíceis de libertar, nomeadamente com o endoscópio em inversão ou em locais de mau acesso e não podem ser aplica68 Filipe Silva e Helena Vasconcelos TABELA 3 SCORE DE ROCKALL (Inicial) 1. Idade <60 anos 60 – 79 anos >80 anos SCORE DE ROCKALL (Após Endoscopia) Pontuação 0 1 2 2. Choque S/ sinais 4. Diagnóstico MW, S/lesão ou estigmas Outros diagnósticos Lesão maligna GI alta 5. Estigmas de hemorragia S/ estigmas ou mancha negra 0 Pulso >100 e TA sist. >100 TA sist. <100 3. Comorbilidade Ausente ou discreta Insuf. Cardíaca, d. coronária … Insuf. Renal ou hepática, neoplasia 1 2 Sangue no tracto GI alto, vaso visível, coágulo, hemorragia Pontuação 0 1 2 0 2 0 2 3 Cotação: - Score ≥ 8 pontos = mortalidade 41 – 46 % - Score ≤ 2 pontos = mortalidade não valorizável risco de recidiva hemorrágica, sabendo-se que este último é um dos factores que mais afecta negativamente o prognóstico do doente. No sentido de estratificar o risco de recidiva da UP é comum utilizar a classificação de Forrest, que descreve os achados endoscópicos e associa a cada um deles, uma taxa de recidiva (Tabela 4)(10). A terapêutica hemostática está indicada nos casos de estigmas major de hemorragia. A hemostase endoscópica é preconizada na presença de hemorragia activa e vaso visível não sangrante, dado que a taxa de recidiva hemorrágica é reduzida para 13-30%, quando comparada com os 90% na hemorragia activa e 50% na presença de vaso visível(13). A presença de coágulo aderente suscita polémica quanto à necessidade de hemostase. Dois estudos randomizados recentes, abordando esta temática, compararam tratamento médico vs tratamento hemostático (adrenalina num caso e noutro adrenalina seguido de electrocoagulação bipolar). Em ambos os estudos foi detectado uma diminuição da taxa de recidiva no grupo submetido a tratamento endoscópico. No entanto não foram identificadas diferenças nos restantes “end-points” (taxa de cirurgia urgente e de mortalidade) (14,15). A actuação ideal perante a presença de coágulo aderente continua a ser um problema por resolver. No entanto, se após lavagem agressiva do coágulo se conseguir expor adequadamente o fundo da úlcera, e se se identificar hemorragia activa ou vaso visível, a terapêutica hemostática está indicada. Por vezes a remoção do coágulo não TABELA 4 - CLASSIFICAÇÃO DE FORREST – TAXA DE RECIDIVA Forrest Ia Forrest Ib Forrest IIa Forrest IIb Forrest IIc Forrest III Hemorragia em jacto Hemorragia em babamento Vaso visível não sangrante Coágulo aderente Manchas pigmentadas Fundo limpo 90% 20% 50% 20% <5% <5% Várias meta-análises têm demonstrado as vantagens da hemostase endoscópica, nomeadamente no que diz respeito à diminuição das taxas de recidiva e mortalidade, quando comparados com placebo ou terapêutica médica, no contexto de UP com estigmas de hemorragia recente major(9,11,12). 69 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA e exequível, sendo aí mais questionável qual a atitude a tomar. Se pensarmos no risco de recidiva existente neste tipo de situação e na possibilidade de existirem achados significativos por debaixo do coágulo, não é de todo reprovável instituir terapêutica hemostática. As opções terapêuticas de hemostase são múltiplas, desde métodos de injecção, térmicos bem como, mais recentemente, métodos mecânicos. esclerosantes foram motivo de estudo no sentido avaliar da eficácia ou a potencial vantagem da associação de um agente esclerosante à adrenalina. Existem vários estudos randomizados realizados, apenas dois mostraram superioridade da associação, mas unicamente no que diz respeito à taxa de recidiva, não existindo diferenças nos restantes end-points(18-26). Rutgeerts et al mostraram que a associação de adrenalina mais polidocanol a 1% era significativamente mais eficaz, mas apenas em termos de recidiva hemorrágica(18). Lin et al mostraram que a associação de adrenalina mais álcool a 98% era mais eficaz em caso de hemorragia em jacto (90 vs 46%, P <0,05) e era associado a uma diminuição da demora média de internamento(21). Tendo em conta o maior risco de complicações associadas à utilização de agentes esclerosantes e aos resultados dos estudos randomizados actualmente existentes, não existe vantagens demonstráveis na associação de esclerosantes à adrenalina. A cola de fibrina tem sido utilizada no âmbito da hemostase de UP. Existem alguns trabalhos, que comparam a injecção de adrenalina com cola de fibrina, que mostram uma menor taxa de recidiva no grupo tratado com cola de fibrina, mas não detectaram alterações de resultados finais tais como a taxa de cirurgia e de mortalidade. Isto devese, em parte, ao número reduzido de doentes envolvidos nos estudos(27,28). Em dois estudos prospectivos randomizados há uma tendência, não estatisticamente significativa, que revela melhor resultados com a cola de fibrina em relação à injecção de polidocanol ou adrenalina com soro salino hipertónico(29,30). Outro estudo randomizado comparou polidocanol, injecção única de cola de fibrina e injecção repetida de cola de fibrina, mostrando diferenças significativas em favor da injecção repetida de cola de fibrina em relação ao polidocanol. Este estudo levanta, a dúvida se o real benefício resulta da utilização da cola de fibrina ou se da repetida injecção de fibrina(31). Métodos de injecção A injecção de diferentes soluções, como objectivo hemostático, é uma técnica simples de executar, de fácil aprendizagem e pouco dispendiosa. A utilização desta terapêutica hemostática no contexto de HDA por UP está validada por vários estudos, como por exemplo o de Gralnek et al, que realizou um estudo randomizado em que comparou injecção versus tratamento médico, em doentes com hemorragia activa. A terapêutica hemostática com injecção resultou numa maior taxa de hemostase, menor taxa de cirurgia urgente, menor necessidade de aporte transfusional e, logo, menos custos(16). A adrenalina é o agente injectável mais popular. Produz efeito de tamponamento local, vasoconstrição e agregação plaquetária. Ao contrário dos agentes esclerosantes não induz lesão tecidual. Normalmente é utilizada na diluição de 1:10000 ou 1.20000. Até recentemente, o volume ideal de adrenalina a ser administrado não estava bem definido. Lin et al compararam grandes volumes (13-20 ml) com pequenos volumes. A hemostase inicial foi conseguida em todos os doentes. Já a taxa de recidiva foi superior no grupo de pequeno volume 30,8% vs 15,4%. O número de cirurgias, o aporte transfusional e a mortalidade foram semelhantes. Pode-se deduzir que a utilização de grandes volumes de adrenalina (> 13 ml) pode reduzir a taxa de recidiva(17). A associação de um agente esclerosante tem como objectivo melhorar os resultados obtidos com a adrenalina. Múltiplas soluções 70 Filipe Silva e Helena Vasconcelos Métodos térmicos A injecção de trombina foi também alvo de investigação. Kubba et al realizaram o estudo randomizado mais significativo envolvendo 140 doentes. Compararam adrenalina isolada versus injecção de adrenalina e trombina humana em doses entre as 600 e as 1000 unidades. A associação foi significativamente superior, não apenas em termos de recidiva hemorrágica, mas também, em termos de necessidades transfusionais e mortalidade (0 vs 10%, P < 0,041)(32). Os estudos existentes sobre a cola fibrina e trombina mostram uma tendência para uma melhor eficácia, no entanto não demonstram cabalmente a sua supremacia em relação à injecção de adrenalina ou de soluções esclerosantes. A utilização de colas de fibrina não é por norma, uma primeira opção terapêutica, sendo, mais frequentemente, uma arma de recurso, atendendo a que os agentes injectáveis se associam a uma alta taxa de sucesso. O uso de colas apresenta-se menos disponível e tem custos mais significativos, embora seja uma opção eficaz. A aplicação de cianoacrilato (histoacryl) no tratamento da UP foi recentemente avaliada num estudo randomizado prospectivo, comparando-a com injecção de adrenalina e solução salina hipertónica. Na generalidade, não foram detectadas diferenças significativas entre as duas modalidades de terapêutica hemostática. No subgrupo de hemorragia activa, a taxa de recidiva foi significativamente inferior, no grupo tratado com histoacryl (14% vs 42%, p=0,039), embora sem mais alterações significativas nos restantes end-points. A terapêutica com histoacryl associou-se a complicações por embolização arterial sistémica(33). Uma meta-análise recente realizada por Bardou et al, que inclui 38 estudos relevantes, não demonstrou benefício estatisticamente significativo de uma solução injectável em relação a outra(12), o que, combinado com os vários estudos referidos anteriormente, faz da adrenalina isolada a opção mais indicada. A associação de outra solução esclerosante não é consubstanciada pelos estudos existentes na actualidade. Os métodos térmicos foram validados no tratamento hemostático da UP em vários estudos randomizados, quer com a utilização de sonda térmica(34), electrocoagulação monopolar(35-37), electrocoagulação multipolar(34,38, 39) e laser(40), tendo sido demonstrado que são superiores ao tratamento conservador. Os estudos comparativos existentes entre os diferentes métodos térmicos no entanto não permitiram pôr em evidência uma técnica em particular(41, 42). Uma meta-análise realizada por Bardou et al, que incluiu 20 estudos relevantes sobre os métodos térmicos na hemostase de UP, não permitiu demonstrar superioridade de um método sobre outro(12). Tem sido avaliada a utilidade do árgon plasma no contexto de HDA por UP. A terapêutica com laser não é, actualmente, muito utilizada, devido aos seus elevados custos e pouca mobilidade. O árgon plasma surge como uma alternativa, existindo alguma relutância na sua utilização, devido ao seu reduzido poder de penetração, o que, para alguns autores, motiva uma menor capacidade hemostática, em particular nos casos de hemorragia activa em jacto. Os escassos estudos existentes mostram no entanto, que é uma terapêutica promissora, segura, eficaz e de fácil manuseamento. Um estudo randomizado comparou o árgon plasma vs a sonda térmica em 41 doentes com hemorragia digestiva alta com sede em UP com estigmas major de hemorragia recente que incluía hemorragia activa ou vaso visível não-sangrante. Ambas as modalidades terapêuticas obtiveram resultados semelhantes no que diz respeito a aspectos como: hemostase inicial, recidiva hemorrágica, mortalidade e necessidade de terapêutica cirúrgica. No entanto, o estudo teve pouco poder estatístico para poder permitir uma adequada avaliação e logo detectar diferenças entre estas técnicas(43). Outro estudo randomizado comparando o árgon plasma com injecção vs a sonda térmica envolvendo 185 doentes não mostrou diferenças significativas entre as duas opções terapêuticas(44). 71 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA Métodos térmicos vs injecção versus injecção (5/35; 15%) e combinação (8/32; 25%). No entanto a falência global foi significativamente (p=0,01) diferente nos três grupos, com a maior taxa associada ao tratamento com hemoclips isolado (12/35; 34%), versus injecção (2/34; 6%) e combinação (8/32; 25%). Os autores concluíram que a terapêutica com hemoclips era significativamente menos eficaz que a terapêutica com injecção, sendo a dificuldade técnica na sua aplicação a maior causa da sua falência(51). Chou et al compararam hemoclips (n=39) com a injecção de água destilada (n=40), tendo-se detectado uma menor taxa de recidiva no grupo tratado com hemoclips. Não foram detectadas diferenças com significado estatístico nos restantes end-points(52). A maior taxa de recidiva no grupo tratado com injecção de água destilada era de esperar, o que logo interfere com a interpretação dos resultados. Cipolletta et al comparam a aplicação de hemoclips com sonda térmica, tendo-se verificado que a aplicação de hemoclips estava associada a uma menor taxa de recidiva comparada com terapêutica com sonda térmica (1,8% versus 21%, respectivamente). A duração do internamento e necessidades transfusionais foram também significativamente menores(53). Neste último estudo a taxa de recidiva do grupo tratado com sonda térmica é inexplicavelmente alta. Este facto teve interferência na apreciação global dos resultados, favorecendo o grupo tratado com hemoclips. Por outro lado Lin et al realizaram um estudo randomizado que também comparava a utilização de hemoclips versus sonda térmica e onde foram encontradas taxas de hemostase inicial e definitiva significativamente maiores no grupo tratado com sonda térmica (85% vs 100%, P < 0,05). A taxa de recidiva não foi diferente nos dois grupos(54). Em 2004 Park et al apresentaram um estudo randomizado com 90 doentes, comparando métodos mecânicos de hemostase com injecção de adrenalina ou injecção de adrenalina isolada. No grupo tratado com métodos A maioria dos estudos randomizados não demonstraram diferenças nas taxas de recidiva, cirurgia e mortalidade com o tratamento hemostático com sonda térmica, electrocoagulação multipolar ou laser quando comparados com a terapêutica com injecção(3). Métodos mecânicos Os métodos mecânicos têm vindo a ser cada vez mais explorados no âmbito da hemostase de UP. O hemoclips tem sido alvo de vários estudos, quer representando a experiência individual de um grupo(45), quer sob a forma de estudos tipo caso-controlo, comparando-o com a injecção de álcool(46, 47), a injecção de adrenalina(48), ou ainda, com a injecção de adrenalina e sonda térmica(49), que demonstram eficácia semelhante. Trabalhos de investigação têm apresentado resultados conflituosos acerca da eficácia desta modalidade de terapêutica e eventual vantagem sobre métodos já instituídos (injecção e térmicos). Existem 5 estudos randomizados que comparam a aplicação de hemoclips com o tratamento com injecção (adrenalina diluída com soro salino hipertónico, adrenalina com polidocanol e água destilada) em 3 estudos e sonda térmica nos outros 2(50-54). Chung et al randomizaram os doentes para receberem hemoclips, solução de adrenalina com soro salino hipertónico ou ambas. Em ambos os grupos a taxa de hemostase inicial foi superior a 95%. A taxa de recidiva foi ligeiramente superior no grupo tratado só com solução injectável, mas esta diferença não foi estatisticamente significativa (50). Gevers et al realizaram um estudo randomizado com 105 doentes para receberem tratamento hemostático com hemoclips, injecção de adrenalina e polidocanol ou a combinação dos dois métodos. A falência inicial na hemostase e a taxa de recidiva foram superiores (mas sem significado estatístico) no grupo tratado com hemoclips (13/35; 37%), 72 Filipe Silva e Helena Vasconcelos mecânicos foram utilizados hemoclips (n=23) e elásticos (n=22). A taxa de hemostase inicial foi semelhante em ambos os grupos. A taxa de recidiva, no grupo de terapêutica combinada (4,5%), foi significativamente menor quando comparado com o grupo tratado só com adrenalina (20,5%). O número de sessões de terapêutica endoscópica foi significativamente menor no grupo de tratamento combinado(55). Depreende-se dos estudos anteriores que é difícil afirmar sobre a superioridade ou mais valia da aplicação de hemoclips no contexto da UP. O sucesso na aplicação de hemoclips está condicionado por algumas algumas dificuldades, dado que depende de um adequado posicionamento do hemoclips para coaptar o vaso, o que em situações de hemorragia torrencial, ou localizações proximais no estômago, ou face posterior do bulbo, é factor limitativo desta técnica. Outro aspecto que pode limitar a aplicabilidade de hemoclips são as úlceras de fundo muito fibrótico, que impede boa compressão do vaso. Existem poucos dados sobre aplicação de elásticos no âmbito de UP para poder avaliar a sua eficácia, ou o seu potencial, no tratamento de UP sangrante. adrenalina mais tratamento térmico em cinco deles, injecção de adrenalina mais laser em dois e adrenalina com aplicação de hemoclip em um. A terapêutica combinada foi associada a uma diminuição, estatisticamente significativa, da taxa de recidiva, comparada com a injecção isolada, tratamento térmico isolado ou tratamento médico. Não se constatou semelhante redução da taxa de recidiva quando se comparou a terapêutica combinada com a aplicação isolada de hemoclip, embora tivesse ocorrido uma diminuição estatisticamente significativa, da taxa de cirurgia(12). A validade da combinação de terapêuticas na hemostase endoscópica foi avaliada recentemente através de uma meta-análise realizada por Calvet et al, em que foram combinados 16 estudos. Em todos os estudos comparou-se a injecção de adrenalina isolada vs injecção de adrenalina com: outro agente injectável (esclerosante), métodos mecânicos ou térmicos. A adição de um segundo método de hemostase endoscópica reduziu a taxa de recidiva de 18,4% para 10,6% e a taxa de cirurgia urgente de 11,3% para 7,6%. A mortalidade desceu de 5,1% para 2,6%. A análise de subgrupos mostrou que o risco de recidiva descia, qualquer que fosse o segundo método aplicado(56). Comparação monoterapia vs combinação Conclusões Os mecanismos de acção dos diversos métodos de hemostase são diferentes. É por isso lógica a sua associação, com o objectivo final de melhorar os resultados de hemostase. Todas as técnicas de hemostase têm demonstrado alguma eficácia quando utilizadas isoladamente no tratamento de UP com estigmas de elevado risco. No entanto, os estudos que comparam a monoterapia com a terapêutica combinada e algumas meta-análises recentes abordando este tema, têm demonstrado que a terapêutica combinada é superior a cada uma delas isoladamente. A hemostase endoscópica está indicada nas situações em que se identificam estigmas de hemorragia de elevado risco de recidiva (Forrest Ia, IIa, IIb). Os estudos existentes indicam que não existe superioridade de um método de hemostase sobre qualquer outro, o que faz com que a modalidade de hemostase usada irá depender das disponibilidades de cada unidade de endoscopia e, sobretudo, da experiência de cada executante. A hemostase endoscópica será eficaz quando realizada por um endoscopista com experiência e destreza técnica com o método que vai utilizar. Existe uma tendência, que é consubstanciada por vários estudos, para a combinação de técnicas, Bardou et al avaliaram a eficácia da terapêutica combinada em 8 estudos: injecção de 73 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA No âmbito de estudos randomizados é de referir o trabalho realizado por Laine et al, englobando um total de 17 doentes. Comparou a electrocoagulação multipolar vs tratamento médico. Concluiu que a terapêutica com electrocoagulação multipolar era mais eficaz em termos de hemostase definitiva e necessidade de cirurgia que o tratamento médico(58). Llach et al realizaram um estudo randomizado, comparando o tratamento por injecção vs tratamento médico, em doentes com vaso visível não sangrante ou hemorragia activa. A hemostase inicial foi alcançada em todos os doentes tratados endoscopicamente e houve diminuição significativa da taxa de recidiva (28% vs 6%, P <0,05)(59). Park et al realizaram um estudo prospectivo randomizado, envolvendo 34 doentes com hemorragia activa. Dividiram os doentes em dois grupos: um deles foi submetido a hemostase com adrenalina (na diluição de 1:10000) e o outro a laqueação elástica. O número de elásticos aplicados foi de um a dois e o volume médio de adrenalina injectada foi de 18ml. Foi alcançada hemostase inicial em todos os doentes do grupo submetido a laqueação elástica e em 16 dos 17 doentes submetidos a injecção com adrenalina. Atendendo ao reduzido número de doentes não foi possível detectar diferenças significativas, quer na eficácia, quer na segurança das duas técnicas(60). Mais recentemente, Huang et al trataram 35 doentes com hemorragia activa (jacto e babamento) com sede em MW. Os doentes foram aleatoriamente distribuídos por terapêutica com hemoclips (n=18) ou injecção com adrenalina (n=17). Os dois grupos eram sobreponíveis em termos clínicos e características endoscópicas. Não houve recidiva hemorrágica, necessidade de cirurgia, complicações ou mortalidade em ambos os grupos. Embora o estudo seja reduzido, os resultados parecem favorecer a utilização de hemoclips na terapêutica deste tipo de patologia(61). Chung et al estudaram 76 doentes em que existia hemorragia activa, vaso visível ou coágulo fresco aderente. Os primeiros 30 doentes foram distribuídos aleatoriamente por: injecção de isto é, associar a injecção de adrenalina com outro método, mecânico, térmico ou mesmo de injecção. Esta última opção encontra-se muito vulgarizada em Portugal, com bons resultados, ao contrário do que alguns estudos nos indicam. Porém, a meta-análise de Calvet et al, com todas as limitações inerentes a este tipo de estudo, mostrou a existência de benefício na associação de um agente esclerosante à adrenalina, o que vem apoiar esta atitude(56). A hemorragia em babamento sem outro estigma (Forrest Ib) é por norma auto-limitada. No entanto, se apesar de lavagem local e observação, o babamento hemorrágico persistir, a monoterapia com recurso a métodos térmicos ou de injecção, é recomendável para obter hemostase definitiva(4). 2.2. Lesão de Mallory Weiss A lesão de Mallory-Weiss (MW) consiste numa laceração ao nível da transição esófagogástrica que resulta de um aumento rápido da pressão intra-gástrica. É uma causa comum de HDA, correspondendo a cerca 3-15%, consoante as séries. Por norma a hemorragia induzida por este tipo de lesão é auto-limitada. No entanto, em algumas situações (que podem chegar aos 23%) pode associar-se a perdas hemáticas significativas(57). Como referido anteriormente, na maioria dos casos a hemorragia é auto-limitada, não existindo necessidade de terapêutica endoscópica. Esta está indicada em situações de hemorragia activa ou estigmas de hemorragia recente – vaso visível ou coágulo aderente, à semelhança das lesões ulcerosas pépticas. Têm sido publicados vários estudos sobre hemostase no contexto de hemorragia por MW, em que são utilizadas diferentes modalidades terapêuticas. Estes trabalhos sofrem da mesma limitação: o pequeno número de doentes envolvidos. Pode apenas concluir-se pela aparente eficácia das diferentes modalidades terapêuticas, não sendo, no entanto, possível determinar a maior eficácia de uma técnica sobre outra. 74 Filipe Silva e Helena Vasconcelos 2.3. Lesão de Dieulafoy soro fisiológico e adrenalina (n=14), hemoclips ou laqueação elástica (n=16). Nos restantes 46 doentes procedeu-se à irrigação da lesão com solução de adrenalina a 1:10000 até ocorrer hemostase (grupo com tratamento médico). Houve recidiva em 4 dos 14 doentes que foram tratados com injecção de adrenalina e num dos 46 doentes tratados medicamente. Não houve recidiva nos doentes tratados com hemoclips ou laqueação elástica. As recidivas ocorreram nos doentes com hemorragia activa. Os autores concluiram que a terapêutica endoscópica não é necessária em doentes sem hemorragia activa e que os métodos mecânicos são mais eficazes que a injecção de adrenalina(62). Existem ainda numerosos trabalhos sobre as diferentes modalidades terapêuticas hemostáticas. Em termos de hemostase com métodos de injecção, têm sido utilizados diferentes tipos de soluções: adrenalina isolada(63) ou associada a agente esclerosante (polidocanol ou álcool)(64, 65) ou esclerosante isolado (polidocanol ou álcool)(66, 67). Sobre a utilização de métodos térmicos existem trabalhos em que foram testadas quer a electrocoagulação multipolar (BICAP), quer a sonda térmica, com grande eficácia terapêutica para ambas(63, 65). No âmbito dos métodos mecânicos, a laqueação elástica e a aplicação de hemoclips, têm demonstrado serem opções eficazes e seguras a ter em conta(68-70). Em conclusão e considerando os diferentes estudos existentes bem como os métodos de hemostase utilizados, pode-se concluir que: a terapêutica endoscópica está associada a uma paragem da hemorragia activa em mais de 90% dos casos; todos os métodos parecem ser eficazes em obter hemostase e, aparentemente têm eficácia semelhante; na recidiva hemorrágica, um segundo tratamento endoscópico pode permitir obter hemostase definitiva; por fim, o risco de complicações secundárias ao tratamento endoscópico é reduzido. A lesão de Dieulafoy (LD) é responsável por 0,6% a 5,8% das hemorragias digestivas altas. A LD consiste num vaso arterial tortuoso e de calibre anormalmente aumentado, ao nível da submucosa, que acaba por erosionar a mucosa e dar origem a hemorragia. Essa hemorragia é na maioria das vezes significativa. O mecanismo pelo qual ela ocorre é ainda motivo de discussão, mas provavelmente resultará de erosão da mucosa pela actividade pulsátil do vaso arterial. Cerca de 75% dos casos de LD localizam-se no estômago, em particular no fundo (65%) e menos frequentemente ocorrem no corpo ou antro gástrico (respectivamente 23 % e 4%), As localizações duodenais, esofágicas e cólicas são menos frequentes(71,72). O diagnóstico endoscópico é, por vezes, difícil atendendo ao pequeno tamanho da LD e à sua localização proximal, onde, por norma, se acumula conteúdo hemático. Os achados endoscópicos consistem na presença de solução de continuidade da mucosa, de reduzidas dimensões, com hemorragia activa em jacto. Por vezes existe um vaso visível ou coágulo aderente, em qualquer das situações sem ulceração significativa da mucosa. Devido às dificuldades diagnósticas, não é raro a necessidade de várias endoscopias para se descobrir a lesão. Atendendo à raridade deste tipo de lesão sangrante e à multiplicidade de terapêuticas hemostáticas utilizadas nos diversos trabalhos existentes, é difícil a apreciação dos resultados, não existindo, por isso, consenso sobre qual a melhor opção de hemostase endoscópica. No tratamento das LD tem sido descrito praticamente todo o tipo de opções de terapêutica hemostática, desde injecção de adrenalina(73,74), álcool(75,76), polidocanol(77), histoacryl(78,79), cola de fibrina(80) e glucose hipertónica(81); sonda térmica(82-85); electrocoagulação multipolar(84,86); laser(87); laqueação elástica(88-94) e hemoclips(95-100). Por vezes, o mesmo trabalho apresenta resultados que 75 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA advêm da utilização de diferentes técnicas ou mesmo combinações de técnicas, o que não permite concluir efectivamente qual a técnica mais eficaz. Não se pode consequentemente afirmar categoricamente a superioridade de um método sobre outro. Apenas se pode afirmar a sua eficácia no tratamento deste tipo de lesão. Em relação a trabalhos randomizado existentes, é de referir o realizado por Chung et al. Comparam a injecção de adrenalina vs métodos mecânicos. Concluíram que os métodos mecânicos (hemoclips, n=9; laqueação elástica, n=3) eram mais eficazes que a injecção de adrenalina (n=12) em termos de hemostase inicial (92% vs 75%, p=0,1), recidiva hemorrágica (8,3% vs 33,3%, p=0,03), e necessidade de cirurgia urgente (0% vs 16,7%, p=0,1)(98). Outro estudo, realizado por Park et al, englobou 32 doentes com LD. Foram distribuídos em dois grupos: um foi submetido a terapêutica com injecção de adrenalina (n=16) e no outro foram aplicados de hemoclips (n=16). Não houve mortalidade associada à hemorragia em ambos os grupos. Não houve diferenças significativas na hemostase inicial entre os dois grupos (93,8% vs 87,5%, P=1,00). Detectou-se uma menor necessidade de endoscopia para atingir hemostase definitiva no grupo tratado com hemoclips vs grupo tratado com injecção de adrenalina (86,3% vs 31,3%, P=0,086). A aplicação de hemoclips foi significativamente mais eficaz na prevenção de recidiva comparando com a injecção de adrenalina (0% vs 35,7%, P<0,05). Os autores concluem que a hemorragia por LD foi eficazmente tratada pelos métodos endoscópicos. A aplicação de hemoclips revelou-se mais eficaz que a injecção com adrenalina, com menor necessidade de subsequentes endoscopias(99). Estes trabalhos e outros existentes têm vindo a demonstrar a eficácia dos métodos mecânicos no tratamento deste tipo de lesão, bem como a sua superioridade sobre os métodos de injecção(18-27,30). Outra eventual vantagem dos métodos mecânicos sobre os outros métodos é a ausên- cia de lesão tecidual e logo de complicações. Podemos, em conclusão, afirmar que: obtém-se uma hemostase inicial em cerca de 85% dos doentes; existe um risco de recidiva precoce de 10% e que parte destas recidivas podem ser tratadas com métodos endoscópicos. O risco de recidiva a longo prazo é reduzido ou nulo. Quanto à melhor opção terapêutica, os métodos mecânicos (laqueação elástica, hemoclips) têm vindo a mostrar-se particularmente indicados para este tipo de lesão, com grande sucesso/eficácia na jugulação da hemorragia por LD e existindo dados que mostram superioridade quando comparados com os métodos de injecção. Como outra opção temos os métodos térmicos (sonda térmica, BICAP) com ou sem injecção de solução hemostática prévia (ex: adrenalina) que têm demonstrado ser também eficazes. No entanto, ressalva-se a falta de estudos randomizados que permitam definir, efectivamente, qual a melhor opção terapêutica, nomeadamente comparando os métodos mecânicos com os métodos térmicos. No caso de apenas possuir soluções injectáveis, parece lógico associar adrenalina diluída inicialmente para exercer o seu efeito compressivo e associar um agente esclerosante para puder obter uma hemostase efectiva. Deve-se referir, todavia, que tanto os métodos térmicos como os de injecção não estão desprovidos de potenciais complicações, pois podem originar lesão tecidual(101). 2.4. Angiodisplasias Designam-se por angiodisplasias as lesões vasculares que se apresentam com vasos ectasiados na mucosa e que não estão associadas a lesões cutâneas, síndromes vasculares sistémicos e ou síndromes familiares. Estas lesões são muito semelhantes às telangectasias que aparecem nessas doenças e o tratamento endoscópico recomendado é igual. As angiodisplasias chegam a estar incriminadas em cerca de 4% das hemorragias digestivas altas(102). 76 Filipe Silva e Helena Vasconcelos Estas lesões são na maioria das vezes multifocais o que por vezes dificulta o tratamento adequado. Também a forma de apresentação da hemorragia condiciona a escolha do método endoscópico mais eficaz. A selecção da melhor técnica de hemostase não se baseia em conhecimentos científicos correctamente validados devido à falta de estudos suficientemente amplos e randomizados. Encontra-se na literatura apenas referência a pequenas séries de doentes tratados, sem obedecer às regras e preceitos científicos dos ensaios clínicos que nos permitam validar as técnicas ou afirmar a superioridade de uma sobre a outra. A terapêutica endoscópica com recurso a agentes esclerosantes e sonda térmica são usados, embora possa haver recorrência da hemorragia em cerca de metade dos doentes. Isto deve-se mais ao sangramento de outras angiodisplasias do que a ineficácia do método (102). A utilização de Nd-Yag laser ou árgon plasma são as técnicas que apresentam os melhores resultados diminuindo a hemorragia e as necessidades transfusionais. Pelas características já previamente mencionadas a coagulação com recurso ao árgon plasma é actualmente a técnica mais popular. É a que se apresenta com maior acessibilidade e mais simples de executar(103-105). A potência recomendada é de 40 a 60 W com um fluxo de 2L/min.(103). Tal com em outras lesões sangrantes de alguma raridade não existem trabalhos randomizados que possam aconselhar o uso de qualquer opção terapêutica, contudo devido à lesão ocupar todo o antro, os métodos térmicos sem contacto são mais utilizados por se poderem aplicar numa grande extensão de mucosa(106). O sucesso parece ser muito superior com o recurso à utilização do laser ou do árgon plasma. O Nd-Yag laser apresenta taxas de resposta que podem chegar aos 90 %. Porém as complicações associadas não são desprezíveis(107). O árgon plasma é uma técnica de electrocoagulação que tem como vantagem a limitada penetração na parede gástrica o que reduz o risco de complicações. Este é hoje em dia o método mais amplamente usado nesta patologia(105,108,109). A potência recomendada é de 40 a 60W com um fluxo de 2L/min(103). Múltiplas sessões são muitas vezes necessárias até se obter o controlo das necessidades transfusionais nesses doentes. 2.6. Esofagite Péptica A esofagite péptica é responsável por cerca de 5-15% das HDA. No entanto, a hemorragia clinicamente significativa é um acontecimento raro(7). Normalmente, neste contexto, o tratamento conservador, combinado com inibidores da secreção ácida, é suficiente. Muito raramente, é necessário terapêutica hemostática endoscópica, no contexto de HDA por esofagite. Uma eventual situação em que a hemostase endoscópica pode ter lugar é perante a presença de ulceração com erosão de vaso arterial subjacente. A melhor opção de terapêutica hemostática é controversa, dado que não existem estudos nesse sentido. No entanto, por comparação com a doença péptica gastro-duodenal, poderão ser aplicadas as mesmas técnicas consideradas eficazes neste tipo de lesão sangrante(7). 2.5. Ectasia Vascular Antral A ectasia vascular antral, ou estômago em melância, constitui uma causa rara de hemorragia digestiva. O aspecto endoscópico característico complementado com a análise histológica faz o diagnóstico. Esta lesão associa-se a várias doenças auto-imunes. Antes do advento da terapêutica endoscópica o tratamento era frequentemente cirúrgico (antrectomia). Nem sempre é necessário recorrer à terapêutica endoscópica dado que muitas vezes o tratamento conservador com suplementos de ferro se revela suficiente. 77 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DE CAUSA NÃO VARICOSA 2.7. Gastrite e Duodenite Erosivas referir uma taxa de recidiva de 33% ao fim de um mês e uma mortalidade ao ano de 89%, como seria de esperar neste género de patologia. Por norma são necessárias, várias sessões de terapêutica endoscópica para obter os resultados pretendidos(113). As erosões gástricas e duodenais são a causa de 5 a 15% das HDA(7). Raramente induzem perdas hemáticas significativas, resolvendo-se apenas com tratamento médico. A terapêutica endoscópica é, por norma, pouco útil, atendendo à distribuição difusa deste tipo de lesões e pelo facto destas serem geralmente superficiais. Excepcionalmente poder-se-á recorrer aos métodos térmicos (BICAP, árgon plasma) se a hemorragia for significativa e se apresentar de forma localizada(110). 2.9. Hemorragias Iatrogénicas As hemorragias secundárias a procedimentos terapêuticos endoscópicos são representadas principalmente por hemorragias após mucosectomia, esfinterotomia endoscópica, esclerose ou ligadura elástica de varizes esofágicas, dilatação, gastrostomia por via endoscópica e polipectomia(114, 115). Por norma, estas hemorragias são acessíveis a tratamento endoscópico, embora excepcionalmente possa existir necessidade de resolução cirúrgica. De um modo geral todas as opções de hemostase, quer por métodos de injecção, térmicos ou mecânicos têm demonstrado eficácia na paragem da hemorragia(114,116-118). 2.8. Tumores A patologia tumoral é responsável por cerca de 1 a 5% das HDA. Normalmente correspondem a tumores primitivos do estômago (adenocarcinoma, tumores do estroma, linfomas, tumores neuro-endócrinos ou pólipos) e de metástases gástricas ou duodenais de tumores primitivos sobretudo do pulmão, mama, rim ou melanoma maligno(111-113). No contexto de patologia tumoral, o papel desempenhado pela endoscopia é essencialmente diagnóstico, pois a maioria dos doentes serão orientados para ressecção cirúrgica, se possível. A hemostase endoscópica poderá estar indicada para controlo da hemorragia, antes de uma cirurgia electiva ou no caso do doente não ter condições para ser submetido a cirurgia, no sentido de diminuir as perdas hemáticas e assim a necessidade de aporte transfusional(111-113). Quanto ao tipo de terapêutica, tanto o laser como árgon plasma parecem ser os mais úteis, permitindo uma destruição tumoral e também hemostase sobre extensas áreas. A injecção de álcool também é uma opção, embora o grau de destruição tumoral seja mais difícil de controlar. Savides et al utilizaram num estudo retrospectivo como métodos hemostáticos a sonda térmica ou a injecção de adrenalina ou ambas. Conseguiram alcançar hemostase em todos os tumores, sendo de 78 Filipe Silva e Helena Vasconcelos BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Lau JYW, Chung SSC. Practical management of non-variceal upper gastrointestinal bleeding. In: Tytgat GNJ, Waye JD, eds. Practice of therapeutic endoscopy. 2nd edition. London: WB Saunders; 2000, p. 1-11. Lesur G, Artru P, Mitry E. Hemorragies digestives: histoire naturelle et place de l’hemostase endoscopique. Gastroenterol Clin biol 2000; 24: 656-66. Soehendra N, Werner B. New technique of endoscopic treatment of bleeding gastric ulcer. Endoscopy 1976; 8: 85-7. Kovac TOG, Jensen DM. 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Dado o impacto combinado das suas complicações, a hipertensão portal representa a principal causa de morte e de transplantação hepática em doentes com cirrose. A hemorragia gastrointestinal massiva é um dos problemas clínicos mais frequentes e graves da cirrose hapática. Embora os doentes cirróticos possam apresentar hemorragia de várias origens, a rotura de varizes gastroesofágicas é, de longe, a causa mais importante de hemorragia gastrointestinal neste grupo de pacientes, contribuindo para cerca de 80% dos episódios hemorrágicos. A avaliação e o tratamento da hipertensão portal evoluíram muito nos últimos anos, pelo que o prognóstico da cirrose hepática melhorou bastante. Embora a mortalidade no internamento, em cada episódio hemorrágico, permaneça elevada, na ordem dos 8%, a mortalidade por hemorragia, englobando o período de internamento e as semanas subsequentes, decaiu para metade, cifrando-se actualmente entre 15 e 30 %. Para o decréscimo da mortalidade muito contribuíram a melhor compreensão da fisiopatologia da hipertensão portal, novos exames complementares, novas técnicas terapêuticas, a possibilidade de erradicar as II - VARIZES ESOFÁGICAS 1. História natural A hemorragia por varizes esofágicas é uma das complicações mais graves da hipertensão portal, constituindo o último passo na cadeia de eventos que começa com um aumento da pressão portal, condicionante da formação e dilatação progressiva de vasos colaterais, dentro dos quais as varizes gastro-esofágicas são os mais relevantes do ponto de vista clínico(1). A ausência de marcadores não invasivos aplicáveis na clínica para a identificação de varizes esofágicas, faz da endoscopia digestiva alta o método de eleição para esse efeito(1,2). Dada a grande variabilidade de prevalência de varizes esofágicas em doentes cirróticos, é actualmente consensual que todos os doentes devem efectuar endoscopia para avaliar a presença de varizes esofágicas, aquando do diagnóstico da cirrose hepática(3,4). A prevalência de varizes esofágicas em doentes cirróticos é aproximadamente 50%(5), variando entre 30 e 80 %, e parece estar rela85 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL cionada com o grau de insuficiência hepática(6,4), sendo que mais de 90% dos cirróticos desenvolvem varizes esofágicas no decurso da sua vida(7,8) e, destes, 30% vão sangrar(9). O risco de desenvolvimento de varizes esofágicas de novo é de cerca de 5% por ano. Uma vez presentes, o risco de varizes pequenas se tornarem maiores é de 4% a 10% por ano(5,10,11). A regressão espontânea de varizes esofágicas pequenas pode por vezes ser observada(5,11). A abstinência alcoólica é um factor determinante a considerar nesta ocorrência. de grande calibre, em doentes cirróticos estáveis, ronda os 35%(16). De acordo com a actual teoria da explosão, o aumento da pressão hidrostática interior é o principal factor implicado, contribuindo para o aumento do calibre da variz e consequente diminuição da espessura da sua parede. A hemorragia ocorre quando a tensão na parede (força interna exercida pela parede do vaso contra a distensão desencadeada pelo aumento de pressão intra-varicosa) excede o limite de elasticidade, produzindo a rotura da variz(17). O conceito fisiopatológico encontra suporte nas observações clínicas de que o risco de hemorragia é directamente proporcional ao tamanho das varizes e à diminuição da espessura da sua parede, traduzida pela presença de ponteado, manchas ou riscos vermelhos, que se pensa reflectirem áreas onde a parede é especialmente delgada(6). A hemorragia por varizes representa, aproximadamente, 70%-80% dos episódios de hemorragia gastrointestinal alta em doentes com hipertensão portal(12,13). Mesmo sem qualquer intervenção, a hemorragia cessa em mais de metade dos doentes. Naqueles que sobrevivem ao evento hemorrágico agudo, existe um elevado risco de recidiva tardia (depois das 6 semanas) e mais de 70% volta a sangrar se não for tratado(14). A incidência de recidiva hemorrágica nas primeiras 6 semanas (recidiva precoce) é de 30% a 40%. Este risco tem um pico nos primeiros cinco dias, durante os quais ocorrem 40% dos episódios de recidiva(1). De acordo com um consenso internacional, a mortalidade da hemorragia por varizes esofágicas é actualmente avaliada às 6 semanas(3). Acresce que, doentes com rotura de varizes esofágicas e com valores de gradiente de pressão na veia hepática (GPVH - a diferença entre a pressão portal e a pressão na veia cava inferior)> 20 mmHg na admissão, apresentam taxas de recidiva hemorrágica e mortalidade mais elevadas, o que reflecte a importância da pressão portal no prognóstico destes doentes(18). Embora a pressão portal não seja equivalente à pressão intra-varicosa, a sua variação reflecte variações simultâneas desta(19), o que também está de acordo com a explicação fisiopatológica. 2. Patogénese A tensão e a espessura da parede da variz constituem os factores determinantes da sua rotura. De acordo com a modificação de Frank da lei de Laplace, a tensão da parede da variz é directamente proporcional à pressão varicosa transmural (gradiente entre as pressões intra-esofágica e varicosa) e ao raio (calibre) da variz, e inversamente proporcional à espessura da parede da variz(15). Varizes de grande calibre apresentam tensão elevada e menor espessura da sua parede, que se associam a maior risco de rotura. A prevalência de varizes 3. Factores de risco Os factores que predispõem ou que precipitam a hemorragia não estão totalmente definidos. No entanto, a sua identificação é importante na selecção de doentes que mais beneficiariam de terapêutica profiláctica. O índice de prognóstico mais frequentemente utilizado foi proposto pelo North 86 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Italian Endoscopic Club, que estratifica os doentes com cirrose de acordo com a probabilidade de hemorragia ao 1º ano(7), tendo sido validado prospectivamente em séries independentes que incluíram mais de 1000 doentes(6). Três factores de risco para a primeira hemorragia de varizes foram estabelecidos: tamanho das varizes, espessura da parede do vaso com manchas e riscos vermelhos (fig. 1) e gravidade da doença hepática (baseada na concentração sérica de albumina, tempo de protrombina, valor de bilirrubina, presença de ascite e encefalopatia)(7). mais elevada de hemorragia não-controlada, recidiva precoce e mortalidade ao 1º ano)(23,20). Estes factos sugerem que um fármaco vasoactivo que baixe a pressão portal deve ser administrado sempre, independentemente da realização de terapêutica endoscópica eficaz. QUADRO I. FACTORES DE RISCO DE HEMORRAGIA POR VARIZES ESOFÁGICAS Tamanho das varizes Espessura da parede do vaso (manchas e riscos vermelhos) Gravidade da doença hepática (albumina, tempo de protrombina, bilirrubina, ascite, encefalopatia) GPVH > 12 mmHg 4. Factores de prognóstico de recidiva precoce e mortalidade Apesar dos avanços recentes na terapêutica farmacológica e endoscópica da hemorragia de varizes, a taxa de recidiva ainda é elevada, cerca de 25-60%, sendo a taxa de recidiva ainda maior em doentes com carcinoma hepato-celular ou varizes gástricas(24). FIGURA 1 - VARIZES ESOFÁGICAS DE GRANDE CALIBRE COM MANCHAS E RISCOS VERMELHOS. A recidiva precoce está significativamente associada ao risco de morte nas primeiras 6 semanas. Os indicadores de prognóstico de recidiva precoce descritos na literatura são um GPVH > 16 mmHg25, GPVH > 20 mmHg na admissão(18), infecção(26,27), ureia elevada e hipoalbuminemia(6). O valor de hematócrito, valor de aminotransferases, classe Child-Pugh e trombose da veia porta constituem indicadores significativos de falência terapêutica ao 5º dia(28). Um factor determinante no sangramento das varizes esofágicas é o GPVH. A hemorragia apenas se verifica quando o GPVH for superior ao valor limite de 12 mmHg e os doentes com hemorragia, ou com varizes de maior calibre, apresentam geralmente gradientes mais elevados(11,20). Embora não exista uma relação linear entre a gravidade da hipertensão portal e o risco de hemorragia para valores acima dos 12 mmHg(21,22), vários estudos mostraram que o GPVH é um factor de prognóstico independente para hemorragia de varizes e morte (Quadro I). Valores de GVPH na admissão superiores a 20mmHg associam-se a pior prognóstico (frequência significativamente A presença de hemorragia activa na endoscopia associou-se a recidiva precoce em alguns estudos(29,30) e a falência terapêutica ao 5 º dia (28), mas não noutros estudos (Quadro II)(31). Os factores associados a mortalidade (às 6 semanas) por rotura de varizes esofágicas incluem a classe de Child-Pugh(32,33), função 87 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL QUADRO II FACTORES DE RISCO DE RECIDIVA PRECOCE GPVH > 16 mmHg GPVH > 20 mmHg na admissão Ureia elevada Infecção Hipoalbuminémia Carcinoma Hepato-Celular Varizes Gástricas Hemorragia activa na endoscopia ? FACTORES DE RISCO DE FALÊNCIA TERAPÊUTICA AO 5º DIA Hematócrito Aminotransferases Classe de Child-Pugh Trombose da Veia Porta Infecção Hemorragia activa na endoscopia ? renal(31,13), idade, consumo activo de álcool(6), encefalopatia, valor de bilirrubina, albumina, etiologia alcoólica e carcinoma hepato-celular(28,31). Embora alguns autores(34) tenham observado que a presença de hemorragia activa na endoscopia constitui um factor de prognóstico de mortalidade, outros não o confirmaram(35,36,6). 5. Outros Factores de Prognóstico a) Alterações da Coagulação O efeito das alterações da coagulação na gravidade da hemorragia por varizes não está clarificado. Embora um tempo de protrombina prolongado se associe a uma maior probabilidade de hemorragia por rotura de varizes esofágicas, ao primeiro ano(7), e os doentes cirróticos, com hemorragia gastrointestinal, requeiram transfusões de grande volume, que podem exacerbar a coagulopatia(38), os dados actualmente disponíveis não permitem estabelecer recomendações referentes ao tratamento da coagulopatia, nem à correcção da trombocitopénia(39). Recentemente Tripodi A et al vieram pôr em causa a existência de uma verdadeira coagulopatia na cirrose, argumentando que a diminuição dos factores de coagulação é compensada por uma diminuição de factores anticoagulantes(40). A recidiva precoce é provavelmente o factor de prognóstico mais importante para o risco de morte, às 6 semanas(6), e os estudos demonstram que a insuficiência hepática e a gravidade da hemorragia constituem indicadores de prognóstico precoce e de falência terapêutica ao 5º dia. Os indicadores de prognóstico da mortalidade, às 6 semanas, relacionam-se mais com a doença hepática do que com a gravidade da hemorragia (Quadro III)(28,37). QUADRO III. FACTORES DE PROGNÓSTICO DE MORTALIDADE ÀS 6 SEMANAS Apesar de tudo, é prática comum efectuar transfusão de plaquetas em doentes com hemorragia activa e trombocitopénia acentuada e administrar plasma fresco congelado para correcção da coagulopatia grave(14). Os doentes com hemorragia aguda por varizes esofágicas, com recidiva precoce, apresentam um estado de hipocoagulação relacionado com hipofibrinogenemia ou deficiência de factores de coagulação(41). A administração intravenosa de factor VIIa recombinante (rFVIIa) permite corrigir o Recidiva precoce Infecção Classe de Child-Pugh Função Renal Idade Consumo activo de álcool Encefalopatia Etiologia alcoólica Hipoalbuminémia Bilirrubina elevada Carcinoma Hepato-Celular Hemorragia activa na endoscopia? 88 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro tempo de protrombina nos cirróticos, tanto no contexto de hemorragia aguda(42), como na ausência de hemorragia(43), e a sua administração poderá melhorar os resultados da terapêutica convencional nos doentes com insuficiência hepática moderada a grave (Classe B e C de Child-Pugh), sem aumentar a incidência de eventos adversos (complicações tromboembólicas)(38). c) Factores de prognóstico de recidiva tardia (depois das 6 semanas) A pressão portal poderá ser o principal factor determinante de recidiva hemorrágica tardia. Num estudo, a redução do GPVH foi o único factor de prognóstico independente para recidiva, em doentes sob profilaxia secundária com propranolol(50). Estão descritos outros factores de risco de recidiva tardia, tais como o calibre das varizes, consumo activo de álcool, insuficiência renal e grau de insuficiência hepática(51). No entanto, o calibre das varizes e a classe de Child-Pugh parecem sofrer alterações que acompanham as variações do GPVH(11). Também a abstinência alcoólica, que diminui o risco de recidiva, se associa a uma redução no GPVH(11). Consequentemente, tem sido sugerido por alguns autores que doentes sob terapêutica médica para prevenir a recidiva hemorrágica, deveriam idealmente ser monitorizados com medições da GPVH, para avaliar o efeito do tratamento na pressão portal(52). b) Infecções A infecção é outro factor de risco nos doentes cirróticos com hemorragia aguda por rotura de varizes, documentando-se a sua existência em 35-66% dos episódios hemorrágicos(44). A infecção bacteriana associa-se a risco aumentado de falência de controlo da hemorragia, de recidiva precoce e de mortalidade, sendo porventura o factor de risco mais importante na recidiva hemorrágica(26,32). Tem sido colocada a hipótese de que a infecção bacteriana e a endotoxinemia resultariam na activação de uma cascata de citoquinas, com libertação de substâncias vasoactivas, nomeadamente a endotelina, levando a um aumento da pressão varicosa e disfunção da hemostase primária, conduzindo por sua vez à rotura de varizes(44). Vários estudos controlados, aleatórios, mostraram um benefício significativo da profilaxia antibiótica na hemorragia por varizes, com uma redução absoluta do risco de mortalidade de 7%, comparativamente com o placebo ou com aqueles que não fizeram profilaxia(12). Os aérobios gram negativos entéricos são os microorganismos mais frequentemente isolados nos doentes cirróticos com hemorragia gastrointestinal(24,45,46,47,48,49), sendo que as quinolonas se têm provado eficazes na prevenção das infecções, neste contexto(24,46,47,49). É actualmente recomendação consensual que a profilaxia antibiótica com cefalosporina endovenosa ou com quinolona oral seja instituída, desde a admissão, em todos os doentes cirróticos com rotura de varizes(3). 6. Tratamento da Hemorragia Aguda Considera-se que uma hemorragia digestiva alta foi provocada por rotura de varizes, quando se demonstra, na endoscopia de urgência, hemorragia em jacto (fig. 2) ou em “babamento” (oozing) de uma variz, um coágulo de fibrina (“white nipple sign”) aderente a uma variz, ou a presença de varizes esofágicas e ausência de outra condição patológica para explicar a hemorragia digestiva(3). A primeira e mais importante medida terapêutica é a estabilização hemodinâmica do doente e a prevenção da aspiração do vómito hemático(53). A rotura de varizes esofágicas constitui uma emergência médica. Estes doentes devem ser internados num hospital que tenha pelo menos unidade de cuidados intensivos e endoscopia. Idealmente devem ser tratados numa unidade de cuidados intensivos. 89 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL reflexa que reduz o fluxo sanguíneo portocolateral e pressão portal, que tende a parar a hemorragia espontaneamente. Este fenómeno é contrariado, e mesmo agravado, pela transfusão sanguínea. Em doentes com hipertensão portal, a expansão do volume plasmático aumenta a pressão portal(12). Por outro lado, é importante corrigir a anemia nos dias subsequentes, uma vez que a anemia persistente se associa a agravamento da síndrome de circulação hiperdinâmica e hipertensão portal, podendo constituir um factor de risco para a recidiva(12,57). As recomendações actuais são manter a volémia parcimoniosamente, usando expansores do plasma para assegurar a estabilidade hemodinâmica (pressão arterial sistólica superior a 80 mmHg e frequência cardíaca inferior a 100 pulsações por minuto) e transfundir apenas as unidades de concentrado de eritrócitos suficientes para manter a hemoglobina em 8g/dL e o hematócrito entre 25% e 29%, dependendo estes valores de outros factores do doente, como co-morbilidades, idade, ou presença de hemorragia activa(39,3). Todos os doentes que recebem transfusões sanguíneas em grande volume devem ser monitorizados em relação à hipocalcemia(15). FIGURA 2 - HEMORRAGIA EM JACTO DE VARIZ ESOFÁGICA A determinação da gravidade da hemorragia baseia-se em sinais clínicos, a maioria de natureza hemodinâmica, que devem ser interpretados no contexto da cirrose (não esquecer os efeitos da terapêutica com B-bloqueantes). Os valores iniciais da hemoglobina ou do hematócrito não são indicadores fidedignos da perda de sangue(54). a) Medidas Gerais Estabilização hemodinâmica A hemorragia por varizes esofágicas é frequentemente massiva, de grande débito, sendo essencial evitar complicações do choque hipovolémico e da diminuição da perfusão de órgão vitais. A reposição da volémia deve ser iniciada o mais precocemente possível. Evitar o choque hipovolémico prolongado é particularmente importante para prevenir complicações, como infecções e insuficiência renal, que estão associadas ao risco de recidiva hemorrágica e morte(1). As transfusões em excesso, contudo, devem ser evitadas, não apenas pelos riscos inerentes à transfusão em si, mas também por poder desencadear um (novo) aumento da pressão portal, associado ao risco de persistência ou recidiva da hemorragia(55,56). A hipovolémia causada pela hemorragia desencadeia uma vasoconstrição esplâncnica Antibioterapia A profilaxia antibiótica deve ser instituída desde a admissão, dado que a administração precoce melhora a sobrevida. A presença de infecção, que tem um efeito deletério no controlo da hemorragia e na mortalidade, deve ser investigada(27). As infecções mais frequentes são peritonite bacteriana expontânea (40%), infecção urinária (25%) e pneumonia (25%). Pelo seu baixo custo, a norfloxacina, 400 mg de 12h/12h por via oral(58), ou outra quinolona, poderá ser uma primeira escolha. Contudo, em doentes de elevado risco (choque hipovolémico, ascite, insuficiência hepática) será aconselhável a administração endovenosa de uma cefalosporina de terceira geração(59). 90 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Uma vez que a aspiração brônquica de conteúdo gástrico e/ou sangue constitui um problema particular, podendo ser exacerbado pelos procedimentos endoscópicos, é aconselhável proceder a entubação orotraqueal para proteger as vias aéreas, particularmente nos doentes com alto débito hemorrágico ou não cooperantes, designadamente com encefalopatia(1). face às suas reacções adversas e ao surgimento de outros fármacos com melhor perfil de segurança e de eficácia. Hoje em dia, a terlipressina, a somatostatina e o octreótido, são os medicamentos com uso mais generalizado. Dada a heterogeneidade dos estudos, não é possível confirmar a superioridade de um fármaco vasoactivo em relação a outro. Na última reunião de Baveno (Baveno IV), não foi possível chegar a consenso sobre qual a substância a utilizar. Frequentemente a selecção do fármaco vasoactivo (terlipressina, somatostatina, vapreótido, octreótido) depende da disponibilidade local. Faz sentido que a terlipressina seja a primeira escolha, uma vez que é o único fármaco que num estudo mostrou melhorar a sobrevida, em relação a placebo(62). Contudo, o seu perfil de segurança não é o melhor e existem contra-indicações para a sua utilização(63), pelo que o octreótido e a somatostatina são alternativas igualmente válidas(59). Não existe evidência directa de que a somatostatina ou o octreótido, usados isoladamente, tenham benefício em relação ao placebo ou ausência de tratamento na hemorragia aguda por varizes. Contudo, existem estudos controlados, randomizados que apontam para a equivalência destes fármacos em relação à terlipressina e à escleroterapia no controlo da hemorragia(64). Tratamento da encefalopatia Doentes que desenvolvem ou apresentam encefalopatia devem ser tratados com lactulose, lactitol ou outros fármacos. Embora seja usual lactulose ou lactitol para a prevenção da encefalopatia, não existem estudos que comprovem a sua eficácia neste âmbito(39). b) Terapêutica Específica Terapêutica Farmacológica Os fármacos vasoactivos oferecem uma oportunidade para manipular o desequilíbrio entre a resistência vascular intra-hepática e esplâncnica, que conduz e perpetua a hipertensão portal. Os seus efeitos hemodinâmicos incluem a diminuição da pressão e fluxo sanguíneo portal, fluxo sanguíneo colateral e pressão varicosa, conduzindo à hemostase, quando usados na hemorragia activa por varizes esofágicas(60). A terapêutica farmacológica vasoactiva tem a vantagem de ser de uso fácil, dispensando equipamentos e pessoal especializado, podendo ser administrada antes da endoscopia diagnóstica e mesmo durante a transferência do doente para um hospital, ou quando não existe um endoscopista disponível 24 horas por dia(61). Na suspeita de hemorragia por varizes esofágicas, a terapêutica farmacológica deve ser instituída o mais cedo possível (antes da endoscopia diagnóstica) e mantida por 2-5 dias(39). O primeiro fármaco usado na prática clínica foi a vasopressina, entretanto abandonado, c) Terapêutica Endoscópica Esclerose de Varizes A primeira descrição de injecção de esclerosante em varizes esofágicas para controlo de hemorragia data de 1939(65). Em 1979 foi publicado o primeiro ensaio controlado, randomizado que demonstrou a eficácia da escleroterapia no controlo da hemorragia por varizes esofágicas(65). Outros trabalhos, que se seguiram, comprovaram a melhoria da sobrevida em doentes tratados com esta técnica(66,67). Existe grande variabilidade da técnica de esclerose utilizada nos vários ensaios, 91 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL nomeadamente em relação ao agente esclerosante utilizado, volume injectado, número de sessões, intervalo entre as sessões e local de injecção. A esclerose pode ser efectuada com injecção do esclerosante directamente na variz (intra-varicosa) para produzir trombose, ou adjacente à variz (para-varicosa) de forma a induzir fibrose submucosa e obliteração dos vasos perfurantes mais profundos. Na prática, as duas técnicas podem ser usadas em combinação (68). Aliás, foi demonstrado que punções efectuadas com a intenção de serem intra-varicosas são de facto para-varicosas em cerca de 35-45% dos casos. Admite-se que a injecção intra-varicosa é superior à para-varicosa no controlo da hemorragia activa e na obliteração total das varizes, requerendo menos tempo e um menor número de sessões para atingir o objectivo. No entanto, a injecção para-varicosa poderá associar-se a uma menor taxa de recorrência(69). febre, derrame pleural, dor torácica e disfagia aguda, são frequentes e geralmente auto-limitadas. Pode provocar igualmente úlceras superficiais que se podem associar a hemorragia ou levar a estenoses, que surgem em até 40% dos doentes(73,74). Esclerose vs Terapêutica Farmacológica Vários ensaios compararam a esclerose com a terapêutica farmacológica: um com a vasopressina(75), outro com a terlipressina(76), pelo menos cinco com octreótido(77,78, 79,80,81) e quatro com a somatostatina (61,82,83,84). A esclerose foi superior à vasopressina, associada à nitroglicerina, no controlo da hemorragia activa(75). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas na falência do controlo da hemorragia, recidiva e mortalidade em relação à terlipressina(76). A esclerose foi equivalente ao octreótido e à somatostatina no controlo da hemorragia. Estes resultados foram confirmados em meta-análise(85,64). No entanto, recentemente os resultados e a metodologia desta meta-análise foram postos em causa por outro autor, que chegou à conclusão que a esclerose é superior à terapêutica farmacológica(86,87), conclusão que nos parece ser a mais sustentada. Vários esclerosantes têm sido utilizados, nomeadamente o polidocanol a 1%-3%, o oleato de etanolamina a 5%, o morruato de sódio a 5%, e o tetradecil sulfato de sódio a 1-3%. Todos os esclerosantes foram usados com sucesso em ensaios controlados, aleatórios, isoladamente ou associados(70,71). Adicionalmente, dois tipos de colas ou adesivos tecidulares, o histoacril e o bucrilato, têm sido utilizados no tratamento da hemorragia por varizes(65). A injecção de esclerosante é iniciada durante a endoscopia diagnóstica, que deverá ser o mais precocemente possível(67). Depois, é geralmente repetida até à completa obliteração das varizes, devendo as primeiras sessões ser efectuadas a intervalos curtos, semanalmente(72), para impedir a recidiva hemorrágica precoce. Laqueação Elástica de Varizes Esofágicas A laqueação elástica de varizes esofágicas, como técnica terapêutica da hemorragia, através do bloqueio mecânico do fluxo sanguíneo, foi introduzida por Stiegmann em 1986(88). Na laqueação elástica, bandas elásticas são usadas para estrangular a variz e o tecido adjacente, após sucção da mesma para o interior de um dispositivo cilíndrico adaptado à extremidade do endoscópio (fig. 3)(65). Três a sete dias após a laqueação elástica, aproximadamente, a variz e a mucosa circundante estrangulada necrosam e caem, deixando uma úlcera superficial que cicatriza em 14 dias (fig.4)(89). Foram descritas várias complicações locais e sistémicas associadas à injecção de esclerosante. As complicações agudas como a 92 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro mento de elástico. Com o aperfeiçoamento da técnica, foi criado um mecanismo que permite aplicar vários elásticos com uma única introdução e a peça cilíndrica opaca foi substituída por uma peça transparente. Esta simplificação da técnica permite não só uma melhor visualização, como reduz as potenciais complicações associadas ao carregamento dos elásticos e a múltiplas introduções do endoscópio em cada sessão terapêutica(90). A incidência global de complicações é substancialmente menor do que as associadas à esclerose de varizes(91,92,93,94,95,96,97), nomeadamente a incidência de úlceras e de estenoses esofágicas(98). Num estudo recente, o tratamento com pantoprazole, 40mg por dia, após laqueação elástica de varizes, conduziu a uma redução de 50% da dimensão das úlceras(99). São necessários mais estudos para averiguar se a adição destes fármacos diminui os episódios de hemorragia e a morbilidade associada à laqueação elástica. FIGURA 3 - LAQUEAÇÃO ELÁSTICA DE VARIZ ESOFÁGICA Esclerose vs Laqueação Elástica Os resultados de 7 ensaios prospectivos, controlados, aleatórios, que compararam a laqueação elástica com a esclerose de varizes(91,92,93,94,95,96,97), demonstram que a laqueação é tão eficaz como a esclerose no controlo da hemorragia activa por varizes, mas com menor taxa de complicações. A obliteração das varizes foi mais rápida(92,93,94,95,96,97), com uma menor taxa de recidiva hemorrágica (91,93,94,96,97) e com menos complicações (92,93,94,95,96,97) no grupo da laqueação elástica. Um dos estudos concluiu que a laqueação é tão eficaz como a esclerose na hemostase de varizes com hemorragia de baixo débito, em babamento, mas mais eficaz do que a esclerose na hemostase de varizes com hemorragia em jacto.(100) Em dois ensaios, houve, inclusivamente, uma melhoria da sobrevida nos doentes tratados com laqueação(94,97). Numa meta-análise efectuada por Laine, demonstra-se que a laqueação elástica é melhor FIGURA 4 - ESCARA APÓS LAQUEAÇÃO ELÁSTICA COM ÚLCERA SUPERFICIAL, À DIREITA. À ESQUERDA, ANEL DE LIGADURA ELÁSTICA AINDA “IN SITU”, APÓS NECROSE DE VARIZ Recomenda-se que o procedimento se inicie nas varizes mais distais, imediatamente acima da junção gastro-esofágica, ou na variz sangrante (distalmente ao ponto de rotura), se existir. Deverá haver a preocupação de deixar suficiente mucosa íntegra entre cada laqueação, pelo que as laqueações subsequentes poderão ser aplicadas em espiral a níveis progressivamente mais altos(66). A técnica inicialmente descrita apresentava como principal limitação o facto de ser necessário remover o endoscópio, após cada laqueação, para efectuar um novo carrega93 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL que a esclerose, quer em termos de rapidez para atingir a erradicação das varizes esofágicas, quer em relação à taxa de recidiva, à incidência de complicações e à mortalidade(98). No entanto, comparativamente com a esclerose, a recorrência de varizes após erradicação pode ocorrer mais frequentemente nos doentes tratados com laqueação elástica(91,92), pelo que é de extrema importância manter a vigilância endoscópica regular nestes doentes. Duas das principais desvantagens apontadas em relação à laqueação elástica de varizes são a fraca visibilidade aquando da hemorragia activa(101,53), problema minorado com os cilindros transparentes e, sobretudo, o facto de ser necessário retirar o endoscópio para carregar o dispositivo de laqueação, obrigando a uma segunda introdução, com o consequente risco de vómito e de aspiração do conteúdo gastro-esofágico(102). período em que decorreu o estudo. No grupo da esclerose, a taxa de recidiva hemorrágica foi mais elevada do que no grupo da laqueação elástica. O autores deduzem que nos doentes com hemorragia por rotura de varizes se justifica a administração precoce de fármacos vasoactivos, que deverão ser mantidos pelo menos durante 48 horas após laqueação elástica e 120 horas após esclerose(107). Combinação de Laqueação Elástica e Esclerose vs Laqueação elástica A adição da esclerose à laqueação elástica no tratamento das varizes esofágicas assenta no conhecimento de que esta oblitera varizes para-esofágicas profundas, que são colaterais aos vasos da submucosa, enquanto que o efeito da laqueação se localiza à submucosa(92). Por outro lado, pequenas varizes previamente tratadas e localizadas numa secção de mucosa fixada e de difícil aspiração são preferencialmente tratadas com esclerose em vez de laqueação elástica(108). Terapêutica endoscópica combinada com terapêutica farmacológica O tratamento hemostático actualmente recomendado para as varizes esofágicas sangrantes é iniciar um fármaco vasoactivo, (terlipressina, somatostatina, octreótido, ou vapreótido) desde a admissão, e associar terapêutica endoscópica na endoscopia diagnóstica(39). A evidência para a utilização da terapêutica combinada provém de uma série de ensaios controlados, aleatórios e de uma metaanálise que demonstraram que a administração precoce de fármacos vasoactivos facilita a endoscopia, melhora o controlo da hemorragia e a taxa de recidiva ao 5º dia(103,104,105,106). Um trabalho de investigação recentemente publicado suporta as recomendações actuais, confirmando que o GPVH médio aumenta significativamente, em relação aos valores prévios ao tratamento, após esclerose ou laqueação elástica, das varizes esofágicas. No grupo da laqueação elástica a elevação do GPVH voltou aos valores pré-tratamento em 48 horas, enquanto que no grupo da esclerose permaneceu elevado ao longo de 120 horas, A terapêutica combinando laqueação elástica e esclerose simultânea não apresentou benefícios em relação à laqueação isolada no tratamento da hemorragia por varizes no que se refere a recidiva, complicações e taxa de mortalidade, tendo mesmo requerido um número de sessões significativamente maior para atingir a erradicação de varizes(109). Estes resultados foram confirmados em meta-análise(110), tendo os autores concluído que a hemostase na hemorragia aguda por varizes esofágicas foi semelhante na laqueação elástica e na terapêutica combinada de laqueação e esclerose, não podendo por isso ser recomendada no tratamento da hemorragia aguda. d) Outros métodos endoscópicos Endoloop vs Laqueação elástica Naga et al(111) avaliaram a eficácia da laqueação com “endoloop” comparativamente com a laqueação elástica no controlo da hemorragia aguda por varizes esofágicas. Não 94 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro houve diferenças significativas em relação à hemostase primária, recidiva precoce e tardia, e recorrência de varizes após obliteração completa. Contudo, este estudo envolveu um número reduzido de doentes e não foi aleatório, sendo necessários mais estudos para validar estes resultados. Shim CS et al apresentaram resultados concordantes(112). hemodinâmica, requerendo transfusão de mais de 2 unidades de eritrócitos. Se ocorrer dentro das primeiras 6 semana após o evento inicial representa uma recidiva precoce, enquanto que um episódio hemorrágico que ocorra depois deste período é definido como recidiva tardia. A maioria dos autores admite a falência terapêutica quando não é possível controlar a hemorragia após duas sessões de terapêutica endoscópica de emergência. O risco de falência de controlo de hemorragia é de aproximadamente 10-20%, com o tratamento actual de primeira linha, sendo que o risco é mais elevado nos primeiros dias após admissão.(114) Estes doentes apresentam um risco aumentado de complicações associadas a hemorragia activa e morte, devendo ser identificados e estabilizados enquanto se implementa uma terapêutica de salvamento(14). Clips Yol S et al comparou(113) a colocação de clips por via endoscópica com a laqueação elástica no tratamento da hemorragia por varizes esofágicas. Concluíram que o uso de clips é tão eficaz como a laqueação elástica na hemostase primária. Entre as vantagens apontadas em relação à laqueação, os autores apontam o melhor campo visual e a lesão local mínima, comparada com a úlcera após laqueação elástica. 7. Falência da terapêutica médica e endoscópica de primeira linha Os factores de risco para falência terapêutica estão enunciados na parte inicial deste artigo, pelo que não serão aqui repetidos. É importante definir quando o tratamento médico ou endoscópico de primeira linha falhou e avançar para terapêuticas de salvamento de segunda linha. 8. Tratamento de Salvamento a) Transplantação hepática Considera-se falência de controlo da hemorragia: nas primeiras 6 horas, quando há sinais de persistência de hemorragia associados a instabilidade hemodinâmica, ou necessidade de transfundir mais de 4 unidades de eritrócitos. Depois das primeiras 6 horas, quando ocorrem novas hematemes, ou surge sangue vivo no aspirado gástrico; quando há necessidade de transfundir 2 ou mais unidades de eritrócitos para manter o hematócrito em 24% ou a hemoglobina em 8 g/dl, ou quando após 24 horas persistem sinais de hemorragia. A transplantação hepática é o único tratamento que corrige não só a hipertensão portal mas também a insuficiência hepática. Oferece tratamento a longo prazo para a prevenção da recidiva hemorrágica, descompensação hepática e morte. Apresenta uma sobrevida ao primeiro ano de 80% a 90% e de 60% aos 5 anos, constituindo o melhor tratamento para doentes com insuficiência hepática avançada. Todos os doentes que sobrevivem a um episódio de hemorragia digestiva por rotura de varizes esofágicas devem ser avaliados como candidatos potenciais de transplantação hepática(14,115). Considera-se recidiva hemorrágica: qualquer sangramento, hematemeses ou melenas recentes, que surjam após 24 horas de paragem da hemorragia. Considera-se que é uma hemorragia significatica se tem repercussão 95 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL Três meta-análises(126,127,128) compararam a eficácia da terapêutica endoscópica com o TIPS na prevenção da recidiva hemorrágica. Os resultados demonstraram que o TIPS é mais eficaz na prevenção da recidiva do que a terapêutica endoscópica, contudo associou-se a uma maior taxa de encefalopatia e não houve melhoria da mortalidade. Os autores concluíram que o TIPS não pode ser recomendado como tratamento de rotina na prevenção da recidiva, devendo ser reservado para o grupo de doentes que continuam a sangrar ou desenvolvem recidiva hemorrágica após terapêutica endoscópica. Por outro lado, a colocação do TIPS de acordo com as indicações actuais, baseadas apenas em critérios clínicos (ex.: falência da hemostase após duas sessões de endoscopia terapêutica), associa-se a uma elevada mortalidade (30% a 40%) apesar do controlo da hemorragia, devido a complicações já existentes antes da colocação do TIPS(122,124,129). Factores associados a mau prognóstico incluem encefalopatia prévia, ascite, insuficiência renal, bilirrubina> 3mg/dL, ALT> 100 U/L e TIPS de emergência(130,131). Um estudo recente(132) sugere que critérios hemodinâmicos poderão identificar um grupo de doentes que poderia beneficiar da colocação mais precoce do TIPS. Em cerca de 3% a 10 % dos casos pode ocorrer, nas primeiras semanas após colocação do TIPS, trombose do stent com recorrência da hipertensão portal e hemorragia(14). Simultaneamente, a eficácia do TIPS a longo prazo encontra-se comprometida pelo desenvolvimento de hiperplasia pseudointimal, constituída por células endoteliais sinusoidas hepáticas e células mesenquimatosas, suportadas por um estroma de tecido conjuntivo, produzindo estenose do shunt e hipertensão portal recorrente(133). Aproximadamente 20% e 30% dos doentes apresentam recidiva hemorrágica por varizes esofágicas após 1 e 2 anos de seguimento, respectivamente(14). b) Tamponamento com Balão O tamponamento com balão consegue atingir a hemostase na maioria dos doentes(116,117). Contudo, está frequentemente associado a compromisso da via aérea e uma elevada incidência de recidiva quando o balão é desinsuflado(118), além de que a insuflação prolongada (> 24 horas) pode causar necrose de pressão da mucosa esofágica. Uma das complicações mais graves é a migração do balão gástrico para o esófago, podendo provocar a rotura deste orgão, ou asfixia por obstrução da via aérea. Devido às suas potenciais complicações, recomenda-se que o balão seja usado apenas em doentes com hemorragia activa, como medida temporária até que uma terapêutica definitiva possa ser instituída, e por um período máximo de 24 horas(119,36,39). c) TIPS O shunt transjugular porto-sistémico intra-hepático é um procedimento que envolve a descompressão da veia porta através da criação de um canal de baixa resistência entre as veias porta e hepática, que se mantém patente pela colocação de um stent metálico fenestrado. O TIPS é colocado por via transjugular através de métodos angiográficos, evitando a laparotomia e a necessidade de anestesia geral(14). Pelo menos seis estudos não controlados avaliaram especificamente o papel do TIPS no tratamento da hemorragia por varizes esofágicas não controlada(120,121,122,123,124,125). Mostraram que o TIPS pode ser efectuado com sucesso nesta situação em mais de 90% dos casos, estando associado a um rápido controlo da hemorragia em 90% a 100% dos casos. Estes dados constituem a base para a utilização do TIPS como tratamento de salvamento em doentes que continuam a sangrar ou que apresentam recidiva precoce após tratamento médico e endoscópico de primeira linha. 96 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Recentemente foram introduzidos stents revestidos e os estudos indicam que a patência dos shunts a longo prazo é substancialmente superior à dos stents não revestidos(134). Pelo menos três estudos compararam o shunt espleno-renal distal com a esclerose de varizes(137-139). A cirurgia associou-se a uma taxa de recidiva significativamente menor. A taxa de encefalopatia foi significativamente superior em dois(138,139) e semelhante num dos estudos(140). Não se verificaram diferenças em relação à mortalidade. d) Cirurgia Inclui técnicas cirúrgicas descompressivas (shunt cirúrgico), não descompressivas (sem shunt) e a transplantação hepática. Transsecção esofágica e desvascularização da junção gastroesofágica A transsecção esofágica é tão eficaz no controlo da hemorragia como a esclerose de varizes esofágicas(140). No entanto como não corrige a hipertensão portal, as varizes recorrem com o tempo e a taxa de recidiva hemorrágica pode atingir os 50% dos doentes. A desvascularização consiste na transsecção esofágica, esplenectomia, e laqueação das varizes peri-gástricas e peri-esofágicas. Apesar de ser eficaz no controlo da hemorragia, o seu uso é limitado dada a elevada taxa de recidiva Descompressão portal O shunt cirúrgico classifica-se em: (1) não selectivo total (ex.: shunt portocava), (2) não selectivo parcial (ex.: enxerto H portocava), e (3) selectivo (ex.: shunt espleno-renal distal). Os shunts totais são eficientes na hemostase durante a hemorrgia activa e na prevenção da recidiva(135). No entanto, o shunt cirúrgico não melhorou a mortalidade em comparação com a terapêutica endoscópica(136). As recomendações de Baveno IV são: 39 1) A endoscopia deve ser efectuada o mais precocemente possível desde a admissão (dentro de 12 horas), especialmente em doentes com hemorragia significativa ou com estigmas de doença hepática crónica. 2) O tamponamento com balão só deverá ser utilizado como “ponte” até que seja possível instituir tratamento definitivo (no máximo durante 24 horas) 3) Na suspeição de hemorragia por rotura de varizes, um fármaco vasoactivo (terlipressina, somatostatina, octreótido, vapreótido) deve ser iniciado o mais precocemente possível (antes da endoscopia diagnóstica) e mantido durante 2 a 5 dias nos doentes em que se confirma a hemorragia por varizes. 4) A laqueação elástica é a terapêutica endoscópica recomendada, embora a esclerose possa ser usada no episódio agudo se a laqueação for tecnicamente difícil. 5) A injecção de adesivos tecidulares (ex.: N-butil-cianoacrilato) é a terapêutica endoscópica recomendada na hemorragia por rotura de varizes gástricas. 6) A melhor forma de manejar uma falência da terapêutica combinada (farmacológica e endoscópica) é considerar uma segunda terapêutica endoscópica ou o TIPS. 97 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL hemorrágica em 30% a 40% dos casos. Geralmente só é efectuada quando não é possível efectuar um shunt cirúrgico (ex.: trombose extensa das veias porta e mesentérica)(15). farmacológica, terapêutica endoscópica, TIPS, cirurgia e transplantação hepática. a) Terapêutica Farmacológica Duas meta-análises concluíram que o tratamento com beta-bloqueantes não-selectivos (propranolol, nadolol) reduz significativamente o risco de recidiva hemorrágica e a mortalidade em relação ao placebo. No entanto o tratamento com propranolol associase ainda a taxas de recidiva de 50% e os efeitos secundários surgem em 40% dos casos(114,142). A eficácia dos beta-bloqueantes é semelhante à esclerose de varizes na prevenção da recidiva e na melhoria da sobrevida, apresentando menos efeitos secundários(114). A associação de beta-bloqueante e esclerose de varizes diminuiu a taxa de recidiva hemorrágica em relação à esclerose isolada, sem se registarem no entanto diferenças de mortalidade(114). Meta-análises verificaram de forma consistente um marcado benefício no tratamento com beta-bloqueante não-selectivo, tanto em termos de recidiva hemorrágica, como em relação a mortalidade(143). 9. Conclusão A administração de fármacos vasoactivos em associação com a terapêutica endoscópica é melhor do que a terapêutica endoscópica isolada, e deverá ser o tratamento padrão nos doentes com hemorragia por varizes esofágicas. Embora a esclerose e a laqueação elástica sejam semelhantes em termos de eficácia no controlo da hemorragia activa por varizes esofágicas, a taxa de recidiva e a morbilidade pós-tratamento são inferiores com a laqueação elástica, pelo que esta é a técnica actualmente recomendada. Contudo, em situações difíceis, nomeadamente em presença de hemorragia de alto débito, ou quando há um risco elevado de aspiração de vómito, poderá ser preferível avançar com a esclerose, posto que esta será mais fácil de executar e dispensa uma segunda intubação. A terapêutica combinada simultânea, laqueação elástica e esclerose, não apresenta benefícios no contexto da hemorragia aguda. As restantes modalidades terapêuticas apenas deverão ser usadas em segunda linha, como tratamento de salvamento na hemorragia não controlada. Os nitratos não devem ser usados em monoterapia e a sua administração em combinação com beta-bloqueantes é controversa. Apesar de existir evidência do benefício clínico da associação dos beta-bloqueantes e nitratos na profilaxia primária da hemorragia por varizes esofágicas cxliv, os resultados dos ensaios clínicos que avaliam a sua eficácia na profilaxia secundária são contraditórios(143,145). Vários estudos demonstraram que quando a terapêutica farmacológica reduz o GPVH abaixo de 12 mmHg ou pelo menos 20% em relação ao valor prévio ao tratamento(146,147,50), risco de hemorragia é prevenido de forma muito eficaz. De acordo com estes dados, a conferência de Consensus de Reston recomendou que se procedesse a avaliação da resposta hemodinâmica à terapêutica médica na hipertensão portal.(4) 10. Profilaxia secundária Os doentes que sobrevivem a um primeiro episódio de hemorragia por varizes esofágicas apresentam um risco muito elevado de recidiva hemorrágica (70% ou mais ao primeiro ano) e de morte (30-50%)(141). Por esta razão, ficou decidido, em duas reuniões de consenso, que todos os doentes que sobrevivessem a um episódio de hemorragia por varizes esofágicas deveriam iniciar tratamento para prevenção de recidiva(39,4). As modalidades terapêuticas utilizadas na prevenção da recidiva incluem terapêutica 98 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Apenas um terço dos doentes tratados com beta-bloqueantes(50,148) e entre 45% a 60% dos tratados com a associação de beta-bloqueante e nitratos atingem os valores de GPVH desejáveis(20,149,150). Os doentes que não respondem poderão beneficiar de ajustes na terapêutica farmacológica, nomeadamente associação de nitrato ao propranol cli ou terapêutica alternativa, como laqueação elástica, ou TIPS, sendo no entanto necessários mais estudos para esclarecer estas questões(152). recidiva hemorrágica e a taxa de complicações major foi menor(149). Lo GH et al verificaram que a taxa de recidiva hemorrágica por varizes esofágicas foi significativamente inferior com a laqueação elástica, mas não houve diferenças em relação à taxa de recidiva hemorrágica global (incluindo outras lesões de hipertensão portal), nem em relação à mortalidade(157) b) Terapêutica Endoscópica Apesar da esclerose reduzir significativamente a taxa de recidiva hemorrágica e de mortalidade em relação ao placebo(36), a laqueação elástica é actualmente considerada como a terapêutica endoscópica de escolha, uma vez que se mostrou superior à esclerose(93,95,96,97,100,157) face à sua menor taxa de complicações, menor taxa de recidiva hemorrágica e menor número de sessões para se conseguir a obliteração das varizes. Numa meta-análise que incluiu 7 ensaios controlados, aleatórios, registou-se uma melhoria da sobrevida a curto prazo (tempo de seguimento médio 10-12 meses) a favor da laqueação elástica(98). Uma meta-análise dos quatro ensaios disponíveis que compararam o método terapêutico endoscópico de primeira linha (laqueação elástica) com a associação farmacológica de beta-bloqueante e mononitrato de isosorbido mostrou resultados semelhantes entre as duas terapêuticas, existindo no entanto uma significativa heterogeneidade no risco de recidiva entre os estudos(158). Lo GH et al(159) comparou a laqueação elástica isolada com a tripla associação de laqueação elástica, nadolol e sucralfate. A terapêutica tripla foi superior à laqueção isolada na prevenção de recidiva hemorrágica gastrointestinal e por varizes esofágicas. Paralelamente, verificou-se diminuição da recorrência de varizes e gastropatia na terapêutica combinada. Embora se tenha verificado uma tendência para a melhoria da sobrevida no grupo da terapêutica tripla, esta não apresentou significado estatístico. Bureau C et al(151) concluíram que a adição de MNI ao beta-bloqueante aumenta o número de doentes que atinge os valores desejados de GPVH (GPVH < 12 mmHg ou descida de 20% do valor basal), o que se associa a uma menor taxa de hemorragia (10% de hemorragia nos que respoderam e 64% nos que não atingiram os valores de GPVH alvo). Estes autores sugerem que o MNI seja adicionado ao propranolol ou nadolol nos doentes que não respondem à terapêutica isolada com o beta-bloqueante, o que implicaria a monitorização da resposta hemodinâmica em cada doente. Contudo, outros autores recomendam a associação do MNI a todos os doentes, dispensando a necessidade de avaliar a resposta do GPVH(20,149,153). No entanto, alguns autores questionam a aplicabilidade e a validade clínica da monitorização do GPVH, considerando a actual evidência insuficiente para sustentar a recomendação de monitorização da redução do GPVH na prática clínica(154). A associação de beta-bloqueante e mononitrato de isosorbido é superior à esclerose 21 e equivalente ou superior à laqueação elástica(149,155,156). Patch D et al(155) verificaram que a combinação terapêutica do beta-bloqueante e MNI foi tão eficaz como a laqueação elástica na prevenção da recidiva. No estudo de Villanueva C, a terapêutica combinada diminui significativamente a incidência de 99 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL Recentemente de la Pena et al(160) constataram que a associação de nadolol à laqueação elástica diminuiu significativamente a taxa de recidiva hemorrágica comparativamente com a laqueação isoladamente, embora não se tenha verificado diferença em relação à mortalidade. Possivelmente a associação entre laqueação elástica e beta-bloqueante constitui a melhor opção no contexto da prevenção secundária, mas são necessários mais estudos. A laqueação elástica deverá ser usado isoladamente quando existem contra-indicações ou intolerância aos beta-bloqueantes. Deverá ser associado aos beta-bloqueantes em doentes que sangram, apesar de já fazerem profilaxia com beta-bloqueante(39). sobrevida(161), no entanto a esclerose efectuada em varizes pequenas residuais após obliteração por laqueação elástica demonstrou superioridade na recorrência de varizes a longo prazo(162). c) TIPS O TIPS é mais eficaz do que a terapêutica endoscópica na prevenção da recidiva(163-165) e do que a terapêutica farmacológica com propranolol e mononitrato de isosorbido(154). Contudo, associa-se a uma elevada taxa de encefalopatia, a elevadas taxas de disfunção do shunt, não melhorando a sobrevida(128). Não pode ser considerado como medida terapêutica de primeira linha na profilaxia secundária de hemorragia por varizes esofágicas, sendo usado apenas como terapêutica de salvamento(14,128) em doentes com episódios recorrentes de recidiva hemorrágica A associação de laqueação elástica e esclerose de varizes não oferece vantagem quer na prevenção de recidiva quer na melhoria de As recomendações de Baveno IV são: 39 1) A profilaxia secundária deve ser iniciada o mais precocemente possível, a partir do 6º dia após hemorragia. 2) Um beta-bloqueante não-selectivo deve ser iniciado em doentes não tratados previamente. Aqueles que apresentam contra-indicações ou que não toleram a medicação devem ser tratados com laqueção elástica. 3) Possivelmente a associação de beta-bloqueante e laqueação é o melhor tratamento, mas são necessários mais estudos. 4) Sempre que possível, o efeito hemodinâmico do beta-bloqueante deve ser monitorizado, e alguns autores sugerem que sempre que não são atingidos os valores alvo do GPVH deve ser associado um nitrato. 5) Doentes previamente medicados com beta-bloqueante e que sangram, deve ser adicionada laqueação elástica. 6) Doentes que recidivam apesar de terapêutica farmacológica associada a terapêutica endoscópica devem ser tratados com TIPS ou shunt cirúrgico. 7) O transplante hepático deve ser considerado em doentes Child B/C, oferecendo bom prognóstico. 8) O TIPS pode ser usado como ponte para o transplante hepático. 100 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro significativa sob terapêutica com beta-bloqueante associado ou não a mononitrato de isosorbido ou laqueação elástica. Deve ser considerado particularmente nos doentes cirróticos Child B ou C candidatos a transplantação hepática. A redução da disfunção do shunt pode ser conseguida com o uso de stents revestidos com politetrafluoroetileno(134) e a taxa de encefalopatia diminuída com a associação de TIPS a laqueação elástica(166). Outra estratégia possível poderá ser a associação de beta-bloqueante ao TIPS, pois esta diminui o gradiente de pressão portal em doentes com disfunção do shunt(167). ragia por varizes gástricas é menor do que por varizes esofágicas, mas a primeira tende a ser mais severa, sobretudo nas varizes fúndicas, requerendo mais transfusões sanguíneas e apresentam uma taxa de mortalidade mais elevada.(169) d) Cirurgia A cirurgia associa-se a uma menor taxa de recidiva hemorrágica a longo prazo em comparação com a terapêutica endoscópica, mas não apresenta impacto na sobrevida(136,168). De acordo com a evidência clínica, o papel da cirurgia é limitado, estando reservado para doentes com hemorragia recorrente refractária à terapêutica endoscópica e farmacológica, como medida de salvamento(138). FIGURA 5 - VARIZ DO FUNDO GRÁSTRICO Após o primeiro episódio de hemorragia de varizes gástricas, a recidiva é comum, estando descritas taxas entre 27% a 89% dos doentes, com as maiores percentagens descritas em doentes com varizes do fundo. A mortalidade associada a hemorragia varia entre 8% a 12%, nas varizes do cárdia, e 31% a 55%, nas varizes fúndicas(170,171). III. VARIZES GÁSTRICAS As varizes gástricas constituem colaterais portosistémicos dilatados, localizados a nível gástrico, que se desenvolvem como consequência de hipertensão portal generalizada ou segmentar (fig. 5). Podem ocorrer isoladamente, ou mais frequentemente em associação com varizes esofágicas. As varizes gástricas isoladas são relativamente raras, com uma prevalência entre 5% a 12%. Contudo, na presença de varizes esofágicas, as varizes gástricas coexistem entre 10% a mais de 50%. Globalmente as varizes gástricas ocorrem em aproximadamente 20% dos doentes com hipertensão portal(169). Constituem a origem em 5% a 10 % de todos os episódios de hemorragia digestiva alta em doentes cirróticos. O risco de hemor- 1. Classificação A classificação mais utilizada de varizes gástricas é a classificação de Sarin et al(172), e foi recomendado o seu uso no consenso de Baveno III(3). Esta classificação baseia-se na classificação anatómica; associação a varizes esofágicas; primárias (diagnosticadas na observação inicial) ou secundárias (observadas após obliteração da varizes esofágicas). A classificação de Sarin divide as varizes gástricas em dois tipos: varizes gastroesofágicas (GOV) ou varizes gástricas isoladas (IGV). As varizes gastroesofágicas são varizes gástricas que se associam a varizes esofágicas estendendo-se para além da junção gastro-esofágica. Estas 101 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL podem ser tipo 1 ou tipo 2 dependendo da sua extensão para a pequena curvatura gástrica ou fundo, respectivamente. As varizes gástricas que ocorrem na ausência de varizes esofágicas são designadas por varizes gástricas isoladas. Estas subdividem-se de acordo com a sua localização em IGV 1 e IGV 2. As do tipo 1 localizam-se no fundo gástrico e as do tipo 2 podem estar presentes em qualquer localização desde o antro, piloro, ou corpo gástricos. Existem vários estudos não controlados, mostrando uma elevada eficácia de adesivos tecidulares (N-butil-2-cianoacrilato- Histoacryl) na hemostase em doentes com hemorragia por varizes gástricas, com taxas superiores a 90%(176-178,190,191). Contrariamente à injecção de esclerosante, as taxas de recidiva hemorrágica com o cianoacrilato são entre 0% e 28%.(176-178,191,192). Recentemente dois ensaios controlados, aleatórios, confirmaram a superioridade do cianoacrilato na hemostase de varizes gástricas em relação à laqueção elástica(175) e à injecção com álcool(174). A trombina e cola de fibrina também têm sido utilizadas no controlo da hemorragia por varizes gástricas com uma taxa de sucesso superior a 75% e uma taxa de recidiva de 0% a 30%(179,180,181). No entanto, as séries são pequenas e não existem estudos controlados e aleatórios. Os efeitos secundários são semelhantes aos da esclerose e incluem pirexia e desconforto abdominal, que são geralmente ligeiros e transitórios(174). Outros efeitos secundários mais raros associados ao uso de acrilatos incluem embolia da veia porta, embolia cerebral, pulmonar, abcesso retroperitoneal, enfarte esplénico, trombose da veia esplénica e da veia porta(192). Dada a elevada taxa de hemostase primária e taxa de recidiva inferior comparada com a esclerose, a injecção de acrilatos é actualmente considerada como o tratamento de primeira linha da hemorragia de varizes do fundo gástrico, bem como na erradicação profiláctica secundária de varizes gástricas(39). 2. Tratamento O tratamento óptimo das varizes gástricas não está ainda bem estabelecido. O tratamento inicial da hemorragia activa é semelhante ao das varizes esofágicas, incluindo a administração de fármacos vasoactivos (terlipressina, somatostatina, ou análogo da somatostatina), estabilização hemodinâmica, prevenção de complicações (antibioterapia, prevenção de encefalopatia). As terapêuticas actuais incluem injecção de esclerosantes convencionais(173), injecção de cianoacrilato(174,175,176,177,178) cola de fibrina(179,180) trombina(181), laqueação(182,183), obliteração transvenosa retrógrada com balão encravado (balloon-occluded retrograde transvenous obliteration)(184,185), tamponamento com balão(186), TIPS(124,187,188) e cirurgia.(189) 3. Injecção de esclerosantes e colas A injecção de esclerosantes tradicionais no tratamento das varizes gástricas tem apresentado uma eficácia inferior em relação às varizes esofágicas(170, 173). Este facto deve-se provavelmente ao maior fluxo sanguíneo nas varizes gástricas comparativamente com as esofágicas, resultando numa rápida diluição e extravasão do esclerosante na corrente sanguínea. A injecção de esclerosante controla a hemorragia activa de varizes gástricas em 40% a 100% dos casos(170,173), mas associa-se a uma elevada taxa de recidiva. 4. TIPS O TIPS controla a hemorragia aguda refractária de varizes gástricas em mais de 90% dos casos. A recidiva ocorre em 10% a 30 % dos doentes ao fim de 1 ano e a encefalopatia de novo ocorre em 3% a 16%(124,187,188). Recentemente, um estudo comparou restrospectivamente a relação custo benefício 102 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro entre a injecção de cianoacrilato e colocação de TIPS no tratamento da hemorragia por varizes gástricas(193). A taxa de recidiva inicial (até aos 30 dias) foi significativamente inferior no grupo de doentes tratados com TIPS, mas não houve diferenças em relação à mortalidade global. Os autores concluíram que o cianoacrilato constitui um tratamento seguro e eficaz para a hemorragia de varizes gástricas e envolvendo menos custos do que o TIPS. São necessários, contudo, estudos prospectivos, controlados, aleatórios, para esclarecer qual a melhor abordagem terapêutica nestes doentes. De acordo com as recomendações actuais(39), os autores concluíram igualmente que o cianoacrilato deve ser usado como terapêutica de primeira linha no tratamento da hemorragia aguda por varizes gástricas, estando o TIPS reservado para a falência desta terapêutica(193). erradicação de varizes gástricas, apresentando uma baixa taxa de recidiva hemorrágica. Matsumoto A et al(194) desenvolveram a esclerose endoscópica com balão encravado (ballon-occluded endoscopic injection sclerotherapy) que pode ser utilizado em doentes com ou sem shunt gastro-renal. 6. Tamponamento com balão O balão de Sengstaken-Blakemore ou de Minnesota geralmente não são eficazes no controlo da hemorragia de varizes fúndicas, dado o reduzido volume do balão gástrico (200 mL). O balão de Linton-Nachlas tem um único balão gástrico com um volume de 600 mL e parece ser mais eficaz no controlo da hemorragia de varizes do fundo gástrico em mais de 50% dos doentes, embora 20% apresentem recidiva hemorrágica(192). O balão deverá ser utilizado apenas como medida temporária até ser efectuado tratamento definitivo. 5. Técnicas Radiológicas de Intervenção A obliteração transvenosa retrógrada com balão encravado (OTR-B) constitui uma técnica radiológica de intervenção desenvolvida no Japão, para tratar varizes do fundo associadas a shunt gastro-renal, o que corresponde a cerca de 85% a 90% dos doentes com varizes gástricas(192). Este procedimento envolve a obliteração das varizes do fundo, das veias tributárias, e do shunt gastro-renal associado(184). A OTR-B é muito eficaz na Um estudo prospectivo, aleatório, que comparou a eficácia do Histoacril com os beta-bloqueantes na prevenção secundária de varizes esofagogástricas, após hemostase primária com injecção de cola, sugere que a taxa de recidiva precoce e tardia e a mortalidade não são significativamente diferentes nas duas modalidades terapêuticas(195). Embora não houvesse diferenças significativas As recomendações de Baveno IV são: 39 1) O tratamento endoscópico da hemorragia aguda de varizes gástricas deve ser efectuado com colas/ adesivos tecidulares (ex.: N-butil-cianoacrilato). 2) No que se refere à prevenção secundária, em doentes que tenham sangrado de varizes gástricas isoladas tipo 1 ou varizes gastroeosfágicas do tipo 2, esta poderá ser feita com N-butil-cianoacrilato, TIPS ou B-bloqueantes. 3) Doentes que tenham sangrado de varizes gastroesofágicas tipo 1 poderão ser tratados com N-butil-cianoacrilato, laqueação das varizes esofágicas ou B-bloqueantes. 103 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL entre as duas modalidades terapêuticas, todos os episódios de recidiva hemorrágica de varizes gástricas ocorreram no grupo tratado com Histoacril e as complicações foram mais frequentes neste grupo. Estas observações levantam a questão da utilidade dos beta-bloqueantes na prevenção da recidiva hemorrágica de varizes gástricas, pelo que se aguardam mais estudos neste campo. 2. Tratamento A GHP é frequentemente assintomática, sendo a incidência de hemorragia aguda baixa (menos de 3% aos 3 anos)(199). A hemorragia é geralmente crónica e insidiosa, com uma incidência de 11% a 22% dos casos, manifestando-se como anemia crónica(196). O suplemento com ferro pode ser o suficiente para manter a hemoglobina dentro de valores normais. Caso contrário, os beta-bloqueantes são a única forma eficaz de tratamento provada nestes doentes(200) e devem ser usados na prevenção secundária(39). Na hemorragia aguda de GHP, os beta-bloqueantes, a somatostatina, o octreótido, a terlipressina, foram propostos dada a sua capacidade de diminuir a perfusão gástrica(200-202). O propranolol controla a hemorragia da gastropatia hipertensiva portal e a hemorragia recorrente na GHP severa(199). Mais recentemente, outro estudo demonstrou que o propranolol pode ser utilizado na prevenção da gastropatia hipertensiva portal em doentes com predisposição para o seu desenvolvimento. De facto, o propranolol reduziu significativamente a frequência de gastropatia hipertensiva portal, após laqueação elástica e obliteração de varizes esofágicas(102). IV. GASTROPATIA HIPERTENSIVA PORTAL 1. Definição A gastropatia hipertensiva portal (GHP) é uma condição frequentemente diagnosticada em doentes com hipertensão portal e caracteriza-se pela presença de um reticulado da mucosa ou padrão em mosaico (GHP ligeira). A GHP grave define-se pela presença de hemorragia da submucosa (ponteado vermelho, manchas vermelho cereja, ou manchas castanhas) associada ao padrão em mosaico(196). A GHP observa-se tipicamente no fundo e corpo gástricos e a sua prevalência varia grandemente, havendo registos de frequências desde 4% a 98% em estudos de doentes com hipertensão portal(197,198), sendo a prevalência global em doentes cirróticos de 80% (fig. 6)(196). O TIPS e os Shunts cirúrgicos devem ser considerados apenas como terapêutica de salvamento, naqueles doentes que apresentam hemorragia recorrente de GHP, apesar do tratamento com propranolol, ou na presença de contra-indicações à sua utilização(39). V. CONCLUSÃO A hemorragia por rotura de varizes é a complicação mais temível da hipertensão portal, sendo que as varizes são altamente prevalentes nos doentes cirróticos. Sempre que exista suspeita clínica de cirrose hepática, ou sempre que seja diagnos- FIGURA 6 - GASTROPATIA HIPERTENSIVA PORTAL 104 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro Suspeita de rotura de varizes Terapêutica farmacológica vasoactiva Estabilização hemodinâmica, antibiótico, prevenção de encefalopatia e aspiração Endoscopia Rotura de Varizes Esofágicas/ Gástricas Terapêutica Endoscópica Controlo da hemorragia Falência/ Recidiva Hemorrágica Ligeira Repetir Terapêutica endoscópica Controlo da hemorragia Manter terapêutica farmacológica durante 2 a 5 dias Severa Tamponamento com balão transitóriose necessário Falência Terapêutica TIPS/ Cirurgia FIGURA 7.(158) TRATAMENTO DA HEMORRAGIA POR ROTURA DE VARIZES. (ADAPTADO DE ABRALDES JG, ANGERMAYR B, BOSCH J. THE MANAGEMENT OF PORTAL HYPERTENSION. CLIN LIVER DIS. 2005 NOV;9(4):685-713) colocados dois acessos venosos de bom calibre e fazer a infusão de fluidos, cristalóides ou colóides, de forma a manter a TA sistólica acima de 100 mmHg e o pulso abaixo de 100 ppm. A expansão exagerada da volémia deve ser evitada e as transfusões devem ser parcimoniosas, procurando manter a Hb em 8 g/dl e o hematócrito entre 24% e 29%. A endoscopia alta deve ser tão precoce quanto possível e adicionada da terapêutica endoscópica, de preferência a laqueação elástica no caso das varizes do esófago. As varizes ticada cirrose hepática, dever-se-á proceder a endoscopia alta para exclusão de varizes. A vigilância endoscópica posterior das varizes deverá ser feita periodicamente de acordo com os achados iniciais. Perante uma hemorragia activa em doente com cirrose hepática, ou suspeita de cirrose, dever-se-á iniciar de imediato e sempre que possível, a perfusão de um fármaco vasoactivo. Nesta fase inicial, é de suma importância prevenir a aspiração do vómito e combater a instabilidade hemodinâmica. Deverão ser 105 HEMORRAGIA DIGESTIVA ASSOCIADA À HIPERTENSÃO PORTAL gástricas sangrantes são melhor controladas com injecção de colas. A profilaxia antibiótica, com uma quinolona (oral ou endovenosa), ou com uma cefalosporina de terceira geração endovenosa, deve ser instituída logo que se estabeleça o diagnóstico. Os fármacos vaso-activos devem ser mantidos pelo período mínimo de 48 horas e até às 120 horas. No caso de falência de controlo da hemorragia, deve-se equacionar um dos métodos de salvamento, inclusivamente a transplantação hepática. Sempre que se consiga o controlo da hemorragia e a partir do 6º dia, todos os doentes deverão ser submetidos a tratamento profilático secundário, com B-bloqueantes não selectivos, isoladamente ou associados a nitratos, ou prosseguir com laqueação elástica até à erradicação das varizes, complementada ou não com esclerose sequencial, ou mesmo associando laqueação elástica e terapêutica farmacológica. Embora existam ainda alguns casos de hemorragias absolutamente incontroláveis, os novos recursos técnicos e o melhor conhecimento etiopatogénico trouxeram-nos grandes avanços no manejo de uma situação grave e permitiram melhorar o prognóstico dos doentes cirróticos. Persistem, no entanto, áreas de controvérsia para o esclarecimento das quais serão necessários mais estudos. Em relação ao episódio agudo é necessário esclerecer qual a duração ideal da terapêutica farmacológica, o potencial do rFVIIa e avaliar a eficácia da colocação precoce do TIPS e de stents revestidos. A combinação de beta-bloqueantes com nitratos e a monitorização do GPVH constituem entre outras, áreas por esclarecer no âmbito da profilaxia secundária da hemorragia por hipertensão portal. Seguramente que os próximos anos proporcionarão novos conhecimentos nos fenómenos hemodinâmicos, na fibrogénese hépatica e na farmacologia que permitirão aperfeicoar o controlo de uma entidade com potencial letal ainda muito reservado. 106 Rita Ornelas e Horácio Guerreiro BIBLIOGRAFIA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 D'Amico G, Morabito A. Noninvasive markers of esophageal varices: another round, not the last. Hepatology. 2004 Jan;39(1):30-4. Garcia-Tsao G. Portal hypertension. Curr Opin Gastroenterol. 2005 May;21(3):313-22. de Franchis R. Updating consensus in portal hypertension: report of the Baveno III Consensus Workshop on definitions, methodology and therapeutic strategies in portal hypertension. 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No entanto, o conceito de hemorragia digestiva baixa é algo problemático, pois a saída de sangue pelo recto pode ter ponto de partida em qualquer ponto do tracto gastrointestinal. A experiência clínica mostra que em cerca de 80% dos pacientes com hemorragia digestiva há passagem de sangue pelo recto, e um estudo clínico mostrou que 11% dos doentes com hematoquésia tinham a causa de hemorragia digestiva no tracto digestivo alto, isto é, até ao ligamento de Treitz (conceito clássico). A gravidade da apresentação clínica da hemorragia digestiva baixa aguda cobre um espectro vasto que vai desde a rectorragia ligeira sem compromisso hemodinâmico até à hemorragia maciça com necessidade de cirurgia emergente e outras medidas “life-saving”. Infelizmente, os termos e definições usados para descrever estas situações variam amplamente entre os vários investigadores. Cerca de 50% dos doentes apresenta-se com anemia e distúrbio hemodinâmico ligeiro a moderado. No entanto, 9% dos doentes apresentam-se com colapso cardiovascular, 10% com síncope e 30% com alterações ortostáticas. Parecem existir algumas diferenças na gravidade de apresentação da hemorragia digestiva baixa em relação à hemorragia digestiva alta. Uma revisão recente do American College of Gastroenterology mostrou que os doentes com hemorragia digestiva baixa apresentam-se menos frequentemente em choque ou ortostase do que os doentes com hemorragia digestiva alta (19% versus 35%) e necessitam menos frequentemente de transfusões (36% versus 64%; p < 0,00001). Tal como na hemorragia digestiva alta, a maioria dos doentes com hemorragia digestiva baixa pára de sangrar espontâneamente sem qualquer tipo de intervenção (80-85% dos casos). No entanto, a mortalidade varia entre 0 e 25%. Vários estudos têm tentado validar critérios de mau prognóstico na hemorragia Incidência A hemorragia digestiva baixa é uma das causas mais frequentes de admissão no serviço de urgência. Estima-se que a incidência anual de hemorragia digestiva baixa é de 20-27 casos por 100.000 adultos, sendo o cólon o ponto de partida na maioria dos casos. Verifica-se ser mais frequente no sexo masculino e a incidência aumenta com a idade, sobretudo após os 65 anos de idade. Com efeito, verifica-se um aumento de cerca de 200 vezes na incidência entre a 6ª e a 9ª décadas de vida, provávelmente em relação com a ocorrência mais frequente de diverticulose cólica e de angiodisplasia no doente idoso. 119 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA digestiva baixa aguda. Actualmente os mais usados são os critérios do sistema de classificação BLEED (hemorragia activa, pressão arterial sistólica inferior a 100mm Hg, tempo de protrombina >1,2 vezes o controle, estado mental alterado, comorbilidade associada), e os critérios de Strate (hipotensão, taquicardia, síncope, abdomen indolor à palpação, uso de aspirina, hemorragia nas primeiras 4horas após o 1º episódio, 2 ou mais comorbilidades associadas). A presença de 3 ou mais factores de risco indicia um risco de mortalidade elevado (84%). Com 1 ou 2 factores de risco a mortalidade desce para 43% e a ausência de factores de risco corresponde a um risco de 9% Por tais motivos, hoje em dia muitos hospitais usam um cartão de cores para definir objectivamente a cor do sangue e, com isso, suspeitar do tipo de hemorragia (alta ou baixa). O toque rectal cuidadoso pode evidenciar patologia anorectal não clinicamente aparente. Um estudo permitiu concluir que 40% dos carcinomas rectais diagnosticados por rectoscopia são palpáveis. A aspiração nasogástrica num doente com apresentação clínica típica de hemorragia digestiva baixa não está indicada por rotina. Alguns estudos clínicos efectuados permitiram concluir que em 93% dos doentes com aspirado nasogástrico hemático, o ponto de partida da hemorragia era no tracto digestivo alto. Em nehum dos casos havia ponto de partida no tracto digestivo baixo (p < 0,00001). DIAGNÓSTICO CLÍNICO A história clínica e o exame físico inicial do doente com hemorragia pelo recto pode fornecer informação importante quanto ao ponto de origem e quanto à etiologia (ingestão de AINEs, rádioterapia prévia, cirurgia vascular prévia, obstipação crónica, polipectomia recente). Será oportuno lembrar que nos casos de colite/proctite rádica, a hemorragia pode ocorrer ao fim de meses ou anos. O mesmo se pode passar com os doentes com prótese aórtica, em que o estabelecimento de uma fístula aortocólica pode ocorrer tardiamente (cerca de 14 anos após a cirurgia). A abordagem inicial para o diagnóstico de hemorragia digestiva baixa consiste no registo da descrição da hemorragia notada pelo doente ou pela observação directa das fezes. Apesar disso, nem sempre é fácil afirmar com rigor a origem da hemorragia, e existem discrepâncias entre doentes e médicos quanto à definição da cor das fezes. Num estudo, 120 doentes deram 23 descrições diferentes da côr do sangue saído pelo recto, e em 22% notou-se discrepância entre a descrição verbal da cor e a cor para que apontaram num cartão teste. Quanto aos médicos, verificou-se também que 33% ao examinarem o mesmo paciente deram 2 ou mais descrições diferentes quanto à cor do sangue. PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS Sigmoidoscopia Hoje em dia é um procedimento já não muito usado no doente com hemorragia digestiva baixa. Além da possibilidade de diagnosticar uma lesão sangrante, pode também encontrar estigmas de sangramento recente e respectiva extensão, podendo com isso levantar suspeita de sangramento num local mais proximal do tracto digestivo baixo. Colonoscopia Inicialmente foi considerada como não tendo valor no doente com hemorragia digestiva baixa activa, pois não se acreditava na sua capacidade diagnóstica dadas as potenciais dificuldades de visualização impostas pelo sangue e fezes e pelas potenciais complicações na sua execução (perfuração, agravamento da hemorragia). A primeira colonoscopia de emergência no contexto de hemorragia digestiva baixa foi descrita em 1970 e não foi recomendada como investigação viável no doente com este tipo de hemorragia. Nos anos que se seguiram, a 120 Luís Lopes e José Ramada colonoscopia apenas era realizada nos doentes em que a hemorragia tinha parado e o clister opaco e/ou a angiografia eram negativos. A partir dos anos 80, a colonoscopia começou a ser realizada mais precocemente após se ter verificado que a preparação cólica por via oral era segura nestes doentes. A partir daí 13 protocolos usaram a colonoscopia como modalidade diagnóstica primária; 68% dos exames documentaram a causa da hemorragia. O “timing” da realização da colonoscopia tem variado de protocolo para protocolo, mas o consenso geral é de que a mesma seja realizada nas primeiras 12-24 horas por forma a permitir a estabilização hemodinâmica do doente e a conveniente preparação cólica. Mesmo nos casos mais urgentes, a ressuscitação do doente deve sempre preceder a realização da colonoscopia. O diagnóstico de hemorragia digestiva baixa com ponto de partida no intestino delgado pode ser presumido quando se encontra sangue fresco no íleon ou a sair pela válvula ìleocecal e a endsocopia digestiva alta é negativa. A presença de sangue fresco no cólon e a sua ausência no íleon sugere o cólon como o local da hemorragia. Embora estes cenários só reflictam evidência circunstancial, parecem constituir protocolos válidos para determinação do local de sangramento. A taxa de complicações da colonoscopia na hemorragia digestiva baixa aguda é extremamente baixa (1,3%), sendo que as mais frequentemente observadas são, por ordem decrescente: insuficiência cardíaca, perfuração do cólon, agravamento da hemorragia e sépsis. À luz dos conceitos actuais, a colonoscopia tem um papel primordial na maioria dos doentes com hemorragia digestiva baixa pois oferece um elevado potencial diagnóstico, terapêutico e prognóstico. necem na circulação sanguínea durante 48horas e não são captados pelo fígado nem pelo baço. Consegue teoricamente detectar débitos sanguíneos extremamente baixos (0,1ml/min). Na prática o que se tem verificado dos vários estudos de medicina nuclear, é que apenas 45% dos cintilogramas são positivos. Por tal motivo têm sido feitas tentativas para seleccionar grupos de doentes com maior probabilidade de terem cintilogramas positivos, e, de facto, parece haver alguma evidência de que os doentes que sangram activamente, têm maior probabilidade de terem cintilogramas positivos. O “timing” da positividade do cintilograma pode predizer a acuidade do local de sangramento. Com efeito, verifica-se que nos doentes em que o cintilograma é positivo nas primeiras 2 horas, o mesmo determina com uma acuidade de 78% o local de sangramento, ao passo que se essa positividade surge depois das 2 horas, a acuidade quanto ao local de sangramento desce para 57%, pois pode apenas representar sangue que se moveu distalmente no tracto digestivo. Por tal motivo, a decisão de intervir cirurgicamente num doente com hemorragia digestiva baixa aguda com base apenas na positividade do cintilograma não está recomendada. Angiografia A angiografia é uma técnica radiológica que tem sido usada com sucesso no diagnóstico e tratamento da hemorragia digestiva baixa aguda. Para ser positiva é necessária uma hemorragia arterial com débito igual ou superior a 0,5ml/minuto. É por este motivo que muitos centros advogam o uso do cintilograma como teste antes da angiografia, pois os doentes com cintilogramas negativos têm muito poucas probabilidades de terem uma angiografia positiva. A sensibilidade e especificidade da arteriografia mesentérica varia entre 47 e 100% consoante as séries. A positividade da angiografia nem sempre indicia o local de sangramento. Num dos melhores estudos efec- Cintilograma com Tc99 A cintilografia com eritrócitos marcados com Tc99 é outro método usado na investigação da hemorragia digestiva baixa aguda. Os eritrócitos marcados com tecnécio perma121 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA ETIOLOGIA E TERAPÊUTICA tuados até ao momento, 78% das angiografias foram positivas, e nessas, 32% concluiram pelo local provável de sangramento. Só 46% concluiram pelo local exacto de sangramento. Um dado importante a reter é que a angiografia raramente detecta sangramento venoso. A infusão de vasodilatadores, anticoagulantes e trombolíticos pode ser usada para provocar hemorragia antes da angiografia nos doentes com hemorragia de causa desconhecida. Quando se usam estas técnicas, consegue-se detectar a hemorragia em 20-80% dos doentes. A angiografia é uma técnica muito dependente do executante, pelo que é necessário um radiologista experiente bem como doentes bem selecionados para se obterem bons resultados e poucas complicações, algumas das quais potencialmente graves. A taxa global de complicações nas maiores séries é de cerca de 9,3%. As principais ocorrências são: hematoma no local da punção, trombose da artéria femural, reacções ao contraste injectado, insuficiência renal e acidente vascular cerebral isquémico. As 2 principais causas de hemorragia digestiva baixa aguda significativa são a doença diverticular do cólon e as angiodisplasias do cólon. As 2 principais causas de hemorragia digestiva baixa sem instabilidade hemodinâmica são a doença hemorroidária e as neoplasias. A classificação das causas em termos de frequência é realizada em função da hemorragia digestiva baixa aguda significativa. Causas mais frequentes de hemorragia digestiva baixa aguda significativa 1- Doença diverticular do cólon (mais frequentes) 2- Angiodisplasias (mais frequentes) 3- Doença hemorroidária 4- Lesões por anti-inflamatórios (AINE) 5- Colite isquémica 6- Doença inflamatória intestinal 7- Hemorragia pós-polipectomia 1- Doença diverticular do cólon Enteroscopia por cápsula Apesar de ser um teste diagnóstico menos invasivo, o seu papel na hemorragia digestiva baixa aguda ainda não está bem definido. No entanto, 2 estudos já publicados concluiram que a endoscopia por cápsula identificou o local/causa da hemorragia em 40-90% dos doentes com hemorragia digestiva e endoscopia digestiva alta e colonoscopia negativas. A hemorragia diverticular resulta da ruptura assimétrica dos ramos intramurais da artéria marginal na cúpula do divertículo ou na margem anti-mesentérica. Embora a maioria dos doentes com diverticulose sejam assintomáticos, cerca de 20% desenvolvem diverticulite e 3 a 5% desenvolvem hematoquézias agudas graves (fig.1). No doente idoso com várias co-morbilidades, a hemorragia diverticular condiciona uma morbilidade e uma mortalidade entre os 10 e os 20%. Apesar de cerca de 75% dos divertículos se localizarem no colon esquerdo, o cólon direito é a fonte da hemorragia em 50 a 90% dos doentes, quando se utiliza a angiografia como método de diagnóstico. Quando a hemorragia diverticular é diagnosticada por colonoscopia, a fonte da hemorragia é o cólon esquerdo em 60% dos doentes. A hemorragia diverticular cessa espontaneamente em 75% dos doentes; 99% Radiologia versus Colonoscopia na Hemorragia Digestiva Baixa Aguda Os estudos publicados comparando os resultados das técnicas radiológicas e da colonoscopia na hemorragia digestiva baixa aguda são limitados. No entanto, todos eles têm concluído pela superioridade da colonoscopia relativamente às técnicas radiológicas no diagnóstico e terapêutica (82% versus 12%) 122 Luís Lopes e José Ramada que permitem localizar a fonte da hemorragia, permitindo realizar uma colectomia segmentar em oposição a uma colectomia subtotal. Uma resseção segmentar cega está contra-indicada e está associada a uma taxa de recidiva hemorrágica de 42% e uma taxa de morbilidade e mortalidade muito alta, podendo chegar aos 83 e 57% respectivamente. dos doentes necessitam menos de 4 unidades de glóbulos rubros. A hemorragia recorre entre os 14 a 38% dos doentes após o 1º episódio e em cerca de 50% após o 2º episódio. FIGURA 1 - COÁGULO ADERENTE NUM DIVERTÍCULO. Quando tratada de uma forma conservadora a hemorragia diverticular resolve espontaneamente na maioria dos doentes. A instabilidade hemodinâmica persistente apesar de uma ressuscitação vigorosa implica uma terapêutica de intervenção. A terapêutica não cirúrgica pode ser realizada durante a colonoscopia e a angiografia. A angiografia permite a infusão directa de vasopressina, resultando na resolução da hemorragia em 91% dos casos. No entanto, em cerca de 50% dos casos, a hemorragia recorre após a cessação da infusão. A embolização transcatéter controla eficazmente a hemorragia, mas está associada a um risco de enfarte intestinal de 20%. A terapêutica intestinal pode ser realizada através da injecção de adrenalina, métodos térmicos (ex, electrocoagulação multipolar) ou através da aplicação de métodos mecânico: clips vasculares (fig. 2) ou ligaduras elásticas. A terapêutica cirúrgica é necessária quando a instabilidade hemodinâmica persiste apesar de uma ressuscitação intensiva. A intervenção cirúrgica é necessária em 18 a 25% dos doentes que necessitam de transfusões de glóbulos rubros. A mortalidade operatória é de cerca de 10% apesar da melhoria dos métodos FIGURA 2 - CLIP NO DIVERTÍCULO COM COÁGULO ADERENTE. 2-Angiodisplasias As angiodisplasias ou ectasias vasculares do colon são a anomalia vascular mais frequente do tracto digestivo. Constituídas por vasos da submucosa dilatados e ectásicos, as angiodisplasias do cólon são responsáveis por 20 a 30% dos casos de hemorragia digestiva baixa aguda. Estas ocorrem com igual frequência em ambos os sexos, mais frequentes após os 60 anos e cerca de 2/3 ocorrem em pessoas com mais de 70 anos. Na maioria dos doentes existem mais do que uma angiodisplasia. Em termos de localização, estas lesões são mais frequentes no cego e cólon ascendente (54%), cólon sigmoide (18%) e recto (14%). Estas também se podem localizar no intestino delgado. A apresentação clínica mais frequente é a de uma anemia ferropriva e mais raramente hematoquézias. Na colonoscopia as angiodisplasias são reconhecidas pelo sua cor vermelha, aspecto 123 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA dos em hemorragia o tratamento com vasopressina ou embolização pode ser realizado. A utilização de terapêuticas hormonais (estrogéneos) para contolar a hemorragia gastrointestinal de origem obscura supostamente causada por angiodisplasias é controversa e pode ser ineficaz. A cirurgia deve ser considerada nos doentes em que a causa da hemorragia foi claramente identificada e em que os outros métodos se revelaram ineficazes. plano consistindo em vasos ectásicos que parecem irradiar de um vaso central; podem ter um diâmetro que oscila entre os 2 e os 10 mm (fig. 3). Um halo de mucosa pálida pode ser observada à volta da lesão. Quando o cólon é examinado completamente, a sensibilidade para detectar as angiodispasias excede os 80%. Uma preparação insuficiente do intestino pode acarretar uma avaliação incompleta da mucosa. Adicionalmente, o uso de narcóticos na sedação podem diminuir a sensibilidade da colonoscopia devido à diminuição transitória do fluxo sanguíneo na mucosa. 3-Doença hemorroidária A frequência de doença hemorroidária nos doentes com hemorragia digestiva baixa é de cerca de 75%, mas essa causalidade é infrequentemente estabelecida. As hemorroídes são causa de hemorragia aguda em 2 a 9% dos casos, nos estudos que incluem as fontes de hemorragias ano-rectais (fig. 4). FIGURA 3 - ANGIODISPLASIA NO CEGO. A terapêutica endoscópica convencional é realizada através da aplicação de métodos térmicos. Para prevenir a ocorrência de hemorragia quando a cauterização é realizada, as angiodisplasias de maior dimensões devem ser tratadas das margens para o centro de modo a obliterar os vasos de «alimentação». O argon plasma é o método térmico mais popular no tratamento das angiodisplasias do colon. Quando o tratamento se faz no cego devem ser usados intensidades menores e menor tempo de disparo no sentido de evitar a ocorrência de perfurações. A angiografia permite também diagnosticar as angiodisplasias. Após a injecção do contraste estas aparecem como vasos ectásicos, de esvaziamento lento, tufos vasculares ou vasos de enchimento precoce. Quando diagnostica- FIGURA 4 - LIGADURAS ELÁSTICAS EM DOENÇA HEMORROIDÁRIA GRAU II. 4- Anti-inflamatórios (AINE) Os AINE foram implicados em várias lesões do intestino delgado, cólon e nas ulcerações gastroduodenais. O íleon terminal e o cego são os 2 locais mais susceptíveis a lesões induzidas por este tipo de fármacos. Os AINE estão associados à exacerbação da doença inflamatória intestinal (DII), indução 124 Luís Lopes e José Ramada de colites que se assemelham a uma DII e complicações da doença diverticular aumentando o risco de perfuração e de hematoquésias. Os doentes mais idosos ou aqueles a tomarem AINE cronicamente têm um risco aumentado de complicações. Os AINE podem ainda causar lesões localizadas na mucosa, tal como é sugerido pelo aparecimento de diafragamas. As úlceras intestinais e do cólon causadas pelos AINE geralmente demarcam-se claramente da mucosa circundante e têm uma predilecção pelo íleon e cólon proximal, locais onde os comprimidos estão em contacto com a mucosa destes segmentos mais tempo que nos outros segmentos do intestino ou cólon. As estenoses tipo diafragma são uma lesão patognomónica de lesão por AINE, que resulta de uma reacção de cicatrização a uma úlcera. Estas habitualmente localizam-se na porção média do intestino delgado, mas também podem ocorrer no íleon terminal e cólon. Os diafragmas geralmente são múltiplos e estão recobertos por mucosa normal. Em doentes com lesões induzidas pelos AINE e hemorragia, a colonoscopia mostra ulcerações não específicas no cólon, intestino delgado, sobretudo no íleon terminal e cego. A histopatologia é inespecífica, e causas infecciosas, rádicas, e DII devem ser excluídas. O tratamento é a suspenção da administração deste tipo de medicamentos. Após a cessação destes, deve-se repetir a colonoscopia cerca de 6 a 8 semanas depois, para confirmar a resolução das lesões. Se as lesões persistem outro diagnóstico deve ser colocado. A terapêutica cirúrgica está reservada nos casos de perfuração ou hemorragia grave refractária. lação sistémica ou por alterações anatómicas ou funcionais dos vasos mesentéricos. Geralmente na angiografia não são detectadas lesões ou factores precipitantes. Nos doentes que foram submetidos a cirurgia aortoilíaca a frequência de colite isquémica clinicamente significativa é de 1 a 7%. A isquemia cólica não oclusiva geralmente atinge o ângulo esplénico, o cólon direito ou transição recto-sigmoídea, as áreas com menor fluxo. Clinicamente manifesta-se por uma dor abdominal súbita no quadrante inferior esquerdo, tipo cólica, de intensidade moderada, seguida nas 24 horas subsequentes por hematoquésias de sangue vivo ou diarreia sanguinolenta. Hematoquésias agudas sem dor abdominal acompanhante devem levar a equacionar outros diagnósticos. A colite isquémica deve ser diferenciada clinicamente de uma isquemia mesentérica aguda em que os doentes geralmente têm uma dor abdominal muito mais intensa, desproporcionada aos achados no exame físico, aparentam estarem muito doentes e geralmente identifica-se um factor precipitante. Na colite isquémica, a colonoscopia mostra ulcerações da mucosa e nódulos hemorrágicos (típicos), com o recto poupado na maioria dos doentes (fig. 5). A histologia revela necrose e não apresenta alterações inflamatórias como nas DII. 5- Colite isquémica A isquemia do cólon, é a doença vascular mais comum no tracto gastrointestinal, resultando da redução temporária e súbita do fluxo mesentérico. A hemodinâmica mesentérica pode ser influenciada por alterações na circu- FIGURA 5 - COLITE ISQUÉMICA - ÂNGULO ESPLÉNICO 125 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA 7- Hemorragia pós-polipectomia O tratamento é de suporte e a maioria dos doentes tem uma evolução clínica favorável ao fim de alguns dias ou semanas. Cera de 20% dos doentes desenvolvem uma colite crónica que é diferente da colite ulcerosa, pois é segmentar e poupa o recto; estenoses cólicas podem-se desenvolver. A colite crónica causada por isquemia não responde ao tratamento médico usado na DII e muitos doentes podem necessitar de colectomia. A polipectomia endoscópica é o tratamento de 1ª linha para a grande maioria dos pólipos do colon. Complicações ocorrem em menos de 5% das colonoscopias realizadas para polipectomia e de entre as complicações a hemorragia pós-polipectomia é a mais frequente sendo responsável por 2 a 8 % dos casos de hemorragia digestiva baixa aguda. A frequência deste tipo de hemorragia tem aumentado provavelmente devido ao uso mais frequente de corrente mista em oposição à coagulação pura. A hemorragia massiva que por vezes ocorre durante a polipectomia é arterial e pode ser tratada pela aplicação da ansa novamente no pedículo. A hemorragia tardia ocorre após a queda da escara. Este tipo de hemorragia é geralmente auto-limitado e cessa espontaneamente em 70% dos casos. Nos casos em que é necessário terapêutica existem uma variedade de técnicas que poderão ser utilizadas, tais como, aplicação da ansa no pedículo remanescente, ligaduras elásticas, clips e laços hemostáticos (fig. 7), injecção de adrenalina seguida de um método térmico. 6- Doença inflamatória intestinal Apesar da hemorragia digestiva baixa ser uma manifestação frequente da DII, a hemorragia aguda é infrequente. A maioria dos doentes com colite ulcerosa (fig. 6) referem hematoquésias, enquanto que apenas 1/3 dos doentes com Crohn referem perdas hemáticas visíveis. FIGURA 6 - COLITE ULCEROSA - RECTO PROXIMAL. A hematoquésia aguda grave é responsável por 6% das hospitalizações por doença de Crohn e 1,4 a 4,2% por colite ulcerosa. Um episódio de hematoquésia grave num doente com colite ulcerosa geralmente corresponde a um doente com pancolite. A recidiva hemorrágica não é incomum após um episódio de hematoquézia aguda grave, e quando acontece necessita de cirurgia para controlar a hemorragia em 57% dos casos. FIGURA 7 - PEDÍCULO REMANESCENTE COM CLIPS E LAÇO. 126 Luís Lopes e José Ramada Causas menos frequentes de hemorragia digestiva baixa aguda significativa Colite infecciosa Hematoquésias agudas severas não são causadas habitualmente por um agente infecioso. As causas bacterianas mais frequentes são a Eschirichia coli O157:H7 e a Salmonella. Clinicamente os doentes apresentam uma história de dor abdominal em cólica, diarreia aquosa seguida de uma diarreia sanguinolenta. Salmonella, Campylobacter e Yersinia podem causar edema da mucosa, hiperemia, erosões e ulcerações e devem ser distinguidas através dos resultados das culturas. Outras causas infeciosas incluem a amebíase, infecção por citomegalovírus, Mycobacterium avium (sobretudo nos imunocomprometidos). FIGURA 8 - COLITE RÁDICA - MÚLTIPLAS TELANGIECTASIAS NO RECTO. Neoplasias A hemorragia, oculta ou visível, é a forma de apresentação mais frequente, mas raramente é severa. A frequência de hemorragia grave por neoplasias cólicas varia dos 2 aos 26% (fig. 9). Colite rádica As hematoquésias agudas massivas são uma complicação rara da terapêutica rádica. Hemorragia pelo recto ocorre entre 1 a 5% dos doentes com proctite rádica. A inflamação causada pela exposição do recto ou região recto-sigmoíde a radiação durante o tratamento de neoplasias prostáticas ou ginecológicas pode resultar em hemorragias significativas cerca de 9 meses a 4 anos após a terapêutica. Durante o tratamento os doentes apresentam uma lesão aguda da mucosa podendo-se queixar de tenesmo e diarreia sanguinolenta, bem como dor abdominal. A esta fase aguda pode seguir-se uma proctocolite crónica que pode ser complicada de hemorragia baixa que pode variar de leve a severa. Endoscopicamente a mucosa mosta telangiectasias múltiplas (fig. 8). Esta hemorragia, por vezes é de difícil tratamento, podendo ser tratada com enemas de sucralfato, aplicação de formaldeído, aplicação de argon plasma ou laser. FIGURA 9 - NEOPLASIA DO SIGMOIDE. Úlceras estercorais Este tipo de úlceras devem ser colocados no diagnóstico diferencial sobretudo dos doentes idosos com história de obstipação. Geralmente apresenta-se como um úlcera única na região recto-sigmoidea e resulta da pressão das fezes sobre a mucosa. Apesar das 127 HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA Prognóstico complicações mais frequentes serem a perfuração e a hemorragia, um quadro de hematoquézias grave é raramente atribuído a esta patologia. A mortalidade por hemorragia digestiva baixa é inferior a 5%. A colonoscopia precoce está associada a tempos de internamento menores e menores custos por doente. Outras causas Outras causas raras de hemorragia digestiva baixa aguda incluem a invaginação intestinal, trauma da mucosa do cólon pelo endoscópio ou tubo de enemas, colopatia de hipertensão portal, varizes cólicas (fig. 10) endometriose, lesões de Dieulafoy, endometriose, síndrome da úlcera solitária do recto (fig. 11) e hemorrogia pelo divertículo de Meckel. FIGURA 10 - VARIZ CÓLICA IDIOPÁTICA. FIGURA 11 - ÚLCERA SOLITÁRIA DO RECTO. 128 Luís Lopes e José Ramada BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bounds B, Friedman L. Lower gastrointestinal bleeding. Gastroenterol Clin N Am 2003;32:11071125 Strate l. Lower GI Bleeding: epidemiology and diagnosis. Gastroenterology Clinics of North América 2005;34:643-664 Green B, Rockey D. Lower Gastrointestinal Bleeding: management. Gastroenterology Clinics of North América 2005;34:665-678 Zuckerman G, Prakash C. Acute lower intestinal bleeding: clinical presentation and diagnosis. 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Dis Colon and Rectum 2006;49:524-526 129 URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO CARLA SOUSA ANDRADE HENRIQUE MORNA INTRODUÇÃO doença, outros factores que contribuem para a variabilidade clínica são a intensidade da inflamação e a presença ou ausência de complicações locais ou extra-intestinais(25,31). Na maioria dos casos, a DC é caracterizada por exacerbações intermitentes que alternam com períodos de remissão completa ou relativa, podendo ainda ser classificada em três padrões gerais, independentes da localização anatómica: inflamatório, fibroestenótico e perfurante (fistulizante)(9). As situações de urgência no contexto de DC, incluem: A Doença Intestinal Inflamatória Idiopática (DII) compreende aquelas condições caracterizadas por uma tendência para a activação imunológica e para a inflamação crónica ou recorrente ao nível do tracto gastrointestinal (GI). A Doença de Crohn (DC) e a Colite Ulcerosa (CU) são as duas formas principais de DII(9,10). Embora estas duas entidades sejam frequentemente consideradas em conjunto, na medida em que partilham muitas características clínicas e epidemiológicas, são na realidade síndromes distintas, com tratamentos e prognósticos diferentes, pelo que as situações de urgência, em cada uma destas entidades, serão consideradas isoladamente. A. Exacerbações agudas da doença, com Colite severa B. Fístulas e abcessos C. Estenoses DOENÇA DE CROHN A. Exacerbações agudas da doença – Colite Severa A DC é uma condição inflamatória crónica que pode envolver, potencialmente, qualquer porção do tracto GI, desde a boca até ao anús, com uma propensão para a porção distal do intestino delgado (ID) e cólon proximal(9,13). A inflamação é frequentemente descontínua ao longo do eixo longitudinal do intestino, podendo envolver todas as camadas da parede, desde a mucosa até à serosa; esta natureza descontínua, por sua vez, dá lugar a muitas variações na localização da doença, a qual poderá, inclusivé, variar ao longo do tempo, geralmente com envolvimento de segmentos adicionais. Para além da localização da A apresentação clínica, nestas circunstâncias, é determinada pela localização da inflamação intestinal (Quadro 1). QUADRO I. PADRÕES DE ENVOLVIMENTO DA DOENÇA DE CROHN (9,25) - Doença Ileo-cecal - Doença limitada ao ID - Doença limitada ao Cólon 131 40-50% 30-40% 20% URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Os sintomas mais característicos são a dor abdominal, a diarreia e a perda ponderal(1,35,9,11,13). A dor abdominal pode assumir várias apresentações, contudo o padrão mais comum é o de dor tipo cólica, no flanco direito, habitualmente pós-prandial, a qual ocorre nas situações de ileo-colite. Pode ainda estar relacionada com obstrução parcial intermitente, numa zona intestinal estenosada, acompanhando-se neste caso por distensão abdominal, naúseas e vómitos. A inflamação da serosa, observada nos casos de inflamação transmural, também pode ser responsável por alguns casos de dor abdominal. A gravidade da diarreia está relacionada com a extensão da colite e com a gravidade da inflamação. Nos casos de doença limitada ao cólon, sobretudo com envolvimento rectal, habitualmente é de pequeno volume e está associada a urgência e tenesmo. Na doença ileo-cólica, a diarreia é mais volumosa, sem sintomas proctológicos. A base fisiopatológica da diarreia (inflamação, má absorção de ácidos biliares, sobrecrescimento bacteriano, fístulas internas ou síndrome do intestino curto) tem importantes implicações terapêuticas. A perda ponderal e a desnutrição também ocorrem frequentemente na DC e são responsáveis por alguns dos sintomas constitucionais, tais como fraqueza, irritabilidade e cansaço fácil. Os factores responsáveis são inúmeros e incluem, em primeiro lugar, a diminuição da ingestão por receio de que esta possa desencadear dor abdominal e diarreia. Outros factores incluem a má absorção intestinal, a perda entérica de proteínas por exsudação através da mucosa inflamada e o aumento das necessidades energéticas e proteicas associadas ao estado catabólico induzido pela inflamação intensa(24,31,32). Durante as exacerbações agudas podem ainda ocorrer febrícula (a febre alta deverá levantar a suspeita duma complicação infecciosa), hematoquézia e várias formas de doença perianal, nomeadamente lesões cutâneas (maceração, úlceras superficiais e abcessos), lesões do canal anal (fissuras, úlceras e estenoses) e fístulas perianais. Os achados no exame físico(9,13) podem incluir sinais de doença crónica e desnutrição, febrícula ou febre, sinais físicos de anemia ou de deficiências vitamínicas, taquicárdia e desidratação. O abdómen pode ser doloroso, mais frequentemente no flanco e fossa ilíaca direita, podendo ser palpável uma massa a qual poderá corresponder a abcesso intraabdominal ou que poderá ter surgido por adesão de ansas intestinais inflamadas e mesentério. O exame anorectal poderá revelar as lesões cutâneas já referidas, abcessos, fístulas ou fissuras. As fissuras anais da DC tendem a estar localizadas mais excentricamente do que as fissuras idiopáticas, as quais ocorrem ao longo da linha média. O exame físico poderá ainda revelar estenose do canal anal, a qual poderá ser assintomática durante as fases agudas da doença, dada a menor consistência das fezes. Perante um quadro clínico compatível com DC agudizada é essencial estabelecer o diagnóstico diferencial com outro tipo de colites, nomeadamente colite ulcerosa, colite infecciosa, isquémica, rádica, vasculítica e farmacológica, sendo necessário recorrer a alguns exames complementares de diagnóstico. Do ponto de vista analítico(1,2,9,11,13) as alterações são geralmente inespecíficas, sendo possível encontrar: leucocitose e trombocitose ligeira/moderada, anemia, hipoalbuminémia e elevação da Velocidade de Sedimentação (VS) e Proteína C Reactiva (PCR). No sentido de avaliar a presença de má absorção de vitaminas e minerais, será necessário determinar os níveis séricos de ferro, ferritina, vitamina B12, ácido fólico, zinco, cálcio, magnésio e selénio. O doseamento da gordura fecal poderá revelar esteatorreia. Para exclusão de patologia infecciosa, deverão ser sempre realizadas coproculturas, exame parasitológico das fezes e pesquisa de toxina de Clostridium dificille. Em alguns casos seleccionados poderá ser útil a serologia para Yersínia enterocolítica. 132 Carla Andrade e Henrique Morna A Radiografia simples do abdómen por ser exame de simples realização e inócuo, torna-se mandatória, no sentido de avaliar a extensão da doença e a sua gravidade, podendo evidenciar sinais de obstrução do ID, dilatação cólica com perda do padrão haustral ou sinais de perfuração intestinal. Os estudos contrastados deverão ser adiados na fase aguda. A rectossigmoidoscopia com biopsia(11), realizada sem preparação, permite definir a actividade da doença e a sua extensão; um exame completo do cólon não é justificável, sobretudo pelo elevado risco de perfuração. Em casos específicos, nomeadamente quando existe suspeita de perfuração localizada ou de abcesso intra-abdominal, poderá ser necessário proceder à realização de Ecotomografia ou TAC Abdominal, para diagnóstico e eventual punção com drenagem guiada. Uma vez estabelecido o diagnóstico, é necessário definir o grau de gravidade clínica da Doença de Crohn(9) (Quadro 2). (7,9,11,13), QUADRO 2. ÍNDICE DE ACTIVIDADE DA DOENÇA DE CROHN (CDAI) Nº de dejecções líquidas ou de consistência mole Dor abdominal Estado geral Complicações Tratamento com loperamida ou opiáceos Massa abdominal Hematócrito Peso corporal Total na última semana x2 0=ausência; 1=ligeira; 2=moderada; 3=intensa Total na última semana 0=bom; 1=mediano; 2=mau; 3=muito mau; 4=terrível Total na última semana Artralgia/artrite, febre (>37,8ºC), irite/uveíte, eritema nodoso, pioderma gangrenoso, estomatite aftosa, fissura, fístula ou abcesso anal Nº total Se sim x6 0=não; 1=questionável; 2=sim Sexo feminino: 42 - Htc Sexo masculino: 47 - Htc (1-Peso corporal/Peso Standard) x 100 x7 x 20 + 30 x10 x6 Total Se CDAI < 150: doença inactiva Se CDAI > 150: doença activa TERAPÊUTICA terapia, antibioterapia, imunossupressores ou imunomoduladores e, em casos específicos, cirurgia. Durante uma agudização grave da DC, os doentes deverão ser mantidos em dieta zero, sendo o suporte nutricional agressivo uma importante medida adjuvante na terapêutica da DC, o qual muitas vezes inclui o recurso a alimentação parentérica se os doentes tiverem Os episódios agudos e severos de DC deverão ser tratados em ambiente hospitalar, com intervenção conjunta dum Gastrenterologista e dum Cirurgião(1,2-4,6,8,9,11,13,37-40). O tratamento, que deverá ser intensivo, tem como principal objectivo induzir a remissão clínica e inclui: repouso intestinal, cortico133 URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO evidência de desnutrição por doença prolongada. Deverá ainda ser dada atenção à reposição de fluidos e electólitos. Os antibióticos, nomeadamente o Metronidazol e a Ciprofloxacina, isolados ou em combinação, têm sido amplamente utilizados no tratamento de DC agudizada, como terapêutica adjuvante. Os corticóides constituem a base do tratamento da DC activa severa(1,2,3,6,9), preferencialmente administrados por via endovenosa. A dose ideal de corticóides ainda não foi estabelecida, contudo são frequentemente utilizados a Hidrocortisona (100 mg, 6/6 h), a Metilprednisolona (16 mg, 6/6 h) ou a Prednisolona (1mg/kg/dia). A duração ideal da terapêutica também ainda não foi estabelecida, variando de acordo com os autores, contudo os tratamentos por períodos excessivamente curtos (< 3 semanas) podem resultar em “rebounds” da doença uma vez interrompida a terapêutica; por outro lado, tratamentos por períodos excessivamente longos estão associados a efeitos secundários frequentes e graves. É de extrema importância identificar os doentes com menor probabilidade de resposta aos corticóides, no sentido de permitir a introdução, em tempo útil, de terapêuticas alternativas ou no sentido de encaminhar o doente para a cirurgia(2,11,36). Os imunossupressores, azatioprina ou 6mercaptopurina, devem ser considerados em indivíduos com DC activa que não respondem às terapêuticas de primeira linha, contudo devido ao seu início lento de acção, com tempo de indução terapêutica de cerca de três meses, não têm indicação na fase aguda severa. Quanto à ciclosporina, usada nos doentes com CU, a sua eficácia na DC é dúbia(20,27,29,30,37). O papel das terapêuticas biológicas, como o Infliximab (anticorpo monoclonal quimérico, anti-TNF ·, uma importante citocina pró-inflamatória na patogénese da DC, produzida pelos linfócitos T e macrófagos), está bem estabelecido nas formas agudas refractárias, sendo muitas vezes utilizado como ponte para utilização de imunomoduladores de acção mais lenta. Nos casos agudos e severos, é utilizado na dose de 5mg/kg de peso corporal, em infusão durante cerca de 2 horas, dose única(9,14,15,16,21,22). O recurso a imunomoduladores não deve fazer adiar uma eventual colectomia, caso esta tenha indicação formal, em particular nos casos de deterioração clínica progressiva ou sintomatologia persistente apesar do tratamento médico intensivo. B. FÍSTULAS E ABCESSOS Um subgrupo de doentes apresenta doença definida como penetrante, a qual pode levar à formação de fístulas e de abcessos, tradutores da natureza transmural da DC(9,13). A activação imunológica desencadeia a libertação duma variedade de proteases e metaloproteinases da matriz que podem contribuir directamente para a destruição tecidual, formação de trajectos fistulosos e, finalmente, penetração através de planos teciduais adjacentes. Os abcessos ocorrem em cerca de 20% dos doentes com DC e podem ser intra ou extraabdominais(42). O tipo intra-abdominal é mais comum e inclui os abcessos localizados no mesentério ou entre as ansas intestinais. A apresentação clássica neste tipo de casos caracteriza-se por febre alta, acompanhada de sensibilidade abdominal focal ou sinais peritoneais generalizados. Infelizmente, muitos doentes considerados como sendo de alto risco para perfuração ou para formação de abcessos, estão sob terapêutica corticosteróide, a qual pode mascarar a apresentação clínica ao suprimir a febre e os sinais de peritonite, pelo que é necessário manter um elevado nível de suspeição. A caracterização imagiológica destas lesões deverá ser feita, como já foi referido, por ecotomografia ou TAC abdominal. As fístulas (comunicações anómalas entre dois orgãos, com revestimento epitelial), 134 Carla Andrade e Henrique Morna O orifício interno ao nível da vagina pode ser difícil de individualizar contudo, a palpação pode desencadear dor na parede posterior. As fístulas entero e colovesicais podem apresentar-se como infecções urinárias recorrentes, polimicrobianas ou com pneumatúria ou fecalúria. As fístulas enterocutâneas, para a parede anterior do abdómen, geralmente ocorrem após cirurgia e o trajecto fistuloso tende a seguir os planos de dissecção para a parede abdominal. traduzem um estadio crónico da doença, pelo que não deveriam ser consideradas urgências no contexto de DC, não fossem o desconforto e o profundo impacto que têm na qualidade de vida destes indivíduos(41). As fístulas perianais são comuns, estimando-se que ocorram em 15 a 35 % dos doentes(9). Tipicamente, a lesão inicial é um abcesso que envolve uma glândula anorectal localizada no espaço interesfincteriano, o qual se pode estender ao longo de diferentes planos teciduais originando fístulas ou abcessos criptoglandulares, perianais, isquiorectais ou supraelevadores. As queixas mais características são a proctalgia, a escorrência anal ou perianal, o tumor perianal, os sinais inflamatórios locais e a febre. O exame físico nestes casos está muitas vezes limitado pela dor desencadeada, pelo que deverá ser realizado de forma cuidadosa. Deverá incluir inspecção externa, palpação perianal, toque rectal e, nas mulheres, palpação bidigital rectovaginal. Em muitas circunstâncias, o exame minucioso só é possível com recurso a anestésicos locais ou a anestesia geral, o mesmo acontecendo quando se considera a realização de estudo imagiológico por endoscopia, ecoendoscopia, ecografia endoanal e RMN. As fístulas que envolvem dois segmentos do tracto GI também são frequentes(9,13,42). As enteroentéricas, enterocólicas e colocólicas são frequentemente assintomáticas; as fístulas gastro e duodenocólicas podem manifestar-se com vómito fecalóide. Quando o trajecto fistuloso se estende posteriormente, a partir do iléon terminal para o retroperitoneu, o fleimão pode envolver o ureter causando hidronefrose à direita. A penetração mais profunda origina o clássico abcesso do psoas, que se apresenta com desconforto no flanco direito, com febre e com claudicação na marcha. As fístulas para a vagina podem ocorrer a partir do recto ou do ID, estas últimas ocorrendo habitualmente em mulheres histerectomizadas, as quais apresentam dispareunia, desconforto perineal, descarga vaginal persistente e, ocasionalmente, passagem de gases ou fezes através da vagina. TERAPÊUTICA Uma vez estabelecido o diagnóstico de abcesso este deverá ser drenado, por via percutânea ou cirúrgica(41), de acordo com a sua localização. Na fase aguda, o doente deverá permanecer em dieta zero e deverá ser instituída antibioterapia de amplo espectro(3). Sempre que possível, um catéter deve ser colocado por via percutânea, guiado por TAC, e o abcesso drenado. Se o débito se mantiver elevado deverá ser introduzida alimentação parentérica para suporte nutricional. A resolução cirúrgica definitiva poderá ser adiada por várias semanas até que o abcesso esteja completamente drenado e a DC subjacente esteja controlada com terapêutica médica. A drenagem percutânea sem cirurgia subsequente geralmente resulta numa fístula enterocutânea permanente. Se a drenagem percutânea não for tecnicamente exequível, ou se existir evidência de peritonite, é mandatória a intervenção cirúrgica imediata. A abordagem terapêutica no caso de fístulas enteroentéricas, enterovesicais ou enterocólicas moderadamente sintomáticas implica consideração de terapêutica médica versus terapêutica cirúrgica, de acordo com o caso individual(3). No caso de fístulas francamente sintomáticas, complexas, frequentemente associadas a abcessos, a opção é geralmente cirúrgica. A terapêutica médica inclui períodos prolongados com Azatioprina, 6-mercapturina ou Infliximab(14-18). 135 URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO descritas, as quais habitualmente são acompanhadas de vómitos(7). A radiografia simples do abdómen é mandatória, enquanto os estudos contratados, os mais indicados para demonstrar a presença de estenoses, não devem ser realizados na fase aguda devido ao elevado risco de perfuração. Todas as estenoses devem ser consideradas suspeitas e, uma vez ultrapassada a fase aguda, devem ser realizadas biópsias endoscópicas, na medida em que alguns destes estreitamentos representam transformação neoplásica(33,35). No caso de doença perirectal está estabelecido que poderá ocorrer encerramento das fístulas com tratamentos prolongados com Metronidazol, azatioprina ou 6-mercaptopurina. As formas mais graves de doença deverão ser tratadas com infusões sequenciais de Infliximab, frequentemente associadas a imunossupressão prolongada. Os abcsessos perirectais requerem drenagem cirúrgica. Nas fístulas simples, a fistulectomia simples, com terapêutica médica, permite a resolução em 70-80% dos casos(41). O uso de “seton” é eficaz ao permitir a drenagem adequada de fístulas e deverá ser usado, por rotina, em indivíduos com fístulas complexas. As formas mais graves de doença perianal podem requerer repouso intestinal, com nutrição parentérica total. Nos casos francamente refractários, sobretudo quando existe lesão esfincteriana, poderá ser necessário realizar uma protectomia. TERAPÊUTICA Os doentes com sintomas obstrutivos resultantes de DC fibroestenótica frequentemente melhoram em 2-3 dias com medidas conservadoras, nomeadamente dieta zero e repouso intestinal, entubação nasogástrica para descompressão gastrointestinal e hidratação endovenosa; a estas medidas, no caso de doença activa, deverá ser associada terapêutica médica agressiva, incluindo corticoterapia, uma vez que a inflmação poderá contribuir para a obstrução parcial(1,3). Os doentes com episódios recorrentes de suboclusão ou aqueles que não respondem à terapêutica conservadora, poderão necessitar de cirurgia urgente, a qual deverá consistir numa ressecção limitada do segmento estenótico uma vez que a DC tende a recidivar após a cirurgia(3,9). Após recuperação dum episódio agudo, a instituição duma dieta pobre em resíduos poderá reduzir a incidência de episódios subsequentes(42). C. ESTENOSES A variante fibroestenótica da DC caracteriza-se pela formação de estenoses recorrentes, as quais representam inflamação de longa duração, e que pode ocorrer em qualquer segmento do tracto GI onde a inflamação tenha sido activa. As estenoses não ocorrem em todos os doentes com DC, no entanto tendem a recorrer, geralmente ao nível da anastomose, em doentes submetidos a ressecção intestinal por esta causa(9,42). Esta variante clínica habitualmente é silenciosa até que o calibre luminal esteja suficientemente reduzido para causar sintomas obstructivos, os quais também podem ser secundários a inflamação aguda com edema, a compressão extrínseca ou efeito de massa, podendo ainda ser causados por formação de aderências. A apresentação clínica típica, com obstrução parcial do intestino delgado, caracteriza-se por dor abdominal tipo cólica, pós-prandial, distensão abdominal e ruídos de luta. Uma obstrução mais significativa implica agravamento das queixas anteriormente COLITE ULCEROSA A CU é outra entidade inflamatória crónica e idiopática que, ao contrário da DC, afecta o recto e estende-se proximalmente, de forma contínua, para envolver uma extensão variável do cólon, tipicamente sem envolvimento do ID. A reacção inflamatória não é um processo transmural, estando confinada à mucosa e à submucosa(10,13,42). 136 Carla Andrade e Henrique Morna Caracteriza-se clinicamente por exacerbações e remissões intermitentes e a apresentação típica depende da extensão da doença. Habitulamente, a gravidade dos sintomas está correlacionada com a gravidade da doença(2). As situações de Urgência na CU incluem: A. B. C. D. E. F. sintoma tão proeminente como na DC, embora possam estar presentes desconforto abdominal nos quadrantes inferiores ou dor abdominal, tipo cólica. A doença de gravidade moderada ou severa pode estar associada a sintomas sistémicos.(13) Os doentes podem referir anorexia, naúseas e nos casos mais graves, vómitos e febre. Com a inflamação e perdas hemáticas prolongadas o doente poderá referir sintomas de anemia, tais como dispneia, cansaço para esforços progressivamente menores e edemas maleolares. Os estudos analíticos que traduzem o grau de impacto sistémico da doença, exames das fezes, estudos imagiológicos e endoscópicos são os mesmos realizados nas fases de agudização da DC, referidos anteriormente. A gravidade da doença pode ser estabelecida por vários critérios, nomeadamente clínicos (Quadro 3) e endoscópicos (Quadro 4). Uma vez que as características histológicas modificam-se mais lentamente do que o quadro clínico ou a aparência endoscópica, não são habitualmente utilizados como auxiliares na decisão terapêutica imediata(10,11). Exacerbações agudas da doença, com Colite Severa Megacólon tóxico Perfuração cólica Hemorragia maciça Lesões perianais Lesões estenosantes A. EXACERBAÇÕES AGUDAS DA DOENÇA – COLITE SEVERA Os sintomas típicos duma exacerbação de CU são a diarreia, as rectorragias, a mucorreia e a dor abdominal(10,11). A diarreia é muitas vezes acompanhada de urgência e tenesmo, especialmente quando recto está severamente inflamado, o que condiciona diminuição da compliance e da capacidade de reservatório rectal, pelo que quando a inflamação é suficientemente grave, a urgência é tal que poderá ocasionar incontinência(42). Em muitos doentes a diarreia ocorre sobretudo após as refeições, podendo ocorrer durante a noite. Frequentemente é acompanhada de grandes quantidades de muco. Os doentes com proctite hemorrágica geralmente apresentam rectorragias, habitualmente com sangue vivo na superfície das fezes ou separado destas. Quando a doença progride além do recto, o sangue geralmente está misturado com as fezes ou poderá ocorrer diarreia francamente sanguinolenta, sendo a presença de coágulos pouco frequente, excepto no caso de hemorragia maciça. A CU activa associada a diarreia está geralmente associada a sangue macroscópico(42). Na maioria dos doentes com CU, mesmo quando activa, a dor abdominal não é um QUADRO 3. CRITÉRIOS CLÍNICOS Forma ligeira < 4 dejecções/dia, com ou sem sangue, sem distúrbios sistémicos, VS normal Forma moderada > 4 dejecções/dia, com distúrbios sistémicos mínimos Forma severa > 6 dejecções/dia, com sangue, com evidência de distúrbios sistémicos: febre, taquicardia, anemia e VS>30 QUADRO 4. CRITÉRIOS ENDOSCÓPICOS 0 1 2 3 4 137 Normal Perda do padrão vascular Mucosa granular, não friável Friabialidade de contacto Sangramento espontâneo, ulceração URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO TERAPÊUTICA altura na evolução da doença, embora o risco de ocorrência seja superior nas fases inicias, podendo ocorrer como forma de apresentação. Não parece existir predilecção por qualquer grupo etário ou sexo(12). Esta complicação pode ser desencadeada por alterações do equilíbrio hidroelectrolítico, como a hipocaliémia, ocorrendo em muitos doentes uma elevação do pH arterial compatível com alcalose metabólica. Alguns fármacos, tais como os opiáceos, os anticolinérgicos e os antidepressivos, ao alterarem a motilidade intestinal têm sido implicados na etiologia do MT. A descontinuação súbita de alguns fármacos usados como terapêutica da DII, tais como os corticóides, a Salazopirina ou a Mesalazina, podem desencadear MT. Tipicamente, esta complicação é precedida por uma exacerbação aguda da CU, de duração variável e o doente geralmente apresenta obnubilação da consciência, febre, taquicardia e hipotensão. O abdómen pode estar distendido (o cólon transverso dilatado pode ser visível em alguns doentes), com aumento da sensibilidade ao longo do trajecto cólico, diminuição dos ruídos hidroaéreos (RHA), com ou sem sinais de peritonite. O quadro clínico pode ser fruste nos doentes submetidos a terapêutica com analgésicos e/ou corticóides. Analiticamente(13) é frequente existir anemia geralmente secundária a rectorragias, leucocitose, alterações do equilíbrio electolítico, como hipocaliémia devida à excreção cólica desencadeada pela inflamação e pelos corticóides, hipoalbuminémia devida à exsudação proteica para o lúmen e à diminuição da síntese hepática secundária à inflamação. De um modo geral existe elevação da VS e da PCR. A alcalose metabólica, resultante da hipocaliémia e da deplecção de volume, é considerada factor de mau prognóstico.(12) A radiografia simples do abdómen é essencial para o diagnóstico, evidenciando uma dilatação cólica geralmente do transverso, o qual apresenta frequentemente diâmetro superior a 6 cm. Permite ainda a avaliação de alterações inflamatórias ao nível da parede Os indivíduos com exacerbações de gravidade severa, tal como nos casos de DC, deverão ser hospitalizados para tratamento intensivo, o qual deverá incluir(1,2,3,6,8,11). • Repouso intestinal • Reposição de fluidos e electrólitos • Corticoterapia endovenosa (ver DC) • Corticóides rectais (100 mg hidrocortisona, bid) O tratamento deverá ser continuado durante 5-7 dias desde que seja evidente melhoria clínica, considerando-se que existe resposta ao fim deste período quando o próprio doente refere melhoria clínica, sem dor abdominal, quando a frequência das dejecções diarreicas é inferior a 4 episódios/dia, sem sangue macroscópico e houve resolução da febre e da taquicardia. Quando existe deterioração clínica durante os primeiros dias, apesar de terapêutica corticóide endovenosa, a adição de Ciclosporina endovenosa pode induzir remissão em alguns doentes, na dose de 4 mg/Kg/dia. Importa ter em atenção os efeitos secundários associados a esta terapêutica, nomeadamente nefrotoxicidade, hipertensão arterial, convulsões e infecções oportunistas, sendo fundamental a avaliação dos níveis sanguíneos de Ciclosporina, com ajustes da dose para níveis terapêuticos(11,20,28,29,38,39,40). O tratamento com Ciclosporina não deve adiar a colectomia, nos casos em que esta tenha indicação formal. B. MEGACÓLON TÓXICO O Megacólon Tóxico (MT) é definido como uma dilatação cólica aguda, total ou segmentar, não obstrutiva, com pelo menos 6 cm, associada a toxicidade sistémica(10,12,42). Ocorre entre 2 a 5 % dos casos de gravidade severa, geralmente em indivíduos com pancolite, podendo ocorrer em qualquer 138 Carla Andrade e Henrique Morna intestinal, tais como distorção ou desaparecimento das haustras, podendo ainda revelar a presença de níveis hidroaéreos ao nível do cólon. Mais importante que o grau de dilatação cólica é o estado geral do doente(12). A rectossigmoidoscopia, realizada sem preparação, não deverá progredir além dos 20 cm da margem anal, sendo útil sobretudo quando o MT surge como manifestação inicial, ao contribuir para o diagnóstico diferencial entre CU e outras formas de colite. Deve ser evitada a insuflação de ar(10,12,42). Foram descritos critérios clínicos para o diagnóstico de MT (Jalan e colaboradores)(12). • Ciclosporina endovenosa, 4mg/kg/dia, se não houver resposta imediata à corticoterapia • Profilaxia das úlceras de stress com PPI • Profilaxia da trombose venosa profunda com HBPM • Profilaxia de complicações infecciosas com antibioterapia de amplo espectro • Reposicionamento do doente a cada 2-3 horas, para permitir a redistribuição do ar no cólon, com progressão para o cólon distal e recto. 1 - Evidência radiológica de distensão cólica 2 - Pelo menos 3 das seguintes alteraçõe: Temperatura>38ºC > 10 500 lecócitos Frequência Cardíaca >120 ppm Anemia 3 - Pelo menos 1 dos seguintes parâmetros: Desidratação Alteração do estado de consciência Distúrbios electrolíticos Hipotensão • MT que surge no contexto de tratamento intensivo de episódio de gravidade severa de CU • Perfuração livre • Hemorragia maciça • Agravamento da toxicidade e progressão da dilatação apesar da terpêutica intensiva durante 24 horas (48 a 72 horas, segundo alguns autores). São indicações para colectomia urgente(3,12): C. PERFURAÇÃO CÓLICA A perfuração cólica é a complicação mais grave da CU(3,10,12,42), felizmente rara, podendo complicar uma dilatação aguda do cólon, embora possa ocorrer na sua ausência, situação em que habitualmente surge como manifestação inicial da doença. O cólon sigmóide é o local mais frequentemente envolvido(10). Os sinais físicos de peritonite podem não ser evidentes, sobretudo nos casos em que o doente está sob corticoterapia, pelo que uma sensação subjectiva de mal-estar, taquicárdia e diminuição dos RHA podem ser as únicas características clínicas. Analiticamente as alterações são semelhantes às que ocorrem no MT, com leucocitose marcadamente elevada. A Radiografia simples do abdómen, em pé ou tangencial, e a Radiografia do Tórax, evidenciarão ar livre na cavidade abdominal. TERAPÊUTICA O tratamento inicial, de preferência numa Unidade de Cuidados Intensivos, é médico e tem por objectivo restaurar a motilidade cólica e diminuir a gravidade da colite, com subsequente redução do risco de perfuração. Aproximadamente 50 % das dilatações agudas resolvem com terapêutica médica, a qual deverá incluir(1,3,10,12,42) • Repouso intestinal • Sonda nasogástrica para descompressão • Correcção da desidratação com administração de fluidos • Correcção de desiquilíbrios electrolíticos, como hipocaliémia e hipomagnesiémia • Correcção de anemia com tranfusões • Corticoterpia endovenosa (Ver DC) 139 URGÊNCIAS NA DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO A abordagem desta complicação inclui terapêutica médica para corrigir desequilíbrios electrolíticos e metabólicos, antibioterapia endovenosa de amplo espectro e corticoterapia endovenosa. Uma vez estabilizada a condição hemodinâmica do doente, deverá ser realizada colectomia urgente(3). da terapêutica instituída, deverá ser considerado para colectomia urgente(11). E. LESÕES PERIANAIS Os doentes com CU ocasionalmente desenvolvem fissuras anais ou abcessos perianais, mas a ocorrência de lesões extensas deverá sugerir DC. Para as fissuras é essencial o tratamento da inflamação rectal, devendo a cirurgia ser evitada sempre que possível(10). D. HEMORRAGIA MACIÇA A hemorragia maciça ocorre em associação com os ataques severos da CU, sendo contudo uma complicação rara da doença(11). A avaliação clínico-laboratorial permite a definição de vários conceitos, nomeadamente de Hemorragia Severa (presença de choque, Hb<9g/dl, Htc<30% e/ou necessidade de mais de 4 unidades de eritrócitos nas primeiras 24 horas) e de Hemorragia Maciça (associada a Choque hipovolémico no momento da admissão hospitalar e que requer mais de 300 cc/hora de sangue nas primeiras 6 horas, no sentido de manter a estabilidade hemodinâmica)(43). De um modo geral, as medidas de ressuscitação combinadas com a terapêutica médica da exacerbação da CU, permitem o controlo da hemorragia. As medidas de ressuscitação têm como objectivo o restabelecimento do equilíbrio hemodinâmico, idealmente com manutenção do hematócrito > 30%, procedendo-se à administração endovenosa de fluídos (de preferência colóides ou expansores do plasma), seguidos pela infusão de sangue total ou plasma e/ou concentrado e eritrócitos. O oxigénio, administrado por rotina a todos os doentes, ajuda a prevenir a hipóxia miocárdica e cerebral(10,11,42,43). Deverão ser sistematicamente avaliados os sinais vitais, o estado de consciência, a diurese, a temperatura, o aspecto e volume das dejecções, bem como os parâmetros analíticos, sobretudo hemograma e ionograma. Se o doente necessitar de 6 a 8 unidades de concentrado de eritrócitos nas primeiras 24 a 48 horas e se a hemorragia se mantiver apesar F. LESÕES ESTENOSANTES As lesões estenosantes fibróticas são raras nos doentes com CU de longa duração e raramente causam estenose franca. O diagnóstico requer um elevado índice de suspeição para carcinoma, indicação formal para colectomia(10). MANIFESTAÇÕES EXTRA-INTESTINAIS Para além das situações de urgência que ocorrem nos doentes com CU e DC, directamente relacionadas com o intestino, estes doentes podem ainda apresentar uma série de manifestações extra-intestinais, muitas das quais são comuns a ambas as entidades embora, nas grandes séries, ocorram mais frequentemente em doentes com Crohn(10,13). Dum modo geral, estas manifestações são caracterizadas como estando associadas a doença do ID ou do Cólon, associadas ou não a doença intestinal activa. Algumas destas complicações são ainda consequência directa da patologia intestinal (nefrolitíase)(13). 140 Carla Andrade e Henrique Morna MANIFESTAÇÕES EXTRA-INTESTINAIS COLITE ULCEROSA % DOENÇA CROHN % Artropatia aguda Sacroileíte Espondilite anquilosante Complicações oculares Eritema nodoso Pioderma gangrenoso Colangite esclerosante 1ª Coledocolitíase Nefrolitíase Amiloidose 10-15 9-11 1-3 5-15 10-15 1-2 2-8 - 15-20 9-11 3-5 5-15 15 1-2 1 15-30 5-10 Rara BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Rizzello F, Gionchetti P, Ventury A, Campieri M. Review article: medical treatment of servere ulcerative colitis. Aliment Pharmacol Ther 2003; 17 Suppl 2: 7-10. Kumar S, Ghoshai UC, Aggarwai R, Saraswat VA, Choudhuri G. Severe ulcerative colitis: prospective study of parameters determining outcome. J Gastroenterol Hepatol 2004; 19(11):1247-1252. Hurst RD, Michelassi F. Fulminant ulcerative colitis. ACS Surgery online. 2002 Siegel CA, Sands BE. 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No entanto, outras patologias cursam com dor anal, como o abcesso anal, a criptopapilite aguda, a inflamação hemorroidária aguda (“crise hemorroidária”), a proctite aguda, as lesões traumáticas do ânus e o carcinoma anal(2). A doença ano-rectal aguda associa-se a desconforto, dor e preocupação para o doente. Uma avaliação correcta dos sintomas, acompanhada de um exame objectivo cuidadoso permitem, na maioria dos casos, estabelecer o diagnóstico. O tratamento da patologia anorectal aguda proporciona ao doente um alívio sintomático a curto prazo, pelo que se torna igualmente gratificante para o clínico, estimulando o seu aperfeiçoamento teórico e técnico. Neste capítulo abordaremos, numa primeira parte, os sintomas ano-rectais agudos, referindo-nos aos seus diagnósticos diferenciais e aos exames complementares de diagnóstico utilizados. Seguidamente, abordaremos as urgências proctológicas de maior incidência, focando sobretudo os aspectos terapêuticos. TABELA 1- CAUSAS DE DOR ANO-RECTAL AGUDA Fissura anal Trombose hemorroidária Crise hemorroidária Abcesso anal Criptopapilite Lesões traumáticas do ânus e recto 1. SINTOMAS ANO-RECTAIS AGUDOS Cancro anal Proctalgia fugaz Nevralgia anal Coccigodinia História clínica. A anamnese deve focalizar-se no tubo digestivo e na região ano-rectal. São relevantes os antecedentes de doença ano-rectal e os tratamentos efectuados, nomeadamente cirurgias prévias. A doença inflamatória intestinal, sobretudo a doença de Crohn, associa-se a complicações ano-rectais graves e difíceis de tratar. A proctalgia pode estar relacionada com a prática de sexo anal, quer por causa traumática quer, nos doentes com SIDA, devido a proctites infecciosas, víricas, bacterianas ou por protozoários (3). A coccigodinia corresponde a dor na região coccígea, agravada pela mobilização do cóccix, geralmente devida a traumatismo prévio. Dor ano-rectal A pele perianal e a anoderme têm epitélios com grande densidade de fibras nervosas sensitivas, enquanto a mucosa rectal é suprida por fibras proprioceptivas estimuladas pelo estiramento da parede. Assim, a linha dentada corresponde à fronteira entre um epitélio distal muito sensível à dor e uma mucosa proximal praticamente indolor(1). A dor ano-rectal aguda pode ter várias etiologias, enumeradas na Tabela 1. A dor ano-rectal aguda pode ser persistente 145 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA esfincteriana torna a anuscopia numa manobra traumatizante, pelo que deve ser protelada para um exame posterior(7). O toque rectal é importante no diagnóstico da trombose hemorroidária interna e do cancro anal, ajuda na avaliação dos abcessos perianais e pode detectar corpos estranhos ou fecalomas no recto. A anuscopia permite esclarecer as alterações detectadas com o toque rectal, sendo útil no diagnóstico da criptopapilite e de ulcerações da mucosa do recto e do canal anal, devidas a doença de Crohn, terapêuticas proctológicas prévias, ou infecção como a sífilis, vírus herpes ou vírus citomegálico(2). Na coccigodinia, a palpação do cóccix pode desencadear a dor. A proctalgia fugaz consiste numa dor aguda intensa e súbita, por vezes nocturna, que pode durar alguns minutos, em indivíduos jovens com outras manifestações de doença funcional gastrointestinal(4,5). Na gravidez, a doença hemorroidária é a principal cauda de dor anal(6). Exame objectivo. A avaliação da dor ano-rectal assenta na anamnese e no exame proctológico, que compreende a inspecção cuidadosa, o toque rectal, e a anuscopia. A doença hemorroidária é evidente à inspecção, seja a trombose de um pedículo hemorroidário, ou edema e sinais inflamatórios de todo o debrum hemorroidário. A observação de massas perianais, com sinal de flutuação, ou de orifícios fistulosos, faz suspeitar de doença supurativa ano-rectal. Para observar as fissuras faz-se, com o afastamento das nádegas, uma tracção que expõe o canal anal. O toque rectal pode ser muito doloroso e até mesmo intolerável na fissura anal aguda; nestes doentes, a hipertonia Exames auxiliares de diagnóstico. A rectossigmoidoscopia pode ser efectuada, mesmo sem preparação cólica, na suspeita de doença neoplásica ou inflamatória do recto ou do cólon sigmóide, com a vantagem de permitir a colheita de biopsias transendoscópicas para análise histológica ou microbiológica. FIGURA 1- ESTUDO DO DOENTE COM DOR ANO-RECTAL DOR ANO-RECTAL AGUDA Anamese Exame proctológico: inspecção, toque rectal e anuscopia Doença Hemorroidária aguda Doença supurativa ano-rectal Fissura anal Tratamento sintomático Biopsia Cancro Anal Ecoendoscopia TAC/RMN 146 Proctite inflamatória ou infecciosa Endoscopia com biopsias: anatomopatologia +/- microbiologia Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues Nas proctites infecciosas e úlceras anais pode ser efectuado um esfregaço de zaragatoa anal ou rectal. Nas doenças supurativas ou nas lesões neoplásicas, a ecoendoscopia permite avaliar o atingimento da parede do recto; a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética nuclear (RMN) definem a extensão anatómica das doenças supurativas ano-rectais, e permitem estadiar o cancro anal. A Figura 1 representa, em diagrama, o estudo diagnóstico da dor ano-rectal. partida na escara de polipectomia. Os doentes com cirrose hepática e coagulopatia podem ter rectorragias não só pelas doenças ano-rectais comuns como também por rotura de varizes rectais, que funcionam como shunts portossistémicos no contexto da hipertensão portal. O uso de antiagregantes plaquetários ou de hipocoagulantes orais pode exacerbar a hemorragia com ponto de partida ano-rectal. Exame objectivo. A avaliação dos sinais vitais e do estado hemodinâmico é fundamental nas hemorragias de grande volume. A inspecção do ânus, o toque rectal e a anuscopia permitem identificar a causa da hemorragia na maioria dos casos. Nos doentes em que se observa prolapso rectal, a causa da rectorragia pode ser uma úlcera solitária do recto, geralmente localizada na parede anterior. A presença de fezes impactadas na ampola rectal deve levantar a suspeita de úlcera estercoral, causada por necrose isquémica da mucosa. Rectorragia A emissão de sangue vermelho-vivo pelo ânus é um sintoma proctológico frequente que causa grande preocupação ao doente. Geralmente associa-se a dor ano-rectal e pode ser causada por fissura anal, trombose hemorroidária externa ou lesões traumáticas do recto. Também a proctite pode causar hemorragia de pequeno volume, geralmente observada como muco sanguinolento, acompanhando-se de tenesmo, falsas vontades e urgência defecatória. Na Tabela 2 enumeram-se causas de hemorragia com ponto de partida ano-rectal Exames auxiliares de diagnóstico. A rectossigmoidoscopia deve ser realizada, mesmo sem preparação cólica, e permite identificar outras causas de rectorragia, como a lesão de Dieulafoy, a úlcera solitária do recto, pólipos e carcinomas sangrantes mais proximais. A colonoscopia total deve ser efectuada nos indivíduos com mais de 50 anos, com história familiar ou pessoal de adenoma ou cancro colo-rectal, com anemia ferripriva ou pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva, e com sintomas de alarme como o emagrecimento ou a alteração recente dos hábitos intestinais(12). Na Figura 2 resumem-se alguns passos importantes na avaliação do doente com rectorragia. (8,9,10,11) TABELA 2- CAUSAS DE RECTORRAGIA Fissura anal Doença hemorroidária Lesões traumáticas do recto Após polipectomia Úlcera solitária do recto Úlcera estercoral Fístula anal Carcinoma Pólipos Varizes anorectais Lesão de Dieulafoy Proctite inflamatória/ infecciosa/ rádica História clínica. Uma história de rectorragia crónica intermitente, geralmente no final da defecação, ou observada no papel higiénico, sugere doença hemorroidária. A rectorragia associada a proctalgia após esforço defecatório relaciona-se com a fissura anal. Nos doentes submetidos a polipectomia prévia, a rectorragia pode indicar uma complicação tardia da técnica, com ponto de Emissão de pus pelo ânus A emissão de pus pelo ânus ocorre nas doenças supurativas ano-rectais, nomeadamente no abcesso e na fístula anal. As fissuras anais e as úlceras rectais também podem infectar secundariamente e produzir descarga 147 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA FIGURA 2- ACTUAÇÃO PERANTE O DOENTE COM RECTORRAGIA RECTORRAGIA Anamese Exame proctológico: inspecção, toque rectal e anuscopia Sem sinais de alarme Doença ano-rectal aguda Alterações parâmetros coagulação Tratamento sintomático Tratamento direccionado à doença de base Vitamina K, PFC, PLQ Rever indicação ACO Sinais de alarme: >50 anos História familiar CCR Emagrecimento Alt. recente hábitos intestinais Colonoscopia total CCR- CANCRO COLO-RECTAL; PFC- PLASMA FRESCO CONGELADO; PLQ- CONCENTRADO DE PLAQUETAS; ACO- ANTICOAGULAÇÃO ORAL purulenta. Nas proctites ocorre emissão de muco purulento (mucopus). Nos doentes com doença de Crohn, a emissão de pus pelo ânus deve levantar a suspeita de uma complicação supurativa ano-rectal. As principais causas de descarga anal purulenta encontram-se descitas na Tabela 3. cios fistulosos, abcessos e fissuras anais. O toque rectal e anuscopia complementam a observação, permitindo caracterizar melhor os abcessos, nomeadamente abcessos retrofissurários, mostrar orifícios fistulosos internos, úlceras rectais infectadas e proctites agudas. Exames auxiliares de diagnóstico. A colonoscopia com ileoscopia é importante na suspeita de doença inflamatória do intestino. Nas situações de fístulas e abcessos, a ecoendoscopia e a RMN pélvica permitem avaliar o envolvimento da parede e definir o trajecto e dimensão das lesões. Os parâmetros laboratoriais de infecção, sobretudo a contagem de leucócitos e o valor da proteína C reactiva, avaliam a repercussão sistémica do processo inflamatório ou infeccioso. A colheita de produtos para análise microbiológica pode fazer-se por aspiração de pus, zaragatoa, lavado, escovado ou biopsia. TABELA 3- CAUSAS DE DESCARGA ANAL PURULENTA Fissura anal Abcesso e Fístula anal Proctite inflamatória ou infecciosa Exame objectivo. Os sintomas de toxicidade sistémica como a febre, a taquicardia e a leucocitose alertam para a gravidade da infecção ano-rectal, que pode inclusivamente evoluir para uma forma necrotizante, exigindo tratamento cirúrgico agressivo imediato, internamento hospitalar e antibioterapia de largo espectro. A inspecção permite identificar orifí148 Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues II- PATOLOGIA ANO-RECTAL AGUDA sido advogada como melhor no alívio sintomático e correcção da doença hemorroidária de base (13). A gravidade do quadro, história de episódios prévios e ausência de comorbilidades deverão ser considerados na opção de cirurgia precoce. Trombose hemorroidária externa As hemorróidas externas podem causar dor aguda e intensa devida à formação de um trombo intravascular. Ao exame objectivo é visível um nódulo de cor púrpura, tenso e doloroso. Nos casos mais graves, existe edema associado. Pode ocorrer isquemia e necrose da pele sobre o trombo, causando rectorragia de sangue vermelho-vivo(1,13,14,15) Tratamento. O tratamento nas 48 horas iniciais consiste na remoção do coágulo após anestesia local da pele(1,13,14,15). A taxa de recorrência é elevada. O doente com tromboses recorrentes deve ser referenciado a consulta de proctologia de modo a programar um tratamento adequado da doença hemorroidária de base. A trombose hemorroidária externa ocorre com frequência na gravidez, devido ao aumento da volémia, ao aumento de pressão intra-abdominal e ao relaxamento do pavimento pélvico induzido por factores hormonais. Na fase aguda e mais sintomática, em que se observa um coágulo tenso, é seguro efectuar a sua remoção por incisão da pele após anestesia local(5,16). Doença hemorroidária aguda A doença hemorroidária geralmente causa rectorragia crónica intermitente, mas também se pode manifestar como uma hemorragia aguda. Esta situação tem maior significado clínico em doentes idosos, com doença cardiovascular associada, medicados com antiagregantes ou anticoagulantes, ou com outras alterações da coagulação. Tratamento. A gravidade da hemorragia e o contexto clínico do doente vão determinar a opção terapêutica. Pode ser necessário corrigir alterações da coagulação previamente ao tratamento, de modo a aumentar a sua eficácia. O tratamento instrumental é uma boa opção nas hemorróidas do 1º, 2º e 3º graus, e nos doentes com comorbilidades que aumentam os riscos associados à cirurgia. A laqueação elástica é o tratamento instrumental actualmente considerado de primeira linha na doença hemorroidária sintomática(17,18). Alternativamente, pode ser efectuada uma injecção submucosa do pedículo hemorroidário com uma substância esclerosante, que povoca trombose vascular e fibrose do tecido conjuntivo ao redor(19); a eficácia e o controlo a longo prazo dos sintomas parecem ser inferiores à laqueação elástica(18,20). Os métodos de coagulação, seja por diatermia bipolar, electroterapia de corrente directa ou fotocoagulação com infra-vermelhos podem ser usados nas hemorróidas do 1º, 2º e 3º graus, são bem tolerados e têm poucas complicações. A coagulação com infra-vermelhos foi estudada em ensaios randomizados, com taxas de eficácia no controlo da hemorragia hemorroidária entre 67 e 96%(7,21). Comparativamente à laqueação e à esclerose, apresenta menor taxa de complicações(18,19). A cirurgia é o tratamento de escolha para os sintomas Trombose hemorroidária interna A trombose de hemorróidas internas pode ocorrer no interior do canal anal, sendo o diagnóstico efectuado pelo toque rectal e por anuscopia. A trombose de uma hemorróida interna prolapsada, por encarceramento, é mais frequente e manifesta-se por dor aguda intensa que impede a defecação. À inspecção observa-se edema peritrombótico marcado, que pode ser localizado ou circular, e que causa irredutibilidade e encarceramento do cordão hemorroidário (13). Tratamento. O tratamento pode ser inicialmente conservador, com repouso, aplicação local de frio, analgesia, laxantes suaves, venotrópicos e heparinóides tópicos. A opção de terapêutica cirúrgica precoce (<24 horas) sob antibioterapia sistémica tem 149 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA graves, refractários ou recorrentes, sobretudo se existirem hemorróidas de 4º grau, com prolapso irredutível(18,19). A ponderação dos riscos e benefícios da terapêutica antiagregante e anticoagulante oral deve ser revista, sobretudo nos indivíduos idosos com doença hemorroidária sintomática. ções de cronicidade. Os compostos mais utilizados são o gliceril trinitrato (GNT) tópico, dinitrato de isossorbido (DNI) tópico, a nifedipina oral e tópica, o diltiazem tópico e a toxina botulínica injectada localmente. A aplicação de nitratos tópicos foi estudada na fissura anal aguda. Num ensaio controlado e randomizado publicado por Bacher(24), utilizando pomada de gliceril trinitrato a 0.2%, as taxas de cicatrização foram de 60% e 80%, aos 14 dias e ao fim de 1 mês, respectivamente, bastante superiores às observadas nos doentes que usaram gel de lidocaína. O tratamento instrumental ou cirúrgico na fissura aguda deve ser considerado se os sintomas são muito intensos e intoleráveis, e nos doentes com sintomas recorrentes. A esclerose com polidocanol a 0,5%, álcool a 70% ou quinina/ureia a 5%, injectados na base da fissura após anestesia local, efectua uma esfincterotomia química, estando especialmente indicada nas fissuras recentes, superficiais e dolorosas(25). A anestesia do esfíncter prévia à esclerose diminui a hipertonia do esfíncter e, portanto, alivia de imediato a proctalgia. A utilização pelo doente de um dilatador anal não mostrou eficácia num estudo controlado e randomizado publicado por Mc Donald (26). A dilatação anal com balão pneumático foi estudada apenas em doentes com fissura anal crónica(27). O tratamento cirúrgico consiste numa esfincterotomia lateral interna, que resulta numa elevada taxa de sucesso, superior a 93% nas séries publicadas, com baixa recorrência. Os resultados são díspares no que diz respeito à taxa de incontinência pos-operatória, variando entre 0% e 37,8%(7). Este aspecto deve ser considerado na decisão terapêutica. A comparação possível entre estas diferentes modalidades terapêuticas foi feita para a fissura crónica por Nelson, numa metanálise publicada em 2004(28), mas na fissura aguda não dispomos de dados comparativos que possam apoiar a decisão terapêutica, que se mantém individualizada e muito dependente da experiência do clínico. Fissura anal As fissuras anais são soluções de continuidade na anoderme, dispostas longitudinalmente desde a margem anal até à linha denteada, habitualmente localizadas na linha média, na comissura anterior (10%) ou posterior (90%). Manifestam-se por proctalgia intensa durante a defecação, que se pode prolongar por várias horas, e por rectorragia de volume variável. As fissuras associam-se frequentemente ao traumatismo fecal por fezes duras com esforço defecatório ou a períodos de diarreia com múltiplas dejecções diárias. As fissuras localizadas fora da linha média exigem uma investigação adicional no sentido de excluir doença inflamatória intestinal, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), outras infecções como tuberculose, sífilis, por herpes ou vírus citomegálico, e neoplasias como a leucemia ou o carcinoma anal(7). Tratamento. As fissuras agudas geralmente são superficiais e, em cerca de metade dos casos, respondem ao tratamento conservador (1,22) com analgesia local e sistémica, higiene local e aplicação de pomadas cicatrizantes. A regularização do trânsito intestinal, corrigindo a obstipação ou diarreia, é essencial para a resolução da fissura(1). Num ensaio randomizado efectuado por Jensen(23), a associação de banhos de assento com suplemento de 10 g de farelo bidiariamente permitiu uma taxa de cicatrização de 87,5% às 3 semanas, superior à observada com pomada de lidocaína e conseguida mais rapidamente que a pomada de hidrocortisona. O tratamento farmacológico da fissura anal tem por base o relaxamento do esfíncter anal e tem sido estudado sobretudo nas situa150 Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues Abcesso e fístula anal O abcesso e a fístula anal correspondem a fases diferentes de uma mesma lesão supurativa da região ano-rectal. Inicialmente ocorre uma colecção de pus com ponto de partida mais frequente numa glândula anal, ou numa solução de continuidade da parede ano-rectal, seja fissura ou úlcera. Causas mais raras de supuração ano-rectal estão descritas na Tabela 4. A fístula corresponde a uma fase ulterior de drenagem do conteúdo purulento para a pele perianal, dissecando vários planos na parede ano-rectal. Parks(29) classificou as fístulas de acordo com a sua relação com o esfíncter anal em interesfinctéricas, transesfinctéricas, supraesfinctéricas e extraesfinctéricas. As fístulas são denominadas complexas quando 1existe um elevado risco de incontinência com o tratamento, 2- são anteriores numa mulher, 3têm múltiplos trajectos, 4- são recorrentes, e quando se associam a 5- incontinência prévia, 6- radioterapia pélvica prévia ou 7- Doença de Crohn (30). O tratamento da fístula anal tem como objectivos a resolução do processo séptico local e a eliminação de trajectos epitelizados associados, com o mínimo de lesão da função esfincteriana. O tratamento é determinado pela avaliação da gravidade e cronicidade da fístula, pela experiência individual e do centro hospitalar, e pelas comorbilidades associadas. A doença de Crohn e a radioterapia prévia associam-se a taxas de cicatrização mais baixas. As fístulas simples podem ser tratadas por fistulotomia ou por desbridamento do trajecto seguido de aplicação de cola de fibrina. Apesar de estarem descritas maiores taxas de sucesso com a fistulotomia, a aplicação de cola de fibrina é um procedimento seguro, que pode ser repetido, e com risco pequeno ou mesmo nulo de incontinência(30). As fístulas complexas podem também ser tratadas com desbridamento dos trajectos e aplicação de cola de fibrina. A colocação de um seton (material filiforme maleável, geralmente fio de sutura não absorvível), ao longo do trajecto fistuloso permite drenar o processo infeccioso, facilita a cicatrização do trajecto e promove uma fibrose dos tecidos ao redor. Os setons de corte são gradualmente apertados, até seccionarem os tecidos externos ao trajecto, gradualmente fibrosados durante o processo. Os setons de drenagem permitem uma fistulotomia em segundo tempo, após melhoria do processo infeccioso. As taxas de recorrência com a utilização de setons são inferiores a 8%, mas os sintomas de incontinência são frequentes ao longo do seguimento, estando descritos em mais de 50% dos doentes(30,31,32). TABELA 4- OUTRAS CAUSAS DE ABCESSO E FÍSTULA ANAL Doença Inflamatória do Intestino Tuberculose Actinomicose Linfogranuloma venéreo Pelviperitonite Corpos estranhos Cirurgia Episiotomia Hemorroidectomia Radioterapia Carcinoma Linfoma/ Leucemia Traumatismo Tratamento. Os abcessos perianais devem ser tratados de imediato com incisão e drenagem. O encerramento precoce pode levar a recidiva, pelo que a incisão deve ser adequada ao volume do abcesso; na fase inical, podem ser colocados drenos ou setons(30). Nas situações graves, sobretudo em doentes imunocomprometidos, o internamento é conveniente. A antibioterapia deve ser associada nos indivíduos diabéticos, imunocomprometidos, com celulite associada e com próteses valvulares. Infecções ano-rectais necrotizantes Em alguns casos mais graves, o processo supurativo ano-rectal evolui para uma sépsis perineal que constitui uma emergência médica. Tratamento. É necessária hospitalização e tratamento imediatos, com desbridamento cirúrgico extenso e antibioterapia sistémica. A sépsis perineal pode ser uma complicação rara de procedimentos terapêuticos proctológicos, instrumentais ou cirúrgicos. 151 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA Lesão de Dieulafoy A lesão de Dieulafoy ano-rectal pode causar hemorragia de grande volume com ponto de partida numa artéria submucosa que se superficializa e rompe após solução de continuidade da mucosa sobrejacente. Tratamento. A endoscopia permite, em simultâneo, diagnosticar e tratar a hemorragia, seja por injecção de adrenalina, injecção de substância esclerosante, aplicação de hemoclips, coagulação com árgon plasma e electrocoagulação bipolar (BiCap). Nas hemorragias de alto débito, em que a colonoscopia não é possível ou não é diagnóstica, poder-se-á recorrer à angiografia que, além de localizar a fonte hemorrágica, permite executar terapêuticas como a embolização vascular ou a infusão de vasoconstritores(9). da em água, duas vezes por dia) parece ser eficaz(11,35), apesar da experiência limitada. Os enemas de ácidos gordos de cadeia curta tiveram eficácia semelhante ao placebo quando testados em estudos controlados(34). Nos sintomas graves e refractários, as técnicas endoscópicas estão indicadas, podendo utilizar-se coagulação com árgon plasma, laser Nd:YAG, electrocoagulação bipolar (BiCap) ou termocoagulação. A instilação rectal com formalina a 4% tem sido usada com bons resultados nos doentes com proctite rádica hemorrágica refractária; no entanto, estão descritos efeitos laterais significativos, nomeadamente necrose do recto, formação de fístulas e sépsis perineal(11,36). O tratamento com oxigénio hiperbárico pressupõe a criação de um gradiente de oxigénio que estimula a angiogénese, diminuindo a isquemia na mucosa afectada. Numa meta-análise recentemente publicada(37), o tratamento com oxigénio hiperbárico obteve bons resultados na proctite rádica, apesar de os estudos disponíveis envolverem pequenos grupos de doentes e serem metodologicamente díspares. Nos doentes com estenoses sintomáticas secundárias à fibrose pode ser efectuada dilatação por via endoscópica ou ressecção cirúrgica do segmento afectado. No quadro 1 estão descritas algumas das causas de proctites infecciosas de transmissão sexual, os métodos de diagnóstico e o tratamento recomendado. Proctite aguda A proctite corresponde a inflamação da mucosa rectal, que pode ter causa idiopática, infecciosa ou rádica. A doença inflamatória intestinal pode afectar a região ano-rectal, apresentando-se como proctite, abcesso, ou fístula anal. A proctite rádica pode ocorrer logo nas primeiras semanas após o tratamento com radioterapia, manifestando-se por diarreia, tenesmo, urgência defecatória e rectorragia. A forma crónica ocorre vários meses após o término do tratamento, devido à fibrose, atrofia e isquemia crónica da mucosa. Nesta fase tardia, a diarreia, proctalgia e rectorragia são os sintomas mais frequentes(33). As proctites infecciosas podem ser causadas por agentes sexualmente transmitidos, sejam vírus, bactérias ou protozoários. Estas infecções assumem maior gravidade nos doentes imunodeprimidos pela infecção VIH. Tratamento. O tratamento da proctite rádica depende da gravidade dos sintomas. Os salicilados orais são pouco úteis isoladamente, podendo a sua eficácia ser aumentada com a adição de metronidazol(34) ou de enemas de corticóide(35). O tratamento com enemas de sucralfato (20 ml de suspensão a 10% diluí- Carcinoma anal O carcinoma anal é uma patologia pouco frequente, totalizando 1,6% das neoplasias do tubo digestivo na população norte-americana (38). Os sintomas podem surgir já em estadio avançado e ser erradamente atribuídos a doença ano-rectal benigna. Os sintomas mais frequentes são a rectorragia (45%) e a dor ano-rectal (30%). Cerca de metade dos doentes têm ou já tiveram condilomas anais. É mais frequente em homens na 6ª década de vida e associa-se à transmissão sexual da 152 Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues QUADRO 1- PROCTITES INFECCIOSAS DE TRANSMISSÃO SEXUAL (3) CAUSA Herpes simplex Vírus citomegalico Sífilis Neisseria gonorrhoeae Chlamydia trachomatis Papiloma virus MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Vesículas e úlceras perianais dolorosas, tenesmo rectal Úlceras perianais Úlceras anais ou perianais assintomáticas Rectorragias, fissuras, fístulas Proctite, mucopus abundante, tenesmo Nódulo anal ulcerado, Proctite inespecífica, adenopatia inguinal Bom Condiloma acuminado Prurido, rectorragias, mau odor, proctalgia DIAGNÓSTICO TRATAMENTO PROGNÓSTICO Cultura das vesículas e/ou biopsia da margem das úlceras Biopsia do centro da ulcera Microscopia campo escuro do exsudado Serologia Zaragatoa- ânus, vagina, uretra, faringe. Cultura em Thayer-Martin Cultura de biopsias Esfregaço rectal Serologia Aciclovir p.o. Foscarnet Vidarabina Ganciclovir IV- 21 dias 2ª linha- Foscarnet IV Penicilina 2,4 MU IM Tratamento não é curativo Serologias DST Ganciclovir muito eficaz Bom Tratar parceiros Serologias DST Bom Serologias de outras DST Anuscopia e rectossigmoidoscopia ISH/ PCR do virus Ceftriaxone 125 mg IM (dose única) Doxiciclina 2id- 21 dias Bom Serologias DST Ácido bicloroacético Podofilina, Excisão Electrocauterização Laser Bom Serologias DST DST- DOENÇA SEXUALMENTE TRANSMITIDA; IV- INTRAVENOSO; IM- INTRAMUSCULAR; ISH- HIBRIDIZAÇÃO IN SITU. PCR- POLYMERASE CHAIN REACTION infecção pelo papilomavírus humano, sobretudo tipo 16, 18, 45 e 46(10). Outros factores de risco são o tabaco, a imunodepressão, pela infecção VIH ou após transplantação, o sexo anal receptivo com múltiplos parceiros e o carcinoma do colo uterino (Tabela 5). Pode manifestar-se como úlcera, pólipo, ou lesão vegetante. O diagnóstico faz-se pela biopsia da lesão durante a anuscopia. Histologicamente, classifica-se como carcinoma epidermóide de células escamosas (70-80% dos casos), basalóide, cloacogénico ou de células transicionais (20-30%), mucoepidermóide (1-5%) e anaplásico de pequenas células (<5%)(10). O estadiamento é essencial, localmente com ecoendoscopia, e à distância com TC abdomino-pélvica e radiografia torácica. Os indicadores de mau prognóstico são o tamanho superior a 5 cm, tipo histológico basalóide ou anaplásico, invasão do esfíncter anal e metastização. TABELA 5- FACTORES DE RISCO DE CARCINOMA ANAL Idade superior a 50 anos Tabagismo Fístula anal Sexo anal, múltiplos parceiros Condilomas genitais Infecção por papilomavirus humano- HPV 16 Infecção VIH Imunossupressão após transplante Tratamento. As opções terapêuticas são a ressecção cirúrgica, para os carcinomas da margem anal, e a associação de radioterapia e quimioterapia, com mitomicina e 5-fluoruracilo, para os carcinomas do canal anal propriamente dito. 153 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA Varizes rectais As varizes rectais são uma complicação da hipertensão portal presente em cerca de 45% dos doentes com cirrose. Podem causar hemorragias maciças, agravadas pela coagulopatia e pela trombocitopenia que acompanham a insuficiência hepática grave. As varizes do recto distal podem ser difíceis de distinguir de hemorróidas; a ecoendoscopia tem utilidade no diagnóstico diferencial entre as duas situações(39). Tratamento. A laqueação e esclerose por via endoscópica, a embolização da veia mesentérica inferior e a criação de shunt porto-sistémico intra-hepático, cirúrgico ou transjugular, são as opções terapêuticas, a considerar de acordo com a gravidade da hemorragia, o estado geral do doente e os recursos técnicos disponíveis. directa com o anuscópio. Nos objectos acima da junção rectosigmoideia, tenta-se a remoção com o colonoscópio ou com o rectossigmoidoscópio rígido; se não for possível, a laparotomia é o passo seguinte. A remoção de objectos maiores deve ser sempre muito cuidadosa, especialmente com os objectos de vidro. Se ocorrer formação de vácuo durante a extracção, podem ser inseridos cateteres de Folley e insuflado ar proximalmente ao objecto. Após a remoção bem sucedida, está indicada a realização de rectossigmoidoscopia para observar a mucosa e confirmar que não ficaram corpos estranhos residuais. Com excepção das lesões superficiais da mucosa do recto, que cicatrizam sem intervenção específica, as lesões mais graves exigem profilaxia anti-tetânica e antibioterapia sistémica. A cirurgia é necessária se não for possível retirar o corpo estranho de outro modo, se houver sinais de irritação peritoneal ou se um objecto de vidro se partir durante a remoção. Nos casos mais graves, sobretudo nos traumatismos não iatrogénicos, é necessário efectuar colostomia de derivação. A preservação do esfíncter anal deve ser uma preocupação constante durante o tratamento destes doentes. Traumatismos ano-rectais As lesões traumáticas do recto podem ser iatrogénicas ou secundárias a acidentes de viação ou a lesão penetrante por armas brancas ou de fogo. Por vezes associam-se à presença de corpos estranhos. Manifestam-se por dor pélvica ou perineal e hemorragia de sangue vivo pelo ânus, no contexto de trauma ou de procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos. O doente pode sentir-se constrangido em admitir a inserção anal de um corpo estranho, o que dificulta o diagnóstico. A anamnese em local com privacidade e o exame objectivo abdominal e ano-rectal permitem uma avaliação inicial da gravidade da lesão, que deve ser complementada por radiografia abdominopélvica anteroposterior e de perfil. Tratamento. Nas lesões secundárias a procedimentos endoscópicos, o diagnóstico geralmente é imediato; se existir pneumoperitoneu, a correcção da lesão é cirúrgica; caso contrário, a pausa alimentar com antibioterapia de largo espectro pode ser suficiente(40). Quando existem corpos estranhos, a sua localização é fundamental para a decisão terapêutica. Até aos 10 cm da margem anal, a remoção do corpo estranho é transanal, após relaxamento do esfíncter anal, e sob visão CONCLUSÕES A dor anal, a rectorragia e a descarga anal purulenta são sintomas frequentes nas doenças ano-rectais agudas. A história clínica e o exame objectivo cuidadoso com inspecção do períneo, toque rectal e anuscopia, permitem efectuar um diagnóstico correcto na maioria dos casos, e seleccionar criteriosamente os exames auxiliares de diagnóstico, quando necessários. As opções terapêuticas disponíveis são cada vez mais diversas, tendo em geral uma boa eficácia no controlo dos sintomas a curto prazo, e na resolução da doença a longo prazo. O aparecimento de estudos comparativos entre várias modalidades terapêuticas, permite cada vez mais tomar decisões baseadas na evidência. 154 Sónia Fernandes e Adélia Rodrigues BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. Gupta PJ. Common Anorectal conditions. Turk J Med Sci 2004; 34:285-93 Mascarenhas-Saraiva M. Dor ano-rectal aguda. In: Romãozinho JM, Ed. Urgências em Coloproctologia. Sociedade Portuguesa de Coloproctologia, 2003. p. 11-19 Dionisio D. Textbook- atlas of intestinal infections in AIDS. 1st Ed. 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Dis Colon Rectum, 1997; 40: 229-33 155 URGÊNCIAS EM PROCTOLOGIA 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. Jensen SL. Treatment of first episodes of acute anal fissure: prospective randomised study of lignocaine ointment versus hydrocortisone ointment or warm sitz baths plus bran. BMJ 1986; 292: 1167-69 Bacher H, Mischinger HJ, Werkgartner G, Cerwenka H, El-Shabrawi A, Pfeifer J, Schweiger W. Local nitroglycerin for treatment of anal fissures: an alternative to lateral sphincterotomy? Dis Colon Rectum 1997;40(7):840-5 Camacho A. Fissura anal. In Romãozinho JM, Ed. Urgências em Coloproctologia. Ed. Sociedade Portuguesa de Coloproctologia, 2003 McDonald P, Driscoll AM, Nicholls RJ. The anal dilator in the conservative management of acute anal fissures. Br J Surg 1983; 70(1): 25-6 Renzi A, Brusciano L, Pescatori M, Izzo D, Napolitano V, Rosseti G et al. 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Antigamente, menos de 15% dos doentes sobreviviam; actualmente, com o transplante hepático, a sobrevida ultrapassa os 65%(2). Cerca de 6% dos transplantes hepáticos em adultos são motivados por insuficiência hepática aguda(3). A definição de insuficiência hepática aguda, aceite pela Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado (AASLD) nas suas recomendações publicadas em 2005 (7), requer evidência de coagulopatia, habitualmente INR >1.5 e encefalopatia. Outros pressupostos são doença com menos de 26 semanas de evolução e ausência de cirrose prévia. Casos de doença de Wilson, hepatite B adquirida verticalmente e hepatite auto-imune, podem ser incluídos, independentemente da presença de cirrose, se diagnosticados há menos de 26 semanas. A raridade e natureza heterogénea deste sindroma, com várias etiologias condicionando abordagens e prognósticos diferentes, têm dificultado o seu estudo. DEFINIÇÃO Os termos insuficência hepática aguda e insuficiência hepática fulminante têm sido usados como sinónimos. Trey e Davidson(4) descreveram, em 1968, um quadro de alteração do estado mental desencadeado menos de 8 semanas após o início de doença hepática, em indivíduo, previamente, saudável. Bernuau et al(5) sugeriram que o termo insuficiência hepática fulminante fosse reservado para casos em que ocorresse encefalopatia num prazo de 2 semanas. O’Grady et al(6) redefiniram, em 1993, o conceito de insuficiência hepática aguda e propuseram 3 classes AVALIAÇÃO INICIAL Havendo suspeita, é importante confirmar o diagnóstico e estabelecer um prognóstico, rapidamente, para definir atitudes. A ida para uma unidade de cuidados intensivos, para uma unidade com centro de transplante ou colocação do doente em lista de espera para transplante, são decisões a tomar, logo que possível. 157 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA A história clínica deve ser, especialmente, cuidadosa na identificação da causa provável. Se o doente não estiver em condições de fornecer dados, estes podem ser procurados junto de quem lhe seja próximo. O exame objectivo inclui, necessariamente, avaliação do estado mental e pesquisa de sinais de doença hepática crónica, já que a presença de cirrose implica uma abordagem diferente. A icterícia, embora frequente, nem sempre existe. A presença de encefalopatia é condição necessária para o diagnóstico. A insuficiência hepática aguda leva, frequentemente, a falência multi-orgânica. Os primeiros sintomas costumam ser inespecíficos: fadiga, mal estar, anorexia, náusea, dor abdominal, febre ou icterícia(8). Uma coagulopatia severa precede, muitas vezes, a evolução da encafalopatia hepática para coma. A avaliação laboratorial inicial (QUADRO 1) pretende contribuir para o esclarecimento da etiologia e determinação do prognóstico. De acordo com as recomendações da AASLD(7): 1. doentes com insuficiência hepática aguda devem ser internados e monitorizados, de preferência, numa unidade de cuida- QUADRO 1. AVALIAÇÃO LABORATORIAL INICIAL Tempo Protrombina/INR Bioquímica sódio, potássio, cloro, bicarbonato, cálcio, magnésio, fósforo, glucose transaminases, fosfatase alcalina, ϒGT, bilirrubina total, albumina, creatinina, ureia Gasimetria arterial Lactato arterial Hemograma Tipagem sangue Doseamento sérico de paracetamol Investigação tóxicos Serologia hepatites virais anti-HAV IgM, HBSAg, anti-HBc IgM, anti-HEV§, anti-HCV* Ceruloplasmina# Teste gravidez (sexo feminino) Amónia (arterial se possível) Marcadores autoimunidade ANA, ASMA, imunoglobulinas HIV‡ Amilase e lipase *Para diagnóstico de infecção subjacente. #Só se doença de Wilson for provável (por exemplo: em doentes com menos de 40 anos, sem outra explicação óbvia para insuficiência hepática aguda); neste caso, pedir doseamento de ácido úrico e realizar índice biirrubina total/fosfatase alcalina. ‡Implicações para potencial transplante hepático. §Se houver indicação clínica. Traduzido de referência 7: Polson J, Lee WM. AASLD Position paper: the management of acute liver failure. Hepatology 2005;5:1179-1197 158 Rui Sousa mais recentes (2), identificam o paracetamol como a causa mais comum (cerca de 40% dos casos). No Reino Unido, o paracetamol está implicado em 50 a 70% das situações de insuficiência hepática aguda(12,13). A ingestão voluntária predomina na Europa, contrariamente ao que acontece nos Estados Unidos em que prevalece a intoxicação involuntária. dos intensivos; 2. contactos com um centro de transplante e planos para transferir doentes com pior prognóstico devem ser estabelecidos o mais cedo possível; 3. descobrir a causa precisa da insuficiência hepática aguda é importante para definir as atitudes subsequentes. ETIOLOGIA E TERAPÊUTICAS ESPECÍFICAS Cerca de 17% dos casos de insuficiência hepática aguda são de causa indeterminada. Incluem-se, aqui, provavelmente, doentes com hepatite viral não diagnosticada, hepatotóxicos não reconhecidos (auto-medicação, drogas e medicamentos “alternativos”) e doenças metabólicas e genéticas (mais na população pediátrica)(2). A etiologia da insuficiência hepática aguda é heterogénea (QUADRO 2) e varia consoante a época e a localização geográfica (QUADRO 3). Causas comuns, no ocidente, são a intoxicação (voluntária ou não) com paracetamol e com outras drogas, enquanto que a hepatite viral tem cada vez menos peso (9). Na Índia, a hepatite viral (B e E) é responsável por cerca de 60% dos casos (10). Nos Estados Unidos, séries publicadas nos anos oitenta, mostravam a hepatite viral como etiologia mais frequente(11), mas, trabalhos Num estudo prospectivo publicado em 2002 nos Estados Unidos, Ostapowicz et al(2) compararam alguns dados clínicos e laboratoriais em diferentes etiologias de insuficiência QUADRO 2. ETIOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA A. B. C. D. E. F. Viral HVA, HVB, HVD, HVE, VHS, CMV, VEB, VHVZ, adenovírus, febres hemorrágicas Fármacos e Toxinas • Dose-dependente: paracetamol, CCl4, fósforo amarelo, Amanita phalloides, Bacilluscereus, sulfonamidas, tetraciclina, ecstasy, med. tradicional • Idiossincrático: halotano, INH, rifampicina, ácido valproico, AINEs, disulfiram Vascular Insuficiência cardíaca direita, Budd-Chiari, doença veno-oclusiva, choque (hepatite isquémica), golpe de calor Metabólica Fígado gordo agudo da gravidez, doença de Wilson, sindroma de Reye, galactosemia, intolerância hereditária frutose, tirosinemia Variada Infiltração maligna (metastases hepáticas, linfoma), hepatite autoimune, sepsis Indeterminada Abreviaturas: HVA, hepatite viral A; HVB, hepatite viral B; HVD, hepatite viral D; HVE, hepatite viral E; VHS, vírus herpes simplex; CMV, citomegalovírus; VEB, vírus Epstein-Barr; VHVZ, vírus herpes varicela zoster; CCl4, tetracloreto de carbono; INH, isoniazida; AINEs, anti-inflamatórios não esteroides. Traduzido de referência 127: Sass DA, Shakil AO. Fulminant Hepatic Failure. Liver Transpl 2005;6:594-605 159 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA QUADRO 3. ETIOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA HEPATICA AGUDA ATRAVÉS DO MUNDO Argentina 1996-2001 Dinamarca 1973-1990 França 1972-1990 India 1987-1993 Japão 1992-1999 R.Unido 1993-1994 Paracetamol HVA HVB Tóxicos Choque Indeter Outras 0 8 22 14 0 25 31 19 2 31 17 3 15 13 2 4 32 17 ? 18 27 0 2 31 5 0 0 62 0 3 18 0 0 71 8 73 2 2 2 3 8 9 Abreviaturas: HVA, hepatite viral A; HVB, hepatite viral B; Indeter, indeterminada. Traduzido de referência 9: Ostapowicz G, Lee WM. Acute hepatic failure: a western perspective. J Gastroenterol Hepatol 2000;15:480-488 Paracetamol hepática aguda. O grupo de doentes cuja causa era o paracetamol tinham evolução mais rápida, transaminases mais altas, mas taxa de transplante mais baixa com sobrevivência sem transplante mais elevada (QUADRO 4). A toxicidade do paracetamol é dosedependente. Os casos de insuficiência hepática aguda são provocados, habitualmente, por doses superiores a 10g/dia; há, no entanto, QUADRO 4. COMPARAÇÃO DE ALGUNS DADOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS NA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA CAUSADA POR PARACETAMOL E OUTRAS ETIOLOGIAS Sexo (% feminino) Idade (anos) Icterícia –encefalopatia (dias) Coma III/IV (%) ALT Bilirrubina total Tx (%) Sobrevivência espontânea (%) Sobrevivência total (%) Paracetamol n=120 79 36 1 50 4310 4.3 6 68 73 Tóxicos n=40 73 41 12 43 574 20.2 53 25 70 Indeterminada n=53 60 38 12 47 947 24.5 51 17 64 Outros n=95 72 43 4 47 1060 12.6 36 33 61 p NS 0.02 <0.001 NS <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 NS Abreviaturas: ALT, alanina transferase; Tx, transplante. Traduzido de referência 2: Ostapowicz GA, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, et al. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med 2002;137:947-954 160 Rui Sousa situações descritas com 3-4g/dia(14). A dose hepatotóxica, geralmente aceite, é de 150mg/kg de peso mas está sujeita a grandes variações(15). insuficiência hepática aguda grave com taxas de mortalidade muito elevadas, se o doente não for transplantado(26), embora, trabalho mais recente, apresente melhores resultados, apenas com tratamento médico intensivo(27). O diagnóstico de intoxicação com amanita passa pela história de consumo de cogumelos selvagens, identificação (se possível) das espécies ingeridas e quadro clínico típico. Este, apresenta um período de latência longo, de 6 a 18 horas, uma fase gastrointestinal (com náuseas, vómitos, dor abdominal e diarreia) e manifestações tardias decorrentes da falência hepática e eventual insuficiência renal. A toxicidade hepática da amanita deve-se ás amatoxinas que são termo-estáveis e resistentes à secagem e armazenamento; existe um caso descrito de intoxicação fatal com cogumelos conservados há mais de 7 meses(28). As toxinas podem pesquisar-se nos restos alimentares, plasma, urina e fezes. Segundo Floersheim(29), de entre os casos de falência hepática por amanita, têm pior prognóstico os ocorridos em crianças com menos de 10 anos, aqueles em que o período de latência é menor e os que apresentam taxa de protrombina mais baixa (<10%). O antídoto para o paracetamol é a N-acetilcisteína (NAC). O tratamento deve ser o mais precoce possível. Se administrada até 12 horas após a ingestão, tem uma eficácia, praticamente, total(16). Pode ser útil, no entanto, até mais de 48 horas depois(17). Vários estudos mostram a sua eficácia e segurança(18,19,20). Há, todavia, registo de efeitos secundários graves, principalmente, do tipo alérgico(21). A administração de NAC está recomendada na insuficiência hepática aguda em que há suspeita de intoxicação com paracetamol ou nas situações em que não é possível determinar a sua causa. Segundo as recomendações da AASLD(7) a NAC pode ser dada por via oral ou sonda nasogástrica, diluída, numa dose inicial de 140mg/kg seguida de 70mg/kg cada 4 horas (17 vezes). Se necessária a via endovenosa, iniciar com 150mg/kg, numa solução de dextrose a 5%, durante 15 minutos e continuar com 50mg/kg em 4 horas e 100mg/kg mais 16 horas. O tratamento deve ser agressivo se a suspeita de ingesta é grande. Nas primeiras horas pode-se tentar a indução do vómito e/ou lavagem gástrica, a catarse com sulfato de magnésio e a administração de carvão activado. Se se confirmar a intoxicação com amanita, o doente deve ser internado em unidade de cuidados intensivos, considerando-se, fortemente, a sua inclusão em lista para transplante. Existem, porém, terapêuticas específicas, com eficácia mais ou menos discutível; destas, destacamos, por apresentarem melhores resultados, os tratamentos com silibinina e com penicilina G; ambos constam das recomendações da AASLD(7). Carvão activado, se administrado nas primeiras 3 a 4 horas após a ingestão de paracetamol, pode ser benéfico(22). O reconhecimento da importância do paracetamol como principal causa de insuficiência hepática aguda, levou a que, em alguns países como o Reino Unido e a França, se tomassem medidas para limitar a sua disponibilidade em termos de forma de apresentação, com bons resultados aparentes(23,24,25). Cogumelos Entre as mais de 5000 espécies de cogumelos existentes, 50 a 100 são venenosas e a sua identificação é, por vezes, difícil. A ingestão de Amanita phalloides causa, habitualmente, 161 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA Fármacos Anel de Kayser-Fleischer está presente em cerca de 50% dos casos(37). A investigação etiológica de uma insuficiência hepática aguda inclui, obrigatoriamente, a listagem dos fármacos ingeridos, potencialmente hepatotóxicos. A grande maioria dos casos ocorre nos primeiros seis meses após o início da toma. Não esquecer, nunca, os preparados das hervanárias e os suplementos nutricionais(30). Ceruloplasmina sérica está, tipicamente, baixa mas pode ser normal em mais de 15% das situações. Cobre sérico, urinário ou hepático elevados podem levar ao diagnóstico. Não está indicado o tratamento com penicilamina (37). O doente deve ser colocado em lista para transplante urgente(37). Hepatite Viral Devem-se, sempre, pedir os marcadores de hepatite viral, mesmo que haja outra causa provável de insuficiência hepática aguda. Não esquecer a hepatite D e hepatite E, caso haja história compatível. Embora objecto de controvérsia, a hepatite aguda C não parece provocar insuficiência hepática aguda(2,31). Hepatite Auto-Imune Os auto-anticorpos podem ser negativos tornando o diagnóstico difícil; considerar realização de biópsia hepática. Embora, alguns doentes respondam a corticoterapia, outros necessitam de transplante (39,40). Recomenda-se colocação em lista de espera para transplante(7). Considerar tratamento da hepatite aguda B com lamivudina, mesmo não havendo estudos conclusivos a esse respeito(32). Doentes com AgHBs positivo e submetidos a quimioterapia ou terapêutica com imunossupressores, devem ser tratados com lamivudina (ou similar) até 6 meses depois, para prevenir agudização(33). Fígado Gordo Agudo da Gravidez e Sindroma HELLP (Hemolysis, Elevated Liver enzymes, Low Platelets) Se a causa de insuficiência hepática aguda for herpes virus ou varicela zoster, recomenda-se o tratamento com aciclovir(34-36). Na presença de insuficiência hepática aguda por fígado gordo agudo da gravidez ou sindroma HELLP, a grávida deve ser transferida para uma unidade de saúde com apoio multidisciplinar e intensivo nas áreas materno-infantil, de preferência com ligação a centro de transplante (que pode ser necessário em alguns casos). O parto deve ser desencadeado logo que possível(7,41,42). Doença de Wilson A doença de Wilson é uma causa rara de insuficiência hepática aguda. No entanto, é importante o seu diagnóstico porque, não havendo transplante, o desfecho é, quase sempre, fatal. Sindroma de Budd-Chiari A história típica é a de um jovem com anemia hemolítica e bilirrubina >20mg/dL (componente indirecta muito elevada). Fosfatase alcalina baixa com um indíce bilirrubina total (mg/dL)/fosfatase alcalina (UI/L) >2 é, também, indicador de provável doença de Wilson(37,38). O sindroma de Budd-Chiari pode associar-se a insuficiência hepática aguda. O quadro clínico típico é de dor abdominal, hepatomegalia e ascite. Se confirmado o diagnóstico, houver falência hepática grave e for excluida doença 162 Rui Sousa maligna subjacente, o transplante hepático deve ser considerado(43). hidro-electrolítico, parâmetros hemodinâmicos, metabólicos, nutricionais e de coagulação, bem como vigilância e tratamento imediato de infeccção e hemorragia digestiva(7). Etiologia Indeterminada Se a causa de insuficiência hepática aguda permanecer desconhecida após a avaliação inicial, deve ser realizada biópsia hepática(7). Considerações Específicas Sistema Nervoso Central AVALIAÇÃO CLÍNICA E TRATAMENTO O edema cerebral e a hipertensão intracraneana são, desde há muito, reconhecidos como as principais complicações da insuficiência hepática aguda(45) e causa de morte mais, frequentemente, identificada em autópsias(46). Considerações Gerais A sobrevivência global dos doentes com insuficiência hepática aguda, particularmente, daqueles não transplantados, tem aumentado ao longo dos últimos 10 anos, sugerindo tratamento médico mais eficaz(2,44). A encefalopatia pode traduzir-se, clinicamente, de várias formas, desde pequenas alterações de comportamento até ao coma profundo. A classificação sugerida por Trey e Davidson (QUADRO 5)(47), tem-se provado útil ao longo dos anos, sendo a probabilidade de edema cerebral directamente proporcional ao grau de encefalopatia determinado; o prognóstico é inversamente proporcional. Todos os doentes com falência hepática aguda (com encefalopatia) devem ser internados numa unidade de cuidados intensivos(7). Há que prestar atenção especial ao balanço QUADRO 5. ESTADIAMENTO DA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA Grau I II III IV Estado Mental Euforia; ocasionalmente depressão; confusão ligeira; lentidão de raciocínio; alterações do afecto; desleixo; fala arrastada; alteração do ritmo do sono Agravamento das alterações do grau I; sonolência; comportamento inadequado; mantem controlo esfincteres Dorme a maior parte do tempo mas acorda-se facilmente; discurso incoerente; confusão marcada Não se consegue acordar; responde ou não a estímulos dolorosos Tremor Ligeiro EEG Geralmente normal Presente Anormal (lento) Presente Sempre anormal Ausente Sempre anormal Adaptado de referência 47: Trey C, Davidson CS. The management of fulminant hepatic failure. In: Popper H, Shaffner F, eds. Progress in liver diseases, 3rd ed. New York: Grune & Stratton, 1970;282-298. 163 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA Com base nesta classificação foi possível, também, estabelecer uma estratégia assistencial que consta nas recomendações da AASLD(7) já citadas (QUADRO 6). provocar isquémia. O balanço torna-se, quase sempre, difícil. O uso de aparelhos para monitorizar a pressão intracraneana (e a pressão de perfusão cerebral, ou seja, a tensão arterial média menos a pressão intracraneana), tem sido objecto de discussão. A colocação de sensores intracraneanos, em doentes graves, com coagulopatia severa, apresenta riscos, nomeadamente, de hemorragia e infecção. Vários artigos têm, porém, defendido o seu uso(49-52). O risco de hemorragia pode, eventualmente, ser reduzido com a administração de factor VII recombinante activado(53-54). Uma pressão de perfusão cerebral muito reduzida contraindica o transplante(1,50) ou não(55) conforme os estudos. Nos Estados Unidos, país onde a monitorização da pressão intracraneana tem sido mais utilizada, um trabalho, prospectivo, publicado recentemente(56), diz-nos que 28% dos doentes (de 24 centros – ALF Study Group) com insuficiência hepática aguda e encefalopatia grave foram submetidos a monitorização da pressão intracraneana; a sua utilização estava, forte- O edema cerebral e subsequente hipertensão intracraneana, podem ser reconhecidos, sob o ponto de vista clínico, pelo aparecimento de hipertensão arterial sistémica, bradicárdia e respiração irregular (tríade de Cushing) ou, ainda, rigidez em descerebração, movimentos oculares desconjugados ou perda de reflexos pupilares. No entanto, não é possível monitorizar, de forma fiável e precisa, apenas com base em sinais clínicos, a pressão intracraneana. Na insuficiência hepática aguda, o fluxo sanguíneo cerebral encontra-se, ao contrário do que acontece normalmente, algo desregulado(48). Doentes que desenvolvem aumento da pressão intracraneana tendem a ter um fluxo sanguíneo cerebral aumentado; mas, por outro lado, uma diminuição da pressão arterial sistémica pode condicionar uma redução não controlada do fluxo sanguíneo cerebral e QUADRO 6. TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA - SISTEMA NERVOSO CENTRAL Edema Cerebral / Hipertensão Intracraneana • Encefalopatia Grau I/II Considerar transferência para unidade com centro de transplante e colocação em lista de espera para transplante hepático. TAC crâneo-encefálica: para excluir outras causas de deterioração mental; pouca utilidade na identificação de edema cerebral. Evitar estimulação; evitar sedação, se possível Antibióticos: vigilância e tratamento de infecções; profilaxia, provavelmente, útil. Lactulose: possivelmente, útil • Encefalopatia Grau III/IV Continuar estratégia acima listada Intubação endotraqueal (pode exigir sedação) Elevar cabeceira da cama. Considerar colocação de sistema de monitorização da pressão intracraneana Tratamento imediato de convulsões; profilaxia de valor duvidoso. Manitol: usar se aumento importante da pressão intracraneana ou primeiros sinais de herniação. Hiperventilação: efeito de curta duração ; tentar se herniação iminente. Traduzido de referência 7: Polson J, Lee WM. AASLD Position Paper: The Management of Acute Liver Failure. Hepatology 2005;5:1179-1197 164 Rui Sousa mente, associada a indicação para transplante; em 10,3% de um subgrupo de doentes monitorizados, houve hemorragia intracraneana; a sobrevivência, trinta dias após o transplante, foi semelhante, quer tenha havido monitorização ou não. Infecção Infecções, principalmente, respiratórias e do tracto urinário, desenvolvem-se em cerca de 80% dos casos e bacteriémia está presente em 20-25% dos doentes com insuficiência hepática aguda(68-69). Infecções a fungos, especialmente a Candida Albicans, ocorrem em até um terço dos doentes com factores de risco, como insuficência renal e antibioterapia prolongada(70); são um factor de mau prognóstico associado a alta mortalidade e, frequentemente, impedem o transplante. Manitol é eficaz, a curto prazo, na redução do edema cerebral(57) aumentando a sobrevida(58). Porém, a administração profilática não está indicada(7). Hiperventilação reduz a PaCO2 provocando vasoconstrição e, consequentemente, redução do fluxo sanguíneo cerebral(59). O seu uso, benéfico em casos seleccionados, deve ser restrito pelo perigo de isquémia cerebral(60). Não há indicação para hiperventilação profilática(7). De acordo com as recomendações da AASLD(7), o uso profilático de antibióticos e de antifúngicos é de admitir, embora não existam estudos que demonstrem, claramente, o seu benefício. Dever-se-á instituir um esquema de vigilância apertado, incluindo colheita de expectoração, urina e sangue para culturas, permitindo a detecção rápida da infecção e tratamento dirigido. Barbitúricos podem ser utilizados na redução da pressão intracraneana, quando as outras medidas falham(7). Há, no entanto, quem prefira o propofol, devido à sua semivida mais curta, permitindo, mais facilmente, um controlo do estado mental do doente(61). Coagulopatia A indução e manutenção de hipernatrémia (administração de cloreto de sódio hipertónico a 30%) parece reduzir a incidência e severidade da hipertensão intracraneana em doentes com insuficiência hepática aguda(62). Na insuficiência hepática aguda existe uma diminuição da síntese de vários factores de coagulação e alguns inibidores da coagulação e fibrinólise(71). Existe disfunção plaquetária (qualitativa e quantitativa) e consumo de factores ligados à coagulação. Segundo um trabalho(63), o uso profilático de fenitoína, em doentes com encefalopatia grau III ou IV, reduz a actividade epiléptica e demonstra segurança. Transfundir plaquetas se a) hemorragia ou técnicas invasivas e menos de 50.000 plaquetas ou b) profilacticamente se menos de 10.000 a 20.000 plaquetas(72). Hipotermia moderada (32-34ºC) pode prevenir ou moderar os efeitos da hipertensão intracraneana em doentes com insuficiência hepática aguda. Jalan e colaboradores têm conseguido bons resultados utilizando a hipotermia em doentes à espera de transplante (64-66). Eventuais efeitos indesejáveis são o aumento do risco de infecção, agravamento da coagulopatia e arritmias cardíacas(67). Para além do risco associado à transfusão de hemoderivados, o uso de plasma limita o valor dos parâmetros de coagulação na avaliação da doença e pode contribuir para uma sobrecarga hídrica que agrave a hipertensão intracraneana (7). O uso de factor VII recombinante activado pode ser útil na realização de técnicas invasivas, principalmente, em doentes com insufi165 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA hepática aguda(77). A etiologia é multifactorial e inclui sindroma hepato-renal, toxicidade directa de fármacos ou toxinas, hipovolémia e sépsis. A ocorrência de sindroma hepato-renal é um sinal de mau prognóstico e está associada a mortalidade de 50-100%(78). ciência renal, nos quais a preocupação com sobrecargas hídricas é maior(53). Hemorragia Digestiva Doentes com insuficiência hepática aguda, devem receber terapêutica profilática de lesões associadas ao stress, com bloqueadores H2 ou inibidores da bomba de protões (ou sucralfate em segunda linha)(7). A primeira medida que deve ser tomada é evitar e corrigir os factores etiológicos envolvidos. Quando a diálise for indispensável, esta, deve ser contínua e não intermitente, favorecendo, assim, a estabilidade cardio-vascular e o controlo da pressão intracraneana(79). Alterações Hemodinâmicas Na insuficiência hepática aguda existe, caracteristicamente, uma vasodilatação sistémica com hipotensão e aumento, compensatório, do débito cardíaco. Há, também, utilização inadequada de oxigénio pelos tecidos, resultando em hipóxia tecidular e acidose láctica(73). A administração prévia de N-acetilcisteína pode proteger a função renal, se houver necessidade de efectuar exames com contraste(80-82). Alterações Metabólicas Hipoglicémia surge em mais de 45% dos doentes. Deve-se a alterações na glicogenólise, neoglicogénese e metabolismo da insulina decorrentes da falência hepática(83). Deve ser dada a maior importância à manutenção do equilíbrio hemodinâmico. O tratamento de reposição hídrica deve privilegiar os colóides (como a albumina) em vez dos cristalóides(7). Cateterização da artéria pulmonar deve considerar-se em doentes mais instáveis(7). Quando a administração de fluídos não é suficiente para manter a tensão arterial em valores aceitáveis, tem-se recorrido a vários agentes farmacológicos como a adrenalina ou noradrenalina (que, todavia, parecem agravar a libertação periférica de oxigénio(74)), dopamina, com resultados encorajadores(75), ou, ainda, a vasopressina, terlipressina e octreótido, com credenciais no tratamento da doença hepática crónica, mas resultados desapontantes na insuficiência hepática aguda; num estudo com seis doentes, a administração de terlipressina em dose baixa não teve qualquer efeito sistémico mas provocou hipertensão intracraneana grave(76). Os valores do fósforo, potássio e magnésio estão, frequentementes, baixos e merecem, também, atenção. A nutrição é importante. A alimentação entérica deve ser iniciada o mais precocemente possível. Evitar restrições proteicas severas; 60g/dia é razoável na maior parte dos casos. Os preparados com aminoácidos de cadeia ramificada não revelaram ser superiores aos convencionais(84). “Staff” O desfecho final parece estar dependente dos padrões assistenciais oferecidos. Unidades de cuidados intensivos com equipas experientes neste tipo de patologia, bem treinadas e bem equipadas tendem a obter melhores resultados(85). Insuficiência Renal Desenvolve-se insuficiência renal em cerca de 55% dos doentes com insuficiência 166 Rui Sousa TRANSPLANTE E PROGNÓSTICO níveis baixos de factor V, idade, grau elevado de encefalopatia, α feto-proteína baixa e ausência de Ag HBs; por exemplo, há indicação para transplante se encefalopatia grau III ou IV e: a) factor V menor que 20% e idade menor que 30 anos ou b) factor V menor que 30% e idade superior a 30 anos(86). O transplante hepático melhorou, drasticamente, a sobrevivência dos doentes com insuficiência hepática aguda, de 15% para mais de 60%(2). No entanto, esta melhoria não se ficou só a dever ao transplante; a sobrevivência espontânea (sem necessidade de transplante) é, agora, de 40%(2). Num artigo publicado em 1989, O’Grady et al. do King’s College Hospital, em Londres(13), estudaram múltiplas variáveis clínicas e bioquímicas e a sua relação com a mortalidade em 588 doentes com insuficiência hepática aguda, definindo, assim, critérios para transplante. Começaram por dividir os doentes em dois grupos segundo a etiologia: paracetamol ou outra; depois, determinaram outros factores: taxa protrombina, nível de encefalopatia, idade, etiologia, níveis de bilirrubina total, tempo desde icterícia até encefalopatia, creatinina sérica e pH arterial (QUADRO 7). Os critérios para transplante do King’s College tornaram-se uma referência e padrão com o qual outros métodos são, habitualmente, comparados. Foram validados por vários trabalhos(8,12,88-91), especialmente no grupo do paracetamol (92,93), tendo-se revelado excelentes na definição dos doentes que vão evoluir mal, mas, relativamente incapazes de predizer os que vão evoluir bem (8,12,93). Nos Estados Unidos, 29% dos doentes com insuficiência hepática aguda foram submetidos a transplante(2); 80 a 90% destes sobreviveram, confirmando, assim, dados anteriores(2,51). O problema é que, nessa mesma série, 1/4 dos doentes morreram à espera de um fígado(2); noutros trabalhos, os números são, ainda piores, atingindo-se 40% de mortes em lista de espera para transplante(86,87). As escassez de orgãos, os riscos da cirurgia e da imunossupressão, obrigam a uma selecção rigorosa dos doentes que beneficiam de transplante. Em 1986, um grupo francês, investigou factores de prognóstico em 115 doentes com insuficiência hepática aguda relacionada com o vírus da hepatite B(5). Estes factores, conhecidos como critérios de Clichy, incluem QUADRO 7. CRITÉRIOS PARA TRANSPLANTE HEPÁTICO DO KING’S COLLEGE Paracetamol a) pH<7.3 (qualquer que seja o grau de encefalopatia) b) OU todos os 3 seguintes: Encefalopatia grau III/IV Não paracetamol a) TP>100 segundos (INR>6.5) (qualquer que seja o grau de encefalopatia) b) OU todos os 3 seguintes: Idade <10 anos ou >40 anos Etiologia (hepatite não A e não B, halotano, tóxicos, doença de Wilson) Icterícia – Encefalopatia >7dias TP>50 segundos (INR>3.5) Bilirrubina sérica>300μmol/L (17.5mg/dL) TP>100 segundos (INR>6.5) Creatinina sérica>300μmol/L (3.4mg/dL) Abreviaturas: TP, tempo de protrombina; INR, international normalized ratio. Traduzido de referência 13: O’Grady JG, Alexander GJM, Hayllar KM, Williams R. Early indicators of prognosis in fulminant hepatic failure. Gastroenterology 1989;97:439-455. 167 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA O MELD (Model End-stage Liver Disease) score foi criado, inicialmente, para avaliar a sobrevida de doentes com TIPS (Transjugular Intrahepatic Porto-systemic Shunt)(94). É utilizado, hoje, no escalonamento de doentes com doença hepática crónica para transplante(95). Usa 3 parâmetros bioquímicos numa fórmula logarítmica: bilirrubina total, tempo de protrombina e creatinina sérica. Este esquema parece ser bastante útil, principalmente, nos doentes cuja causa de insuficiência hepática aguda não é o paracetamol(96). Segundo um estudo recente, é melhor que os critérios de Clichy ou do King’s College para a insuficiência hepática aguda, particularmente, naquela que não está associada a fármacos(97). autores proposto a adição do lactato aos critérios do King’s College, com o objectivo de aumentar a sensibilidade e a rapidez na identificação dos doentes a transplantar; o fósforo: eficácia semelhante aos critérios do King’s College em doença causada por paracetamol(105). Os factores chave da evolução após transplante são: a gravidade do estado clínico pré transplante e a natureza do “graft”(106). Numa revisão de 100 transplantes por insuficiência hepática aguda, efectuada no King’s College Hospital(107), o factor predictivo de sobrevivência mais importante foi a gravidade da falência multiorgânica. As principais causas de morte após transplante são sepsis e falência multiorgânica(108-110). De acordo com Farmer et al(110), factores determinantes, para mortalidade após transplante, são raça não branca do receptor, idade superior a 50 anos do receptor e índice de massa corporal do dador maior que 35. Um estudo recente(111) indica 4 factores de risco que, se presentes, em simultâneo, prognosticam uma taxa de sobrevivência aos 5 anos, após transplante, inferior a 50%: idade superior a 50 anos, índice de massa corporal maior que 29, necessidade de utilização de suporte de vida e creatinina sérica acima de 2mg/dL. O sistema APACHE 2 (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation – 2) tem sido, também, testado. Um estudo efectuado em doentes com insuficiência hepática aguda causada por paracetamol(98), mostrou boa correlação com a mortalidade e melhor sensibilidade que os critérios do King’s College. Um trabalho prospectivo, recente, realizado nos Estados Unidos em 662 doentes, igualmente, com insuficiência hepática aguda causada por paracetamol(99), refere que o uso dos critérios do King’s College, na admissão, foi menos eficaz que a utilização do APACHE 2 na predição do desfecho final. O desenvolvimento de um fígado artificial, capaz de o substituir nas suas funções principais (remoção de toxinas, metabólica e de síntese), pelo menos, enquanto o doente aguarda transplante, é uma ideia lógica mas que ainda não foi possível concretizar eficazmente. Vários sistemas extracorporais têm sido testados; desde filtros ou colunas de adsorventes(112,113), “albumin dialysis”(114,115), MARS (Molecular Adsorbent Recirculating System)(116,117), até à utilização de hepatocitos(118), mas os resultados não têm sido consistentes. Desde 1990, foram efectuados 9 estudos com sistemas mistos, BAL (BioArtificial Liver), tecnologicamente diferentes (inclusive, com hepatocitos humanos derivados de células de hepatoma(119). Um A indicação de que a α feto-proteína poderia ser usada como marcador de regeneração hepática tem mais de 30 anos(100). Uma publicação recente parece demonstrar a sua validade, em doentes com insuficiência hepática aguda por paracetamol, na detecção precoce daqueles com melhor prognóstico(101). Outros indicadores de prognóstico foram estudados dos quais se salienta a histologia hepática: vantajosa(8) ou perigosa e pouco fiável(102); o TAC: útil(8) ou limitada(103): o lactato: com resultados semelhantes aos critérios do King’s College na insuficiência hepática aguda causada por paracetamol(104), tendo os 168 Rui Sousa A hemocromatose aguda neonatal é responsável por uma alta mortalidade, mesmo após transplante hepático. A administração de imunoglobulina em altas doses, ás grávidas de famílias com prevalência elevada da doença, parece reduzir a gravidade da situação neonatal(125). estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado e controlado, publicado em 2004(120), com coluna de carvão, oxigenador e um biorreactor contendo uma membrana e 7 mil milhões de hepatocitos de porco, apresentou resultados promissores, incluindo aumento da sobrevida num grupo de doentes. A legislação sobre xenotransplantes, nalguns países, limita o uso clínico de células de porco, fazendo depender a evolução dos BAL, do desenvolvimento de biocomponentes com hepatocitos humanos. Revisões recentes(121,122) dos vários sistemas extracorporais testados, apontam para algum benefício na sua utilização em situações de agudização de doença crónica, mas não na insuficiência hepática aguda. Os factores de prognóstico nas crianças são, também, de alguma forma, diferentes. Segundo estudo realizado no King’s College Hospital(126), as variáveis mais importantes são a idade, o INR (International Normalized Ration), bilirrubina e contagem de leucocitos. CONCLUSÃO INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA NA CRIANÇA A abordagem do doente com insuficiência hepática aguda, exige avaliações e decisões rápidas e precisas. Terapêuticas específicas, a ida para uma unidade de cuidados intensivos especializada, uma unidade com centro de transplante ou colocação do doente em lista de espera para transplante, são medidas a tomar, logo que possível. Um melhor conhecimento dos mecanismos responsáveis pela morte celular e falência multiorgânica, e o desenvolvimento de estratégias que promovam ou facilitem a regeneração hepática, podem, no futuro, permitir uma terapêutica mais dirigida e eficaz. A insuficiência hepática aguda na criança apresenta algumas particularidades. A presença de encefalopatia é, geralmente, de aparecimento tardio e difícil de diagnosticar nas criaças mais novas(123). De acordo com um trabalho multicêntrico publicado nos Estados Unidos(124) existem dois picos de incidência, sendo o maior em crianças com menos de 1 ano e o outro dos 13 aos 16 anos; o grupo etiológico predominante é o de causa indeterminada (50% dos casos, principalmente nas crianças com menos de 1 ano) vindo a seguir a intoxicação com paracetamol (15%); a hepatite auto-imune está implicada em 8% dos casos e as doenças metabólicas em 7%. Algumas situações não respondem ao transplante hepático (por exemplo: doenças mitocondriais com envolvimento neurológico, doença de Niemann-Pick tipo C, hepatite de células gigantes com anemia hemolítica Coombs positivo, linfohistiocitose hemofagocítica, linfoma, leucemia...) pelo que o seu diagnóstico precoce, através de exame da medula, é importante. 169 INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA BIBLIOGRAFIA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Hoofnagle JH, Carithers RL, Sapiro C, Ascher N. Fulminant hepatic failure: summary of a workshop. Hepatology 1995;21:240-252. Ostapowicz GA, Fontana RJ, Schiodt FV, Larson A, Davern TJ, Han SH, et al. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med 2002;137:947-954. Seaberg EC, Belle SH, Beringer KC, Schivins JL, Detre KM. Liver transplantation in the United States from 1987 – 1998: updated results from the Pitt UNOS liver transplant registry. 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As consequências, a nível renal, foram descritas pela primeira vez há mais de 100 anos por Austin Flint1, mas os mecanismos pelos quais as alterações desencadeadas pela disfunção circulatória da cirrose levam à formação de ascite refractária e ao desenvolvimento do síndrome hepatorrenal (SHR) só foram conhecidos recentemente, na sequência dos progressos ocorridos na compreensão da sua etiopatogénese. A teoria actualmente aceite para explicar a disfunção hepatorrenal é a teoria da vasodilatação arterial periférica. Segundo esta teoria a vasodilatação do sistema esplâncnico conduz a uma redução da volémia efectiva e à subsequente activação dos sistemas vasoconstrictores, que actuam a nível renal causando retenção hidrossalina e, nos estádios terminais, vasoconstrição renal(2,3,4) que conduz à insuficiência renal funcional que caracteriza o SHR. A prevalência exacta da ascite refractária e do SHR não são conhecidas, mas estimam-se em cerca de 5 a 10% nos doentes internados com cirrose e ascite(2,5). Uma vez que são patologias que surgem exclusivamente nas fases avançadas da doença hepática, a sua presença constitui um importante factor de mau prognóstico. No entanto, graças à identificação das bases fisiopatológicas da disfunção FISIOPATOLOGIA A disfunção hepatorrenal da cirrose caracteriza-se por uma diminuição da capacidade de excreção de sódio e de água, da perfusão renal e da taxa de filtração glomerular (TFG)(6). Estas alterações instalam-se de forma progressiva e não estão presentes simultaneamente em todos os doentes. A teoria actualmente aceite para explicar a disfunção hepatorrenal e a circulação hiperdinâmica da cirrose é a teoria da vasodilatação arterial periférica(2-4). Segundo esta teoria, a disfunção hepática e a hipertensão portal causam uma vasodilatação do sistema esplâncnico, por produção local de substâncias vasodilatadoras (sobretudo óxido nítrico)(7). Devido ao aumento do compartimento esplâncnico, há uma redução da volémia efectiva e da pressão arterial, que conduzem à activação dos sistemas vasoconstrictores (sistema renina-angiotensina-aldosterona, sistema nervoso simpático e hormona antidiurética/ arginina-vasopressina)(8,12). Existem cada vez mais evidências de que a diminuição da volémia efectiva não está só dependente da vasodilatação arterial periférica, mas também da cardiomiopatia dos cirróticos(8). Trata-se de uma doença sub-clínica na maioria dos 177 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL doentes, caracterizada por uma disfunção diastólica secundária a um aumento da rigidez do miocárdio(9,10). Os sistemas vasoconstrictores actuam a nível vascular, cardíaco e renal para repor a volémia e a pressão arterial. A nível vascular provocam vasoconstrição em vários territórios. O território esplâncnico, escapa ao controlo destes sistemas, pela já referida produção local de substâncias vasodilatadoras. A nível cardíaco, têm acção inotrópica e cronotrópica positivas. A nível renal, são responsáveis pela retenção de sódio e de água e pela vasoconstrição renal que constituem a disfunção hepatorrenal. Numa fase inicial, a perfusão renal está mantida, porque a vasoconstrição é contrariada pela produção local de factores vasodilatadores. No entanto, como já foi referido, com a progressão da doença a activação dos sistemas vasoconstrictores é de tal forma intensa que ultrapassa a capacidade de compensação dos vasodilatadores locais. Muitas vezes, existe um factor precipitante (peritonite bacteriana espontânea, hepatite aguda alcoólica, paracentese de grande volume, hemorragia digestiva), que desfaz o equilíbrio existente. Nesta fase a perfusão renal desce, assim como a TFG e surge o SHR. A primeira alteração na disfunção hepatorrenal é a redução da capacidade de excreção de sódio, que precede o desenvolvimento da ascite, fase pré-ascítica(11). Inicialmente só está presente em ortostatismo, é sub-clínica e traduz-se numa dificuldade em atingir um equilíbrio de sódio aquando de uma sobrecarga salina. À medida que a disfunção se agrava, os doentes tornam-se incapazes de manter um balanço neutro ou negativo de sódio e inicia-se a formação da ascite- fase ascítica. A redução da capacidade de excreção de sódio deve-se a um aumento da sua reabsorção a nível tubular e só nos estádios mais avançados à redução da TFG. A reabsorção é mais marcada a nível distal (razão pela qual os diuréticos que actuam no túbulo contornado distal, como a espironolactona, são mais eficazes), mas com o avançar da doença ocorre também a nível proximal (local de acção dos diuréticos de ansa, como o furosemido). Quando a reabsorção é de tal forma intensa que os diuréticos deixam de ser eficazes, a ascite torna-se refractária(2). A retenção de sódio é multifactorial e resulta da activação do sistema renina-angiotensinaaldosterona(12,13) e do sistema nervoso simpático(14). No entanto, em cerca de um terço dos doentes não há evidência de activação destes dois sistemas, pelo que existem outros elementos, ainda desconhecidos, que contribuem para a retenção de sódio(15). A redução da capacidade de excreção de água é a segunda alteração que ocorre nestes doentes(16,17). Contribui para a formação da ascite e está na origem da hiponatrémia de diluição presente nos estádios avançados da doença. Resulta essencialmente da hipersecreção da hormona antidiurética/ argininavasopressina (AVP). Outros factores implicados na sua génese são a diminuição da síntese renal de prostaglandinas e a redução da TFG. O acontecimento final na disfunção renal da cirrose é a vasoconstrição, que conduz a uma hipoperfusão renal e redução da TFG, devido a um desequilíbrio entre os factores vasoconstrictores e vasodilatadores renais, por marcada activação dos primeiros e redução da síntese dos segundos(3,7,16,18)(Quadro 1). A vasocontrição uma vez presente, dá origem a um ciclo vicioso de redução da síntese de vasodilatadores renais e maior activação dos sistemas vasoconstrictores, que leva à perpetuação da insuficiência renal- SHR(19)(fig.1). ASCITE REFRACTÁRIA Definição, Classificação e Diagnóstico A ascite é a complicação mais frequente da cirrose. Ocorre em cerca de 60% dos doentes nos primeiros 10 anos após o diagnóstico20. O seu desenvolvimento constitui um factor de mau prognóstico, sendo a taxa de mortalidade aos 2 anos nos doentes com cirrose e ascite de 50 %21. 178 João Mangualde e Ana Paula Oliveira QUADRO 1 - FACTORES VASOACTIVOS IMPLICADOS NA PATOGÉNESE DA DISFUNÇÃO HEPATORRENAL Vasodilatadores Adrenomedulina Bradicinina Encefalinas Endocanabinóides Endotelina-3 (ET-3) Endotoxinas Factor de necrose tumoral · (TNF-α) Glucagon Histamina Interleucinas Óxido nítrico (NO) Monóxido de carbono Péptido natriurético auricular Péptido natriurético cerebral Péptido natriurético de tipo C Péptido relaccionado com o gene da calcitonina Polipéptido intestinal vasoactivo (VIP) Prostaciclina (PGI2 ) Substância P Vasoconstrictores Angiotensina II Adrenalina e noradrenalina Arginina-vasopressina (AVP) Endotelina-1 (ET-1) Neuropeptido Y Adenosina Tromboxano A2 Leucotrienos F2-isoprostanos FIGURA 1 - FISIOPATOLOGIA DA DISFUNÇÃO HEPATORRENAL Cirrose Disfunção hepática + Hipertensão portal Vasodilatação esplâncnica Cardiomiopatia Redução da volémia efectiva Activação dos sistemas vasoconstrictores (SRAA, SNS, AVP) Retenção de sódio Retenção de água Vasodilatadores locais Vasoconstrição renal SHR 179 Ascite ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL restrição salina. É condição sine qua non para o diagnóstico que os doentes estejam sob terapêutica diurética máxima e sob dieta com restrição salina durante, pelo menos, 1 semana. A ascite intratável pelos diuréticos é a ascite que não é mobilizada ou cuja recorrência precoce após paracentese não é eficazmente prevenida, devido ao desenvolvimento de complicações induzidas pelos diuréticos. Estas complicações são a encefalopatia hepática, a insuficiência renal e as alterações electrolíticas (hiponatrémia e hipo ou hipercaliémia). À medida que a doença hepática se agrava, a ascite pode tornar-se refractária à terapêutica médica, uma situação presente em 5-10% dos cirróticos internados por ascite(2). A definição e os critérios de diagnóstico da ascite refractária (AR) foram elaborados pelo International Ascites Club em 1996 e revistos em 2003 (Quadro 2)(2,22). Define-se como ascite refractária a ascite que não é mobilizada ou cuja recorrência precoce, após a realização de paracentese, não é eficazmente prevenida pela terapêutica médica. A ascite refractária divide-se em dois tipos: ascite resistente aos diuréticos e ascite intratável pelos diuréticos. A ascite resistente aos diuréticos é a ascite que não é mobilizada ou cuja recorrência precoce após paracentese não é eficazmente prevenida por ausência de resposta a terapêutica diurética intensiva associada a dieta com Tratamento A terapêutica de eleição na ascite refractária é o transplante hepático (TH). Assim, o passo mais importante no tratamento destes doentes é avaliar se é ou não candidato a TH. Nos doentes que estão a aguardar a sua realização e naqueles em que está contraindicado, existem duas opções terapêuticas: paracenteses de grande volume, acompanhadas de QUADRO 2 - DEFINIÇÃO E CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO DA ASCITE REFRACTÁRIA Definição 1 - Ascite resistente aos diuréticos Ascite que não é mobilizada ou cuja recorrência precoce após paracentese não é eficazmente prevenida por ausência de resposta a terapêutica diurética intensiva e a dieta com restrição salina. 2 - Ascite intratável pelos diuréticos Ascite que não é mobilizada ou cuja recorrência precoce após paracentese não é eficazmente prevenida devido ao desenvolvimento de complicações induzidas pelos diuréticos, que impedem a utilização de doses eficazes destes fármacos. Critérios de diagnóstico 1 - Duração do tratamento Os doentes têm de estar sob terapêutica diurética intensiva (espironolactona 400 mg/dia e furosemido 160 mg/dia) e sob dieta com restrição salina (menos de 90 mmoles Na+/dia ou 5,2 gr NaCl /dia) durante, pelo menos, 1 semana 2 - Ausência de resposta Perda de peso inferior a 0,8 Kg em 4 dias e sódio urinário inferior ao sódio ingerido 3 - Recorrência precoce da ascite Reaparecimento de ascite moderada ou volumosa em menos de 4 semanas 4 - Complicações induzidas pelos diuréticos - Encefalopatia hepática (na ausência de outros factores precipitantes) - Insuficiência renal - aumento da creatinina sérica superior a 100%, para um valor superior a 2 mg/dL - Hiponatrémia - redução do sódio sérico superior a 10 mmol/L, para um valor inferior a 125 mmol/L - Hipocaliémia - potássio sérico inferior a 3 mmol/L - Hipercaliémia - potássio sérico superior a 6 mmol/L 180 João Mangualde e Ana Paula Oliveira expansores do plasma, e o TIPS. Os shunts peritoneovenosos, apesar de eficazes, foram abandonados pela elevada incidência de complicações(23). a patência das novas próteses cobertas de politetrafluoretileno parece ser superior, com menor recidiva da ascite(35). A segunda grande complicação é a encefalopatia hepática. Ocorre em cerca de 30% dos doentes, mas na maioria dos casos pode ser controlada com a administração de lactulose. Outras complicações que podem surgir são o agravamento da insuficiência hepática, a insuficiência cardíaca congestiva e a anemia hemolítica(31). Face a estas complicações e à baixa eficácia em doentes idosos, a colocação de TIPS está contraindicada nos doentes com encefalopatia hepática grau 3 ou 4, INR>5, pontuação de Child >12, obstrução biliar, insuficiência cardíaca congestiva e idade >75 anos(31). Paracentese terapêutica A paracentese terapêutica é um procedimento fácil, com baixo risco de complicações e eficaz no tratamento da ascite refractária(22). Os diuréticos devem ser mantidos, salvo se ocorrerem complicações ou se o sódio urinário for inferior a 30 mmoles/dia. Para evitar a disfunção circulatória pós-paracentese, deve ser administrado concomitantemente um expansor do plasma(24). A controvérsia reside no expansor que deve ser utilizado. A albumina foi o primeiro expansor usado e a sua eficácia na paracentese terapêutica superior a 5 litros foi comprovada por estudos randomizados(25). Os estudos comparativos com outros colóides (dextranos, hidroxietilamido, derivados do colagéneo) mostraram que, embora a albumina seja mais eficaz na prevenção das alterações hormonais induzidas pela paracentese, não existe qualquer diferença entre os dois grupos quanto à incidência de complicações (hiponatrémia, insuficiência renal) ou à mortalidade(26-30). Com base nestes dados, as recomendações actuais são a utilização de albumina (8 gr albumina/L de líquido ascítico), quando o volume drenado é superior a 5 litros. Para volumes menores podem ser usados outros colóides(22). Paracentese terapêutica vs TIPS na ascite refractária Existem 5 estudos randomizados nos quais a paracentese terapêutica foi comparada com o TIPS no tratamento da ascite refractária. A análise destes estudos revela que o TIPS é mais eficaz no controlo da ascite (66% vs 24%), mas apresenta uma maior frequência de encefalopatia hepática (55% vs 38%). A sobrevida é idêntica nos dois grupos. Outro factor a considerar, cada vez mais importante em medicina, é o custo, que é mais elevado no TIPS. Com base nos aspectos supracitados, a paracentese terapêutica com expansores do plasma, deve ser utilizada em detrimento do TIPS, porque é aplicável num maior número de doentes, é mais barata e tem menor incidência de complicações. O TIPS está reservado para os doentes que necessitam de paracenteses muito frequentes (>3/mês) e para aqueles em que a paracentese não é eficaz (ascite loculada) ou não é tolerada, desde que não apresentem contraindicações à sua realização(22). TIPS O TIPS é um método não cirúrgico de descompressão portal, que foi inicialmente desenvolvido para tratamento da hemorragia digestiva por ruptura de varizes gastroesofágicas(31). A experiência subsequente veio demonstrar a sua eficácia no tratamento da ascite refractária(32-34). O grande problema do TIPS é a elevada taxa de complicações. A mais frequente é a oclusão da prótese- 70% ao ano(31). No entanto, 181 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL FIGURA 2 - TRATAMENTO DA ASCITE REFRACTÁRIA A sua exacta incidência é desconhecida, pois não existem estudos recentes sobre este aspecto. Na maior série publicada, a prevalência em doentes internados com cirrose e ascite foi de 10% e a probabilidade do mesmo subgrupo de cirróticos desenvolver este síndrome foi estimada em 18% ao ano e 39% aos 5 anos. O SHR divide-se em dois tipos: o SHR tipo 1, que é a forma aguda, caracterizada por uma rápida deterioração da função renal e por um prognóstico muito reservado e o SHR tipo 2, que é a forma crónica, na qual a deterioração da função renal se faz de forma mais insidiosa e a sobrevida é mais longa(2). Uma vez que não existem testes específicos para este síndrome, o diagnóstico do SHR assenta em dois pontos: a demonstração da existência de uma redução da TFG e a exclusão de outras causas de insuficiência renal. O método de escolha actualmente aceite para estimar a TFG nos cirróticos é o doseamento da creatinina sérica(2). Considera-se que há uma redução da TFG quando o valor absoluto da creatinina é superior a 1,5 mg/dL ou, nos doentes com insuficiência renal prévia, quando se verifica um aumento da creatinina superior a 50% em relação ao valor basal do doente(2). Os diuréticos podem causar um ligeiro aumento da creatinina pelo que, para se estabelecer o diagnóstico de SHR, têm de estar suspensos há, pelo menos, 5 dias. Apesar de ser o método usado para definir a existência de insuficiência renal nos cirróticos, a sua sensibilidade é muito baixa, devido à reduzida massa muscular, à dieta hipoproteica, à hiperbilirrubinémia e à diminuicão da síntese hepática de creatinina que caracterizam estes doentes(38-40). A segunda premissa necessária para estabelecer o diagnóstico do SHR é ainda mais complexa, uma vez que são várias e frequentes as causas de insuficiência renal nos doentes cirróticos. A dificuldade em estabelecer o diagnóstico do SHR levou à realização de uma reunião de consenso em 1996, na qual foram definidos os Tratamento da ascite refractária 1ª linha- Transplante hepático 2ª linha- Paracentese terapêutica + expansores do plasma 3ª linha- TIPS Terapêutica complementar - diuréticos + restrição salina +/- restrição hídrica Prognóstico O desenvolvimento de ascite refractária num doente com cirrose está associado a um prognóstico muito reservado, o qual é determinado principalmente pelo estádio avançado da doença. A mortalidade ao ano é de cerca de 50%(21) e traduz a gravidade da insuficiência hepática e o elevado risco de hemorragia por ruptura de varizes que estes doentes apresentam. A idade superior a 60 anos, a existência de carcinoma hepatocelular ou de diabetes mellitus são factores que agravam ainda mais o prognóstico(36). Embora não haja estudos publicados, pensa-se que, mesmo nos transplantados, a existência prévia de algum grau de disfunção renal, determina uma sobrevida pós-transplante ligeiramente inferior nos doentes com ascite refractária. SÍNDROME HEPATORRENAL Definição, Classificação e Diagnóstico O SHR é a complicação mais grave da doença hepática crónica terminal. É uma forma de insuficiência renal funcional, com rins morfologicamente normais, específica da doença hepática avançada. Embora ocorra mais frequentemente na cirrose, não é exclusiva desta entidade. Pode surgir noutras situações em que existe insuficiência hepática grave e hipertensão portal (HTP), como sejam a hepatite aguda alcoólica e a insuficiência hepática aguda(2,37). 182 João Mangualde e Ana Paula Oliveira QUADRO 3 - CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO DO SHR SEGUNDO O INTERNATIONAL ASCITES CLUB Critérios Major 1 - Doença hepática crónica ou aguda com insuficiência hepática avançada e hipertensão portal 2 - TFG baixa, definida como creatinina sérica > 1,5 mg/dL ou clearance da creatinina nas 24h < 40 mL/min ou aumento da creatinina superior a 50% em relação ao valor basal, nos doentes com insuficiência renal prévia 3 - Ausência de choque, infecção bacteriana activa, perda de fluidos ou tratamento actual ou recente com fármacos nefrotóxicos 4 - Ausência de melhoria da função renal (definida como creatinina sérica ≤ 1,5 mg/dL ou clearance da creatinina ≥40 mL/min) após suspensão de diuréticos e expansão de volume plasmático com 1,5 L de soro salino isotónico 5- Proteinúria < 500 mg/dia 6- Ecografia renal sem evidência de uropatia obstructiva ou de doença renal parenquimatosa Critérios Minor 1 - Débito urinário < 500 mL/dia 2 - Sódio urinário < 10 mEq/dia 3 - Osmolaridade urinária > osmolaridade plasmática 4 - Eritrócitos na urina < 50/campo 5 - Sódio sérico < 130 mEq/L critérios de diagnóstico deste síndrome (Quadro 3)(2). como na população em geral, a mais frequente nos doentes com cirrose é a IRA pré-renal, que inclui o SHR (Quadro 4). Num estudo recente, no qual foram avaliados 355 doentes com cirrose e IRA, 58 % dos doentes tinham IRA pré-renal (incluindo 20% com SHR), 41,7% IRA intrínseca por necrose tubular aguda (NTA) e apenas 0,3% IRA pós-renal.(41) Causas de insuficiência renal aguda na cirrose A insuficiência renal aguda (IRA) divide-se em pré-renal, intrínseca e pós-renal. Tal QUADRO 4 - CAUSAS DE IRA NA CIRROSE Pré-renal Intrínseca Hipovolémia Perdas gastrointestinais (hemorragia digestiva, vómitos, diarreia) Perdas urinárias (terapêutica diurética excessiva) Fármacos nefrotóxicos IECAs ARA II AINEs ( incluindo inibidores da COX-2) Radiocontraste Choque séptico Ascite sob tensão SHR Necrose tubular aguda Isquémica Tóxica Glomerulonefrite Hepatite crónica B Hepatite crónica C Alcoolismo crónico Pós-renal Rara (<1%) 183 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL IRA Pré-renal As causas mais frequentes na cirrose são a NTA e a glomerulonefrite aguda. A NTA pode ser isquémica ou tóxica. A NTA isquémica é causada pelos mesmos factores etiológicos da IRA pré-renal, desde que perpetuados. A NTA tóxica resulta quase sempre da administração de aminoglicosidos, que têm um potencial tóxico, nos doentes com cirrose, dez vezes superior ao da população em geral. Só nos doentes em estado crítico, como no choque séptico, a NTA é muitas vezes mista. A IRA secundária à glomerulonefrite aguda pode ocorrer em todas as causas de cirrose, mas é mais frequente nas hepatites víricas B e C e no alcoolismo crónico. Apesar de existirem varias lesões glomerulares descritas em doentes com hepatite crónica C, a mais frequente é a glomerulonefrite membranoproliferativa, associada ou não a crioglobulinémia mista. Estima-se que a prevalência de crioglobulinémia em doentes com hepatite C seja de 18 a 50%(51). Na hepatite crónica B a lesão mais frequente é a glomerulonefrite membranosa, embora existam casos reportados de glomerulonefrite membranoproliferativa e nefropatia a IgA(52,53). Nos doentes alcoólicos a IRA pode ser secundária a nefropatia a IgA e a lesões tubulares, resultantes de rabdomiólise ou da ingestão de etilenoglicol com formação de cálculos de oxalato de cálcio(54-57). A causa mais frequente de IRA pré-renal nos doentes com cirrose é a hipovolémia. Esta pode ser secundária a perdas gastrointestinais ou perdas renais. As perdas gastrointestinais ocorrem por hemorragia digestiva (cerca de 5% dos doentes internados por hemorragia digestiva têm IRA(42)), vómitos ou diarreia (muitas vezes induzida pela utilização de lactulose no tratamento da encefalopatia portossistémica). As perdas renais são, na maioria dos casos, iatrogénicas e resultam de uma terapêutica diurética demasiado agressiva. A hipovolémia efectiva e a disfunção renal que os doentes cirróticos apresentam torna-os particularmente susceptíveis à IRA induzida por fármacos, por um mecanismo de vasoconstrição renal. Os fármacos implicados são os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, os antagonistas dos receptores da angiotensina II, os anti-inflamatórios não-esteróides (incluíndo os inibidores selectivos da cicloxigenase tipo 2) e os agentes de radiocontraste(43,44). A sépsis grave condiciona IRA pré-renal por vasodilatação periférica e vasoconstrição renal e ocorre quase sempre na fase de choque séptico(45,46). Os doentes com cirrose são particularmente susceptíveis ao desenvolvimento de infecções bacterianas, nomeadamente peritonite bacteriana espontânea (PBE)(47). Cerca de 20-40% dos doentes com PBE têm IRA, mas apenas 10% têm choque séptico, pelo que existem outras causas desconhecidas para a insuficiência renal nestes doentes(48). Outra causa potencial de IRA é a ascite sob tensão, por compromisso da perfusão renal(49). Finalmente, o SHR, sendo secundário a uma vasoconstrição renal intensa, é igualmente uma forma de IRA pré-renal. IRA Pós-renal As causas de IRA pós-renal têm pouco relevo na cirrose. Tal facto é facilmente explicável, uma vez que a causa principal de IRA pós-renal é a patologia prostática, que ocorre quase exclusivamente em faixas etárias que superam a esperança média de vida dos cirróticos. Investigação da insuficiência renal aguda na cirrose IRA Intrínseca A IRA intrínseca classifica-se de acordo com o local de lesão renal. Uma vez que são várias as causas de IRA nos doentes com cirrose, para se estabelecer o 184 João Mangualde e Ana Paula Oliveira diagnóstico de SHR é necessária uma cuidada investigação clínica, complementada por uma avaliação analítica, imagiológica e, em casos seleccionados, por uma biopsia renal. restantes alterações electrolíticas e do equilíbrio ácido-base são mais raras e mais ligeiras e incluem a hipercaliémia e a acidose metabólica. A avaliação da urina pode dar importantes informações diagnósticas(2,45): a existência de cilindros granulosos pigmentares é típica da NTA, enquanto que os cilindros de eritrócitos são característicos da glomerulonefrite aguda. Os índices urinários (sódio urinário, fracção da excreção de sódio, osmolaridade urinária) são úteis no diagnóstico diferencial entre a IRA pré-renal, incluíndo SHR, e a NTA. No SHR, o sódio urinário é muito baixo (<10 mEq/L) e a osmolaridade urinária é elevada (>500 mOsm/Kg) e superior à osmolaridade plasmática, porque a função tubular está preservada e há uma ávida retenção de sódio. Pelo contrário, na NTA, o sódio urinário está alto e a osmolaridade urinária baixa. No entanto, esta regra não é universal, já que alguns doentes com SHR têm um valor elevado de sódio urinário e doentes com cirrose e NTA têm, numa fase inicial, sódio urinário baixo(2,60,61). Por este motivo os índices urinários já não são considerados critérios major no diagnóstico do SHR(2). Avaliação clínica Na história clínica devem ser investigadas a existência de hemorragia digestiva, vómitos, diarreia e a exposição a fármacos nefrotóxicos, incluindo agentes de radiocontraste. Em relação ao exame objectivo, não existem sinais específicos de SHR. Como este surge nos estádios avançados da doença hepática, a maioria dos doentes apresenta estigmas de DHC, como icterícia, discrasia hemorrágica, encefalopatia hepática e ascite(5,58). Esta última é universal no SHR, pelo que a sua ausência aponta para outra causa de IRA, nomeadamente IRA pré-renal por terapêutica diurética excessiva(59). Outro achado quase universal nos doentes com SHR é a hipotensão arterial, acompanhada na maioria das vezes de aumento da frequência e do débito cardíaco. É importante salientar dois aspectos no que respeita à tensão arterial: nos doentes com SHR a tensão arterial apesar de baixa é estável, pelo que a instabilidade hemodinâmica sugere a existência de choque séptico; se, ao invés de uma redução, existir aumento da tensão arterial, a hipótese diagnóstica mais provável é a glomerulonefrite aguda. Avaliação imagiológia É obrigatória a realização de uma ecografia renal em todos os doentes com cirrose e IRA para excluir patologia renal intrínseca e patologia obstrutiva. Apesar de ser o exame de eleição para avaliar a obstrução do tracto urinário, a sua sensibilidade não é de 100%. Numa fase inicial e em doentes com hipovolémia, pode não ser patente a dilatação da árvore excretora. Avaliação analítica Tem como objectivos avaliar quer a insuficiência renal e suas complicações, quer a função hepática e excluir a existência de uma infecção. Deve incluir hemograma, proteína C reactiva, provas hepáticas, função renal, ionograma, gasimetria, análise sumária da urina, urina de 24h, hemoculturas e urocultura. A alteração electrolítica mais característica do SHR é a hiponatrémia de diluição, mas não está presente em todos os doentes. As Biopsia renal Na maioria dos casos não é necessário realizar uma biopsia renal para estabelecer o diagnóstico da IRA. Esta só está indicada quando os dados apontam para uma IRA 185 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL intrínseca por glomerulonefrite. As alterações da coagulação presentes nestes doentes impedem, muitas vezes, a realização desta técnica por via percutânea. Nestes casos, a biopsia deve ser feita por via transjugularl(62). produção de várias citocinas e endotoxinas, que estimulam a produção de óxido nítrico e outros vasodilatadores que vão agravar a disfunção circulatória pré-existente e desencadear o SHR(48,66,67). De igual forma, a realização de paracentese de grande volume (>5L) sem reposição com albumina pode causar SHR em cerca de 15% dos doentes(2). Aproximadamente 10% dos doentes cirróticos com hemorragia digestiva desenvolvem insuficiência renal, na maioria dos casos por hipovolémia (insuficiência pré-renal ou NTA isquémica)(42). Contudo, em alguns casos, a resposta inflamatória associada à hemorragia pode dar origem a um SHR(68). Na base do desenvolvimento do SHR na hepatite aguda alcoólica e no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos major está a resposta inflamatória sistémica associada. No entanto, existe um outro factor muito importante para o desenvolvimento de SHR nestes doentes, que é a colestase(69). Estudos realizados demonstraram que a colestase per se causa vasodilatação e circulação hiperdinâmica(70,71). A importância que esta assume na hepatite aguda alcoólica é bem conhecida, já que constitui um dos dois parâmetros que definem o Índice de Maddrey(72). A colestase desempenha ainda um papel no SHR que surge no contexto da PBE. Tal facto ficou patente num dos mais importantes estudos conduzido em doentes com PBE, no qual o SHR só ocorreu em doentes com um valor de bilirrubina total superior a 4 mg/dL(66). A hipovolémia associada a terapêutica diurética ou a perdas extrarrenais é classicamente considerada como um factor de risco para o desenvolvimento de SHR(73). No entanto, até à data, não existem estudos que suportem esta afirmação. Classificação do SHR Como já foi referido, o SHR divide-se em dois tipos, de acordo com a gravidade e forma de instalação da insuficiência renal (Quadro 5)(2). QUADRO 5 - CLASSIFICAÇÃO DO SHR SHR tipo 1 Duplicação do nível da creatinina sérica para valores superiores a 2,5 mg/dL ou uma redução superior a 50 % da clearance da creatinina nas 24 horas para valores inferiores a 20 mL/min, em menos de 2 semanas. SHR tipo 2 Insuficiência renal que não preenche critérios para SHR tipo 1 SHR tipo 1 O SHR tipo 1 caracteriza-se por uma deterioração rapidamente progressiva da função renal, definida como uma duplicação do nível da creatinina sérica para valores superiores a 2,5 mg/dL ou uma redução superior a 50 % da clearance da creatinina nas 24 horas para valores inferiores a 20 mL/min, em menos de 2 semanas. Apesar de poder ocorrer espontaneamente, em muitos casos é precedido por um factor precipitante. Os factores de risco conhecidos para o desenvolvimento do SHR tipo 1 são a infecção bacteriana grave (particularmente a PBE), a paracentese de grande volume sem reposição com albumina, a hemorragia digestiva, a hepatite aguda alcoólica, a colestase e os procedimentos cirúrgicos major. O SHR tipo 1 ocorre em cerca de 30% dos doentes com PBE, apesar da instituição de uma correcta antibioterápia(48,63-65). A resposta inflamatória que ocorre nestes doentes leva à SHR tipo 2 O SHR tipo 2 caracteriza-se por uma redução mais ligeira e gradual da função renal, com valores de creatinina sérica de 1,5 a 2,5 186 João Mangualde e Ana Paula Oliveira mg/dL2. São doentes com DHC menos grave, cuja principal característica é a presença de ascite refractária. Têm um risco elevado de evoluir para SHR tipo 1, o que acontece geralmente após exposição a um dos factores precipitantes acima referidos(48,63,64). Hepatite aguda alcoólica Num estudo efectuado em doentes com hepatite aguda alcoólica grave (índice de Maddrey superior a 32), foi administrado um inibidor do factor de necrose tumoral, a pentoxifilina (400 mg TID), verificando-se que, no grupo tratado, a incidência de SHR (4% vs 24%) e a taxa de mortalidade hospitalar (24% vs 46%) foram mais baixas do que no grupo placebo(74). Os resultados demonstram que a pentoxifilina está indicada neste subgrupo de doentes com hepatite aguda alcoólica. Prevenção Dois estudos controlados e randomizados realizados num grupo significativo de doentes mostraram que o SHR pode ser prevenido em duas situações clínicas específicas: a PBE e a hepatite aguda alcoólica. PBE Tratamento A vigilância e o tratamento dos SHR tipo 1 e tipo 2 são distintos. Os doentes com SHR tipo 1 devem ser internados, preferencialmente numa unidade de cuidados intensivos, com vigilância contínua da tensão arterial, frequência cardíaca, temperatura corporal, pressão venosa central, débito urinário, balanço hídrico, peso e avaliação analítica diária. Os doentes com SHR tipo 2 podem ser seguidos em ambulatório. O tratamento de eleição para ambos os tipos de SHR é o TH, uma vez que é o único que oferece a possibilidade de cura das doenças hepática e renal. No entanto, a escassez de órgãos e a gravidade do quadro, particularmente do SHR tipo 1, limitam, de forma significativa, a sua aplicabilidade clínica. Este facto levou ao desenvolvimento de outras terapêuticas que, embora não sejam tão eficazes quanto o TH, permitem, numa elevada percentagem dos casos, reverter o SHR de forma definitiva, funcionando como terapêutica única ou, de forma temporária, aumentando a sobrevida média até à realização do TH. Os estudos realizados permitiram inferir da eficácia na terapêutica do SHR tipo 1 de fármacos vasoconstrictores, combinados com expansores de plasma, e do TIPS. Estas duas terapêuticas parecem ser igualmente eficazes no SHR tipo 2, embora os dados relativos à Num estudo conduzido em doentes com PBE(66), a administração de albumina (1,5 g/Kg peso na altura do diagnóstico, seguido de 1 g/kg peso às 48 h) associada à cefotaxime reduziu significativamente a incidência de SHR quando comparado com um grupo controlo que recebeu apenas cefotaxime (10% vs 33%). Também a mortalidade intra-hospitalar (10% vs 29%) e a mortalidade aos 3 meses (22% vs 41%) foram significativamente mais baixas no grupo que recebeu albumina. Da análise individual dos dados ressaltou que apenas os doentes com insuficiência renal à data do diagnóstico ou com bilirrubina total superior a 4 mg/dL desenvolveram SHR. Actualmente, está recomendada a administração daquele esquema de albumina nos doentes com PBE com creatinina sérica superior a 1,5 mg/dL ou bilirrubina superior a 4 mg/dL. Contudo, duas questões permanecem em aberto: no estudo em referência, a dose de albumina foi arbitrariamente escolhida, pelo que se desconhece se doses mais baixas não serão igualmente eficazes; por outro lado, não foi avaliada a eficácia de outros expansores do plasma na prevenção do SHR, os quais têm a vantagem de serem mais baratos e de origem não humana. 187 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL SHR desaparece no primeiro mês após o transplante hepático(81). Este subgrupo de doentes tem maior morbilidade, mortalidade intra-hospitalar e mortalidade aos 3 anos que os doentes transplantados por outras indicações (mortalidade aos 3 anos de 40% no SHR vs 20-30% nos doentes sem SHR)(75-80). No entanto, num estudo recente no qual foram administrados um análogo da vasopressina e albumina antes do TH, a taxa de mortalidade pós-TH foi igual nos doentes com e sem SHR(82). Este estudo sugere que todos os doentes com SHR devem ser tratados com um análogo da vasopressina antes do TH(83). sua utilização nesta situação sejam mais escassos. Em casos seleccionados devem ser utilizados métodos dialíticos, como terapêutica complementar, mas nunca como terapêutica única do SHR. Medidas gerais Um dos aspectos mais importantes no tratamento destes doentes é uma correcta restrição salina (ingestão de sódio diário inferior a 90 mmol/dia). Se existir uma hiponatrémia grave (inferior a 125 mmol/L), deve ser acompanhada de restrição hídrica (inferior a 1L/dia). Os diuréticos devem ser suspensos no SHR tipo 1. No SHR tipo 2 podem ser mantidos, mas com vigilância analítica frequente, sobretudo devido ao risco de hipercaliémia induzida pelos diuréticos poupadores de potássio. Sempre que exista ascite sob tensão deve ser efectuada paracentese evacuadora, com reposição com albumina. Terapêutica farmacológica A única terapêutica médica comprovadamente eficaz no tratamento do SHR é a administração de vasoconstrictores. Diversos outros fármacos foram testados: alguns foram abandonados, porque os estudos demonstraram a sua ineficácia; outros tiveram resultados promissores, mas apenas em estudos com reduzida amostragem. TH Como já foi referido, o TH é a terapêutica de escolha no SHR(75-80). Assim, o primeiro passo no tratamento dos doentes com SHR é avaliar se o doente é candidato a TH. Imediatamente após o TH pode ocorrer um agravamento da função renal, pelo que muitos doentes necessitam de hemodiálise (35% vs 5% de doentes sem SHR)(77) no período pós-operatório precoce. Uma vez que os inibidores da calcineurina (ciclosporina e tacrolimus) contribuem para esta queda da TFG, a sua instituição deve ser protelada até que se assista à recuperação da função renal (48 a 72h). Após esta queda inicial assiste-se a uma recuperação gradual da TFG, atingindo um valor médio de 30 a 40 mL/min cerca de 1 a 2 meses depois do TH. Este valor é inferior ao observado nos doentes transplantados sem SHR e resulta duma maior sensibilidade à nefrotoxicidade dos inibidores da calcineurina. A disfunção circulatória associada ao Vasoconstrictores A utilização de vasoconstrictores tem como objectivo reduzir a intensa vasodilatação esplâncnica existente no doentes com SHR, quebrando assim a cadeia de acontecimentos que está na base deste síndrome. São três os tipos de vasoconstrictores usados no tratamento do SHR: - análogos da vasopressina (ornipressina e terlipressina) - análogos da somatostatina (octreótido) - agonistas α-adrenérgicos ( noradrenalina e midodrina) Na maioria dos estudos, os vasoconstrictores foram administrados conjuntamente com albumina, que contraria a hipovolémia efectiva existente e aumenta a eficácia do tratamento(58). 188 João Mangualde e Ana Paula Oliveira Análogos da vasopressina mina tiveram uma taxa de resposta mais baixa(41,58). Nos doentes que respondem, ocorre uma rápida subida do débito urinário (12 a 24h). A subida da TFG faz-se de forma mais lenta e, na maioria dos doentes, permanece inferior ao valor normal. A incidência de efeitos secundários, nomeadamente isquémicos, é substancialmente inferior à da ornipressina (cerca de 10%), mas na maioria dos estudos foram excluídos doentes com patologia isquémica de base. A recidiva após suspensão do tratamento ocorre em cerca de metade dos doentes, mas o retratamento é eficaz(58,87). Estes dados referem-se a doentes com SHR tipo 1. Embora alguns estudos revelem uma melhoria da função renal em doentes com SHR tipo 2 tratados com terlipressina, a sua eficácia neste contexto ainda não está comprovada. Os análogos da vasopressina condicionam vasoconstrição devido à sua acção nos receptores V1 localizados nas células musculares dos vasos. O primeiro análogo da vasopressina que demonstrou ser eficaz no tratamento do SHR foi a ornipressina. No entanto, a sua utilização teve de ser abandonada porque ocorreram efeitos adversos importantes, principalmente isquémicos, numa percentagem significativa de doentes(84-86). O análogo da vasopressina actualmente utilizado no SHR é a terlipressina. A dose inicial recomendada é de 0,5 mg de 4-4h. Caso não ocorra resposta, a dose deve ser aumentada progressivamente (cada 2-3 dias) até 2 mg de 4-4h. A duração do tratamento não deve exceder os 15 dias (Quadro 6). Nos diversos estudos realizados, a eficácia do tratamento, definida como redução da creatinina para valores inferiores a 1,5 mg/dL, oscila entre os 42 e 92%, com uma média de 63%(41,58,87-92). Os doentes idosos, com pontuação de Child-Pugh superior a 13 e os doentes aos quais não foi administrada albu- Agonistas α-adrenérgicos e octreótido A utilização de agonistas α-adrenérgicos no tratamento do SHR foi testada num menor número de doentes, mas com excelentes resultados. Os fármacos utilizados foram a QUADRO 6 - VASOCONSTRICTORES USADOS NO TRATAMENTO DO SHR Vasoconstrictores Terlipressina Dose inicial: 0,5 mg 4-4h Se não ocorrer resposta, a dose deve ser aumentada progressivamente até 2 mg de 4-4h Midodrina e octreótido Dose inicial: 2,5 mg de 8/8h de midodrina e 100μg de 8/8h de octreótido Se não ocorrer resposta, a dose deve ser aumentada progressivamente até 12,5 mg de 8/8h de midodrina e 200μg de 8/8h de octreótido Noradrenalina Dose inicial: 0,5 mg/h em infusão contínua e.v Se não ocorrer resposta, a dose deve ser aumentada progressivamente até 3 mg/h Albumina Primeiro dia: 1 gr/Kg e.v Dias seguintes: 20-50 gr/dia e.v Duração do tratamento 15 dias 189 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL noradrenalina e a midodrina, este último em conjunto com um análogo da somatostatina, o octreótido. Concomitantemente, foi administrada albumina a todos os doentes. As taxas de resposta foram de 83% para a noradrenalina(93) e de 88% para a combinação midodrina/octreótido(94,95). Não ocorreram efeitos secundários, com excepção de um doente que teve um episódio de angor no decurso da terapêutica com noradrenalina. A dose inicial recomendada de noradrenalina é de 0,5 mg/h em infusão contínua, que pode ser aumentada até 3 mg/h, de forma a obter um aumento da pressão arterial média superior a 10 mmHg. As doses iniciais recomendadas da combinação midodrina/octreótido são, respectivamente, 2,5 mg t.i.d. p.o. e 100 μg t.i.d. s.c. Podem ser aumentadas até 12,5 mg t.i.d. e 200 μg t.i.d., de forma a obter um aumento da pressão arterial média superior a 15 mmHg. (designado BQ123) em três doentes com SHR(101). Todos responderam ao tratamento com recuperação da TFG. Este estudo carece de confirmação, pelo que este fármaco não deve ser usado fora do contexto de estudos clínicos. N-acetilcisteína A utilização da N-acetilcisteína baseia-se na redução da formação de F2-isoprostanos (vasoconstrictores renais implicados na patogénese do SHR) graças ao seu potencial antioxidante(102,103). Os resultados do único estudo realizado com este fármaco foram promissores. Ocorreu subida da clearance de creatinina, da natriurese, do débito urinário e da sobrevida média(104). A reduzida amostragem impossibilita a sua recomendação na práctica clínica. TIPS Outros fármacos A colocação de um TIPS tem como finalidade reduzir a hipertensão portal e aumentar a volémia efectiva, por diminuição do sangue retido na circulação esplâncnica. Estas alterações hemodinâmicas levam à supressão dos sistemas vasoconstrictores neurohormonais implicados na génese do SHR. Tem uma eficácia de cerca de 60%, com aumento da sobrevida(105-110). No entanto, só foi testado num subgrupo de doentes menos graves. Nos doentes com EPS grave (grau IIIIV), INR>5, hiperbilirrubinémia importante, pontuação de Child-Pugh >12, insuficiência cardíaca congestiva ou idade >75 anos, o risco de efeitos adversos graves impede a sua utilização. Apesar de ter uma eficácia semelhante à dos fármacos vasoconstrictores, até serem realizados estudos comparativos, o TIPS só deve ser usado quando os primeiros falham, pois é um procedimento mais caro, menos disponível, com maior incidência de efeitos adversos e aplicável num grupo mais restrito de doentes. Dopamina A dopamina foi o primeiro fármaco testado no tratamento do SHR devido ao seu efeito vasodilatador renal. Os estudos realizados não demonstraram qualquer benefício pelo que a sua utilização não é recomendada(96,97). Misoprostol O misoprostol é um análogo sintético da prostaglandina E1, com potencial efeito vasodilatador a nível renal. Tal como no caso da dopamina, os resultados obtidos com este fármaco foram decepcionantes, pelo que a sua utilização foi abandonada(98,99). Antagonistas da endotelina A endotelina é um vasocontrictor endógeno que está aumentado no SHR(100). Existe apenas um estudo publicado no qual foi utilizado um antagonista da endotelina A 190 João Mangualde e Ana Paula Oliveira Prognóstico Diálise As técnicas dialíticas (hemodiálise intermitente e hemofiltração contínua arterio-venosa ou veno-venosa) não têm eficácia comprovada no tratamento do SHR, sobretudo pela elevada incidência de efeitos secundários graves (hipotensão arterial, coagulopatia e hemorragia digestiva)(111). A sua utilização só está indicada em doentes candidatos a TH, quando não existe resposta aos fármacos vasoconstrictores ou à colocação de TIPS ou na sobrecarga hídrica grave, hipercaliémia ou acidose metabólica refractárias à terapêutica médica. Recentemente o sistema MARS (molecular adsorbent recirculating system), um sistema dialítico modificado que combina a remoção de toxinas hidrossolúveis da diálise convencional com a remoção de toxinas ligadas à albumina, foi comparado com a hemodiálise em 13 doentes com SHR(112). No grupo tratado com o sistema MARS houve uma redução significativa da bilirrubina e da creatinina e um aumento da sobrevida. Aguardam-se mais estudos que confirmem a utilidade deste sistema no SHR. O SHR é a complicação da cirrose com pior prognóstico. Na fase pré-transplante hepático era uma situação irreversível e fatal em quase todos os casos, com uma taxa de recuperação espontânea de apenas 3,5%(5,113). O grande determinante do prognóstico é o tipo de SHR. Até final dos anos 90, a esperança média de vida era inferior a 2 semanas para os doentes com SHR tipo 1 e de cerca de 6 meses para os doentes com SHR tipo 2(5,114,115). O segundo determinante da sobrevivência é a gravidade da cirrose, uma vez que os doentes da classe C de Child-Pugh têm pior prognóstico que os doentes da classe B(41,58). O transplante hepático foi a primeira opção terapêutica que veio alterar de forma significativa o prognóstico destes doentes. Apesar da morbilidade, incluindo a duração do internamento pós-TH e a evolução para insuficiência renal terminal com necessidade de suporte dialítico, e a mortalidade serem ligeiramente superiores à dos doentes transplantados por outras indicações, a sobrevida aos 5 anos é significativamente superior à dos doentes não-transplantados (40% vs 0%)(77). Como já foi referido, a administração de vasoconstrictores e de albumina revertem cerca de 60-70% dos casos de SHR tipo 1. Embora o seu impacto na taxa de mortalidade como terapêutica única permaneça em discussão(41), prolongam a sobrevida média, aumentam a percentagem de doentes transplantados, e melhoram a taxa de sobrevivência pós-transplante(82). No SHR tipo 2 parecem igualmente melhorar o prognóstico. Outra medida terapêutica que contribuiu para melhorar o prognóstico dos doentes com SHR foi o TIPS. Nos doentes com SHR tipo 1 a colocação do TIPS permitiu aumentar a sobrevida média para cerca de 15 semanas. FIGURA 3 - TRATAMENTO DO SHR TIPO 1 Tratamento do SHR tipo 1 1ª linha - Transplante hepático 2ª linha - Vasoconstritores + Albumina 3ª linha - TIPS Terapêutica complementar- restrição salina +/- restrição hídrica +/- diálise FIGURA 4- TRATAMENTO DO SHR TIPO 2 Tratamento do SHR tipo 2 1ª linha - Transplante hepático 2ª linha - Paracentese terapêutica+expansores do plasma Conclusão 3ª linha - Vasoconstritores + Albumina vs TIPS Terapêutica complementar- diuréticos + restrição salina +/- restrição hídrica A ascite refractária e o SHR constituem os últimos degraus de uma escala de alterações 191 ASCITE REDRACTÁRIA E SÍNDROME HEPATORRENAL tologia do SHR (fármacos vasoconstrictores e TIPS) veio alterar este cenário, permitindo aumentar a sobrevida, funcionando como ponte para o transplante ou, em alguns casos, como terapêutica única. Conquanto consideráveis passos já tenham sido dados na redução da morbilidade e mortalidade destes doentes, existe ainda uma vasto campo de progressão. As prioridades para a investigação a curto prazo devem incidir na confirmação ou negação da eficácia dos antagonistas da endotelina, da N-acetilcisteína e do sistema MARS, que apresentaram resultados muito promissores nos estudos já realizados. Mais do que tratar numa fase em que a tentativa de reversão da situação impõe medidas drásticas como o TIPS e o TH, no futuro será importante identificar precocemente a fase pré-ascítica da cirrose e desenvolver medidas profiláticas, capazes de impedir a progressão natural da disfunção hepatorrenal para a insuficiência renal irreversível. fisiopatológicas desencadeadas pela disfunção circulatória que acompanha a insuficiência hepática e a hipertensão portal. Esta disfunção estabelece-se de forma insidiosa e progressiva, o que nos leva a concluir que o SHR se inicia, na realidade, com a redução da capacidade de excreção de sódio na fase pré-ascítica. Compreender a patogenia das alterações que conduzem à ascite refractária e ao SHR é, pois, fundamental para a prevenção e tratamento destas graves complicações da cirrose. Nos últimos anos tem-se assistido a importantes avanços no tratamento destas duas entidades, com melhoria significativa do seu prognóstico. O tratamento de eleição é o TH, uma vez que é o único que permite a cura simultânea das patologias hepática e renal. No passado, a escassez de órgãos e a reduzida sobrevida média destes doentes, determinavam que a maioria vinha a falecer antes do procedimento. O desenvolvimento de novas terapêuticas capazes de interferir na fisiopa- Blibliografia 1 2 3 4 5 6 7 8 Flint A. Clinical report on hydro-peritoneum based on an analysis of forty-six cases. Am J Med Sci 1863;45:306-39. Arroyo V, Ginès P, Gerbes AL, Dudley FJ, Gentilini P, Laffi G, et al. Definition and diagnostic criteria of refractory ascites and hepatorenal syndrome in cirrhosis. Hepatology 1996; 23:164-76. 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A Colangite supurativa está associada com a obstrucção biliar total ou quase total, com pressão intra biliar aumentada, e pús dentro da via biliar . A distinção entre estas duas entidades pode não ser clara do ponto de vista clínico e a colangite ascendente pode evoluir para colangite supurativa. e há evidência experimental de translocação de bactérias do tubo digestivo e de bactériemia da veia porta(3,4). A translocação pelo tubo digestivo pode estar aumentada na icterícia obstrutiva(5). A endotoxémia portal também está aumentada na icterícia obstrutiva e pode estar relacionada com a ausência de ácidos biliares no lúmen do intestino, que são normalmente responsáveis pela ligação a endotoxinas, levando à sua eliminação pelas fezes(6). O exame bacteriológico da bílis em doentes com colangite aguda mostra que a maior parte dos agentes tem origem no tubo digestivo. Foram isoladas muitas espécies diferentes (7-8) sendo as mais comuns a E.coli, a Klebsiela e o Enterococus . Também se isolaram bactérias anaérobicas e existe comprovação em modelos experimentais de um efeito sinergético entre as bactérias aeróbicas e anaérobicas(9). Podem obter-se entre 20 a 60 % de culturas positivas(7,9,10,11). Ocasionalmente pode isolar-se Cândida na bílis de doentes, particularmente naqueles que sofrem de obstrucção maligna. FISIOPATOLOGIA A Colangite Aguda resulta do efeito combinado das bactérias com a árvore biliar obstruída. A bílis de doentes com uma via biliar normal é estéril. Esta esterilidade é mantida pelo esfíncter de Oddi, fluxo biliar, e pelas propriedades bacteriostácticas da bílis. Em mais de 75% de doentes com cálculos na via biliar(1,2) é possível obter culturas positivas na bílis. A pressão biliar aumentada resulta na passagem de báctérias para o sistema venoso e linfático hepático. O processo pelo qual as bactérias ganham acesso à via biliar é incerto, ETIOLOGIA E INCIDÊNCIA A forma ascendente é a apresentação mais frequente da Colangite Aguda. A maior parte dos doentes apresenta-se com episódios ligeiros de colangite, e somente 10 a 15 % com colangite supurativa (7) 199 COLANGITE AGUDA As causas possivéis de Colangite Aguda são multíplas. (Quadro I) hepaticojejunostomia. O problema é agravado quando existe estenose da anastomose bilioentérica tornando a drenagem deficiente ou impossivel. A infestação das vias biliares por nemátodes e tremátodes tais como ascarís lumbricóides, e fascíola hepática e clonorchis sinensis, tambem podem estar associadas a episódios de Colangite Aguda A doença hidática pode precipitar uma colangite quando existe ruptura do quisto para a via biliar, indo as hidátides causar obstrucção. A etiologia da colangiopatia associada à SIDA é incerta, mas está provavelmente relacionada com infecções entéricas por organismos oportunistas. QUADRO I - ETIOLOGIA DA COLANGITE AGUDA Lítiase biliar Estenose maligna da Via Bilar Lesões iatrogénicas - CPRE - Colangiografia percutânea transhepática - Lesões pós-cirúrgicas Parasitoses e Infecções - áscaris lumbricóides - fasciolíase hepática - Hidatidose hepática - Clonorchis sinensis - SIDA A causa mais frequente de Colangite Aguda nos países ocidentais(12-13) são cálculos na via biliar que migraram da vesícula, apresentando-se mais frequentemente em indivíduos com idade superior a 65 anos. Nos últimos anos, tem havido um aumento de casos de Colangite Aguda por obstrução maligna da via biliar(14), e pensa-se ser devido ao maior uso de próteses biliares e instrumentação da via biliar em doentes com icterícia obstrutiva de causa maligna. A Colangite Aguda é uma complicação bem documentada da Colangio Pancreato grafia Retrógrada Endoscópica (CPRE), principalmente se a VBP está obstruída ou se no momento da realização da CPRE não houve uma remoção total dos cálculos(15). Outras manipulações da VBP , como a colocação de tubo em T ou a colangiografia percutânea transhépatica tambêm estão associadas com a possibilidade de precipitarem uma Colangite. Vários factores podem contribuir para isto, incluindo a introdução de bactérias durante o procedimento, e a pressão intra biliar aumentadas durante a injecção de contraste(16). Episódios recorrentes de colangite, podem complicar reconstruções cirúrgicas tais como esfincteroplastia, coledocoduodenostomia e MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A colangite aguda pode apresentar-se com um largo espectro de manifestações clínicas (Quadro II) desde uma doença ligeira até uma colangite tóxica grave com confusão, choque e icterícia. Somente 5 % dos doentes se apresentam com características de choque séptico(14 ). QUADRO II – MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Tríade de Charcot - Febre - Icterícia - Dor Choque séptico Leucocitose Hiperbilirrubinémia Elevação enzimas hepáticos Hiperamilasémia A tríade de Charcot: febre, dor e icterícia pode estar presente em cerca de 90 % dos doentes com colangite grave supurativa. Doentes com formas mais ligeiras de colangite podem não apresentar estas três características. Em séries recentes, a febre estava presente 200 Nuno Nunes em mais de 90 % dos doentes, mas só 60%, estavam clinicamente ictéricos na apresentação, e 50 % tinham dor abdominal. Febre, dor e ictericia podem estar presentes noutras condições intra abdominais tais como o sindroma de Mirizzi, ou coexistir com pancreatite aguda. No exame objectivo a ictericia e a dor à palpação são observadas em muitos doentes com os ruídos hidro aéreos estão normalmente mantidos. Alterações mais graves intra abdominais, tais como dor intensa, defesa e sinais difusos de irritabilidade peritoneal não são habituais, e alertam para outros diagnósticos possíveis. imagem a serem utilizados . A ecografia tem elevada sensibilidade para colelitíase (20) mas menor sensibilidade (50%) para a coledocolitíase(21). Pode-se no entanto inferir a existência de colédocolitíase pela presença de dilatação da VBP associada à colélitiase. No entanto, nem sempre se observa dilatação da via biliar numa fase inicial de obstrução, e a capacidade da ecografia em demonstrar a existência de coledocolitíase é baixa. A TAC sem injecção de contraste é mais sensível do que a ecografia na demonstração de coledocolitíase A ressonância magnética das vias biliares e pâncreas e a ecoendoscopia, são as técnicas mais sensíveis para a correcta determinação da causa e do nível de obstrução nos doentes com colangite aguda(37). A CPRE já não deve ser usada apenas como método diagnóstico, mas sim quando a probabilidade de intervenção terapêutica é grande, o que acontece nos doentes com suspeita clínica de colangite, dado haver métodos não invasivos com elevada acuidade diagnóstica A investigação laboratorial dá suporte ao diagnóstico clínico, mas não confirma definitivamente o diagnóstico. Os leucócitos estão elevados, em cerca de 70% dos doentes observam-se valores superiores a 10.000 por mm3(15-17). Um pequeno grupo de doentes com Colangite supurativa pode apresentar-se com leucopénia(14). Apesar de poder não haver tradução clínica, a maior parte dos doentes tem valores elevados de bilirrubina. 20% dos doentes tem um valor de bilirrubina inferior a 35 mol / L (8,16). As transaminases e a fosfatase alcalina estão habitualmente elevados(16). A fosfatase alcalina habitualmente está mais elevada em doentes com obstrução de causa maligna, enquanto que é frequente nas obstruções de causa benigna serem as transaminases que apresentam valores mais elevados(8). Estas alterações laboratoriais, não estabelecem o diagnóstico, mas valores normais de bilirrubina e transaminases são altamente improváveis em doentes com colangite. Ligeiras alterações da amilase são observadas em mais do que 35 % dos doentes com colangite e 11% poderão ter valores superiores a 1000(16). TRATAMENTO Em casos de suspeita de colangite, devem ser iniciadas as medidas gerais de suporte, soros e pausa alimentar podendo ser necessário entubação naso gástrica. Devem ser corrigidas as alterações da coagulação e electrolíticas e após colheita de hemoculturas iniciar antibioterapia. Para casos ligeiros o tratamento pode ser iniciado com recurso a um antibiótico. Em casos mais graves deve ser efectuada antibioterapia mais intensiva, onde múltiplos novos regimes se tem mostrado eficazes. A escolha de antibióticos deve cobrir tanto as bactérias Gram + como as Gram –, até estarem disponíveis os resultados das hemoculturas. Séries mais recentes demonstraram que bactérias aneróbicas como bacteróides spp, tem-se tornado mais frequentes, devendo A ecografia e a tomografia axial computorizada (TAC) são os primeiros métodos de 201 COLANGITE AGUDA CONCLUSÃO o regime de antibióticos escolhido cobrir este agente. Baseado nestas considerações, a utilização de uma penicilina de largo espectro, (tal como a piperacilina) associada a um inibidor da B-lactamase, deverá ser considerado o esquema de primeira escolha para o tratamento da colangite aguda(38). A melhoria é esperada entre 6 a 12 horas, e na maior parte dos casos, a infecção é controlada em 2 a 3 dias, com diminuição da febre, alívio do desconforto, e descida dos glóbulos brancos. Nestes casos a terapêutica definitiva pode ser planeada numa base electiva. Se ao fim de 6 a 12 horas, o doente não apresentar melhoria, ou o estado clínico piorar, com agravamento da febre, confusão mental ou hipotensão, tem de haver uma drenagem emergente da Via Biliar. Se houver disponibilidade local deve ser efectuada uma CPRE, com extração de cálculos, ou a descompressão através de colocação de prótese, ou sonda naso biliar. A sonda nasobiliar ou a prótese são igualmente seguras e eficazes(39). A CPRE tem uma percentagem de sucesso de 90 a 98%,(15) e é superior à cirurgia, e à drenagem percutânea(22-27). Posteriormente, os doentes com colangite e colelitíase devem, de uma forma electiva, ser submetidos a colecistectomia. Para os colecistectomizados a CPRE é o tratamento definitivo(31-37). (Figura 1) A colangite aguda resulta da combinação de uma via biliar obstruída com infecção da mesma. Tem um largo espectro de gravidade, de um quadro ligeiro, que responde rapidamente aos antibióticos, até um quadro grave com septicémia, que por vezes pode ser fatal. A litíase permanece uma importante causa de colangite; no entanto a obstrução maligna está a aumentar de frequência. As bactérias responsáveis pela infecção têm origem no tubo digestivo. O tratamento inicial deverá ser efectuado com antibióticos de largo espectro. A maior parte dos doentes responde ao tratamento instituído, podendo o tratamento definitivo da obstrução biliar ser efectuado posteriormente. Doentes com formas graves de colangite que não respondem ao tratamento inicial necessitam de efectuar uma descompressão emergente da via biliar. Para a maior parte dos doentes o método mais eficaz é a CPRE com esfincterotomia, ou em alternativa fazer-se a colocação de sonda naso-biliar ou prótese. 202 Nuno Nunes FIGURA 1 – ALGORITMO DE DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICA DA COLANGITE AGUDA DOENTE COM COLANGITE Correcção de desiquilíbrios hidro-electrolíticos e coagulopatia, analgesia, antibioterapia, correcção da coagulopatia, pausa alimentar Estabilização Agrav amento do quadro ou ausência de recuperação em 12-24h CPRE SEMI-ELECTIVA (dentro de 72h) Com limpeza da via biliar • Doente em condição estável: ETE e limpeza da via biliar • Doente em condição instável e alto risco: prótese biliar ou sonda CPRE URGENTE (dentro de 12h) Sucesso Falência Nov a CPRE ou drenagem percutânea Vesícula intacta Pós-colecistectomia Sem mais intervenções Sem condições para cirurgia Elegív e l para cirurgia Manter em v igilância Considerar: terapêutica de dissolução ou litotrícia extra-corpórea Cirurgia electiva (preferencialmentel aparoscópica) 203 COLANGITE AGUDA Blibliografia 1 2 3 4 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 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As proenzimas pancreáticas são activadas dentro das células acinares provocando lesão da glândula e extravasamento de substâncias tóxicas (enzimas pancreáticas activadas, péptidos vasoactivos, e outras substâncias) para os órgãos vizinhos e circulação sistémica(1,3,5). QUADRO 1- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA PANCREATITE AGUDA Cólica biliar Colecistite aguda Perfuração de víscera oca Isquémia intestinal Oclusão intestinal Aneurisma dissecante da aorta Gravidez ectópica Enfarte da parede inferior do miocárdio A-Apresentação clínica O sintoma cardinal da pancreatite aguda é a dor nos quadrantes superiores do abdómen, principalmente a nível do epigastro, presente em mais de 95% dos casos(1,2,3,6); face à localização retroperitoneal do pâncreas a dor irradia para o dorso (dor em cinturão) em aproximadamente metade dos casos. Se os exsudados se estenderem para as goteiras parieto-cólicas pode irradiar para os quadrantes inferiores do abdómen, ou ser generalizada se houver envolvimento difuso do peritoneu(2). Raramente irradia para o tórax ou para os ombros(1,2,3,6). A dor tem início agudo, atinge a intensidade máxima em 10 a 30 minutos, e persiste durante horas ou dias. Habitualmente é muito A abordagem do doente com pancreatite pode ser dividida em três fases : I. Diagnóstico, determinação da etiologia, e avaliação da gravidade da doença II. Tratamento III. Detecção e terapêutica das complicações I. Diagnóstico, determinação da etiologia, e avaliação da gravidade 1- Diagnóstico O diagnóstico de pancreatite deve ser feito nas primeiras 48 horas após a admissão e 207 PANCREATITE AGUDA intensa cedendo apenas a narcóticos(2,3,6). Pode ser desencadeada por refeição copiosa, consumo abundante de bebidas alcoólicas, ou traumatismo. A intensidade dolorosa aumenta com a ingestão alimentar e com o decúbito(7), e diminui com a postura de genuflexão ou em “prece maometana”. associadas a calafrios ou a picos febris são sugestivas de infecção(6,7). Nos doentes com pancreatite aguda litiásica este padrão sustenta a hipótese de colangite aguda(2). É característica a desproporção entre a intensidade dolorosa referida pelo doente e os escassos achados no exame objectivo do abdómen(7). Na maioria dos casos existe dor à palpação do abdómen, mais evidente no epigastro, sem sinais de irritação peritoneal. Na pancreatite litiásica pode também haver dor à palpação do hipocôndrio direito(7). Os sinais de irritação peritoneal, quando presentes, traduzem pancreatite aguda grave, ou complicada por necrose do cólon transverso(2). Habitualmente há distensão abdominal (7) e diminuição ou ausência de ruídos intestinais(2,6). A ascite é rara e pode ser causada por exsudação de fluido pancreático ou por ruptura do ducto pancreático principal(2). Em aproximadamente 1% dos casos, após 48 horas, pode observar-se na parede abdominal dois sinais de mau prognóstico (não patognomónicos de pancreatite): uma equimose azulada na região peri-umbilical – sinal de Cullen – que traduz hemoperitoneu, ou uma mancha arroxeada ou acastanhada nos flancos – sinal de Grey-Turner- que está associado a hemorragia retroperitoneal(1,2,4,7,9,10). A dor aguda causada pela cólica biliar, perfuração de úlcera, isquémia da mesentérica, e oclusão intestinal, pode simular a dor da pancreatite. Contudo na cólica biliar a dor localiza-se preferencialmente no hipocôndrio direito, dura só algumas horas, e a sua intensidade varia, diferenciando-se da dor da pancreatite que é constante e persiste mais de 24 horas(2,6). Na perfuração de úlcera péptica a dor tem um início mais abrupto e os sinais de irritação peritoneal(8) são mais evidentes . O choque de etiologia desconhecida é a forma de apresentação de 2% das pancreatites agudas(2,7) e, neste caso, pode estar ausente a sintomatologia dolorosa. A pancreatite também pode ser indolor nos doentes submetidos a diálise peritoneal, no pós-operatório (especialmente após o transplante renal), na Doença do Legionário, nos doentes com alteração do estado mental, e na cetoacidose(2,6). Em 90% dos casos a dor está associada a náuseas e vómitos(1). Os vómitos podem persistir durante horas(3) e geralmente não contêm sangue mas podem conter bílis. Diferenciam-se dos vómitos associados à oclusão do intestino delgado por não serem fecalóides e não aliviarem a dor(6). B- Exames Analíticos A suspeita clínica, mesmo nos casos em que a sintomatologia dolorosa é típica, necessita de ser confirmada pela elevação sérica das enzimas pancreáticas -amilase e/ou lipasepelo menos para o triplo do valor normal(2,3,11). O nível de amilase sérica começa a elevar-se nas primeiras 2 a 3 horas de doença, tem um pico das 12 às 24 horas, e normaliza após 3 a 5 dias(1,7). Uma amilase normal ou menor que três vezes o limite superior do normal questiona o diagnóstico de pancreatite aguda excepto nas seguintes situações: Na altura da admissão a febre é rara mas em 70% dos doentes aparece nos primeiros dias da doença(6). Na primeira semana de doença a febre é geralmente causada pela resposta inflamatória sistémica e não por processo infeccioso(2,7). Habitualmente é inferior a 39ºC, persiste uns dias, e desaparece quando a inflamação pancreática diminui(2). No entanto temperaturas superiores a 39 ºC e 208 Cristina Fonseca e Rui Loureiro 1) Na pancreatite aguda alcoólica - porque os níveis intracelulares de amilase são menores no pâncreas lesado de forma crónica pelo álcool. 2) Na hipertrigliceridémia - porque há um factor sérico, ainda não identificado, que inibe a amilase e impede a subida da amilasémia. Nos casos em que há a suspeita de pancreatite e a amilase é normal devem ser doseados os triglicéridos. Se os triglicéridos estiverem elevados o soro deverá ser diluído antes de nova determinação de amilase. 3) Se o doseamento for tardio - se o primeiro doseamento de amilase for efectuado 2 a 3 dias após o início da pancreatite o seu nível não reflecte o pico de amilasémia e a sua sensibilidade diminui(6,7). A amilasúria e a relação clearance de amilase/ creatinina persistem elevadas mais tempo que a amilasémia e são úteis no diagnóstico tardio(6). Contudo não diferenciam a pancreatite aguda de outros processos abdominais que cursam com elevação sérica de amilase e por isso não se recomenda a sua determinação por rotina(7,10). A hiperamilasémia, geralmente inferior a três vezes o limite superior do normal, é frequente em doenças extra-pancreáticas(12)(Quadro 2). A hiperamilasémia que persiste mais de 5 dias orienta o diagnóstico para complicação de pancreatite como o pseudoquisto ou a fístula pancreática,(1, 6) ou para patologia não pancreática associada a amilase persistentemente elevada como a neoplasia ou a macroamilasémia(6). Na macroamilasémia a elevação da amilase pode ser superior a três vezes o valor normal. Quando não é possível determinar a macroamilase o diagnóstico diferencial com a pancreatite aguda é feito pela amilasúria (que está baixa), pela relação clearance de amilase/ creatinina ( que é <1%) e pela lipase no soro (que é normal)(6). A lipase sérica aumenta 4 a 8 horas após o início da pancreatite, tem um pico às 24 horas, e permanece elevada durante 10 a 14 dias(1). A lipase sérica é ligeiramente mais sensível que a amilase sérica porque permanece elevada durante mais tempo e também é mais específica (96%) para lesão pancreática porque o pâncreas é a única fonte de lipase(6,7,11). É especialmente útil nas situações em que a QUADRO 2- CAUSAS DE HIPERAMILASÉMIA Origem Intra-abdominal Pancreática Extra-pancreática Pancreatite aguda, Pancreatite crónica, Pseudoquisto, Traumatismo pancreático, Cancro do pâncreas Perfuração intestinal, Enfarte intestinal, Apendicite, Peritonite, Hepatite, Aneurisma da aorta abdominal, Rotura de gravidez ectópica, Salpingite, Quisto do ovário Origem Extra-abdominal Doenças das grândulas salivares, Insuficiência renal, Cetoacidose, Pneumonia, Traumatismo craneano, Queimadura, Anorexia, Bulimia, Cirurgia extra-abdominal Macroamilasémia Idiopática Induzida por drogas Comprovada Azatioprina, L-asparginase, Sulfonamidas, Tetraciclina, Didanosina, Metildopa, Valproato, Estrogénios, Furosemida, Pentamidina, Ácido 5-aminossalicílico, Salicilatos, Tiazidas, Cálcio, Alcaloides de vinca Provável Corticóides, Nitrofurantoína, Fenformina, Tacrolimus, Metronidazol, 6-Mercaptopurina, Procainamida, Difenoxilato, Clortalidona, Cimetidina, Arabinosido de citosina, Cisplatina, Ciclosporina A 209 PANCREATITE AGUDA amilase não tem sensibilidade ou especificidade suficiente para fazer o diagnóstico: nas pancreatites associadas a amilasémia normal, na avaliação laboratorial tardia, e no diagnóstico diferencial com patologia associada a hiperamilasémia com lipasémia normal (caso da macroamilase, parotidite e neoplasias)(1,7). Apesar do diagnóstico de pancreatite dever ser preferencialmente confirmado pela lipasémia(10,11) é habitualmente utilizada a amilasémia por o doseamento de lipase não ser realizado em todos os hospitais. A elevação da amilase e/ou da lipase confirma o diagnóstico mas o seu valor absoluto não se correlaciona com a gravidade local ou sistémica da doença(1,3,5,6,10). em cerca de um terço dos casos o excesso de gás intestinal impede a visualização do pâncreas(13). Em 25 a 50% dos casos detecta edema pancreático(5,10) e fluido peritoneal(1) mas não distingue o pâncreas edematoso do pâncreas necrótico(6). É útil para: excluir patologia não pancreática(7) como o aneurisma da aorta abdominal(4) e a colecistite aguda(13), e para efectuar o diagnóstico de pancreatite secundária a obstrução litiásica do colédoco- pancreatite litiásica(7). Contudo o diagnóstico de pancreatite litiásica pode ser instituído pela clínica suportada por dados bioquímicos na ausência de confirmação ecográfica(14). A ecografia tem menor sensibilidade para detectar coledocolitíase do que para detectar litíase vesicular(14). Durante o episódio de pancreatite aguda esta sensibilidade é ainda menor(14,15). É de salientar que a coledocolitíase nem sempre provoca dilatação do colédoco(15); um colédoco normal não exclui pancreatite litiásica(14), e um colédoco dilatado não está sempre associado a obstrução por cálculo podendo resultar da compressão pelo edema da cabeça do pâncreas(6). A realização de TC abdominal na urgência, com intuito exclusivamente diagnóstico, só está indicada nas apresentação atípicas quando a clínica e os exames analíticos são inconclusivos(7). A TC confirma o diagnóstico e exclui outras causas de abdómen agudo como a úlcera perfurada, a isquémia da mesentérica, e o enfarte intestinal, evitando a laparotomia exploradora(3,6,10). Nos casos de peritonite em que, após investigação com TC, persiste a incerteza diagnóstica, a laparotomia exploradora pode estabelecer o diagnóstico de pancreatite ou identificar outras patologias passíveis de terapêutica cirúrgica(1,4). C- Exames de Imagem Na suspeita de pancreatite está indicada a realização de Rx de tórax, Rx de abdómen, ecografia hepatobiliopancreática(8) e, eventualmente, TC abdominal. O Rx de tórax e Rx de abdómen não contribuem para o diagnóstico(10) mas detectam complicações pulmonares associadas(7) e excluem outras patologias abdominais(4,5). Um terço dos doentes com pancreatite tem anomalias no Rx de tórax : elevação do diafragma, derrame pleural, atelectasias basais e, nos casos graves, presença de infiltrados alvéolo-intersticiais sugestivos da Síndrome de dificuldade respiratória aguda (ARDS)(4,5,6,13). O Rx de abdómen exclui a oclusão intestinal e o pneumoperitoneu(1,4,5). É rara a presença de sinais indirectos de envolvimento retroperitoneal: a) distensão duodenal com níveis hidroaéreos, b) a “ansa sentinela” - íleo localizado ao jejuno, c) íleo generalizado com níveis hidroaéreos, d) “sinal do cólon amputado”- distensão isolada do cólon transverso (5). Estes sinais são inespecíficos e não podem ser utilizados para fazer o diagnóstico(4). A ecografia abdominal deve ser realizada nas primeiras 24 a 48 horas após a admissão(3). É muito específica mas pouco sensível(7) pois 2. Avaliação etiológica Feito o diagnóstico de pancreatite deve ser determinada precocemente a sua etiologia tendo em conta que há terapêutica específica para algumas etiologias nomeadamente para a 210 Cristina Fonseca e Rui Loureiro pancreatite litiásica e para algumas formas de pancreatite metabólica(10). A pancreatite é uma doença de etiologia variada (Quadro 3). A etiologia deve ser determinada em pelo menos 80% dos casos e não mais do que 20% devem ser classificados como idiopáticos(11). Segundo os dados do estudo “Epidemiology of acute pancreatitis in mediterranean coun- tries”, realizado pelo Clube Português do Pancreas em 11 hospitais nacionais, e apresentado em 2005 no 4 th Meeting of Mediterranean Societies of Pancreatology, a principal etiologia da pancreatite no nosso País é a coledocolitíase (49% dos casos) seguida pelo álcool (22% dos casos). Os restantes casos são causados por fármacos, dislipidémia e iatrogenia (pós CPRE). QUADRO 3- ETIOLOGIA DA PANCREATITE AGUDA Coledocolitíase Álcool Metabólica Hipertrigliceridémia, Síndrome de deficiência de apolipoproteína CII, Hipercalcémia, Insuficiência renal, Esteatose aguda da gravidez, Cetoacidose diabética Fármacos Azatioprina, 6-mercaptopurina, Sulfonamidas, Tiazídicos, Furosemida, Estrogénios, Valproato, Pentamidina, Didanosina, Paracetamol, Nitrofurantoína, Metildopa, Eritromicina, Salicilatos, Tetraciclina, Metronidazol, Anti-inflamatórios não esteróides, Inibidores da enzima conversora da angiotensina, Citarabina, L-asparaginase, Cimetidina, Ranitidina, Corticoesteróides, Procainamida Iatrogenia Pós - Cirurgia (abdominal e extra-abdominal) Pós CPRE Manometria do esfíncter de Oddi Aortografia trans-lombar Pós-traumatismo Infecciosa Parotidite epidémica, Hepatite viral (A,B,C), outras infecções virais (vírus Coxsackie B, Echovírus, Citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, Herpes-vírus, HIV), bacteriana (Mycoplasma, Campylobacter, Salmonella, Micobactérias), infestação por parasitas (Ascaris, Clonorchis) Vascular Isquémia/hipoperfusão, Embolização, Aneurisma do eixo celíaco, Vasculite Patologia local Úlcera péptica penetrante, Doença de Crohn, Divertículo peri-ampular, Doenças dos ductos (pancreático ou biliar), Neoplasia do pâncreas, Disfunção do esfíncter de Oddi, Obstrucção da papila por parasitas ou corpo estranho Pâncreas Divisum Fibrose Quística Toxinas Veneno de escorpião, Organofosforados, Álcool metílico Pancreatite aguda Familiar Doença auto-imune Lúpus eritematoso sistémico, Síndrome de Sjorgren Idiopática 211 PANCREATITE AGUDA QUADRO 4- PLANO PARA INVESTIGAR A ETIOLOGIA DA PANCREATITE AGUDA História Clínica Antecedentes de litíase, história familiar†, ingestão de drogas, consumo de álcool, exposição a vírus ou existência de sintomas prodrómicos Fase I Bioquímica no soro (Amilase, Lipase, Testes de função hepática, Lipídos, Cálcio), Ecografia abdominal, TC abdominal Fase II Repetição da ecografia hepática, realização de CPRE/ ColangioRM, Exame de cristais na bílis, Ecoendoscopia, Manometria do esfíncter de Oddi Fase III Título de Ac virais, Actividade da α1 antitripsina, Marcadores de autoimunidade, Citologia Pancreática e Biliar, Teste de estimulação com secretina para exclusão de Pancreatite crónica †Se história familiar (Pancreatite aguda, dor abdominal recorrente não diagnosticada, Carcinoma pancreático, Diabetes mellitus de tipo I) realizar o estudo genético: Mutação do gene tripsinogénico catiónico, mutação CFTR, mutação SPINK 1 A investigação da etiologia da pancreatite aguda pode ser dividida em quatro fases. Após um episódio de pancreatite aguda são realizados os exames incluídos na fase I. Se não se identificar causa óbvia e os episódios recorrerem (pancreatite idiopática recorrente) o nível de investigação aumenta(2,11) (Quadro 4). A etiologia litíasica deve ser considerada nos casos com: aminotransferases> 3 x o normal, icterícia, colangite, amilase> 800 IU/L, e ecografia com litíase ou colédoco dilatado(18). As aminotransferases elevadas têm baixa sensibilidade e alta especificidade para o diagnóstico de pancreatite litiásica(15). Um valor normal de aminotransferases não exclui patologia litiásica(10); um valor superior a três ou mais vezes o limite superior do normal de aspartato aminotransferase (AST) ou de alanina aminotransferase (ALT) á entrada no serviço de urgência tem um valor predictivo positivo superior a 95% para diagnosticar a etiologia litiásica(10,14,15). O quociente ALT/AST >1 também é sugestivo desta etiologia(7). A elevação da fosfatase alcalina (FA) e da bilirrubina não é específica mas suporta o diagnóstico(10,14). A icterícia, habitualmente pouco marcada, pode ser causada por litíase mas pode também ter origem em doença hepática concomitante ou na compressão biliar por quisto ou por edema do pâncreas(6). A elevação da bilirrubina e/ou das aminotransferases 24 a 48 horas após a admissão é muito sugestiva da presença de cálculo no colédoco(10,15). A Ecoendoscopia e a Colangio-ressonância magnética têm maior acuidade para o diagnóstico de coledocolitíase do que a ecografia; no entanto não estão facilmente Pancreatite litiásica A pancreatite litiásica é mais frequente no sexo feminino (relação de 3:1) e tem um pico de incidência entre os 50 anos e os 60 anos de idade(1,16). Geralmente é desencadeada pela passagem da cálculos pela ampola de Vater para o duodeno ou, mais raramente, pela sua persistência na ampola(17). A litíase vesicular é sugestiva mas não conclusiva de pancreatite litiásica(14). Só numa pequena percentagem de casos de litíase vesicular a migração de pequenos cálculos origina pancreatite aguda(14,16). A incidência não é influenciada pelo número, mas o tamanho inferior a 5 mm aumenta quatro a cinco vezes o risco de desenvolver pancreatite(16). A maioria dos cálculos passa fácil e rápidamente pelo colédoco e causa pancreatite ligeira(15). Os casos de pancreatite litiásica grave complicada por colangite estão frequentemente associados à persistência de cálculos no colédoco(15). 212 Cristina Fonseca e Rui Loureiro acessíveis e o seu papel na selecção de doentes para colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) terapêutica não está completamente estabelecido(14). Pode sobrevir pancreatite no pós operatório, quer de cirurgias em que haja manipulação directa do pâncreas e/ou de estruturas contíguas, quer de cirurgias a órgãos distantes. A exploração do colédoco, a esfincteroplastia, a gastrectomia distal, a cirurgia renal, e a cirurgia cardiovascular, associam-se com frequência a pancreatite(16). Pancreatite alcoólica Na pancreatite alcoólica há um predomínio de doentes jovens (< 40 anos) e do sexo masculino(1). Uma percentagem significativa de casos de pancreatite aguda induzida pelo álcool pode progredir para pancreatite crónica(16). É controverso se os episódios de pancreatite aguda nos alcoólicos correspondem a exacerbações de pancreatite crónica alcoólica ou a episódios recorrentes de pancreatite aguda(2). A maioria dos episódios é causada pelo consumo crónico (em média durante quatro a sete anos) de 150 g/dia de álcool mas a ingestão de 50 g/dia de álcool também pode causar pancreatite(19). A taxa de mortalidade é menor do que a da pancreatite litiásica e da pancreatite idiopática em parte devido ao facto de os doentes serem jovens(8). Pancreatite Metabólica Os doentes com hiperlipidémia de tipo I, IV ou V podem desenvolver pancreatite principalmente se os valores de triglicéridos forem superiores a 1000 mg/dL(9,16). Na pancreatite grave os níveis elevados de triglicéridos podem ser diminuídos por plasmaferese(13). Na pancreatite aguda alcoólica há hipertrigliceridémia transitória mas é desprovida de significado etiológico(16). A hipercalcémia também pode causar pancreatite; no entanto a baixa incidência de pancreatite aguda em doentes com hipercalcémia crónica sugere a existência de outros co-factores na sua génese(20). Pancreatite Idiopática Em 10% a 30% dos doentes não é possível determinar a etiologia da pancreatite aguda pela história clínica e pela avaliação inicial(6). A incidência de pancreatite aguda idiopática depende da meticulosidade da investigação etiológica realizada. Na ausência de litíase e de outras causas conhecidas de pancreatite aguda deve ser excluída a microlitíase (litíase oculta)(2). A microlitíase é a causa de 50 a 70% das pancreatites consideradas idiopáticas(2). A repetição da ecografia aumenta a probabilidade de identificar a microlitíase(4,6) pois pode mostrar lama ou litíase de pequenas dimensões que não foi detectada na primeira ecografia(6). Por vezes a microlitíase só é identificada por ecoendoscopia ou pelo exame microscópico de cristais na bílis colhida por duodenoscopia(4,11). Estes exames devem ser realizados se o episódio de pancreatite recorrer(11) o que se verifica em cerca de metade dos casos(6). Pancreatite Iatrogénica A pancreatite iatrogénica pode ser causada por procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos. A CPRE é o procedimento endoscópico que mais frequentemente se associa a pancreatite, especialmente na presença dos factores expressos no Quadro 5. Após CPRE há uma elevação transitória e assintomática de amilase em 50% dos doentes e pancreatite aguda em 1 a 10%(2). QUADRO 5- FACTORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE PANCREATITE AGUDA PÓS-CPRE Sexo feminino Idade jovem Pequeno diâmetro do colédoco Hipertensão/disfunção do esfíncter de Oddi Realização de Manometria do esfíncter de Oddi Injecção de contraste no ducto pancreático Esfincterotomia 213 PANCREATITE AGUDA A disfunção do esfíncter de Oddi é a causa de 15 a 57% das pancreatites agudas idiopáticas(11). A manometria do esfincter de Oddi é técnicamente difícil, só é realizada nalguns centros, e em 20% dos casos pode provocar pancreatite aguda(6,11). Apesar dos riscos o procedimento é útil pois permite estabelecer o diagnóstico de disfunção do esfincter de Oddi(11); o seu tratamento (por esfincteroplastia cirúrgica ou por esfincterotomia e esfincteroplastia endoscópica) previne novos episódios de pancreatite(2). Por vezes têm que ser investigadas causas raras como a pancreatite infecciosa, a pancreatite autoimune, a pancreatite isquémica, e o pâncreas divisum(11). São suspeitas de ter pancreatite hereditária os doentes com familiares de primeiro ou segundo grau com história de pancreatite, com episódio de pancreatite na juventude, e com episódios recorrentes de pancreatite aguda sem etiologia subjacente. Nos doentes jovens com suspeita de pancreatite hereditária está indicada a análise genética para identificar a mutação do gene do tripsinogénio catiónico, a mutação do gene regulador da condutância transmembranar da fibrose quística (CFTR), e a mutação do inibidor da protease serina Kazal tipo1 (SPINK 1)(4,16,21). A repercussão sistémica é mínima e reversível com fluidoterapia(2). O processo inflamatório é auto-limitado, com resolução espontânea em 3 a 5 dias, e a mortalidade é inferior a 5% (4,22). O doente é internado na enfermaria e, ao contrário da pancreatite grave, não tem indicação para a realização de TC abdominal, suporte nutricional ou antibioterapia profilática(4). Segundo a classificação de Atlanta a pancreatite aguda é grave se tiver um dos critérios apresentados no Quadro 6. QUADRO 6- PANCREATITE AGUDA GRAVE (CRITÉRIOS DE ATLANTA, 1992) Insuficiência de órgão Choque (Pressão Sistólica < 90 mmHg) Insuficiência Respiratória (Pa O2 ≤ 60 mmHg) Insuficiência Renal ( Creatinina sérica > 2 mg/dL) Hemorragia Gastrointestinal (> 500 mL/24H) e/ou Complicações locais Necrose Abcesso Pseudoquisto e/ou Critérios de Prognóstico Desfavorável ≥ 3 critérios de Ranson ≥ 8 pontos na escala APACHE II Na pancreatite grave geralmente há necrose e hemorragia do parênquima associada a extensa necrose da gordura peripancreática(1). Ocasionalmente doentes com pancreatite edematosa podem manifestar características clínicas de episódio grave(4). Os doentes com pancreatite grave devem ser tratados numa unidade de cuidados intensivos com monitorização invasiva contínua(22) e sistemas de suporte adequados(4). A sua evolução é prolongada exigindo internamento superior a 4 semanas e a taxa de mortalidade oscila entre os 30 e 50%. Mais de 95% das mortes por pancreatite aguda ocorrem em doentes com pancreatite grave(4). A discriminação entre pancreatite grave e ligeira deverá ser realizada precocemente 3- Avaliação da Gravidade O curso clínico, o prognóstico e a terapêutica da pancreatite dependem da sua gravidade. Cerca de 80% dos episódios correspondem a pancreatite ligeira e 20% a pancreatite grave(5,22). A gravidade da pancreatite fica estabelecida cedo após o início da dor abdominal e é raro haver progressão de pancreatite ligeira para pancreatite grave(1). Na pancreatite ligeira há edema intersticial da glândula (pancreatite intersticial ou edematosa) e não há alteração da microcirculação nem focos de necrose(23). Nesta forma de pancreatite o risco de complicações locais é práticamente inexistente(7). 214 Cristina Fonseca e Rui Loureiro tendo em conta as implicações quanto ao local de internamento, realização de TC abdominal, indicação para antibioterapia e eventual suporte nutricional(1,4). O diagnóstico de pancreatite grave é evidente se na admissão se verificar disfunção de órgão. Na ausência de disfunção de órgão ou de complicações locais da pancreatite(4) são utilizados sistemas de prognóstico ou indicadores independentes de prognóstico para identificar os doentes com maior probabilidade de apresentar pancreatite grave(1,3). Os doentes com pancreatite grave ou previsivelmente grave podem ser reconhecidos através de : exactidão dos sistemas multifactoriais(2,24). Doentes com mais de 70 anos ou com co-morbilidades associadas têm maior risco de pancreatite grave(2,24). 2- Falência de órgão- O melhor indicador de gravidade é a presença de disfunção de órgão que prognostica mortalidade de 5% a 20%(18). Uma publicação recente que contesta a classificação de Atlanta só considera que a falência de órgão é um indicador de gravidade se persistir mais de 48 horas ou se agravar durante a primeira semana de doença(11). 3- Sistemas preditivos de gravidade Existem vários sistemas de prognóstico, baseados em dados clínicos e laboratoriais, com o objectivo de predizer precocemente a gravidade da pancreatite(3,15). Os mais utilizados na prática clínica são os critérios de Ranson, os critérios de Glasgow, e o sistema APACHE II(21,25). 1- Impressão clínica da gravidade- A avaliação clínica nas primeiras 24 horas da admissão, principalmente do compromisso cardiovascular, respiratório, e renal, é uma forma específica mas pouco sensível de identificar a pancreatite previsivelmente grave (11) pois não reconhece metade dos doentes graves(5,10). No entanto há estudos que consideram que a avaliação clínica realizada por especialista, e principalmente a constatação da deterioração clínica precoce, pode identificar os doentes com pancreatite previsivelmente grave com a mesma Nos critérios de Ranson (Quadro 7) são avaliados 11 parâmetros: cinco na admissão que reflectem a gravidade do processo inflamatório pancreático, e os restantes seis às 48 horas e que traduzem a repercussão sistémica(3). Estes critérios têm as seguintes desvantagens: a sua análise só está completa QUADRO 7- CRITÉRIOS DE RANSON Pancreatite Litiásica Pancreatite Alitiásica Na admissão Na admissão Idade > 70 anos Leucocitos > 18000/ mm3 Glicemia > 200 mg/dL Desidrogenase Láctica > 400 U/L AST > 250 UI/L Idade > 55 anos Leucocitos > 16000/ mm3 Glicemia > 200 mg/dL Desidrogenase Láctica > 350 U/L AST > 250 UI/L Ás 48h Ás 48h Descida do Hematócrito > 10 Aumento da ureia > 2 mg/dL Calcémia < 8 mg/dL Pa O2 < 60 mm Hg Déficit de base > 5 mmol/l Sequestro hidrico > 4 L Descida do Hematócrito > 10 Aumento da ureia > 5 mg/dL Calcémia < 8 mg/dL Pa O2 < 60 mm Hg Déficit de base > 4 mmol/l Sequestro hidrico > 6 L 215 PANCREATITE AGUDA associados a pancreatite grave(21). O seu nível tem correlação com a necrose pancreática sendo também útil para monitorizar a progressão da doença(1,11). O hematócrito, ao contrário da PCR, não é um marcador de inflamação mas reflecte a hemoconcentração por perda significativa de plasma para o peritoneu e espaço retroperitoneal(1,6,7). O hematócrito ≥ 47% na admissão e/ou que não diminui após 24 horas sugere pancreatite grave(15). A conjugação de sistemas e indicadores independentes de prognóstico permite predizer com maior segurança a gravidade de um episódio de pancreatite nas primeiras 48 horas após a entrada na urgência. Nas primeiras 24 horas da admissão valoriza-se: a impressão clínica da gravidade; o índice de massa corporal > 30kg/m2; a presença de derrame pleural no Rx tórax; e o score APACHE II> 8. Às 48 horas são valorizados: a Proteína C reactiva> 150 mg/L, o score de Ranson/Glasgow ≥ 3, e a persistência de falência de órgão(11). Os doentes com pancreatite grave traduzida por disfunção de órgão, ou previsivelmente grave por critérios de prognóstico desfavoráveis, bem como os que não melhoram após 72 h de tratamento de suporte, devem realizar TC abdominal para determinar a gravidade da doença(4,7,11). A extensão da necrose pancreática e peripancreática definida por TC correlaciona-se com a gravidade clínica(11). Para definir, localizar e quantificar a necrose é necessária a administração de contraste endovenoso. O desenvolvimento da necrose pancreática pode demorar até 72h pelo que, se a TC for realizada antes desta altura, a gravidade da doença pode ser subestimada(11). Após este período a sua acuidade diagnóstica aumenta porque há melhor delimitação das zonas de necrose(4). Por este motivo a TC deve ser realizada 3 a 10 dias após o inicio dos sintomas(4,10) excepto se o doente estiver em estado crítico e necessitar de cirurgia de emergência(11). A extensão da necrose e a sua localização têm valor prognóstico(5) pois predizem o ás 48 horas; não permitem avaliar a evolução da doença; e o seu valor preditivo é baixo - a análise do valor preditivo de cada parâmetro na pancreatite grave demonstrou que os únicos paramêtros úteis são os que traduzem disfunção orgânica (insuficiência renal, insuficiência respiratória e choque) e a idade avançada(10). A sua principal utilidade é a de permitir identificar os doentes com pancreatite ligeira. Imrie e colaboradores em Glasgow adaptaram nove critérios de Ranson e desenvolveram os critérios de Glasgow que, ao contrário dos de Ranson, não variam com o factor etiológico da pancreatite(10). Contudo continuam a ser necessárias 48 horas para a sua análise(11) e o seu valor preditivo é baixo(5). O sistema APACHE II devido a sua complexidade é sobretudo usado nos doentes internados em unidade de cuidados intensivos. Pode ser aplicado no dia da admissão mas às 48 horas o seu valor preditivo aumenta e é sobreponível ao valor preditivo dos critérios de Ranson(3). A sua determinação diária avalia também a evolução da doença (4). Um score de Ranson ou Glasgow maior que 3, ou um score APACHE II maior que 8, tem um valor preditivo negativo de cerca de 90% e identifica a maioria dos doentes graves(13). 4- Indicadores independentes de prognóstico- Alguns factores isolados são indicadores de prognóstico grave embora nenhum tenha sensibilidade ou especificidade suficiente para fazer o diagnóstico de pancreatite grave. É o caso do derrame pleural esquerdo(2), do índice de massa corporal > 30kg/m2(2,24), da proteína C reactiva(6,26), e do hematócrito(1,15). A PCR é uma proteína de fase aguda que demora 48 a 72 horas a ser sintetizada no figado(26,27) após a sua indução principalmente pelas citoquinas inflamatórias(2). Ás 48 horas valores de PCR superiores a 150 mg/L estão 216 Cristina Fonseca e Rui Loureiro desenvolvimento de complicações locais como a infecção da necrose(4). A infecção na pancreatite atinge áreas de necrose ou colecções fluidas adjacentes ao pâncreas(13). O risco de infecção da necrose é muito pequeno se a necrose for inferior a 30%, mas aumenta se a necrose for superior a 30%(13). Quanto maior a percentagem de necrose maior é a probabilidade de se infectar após a primeira semana de doença(11,13). A necrose da cabeça tem pior prognóstico do que a necrose do corpo ou da cauda do pâncreas(2,5). O Índice de Gravidade do Estadiamento por TC (IGET) desenvolvido por Balthazar e Ranson tem elevada capacidade para distinguir a pancreatite ligeira da pancreatite grave e tem valor prognóstico(6,9)(Quadro 8). Se a TC tiver grau A, B ou C ou IGET de 0-2 não é necessário efectuar TC de controlo. A resolução da inflamação peripancreática e pancreática na TC é mais lenta do que a recuperação clínica(11). Nestes casos a TC de controlo só está indicada se houver deterioração do estado clínico que sugira o desenvolvimento de complicação abdominal(11). Se o TC inicial tiver grau D ou E ou IGET de 3-10 deve ser feita TC de controlo após 7 a 10 dias se persistir a disfunção de órgão ou se não melhorar o estado clínico(6,11). Nos doentes que recuperam sem complicações aparentes há autores que preconizam TC de controlo antes da alta com o intuito de detectar complicações assintomáticas como o pseudoquisto ou o pseudoaneurisma arterial(11). II. Tratamento Não é utilizada na prática clínica terapêutica direccionada ao processo etiopatogénico da pancreatite aguda(13). Foram testados, sem evidência de benefício clínico, fármacos para inibir a secreção pancreática (octreótido(11), somatostatina(2,5)), para antagonizar as enzimas pancreáticas (antiproteases como a apoproteina e o gabexato)(13) e para antagonizar mediadores inflamatórios (lexipafant) (3,5). Durante o episódio agudo apenas a pancreatite aguda grave litiásica e a pancreatite metabólica associada a hipertrigliceridémia ou hipercalcémia têm terapêutica específica. O tratamento inicial é essencialmente de suporte consistindo, qualquer que seja a gravidade do episódio, na manutenção do equilíbrio hidroelectrolítico, correcção da hipoxémia e analgesia. Adicionalmente na pancreatite grave está indicado o suporte nutricional e a prevenção e tratamento de complicações locais e sistémicas(1,2,3,22). QUADRO 8- INDÍCE DE GRAVIDADE DO ESTADIAMENTO POR TC Grau TC (TC sem contraste) Pontuação A- Pâncreas normal 0 B- Pancreatite Edematosa 1 C- B + alterações peripancreáticas ligeiras 2 D- Alterações peripancreáticas marcadas + 1 colecção fluida 3 E- Múltiplas ou extensas colecções peripancreáticas 4 Presença de Necrose (TC com contraste) Ausente 0 < 30% 2 30 – 50% 4 > 50% 6 Índice de Gravidade por TC = Grau TC + Pontuação de Necrose Complicações Mortalidade 0-3 8% 3% 4-6 35% 6% 7-10 92% 17% 217 PANCREATITE AGUDA Reposição hídro-electrolítica e controlo metabólico: Se a Hb for < 7 g/dL e/ou o Hto< 27% está indicada a transfusão de concentrado de eritrócitos(7). A hipoalbuminémia está associada a maior taxa de mortalidade(1,7); quando os níveis são inferiores a 2g/dL está indicada a administração de albumina(28). Os desequilíbrios electróliticos secundários à perda para o terceiro espaço, por vezes agravada por vómitos e pela drenagem por sonda nasogástrica, devem ser corrigidos(7). Mesmo se o valor da caliémia for normal deve ser administrado KCl no soro. A sua concentração deve ser inferior a 60 mEq/L e o ritmo inferior a 20 mEq/hora(7). A diminuição da calcémia nos primeiros dias indica doença grave(6). Na maioria dos casos a hipocalcémia é secundária à hipoalbuminémia e o valor de cálcio ionizado é normal não sendo necessária qualquer correcção(6,13). Quando o cálcio reage com os ácidos gordos livres produzidos pela lipólise peripancreática precipita na forma de sabões de cálcio(6,7) e o cálcio ionizado diminui. Esta forma de hipocalcémia pode originar irritabilidade neuromuscular, complicações cardíacas(1,6,7,13), e deve ser corrigida pela administração endovenosa de gluconato de cálcio a 10%(7). A hipomagnesiémia, que resulta da saponificação intraperitoneal(1), agrava a hipocalcémia e deve ser corrigida com sulfato de magnésio a 10%(13). É importante um adequado controlo da glicémia. A hiperglicémia resulta da menor secreção de insulina (por disfunção do pâncreas) associada ao aumento da secreção de glucagon, glucocorticóides, e catecolaminas(1,7). Se os níveis de glicose forem superiores a 250 mg/dL é administrada insulina(2). Cedo no curso da doença há hipovolémia por aumento da permeabilidade capilar e transudação de fluido intravascular rico em proteinas para a cavidade peritoneal(1,2,15). A consequente diminuição da pressão de perfusão do pâncreas, se não for corrigida, pode condicionar alteração da microcirculação e subsequente necrose da glândula(15). Se a perda intravascular for significativa, caracterizada pelo sequestro de > 6L de fluido durante as primeiras 48 horas e/ou por hematócrito ≥ 47%, prognostica pancreatite grave(15). Para equilibrar esta perda é essencial uma adequada reposição hídrica que é aferida pela redução do hematócrito para 30-35% nas primeiras 24 horas(2). Não é claro que esta reposição previna a necrose mas pode limitar a sua progressão e pode evitar quer a insuficiência renal quer o choque hipovolémico(3). A maioria dos doentes com doença ligeira necessita de 3 a 4 litros de fluido isotónico nas primeiras 24 horas(13) de forma a manter um débito urinário > 0,5 ml/kg peso(11). Na pancreatite grave a necessidade de reposição hídrica endovenosa pode atingir os 10L/dia nos primeiros dias(13). No choque hipovolémico é administrado de forma rápida 500-1000 ml de soro (cristalóide ou colóide) até à estabilização do doente(7) e posteriormente com taxa de infusão de 35 mL/kg por dia de modo a compensar as necessidades basais de fluido e a perda para o terceiro espaço(2). Deve ser infundido volume suficiente para manter a pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg de forma a melhorar a perfusão de órgãos alvo. Se o choque persistir após a correcção da volémia administra-se vasoconstrictor(24). Nos doentes críticos a medição da pressão venosa central orienta a reposição da volémia; nos casos em que persiste o choque a terapêutica vasoactiva deve ser monitorizada através das variáveis hemodinâmicas avaliadas por cateter de Swan-Ganz(5). Correcção da hipoxémia Em 25% das pancreatites há hipoxémia, sem tradução clínica ou radiológica, que pode evoluir para ARDS, pelo que é mandatório realizar sempre gasimetria arterial(7). Deve ser suplementado oxigénio de forma a manter uma saturação arterial superior a 95%(2). 218 Cristina Fonseca e Rui Loureiro A hipoxémia refractária sugere o estabelecimento de ARDS e a necessidade de ventilação mecânica(13,22). só está indicada nos doentes com antecedentes de patologia péptica ou com critérios de gravidade com o objectivo de prevenir as úlceras de stress(2,7). Os doentes com pancreatite ligeira não necessitam de sonda naso-gástrica. A entubação naso-gástrica com aspiração contínua é útil na pancreatite grave para prevenir a aspiração do conteúdo gástrico, principalmente no caso de vómitos persistentes e/ou íleus(7). Analgesia Para o controlo da dor estão contra-indicados os fármacos espasmolíticos por poderem provocar ou agravar o íleus paralítico(7) bem como os antiinflamatórios não esteróides devido às suas complicações(5). A abordagem farmacológica é realizada de forma gradativa sendo utilizados fármacos analgésicos progressivamente mais potentes. Em primeira linha é feita a administração endovenosa de 2g de metamizol cada 6 h. Se a dor persistir utiliza-se 100 mg de tramadol cada 6h(7). Os opiáceos em bólus ou em infusão contínua controlam a dor que resiste aos analgésicos menos potentes(5). As primeiras doses de narcóticos podem ser dadas de 15 em 15 minutos até haver alívio da dor e posteriormente cada 2 a 3 horas conforme necessário. Não há estudos no homem que suportem a crença que a morfina agrava a pancretite por estimular a contracção do esfíncter de Oddi(2). A pancreatite causa diminuição da secreção pancreática o que reduz o impacto da alteração de pressão no esfíncter de Oddi(13). A petidina não produz espasmo do esfíncter(10) mas está associada a um período mais curto de analgesia e a maior risco convulsivo que a morfina(1). Pode ser utilizada na dose de 100 mg ev cada 6 horas(7). A analgesia regional (via catéter epidural) controlada pelo doente é o método ideal para garantir o contolo da dor intensa e persistente(3,13). A inserção de cateter epidural está contraindicada na presença de alteração da consciência que impeça o seu controlo pelo doente ou de coagulopatia(24). Antibioterapia Profiláctica Na pancreatite ligeira não está indicada a antibioterapia profiláctica(10). Os doentes com pancreatite grave associada a falência precoce de órgão(24) e/ ou com mais de 30% de necrose pancreática, devem fazer antibioterapia profiláctica(4,10). A antibioterapia profiláctica melhora a evolução dos doentes com pancreatite grave: diminui a incidência de necrose pancreática infectada, de sépsis(10), a necessidade de cirugia e a taxa de mortalidade(1,2,10,15,25). O antibiótico deve ser iniciado cedo no curso da doença (25). Os Carbapenems (Imipenem, Meropenem) são superiores à associação de uma quinolona (Ciprofloxacina, Ofloxacina) com Metronidazol ou com Cefuroxime(29). A maioria dos autores opta pelo Imipenem 500mg 8/8 H ev durante um período de 7 a 14 dias(1,2,11). A antibioterapia só é prolongada para além deste período quando é documentada infecção e nesta situação o antibiótico é seleccionado pelo resultado do teste de sensibilidade(11). Não está esclarecido se a antibioterapia profiláctica selecciona o crescimento de cocos Gram positivos (Staphylococcus aureus meticilina resistentes) e fungos (Candida glabrata)(2,24,29). Alguns autores preconizam a adição de profilaxia antifúngica com 400 mg diários de fluconazol endovenoso(1); contudo a sua eficácia ainda não foi demonstrada em estudos prospectivos(21, 29). Outras medidas de suporte Na pancreatite a administração de antagonistas H2 ou inibidores da bomba de protões 219 PANCREATITE AGUDA A descontaminação intestinal selectiva, com o intuito de eliminar os patogénos da flora intestinal e reduzir a translocação bacteriana(o principal mecanismo de infecção da necrose pancreática), foi considerada uma estratégia alternativa à antibioterapia sistémica. No entanto não é utilizada na prática clínica devido à sua administração complexa(sulfato de colistina, anfotericina B e norfloxacina, por via oral e rectal, e associados a cefotaxime EV), elevado custo, e inexistência de eficácia adicional relativamente à antibioterapia sistémica(10,24). nutrição entérica (NE), independentemente da forma de administração, agravava a evolução da doença(2). A NE, no pâncreas normal, estimula a síntese e libertação de enzimas proteolíticas(24), facto que não foi demonstrado no pâncreas necrótico(10). Um estudo experimental na pancreatite mostrou que a NE, especialmente quando administrada no jejuno, não estimula a secreção entero-hormonal nem a secreção de suco pancreático ou a síntese e libertação de enzimas proteolíticas(24). A NPT compromete a função imunológica do intestino(25). A ausência de nutrientes no lúmen intestinal provoca atrofia da mucosa o que facilita a translocação bacteriana para as áreas de necrose pancreática(25) e estimula a resposta inflamatória sistémica(11). A NPT só está indicada quando existe contraindicação para a utilização da via entérica por persistência de íleus durante mais de cinco dias ou por impossibilidade de colocar sonda nasojejunal(10,11). Em geral os doentes necessitam 8.000-10.000 kilojoules/dia: 50-60% de glicose, 15-20% de proteínas, e 20-30% de lípidos(2). Os lípidos devem ser excluídos da NPT se os trigliceridémia forem superior a 500 mg/dL(3). Nutrição Após pausa alimentar os doentes com pancreatite ligeira iniciam a alimentação oral quando a dor desaparece, reaparece o peristaltismo intestinal, e o valor de amilase sérica é inferior a duas vezes o valor normal, o que geralmente se verifica após o 3º dia de doença(7). Na dieta inicial deverá haver um predomínio de hidratos de carbono por estimularem menos a secreção pancreática do que a gordura e as proteínas(3). O suporte nutricional, preferencialmente usando o tubo digestivo, só deve ser instituído quando for previsível a necessidade de jejum durante mais de 5 a 7 dias(5,10). Na pancreatite grave geralmente não é instituída alimentação oral durante pelo menos 7 a 10 dias(3). O stress físico originado pela resposta inflamatória sistémica(15) provoca um estado catabólico que leva à deterioração nutricional e à rápida perda de peso, de gordura, e de proteínas(2). O suporte nutricional deve ser iniciado precocemente(5) porque a mortalidade aumenta quando o balanço nitrogenado é negativo(24). Os doentes com maior necessidade de suporte nutricional são os que têm falência de órgão(23), desnutrição, que foram submetidos a cirurgia ou que estão infectados(5). Durante algum tempo esteve indicada a nutrição parentérica total (NPT) por permitir “o repouso pancreático”(24). Pensava-se que a Nos doentes com pancreatite grave a melhor forma de suporte nutricional é a nutrição entérica (NE) habitualmente por sonda naso-jejunal(11); esta sonda é colocada sob controlo endoscópico ou fluoroscópico no terceiro ou quarto dia da doença. O suporte é iniciado com dieta semi-elementar e, se tolerada, progride-se para fórmula polimérica(2). Na maioria dos estudos realizados foi usada a via nasojejunal por não provocar estimulação pancreática significativa no pâncreas normal(21). Estudos recentes mostram que a via nasogástrica parece ser segura pois não provoca agravamento clínico ou bioquímico da pancreatite grave(24). A NE, mesmo em quantidade insuficiente para assegurar o suporte nutricional, preserva a integridade da mucosa intestinal(24,25). Os benefícios da NE vs NPT são: a atenuação da 220 Cristina Fonseca e Rui Loureiro resposta inflamatória sistémica, a diminuição dos marcadores de resposta inflamatória de fase aguda, dos pontos do índice APACHE II, da incidência de infecções e de necrose pancreática infectada, da necessidade de cirurgia, do tempo de internamento e da mortalidade. Também é mais segura e barata(1,10,15,24,25). Nos casos em que se desenvolvem complicações locais (colecções líquidas, pseudoquisto, necrose infectada) a colecistectomia é adiada. Se estas complicações forem passíveis de resolução espontânea (caso do pseudoquisto e das colecções líquidas) a colecistectomia é realizada após o seu desaparecimento. No caso de ser necessária intervenção cirúrgica (quer precoce no caso de necrose infectada, quer tardia no caso de pseudoquisto que não resolve) a colecistectomia é realizada nesse tempo cirúrgico(4). Tratamento etiológico Em cerca de 29 a 63% dos doentes com pancreatite litiásica ocorrem novos episódios de pancreatite se não for realizado o tratamento definitivo da coledocolitíase pela colecistectomia e eventual desobstrução do ducto biliar principal(22). Nos doentes idosos ou naqueles sem condições cirúrgicas, a alternativa à colecistectomia é a esfincteroctomia endoscópica (ETE) electiva (22). Nestas circunstâncias persiste o risco de colecistite(2). A CPRE com ETE também está indicada na pancreatite litíasica na grávida (em que a colecistectomia está contraindicada) e no doente colecistectomizado(4,18). A colecistectomia deve ser realizada após a resolução do episódio de pancreatite e antes da alta. A gravidade do episódio determina o momento da intervenção(2). III. Detecção e tratamento das complicações O curso clínico da pancreatite grave tem duas fases: a fase tóxica precoce (nas primeiras 2 semanas), caracterizada por complicações sistémicas relacionadas com a síndrome de resposta inflamatória sistémica, e a fase tardia (após a 2ª semana), associada a complicações locais e suas consequências (Quadro 9). Fase Precoce A fase precoce é causada pela libertação na circulação de enzimas pancreáticas activadas e mediadores pró-inflamatórios (citoquinas, interleuquinas e prostaglandinas)(10). A síndrome de resposta inflamatória sistémica pode originar complicações sistémicas com disfunção de órgão; as mais frequentes são as do pulmão e do rim e estão associadas a aumento da mortalidade(13). A maioria dos doentes com disfunção de órgão tem necrose pancreática na TC abdominal(22,24). Há falência de órgão em aproximadamente 30% dos doentes com pancreatite grave(13). Cerca de 2% dos doentes com pancreatite grave têm “Pancreatite aguda Fulminante” caracterizada pela síndrome de disfunção multiorgânica (MODS) precoce que ocorre até as 72 horas do início da doença. Manifesta-se pela rápida progressão da disfunção de órgão sob tratamento na Unidade de Cuidados Intensivos, e é causada por extensa necrose pancreática não infectada(24). Pancreatite Ligeira - a colecistectomia, associada a colangiografia per-operatória para excluir coledocolitíase(11), é programada até ao 14ª dia e não deve ser adiada mais do que 28 dias(1,4). Pancreatite Grave - nos doentes com pancreatite grave com suspeita ou confirmação de etiologia litiásica, bem como naqueles com colangite, icterícia, ou dilatação do colédoco, deverá ser realizada CPRE com ETE urgente preferenciamente nas primeiras 72h(11). A ETE está sempre indicada mesmo nos casos em que não se encontra cálculo no colédoco(4,11,18). Na ausência de complicações a colecistectomia é realizada após melhoria clínica(11,22). 221 PANCREATITE AGUDA QUADRO 9- COMPLICAÇÕES DA PANCREATITE AGUDA Complicações Sistémicas Pulmonares Cardiovasculares Metabólicas Hematológicas Gastrointestinais Renais Neurológicas Cutâneas Hipoxémia, Insuficiência respiratória, ARDS, Derrame pleural, Quilotórax, Atelectasias, Abcesso mediastínico Hipotensão, Choque, Insuficiência cardiaca, Derrame pericárdico, Alterações ST e T simulando Enfarte do miocárdico, Arritmias Hiperglicémia, Cetoacidose diabética, Hipocalcémia, Hipertrigliceridémia Coagulação intravascular disseminada, Trombose vascular Úlcera de stress, Úlcera péptica, Íleus, Rotura de varizes esofágicas Insuficiência renal aguda, Hidronefrose Encefalopatia pancreática, Convulsões, Psicose, Retinopatia de Purtscher Nódulos subcutâneos Complicações Locais Pancreáticas Retroperitoneais Necrose infectada, Pseudoquisto, Abcesso, Ascite pancreática Abcesso, Hemorragia Na fase tóxica a necrose é habitualmente estéril e o tratamento é conservador(23). O tratamento cirúrgico, apesar de controverso, pode ser equacionado quando existe necrose pancreática extensa (≥50%) e/ou agravamento (durante 3-5 dias) ou persistência (superior a 10-14 dias) da disfunção de órgão(24). A necrosectomia deve ser adiada, se o estado clínico do doente o permitir, pelo menos 3 semanas(3,21,24); nesta altura já não há toxicidade sistémica, o tecido necrótico está bem demarcado minimizando a perda de tecido vital, e o risco de complicações hemorrágicas intra-operatórias é menor(3,22,24). As manifestações sistémicas da pancreatite aguda grave podem atingir diversos órgãos (Quadro 9). Algumas, apesar de raras, merecem destaque especial: a retinopatia de Purtscher, a paniculite e a encefalopatia pancreática. A retinopatia de Purtscher é causada pela trombose da artéria posterior da retina e traduz-se na fundoscopia por exsudados algodonosos. Manifesta-se por perda súbita de visão que, habitualmente, regride(2,30). As manifestações neurológicas da pancreatite têm frequentemente origem na síndrome de privação alcoólica. A encefalopatia pancreática designa uma entidade clínica independente, sem relação com a ingestão alcoólica, associada a níveis elevados de lipase no liquor(31). Na paniculite (necrose do tecido celular subcutâneo) observam-se nódulos cutâneos avermelhados, dolorosos, preferencialmente nas pernas junto às articulações e pontos de pressão, que se podem confundir com o eritema nodoso(1,2,6,7). Apesar de nesta fase haver um predomínio de complicações sistémicas, em 30 a 50% dos casos desenvolvem-se nas primeiras 48 horas de doença(32) colecções fluidas agudas no pâncreas (4). Estas colecções de suco pancreático não têm parede(33) e estão localizadas no pâncreas ou na sua periferia, podendo estender-se para os espaços pararenais e cavidade posterior dos epiplons(23). A TC abdominal mostra áreas hipodensas sem parede definida. Metade das colecções resolve espontaneamente nas primeiras 4 semanas(2). As restantes evoluem para pseudoquisto pancreático(2); só têm indicação para drenagem quando sintomáticas (com dor ou obstrução mecânica) ou na suspeita de estarem infectadas(4). 222 Cristina Fonseca e Rui Loureiro QUADRO 10- AGENTES ISOLADOS NA NECROSE Fase Tardia A fase tardia é caracterizada por complicações locais como a necrose infectada, o pseudoquisto, o abcesso pancreático, e pela falência multiorgânica associada a infecção (10,22,24,33). Nesta fase a necrose pancreática já se encontra organizada(32) numa colecção bem definida de tecido necrótico e fluido rodeada por uma cápsula fibrosa (necrose pancreática organizada)(23). Pode ser erradamente interpretada como pseudoquisto. Se for confundida com o pseudoquisto e for drenada pelas técnicas habituais o tecido necrótico sólido não é removido e pode infectar(32). A RMN abdominal diferencia esta colecção do pseudoquisto porque distingue o liquido do tecido necrótico(11). A maioria das infecções pancreáticas ocorre nesta fase(3). No tecido necrótico há marcada alteração dos mecanismos de defesa do hospedeiro o que o torna muito vulnerável à infecção(24). O risco de infecção aumenta com a duração da doença e com a extensão da necrose pancreática(11,15,24); atinge 25% dos doentes na 1ª semana e 70% na 3ª semana(24). PANCREÁTICA INFECTADA Agentes Frequência Bacilos Gram negativos 50 – 70% Enterobacteriaceae (Escherichia coli, Klebsiella spp., Proteus spp.) Pseudomonas aeruginosa Cocos Gram positivos 20 – 40% Staphylococus aureus, Staphylococus coagulase negativos, Enterococcus spp. Anaeróbios Bacteroides spp. Fungos Candida spp. ≤ 10% 10 – 40% A infecção da necrose pancreática é o maior factor de risco para a insuficiência de órgão associada à sepsis(22). Alguns factores sugerem a existência de necrose infectada(5,10,22,24,25) (Quadro 11). QUADRO 11- SUSPEITA DE NECROSE PANCREÁTICA INFECTADA Disfunção de órgão que persiste após o 7-10º dia Deterioração clínica entre a 2ª e 4ª semana com: Instabilidade hemodinâmica Reaparecimento ou aumento da dor Agravamento do Íleus Sinais de irritação peritoneal Febre Elevação dos parâmetros inflamatórios (PCR > 180 Necrose infectada A infecção do tecido necrosado por bactérias ou fungos é a complicação local mais grave com taxa de mortalidade de 40%(11,24). A disseminação dos patogéneos para o tecido necrótico faz-se através de translocação de bactérias intestinais, pela via biliar, e pela via hematogénea(10). A translocação de bactérias do cólon(3) para o tecido necrótico é o principal mecanismo de infecção o que explica o espectro de bactérias encontradas (Quadro 10)(10), predominando os Gram negativos de origem entérica. É provável que muitos dos staphylococci isolados do tecido pancreático resultem de disseminação hematogénea ou que tenham sido introduzidos por procedimentos invasivos(24). mg/dL, leucocitose) Disfunção de órgão de novo Aumento da pontuação APACHE II Hemoculturas positivas Identificação de gás no interior de áreas necróticas Especialmente se associados a necrose de > 30% do pâncreas Os dados clínicos e analíticos não são suficientemente sensíveis ou específicos para estabelecer o diagnóstico de infecção(10). A ausência de melhoria clínica após a primeira semana e/ou a falência de órgão podem ser provocadas pela necrose estéril grave ou pela necrose infectada do pâncreas. Em ambas as situações pode haver leucocitose marcada (> 20.000/mm3) e febre(3). 223 PANCREATITE AGUDA Na suspeita de infecção, quer da necrose pancreática, quer de colecções fluidas peripancreáticas, deve ser realizada punção aspirativa com agulha fina(10,11) e exame microbiológico do material colhido (exame directo e cultural com pesquisa de fungos)(3). A identificação de microorganismos no exame directo e/ou cultural confirma o diagnóstico(5). A punção é segura e tem sensibilidade e especificidade superior a 90% para diagnosticar a necrose infectada(25) sendo habitualmente realizada 7 a 14 dias após o início da pancreatite(11). Os doentes com pancreatite necrosante e com sépsis grave necessitam de desbridamento cirúrgico emergente e, nestas circunstâncias, pode ser dispensada a realização prévia de punção aspirativa(11). O tratamento da necrose infectada é o desbridamento cirúrgico dependendo a escolha da técnica de necrosectomia da experiência local(11). Habitualmente são necessárias várias sessões para remover a totalidade de tecido necrótico infectado. Foram consideradas outras opções terapêuticas como o tratamento médico com Imipenem e/ou a drenagem radiológica ou endoscópica(23). Se o material infectado estiver suficientemente liquefeito a drenagem através da colocação percutânea de vários catéteres de grande calibre (sob controlo imagiológico) pode constituir uma alternativa válida ao desbridamento cirúrgico. Apesar de alguns autores terem apresentado resultados animadores com este modo de drenagem a sua aplicação por rotina não está recomendada(22). A cirurgia deve ser realizada o mais cedo possível porque a remoção do foco séptico é fundamental para resolver a síndrome de disfunção multiorgânica. Por vezes há sobreposição das duas fases evolutivas da pancreatite e a necrose pancreática torna-se infectada na fase precoce(24). cos e/ou sangue, rodeada por uma parede bem definida(34) de tecido de granulação ou de tecido fibroso(32). Só após a formação da parede, que demora pelo menos 4 semanas desde o início da doença, o quisto é considerado maduro e passível de ser drenado(3,32). Surge em 4 % das pancreatites(1) sendo a localização mais frequente no corpo e cauda do pâncreas(2). Pode ser assintomático, provocar dor abdominal ou causar sintomas compressivos(32). O pseudoquisto pode comprimir várias estruturas : o duodeno ou o estômago causando naúseas e saciedade precoce, o ducto biliar produzindo obstrução biliar, ou as veias mesentéricas(2,13). Para além das complicações associadas à compressão o pseudoquisto pode infectar, pode romper para a cavidade peritoneal produzindo ascite pancreática, e pode ser causa de hemorragia por rotura de pseudoaneurisma da parede(13,32). O diagnóstico é feito preferencialmente por TC com contraste(2). Este exame identifica o pseudoquisto, detecta o pseudoaneurisma arterial interno, e mostra com exatidão as suas relações com as estruturas circundantes(2). Até 85% dos pseudoquistos agudos resolvem espontaneamente em 4 a 6 semanas, principalmente se tiverem < 5 cm de diâmetro(32). Pseudoquistos, independentemente do seu tamanho, que permaneçam assintomáticos não necessitam de tratamento(3). Reserva-se a drenagem para quistos que estejam a aumentar de dimensões, a causar sintomas, ou que estejam infectados(32). A opção pelo método de drenagem (cirúrgica, percutânea ou endoscópica) é feita considerando a gravidade da doença, a preferência do doente, e a experiência local(32). Abcesso Pancreático O abcesso pancreático é uma colecção circunscrita de pús no abdómen, geralmente na proximidade do pâncreas, com escassa ou nenhuma quantidade de necrose pancreática. Alguns abcessos contêm gás(2,3). Apesar da sua Pseudoquisto O pseudoquisto é uma colecção de fluido pancreático em geral puro, mas que pode conter pequena quantidade de restos necróti224 Cristina Fonseca e Rui Loureiro fisiopatologia não estar completamente esclarecida o abcesso pode resultar da infecção secundária do pseudoquisto pancreático ou da liquefação de necrose pancreática infectada(3). Ocorre em 5 a 9% das pancreatites necrosantes e desenvolve-se tardiamente geralmente após a 4ª semana de evolução(32). Manifesta-se pelo reaparecimento de dor abdominal, febre, elevação dos parâmetros inflamatórios, ou sépsis(32). Pode ser detectado por ecografia e/ou TC. A TC é o melhor método para sugerir o diagnóstico se documentar gás no interior da colecção. Também é o melhor método para detectar complicações associadas nomeadamente fístulas para o tubo digestivo, trombose venosa, e pseudoaneurisma arterial(2). O diagnóstico é confirmado pela identificação do agente etiológico no conteúdo obtido por aspiração percutânea com agulha fina(32). A taxa de infecção polimicrobiana no abcesso é maior do que na necrose infectada(10). As opções para drenar o abcesso são as mesmas do pseudoquisto sendo a mais utilizada a drenagem percutânea guiada por ecografia ou TC(2). A abordagem cirúrgica é reservada para os casos em que a drenagem percutânea é ineficaz . Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Baker S. Diagnosis and management of acute pancreatitis. Critical Care and Resuscitation 2004; 6:17-27. Toouli J, Smith BM, Bassi C, Locke CD, Telford J, Freeny P, Imrie C, Tandon R. Guidelines for the management of acute pancreatitis. Journal of Gastroenterology and Hepatology 2002; 17: S15-S39. Banks AP. Practice guidelines in acute pancreatitis. Am J of Gastroenterol 1997; 92: 377-386. BSG Working party. United Kingdom guidelines for the management of acute pancreatitis. Gut 1998; 42: S1-S 23. 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