Apresentação feita pelo presidente do CES

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Apresentação feita pelo presidente do CES
SEMINÁRIO SOBRE
O FUTURO DOS SERVIÇOS SOCIAIS DE INTERESSE GERAL E OS DESAFIOS NAS
CONVENÇÕES COLECTIVAS NA UNIÃO EUROPEIA
(organizado pelo Conselho Económico e Social de Portugal)
Lisboa, Sala do Senado da Assembleia da República, 1 de Abril de 2011
José Albino da Silva Peneda
Presidente
O seminário de hoje foca dois temas que, na minha opinião, reflectem
uma das maiores tensões actuais no seio da União Europeia e que se
relaciona com a dualidade entre a integração dos mercados e os
objectivos sociais da União.
Estas tensões resultam da evolução legislativa na União, já que o Tratado
de Lisboa introduziu formalmente o objectivo de alcançar uma “economia
social de mercado altamente competitiva”, mas reflectem, sobretudo, o
impacto da crise económica e das enormes pressões orçamentais vividas
em vários Estados-Membros, nomeadamente Portugal.
Nesta minha primeira intervenção farei uma curta introdução
relativamente a ambos os temas e gostaria de começar pelo “Futuro dos
Serviços Sociais de Interesse Geral”.
1
Assembleia da República - Sala do Senado, 1 de Abril de 2011
1. O Futuro dos “Serviços Sociais de Interesse Geral”
Os “Serviços Sociais de Interesse Geral” abarcam designadamente os
serviços e cuidados de saúde, assistência social, formação profissional e
serviços de emprego, habitação social, escolaridade obrigatória e
infantários.
Trata-se assim de serviços universais, directamente prestados ao cidadão,
que desempenham um papel preventivo com vista à inclusão e coesão
social e concretizam alguns dos mais importantes direitos sociais
fundamentais dos cidadãos.
Em jeito de resenha do que a nível europeu se passou de mais relevante
neste âmbito, nos últimos anos, quero destacar o amplo debate político
que se tem vindo a gerar desde 2003, altura em que se começou a
preparar a “Directiva Europeia dos Serviços”1.
Depois de alguma controvérsia, esta directiva acabou por excluir os
serviços sociais e económicos2 de interesse geral, não tendo estes ficado
sujeitos à legislação europeia de concorrência.
1
Antes de ser denominada “Directiva dos Serviços” este acto legislativo foi conhecido
como “Directiva Bolkestein”, nome do Comissário de então responsável pelo Mercado
Interno. O Sr. Frederik Bolkestein é afecto ao partido liberal holandês que faz parte da
família política dos liberais europeus, ALDE.
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Os serviços de interesse geral económicos incluem os serviços de energia,
comunicações, postais, transportes etc.
2
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Em 2007, o então eurodeputado e meu colega e amigo Hasse Ferreira, que
muito nos honra hoje com a sua presença, redigiu, no Parlamento
Europeu, o relatório acerca dos “Serviços Sociais de Interesse Geral”, que
mereceu um amplo consenso entre os parlamentares europeus.
Desde esse ano, contudo, tiveram lugar na Europa e em Portugal grandes
mudanças com impactos dramáticos nas nossas populações.
As pressões orçamentais geradas pela crise económica europeia, agravada
no nosso país por uma gravíssima crise de dívida soberana, está a gerar
uma grande tensão relativamente ao financiamento dos “Serviços Sociais
de Interesse Geral”.
Por outro lado, os elevados níveis de desemprego e de pobreza que se
vivem um pouco por toda a Europa, sendo mais graves nuns países do que
noutros, levaram ao aumento da procura por estes serviços.
Isto gerou pressões adicionais sobre o Modelo Social Europeu, para além
daquelas que já existiam e que se relacionavam sobretudo com a evolução
demográfica.
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Foi neste contexto que, no início de Março deste ano3, o eurodeputado
Proinsias De Rossa, apresentou o seu projecto de relatório sobre “O
Futuro dos Serviços Sociais de Interesse Geral” que se espera seja
aprovado em Plenário do Parlamento Europeu, no próximo mês de Junho.
Uma palavra especial que quero deixar registada ao Deputado Proinsas De
Rossa, que infelizmente não pode estar aqui hoje connosco e que comigo
foi co-relator do relatório sobre o Modelo Social Europeu, aprovado em
2007, em que se apontam algumas linhas sobre a necessidade da revisão
desse modelo, adaptando-o às realidades do tempo que vivemos mas
nunca abdicando dos valores que estão na sua génese.
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Caros Amigos,
Este é o momento para insistir naquilo que o Parlamento Europeu decidiu
em Setembro de 2006.
Há
que
repensar
o
Modelo
Social
Europeu
preservando
incondicionalmente os valores que estão na sua génese e salvando-o de
danos irreparáveis.
3
O prazo para propostas de alteração pelos restantes eurodeputados terminou no
passado dia 23 de Março de 2011.
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No relatório sobre o Modelo Social Europeu, no que respeita aos Serviços
de Interesse Geral (SIG) e Serviços de Interesse Económico Geral (SIEG)
ficou expresso o seguinte:
“Os SIG e os SIEG constituem uma componente essencial do Modelo Social
Europeu e são fundamentais para o acesso universal aos cuidados e
saúde, à educação, aos transportes públicos e ao abastecimento de água e
de energia; considera-se essencial que, na reforma dos sistemas sociais da
União Europeia, os SIG e os SIEG sejam respeitados, atendendo ao papel
fundamental que desempenham não só no que respeita à melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos, mas também, a maximizar a eficiência das
empresas e o seu acesso a uma mão-de-obra de qualidade”.
O potencial político do Tratado de Lisboa e a actual situação de
emergência nacional, e diria até que Europeia, podem ser utilizados da
melhor forma com vista à renovação dos ”Serviços Sociais de Interesse
Geral” que são um pilar crucial do nosso Modelo Social.
E é também fundamental repensar o modelo do seu financiamento e
reorganização com vista à sua sustentabilidade, qualidade e acesso
universal.
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A contribuição a nível económico e de criação de emprego dos serviços de
interesse geral não é de todo de menosprezar. Há estudos4 que estimam
que este sector representa 26% (2.412 mil milhões de euros) do PIB da
União Europeia e emprega 64 milhões de pessoas, um terço das quais nos
serviços sociais e de saúde.
Recordo que nos Estados Unidos, o sector que mais cria emprego, a seguir
ao sector da segurança é o sector ligado aos serviços sociais de interesse
geral.
Quanto a ideias para o financiamento do nosso Modelo Social elas
existem.
Destaco uma dessas ideias, protagonizada pela ilustre Presidente da
Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu,
Madame Pervenche Berès, que temos a honra de ter hoje aqui connosco.
Madame Berès afirma, num relatório do Parlamento Europeu, de que é
autora, que um imposto europeu não superior a 0,5% sobre as
transacções financeiras, permitiria angariar 200 mil milhões de euros
anuais.
4
CEEP: Mapping of the Public services [Levantamento dos serviços públicos]:
http://www.ceep.eu/images/stories/pdf/Mapping/CEEP_mapping%20experts%20repo
rt.pdf
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Há ainda outros aspectos que merecem reflexão urgente e que se
prendem com a necessidade de segurança jurídica relativamente ao
enquadramento regulamentar aplicável a estes serviços bem como aos
limites legais para a sua abertura à concorrência.
As autoridades públicas que se dedicam à prestação dos “Serviços Sociais
de Interesse Geral” necessitam de uma base legal clara sendo que, neste
momento, o Tribunal de Justiça se depara com a tarefa de dirimir litígios
caso a caso.
De facto, continua a ser tema de debate actual a exacta interacção entre
as normas da União Europeia relativamente a estes Serviços bem como a
margem de manobra das autoridades nacionais e locais.
Se por um lado, o Tratado de Lisboa5 reconhece os “Serviços de Interesse
Económico Geral” como parte intrínseca do Modelo Social Europeu, por
outro, o mesmo Tratado, afirma que devem ser respeitadas as
competências dos Estados-Membros para prestar e financiar estes
serviços.
Adicionalmente, o protocolo6 anexo ao Tratado, enuncia a elevada
qualidade, segurança, acessibilidade de preços, igualdade de tratamento e
acesso universal relativamente a estes Serviços e a Carta dos Direitos
5
6
TFUE, artigo 14.
Protocolo nº 26.
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Fundamentais7, que tem a mesma força jurídica dos Tratados, reconhece
o direito de acesso a serviços sociais.
Outra questão que suscita preocupação relaciona-se com a aplicação dos
encargos administrativos em matéria de contratação pública no âmbito da
União a associações de voluntariado e da economia social, com poucos
recursos ou estruturas de gestão, e que prestam estes Serviços.
O desafio que temos pela frente consiste em definir um enquadramento
seguro mas flexível para os “Serviços Sociais de Interesse Geral” de forma
a assegurar que os objectivos sociais da União são suportados e não
impedidos por regras estritas que devem enfocar outros sectores.
2. Os Desafios nas Convenções Colectivas na União Europeia
Relativamente ao segundo tema que se prende com os “Desafios nas
Convenções Colectivas na União Europeia” gostaria de dizer o seguinte:
As decisões do Tribunal de Justiça Europeu relativamente aos casos
“Laval”, “Viking”, “Rüffert” e “Luxemburgo” trouxeram à luz linhas de
divisão, que alguns consideram fracturantes, entre o mercado único e a
dimensão social da União.
7
Artigo 34.
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Numa União Europeia, cujas diferenças nas condições sociais e de
emprego são marcantes, é legítimo o receio de que, na inexistência de um
equilíbrio claro entre liberdade de prestação de serviços e direitos
fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente o direito à greve, estes
últimos possam estar comprometidos.
De facto, o actual enquadramento regulamentar relativo ao destacamento
de
trabalhadores
para
outro
Estado-Membro
enfrenta
vários
constrangimentos que ganham ainda mais relevo nestas condições.
O que está em causa é como compatibilizar o direito de acção colectiva
dos trabalhadores no mercado único com as liberdades económicas.
A clarificação deste equilíbrio ainda não existe no direito primário e, prova
disso, é que os litígios que surgem no âmbito do destacamento de
trabalhadores, nomeadamente a nível de salários e de condições de
trabalho, continuam a ser decididos caso a caso pelo Tribunal de Justiça.
Trata-se contudo de um exercício delicado no qual têm de ser
contrabalançadas as diferentes posições dos Parceiros Sociais.
Tal como disse no início da minha intervenção, o Tratado de Lisboa
determina expressamente que a “economia social de mercado” é um
objectivo da União e torna a Carta dos Direitos Fundamentais vinculativa.
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No seu relatório de Maio de 2010, intitulado “Nova Estratégia para o
Mercado Único”, o ex comissário Mário Monti, recomendava uma
abordagem que garantisse que os sindicatos e os trabalhadores possam
defender os seus interesses e protejam os seus direitos de exercer uma
acção colectiva sem serem indevidamente limitados pelas regras do
mercado único, mas também sem que estas acções possam prejudicar o
seu bom funcionamento.
Uma via possível para a clarificação do actual enquadramento
regulamentar poderá incluir a facilitação do acesso à informação sobre
direitos e obrigações, tanto de trabalhadores como das empresas, e o
reforço da cooperação entre as administrações nacionais com vista à
repressão de incumprimentos.
Mas é óbvio que há posições divergentes quanto ao caminho a tomar: a
Comissão Europeia e os representantes empresariais não julgam ser
necessária uma revisão do actual enquadramento regulamentar e os
sindicatos têm uma posição contrária reivindicando uma revisão urgente.
Na perspectiva dos representantes dos trabalhadores a nível europeu, em
particular a ETUC, as quatro liberdades do mercado único devem ser
implementadas no enquadramento dos direitos fundamentais entre os
quais o direito à negociação colectiva inclui necessariamente o direito à
greve.
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Por outro lado, os representantes empresariais, nomeadamente a
Businesseurope, sugerem que seja alcançado um equilíbrio entre a
liberdade de prestação de serviços, a necessidade de garantia de
concorrência leal e uma adequada protecção dos trabalhadores
destacados. Segundo estes representantes, esta protecção pode incluir as
regras
básicas
do
país
que
recebe
o
trabalhador
destacado,
nomeadamente no que diz respeito a pagamento mínimo ao trabalhador,
sem a imposição de todo o enquadramento regulamentar desse país.
Antes de terminar não quero deixar de me referir à situação do meu país.
Portugal vive um momento muito difícil e não se pode dissociar o
problema da economia portuguesa sem atender ao facto de estarmos
inseridos no espaço do euro.
Apesar de reconhecer o caminho que, durante o último ano, foi percorrido
pelas instâncias europeias, no sentido de reformar mecanismos de
supervisão, de coordenação económica e de prevenção para situações de
crise, continuo a pensar que os problemas de fundo continuam por
resolver.
Desde há muito que tenho a opinião que não é possível manter por muito
tempo a moeda única num espaço geográfico onde não haja coesão
económica.
A busca dessa coesão não pode assentar quase exclusivamente nas
políticas orçamentais.
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Por exemplo, é fundamental que haja a possibilidade de avançar com
políticas anti-cíclicas, ou que contenham elementos de discriminação
positiva, especialmente em países que sofrem de recessão económica.
Como também se torna imprescindível a existência de uma única entidade
emitente de dívida pública para toda a zona euro, de modo a que o valor
das taxas de juro a pagar seja o mesmo para todo esse espaço. Como
ainda se torna necessário um verdadeiro orçamento europeu que, de
facto, não existe.
Eu sei que este tipo de reformas tem grandes implicações institucionais na
organização da zona euro e terá de passar por soluções de natureza mais
federalista, mas essa evolução não será mais do que a consequência lógica
da criação da moeda única.
Mais cedo do que tarde a Europa terá de encarar esta realidade. Se a
vontade política for a de segurar o euro, estas reformas são inevitáveis e
teremos um caminho mais aberto para poder conciliar aquilo que hoje
parece impossível, ou seja, consolidação orçamental com crescimento
económico.
Espero que esta minha intervenção vos tenha agudizado o apetite para o
debate que vamos ter oportunidade de travar durante esta manhã.
Muito obrigado
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