Especial - O Nacional 87 anos
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Especial - O Nacional 87 anos
(Foto: amanda sCharr/on) Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Suplemento Especial - Não pode ser vendido separadamente Gênero: Reportagem Tema: Meio Ambiente Edição: 87 anos do Jornal O Nacional 2 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 87 anos conectado com o mundo Nada melhor do que chegar aos 87 anos com a vitalidade de um jovem de 20. É assim que se sente o Jornal O Nacional: um jovem jornal de 87 anos, absolutamente conectado com as transformações tecnológicas do mundo moderno. A data de aniversário de ON, 19 de junho, é sempre um desafio para a equipe que produz o jornal diariamente. O que fazer para marcar este dia tão especial para todos nós? A opção foi pela grande reportagem. Sim, este é o nosso papel: pesquisar, vivenciar, revelar, ouvir, promover o debate, registrar a história, aprofundar. O tema Meio Ambiente nasceu da ideia de se mostrar a realidade de muitas pessoas que vivem do nosso lixo e dos projetos de sustentabilidade. Também está relacionado ao mês onde se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente e se encaixa entre os dias onde o mundo se encontra na Rio + 20. Durante dois meses, as repórteres Natália Fávero e Amanda SchArr mergulharam neste tema que envolve produção de lixo, descarte, separação, projetos de sustentabilidade. O talento da produção infográfica e da edição de vídeos de Marcus Freitas complementa o trabalho. Para comemorar os 87 anos de O Nacional, uma grande reportagem que pode ser acessada pelo meio impresso e também virtual. Estamos conectados. Zulmara Colussi Editora www.onacional.com.br Confira no site mais fotos e vídeos. Diretor Presidente: Múcio de Castro Filho Diretor Executivo: Múcio de Castro Neto Editora Chefe: Zulmara Colussi Múcio de Castro 1915 1981 Conselho Editorial Múcio de Castro Filho Clarice Martins da Fonseca de Castro Milton Valdomiro Roos Antero Camisa Junior Dárcio Vieira Marques Paulo Sérgio Osório Valentina de Los Angeles Baigorria Múcio de Castro Neto MC- Rede Passo Fundo de Jornalismo Ltda Rua Silva Jardim, 325 A - Bairro Annes CEP 99010-240 – Caixa postal 651 Fone: 54- 3045-8300 - Passo Fundo RS www.onacional.com.br Contatos Assinaturas: [email protected] Comercial: [email protected] Redação: [email protected] Administrativo: [email protected] Fones Geral: (54) 3045.8300 Redação: (54) 3045.8328 Assinaturas: (54) 3045.8335 Classificados: (54) 3045.8334 Circulação: (54) 3045.8333 Sucursal em Porto Alegre: GRUPO DE DIÁRIOS - Rua Garibaldi, 659, conj. 102 – Porto Alegre-RS. Representante para Brasília: CENTRAL COMUNICAÇÃO. Representante para São Paulo e Rio de Janeiro: TRÁFEGO PUBLICIDADE E MARKETING LTDA Avenida treze de maio, sala 428 - Rio de Janeiro – RJ. Não nos responsabilizamos pelos conceitos e opiniões emitidos em colunas e notas assinadas ou matérias pagas. Não devolvemos originais, publicados ou não. Filiado à 4 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 GRANDES HISTÓRIAS PARA CONECTAR PESSOAS Do acontecimento propriamente dito até todas as suas nuances e reflexões, a reportagem é o espaço onde o grande jornalismo acontece de fato (FOTO: FABIANA BELTRAMI) Redação ON No ano de 1963, o cineasta italiano Federico Fellini dirigiu Oito e meio, onde o protagonista é um diretor de cinema tentando realizar um longa-metragem. Para comemorar o aniversário de 87 anos do Jornal O Nacional, pegamos emprestada a metalinguagem utilizada por Fellini e fizemos uma reportagem sobre a própria reportagem, o gênero jornalístico preferido pelos jornalistas devido à complexidade e a profundidade que se pode dar a uma história e seus respectivos personagens. Para começar a falar da menina dos olhos do jornalismo, vale lembrar que a evolução das tecnologias e da comunicação em si mudou a leitura de mundo. Nos dias de hoje, o “atual” dura apenas algumas horas ou até minutos, dependendo do meio em que a informação se propaga. É nesse ponto que a grande reportagem se diferencia e se destaca, pois ela eterniza fatos marcantes, conforme explica o professor do curso de Jornalismo da UPF, Fábio Rockenbach. “A grande importância da reportagem é eternizar os fatos da maneira como eles merecem ser eternizados, e por isso ela tem que ser tratada com muito cuidado”, diz ele ressaltando que uma grande história escrita nos anos 60, por exemplo, terá a mesmo impacto ao ser lida nos dias de hoje. Além disso, o foco humano não pode ser deixado de lado. “Não existe reportagem boa sem o fator humano envolvido por que a gente fala de pessoas. Se não tiver pessoas vira somente um monte de números e dados”, complementa. Segundo o jornalista, sociólogo e historiador, Luiz Carlos Golin, “reportar é representar através do texto, da imagem ou da sonoridade um determinado fenômeno. Porque o fenômeno e não um fato? A função da reportagem é construir uma representação que expresse aspectos de ‘sentido’ para as sociedades humanas diretamente envolvidas ou informativa para outras culturas”, complementa. A doutora em comunicação e preofessora do curso de Jornalismo da UPF, Bibiana de Paula Friderichs, explica que a reportagem serve para contextualizar o fato e auxiliar o leitor na compreensão da realidade de uma maneira mais ampla. “A reportagem surgiu justamente para fazer frente ao imediatismo e a superficialidade da notícia, ela trabalha a ideia de interpretação como intervenção de mundo, isto é, me torno cidadão através dela”, ressalta. Dentro do contexto de instantaneidade, uma das grandes discussões jornalísticas é definir o lugar onde a reportagem está ou ficará situada. Para Rockenbach, a reportagem pode ficar situada em qualquer local. “Ela pode ter lugar no meio online, impresso, na televisão, na rádio, a mensagem é a mesma independente da mídia em que ela está inserida”, ressalta. Já para Friderichs, o factual pode vir a se concentrar na web, enquanto que os jornais impressos ficarão com os textos mais extensos. “Acho que a internet vai virar o lugar da informação veloz, instantânea, curta e superficial da notícia, enquanto que os veículos impressos vão ficar como espaço desse material de profundidade”, enfatiza. “A reportagem é a digital do jornalista”: Bibiana de Paula Friderichs Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 5 “O jornalista precisa se relacionar com todas as formas de pensamento”: Luiz Carlos Golin E o processo de construção e apuração para uma reportagem, como fica com todas essas mudanças? Na opinião dos professores, a essência continua a mesma, o que mudou foram os suportes e as formas de visualizar o conteúdo. O grande equívoco cometido pelos profissionais da área é achar que tal gama de recursos poderá substituir o esforço pessoal e intelectual do jornalista, que é primordialmente ouvir as fontes e estar in loco. “Esse é o grande perigo, achar que essas ferramentas nos desculpam de fazer algumas coisas, o que não é verdade”, alerta Friderichs. Ela ainda salienta que “o processo de fazer jornalismo ainda é o mesmo, só há mais ferramentas e mais lugares para procurar”. Rockenbach compartilha da mesma opinião. “Esse tipo de tecnologia é um plus para o que é essencial, que continua o mesmo. Dar ou não esse plus a mais para o leitor depende do veículo, do repórter e do que ele está pensando na hora, mas o coração da reportagem ainda é o mesmo”, diz. O jornalismo é substancialmente conteúdo, é nisso que acredita e enfatiza Golin. “O jornalista precisa se relacionar com todas as formas de pensamento, disciplinas e saberes que investigam a sociedade e a natureza”, argumenta. Esses novos instrumentos de produção de informação estão sendo lentamente agregados ao jornalismo para tornar a informação mais rica, segundo Friderichs. “A reportagem não deve ser reducionista, pelo contrário, ela deve contextualizar e mostrar o fato dentro de sua complexidade”. Na questão específica da internet, ela salienta que o ciberjornalismo acabou criando o chamado “intermídia”, produto que mistura várias formas de linguagens como áudio, vídeo, animação e infografia na mesma matéria, permitindo que o leitor trafegue criando caminhos plurais e conectando elementos com muitos outros elementos sem uma ordem pré-estabelecida. “Nesse sentido, a reportagem vira um processo rico de formação do processo de interpretação, de polissemia de sentidos”, completa. “Há pouco tempo atrás na própria mídia impressa, não havia a capacidade de ter grandes infográficos coloridos porque não dominávamos softwares como Photoshop. O que tinha eram fotos e texto”, lembra Rockenbach. O conteúdo continua lá do mesmo modo, mas agora pode ser posto de uma maneira que fica mais fácil para a absorção, atraindo mais o leitor. “Uma coisa é ler que 30% das pessoas dizem isso e 70% dizem aquilo, outra coisa é visualizar através de um infográfico, por exemplo. São recursos que passaram a associar-se ao jornalismo para contribuir nesse entendimento. Vivemos em um mundo multimídia e precisamos começar a olhar para as outras manifestações da linguagem como texto, pois tudo é discurso”, complementa a professora. Diferencial Um ponto entre o gênero informativo e opinativo: é assim que Friderichs define o diferencial a reportagem para os demais estilos de textos. “O exercício permanente do jornalista é limpar as arestas da subjetividade, mas ao mesmo tempo é a manifestação da tua subjetividade”. Ela também ressalta que a reportagem não guarda a opinião, mas possui espaço para a interpretação, processo essencialmente subjetivo. “Por isso que digo que é o meio do caminho entre o informativo e o opinativo, onde a subjetividade do repórter fica muito mais explicitamente impressa do que na notícia”. Para traduzir e interpretar os acontecimentos ao público, o jornalista precisa ter uma boa bagagem cultural, algo que não é construído do dia para noite. A professora ressalta que, independentemente das ferramentas que tiver, o bom repórter precisa saber articular ideias e ter uma boa leitura de mundo. “Você juntou aqueles dados e montou aquele quebra cabeça, mas montou de acordo com tua intuição, com o teu conhecimento que fica impresso no material”. Ela finaliza dizendo que a reportagem é a digital do jornalista. Indagado sobre se a reportagem seria o filé do jornalismo, como dizia o professor João Carlos Tiburski (in memoriam), Golin complementa dizendo que ela “é o filé, o vinho e a sobremesa, mas também a carne de pescoço do jornalismo. Se observarmos a história da comunicação, os jornalistas qualificados foram e são repórteres – e depois desejam ser documentaristas. É que ninguém faz reportagem importante se não tiver, antes ou ao mesmo tempo, a capacidade de ler a realidade, sentir a atmosfera, o cheiro, etc., dos lugares”. Seja filé ou carne de pescoço, é na grande matéria que reside a oportunidade do repórter criar algo que a prática do dia a dia impede. Segundo Rockenbach, o que todo jornalista quer é poder fazer uma grande reportagem. “Não é todo dia que um repórter acostumado a fazer várias pautas por dia e seguir um padrão de regras consegue algumas páginas e alguns dias para poder escrever, planejar, pesquisar e fazer um texto que fuja daquele padrão”. Outra questão enfatizada pelo professor é o público alvo, geralmente composto por quem está realmente interessado em tal conteúdo, que irá parar, sentar e ocupar seu tempo lendo, sabendo que a recompensa no final será muito maior. “Por isso a reportagem acaba ocupando mais os jornais no final de semana, onde as pessoas têm mais tempo para ler”, exemplifica. Por mais que a internet tenha ocupado boa parcela do campo, o meio impresso ainda tem espaço para as grandes reportagens. Dos exemplos mais recentes, Rockenbach cita a matéria sobre eletroconvulsoterapia produzida por Marina de Campos e publicada no ON em março desse ano. “Não é comum termos coragem de preparar uma reportagem com tanto peso para ser exposta durante tanto tempo e com o tamanho que foi disposta. Essa foi recente e me marcou bastante”, diz. O professor também ressaltou que veicular tal material durante tanto tempo é algo que dificilmente pode ser visto nos jornais atualmente, sejam eles das capitais ou do interior. (FOTO: camila guedes) (FOTO: DIVULGAÇÃO) Novos formatos “A grande importância da reportagem é eternizar os fatos da maneira como eles merecem ser eternizados”: Fábio Rockenbach 6 Especial 87 Anos O lixo que ninguém vê Repórteres do Jornal ON trabalharam um dia no aterro sanitário para mostrar que atrás das montanhas de resíduos e do cheiro insuportável existem 16 recicladores que catam tudo aquilo que a população passo-fundense joga fora Texto: Natália Fávero/ON Fotos: Amanda SchArr/ON Arte: Marcus Freitas/Especial ON Quem trabalha no lixão enxerga muito mais que lixo. Os recicladores são capazes de avistar dinheiro, amizade e um futuro melhor em meio às toneladas de resíduos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 “Tive que parar no lixão para aprender a dar valor a minha vida”. Esta foi a frase mais profunda que eu (Natália Fávero) e a minha colega jornalista e fotógrafa Amanda SchArr escutamos durante as oito horas em que trabalhamos como recicladoras no aterro sanitário de Passo Fundo. As palavras da catadora Marli Branco, de 56 anos, que afirma ter curado a depressão graças ao aterro sanitário, abriu meus olhos para o outro lado do lixão: aquele que ninguém vê. Há dois anos, o aterro sanitário ganhou uma espécie de “anjos do meio ambiente”: os catadores da Associação de Recicladores do Parque Bela Vista (Recibela). São 32 mãos contra 120 toneladas de lixo seco, orgânico e até hospitalar que chegam todos os dias no lixão. Os recicladores são responsáveis por evitar que cerca de 45 toneladas de resíduos por mês sejam acomodados de forma irregular no solo e degradem ainda mais o meio ambiente. Homens e mulheres que até tiveram oportunidade de esco- a Repórter Natália Fávero e a fotógraf dia um por s dora cata rr: SchA Amanda lher outra profissão, mas que optaram pelo trabalho árduo no aterro. Desperdício para alguns, luxo para outros. Enquanto a maioria das pessoas quer ficar longe, os recicladores conseguem enxergar valor e o sustento no lixão. Desde a criação da Recibela em 2010, os catadores sofrem com a falta de estrutura do aterro. A produção da reportagem foi feita em abril de 2012. Na época, o telhado do galpão que desabou no início do ano esperava por conserto, a esteira de triagem estava inoperante e o convênio com a prefeitura para recebimento de verbas ainda não tinha sido renovado. A catação estava sendo realizada manualmente. Trabalhar nas pilhas de lixo com uma altura de quase oito metros faz parte da rotina desses recicladores quando a esteira quebra. Atualmente, para a felicidade dos catadores, os reparos foram concretizados e o novo convênio foi firmado, mas os desafios de infraestrutura permanecem. Os catadores ficam em dúvida se o mais seguro é trabalhar no galpão de reciclagem que tem a estrutura metálica corroída pela falta de manutenção ou se é ficar em cima das montanhas de lixo expostos ao sol e a chuva. Ao longo de dois anos, durante inúmeras matérias realizadas, escutei outra frase dos recicladores que me motivou a conhecer de perto a realidade dos integrantes da Recibela: “Só quem trabalha aqui, sabe a dificuldade que nós passamos para reciclar”. Uma experiência que transformou a minha maneira de ver o lixo e espero que também contribua para mudar o olhar de outras pessoas. Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Impressões Na manhã do dia 24 de abril, saí da redação com uma máquina fotográfica, um gravador, um bloco, uma caneta e a ansiedade. Às 8h30, eu e a minha colega chegamos ao aterro sanitário de Passo Fundo. Troquei meus habituais instrumentos de trabalho por uma galocha, um par de luvas, uma faca, um saco e um boné. Permaneci apenas com o gravador no bolso. A primeira pergunta que os recicladores fizeram foi se eu e minha colega estávamos prontas para o desafio. A princípio, achei que seria fácil, era só catar plástico. Porém, são vários tipos de plásticos com aspectos e preços diferentes: pet branco, pet verde, negão, cristal, leitoso, entre outros. O grupo de trabalhadores é formado principalmente por mulheres, casadas, com filhos e com o objetivo de tirar do lixo o sustento. A escolaridade baixa prevalece. “No lixão aprendemos a ser companheiros, a fazer amizades e a reciclar. Aprendemos a ser mais humildes com os outros”, disse Ivânia Branco, de 27 anos. A recicladora que é mãe de três filhos, contou que já trabalhou como empregada doméstica, mas largou tudo para trabalhar no aterro. “Trabalhava todas as tardes para ganhar 300 a 500 reais por mês como faxineira. Aqui no lixão dependendo da produção conseguimos tirar 800 reais limpo. Quando temos estrutura suficiente é possível ganhar até 1,2 mil reais”, justificou Ivânia. Primeira sacolinha Já na primeira tentativa encontrei papel higiênico, fraldas e outros tipos de produtos usados e sujos. O cheiro forte do local foi intensificado quando abri a sacola. Não podia desanimar afinal aquela era a primeira sacola. Depois desta, perdi as contas de quanto lixo de banheiro encontrei. Aos poucos, comecei a acostumar com o cenário, o cheiro e o repetitivo trabalho de abrir as sacolinhas. Nas primeiras horas de trabalho, estava empolgada com a novidade. Abria rapidinho as sacolinhas de mercado e por muitas vezes ignorava o que via. Artêmio Inácio de Almeida, de 56 anos, trabalhou no aterro durante oito anos como motorista de caminhão para uma empresa que prestava serviço no local. Deixou a antiga profissão para ser reciclador. Ao conversar com Almeida percebi que o meu primeiro dia de trabalho no aterro estava indo muito bem. “Você está indo bem então. Eu passe mal já no primeiro dia. Não podia com o cheiro forte. Fiquei uma semana sem comer direito. Depois me acostumei”, relatou o reciclador. 7 8 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Trabalho também é diversão Dona Marli Branco, uma senhora de 56 anos, foi a primeira pessoa que me mostrou o outro lado do lixo. Jamais poderia imaginar que alguém fosse capaz de se divertir no lixão. Aquela senhora magrinha e de muita disposição propôs me levar ao topo do monte. Encarei como uma aventura. Dona Marli ensinou que para escalar no lixo, é preciso imaginar os degraus de uma escada. Seguia os passos dela para não cair ou fazer com que a pilha de lixo desmoronasse. Caminhar em cima de milhares de sacolas é uma sensação estranha. Por vezes, afundava e o mais perigoso é não saber onde você está pisando. Pode ser em cima de restos de alimentos, de roupas, de papel, de vidros ou de seringas. Poucos minutos depois conquistei o ponto mais alto do lixão. Como nos filmes de cinema, abrimos os braços sinalizando vitória. “O lixão curou minha depressão” No final da manhã daquela terça-feira depois de muitas histórias e conversas sobre o lixão, dona Marli que havia nos mostrado a vista mais bonita do aterro confessou que aquele lugar havia mudado a vida dela. Depois de uma das filhas sofrer um grave acidente de trânsito e quase morrer, Marli entrou em depressão. Chegou aos 47 quilos e não achava mais motivos pra viver. Casada há 35 anos, quatro filhos criados e prestes a ser bisavó, ela pensou em tirar a própria vida. Ivânia que atua como recicladora no lixão convidou a mãe para trabalhar no aterro. A tática deu certo. “Trabalho no lixão há 11 meses. Se um dia tiver que sair daqui, vai ter que ser por um bom motivo. Essa é a primeira vez que estou trabalhando fora de casa. Aqui, aprendi a viver novamente. Tive que parar no lixão para aprender a dar valor para a minha vida”, emocionou-se Marli. Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Lição Desperdícios Cerca de 1 bilhão de pessoas aguardam um prato de comida no mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, no Brasil ocorre o desperdício de 26 milhões de toneladas de alimentos por ano. Esse desperdício fica muito evidente no lixão de Passo Fundo. Restos de comida, frutas, verduras, alimentos industrializados, pacotes de bolacha e muitos outros tipos podem ser facilmente encontrados no lixão. Alguns alimentos em bom estado e embalados são reaproveitados pelos catadores. A comida não é a única desperdiçada na história. Brinquedos, roupas, objetos de decoração, aparelhos eletrônicos e outras dezenas de itens em bom estado esperam pela decomposição. Muitas roupas são reaproveitadas pela maioria dos recicladores. As peças são levadas para casa e lavadas. “Meus filhos são vestidos com roupas daqui. Além disso, levo muitos brinquedos”, contou a catadora Janete. Durante a nossa reportagem, encontramos muito lixo hospitalar com material usado. Esse tipo de resíduo não pode ser encaminhado ao aterro sanitário. Ele precisa ter um manejo e destino adequado. A presença dele coloca em risco a saúde desses recicladores. “Temos medo de contaminação. A presença deles é frequente aqui no aterro”, frisou a recicladora Ivânia. Medicamentos lacrados também foram identificados. Esse tipo de resíduo afeta o solo e polui os rios. No final do dia, o cheiro forte parecia ter sumido e já era capaz de sentar sobre o lixo. Estava exausta de tanto subir e descer a pilha. Minhas costas estavam doloridas de ficar curvadas por muito tempo. A roupa estava suja e minha galocha nem se fala. Consegui encher oito sacolas e aprendi os tipos de plásticos que podem ser reciclados. Os materiais catados pela nossa equipe de reportagem foram doados aos recicladores. A sujeira do aterro não foi o que mais marcou. A maior lição foi entender o poder do lixão. Catar o lixo dos outros e ver o desperdício de comida, de roupa e de tantas outras coisas mexe com a cabeça e com o coração. Além disso, a união e parceria do grupo Recibela é exemplo para qualquer gestão. Compartilham a amizade, o respeito e os problemas. Cada um ajuda o outro como pode. Seja com um simples abraço ou com um ombro para chorar. A alegria e a vontade de vencer na vida podem ser encontradas em qualquer lugar. O trabalho A rotina do grupo inicia às 8h. Os catadores fazem um lanche na metade da manhã e almoçam ao meio-dia. O intervalo é curto e antes das 13h30, os recicladores estão de volta ao serviço. Depois seguem até as 17h30. O lanche e o almoço são trazidos de casa. No escritório do grupo, há uma cozinha e banheiro. O trabalho consiste em abrir as sacolas e retirar os plásticos. A maior satisfação é rasgar a sacola e perceber que o lixo está separado, o que na maioria das vezes não acontece. Mesmo que as sacolas sejam compactadas no caminhão, elas não costumam rasgar, portanto, se as pessoas fizerem a separação em casa, o trabalho na hora de reciclar é facilitado. No mês de abril, a esteira estava quebrada e os recicladores catavam manualmente na pilha de lixo na entrada do aterro. Os associados buscavam principalmente materiais plásticos por serem mais rentáveis e fáceis de catar na atual situação. “Não vale a pena catar aqui em cima papel e outros materiais. É difícil armazenar e eles não valem muito. Dá muito transtorno carregar uma tonelada para ganhar só R$ 100,00”, explicou a recicladora Ivânia Branco. Os materiais são armazenados em grandes sacolas com capacidade de aproximadamente 40 Kg. No final do dia os sacos são pesados e os materiais comercializados. Por mês, na catação manual, cada reciclador produz em média 1,5 toneladas e a renda gira em torno de R$ 450,00. Situação bem diferente de quando a esteira de triagem está funcionando. No galpão de reciclagem há uma organização maior e fica mais fácil separar os resíduos. Reciclando com o auxílio da esteira, cada associado pode lucrar até R$ 1,2 mil por mês. A humildade, a solidariedade e a união engrandecem o grupo Recibela 9 10 Especial 87 Anos De papeleiros a recicladores Associações de reciclagem ajudam a transformar a cultura do lixo em Passo Fundo. População está criando o hábito de separar os resíduos e já percebe os catadores com outros olhos Grupo é formado por 11 mulheres e um motorista. A maioria reside no bairro Santa Marta onde está localizado o galpão da Cootraempo Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Há quatro anos as associações de reciclagem de Passo Fundo não tinham material suficiente para reciclar. Atualmente, a demanda é tanta que os pavilhões estão abarrotados, mas o principal desafio ainda é a infraestrutura. A Associação Amigos do Meio Ambiente (Aama), a Associação de Recicladores Esperança da Vitória (Arevi), a Cooperativa Mista de Produção e Trabalho dos Empreendedores Populares da Santa Marta Ltda (Cootraempo) e a Associação de Recicladores Parque Bela Vista (Recibela) reciclam cerca de 110 toneladas de lixo por mês. Para mostrar o dia a dia dos galpões de reciclagem acompanhei o trabalho dos recicladores da Cootraempo durante quatro horas. O galpão localizado no bairro Santa Marta abrange 12 recicladores e cerca de 450 pontos de coleta no município. Cheguei no galpão por volta das 13h30 do dia 03 de maio. Meu trabalho iniciou na entrada do galpão da Cootraempo. Dezenas de sacolas cheias de materiais recicláveis dificultavam a passagem dos recicladores. Sinal que a demanda das cooperativas de reciclagem cresceu comprovando que um maior número de empresas, prédios, condomínios, instituições e cidadãos estão fazendo a separação e destinação correta do lixo. No ano passado, a renda de cada integrante do grupo no final do mês era de aproximadamente R$ 300,00. Em 2012, passou para cerca de R$ 800,00. São cerca de 30 toneladas de materiais recicláveis mensalmente. Os resultados positivos é mérito da organização e trabalho árduo dos recicladores. Eles se desdobram para dar conta da coleta, separação e prensa dos resíduos. A administração do galpão é feito pelos próprios integrantes que fazem a contabilidade e preenchem a ficha ponto com o horário de entrada e saída. Parte dos recursos é destinado para a contribuição previdenciária dos associados. Enquanto dois recicladores fazem a coleta na cidade com o caminhão, outra parte da equipe faz a separação no galpão. Uma pessoa fica responsável por prensar os materiais. O grupo faz rodízio de tarefas e todos passam pelas funções. Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 130 fardos prensados por mês Plásticos, papéis, papelão, vidros, isopor, alumínio e outros tipos de materiais chegam no galpão da Cootraempo através das coletas ou de doações feitas pela comunidade. Empresas, instituições de ensinos e agências bancárias fazem a doação de materiais para a cooperativa. Os resíduos são separados por tipos e armazenados em grandes sacolas. São prensados cerca de seis fardos por dia ou 1,5 tonelada por dia. Ela foi constituída em 2005 com o apoio da Socrebe), que através de comodato disponibiliza o prédio e o caminhão. O trabalho é das 8h as 11h45 e das 13h15 as 17h30. A tesoureira do grupo, Silvana de Ramos está há três anos no grupo e salientou a importância do trabalho da cooperativa. “As pessoas chamam de lixo, nós chamamos de dinheiro. Além de termos uma renda ajudamos na limpeza do município”, salientou Silvana. Entre uma entrevista e outra, eu tentava aprender a fazer a reciclagem. Certos tipos de copos de plástico utilizados para água e café nas empresas e órgãos públicos podem ser reciclados. Sacolinhas plásticas de mercado também são reutilizadas. Os jornais são picotados em um equipamento especial antes de ir para a prensa. O isopor também é triturado antes de ser comercializado. As folhas de ofício são separadas conforme a cor, o tamanho e o estado de conservação. Os materiais são comercializados para empresas de reciclagem de Passo Fundo e Soledade. Lições ultrapassam as portas dos galpão O aprendizado adquirido dentro da cooperativa é levado para dentro de casa. Márcia Diones Munari, de 38 anos é uma das primeiras recicladoras da Cootraempo. Está no grupo há seis anos e se tornou uma profissional da reciclagem. Conhece de olhos fechados a diferença entre os tipos de materiais. Como a maioria das recicladoras, ela é moradora do bairro Santa Marta. Mari relembra dos anos difíceis da sua vida e dos resultados positivos conquistados com o trabalho no galpão. “Antes de trabalhar aqui eu não tinha da onde tirar dinheiro e sustentar meus cinco filhos. Quando cheguei não tinha noção de reciclagem. Depois que entrei para a cooperativa os hábitos mudaram na minha casa. Ensinei meus filhos sobre a importância da reciclagem. Hoje faço a separação em casa e trago os materiais para o galpão”, declarou Márcia. 55 anos de muita disposição Uma senhora magrinha de aproximadamente 1,45 de altura chamava a atenção em meio ao grupo. Dona Deonires de Fátima Monteiro, de 55 anos é a presidente da Cootraempo. Por trás da miudeza dela, existe uma força, agilidade e uma disposição de dar inveja. Segundo as companheiras de trabalho, ela é uma das campeãs de prensar o maior número de fardos. “Tenho amor pelo meu serviço, Se eu pudesse ficar 24 horas eu ficava. Já trabalhei como empregada doméstica, mas hoje não penso em fazer outra coisa da vida”, declarou Deonildes. Desafios A tesoureira do grupo disse que a demanda é crescente e uma prensa não dá mais conta do trabalho. “O material vai acumulando e não temos como despachar. A prensa já está meio capenga”, salientou Silvana. Hoje, apenas 12 pessoas trabalham no galpão, mas com a demanda existente outras 20 poderiam atuar e tirar o seu sustento. No entanto, faltam incentivos do poder público com infraestrutura e melhores condições de trabalho. Muitas sacolas de materiais ainda contêm resíduos misturados dificultando o trabalho dos recicladores. Enquanto eu ajudava a fazer a separação com as recicladoras encontrei muito lixo orgânico junto com resíduos recicláveis. O trabalho seria muito mais simples se as pessoas separassem o plástico do papel, por exemplo. “As pessoas precisam ser mais conscientes e pensar no meio ambiente. Tenho um filho de 16 anos para criar e sobrevivemos desse material”, frisou a recicladora Fátima Góis dos Santos, que está há seis anos na Cootraempo. Alguns materiais, como o isopor, ainda não são comercializados com facilidade. Na cootraempo o isopor é triturado e vendido para empresas que produzem pufs ou estofados. 11 Dona Deonires é muito ágil na prensa. Faz entre 7 a 8 fardos por dia (segue) 12 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Projeto Transformação O projeto Transformação ajudou a estruturar as cooperativas de reciclagem existentes em Passo Fundo: Aama, Arevi, Cootraempo e Recibela. O projeto é responsável por auxiliar na organização de grupos e de espaços de coleta e reciclagem de materiais visando a proteção do meio ambiente e geração de trabalho e renda aos desempregados que residem nas periferias do município. O Projeto Transformação surgiu em 2007, a partir da Campanha da Fraternidade com o objetivo de preservar e recuperar o meio ambiente, proporcionado um processo de formação, conscientização e participação da sociedade na questão ambiental e social. O projeto é uma parceria entre a Cáritas Arquidiocesana de Passo Fundo, a Associação dos Missionários da Sagrada Família (ASAFA), a Associação Maria Auxiliadora (AMA), a Congregação de Nossa Senhora (Notre Dame) e a Congregação Missionária Redentorista (Instituto Menino Deus). Segundo o monitor e coordenador de Educação Ambiental do Projeto Transformação, Alexson José da Silva, existem 55 recicladores associados em uma das quatro cooperativas. Esse número poderia ser maior se não fosse as condições de trabalho e instabilidade na renda. A rotatividade de recicladores é significativa. “O grupo de recicladores dependem de uma renda estável para o sustento. Quando isso não acontece, eles buscam outro trabalho. Há limitações de incentivos por parte do poder público que tem um ritmo diferente das necessidades das associações”, explicou Silva. As cooperativas fazem a própria gestão. As cooperativas têm estatutos, atas de reuniões, regimentos internos, contabilidade, registro de horas de trabalho, entre outros. Como a maioria dos recicladores tem baixa escolaridade, o projeto presta assessoria e informação às associações. Caminhão que faz a coleta na cidade faz duas a três cargas por dia 450 pontos de coleta A cooperativa possui um caminhão que realiza as coletas no município. São cerca de 80 Km rodados diariamente. Todos os dias, o motorista João Pedro Nascimento e outras duas recicladoras atuam na coleta. Um roteiro é estabelecido e cada dia eles cobrem uma região da cidade. Condomínios, prédios, residências, instituições públicas e privadas fazem parte dos 450 pontos de coleta. Além disso, a cooperativa recebe diariamente ligações de pessoas querendo entregar materiais recicláveis, sucatas, móveis ou eletrodomésticos. As peças de alumínio, ferro ou cobre são comercializadas. Os móveis e utensílios em bom estado são reaproveitados pelos recicladores. Nascimento também ajuda a carregar, descarregar, a pesar os fardos e atua na contabilidade da cooperativa. “Cada dia fizemos um lado da cidade. Coletamos na Vera Cruz, na Santa Teresinha, na Lucas Araújo, na Petrópolis, na Vila Luiza e centro. Já temos os pontos certos e as pessoas ligam todos os dias para buscar”, explicou o motorista que está há três anos na cooperativa. Entre as dificuldades da coleta está o trânsito e a dificuldade de encontrar estacionamento no centro. Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Cooperativas ajudam a mudar hábitos da população A comunidade está começando a aceitar melhor a reciclagem. A prova disso é o número de materiais destinados aos galpões que multiplicaram nos últimos dois anos. O monitor e coordenador de Educação Ambiental do Projeto Transformação lembrou que em 2008, a cooperativa Aama, por exemplo, não tinha material e pontos de coleta para desenvolver o processamento e a comercialização. Atualmente, os materiais triplicaram. “Grande parte da população começou a separar o lixo devido a existência dos recicladores”, enfatizou Silva. Especial 87 Anos 13 14 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Pequenas atitudes, grandes benefícios Bióloga, professora e militante do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas (Gesp) mostra que é possível fazer a separação do lixo, reaproveitar a água e reutilizar materiais de maneira simples na sua casa Ações ecologicamente corretas não é assunto para discutir apenas na escola, com os amigos ou nas empresas. Fazer a separação do lixo, reaproveitar a água e reutilizar materiais são atitudes que precisam ser colocadas em práticas por todos os cidadãos. Shakespeare já dizia “que o mundo não para para que você o conserte”. O planeta não pode mais esperar pela sua boa vontade de mudar hábitos. Todo mundo sabe que as mudanças climáticas estão afetando e até matando as pessoas. Está na hora de mudar a cultura do lixo. O aumento de renda das famílias brasileiras também favorece o consumo, isso significa que mais lixo será produzido. A destinação correta é uma das maneiras de salvar o planeta. Uma bióloga de Passo Fundo, chamada Flávia Biondo, mostra que é possível transformar os hábitos sem investimentos financeiros em qualquer residência. Ela veio de uma família do interior. A educação ambiental iniciou ainda na infância quando a mãe dela separava os resíduos orgânicos para colocar na horta. Outras influências foram a formação acadêmica em Biologia e a militância de 15 anos no grupo ecológico Gesp. “Vejo a natureza de forma diferente. As folhas que caem no chão e os galhos que são podados não são lixo. Não posso depositar a natureza em um terreno baldio. Nossa sociedade é consumista e minha postura é ir de acordo com a natureza”, declarou a bióloga. Para saber se aquele produto é reciclável ou não, a bióloga faz uma pequena reflexão. “Esse material pode voltar para a indústria e se transformar em outro produto? Se a resposta for sim, ele é reciclável. Se a resposta for negativa posso verificar se será possível fazer a compostagem, reutilizá-lo ou se é lixo doméstico”, disse Flávia. A bióloga Flávia tem certeza que essa mudança de hábitos precisa começar já nos primeiros anos de vida. “Meus filhos de 12 e 14 anos já estão criando uma consciência. Essa formação na infância e na adolescência vai formar o caráter deles”, salientou a bióloga. 16 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Sacola plástica é reciclável Empresário que recicla sacolas plásticas afirma que elas não são as vilãs do meio ambiente. O produto pode ser reciclado pela indústria e reutilizado pela população A sacola plástica só prejudicará o meio ambiente se não receber a destinação correta ou se for mal aproveitada pelas pessoas. Estudos apontam que a ecoficiência das sacolas dependem do comportamento do consumidor e em alguns casos ela é mais indicada que as sacolas retornáveis de papel ou de tecido. Um empresário de uma indústria de plásticos no distrito Campo do Meio, em Gentil, que recicla o polietileno de baixa densidade comercializa sacos de lixo, sacolinhas plásticas e embalagens para mais de 20 empresas de Passo Fundo. Os produtos também são vendidos para várias partes do Rio Grande do Sul. O empresário Darci Zancaro investiu cerca de R$ 1 milhão na sua indústria de plásticos criada há oito anos. O negócio pôde ser viabilizado graças ao apoio e incentivos da prefeitura de Gentil. Atualmente, além de contribuir com o meio ambiente, a indústria gera 16 empregos diretos. A matéria-prima (polietileno de baixa densidade) é comprada de galpões ou depósitos de reciclagem da região. “O plástico macio, ou seja, a sacolinha de mercado e os sacos de lixo são beneficiados e retornam para a indústria para embalagens ou novamente em forma de sacos de lixo e sacolinhas”, explicou o empresário. A indústria comercializa mensalmente entre 30 a 50 toneladas de plástico. Esse número po- deria ser maior se a comunidade destinasse as sacolas de mercado e os demais derivados do polietileno de baixa densidade para os galpões de reciclagem ao invés de utilizar para embalar o lixo doméstico. Cerca de 30% da matéria-prima que chega à empresa é perdido. O plástico que não está em bom estado de conservação não pode ser reciclado. Além disso, muita impureza e umidade estão no meio do material. “Não trabalhamos com material de terceira linha. Portanto, as sacolas que passam pelos compactadores e acabam nos aterros sanitários não servem para a reciclagem. O material de aterro perde até 60% da qualidade”, disse Zancaro. Para o empresário a reciclagem precisa evoluir mais de 70%. “A coleta seletiva nos municípios já seria um grande avanço. Além disso, é necessária uma maior conscientização da comunidade. A sacolinha vale dinheiro e não é a grande vilã da história. Ela só prejudica quando é utilizada e depositada de forma incorreta”, frisou o empresário. Parte do material beneficiado em Gentil é enviada para uma empresa no bairro Santa Maria, em Passo Fundo. No local, os rolos de plásticos se transformam novamente em sacolinhas. Elas não são indicadas para armazenar alimentos, mas podem ser utilizadas para carregar roupas, materiais de limpeza, entre outros produtos. Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 17 Ecoeficiência de sacola depende de hábitos Um estudo divulgado no ano passado realizado pela Fundação Espaço Eco analisou o ciclo de vida de oito tipos de sacolas utilizadas pelo consumidor para compras. As sacolas analisadas foram a tradicional (polietileno tradicional), a plástico verde (polietileno de cana-de-açúcar), as aditivadas com oxibiodegradação e as retornáveis (papel, ráfia, tecido e TNT). A pesquisa apontou que a melhor opção depende do comportamento do consumidor e conforme o hábito, as sacolas plásticas são as melhores opções. As sacolas descartáveis de plástico são indicadas para os consumidores que compram em menor volume, utilizam o supermercado com maior frequência e descartam o lixo mais vezes. Já as sacolas retornáveis de tecido ou plástico apresentam melhor ecoeficiência para os consumidores que compram em maior volume, frequentam menos vezes o supermercado e que têm frequência menor de descarte de lixo. Redução de cinco bilhões de sacolas nos últimos quatro anos Segundo o Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos (Plastivida), em 2007, o Brasil consumia 17,9 bilhões de sacolas devido ao desperdício. No final de 2011, esse número caiu para 12,9 bilhões de sacolas. Uma redução de cinco bilhões. Outra pesquisa encomendada pela Plastivida mostrou que em 2010, o país registrou 738 recicladoras de plásticos. Destas, 44% foram registradas no estado de São Paulo, 12% no Rio Grande do Sul, 9% em Minas Gerais, 7% no Rio de Janeiro, 7% em Santa Catarina, 5% no Paraná, 4% na Bahia e 3% em Goiás. Os 9% restantes foram registrados nos demais estados brasileiros. Juntas, essas empresas faturaram R$ 1,95 bilhão, 5,2% a mais que em 2009. Foram gerados 18,3 mil empregos diretos no período. Ano Sacolas fabricadas (bilhões de unidades) Redução de sacolas (bilhões de unidades) Redução (%) 200717,9 XXX XXX 200816,4 1,5 8,4 200915,0 1,4 16,2 201014,0 1,0 21,8 201112,9 1,1 27,9 Fonte: Programa de Qualidade e Consumo Responsável de Sacolas Plásticas Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Casa sustentável em harmonia com o clima Os gaúchos são contemplados com estações bem demarcadas com verões bastante quentes e invernos rigorosos. A maioria das casas não foi construída para atender as variações extremas de temperaturas. Existem inúmeras estratégias sustentáveis para fazer uma residência “conversar” com o clima. Uma caixa de madeira pode ser transformada em persiana, uma caixa de isopor em reservatório de água, garrafas pet em coletor solar e resíduos orgânicos da cozinha em gás. Além disso, as janelas e paredes podem ser direcionadas para amenizar o calor no verão e aquecer a casa no inverno. Conforme o professor da UPF e doutor em arquitetura, Juan Mascaró, uma casa sustentável precisa ter alta eficiência energética, estratégias para acompanhar as variações do clima e proporcionar o mínimo de conforto para os moradores. Essas habitações também são chamadas de bioclimáticas. “É fazer com que não seja necessário ligar ar-condicionado ou o ventilador no verão e nem o aquecedor no inverno. Temos um clima com estações muito determinadas e a variação de temperatura é de quase 40oC”, explicou o professor. Para construir uma casa sustentável bioclimática é necessário alguns sistemas passivos, ou seja, equipamentos que não exijam energia elétrica. Um coletor solar, por exemplo, serve para aquecer a água. O reservatório pode ser construído com uma grande caixa de isopor. Garrafas pet dentro de um fundo de lata revestido com a cor preta e vidro por cima são perfeitas para construir o coletor. A mangueira pintada de preto pode se tornar a serpentina. Tudo isso é colocado no telhado e tem baixo custo. “Os moradores terão água quente o ano todo”, ressaltou Mascaró. Durante o inverno, o sol permanente está na direção Norte. Uma abertura no telhado nesta orientação provoca o efeito de reflexão. Isso permitirá a iluminação indireta da peça e o aquecimento. Uma parede nesta mesma direção pode ser pintada de preto. Quando fizer frio, a parede esquentará o ambiente. Árvores devem ser plantadas no lado externo com o objetivo de fazer sombra durante o verão e impedir a passagem do sol. No inverno, as árvores perderão as folhas e permitirão o aquecimento da parede. 19 É possível construir uma casa com sustentabilidade e baixo custo para enfrentar as variações climáticas de quase 40oC no Rio Grande do Sul O professor Mascaró explicou ainda que os resíduos orgânicos da cozinha e do banheiro podem ser direcionados para uma lagoa que contenha certas espécies de plantas que com suas características biológicas e raízes suspensas filtrarão e renovarão a água. O principal desafio dos pesquisadores é levar esse conhecimento até a comunidade. “Geralmente, ele fica no círculo acadêmico, fóruns e seminários frequentados apenas por estudantes, professores e pesquisadores. Seria muito importante que os administradores púbicos tivessem conhecimento dessas alternativas para que elas fossem implantadas na prática. Os modelos padrões aplicados hoje, nem sempre são os mais adequados para uma comunidade”, disse o professor. 20 Especial 87 Anos Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Passo Fundo mais verde Um projeto que está sendo desenvolvido pela Faculdade de Arquitetura da UPF pretende criar um corredor verde no município semelhante a rua mais bonita do mundo em Porto Alegre O município de Passo Fundo está sendo utilizado como estudo de caso para o projeto infraestrutura verde que pretende contribuir para um crescimento sustentável. O projeto está sendo desenvolvido pela Faculdade de Engenharia e Arquitetura da UPF, coordenado pelo professor e doutor em arquitetura, Juan Mascaró, em parceria com o curso de arquitetura e urbanismo da Unicruz (Cruz Alta). É uma rede de pesquisa interuniversitária apoiada financeiramente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). O projeto prevê em suas etapas, a proposta de um corredor verde ligando, inicialmente, as praças Tochetto e a Tamandaré. Alternativas para oferecer mais qualidade de vida e áreas de lazer adequadas para os cidadãos que hoje acabam ocupando os canteiros da Avenida Brasil nos finais de semana e feriados por falta de opção. Nesta primeira fase do projeto, duas ruas de Passo Fundo são base para o estudo: a rua Moron, no centro, e a rua Saul Irineu Farina, na vila Vergueiro. A proposta do corredor verde acontecerá na etapa final da pesquisa após um profundo estudo e revisão bibliográfica do tema. Posteriormente, será feito um levantamento físico dos trechos previstos para a futura implantação do corredor verde interligando as praças. O critério básico é se adequar as ca- racterísticas pré-existentes do espaço físico (tamanho das calçadas, das ruas, espaço entre os postes de luz, recuos dos edifícios em relação á calçada, etc). A ideia do projeto é trabalhar com cidades de porte médio em crescimento que ainda permitem uma contribuição para um desenvolvimento mais organizado e sustentável com baixo custo de investimentos. A infraestrutura verde é um dos indicadores de qualidade de vida de um município, ou seja, a metragem verde e o número de árvores por habitante influenciam no crescimento econômico, na valorização de áreas, na saúde e bem estar, na recreação e lazer, entre outros benefícios. Especial 87 Anos Precário As áreas verdes no município e sua organização estão em escala média para baixo. Segundo o pesquisador que está desenvolvendo o projeto, Passo Fundo tem um único parque (Parque da Gare) e está abandonado e degradado. O município tem poucas praças e ainda elas têm perfis diferentes. As praças são distantes e sem conexão. Não possuem corredor verde ou ligação planejada que integra um parque. “São praças desqualificadas. Por esse motivo, os moradores acabam utilizando os canteiros da Avenida Brasil como área de lazer ao invés das praças”, explicou Mascaró. O pesquisador salientou que as praças não podem estar em qualquer lugar ou de forma desorganizada. A cada montante de áreas construídas, de acordo com a densidade populacional, são necessárias áreas verdes. “Elas funcionam como um equilíbrio entre a área construída e aberta. O ideal é que as pessoas não precisem se deslocar para longe de suas casas para ter acesso a uma área verde”, disse o pesquisador. (Foto: Natália Fávero/ON) Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012 Benefícios Os corredores verdes são o que existe de mais moderno e sustentável como modelo de cidade verde e ecologicamente correto. Segundo Mascaró, a cidade torna-se mais equilibrada no que se refere a áreas construídas e áreas verdes projetadas. “Um espaço urbano projetado não só para as necessidades mais básicas de uma cidade contemporânea como ir e vir de carro, mas também um espaço urbano agradável e convidativo para ser vivido e usufruindo pelos seus habitantes”, acredita o pesquisador. Professor e doutor em arquitetura, Juan Mascaró é o coordenador do projeto Infraestrutura verde 21 22 Especial 87 Anos O projeto A rua Moron, no centro, e a rua Saul Irineo Farina, no bairro Vergueiro, estão sendo usadas como estudo de caso na pesquisa. Elas foram escolhidas por terem perfis diferentes: uma está situada no centro com edificações altas e bastante comércio e a outra por ser em um bairro residencial sem muitas edificações. Será feito um levantamento da largura, edificações e densidade populacional. Depois o projeto tentará inserir uma infraestrutura sustentável de acordo com o ambiente. “Não vamos destruir ou quebrar tudo. Temos que ter inteligência para que não seja traumático para os moradores. No entanto, a arborização não pode entrar em conflito com as fachadas das lojas, com a rede de energia elétrica ou iluminação pública”, frisou Mascaró. A pesquisa está na metade. Já foi feito o levantamento físico das áreas, revisão bibliográfica e neste momento estão gerando os critérios de intervenção para posterior implementação. Tudo será feito de forma simulada, em laboratório e futuramente na universidade. A ideia é apresentar em 2013, os resultados da pesquisa em dois workshops para que prefeitos da região e a comunidade conheçam a alternativa e comecem a implantar em seus municípios. “Será uma coisa nova para o poder público. Infraestrutura verde é um caminho sem volta e já é aplicado há anos em outros países. O conhecimento está aí, mas os gestores precisam ter vontade e apoio para aplicá-lo”, ressaltou Mascaró. Passo Fundo, TERÇA-FEIRA, 19 de junho de 2012