Petróleo e o poder bélico: faces de uma relação de - PPGHC

Transcrição

Petróleo e o poder bélico: faces de uma relação de - PPGHC
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS
Programa de Pós-Graduação em História Comparada - PPGHC
Juliana Foguel Castelo Branco
PETRÓLEO E PODER BÉLICO: FACES DE UMA RELAÇÃO DE
REFLEXIVIDADE DURANTE O CONFLITO ÁRABE
ISRAELENSE (1967-1973)
Rio de Janeiro
2013
Juliana Foguel Castelo Branco
O PETRÓLEO E O PODER BÉLICO: FACES DE UMA RELAÇÃO DE
REFLEXIVIDADE DURANTE O CONFLITO ÁRABE ISRAELENSE
(1967-1973)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História Comparada do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em História Comparada.
Orientadora: Prof. Drª. Sabrina Evangelista Medeiros
Rio de Janeiro
Janeiro/2013
ii
Foguel Castelo Branco, Juliana.
Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de reflexividade durante o
conflito árabe israelense (1967-1973)/ Juliana Foguel Castelo Branco. Rio
de Janeiro, 2014.
175 f., enc.
Orientadora: Prof. Dr. Sabrina Evangelista Medeiros
Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Rio
de Janeiro, 2014.
Referências:
1. Poder 2. Soberania. 3. Segurança. 4. Petróleo 5. Força Bélica 6. Oriente
Médio – Teses. I. Medeiros, Sabrina Evangelista (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em
História Comparada. III. Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de
reflexividade durante o conflito árabe israelense (1967-1973)
iii
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS
Programa de Pós-Graduação em História Comparada - PPGHC
Dissertação intitulada “Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de reflexividade
durante o conflito árabe israelense (1967-1973)”, de autoria da mestranda Juliana
Foguel Castelo Branco, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes
professores:
Banca de Avaliação
Profa. Dra. Sabrina E. Medeiros (Orientadora) – PPGHC/UFRJ
Profa. Dra. Cristina Buarque de Hollanda – PPGHC/UFRJ
Profa. Dra. Fernanda Delgado de Jesus
Resultado:
Data:
iv
Tudo à minha mãe,
Minha força, meu exemplo.
v
Agradecimentos
Foram muitos os que me fizeram chegar até aqui, contudo, é extremamente difícil lembrar de
todos os que por nossa história passaram. Todos de certa forma deixam as suas marcas, as
lembranças e contribuem para a formação do que hoje ora somos. Peço perdão aos que não
forem citados.
Em primeiro lugar, agradeço a minha mãe, Débora Foguel, por todos os momentos que
vivemos. Nasci quando ela era ainda muito jovem e aprendi, na sua doçura, o que é ser uma
mulher forte e dedicada. Ela me mostrou a beleza das letras e a importância dos estudos,
motivando-me e até me instigando a seguir sempre em frente. Agradeço-lhe pela insistência e
dedicação. Certa vez, ouvindo-a em uma palestra fiquei bastante marcada com a referência
que fez à Deusa Minerva por sua história e por ser a deus da sabedoria, das artes e das
estratégias. Entendi porque foi eleita como símbolo da UFRJ, centro do fazer e do Saber.
Procurando conhecer melhor Minerva, “encontrei” sua mãe, Deusa Métis. Imediatamente
comparei mamãe com Métis, embora sem a menor pretensão de identificar-me com Minerva.
Métis é Deusa da saúde, proteção, astúcia, prudência e das virtudes. Acho que mãe é isso
mesmo: o sincretismo dessas qualidades tão importantes para qualquer filho e que minha mãe
nunca me negou. Uma curiosa característica de Métis é que ela se metamorfoseia, assim
como minha mãe, que é dura, sensível, amiga, chata, forte entre outras características
segundo as diferentes situações, mas tendo como objetivo, sempre, o melhor! Mãe, meu
muito obrigada você é parte do que sou hoje, e do que sempre pretendo ser amanhã. Te amo.
Não menos importante, agradeço ao meu pai, Jerson. Com ele aprendi que pai é muito mais
que sangue. Pai é aquele que está junto, preocupado, disposto e sempre presente. Cresci
ouvindo a história que quando conheceu minha mãe havia comprado um apartamento de dois
quartos na Ilha do Governador e que de imediato fez um quarto para mim. Esse quarto que
deveria ser pouco utilizado, tendo em vista que morávamos em Botafogo com a minha avó, é
um símbolo do amor e da capacidade de amar do meu pai. Um apaixonado incondicional por
minha mãe. Ambos me ensinaram o que é cumplicidade de um casal e que um casamento
estável é possível ainda. Saído de uma casa extremamente humilde em Honório Gurgel, filho
de uma dona de casa e de um sargento da Marinha, meu pai me ensinou que todos os sonhos
vi
são possíveis e que o tripé estudo, amor e dedicação são elementos fundamentais para
transformações! Com todo o meu amor.
Gostaria de agradecer aos meus avós, Rosita e Alberto. Minha avó é uma mulher dura e
forte. Aguenta tanto tranco com seus quase 80 anos... Viaja esse país a fora lutando por uma
educação mais justa para àqueles que se encontram em situação de deficiência. Essa frase:
situação de deficiência me fez refletir muitos anos sobre a alteridade e principalmente sobre o
que é ser deficiente. Somos todos deficientes em certo sentido e, por isso, deve existir uma
luta para a inclusão sempre. Acho que minha avó luta por isso: pela humanidade. Meu avô,
Alberto, também é um homem forte, singelo e misterioso. Argentino se diverte vendo o jogo
do Botafogo com amigos de longa data. Um prazer que infelizmente nunca dividiremos, já
que sou flamenguista.... Agradeço aos seus cônjuges, minha avó Sara e meu avô Orlando, por
todo o carinho e por me fazer ser sempre parte da família.
Não estaria completo se não falasse de meus irmãos, Estevão, Vitor, Clarice, Ana Luisa e
Vinícius. Amo-os muito e desejo que no futuro vocês também realizem seus sonhos e se
sintam tão felizes como eu ao escrever esse trabalho e por fazer o que amam. Minha irmã,
Ana Luisa, um carinho especial por sermos, além de irmãs, amigas e companheiras. Me
orgulho muito de você.
Ao meu tio, Miguel, um homem forte e que demostrou e vem demonstrando como a
consonância entre força, equilíbrio e inteligência são fundamentais. Tio, você é um exemplo
e eu te admiro enormemente.
Ao Celso pelo companheirismo, apoio, paciência e amor. Espero que encontre felicidade no
seu mestrado e ao longo de toda a sua vida. Um apaixonado por música, em especial Blues, e
que me contou sobre Hendrix e seus cadarços amarrados no pé da cama. Podemos fazer
aquilo de quisermos com o que temos: basta querer, lutar e acreditar. Acredite e lute de forma
objetiva pelo que quer. O tempo é a única coisa que não volta, contudo, podemos aproveitar
o presente para construir o futuro.
Em uma viagem acidental de minha mãe, meu caminho cruzou com o de Sabrina. No meio
da África, especificamente em Moçambique, terra de Mia Couto encontrei minha
orientadora, amiga, exemplo entre outros adjetivos que seria incapaz de numerá-los. Em seu
vii
livro Terra Sonambula, meu preferido, Mia começa-o da seguinte forma: "Naquele lugar, a
guerra tinha morto à estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre
cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se
pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas
da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se
acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte. A estrada que agora se abre a
nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos,
suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de
pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir.
[.....] A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno
circulava agora em todos os rios da nossa alma. De dia já não saímos, de noite não
sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos". Queria Agradece-la, Sabrina,
por ter me dado à oportunidade e acreditado em mim. Sua crença, apoio, dedicação entre
outras não só me tiraram desta estrada seca, árida e morta e me alocaram num lugar vivo e de
grande produtividade e cores: o espaço do saber. Além disso, hoje, neste caminho que trilho
seja porque acredito seja pela vontade de contribuir com o conhecimento, estou certa que os
meus sonhos, o olho da vida, estarão sempre garantidos. Agradeço por tudo que fez por mim
e continua a fazer. A cada dia, descubro suas qualidades e defeitos - afinal ninguém é
perfeito- o que só me fazem respeita-la e aprecia-la sempre mais. Espero que nossos
caminhos, estradas se cruzem muitas e muitas vezes ao longo de nossa trajetória.
Agradeço as minhas “amigas de trabalho” que se tornaram uma verdadeira família. Ana
Luisa Bravo e Paiva, que tem um corpo que não condiz com a sua essência. Obrigada pelos
telefonemas atendidos e pelos telefonemas não atendidos. O seu silêncio, a sua ausência e a
sua presença foram fundamentais; Ana Paula Rodrigues é uma amiga que, aparentemente
mal humorada, se adequa ao poema de Drummond que fala que dos corações maiores do
mundo. Mãe, maluca e sempre disposta a ajudar. Meu muito obrigada; Cintiene Sandes é
amiga, orientadora, mãe companheira e, acima de tudo, uma sonhadora com os pés no chão.
Conhecer a sua história e saber o quanto ela lutou para chegar onde está é ter ao meu lado um
exemplo. Você merece o mundo; Bianca Bittencourt é a amiga que toda mãe sonha que
tenhamos. Para minha sorte, eu a tenho! Calma, ponderada, inteligente e linda ele vem me
mostrando que respirar antes de falar é uma dádiva; Flávia Seidel minha Barbie Loira
princesa da praia predileta. Que bom que nos seus descaminhos você tenha nos achado, pois
a sua maluquês é indispensável em minha vida agora; Daniele Dionísio, mesmo mais
viii
distante ela mostra garra e lealdade que são fatores tão importantes e raros nos dias de hoje;
Isabela Fernandes, pelo carinho, mesmo com a falta de convivência, pelo orgulho e pela
amizade; por fim, Verônica Pires... É difícil falar dessa mulher que é uma rocha. Vivemos
um período difícil, inesperado e totalmente devassador. Verônica sem deixar de ser linda deu
um passo por vez, uma respirada por momento, um choro triste com sabor de esperança e
deixou nossos corações pequeninhos... mais venceu. Venceu uma luta que somente dependia
do seu comprometimento consigo mesma. Venceu um desafio imenso. Sua força, meu
exemplo, sua amizade, um tesouro. Bom tê-la sempre conosco. Amo todas vocês e aprecio
como cada uma deixou um marca tão basilar em minha essência. Obrigada.
Ao Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do
Brasil. Agradeço a força da Sabrina de criá-lo e a todos os integrantes por confiarem no meu
trabalho, por escutarem as minhas ideias e por abrirem espaços para o desenvolvimento de
minha pesquisa. Um agradecimento especial ao Claudio Rogério Flor, o comandante mais
lindo da Marinha do Brasil, que vem nos dando suporte e nos motivando sempre nos estudos.
Sua crença, carinho e respeito são coisas que levarei comigo o resto da vida. Não poderia
esquecer o meu grupo de trabalho e de seus pesquisadores e ex-pesquisadores, Thiago
Honório, Guilherme Monteiro, Whilla Castelhano, Frederico Sant´Anna, Matheus
Ortler e André Nunes, vocês muito me orgulham. O sucesso de vocês é como se fosse o
meu sucesso! Cresçam, voem e acreditem!
Um agradecimento especial ao CENPES que confiou e investiu nessa pesquisa. Foram
poucos os projetos de humanas e sei da importância desse espaço para que outros
pesquisadores, como eu, que querem entender o petróleo na sua multiplicidade. Obrigada.
A PPGHC por ter me dado à oportunidade de realizar meu estudo nesta tão importante
instituição de ensino.
Agradeço aos professores que me acompanharam ao longo desse percurso. Em especial para
as componentes de minha banca, Cristina Buarque e Fernanda Delgado. As indagações e
conselhos dados no momento de minha qualificação foram cruciais para o meu crescimento.
Foi um prazer ter a oportunidade e aprender com ambas mesmo que de forma breve.
ix
Agradeço a minha equipe do Arquivo Nacional. Como dizíamos uma equipe dos sonhos
regada por Lady Gaga e Vanessão. Todo meu carinho para Allan Ferreira, Jefferson
Spindola, Ana Lucia, Rafaela de Albuquerque, Victor Sabino, Priscila Moita, Marcos
Melo.... Aqueles lindos dias de bloco F ficarão pra sempre guardados.
Agradeço também a Professora Ismênia de Lima Martins minha grande mestra. Minha vida
acadêmica fora iniciada com a ajuda e apoio incondicional dela. Ismênia é como uma
“galinha” que acolhe seus orientandos em baixo de suas asas e os leva sempre juntos em seus
voos. Foram muitas as tardes em sua casa em Niterói aonde aprendi bem mais que história.
Ismênia foi responsável por cultiva em mim à chama da pesquisa e a capacidade de trabalhar
em equipe. Professora, meu muito obrigada.
Agradeço a Andrea Telo da Corte que era e é minha “mãe”. Ao fazer minha primeira
apresentação da ANPUH RIO, Andrea estava tão empolgada que meus amigos acreditaram
que ela era minha mãe. Realmente, Andrea, sempre me estimulou e sempre esteve presente
em todos os momentos que mais precisei. Acompanhei seu doutorado e li seu brilhante
trabalho de mestrado e vi que estava diante de uma mulher incansável e guerreira. Hoje tenho
ainda mais certeza da sua capacidade de luta já que vem demonstrado força ao enfrentar uma
doença que, apesar de lhe tirar o ar, não lhe tira a vida e a vontade de vivê-la.
Agradeço também a Érica Sarmiento pelas risadas escandalosas, pela amizade
incondicional, pelo apoio e pelos pedidos de silêncio. Apesar de muitas vezes querer falar, o
momento de silencio é fundamental para a concentração.
Agradeço a Renata Oliveira por ter feito os meus dias de faculdade muito mais lindos. É e
sempre foi uma grande amiga.
x
O que faz andar a estrada?
É o sonho. Enquanto a gente sonhar
A estrada permanecerá viva.
É para isso que servem os caminhos,
Para nos fazerem parentes do futuro
Mia Couto, Terra Sonâmbula
xi
Resumo:
O escopo desta Dissertação de Mestrado em História Comparada é a realização de um
estudo das estratégias políticas adotadas pelos países árabes pertencentes à Liga Árabe e
pelo Estado de Israel, no que tange ao uso do poder militar e do petróleo para a
obtenção de poder, soberania e seguridade, tanto a nível regional quanto internacional
no período compreendido entre os anos de 1967 e 1973. Este período é determinante
uma vez que, nele, várias mudanças estratégicas significativas foram estabelecidas pelos
países árabes que passaram a utilizar o petróleo, além da força bélica, como um meio
para aumentar o seu poder de barganha visando reduzir o apoio internacional, em
especial o apoio logístico-militar ao Estado de Israel. Entende-se o poder como sendo
resultante das especificidades dos próprios encontros entre os atores que podem, dentro
de um processo de interação estratégica ou jogo, ampliar a sua capacidade de influenciar
os demais atores no seu processo decisório. Por isso, acredita-se que tanto o petróleo
quanto a força bélica se constituem como ferramentas políticas e como elementos de
poder utilizados tanto pelos árabes quanto pelos judeus para a conquista e manutenção
da sua segurança e soberania.
Palavras chaves: Oriente Médio, Poder, Soberania, Segurança, Petróleo e força bélica.
xii
Abstract:
The scope of this academic work in Comparative History is a study of the political
strategies adopted by Arab countries in the Arab League and the State of Israel about
the use of military power and oil to achieve power, sovereignty and security in regional
and international levels in the period between 1967 and 1973. This period is crucial
because of the important shifts in the strategies that were established by Arab countries
that started using oil in addition to military force as a means to increase their bargaining
power to reduce international support especially logistical and military support to
Israel. Power is understood as a result of the specifics meeting between actors that can
in a process of strategic interaction or game extend their ability to influence other actors
in their decision making process . Therefore, it is believed that oil and the military force
are constituted as political tools and as elements of power that can be used by the Arabs
and the Jews for the achievement and maintenance of its security and sovereignty.
Keywords: Middle East, Power , Sovereignty , Security , Oil and military force .
xiii
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1: Declaração de Baulfor .................................................................................. 141
Anexo 2: Documento da ONU relativo ao pedido de saída da UNEF do Egito em 1967.
...................................................................................................................................... 142
Anexo 3: Resolução da Conferência de Catrum ........................................................... 147
Anexo 4: Resolução 242 da ONU ................................................................................ 148
Anexo 5: resolução 338 da ONU .................................................................................. 150
Anexo 6: Presença das forças da ONU no pós Guerra do Canal de Suez .................... 151
Anexo 7: Entrada Israelense na Península do Sinai em 1967....................................... 152
Anexo 8: Campanha nas Colinas do Golan durante a ofensiva de 1967 ...................... 153
Anexo 9: Campanha em 1967 no território da Cisjordânia .......................................... 154
Anexo 10: Ataques aéreos Israelenses em 1967 ........................................................... 155
Anexo 11: A ofensiva por terra na Guerra de 1967 ..................................................... 156
Anexo 12: Territórios conquistados em 1967............................................................... 157
Anexo 13: A Ofensiva Egípcia e a contra ofensiva Israelense ..................................... 158
xiv
LISTA DE TABELAS
4.3.1. Tabela 1: Total da produção mundial em mbd: .................................................. 120
4.3.2. Tabela 2: Produção Diária dos países do Oriente Médio e Líbia em mbd: ........ 122
4.3.3. Tabela 3: Produção diária da América do Norte em mbd: ................................. 124
4.3.4. Tabela 4: Total Europa em mbd: ........................................................................ 125
4.3.5. Tabela 5: Total do Consumo mundial em mbd: ................................................. 127
4.3.6. Tabela 6: Total do Consumo em mbd na América do Norte: ............................. 128
4.3.7. Tabela 7: Consumo Europeu em mbd: ............................................................... 129
4.3.8. Tabela 8: Preço do Oléo (em dólar).................................................................... 131
xv
SUMÁRIO
1. Introdução ..................................................................................................................... 1
Capítulo 1: Oriente Médio: uma reflexão sobre os mecanismos para a obtenção de
poder, segurança e soberania na região ............................................................................ 6
1.1.
Das abordagens historiográficas e o uso da metodologia .................................. 6
1.2 Mecanismos para a tomada de decisões: O papel da Teoria dos Jogos e da
Reflexividade ................................................................................................................ 8
1.3 Poder e reciprocidade: meios para a constituição das capacidades estatais ......... 13
1.3.1 Especificidades do encontro que estabeleceram o petróleo como uma
ferramenta estratégica ............................................................................................. 18
1.3.2. Os quatro tipos de poder propostos pela taxionomia e as possibilidades das
suas manifestações do Oriente Médio .................................................................... 19
1.4 Segurança Partilhada e Soberania: o caso do Oriente Médio ............................... 22
Capítulo 2: Formação do Estado Judaico, Consolidação das independências Árabes e o
papel da Liga Árabe ........................................................................................................ 33
2.1 A ida dos judeus para a região da palestina e a constituição da questão palestina33
2.2 O estabelecimento do Estado de Israel e a questão palestina ............................... 40
2.3 A formação nacional do Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque, Irã e Iêmen ....... 47
2.4 O jogo político árabe: o papel e importância da Liga Árabe ................................ 54
Capítulo 3: Força Bélica: Uma análise das Guerras de 1967 e 1973 ............................. 67
3.1. A Guerra do Canal do Suez ................................................................................. 67
3.2. A Guerra dos Seis Dias ........................................................................................ 72
3.3 Guerra do Yom Kippur .......................................................................................... 83
Capítulo 4: O Petróleo .................................................................................................... 99
4.1. O Petróleo e a Geopolítica de Produção Mundial ............................................. 100
4.2. O uso do petróleo enquanto elemento de poder: fracassos e sucessos .............. 108
4.3. Dados: ................................................................................................................ 120
xvi
5. Conclusões ................................................................................................................ 133
Fontes: .......................................................................................................................... 136
Bibliografia: .................................................................................................................. 136
ANEXOS: ..................................................................................................................... 140
xvii
1. Introdução
O objetivo do presente trabalho é a elaboração de um estudo comparativo das
estratégias políticas adotadas pelos países árabes1 pertencentes à Liga Árabe e pelo
Estado de Israel, no que tange ao uso do poder militar e do petróleo para a obtenção de
poder, soberania e seguridade, tanto a nível regional quanto internacional. O período
estudado está compreendido entre os anos de 1967 e 1973. Este período é determinante,
uma vez que, várias mudanças estratégicas significativas foram estabelecidas pelos
países árabes que passaram a utilizar o petróleo, além da força bélica, como um meio
para aumentar o seu poder de barganha visando reduzir o apoio internacional, em
especial o apoio logístico-militar ao Estado de Israel. O cerne deste estudo é
compreender, portanto, através de uma análise comparativa, o papel que exerce o
petróleo e a força militar nas relações de poder entre os Estados árabes e para o Estado
judaico no que tange a obtenção de sua segurança e sua consolidação regional e
internacional.
O petróleo, por responder pela maior parte da matriz energética mundial, se
transformou em um elemento importante para o funcionamento das economias e das
políticas dos Estados e, em especial, dos países industrializados. O recurso é uma fonte
energética não renovável que está distribuída de forma heterogênea e desigual pelo
mundo. Grande parte das reservas mundiais de petróleo estava, na época, no Oriente
Médio, em especial no Golfo Pérsico, e na URSS. Na conjuntura estudada, o insumo se
converteu em um instrumento de afirmação e de poder das nações árabes. O recurso
possibilitou acordos cooperativos 2 entre os povos árabes, assim como, disputas para o
controle de sua produção entre os próprios árabes e entre as empresas concessionárias
que exploraram o petróleo da região. Os Estados produtores são altamente dependentes
da renda gerada pelo recurso para a manutenção da sua economia. Destaca-se que os
rendimentos oriundos da produção e comercialização do petróleo também tiveram um
importante papel para a construção e manutenção do próprio conflito árabe-israelense.
A força bélica é também uma importante ferramenta para a constituição das
políticas da região. A superioridade bélica, segundo a concepção clássica de poder, é
uma importante diretiva dos Estados que buscam a obtenção de armas cada vez mais
1
Os Estados árabes analisados são Egito, Síria, Líbano, Jordânia e os Estado- membros da OPEP, como Arábia
Saudita e Irã, que, por meio da Liga Árabe, são conclamados a apoiar a causa árabe.
2
Nem sempre o petróleo origina cooperação entre os povos árabes. Desde 1977, são observados embates políticos e
militares entre os países para o controle do mesmo. Contudo, no momento da Guerra de 1973, o petróleo foi utilizado
como um elemento de cooperação entre os árabes.
1
potentes para o aprimoramento da sua situação no sistema regional e no cenário
internacional. A força bélica e a consolidação dos exércitos nacionais fortes e
capacitados geram poder aos Estados que conseguem garantir a sua segurança e
soberania frentes aos seus pares quando os mesmos não estão tão bem provisionados e
capacitados. A obtenção de armamentos materializa o que se é conhecido como dilemas
de segurança que será mais bem debatido no primeiro capítulo deste trabalho. A
obtenção de armas foi parte importante das políticas dos países do Oriente Médio que se
valeram da Guerra Fria e da existência de duas grandes potências rivais, EUA e URSS,
para ampliar os dilemas de segurança e o seu acesso às armas que poderia os legitimar
possibilitando a obtenção de poder, soberania e da própria segurança local.
Pretende-se fazer uso de algumas premissas da Teoria dos Jogos para pontuar as
interações estratégicas dos países árabes e de Israel no período analisado. As interações
estratégicas de ambos os lados são interdependentes e, por isso, a teoria da reflexividade
se faz tão importante para este trabalho. A reflexividade é, segundo Giddens3, a
remodelação das práticas por meio das próprias práticas e ela é utilizada para
estabelecer a comparação das formas como as práticas políticas tanto árabes como
israelenses se alteraram e se remodelaram pela prática do outro. Aróstegui discorre que
“a reflexividade da condição humana faz com que não haja nenhuma experimentação
dos comportamentos que não gere uma autoconsciência a esse respeito e modifique a
natureza do comportamento humano”4. A reflexividade foi cruzada com a Teoria dos
Jogos possibilitando a compreensão e a comparação das ações políticas de ambos os
lados. É levado em consideração ainda o conceito de reciprocidade que vem sendo
uma importante diretiva para a compreensão das relações de cooperação
sancionadas e legitimadas pelos Estados Nacionais.
O estudo comparativo do conflito, tendo como viés a percepção do uso de
distintas ferramentas políticas, petróleo e força bélica, permite uma análise das
estratégias pelas quais os Estados embasaram as suas ações no cenário internacional e
regional entre 1967 e 1973. A elaboração de um estudo comparado dessas práticas torna
possível o entendimento da reciprocidade e da reflexividade das ações sociais, que são
fundamentais para uma compreensão mais ampla e efetiva do conflito e de seu
desenvolvimento dentro da lógica dos sistemas que rege e consolida estas ações.
3
GIDENES, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa Histórica: teoria e método. São Paulo: Edusc, 2006.
4
2
Além disso, de forma indireta, é possível ainda perceber aspectos decisivos na
formação das identidades destes povos como sendo resultantes dos paralelismos que o
próprio conflito consolida, conforme descrito por Morton:
A questão central que fundamenta esta investigação supõe que o conflito é
potencialmente de valor pessoal e social. Ele tem muitas funções positivas
(Simmel 1955; Coser 1956). O conflito previne estagnações, estimula
interesse e curiosidade, é o meio pelo qual os problemas podem ser
manifestados e no qual chegam às soluções, é a raiz da mudança pessoal e
social. O conflito é frequentemente parte do processo de testar e de avaliar
alguém e, enquanto tal, pode ser altamente agradável, na medida em que se
experimenta o prazer do uso completo e pleno da sua capacidade. De mais a
mais, o conflito demarca grupos e, dessa forma, ajuda a estabelecer uma
identidade coletiva e individual; o conflito externo geralmente fomenta
coesão interna5.
A definição das identidades coletivas se tornou um tema que mereceu grande
atenção acadêmica. Concorda-se que a percepção do coletivo não é natural, mas, sim, o
resultado de complexos processos de interação com outros grupos que culmina na
construção social das identidades. O conflito, visto como uma demarcação de grupos,
somado à ideia de que a identidade é o resultado do encontro de grupos, será mais bem
compreendido com a adoção de uma abordagem comparativa. Desta forma, a
comparação das ações políticas de ambos os lados, árabe e israelense, é fundamental
para entender como as identidades se alteraram durante o próprio desenrolar do conflito
de forma reflexiva. As interações não geram somente e necessariamente um processo de
causa e consequência, e sim paralelismos entre os povos cujas nações estão se
consolidando e sendo consolidados pelas práticas do outro.
O primeiro capítulo propõe uma discussão das escolhas teóricas e conceituais
realizadas. Este trabalho privilegiará, como dito, a reflexividade das interações
estratégicas. Segundo Fiani6, toda interação estratégica envolve interdependência mútua
das ações que, além de serem fundamentais para o próprio processo decisório, ainda
devem levar em consideração os efeitos entre os seus partícipes. Os processos de
interação entre os Estados serão entendidos, principalmente, pela ótica do desejo de
5
DEUTSCH, Morton. A resolução do Conflito. In: AZEVEDO, André G. Estudos de Arbitragem, mediação e
negociação- Vol.3. Brasilia, , 2004. p. 29. Em relação ao conflito e aos seus aspectos positivos para a formação das
identidades locais outros autores como Márcio Scalércio e Peter Demand percebem como o conflito fundamentou e
solidificou as nacionalidade palestina e israelense. Acredita-se que esta afirmação pode ser ampliada para os demais
países árabes, em especial, os fronteiriços. O conflito ajudou e vem ajudando, de forma reflexiva, a coesão interna,
formação das políticas nacional, identidade nacional e regional (em especial para o caso árabe) e a possibilidade ou
não de estabelecimento de acordos.
6
FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos: com aplicações em economia, administração e Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Ed. Elsevier, 2009.
3
obtenção de poder, solidificação da soberania nacional e consolidação da segurança que
originam os objetivos e estratégias dessas nações.
No segundo capítulo será feita uma contextualização da formação Oriente Médio
no século XX. Será proposta uma discussão que se inicia no declínio do Império
Otomano tendo como foco a consolidação do Estado de Israel, a discussão da questão
palestina pela centralidade do assunto para a intensificação do conflito7, uma discussão
em relação os processos de independência dos países árabes e o papel da Liga Árabe
(LA) para a própria orientação das políticas que intensificam o conflito. A LA foi
fundamental para garantir a formulação das políticas internas e externas entre os seus
membros. Ela é uma organização que, além de gerar cooperação, também é palco de
disputas para a construção de uma identidade árabe que guia os seus líderes e as suas
políticas nacionais. O estabelecimento de uma identidade comum gera desafios para a
segurança árabe, dilemas para a soberania e para o poder dos próprios líderes árabes
dentro dos seus Estados soberanos. Para o entendimento do conflito e das motivações
árabes para a atuação conjunta, é fundamental o entendimento da própria LA que é, a
priori, um elemento de poder. A contextualização é um elemento central para o
entendimento da região, pois o conflito e a formação das identidades locais devem,
sobretudo, ser percebidos por sua própria história.
O terceiro capítulo traz o debate sobre o uso da força bélica nos confrontos de
1967 e 1973. Lá estão descritas as causas dos conflitos, suas motivações e resultados.
Em 1967, por exemplo, Israel tinha superioridade estratégica frente aos países árabes o
que possibilitou a conquista de grandes porções territoriais. O mesmo não pode ser
afirmado no ano de 1973, já que, nesta ocasião, os árabes tinham investido grandes
somas de dinheiro para a obtenção de armas e para a melhoria de sua estratégia militar 8.
Além da força bélica, os Estados árabes utilizaram o petróleo enquanto ferramenta de
coerção e para a obtenção de poder.
A importância do petróleo dentro deste cenário onde pesam elementos de poder,
estabilidade e nacionalidade será proposta no quarto capítulo deste trabalho. Neste, é
proposto um debate sobre a formação da OPEP, o preço do petróleo, as tentativas do
uso deste recurso enquanto instrumento estratégico em 1967 e em 1973. O petróleo era
7
A causa palestina é legitimada dentro da Liga Árabe como pertencente a todos os países árabes. A formação das
identidades desses povos, assim como, a negação e Israel e a percepção do último como um ameaça é legitimada e
legitimadora da própria causa palestina.
8
Devido ao sucesso dos movimentos que defendiam a nacionalização dos poços de petróleo, houve um aumento da
entrada de dinheiro para os países exportadores o que facilitou a obtenção de armas e concretização de acordos
relativos à sua venda.
4
percebido como uma mercadoria pelos países consumidores e, em 1973, a possibilidade
de embargo para os países que estavam apoiando Israel gerou uma crise mundial onde o
recurso passou a ser percebido como um elemento de poder. Devido à insegurança
energética, houve a necessidade de que os Estados importadores estabelecessem
políticas que reduzissem a sua vulnerabilidade frente à possibilidade de ruptura do fluxo
do recurso e/ou aumento significativo de seu preço. Estas políticas previam a mudança
das condições objetivas que constituíram o petróleo enquanto uma ferramenta política
pelos países árabes e, de forma reflexiva, trouxeram insegurança e vulnerabilidades9
para os próprios produtores.
Entende-se o poder como sendo resultante das especificidades dos próprios
encontros entre os atores que podem, dentro de um processo de interação estratégica ou
jogo, ampliar a sua capacidade de influenciar os demais atores no seu processo
decisório. Por isso, acredita-se que tanto o petróleo quanto a força bélica se constituem
como ferramentas políticas e como elementos de poder utilizados tanto pelos árabes
quanto pelos judeus para a conquista e manutenção da sua segurança e soberania. A
força bélica pode frear conflitos, sendo assim uma ferramenta política, devido aos
dilemas de segurança gerados, assim como pode, no momento posterior ao próprio
conflito mediante uma vitória, ser utilizada enquanto elemento de poder. O petróleo a
priori é um recurso econômico que, devido às especificidades das conjunturas de 1967 e
1973, foi utilizado como ferramenta política que poderia garantir segurança e soberania
árabe frente ao Estado de Israel. A necessidade de consolidação de políticas para a
manutenção e constituição da segurança energética perpassa, sobretudo, pela percepção
dos Estados consumidores da capacidade política que o petróleo gerava aos Estados
produtores. Desta forma, acredita-se que ambas as ferramentas políticas, petróleo e
força bélica, originam poder aos Estados árabes e ao Estado de Israel devido à própria
especificidade do encontro que consolidam novas relações de reciprocidade e relações
de reflexividade entre os povos que buscam, para este trabalho, a obtenção de sua
segurança e soberania na região.
9
Em relação às vulnerabilidades, destaca-se, conforme proposto por Fernanda Delgado, a Vulnerabilidade Produtiva,
Física, Comercial, Macroeconômica e Socioeconômica. Para maiores informações ver: JESUS, Fernanda Delgado.
Indicadores de Vulnerabilidade socioeconômicas para países exportadores de Petróleo: Metodologia e análise
comparativa. In: http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis/fernando_delegado.pdf.
5
Capítulo 1: Oriente Médio: uma reflexão sobre os mecanismos para a obtenção de
poder, segurança e soberania na região
1.1. Das abordagens historiográficas e o uso da metodologia
Os conflitos no Oriente Médio são mais claramente compreendidos quando se
leva em consideração a própria historiografia dos povos que ali habitam. Diversos
estudos se propõem a analisar e contribuir para melhorar o entendimento da região. A
variação das abordagens é percebida, sobretudo, pelas escolhas teóricas, conceituais e
metodológicas dos autores.
A historiografia israelense é dividida em duas correntes: a tradicionalista e a
revisionista. A primeira vem sendo questionada por sua percepção da consolidação do
conflito e do papel dos atores no momento das interações estratégicas. Os críticos
afirmam que os historiadores tradicionalistas constroem conhecimentos polarizados que
não perceberem como o próprio Estado judaico ajudou e atuou para a própria
concretização da situação vigente. Os historiadores revisionistas, por sua vez, a partir da
década de 1980, vêm propondo novas interpretações a cerca do conflito que visam,
sobretudo, a revisão dos papéis e do entendimento da participação de cada grupo para a
materialização do mesmo.
As duas correntes que tratam do tema devem ser compreendidas pela própria
conjuntura que foram radicadas. A História é uma importante ferramenta para a
consolidação nacional e, no momento da fundação do Estado israelense, a existência de
uma corrente historiográfica que legitimasse uma História para diferentes grupos de
judeus que se estabeleciam no Estado de Israel era meio para um fim. Nos anos de mil
novecentos e oitenta, o Estado de Israel, seguindo a diretiva internacional arquivista,
começou a abrir suas fontes históricas. Os novos historiadores, tendo em posse a
documentação recém-liberada e o desejo de realizar seu trabalho sem precisar defender
o Estado e/ou uma corrente política, começaram a formar uma nova corrente
historiográfica israelense. Nesta vertente, os papéis foram repensados e o grupo
acreditava que o novo conhecimento historiográfico produzido ajudaria a consolidação
de acordos de paz na região.
Existe um imenso debate entre os dois grupos de pensadores. Os historiadores
tradicionalistas acusam os novos historiadores de distorcerem os documentos ou de só
6
olharem os documentos israelenses10 e não os árabes. Por outro lado, os novos
historiadores percebem a produção tradicionalista como uma vertente que pretende a
legitimação do próprio Estado judaico. Ambas as correntes historiográficas sofrem
ainda críticas da própria historiografia árabe que não as percebem como representativa.
Effraim Karsh e Anitta Shapira são alguns autores da corrente tradicional da
historiografia israelense. Benny Moris, Avi Shlaim, Ilan Pappé e Tom Segev são alguns
dos representantes da corrente revisionista.
Levando-se em conta que produção historiográfica é fruto de uma disputa de
poder entende-se a complexidade da região. Por isso, a escolha da metodologia
comparativa e a percepção das interações sendo estabelecidas de forma reflexiva e pela
própria especificidade do encontro são fundamentais para o aprimoramento da
compreensão das ações de ambos os lados em relação à formação do conflito. A
comparação é um método de suma importância para se esquivar de algumas armadilhas
que ambos os grupos da historiografia israelense ou mesmo árabe apresentam.
Segundo José Assunção Barros11, a História Comparada é uma modalidade
histórica marcada pela sua complexidade e é uma forma de abordagem específica da
construção do conhecimento histórico. Um dos primeiros defensores desta modalidade
foi Marc Bloch que a tinha como uma “varinha mágica”12 que possibilitava a
compreensão de aspectos específicos e gerais dos fenômenos, além de, ajudar a
compreender as causas e origens dos mesmos. Sua particularidade é a presença de um
duplo ou múltiplo campo de observação que se caracterizam como uma forma
específica de pensar e propor questões13 que devem ser regidos pelo método
comparativo. Segundo Henri Sée apud Bustamante, o método comparativo é “um
instrumento capaz de transformar a História em ciência, pois é uma alternativa, no
contexto da pesquisa, para a impossibilidade de aplicar o método experimental. Assim,
a História deixaria de ser descritiva e passaria a ser explicativa.” 14.
O estudo comparativo da região aqui delimitada é fundamental para o
entendimento, como dito por Bloch, das causas e origens dos conflitos no Oriente
Médio. O objeto deste estudo é o uso do petróleo e da força bélica como ferramentas
10
Alguns autores são acusados ainda de não utilizarem as fontes pela historiografia tradicional.
BARROS, José D´ Assunção. História Comparada- Um novo modo de ver e fazer história. In: Revista de
História comparada, volume, 1 número 1, jun/2007.
12
MAIER, Charles S. La Historia comparada. In: Studia Historica-Historica Contemporanea, Vol X-XI, 1992-93,
pp. 11-32.
13
BARROS, José D´ Assunção. Op. Cit.
14
THELM,Neide & BUSTAMENTE, Regina. História comparada olhares plurais. In: Revista de História
comparada, volume, 1 número 1, jun/2007.
11
7
políticas que os Estados árabes e o Israel estabelecerem para a obtenção de poder, a
consolidação de sua soberania e segurança estatal. Portanto, através do estudo
comparativo fazendo uso da reflexividade é possível compreender de forma mais
abrangente o conflito ampliando o próprio entendimento da região.
1.2 Mecanismos para a tomada de decisões: O papel da Teoria dos Jogos e da
Reflexividade
Além da História Comparada, as interações de ambos o lados são analisadas por
meio de algumas premissas estabelecidas pela Teoria dos Jogos15. Um jogo, ou
interação estratégica, envolve sempre a interdependência mútua das ações dos jogadores
que devem contemplar os seus objetivos e possibilidades pessoais, assim como, a dos
demais jogadores. Desta forma, quando envolvidos em uma situação onde a capacidade
decisória está em evidência, os objetivos de um jogador, seus comportamentos e os
meios pelos quais ele busca atingir os seus fins devem ser levado em conta e podem ser
objeto de estudo.
Por exemplo, o Estado de Israel, para garantir a sua segurança do dia a dia, deve
lidar, sobretudo, com infiltrações originárias de movimentos assimétricos em suas
fronteiras. A busca por segurança é, então, o objetivo último do Estado judaico e, para
isso, ele decide usar a Força de Defesa Israelense (FDI) para garantir esse objetivo. Por
ser um movimento assimétrico, o Estado atingido reage, de forma reflexiva às
investidas israelenses, podendo transformar o movimento assimétrico em um embate
legítimo entre ambos os Estados. Israel deve levar em conta que a ação que objetiva o
constrangimento do processo de infiltração de palestinos pode desencadear um conflito
em maior escala entre ambos. Desta forma, deve-se ter em mente as possíveis reações
dos demais jogadores para que a tomada de decisão seja racional.
A racionalidade para a Teoria dos Jogos é percebida como os meios que os
indivíduos estabelecem para alcançar os seus fins e objetivos. A Teoria dos Jogos não
leva em consideração a moralidade dos fins e visa à percepção das formas como os
jogadores estabelecem as suas escolhas em um processo de interação estratégica. Os
jogadores, ao entrarem em um processo de interação estratégica, tentam obter o melhor
resultado possível. Este processo ocorre quando o jogador percebe tanto o seu conjunto
de ações possíveis quanto dos demais membros e, através dessa percepção, formulam a
15
FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos: com aplicações em economia, administração e Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Ed. Elsevier, 2009.
8
sua estratégia para alcançar os seus objetivos com a menor perda possível. Este exemplo
é válido para os processos não competitivos.
Em relação à formulação das estratégias, retomando o exemplo acima, caso os
Estados árabes estivessem mais bem preparado militarmente e se o Estado israelense
não tivesse levado em conta essa diferença, o resultado não seria compensador para
Israel. A Teoria dos Jogos nos evidencia a necessidade da compreensão e conhecimento
em relação ao outro para qualquer tomada de decisão.
A Teoria dos Jogos pretende construir modelos que transcendem a subjetividade,
a conjuntura e as características e particularidades do próprio tomador de decisões. Ela
segue a lógica situacional proposta por Popper que tem como premissa a coerência das
escolhas racionais independente do momento da escolha. Segundo a lógica, as atitudes
racionais uniformizam movimentos de forma atemporal preconizando a existência de
uma racionalidade universal. Questiona-se a concepção de lógica situacional defendida
por Popper que pretende apresentar uma lógica racional universal. Acredita-se que não
existe uma lógica uníssona da racionalidade, pois o tempo, o grupo e a cultura a que
pertencem os atores geram lógicas racionais distintas e, por muitas vezes,
incompreendidas pelos outros.
A racionalidade inerente a uma lógica situacional proposta por Popper não é um
conceito hermético. Conhecer as racionalidades e as diferenças entre árabes e judeus é
um forma de compreender e aplicar com melhor resultado algumas premissas
estabelecidas pela própria Teoria dos Jogos. As escolhas estabelecidas por ambos os
lados parte e são constituídas por lógicas racionais próprias que solidificam, pela
reflexividade, as reações do processo de interação observado. O conhecimento não
serve como uma ferramenta pragmática para o controle e entendimento social conforme
a lógica situacional que Popper propõe. As ciências humanas e suas pesquisas, segundo
Rubinstein e Giddens, não devem ter a pretensão de gerar algo útil e com um
pragmatismo inerente. Esta premissa vai contra a própria visão do utilitarismo do
conhecimento produzido pelas ciências sociais que também foi criticada por Kant e que
é antagônica a própria reflexividade. Este ponto será mais bem debatido quando for
traçada a discussão a acerca da teoria proposta por Giddens.
A construção de modelos proposta pela Teoria dos Jogos também vem sendo
repensadas por especialistas como Ariel Rubistein16. A formulação de modelos é o meio
16
RUBISTEIN, Ariel. Modeling Bounded Rationality. Massachusets: MIT, 1998.
9
pelo qual os pesquisadores racionalizam retirando, assim, a subjetividade dos atores no
momento da tomada de decisão. Para Ariel Rubinstein, a construção desses modelos é
como a construção de fábulas explicativas e nem sempre as fábulas são úteis. Tanto a
construção de modelos, quanto o uso da linguagem matemática para entender um
processo que leva a tomada de decisões acarretam, segundo o autor, na perda de
múltiplas variáveis que na vida real são relevantes e, às vezes, determinantes. A
conjuntura e a personalidade do ator influenciam no processo decisório e não pode ser
negligenciado para a análise e compreensão de uma interação estratégica. O próprio
pesquisador, ao construir um modelo, está imerso em uma cultura e está sendo
influenciado pela mesma atuando assim de forma reflexiva com o próprio
conhecimento.
A Teoria dos Jogos será utilizada neste trabalho em combinação com a teoria de
Giddens da Reflexividade. Sendo o jogo uma situação que envolve interdependência
mútua, será ponderado em relação às tomadas de decisão que ocorreram ao longo da
história do Oriente Médio e, em especial, a partir do estabelecimento do Estado judeu,
pelo próprio processo de encontro. Para este trabalho considera-se que os objetivos dos
Estados transitam entre o poder, a segurança e a soberania. Fiani evidencia que a Teoria
dos Jogos ajuda a entender teoricamente as decisões tomadas pelos participantes em um
jogo. A aplicação da teoria será útil, inclusive, para a percepção dos momentos de
interação estratégica que levaram à tomada de decisão dos jogadores em um processo de
interação estritamente competitivo ou de soma zero. Neste caso, os ganhos para um lado
representam necessariamente a perda para o outro.
Os jogos estritamente competitivos nem sempre levam em conta a decisão do
seu adversário. Neste tipo de interação estratégica, o objetivo dos atores é obter sempre
recompensa positiva e não existe, segundo Fiani, “uma combinação de estratégias
preferível a qualquer outra para os dois jogadores simultaneamente”
17
. A competição
militar na região impulsionava os dilemas de segurança que será mais bem debatido
ainda neste capítulo. A guerra não é o exemplo máximo de jogos estritamente
competitivos. Existe lógica na guerra e entre os seus participantes que preferem,
presumivelmente, um empate ao invés da aniquilação mútua.
Em um modelo competitivo, a estratégia adotada pretende causar o maior dano
no adversário. No caso de estratégicas mistas, existe a tentativa de surpreender e evitar
17
FIANI, Ronaldo. Op. Cit.. p. 178.
10
ser surpreendido. Nesse caso, o ditado “dos males o menor” é uma diretiva. No ocorrido
em 1973 a solução diplomática no momento final do conflito é o menor dos males, tanto
para os partícipes do conflito quanto para as duas grandes potências que estavam
indiretamente envolvidas no mesmo, ou seja, EUA e URSS. Neste caso, a conjuntura e
a presença de outros atores influenciaram as interações estratégicas da região. Acreditase na viabilidade de trabalhar com a Teoria dos Jogos sem promover a total abstração
dos motivos que impulsionaram a tomada de decisão. A reflexividade de Giddens se
apresenta, desta forma, como uma forma de solucionar esta ausência criticada por
Rubinstein à Teoria dos Jogos.
Giddens estuda os novos dilemas instaurados com a modernidade18. Em
especial, para o autor, a modernidade traz rupturas como: a separação entre tempo e
espaço, desenvolvimento de mecanismos de desencaixe e a noção de reflexividade. O
movimento Iluminista acreditava que o conhecimento da vida social elaborado, em
especial, pela sociologia, poderia gerar o controle sobre a mesma e as suas instituições
sociais. Para este grupo, o conhecimento serviria para originar uma relação instrumental
com o mundo que suscitaria uma tecnologia para a intervenção na vida social. Giddens
critica esta vertente e percebe que “o conhecimento espirá-la dentro e fora do universo
da vida social, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como uma parte
integrante do processo.” 19.
O conhecimento produzido não é uma forma de controlar os processos sociais e
sim de reconstruir e de alterar a própria ação humana. A reflexividade da vida moderna
é o fato de que “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz
da
informação
renovada
sobre
constitutivamente o seu caráter.”
estas
próprias
práticas,
alternando
assim
20
. As práticas e as tradições são remodeladas pelas
próprias descobertas que as informam. Percebe-se como a relação constituída e
construída no Oriente Médio pode ser analisada por esta perspectiva.
A chegada do Estado de Israel consolida novas práticas pelos árabes. No
processo de encontro, tanto o conflito quanto a própria nação e nacionalidade dos povos
são construídas. Não menos importante, a própria relação é fundamentada e edificada a
partir da identificação da ameaça por ambos os lados. Neste capítulo, será proposto um
18
Para mais informações ver em: GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991
& BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: Política, tradição e estética na
ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 2012.
19
GIDDENS, Anthony. Op. Cit. p.25.
20
Idem. Ibdem, p 49.
11
debate sobre o processo de construção da ameaça com base no sugerido por Buzan. Não
somente a compreensão do outro se dá de forma reflexiva, como também, a própria
orientação política e estratégica dos diferentes Estados da região. As disputas bélicas e
diplomáticas ajudam na construção das representações que o outro materializa para o
coletivo da região. Apesar de existir divergências entre os Estados árabes, a Liga árabe
ao sancionar a negação ao Estado de Israel como uma das diretivas comum árabe exige
do Estado de Israel a sua legitimação na região pelo viés bélico. Desta forma a
identificação de ameaça se dá de forma reflexiva.
O conhecimento do outro, segundo Giddens, não gera transparência e, sim, a
alteração constitutiva da própria natureza que projeta novas direções. O estabelecimento
do Estado de Israel e a atitude que o próprio Estado solidificou na região, como a
construção de uma muralha de ferro conforme proposto por Jabotinsky21 para
desestruturar, por exemplo, qualquer esperança palestina da construção de seu Estado
gerou o enrijecimento do conflito e a necessidade de manutenção do mesmo.
A reflexividade não é relativa à reflexão, e sim, autodissolução ou auto-risco
intencional. Ela instaura no mundo a incerteza e o risco social, pois as dúvidas e as
mudanças são criadas pelo próprio sistema. Neste sentido, ela é contraditória a ideia
iluminista que não leva em consideração o próprio risco. Em alguns casos, a
reflexividade é emancipatória e, em outros, cria a estratificação. Destaca-se que a
liberdade para uns é a opressão para outros. No momento que os judeus, por exemplo,
fugindo dos progroms22, se estabelecem na região da Palestina é observada a obtenção
da liberdade deste povo. A ida para a terra de Sião era um retorno para os judeus, mas,
por outro lado, para os palestinos era uma invasão. Enquanto um povo obtém a sua
liberdade o outro a perde.
Ulrich23 percebe que o motor na reflexividade tanto pode ser manifestado pelo
conhecimento quanto pela falta do mesmo. O autor ainda pondera em relação ao
conhecimento que se estabelece como irrefutável. Em 1973, o comandante Zeira 24,
chefe da AMAN, inteligência militar israelense, achava que conhecia totalmente os
árabes e que os constantes sinais de um possível ataque eram apenas blefes dos árabes.
21
Para maiores informações ver: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro:
Fissus, 2004.
22
Um progrom se caracteriza por um ataque violento a um grupo de pessoas que destrói as suas casas, locais de culto,
negócios. O movimento usa, em geral, a violência contra os grupos minoritários e foi utilizado contra os judeus nos
séculos XIX e XX.
23
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Op. Cit.
24
RABINOVICH, Abrahan. The Yom Kippur War: The epic encounter that transformed the Middle East. New
York: Shcocken Book, 2004.
12
Ao contrário do que o estrategista acreditava, tanto o Egito quanto a Síria haviam se
equipado e estavam se preparando para iniciar um ataque surpresa ao Estado de Israel.
A negligência relacionada à racionalização política, a estatização de uma imagem árabe
e a própria falta de conhecimento foram atitudes negativas que quase levaram Israel a
uma derrota em 1973.
O conceito de dilema de segurança é um excelente mecanismo para a
compreensão tanto da reflexividade quanto da consolidação do conflito na região. A
questão bélica materializa o que é entendido como dilemas de segurança. O Estado, ao
se estabelecer, deve defender e ser promotor de seguridade. A definição de dilemas de
segurança é:
dada a natureza caótica da conjuntura internacional, caracterizada pela
ausência de uma ordem hierárquica estabelecida e internacionalmente
reconhecida como legítima, os Estados tendem a adoptar medidas que
fortaleçam as suas condições de segurança. No entanto, ao procederem desse
modo, as nações inadvertidamente agravam os sentimentos de insegurança
dos seus estados vizinhos, levando-os a adoptarem medidas que reforcem a
sua segurança, e aumentam, desse modo, a instabilidade da conjuntura em
que operam. Sendo assim, a busca individual por melhores condições de
segurança e a contra resposta que essa busca estimula na parte de outros
estados origina num ciclo vicioso de segurança-insegurança que leva à
desestabilização da arena internacional e à diminuição das condições globais
de segurança dos povos.25
A corrida armamentista e a obtenção da legitimação estatal pela supremacia
bélica fazem parte das orientações políticas de diversos Estados contemporâneos26. Esse
movimento norteia os demais Estados, devido à percepção de sua insegurança, a se
provisionarem com suprimentos que possam garantir e aprimorar a sua segurança.
Quando o Estado não é capaz de garantir esse provisionamento, ele fica vulnerável
frente aos demais. Percebe-se como o dilema de segurança estabelece relações de
reflexibilidade e como ele corrobora para a obtenção de poder entre as nações e seus
respectivos Estados.
1.3 Poder e reciprocidade: meios para a constituição das capacidades estatais
Destaca-se também o papel da reciprocidade e de suas estratégicas para a
construção das relações entre os países. Existe um grande debate em relação à
delimitação do termo que pode ser entendido tanto como um símbolo político quanto
como um conceito. A sua relevância é originada pela sua capacidade de produzir e
25
GOMES, Francisco Manuel. Segurança e defesa: um domínio único?. Jornal da Segurança e Defesa. In:
http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_txt.asp?id=439. Acessado em 15/8/2011.
26
A obtenção de poder pela questão material é uma premissa realista que será debatida mais a frente. Concorda-se
que o poder bélico seja um mecanismo de poder mais ele não é considerado como o único mecanismo para tal.
13
manter a cooperação entre países egoístas. Seu escopo político é manifestado mesmo
quando a cooperação não é tão evidente como, por exemplo, as relações entre URSS e
EUA na Guerra Fria. Apesar de ambos os países estarem em uma relação conflitiva,
existia um acordo político calcado na reciprocidade percebido pelo não enfrentamento
bélico por ambas as potências. As relações de reciprocidade se estabelecem segundo a
lógica Tic-for-Tac27: cooperação é respondida por cooperação e deserção por deserção.
Para o objeto desta análise, a reciprocidade é um importe conceito para a compreensão
da manutenção da segurança na região, assim como, para estimular acordos entre os
estados egoístas.
Segundo a proposta de Keohane28, a reciprocidade se manifesta de forma
específica e/ou difusa. O primeiro caso diz respeito à troca estabelecida entre dois atores
de itens de valor equivalente em uma sequência estrita e delimitada. Neste caso, se
alguma limitação existir, ela é originária da própria especificidade da relação dos atores
envolvidos. No segundo caso, em contrapartida, a equivalência é menos precisa, assim
como, a sequência das ações estabelecidas. A reciprocidade difusa é formada por
relações multilaterais onde as obrigações dos partícipes é mais delimitada. Neste tipo de
reciprocidade, existe a necessidade de um acordo em relação ao comportamento dos
próprios atores e um senso maior de obrigação para seguir as relações estabelecidas.
Para Keohane, apesar da dificuldade de qualificar a reciprocidade, ela se
manifesta através de duas dimensões fundamentais: a contingência e a equivalência. No
primeiro caso, a reciprocidade é mantida pelas ações de contingências recíprocas
estabelecidas pelos atores. No momento em que há a cessação das expectativas, as
relações de reciprocidade têm um fim. As trocas estabelecidas pela reciprocidade nem
sempre são equivalentes, tendo em vista que ela não é livre de poder. As relações
podem ser estabelecidas por trocas igualitárias calcadas na expectativa e em relações
desiguais que trocam valores não comparáveis. Marc Bloch percebe como as relações
entre a vassalagem europeia era, sobretudo, calcada em obrigações desiguais de
reciprocidade entre as partes. Em geral, as relações específicas estabelecem maior
equivalência entre as partes.
As relações de reciprocidade lida com as regras de compliance29 e com a
reputação dos Estados/instituições quando as diretivas são rompidas. Quando a natureza
27
KEHOANE, Robert O. Reciprocity in International Relations. In: International Organization, Vol 40, Issue I,
1986, pp. 1-27.
28
Idem. Ibdem.
29
O compliance diz respeito à capacidade dos agentes de agirem de acordo com as regras e com as normas.
14
da reciprocidade é alterada, em geral quando ocorre um ruído entre as partes, a resposta
também é estabelecida de forma distinta. Para este estudo, entende-se que tanto a
reflexividade quanto a reciprocidade são mecanismos importante para a compreensão
das ações de ambos os lados. Israel e os países árabes calcam as suas relações como
respostas as ações do outro de forma recíproca e reflexiva seguindo a lógica Tic-ForTac e são estimulados, através de acordos estabelecidos pela ONU, por exemplo, a
consolidar relações de reciprocidade sem consolidar relações de cooperação entre os
Estados30.
As violações da reciprocidade são também foco de estudo, pois ela pode gerar
uma grande alteração de um estágio de cooperação para um ciclo conflitivo entre as
partes. Quando ocorre um erro interpretativo da ação alheia, o ruído nas relações entre
os Estados também assumem outra natureza. As organizações, como a ONU, OPEP e a
Liga Árabe, têm um papel bastante importante para a conquista da reciprocidade,
justamente por reduzir os custos de uma ação que não seja condizente com a própria
normativa. Os acordos armistícios de 1949, por exemplo, delimitaram a capacidade de
atuação de Israel e dos países árabes fronteiriços no momento posterior a guerra de
independência israelense. A violação das diretrizes do acordo, além de possibilitar a
intervenção, pode ainda reduzir o comprometimento com a própria lei internacional.
Nos momentos de guerra, é possível perceber manifestações da reciprocidade
difusa, em especial, pelas leis humanitárias internacionais. Essa tenta regular a
condução dos militares durante um conflito na tentativa de limitar a destruição completa
das partes. Além da reciprocidade estatal, no contexto de uma guerra deve-se, também,
pensar no papel do soldado e os desafios vivenciados pelo mesmo. Conforme defendido
por Hobsbawm, a Primeira Guerra Mundial instaura o conceito de guerra total31. A
guerra total, segundo o autor, são enfrentamentos longos, com alta taxa de mortalidade,
invasão territorial e com um largo número de nações envolvidas. Ao contrário dos
embates ocorridos anteriormente, na guerra total, a população civil, os espaços urbanos,
a economia, a melhoria dos equipamentos militares têm novas nuances. Tendo em vista
essa nova tipologia de conflito, a lei humanitária internacional estabelece áreas que
devem ser ponderadas no momento do conflito como: 1. Bombardeiros aéreos; 2.
30
Destaca-se as seguintes resoluções da ONU para a construção da paz na região: acordos armistícios de 1949,
Resolução 242 que foi sancionada após a Guerra de 1967, Resolução 338 ratificada após os conflitos de 1973 entre
outros. Além das mediações feitas pela ONU entre árabes e israelenses, a ONU regulou ações individuais dentro do
próprio bloco árabe.
31
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
15
Acordos armistícios e cessar fogo; 3. Armamento químico e biológico; 4. Tratamentos
dos civis; 5. Proteção à propriedade cultural; 6. Condução dos mares; 7. Prisioneiros de
guerra; 8. Declaração de guerra e; 9. Tratamento dos feridos.
Todas essas áreas são desafios, não somente aos Estados, como também aos
soldados que devem pensar nas suas ações e decisões no próprio campo de batalha. A
violação das regras de reciprocidade, como já dito, pode ferir a reputação dos países.
Dentro do campo de batalha, a lógica de reciprocidade sai do escopo somente do Estado
passando também para a responsabilidade dos próprios soldados exigindo que os
mesmos cumpram as diretivas ratificadas pelo Estado. O uso assimétrico da força pelos
soldados é de responsabilidade do individuo e do Estado que responderá pelo mesmo
em caso de processos internacionais.
Outro tópico relevante para esse trabalho é o poder que tem um papel central
para a compreensão das relações internacionais e foi objeto privilegiado dos estudos da
corrente realista32 que o percebe como a habilidade de um ator usar os seus recursos
materiais, em especial, a capacidade bélica e econômica, para coagir os demais atores a
fazer o que normalmente não o fariam. A conceitualização é relevante, contudo, o poder
e as formas como o mesmo se manifesta são mais abrangentes que a proposta que leva
em consideração somente a questão materialista. O conceito vem ganhando diferentes
explicações de diferentes correntes que percebem novas formas e mecanismos do poder
atuar no seio da sociedade.
Para os neoliberais33, por exemplo, as instituições devem ser também levadas em
consideração, pois elas vêm adquirindo um importante papel nas sociedades modernas e
contemporâneas. As instituições propõem comportamentos e padrões normativos
restringindo o comportamento individual. Sua criação se dá por meio de complexos
processos de negociação entre as partes e tem como finalidade a redução de custos
contratuais que se mostraram presentes, sobretudo, no momento em que a sociedade
passa a realizar trocas comerciais exteriores e relações diplomáticas cada vez mais
abrangentes. As instituições, nesse sentido, garantem um menor custo de transação 34
32
As principais premissas realistas se calcam nas concepções de hegemonia, balança de poder e alianças para
compreender a estabilidade internacional.
33
BUENO, Newton Paulo. Lógica das ações coletivas, instituições e Crescimento Econômico: Uma Resenha
Temática sobre a nova Economia Institucional. In: Revista Economia, Brasília (DF), v.5, n.2, p.361–420 jul./dez.
2004
34
As instituições são criadas em meio a complexos processos de negociação e reduzem possíveis riscos contratuais
que podem ocorrer quando os indivíduos atuando com a sua racionalidade limitadas e propensos a agir de forma
oportunista estão realizando um empreendimento conjunto. As instituições garantem, sobretudo, a confiança entre os
atores para que acordos sejam firmados e estabelecidos. No inicio das trocas comerciais entre países havia o risco em
relação ao cumprimento do contrato e a qualidade da mercadoria recebida. Como resultado dessa instabilidade, as
16
entre as partes e configuram novas redes de cooperação e novas tipologias para entender
as formas como o poder se caracteriza. Destaca-se, para este estudo, o papel da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Liga Árabe (LA). Ambas
as organizações, além de cooperarem, estabelecem ambientes de disputas onde as
restrições se estabelecem pelas manifestações de poder nos aspectos culturais,
econômicos e militares.
Para este trabalho, o poder foi analisado conforme a proposta de Barnett e
Duvall35 que percebe o mesmo através de uma taxionomia que amplia os seus
significados. A supremacia bélica utilizada é condizente com a concepção clássica
realista, contudo, o petróleo não é um elemento imbuído de poder per si. Na conjuntura
de 1973, os países árabes passaram a utilizá-lo para aumentar a sua capacidade de
barganha frente à comunidade internacional. Percebe-se como é necessária uma
compreensão mais abrangente do conceito que é basilar para o entendimento das
relações e jogos entre atores em uma situação de interações como aqui pretendidas.
Para uma melhor compreensão das múltiplas formas de manifestação do poder, é
fundamental, segundo Barnett & Duvall 36, que se leve em conta as interações sociais
estabelecidas entre os atores e suas especificidades. O Estado de Israel se legitimou no
Oriente Médio por supremacia estratégica e uso da força bélica nos diversos embates
ocorridos na região. No contexto da guerra, o vencedor tem o maior poder de barganha
no momento posterior ao conflito aonde a diplomacia necessita atuar para estabelecer
diretrizes e arranjos para a promoção da paz ou de acordos de cessar fogo. Nesse caso,
as interações sociais se manifestam de forma específica e como uma resultante de uma
situação peculiar.
O poder pode se manifestar em dois tipos de relação social, a saber: as de
interação ou as de constituição37. No primeiro caso, o poder é quase um atributo e se
apresenta por meio de relações onde o papel dos atores já é pré-constituído, como por
exemplo, na relação existente entre um chefe e seu funcionário. Já nas relações de poder
de constituição, o poder é configurado pelas especificidades das relações sociais que são
responsáveis por produzirem determinado tipo de ator e, consequentemente, as suas
capacidades de decidirem em relação ao seu destino. As relações de interação
instituições são criadas tendo como objetivo o compartilhamento e redução dos riscos propostos por essa forma de
trocas comerciais.
35
BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Power in International Politics. In: International organization 59,
Winter 2005, pp. 39-75.
36
Idem. Ibdem.
37
Idem. Ibdem.
17
fundamentam o poder sobre enquanto as relações de constituição origina o poder de. Da
mesma forma que a questão bélica, no Oriente Médio, é percebida como uma resultante
de um processo específico, o petróleo também o é. A utilização deste recurso enquanto
instrumento estratégico deve ser ponderado, sobretudo, em relação aos mecanismos
adotados pelos atores árabes para embasarem suas ações políticas de forma a consolidar
uma crise mundial relacionada ao fornecimento de energia em uma conjuntura onde
havia a dependência mundial de sua produção.
1.3.1 Especificidades do encontro que estabeleceram o petróleo como uma
ferramenta estratégica
O petróleo é um instrumento de poder de constituição e pode ser utilizado como
tal devido a uma nova conjuntura estabelecida a partir de 1970. Até 1940, os Estados
Unidos eram responsáveis por 63% da produção mundial, enquanto a Península
Arábica, Irã e Iraque produziam apenas 5%38. Durante a Segunda Guerra, por conta da
crescente dependência do óleo, inclusive para a indústria bélica, o petróleo foi
reconhecido como um recurso estratégico sendo fundamental para a manutenção do
poderio internacional e nacional. Os Estados Unidos, por ser o maior produtor durante a
Segunda Guerra, provisionaram todos os recursos para seus aliados tendo
desempenhado uma peça chave para a manutenção do controle desta commodity no
cenário internacional. A possibilidade de que os EUA virassem importadores de
petróleo traziam questões graves a sua segurança e a segurança mundial.
No pós-guerra, os países produtores de petróleo começaram uma disputa
concernente à obtenção de sua soberania39 e em prol de sua construção nacional em
relação aos estrangeiros considerados colonizadores destes países40. Os movimentos
pró-nacionalistas dos países produtores que haviam consolidado sua indústria de
petróleo pelo sistema de concessões conseguiram que, até 1972, a produção americana
de petróleo declinasse de 64% para 22%. Neste período, de cada dez barris produzidos,
sete eram provenientes do Oriente Médio. A União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas era também uma grande produtora do recurso e tinha ambições de
comercializá-lo internacionalmente, contudo, o ambiente da Guerra Fria restringia a
capacidade comercial soviética.
38
YERGIN, Daniel. O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Neste capítulo será estruturado um debate mais profundo em relação ao conceito de soberania.
40
As lutas pelo fim das colonizações começaram no Oriente Médio no século XIX e foram mais exacerbadas depois
da década de 1940. Os movimentos nacionais serão debatidos no segundo capítulo deste trabalho.
39
18
De 1949 até 1972, o total mundial do consumo de petróleo triplicou. A
dependência do recurso foi estimulada por seu baixo preço e pela impulsão e
desenvolvimento da indústria petroquímica e dos derivados do óleo como, por exemplo,
o plástico. A diversificação do uso do petróleo tornou ainda mais complexa à
dependência do recurso. Em 1967, com a iminência da Guerra dos Seis Dias, o Egito,
sob a égide da Liga Árabe, conclamou o uso do petróleo enquanto recurso estratégico
para pressionar os países que estavam apoiando Israel, contudo, a tentativa foi seletiva e
as indústrias não eram ainda nacionalizadas. Em 1967, o embargo somente reduziu a
receita dos países produtores. A conjuntura havia se alterado em 1970, pois, além da
franca expansão do uso do petróleo, houve a redução da margem de segurança, em
especial, dos EUA como fornecedor mundial41.
Nesta conjuntura específica, seguindo a proposta de Barnett e Duvall 42, é
possível analisar os mecanismos que possibilitaram o uso do petróleo enquanto
instrumento de barganha que estabelecem um caso de poder de. Para os países aliados a
Israel, que foram afetados pelo embargo, e para o próprio Estado judaico seria
fundamental que o Israel ganhasse militarmente o confronto. Desta forma, haveria uma
nova relação de constituição sendo edificada no momento do encontro entre os atores.
Para a melhor compreensão do conceito, faz-se necessária à consideração das estruturas
que modelam à capacidade dos atores de controlar seu destino, assim como, a percepção
da forma como essas estruturas geram capacidades sociais distintas que balizam
diferentes interesses e ideais. O poder é uma produção que se constrói, portanto, dentro
e através de diferentes relações sociais.
1.3.2. Os quatro tipos de poder propostos pela taxionomia e as possibilidades das
suas manifestações do Oriente Médio
Além dos tipos de relações sociais que o poder se manifesta, os autores propõem
a ponderação em relação à especificidade do mesmo. Dentro de cada tipo de relação
social o poder pode agir de forma direta ou de forma difusa entre os atores. O
cruzamento dos tipos de relação e as suas especificidades resultam na taxionomia de
41
Em 1970, Kadafi assume o poder líbio e, inspirado em Nasser, o líder preconizava a questão nacional. O petróleo
líbio era doce e ainda tinha uma redução no preço do transporte por estar no Mediterrâneo. O líder conseguiu
aumentar a margem de lucro líbio em relação ao petróleo e tal mudança alterou o paradigma dos sistemas de
concessão e da busca pela soberania árabe frente ao seu recurso. Após a ascensão de Kadafi e o aumento da margem
de lucro líbio, a OPEP endossou a taxa mínima de 55% dos lucros e ameaçou um corte de fornecimento caso as
exigências não fossem cumpridas.
42
BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Op. Cit.
19
poder proposta pelos autores. Esta propõem quatro formas para se compreender o poder:
1. Poder compulsório; 2. Poder institucional; 3. Poder estrutural e 4. Poder produtivo.
O poder compulsório é o resultado do cruzamento de uma relação social que
atua por mecanismos de interação de forma direta. Nesse sentido, o ator A atua diante
do ator B por meio de uma posição pré-constituída que age de forma direta. Para se
qualificar enquanto poder compulsório A e B devem divergir, pois caso contrário B não
será compelido a atuar de acordo com as diretrizes de determinadas por A. A questão
material está presente nesse eixo tipológico, contudo, o poder compulsório não pode ser
ponderado somente pela questão material. Ele deve ser pensado também em relação à
questão simbólica. Existem múltiplos mecanismos para que esse poder compulsório se
manifeste.
O poder institucional é qualificado por relações de interação de forma difusa.
Nesse caso, o controle de A sobre B é exercido de forma indireta. O poder é percebido
pelos arranjos institucionais estabelecidos. A só afeta o comportamento de B pelos
acordos institucionais que limitam a restringem a atuação de B. Os maiores produtores
de petróleo do Oriente Médio não estavam em conflito direto com Israel no período
analisado. Institucionalmente, a questão palestina e o conflito com o Estado judeu, se
tornam uma questão árabe devido às diretrizes sancionadas pela LA. Nesse sentido,
mesmo contra vontade43, os países produtores árabes e persas se sentem compelidos a
apoiar a causa palestina. Para este tipo de poder, deve-se levar em conta à própria
normativa da Liga Árabe (LA) que demanda o cumprimento das normas estabelecidas
entre os atores, já que, elas se baseiam na reciprocidade entre os Estados.
O poder estrutural, por sua vez, é estabelecido através de relações de
constituição de forma direta. A posição estrutural define que tipo de ser social que o ator
é. Por isso, essa forma de poder diz respeito tanto a posição social dos atores quanto
determinam suas capacidades e interesses. Nessa configuração de poder, A só existe
devido à posição estrutural de B. O exemplo utilizado para ilustrar a relação de
constituição é ainda melhor entendido quando este é alocado na ótica do poder
estrutural. Devida à perda da capacidade produtiva dos Estados Unidos, os países
industrializados estavam em sua maioria vulneráveis as sanções da OPEP. A
dependência e vulnerabilidade dos países importadores perante os países produtores
43
Não existia um consenso entre os países árabes e persas em relação ao embargo. Havia uma divergência de
diretivas que foram unificadas pela normativa da Liga Árabe.
20
ilustram com precisão o poder oriundo do petróleo sendo resultante da posição
estrutural que ambos os países assumiam pela especificidade do encontro.
Por fim, o poder produtivo é um poder estabelecido por relações de constituição
de forma difusa. Tanto o poder estrutural quanto o produtivo não são controlados por
um ator específico. Ambos se ligam a capacidade socialmente produzida e modelam o
entendimento dos atores. O poder produtivo está presente no sistema de conhecimento e
nos discursos sociais saindo do escopo da estrutura e atuando no sistema de significados
sociais em si. Por se tratar de um poder relativo ao discurso, o poder produtivo gera
identidades sociais e em suas fronteiras. Para esse tipo de poder cita-se como exemplo o
próprio Islã e o Judaísmo. Dentro da LA, por meio do uso do dispositivo e religioso, os
países são compelidos a seguir as normas estabelecidas dentro da própria instituição. O
judaísmo age da mesma forma para aqueles que se reconhecem dentro do sistema de
significados. No caso Israel e do mundo árabe, em especial, em relação aos palestinos,
esses processos são enaltecidos pela interação estabelecida historicamente que constitui
esses povos pelo próprio encontro.
A LA tem um papel bastante peculiar, pois existe a disputa relativa à construção
das normas e tradições a serem seguidas pelo coletivo árabe. É possível perceber pela
análise da instituição como os poderes podem operar juntos e como são modelados pelo
próprio encontro. O estabelecimento da LA colocou os países árabes em um constante
processo de negociação das suas normas que são representativas tanto dos seus
interesses enquanto indivíduos quanto de suas identidades. A criação e regulação destas
normas ocorrem numa briga dos atores para legitimarem suas opiniões, pois a definição
das normas é um exercício de poder e um mecanismo de controle social. A construção
das normas não significa necessariamente um sinal de cooperação e sim do
estabelecimento de relações que possibilitam reciprocidade das ações.
A LA se manifesta através de um poder simbólico que permite que um líder
possa controlar a política externa dos demais países através dos dispositivos gerados
pela própria instituição. Quanto mais um líder consegue controlar a política externa dos
demais países, mais ele se legitima dentro da instituição que aprimora o dispositivo
cultural utilizado pelo mesmo. No âmbito da LA, existe uma forte rivalidade entre o
desejo de uma ordem regional, normas do arabismo e as suas identidades enquanto
árabes. A LA será mais bem debatida no segundo capítulo deste trabalho.
21
1.4 Segurança Partilhada e Soberania: o caso do Oriente Médio
A LA interfere também na soberania dos países árabes que devem abdicar, por
alguns momentos, de suas vontades nacionais em prol dos objetivos estabelecidos pela
instituição. Quando alguns líderes iam contra as diretivas da Liga, eles eram
questionados em relação a sua própria constituição enquanto árabe. Diante desses
desafios que a soberania apresenta Krasner44, em seu livro intitulado Soberania: uma
hipocrisia organizada, questiona o papel da soberania na conjuntura internacional
globalizada. O conceito de soberania se estabelece como um conceito de interesse deste
trabalho.
Para melhor compreensão do termo, Krasner reconhece o uso e existência de
quatro formas da soberania de manifestar, a saber: 1-soberania legal internacional que é
entendida como reconhecimento mútuo estabelecido usualmente entre territórios
juridicamente independentes. Ela depende tanto da autoridade quanto na legitimidade
dos Estados; 2-soberania westfaliana se caracteriza pela exclusão de forças externas na
política nacional. Assim como a soberania legal internacional, ela se embasa tanto na
autoridade quanto na legitimidade dos Estados; 3- soberania doméstica está relacionada
à organização formal da autoridade política junto o Estado para exercer controle de suas
fronteiras. Este tipo de soberania é respaldada tanto na autoridade quanto no exercício
de controle; e, por fim, a soberania dependente que está sujeita somente ao controle do
Estado e é percebida como a habilidade das autoridades de regular informações, ideias,
bens, pessoas, poluentes ou capital através das suas fronteiras.
No cenário internacional, existem formas de violar os diferentes tipos de
soberania. A soberania internacional é reconhecida como um importante instrumento
político e se manifesta, por exemplo, no caso Israel-Palestina45. O não reconhecimento
por ambas os lados de sua soberania legal internacional é uma forma de consolidar uma
disputa que visa à legitimação e a obtenção de territórios pelo não reconhecimento do
outro em relação ao seu direito enquanto entidade nacional. O caso Israel-Palestina é
um conflito ideológico e reflexivo, pois cada vez mais as ações de ambos os lados vão
consolidando e configurando as identidades nacionais do outro. Assim como Peter
44
KRASNER, Stephen D. Sovereignty: organized Hyprocrisy. New Jersey: Princeton Press, 1999.
Depois da conferência de Catrum, os países árabes como um todo estabeleceram a diretiva do não reconhecimento
do Estado de Israel. Isso demonstra, sobretudo, os usos políticos que este tipo de soberania possibilita. Para mais
informações, ver anexo 3.
45
22
Demand46 propõem, existe a necessidade de reconhecer os paralelismos estruturais que
formam os movimentos nacionais em ambos os lados.
O reconhecimento enquanto entidade política no sistema internacional é
pleiteada por todos os países e governantes. Diz-se governantes, pois existem casos
específicos aonde ocorre o reconhecimento do governo e não necessariamente do
Estado. A lei básica da soberania legal internacional é que o reconhecimento é estendido
às entidades e Estados com jurisdição autônoma, por isso, esse tipo de soberania vem
sendo usada constantemente como um mecanismo político. Krasner ressalta que “a
frequência e efetividade do uso do reconhecimento como um instrumento político
depende tanto da distribuição de poder e a amplitude do conflito ideológico” 47. É
possível tecer importantes reflexões sobre a questão palestina-israelense e as questões
relativas ao poder. O não reconhecimento do Estado palestino apresenta uma questão
bastante importante que é a impossibilidade de formar um exército nacional. A causa
palestina se tornou, em especial, após o final da década de 1950 e início da década de
1960, uma causa árabe. Ao longo dos conflitos os palestinos dependiam da força militar
dos demais países árabes ou então do uso de forças não legitimadas pelo Estado.
Por ser um país que se saiu vitorioso durante todos os embates estabelecidos no
Oriente Médio no período, Israel tinha um maior poder de barganha. Neste sentido,
conseguia legitimar-se frente, sobretudo, aos palestinos que foram representados pelos
demais países árabes nas rodadas de negociação. O não reconhecimento da soberania
legal internacional palestina foi proposta até final da década de 1950 inclusive por
alguns países árabes48. No momento da declaração de independência israelense, por
exemplo, os países árabes, considerando o problema palestino como uma causa árabe,
foram ajudar os seus correligionários. Contudo, eles transmutaram parte das rivalidades
internas da própria Liga recém-fundada para o campo de batalha aonde agiram muito
mais de forma autônoma do que coletiva.
Além de uma falta de confiança, os países árabes fronteiriços a Israel que
atuaram na causa palestina estavam conquistando e construindo suas nações. Neste
sentido, estava sendo constituídas as soberanias e as representações dos seus próprios
líderes. Não havia ainda um exército bem estruturado em relação às estratégias militares
46
DEMANT, Peter. Identidades Israelenses e Palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto; VIGEVANI,
Tullo (org). Israel-Palestina. A construção da paz de uma perspectiva global. São Paulo: Unesp, 2002.
47
KRASNER, Stephen D. Op. Cit. p. 15.
48
Para mais informações ver: SHEMESH, Moshe. The Palestine Entity 1959-1974. London: CASS, 1996.
23
e ao potencial bélico. Para os israelenses houve um maciço investimento no exército que
garantiam tanto soberania e poder ao Estado judaico.
A soberania internacional é bastante atrativa, pois o reconhecimento permite que
os Estados estabeleçam acordos entres si reduzindo assim o grau de incertezas. O não
reconhecimento, por sua vez, freia investimentos, contratos e possíveis cooperações
com empresas internacionais. Para os líderes, o estabelecimento de acordos e a garantia
da possibilidade da concretização dos mesmos pode ainda aumentar sua reputação e a
sua habilidade de continuar no poder, além de, promover segurança e melhoramento
econômico do país. Percebe-se a importância desse tipo de soberania para os chefes em
relação a sua legitimação. O reconhecimento da igualdade e autonomia jurídica dos
Estados ainda é uma premissa, apesar de não garantirem a integridade territorial dos
Estados, fundamental para que lideres se comprometam voluntariamente a aspectos da
soberania westfaliana.
A soberania westfaliana é violada pela assimetria de poder entre os Estados.
Além disso, os direitos humanos, direitos da minoria, responsabilidade fiscal e o
desrespeito às normas estabelecidas internacionalmente podem gerar também a violação
deste tipo de soberania. Assim como a soberania internacional, a soberania westfaliana
pode ser usada para angariar poder e frutos políticos.
No contexto da guerra de 1967, as forças de paz da ONU foram retiradas do
território egípcio no momento do planejamento do confronto a ser estabelecido na
região. As forças de paz de ONU foram destinadas ao local no pós-guerra do canal de
Suez e conforme acordado com o Egito, assim como com os demais países da região,
elas saíram assim que uma das partes pedisse a retirada. Apesar de sair da região após o
pedido, havia a violação da soberania wesfaliana. Nem sempre os Estados têm a
oportunidade de controlarem as instituições que estão agindo no seu território como, por
exemplo, no caso das empresas concessionárias de petróleo. Foi necessária uma luta
política por parte dos países árabes para que o controle estrangeiro de sua produção e
violação de sua soberania fosse revista. A OPEP se consolida como uma importante
organização para a conquista da soberania de sua produção.
Os dois princípios que a norteiam são a territorialidade e a exclusão dos atores
externos da estrutura doméstica. Ocorre a violação desse tipo de soberania quando
atores externos determinam a estrutura interna de um país. No caso estudado, existe
uma infinidade de exemplos como: as guerras e as decisões tomadas no momento do
pós-guerra, a própria questão petrolífera para os países que sofreram as sanções, a
24
atuação da Liga e a questão palestina. A Guerra dos Seis dias possibilitou conquista por
parte israelense de uma grande extensão de terras árabes. Houve uma recusa, no
momento da negociação, da devolução das mesmas estabelecendo, assim, uma violação
da soberania wesfaliana. Cabe lembrar que dentre as conquistas realizadas pelo Estado
judeu foi à parte oriental de Jerusalém que estava sobre domínio jordaniano.
A violação desse tipo de soberania não é somente estabelecida por questões de
coerção e de uso do poder. Algumas vezes, a intervenção é feita através de convites ou
por aspectos voluntários. Em geral, a literatura não aponta muitas ocasiões aonde os
governos conclamam por intervenção externa, pois isso demonstra o enfraquecimento
do poder do líder ou das instituições. Além da fragilidade do poder, os outros tipos de
soberania podem estar ameaçados pela fragilidade do Estado. Para que a soberania
westfaliana esteja presente faz-se necessário a existência de territórios delimitados e
específicos aonde às políticas domésticas são legitimas.
Krasner49 aponta quatro formas que os desvios das normais institucionais e das
regras podem ocorrer: por meio de convenções, contratos, coerção e imposições. Tanto
os contratos e convenções são acordos voluntários aonde existe o melhoramento do
equilíbrio de Pareto50 entre os atores. Na coerção, o alvo pode escolher em regular as
restrições sofrendo sanções e não existe a possibilidade de melhoramento de Pareto. A
imposição não dá escolhas ao país alvo da medida. Ela se estabelece, sobretudo, quando
os interesses são divergentes e existe a assimetria de poder.
A soberania frente à produção do petróleo não veio junto com a obtenção das
soberanias nacionais dos países produtores do Oriente Médio. O petróleo da região
começou a ser explorado ainda no início do século XX e foi, até a década de 1970,
produzido pelas empresas internacionais que haviam consolidado acordos de concessão
com os governos árabes. O sistema de concessão retirava do Estado donatário do
recurso qualquer controle de produção, capacidade de exercer sua soberania e até a
possibilidade de estabelecimento do preço no comércio internacional. No início da
exploração da commodity, devido ao alto custo inicial do investimento e do risco da
49
KRASNER, Stephen D. Op. Cit.
O conceito conhecido como ótimo de Pareto advém da economia. Segundo Vilfredo Pareto, uma situação
econômica é ótima quando não é possível melhorá-la sem degradar a situação do outro. Um ponto importante do
conceito é que ele não está necessariamente condicionado a aspectos socialmente aceitáveis ou benéficos. A
concentração de renda não gera igualdade mais pode ser um ótimo de Pareto. Por outro lado, o equilíbrio de Nash
estabelece que em uma combinação de estratégias não exista possibilidade de melhoria do resultado individual caso
os demais membros não alterem também a sua estratégia. O equilíbrio de Nash se qualifica pela melhor escolha em
relação à estratégia dos demais atores, sendo assim, as condições ótimas para um jogador depende das estratégias de
todos. Os jogadores não obtêm, pelo equilíbrio de Nash, o melhor lucro possível, mas sim o melhor lucro resultante
das escolhas dos demais jogadores.
50
25
extração somado a falta de especialistas árabes na área, o sistema de concessão era um
meio pelo qual os árabes teriam para aumentar a sua economia nacional e possibilitar a
constituição da indústria do petróleo em seu território. Com o aumento da demanda e
dos lucros originários pela comercialização do recurso, os países árabes, a partir da
década de 1950, começaram a defender e almejar a nacionalização dos poços51 que foi
conquistada somente na década de 1970.
Os EUA, após as nacionalizações do Oriente Médio, haviam perdido a
capacidade de influenciar o mercado mundial de petróleo. Por conta das nacionalizações
e da crescente dependência do mundo frente ao recurso, os EUA, assim como demais
países industrializados, estavam vulneráveis e dependentes do petróleo do Oriente
Médio. Conforme estabelecido pela Liga e ratificado pela OPEP, os Estados que
apoiassem Israel sofreriam sanções e restrições em relação à compra do recurso. Além
de um exercício de poder, foi também uma tentativa de ruptura da soberania westfaliana
por parte dos países árabes aos países favoráveis ao Estado judeu.
A crise do abastecimento trouxe instabilidade e insegurança e cada país
experimentava a crise de uma forma distinta. Fontes energéticas alternativas como o
xisto eram possibilidades, contudo, o projeto demandava um alto investimento e tempo.
A própria crise mudou o comportamento dos países ocidentais frente a si mesmos e
frente ao Oriente Médio. A busca pelo recurso na conjuntura de crise ocasionou o
afastamento dos países europeus dos Estados Unidos. Os primeiros acusavam os EUA
de serem beligerante, enquanto, o segundo acusava a Europa de ser bajuladora. Apesar
da política do embargo estar direcionada aos países industrializados diretamente, foram
os países em desenvolvimento que mais sofreram no período. O alto preço do barril de
petróleo desestabilizou a economia local desses países que não conseguiam adquirir a
mercadoria. As nações industrializadas e as que estavam se industrializando tiveram sua
soberania diminuída, sua política limitada e sua segurança atacada com o embargo.
Além do embargo, o exercício da soberania pelos países árabes pode ser
percebido mesmo em 1967, quando a Síria e o Egito fecham os portos para evitar ou
dificultar o escoamento do petróleo. Tal atitude é uma forma de exercer a soberania
doméstica e westfaliana. O mesmo procedimento havia sido utilizado pelo Egito no
momento anterior ao confronto ocorrido em 1956 quando, após a consolidação do
51
O processo de nacionalizado foi realizado em diferentes momentos pelos países. Em 1951, no Irã, Mossadeq tenta a
nacionalização dos poços de petróleo, contudo, a tentativa não foi bem sucedida. Como resultado, o Xá Pahlavi,
apoiado pelos países ocidentais, é nomeado líder Iraniano até a sua deposição em 1979.
26
governo dos Oficiais Livres, o Canal de Suez é fechado para a livre passagem dos
navios. Vale ressaltar a importância estratégica do canal que ficava sobre jurisdição e
soberania egípcia. Após o confronto, devido à vitória israelense, o canal deveria ficar
aberto para o livre tráfego marítimo, assim como, forças de paz da ONU deveria ser
alocadas na região.
Depois das derrotas nas guerras de 1948 e 1956, os países árabes do Oriente
Médio começaram uma grande corrida armamentista. O Egito tentou comprar armas
americanas que só realizariam a venda caso fosse concretizado um pacto de defesa entre
os dois países. A proposta não foi bem recebida pelo Egito que acabou realizando seu
contrato para compra de armas com a URSS. Depois das derrotas, os países árabes
necessitam de uma vitória que poderia ser alcançada tanto pela supremacia bélica
quanto pelo uso do petróleo.
Devido à morte de Nasser e saída de um líder que tentava romper com a
soberania dos demais países árabes, o Egito, liderado por Sadat, conseguiu estabelecer
novas possibilidades de cooperação com os demais países árabes. Havia a recusa
israelense em devolver parte dos territórios conquistados em 1967 que ficaram sob sua
soberania e que, segundo seus líderes, consolidavam fronteiras defensáveis. Para que
houvesse a alteração da balança de poder na região por meio da qual os países árabes
pudessem alterar os rumos das negociações para a retomada dos territórios com os
israelenses, seria necessário que eles fossem vitoriosos em um confronto com o Estado
judeu.
Vale ressaltar que os países fronteiriços, caso atacassem juntos o Estado judeu,
representaria um sério desafio para o Israel que precisaria de um grande contingente e
de uma excelente estratégia para se defender de forma mútua dos múltiplos fronts de
batalha. Em 1973, os israelenses acreditam na sua superioridade bélica e na
incapacidade árabe em se renovar. Devido à recusa em reconhecer a humilhação
ocorrida em 1967, os países árabes investiram na melhoria de suas forças armadas tanto
em relação ao contingente quanto em relação aos recursos bélicos.
Os pontos relativos à obtenção de poder e a consolidação de suas soberanias
tanto por Israel e quanto pelos países árabes se configuram como pontos fundamentais
para o entendimento das políticas estabelecidas por ambos. Deparam-se também com
questões relativas à segurança e defesas nacionais. Existem múltiplas visões do que é
segurança e a relatividade do conceito é mensurada em relação à centralidade do Estado,
das forças militares e dos setores públicos pelos os teóricos do tema. Apesar de
27
diferentes pontos de análise, o entendimento comum dos grupos é de que a segurança
diz respeito à proteção contra as ameaças externas aos interesses fundamentais e valores
básicos do Estado.
Ela só é um problema político quando se tem uma ideia clara sobre as ameaças e
vulnerabilidades do Estado que deve, portanto, para garantir a sua segurança, reduzir as
suas vulnerabilidades ou enfraquecer suas ameaças. Neste caso, a política deve ser
direcionada tanto para dentro (para enfraquecer as vulnerabilidades) quanto para fora
(em relação às ameaças). A concepção é criticada, em especial, por aqueles que
analisam, como Ayoob, os países em desenvolvimento e que percebem o binômio como
sendo relativo e representativo dos países ocidentais ou já desenvolvidos. Para países
em desenvolvimento, os dilemas para a segurança são voltados para dentro do país
como, por exemplo, crime organizado, baixa coesão social e enfraquecimento do
Estado. Para Ayoob52, o processo de formação do Estado (State Biulding) é inseparável
e está interligado à sua segurança. Os países em desenvolvimento estão, desde a sua
descolonização, empenhados na própria formação dos Estados, já que, devido à baixa
coesão e a necessidade de legitimar-se internamente, solidificam as vulnerabilidades no
seio e no centro do próprio Estado.
Tilly apud Rudzit e Nogami53 entende que o Estado é a fonte da violência
organizada e os agentes do Estado devem agir em quatro frentes distintas, a saber: fazer
guerra; formar o Estado; proteger a população e; extrair riquezas. Neste sentido, os
autores apontam que:
[...]o processo de State Building pode ser descrito como o processo pelo qual
o Estado não somente cresce economicamente e mantém a coerção
governamental, mas também tem poderes políticos e institucionais,
resultando no controle central do seu território e população, como o
monopólio legítimo sobre os meias de violências dentro das fronteiras, e a
capacidade de permear significativamente a sociedade que é englobada por
este Estado. 54
Além de o conceito ser relativo à própria formação do Estado, ele também diz
respeito a todos os processos que envolvem a própria formação nacional (Nation
Building). Como evidenciado na citação, a segurança diz respeito ao território, às
instituições e àqueles que representam a territorialidade e institucionalidade do mesmo.
52
AYOOB, Mohammed. Regionall Security in the Third Worls. Austrália: Croom Helm, 1986
RUDZIT, Gunther& NOGAMI, Otto. Segurança e Defesa nacional: conceitos básicos para uma análise. In:
Revista Brasileira de Política internacional. 53 (1): 5-24, 2010.
54
Idem. Ibdem.
53
28
Autores oriundos da Escola de Copenhague55 vêm percebendo a segurança como
uma construção feita socialmente. Existem práticas intersubjetivas onde o securitizador,
para estabelecer a sobrevivência de uma unidade, preconiza a existência de uma
ameaça. Para Buzan56, não é possível medir a segurança de forma objetiva, pois mesmo
a entrada de um tanque em um determinado território é resultante de uma hostilidade
que fora construída de forma não objetiva.
As fontes de ameaça são resultados das construções sociais e, por isso, analisar
conceito “ato de fala”57 é fundamental para a escola. Os discursos estabelecidos para
definir ameaças não são necessariamente aceitos de forma imediata. Faz-se necessário
que o discurso seja socialmente aceito a ponto de se justificar a quebra das regras
políticas para o contrabalanceamento das ameaças.
O “ato de fala”, além de ser utilizado para conclamar o uso da força, é também
uma forma do Estado de se mobilizar e de invocar poderes especiais para lidar com uma
ameaça existente. Buzan completa ainda que “securitização pode ser entendida como
uma versão mais extremada da politização, pois, em teoria, qualquer assunto público
pode ser posicionado no espectro que varia do não politizado [...], passando pelo
politizado [...] até a securitização.” 58. A segurança e as ameaças percebidas constroem
os planejamentos de defesa de cada Estado. As políticas devem estar atentas aos
seguintes pontos de interesse para consolidação da política de segurança nacional:
defesa, educacional, saúde, econômica, externa, industrial, agrícola e energética.
A segurança diz respeito à clara definição dos interesses nacionais. Quando
definidas as ameaças e pensando no proposto pela Escola de Copenhague, é possível
perceber em quais instâncias um país está disposto a ir à guerra. Tanto Israel quanto os
países árabes se viam enquanto povos ameaçados e, por isso, suas estratégias foram
consolidadas pelos discursos subjetivos que tinham ainda como base a filosofia religiosa
que trazia novos entraves para a resolução do conflito. A identificação das ameaças
possibilita o estabelecimento da estratégia e a atribuição das responsabilidades para que
cada setor possa reduzir as fontes de ameaça.
55
Para mais informações ver: DUQUE, Mariana Guedes. O papel da escola de Copenhague nos estudos de
segurança internacional. In: Contexto int. vol.31 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292009000300003. Acessado em: 11/11/2013.
56
Buzan, Barry; Waever, Ole. Regions and Powers: the structure of International Security. Cambridge University
Press, 2003.
57
O ato de fala diz respeito às consequências que um discurso carrega. Os discursos trazem demandas sociais para a
construção das decisões para o contrabalanceamento e ações para a redução das ameaças.
58
RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Op. Cit.
29
O conflito árabe e israelense é multidimensional e precisa ser analisado em
múltiplos aspectos. Assim como o conflito, o entendimento da segurança nacional da
região é complexo e ratifica o próprio conflito. Para os árabes, a segurança israelense
funciona como uma forma de se mascarar as suas ideias e princípios imperialistas. A
expansão territorial, em 1967, por Israel fora justificada, por exemplo, pela
impossibilidade de defesa do território com as fronteias pré-guerra. Para os árabes, esse
discurso era somente representativo de um ideal imperialista que Israel estabeleceu na
região. Os israelenses, por sua vez, não reconheciam a necessidade dos árabes em
estabelecer a sua segurança. Ambos se viam como ameaçados e não como fontes de
ameaça.
Esta diversidade de entendimento levou a perpetuação do conflito. Segundo AlMashat:
cada ator tentou manipular o conflito para alcançar vantagem própria e para privar
outros atores para alcançar qualquer beneficio. Ambos os lados tentaram externalizar
os seus problemas domésticos na forma de conflitos e guerras. Cada lado tentou
penalizar o outro severamente para ter como promover a retaliação. Cada lado tentou
assegurar apoio internacional para atender aos seus objetivos.59
A segurança árabe não é oriunda somente do Estado soberano árabe. Ela se
manifesta também de forma regional. Israel seria então um intruso que, segundo AlMashat, visa destruir a força centrípeta árabe. Por conta de uma ameaça clara, o Estado
judeu estabeleceu uma importante estratégia em relação aos seus objetivos e metas para
defesa e segurança nacional. A atuação árabe e a falta de uma estratégica clara
possibilitava uma melhor capacidade de manobra do Estado judaico para alternar entre a
opção militar e os meios políticos. Apesar de estar no mundo em desenvolvimento,
Israel não se apresenta como tal. O desenvolvimento israelense foi bastante expressivo
na região possibilitando um crescimento econômico rápido e bastante significativo ao
país. Além disso, os desafios propostos por Ayoob para a consolidação da segurança
israelense eram relacionados a própria formação do Estado.
As hostilidades, as violências e os desafios para a segurança regional e estatal
foram desencadeadas por conflitos tanto regional quanto interestatais e as grandes
potências tiveram um papel fundamental. A Guerra Fria fez da região alvo de disputas
de poder entre EUA e URSS. Havia um grande interesse ocidental pelo Oriente Médio
por conta do petróleo evidenciando a importância estratégica do local para as grandes
59
AL-MAHAT, Abdul-Monem.The Arab- Israeli Conflict: A view from Cairo. In: AYOOB, Mohammed
(ed.).Regional Security in the Thrid World. Sidney: Croom Helm, 1986. p. 138.
30
potências. O petróleo era ainda um meio para a manutenção da segurança nacional em
diferentes agendas políticas entre os países ocidentais. A perda do controle da região
dificultaria as questões relativas as políticas de defesa, políticas econômicas, políticas
indústrias e políticas energéticas. Por isso, o recurso influenciou muito as relações
externas entre o Oriente Médio e o resto do mundo.
O contingente militar árabe era superior ao israelense e, por isso, a estratégia
adotada pelo Estado de Israel visava a desarticulação da segurança regional proposta
pelos árabes. A viabilidade da segurança de Israel era almejada por todos os seus
governantes, já que, segundo a ideologia israelense o poder possibilita a paz. Como
explicitado, o poder de barganha no momento posterior a guerra era fundamental para
que Israel pudesse manter a segurança do Estado. Ao contrário dos árabes, Israel tinha
objetivos claros. Estes eram a manutenção da supremacia militar, obtenção da aceitação
regional e consolidação de relações com os EUA.
A superioridade militar deveria estar atrelada ao desenvolvimento tecnológico.
Ambas seriam fundamentais para que Israel pudesse manter a sua segurança contra a
ameaça identificada árabe. A estratégica israelense defendia que as guerras deveriam ser
travadas para fora de seu território. É possível observar como todo planejamento
estratégico e operacional feito pelo Estado judeu, em 1956 e 1967, obedeceram a essa
regra. O mesmo não pode ser afirmado na guerra de 1973, já que, devido às conquistas
territoriais e a descrença da possibilidade de um confronto, não foi elaborado um
planejamento estratégico e de defesa a época.
Em relação à segurança árabe, Al-Mashat indica a falta de um objetivo claro.
Como havia o desejo pela construção de um sistema regional de segurança, a liderança
da mesma seguiu a própria Liga. Na década de 1950 e 1960, o Egito assumiu um
importante papel para a criação dos discursos e das fontes de ameaças para os árabes. A
partir de 1962, Nasser começa a perder a sua reputação e a liderança egípcia começa a
mostrar os primeiros indícios de sua fragilidade. Por conta das nacionalizações dos
poços de petróleo e a importância do mesmo no cenário internacional, os países
produtores, em especial, o Iraque e a Arábia Saudita, começaram a assumir a liderança.
O petróleo não é uniformemente distribuído na região e é possível perceber uma
grande polarização entre os países produtores de petróleo e os não produtores. Os
Estados produtores tinham um grande fluxo de dinheiro circulando no seu território o
que possibilitou a compra de armas e consolidação de acordos com ganhos relativos e
absolutos mais expressivos que os países não produtores.
31
Essa diferença entre os países árabes foram reduzidas pelas normativas
estabelecidas pela Liga Árabe que consolidavam a necessidade de cooperação do líderes
que estabeleciam, assim, relações sociais calcadas na reciprocidade da normativa
regional. Conforme apontado, o conflito não é linear e nem objetivo tendo em vista as
variáveis subjetivas que estão permeadas no mesmo. É possível, portanto, através do
arranjo metodológico, conceitual e teórico apresentado realizar um estudo que
possibilite uma maior compreensão das interações estratégicas de ambos os atores tendo
em vista o seu desejo de obtenção de segurança e soberania através de duas ferramentas
políticas que originavam, sobretudo, poder aos Estados.
32
Capítulo 2: Formação do Estado Judaico, Consolidação das independências
Árabes e o papel da Liga Árabe
2.1 A ida dos judeus para a região da palestina e a constituição da questão
palestina
O Oriente Médio, tal qual é conhecido nos dias de hoje, era, até o primeiro
quartel do século XX, um império conhecido como Império Otomano. A população da
região era constituída por uma maioria árabe que se manteve majoritária mesmo após o
declínio do Império Otomano e a constituição dos protetorados britânicos e franceses.
Os habitantes da região eram considerados pelos europeus, como um povo retrógrado60,
que deveria ser civilizado pelos altos valores culturais da Europa. O próprio nome
Orientalismo é, para Said, uma invenção cultural e política dos Europeus:
No inicio do século XIX, as teses de atraso, degeneração e desigualdade
orientais em relação ao Ocidente associavam-se muito facilmente as ideias
sobre as bases biológicas da desigualdade racial.[...] toda a questão do
imperialismo, assim como era debatida no final do século XIX tanto por próimperialistas como por anti imperialistas, levava adiante a tipologia binárias
das raças, culturas e sociedades adiantadas e atrasadas (ou subjugadas).
Chapters on the principle os international law (1894), de John Westlake,
argumenta, por exemplo, que as regiões do mundo designadas como
“incivilizadas” (uma palavra que carrega o peso de pressuposições
orientalistas, entre outras coisas) deviam ser anexadas ou ocupadas pelas
potências adiantadas.[...].61
A região compreendida pelo Império Otomano foi uma área que despertou
grande interesse e constantes disputas entre a Grã-Bretanha e a França62. O
imperialismo e a noção de atraso justificaram as invasões e o estabelecimento de
protetorados na região. A formação nacional e os Estados Nacionais são resultantes dos
embates em resposta aos processos de dominação63 pelas potências europeias e,
também, como no caso Palestino, pelo estabelecimento do Estado Judaico. Somente a
partir da década de 40 do século passado é que os Estados da região começam a
conquistar a sua independência. Devido às diferentes dominações/colonizações é
possível perceber a consolidação das diferentes nações que ora configuram o Oriente
Médio.
60
SAID, Edward. O Orientalismo: O oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Cia das Letras 2007.
Idem. Ibdem. p. 280/281.
62
Destaca-se ainda que o petróleo na região começou a ser explorado entre o último quartel do século XIX e o inicio
de século XX. Além dos interesses originários do próprio imperialismo, as grandes potências estabeleceram-se na
região pelo regime de concessão dos poços. Os Estados Unidos e a Holanda tiveram um papel importante na disputa
pelo domínio dos poços.
63
A França tinha o domínio da Síria e do Líbano e os Britânicos controlavam a Palestina, Transjordânia, Palestina e
Iraque.
61
33
O Estado é uma invenção moderna, contudo, o termo Estado não é novo. O
conceito de Cidades-Estados foi atribuído à forma administrativa e organizacional
estabelecida ainda no Império Grego. Mesmo que o Estado Moderno seja totalmente
distinto do experimentado pelos gregos, a experiência grega é percebida como a
primeira demonstração clara de um sistema estatal. O estabelecimento do Império
Romano destrói as Cidades-Estados gregas.
Após a queda do Império Romano, a religião cristã fundou um tipo de império
religioso onde a fé era fundamental para o estabelecimento de elos comuns entre as
regiões administrativas feudais. O cristianismo, ao mesmo tempo em que unificava os
diferentes povos, também os diferenciava dos demais como, por exemplo, dos judeus e
dos islâmicos. A crise do feudalismo que começou no século XIV, o restabelecimento
das cidades, o florescimento científico, a reestruturação do comércio entre outros
possibilitaram a criação de uma nova conjuntura. Nesta, um novo sistema político é
erguido surgindo, assim, os Estados Nacionais Modernos e, junto com eles, as nações e
os nacionalismos. Como defendido por Eric Hobsbawm 64, os Estados Nacionais, os
nacionalismos e os símbolos nacionais são tradições inventadas e não coisas naturais
como, às vezes, entendidos. Ao contrário de Hobsbawm que concebe o processo de
construção dos sentimentos nacionais como uma política originária de cima para baixo,
Benedict Anderson defende a ideia de que esses movimentos nascem de um sentimento
de pertencimento de um grupo de pessoas a uma comunidade imaginada. Anderson
percebe as comunidades imaginadas como sendo legitimadoras do próprio Estado
enquanto entidade política, portanto, para o autor, a nação/nacionalismo é um
movimento estabelecido de baixo para cima.
Estados e nações são conceitos distintos, apesar de estarem em convergência e
serem dependentes. A relação entre eles ainda foi mais solidificada com a ideia da
autodeterminação dos povos. Foram diversas as mudanças que o Estado Moderno impôs
aos homens. Uma das mais relevantes foi a percepção individual e coletiva do(s)
homem(s) dentro deste Estado, seja agora como um cidadão com direitos políticos ou
por pertencerem a um grupo nacional que é representado por este mesmo Estado. A
ideia de nação não só serviu e vem servindo, como uma ferramenta de legitimação do
Estado, como também para a legitimação dos povos.
64
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
34
Justamente neste processo é que os judeus se percebem como iguais e revivem o
projeto de retorno à Terra de Sião65. O projeto sionista começa a ganhar força e adeptos
a partir de 1895. Os judeus, que outrora estavam sujeitos aos “outros”, desejam
construir sua nação e se viam como sendo possuidores de sentimento nacional próprio.
David Biale66 percebe como os judeus saíram de um extremo de total sujeição ao outro,
onde ansiavam por uma nação e por soberania, para outro extremo, onde tinham um
poder forte consolidado e legitimado dentro do Estado de Israel.
Foi no primeiro Congresso Sionista realizado em 1897, como defendido por
Herzl, pai do sionismo, que a nação judaica foi fundada. Segundo Herzl, “Na Basiléia,
eu fundei o Estado judeu. Hoje, se dissesse isso em voz alta, teria como resposta uma
gargalhada universal. Talvez em cinco anos, e certamente, em cinquenta, todos saberão
disso”67. O Congresso da Basiléia legitima a ideia defendida pelo pai do sionismo nas
diferentes comunidades judaicas europeias: a de que o problema judaico era uma
questão nacional, ou melhor, ausência de uma nação. Antes do congresso, já existiam
movimentos migratórios para a Palestina. Contudo, o Congresso validou a ida massiva
das múltiplas e diferentes comunidades judaicas para a região objetivando a construção
de um Estado Nacional para os judeus.
A escolha da Palestina foi decorrente dos elos religiosos e simbólicos que as
múltiplas comunidades judaicas tinham com o local. Apesar de se perceberem como um
povo, havia a fragmentação territorial e a existência de múltiplas comunidades que se
apresentavam como um desafio para os idealizadores do movimento sionista. A
Palestina, apesar de possuir uma minoria judaica, era habitada, ainda, por muçulmanos,
sobretudo, por árabes. Os sionistas estavam conscientes da existência dos árabes no
local, mas sua maior preocupação era a assimilação dos judeus na terra e a solidificação
desta comunidade nascente formando, assim, uma nação que é fundamental para a
constituição o próprio Estado. No final do século XIX, os defensores da concretização
do Estado judaico na região, enviaram dois rabinos para averiguar as condições da
65
Os judeus deixaram a região após a expulsão propulsionada pelo Império Romano. Foram muitas as tentativas de
expulsão do povo judeu da região. Não somente de expulsão, como também tentativas de acabar com a sua
estabilidade cultural. Os judeus responderam as tentativas de dominação e de desarticulação cultural com revoltas
como a dos Macabeus e com movimentos de resistência como o ocorrido em Massada e narrado pelo historiador
Flávio Josefo. De todos esses processos, a destruição do grande templo, atual Kotel ou Muro das Lamentações, e os
escombros de Massada constituem, no imaginário judaico, um símbolo representativo de lutas e resistência e de
identidades com a região estabelecida em tempos remotos e presentes na vida das comunidades judaica de ontem e de
hoje.
66
BIALE, David. Power and Powerlessness in Jewish History. Schocken Books, 1986.
67
SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004. p. 39.
35
região e a resposta obtida era que “a noiva é bela, mas está casada com outro homem”68.
Os rabinos perceberam que havia outro povo na região sendo este fato conhecido por
aqueles que defendiam o projeto sionista.
Apesar de terem ciência da existência de outros povos na região, um grupo de
judeus acreditava e tinha fortes esperanças que esta questão seria solucionada com o
tempo. As atitudes tomadas pelos primeiros sionistas que defendiam que os árabes
residentes na palestina poderiam se assentar em qualquer outro país árabe deram origem
ao que hoje é conhecido como a questão palestina. Para os judeus, a ida para a região
significava uma reconstituição, uma volta e um retorno à terra de seus antepassados e
das doze tribos de Judá. Em contrapartida, para os árabes, esse movimento era uma
chegada, uma invasão e, sobretudo, uma apropriação da sua terra.69 A região da
Palestina se constituía, assim, como um elo de identificação já enraizado no imaginário
cultural-religioso dos judeus, um sonho messiânico, mas pouco conhecido.
A região da Palestina era parte integrante do Império Otomano que tinha como
princípio administrativo a autoridade jurídica muçulmana. O grande Império Otomano
não constituiu diferentes nações e havia certa autonomia nas regiões habitadas. O poder
central era exercido por um Sultão que era acompanhado por outros representantes
locais. O Império era dividido em três regiões que eram controladas, a priori, por
Damasco. A maioria da população local era islâmica, mas havia habitantes de outras
religiões que eram protegidos do Islã. Estes grupos, conhecidos como dhimmi, foram, a
partir do século XV, organizados em millets, que são grupos religiosos. Este tipo de
organização social perdurou até meados do século XIX. Este sistema é ainda objeto de
debate e não existe um consenso sobre a questão da coexistência pacífica das dhimmi
com o governo otomano70. Alguns autores afirmam que havia preconceitos, que as
roupas usadas pelos diferentes grupos eram diferenciadas, que os impostos cobrados
eram muito altos e que havia restrições ao culto, por exemplo, dos judeus entre outras
proibições. Em contrapartida, outros autores afirmam que existia tolerância entre os
povos árabes e as dhimmis, uma boa circulação de mercado e que os membros dos
grupos religiosos até assumiam cargos altos na burocracia otomana.
68
Idem. Ibdem.
TROEN, S. Ilan. De judaizing the Homeland: Academic Politics In Rewriting the History of Palestine.In. Israel
Affairs. Vol 13. No 4, October 2007, pp. 872-884..
70
Para maiores informações ver: MEIHY, Murilo Sebe Bom. As Origens do Califado e o Império Árabe-Islâmico:
“um Hárem de Soberanos”. In: SILVA, Francisco Carlos T., CABRAL, Ricardo Pereira Cabral & MUNHOZ, Sidnei
J. Impérios na História. Rio de Janeiro: Elviser, 2009.
69
36
O estabelecimento do povo judeu na região da Palestina consolidou a questão
palestina. Algumas discussões foram travadas sobre este assunto no momento da
chegada dos judeus, contudo, ela não era o cerne das preocupações dos primeiros líderes
sionistas. Como dito, a construção do Estado de Israel e o assentamento das diferentes
comunidades judaicas na região eram a principal preocupação dos líderes a época.
Em 1907, Yitzhak Epstein71 redigiu um documento chamado “Hidden Question”
que, apesar de defender o direito dos judeus à região, discute o equivoco cometido no
momento da chegada e as formas de relação com os árabes palestinos. A preocupação
dos sionistas em se territorializar os fez ignorar o fato de que existia um povo
previamente estabelecido naquela região e que esse povo que nunca havia cogitado a
hipótese de deixá-la. Epstein afirma também que mesmo que os árabes fossem vistos
pelos sionistas como não donatários de identidade nacional e nem se fundarem como
uma entidade nacional existia um laço estabelecido entre eles e a terra que habitavam e
que aflorou ainda mais após a chegada dos sionistas 72. Percebe-se a reflexividade que o
estabelecimento do Estado judaico consolidou em relação à própria identificação
nacional. Said afirma que:
A fim de mitigar a presença de um grande número de nativos em um terreno
desejado, os sionistas se convenceram de que esses nativos não existiam. Foi
possível para eles só existem nas formas mais rarefeitas. . . A questão da
Palestina é, portanto, a disputa entre uma afirmação e uma negação e, neste
contexto, que remonta mais de cem anos, que anima e faz todo o sentido do
impasse atual entre os países árabes e Israel. 73
Em contrapartida, para os judeus, os árabes do Império Otomano:
Identificavam-se, simultaneamente, como sujeitos da comunidade
(multinacional) do Islã; como os árabes, em termos de geografia, cultura e
língua; como habitante desta ou daquela religião e vila de uma Palestina
vagamente definida; e como membros desta ou daquele clã ou família. Não
houve movimento nacional árabe e não até mesmo uma dica, em 1881, de um
nacionalismo árabe palestino separado.74
71
Judeu migrante da primeira aliah.
DOWTY, Alan. “A Question That Outweighs All Others”: Yitzhak Epstein and Zionist Recognition of the
Arab Issue. In:Israel Studies, Volume 6, Number 1, Spring 2001, pp. 34-54.
73
SAID, Edward.The Question of Palestine. London: Routledge, 1980. Tradução livre. Na língua original: “For in
order to mitigate the presence of large numbers of natives on a desired land, the Zionists convinced themselves that
these natives did not exist, then made it possible for them to exist only in the most rarefied forms . . . The question of
Palestine is therefore the contest between an affirmation and a denial, and it is this prior contest, dating back over a
hundred years, which animates and makes sense of the current impasse between the Arab states and Israel.”
74
MORRIS, Benny. 1948: The first Arab-Israeli war. New Haven: Yale University, 2008. Tradução livre. Na
língua original: “they identified themselves simultaneously as subjects of the (multinational) community of Islam; as
Arabs, in terms of geography, culture, and language; as inhabitant of this or that religion and village of a vaguely
defined Palestine; and as members of this or that clan or family. There was no Arab national movement and no even
a hint, in 1881, of a separate Palestinian arab nationalism”
72
37
Apesar de não serem percebidos como nacionais, Asher Zvi Ginsber, em 1891,
se referia aos palestinos como sendo donatários de um proto-nacionalismo75. Em um
relatório proposto pelo primeiro congresso sionista, estimava-se que a população árabe
fosse, naquela época, de 400.000–500.000 habitantes incluindo 70.000 judeus. Já em
1913, o 11º congresso sionista relatou que a população palestina era constituída de
700.000 habitantes, onde 100.000 eram judeus. Segundos estes dados, tanto em 1887, se
for considerado 500.000 como o total populacional da região, quanto em 1913, a
população judaica representava 14% em ambos os períodos.76.
Os árabes da Palestina foram vistos de diferentes formas pelos primeiros líderes
do Estado judaico. Por exemplo, Jabotinsky, defensor do sionismo revisionista77, propôs
a constituição de uma “muralha de ferro”, que era um meio de furar a resistência árabe
Não pretendo afirmar que nenhum tipo de acordo seja possível com os árabes
na terra de Israel. Porém, um acordo voluntário simplesmente não é possível.
Enquanto os árabes preservarem um vislumbre de esperança de que terão
êxito em se livrarem de nós, nada no mundo pode fazê-los abandonar a
esperança, precisamente porque eles não são uma ralé e sim um povo vivo. E
um povo vivo só estará pronto a se render a um desfecho tão fatal quando
tiver desistido de toda esperança de se ver livre dos colonizadores
estrangeiros. (...) porém o único caminho para um acordo como este é através
de uma muralha de ferro, isto é, do estabelecimento na palestina de uma força
que não será, de forma alguma, influenciada pela pressão árabe. Em outras
palavras, a única maneira de alcançar um acordo no futuro é evitar totalmente
78
as tentativas de chegar a um acordo no presente.
Ben Gurion reconhece, em 193679, o caráter nacional da população árabe80. Da
mesma forma que Jabostinsky, ele também pensava no exército como a solução e não
somente na diplomacia. Pelo fato dos palestinos serem um povo vivo que tinha
aspirações nacionais, a “muralha de ferro” e o uso da força paramilitar judaica, seria
uma forma de manter o projeto sionista na região.
Ben Gurion percebia mais
claramente, quando comparado com Jabostinsky, que tanto o movimento palestino
quanto o movimento sionista eram movimentos nacionais brigando pela mesma terra.
75
O proto-nacionalismo diz respeito ao momento embrionário para a formação dos movimentos nacionalistas e
nacionais. Os palestinos tinha amor a terra e apego a mesmo, mas não detinham uma consciência e nem organização
política.
76
KARSH, Efraim. Zionism and the Palestinian. In: Israel Affairs. Vol.14. No3. July 2008. Pp 355-373. Outros
dados estatísticos podem ser obtidos no livro: Benny. 1948: The First Arab-Israeli War. New Haven: Yale
University, 2008.
77
Os sionistas revisionistas advogavam uma linha intermediária entre as propostas de Ben Gurion e Weizmann sobre
a forma como os judeus deveriam agir para a construção do Estado Judaico. Estes defendiam a viabilização do Estado
judaico se daria pela atuação paramilitar no combate contra a presença Inglesa e contra a presença palestina.
78
Jabotinsky, Ze´ev. Escritos: a caminho da condição de Estado (em hebraico). In: SHLAIM, Avi. Op. Cit. .pg. 5152.
79
No ano de 1936 algumas revoltas palestinas foram debeladas e perduraram até 1939.
80
Em 1936, já é evidente que os palestinos haviam se formado como uma nação e o reconhecimento dado por Ben
Gurion era a constatação a uma realidade já reconhecida.
38
Ben Gurion também refletiu sobre a realização de acordos, porém acreditava que seria
necessário tempo para tal e que a paz era uma questão vital.
Não é para estabelecer a paz no país que precisamos de um acordo. A paz é,
de fato, uma questão vital para nós. É impossível construir um país em um
estado permanente de guerra, mas, para nós, a paz é um meio. A meta é a
plena realização do sionismo. Somente por isso precisamos realmente de um
acordo. (...) Neste momento, um amplo acordo está indubitavelmente fora de
questão. Porque só após o total desespero por parte dos árabes, desespero que
virá não somente do fracasso dos tumultos e da tentativa de rebelião, mas
também como uma consequência do nosso conhecimento do país, eles
possivelmente concordarão com uma Eretz Israel judaica. 81
Ambas as falas refletem o pensamento de uma época de formação e
consolidação de uma nação e do Estado judaico. O não reconhecimento árabe era,
sobretudo, uma brecha para a afirmação do povo judeu na região. Esta forma de atuação
e de diretriz política se consolida tanto a nação judaica como a nação palestina. Ambas
são constituídas e reformadas reflexivamente pelas atitudes alheias. As nações palestina
e judaica devem, portanto, ser percebidas por seus paralelismos. Este ponto é
fundamental para a compreensão do Oriente Médio, principalmente nos dias de hoje,
onde as inter-relações entre as nações ganharam enorme importância.
Destaca-se ainda a imagem e representação que a região propaga no imaginário
dos árabes e dos judeus. A terra está repleta de elementos mitológicos e é dona de uma
geografia do sagrado, de suma importância tanto para o judaísmo, quanto para o
cristianismo e para o islamismo82. A representação mitológica e a crença que enrijece os
valores culturais é um grande agravante, pois, estes, por muitas vezes, não podem ser
comprovados como sendo reais e são representativos somente para os que compartilham
da mesma crença. O conflito, desta forma, transcende a simples posse da terra em
termos políticos se firmando também como um conflito cultural e religioso. Como
exemplificado por Karen Armstrong:
Os palestinos argumentam que não existe nenhuma evidencia arqueológica
do reino judeu fundado por Davi e que nunca se encontrou um vestígio do
templo de Salomão. Com exceção da Bíblia, nenhum texto contemporâneo
menciona o reino de Israel – o qual, portanto não passa de “mito”. Os
israelenses consideram absurda e não demonstrável a história de que o
profeta Maomé subiu ao céu a partir do Haram AL- Sharif de Jerusalém- um
mito que está no próprio cerne da devoção dos mulçumanos a Al-Quds.(...)
Assim os mitos da “geografia do sagrado” expressam verdades em relação a
vida interior. Tocando nas fontes obscuras da dor e do desejo humano, podem
81
Ben-Gurion, David. My talks with the Arab Leaders.Jerusalém, 1972.pg. 80.
Na Cidade Velha, para os judeus, encontra-se o Muro das Lamentações e, para os árabes, é encontrado o Domo de
Ouro. Do lado de fora da Cidade Velha, ao lado da porta de Damasco localiza-se o Garden Tomb local sacro para os
cristãos.
82
39
desencadear emoções intensas. Não se devem descartar certas histórias de
Jerusalém porque “não passam de mitos”: sua importância de devem
justamente ao fato de serem mitos.83
A centralidade do mito e do sagrado que é representativo dos diferentes grupos
deve ser levando em conta para a formação do conflito e da própria racionalidade que
forma e representa os povos na região. Este trabalho não tratará dos assuntos inerentes à
religiosidade, contudo, ela tem um papel bastante importante para a constituição dos
conflitos e da relação dos povos com a própria região.
2.2 O estabelecimento do Estado de Israel e a questão palestina
Em 1917, o governo britânico reconheceu o estabelecimento de um lar nacional
para os judeus na região através da Declaração de Balfour84. Os judeus encaram o
documento como a certidão de nascimento do Estado judaico e, ao mesmo tempo, os
britânicos prometeram parcela da palestina ao líder jordaniano. A partir de então, os
judeus foram gradativamente imigrando e se assentando na região. Os grupos para
paramilitares judaicos foram se formando, assim como, as bases para a solidificação do
Estado judaico. De forma reflexiva, os palestinos foram criando sua consciência
nacional. Entre 1936 e 1939, esse grupo, sendo liderado por Husseini, o grande Mufi de
Jerusalém, iniciou uma revolta contra a presença britânica, judaica e contra o controle
territorial pelo representante da Jordânia. Como resultado das reivindicações palestinas,
o governo britânico propôs o White Papper, em 1939, que ponderava sobre controle
migratório judaico para a região, a restrição à compra de terras pelos judeus e a criação
de um único Estado na Palestina. A proposta é rejeitada pelos palestinos que queriam a
evacuação total dos judeus da Palestina.
A Segunda Guerra Mundial alterou a prioridade britânica e o país passou a ter
demandas internas mais importantes que a manutenção dos protetorados no Oriente
Médio. Durante o seu protetorado, a Grã-Bretanha tentou estabelecer ações para
beneficiar ambos os lados. Diante de sucessivas derrotas para a concretização de paz
entre os dois movimentos, o palestino e judaico, o governo britânico criou a UNSCOP
(Comissão Especial da ONU para a Questão Palestina) que, em 1947, concluiu que o
fim do mandato britânico deveria ser acompanhado da criação de dois Estados, um
judeu e outro palestino. A Índia, o Irã e a Iugoslávia foram contrários a esta decisão,
83
84
ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. São Paulo: Cia das Letras, 2000. Pg.16.
O documento está disponível no anexo 1 deste trabalho.
40
pois preferiam um Estado Federal Palestino Unificado. Em 26 de setembro de 1947,
sem sucesso, o governo britânico anunciou sua intenção de sair da Palestina85.
Em 1947, a ONU aprova a Resolução 181 que regula sobre a formação do
Estado de Israel e de um Estado Palestino que estariam economicamente unidos. As
fronteiras definidas pela resolução eram sinuosas e apresentavam pontos de
vulnerabilidade para ambos os Estados. A resolução, apesar da determinação de suas
fronteiras, representava uma vitória do movimento sionista, já que, regulava sobre a
criação de um Estado judaico. Em contrapartida, os árabes recusaram o plano da ONU
alegando a ilegalidade da proposta.
A independência israelense é declarada em meio a uma guerra com os árabes
que contou com duas fases, a saber: uma primeira fase, não oficial, que durou de 19 de
novembro de 1947 até 14 de maio de 1948. A primeira fase abrangeu o momento da
sanção da resolução até o momento da proclamação do próprio Estado de Israel. A
segunda fase ocorreu entre 15 de maio de 1948 até dia 7 de janeiro de 1949. Este
segundo momento é reconhecido como a fase oficial e contou com exércitos regulares
dos Estados árabes para a defesa da causa palestina. Em ambas das fases, os judeus
saíram vitoriosos diante das forças árabes e palestinas86.
A Resolução 181 foi fundamental para a mudança da configuração do Oriente
Médio, já que, estimulou que os judeus residentes na palestina se lançassem em uma
guerra que culminou na independência do Estado de Israel. Os judeus vitoriosos não
definiram as suas fronteiras na declaração de sua independência o que possibilitou uma
série de conflitos armados para a anexação territorial ao Estado judaico. O
estabelecimento de Israel transformou as diversas comunidades palestinas, outrora
assentadas e emocionalmente conectadas com a região da Palestina, em grupos de
refugiados.
Logo após a declaração de independência de Israel, os exércitos da Síria,
Transjordânia, Líbano, Iraque e do Egito invadiram a região da Palestina. O treinamento
militar e a capacidade bélica militar de ambos os lados, na década de 1940, é um
assunto controverso em relação à formação a capacidade de ambos. Os israelenses
haviam formado a Haganah e a Irgun e ambos os movimentos foram bastante
importantes para a viabilização da consolidação da Força de Defesa Israelense (FDI) no
85
Os britânicos acreditavam na possibilidade de uma união econômica entre ambos os Estados no momento da saída
do protetorado da região.
86
Para maiores informações sobre a Guerra de Independência Israelense ver: MORRIS, Benny. 1948: The First
Arab-Israeli War. New Haven: Yale University, 2008.
41
momento da fundação do Estado e na luta pela obtenção de sua independência. Apesar
de a literatura indicar existência de soldados israelenses formados e treinados, não
existiam elementos fundamentais de e para um exército como: comando único,
doutrinas militares, compras oficias de armas entre outros. Os árabes, por outro lado,
tinham recursos bélicos, mas não tinham treinamento suficiente. Alguns soldados árabes
haviam sido capacitados pela Alemanha durante a Segunda Guerra.
A atuação dos exércitos do Iraque, Egito, Jordânia, Síria e Líbano para lutar
pelos palestinos foi percebido, segundo Eugene Rogan, como uma ação que,
sem embargo, quando penetraram no território palestino, mais parecia que a
guerra estiva sendo feita entre os árabes entre si do que com o Estado Judeu
[...]o conjunto dos Estado árabes se encontrou assim diante de um sério
dilema. Consideravam que o conflito da palestina era uma causa árabe e
sentiam obrigação moral de intervir e procurar proteger seus correligionários
árabes da Palestina. O feito de que os Estados árabes haviam se unido em
baixo dos auspícios da Liga Árabe para coordenar sua ação comum não havia
servido mais do que para reforçar essa primeira impressão; ainda assim, os
Estados Árabes, considerados por separado, teriam interesses nacionais
próprios e divergentes, o que significava que interviam na guerra mais em
suas condições de egípcios, jordanianos ou de sírios do que por sua qualidade
árabe. E o pior é que haviam de transportar as rivalidades internas do
conjunto dos árabes ao campo de batalha.87
Deve-se ressaltar que, assim como os palestinos, a maioria dos países árabes
estavam lutando pela sua independência, formando os seus movimentos de resistência
e/ou construindo sua nação e seus projetos nacionais. A Liga Árabe (LA), organização
recém-fundada, era um grande campo de embate e as recentes nações traziam questões e
inquietudes particulares para gerenciar88. A Guerra de 1948 demonstrou aos árabes a
sua falta de preparo estratégico e bélico. Com o seu término, em vez de aceitar analisar
o motivo da perda e os pontos que deveriam ser aprimorados, os Estados árabes
começaram a acusar e culpar uns aos outros pela derrota.
A Independência de Israel foi reconhecida pelos árabes como Al-Nakba ou a
Catástrofe. Os intelectuais árabes tiveram um importante papel no pós-guerra, no que
tange a análise das causas e das consequências da perda da Palestina. Zurayk 89, por
exemplo, foi o responsável pelo termo Al-Nakba que vem sendo usado corriqueiramente
na história e memória dos povos palestinos e árabes. Rogan destaca que, segundo estes
intelectuais árabes, “o único modo dos árabes carregarem consciência de suas potências
como povo passava necessariamente pela superação das divisões criadas pela ordem
87
ROGAN, Eugene. Los Árabes. Barcelona: Ed. Crítica, 2011. p.409.
Destaca-se que nem todos os países árabes haviam conquistado a sua independência em 1948.
89
Para maiores informações ver: Rogan, Eugene. Op. Cit..
88
42
imperial, e que só poderiam conseguir mediante a unidade árabe.”
90
. Para estes
intelectuais, o conflito representava nada menos que o renascimento árabe.
Ben Gurion, primeiro-ministro do recém-criado Estado judeu, foi uma figura
fundamental neste momento. Ele aceitou os planos da ONU e a resolução 181, mas não
acreditava que estas seriam as fronteiras definitivas para o Estado de Israel. A resolução
181 era uma vitória da diplomacia israelense e não um limite para as fronteiras judaicas.
Ben Gurion almejava obter apoio externo, contudo, acreditava que os judeus deveriam
lutar pelo seu Estado. A legitimação viria com o tempo e, para Ben Gurion, o
estabelecimento do Estado de Israel e o futuro dos judeus estavam nas mãos dos
próprios judeus e não em acordos diplomáticos.
O pensamento de Ben Gurion se legitimou como representativo da “escola de
retaliação” da política judaica. Para os membros desta vertente política, a força bélica
garantiria o estabelecimento e a consolidação da própria soberania judaica. A política da
escola de retaliação consolida dilemas de segurança tanto para os países árabes quanto
para os palestinos. Neste sentido, a percepção de questões como defesa e segurança
representam um empecilho para a realização de acordos cooperativos entre os povos. A
política de Ben Gurion privilegiava o uso da força bélica como instrumento de
afirmação e, por isso, o líder investiu na formação e capacitação da FDI. Desta forma, a
segurança israelense gerava de forma reflexiva a insegurança árabe e consolidava a
desejo e a necessidade dos árabes em investirem na sua força bélica.
Em 1949, a ONU começou as rodadas de negociação para a consolidação de
acordos armistícios para região. A representação dos palestinos deve ser compreendida
pelo próprio movimento e relação que os países árabes fronteiriços a Israel tinham com
o próprio movimento. O relacionamento dos países árabes com os palestinos é uma
questão debatida de forma contundente pela historiografia. Alguns autores afirmam que
os exércitos árabes adjacentes invadiram Israel movidos por interesses nacionais ou
dinásticos que ficaram ocultos sob o disfarce da Palestina para os palestinos. Esse
trabalho considera essa perspectiva como bem relevante e provável para o contexto de
análise, já que, no que tange a questão palestina, a LA deu tardiamente voz efetiva aos
palestinos. Os Estados árabes defendiam a independência da Palestina, entretanto, ao
invés de darem voz e de defenderem o direito dos palestinos de se representarem nas
rodadas de negociação, foram os próprios países árabes que os representavam. A
90
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p.419.
43
atuação da LA em relação ao estabelecimento do Estado para os palestinos foi e é um
assunto bem controverso, pois cada país tinha uma forma de lidar com a questão. O
Egito, por exemplo, ia contra o reino Hashemita, mas também não tinha a mesma visão
que o Iraque em relação à questão palestina. Poucos reconheciam o direito daquele povo
de se auto representar e, por conta disso, diversos países árabes atuaram politicamente
dentro do que seria o futuro Estado palestino. Em relação aos seus territórios, a Jordânia
queria a incorporação da Cisjordânia para si e o Egito assumiu o controle da região de
Gaza, durante o Governo Nasser.
Conforme defendido por Moshe Shemesh:
A questão da representação Palestina não pode ser separada da questão da
Entidade Palestina. O novo despertar do nacionalismo palestino que começou
no final de 1950 e início de 1960 estava diretamente relacionado ao
desenvolvimento das arenas árabes e Palestinas ao longo do conflito árabeisraelense. A pesquisa sobre a questão da entidade palestina sem investigação
completa do fundo árabe e a posição árabe sobre o conflito é como uma
árvore sem raízes [...] a questão da Entidade Palestina trazida a tona pelos
Emirados Árabes Unidos República, na sessão 31 do Conselho da Liga Árabe
em 29 de março de 1959. [...] ao trazer a ideia de uma entidade Palestina,
Egito esperava facilitar a criação de uma instituição política independente, o
91
que representaria a Palestina como um povo.
Neste sentido, o movimento palestino é reconhecido enquanto uma instituição
política somente em 1959. Em 1949, nas negociações pós-independência israelense, sob
os auspícios da ONU, Israel fez acordos militares com o Egito, Jordânia, Líbano e Síria.
Neste momento, a representação palestina foi originada e estabelecida pelos demais
países árabes. Os acordos liderados pela ONU, desta forma, ao estipularem e
estabelecerem as rodadas de discussão bilaterais que se seguiram à independência
israelense, não incluíram os palestinos para a redação dos acordos estabelecidos com o
Estado de Israel.
Tanto os judeus quantos os palestinos tinham interesses comuns que eram
conflitantes entre si, por isso, as relações entre ambos foram calcadas em sentimentos de
intransigência. O desejo a posse de um mesmo território e a vontade de expulsar outro
de seu território se qualificam como desejos de cada um dos grupos que identificava o
91
SHEMESH, Moshe. Op. Cit.. London: CASS, 1996. p x. Tradução Livre. Na língua original: “The issue of the
Palestinian representation cannot be separated from the question of the Palestine Entity. The new Palestinian
national awakening which began in the late 1950s and early 1960s was directly related to developments in the Arab
and Palestinian arenas over the course of Arab-Israel conflict. Research on the question of the Palestinian Entity
without thorough investigation of the Arab background, and the arab position regarding the conflict, is like a tree
without roots[…] The Issue of the Palestine Entity was brought up for the first time by the United Arab Republic, at
the 31st session of the Arab League Council on 29 March 1959.[...] By bringing up the idea of a Palestine Entity,
Egypt hoped to facilitate the establishment of an independent political institution which would represent the Palestine
as a people.”
44
seu opositor como uma ameaça. Os judeus preferiam negociar com os países árabes
vizinhos. A Jordânia merece uma atenção especial, pois o Rei Abdullah almejava a
construção de um reino que compreendia a atual Jordânia e a Cisjordânia. A orientação
política do rei jordaniano foi percebida pelos líderes sionistas como um meio para um
fim, pois ambos os países viam o nacionalismo palestino como restritivo ao seu projeto
nacional.
Após a sanção dos acordos da ONU, criou-se uma paz ilusória entre os países
signatários dos acordos armistícios. Os acordos não eram definitivos e as próprias
fronteiras eram questionadas, por isso, apesar de não estarem em um conflito armado, os
países consideravam os acordos como temporários. Para os Estados árabes, Israel havia
criado por meio de sua expansão territorial e pelo estabelecimento do próprio Estado
Judaico, a questão palestina e, por isso, deveria solucionar este problema. Em
contrapartida, para o Estado de Israel, os acordos armistícios atendiam as necessidades
imediatas do Estado judaico. Israel acreditava que o tempo estava ao seu lado e, com o
tempo, o mundo se acostumaria com as novas fronteiras e, desta forma, consolidar-se-ia
a paz com os Estados árabes sem se ter uma solução para o problema dos refugiados. O
tempo, ao contrário do que se previa, acentuou ainda mais o conflito e a situação dos
refugiados palestinos. A presença judaica e a conquista territorial de 1967 enrijeceram
ainda mais a tensão e o conflito na região. O tempo possibilitou a construção de uma
nação forte e do melhoramento militar israelense, mas não retirou a esperança e a
vontade Palestina da posse do território.
A manutenção da situação estabelecida após os acordos armistícios era
satisfatória para Israel no que tange os aspectos territoriais e demográficos. Para Ben
Gurion, os acordos eram uma possibilidade para delimitar suas fronteiras
internacionalmente, demarcar territórios que poderiam ser ocupados sem se preocupar
com os refugiados e ser soberano dentro dos limites fronteiriços de seu Estado. Para
Estados árabes que defendiam o direito palestino a região e os próprios palestinos, em
contra partida, tal interpretação era totalmente díspar, as fronteiras de cessar fogo não
eram os limites territoriais internacionais e os acordos não cancelavam o direito dos
palestinos de voltar aos seus territórios. A ONU, tentando transformar os acordos
armistícios em acordos de paz, confiou esta função para a Comissão de Conciliação da
Palestina que tentou organizou uma conferência para este fim.
Para Israel, havia uma diferença entre segurança básica, ou aquela que, devido a
um grande assalto colocaria a segurança do país em risco, e segurança do dia-a-dia, que
45
consistia nas provocações hostis ao longo das fronteiras que eram invadidas por forças
irregulares92. As constantes infiltrações, sejam de palestinos, beduínos, contrabandistas
e terroristas, colocavam em risco a segurança cotidiana de Israel e a sua integridade
territorial. Os constantes embates tiveram um efeito embrutecedor na Força de Defesa
Israelense (FDI) que começou a ter uma política de retaliação em relação às constantes
infiltrações sofridas. Tal atitude levou a uma discussão entre o grupo político
reconhecido como moderados- que consideravam que as políticas de retaliação
deveriam ser utilizadas somente depois de uma avaliação estratégica em relação às
consequências das repressões- e os ativistas, que acreditavam que os árabes só queriam
a destruição do estado de Israel e, por isso, o uso da força, independente de suas
consequências, era fundamental.
A Síria foi o primeiro país onde os acordos de 1949 foram desfeitos com a
tentativa de alteração da fronteira vigente. As disputas giravam em torno das nascentes
do rio Jordão e das zonas desmilitarizadas (ZDs). Israel temia que a Síria atacasse a
região e tratou o controle das ZDs como vital para sua segurança, passando a invadir
essas zonas, o que foi condenado pela ONU. Várias foram às tentativas de concretização
de acordos de paz entre Israel e a Jordânia. Em 1951, Ben Gurion tinha dúvidas sobre a
necessidade de concretizar este acordo com a Jordânia, já que, fazê-lo prejudicaria a
obtenção de um acordo com o Egito. Shlaim afirma que “a busca por um acordo global
foi arruinada especialmente porque Israel estava forte e inflexível demais, enquanto
Abdullah, líder jordaniano, estava fraco e isolado demais.”
93
. Os sucessivos fracassos
para o estabelecimento de acordos de paz somados à ideia que se enraizou no
imaginário judaico em relação aos resultados positivos que a guerra trazia ratificaram,
para Ben Gurion, que a paz não seria concretizada por meio da negociação, mas sim
pela detenção, coerção e intimidação94.
O estabelecimento do Estado de Israel trouxe dilemas para os palestinos e para
os países árabes. Desta forma, o conflito foi sendo impulsionado e ratificado pelo
próprio tempo e pela formação das identidades nacionais que viram no outro a
representação de uma ameaça. Conforme destacado na apresentação deste trabalho, o
conflito tem um papel fundamental para a formação das identidades e para a coesão
interna. Sendo essas basilares para o entendimento dos paralelismos entre os povos,
92
SHLAIM, Avi. Op. Cit.
Idem. Ibdem. p. 110.
94
Idem. Ibdem.
93
46
assim como, para a própria reflexividade das ações dos povos na região. Portanto, para
que o entendimento dos conflitos desencadeados, no Oriente Médio, após o segundo
quartel do século XX, sejam melhores compreendidos é fundamental que se entenda o
processo que constituiu e embasou o próprio conflito.
2.3 A formação nacional do Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque, Irã e Iêmen
A partir de 1940, os países árabes iniciaram a busca pelas suas independências
visando libertarem-se das dominações imperiais na região. Será proposta de forma
sintética uma discussão dos movimentos de independência dos países árabes
objetivando a promoção de um debate sobre a atuação das grandes potências, assim
como, em relação aos arranjos políticos que poderiam alterar a balança de poder na
região. O Egito teve um papel central na região. A conquista da independência egípcia
deflagrou diversos outros movimentos, além de, ter levado esse país a ocupar uma
posição central dentro da LA.
Antes do golpe organizado pelos Oficias Livres, o Egito era regido pelo Rei
Faruk que apoiava a manutenção e o alinhamento dos egípcios com os britânicos. Em
1947, o governo britânico perdeu sua posição estratégica na Índia e a presença na região
do canal do Suez adquiriu ainda mais importância estratégica para a Grã-Bretanha. A
população egípcia estava insatisfeita com a orientação do país e diversos movimentos
armados para a expulsão estrangeira ganhavam corpo no Egito, mesmo que sem
sucesso. Destaca-se, nesse contexto, o grupo dos Oficiais Livres que era constituído por
membros das forças militares egípcias que se reuniam, desde 1949, fazendo forte
oposição aos britânicos. Em princípio, o movimento era opositor somente quanto à
presença britânica, mas, com o tempo, seus integrantes passaram a perceber que o maior
oponente de suas crenças e as do povo egípcio era o próprio sistema político vigente no
país.
Em 1952, o movimento dos Oficiais Livres considerou que o Egito estava pronto
para a revolução e não havia condições de postergá-la, pois os riscos de conspirar contra
o governo egípcio apresentava ímpetos para os grupos que eram opositores do governo.
A estratégia adotada pelos Oficiais Livres para a tomada de poder no Egito era a de
ocupar, simultaneamente, a emissora de rádio e o quartel-general. Os revolucionários
iriam, nas primeiras horas da manhã do dia 23 de julho de 1952, executar o plano. Após
ambas as ocupações, além de outras ocupações pontuais na cidade do Cairo, Anuar elSadat, em nome do General Naguib, comandante das forças armadas e primeiro líder
47
egípcio pós revolucionário, anunciou na rádio que o Egito acabara de vivenciar um
golpe que pôs fim ao governo do Rei Faruk.
O novo governo instituiu a abolição dos partidos em especial da Irmandade
Muçulmana fundada em 1927. Para Nasser, um dos principais líderes do movimento
dos oficias Livres, a divisão partidária havia sido uma das responsáveis pela divisão
política do país e, por isso, foi fundado o sistema de partido único que tinha a União
Libertadora como a única representante dos interesses nacionais egípcios.
Os revolucionários, apesar de terem planejado e almejado a revolução, após a
obtenção do poder, não haviam estabelecido um plano político para o Egito. O novo
governo havia herdado uma série de problemas e déficits econômicos, em especial, o
déficit de água que desarticulava a produção agrícola que era à base da economia do
país. Ao longo de todo o período que antecede o golpe, não havia ocorrido
investimentos massivos no setor industrial egípcio e a indústria nacional era pequena e
pouco representativa e, além disso, a população estava empobrecida e o país sofria com
altas taxas de desemprego. O novo governo almejava a construção de uma barragem em
Asuán como uma possibilidade para a agricultura, criação de empregos e de
independência econômica para o Egito. Contudo, os altos custos do projeto somados à
crise interna do país o faria recorrer ao capital internacional para a execução do mesmo.
A dependência econômica para a concretização de projetos que visavam à melhoria
social do país era um dos grandes dilemas que o governo deveria lidar, visto que, a
independência e soberania nacional eram pontos defendidos pelos revolucionários.
Após o golpe, a saída dos ingleses se tornou uma necessidade e um assunto
fundamental para o sucesso do movimento instaurado pelos Oficias Livres. A presença
inglesa na região enfraqueceria o movimento que tinha como um dos escopos de sua
política a libertação do Egito da presença dos colonizadores. Foi estabelecido um pacto
entre o novo governo Egípcio e a Grã-Bretanha que determinava o ano de 1954 como o
limite para a presença britânica na região. Esse limite fora estabelecido por Nasser que
começou a se legitimar como um grande líder chegando ao poder presidencial também
em 1954.
Nasser almejava a obtenção de armas para a segurança nacional egípcia. A
demanda justificava-se pela experiência de 1948 e devido aos acirramentos das tensões
na fronteira com Israel que foram enfatizados pela iminência da saída britânica do
Egito. Nasser tentou consolidar acordos comerciais relativos à compra de recursos
bélicos com os EUA, contudo, o governo norte-americano só se disponibilizou a
48
realizar a negociação caso o Egito assinasse um pacto de defesa regional. Além de
cercear a ação individual do governo egípcio, o pacto significaria também o
alinhamento do Egito aos EUA e a Grã-Bretanha. Para Nasser, a proposta tinha diversos
problemas como a questão britânica, a questão israelense e a não identificação da URSS
como uma inimiga da nação egípcia.
Israel já havia mostrado sua supremacia militar e havia consolidado dilemas de
segurança na região e desafios para os líderes árabes que sabiam da necessidade urgente
de armar os seus exércitos.
A tentativa de negociação fracassada com os EUA
impulsionou o líder egípcio a dialogar com a URSS e, em 1955, o Egito consolidou um
acordo para compras de armas tchecas.
Diante da mudança política pela qual passava o Egito, os governos da França,
Grã-Bretanha e de Israel começaram a perceber o líder egípcio como representante de
uma perigosa força que utilizava da bandeira do nacionalismo que poderia derrubar os
interesses ocidentai no Oriente Médio. A política de Nasser ia ao encontro da normativa
da Liga que defendia a integração dos Estados árabes. Os governos israelense, francês e
britânico elaboraram um plano conjunto, sem apoio norte-americano, que culminou na
Guerra do Suez95. Será promovido um debate mais aprofundando sobre o conflito de
1956 no terceiro capítulo deste trabalho. Além de uma ameaça ao governo Francês, o
líder egípcio também incentivou os movimentos de libertação das colônias francesas na
África como Tunísia, Marrocos e Argélia. Nasser se tornou um dos maiores líderes
árabes. Parte de sua estratégia advém do uso da rádio para a veiculação dos seus
princípios e das informações. A rádio era um importante veículo de comunicação que
atingia um grande espectro da população árabe que apresentava um alto índice de
analfabetismo.
Um dos locais mais instáveis do Oriente Médio era a Síria que, desde 1949,
estava em um total processo de desmembramento nacional e divisão política. A Síria fez
parte do protetorado francês e foi um dos primeiros países árabes a conquistar a sua
independência e, em 1946, ela se transforma em uma república parlamentar. O
parlamento não era uma instituição forte e a economia síria não era bem gerida. Por
conta disso, além de um importante papel das forças armadas, a instabilidade síria
permitiu a aproximação do país ao projeto de Nasser que poderia ajudar a promover
estabilização nacional. Neste período, o país contava com dois partidos, a saber, o
95
Os três estados fizeram um encontro em Sèvres na França aonde discutiram um plano secreto que deu origem a
Guerra do Canal de Suez.
49
partido Socialista e o partido Ba´ath. O primeiro era bastante difundido no seio social e
contava com o apoio soviético. O segundo, por sua vez, pregava a unidade árabe para a
independência política da região e tinha Nasser como um grande exemplo. A
instabilidade do país levou ambos os partidos a proporem ao líder egípcio a união entre
ambas às nações, já que, Nasser havia se legitimado, sobretudo com um discurso panarabista que preconizava a solidariedade e unidade árabe. A proposta Síria, por outro
lado, conclamava uma unidade de ações e objetivos. A aproximação dos dois Estados
nacionais possibilitou o fornecimento de armas ao país árabe, além de, uma
aproximação com o próprio socialismo. Destaca-se a aproximação da Síria a URSS
desde a derrota de 1956.
A proposta de união do Egito à Síria foi, para Nasser, uma excelente
oportunidade para se legitimar no contexto regional e no contexto internacional
mostrando, tanto a Grã-Bretanha quanto aos EUA, o papel central que o país tinha na e
para região. Em 12 de janeiro de 1958, sem aviso prévio e diante de uma grande crise
econômica e política, o chefe do estado maior do governo sírio vai ao Egito para tratar
da unificação de ambos os países. Eugene Rogan afirma que:
mesmo que [Nasser] sempre houvesse promovido a unidade árabe, se referia
bem mais a uma solidariedade entre os árabes e isso era uma unidade de
ações e objetivos. Nunca havia aspirado uma união formal com o resto do
mundo árabe. Antes da revolução, a maioria dos egípcios nem se
consideravam árabes. Haviam se acostumado a reservar a aplicação desta
palavra aos habitantes da península arábica ou aos beduínos do deserto. 96
A Síria não esperava a aceitação de sua proposta por Nasser. A atitude do líder
Sírio foi influenciada pela necessidade de manutenção do seu poderio. Em
contrapartida, para Nasser, a aceitação da proposta significava o reconhecimento de sua
liderança incontestável no mundo árabe. A união do Egito com a Síria demonstraria,
para as grandes potências, que o Egito era a nação que foi chamada para moldar a nova
ordem política do Oriente Médio. Nasser pretendia executar uma diretiva política na
Síria similar a que concretizara no Egito. Os partidos políticos seriam dissolvidos e seria
formada uma frente nacional única. A proposta caiu como um “balde de água fria” para
os membros do Baa´th, mas o líder egípcio queria uma fusão total dos dois países ou
nada.
Foi estabelecida a República Árabe Unida (RAU) em 1958 e ela durou até 1961.
O declínio da RAU estabeleceu também a fragilização do projeto de integração árabe e
96
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 477.
50
a própria representatividade centralidade de Nasser na LA e no contexto internacional.
Após o termino da RAU, a Síria entra em estado de sítio sendo governada pelo partido
Ba´ath.
A Jordânia constituía o Reino Hashemita que por muito tempo esteve alinhado
ao governo britânico. Em 1946 o país foi considerado independente sendo regido, a
partir de então, por Abdullah. O líder, como exposto, havia ratificado acordos secretos
com Israel. Parte dos planos de Abdullah era a anexação da Cisjordânia para a formação
da Grande Jordânia. A anexação territorial estabelecida por Abdullah foi amplamente
criticada na LA que até cogitou a expulsão do país da instituição.
O projeto jordaniano ia contra a própria normativa árabe que reconhecia a causa
palestina como um dos escopos da política comum da LA. A incorporação da
Cisjordânia era uma política contrária à normativa árabe e a anexação foi reconhecida
pelos países da LA como uma ação temporária da Jordânia. Abdullah, por não atender
as regras estabelecidas na LA e por conta da própria lógica estabelecida pela
reciprocidade, se torna um líder vulnerável dentro de seu Estado soberano. Em 1951, ele
é assassinado e substituído por Husseini. Percebe-se a importância que a LA e o
cumprimento da normativa têm dentro dos Estados nacionais árabes.
O novo líder jordaniano continua a defender a incorporação da Cisjordânia a
Jordânia. Até 1957, a Jordânia tinha um acordo com a Grã-Bretanha que enfraquecia o
próprio posicionamento do país frente aos demais países árabes. O fim do acordo com a
o governo britânico estimulou o líder jordaniano, Husseini, buscando se legitimar na
região, em 1957, a cooperar com o Egito e a Síria tentando mostrar como a Jordânia
estava a favor e em consonância com o nacionalismo árabe. A investida da Jordânia é
recusada e o líder precisava se afirmar tanto na LA quanto dentro de seu próprio
território nacional.
Por conta da recusa dos Egito e da Síria e diante da insegurança que a RAU
materializava, Husseini para consolidar a sua posição, se alia ao seu primo, Rei do
Iraque, Faruk, com o intuito de fortalecer ambos os governos. A Jordânia e o Iraque
estabelecem a Federação Árabe Unida (FAU) que, ao contrário da RAU, preservava a
independência de cada Estado-membro, unificava os exércitos e previa uma ação única
no que tange a política externa. A FAU é vista como a melhor proposta para a
sobrevivência jordaniana frente aos desafios do governo de Nasser, da RAU e da
própria LA. Contudo, ela durou somente seis meses, pois o Rei Faruk foi desposto no
Iraque deixando o líder jordaniano em uma posição de extrema vulnerabilidade.
51
A Guerra de 1967 e a aproximação da Jordânia ao Egito e a Síria melhoram a
posição do líder jordaniano frente aos seus cidadãos e a própria Liga. Conforme será
abordado, os riscos de perda das anexações territoriais que não eram reconhecidas pelo
próprio mundo árabe eram menores que a perda da reputação e da representatividade do
líder que estava isolado dos demais países árabes.
O Líbano apresenta uma dinâmica distinta na região. Ainda no período colonial,
a França ampliou a sua dominação na Síria e foram desviados ao território libanês os
cristãos que ali viviam. A ida dos cristãos para o Líbano formou uma lógica distinta no
país, já que, população era, em sua maioria composta, de cristãos maronitas e não de
árabes. Por ter maioria cristã, o Líbano não atacava diretamente Israel que percebia a
possibilidade de realizações de acordos cooperativos com o país. A presença de uma
maioria cristã e a manutenção do próprio sistema político vigente começou a ser
questionada em 1957.
Em 1943, o país conquistou sua independência da França e a população libanesa
muçulmana demostrou disposição em deixar os cristãos no poder caso estes se
comprometesse a integrar o país no mundo árabe e em se distanciar da França. Foi
formulado um pacto nacional calcado em um sistema confessional aonde o governo era
distribuído de acordo com as diversas seitas e grupos, conforme as estatísticas geradas
pelo censo de 1932.
Os cristãos eram a maioria na época e, por conta disso, o
presidente deveria ser cristão. De acordo com o censo, o primeiro-ministro deveria ser
sunita e o presidente do parlamento xiita tendo como vice-presidente um grego
ortodoxo. O censo de 1932 foi fundamental para a formação da estrutura de governo
libanês que imbuiu os cristãos do controle das forças armadas e da maioria parlamentar.
Na década de 1950, o número de cristãos começou a declinar e os muçulmanos
começaram a ser maioria no país. O pacto nacional começou a demonstrar fragilidade e
o então presidente libanês, Camille Chamoun, usou da doutrina Eisenhower que previa
o uso das forças norte-americanas para proteger a unidade e integridade territorial na
região. A presença norte-americana no Líbano era uma forma de combater tanto Nasser
quanto a própria URSS.
Em 1958, o sistema entra em colapso e inicia-se a Guerra Civil Libanesa. A
presença dos palestinos havia alterado o equilíbrio político e demográfico e os
assentamentos da região começaram a ser militarizados. A sociedade libanesa ficou
dividida entre os defensores da manutenção do status quo e os que pediam pela
52
revolução e pelo fim do pacto nacional. No Líbano foi consolidado grandes embates
entre os defensores da política norte-americana e os nasseristas.
Grupos militares iraquianos estavam planejando, desde 1956, uma ação para
derrubada do governo do Rei Faruk e estabelecimento no Iraque de um governo militar.
Assim como no Egito, os revolucionários se intitularam Oficias Livres do Iraque e
queriam erradicar as bases Hashemitas e o próprio líder. Diferentemente do planejado
pelos revolucionários egípcios, o movimento acreditava que a queda do governo seria
conquistada através de uma revolução violenta que foi prevista entre os dias 13 e 14 de
julho de 1958. No dia 14, o Rei Faruk é morto.
A ação ocorrida no Iraque teve repercussão tanto no Líbano quanto na Jordânia.
Os árabes libaneses se imbuíram de esperanças da possibilidade de deposição de
Camille Chamoun que se mantinha na região com a ajuda da Doutrina Einsehower. De
forma análoga, para o governo jordaniano, a queda do governo iraquiano enfraqueceu
ainda mais o seu líder. Para continuar no poder, o rei jordaniano buscou ajuda junto aos
Estados Unidos e da Grã-Bretanha que interviram na região. Os três países acreditavam
que a revolução iraquiana tinha forte influência egípcia e temiam a possível intenção de
dominação do líder do crescente fértil.
Em 1951, o Irã se transformou em uma monarquia constitucional e
Muhamed Mossadeq assumiu o poder no país. O candidato eleito tinha uma postura que
era amplamente nacionalista e ele propõe inclusive a nacionalização do petróleo
iraniano que possuía um acordo de concessão com a British Petroleum que perduraria
até 1993. O controle dos poços de petróleo não agradou aos EUA e o Reino Unido que,
por intermédio da CIA, prenderam Mosssadeq e o Irã se transforma em um governo
autoritário sob o comando de Mohamed Reza Xá Pahlavi até a revolução de 1979. O Xá
iraniano era favorável aos EUA e esta postura gerou severas críticas dos demais países
árabes, em especial, do Egito.
Após a Guerra dos Seis Dias, houve uma nova orientação da política iraniana, já
que, Israel havia enfraquecido o poderio de Nasser, então presidente Egípcio, reduzido à
ameaça que ele gerava ao Xá iraniano. O líder iraniano podia voltar suas atenções à
vontade de se legitimar enquanto uma liderança no Golfo Pérsico.
A revolução de 1979 percebeu o Xá como um líder tirano e americano. O líder
foi deposto e o Aiatolá Kumani se legitimou como liderança nacional. A agenda política
da revolução de 1979 pretendia, em suma, a rejeição da dependência iraniana ao
ocidente; a percepção e identificação dos EUA como o principal inimigo do Irã; a briga
53
contra os poderes sionistas e os superpowers; a construção de uma relação próxima aos
povos oprimidos; liberação de Jerusalém e oposição aos países pró-Israel e, por fim, o
anti-imperialismo. A revolução e o governo revolucionário valeram-se dos símbolos
representativos da fé Islâmica para se legitimarem. Durante a Guerra entre Irã e Iraque,
por exemplo, o uso dos valores simbólicos foi fundamental como propulsor de uma
força motriz para o esforço das tropas iranianas na região.
Em relação ao Iêmen, em 1948, o Rei Ahmed assumiu o trono iemenita e logo se
aproximou de Nasser, mas se opôs a algumas diretrizes políticas nasserianas como, por
exemplo, a estatização das empresas e da economia. O rei morre e após a sua sucessão
o Iêmen viveu um golpe de Estado que fundou a República Árabe do Iêmen. Os
membros da família real se apoiam na Arábia Saudita e os revolucionários em Nasser. A
guerra no Iêmen exauriu as finanças egípcias e a própria imagem do líder. Os líderes,
por conta dos acordos de cooperação tiveram que dialogar com a manutenção da
segurança regional que estava desestabilizada pelos projetos nasserianos.
Em linhas gerais, é importante ressaltar o papel de Nasser no Oriente Médio. A
sua ascensão ao poder alterou toda a balança de seguridade dentro dos sistemas
representativos árabes e promoveu dilemas para a balança de poder no Oriente Médio.
Para os líderes árabes, a manutenção da seguridade se apresentou como um desafio
diante das ameaças que o líder consolidava. Para o Estado judeu, a obtenção de armas
estrangeiras, em conjunto com a possibilidade de formação de um império árabe,
poderia culminar em uma grande repressão que poria fim a Israel.
O êxito de Nasser começa a declinar a partir da década 1960. Destaca-se os
seguintes fatos para justificar este declínio: 1. Em 1961, a RAU se extingue; 2. O líder
egípcio não se sobressai na guerra do Iêmen que tinha a Arábia Saudita como opositora
e 3. Em 1967, as perdas que a guerra dos Seis Dias acarretou são decisivas para a
reputação de Nasser.
2.4 O jogo político árabe: o papel e importância da Liga Árabe
O Islã, para além de uma religião, é um importante agente condutor da política
interna e externa dos países árabes. O papel do Islamismo pode ser percebido em
diversos momentos da história dos povos árabes como, por exemplo, na revolução
iraniana de 1979 ou na morte de Sadat, presidente do Egito, em 1981, assassinado por
membros da Jihad Islâmica. O Islamismo assume uma conotação política que influência
de forma importante o contexto social que o origina. Ao contrário da política interna,
onde os líderes exercem um relativo controle do ambiente social, a possibilidade de
54
controle da política e relações externas é mais restrita e deve ser entendida pela
interação estratégica dos atores e a interdependência das suas ações. Em princípio,
dentro de um sistema nacional, os indivíduos são educados de forma a compartilhar de
uma mesma base de princípios culturais que não deve ser descartada quando se é
analisado o seu comportamento num contexto internacional.
Como apontado no primeiro capítulo deste estudo, entende-se as interações
estratégicas dos Estados, suas limitações e a suas consequências como frutos da
especificidade situacional97 que as origina. Dessa forma, para compreender a atuação
dos países árabes na conjuntura regional e internacional e em relação à construção dos
seus próprios Estados, deve-se levar em consideração algumas características do Islã
que, mesmo promovendo coesão aos países árabes, não é um movimento único e nem
apresenta uma unidade religiosa entre seus seguidores.
Politicamente, o Islã pode ser utilizado como um motivador, legitimador e
justificador das ações e comportamentos adotados por muitos países árabes. Como dito,
ele é uma ferramenta que é utilizada, através dos discursos dos Estados árabes, para a
promoção e construção dos quatro tipos de poder propostos pela taxionomia apresentada
por Barnett, a saber: o poder compulsório, institucional, estrutural e o produtivo. Em
cada encontro é estabelecida uma lógica situacional específica onde é possível observar
diferentes manifestações dos quatro tipos de poderes propostos pela taxionomia. No
âmbito da LA, o Islã e sua simbologia são elementos de poder que são conclamados no
momento das interações estratégicas dos líderes árabes. Ele deve ser compreendido
como um valor simbólico e pode adquirir novas significados e significantes com as
apropriações e com a prática dos seus seguidores.
A LA foi fundada no Cairo em 22 de março de 1945 tendo como objetivo
estreitar as relações entre os Estados-membros, promover a coordenação de suas
políticas com o intuito de obter relações cooperativas e zelar pelas soberanias e
independências dos Estados-membros. A LA deveria salvaguardar os interesses
econômicos, financeiros, comerciais, empresariais entre outros dos Estados árabes, além
das próprias relações culturais e sociais dos seus membros. Os objetivos da LA
consolidam uma série de embates e rivalidades entre os Estados que dialogam entre o
desejo de uma ordem regional, as normas do arabismo, as suas próprias identidades e o
97
Compactua-se com a concepção construtivista que pretende entender como os agentes e estruturas estão em um
processo de criação mútua e da sua própria reprodução. Desta forma, as estruturas, suas especificidades modelam a
capacidade dos atores para atingir seus objetivos e para moldar a sua própria atuação.
55
estabelecimento da vontade dos líderes enquanto representantes de seus Estados
soberanos. Para Barnett98, a análise dos diálogos e das ações estratégicas estabelecidas
no âmbito da LA possibilitam o entendimento da dinâmica que definiu, modelou e
transformou o sistema de Estados árabes.
O estabelecimento da LA coloca os países em um constante processo de
negociação que não são somente representativas do seu interesse, mas, também, de sua
identidade no âmbito nacional e supranacional. As negociações feitas no âmbito da LA
são entendidas por meio da Teoria dos Jogos, já que, as interações estratégicas são
resultantes das escolhas racionais dos líderes que desejam a legitimação das suas
escolhas para a constituição da normativa da própria instituição. A criação e a regulação
das normas no âmbito da LA são resultantes de uma disputa aonde os atores desejam
legitimar as suas opiniões e a própria definição dos princípios se constitui como um
exercício de poder e um mecanismo de controle social. A construção de diretrizes não
significa necessariamente um sinal de cooperação e sim do estabelecimento de
normativas que formalizam relações que consolidam a necessidade de estabelecimento
da reciprocidade difusa entres as partes restringindo as ações individuais. Nesse
contexto, é importante destacar o papel dos símbolos e das simbologias dentro da LA
para entender o processo da construção de sua normativa.
Os símbolos merecem um destaque, pois a política árabe se manifesta por
questões simbólicas que são uma forma distinta de poder e que é particular ao grupo que
a legitima. É importante ressaltar que os símbolos não são fontes de poder somente dos
árabes sendo também utilizados por outros atores, contudo, para este trabalho, serão
privilegiados os usos dos valores simbólicos pelos árabes. Os valores simbólicos e os
próprios símbolos são inteligíveis somente por aqueles que os percebem como elos de
identificação que estão assentados, sobretudo, na sua própria cultura e nas suas
fronteiras. Desta forma, cada povo tem símbolos distintos que formam distintas
identidades e racionalidades. A cultura, os seus valores e tradições são particulares ao
grupo que os percebe como elementos representativos de sua identidade variando,
assim, no espaço e no tempo demarcando, desta forma, a própria diferença entre os
povos. No momento das interações estratégicas entre os líderes que participam da LA,
os símbolos são fontes de poder que podem gerar tanto a cooperação quanto a própria
competição simbólica para o estabelecimento da normativa comum de todos os
98
BARNETT, Michael N. Dialogues in Arab Politics: Negotiations in Regional Order. Columbia University Press.
1998.
56
participes da instituição. Por exemplo, a identificação de Israel como um ameaça,
mesmo não sendo a melhor opção para alguns dos membros da organização, é um
importante pilar da política árabe. Além disso, os símbolos formam a própria
racionalidade dos povos árabes.
As representações simbólicas, como destacado na introdução deste trabalho, são
expressivas de um grupo particular de pessoas e que solidificam ainda mais os conflitos
na região. No momento da definição dos padrões normativos a serem seguidos
coletivamente, os líderes, para se legitimarem utilizam-se de ferramentas de tecnologia
cultural para alcançar seus objetivos. Barnett percebe a existência de um “dilema de
segurança cultural” entre os povos árabes. As normas do arabismo foram elaboradas em
torno de dois eixos centrais: o primeiro se apresenta como em um esquema de
interpretação que organizava a experiência e, neste sentido, cada líder queria legitimar a
sua interpretação. O segundo eixo era a possibilidade de manipular elementos de sua
cultura e simbologia para convencer os demais atores de que as propostas eram
apropriadas, legítimas e consistentes com o arabismo. Este eixo possibilitava que alguns
líderes controlassem as políticas de seus rivais, já que, no momento da legitimação da
normativa e legitimação das regras do arabismo, os esquemas interpretativos e as
diretivas da Liga estabeleciam as relações de reciprocidade que ameaçavam a própria
legitimidade dos governantes árabes.
No arabismo, o conflito era o resultado de uma
disputa cultural e cada líder tinha um “kit cultural” que dentro de uma estrutura
normativa ele poderia acionar para alcançar os seus objetivos. Neste sentido, Barnett
propõem que os jogos árabes têm uma lógica própria que deve ser entendida para a
compreensão da própria atuação árabe. Os embates no âmbito da LA também contaram
com a solidariedade e cooperação entre os países.
Desta forma, Barnett conceitua o arabismo como um processo normativo para
modelar as formas e identidades para a preservação de uma imagem de representação.
Os líderes, por sua vez, competiam para desenhar as normas, interesses dos governos
por tecnologias simbólicas e seguiam a norma por uma questão de sobrevivência.
Mesmo diante de um órgão que direcionava a conduta dos países, as suas práticas não
foram únicas. As disparidades estiveram e estão presentes e os líderes, em momentos de
crise, tais como o Pacto de Bagdá, a consolidação da República Árabe Unida, a Guerra
dos Seis Dias, a Guerra do Yom Kippur, os Acordos de Camp David e a Invasão do
57
Kuwait99 pelo Iraque, reconsideram o significado do arabismo e as suas relações inter e
intra estatais. As variações das normas dentro do espaço-tempo permitem não só a
possibilidade de entendimento de um processo normativo pontual, como também, as
alterações das diretivas e os pontos de inflexão da política árabe indicam as alterações
dos objetivos e das políticas dos próprios Estados árabes e a formação de uma nova
identidade, reflexividade, reciprocidade e racionalidade.
Os usos e o próprio estabelecimento das normativas podem ser percebidos ao
longo de toda a história da LA. Para estudos do conflito, a organização assume um
papel central para o estabelecimento de ações conjuntas dos países árabes e para a
identificação de uma ameaça comum. Ela deve ser entendida, sobretudo, pela própria
tomada de decisão dos líderes árabes que se sentem estimulados a manifestar a sua
vontade para a consolidação das políticas regionais restringindo a possibilidade de
comportamentos individuais não representativos do arabismo. Desta forma, a LA
estabelece a necessidade do cumprimento da normativa, já que, a ação dos líderes será
respondida pela reciprocidade e de poder. Quando as relações são quebradas ou há ruído
a própria segurança do líder é ameaçada pelo bloco que manifesta seu escopo de poder
pela própria identidade árabe.
Destaca-se que um jogo tem uma estrutura interna e externa que não deve ser
desconsiderada quando se é almejado o entendimento da composição social que modela
a capacidade dos seus partícipes. O jogo político árabe vai ao encontro com a crítica
feita à Teoria dos Jogos no primeiro capítulo, quando é ponderado em relação a
racionalidade e a construção de modelos. Por se tratar de um processo continuo, a
reformulação dos discursos e da própria normativa da LA dista, sobretudo, da
construção de uma nova racionalidade e de um novo modo de fazer política onde os
atores e a conjuntura são alterados, assim como, as próprias decisões estabelecidas na
organização. Nos momentos de crise, ocorre uma revisão da normativa árabe como, por
exemplo, a mudança do pensamento que defendia um processo de integração nacional
para a própria valorização dos Estados soberanos. No momento da alteração destas
99
Não será promovida uma discussão aprofundada sobre o pacto de Bagdá , os acordos de Camp David e a Invasão
do Kuwait neste trabalho. O Pacto de Bagdá foi uma aliança de defesa assinada entre EUA, Iraque, Turquia,
Paquistão e o Reino Unido estabelecido em 1955. Os países contrários à presença das potências ocidentais na região
criticaram a alinhamento e o acordo ratificado com os EUA que ia contra a orientação da LA. Os acordos de Camp
David foi resultado das negociações feitas entre Israel e o Egito sobre mediação dos EUA aonde os dois países se
comprometiam a estabelecer um acordo de paz. A atitude egípcia foi amplamente criticada por alguns membros da
LA como, por exemplo, o Irã que rompeu relações com o Egito. Por fim, a invasão do Kuwait ocorreu em 1990 e ela
foi impulsionada pelo desejo iraquiano controlar os poços de petróleo. Será feita uma discussão no quarto capítulo
sobre a insegurança que o petróleo gera para os países produtores. Ambos os momentos propiciaram a revisão da
normativa árabe e configuraram novas relações entre os países.
58
diretivas políticas e com o estabelecimento de uma nova normativa, os Estados
elaboram novas diretrizes nacionais que privilegiam os seus desejos nacionais e o
estabelecido pela própria LA. Trata-se de jogos cooperativos onde os atores constroem
o seu conhecimento do outro de forma reflexiva objetivando o maior ganho.
Em relação à percepção da questão da segurança árabe, destaca-se o
estabelecimento de três pontos comuns aos Estados árabes pela Liga, a saber:
confrontação com Israel, recusa ao ocidente e o desejo a unidade regional. Estas
diretivas estabelecem e originam, conforme defendido por Buzan, uma ameaça comum
aos líderes árabes. Israel se torna uma ameaça à segurança dos países da LA e consolida
desafios diferenciados para os líderes árabes. A identificação de uma ameaça comum
restringe comportamentos bilaterais entre os Estados que poderiam não se beneficiar
com o conflito.
Para a Jordânia, por exemplo, o custo da manutenção do estado de beligerância
com o Estado judaico era alto. O líder jordaniano sentia-se compelido a seguir as
diretivas da LA que influenciava, sobretudo, na sua reputação, estabilidade, legitimação
dentro do seu território nacional, assim como, dentro da própria Liga. Ao contrário dos
países do Golfo Pérsico, por exemplo, a Jordânia tem uma enorme fronteira com o
Estado de Israel e isso demandaria altos investimentos logísticos ao país em caso de um
confronto. Em 1964, com o estabelecimento da Organização pela Libertação Palestina
(OLP) e o elevado número de palestinos em seu território, houve a intensificação das
ações assimétricas deste grupo contra o Estado judaico. A presença Palestina debelava
uma ameaça tanto a própria Jordânia enquanto Estado soberano quanto para seu líder
que expulsa, em 1970, os palestinos de seu território reduzindo assim a possibilidade de
conflito com o seu vizinho judaico.
Com relação à identificação do Estado de Israel como uma ameaça, Barnett
aponta que:
O arabismo, por exemplo, não instruiu simplesmente os líderes a evitarem
acordos bilaterais com Israel- o que o fez- como também ajudou na
construção do sionismo como uma ameaça árabe definindo-o como um
elemento do interesse nacional árabe. O estabelecimento de relações com
Israel representava [aos países] violações dos taboos da política árabe e
convidava-se ao ridículo publico com acusações de traição a nação árabe.
Mesmo que vários líderes árabes tenham acreditado privadamente que eles
ganhavam pouco com a manutenção do estado de guerra com Israel e que
poderiam obter ganhos materiais com a sua redução, se não a resolução do
conflito, eles sabiam que não poderiam difundir essas ideias publicamente.
Em 1950, o Rei Abdullah da Jordânia calculou que a situação política e
econômica jordaniana estaria melhor se o conflito com Israel tivesse um fim
e fossem realizados acordos comerciais e com o estabelecimento de uma
59
passagem via marítima; para muitos jordanianos e árabes essas visão era uma
blasfêmia. As normas do arabismo haviam legitimado algumas estratégicas e
colocou outras fora das normativas estabelecidas pelos Estados árabes
independente das suas capacidades ou como eles calculavam os seus
incentivos materiais. Os líderes árabes ocupavam papeis sociais que
continham expectativas normativas que eram estabelecidas no sistema
regional. De fato eles ocupavam dois papeis: agentes da soberania estatal e
100
agentes da comunidade política árabe.
A identificação das ameaças comuns pela Liga como, por exemplo, Israel gera
desafios aos líderes em relação à própria especificidade de seu país e nas formas como
ele deve elaborar as suas estratégias nacionais para o cumprimento da normativa
regional. A reciprocidade se apresenta como uma importante ferramenta para a LA, já
que, restringe ações egoístas em prol da manutenção da própria instituição impelindo os
líderes a seguirem as regras de compliance. Caso a reciprocidade não seguisse a lógica
Tic-for-Tac, os líderes poderiam se sentiriam ameaçados caso não seguissem a diretiva.
O Egito, por exemplo, foi um dos países mais importantes para a formação da
identidade regional árabe. Seu líder, Nasser, teve um papel fundamental para a
construção das normas do arabismo tendo se legitimado como um importante
representante ao conquistar, em 1956, a nacionalização do Canal de Suez. No início da
década de 1960, entretanto, ele lançou o Egito em um enfrentamento militar no Iêmen e
foi perdendo gradativamente a sua reputação frente aos demais líderes árabes. Com o
agravamento da situação Israel-Síria, desde 1964, pela questão da água e da
intensificação das infiltrações entre Israel, Jordânia e Síria, Nasser é incentivado, pelas
normativas da LA e pelo pacto de defesa estabelecido com a Síria e Jordânia, a adotar
medidas contrárias ao Estado judaico. O Egito não tinha condições militares e
financeiras para iniciar um confronto com o Israel, contudo, as normas do arabismo e o
desejo de legitimidade impulsionaram Nasser a atender ao pedido sírio.
Nasser, também utilizou em larga escala os dilemas de segurança cultural dentro
do âmbito da LA para promover constrangimento aos demais líderes que não seguiam
100
BARNETT, Michael N. Op. Cit..p. 34.Tradução livre. Na língua original: “Arabism, for instance, did not simply
instruct them to avoid bilateral settlements with Israel, although it did; it also helped to construct Zionism as a threat
and as a defining element of the Arab national interest. To contemplate relations with Israel, to violate the taboo of
Arab politics, was to invite public ridicule and charges of having betrayed the Arab nation. To contemplate relations
with Israel, to violate the taboo of Arab politics, was to invite public ridicule and charges of having betrayed the
Arab nation. Although various Arab governments privately believed that they gained little from the state of war with
Israel and might profit materially from a reduction, if not resolution, of the conflict, they knew better than to air such
ideas in public. In 1950 King Abdullah of Jordan calculated that Jordan’s economic and political interests might be
better served by ending the state of war with Israel, concluding some commercial agreements, and arranging for an
outlet to the sea; a Jordanian and Arab public that viewed such agreements as blasphemy overruled such material
calculations. The norms of Arabism sanctioned some strategies and placed others outside the normative reach of
Arab states, regardless of their capabilities or how they calculated their material incentives. Arab leaders occupied
social roles that contained normative expectations as they performed on the regional stage. In fact, they occupied two
roles: agent of a sovereign state and agent of the wider Arab political community.”
60
os protocolos. Husseini, líder palestino, por exemplo, havia procurado a LA no
momento de sua fundação, mas, somente em 1948, a instituição enviou exércitos para
ajudar os palestinos. Eugene Rogan, afirma que:
O conjunto dos Estados árabes se encontrou assim diante de um sério dilema.
Consideravam que o conflito da Palestina era uma causa árabe e sentiam
obrigação moral de intervir e procurar proteger seus correligionários árabes
da Palestina. O feito de que os estados árabes haviam se unido em baixo dos
auspícios da Liga Árabe para coordenar sua ação comum não havia servido
mais do que para reforçar essa primeira impressão; ainda assim, os estados
árabes, considerados por separado, teriam interesses nacionais próprios e
divergentes, o que significava que interviam na guerra mais em suas
condições de egípcios, jordanianos ou de sírios do que por sua qualidade
árabe. E o pior é que haviam de transportar as rivalidades internas do
conjunto dos árabes ao campo de batalha. 101
A LA, segundo Rogan, coordenava as ações políticas dos diversos Estados
nacionais árabes. Em 1948, no momento da Guerra de Independência do Estado de
Israel, os Estados árabes já haviam identificado à causa palestina como uma causa
árabe, contudo, não havia sido estabelecido um sentimento comum dos Estados árabes
dentro da própria LA que era uma instituição recém-criada que estava elaborando a sua
própria normativa. Destaca-se que não era todos os Estados árabes não haviam
conquistado as suas independências em 1948. Desta forma, a agenda política da LA iria
sofrer grandes processos de negociação da sua normativa até o período privilegiado por
este trabalho. Depois do golpe dos Oficias Livres no Egito, em 1952, e com a chegada
de Nasser ao poder, a LA passou a defender um projeto de integração entre os Estados.
Em 1967, é sancionada uma nova diretiva, já que, foi percebido que a priorização pela
integração dos Estados Nacionais estava sendo amplamente criticada por conta de seus
resultados como, por exemplo, a perda territorial resultante do conflito com Israel em
1967. Neste momento, questiona-se o se o payoff originário da própria diretiva política
de integração era válido pela observação dos resultados obtidos até então. A mudança
do pensamento árabe depois de 1967 é fundamental para o entendimento do próprio
comportamento dos Estados dentro e fora da LA.
A nova orientação privilegiava o nacionalismo e o conservadorismo. A
orientação anterior a 1967 previa a integração dos Estados. O momento coincidiu com a
própria acentuação do sentimento nacional dentro dos Estados que começaram a
conquistar a sua independência a partir da década de 50 do século XX. Mesmos com a
nova orientação da LA, o arabismo e o projeto de integração não desapareceram. Após
101
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 409.
61
as derrotas de 1967, os árabes passam a se organizar por meio de Conferências onde o
conflito com Israel foi visto como um elemento de convergência e como uma ameaça à
segurança árabe. Ao contrário das diretivas anteriores, os árabes cooperariam
respeitando e reconhecendo a soberania alheia.
Em 1967, por exemplo, o líder jordaniano se sentiu pressionado a entrar no
conflito com Israel, que a Síria defendia, em especial, pela questão da água. Para o Rei
da Jordânia, pensando nas suas escolhas racionais e possibilidades dentro do jogo
configurado naquela ocasião, o custo de perder Jerusalém e a Cisjordânia era menor do
que o custo político de não entrar no conflito. Caso o líder jordaniano não acatasse a
diretiva árabe ele estaria se indispondo com os países da LA e com a própria normativa
estabelecida pela instituição que previa a integração política entre os seus membros. A
entrada jordaniana no conflito acarretou na perda de Jerusalém que representa um
grande dano para os árabes. A percepção de que a política de integração não era a mais
eficaz, permitiu que, em 1973, o Rei jordaniano pudesse escolher se iria entrar em um
confronto com Israel ou não. Caso o líder não tivesse entrado no conflito em 1967, o
descumprimento das regras estabelecidas na Liga poderia reduzir a própria reputação de
Husseini. Assim como a Jordânia, o Egito não queria iniciar um confronto imediato com
Israel em 1967, contudo, ele foi impingido a seguir a normativa da LA. Ambas as
nações foram estimuladas a seguir a diretiva da LA por conta das relações de integração
e da identificação de Israel como uma fonte de ameaça a coletividade árabe. A nova
diretiva adotada pela LA almejava a coordenação das políticas árabes ao invés da
integração, privilegiando as soberanias e os interesses nacionais dos diferentes Estados
partícipes. No momento da Guerra de 1973, a ameaça israelense era um ponto comum,
mas a ausência de uma estratégia única e os múltiplos interesses nacionais conflitantes
acabou por enfraquecerem o movimento árabe.
Durante a Conferência de Catrum102, em 1967, o Iraque já discutia o uso do
petróleo como um meio para punir os países que apoiavam Israel. Em vez de ser um
instrumento que limitaria a cooperação no momento de guerra, como ocorrido em 1973,
o petróleo poderia servir para obtenção de poder no momento posterior ao embate. A
proposta iraquiana de punir os países aliados foi vetada pelos membros da LA que
perceberam que o uso para fins políticos do petróleo naquele momento como, por
exemplo, a restrição ao comércio, poderia lesar os próprios países árabes. Devido à
102
O documento gerado na Conferência de Catrum encontra-se no anexo 3 deste trabalho.
62
derrota dos países árabes na Guerra de 1967, em especial do Egito, Síria e Jordânia,
seria necessário à reconstrução dos países atingidos. Esta medida punitiva, além de
promover a intervenção internacional em um momento onde os países árabes que foram
lesados pelo conflito encontravam-se em uma situação delicada, poderia reduzir a
própria receita dos produtores que seriam fundamentais para a reconstrução do Egito e
da Jordânia. A Síria, por descumprir as regras de reciprocidade, não foi privilegiada
com o apoio financeiro dos países produtores.
A Conferência de Catrum de 1967 assume um papel central para a determinação
das regras do jogo em relação ao enfrentamento da ameaça israelense. Pelos princípios
estabelecidos nesta Conferência, a nova normativa árabe seguiria as seguintes diretrizes:
o não estabelecimento de paz com o Estado de Israel, o não reconhecimento do Estado
judaico e a recusa de negociar com o mesmo. As novas regras determinavam as
orientações árabes que estabeleceriam agendas políticas nacionais que deveriam
privilegiar, por exemplo, o não estabelecimento de acordos com o Estado judeu.
Barnett103 destaca que, a partir de então, o conflito foi ainda mais acentuado. Cabe
ressaltar que o direito palestino de ter um Estado soberano dentro de seu próprio
território foi discutido nesta Conferência se destacando como uma das prioridades da
política árabe.
Uma cláusula de suma importância da Conferência foi a recomendação e
percepção dos Ministros das Finanças, Economia e Petróleo de usar o petróleo enquanto
uma “arma de guerra”. O documento aconselhava que:
4- A Conferência dos Ministros Árabes das Finanças, Economia e Petróleo
recomendaram a suspensão do bombeamento do petróleo que pode ser usado
enquanto uma arma de guerra. No entanto, após o estudo da causa, a cúpula
concluiu que o bombeamento de petróleo pode ser usado como uma arma
positiva, já que, o petróleo é um recurso árabe que pode ser usado para
fortalecer as economias dos Estados árabes diretamente após as agressões de
modo que os Estados permaneçam na própria batalha. A Conferência decidiu
continuar a bombear petróleo, já que o petróleo é um recurso árabe positivo e
que pode servir para os próprios objetivos árabes. Ele pode contribuir para os
esforços para permitir que os Estados árabe que foram expostos a agressão e,
por isso, perderam recursos econômicos, que fiquem firmes e que eliminem
os efeitos da agressão. Os Estados produtores de petróleo têm, de fato,
participado dos esforços para permitir que os Estados atingidos permaneçam
firmes diante de uma pressão econômica.//5. Os participantes da conferencia
aprovaram o plano proposto pelo Kuwait para estabelecer um Fundo de
Desenvolvimento Econômico e Social Árabe com nas recomendações
103
BARNETT, Michael N. Op. Cit.
63
estabelecidas na Conferência de Bagdá dos Ministros Árabes das Finanças,
Economia e Petróleo.104
A recomendação é bastante importante, tendo em vista, a indicação do uso do
petróleo enquanto uma arma de guerra. A diretiva vai ao encontro do proposto pelo
Iraque e enfatiza a percepção dos Estados árabes produtores da crescente importância
que o petróleo estava adquirindo no cenário internacional e, por conseguinte, a própria
importância da região. Por conta crescente dependência mundial pelo recurso, o
petróleo poderia ser utilizado tanto para a quebra dos meios de produção dos países
consumidores e industrializados quanto como uma fonte de renda que melhoraria a
própria economia dos países árabes. Além do apoio econômico dado aos países
atingidos pelo conflito, os rendimentos oriundos do comércio do recurso possibilitariam
a compra de armas e o reabastecimento dos países que se encontravam em estado de
beligerância com Israel. O petróleo e a centralidade que a região estava assumindo
possibilitava ainda um novo posicionamento dos árabes no cenário internacional que
poderia impulsionar a concretização de acordos comerciais, em especial, acordos com a
indústria bélica em prol da manutenção do comércio do recurso. A alteração do próprio
equilíbrio de poder e a crescente comercialização do recurso geravam dilemas de
segurança que eram fundamentais para a construção de um novo relacionamento como o
próprio Estado de Israel.
O petróleo adquiria importância tanto para os consumidores que precisavam do
insumo para a manutenção do sistema produtivo quanto para os produtores que tinham o
recurso como uma das principais fontes de renda estatal. A constante dependência do
petróleo, já percebida em 1967, foi fundamental para o uso do recurso enquanto arma
em 1973. Na ocasião de 1967, como será debatido no quarto capítulo deste trabalho, os
104
Resolução
da
Conferência
de
Catrum,
Disponível
em:
http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/1ff0bf3ddeb703a785257110007719e7?Open
Document. Acessado dia 12/08/2013. Tradução livre. Na língua original: “ 4. The conference of Arab Ministers of
Finance, Economy and Oil recommended that suspension of oil pumping be used as a weapon in the battle. However,
after thoroughly studying the matter, the summit conference has come to the conclusion that the oil pumping can
itself be used as a positive weapon, since oil is an Arab resource which can be used to strengthen the economy of the
Arab States directly affected by the aggression, so that these States will be able to stand firm in the battle. The
conference has, therefore, decided to resume the pumping of oil, since oil is a positive Arab resource that can be used
in the service of Arab goals. It can contribute to the efforts to enable those Arab States which were exposed to the
aggression and thereby lost economic resources to stand firm and eliminate the effects of the aggression. The oilproducing States have, in fact, participated in the efforts to enable the States affected by the aggression to stand firm
in the face of any economic pressure. 5. The participants in the conference have approved the plan proposed by
Kuwait to set up an Arab Economic and Social Development Fund on the basis of the recommendation of the
Baghdad conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil”
64
países árabes não controlavam a sua produção e, por isso, a restrição do bombeamento
do petróleo poderia não se tão eficaz. A manutenção da venda e o uso do dinheiro
gerado pelo comercialização do insumo para o aprimoramento e para a defesa da causa
árabe seria a melhor escolha para os árabes atingidos pela guerra e para a manutenção
da própria economia dos países produtores.
A conclusão tomada pelos ministros árabes ainda demonstra o comprometimento
dos Estados produtores com o projeto árabe sancionado pela LA originando relações de
reciprocidade benéficas a economia dos Estados produtores dentro da própria
instituição. Os Estados produtores, por saberem que o estabelecimento das normas no
âmbito da LA é resultante de um exercício de poder, almejavam a legitimação de uma
diretiva que os beneficiasse e mantivesse a sua própria capacidade produtiva. Não foram
todos os países produtores que concordaram com a medida, por exemplo, o Iraque que
defendia a suspensão do bombardeamento de petróleo. Conforme exposto, o
estabelecimento de regras que exigem reciprocidade são fundamentais para o
constrangimento das ações egoístas dos Estados. Neste caso, a medida proposta pelos
demais países produtores enfraqueceram e limitaram a própria ação iraquiana que
garantiu a continuação da sua principal fonte de renda sem dissociá-la da própria causa
árabe.
O documento sancionado em Catrum é bastante discutido, pois ele limitava a
própria ação individual para a concretização dos acordos com Israel. Apesar de respeitar
as soberanias nacionais, Catrum definiu o que seria politicamente viável para os Estados
árabes estabelecendo novas regras como o não estabelecimento de acordos de paz com
Israel, o não reconhecimento do mesmo, a recusa em negociar com o Estado judeu.
Além disso, o uso do petróleo para fins políticos estabeleciam novas possibilidades para
o próprio conflito. Todas estas medidas, em especial a recomendação do uso do
petróleo, criaram novas regras que colocavam os países produtores em evidência.
Em suma, a compreensão dos jogos políticos árabes é fundamental para o
entendimento do conflito e dos mecanismos que legitimam e estimulam a ação dos
países árabes no contexto regional. A LA e a criação das normativas que norteiam a
ações políticas dos países árabes constituíram um exercício de poder que foram
alterados constantemente, criando novas políticas, a necessidade de seguir a normativa
por conta da necessidade de manutenção da reciprocidade e novos atores que atuaram
dentro de uma lógica situacional específica. Em um primeiro momento, até 1967, a
orientação de integração da Liga ia contra as soberanias nacionais, porém está diretiva
65
muda em 1967 em direção de uma orientação mais cooperativa e estadista. Este novo
momento da política árabe, promove a convergência identitárst’ia dos povos para a
percepção de que o Estado judeu como um elemento que desafia a segurança árabe.
Neste sentido, respeitando as soberanias locais e usando o petróleo para a mudança da
balança de poder na região, os Estados árabes impulsionaram e ratificaram as suas
políticas e orientações de forma coletiva e individual na região.
66
Capítulo 3: Força Bélica: Uma análise das Guerras de 1967 e 1973
Esse capítulo promoverá um debate sobre o uso da força bélica para a obtenção
da segurança, soberania e consolidação do poder na região pelos Estados árabes e pelo
Estado judeu na Guerra dos Seis Dias e na Guerra do Yom Kippur. Os Estados árabes
usaram o petróleo enquanto recurso estratégico em ambos os momentos, contudo,
somente em 1973, como será abordado no quarto capítulo deste trabalho, o recurso
gerou resultados positivos. O recurso foi entendido como uma diferença da política
árabe para a construção de suas estratégias na região.
Antes de abordar diretamente os conflitos, é necessário que seja estabelecido
uma diferenciação do conceito de guerra preventiva e de guerra preemptiva. A guerra
preventiva tenta evitar um hipotético ataque a determinado território. O Estado que
inicia este conflito não tem evidências conclusivas sobre a iminência de uma ação
militar e age de forma profilática ao tentar evitar qualquer ataque ao seu território. Este
tipo de ação militar vem sendo questionado em relação a sua legitimidade, pois os
Estados podem desencadear uma ação preventiva para evitar possibilidades de alteração
do equilíbrio de poder entre as partes usando a ação armada de forma arbitrária e sem
respaldo do direito internacional. O desencadeamento deste tipo de conflito é originário
de um momento de crise aonde existem possibilidades para o estabelecimento de
relações diplomáticas para a manobra da mesma.
A guerra preemptiva, por sua vez, é estabelecida quando existem provas de uma
ameaça iminente. O Estado ao lançar a sua campanha militar tem conhecimento
suficiente das ameaças sofridas e estabelece suas ações em nome da legitima defesa
nacional. Este tipo de guerra é reconhecido por sua legitimidade e pela impossibilidade
da atuação da diplomacia visto o prenúncio do conflito. A diferença de percepção das
formas de manifestação dos conflitos é fundamental para o entendimento da própria
atuação do sistema internacional frente aos Estados beligerantes. O primeiro tiro e a
ação preventiva podem gerar ganhos estratégicos para os fins de ganhos militares,
contudo, internacionalmente o Estado pode sofrer sanções relativas à ilegitimidade de
suas ações.
3.1. A Guerra do Canal do Suez
A instabilidade da região deve ser compreendida de forma gradual e pelos
desafios e dilemas deixados pelo próprio conflito. Pretende-se de forma breve
contextualizar o momento que antecedeu a Guerra dos Seis Dias percebendo a
67
conjuntura que solidificou a instabilidade regional que culminou na escalada militar.
Em 1956, ocorreu a Guerra do Suez também conhecida como a segunda guerra árabeisraelense que teve como estopim a nacionalização do canal de Suez pelo Egito. O
canal, como dito, era um ponto estratégico que faz parte da jurisdição soberana egípcia.
Na época, o canal era importante também para Israel e para a Grã Bretanha e França que
possuíam bases na região. O Golfo de Acaba permite o fluxo marítimo para o Estado de
Israel e divide a Península do Sinai da Península Arábica. O Golfo é bastante estreito e,
segundo a diretiva marítima internacional, tanto a Arábia Saudita quanto o Egito tinham
sob sua soberania o mar territorial da região que compreende a área de 12 milhas
náuticas ou, em média, 22 km. Além do mar territorial, os países soberanos, segundo a
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, ainda podem exercer
jurisdição sobre a zona contígua em relação a contrabando e imigração ilegal e na Zona
Econômica Exclusiva nos pontos que privilegiam a exploração marítima. A
possibilidade do fechamento do Canal era um risco para Israel.
A Guerra de 1956 adquire importância para este estudo por seus resultados.
Apesar de não ter mudado permanentemente a configuração territorial do Oriente, o
confronto foi fundamental para a alteração do equilíbrio de poder da região e para o
estabelecimento de uma nova orientação do próprio jogo político na região. Os judeus,
vitoriosos militarmente, saíram da guerra com a confirmação de estarem se tornando
uma potência bélica, por outro lado, os países árabes, em especial o Egito, também
obtiveram uma vitória, já que, conseguiram que os protetorados fossem retirados da
região. Barnett destaca que “a Guerra do Suez pode ser mais bem entendida como
simbolizadora do fim de uma era e o início de outra, reforçando tendências e forças
sociais já presentes.”105. A vitória egípcia também representou a vitória dos países
árabes progressistas em relação aos reacionários106. Nasser, segundo Shlaim, passou a
identificar Israel, no pós 1956, como uma potência europeia 107. A ação militar mudou o
modos operandi da própria FDI.
Antes do inicio do conflito, o Estado judaico estava concretizando acordos para
a compra de armamentos franceses108 e os Estados árabes já haviam firmado acordos
105
BARNETT, Michael N. Op. Cit. p. 123.
Os Estados reacionários eram aqueles que estavam associados aos EUA. Estes eram: Marrocos, Jordânia, Tunísia,
Líbano e Arábia Saudita. Os Estados progressistas eram os associados a URSS. Dentre os progressistas destaca-se:
Egito, Síria, Iraque, Argélia e Iêmen.
107
SHLAIM, Avi. Op. Cit.. p. 193.
108
Havia a preferência e toda uma política pró-EUA, contudo, o fornecimento de armamentos franceses não
restringia a possibilidade um confronto com o Egito. Os EUA, em contra partida, colocaram como condição para a
venda de armamentos que Israel não entrasse em guerra.
106
68
junto a URSS. A busca pelo fornecimento de armas junto as grandes potências era uma
das políticas prioritárias que viam na força bélica um meio para a obtenção de poder e
soberania na região. Moshe Sharett, então ministro das Relações Exteriores, estava nos
Estados Unidos tentando estabelecer um acordo para a obtenção de armamento norteamericano quando, em Israel, Ben Gurion autoriza um ataque preventivo contra a Síria
em 1955. A atitude do primeiro-ministro israelense prejudicou a negociação de Sharret
junto aos EUA levando-o a concluir que o primeiro-ministro estava sabotando os seus
esforços para o alcance de seus objetivos nacionais que era a concretização de um
acordo com os norte-americanos. Neste sentido, para Sharett, a decisão do líder não era
a melhor escolha dentre todas as possibilidades que o primeiro-ministro tinha.
Ao retornar a Israel, Sharett afirmou que era contra a guerra preventiva, pois ela
poderia se tornar uma guerra real e que “aquilo que não ocorreu na Guerra de
Independência pode ocorrer, isto é, a intervenção de uma potência estrangeira contra
nós. [...] Sou contra a guerra preventiva porque ela significa medidas da ONU contra
nós.”109. O primeiro-ministro israelense estava irredutível quanto à possibilidade de um
confronto e as medidas adotadas por ele, em 1955, foram criticadas pela imprensa
internacional e pelo Conselho de Segurança da ONU que condenou o ataque israelense.
Os Estados Unidos haviam decidido, por conta da boa diplomacia estabelecida por
Sharett, a vender armas para o governo israelense, contudo, a atitude ofensiva do Estado
judeu mudou a opinião norte-americana.
Após o incidente o gabinete israelense se dividiu entre os almejavam o início de
uma guerra e os que preferiam os meios diplomáticos para a restauração do equilíbrio
entre Israel, Síria e Egito. O primeiro-ministro israelense acreditava que Nasser, tendo
oportunidade e recursos suficientes, destruiria o Estado de Israel e, para evitar o
desmantelamento do Estado judaico, seria necessário a obtenção de armas e de uma
ação antes da ruptura do equilíbrio de poder na região. Neste sentido, seguindo a melhor
estratégica diante da premissa proposta pelo primeiro-ministro, o Estado de Israel
deveria atacar ao invés de esperar pela possibilidade de mudança da balança de poder na
região. Diante da crise e tentando evitar uma escalada, os Estados Unidos investem em
uma missão com a intenção de consolidar um acordo entre Israel e Egito. Este almejava
apoio financeiro norte-americano para a construção da represa de Asuán enquanto
aquele queria a concretização de um acordo para a obtenção de armas norte-americanas.
109
Idem. Ibdem. p. 201.
69
A divergência entre os dois lados não foram superadas e a operação não cumpriu os
seus objetivos.
Israel consolidou um acordo com a França sem o apoio do Ministro das Relações
Exteriores. Sharett representava um grande empecilho para a política bélica de Ben
Gurion e, em 1956, ele foi afastado do governo e substituído por Golda Meir. A recusa
americana para a venda de armas favoreceu um alinhamento entre Israel e França, já
que, ambos os países tinham o líder do Egito como inimigo110. Apesar de temer Nasser
e percebê-lo como o “Hitler do Nilo”, o governo Francês não queria se comprometer em
um enfrentamento militar direto com o Egito e, por isso, pretendia a concretização de
uma ação conjunta com Israel. Os acordos com a França equilibravam novamente o
poderio militar israelense frente ao Egito, além de, legitimarem a necessidade de uma
ofensiva na região.
No dia seguinte a nacionalização do Suez, Shimon Peres se reuniu com líderes
franceses que almejavam a ajuda israelense para atravessar o Sinai. Os britânicos
ficaram indecisos em relação à participação israelense. Houve uma conferência secreta
no dia 30 de setembro de 1956 entre Israel, França e Grã-Bretanha com o intuito de
consolidar um plano de ataque conjunto. O plano apresentado pelo governo francês
previa um ataque israelense no Canal de Suez o que possibilitaria a intervenção inglesa
e francesa com o intuito de salvaguardar a região. Ben Gurion não concordou na
totalidade com o plano apresentado, já que, o Estado de Israel poderia ser alvo de
críticas por iniciar uma guerra preventiva contra o Egito. Diante desta conjuntura, o
primeiro-ministro convocou uma reunião secreta em Sèvres para o alinhamento entre os
três países. O encontro concluiu o Protocolo de Sèvres que possui sete artigos que
orientaram a ação conjunta.
Os resultados do enfrentamento são visto de forma distinta pelas duas correntes
historiográficas israelenses. Os autores revisionistas percebem que, mesmo com a
vitória militar, a ação conjunta não promoveu a destruição de Nasser, falhou no
estabelecimento de uma nova ordem política no Oriente Médio e na expansão das
fronteiras israelense. O poderio de Nasser, ao contrário, fora fortalecido. A guerra é
vista
pelos tradicionalistas, em
contrapartida, como uma
guerra
defensiva
brilhantemente executada e que alcançou todos os seus objetivos. Independente da
corrente, a Guerra de Suez representou a perda da atitude moderada israelense frente aos
110
O Egito estava ajudando os rebeldes argelinos. Para os franceses a queda de Nasser possibilitaria o
desmoronamento da rebelião Argelina.
70
países árabes destacando a importância da força bélica na região. No momento posterior
ao conflito ocorreu a intensificação dos dilemas de segurança que foram ratificados pela
corrida armamentista. As constantes derrotas árabes e a própria postura israelense
culminou em uma atitude irreconciliável entre os dois polos que exigia, no imaginário
dos países árabes, uma vitória frente à entidade sionista para a possibilidade de alteração
da balança de poder.
Uma das lições aprendidas por Ben Gurion, primeiro-ministro israelense, com a
Guerra do Suez, foi que Israel não poderia expandir seu território à custa do país
vizinho. A conquista não confere mais o direito à manutenção do território conquistado
e, como isso, ele defendeu ainda mais o uso da repressão e que a FDI deveria se equipar
com armas mais avançadas e manter a superioridade bélica frente aos exércitos árabes.
Durante o seu governo, Ben Gurion havia preterido a força bélica ao invés da
diplomacia, já que, acreditava, como previamente evidenciado, que a legitimação do
Estado judaico estava na mão dos próprios judeus. Contudo, com o avanço do apoio
soviético aos Estados árabes, o governante israelense começa a buscar a consolidação
de acordos com os Estados Unidos da América111 que foram primeiramente recusados.
Os EUA já apresentavam preocupações com a questão do petróleo árabe e a
manutenção de certa distância de Israel iria garantir o fácil acesso ao produto. Esta
determinação dos EUA se altera quando, em 1957, é lançada a Doutrina Eisenhower. A
doutrina fez parte da política externa norte americana e previa a ajuda, mediante pedido,
aos países contrários ao comunismo ou identificados como uma ameaça aos EUA. A
doutrina foi bastante importante para conter a expansão soviética e a própria atuação de
Nasser na região.
Após a Guerra do Canal de Suez, a região sofre mudanças significativas: os
países árabes estavam no auge dos seus nacionalismos; a Organização pela Libertação
Palestina (OLP) havia sido fundada com o intuito de lutar pela a criação de um Estado
palestino; Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) fora estabelecida
em 1960; Israel estava em ascensão econômica, cultural e social; presença das
superpotências, URSS e EUA, na região; estabelecimento de uma nova dinâmica
instaurada pela presença das forças de Paz da ONU (UNEF) como parte das medidas
estabelecidas no pós-guerra de 1956112.
111
112
Israel já contava com o apoio francês.
O anexo 6 desta trabalho mostra a disposição das formas da UNEF no território Egípcio.
71
3.2. A Guerra dos Seis Dias
Esta conjuntura começou a sofrer alterações nos anos precedentes a Guerra de
1967. Para o entendimento do estopim desse desequilíbrio é necessário a percepção de
uma combinação de eventos que foram fundamentais para o desencadeamento da
ofensiva e que são também importantes para a apreensão das formas como as decisões
se moldaram de forma interdependente e de forma reflexiva para a obtenção de poder,
consolidação da segurança e ratificação das soberanias. Destaca-se a ocorrência dos
seguintes episódios que serão debatidos em seguida: 1. Com a criação da OLP, em
1964, os números de infiltrações e de movimentos assimétricos nas fronteiras entre
Israel, Jordânia e Síria aumentaram acarretando, assim, na energização das hostilidades
nas fronteiras; 2. Questão hídrica relacionada à possibilidade de desvio das águas do
Jordão; 3. Crise econômica, moral, social e política em Israel; 4. Acirramentos dos
confrontos nas zonas desmilitarizadas entre Israel e Síria; 5. Pacto de defesa
estabelecido entre Síria/Egito e entre Jordânia/Egito; 6. Relações de reciprocidade
estabelecidas tanto na OPEP quanto na Liga Árabe que modelaram os comportamentos
dos atores árabes no contexto da guerra; 7. Fragilidade Egípcia no pós Guerra do Iêmen
e a possibilidade de alteração da balança de poder na região; 8. Aumento das
hostilidades nas fronteiras da Jordânia que mudou a orientação política jordaniana frente
Israel; 9. Questão nuclear; 10. Questão territorial e; 11. Crescimento do envolvimento
das superpotências na região113.
Após a saída do protetorado inglês da região da Palestina, acreditava-se que
judeus e palestinos estabeleceriam uma união política e econômica. Os palestinos se
tornaram, ao contrário, refugiados e somente a Jordânia, dentre todos os países árabes,
ofereceu cidadania a eles. A atitude jordaniana se tornou um problema à segurança do
país quando, após o estabelecimento da OLP e devido à extensão da fronteira entre o
país e o Estado judaico, as constantes infiltrações passaram a demandar uma atitude do
Estado jordaniano frente às ofensivas israelenses. Junto à ascensão da OLP também é
visto o crescimento do Fatah que é um partido representativo do povo palestino que fora
fundado em 1959 tendo com principal líder Yasser Arafat. Cabe destacar que a OLP é
113
Alguns autores ainda destacam a dimensão ideológica para o acirramento do conflito. Não é pretendida a
realização de uma discussão mais aprofundada em relação à questão ideológica mais sabe-se da sua importância na
região. Destaca-se a formação de quatro escolas árabes nesse período, a sabe: 1. A tradicionalista que defendia as
ações por meios militares; 2. A que defendia que o desaparecimento do Estado de Israel por outros meios que não a
guerra; 3. Os que queriam a aceitação da resolução 242 da ONU no momento posterior a Guerra dos Seis Dias e 4. Os
que defendiam uma nova tomada de posição Árabe. No Estado judaico, por outro lado, existiam discussões sobre os
que defendiam o uso da força para a manutenção dos territórios, os que almejavam uma expansão territorial e os que
defendiam um estado Binacional.
72
uma organização multipartidária e o Fatah era um de seus maiores partidos na época.
Tanto a OLP quanto Israel percebiam o outro de forma reflexiva o que constituem as
suas identidades, assim como, fontes de ameaças em relação as sua segurança e
soberania. Essa percepção justifica-se pelo desejo da mesma terra para o seu
estabelecimento nacional.
Após o estabelecimento da organização representativa dos palestinos, foi
percebido um aumento das infiltrações nas fronteiras. A OLP realizava ataques
assimétricos contra o seu vizinho judaico e Israel, por outro lado, usava a suas forças de
defesa para salvaguardar a segurança e soberania de seu Estado. Um dos piores ataques,
desde a ofensiva de 1956, foi à operação Samu realizada pelo Estado judaico em
resposta a uma investida do Fatah em 1966. O uso desproporcional da força pelos
israelenses a vila palestina de Samu foi criticado pela comunidade internacional
deixando o alinhamento entre os EUA e Israel ameaçado. Além disso, o ataque foi
importante para estimular um acordo entre Egito, Jordânia e a Síria, já que, demandava
uma resposta imediata do líder jordaniano. Israel se torna uma ameaça ao Rei e o
alinhamento com os países árabes, devido à identificação do Estado judaico como uma
fonte de ameaça e de insegurança, se torna algo natural e necessário. No dia trinta de
maio, a Jordânia assina um pacto de defesa com o Egito. Desta forma, o líder conseguiu
reduzir a sua vulnerabilidade dentro do mundo árabe sendo um líder representativo do
projeto estabelecido pela Liga, além de, consolidar um acordo que pudesse solidificar a
segurança e sua soberania da própria Jordânia114. Como evidenciado no segundo
capítulo, as perdas que a guerra poderia trazer para o líder jordaniano eram menores que
a escolha de não entrar em guerra com Israel. Tentando continuar no poder, a assinatura
de um pacto de defesa com o Egito era a melhor opção do representante jordaniano.
A OLP e o Fatah foram financiados, armados e treinados pelo governo sírio.
Uma das escolhas e investidas contra o Estado judaico foi à tentativa de desvio da
questão hídrica. Para os israelenses, a Síria estava por detrás da ação palestina no que
tange a atuação do rio Jordão. Devido à recessão econômica em Israel, como será
debatido a seguir, os ataques da OLP foram percebido de forma mais dura pelo povo
israelense que não queria ser testado também pelo movimento de guerrilha árabe. Nas
universidades judaicas houve um grande debate sobre as investidas israelenses para a
114
As infiltrações e os dilemas a segurança do país são constantes e resultam na expulsão dos palestinos do território
jordaniano em 1970. O evento ficou conhecido como Setembro Negro e os Palestinos se dirigiram para o sul do
Líbano acirrando ainda mais a desequilíbrio populacional e deixando o Pacto Nacional mais ultrapassado.
73
obtenção de segurança contra as ações do Fatah. Um grupo de intelectuais associados ao
movimento de esquerda israelense defendia a criação de um Estado binacional.
A atitude da OLP em relação à questão hídrica ia ao encontro da normativa
estabelecida pela LA, no Cairo, em 1964, que instruiu o desvio das águas do Jordão.
Esta medida reduziria drasticamente a irrigação de Israel ameaçando a concretização do
próprio projeto israelense. Foi percebido que,
o estabelecimento de Israel é uma ameaça básica que a nação árabe em sua
totalidade concordou em impedir. E, já que a existência de Israel é um perigo
que ameaça a nação árabe, o desvio das águas do Jordão multiplica os perigos
à existência árabe. Consequentemente, os Estados árabes precisam elaborar
planos necessários para lidar com os aspectos políticos, econômicos e sociais,
porque, se os resultados necessários não forem alcançados, os preparativos
militares coletivos árabes, quando estiverem completos, constituirão os meios
115
práticos definitivos para a liquidação final de Israel.
O Jordão é formado pela confluência de outros três rios, Bania (Síria), Hazbanil
(Líbano) e Dan (Israel). O Dan dá origem a 50% da água do Jordão e a proposta Síria
ameaçava não só Israel como os países árabes. Eshkol, por ter atuado na questão hídrica
antes de assumir como primeiro-ministro, foi extremamente sensível à postura adotada
pela Síria e via as águas do Jordão como “sangue” vital para sobrevivência de Israel.
Para Rabin, as origens da Guerra dos Seis Dias remontam a conferência da Liga no
Cairo.
Ao tomarem a decisão, em 1964, os países árabes sabiam que ela poderia
estimular uma escalada militar. Desta forma, seria necessária organização coletiva para
que a eliminação da ameaça obtivesse sucesso, caso contrário, a própria segurança árabe
estaria ameaça. Deve-se lembrar de que a água é uma questão prioritária para Israel
devido à escassez do recurso e a possibilidade da perda do controle do recurso
representava um desafio à segurança, poder e soberania nacional. Desta forma, a
decisão árabe em relação ao desvio do Jordão, precisaria ser muito bem estrutura e
planejada, já que, ela poderia aumentar a possibilidade de uma intervenção militar
israelense. A ação de desviar as águas do Jordão poderia gerar uma reação israelense
bastante negativa para os próprios árabes e, por isso, o planejamento era fundamental
para o sucesso da operação.
A Síria foi percebida como uma das principais fontes de ameaça ao Estado
judeu. Havia três frentes de embates entre os dois países, a saber: briga pelo controle do
Jordão, tensão das zonas desmilitarizadas e o apoio dado ao Fatah. Os acordos
115
AL-KILANI, Haythama. Estratégia militar nas guerras árabe-israelense, 1948-1988. Beirut. 1998.
74
armistícios estabelecidos sob auspício da ONU, em 1949, limitaram zonas
desmilitarizadas (ZDS) entre as fronteiras dos dois países. Na década de 1960, em geral
impulsionado pelos fazendeiros da região, alguns confrontos foram percebidos nas ZDS
que ficaram conhecidos como Guerra dos Tratores. O apoio sírio ao Fatah também foi
um ponto importante, já que, o grupo representava uma ameaça a Israel em relação a
sua segurança e em relação a sua própria existência.
Para a obtenção da segurança israelense, os líderes se dividiram entre aqueles
que almejavam uma atitude mais defensiva e aqueles que preconizavam um ataque
israelense frente à ameaça árabe. O Estado judaico estava vivendo uma crise e uma
guerra não era o desejado, mas Israel iria responder em caso de um eventual ataque. Os
estrategistas israelenses elaboraram o plano Atzmon que, em caso de um conflito casual,
Israel iria privilegiar a destruição da Força Aérea Egípcia, a ocupação do Sinai e o
ataque tanto ao Egito quanto a Síria.
Israel e o Egito passavam na véspera da guerra por diferentes crises. Os ideais
sionistas nasceram na Europa e tinha como foco os judeus asquenazis. Os judeus se
dividem em três grupos: os asquenazim, judeus oriundos da Alemanha e França que
podem ter imigrado para Rússia e Polônia; os sefaradim, originários da Península
Ibérica e falante da língua hispânica e, por fim, os mizhraim ou judeus orientais que são
oriundos dos países de maioria muçulmana. A década de 1960 apresentou uma nova
configuração populacional ao Estado de Israel. Os asquenazim estavam se tornando
minoria no país enquanto os mizrahim cresciam exponencialmente, além disso, 12% da
população israelense era árabe. Houve também uma redução do movimento migratório
para a região e o crescimento da emigração.
No inicio da década de 1960, a economia israelense crescia exponencialmente
acompanhando, por exemplo, os padrões da Europa e dos EUA. Ir a Dizengoff,
principal rua de Tel Aviv, era o símbolo do status que o Estado judaico assumia: alta
moda, carros, cafés, padrões culturais similares aos da Europa, entre outros. O país
entrou em uma profunda recessão em meados da década de 1960. A população começou
a questionar o projeto nacional e o país embarca também em uma crise moral e social.
Em 1963, o primeiro-ministro Ben Gurion é sucedido por Levi Eshkol. O novo
líder não tinha a mesma reputação de seu antecessor e iniciou-se no país uma crise
política. Segundo uma pesquisa realizada pelos Haaretz, um importante jornal
75
israelense, 44% da população queria a substituição do Primeiro-Ministro116. O líder
mais cotado para assumir a posição de Eshkol era Begin que tinha aspirações territoriais
e pertencia a uma corrente mais linha dura. Essa atitude de Begin vai ao encontro do
modelo construído pelos países árabes relativos à segurança da região e a aspiração
imperialista israelense. Eshkol não atribuía ao militarismo à mesma importância que
tivera no governo Ben Gurion valorizando, assim, o diálogo e a diplomacia paciente
para a obtenção de acordos cooperativos entre as partes e para a legitimação do próprio
Estado.
Eshkol propõem uma nova corrente da política israelense e promove a fusão do
Mapai117com o Ahdut118 fundando o Alinhamento que estabeleceu um canal secreto
com o Rei Husseini da Jordânia. Os empreendimentos bem sucedidos de Eshkol não
foram bem recebidos por Ben Gurion que fundou um novo partido de oposição: o Rafi.
As tensões políticas no país eram latentes. Eshkol assume um país envolto nas questões
árabes, em plena crise econômica, com uma maioria mizharim em detrimento dos
asquenazim, com novas relações com os EUA e que tinham percebido a fracasso do
projeto dos Kibutzim119 tão importantes no momento da consolidação israelense.
Junto com Israel, em 1965, o Egito também se encontrava envolto em uma crise
econômica. A Guerra do Iêmen e os altos gastos com o setor bélico/militar estavam
trazendo problemas para a econômica nacional que passou a adotar uma série de
políticas de austeridade. Diante da crise e tendo a possibilidade da escalada do conflito,
Nasser estimulou que os países árabes não entrassem em guerra com Israel. O líder
observava a superioridade bélica israelense e instigava a militarização dos países árabes
antes de qualquer tomada de decisão. A Guerra de 1967 foi devastadora para os cofres
públicos egípcios, já que, houve o fechamento do canal de Suez, ocorreram perdas das
reservas de óleo no Sinai e danos causados pelo próprio embate.
Devido à Guerra do Iêmen e aos insucessos da política econômica do país,
Nasser estava vulnerável e teve sua reputação alijada tanto no âmbito interno quanto no
âmbito externo. O líder era questionado por diversos Estados árabes como, por
exemplo, o Irã e a Arábia Saudita, os dois maiores produtores da região. Nasser rompe
relação com o Irã por conta da assinatura e concordância com o Pacto de Bagdá que fora
116
SEGEV, Tom. 1967: Israel, the war and the year that transformed the Middle East.UK: Abacus, 2009. O
p. 106.
117
Partido de esquerda israelense dominante até 1968.
118
Partido de esquerda trabalhista.
119
O Kibutz foi fundamental para a fundação do Estado judaico. O kibutz é uma comunidade coletiva que uniu o
socialismo ao sionismo trabalhista.
76
entendido como uma afronta aos desejos pan-arabistas. Até a queda da monarquia
iraquiana, a ameaça dos demais países árabes não era sentida pelo governo iraniano.
Com o estabelecimento de um novo governo no Iraque, novas demandas relativas à
segurança iraniana ficaram latentes ao país. A Arábia Saudita era o país que estava
indiretamente em confronto com o Egito no Iêmen.
Diante da crise, o pedido de ajuda do governo sírio poderia auxiliar Nasser a
recuperar a sua reputação. O líder egípcio sabia que o conflito não poderia ser
estabelecido de imediato devido à própria situação egípcia e árabe. Para Israel, em
contrapartida, a fragilidade egípcia era um meio para se legitimar na região
restabelecendo a sua supremacia bélica, sua soberania no que tange ao controle das
fronteiras e a sua segurança nacional. A inteligência israelense afirmava que o Egito
queria um confronto com Israel, contudo, precisaria, ao menos cinco anos, para se
rearmar e se reestabelecer do confronto com o Iêmen. O Egito é impelido, pelos acordos
e pela necessidade de cumprir as regras restabelecidas tanto pela Liga quanto pelo pacto
de defesa instituído com a Síria no momento da dissolução da RAU, a tomar atitudes.
As pressões impulsionam Nasser as seguintes ações contra Israel que eram: o
fechamento do estreito de Tiran, envio de tropas egípcias para o Sinai e pedido de
retirada das forças da ONU da região. As três ações egípcias foram basilares para o
início da ofensiva.
Com relação às possíveis atitudes egípcias, Israel temia tanto o fechamento do
Tiran quanto a possibilidade de que o Egito bombardeasse Dimona sede do centro
nuclear. O programa nuclear israelense fazia parte da concepção judaica de que a
capacidade nuclear serviria para prevenir outro Holocausto. Ele fora estabelecido na
década de cinquenta junto à França. Devido à centralidade que o projeto adquiriu para o
Estado judaico, à ameaça a sua realização era, sobretudo, um ultimato nacional que
Israel deveria evitar. Para os países árabes, por outro lado, a presença de um programa
nuclear israelense era um desafio a sua própria segurança e a consolidação do próprio
dilema de segurança na região.
Ressalta-se o pedido de retirada das forças emergenciais das Nações Unidas
(UNEF) que estavam na região desde 1956 entre os dias 20 e 21 de maio de 1967120. Os
acordos estabelecidos no pós-guerra do Suez garantiam a Nasser o direito soberano de
exigir a retirada das tropas no momento que achasse conveniente. A UNEF, além de
120
O documento encontra-se no anexo 2 deste trabalho.
77
trazer estabilidade à região evitando o acirramento das tensões nas fronteiras entre Israel
e Egito, garantia aos barcos israelenses à possibilidade de transitar pelo estreito de Tiran
e pelo Mar Vermelho. A saída da UNEF permitiria ao líder egípcio o fechamento do
canal que ia em direção oposta ao acordo internacional ratificado, em 1956, que garantia
a manutenção do tráfego marítimo internacional pelo estreito. Para a consolidação da
Guerra dos Seis Dias é fundamental a observação do papel da URSS. O país produziu
um relatório de inteligência falso e enviou para o Egito onde se afirmava que existia
uma imensa concentração de tropas israelense na fronteira síria. Apesar de ter sido
recebido com suspeita, Nasser desloca tropas egípcias para a fronteira de Israel
agravando a tensão na região.
A questão territorial, conforme já debatido neste trabalho, se estabelecia como
uma grande querela dentro do Estado judaico entre aqueles que almejavam a construção
da grande Israel e os que não tinham pretensões relacionadas à expansão territorial. Para
os árabes a identificação de Israel como sendo defensor de uma política imperialista já
estabelecia desafios à segurança e à soberania dos países fronteiriços que se viam
constantemente ameaçados. Muitos judeus sonhavam com a conquista de Jerusalém que
na época era uma cidade empobrecida, com sistema de transporte defasado e onde não
poderiam acessar o símbolo máximo de sua fé, o Muro das Lamentações, que ficava
sobre controle jordaniano. Ao se lançar na Guerra dos Seis Dias, Israel não tinha
aspirações para o controle e tomada do território. O sucesso da própria estratégica
israelense promoveu a conquista de todo o Sinai, de Jerusalém, da Cisjordânia 121 e as
Colinas do Golan122.
Em relação às duas grandes potências, a URSS estava cada vez mais próxima
dos países árabes. O alinhamento, além de possibilitar o fornecimento de armas às
nações árabes, também dava ao governo soviético uma posição estratégica no
mediterrâneo. Israel havia perdido o apoio francês e estava se voltando aos Estados
Unidos que, após a posse de Nixon, construiu políticas mais próximas ao Estado
judaico.
Israel, diante dessa conjuntura, acreditava que a estratégia de strikes preemptivos
garantiria a vitória militar israelense. Os aviões israelenses, por meio de uma ação
coordenada, deveriam destruir a Força Área Egípcia (FAE) ainda em solo deixando as
121
122
Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 9 deste trabalho.
Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 8 deste trabalho.
78
tropas terrestres em situação de vulnerabilidade123. A estratégia israelense decidiu a
guerra nas primeiras horas com o arrasamento da FAE e com o medo gerado nos demais
países árabes. A ofensiva israelense não tinha pretensões imperialistas e a conquista
territorial foi provocada pelo próprio desenrolar da guerra sendo observada a própria
atuação israelense. Logo após a desarticulação da FAE, o Egito recorreu à Argélia e
Israel abriu as frentes de ataque na Jordânia e na Síria pelos céus e, por fim, começa as
ações terrestres124.
A estratégia israelense surpreendeu pela mudança da hora do ataque e da própria
direção que os aviões seguiam. Entre sete horas e quatorze minutos e sete horas e trinta
minutos, do dia 5 de junho, 183 aviões israelenses decolaram em direção ao Egito. Eles
fizeram voos rasantes de forma que não foram identificados pelos radares e, às 7 horas e
45 minutos, todos iniciaram as ofensivas. Uma hora e meia após a primeira investida,
197 aviões e oito torres de radares egípcios haviam sido derrubados pela FAI. Às nove
horas da manha, 304 aviões dos 419 que a FAE possuía haviam sido destruídos pela
força aérea israelense.
Três horas depois das ações no Egito, Israel se volta para a Síria e para a
Jordânia que contam ainda com a ajuda do Iraque. Assim como no Egito, a ofensiva
israelense também obtém sucesso na segunda frente de batalha. Israel tentou
restabelecer as relações com a Jordânia evitando assim uma terceira frente de batalha.
Contudo, o Rei se mostrou irredutível negando os pedidos israelenses de um cessarfogo. Dois dias após o início do conflito, Israel elabora o plano que levaria a conquista
de Jerusalém.
A guerra conferiu a Israel uma grande expansão territorial configurando uma
nova geoestratégia na região; reforçou a superioridade bélica e estratégica israelense
agravando, assim, os dilemas de segurança; materializou a humilhação de três Estado
soberanos por conta das perdas territoriais que seriam negociadas pela obtenção de paz;
acentuou a questão palestina devido às conquistas dos territórios da Cisjordânia;
aumentou apoio soviético para a reconstrução dos exércitos árabes e, devido à recusa
pela devolução das terras, originou, na conferência de Catrum, os três não árabes
discutidos no segundo capítulo deste trabalho.
Numericamente, no front egípcio, Israel teve 338 mortos e 1,400 feridos contra
uma estimativa de dez mil mortes egípcias e cinco mil prisioneiros de guerra. No front
123
124
O anexo 7 mostra a estratégica Israelense utilizada no Sinai.
Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 10 e 11 deste trabalho.
79
jordaniano, houve trezentas baixas israelenses contra oitocentas jordanianas, além de,
636 prisioneiros. No front sírio, foram percebidas quinhentas mortes sírias, 2,500
feridos e 578 prisioneiros. A Guerra de 1967 foi para os árabes a perda de seu poder
frente ao Estado judaico, a perda da sua capacidade soberana por conta dos territórios
conquistados por Israel e a perda da sua segurança nacional125.
Israel demostrou sua supremacia bélica e a sua intransigência em relação à
devolução dos territórios. Esta foi originada com o discurso de que as novas
fronteiras126 solidificariam a segurança israelense. Por conta dessa atitude, alguns
observadores começaram a suspeitar que Israel desencadeara o conflito não em legítima
defesa e sim para expandir os seus territórios. Para os observadores árabes a guerra foi
uma ofensiva para consolidar um projeto nacional há muito tempo almejado por Israel e
que era um dos riscos identificados como fronte de insegurança árabe como debatido no
primeiro capítulo. A atitude dos líderes israelenses na Guerra de 1967 se estabeleceu de
forma reflexiva utilizando-se de uma lógica própria.
Apesar de declarar que as novas fronteiras garantiriam a segurança israelense,
ela apresentava uma série de dilemas ao Estado tanto no âmbito regional quanto no
internacional. Por exemplo, com a conquista da Cisjordânia, Israel passou a ser o país
com o maior número de palestinos da região cerca de 1,1 milhões estavam vivendo no
território israelense. Israel sofreu fortes pressões internacionais para a saída dos
territórios e pela violação da resolução 242 da ONU 127. Para recuperarem seus
territórios e reconstituírem a sua soberania, os países árabes precisaram de uma nova
guerra na região. As pretensões territoriais israelenses consolidavam mais insegurança
do que segurança ao Estado judaico.
Como resultante da guerra, houve um novo alinhamento dos países árabes e,
com isso, ocorreu um turning point na política árabe. No pós-guerra, os países árabes
realizam a Conferência de Catrum que profere os três nãos que guiariam o mundo árabe,
a saber: não reconhecimento do Estado judaico; não negociação com o Estado de Israel
e não a adoção de acordos de paz entre Israel e os Estado árabes 128. Essa diretiva árabe
também enrijeceu a aceitação da própria resolução 242 da ONU que apoiou os árabes na
questão territorial e os judeus na questão da paz. Um representante da ONU é enviado
125
SEGEV, Tom. Op. Cit. p. 498.
Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 12 deste trabalho.
127
A resolução encontra-se nos anexos deste trabalho.
128
A resolução da conferencia de Catrum encontra-se nos anexos deste trabalho.
126
80
com o intuito de estabelecer acordo cooperativo entre os povos; contudo seus trabalhos
não lograram a consolidação da paz.
Eshkol morre e, em seu lugar, assume Golda Meir como primeira-ministra. Ela
foi apontada como uma das governantes mais autoritárias que Israel já teve e, ao
contrário de Eshkol, não percebia os palestinos como um povo e defendia a ideia de “ou
eles ou nós”. Até a Guerra de Yom Kippur, a estratégia de Golda era ir levando com
tempo as conquistas territoriais.
Em 1970, Gamal Nasser morre precocemente no Egito. Sadat assume e, pela
primeira vez, sob os auspícios de Jarring, um diplomata suíço que foi enviado pela
ONU para negociar a paz o Oriente Médio, o Egito declarava publicamente a sua
disposição para entrar em acordos de paz com Israel que rejeita todas as investidas de
Sadat. Percebendo a situação e a intransigência de Golda, o governo norte-americano
suspende o apoio bélico ao Estado judeu, contudo, a primeira-ministra israelense vai aos
Estados Unidos e consegue o reestabelecimento do mesmo. Golda era defensora das
novas fronteiras israelenses que deram origem a Grande Israel129.
Os próprios Estados Unidos, com a vigência da Doutrina Nixon, começam a usar
Israel como parte da estratégia para a manutenção da ordem no Oriente Médio. Agora, a
nação judaica tinha o papel de manter o equilíbrio favorável ao país contendo o
radicalismo árabe e controlando o expansionismo soviético. A líder israelense percebeu
a importância desta doutrina para os interesses de Israel. Após a Guerra dos Seis Dias e
devido ao forte apoio que ambos os lados tinham das superpotências, a região viveu um
forte militarização formulando, assim, uma nova conjuntura na região. A presença das
duas grandes potências e a crescente militarização foram bastante expressiva em 1973
como será abordado a seguir.
A intransigência israelense pela devolução dos territórios estimulou uma guerra
de atrito nas fronteiras. Questiona-se novamente a noção de segurança que as novas
fronteiras traziam para Israel. O entrave foi bastante importante para que ambas as
potências testassem as armas soviéticas e americanas. Os encontros se deram de forma
estritamente reflexiva em especial na questão dos recursos bélicos. Boyne 130, percebeu a
guerra de atrito como um momento importante para a alteração da balança de poder na
região, já que, o apoio da URSS aos Estados árabes foi muito mais intenso que nos anos
129
A Grande Israel era almejada por alguns judeus que defendiam a restauração de Israel conforme descrito pela
Bíblia.
130
BOYNE, Walter J. The Yom Kippur and the airlift that saved Israel. New York: Martin´s Press, 2002.
81
anteriores. Os soviéticos deram aos árabes equipamentos de ponta, treinamento e apoio
da própria inteligência da URSS. Ao contrário da Guerra de 1967, Israel tinha mais uma
frente no Líbano devido à expulsão dos palestinos da Jordânia.
A decisão dos atores deve ser entendida pela análise desta conjuntura. Ambos os
quatro países, Israel, Egito, Síria e Jordânia, tinham questões que ameaçam a sua
segurança e a sua soberania no que tange ao controle das fronteiras no período que
antecedia a guerra de 1967. As atitudes egípcias de fechamento do estreito de Tiran,
remoção das tropas da UNEF e deslocamento das tropas foram ao encontro dos pactos
de defesa estabelecidos com a Jordânia e com a Síria além do projeto da própria LA
mantendo, assim, o cumprimento das normativas da organização. Nasser sabia que, em
caso de escalada, os países árabes, em especial o Egito, poderiam ter mais perdas do que
ganhos devido ao desequilíbrio bélico entre os países. Contudo, seria fundamental que
as normas estabelecidas na Liga fossem ratificadas, já que, a não atuação egípcia
prejudicaria o poder de influência do líder e a sua própria reputação.
A Síria estava envolta com as resoluções estabelecidas em 1964 relativas ao
desvio do Jordão que significariam uma ameaça à Israel. Sabia-se que uma guerra
poderia ocorrer e, por isso, as ações militares conjuntas com o Egito seriam vitais para o
sucesso da ofensiva. O controle do Jordão traria importantes desafios a política
israelense e seria somada a ação militar conjunta um meio para obter poder e ameaçar
Estado israelense. A Jordânia, por sua vez, queria legitimar a sua segurança e reduzir a
sua vulnerabilidade, em especial, pelo resultado negativo que Samu trouxe para o país e
ao seu líder. Ambos os países se sentiam vulneráveis com os constantes ataques
israelenses, seja pela questão palestina, seja nas zonas desmilitarizadas.
Israel, também envolto na recessão econômica, se via ameaçado pelo
fechamento do Suez que poderia piorar a economia israelense. A percepção de que o
Egito queria uma guerra mais que precisaria se recuperar abre uma brecha para que
Israel alcançasse sucesso no seu empreendimento que tentava reduzir as suas
vulnerabilidades e as fontes de ameaças. O ataque imediato orientado por uma boa
estratégia poderia ser um meio pelo qual o Estado judaico poderia alcançar os seus
objetivos relativos à melhoria de sua segurança.
Percebe-se que o Estado de Israel teve um melhor ganho relativo de amplitude,
pay off, que os Estados árabes com esse conflito. Destaca-se ainda que a recusa
israelense a devolver os territórios conquistados e o não cumprimento da resolução 242
da ONU. Ambas as ações foram as principais forças motrizes para o ataque árabe de
82
1973. Assim como Clausewitz, Sadat percebia a guerra como uma forma de fazer
política por outros meios e o líder precisava de um conflito para recuperar a soberania e
poder egípcio e árabe que estavam tão enfraquecidos pelas três vitórias anteriores do
Estado de Israel. Além da melhoria da sua capacidade bélica, os Estados Árabes
elaboraram uma brilhante estratégia que usava o petróleo como ferramenta política.
3.3 Guerra do Yom Kippur
A Guerra de 1967 resultou na conformação de uma nova conjuntura no Oriente
Médio. Os judeus saíram vitoriosos e acreditavam na sua superioridade bélica frente aos
países árabes. Estes, por sua vez, viam as novas fronteiras e a recusa israelense em
devolvê-las como uma humilhação que foi motivadora de um novo conflito. A presença
judaica nas regiões conquistadas, além de ratificar o seu poder e de violar a resolução
242 da ONU, representava, consequentemente, a perda do poder árabe, a incapacidade
de manter a sua soberania doméstica e a sua inaptidão para a preservação da sua própria
segurança. Até 1970, uma série de confrontos que foram desencadeados nas fronteiras
sendo conhecido como Guerra de Atrito. O fim das hostilidades e a aparente aceitação
dos árabes perante as novas fronteiras encorajaram o pensamento judaico em relação a
sua invulnerabilidade. A Guerra do Yom Kippur foi desencadeada pelos países árabes
que queriam o retorno das fronteiras pré-1967 e que precisavam se legitimar na região
frente à irredutibilidade do Estado judeu. Ela foi marcada pela presença das duas
grandes potências mundiais da época, pelo uso do petróleo enquanto ferramenta política
e estratégica, pela possibilidade de um ataque nuclear e pela falha da racionalidade
israelense frente aos constantes avisos da iminência de um ataque pelos árabes.
A morte de Nasser possibilitou um novo alinhamento dos países árabes que foi
fundamental para o estabelecimento do uso do petróleo enquanto elemento estratégico
para a obtenção de poder em 1973. Este assunto será mais bem debatido no quarto
capítulo. A Arábia Saudita e o Iraque se mostraram mais dispostos, com a troca do líder,
a estabelecer relações diplomáticas com o Egito. O Irã, ao contrário da postura adotada
pós-revolução de 1979, como já exposto, era regido por um líder pró-EUA não tendo
tomado partido diretamente do conflito. Mesmo diante dessas divergências de
orientação política entre os países produtores, o embargo 131, determinado pela LA, foi
estabelecido pela OPEP e exigiu o cumprimento da normativa por conta da própria
percepção dos líderes em relação a reciprocidade das suas ações na organização.
131
O embargo de petróleo foi uma política adotada pelos países membros da OPEP que tentou restringir o apoio dado
ao Estado de Israel. Esta questão será mais bem debatida no terceiro capítulo.
83
Ressalta-se que, a partir de 1970, os países árabes estavam conquistando as
nacionalizações dos seus poços.
A participação das superpotências na Guerra de 1973 foi basilar para a
construção e resolução do entrave. Os árabes contaram com o incentivo soviético e de
outros países contrários a Israel em 1973. A participação da URSS, em especial, foi
fundamental para o treinamento e provisionamento das forças de defesa árabes que
alterou o paradigma observado em 1967. Rabinocivh destaca que, “os árabes e os
israelenses não estavam sozinhos no Oriente Médio. Mesmo perseguindo os seus
próprios jogos de poder regional, eles eram sobrados como representantes das
superpotências engajadas em um confronto global”132. É possível notar a diferença entre
o provisionamento dos Estados pela seguinte tabela:
Nação
População
PIB
Tropas
Tanques
Artilharia
Egito
35.700,00
$7,5 B
260.000
2.250
800
Iraque
10.142,000 $3,5 B
90.000
1.130
700
Jordânia
2.560,000
$0,7 B
68.000
200
400
Síria
6.775,000
$1,9 B
120.000
1.270
400
Total
55.177,000 $13,6B
538.000
4.850
2.100
3.180,000
275.000
2.000
350
Árabe
Israel
$6,9B
Fonte: BOYNE, Walter J. The Yom Kippur and the airlift that saved Israel. New York: Martin´s Press, 2002.
Os países árabes envolvidos com o entrave de 1973 contavam com uma força
bélica maior que a israelense. O Egito sozinho tinha mais tanques que Israel e todos os
países árabes tinham mais artilharias que o Estado judeu. A superioridade bélica árabe
fora conquistada com a ajuda soviética que, além de disponibilizar armamentos,
também realizaram treinamentos militares que favoreceram a mudança de equilíbrio na
região. Destaca-se a importância da estratégia árabe para o sucesso do início da ofensiva
em 1973. Os estrategistas árabes perceberam que Israel havia obtido suas vitórias
anteriores pelo uso da FAI e depois com o uso das forças terrestres, por isso, tanto o
Egito quanto a Síria queriam desestabilizar Israel com o desmonte da sua estratégia.
Israel saiu da Guerra de 1967 convicto da sua supremacia militar e bélica
acreditando na sua invulnerabilidade frente aos países árabes. Diante deste ideário, os
132
RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit. p. 40.
84
líderes israelenses não acreditavam que os árabes iriam, com base na racionalidade,
iniciar outro embate e, por isso, não havia um grande contingente militar israelense nas
fronteiras do Suez. Segundo Moshe Dayan, a inferioridade árabe era uma “fraqueza que
deriva de fatores que acredito que não irá mudar tão cedo: o baixo nível dos seus
soldados em educação, tecnologia e integridade”133. Esta crença e visão dos árabes fez
com que Israel negligenciasse diversos sinais e avisos dados no pré-guerra somente
percebendo o prenúncio do conflito horas antes de seu início. Além disso, Israel não
percebeu a mudança de conjuntura para uma nova capacidade bélica dos países árabes e,
por isso, os primeiros dias de conflito foram tão negativos a FDI. Acreditava-se que o
arsenal bélico árabe se assemelhava ao de 1967 e, por isso, Israel tinha superioridade.
Além de estarem se militarizando, os países árabes trouxeram desafios a FDI, já
que, ela havia fundamentado a sua estratégia com base na premissa de que Israel deveria
operar na ofensiva pegando o inimigo de surpresa134. Na Guerra de 1973, além de
ocorrer uma falha grave na inteligência israelense, os judeus foram os que tiveram que
agir na defensiva e com baixo potencial bélico mostrando a sua vulnerabilidade frente à
mudança do tabuleiro do jogo. A Guerra do Yom Kippur é percebida como uma das
maiores reviravoltas da história militar. Nos primeiros dias, houve a vitória árabe e
acreditou-se em uma derrota massiva israelense, contudo, devido ao apoio logístico e
militar dos EUA, Israel conseguiu reverter a situação.
A inteligência israelense é divida em duas agências: o MOSSAD e a AMAN. A
última é a inteligência militar interna e é responsável pela diretriz da própria estratégia
israelense enquanto o MOSSAD é responsável pela investigação internacional. As
informações da AMAN eram usadas tanto pelo chefe de Estado quanto pelo próprio
governo para sua tomada de decisão. As vésperas do conflito de 1973, o chefe da
AMAN era o General Eli Zeira que pressupunha entender a linha de pensamento árabe,
em especial, de Sadat e dos egípcios. Zeira elaborou as suas estratégias com base no que
ele entendia do e como pensamento árabe e não percebeu as suas ações concretas. Ao
contrário do preconizado por Israel, em 1972, Sadat já havia anunciado ao conselho
supremo que ele pensava em uma ação militar mesmo sem ter alguns equipamentos
bélicos de ponta e que a guerra seria feita com o que se teria em mãos. A AMAN não
133
134
RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit. p. 8.
Idem. Ibdem. p. 8.
85
acreditava na possibilidade de uma nova guerra e, caso ocorresse, acreditava que ela
seria como uma guerra de atrito135.
A inteligência israelense havia criado a ideia de que Israel era inviolável sendo o
elo mais importante da FDI a própria FAI. A inteligência israelense guiou as suas ações
em um argumento circular que ia contra a própria reflexividade o que foi fundamental
para a elaboração da estratégia árabe. A FDI assumia um papel tão importante que era
percebida como a própria expressão do governo israelense sendo o instrumento que
garantia a própria soberania dos judeus na região e a sua desarticulação seria algo
bastante significativo para a identidade, para a expressão do poder, segurança e
soberania israelense. A AMAN e o seu líder acreditavam que saberiam com, pelo
menos, dois dias de antecedência a iminência de um ataque. Por não observarem a nova
configuração dos exércitos árabes, os judeus acreditavam que os últimos, imbuídos de
racionalidade, não desencadeariam um confronto até que estivessem militarmente
preparados. Tanto Elazar, chefe do Estado Maior, quanto Zamir, chefe do MOSSAD,
acreditam que o Egito queria e tinha motivos para deslanchar uma ofensiva, contudo,
suas opiniões foram refutadas por Zeira e, consequentemente, dentro do próprio
governo israelense. Observa-se o erro de racionalidade israelense por não perceber a
capacidade dos Estados árabes de se reorganizarem e o seu próprio desejo de alteração
da política da região. Logo após o fim da Guerra de Atrito, em 1971, Sadat decidira que
libertaria o Egito mesmo que isso custasse um milhão de vidas.
Além do armamento e da estratégia criada para ofensiva, Sadat deu informações
incompletas ou erradas tanto para seus amigos quanto para seus inimigos. O segredo foi
a principal arma de Sadat e foi também um dos motivos para a derrota árabe. A Síria se
sentiu traída tanto pelo Egito quanto pela URSS questionando as próprias regras de
reciprocidade estabelecidas. O governo sírio queria a recuperação das Colinas do Golan
e acreditava que compartilhava os mesmo anseios que os egípcios, contudo, Sadat
queria, além da recuperação do Suez, a mudança do próprio processo político que havia
originado o status quo árabe na região. Além do apoio soviético, o Sadat também
angariou de forma secreta apoio norte-americano. Por conta das boas relações com a
Arábia Saudita, o líder invocou o uso do “petróleo arma” como outro meio para a
obtenção de poder e para a ampliação do sucesso da ofensiva árabe restringindo a
possibilidade de apoio ao Estado judeu. Com medo do embargo, os países da
135
BOYNE, Walter J. Op. Cit..
86
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) cessaram, por exemplo, o apoio a
Israel.
Foi combinado que no Dia do Perdão, Yom Kippur, data em que os judeus ficam
sem fazer ingestão de líquidos e de alimentos e permanecem rezando nas sinagogas, a
ofensiva seria iniciada. Faz-se lembrar de que no mesmo dia, seis de novembro, o líder
islâmico Muhammad começou a se preparar para a batalha de Bard que permitiu o seu
retorno a Meca. A data era propicia, pois pegaria os judeus desprevenidos e fracos, além
de estar imbuída de uma simbologia relevante para o próprio Islã. Os árabes estavam
motivados a recuperar as terras ocupadas por Israel, em 1967, e havia um sentimento de
esperança muito grande de que o sucesso seria alcançado. Em 1972, foi percebido o fim
da divisão entre progressistas e reacionários136, além disso, ocorreu uma mudança do
próprio mecanismo de cooperação árabe que se calcou na primazia da solidariedade em
detrimento de um institucionalismo forte. A solidariedade se deu, principalmente, nas
áreas relativas ao embargo do petróleo, ajuda financeira e militar.
Após a expulsão dos soviéticos do Egito e com o aumento da crise entre Israel,
Egito e Síria, o líder da URSS telefonou para Nixon no meio da noite do dia 24 de junho
de 1973 pedindo um encontro. Neste, a discussão se limitou a necessidade de Israel
retornar as fronteiras pré-1967 e que a URSS não impediria o Egito e demais países
árabes de entrarem em uma nova guerra caso o pedido não fosse acatado. Ao contrário
dos enfrentamentos anteriores efetuados por Israel, o início de uma guerra em 1973 não
era uma oportunidade estratégica mais algo que deveria ser evitado. Golda queria
desviar-se de um enfrentamento militar, mas não queria devolver totalmente o território
conquistado aos árabes, já que, as novas fronteiras eram vistas pela primeira-ministra
como defensáveis e constituíam o sonho da formação da Grande Israel. Para um novo
embate, fazia parte da estratégia árabe um ataque duplo pelas fronteiras sírias e egípcias.
Em 1973, ambos os líderes começaram a se encontrar para definir as suas estratégias de
ataque, contudo, como dito, Sadat não revelou todo o seu planejamento ao líder sírio. O
governo jordaniano queria evitar envolvimento por conta da Guerra dos Seis Dias que
custou a perda de Jerusalém. O próprio Rei Husseini da Jordânia havia avisado aos
Estados Unidos e a Israel sobre a proximidade do conflito.
136
Os Estados reacionários eram aqueles que estavam associados aos EUA. Estes eram: Marrocos, Jordânia, Tunísia,
Líbano e Arábia Saudita. Os Estados progressistas eram os associados a URSS. Dentre os progressistas destaca-se:
Egito, Síria, Iraque, Argélia e Iêmen.
87
Às 4 da manhã do dia seis de outubro, horas antes do início da ofensiva árabe,
Zeira recebeu um telefonema informando a iminência de um ataque duplo ataque nas
fronteiras israelenses. Apesar de todos os avisos feitos anteriormente, somente nesta
ocasião o líder da AMAN percebeu que não se tratava de um blefe. Três horas depois
todo o gabinete israelense estava reunido, contudo, Elazar e Dayan não conseguiam
chegar a um acordo das formas como Israel deveria agir. O primeiro queria realizar uma
mobilização total e iniciar um ataque preemptivo e o segundo, por sua vez, defendia
uma mobilização parcial. Dayan acreditava que a guerra era ainda uma incerteza e, por
isso, Israel não poderia utilizar a mesma tática de 1967. Para ele, uma mobilização total
seria a evidencia de que Israel estava motivada a iniciar uma ofensiva contra o Egito e a
Síria. Golda deveria tomar a decisão e ela foi favorável à ideia de Dayan justamente por
ponderar sobre a necessidade de ajuda norte-americana e os efeitos negativos que um
ataque preemptivo ocasionaria. A diplomacia poderia ser um meio de estimular
inclusive um recuo sírio e egípcio, já que, o fator surpresa da estratégia árabe havia sido
descoberto pelos judeus. Israel pede que os EUA repassem a informação aos países
árabes, contudo, a aviso não foi visto como um impeditivo para o ataque.
A possibilidade da ofensiva para as superpotências poderiam representar tanto
riscos como ganhos. Para a URSS, uma vitória árabe poderia legitimar o país frente aos
EUA, mas, caso houvesse a redução da cooperação com os árabes, poderia também
trazer perdas ao governo soviético. Apesar de fornecer aos Estados árabes importantes
recursos bélicos, a URSS não havia provisionado alguns recursos eletrônicos deixandoos defasados e dependentes. Esta estratégia poderia também ter efeitos negativos caso,
devido à decorrência de uma derrota, o governo soviético fosse acusado de não cooperar
integralmente estimulando o estabelecimento de acordos com o próprio governo norteamericano. Para os EUA, como exposto a Nixon por alguns representantes da
ARAMCO137, a possibilidade de um embargo poderia ser um risco aos EUA caso eles
estivessem apoiando Israel e a sua não participação junto aos judeus poderia legitimar a
URSS na região. Por outro lado, estar ao lado do vencedor poderia mostrar a
importância do apoio dos Estados Unidos para as potencias árabes. Existiam questões
globais e particulares as próprias superpotências que estimularam a sua entrada no
conflito.
137
A ARAMCO era uma das empresas que explorava a região. Atualmente ela se chama Saudi Aramco e, a época,
era uma empresa norte americana que explorava a região saudita.
88
No primeiro dia de ofensiva, os países árabes mostram supremacia incutindo
danos substâncias a FDI. Na manha do dia 7, devido ao uso de armas noturnas, Assad
conseguiu recuperar as colinas do Golan e pediu que a URSS entrasse com um pedido
de cessar fogo. Assad almejava um cessar fogo imediato antes da possibilidade de um
contra ataque israelense. Ao descobrir a proposta da Síria, Golda, em carta a Kissinger,
pediu um adiamento do mesmo. Israel pretendia mobilizar as suas reservas e tentaria
obter ganhos para que, nas rodadas de negociação, tivesse poder de barganha frente aos
países árabes. Na mesma mensagem, Golda pediu com urgência suprimentos para o
líder americano. Além de não perceberem a possibilidade de um conflito árabe, Israel
estava vulnerável em relação à própria logística militar.
Ao contrário da Síria, o Egito não queria um cessar fogo, já que, Israel a cada dia
de guerra estava tendo mais perdas e ficando mais vulnerável 138. Sadat queria cansar
Israel e chegar até Mitha e Gidi para depois realizar um acordo, desta forma, a
capacidade israelense estaria bem reduzida nas rodadas de negocias e o líder egípcio
poderia mudar o paradigma político da própria região. Face ao ganho árabe, o governo
soviético começou a enviar mais suprimentos aumentando o escopo de sua atuação.
Apesar de diversas vezes cogitado, o pedido de cessar fogo não foi convocado nem
pelos EUA e nem pela URSS. No dia 8, Israel perde mais da metade dos seus tanques
em um ataque catastrófico no front egípcio. O gabinete israelense entra em estado de
alerta, pois, além da perda dos territórios, existia uma ameaça do enfraquecimento da
FDI e a impossibilidade de resistir a um ataque prolongado que poderia, segundo os
seus líderes, inclusive, destruir o próprio Estado de Israel. Diante desse dilema, Dayan
propõem a primeira-ministra o uso das armas nucleares israelenses. O uso deste tipo de
armamento poderia gerar um resultado negativo a Israel, em especial, pela vigência do
Tratado de Não Proliferação Nuclear o qual Israel não é signatário e também pela
possibilidade de entrada incisiva na URSS no conflito.
A iminência de um ataque nuclear poderia estimular também os EUA a frearem
os países árabes, assim como, instigar a própria ajuda norte-americana ao Estado de
Israel. No final da Segunda Guerra Mundial, o uso de armamentos nucleares pelo
governo norte-americano, já havia sido amplamente criticado pela comunidade
internacional sendo os seus efeitos fontes de amplos debates. Apesar de toda a
consternação mundial, os Estados Unidos alegaram que o uso do recurso nuclear havia
138
Para visualização da conquista territorial israelense e egípcia, consultar o anexo 13 deste trabalho.
89
posto fim a um conflito que perduraria por mais tempo. O pensamento israelense seguia
essa diretiva, em especial, por ser a única fonte que os diferenciava dos países árabes e
que poderia efetivamente conter os avanços. A capacidade nuclear é uma fonte de
poder ao Estado de Israel que o diferenciava dos países árabes. Na Guerra de 1973,
ambos os lados, árabes e israelenses, contavam com uma fonte distinta de poder que
tinham um papel fundamental para os processos de interação estratégica na região.
Tanto o petróleo quanto a ameaça nuclear foram fundamentais para o próprio
posicionamento das nações frente ao conflito. Em caso de uma “queda do terceiro
templo”139, como dito por Dayan, não haveria mais nada a perder. Diante desse cenário
e tentando alterar a situação vigente, Golda vai aos EUA tendo como objetivo a
consolidação de acordos que fornecessem a Israel provisionamento bélico e a obtenção
de apoio direito. Em um primeiro momento, Kissinger nega mais logo em seguida os
EUA se comprometeram em apoiar o Estado judeu.
No dia 9, Israel conseguiu suas primeiras vitórias, contudo, as missões são
abortadas devido ao mau tempo. O sucesso árabe é uma surpresa para ambas as grandes
potências. A URSS começou a estimular a entrada da Argélia e da Jordânia no conflito.
A decisão de apoio pelos EUA se deu por conta da ameaça nuclear e pela própria
atuação soviética na região. No contexto da Guerra Fria e devido à doutrina Nixon, seria
improvável que o governo americano declinasse o pedido israelense, contudo, devido à
possibilidade de um embargo a ajuda seria feita de forma sigilosa. Inicialmente tentouse usar os aviões comerciais da El-Al, empresa área israelense, para o envio dos
armamentos, mas a ideia não foi bem recebida.
Após a confirmação do apoio, Israel fornece uma lista de necessidades que é
quase integralmente aprovada pelos EUA. A premissa de Ben Gurion de que o destino
dos judeus estava em suas próprias mãos era refutada pela necessidade de relações
diplomáticas e da ajuda externa para a vitória israelense. Neste sentido, há uma nova
alteração no jogo proposto por Israel. Agora havia a necessidade da ajuda externa para a
sobrevivência do Estado e, para tal, as decisões dos líderes israelenses deviam levam em
conta os objetivos dos demais Estados para que acordos cooperativos fossem realizados
e para que a melhor estratégia fosse elaborada. No que tange ao reabastecimento e
provisionamento, a URSS e os países árabes tinham vantagens estratégicas devido à
proximidade dos países. No dia 10, novos armamentos russos chegam aos árabes tanto
139
RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit.
90
por via marítima quanto por via aérea. Os EUA, por conta da distância do Estado judeu,
precisavam de um local para pousar os seus aviões para reabastecê-los e devido à
possibilidade do embargo, quase todos os países da OTAN negaram pouso e espaço
aéreo para os EUA. A atuação dos agentes externos era fundamental e as decisões dos
mesmos poderiam alterar todo o conflito. Tanto Israel quanto os árabes elaboraram as
suas estratégias percebendo a importância dos atores externos para a resolução dos
problemas internos da região.
O governo norte-americano sabia que se Israel não recebesse ajuda, ele perderia
o conflito devido a sua vulnerabilidade e faria uso das armas nucleares. No dia 10, Israel
começou a obter pequenas vitórias, em especial no front sírio, que clamava por um
cessar fogo imediato. A falta de uniformidade das estratégias árabes era um ponto que
poderia enfraquecer toda a ofensiva. A URSS envia uma carta a Assad, no dia 12,
tentando estimular uma ação conjunta. O governo sírio se sente traído pelo Egito e pelos
próprios soviéticos. Para a Síria houve a quebra das relações de reciprocidade de ambos
os países e iniciou-se uma série de acusações, em especial, em relação a possível
preferência que os soviéticos davam Egito. A falta de sensibilidade política egípcia em
relação ao que ocorria no front sírio era um assunto emblemático, visto que, o governo
sírio poderia ter o seu poder de barganha reduzido e passar pela mesma “humilhação”
que vivera em 1967. O Iraque envia uma brigada para ajudar Assad. O Egito, por sua
vez, negava qualquer possibilidade de um cessar fogo e se preparava para iniciar uma
grande ofensiva contra Israel. Sadat sabia que Israel não poderia ter grandes perdas e,
por isso, estava contando com o desgaste da própria FDI.
Portugal obtinha o seu fornecimento de petróleo da Angola e permitiu que o
governo norte-americano fizesse o reabastecimento e pouso em solo português. Ao
contrário dos demais países da Europa, Portugal não se sentia vulnerável frente ao
embargo árabe. O plano inicial norte-americano era adentrar o céu israelense com
aviões da Força Aérea Norte-americana durante a noite, contudo, ao pousar em
Portugal, devido às péssimas condições de tempo, a missão ficou com doze horas de
atraso. Os EUA sabiam que Israel não iria resistir às investidas egípcias por muitas
horas e que, caso quisessem reverte à situação no Oriente Médio, seria necessária a
partida imediata e a exposição da ajuda americana ao Estado judeu. O apoio norteamericano aos israelenses não foi bem recebido pelo governo soviético que almejava
um cessar fogo antes da possibilidade de alteração da balança de poder na região. De
forma análoga, o apoio norte-americano reconfiguraria toda a situação de guerra, já que,
91
as perdas israelenses não seriam mais tão significativas. No dia seguinte a entrada dos
suprimentos dos EUA para o Estado judeu, os países árabes iniciam o embargo de
petróleo.
A vitória agora era necessária para ambas às partes. Os árabes não queriam ver
frustrada mais uma tentativa de ofensiva que era tão custosa para os cofres públicos,
além de, precisarem da mesma para a reconstrução da própria imagem nacional e para a
construção de uma nova representação na região. Os soviéticos não desejavam perder
para a sua rival demonstrando, assim, a superioridade americana frente aos recursos da
URSS. Por outro lado, a vitória árabe trazia insegurança ao país e exigia esforços
soviéticos, sobretudo, no campo diplomático. Os israelenses precisavam obter ganhos
militares, em especial, para fortalecer o seu poder de barganha nas rodadas de
negociação, para justificar o próprio apoio norte-americano e para recuperar a própria
credibilidade que a FDI trazia ao Estado israelense. A reconstrução da reputação da FDI
era fundamental inclusive para a segurança israelense. Por fim, os EUA precisavam da
vitória israelense para resolver a questão do choque e para consolidar a sua supremacia
frente a própria União Soviética.
A atitude árabe para a promoção do embargo pode ser considerada uma ameaça
a soberania westfaliana dos Estados em escala mundial, já que, além de terem o seu
poder econômico limitado, ainda poderiam sofrer sanções em relação as suas próprias
escolhas. A soberania westfaliana diz respeito à capacidade do Estado de excluir a
presença de forças externas da política nacional. O embargo e o uso do petróleo
enquanto ferramenta estratégica poderia alterar as decisões políticas dos Estados que se
sentiam ameaçados diante da ruptura do fornecimento do recurso. Percebe-se o papel do
petróleo pela sua própria capacidade de restrição das diretivas políticas dos países
importadores, ou seja, como um instrumento de poder.
No dia 14 de outubro, as primeiras armas americanas começaram a ser utilizadas
por Israel que iniciou gradativamente uma série de vitórias. A chegada de armamentos
americanos alterou as relações que os EUA tinham com a Arábia Saudita, já que, a
atitude foi percebida com o comprometimento norte-americano junto ao Estado judeu.
Já havia se passado setes dias do início do conflito e o pedido de cessar fogo estava
sendo recusado por quase todos devido ao desejo de melhoria da própria situação. Com
as vitórias israelenses, os soviéticos começaram a propor um cessar fogo observando a
resolução 242 da ONU almejando-se que: Israel se retirasse dos locais conquistados em
92
1967, o fim do estado de beligerância e o direito dos Estados de viverem com segurança
tendo as suas fronteiras reconhecidas e livres de ameaças.
A proposta da URSS poderia legitimar Israel e os próprios Estados árabes na
região em relação a sua fronteira e sua soberania. A proposta ia contra o acordo árabe
estabelecido na Conferência de Catrum e havia a questão de Jerusalém. A conquista de
Jerusalém fora fundamental para a concretização do próprio projeto do Estado judeu e a
evacuação da cidade era um assunto delicado devido à importância e centralidade
religiosa que a cidade tem no seu imaginário. Durante o período grego e romano,
quando Jerusalém foi conquistada os símbolos representativos das fés eram
imediatamente destruídos. Israel, ao conquistar a cidade em 1967, pensou se deveria
derrubar a Cúpula do Domo de Ouro local aonde Muhammad ascendeu, contudo,
decidiu-se por preservá-la. Para os árabes a perda de Jerusalém era um assunto caro e a
reconquista da região também era um assunto delicado.
A proposta da URSS intensificou ainda mais o conflito. Agora a busca por uma
vitória ou por ganhos relativos era fundamental para ambos os lados. O Egito queria a
retirada de todos os territórios conquistados e Golda considerava as fronteiras pré-1967
como indefensáveis. O líder soviético, Kosygim, vai ao Egito tentar negociar a
possibilidade de um cessar fogo, contudo Sadat diz que a guerra irá trazer o acordo de
paz no Oriente Médio. Neste período, os soviéticos descobriram as negociações secretas
entre o Egito e os EUA. A atitude dúbia de Sadat colocou a URSS em uma posição mais
complicada frente à possibilidade tanto de perda quanto de ganho árabe. Apesar de
cooperarem, os árabes e os soviéticos nunca superaram as suas desconfianças e
diferenças o que foi ainda mais um complicador para as relações dos próprios países.
Com o passar dos dias, Israel vai obtendo posições e revertendo a situação de
perdas experimentada nos primeiros dias de conflito, com isso, os soviéticos se inclinam
cada vez mais a concretização de um cessar fogo. A partir do dia 18, os ganhos
israelenses são percebidos pelo próprio Sadat que se convenceu da necessidade de um
cessar fogo. A URSS começou a fazer fortes pressões para que o acordo fosse ratificado
o quanto antes. Com a iminência do acordo, os EUA, mesmo almejando-o, queriam
tempo para que Israel começasse a ganhar cada vez mais nas frentes de batalha. Por
isso, estabeleceu um importante jogo diplomático que permitiu o ganho de, pelo menos,
48 horas para Israel.
Além da melhoria da capacidade bélica israelense, os soldados árabes estavam
sofrendo com a falta de suprimentos básicos e pela própria exaustão no Sinai, já que,
93
não se acreditava que o entrave seria tão extenso. Por conta disso, o Egito discute se
deveriam evacuar a região que simbolizaria o mesmo ocorrido em 1967. No dia 19 de
outubro, o congresso americano aprova a ajuda de 2,2 bilhões de dólares a Israel em
adição aos $825 milhões oferecidos nas primeiras duas semanas de conflito. Sadat então
passou a defender ainda mais a obtenção de acordos de cessar fogo com o Estado judeu.
O líder egípcio chega a afirmar que ele lutaria com Israel o tempo que fosse necessário,
mas não com os EUA. No contexto da Guerra Fria, o conflito de 1973 foi uma ótima
forma que para testar às armas de ambas as potências.
O cessar fogo seria sancionado entre os dias 22 e 23 e até este momento Israel
deveriam obter o máximo de ganhos possíveis. No dia 22, o acordo é ratificado e o país
que mais se beneficiou com este foi os EUA que: conseguiu estabelecer um cessar fogo
possibilitando a recuperação israelense; evitou a humilhação do líder egípcio dando
espaço para a concretização de acordo entre o Egito e os EUA; preveniu a intervenção
soviética na região; mostrou a sua superioridade bélica e conseguiu fazer um
encaminhamento para a concretização de acordos de paz140. Apesar de sancionado o
acordo, cada país definiu uma hora distinta para colocá-lo em vigor e o mesmo não pôs
fim ao conflito.
Israel temia que os árabes estivessem se reprovisionando e, caso isso
acontecesse, o Estado judeu não seria capaz de resistir às novas ondas de enfrentamento
árabe. Mesmo após o acordo, Israel continuou avançado obtendo ainda ganhos
significativos que originou a críticas pertinentes sobre a atuação do país no contexto
internacional. O próprio EUA estava em uma situação complicada, visto que, o acordo
estabelecido por ele não havia obtido sucesso. Por conta dos ganhos obtidos por Israel,
mesmo após o cessar fogo, o governo soviético ameaça realizar uma intervenção na
região. O governo norte-americano ao receber essa informação ficou extremamente
irritado, pois percebeu a atitude soviética como uma tentativa de se legitimar na região.
Uma nova iminência de ameaça nuclear é percebida entre as duas grandes potências
mundiais.
Com a ameaça soviética os EUA decidem, em uma reunião de cúpula sem o
presidente Nixon, deixar o país em estado de prontidão para um caso de guerra. Os
EUA esperavam que com a medida a URSS recuasse da sua decisão. Os soviéticos
acusavam os norte-americanos de violar as regras do acordo de 1972 em relação à
140
O acordo de paz foi realizado em 1978.
94
questão nuclear. A situação fica bastante tensa, pois ambos os países não queriam a ação
unilateral do seu concorrente. Sadat envia um pedido para a atuação da ONU na região
e, com isso, tanto a ameaça nuclear norte-americana quanto a própria guerra tem um
fim. A partir de então foram estabelecidos check points e a ajuda humanitária começou
a chegar ao local.
A chegada das forças da ONU ajudou no fim do conflito. Israel, apesar dos
ganhos, percebeu que teria que devolver parte dos territórios conquistados. Por conta
dos acordos de paz estabelecido junto ao Egito, até 1982 a região do Suez seria
devolvida. A atitude egípcia ia contra os acordos de Catrum e foi extremamente mal
vista por países como o Irã que romperam relações com o Egito. O acordo estabelecido
por Sadat estimulo o seu assassinato em 1979 por um membro da Jihad Islâmica.
Sadat, ao iniciar a guerra, queria mostrar ao Estado de Israel que a reputação da
FDI não era inviolável e o líder obteve sucesso neste seu objetivo. Tanto Sadat quanto
Assad se legitimaram como importantes líderes da região. O novo líder egípcio, ao
contrário de Nasser, mostrou a capacidade egípcia mesmo contra um Estado que poderia
ter uma superioridade bélica. Ao final da ofensiva um alinhamento com os EUA foi
consolidado. O líder egípcio percebeu a importância do apoio norte-americano para a
sua afirmação na própria região. Contudo, Sadat cometeu dois erros que poderiam
mudar toda a conjuntura da região: não ter sido claro com a Síria quanto os seus
objetivos e não ter aceitado um cessar fogo antes.
A Síria iniciou o conflito acreditando que tanto ela quanto o Egito almejavam
recuperar os territórios perdidos durante a Guerra de 1967. Sendo essa a pretensão
Egípcia, logo após a recuperação dos territórios, ambos os países iniciariam um pedido
de cessar fogo alcançando, assim, os seus objetivos. A falta de sinceridade do líder
egípcio prejudicou a própria estratégia síria e enfraqueceu a possibilidade de sucesso da
operação. A Síria começou a questionar a própria ajuda soviética.
Ambos os países árabes contavam com a força bélica e com a possibilidade de
uma vitória para consolidar o seu poder, fortalecer a sua soberania recuperando os
territórios perdidos e para aumentar sua própria segurança contra qualquer atitude de
Israel e, para tal, o apoio soviético fora fundamental. A representação que Israel
construiu dos árabes favoreceu a própria estratégia árabe e a confirmação dessa
representação fez parte da própria estratégia árabe. O petróleo foi uma das frentes de
atuação árabe que foi fundamental para o posicionamento políticos dos países que
dependiam da produção da OPEP. Diante da conjuntura, os países árabes poderiam
95
atacar e tentar alterar a configuração do Oriente Médio ou não atacar legitimando o
projeto judaico em detrimento de sua soberania e segurança.
O petróleo e o uso do recuso enquanto instrumento político, ao mesmo tempo
em que originava segurança e poder para os países árabes, tinha um efeito reverso nos
países importadores. Para os EUA, a atitude árabe era uma violação a sua soberania e
poderia inclusive desestabilizar todo o sistema produtivo mundial. Por conta disso, após
o estabelecimento do apoio norte-americano a Israel, os EUA agiram de forma a dar
tempo ao governo israelense de obter vitórias militares na região. O mesmo não pode
ser afirmado sobre a OTAN que decidiu por não ajudar Israel com receio do embargo. A
interdependência das escolhas é bem maior na Guerra do Yom Kippur, já que, além do
próprio Oriente Médio, o mundo e todo o sistema produtivo estavam ameaçados com a
diretiva política árabe.
Israel não queria uma ofensiva e não acreditava que os árabes iniciariam um
confronto tendo em vista a superioridade bélica israelense. A inteligência israelense sai
do conflito com uma baixa reputação devido à falha que quase levou a derrota da FDI.
O apoio norte-americano fora fundamental para reestruturar a FDI e com ela o poder, a
soberania e a própria segurança israelense. Caso não obtivessem sucesso, o uso de
armas nucleares seria a solução encontrada por Israel. O uso do recurso nuclear poderia
ter efeitos catastróficos se estimulasse a intervenção direta soviética ou então poderia
estimular o próprio apoio norte-americano.
O estabelecimento de acordos cooperativos para este conflito foi fundamental. A
ação das superpotências para o próprio fim do enfrentamento foi basilar, já que, como
evidenciado no primeiro capítulo, ela restringiu a possibilidade de aniquilamento mútuo
e para a desestabilização do próprio sistema produtivo mundial. O custo era altíssimo
para todos que precisavam de um fim imediato e decisivo do embate. Mesmo com seu
fim, a crise do petróleo e o fim do embargo não ocorrem de forma concomitante ao
acordo de cessar fogo, assim como, a devolução das terras. Novamente a questão
palestina não foi resolvida deixando a população ainda em situação de refúgio. Por
conta do Setembro Negro realizado pela Jordânia, em 1970, os palestinos ali residentes
foram para o sul do Líbano e ocorreu, em 1982, um dos piores massacres da região.
A questão bélica era um importante recurso e ferramenta para a obtenção de
poder, segurança e de soberania na região. Para os países árabes, a questão cultural, a
solidariedade e o estabelecimento das normas davam formas e eram os instrumentos que
desafiavam e que consolidavam a segurança dos líderes, originaram o estabelecimento
96
de uma ameaça comum, possibilitavam a obtenção de poder e das soberanias nacionais.
Para os países árabes fronteiriços, ainda havia a ameaça real de uma invasão ou avanço
geopolítico do Estado judeu. A ameaça aos países fronteiriços era tanto regional quanto
nacional e estes contaram com o apoio soviético para que a ação militar fosse
estabelecida. Para a compreensão do jogo e das interações estratégicas na Guerra do
Yom Kippur, é fundamental que se leve em conta o papel dos EUA e da URSS para o
estabelecimento o próprio conflito. Apesar de existirem enfrentamentos bélicos entre os
Estados árabes, a força bélica não foi a único meio de promover sanções e coerções
entre os países pertencentes à Liga. Assim como, a cooperação árabe deve ser entendida
pelo mesmo mecanismo que origina ameaças aos seus líderes.
Ao contrário de Israel, os árabes, na Guerra do Yom Kippur, tentaram recuperar
seus territórios e reconstruir a sua imagem e reputação em relação ao poder bélico,
diante da população árabe e do próprio Estado judeu. Assim como na acepção realista, a
força bélica era uma forma de afirmação na região. O uso do petróleo enquanto
ferramenta possibilitou a ampliação do poder árabe evidenciando ao Estado judeu que
ele não poderia mais contar somente com o poderio bélico. Da mesma forma, os
próprios países importadores devem criar mecanismos e estratégias de reduzir a sua
dependência de petróleo retirando o próprio poder que os países da OPEP tinham.
Na Guerra de 1967, a força bélica foi usada e a vitória israelense não só trouxe
poder como também possibilitou a conquista de territórios. As fronteiras estabelecidas
depois da Guerra dos Seis Dias, apesar de serem vistas como seguras, foram fonte de
insegurança para o governo. A conferência de Catrum estabeleceu regras de
reciprocidade e a representação da própria ameaça que Israel representava para os países
árabes. As novas fronteiras representavam a perda da soberania para os árabes e a
segurança israelense, por conta disso, na ofensiva de 1973, a representação que as
fronteiras e que a FDI que originavam foi posta em cheque frente à força bélica árabe. O
erro de dimensionamento da FDI não possibilitou a percepção real das ameaças e das
vulnerabilidades do Estado de Israel e isso se tornou, além de um problema militar, um
problema político. A segurança só se torna um problema político e de Estado quando o
mesmo sabe identificar as suas ameaças e vulnerabilidade e, em 1973, Israel não o fez.
Os árabes, por sua vez, não só identificaram as suas fontes de ameaça e de
vulnerabilidade como também perceberam como o petróleo e a supressão comercial do
recurso era um ameaça a todos os países industrializados e em processo de
industrialização.
97
Em 1967, o governo israelense sentiu a sua soberania sendo violada pela
possibilidade de desvio do rio Jordão, as constantes infiltrações nas suas fronteiras e o
fechamento do Canal de Suez. A guerra, tendo em vista a supremacia da força bélica
israelense, poderia garantir e legitimar a soberania ao Estado judeu. Por ter se dado de
forma estritamente reflexiva, a guerra e as conquistas territoriais israelenses violaram e
enfraqueceram as próprias soberanias árabes. Em 1973, a tentativa de recuperação da
soberania e da reputação e afirmação árabe foram violações as soberanias de todos
aqueles que queriam ajudar Israel e que tiveram a sua atuação restrita pela iminência de
embargo.
O programa nuclear israelense traz uma série de dilemas para os países árabes. A
força bélica foi fundamental para a construção e para a compreensão do próprio Oriente
Médio e da atuação dos Estados. As vitórias e derrotas motivaram e trouxeram desafios
aos líderes que estabeleceram relações com demais potências e países de forma a mudar
a balança de poder da região e estimular o próprio dilema de segurança no local
evidenciando cada vez mais a centralidade da força bélica.
98
Capítulo 4: O Petróleo
O petróleo é observado enquanto recurso fundamental para o funcionamento da
sociedade no seu dia-a-dia. O petróleo é uma fonte energética não renovável composta
por cadeias de hidrocarbonetos que pode gerar, através do processo de refino, diversos
componentes, tais como: gás natural, gasolina, óleo diesel, naftas e asfalto. Todos esses
produtos originários do petróleo demostram como o recurso é importante para a
manutenção do sistema produtivo e do próprio sistema de transporte em escala mundial.
Além dos produtos mencionados, devido às inovações tecnológicas da indústria
petroquímica, o petróleo também está presente em diversos materiais como: plásticos,
brinquedos, batons, tintas, lubrificantes entre outros. Existe um largo mercado para o
petróleo e seus derivados. Ainda não existe uma substancia ou produto que possa o
substituir completamente e, por isso, o recurso assume um importante papel para os
Estados, indústria e para o próprio cidadão que utiliza o recurso constantemente. Por se
tratar de uma fonte não renovável e distribuída de forma heterogênea, o recurso é visto
também pela incerta que ele origina aos países produtores e consumidores.
O petróleo faz parte da matriz energética mundial e o acesso ao recurso é um
elemento necessário para a segurança estatal dos países consumidores. As políticas
voltadas para o acesso a commodity integram políticas nacionais e internacionais, em
especial, para a segurança energética. Após o choque do petróleo, os Estados
importadores se viram obrigados a adotar políticas para a redução de sua
vulnerabilidade frente à possibilidade de interrupção do fluxo e aumento do preço do
recurso o que demonstra o impacto que a diretiva dos países da OPEP teve para o
sistema internacional e para o próprio sistema produtivo. Apesar de ser um objetivo
comum e convergente dos Estados, cada país determina as suas políticas para a
obtenção da segurança energética percebendo as suas particularidades e as suas
necessidades.
O fornecimento de energia é um assunto político e as políticas adotadas entre
produtores e consumidores são interdependentes. Os Choques do Petróleo e o uso do
recurso como um elemento de poder reduziu a interdependência das políticas entre os
atores. Para a redução das suas vulnerabilidades141 e frente à nova orientação política
141
Em relação às vulnerabilidades dos países importadores ver: ESHITA, Gupta. Oil vulnerability index of oil
exporting countries. In: Energy Policy 36 (2008) 1195–1211. As vulnerabilidades dos países produtores são distintas das dos
países consumidores. Existem múltiplas formas de se mensurar as vulnerabilidades para ambos. Faz-se necessário ponderar em
99
dos países produtores, os países importadores deveriam: estimular a diversificação dos
fornecedores, ter múltiplas fontes energéticas, realizar armazenamento energético,
promover a eficácia energética, fazer uso de fontes alternativas, ter posse de uma
estrutura redundante entre outras medidas que possibilitassem o aumento da segurança
energética. Estas medidas são, sobretudo, orientações que fundamentam a mudança da
própria conjuntura que originou poder ao petróleo. Foi consolidada, assim, de forma
reflexiva, a insegurança para os produtores. A segurança energética não significa
independência energética e, por isso, o petróleo ainda é um recurso bastante utilizado
para a obtenção de energia.
4.1. O Petróleo e a Geopolítica de Produção Mundial
No contexto de crise que antecedia a Primeira Guerra Mundial e após ser
nomeado primeiro Lord do Almirantado do britânico, Winston Churchill tomou uma
decisão histórica ao mudar o combustível dos navios dos britânicos de carvão para
petróleo142. A Marinha era símbolo e personificação do poder imperial britânico e a
mudança garantiria a Grã-Bretanha alguns nós143 a mais nos mares que seriam vitais
para o enfrentamento com a marinha alemã. A alteração significou, também, que a
Marinha britânica deixaria de utilizar como fonte energética o carvão mineral disponível
em seu território e sob sua soberania e passaria a depender do petróleo importado. A
decisão de Churchill mudou, a partir de então, o papel do petróleo materializando-o
como um dos escopos da política e estratégia nacional. A segurança do recurso passou a
ser uma demanda de suma importância para o Estado e seus líderes.
O petróleo árabe passou a ser explorado em 1920 e, durante quase cinco
décadas, o recurso foi explorado pelas companhias concessionárias petrolíferas, em sua
maioria americanas, que desfrutaram da produção do petróleo com poucas travas e/ou
controles sobre sua fabricação pelos Estados produtores. O sistema de concessão, nas
décadas de 1950 e 1960, transformou a indústria do petróleo em um mercado
extremamente competitivo no comércio internacional. As empresas produtoras não
estavam preocupadas com a produção do petróleo, e sim, com a própria comercialização
do recurso e com a manutenção dos seus compradores. A partir da década de 1950 e, em
especial na década de 1970, os Estados árabes começaram a sancionar uma série de
relação ao próprio conceito de segurança e a percepção de que as vulnerabilidades são originárias de fatores internos dos próprios
países que devem criar políticas que as reduzam. Esta abordagem seria uma das possível mensurações para o entendimento das
vulnerabilidades geradas pelo petróleo tanto para produtores quanto para expostadores.
142
YERGIN, Daniel. Ensuring Energy Security. In: Foreing Affairs, March /April 2006. Disponível em:
http://www.un.org/ga/61/second/daniel_yergin_energysecurity.pdf
143
Nó é uma unidade de medida usada em geral para a navegação. Um nó equivale a 1852 metros.
100
medidas políticas para a obtenção de sua soberania sobre a commodity que se
transformou em uma fonte de poder e de riqueza.
O embargo estabelecido pelos países da OPEP144 evidenciou a vulnerabilidade
política e econômica a qual os importadores estavam sujeitos, que culminou numa crise
energética mundial resultando no estabelecimento da Agência Internacional de Energia
(AIE) e na percepção da necessidade dos Estados em elaborem políticas para garantir a
sua segurança energética145 e reduzirem a dependência do recurso. Os países
importadores perceberam com o Choque que o petróleo não é um importante recurso
energético como também é um recurso estratégico e que pode ser usado para fins
políticos pelos produtores. Desta forma, fica evidente que o petróleo é um recurso
político e estratégico devendo ser também um dos escopos da segurança nacional.
Pretende-se de forma breve estruturar a conjuntura que consolidou o petróleo enquanto
instrumento de poder aos países árabes. Assim como explicitado no primeiro capítulo, a
taxionomia de Barnett & Duvall permite a ampliação do conceito de poder que é
estabelecido pelo próprio encontro que tem configurações específicas e particulares.
Essas configurações originam as condições objetivas dos Estados de exercerem poder.
No que tange ao consumo de petróleo e as empresas de exploração estabelecidas
na região, Daniel Yergin146 aponta que, em 1946, havia nove empresas concessionárias
no Oriente Médio e, em 1970, este número havia subido para 81 companhias. O
crescimento das empresas no Oriente Médio e Golfo Pérsico evidencia a centralidade da
região para a produção do insumo. A exploração do recurso era altamente rentável e a
grande oferta do petróleo acarretou nos baixos preços que foram fundamentais para
estimular do próprio consumo. A Inglaterra, por exemplo, foi trocando gradativamente
o carvão pelo petróleo, pois além de mais barato e eficiente, o petróleo era menos
prejudicial ao meio ambiente quando comparado ao carvão147. O comércio competitivo
de petróleo, além de estimular o consumo e a dependência do recurso, também ajudou a
construir uma nova sociedade e estilo de vida.
144
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo é uma organização internacional, fundado em 1960, que tem a
missão de coordenar as políticas relacionadas ao petróleo dos países exportadores. Seu maior objetivo é garantir um
fluxo continuo de petróleo para os países consumidores e para assegurar uma renda estável para os países produtores.
145
A Segurança Energética é um conceito bastante importante e debatido entre os estudiosos. Existe uma divergência
se a segurança energética é um fator econômico, político ou ambiental.
146
YERGIN, Daniel. Op. Cit. p 523.
147
O uso do carvão fez a Inglaterra ser conhecida como a cidade cinza devido a fumaça que era emitida ao meio
ambiente no momento da combustão do recuso. A população sofria com problemas respiratórios devido ao próprio
uso do carvão..
101
Ressalta-se, conforme demonstrado por Szklo e Schaeffer148, as “virtudes do
petróleo” que também ajudaram no processo de dependência e impulsionaram o
consumo do recurso. Segundo os autores, o petróleo é um recurso líquido e este estado
facilita seu transporte seja por oleodutos ou por via marítima. Até a década de 1970, por
conta da centralidade do Oriente Médio e do fornecimento do petróleo da região, esta
estrutura de transporte já havia sido estabelecida. O escoamento de um recurso em
estado líquido é mais fácil que de um recurso em estado sólido que por definição não
pode nem ser escoado. O petróleo tinha maior densidade energética que outros recursos
disponíveis a época sendo ainda mais facilmente armazenado.
Todas estas virtudes e os baixos preços do recurso nas décadas de 1950 e 1960
foram fundamentais para estimular o seu consumo mundialmente. O próprio
escoamento de petróleo pode trazer riscos ao fornecimento do recurso, já que, o
transporte em alto mar está sujeito a ataques piratas e a roubos armados. Para a região o
escoamento pelo Estreito de Tiran ou pelo território sírio, turco e egípcio era uma opção
mais barata e mais segura. Esta opção permitiu que países que não eram produtores
mais que cediam o seu território para o transporte do recurso pudessem influenciar na
ruptura do escoamento não permitindo a passagem por suas fronteiras soberanas. O
Canal de Suez e a possibilidade de seu fechamento representavam desafios não só a
Israel como a todos os que faziam o escoamento do recurso pela região. Além disso, os
oleodutos também apresentam riscos, já que, podem ser destruídos nos momentos de
guerra como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial em relação ao fornecimento
japonês. Por isso, a existência de uma estrutura redundante para o escoamento do
petróleo foi sendo percebida como uma medida que garantiria aos Estados o fluxo
constante do recurso.
Como já pontuado no primeiro capítulo, até 1940, os Estados Unidos eram
responsáveis por 63% da produção mundial enquanto a Península Arábica, Irã e Iraque
produziam apenas 5%149. O sistema de concessão atribuiu aos países produtores, em
especial os EUA, um importante papel no cenário internacional que foi ratificado no
momento da Segunda Guerra Mundial, já que, eles forneceram o recurso para os países
que eram seus aliados. Na Segunda Guerra Mundial a dependência da indústria
petrolífera era muito maior quando comparada a Primeira Guerra. Nesta, apesar da
148148
SZKLO, Alexandre; SCHAFFER, Roberto. Fontes alternativas de energia ou sistemas de energia alternativa
integrado? O Petróleo como uma lança de Peleus moderna para a transição energética. In: SZKLO, Alexandre Salem;
MAGRINO, Alessadra (org). Geopolítica e Gestão ambiental de Petróleo. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 2008.
149
YERGIN,Daniel. Op. Cit.
102
mudança da fonte energética dos navios britânicos, havia ainda a dependência do cavalo
que determinava e limitava a própria guerra. A Segunda Guerra mundial instaurou um
novo mecanismo para o próprio “fazer guerra” que passou a contar com tanques, aviões,
navios entre outros recursos que dependiam do petróleo para o seu funcionamento.
Após a Segunda Guerra, como abordado no segundo capítulo, os países árabes
começaram as lutas em prol da obtenção de suas independências. Apesar de ainda
predominar o sistema de concessão no pós-independência, os países produtores foram
gradativamente criando estratégias para a obtenção de sua soberania diante da produção
do recurso que, devido ao alto consumo, passou a se percebido por sua rentabilidade
sendo a maior fonte de renda dos produtores. Até 1972, as investidas da OPEP
conseguiram estabelecer um declínio da produção americana de 64% para 22% da
produção mundial total. Apesar de alguns países industrializados contarem com reservas
em seus territórios, elas já haviam atingido seu pico de produção como os Estados
Unidos que, por exemplo, atingiram seu limite produtivo em 1971 e o Canadá em 1973.
Na década de 1970, de cada dez barris produzidos, sete eram provenientes do Oriente
Médio.
Além dos países do Oriente Médio, a URSS era também uma das grandes
produtoras à época. Contudo, no contexto da Guerra Fria, os Estados Unidos queriam
impedir o crescimento soviético e as suas chances de obter dinheiro com a venda do
óleo. Para tal, as companhias de petróleo norte-americanas reduziram, sem consultar os
países produtores, em 14 centavos o preço do barril. A medida gerou descontentamento
nos últimos que, em 19 de setembro de 1960, fundaram a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). A organização nasceu da unilateralidade das
companhias concessionárias em relação ao petróleo do Oriente Médio e da Venezuela.
As companhias concessionárias sabiam que a organização poderia representar um risco,
já que, os cinco países fundadores da OPEP produziam 80% da exportação mundial.
Contudo, nos primeiros anos após a fundação, a OPEP não aparentou representar
nenhum tipo de ameaça, já que, os países produtores não eram soberanos e nem
autônomos em relação a sua produção.
A OPEP é uma organização intergovernamental formada inicialmente por cinco
Estados, a saber: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Na década de 1960, a
agenda da organização defendia o direito inalienável dos países produtores de
exercerem a sua soberania frente aos seus poços tendo em vista os próprios interesses
103
nacionais. Em 1969, o número de países vinculados à organização já havia duplicado150.
Em meados da década de 1970, os países produtores já haviam conquistado sua
soberania frente ao recurso que garantia, não só o controle de sua produção, como
também a capacidade de estabelecer o preço do barril do petróleo.
Após a fundação OPEP, inúmeras disputas entre os países membros foram
deflagradas e outras foram transmutadas do âmbito da Liga Árabe para a Organização.
No primeiro caso, cita-se, como exemplo, a disputa entre Irã e Arábia Saudita. As
rivalidades entre Arábia Saudita e Irã, mesmo sendo ambos apoiados pelos EUA,
trouxeram problemas para as companhias exploradoras. Os custos de produção do
petróleo tanto na Arábia Saudita quanto no Irã eram muitos similares e, por serem os
maiores produtores, ambos almejavam a liderança da OPEP. Estas disputas
enfraqueciam a própria atuação da organização nos seus anos iniciais. Além disso, a
importância estratégica do recurso criou tensões e crises como a pretensão iraquiana de
invadir o Kuwait após a sua independência em 1961 ou a tentativa saudita de incorporar
Abu Dhabi após o fim da influência da Grã-Bretanha da região em 1971. O petróleo e o
desejo do domínio do recurso poderiam originar violações as soberanias de alguns
países do Golfo Pérsico trazendo desafios para a segurança dos próprios Estados
produtores. No caso de conflitos procedentes na Liga e que foram incorporados pela
OPEP, existiam as disputas ocorridas, em 1962, entre Arábia Saudita e Egito no Iêmen e
que só foram sanadas quando, em 1970, com a morte do líder egípcio Gamal Nasser que
foi sucedido por Anuar Sadat. Esta sucessão possibilitou o estabelecimento de acordo
entre os dois países.
Entre 1950 e 1960, os Estados Unidos da América se tornaram o maior produtor
mundial de petróleo. Apesar de ter empresas petrolíferas em seu território, a exploração
do recurso no Oriente Médio foi fundamental para o aumento da produtividade norteamericana. Para os países árabes, mesmo sem ter o controle de sua produção no início
da exploração do recurso, os investimentos estrangeiros foram fundamentais para a
própria construção das indústrias nos países do Oriente Médio. Os profissionais ali
chegados tinham conhecimentos específicos e capital necessário para impulsionar a
indústria do petróleo na região. Esta lógica começou a mudar, a partir de 1960, quando
uma nova geração de tecnocratas árabes oriundos de universidades internacionais pôde
assumir o controle outrora delegado as companhias de extração. Esta nova geração
150
No momento de sua fundação, assim como indicado no sitio da OPEP, a indústria do petróleo era dominada pelas
sete irmãs.
104
poderia reivindicar o domínio das tecnologias que permitiriam o controle da produção
árabe. Com a mão de obra especializada, a partir de 1959, os países árabes produtores se
reúnem para definir as diretrizes que regulariam o preço do petróleo151.
O petróleo da Líbia fora explorado a partir de em 1961 sendo produzido pelo
regime de concessão. Em 1969, a produção do país já havia igualado as suas
exportações ao patamar da Arábia Saudita que era uma das maiores produtoras da
região. O petróleo líbio apresentava algumas vantagens em relação aos demais países
produtores da OPEP, pois além de ser um país situado na África o que permitia a
redução dos custos de transporte do petróleo que precisaria cruzar o mar mediterrâneo
para chegar à Europa, o recurso era de altíssima qualidade por ter baixa quantidade de
enxofre. As descobertas das reservas líbias alteraram a própria indústria do petróleo
dando centralidade à produção da Líbia. Em 1969, ocorreu uma revolução no país
legitimando Gaddafi no poder. O novo líder líbio era um admirador de Nasser e, quando
o líder egípcio morre, em 1970, Gaddafi ambicionava ser seu sucessor. Assim como
Nasser e a sua atuação no canal de Suez, Gaddafi almejava a retomada do controle do
petróleo líbio e a sua nacionalização. A política de Gadaffi tanto na OPEP quanto
internamente estimulou novos controles à indústria do petróleo colocando um fim na era
dos grandes barões do petróleo ocidentais e dando início ao controle dos sheiks árabes
do petróleo.
Segundo a Escola de Copenhagen, a segurança é uma construção feita
socialmente, assim como, a identificação das fontes de ameaça do Estado. Para os países
árabes, como já exposto, Israel era um fonte de ameaça na região e o petróleo foi
utilizado tanto em 1967 e 1973 objetivando a obtenção de poder que poderia ser crucial
para uma vitória contra o Estado judeu. A manutenção da segurança está relacionada
diretamente com a própria definição dos interesses nacionais e, por isso, no momento
das interações estratégicas, os árabes deveriam ponderar sobre a viabilidade do uso do
petróleo para o fim planejado.
Por ser considerado um elemento econômico, mesmo sendo parte da estratégia
nacional dos países consumidores, até a década de 1970, não havia sido consolidada
políticas e estratégias alternativas ao uso do petróleo. O embargo instaura a necessidade
dos Estados consumidores de estabelecerem políticas que possibilitem a sua segurança
151
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 556-557.
105
energética e a manutenção do sistema produtivo. Estas políticas são a priori, diretivas
que tentam mudar as condições objetivas que originaram aos países produtores poder.
A necessidade de manter a segurança e a vontade de reduzir as ameaças
nacionais é fundamental para o próprio planejamento de defesa dos Estados. O uso do
petróleo pelos Estados árabes para reduzir o apoio dado a Israel, consolidou, de forma
reflexiva, insegurança para os consumidores que tiveram que ponderar sobre as suas
relações estratégicas com os Estados produtores e entre si.
O petróleo deve, então, ser percebido em relação à segurança/insegurança
geradas dentro do sistema internacional tanto para os países importados quanto para os
países exportadores. Para os países produtores, em relação a sua segurança e para a
redução de suas ameaças, os países devem avaliar o petróleo como um elemento que
motiva as crises e intervenções externas. Rogan destaca que “a riqueza do petróleo pode
ser usada no desenvolvimento construtivo do país, mas, também, pode impulsionar a
corrida armamentista e os conflitos armamentistas, sendo então a causa da
destruição”152. Pensando nas vulnerabilidades, os países produtores de petróleo têm, em
geral, parte do seu PIB calcado na exportação do recurso e esta dependência vem
estimulando os estudos de um novo campo chamado petropolitics153 e o conceito da
doença holandesa154 ou o “mal dos recursos naturais”. A dependência da venda do
recurso para as economias nacionais trazem, além da dependência econômica uma
diferente constituição social. Em geral, as populações tendem a pagar taxas aos Estados
somente se houver a representação governamental dos seus interesses. Para os Estados
produtores, por conta dos altos lucros originários do petróleo e por não necessitarem da
população para a sua própria arrecadação, caso não ocorra à taxação o governo pode
não representar os interesses populacionais.
152
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 554.
153
O campo da petropolitics vem examinando a relação entre o preço do petróleo e o espaço de liberdade. A teoria defende
que o alto preço do produto culmina na construção de Estados autocráticos aonde o espaço da democracia caminha em
direção oposta ao preço do petróleo. Deve-se ressaltar que a teoria é criticada por uma série de especialistas que não
percebem como plausível a “primeira lei da Petropolitics”. Para seus defensores, quando o petróleo foi encontrado em países
com instituições políticas fracas ou inexistentes, os resultados da exploração do petróleo foram ruins para as populações
locais. O início da exploração legitimou famílias no poder que não eram necessariamente representativas dos interesses
locais. A corrupção aumentou e os governos dependiam da própria indústria do petróleo para a sua legitimação ratificando,
assim, o próprio sistema. Os desenvolvimentos industriais e agrícolas ficaram para segundo plano estabelecendo o que é
conhecido como doença holandesa.
154
A Doença Holandesa é um conceito econômico que tenta explicar a exploração dos recursos naturais com a atrofia do
setor manufatureiro e industrial. Por conta dos altos rendimentos oriundos do petróleo a indústria do país tendo a reduzir
tornando o país menos competitivo no cenário internacional e mais vulnerável. Os países produtores apresentam um pior
desempenho frente aos demais países, em especial, em relação ao seu IDH.
106
Para os países importadores o embargo ou possibilidade de embargo somada a
falta de energias alternativas para a sua substituição do petróleo poderiam desestabilizar
o próprio sistema produtivo quebrando as economias locais. O aumento do preço
poderia ser prejudicial também à economia estatal, já que, que seria necessário gastar
mais dinheiro para a manutenção do sistema e da própria sociedade. Sendo assim, o
petróleo, no momento do primeiro choque, devido à redução do fornecimento e o
aumento do preço do recurso, evidenciou a relação de dependência e as vulnerabilidades
dos países importadores frente ao poder que os países produtores tinham. Cabe lembrar
que a compra do recurso de alguns países da OPEP eram, inclusive, visto como uma
ameaça a segurança nacional dos países importadores, já que, poderiam financiar grupos
ligados a movimentos terroristas que são outro tipo de ameaça para a segurança das
potências ocidentais.
Apesar das medidas para a redução da insegurança dos exportadores, o petróleo
é o combustível que sustenta a economia global ainda hoje e o seu suprimento regular é
vital para o desenvolvimento dos países. Apesar das tentativas de diversificação
estabelecidas desde a década de 1970, o petróleo é ainda responsável pela geração de
35%155 da demanda energética mundial156. Uma das maiores peculiaridades da indústria
do petróleo é que ela é globalizada e mais da metade da demanda é comercializada
internacionalmente.
O choque evidenciou a vulnerabilidade dos países consumidores e vários estudos
vêm sendo elaborados preconizando a enumeração das mesmas e percepção dos riscos
que o recurso origina. A América do Norte e a Europa consomem atualmente, segundo a
British Petroleum, em média, 45,9% da demanda do recurso e controlam, contando com
a Rússia, 21,6% das reservas provadas. O Oriente Médio e África, por outro lado, detêm
56,2% das reservas provadas e consomem somente 13,1% da demanda157. Os riscos que
o recurso apresenta podem ser sistêmicos ou específicos. O primeiro caso afetaria o
mercado como um todo, enquanto, o segundo é específico de uma região que é resultado
da particularidade de cada região. Guerras, problemas humanos e técnicos, terremotos,
furações, ações terroristas e ações militares e, sobretudo, questões políticas são também
fatores de redução do suprimento e, consequentemente, aumento da vulnerabilidade.
155
IEA. World Energy Outlook, 2006.
British Petroleum. Relatório Estratégico, 2006.
157
British Petroleum. Statistical Review of World Energy 2013.
156
107
Alguns autores, em especial aqueles que preconizam a teoria da dependência de
Theotonio dos Santos, percebem a existência de uma dependência mútua entre
produtores e importadores. Os países árabes que não são produtores tiveram um
desenvolvimento totalmente diferente dos países produtores, pois, para a obtenção de
fontes de renda, foi necessária a diversificação das suas indústrias. Destaca-se que,
desde o Império Otomano, a indústria agrícola foi à base da econômica da região. Os
países produtores, mesmo com um alto PIB, dependem da importação de comida, bens
de consumo, bens de capital, tecnologia entre outros e, por isso, Theotonio percebe a
dependência entre produtores e consumidores.
O petróleo, além de seu potencial energético, é fundamental para as economias e
os sistemas produtivos mundiais e por ser um dos principais insumos da matriz
energética mundial, deve ser entendido, portanto, por própria história. Segundo a OPEP,
a história moderna do petróleo é e pode ser entendida pela própria história da
organização. A afirmativa é bastante interessante, pois a OPEP, com sua própria
institucionalização, norteou as políticas e diretrizes dos maiores produtores no período
possibilitando uma alteração do próprio papel do recurso. Não será elaborada uma
discussão aprofundada da Segurança Energética tendo em vista que o enfoque deste
trabalho é o uso do petróleo enquanto ferramenta estratégica pelos países árabes tanto
em 1967 quanto em 1973 para a obtenção de sua segurança, poder e em relação à
soberania do recurso.
4.2. O uso do petróleo enquanto elemento de poder: fracassos e sucessos
Com a iminência da Guerra dos Seis Dias, o Egito, sob a égide da LA,
conclamou o uso do petróleo enquanto recurso estratégico para pressionar os países que
estavam apoiando Israel. A primeira tentativa dos países árabes para usar o petróleo
enquanto um recurso político e estratégico não logrou êxito e serviu para reduzir a
receita dos países produtores. A ARAMCO, nas vésperas da guerra de 1967, havia
enviado avisos para o governo norte-americano sobre a possibilidade de um conflito na
região. Foi pedido ao governo dos EUA o não envolvimento no mesmo, pois havia a
necessidade de se manter relações amigáveis como os países árabes. A ARAMCO
ressaltou a importância da atuação da ONU para a resolução do conflito. Segundo o
representante da companhia de exploração, existia um risco de nacionalização e o
108
próprio ministro do petróleo saudita, Yamani, havia declarado que seria uma “burrice”
não atuar junto aos seus irmãos árabes158.
Em junho de 1967, o petróleo já era visto como uma “arma de guerra”. Além do
documento discutido no segundo capítulo deste trabalho, destaca-se a percepção do
petróleo como uma arma em um ensaio feito com o apoio do Centro de Investigação da
OLP em Beirute. A crescente defesa do petróleo enquanto recurso estratégico evidência
uma nova lógica estabelecida pelo pensamento e pela própria estratégia árabe no que
tange a obtenção de poder. Segundo Al-Turaiki, redator do ensaio, o uso do petróleo
dever ser observado como, “essa coisa que goza de aceitação geral que todo o Estado
tem o direito de recorrer de quantas medidas encontram-se ao seu alcance para
pressionar seus inimigos. E o certo é que os árabes possuem uma das armas econômicas
mais potentes e cabe usar contra os seus inimigos”
159
. O relatório percebe, não só a
potencialidade que a “arma” petróleo tinha como, também, o próprio direito árabe de
usá-la contra os seus inimigos.
Al-Turaiki era especialista árabe das questões petrolíferas e a percepção do
recurso como uma estratégia da própria causa árabe invocava o cumprimento das
normativas sancionadas pela LA. A primeira investida árabe, como já dito, não gerou
bons resultados. O Egito foi o mais prejudicado na Guerra dos Seis Dias, já que, perdeu
o Sinai e o controle do Estreito do Tiran que era vital para o escoamento e também para
o controle egípcio do próprio fluxo do recurso, já que, o país que poderia determiná-lo
com o próprio controle do Canal de Suez. Após a guerra de 1967, o medo de Nasser era,
justamente, a possibilidade da manutenção dos territórios pelo Estado de Israel. Por
isso, a retaliação foi utilizada no pós-guerra.
Os resultados da ofensiva de 1967 ajudaram na alteração da própria Liga que,
conforme apontado por Barnett, seguiu uma orientação mais conservadora. A nova
política e diretiva da Liga foram alteradas pela mudança do eixo do um capital
simbólico, ideologia, para uma orientação voltada para o capital econômico, petróleo.
Esta nova política colocou os países do Golfo Pérsico no centro do nacionalismo árabe.
Os homens do petróleo e o petrodólar começaram a substituir os líderes revolucionários
como Nasser. Os países do Golfo que nunca haviam sido focos do nacionalismo árabe e
agora estavam no centro das atenções e isso lhes custou um alto preço160.
158
FRUS, 1964-1968, Volume XVIII, Arab- Israel Dispute, 1964-1967.
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 567.
160
BARNETT, Michael N. Op. Cit.. p.165.
159
109
Por não terem ocorrido os processos de nacionalização da commodity, em 1967,
e devido a dependência econômica do recurso, ficou claro que o boicote foi mais
prejudicial para os próprios Estados árabes que para as economias ocidentais. Para que a
Liga declarasse o fim do embargo, na Conferência de Catrum, em 1967, além dos três
nãos, os três maiores produtores, Arábia Saudita, Kuwait e a Líbia, foram impingidos a
pagar uma indenização de $135 milhões de dólares anuais para as perdas árabes de
1967161. Foi fundada a OAPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que
tinha o objetivo de proteger a economia dos países exportadores das diretivas da Liga.
O redirecionamento das rendas do petróleo para a melhoria da situação árabe
diante do conflito, conforme apontado no segundo capítulo, deve ser percebida em
relação à nova diretiva da LA e em relação à possibilidade de manutenção da economia
dos países produtores. A fundação da OAPEC demonstra a importância do recurso para
os produtores e o desejo de dissociar um recurso econômico, petróleo, da possibilidade
de um embargo do recurso que tinha fins políticos. O redirecionamento do rendimento
para a reconstrução e para a compra de armas para os países em guerra com Israel era a
melhor escolha, visto que, mantinha o fluxo constante de dinheiro para os produtores. A
continuidade do fornecimento do recurso pelos países-membros da OPEP foi
fundamental para a própria medida estabelecida em 1973, já que, ela manteve a
centralidade da região para o abastecimento em escala mundial.
Após a Guerra dos Seis Dias, os Estados produtores começaram a promover
alterações nas suas políticas em relação ao petróleo que foram basilares para a
manutenção e conquista de suas soberanias em relação a sua produção do petróleo.
Alguns países árabes, após 1967, como, por exemplo, a Síria, fecharam os seus portos
para dificultar e/ou evitar a saídas dos comboios que transportavam petróleo para o
escoamento por mar. O procedimento referente a restrição da venda de petróleo foi uma
inovação da política árabe. A demanda mundial estava em franco crescimento e o preço
desta commodity, em 1973, já havia aumento 400%. As nacionalizações reduziram a
margem de segurança internacional, em especial, dos EUA como fornecedor mundial.
Gaddafi, em janeiro de 1970, convocou uma reunião com os chefes das empresas
concessionárias objetivando definir o termino dos seus contratos. O líder líbio afirmou
que era preferível cessar a produção líbia a deixá-la sobre controle dos ocidentais.
Gaddafi ainda almejava determinar o preço do recurso. As medidas do líder líbio foram
161
RABINOVICH, Itamar; SHAKED, Haim (org). From June to October. New Jersey: Transaction Books, 1978.
110
retirando cada vez mais o controle da produção das empresas concessionárias se
tornando fundamentais para o início do próprio controle da produção dos países da
OPEP.
A partir de 1970, os países pertencentes a OPEP começaram a se reunir
almejando melhorar a sua situação econômica frente à conjuntura estabelecida pelo
próprio sistema de concessão. Em 1970, em Caracas ocorreu uma reunião aonde foi
apresentada uma proposta de que 55% da taxa de imposto mínimo deveriam ir para os
países produtores e não para as empresas exploradoras. A reunião de Caracas ajudou na
ratificação do Acordo de Tehran no qual os países produtores se comprometeram a não
elevar o preço do recurso por cinco anos caso houvesse um aumento do valor do barril e
dos impostos destinados aos Estados produtores. Caso as vinte e duas empresas de
petróleo presentes na reunião não aceitassem a proposta, a OPEP promoveria um
embargo de petróleo162. O acordo foi assinado no dia 14 de fevereiro. Ele gerou uma
grande mudança para todo o sistema modificando inclusive seu próprio o equilíbrio.
Apesar de se comprometerem com um não aumento do recurso, a diretiva não foi
cumprida. As vitórias com os acordos de Tehram estimularam outras mudanças dos
Estados produtores que tentaram aumentar cada vez mais a sua soberania na região
trazendo desafios a segurança dos consumidores. Dez dias após a ratificação do acordo,
a Argélia nacionalizou 51% das concessões estabelecidas com a França. Em dezembro
de 1971, a Líbia nacionaliza a sua indústria sendo seguida do Iraque que cessou os
contratos estabelecidos com a British Petroleum, Shell, Compagnie Francaise des
Petroles, Mobil e Standard Oil de New Jersey.
Os países árabes antes do embargo tinham orientações políticas distintas frente
aos países do ocidente. A Arábia Saudita era mais alinhada com o ocidente, apesar do
Rei Faisal ser contrário à Israel. Quando se pensava na questão energética, o Rei não era
favorável ao uso do petróleo para fins políticos devido à experiência negativa
vivenciada em 1967. Faisal declarou, naquela ocasião, que a política e o petróleo não
deveriam se misturar. Ao contrário de 1967, em 1973, o petróleo havia se tornado um
recurso fundamental para as indústrias e nações; a Arábia Saudita era fornecedora
extraordinária para caso da demanda ser maior que a oferta e havia dependência
mundial da região do Golfo não havendo possibilidade de aumento da produção por
parte dos EUA e, por isso, muitos países consumidores estavam mais vulneráveis. A
162
YERGIN, Daniel. Op. Cit..
111
Arábia Saudita exportava 21% do petróleo mundial e sua produção crescia
exponencialmente e já havia ultrapassado o Texas. Além disso, o líder saudita não
desejava que Sadat se alinhasse a URSS para alcançar seus objetivos e, por isso, se
sentiu pressionada a apoiar o embargo e a iniciativa egípcia.
O Estado de Israel foi favorecido pelos ganhos territoriais e pela desmoralização
dos exércitos nacionais árabes em 1967. Sadat precisava de uma guerra para mudar este
paradigma e, para isso, reforçou seu laço com a URSS que disponibilizou ao Egito, em
menos de um ano, mais armamentos do que a potência árabe havia conseguido nos
últimos anos. A guerra era uma necessidade e, mesmo dependente das importações
soviéticas, era necessário alterar a reputação dos Estados árabes em relação aos seus
exércitos nacionais. A nova conjuntura e a crescente demanda favoreceram o uso do
petróleo arma e enquanto ferramenta de legitimação e de poder no cenário internacional.
O choque do petróleo altera a antiga percepção que se tinha frente aos países árabes e
em relação ao próprio petróleo.
Em abril de 1973, antes do embargo, Nixon aboliu o sistema de cotas de
produção. Devido à grande oferta do recurso no comércio internacional, não havia uma
política de restrição ao consumo e seu uso era desenfreado. O governo norte-americano
já discutia e previa a possibilidade de um embargo e sabia que qualquer movimento
culminaria em um corte de produção. Contudo, os EUA não contavam com a
possibilidade do apoio saudita ao embargo o que seria bastante prejudicial ao país. O
embargo poderia desestruturar o sistema produtivo quando percebemos o próprio peso
das exportações da OPEP como, por exemplo, 28% das importações norte americanas
eram oriundas do Oriente Médio; 44% do consumo japonês provinham da região e 65%
do total do consumo europeu163. Devido à dependência do insumo originário da região,
tanto a Europa quanto o Japão seriam pressionados a ficarem ao lado dos países árabes
evidenciando o sucesso do estabelecimento da política e estratégia árabe.
Logo após a chegada do auxílio americano para o Estado de Israel, no dia 16 de
outubro, os países árabes aumentaram em 70% o preço do petróleo. Essa medida, além
de ir contra o estabelecido em Caracas, ainda mostrou o controle, domínio e poder dos
países árabes sob o seu recurso. Nixon declarou no dia seguinte que a medida ameaçava
à segurança norte-americana e a própria posição estratégica do país. Um dos símbolos
da crise para os EUA foram as filas nos postos e os cupons de racionamento do recurso.
163
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 574.
112
Representações da cultura americana como os Drive- Thrus, o uso de transportes
individuais, os cinemas dentro dos carros estavam sendo ameaçados pelo próprio
embargo. Umas de suas consequências foi o uso consciente do recurso.
No dia 17 de outubro, os ministros do petróleo dos Estados árabes produtores
fizeram a seguinte declaração:
Os países exportadores de petróleo árabes contribuem para a prosperidade
para o crescimento da economia mundial através de suas exportações desse
recurso natural não renovável [petróleo]. E, apesar do fato de que a produção
de muitos desses países superaram os níveis exigidos por suas próprias
economias domésticas e para as necessidades energéticas para as futuras
gerações, eles continuaram a aumentar a sua produção, sacrificando seus
próprios interesses no serviço de cooperação internacional e os interesses dos
consumidores. [...] Sabe-se que grandes porções dos territórios dos três
Estados árabes foram ocupadas por Israel na guerra de junho de 1967, e o
país continuou a ocupá-los desafiando resolução da ONU e várias chamadas
pela paz dos países árabes e as nações “amantes” da paz. [...] E, embora a
comunidade internacional tenha a obrigação de implementar as resoluções da
ONU e de prevenir as possibilidades do agressor de colher os frutos desta
agressão e da ocupação dos territórios de outros pela força, a maioria dos
principais países industrializados que são consumidores de petróleo árabe
falharam em tomar medidas ou ações de tal forma que pode indicar a sua
consciência desta obrigação internacional. De fato, as ações de alguns países
tendem a apoiar e reforçar a ocupação. [...] Antes e durante a presente guerra,
os Estados Unidos tem sido ativo no fornecimento a Israel de todos os meios
de poder que têm servido para agravar sua arrogância e habilitá-lo para
desafiar os direitos legítimos dos outros e os princípios do direito
internacional público. [...] Em 1967, Israel foi fundamental para o
fechamento do Canal de Suez e de sobrecarregar a economia europeia com as
consequências destas ações. A guerra atual atingiu leste do Mediterrâneo e as
exportações de petróleo fazendo com que a Europa vivesse outra escassez de
suprimentos. Esse é a terceira ocorrência resultante de uma transgressão de
nossos direitos legítimos com os EUA apoiando de Israel. Os países árabes
foram induzidos a tomar uma decisão de descontinuar os seus sacrifícios
econômicos relacionados à grande produção de petróleo que não é um
recurso renovável por conta do excesso de consumo que é justificado pelas
considerações das economias domesticas. Esta medida será estabelecida a
não ser que a comunidade internacional se comprometa em compelir a saída
israelense dos territórios ocupados, assim como, queremos mostrar aos EUA
o alto preço que os países industrializados estão pagando como resultado do
apoio cego americano pelo Estado de Israel. Por consequência, os ministros
árabes do petróleo em reunião no Kuwait hoje decidiram por reduzir as suas
produções em 5% do total produzido por cada produtor em Setembro de 1973
com uma redução similar a ser aplicada nos meses sucessivos computados
pelo total do mês anterior até a evacuação das forças israelenses dos
territórios árabes ocupados em 1967 e a restauração do direito Palestino. A
conferência tomou cuidado de assegurar que a redução não iria afetar nenhum
Estado amigo que poderia no futuro dar assistência aos Estados árabes. O
suprimento do petróleo para estes seria mantido. O mesmo tratamento
especial seria estabelecido para qualquer Estado que tomasse medidas
significativas contrárias a Israel de forma a obrigar a saída dos territórios
usurpados árabes.[...] Dos ministros árabes para todas as pessoas do mundo e,
em particular aos americanos, para o apoio as nações árabes pelo sua luta
contra o imperialismo e a ocupação israelense. Eles reafirmam o desejo
sincero das nações árabes para a cooperação total com o mundo e a sua
prontidão para provê-los com as suas necessidades de petróleo tão logo o
113
mundo mostre simpatia conosco e denunciem as agressões contrárias a nós.
164
O documento é bastante significativo e demonstra a própria percepção dos
árabes em relação à importância de suas contribuições para a produção e comércio
internacional. Os Estados produtores entendem a extração como sendo um sacrifício
econômico e ressaltam que a fonte não é renovável. O embargo seria sancionado para
estimular a saída israelense dos territórios ocupados na Guerra de 1967 e para
evidenciar o poder árabe diante dos países importadores que, mesmo tendo uma diretiva
de evacuação israelense, não fizeram pressão para o cumprimento da mesma. A falta de
atendimento da resolução da ONU quebrava as regras de compliance e de reciprocidade
estabelecidas para a região. Percebe-se como o uso do petróleo, no contexto de 1973, foi
usado uma ferramenta para a obtenção do poder sendo fundamental para a retomada da
soberania árabe frente aos territórios ocupados e para sua própria segurança.
164
ALNASRAWI, Abbas. Arab Nationalism, oil and the political economy of dependency.. Westport:Greenwood,
1991. p 91.Tradução livre. Na língua original: “ The Arab oil exporting countries contribute to the prosperity of the
world and the growth of its economy through their exports of this wasting natural resource. And in spite of the fact
that the production of many of theses countries has exceeded the levels required by theirs domestic economies an the
energy and revenues needs of their future generations, they have continued to increase their production, sacrificing
their own interests in the service of international cooperation and the interest of the consumers.// It is known that
huge portions of the territories of three Arab States were forcibly occupied by Israel in the June 1967 war, and it has
continued to occupy them in defiance of UN resolution and various calls for peace from the Arab countries and
peace-loving nations.// And although the international community is under an obligation to implement UN
resolutions and to prevent the aggressor from reaping the fruits of this aggression and occupation of the territories
of others by force, most of the major industrialized countries which are consumers of Arab oil have failed to take
measures or to act in such a way as might indicate their awareness of this public international obligation. Indeed, the
actions of some countries have tended to support and reinforce the occupation.// Before and during the present war,
the United States has been active in supplying Israel with all the means of power which have served to exacerbate its
arrogance and enable it to challenge the legitimate rights of the others and the unequivocal principles of the public
international law.// In 1967, Israel was instrumental in closing the Suez Canal, and burdening the European
economy with the consequences of this actions. In the current war, it hit East Mediterranean oil exports terminals,
causing Europe another shortfall in supplies. This is the third such occurrences resulting from Israel´s disregard of
our legitimate rights with US backing and support. The Arabs have therefore been induced to take decision to
discontinues their economic sacrifices in producing quantities of their wasting oil assets in excess of what would be
justified by domestic economic considerations, unless the international community hastens to rectify matters by
compelling Israel to withdraw from our occupied territory, as well as letting the US know the heavy price which the
big industrial countries are having to pay as a result of America´s blind and unlimited support to Israel.// Therefore,
the Arab Oil ministers meeting in Kuwait today have decided to reduce theirs oil producing forthwith by not less than
5 percent of the September (1973) level of output in each Arab Oil exporting country, with a similar reduction to be
applied each successive mouth, computed on the basis of the previous month´s production until such time as total
evacuation of Israeli forces from all Arab territory occupied during the June 1967 war is completed and the
legitimate rights of the Palestinian people are restored.// The conference took cares to ensure that reduction in output
should not affect any friendly state which has extended or may in the future extend effectives concrete assistance to
the Arabs. Oil supplies to any such state will be maintained in the same quantities as it was receiving before the
reduction. The same exceptional treatment will be extended to any state which takes a significant measure against
Israel with a view to obliging it to end its occupation of usurped Arab Territories.//The Arab ministers to all the
peoples of the world, and particularly the American people, to support the Arab nations in its struggle against
imperialism and Israeli occupations. They reaffirm to them the sincere desire of the Arab nation to cooperate fully
with all the peoples of the world and their readiness to supply the world with its oil needs as soon as the world show
its sympathy with us and denounces the aggression against us.”
114
A atitude árabe também servia para evidenciar como o apoio norte-americano ao
Estado de Israel prejudicaria a todos os países industrializados, já que, os EUA
forneciam ao Estado de Israel material bélico que era uma das fontes de poder do
Estado judaico. Desta forma, além de restringir o apoio das demais potências ao Estado
de Israel, o embargo gerava uma pressão internacional contrária à atitude norteamericana. Para os EUA a medida árabe violava a sua soberania, sua segurança e o seu
poder, por isso, o estímulo e amparo ao Estado de Israel é intensificado, já que, ele
demonstraria aos países árabes a necessidade do apoio norte-americano.
A Arábia Saudita gostaria de consultar os Estados Unidos antes de entrar no
embargo, contudo, o não alinhamento com os países árabes seria uma grande ameaça a
Faisal. O Iraque era o mais radical e defendia o embargo total e a nacionalização de
todas as empresas da região, assim como, a Líbia. Os países que foram afetados pelo
embargo foram EUA, Holanda, Portugal e África do Sul.
Os países foram classificados da seguinte maneira: a) amigos que não sofreriam
redução alguma; b) neutros que sofreriam uma pequena redução e c) os embargados que
foram alvos de todas as sanções. Os EUA se recusavam a cumprir as exigências árabes e
as sanções estabelecidas pelos Estados árabes estimulou o envio $2,2 milhões de dólares
para a compra de armamentos e material bélico para Israel. A iniciativa árabe altera
todo o sistema internacional, já que, o uso do petróleo arma era uma ameaça a todos os
países. Yergin aponta que “a própria essência do poder na política internacional parecia
ter sido transformada por sua reação escorregadia com o petróleo.”165
Segundo Kissinger166, o embargo de 1973 alterava irrevogavelmente o mundo.
Para evitar a possibilidade de revenda, a OPEP criou uma estratégia onde foi
estabelecido o embargo do petróleo para os países aliados a Israel, assim como, a
promoção do corte da produção e a restrição das importações gradativas aos países
amigos. No mesmo período, houve um aumento do preço do petróleo. A medida não foi
planejada para o embargo, mas contribuiu para o pânico e para a crise gerada pela
decisão dos países da OPEP. O aumento ainda foi substancial para o fluxo constante de
dinheiro para os países exportadores. A demanda era muito alta e a oferta estava baixa.
Os ganhos militares israelenses, como discutido no capítulo três, estimularam o
estabelecimento dos acordos de cessar fogo. Caso os EUA não tivessem apoiado o
Estado judaico, a vitória árabe poderia ter alterado a região e o próprio papel dos países
165
166
YERGIN, Daniel. Op. Cit.
Idem. Ibdem.
115
da OPEP no sistema internacional. A ajuda norte-americana ao Estado de Israel era
fundamental, portanto, para a própria restrição do uso do petróleo enquanto arma. A
superioridade bélica israelense e a mudança da própria orientação da guerra mostravam
aos países árabes que a ajuda dos Estados Unidos era uma necessidade para os seus
objetivos. Por isso, Sadat, depois da Guerra de 1973, estava convencido que a ajuda
americana e a consolidação de um acordo com Israel era fundamental. A força bélica
somada ao uso do petróleo pelos árabes conseguiu a retomada de alguns territórios
ocupados, contudo, ao final da ofensiva, Israel havia conseguido reagir. A recuperação
do Canal de Suez permitiu a reabertura do mesmo em 1975 ao tráfego marítimo.
Os países desenvolvidos, segundo Kissinger, deveriam mudar as condições
objetivas do mercado que originaram o poder do petróleo. Após a consolidação a AIE,
apesar de existir uma agência internacional, os países deveriam criar estratégias para a
redução de sua vulnerabilidade pensando nas suas características particulares, suas
culturas e diferenças. As políticas deveriam diversificar a energia, promover a eficiência
da mesma e reduzir a necessidade do petróleo entre outras. As orientações eram de
curto, médio e longo prazo e começaram a surtir efeito em 1978, em especial, a
diversificação da fonte do recurso, melhoria da eficiência energética e o uso de novas
fontes de energia.
Os países-membros da OPEP não tinham definições de como dariam fim para o
embargo. Kissinger teve um importante papel de interlocução com a Arábia Saudita,
contudo, o Rei não tinha liberdade individual para colocar um fim no embargo. O
próprio Sadat, após o termino da guerra, havia se tornado um grande defensor do fim da
política de restrição ao fornecimento de petróleo. Para ele, assim como a guerra, o
embargo já havia atingido os seus propósitos. Destaca-se que Sadat almejava o apoio e
o estabelecimento de alinhamento com os Estados Unidos e o fim da iniciativa era um
meio para conseguir dialogar com o governo norte-americano. O líder Sírio Assad, por
outro lado, estava estimulando a continuidade da medida. “O embargo”, segundo
Yergin, “havia redirecionado o alinhamento e a geopolítica tanto do Oriente Médio
quanto do resto do mundo, transformando o petróleo mundial e as relações entre os
produtores e os consumidores e remodelando a economia internacional”167. Somente em
18 de março de 1974, ocorreu o fim do embargo.
167
Idem. Ibdem. p. 698.
116
Ao final do conflito foi estabelecida a resolução 338168 da ONU que reafirmava
a resolução 242 e pedia uma conferência para a ratificação da paz entre os países. A
Conferência de Genebra foi um grande fracasso, e assim como nas reuniões feitas em
1948, os palestinos não foram convocados. Israel acordou em devolver os territórios
conquistados durante a Guerra dos Seis Dias exceto Jerusalém que é a capital indivisível
do Estado judeu. Apesar de não ter sido estabelecido um acordo comum, Kissinger
conseguiu promover alguns pactos entre Israel e países árabes em separado.
Depois do embargo, o petróleo vira um problema de Estado e não mais uma
questão econômica vinculada às indústrias e companhias concessionárias. A crise do
petróleo trouxe muita instabilidade e insegurança que foram percebidos de formas
distintas pelas nações. Segundo Yergin,
para as Cias. Americanas, em particular os sócios da ARAMCO, o problema maior
era a disputas árabe-israelense (...) para as cias Europeias o problema era distinto: a
diferença entre a oferta e a demanda havia se tornado inerentemente instável e
inseguro. O mundo industrializado desenvolvera uma dependência em relação à outra
parte do mundo muito volúvel e tornara-se vulnerável a ela.169
Em 1977, o líder egípcio tentou se apoderar de parcelas do petróleo líbio. A
Líbia tinha um faturamento de, em média, cinco milhões de dólares oriundo do petróleo.
As mesmas forças que outrora atacavam Israel estavam agora atacando a Líbia. O povo
egípcio não estava satisfeito com a atitude de Sadat em relação à invasão da Líbia. No
mesmo ano, o líder declarou que almejava chegar a um acordo com Israel. Carter, então
presidente americano, estava eufórico com a possibilidade de paz e viabilizou a
residência presidencial de Camp David para a celebração do acordo. Os demais líderes
árabes ficaram perplexos com a ideia de Sadat consolidar um tratado de paz
independente com Israel. O acordo ia contra as normativas áreas e representa um ruído
da própria reciprocidade estabelecida na Liga. Rogan destaca que
o mundo árabe estava horrorizado ao ver que Sadat deveria romper filas e se
mostrava disposto a concluir um tratado de paz próprio e independente com
Israel. Em novembro do ano de 1978, os chefes de Estado dos países árabes
convocaram uma cúpula em Bagdá a fim de conferenciar e abortar a crise. Os
estados produtores de petróleo prometeram conceder ao Egito uma alocação
anual de cinco milhões de dólares durante dez anos a fim de subtrair força a
qualquer incentivo material que pudera haver encontrado Sadat a procura de
um acordo com Israel. Também ameaçaram expulsar o Egito da Liga Árabe,
mudando a sede desta organização do Cairo a Tunes no caso de Sadat
concretizar de fato seu pacto de paz com Israel. // Mas Sadat havia chegado
demasiado longe para deixar-se dissuadir por ameaças árabes170
168
A Resolução encontra-se no anexo 5 deste trabalho.
Idem. Ibdem. p. 701.
170
ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 612-613.
169
117
Em 1979, ocorreu a revolução iraniana que tira do poder iraniano o Xá apoiado
pelos Estados Unidos e instaura uma República teocrática no Irã. A revolução iraniana
trouxe novos constrangimentos e insegurança para o ocidente, já que, mudou
radicalmente a estrutura iraniana e suas políticas internas e externas. O Irã, por conta
dos acordos estabelecidos entre Egito e Israel, rompeu relações com o país que
perduraram mesmo após a morte de Sadat. Nesta ocasião, ocorre o Segundo Choque de
Petróleo.
Antes do processo de nacionalização dos poços e da produção, o petróleo árabe
era explorado por grandes multinacionais pelo sistema de concessão que foram
estabelecidos ainda no período colonial. No momento da concretização dos acordos o
petróleo não tinha o peso e a importância adquirida, em especial, no pós-segunda
guerra. Os acordos perdurariam por décadas deixando o controle do preço, as
quantidades extraídas e a exportação para as multinacionais. Os países detentores não
tinham domínio da exploração do petróleo em seu próprio território. Após a
nacionalização do petróleo iraniano, por exemplo, houve uma queda significativa da
produção (de 700 mil barris por dia171para 128 mil). A queda de produção não foi
sentida de força imediata pelos países ocidentais, pois havia a diversificação dos
domínios dos poços. Não havia uma grande vulnerabilidade vivenciada pelos países
consumidores, pois havia a diversificação do domínio dos poços.
O florescimento dos nacionalismos árabes somados ao aumento do consumo do
petróleo e a chegada de tecnocratas na região possibilitaram a recuperação da soberania
sobre a produção do petróleo e do próprio controle de seu e território. Na época do
estabelecimento das concessões, os países árabes não tinham poder e nem autonomia
para determinar as cláusulas dos acordos. O petróleo, além da alta rentabilidade, gera
vulnerabilidade aos países árabes seja no cenário internacional seja dentro do próprio
contexto árabe. As tabelas aqui anexadas que mensuram o total da produção mundial
onde é possível a percepção da crescente presença do papel do petróleo árabe no cenário
internacional (tabela 1) e o total produtivo dos países árabes isoladamente (tabela2). As
Tabelas 3 e 4 mostram o comparativo com a produção dos países da América no Norte e
da Europa. A Tabela 5 evidencia o total do consumo mundial sendo seguida de uma
análise do total da América no Norte (tabela 6) e da Europa (tabela 7). Por fim é
mostrado a taxa de variação do preço do petróleo no período.
171
Cuja sigla é mbd.
118
As tabelas possibilitam a demonstração dos pontos acima explicitados
percebendo, assim o papel do petróleo no cenário internacional e as condições objetivas
que possibilitaram o seu uso como instrumento de poder. Os dados apresentados são
dados de valores absolutos que demonstram em escala mundial as vulnerabilidades dos
países consumidores frente aos membros da OPEP no momento do primeiro embargo.
Sobretudo, a medida era um desafio às soberanias dos consumidores e serviu para
estimular a construção de uma nova relação com o próprio Oriente Médio e com o
petróleo.
119
4.3. Dados:
4.3.1. Tabela 1: Total da produção mundial em mbd:
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
OCDE
10815 11478 12273 12796 13170 13952 14045 14377 14530 14055
Não-OCDE
20983 23085 24840 27635 30457 34104 36794 39284 43929 44558
OPEP
13922 15381 16381 18250 20243 22762 24702 26393 29932 29667
Não-OPEP
13019 13880 14970 16013 16818 18167 18527 19205 19863 19676
União Europeia*
URSS
Total produzido diariamente
699
697
705
702
698
693
677
668
674
686
4858
5302
5762
6167
6566
7127
7610
8064
8664
9270
31798 34563 37113 40430 43627 48056 50839 53662 58460 58613
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
*A Estônia, Letônia e Lituânia e Eslovênia não estão inclusos.
120
A tabela demonstra importantes dados concernentes à produção da época. Para a melhor compreensão do petróleo enquanto instrumento de
poder, é fundamental que se cruze e se compare aos dados relativos à produção ao consumo mundial do insumo. A Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma importante organização internacional que conglomera os 31 países que detém mais da metade de
toda a riqueza mundial. Os países da OCDE não têm uma grande produção quando comparado aos não membros. A sua produção conjunta não
supria, por exemplo, a própria demanda norte-americana que era de 17318 mbd no ano de 1973. Por outro lado, devido a crescente demanda e a
importância do recurso para a manutenção do sistema produtivo, observa-se que a produção dos países não pertencentes a OCDE aumentaram em
212%, a OPEP aumentou em 213% e os não membros da OPEP aumentaram em 151% no período.
121
4.3.2. Tabela 2: Produção Diária dos países do Oriente Médio e Líbia em mbd:
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
Irã
1908
2132
2603
2840
3376
3848
4572
5059
5907
6060
Iraque
1313
1392
1228
1503
1521
1549
1694
1466
2018
1977
Kuwait
2371
2505
2522
2656
2819
3036
3253
3339
3080
2603
Oman
-
-
57
241
327
332
294
282
293
290
Qatar
233
291
324
340
356
363
430
482
570
518
2219
2615
2825
3081
3262
3851
4821
6070
7693
8618
-
-
-
21
53
85
106
117
111
129
282
360
382
498
599
762
1106
1300
1456
1631
1202
1508
1733
2599
3108
3357
2750
2248
2211
1558
61
66
73
78
78
79
76
71
69
68
Arábia Saudita
Síria
Emirados Árabes
Líbia
Demais países do Oriente Médio
Total do Oriente Médio
9589 10869 11747 13857 15499 17261 19103 20434 23408 23452
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
122
Em relação à produção dos países do Oriente Médio, os dois maiores aliados dos EUA foram os que mais se desenvolveram na ocasião. A
produção iraniana cresceu, até 1973, 309% e a produção Saudita teve um crescimento de 346%. A produção da Líbia demonstra um crescimento
exponencial nos primeiros anos. A partir de 1971, ela começou a declinar conforme a nova orientação política estabelecida por seu líder,
Gaddafi. Além da Líbia, o Iraque apresenta queda de produção tanto, em 1967, que corrobora com a tentativa de participação no embargo na
Guerra dos Seis dias, quanto em 1972.
A produção do Oriente Médio apresentou um aumento de 262% entre 1965 e 1973 evidenciando a importância da região. Em nenhum lugar do
mundo a produção cresceu tanto quando se é mensurado em relação ao próprio volume extraído. Por exemplo, em 1965 os países da África,
contando com a Líbia, tinham uma produção de 2240 mbd e, em 1973, esta era de 5508 mbd. Apesar de a produção africana ter tido um aumento
de 245%, o total produzido não era tão expressivo quanto à produção no Oriente Médio. A região produziu, em 1973, o mesmo que a Europa e os
EUA juntos conforme demonstrado nas tabelas a seguir.
Em relação à tentativa de embargo de 1967, não é percebida alterações significativas da produção no período. Demonstrando, assim, a
inexpressividade da medida entre os próprios produtores. Os dados expostos na última tabela comprovam que o preço do barril, em 1966, era de
$12,47, seguindo um valor de hoje, e, ao final do conflito de 1967, ele havia caído para $11,63. O recurso atingiu o seu menor preço em 1970
quando o barril estava custando $10,42. Em 1973, ao contrário, o valor do barril sobre para $16,66 e, em 1974, o preço do barril era de $52,85. O
crescimento do preço de quase 400% permitiu que os Estados-membros da OPEP continuassem a receber fluxos constantes de renda mesmo com
um corte de produção. O aumento do preço possibilitou o crescimento econômico e não deixou os países em situação de vulnerabilidade frente à
redução da comercialização.
123
4.3.3. Tabela 3: Produção diária da América do Norte em mbd:
EUA
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
9014
9579 10219 10600 10828 11297 11156 11185 10946 10461
Canadá
920
1012
1106
1194
1306
1473
1582
1829
2114
1993
México
362
370
411
439
461
487
486
506
525
653
Total América do Norte
10296 10961 11736 12233 12595 13257 13224 13520 13585 13107
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
124
4.3.4. Tabela 4: Total Europa em mbd:
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
-
-
-
-
-
-
-
2
3
2
48
39
37
35
34
32
29
25
23
23
Noruega
-
-
-
-
-
-
6
33
32
35
Romênia
266
271
279
280
281
284
292
298
304
308
2
2
2
2
2
4
5
8
9
10
Demais países da Europa e Eurásia
5328
5789
6269
6685
7096
7655
8120
8568
9174
9780
Total da Europa e Eurásia
5644
6100
6586
7001
7413
7974
8452
8935
9545 10159
Dinamarca
Itália
Reino Unido
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
125
Em relação às tabelas de produção dos países da América do Norte e da Europa e Eurásia destaca-se que os ritmos de produção não acompanham
o seu consumo. Os EUA, por exemplo, produziam, em 1967, 10219 mbd e consumiam 12567 mbd. Neste ano, a produção dependia da
importação de menos de 2500 mbd que custavam aos cofres públicos $28.457,46. Em 1973, por outro lado, a produção americana era de 10946
mbd e o seu consumo demandava 17318 mbd. Era necessária a importação de 6372 mbd para o atendimento da demanda que custavam
$106.157,52 aos cofres públicos. Além da necessidade de exportação e da dependência para a manutenção da produção a da vida cotidiana, o
preço do petróleo é uma das variáveis para a segurança energética e para a segurança econômica dos países importadores. Devido a crescente
demanda e ao preço mais ou menos constante, até 1973, o aumento do consumo foi bastante significativo e, em 1974, no momento de ápice do
preço do recurso, o custo para os cofres públicos era para o governo norte-americano de $190.999,90. Além da ruptura do fornecimento, o
aumento do preço freou a compra e estimulou o consumo consciente. Os Estados Unidos já tinham uma produção grande de petróleo antes de
1965 e, por isso, no período analisado não houve um aumento significativo da sua produção.
Ao contrário dos EUA, os países da Europa e Eurásia tinham uma produção irrisória de petróleo estando em uma posição de grande
vulnerabilidade frente aos países produtores e a possibilidade do embargo. Em 1967, a região produzia 6568 mbd e consumia 13690 mbd e isso
significava que 7,106 barris precisavam ser exportados para o atendimento da demanda custando $86.100,48 aos cofres públicos. Em 1973, a
região precisava exportar 12,561 mbd gastando $209.266,26. Em menos de dez anos, a região precisava gastar mais do dobro para a manutenção
do fornecimento de sua demanda. Em 1974, o valor subiu para $614.177,00 sendo uma ameaça para a própria política econômica mundial e
local. A baixa produção gera riscos quando não existem fontes alterativas substitutivas do petróleo quando ocorre uma ruptura do fornecimento
ou um aumento de preço.
126
4.3.5. Tabela 5: Total do Consumo mundial em mbd:
1965
OCDE
1966
1967
1968
22838 24863 26670 28980
1969
1970
1971
1972
1973
1974
31641 34213 35886 38394 41234 39615
Não-OCDE
7639
8288
8871
União Europeia*
7482
8563
9293 101184 11422 12635 13242 14150 15185 14267
URSS
3314
3549
3866
Total do consumo mundial
30476 33152 35541
9492 10239 11202 12055 13098 14336 15240
4107
4376
4826
5127
5547
5981
6588
38472 41880 45415 47941 51492 52661 54855
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
*A Estônia, Letônia e Lituânia e Eslovênia não estão inclusos.
Houve, no período analisado, um aumento bastante significativo no consumo mundial do petróleo que cresceu em 180%. O consumo da OCDE
aumentou em 173% não acompanhando a sua produção. Os países da OCDE foram ficando cada vez mais dependentes das importações, por
exemplo, em 1970 eles produziam 40% do total de seu consumo e, em 1973, esse número já havia reduzido para 35%. Os maiores consumidores
de petróleo eram os países mais desenvolvidos e industrializados. A demanda pelo insumo, por conta do alto desenvolvimento dos paísesmembros da OCDE, estava crescendo gradativamente e o ritmo de crescimento não acompanhava as produções. Os países não membros da
OCDE (incluindo os membros da própria OPEP), por outro lado, produziam mais do que consumiam. Os países que apresentavam a maior
vulnerabilidade eram os países membros da atual União Europeia, já que, em 1970, sua produção representava 5,48% do seu consumo e, e 1973,
esse número havia caído para 4,4%. Ressalta-se que foram utilizados valores absolutos para a análise da conjuntura da demanda e do
fornecimento e que cada país apresentava dilemas distintos. Por exemplo, Portugal, por não depender do petróleo da OPEP, permitiu que os EUA
pousassem em seu território possibilitando o fornecimento de armas para o Estado de Israel.
127
4.3.6. Tabela 6: Total do Consumo em mbd na América do Norte:
1965
EUA
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
11522 12100 12567 13405 14153 14710 15223 16381 17318 16631
Canadá
1108
1167
1246
1322
1380
1472
1512
1589
1682
1713
México
296
309
331
361
383
412
434
481
515
589
Total da América do Norte
12927 13577 14144 15088 15916 16593 17169 18450 19515 18932
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
Em relação ao consumo na América do Norte, somente o México teve a produção maior que demanda. Contudo, o seu excedente bastante
inexpressivo. Em 1970, os países da América do Norte produziam 79% do total de seu consumo e, em 1973, o número era de 69%. A região, em
valores absolutos, dependia da importação de petróleo mais não tanto quanto os países da União Europeia. Existe uma grande discussão se o
embargo realizado em 1973 originou uma efetiva crise nos EUA. Assim como Yergin, concorda-se com a efetividade da estratégia árabe, em
especial, em relação ao pânico gerado dentre os cidadãos para a realização das suas tarefas cotidianas. A medida ameaçava o próprio american
way of life. O aumento do preço e a ruptura do fornecimento de uma parcela significativa da demanda norte-americana são bastante expressivos
efetivando o petróleo enquanto instrumento de poder que poderia desestruturar todo o sistema que dependia do petróleo. Para uma mudança
desse cenário, além de políticas para a redução de suas vulnerabilidades, os EUA precisavam de uma vitória israelense.
128
4.3.7. Tabela 7: Consumo Europeu em mbd:
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
107
119
126
145
159
176
197
213
231
208
-
319
350
405
468
512
525
567
598
529
Bulgária
71
81
102
120
148
173
189
197
208
216
República Tcheca
78
86
95
106
113
137
151
165
185
189
Dinamarca
200
226
239
264
318
353
354
372
348
311
Finlândia
111
135
142
160
185
208
216
228
256
224
França
1070
1150
1321
1424
1648
1867
2030
2246
2508
2384
Alemanha
1714
1922
2005
2241
2530
2774
2899
3048
3262
2970
Grécia
85
93
110
113
120
130
144
165
193
180
Hungria
73
81
86
90
101
118
133
144
163
178
Irlanda
47
52
59
65
71
80
88
97
105
104
Itália
982
1084
1203
1323
1468
1664
1796
1893
1990
1934
Holanda
479
523
535
574
627
702
698
780
812
702
Noruega
100
112
117
130
143
161
161
168
173
157
Polônia
109
114
124
154
170
181
191
214
238
250
Portugal
54
57
63
68
77
90
107
114
122
127
Romênia
143
149
170
180
200
218
222
236
265
244
45
49
55
61
65
79
87
95
106
109
Áustria
Bélgica e Luxemburgo
Eslováquia
129
Espanha
269
320
389
412
470
536
595
625
747
778
Suécia
369
417
409
458
517
562
531
543
565
509
Suíça
165
175
189
208
227
255
271
277
298
266
Reino Unido
1449
1556
1676
1782
1922
2030
2038
2157
2226
2071
Demais países da Europa e Eurásia
3418
3674
4015
4279
4565
5043
5375
5807
6268
6899
Total Europa & Eurásia
11233 12583 13690 14887 16453 18198 19170 20540 22106 21779
Como já destacado, os países da Europa e da Eurásia tem uma produção muito baixa pela ausência de poços na região. Por isso, a sua
dependência e vulnerabilidade são latentes. Diante da insegurança, os países da região devem investir em energias alternativas e na diversificação
dos fornecedores reduzindo a sua vulnerabilidade. A França, Alemanha, Reino Unido e Itália são dos países que mais consomem na região.
130
4.3.8. Tabela 8: Preço do Oléo (em dólar)
Ano
Dinheiro da época
Valor hoje
1965
1,80
12,82
1966
1,80
12,47
1967
1,80
12,12
1968
1,80
11,63
1969
1,80
11,04
1970
1,80
10,42
1971
2,24
12,43
1972
2,48
13,34
1973
3,29
16,66
1974
11,58
52,85
1975
11,53
48,21
1976
12,80
50,59
1977
13,92
51,63
1978
14,02
48,37
1979
31,61
97,94
Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012.
131
O sistema de concessão atribuía um valor estável para o petróleo. Apesar de o barril custar 1,80 até 1970 é perceptível como ele foi perdendo seu
valor agregado entre 1965 até 1970. O preço do recurso e a sua uniformidade vai ao encontro de uma conjuntura aonde o mercado era bastante
aquecido e havia a necessidade de preços mais baixos que estimulavam o próprio consumo e competitividade das empresas no comércio
internacional. Desta forma, o petróleo era tido como uma simples mercadoria. As reduções mais bruscas foram entre os anos de 1969-1970 e essa
queda do preço estimulou o fim das concessões, a nacionalização do petróleo árabe e o início das medidas que visavam próprio controle da OPEP
para o estabelecimento do preço do seu recurso. De 1970 até 1979, o preço cresceu de forma exponencial. O preço do produto aumentou mais de
300% entre 1973 e 1974 o que estimulou o constante fluxo de dinheiro proveniente do petróleo para os países produtores enfatizando a sua
dependência frente ao recurso aumentando a sua própria vulnerabilidade. Por outro lado, o alto preço promoveu mudança políticas, perfuração de
novos poços e eficiência energética o que alterou a possibilidade do uso do petróleo enquanto elemento de poder principalmente por conta das
vulnerabilidades que os países da OPEP apresentam frente ao recurso.
É importante frisar a questão do refino do petróleo. Os países árabes não tinham uma alta capacidade de refino para a sua produção. Suas vendas
eram, em especial, do petróleo bruto. Uma das estratégias estabelecidas no pós-choque foi a melhoria da capacidade de refinamento pelos países
norte-americanos e europeu. O desenvolvimento científico possibilitou que cada vez mais derivados do petróleo fossem produzidos de um barril.
A melhoria da capacidade de refino foi uma medida pensada pela AIE que visa à otimização do uso do petróleo. Dados da OPEP apontam que
hoje um barril de petróleo é capaz de gerar 159 litros de gasolina e, há 70 anos, um barril produzia somente 41 litros de gasolina. A eficiência
energética e a melhoria da capacidade de refino reduziu a quantidade de barris que precisavam ser importados.
132
5. Conclusões
O conflito e as ações políticas estabelecidas por ambos os lados são resultantes da
própria prática constituída na região. As decisões políticas foram moldadas, sobretudo, de
forma reflexiva e calcada pela percepção da prática do outro. É importante ponderar em
relação à reflexividade em relação à própria tomada de decisões, pois, desta forma, o
entendimento do conflito e das identidades das regiões se tornam mais claras encontrando-se
novas formas de solucionar um conflito que, mesmo atual, remonta a própria história.
Destaca-se a importância tanto do petróleo quanto da força bélica para a obtenção de poder,
segurança e soberania na região.
O petróleo não é um elemento de poder a priori e para entendê-lo enquanto tal é
fundamental que se pondere em relação à própria conjuntura tanto em 1967 quanto em 1973.
O poder não é um conceito hermético e deve ser entendido pela própria especificidade do
encontro que modela a capacidade dos atores de se legitimarem e constituírem a sua vontade
frente aos demais atores. Neste sentido, tanto o petróleo quanto a força bélica podem se
constituir como duas ferramentas políticas e elementos de poder. Em 1973, por exemplo,
Israel percebe que não poderia se legitimar na região somente por sua capacidade bélica sendo
necessário o estabelecimento de acordos diplomáticos, além de, uma ameaça nuclear. Desta
forma, tanto o petróleo quanto a capacidade bélica se configuram como duas importantes
ferramentas regionais capazes de influenciar as escolhas políticas dos líderes para a obtenção
de segurança e soberania.
Os países árabes, além da força bélica, fizeram uso do petróleo como ferramenta
política para a obtenção de poder, soberania e segurança. Os países fronteiriços a Israel não
são grandes produtores e, por isso, a Liga Árabe se apresenta enquanto uma importante
organização para a compreensão dos jogos políticos árabes. A existência da LA e o
estabelecimento de uma normativa comum ao conjunto de países que a compõem são
fundamentais para o entendimento das próprias políticas nacionais dos países árabes que
estavam envoltos nas normativas e na reciprocidade exigida pela mesma. A percepção de
Israel enquanto uma ameaça pela Liga foi basilar para o uso do petróleo enquanto ferramenta
política pelos países árabes que não eram produtores. O uso do petróleo foi uma medida
política instaurada pela reflexividade que o próprio conflito solidificou na região. O uso do
recurso para fins políticos e a instauração da insegurança energética para os países
consumidores estimulou uma série de medidas políticas que consolidou insegurança e
vulnerabilidades aos países produtores. Além das relações de poder entre produtores e
133
consumidores, é fundamental que seja percebida também as relações de poder entre
produtores/produtores.
A chegada de Israel origina um problema político para os árabes que percebem o
Estado judeu como fonte da sua insegurança. A fundação do Estado de Israel e o conflito
ajudam na solidificação e na identidade da nação palestina e das nações árabes. Assim como
Scalércio e Demant, acredita-se que as nações são formadas por seus paralelismos e pelo
próprio conflito. Destaca-se a importância da reflexividade para o entendimento da formação
de ambas as nações e da própria percepção do outro enquanto fontes de ameaça e insegurança.
Apesar de ter sido um das diretivas da Liga, a questão palestina e é ainda um ponto aberto e
um motivador do próprio conflito na região.
O Estado de Israel para a sua legitimação nacional usou da força bélica e a estratégia
militar para consolidar a sua segurança, soberania e poder na região. Na Guerra de 1967, a
vitória militar israelense possibilitou o expansionismo territorial e a solidificação de um
pensamento da invulnerabilidade israelense que fora formada pela capacidade bélica do
Estado judeu, assim como, pela formação e um pensamento estático dos árabes. A percepção
de que os árabes não apresentavam ameaça aos judeus foi fundamental para a própria
estratégia árabe para o inicio das ofensivas em 1973. É percebido, por conta da priorização da
ideia de que Israel era inviolável e uma potência bélica, o papel e a centralidade do poder
originado e originário pela FDI. Sendo a ultima fundamental para a própria identidade
israelense que foi questionada em 1973 diante das sucessivas vitórias árabes. As conquistas
territoriais de 1967 se deram de forma reflexiva, mas atendeu premissa árabe de que Israel era
uma potência imperialista na região. Concorda-se que as fronteiras conquistadas, em 1967,
por Israel, mesmo sendo fronteiras que possibilitam uma melhor defesa do país, foram fontes
de insegurança para o Estado judaico e que ocasionaram a Guerra de 1973.
O desmonte da estratégia militar israelense colocou o país em extrema posição de
vulnerabilidade evidenciando a dependência do Estado judaico do provisionamento e do apoio
norte-americano. Devido à possibilidade de derrota, o Estado judeu cogitou o uso de armas
nucleares que poderiam intimidar os árabes e estimular um apoio ainda maior do governo
norte americano. O uso do petróleo e dos armamentos nuclearem foram fundamentais para o
posicionamento político dos Estados em escala global.
Os EUA e a URSS tiveram um papel fundamental para a conformação do Oriente
Médio durante a Guerra Fria. A rivalidade entre ambas as potências foi fundamental para a
consolidação dos dilemas de segurança regionais e para o acirramento da própria corrida
134
armamentista na região. O uso do petróleo enquanto elemento estratégico, além de, estimular
o fim da ajuda ao governo israelense foi ainda fundamental para estimular o posicionamento
políticos dos países que dependiam das importações da região. A Europa, por não ter muitas
fontes do recurso, se viu estimulada a seguir a imposição dos países árabes.
É importante ressaltar que a violação das regras de reciprocidade estabelecidas pela
ONU são mecanismos utilizados por árabes e israelenses para justificar uma ofensiva. A
região ainda demanda de mecanismos para a resolução de controvérsias que consiga dar um
fim a um conflito que ocorre de forma estritamente reflexiva e constrói paralelismos entre os
povos e suas políticas que são fundamentais para a compreensão do Oriente Médio.
135
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139
ANEXOS:
140
Anexo 1: Declaração de Baulfor
Disponível in: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8e/Balfour_declaration_unmarked.jpg. Acessado em
07/11/2013.
141
Anexo 2: Documento da ONU relativo ao pedido de saída da UNEF do Egito em 1967.
UNITED
NATIONS
S
Security Council
Distr.
GENERAL
S/7906
26
May
1967
ORIGINAL: ENGLISH
REPORT BY THE SECRETARY-GENERAL
1. In my report of 19 May 1967 (S/7896), which I submitted to the Security Council following
the receipt on 18 May 1967 of the official request of the Government of the United Arab
Republic for the withdrawal of the United Nations Emergency Force (UNEF), I described the
general situation in the Near East at present as "more disturbing, indeed, ... more menacing,
than at any time since the fall of 1956". I can only reiterate this assessment.
2. It has been alleged in some quarters that the prompt compliance with the request for the
withdrawal of the Force is a primary cause of the present crisis in the Near East. This ignores
the fact that the underlying basis for this and other crisis situations in the Near East is the
continuing Arab-Israel conflict which has been present all along, and of which the crisis
situation created by the unexpected request for the withdrawal of UNEF is the latest
expression. In my special report to the General Assembly (A/6669), in paragraph 12, I gave
the main reasons for the position that I have taken on this issue. In my report to the Security
Council on 19 May 1967 (S/7896), I restated the basis for my decision and pointed out that
there was a "widespread misunderstanding about the nature of United Nations peace-keeping
operations in general and UNEF in particular". In view of the evident persistence of this
misunderstanding and of various recent public statements by some responsible leaders, I feel
obliged once again, before proceeding with my report, to restate briefly the grounds for the
position
which
I
have
taken
on
the
withdrawal
of
UNEF.
3. UNEF was introduced into the territory of the United Arab Republic on the basis of an
agreement between the Secretary-General of the United Nations and the President of Egypt.
The consent of the host country, in this as in other peace-keeping operations, was the basis for
142
its presence on the territory of the United Arab Republic. When that consent was withdrawn,
the
essential
part
of
the
basis
of
UNEF's
presence
ceased
to
exist.
4. As stated in my special report to the General Assembly (A/6669), I consulted with the
UNEF Advisory Committee on 18 May 1967. The Committee did not move, as it was its right
to do under the terms of paragraph 9 of General Assembly resolution 1001 (ES-I), to request
the convening of the General Assembly on the situation which had arisen. It was after this
meeting of the Advisory Committee, on the evening of 18 May, that I transmitted my reply to
the Government of the United Arab Republic concerning the withdrawal of UNEF.
5. My decision in this matter was based upon both legal and practical considerations. It is a
practical fact that neither UNEF nor any other United Nations peace-keeping operation could
function or even exist without the continuing consent and co-operation of the host country.
Once the consent of the host country was withdrawn and it was no longer welcome, its
usefulness was ended. In fact, the movement of UAR Forces up to the Line in Sinai even
before the request for withdrawal was received by me had already made the effective
functioning of UNEF impossible. I may say here that the request received by me on 18 May
was the only request received from the Government of the United Arab Republic, since the
cryptic letter to Major-General Rikhye from General Fawzi on 16 May was both unclear and
unacceptable. Furthermore, I had very good reason to be convinced of the earnestness and the
determination of the Government of the United Arab Republic in requesting the withdrawal of
UNEF. It was therefore obvious to me that the position of the personnel of UNEF would soon
become extremely difficult, and even dangerous, if the decision for the withdrawal of the
Force was delayed, while the possibility for its effective action had already been virtually
eliminated. Moreover, if the request were not promptly complied with, the Force would
quickly
disintegrate
due
to
the
withdrawal
of
individual
contingents.
6. It may be relevant to note here that UNEF functioned exclusively on the United Arab
Republic side of the Line in a zone from which the armed forces of the United Arab Republic
had voluntarily stayed away for over ten years. It was this arrangement which allowed UNEF
to function as a buffer and as a restraint on infiltration. When this arrangement lapsed United
Arab Republic troops moved up to the Line as they had every right to do.
7. If UNEF had been deployed on both sides of the Line as originally envisaged in pursuance
of the General Assembly resolution, its buffer function would not necessarily have ended.
However, its presence on the Israel side of the Line has never been permitted. The fact that
UNEF was not stationed on the Israel side of the Line was a recognition of the unquestioned
143
sovereign right of Israel to withhold its consent for the stationing of the Force. The
acquiescence in the request of the United Arab Republic for the withdrawal of the Force after
ten and a half years on United Arab Republic soil was likewise a recognition of the sovereign
authority of the United Arab Republic. In no official document relating to UNEF has there
been
any
suggestion
of
a
limitation
of
this
sovereign
authority.
8. In order to discuss the situation with the Government of the United Arab Republic, and
especially in order to examine with that Government the situation created by the withdrawal
of UNEF, I decided to advance the date of a visit to Cairo which I had planned some time ago
for the beginning of July. I arrived in Cairo on the afternoon of 23 May and left Cairo on the
early
afternoon
of
25
May
to
return
to
United
Nations
Headquarters.
9. During my stay in Cairo I had discussions with President Gamal Abdel Nasser and Mr.
Mahmoud Riad, the Minister of Foreign Affairs. They explained to me the position of the
Government of the United Arab Republic, which is substantially as set forth in the speech
given by President Nasser to the United Arab Republic Air Force Advance Command on 22
May 1967 which has been reported fully in the Press. President Nasser and Foreign Minister
Riad assured me that the United Arab Republic would not initiate offensive action against
Israel. Their general aim, as stated to me, was for a return to the conditions prevailing prior to
1956 and to full observance by both parties of the provisions of the General Armistice
Agreement
between
Egypt
and
Israel.
10. The decision of the Government of the United Arab Republic to restrict shipping in the
Strait of Tiran, of which I learned while en route to Cairo, has created a new situation. Free
passage through the Strait is one of the questions which the Government of Israel considers
most vital to her interests. The position of the Government of the United Arab Republic is that
the Strait is territorial waters in which it has a right to control shipping. The Government of
Israel contests this position and asserts the right of innocent passage through the Strait. The
Government of Israel has further declared that Israel will regard the closing of the Strait of
Tiran to Israel flag ships and any restriction on cargoes of ships of other flags proceeding to
Israel as a casus belli.While in Cairo, I called to the attention of the Government of the United
Arab Republic the dangerous consequences which could ensue from restricting innocent
passage of ships in the Strait of Tiran. I expressed my deep concern in this regard and my
hope
that
no
precipitate
action
would
be
taken.
11. A legal controversy existed prior to 1956 as to the extent of the right of innocent passage
by commercial vessels through the Strait of Tiran and the Gulf of Aqaba. Since March 1957,
144
when UNEF forces were stationed at Sharm el Sheikh and Ras Nasrani at the mouth of the
Gulf of Aqaba, there has been no interference with shipping in the Strait of Tiran.
12. It is not my purpose here to go into the legal aspects of this controversy or to enter into the
merits of the case. At this critical juncture I feel that my major concern must be to try to gain
time in order to lay the basis for a detente. The important immediate fact is that, in view of the
conflicting stands taken by the United Arab Republic and Israel, the situation in the Strait of
Tiran represents a very serious potential threat to peace. I greatly fear that a clash between the
United Arab Republic and Israel over this issue, in the present circumstances, will inevitably
set
off
a
general
conflict
in
the
Near
East.
13. The freedom of navigation through the Strait of Tiran is not, however, the only immediate
issue which is endangering peace in the Near East. Other problems, such as sabotage and
terrorist activities and rights of cultivation in disputed areas in the Demilitarized Zone
between Israel and Syria, will, unless controlled, almost surely lead to further serious fighting.
14. In my view, a peaceful outcome to the present crisis will depend upon a breathing spell
which will allow tension to subside from its present explosive level. I therefore urge all the
parties concerned to exercise special restraint, to forego belligerence and to avoid all other
actions which could increase tension, to allow the Council to deal with the underlying causes
of
the
present
crisis
and
to
seek
solutions.
15. There are other possible courses of action which might contribute substantially to the
reduction of tension in the area. In paragraph 16 of my report to the Security Council on 19
May (S/7896) I referred to the possibility of the Egypt-Israel Mixed Armistice Commission
(EIMAC) providing a limited form of United Nations presence in the area. In that report I
stated that "it would most certainly be helpful in the present situation if the Government of
Israel were to reconsider its position and resume its participation in EIMAC". I suggest that
the Council consider this possible approach also during its search for ways out of the present
crisis. This form of United Nations presence could to some extent fill the vacuum left by the
withdrawal
of
UNEF.
16. In paragraph 17 of my previous report to the Council I also suggested that "it would be
very helpful to the maintenance of quiet along the Israel-Syria line if the two parties would
resume their participation in ISMAC, both in the current emergency session and in the regular
sessions",
and
I
would
wish
on
this
occasion
to
repeat
that
suggestion.
17. It also would be useful for the Council to recall that, by its resolution 73 (1949) of 11
145
August
1949,
the
Council
found
that:
"... the Armistice Agreements constitute an important step towards the
establishment of permanent peace in Palestine...".
and
reaffirmed:
"... the order contained in its resolution 54 (1948) to the Governments and
authorities concerned, pursuant to Article 40 of the Charter of the United
Nations, to observe an unconditional cease-fire and, bearing in mind that the
several Armistice Agreements include firm pledges against further acts of
hostility between the parties and also provide for their supervision by the
parties themselves, relies upon the parties to ensure the continued application
and observance of these Agreements...".
18. In my discussion with officials of the United Arab Republic and Israel I have mentioned
possible steps which could be taken by mutual consent and which would help to reduce
tension. I shall of course continue to make all possible efforts to contribute to a solution of the
present crisis. The problems to be faced are complex and the obstacles are formidable. I do
not
believe
however
that
we
can
allow
ourselves
to
despair.
19. It should be kept always in mind that in spite of the extreme difficulties of the situation,
the United Nations has played an essential and important role for more than eighteen years in
maintaining at least some measure of peace in the Near East. In that task it has encountered
many setbacks, frustrations, crises, conflicts and even war, but the effort continues unabated.
We are now confronted with new and threatening circumstances, but I still believe that with
the co-operation of all parties concerned the United Nations, and the Security Council in
particular, must continue to seek, and eventually to find, reasonable, peaceful and just
solutions.
Disponível
em:
http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/44c971ced20b476705256559005be4a5?OpenDocum
entAcessado dia 12/08/2013.
146
Anexo 3: Resolução da Conferência de Catrum
Source: League of Arab States (LAS)
LAS Khartoum Resolution, 1 September 1967
1 September 1967
1. The conference has affirmed the unity of Arab ranks, the unity of joint action and the need
for coordination and for the elimination of all differences. The Kings, Presidents and
representatives of the other Arab Heads of State at the conference have affirmed their
countries' stand by and implementation of the Arab Solidarity Charter which was signed at the
third Arab summit conference in Casablanca.
2. The conference has agreed on the need to consolidate all efforts to eliminate the effects of
the aggression on the basis that the occupied lands are Arab lands and that the burden of
regaining these lands falls on all the Arab States.
3. The Arab Heads of State have agreed to unite their political efforts at the international and
diplomatic level to eliminate the effects of the aggression and to ensure the withdrawal of the
aggressive Israeli forces from the Arab lands which have been occupied since the aggression
of June 5. This will be done within the framework of the main principles by which the Arab
States abide, namely, no peace with Israel, no recognition of Israel, no negotiations with it,
and insistence on the rights of the Palestinian people in their own country.
4. The conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil recommended that
suspension of oil pumping be used as a weapon in the battle. However, after thoroughly
studying the matter, the summit conference has come to the conclusion that the oil pumping
can itself be used as a positive weapon, since oil is an Arab resource which can be used to
strengthen the economy of the Arab States directly affected by the aggression, so that these
States will be able to stand firm in the battle. The conference has, therefore, decided to resume
the pumping of oil, since oil is a positive Arab resource that can be used in the service of Arab
goals. It can contribute to the efforts to enable those Arab States which were exposed to the
aggression and thereby lost economic resources to stand firm and eliminate the effects of the
aggression. The oil-producing States have, in fact, participated in the efforts to enable the
States affected by the aggression to stand firm in the face of any economic pressure.
5. The participants in the conference have approved the plan proposed by Kuwait to set up an
Arab Economic and Social Development Fund on the basis of the recommendation of the
Baghdad conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil.
6. The participants have agreed on the need to adopt the necessary measures to strengthen
military preparation to face all eventualities.
7. The conference has decided to expedite the elimination of foreign bases in the Arab States.
Disponível
em:
http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/1ff0bf3ddeb703a785257110007719e7?OpenDocume
nt. Acessado dia 12/08/2013.
147
Anexo 4: Resolução 242 da ONU
UNITED
S
NATIONS
Security Council
S/RES/242
(1967)
22 November 1967
Resolution
242
(1967)
of 22 November 1967
The
Security
Council,
Expressing its continuing concern with the grave situation in the Middle East,
Emphasizing the inadmissibility of the acquisition of territory by war and the need to work for
a just and lasting peace in which every State in the area can live in security,
Emphasizing further that all Member States in their acceptance of the Charter of the United
Nations have undertaken a commitment to act in accordance with Article 2 of the Charter,
1. Affirms that the fulfillment of Charter principles requires the establishment of a just and
lasting peace in the Middle East which should include the application of both the following
principles:
(i) Withdrawal of Israel armed forces from territories occupied in the recent conflict;
(ii) Termination of all claims or states of belligerency and respect for and acknowledgment of
the sovereignty, territorial integrity and political independence of every State in the area and
their right to live in peace within secure and recognized boundaries free from threats or acts of
force;
2.
Affirms
further the
necessity
(a) For guaranteeing freedom of navigation through international waterways in the area;
(b)
For
achieving
a
just
settlement
of
the
refugee
problem;
(c) For guaranteeing the territorial inviolability and political independence of every State in
the area, through measures including the establishment of demilitarized zones;
3. Requests the Secretary-General to designate a Special Representative to proceed to the
148
Middle East to establish and maintain contacts with the States concerned in order to promote
agreement and assist efforts to achieve a peaceful and accepted settlement in accordance with
the
provisions
and
principles
in
this
resolution;
4. Requests the Secretary-General to report to the Security Council on the progress of the
efforts of the Special Representative as soon as possible.
Adopted unanimously at the 1382nd meeting.
Disponível em: http://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/7D35E1F729DF491C85256EE700686136.
Acessado dia 12/08/2013.
149
Anexo 5: resolução 338 da ONU
UNITED
S
NATIONS
Security Council
S/RES/338
(1973)
22 October 1973
Resolution
338
(1973)
of 22 October 1973
The
Security
Council
1. Calls upon all parties to the present fighting to cease all firing and terminate all military
activity immediately, no later than 12 hours after the moment of the adoption of this decision,
in
the
positions
they
now
occupy;
2. Calls upon the parties concerned to start immediately after the cease-fire the
implementation
of Security
Council
resolution
242
(1967) in
all
of
its
parts;
3. Decides that, immediately and concurrently with the cease-fire, negotiations shall start
between the parties concerned under appropriate auspices aimed at establishing a just and
durable peace in the Middle East.
Adopted
at
the
1747th
meeting
by 14 votes to none. 1/
____________________
1/ One member (China) did not participate in the voting.
Disponível em: http://unispal.un.org/unispal.nsf/0/7FB7C26FCBE80A31852560C50065F878. Acessado dia: 12/08/2013.
150
Anexo 6: Presença das forças da ONU no pós Guerra do Canal de Suez
Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003.
151
Anexo 7: Entrada Israelense na Península do Sinai em 1967
Fonte: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004.
152
Anexo 8: Campanha nas Colinas do Golan durante a ofensiva de 1967
Fonte: : OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003.
153
Anexo 9: Campanha em 1967 no território da Cisjordânia
Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003.
154
Anexo 10: Ataques aéreos Israelenses em 1967
Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003.
155
Anexo 11: A ofensiva por terra na Guerra de 1967
Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003.
156
Anexo 12: Territórios conquistados em 1967
Fonte: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004.
157
Anexo 13: A Ofensiva Egípcia e a contra ofensiva Israelense
Fonte: RABINOVICH, Abrahan. The Yom Kipur War: The epic encounter that transformed the middle east. New York: Shcocken
Book, 2004.
158

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