Petróleo e o poder bélico: faces de uma relação de - PPGHC
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Petróleo e o poder bélico: faces de uma relação de - PPGHC
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS Programa de Pós-Graduação em História Comparada - PPGHC Juliana Foguel Castelo Branco PETRÓLEO E PODER BÉLICO: FACES DE UMA RELAÇÃO DE REFLEXIVIDADE DURANTE O CONFLITO ÁRABE ISRAELENSE (1967-1973) Rio de Janeiro 2013 Juliana Foguel Castelo Branco O PETRÓLEO E O PODER BÉLICO: FACES DE UMA RELAÇÃO DE REFLEXIVIDADE DURANTE O CONFLITO ÁRABE ISRAELENSE (1967-1973) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História Comparada. Orientadora: Prof. Drª. Sabrina Evangelista Medeiros Rio de Janeiro Janeiro/2013 ii Foguel Castelo Branco, Juliana. Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de reflexividade durante o conflito árabe israelense (1967-1973)/ Juliana Foguel Castelo Branco. Rio de Janeiro, 2014. 175 f., enc. Orientadora: Prof. Dr. Sabrina Evangelista Medeiros Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Rio de Janeiro, 2014. Referências: 1. Poder 2. Soberania. 3. Segurança. 4. Petróleo 5. Força Bélica 6. Oriente Médio – Teses. I. Medeiros, Sabrina Evangelista (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. III. Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de reflexividade durante o conflito árabe israelense (1967-1973) iii Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS Programa de Pós-Graduação em História Comparada - PPGHC Dissertação intitulada “Petróleo e Poder Bélico: faces de uma relação de reflexividade durante o conflito árabe israelense (1967-1973)”, de autoria da mestranda Juliana Foguel Castelo Branco, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Banca de Avaliação Profa. Dra. Sabrina E. Medeiros (Orientadora) – PPGHC/UFRJ Profa. Dra. Cristina Buarque de Hollanda – PPGHC/UFRJ Profa. Dra. Fernanda Delgado de Jesus Resultado: Data: iv Tudo à minha mãe, Minha força, meu exemplo. v Agradecimentos Foram muitos os que me fizeram chegar até aqui, contudo, é extremamente difícil lembrar de todos os que por nossa história passaram. Todos de certa forma deixam as suas marcas, as lembranças e contribuem para a formação do que hoje ora somos. Peço perdão aos que não forem citados. Em primeiro lugar, agradeço a minha mãe, Débora Foguel, por todos os momentos que vivemos. Nasci quando ela era ainda muito jovem e aprendi, na sua doçura, o que é ser uma mulher forte e dedicada. Ela me mostrou a beleza das letras e a importância dos estudos, motivando-me e até me instigando a seguir sempre em frente. Agradeço-lhe pela insistência e dedicação. Certa vez, ouvindo-a em uma palestra fiquei bastante marcada com a referência que fez à Deusa Minerva por sua história e por ser a deus da sabedoria, das artes e das estratégias. Entendi porque foi eleita como símbolo da UFRJ, centro do fazer e do Saber. Procurando conhecer melhor Minerva, “encontrei” sua mãe, Deusa Métis. Imediatamente comparei mamãe com Métis, embora sem a menor pretensão de identificar-me com Minerva. Métis é Deusa da saúde, proteção, astúcia, prudência e das virtudes. Acho que mãe é isso mesmo: o sincretismo dessas qualidades tão importantes para qualquer filho e que minha mãe nunca me negou. Uma curiosa característica de Métis é que ela se metamorfoseia, assim como minha mãe, que é dura, sensível, amiga, chata, forte entre outras características segundo as diferentes situações, mas tendo como objetivo, sempre, o melhor! Mãe, meu muito obrigada você é parte do que sou hoje, e do que sempre pretendo ser amanhã. Te amo. Não menos importante, agradeço ao meu pai, Jerson. Com ele aprendi que pai é muito mais que sangue. Pai é aquele que está junto, preocupado, disposto e sempre presente. Cresci ouvindo a história que quando conheceu minha mãe havia comprado um apartamento de dois quartos na Ilha do Governador e que de imediato fez um quarto para mim. Esse quarto que deveria ser pouco utilizado, tendo em vista que morávamos em Botafogo com a minha avó, é um símbolo do amor e da capacidade de amar do meu pai. Um apaixonado incondicional por minha mãe. Ambos me ensinaram o que é cumplicidade de um casal e que um casamento estável é possível ainda. Saído de uma casa extremamente humilde em Honório Gurgel, filho de uma dona de casa e de um sargento da Marinha, meu pai me ensinou que todos os sonhos vi são possíveis e que o tripé estudo, amor e dedicação são elementos fundamentais para transformações! Com todo o meu amor. Gostaria de agradecer aos meus avós, Rosita e Alberto. Minha avó é uma mulher dura e forte. Aguenta tanto tranco com seus quase 80 anos... Viaja esse país a fora lutando por uma educação mais justa para àqueles que se encontram em situação de deficiência. Essa frase: situação de deficiência me fez refletir muitos anos sobre a alteridade e principalmente sobre o que é ser deficiente. Somos todos deficientes em certo sentido e, por isso, deve existir uma luta para a inclusão sempre. Acho que minha avó luta por isso: pela humanidade. Meu avô, Alberto, também é um homem forte, singelo e misterioso. Argentino se diverte vendo o jogo do Botafogo com amigos de longa data. Um prazer que infelizmente nunca dividiremos, já que sou flamenguista.... Agradeço aos seus cônjuges, minha avó Sara e meu avô Orlando, por todo o carinho e por me fazer ser sempre parte da família. Não estaria completo se não falasse de meus irmãos, Estevão, Vitor, Clarice, Ana Luisa e Vinícius. Amo-os muito e desejo que no futuro vocês também realizem seus sonhos e se sintam tão felizes como eu ao escrever esse trabalho e por fazer o que amam. Minha irmã, Ana Luisa, um carinho especial por sermos, além de irmãs, amigas e companheiras. Me orgulho muito de você. Ao meu tio, Miguel, um homem forte e que demostrou e vem demonstrando como a consonância entre força, equilíbrio e inteligência são fundamentais. Tio, você é um exemplo e eu te admiro enormemente. Ao Celso pelo companheirismo, apoio, paciência e amor. Espero que encontre felicidade no seu mestrado e ao longo de toda a sua vida. Um apaixonado por música, em especial Blues, e que me contou sobre Hendrix e seus cadarços amarrados no pé da cama. Podemos fazer aquilo de quisermos com o que temos: basta querer, lutar e acreditar. Acredite e lute de forma objetiva pelo que quer. O tempo é a única coisa que não volta, contudo, podemos aproveitar o presente para construir o futuro. Em uma viagem acidental de minha mãe, meu caminho cruzou com o de Sabrina. No meio da África, especificamente em Moçambique, terra de Mia Couto encontrei minha orientadora, amiga, exemplo entre outros adjetivos que seria incapaz de numerá-los. Em seu vii livro Terra Sonambula, meu preferido, Mia começa-o da seguinte forma: "Naquele lugar, a guerra tinha morto à estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte. A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir. [.....] A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios da nossa alma. De dia já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos". Queria Agradece-la, Sabrina, por ter me dado à oportunidade e acreditado em mim. Sua crença, apoio, dedicação entre outras não só me tiraram desta estrada seca, árida e morta e me alocaram num lugar vivo e de grande produtividade e cores: o espaço do saber. Além disso, hoje, neste caminho que trilho seja porque acredito seja pela vontade de contribuir com o conhecimento, estou certa que os meus sonhos, o olho da vida, estarão sempre garantidos. Agradeço por tudo que fez por mim e continua a fazer. A cada dia, descubro suas qualidades e defeitos - afinal ninguém é perfeito- o que só me fazem respeita-la e aprecia-la sempre mais. Espero que nossos caminhos, estradas se cruzem muitas e muitas vezes ao longo de nossa trajetória. Agradeço as minhas “amigas de trabalho” que se tornaram uma verdadeira família. Ana Luisa Bravo e Paiva, que tem um corpo que não condiz com a sua essência. Obrigada pelos telefonemas atendidos e pelos telefonemas não atendidos. O seu silêncio, a sua ausência e a sua presença foram fundamentais; Ana Paula Rodrigues é uma amiga que, aparentemente mal humorada, se adequa ao poema de Drummond que fala que dos corações maiores do mundo. Mãe, maluca e sempre disposta a ajudar. Meu muito obrigada; Cintiene Sandes é amiga, orientadora, mãe companheira e, acima de tudo, uma sonhadora com os pés no chão. Conhecer a sua história e saber o quanto ela lutou para chegar onde está é ter ao meu lado um exemplo. Você merece o mundo; Bianca Bittencourt é a amiga que toda mãe sonha que tenhamos. Para minha sorte, eu a tenho! Calma, ponderada, inteligente e linda ele vem me mostrando que respirar antes de falar é uma dádiva; Flávia Seidel minha Barbie Loira princesa da praia predileta. Que bom que nos seus descaminhos você tenha nos achado, pois a sua maluquês é indispensável em minha vida agora; Daniele Dionísio, mesmo mais viii distante ela mostra garra e lealdade que são fatores tão importantes e raros nos dias de hoje; Isabela Fernandes, pelo carinho, mesmo com a falta de convivência, pelo orgulho e pela amizade; por fim, Verônica Pires... É difícil falar dessa mulher que é uma rocha. Vivemos um período difícil, inesperado e totalmente devassador. Verônica sem deixar de ser linda deu um passo por vez, uma respirada por momento, um choro triste com sabor de esperança e deixou nossos corações pequeninhos... mais venceu. Venceu uma luta que somente dependia do seu comprometimento consigo mesma. Venceu um desafio imenso. Sua força, meu exemplo, sua amizade, um tesouro. Bom tê-la sempre conosco. Amo todas vocês e aprecio como cada uma deixou um marca tão basilar em minha essência. Obrigada. Ao Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil. Agradeço a força da Sabrina de criá-lo e a todos os integrantes por confiarem no meu trabalho, por escutarem as minhas ideias e por abrirem espaços para o desenvolvimento de minha pesquisa. Um agradecimento especial ao Claudio Rogério Flor, o comandante mais lindo da Marinha do Brasil, que vem nos dando suporte e nos motivando sempre nos estudos. Sua crença, carinho e respeito são coisas que levarei comigo o resto da vida. Não poderia esquecer o meu grupo de trabalho e de seus pesquisadores e ex-pesquisadores, Thiago Honório, Guilherme Monteiro, Whilla Castelhano, Frederico Sant´Anna, Matheus Ortler e André Nunes, vocês muito me orgulham. O sucesso de vocês é como se fosse o meu sucesso! Cresçam, voem e acreditem! Um agradecimento especial ao CENPES que confiou e investiu nessa pesquisa. Foram poucos os projetos de humanas e sei da importância desse espaço para que outros pesquisadores, como eu, que querem entender o petróleo na sua multiplicidade. Obrigada. A PPGHC por ter me dado à oportunidade de realizar meu estudo nesta tão importante instituição de ensino. Agradeço aos professores que me acompanharam ao longo desse percurso. Em especial para as componentes de minha banca, Cristina Buarque e Fernanda Delgado. As indagações e conselhos dados no momento de minha qualificação foram cruciais para o meu crescimento. Foi um prazer ter a oportunidade e aprender com ambas mesmo que de forma breve. ix Agradeço a minha equipe do Arquivo Nacional. Como dizíamos uma equipe dos sonhos regada por Lady Gaga e Vanessão. Todo meu carinho para Allan Ferreira, Jefferson Spindola, Ana Lucia, Rafaela de Albuquerque, Victor Sabino, Priscila Moita, Marcos Melo.... Aqueles lindos dias de bloco F ficarão pra sempre guardados. Agradeço também a Professora Ismênia de Lima Martins minha grande mestra. Minha vida acadêmica fora iniciada com a ajuda e apoio incondicional dela. Ismênia é como uma “galinha” que acolhe seus orientandos em baixo de suas asas e os leva sempre juntos em seus voos. Foram muitas as tardes em sua casa em Niterói aonde aprendi bem mais que história. Ismênia foi responsável por cultiva em mim à chama da pesquisa e a capacidade de trabalhar em equipe. Professora, meu muito obrigada. Agradeço a Andrea Telo da Corte que era e é minha “mãe”. Ao fazer minha primeira apresentação da ANPUH RIO, Andrea estava tão empolgada que meus amigos acreditaram que ela era minha mãe. Realmente, Andrea, sempre me estimulou e sempre esteve presente em todos os momentos que mais precisei. Acompanhei seu doutorado e li seu brilhante trabalho de mestrado e vi que estava diante de uma mulher incansável e guerreira. Hoje tenho ainda mais certeza da sua capacidade de luta já que vem demonstrado força ao enfrentar uma doença que, apesar de lhe tirar o ar, não lhe tira a vida e a vontade de vivê-la. Agradeço também a Érica Sarmiento pelas risadas escandalosas, pela amizade incondicional, pelo apoio e pelos pedidos de silêncio. Apesar de muitas vezes querer falar, o momento de silencio é fundamental para a concentração. Agradeço a Renata Oliveira por ter feito os meus dias de faculdade muito mais lindos. É e sempre foi uma grande amiga. x O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar A estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, Para nos fazerem parentes do futuro Mia Couto, Terra Sonâmbula xi Resumo: O escopo desta Dissertação de Mestrado em História Comparada é a realização de um estudo das estratégias políticas adotadas pelos países árabes pertencentes à Liga Árabe e pelo Estado de Israel, no que tange ao uso do poder militar e do petróleo para a obtenção de poder, soberania e seguridade, tanto a nível regional quanto internacional no período compreendido entre os anos de 1967 e 1973. Este período é determinante uma vez que, nele, várias mudanças estratégicas significativas foram estabelecidas pelos países árabes que passaram a utilizar o petróleo, além da força bélica, como um meio para aumentar o seu poder de barganha visando reduzir o apoio internacional, em especial o apoio logístico-militar ao Estado de Israel. Entende-se o poder como sendo resultante das especificidades dos próprios encontros entre os atores que podem, dentro de um processo de interação estratégica ou jogo, ampliar a sua capacidade de influenciar os demais atores no seu processo decisório. Por isso, acredita-se que tanto o petróleo quanto a força bélica se constituem como ferramentas políticas e como elementos de poder utilizados tanto pelos árabes quanto pelos judeus para a conquista e manutenção da sua segurança e soberania. Palavras chaves: Oriente Médio, Poder, Soberania, Segurança, Petróleo e força bélica. xii Abstract: The scope of this academic work in Comparative History is a study of the political strategies adopted by Arab countries in the Arab League and the State of Israel about the use of military power and oil to achieve power, sovereignty and security in regional and international levels in the period between 1967 and 1973. This period is crucial because of the important shifts in the strategies that were established by Arab countries that started using oil in addition to military force as a means to increase their bargaining power to reduce international support especially logistical and military support to Israel. Power is understood as a result of the specifics meeting between actors that can in a process of strategic interaction or game extend their ability to influence other actors in their decision making process . Therefore, it is believed that oil and the military force are constituted as political tools and as elements of power that can be used by the Arabs and the Jews for the achievement and maintenance of its security and sovereignty. Keywords: Middle East, Power , Sovereignty , Security , Oil and military force . xiii LISTA DE ANEXOS Anexo 1: Declaração de Baulfor .................................................................................. 141 Anexo 2: Documento da ONU relativo ao pedido de saída da UNEF do Egito em 1967. ...................................................................................................................................... 142 Anexo 3: Resolução da Conferência de Catrum ........................................................... 147 Anexo 4: Resolução 242 da ONU ................................................................................ 148 Anexo 5: resolução 338 da ONU .................................................................................. 150 Anexo 6: Presença das forças da ONU no pós Guerra do Canal de Suez .................... 151 Anexo 7: Entrada Israelense na Península do Sinai em 1967....................................... 152 Anexo 8: Campanha nas Colinas do Golan durante a ofensiva de 1967 ...................... 153 Anexo 9: Campanha em 1967 no território da Cisjordânia .......................................... 154 Anexo 10: Ataques aéreos Israelenses em 1967 ........................................................... 155 Anexo 11: A ofensiva por terra na Guerra de 1967 ..................................................... 156 Anexo 12: Territórios conquistados em 1967............................................................... 157 Anexo 13: A Ofensiva Egípcia e a contra ofensiva Israelense ..................................... 158 xiv LISTA DE TABELAS 4.3.1. Tabela 1: Total da produção mundial em mbd: .................................................. 120 4.3.2. Tabela 2: Produção Diária dos países do Oriente Médio e Líbia em mbd: ........ 122 4.3.3. Tabela 3: Produção diária da América do Norte em mbd: ................................. 124 4.3.4. Tabela 4: Total Europa em mbd: ........................................................................ 125 4.3.5. Tabela 5: Total do Consumo mundial em mbd: ................................................. 127 4.3.6. Tabela 6: Total do Consumo em mbd na América do Norte: ............................. 128 4.3.7. Tabela 7: Consumo Europeu em mbd: ............................................................... 129 4.3.8. Tabela 8: Preço do Oléo (em dólar).................................................................... 131 xv SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................................... 1 Capítulo 1: Oriente Médio: uma reflexão sobre os mecanismos para a obtenção de poder, segurança e soberania na região ............................................................................ 6 1.1. Das abordagens historiográficas e o uso da metodologia .................................. 6 1.2 Mecanismos para a tomada de decisões: O papel da Teoria dos Jogos e da Reflexividade ................................................................................................................ 8 1.3 Poder e reciprocidade: meios para a constituição das capacidades estatais ......... 13 1.3.1 Especificidades do encontro que estabeleceram o petróleo como uma ferramenta estratégica ............................................................................................. 18 1.3.2. Os quatro tipos de poder propostos pela taxionomia e as possibilidades das suas manifestações do Oriente Médio .................................................................... 19 1.4 Segurança Partilhada e Soberania: o caso do Oriente Médio ............................... 22 Capítulo 2: Formação do Estado Judaico, Consolidação das independências Árabes e o papel da Liga Árabe ........................................................................................................ 33 2.1 A ida dos judeus para a região da palestina e a constituição da questão palestina33 2.2 O estabelecimento do Estado de Israel e a questão palestina ............................... 40 2.3 A formação nacional do Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque, Irã e Iêmen ....... 47 2.4 O jogo político árabe: o papel e importância da Liga Árabe ................................ 54 Capítulo 3: Força Bélica: Uma análise das Guerras de 1967 e 1973 ............................. 67 3.1. A Guerra do Canal do Suez ................................................................................. 67 3.2. A Guerra dos Seis Dias ........................................................................................ 72 3.3 Guerra do Yom Kippur .......................................................................................... 83 Capítulo 4: O Petróleo .................................................................................................... 99 4.1. O Petróleo e a Geopolítica de Produção Mundial ............................................. 100 4.2. O uso do petróleo enquanto elemento de poder: fracassos e sucessos .............. 108 4.3. Dados: ................................................................................................................ 120 xvi 5. Conclusões ................................................................................................................ 133 Fontes: .......................................................................................................................... 136 Bibliografia: .................................................................................................................. 136 ANEXOS: ..................................................................................................................... 140 xvii 1. Introdução O objetivo do presente trabalho é a elaboração de um estudo comparativo das estratégias políticas adotadas pelos países árabes1 pertencentes à Liga Árabe e pelo Estado de Israel, no que tange ao uso do poder militar e do petróleo para a obtenção de poder, soberania e seguridade, tanto a nível regional quanto internacional. O período estudado está compreendido entre os anos de 1967 e 1973. Este período é determinante, uma vez que, várias mudanças estratégicas significativas foram estabelecidas pelos países árabes que passaram a utilizar o petróleo, além da força bélica, como um meio para aumentar o seu poder de barganha visando reduzir o apoio internacional, em especial o apoio logístico-militar ao Estado de Israel. O cerne deste estudo é compreender, portanto, através de uma análise comparativa, o papel que exerce o petróleo e a força militar nas relações de poder entre os Estados árabes e para o Estado judaico no que tange a obtenção de sua segurança e sua consolidação regional e internacional. O petróleo, por responder pela maior parte da matriz energética mundial, se transformou em um elemento importante para o funcionamento das economias e das políticas dos Estados e, em especial, dos países industrializados. O recurso é uma fonte energética não renovável que está distribuída de forma heterogênea e desigual pelo mundo. Grande parte das reservas mundiais de petróleo estava, na época, no Oriente Médio, em especial no Golfo Pérsico, e na URSS. Na conjuntura estudada, o insumo se converteu em um instrumento de afirmação e de poder das nações árabes. O recurso possibilitou acordos cooperativos 2 entre os povos árabes, assim como, disputas para o controle de sua produção entre os próprios árabes e entre as empresas concessionárias que exploraram o petróleo da região. Os Estados produtores são altamente dependentes da renda gerada pelo recurso para a manutenção da sua economia. Destaca-se que os rendimentos oriundos da produção e comercialização do petróleo também tiveram um importante papel para a construção e manutenção do próprio conflito árabe-israelense. A força bélica é também uma importante ferramenta para a constituição das políticas da região. A superioridade bélica, segundo a concepção clássica de poder, é uma importante diretiva dos Estados que buscam a obtenção de armas cada vez mais 1 Os Estados árabes analisados são Egito, Síria, Líbano, Jordânia e os Estado- membros da OPEP, como Arábia Saudita e Irã, que, por meio da Liga Árabe, são conclamados a apoiar a causa árabe. 2 Nem sempre o petróleo origina cooperação entre os povos árabes. Desde 1977, são observados embates políticos e militares entre os países para o controle do mesmo. Contudo, no momento da Guerra de 1973, o petróleo foi utilizado como um elemento de cooperação entre os árabes. 1 potentes para o aprimoramento da sua situação no sistema regional e no cenário internacional. A força bélica e a consolidação dos exércitos nacionais fortes e capacitados geram poder aos Estados que conseguem garantir a sua segurança e soberania frentes aos seus pares quando os mesmos não estão tão bem provisionados e capacitados. A obtenção de armamentos materializa o que se é conhecido como dilemas de segurança que será mais bem debatido no primeiro capítulo deste trabalho. A obtenção de armas foi parte importante das políticas dos países do Oriente Médio que se valeram da Guerra Fria e da existência de duas grandes potências rivais, EUA e URSS, para ampliar os dilemas de segurança e o seu acesso às armas que poderia os legitimar possibilitando a obtenção de poder, soberania e da própria segurança local. Pretende-se fazer uso de algumas premissas da Teoria dos Jogos para pontuar as interações estratégicas dos países árabes e de Israel no período analisado. As interações estratégicas de ambos os lados são interdependentes e, por isso, a teoria da reflexividade se faz tão importante para este trabalho. A reflexividade é, segundo Giddens3, a remodelação das práticas por meio das próprias práticas e ela é utilizada para estabelecer a comparação das formas como as práticas políticas tanto árabes como israelenses se alteraram e se remodelaram pela prática do outro. Aróstegui discorre que “a reflexividade da condição humana faz com que não haja nenhuma experimentação dos comportamentos que não gere uma autoconsciência a esse respeito e modifique a natureza do comportamento humano”4. A reflexividade foi cruzada com a Teoria dos Jogos possibilitando a compreensão e a comparação das ações políticas de ambos os lados. É levado em consideração ainda o conceito de reciprocidade que vem sendo uma importante diretiva para a compreensão das relações de cooperação sancionadas e legitimadas pelos Estados Nacionais. O estudo comparativo do conflito, tendo como viés a percepção do uso de distintas ferramentas políticas, petróleo e força bélica, permite uma análise das estratégias pelas quais os Estados embasaram as suas ações no cenário internacional e regional entre 1967 e 1973. A elaboração de um estudo comparado dessas práticas torna possível o entendimento da reciprocidade e da reflexividade das ações sociais, que são fundamentais para uma compreensão mais ampla e efetiva do conflito e de seu desenvolvimento dentro da lógica dos sistemas que rege e consolida estas ações. 3 GIDENES, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa Histórica: teoria e método. São Paulo: Edusc, 2006. 4 2 Além disso, de forma indireta, é possível ainda perceber aspectos decisivos na formação das identidades destes povos como sendo resultantes dos paralelismos que o próprio conflito consolida, conforme descrito por Morton: A questão central que fundamenta esta investigação supõe que o conflito é potencialmente de valor pessoal e social. Ele tem muitas funções positivas (Simmel 1955; Coser 1956). O conflito previne estagnações, estimula interesse e curiosidade, é o meio pelo qual os problemas podem ser manifestados e no qual chegam às soluções, é a raiz da mudança pessoal e social. O conflito é frequentemente parte do processo de testar e de avaliar alguém e, enquanto tal, pode ser altamente agradável, na medida em que se experimenta o prazer do uso completo e pleno da sua capacidade. De mais a mais, o conflito demarca grupos e, dessa forma, ajuda a estabelecer uma identidade coletiva e individual; o conflito externo geralmente fomenta coesão interna5. A definição das identidades coletivas se tornou um tema que mereceu grande atenção acadêmica. Concorda-se que a percepção do coletivo não é natural, mas, sim, o resultado de complexos processos de interação com outros grupos que culmina na construção social das identidades. O conflito, visto como uma demarcação de grupos, somado à ideia de que a identidade é o resultado do encontro de grupos, será mais bem compreendido com a adoção de uma abordagem comparativa. Desta forma, a comparação das ações políticas de ambos os lados, árabe e israelense, é fundamental para entender como as identidades se alteraram durante o próprio desenrolar do conflito de forma reflexiva. As interações não geram somente e necessariamente um processo de causa e consequência, e sim paralelismos entre os povos cujas nações estão se consolidando e sendo consolidados pelas práticas do outro. O primeiro capítulo propõe uma discussão das escolhas teóricas e conceituais realizadas. Este trabalho privilegiará, como dito, a reflexividade das interações estratégicas. Segundo Fiani6, toda interação estratégica envolve interdependência mútua das ações que, além de serem fundamentais para o próprio processo decisório, ainda devem levar em consideração os efeitos entre os seus partícipes. Os processos de interação entre os Estados serão entendidos, principalmente, pela ótica do desejo de 5 DEUTSCH, Morton. A resolução do Conflito. In: AZEVEDO, André G. Estudos de Arbitragem, mediação e negociação- Vol.3. Brasilia, , 2004. p. 29. Em relação ao conflito e aos seus aspectos positivos para a formação das identidades locais outros autores como Márcio Scalércio e Peter Demand percebem como o conflito fundamentou e solidificou as nacionalidade palestina e israelense. Acredita-se que esta afirmação pode ser ampliada para os demais países árabes, em especial, os fronteiriços. O conflito ajudou e vem ajudando, de forma reflexiva, a coesão interna, formação das políticas nacional, identidade nacional e regional (em especial para o caso árabe) e a possibilidade ou não de estabelecimento de acordos. 6 FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos: com aplicações em economia, administração e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2009. 3 obtenção de poder, solidificação da soberania nacional e consolidação da segurança que originam os objetivos e estratégias dessas nações. No segundo capítulo será feita uma contextualização da formação Oriente Médio no século XX. Será proposta uma discussão que se inicia no declínio do Império Otomano tendo como foco a consolidação do Estado de Israel, a discussão da questão palestina pela centralidade do assunto para a intensificação do conflito7, uma discussão em relação os processos de independência dos países árabes e o papel da Liga Árabe (LA) para a própria orientação das políticas que intensificam o conflito. A LA foi fundamental para garantir a formulação das políticas internas e externas entre os seus membros. Ela é uma organização que, além de gerar cooperação, também é palco de disputas para a construção de uma identidade árabe que guia os seus líderes e as suas políticas nacionais. O estabelecimento de uma identidade comum gera desafios para a segurança árabe, dilemas para a soberania e para o poder dos próprios líderes árabes dentro dos seus Estados soberanos. Para o entendimento do conflito e das motivações árabes para a atuação conjunta, é fundamental o entendimento da própria LA que é, a priori, um elemento de poder. A contextualização é um elemento central para o entendimento da região, pois o conflito e a formação das identidades locais devem, sobretudo, ser percebidos por sua própria história. O terceiro capítulo traz o debate sobre o uso da força bélica nos confrontos de 1967 e 1973. Lá estão descritas as causas dos conflitos, suas motivações e resultados. Em 1967, por exemplo, Israel tinha superioridade estratégica frente aos países árabes o que possibilitou a conquista de grandes porções territoriais. O mesmo não pode ser afirmado no ano de 1973, já que, nesta ocasião, os árabes tinham investido grandes somas de dinheiro para a obtenção de armas e para a melhoria de sua estratégia militar 8. Além da força bélica, os Estados árabes utilizaram o petróleo enquanto ferramenta de coerção e para a obtenção de poder. A importância do petróleo dentro deste cenário onde pesam elementos de poder, estabilidade e nacionalidade será proposta no quarto capítulo deste trabalho. Neste, é proposto um debate sobre a formação da OPEP, o preço do petróleo, as tentativas do uso deste recurso enquanto instrumento estratégico em 1967 e em 1973. O petróleo era 7 A causa palestina é legitimada dentro da Liga Árabe como pertencente a todos os países árabes. A formação das identidades desses povos, assim como, a negação e Israel e a percepção do último como um ameaça é legitimada e legitimadora da própria causa palestina. 8 Devido ao sucesso dos movimentos que defendiam a nacionalização dos poços de petróleo, houve um aumento da entrada de dinheiro para os países exportadores o que facilitou a obtenção de armas e concretização de acordos relativos à sua venda. 4 percebido como uma mercadoria pelos países consumidores e, em 1973, a possibilidade de embargo para os países que estavam apoiando Israel gerou uma crise mundial onde o recurso passou a ser percebido como um elemento de poder. Devido à insegurança energética, houve a necessidade de que os Estados importadores estabelecessem políticas que reduzissem a sua vulnerabilidade frente à possibilidade de ruptura do fluxo do recurso e/ou aumento significativo de seu preço. Estas políticas previam a mudança das condições objetivas que constituíram o petróleo enquanto uma ferramenta política pelos países árabes e, de forma reflexiva, trouxeram insegurança e vulnerabilidades9 para os próprios produtores. Entende-se o poder como sendo resultante das especificidades dos próprios encontros entre os atores que podem, dentro de um processo de interação estratégica ou jogo, ampliar a sua capacidade de influenciar os demais atores no seu processo decisório. Por isso, acredita-se que tanto o petróleo quanto a força bélica se constituem como ferramentas políticas e como elementos de poder utilizados tanto pelos árabes quanto pelos judeus para a conquista e manutenção da sua segurança e soberania. A força bélica pode frear conflitos, sendo assim uma ferramenta política, devido aos dilemas de segurança gerados, assim como pode, no momento posterior ao próprio conflito mediante uma vitória, ser utilizada enquanto elemento de poder. O petróleo a priori é um recurso econômico que, devido às especificidades das conjunturas de 1967 e 1973, foi utilizado como ferramenta política que poderia garantir segurança e soberania árabe frente ao Estado de Israel. A necessidade de consolidação de políticas para a manutenção e constituição da segurança energética perpassa, sobretudo, pela percepção dos Estados consumidores da capacidade política que o petróleo gerava aos Estados produtores. Desta forma, acredita-se que ambas as ferramentas políticas, petróleo e força bélica, originam poder aos Estados árabes e ao Estado de Israel devido à própria especificidade do encontro que consolidam novas relações de reciprocidade e relações de reflexividade entre os povos que buscam, para este trabalho, a obtenção de sua segurança e soberania na região. 9 Em relação às vulnerabilidades, destaca-se, conforme proposto por Fernanda Delgado, a Vulnerabilidade Produtiva, Física, Comercial, Macroeconômica e Socioeconômica. Para maiores informações ver: JESUS, Fernanda Delgado. Indicadores de Vulnerabilidade socioeconômicas para países exportadores de Petróleo: Metodologia e análise comparativa. In: http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis/fernando_delegado.pdf. 5 Capítulo 1: Oriente Médio: uma reflexão sobre os mecanismos para a obtenção de poder, segurança e soberania na região 1.1. Das abordagens historiográficas e o uso da metodologia Os conflitos no Oriente Médio são mais claramente compreendidos quando se leva em consideração a própria historiografia dos povos que ali habitam. Diversos estudos se propõem a analisar e contribuir para melhorar o entendimento da região. A variação das abordagens é percebida, sobretudo, pelas escolhas teóricas, conceituais e metodológicas dos autores. A historiografia israelense é dividida em duas correntes: a tradicionalista e a revisionista. A primeira vem sendo questionada por sua percepção da consolidação do conflito e do papel dos atores no momento das interações estratégicas. Os críticos afirmam que os historiadores tradicionalistas constroem conhecimentos polarizados que não perceberem como o próprio Estado judaico ajudou e atuou para a própria concretização da situação vigente. Os historiadores revisionistas, por sua vez, a partir da década de 1980, vêm propondo novas interpretações a cerca do conflito que visam, sobretudo, a revisão dos papéis e do entendimento da participação de cada grupo para a materialização do mesmo. As duas correntes que tratam do tema devem ser compreendidas pela própria conjuntura que foram radicadas. A História é uma importante ferramenta para a consolidação nacional e, no momento da fundação do Estado israelense, a existência de uma corrente historiográfica que legitimasse uma História para diferentes grupos de judeus que se estabeleciam no Estado de Israel era meio para um fim. Nos anos de mil novecentos e oitenta, o Estado de Israel, seguindo a diretiva internacional arquivista, começou a abrir suas fontes históricas. Os novos historiadores, tendo em posse a documentação recém-liberada e o desejo de realizar seu trabalho sem precisar defender o Estado e/ou uma corrente política, começaram a formar uma nova corrente historiográfica israelense. Nesta vertente, os papéis foram repensados e o grupo acreditava que o novo conhecimento historiográfico produzido ajudaria a consolidação de acordos de paz na região. Existe um imenso debate entre os dois grupos de pensadores. Os historiadores tradicionalistas acusam os novos historiadores de distorcerem os documentos ou de só 6 olharem os documentos israelenses10 e não os árabes. Por outro lado, os novos historiadores percebem a produção tradicionalista como uma vertente que pretende a legitimação do próprio Estado judaico. Ambas as correntes historiográficas sofrem ainda críticas da própria historiografia árabe que não as percebem como representativa. Effraim Karsh e Anitta Shapira são alguns autores da corrente tradicional da historiografia israelense. Benny Moris, Avi Shlaim, Ilan Pappé e Tom Segev são alguns dos representantes da corrente revisionista. Levando-se em conta que produção historiográfica é fruto de uma disputa de poder entende-se a complexidade da região. Por isso, a escolha da metodologia comparativa e a percepção das interações sendo estabelecidas de forma reflexiva e pela própria especificidade do encontro são fundamentais para o aprimoramento da compreensão das ações de ambos os lados em relação à formação do conflito. A comparação é um método de suma importância para se esquivar de algumas armadilhas que ambos os grupos da historiografia israelense ou mesmo árabe apresentam. Segundo José Assunção Barros11, a História Comparada é uma modalidade histórica marcada pela sua complexidade e é uma forma de abordagem específica da construção do conhecimento histórico. Um dos primeiros defensores desta modalidade foi Marc Bloch que a tinha como uma “varinha mágica”12 que possibilitava a compreensão de aspectos específicos e gerais dos fenômenos, além de, ajudar a compreender as causas e origens dos mesmos. Sua particularidade é a presença de um duplo ou múltiplo campo de observação que se caracterizam como uma forma específica de pensar e propor questões13 que devem ser regidos pelo método comparativo. Segundo Henri Sée apud Bustamante, o método comparativo é “um instrumento capaz de transformar a História em ciência, pois é uma alternativa, no contexto da pesquisa, para a impossibilidade de aplicar o método experimental. Assim, a História deixaria de ser descritiva e passaria a ser explicativa.” 14. O estudo comparativo da região aqui delimitada é fundamental para o entendimento, como dito por Bloch, das causas e origens dos conflitos no Oriente Médio. O objeto deste estudo é o uso do petróleo e da força bélica como ferramentas 10 Alguns autores são acusados ainda de não utilizarem as fontes pela historiografia tradicional. BARROS, José D´ Assunção. História Comparada- Um novo modo de ver e fazer história. In: Revista de História comparada, volume, 1 número 1, jun/2007. 12 MAIER, Charles S. La Historia comparada. In: Studia Historica-Historica Contemporanea, Vol X-XI, 1992-93, pp. 11-32. 13 BARROS, José D´ Assunção. Op. Cit. 14 THELM,Neide & BUSTAMENTE, Regina. História comparada olhares plurais. In: Revista de História comparada, volume, 1 número 1, jun/2007. 11 7 políticas que os Estados árabes e o Israel estabelecerem para a obtenção de poder, a consolidação de sua soberania e segurança estatal. Portanto, através do estudo comparativo fazendo uso da reflexividade é possível compreender de forma mais abrangente o conflito ampliando o próprio entendimento da região. 1.2 Mecanismos para a tomada de decisões: O papel da Teoria dos Jogos e da Reflexividade Além da História Comparada, as interações de ambos o lados são analisadas por meio de algumas premissas estabelecidas pela Teoria dos Jogos15. Um jogo, ou interação estratégica, envolve sempre a interdependência mútua das ações dos jogadores que devem contemplar os seus objetivos e possibilidades pessoais, assim como, a dos demais jogadores. Desta forma, quando envolvidos em uma situação onde a capacidade decisória está em evidência, os objetivos de um jogador, seus comportamentos e os meios pelos quais ele busca atingir os seus fins devem ser levado em conta e podem ser objeto de estudo. Por exemplo, o Estado de Israel, para garantir a sua segurança do dia a dia, deve lidar, sobretudo, com infiltrações originárias de movimentos assimétricos em suas fronteiras. A busca por segurança é, então, o objetivo último do Estado judaico e, para isso, ele decide usar a Força de Defesa Israelense (FDI) para garantir esse objetivo. Por ser um movimento assimétrico, o Estado atingido reage, de forma reflexiva às investidas israelenses, podendo transformar o movimento assimétrico em um embate legítimo entre ambos os Estados. Israel deve levar em conta que a ação que objetiva o constrangimento do processo de infiltração de palestinos pode desencadear um conflito em maior escala entre ambos. Desta forma, deve-se ter em mente as possíveis reações dos demais jogadores para que a tomada de decisão seja racional. A racionalidade para a Teoria dos Jogos é percebida como os meios que os indivíduos estabelecem para alcançar os seus fins e objetivos. A Teoria dos Jogos não leva em consideração a moralidade dos fins e visa à percepção das formas como os jogadores estabelecem as suas escolhas em um processo de interação estratégica. Os jogadores, ao entrarem em um processo de interação estratégica, tentam obter o melhor resultado possível. Este processo ocorre quando o jogador percebe tanto o seu conjunto de ações possíveis quanto dos demais membros e, através dessa percepção, formulam a 15 FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos: com aplicações em economia, administração e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2009. 8 sua estratégia para alcançar os seus objetivos com a menor perda possível. Este exemplo é válido para os processos não competitivos. Em relação à formulação das estratégias, retomando o exemplo acima, caso os Estados árabes estivessem mais bem preparado militarmente e se o Estado israelense não tivesse levado em conta essa diferença, o resultado não seria compensador para Israel. A Teoria dos Jogos nos evidencia a necessidade da compreensão e conhecimento em relação ao outro para qualquer tomada de decisão. A Teoria dos Jogos pretende construir modelos que transcendem a subjetividade, a conjuntura e as características e particularidades do próprio tomador de decisões. Ela segue a lógica situacional proposta por Popper que tem como premissa a coerência das escolhas racionais independente do momento da escolha. Segundo a lógica, as atitudes racionais uniformizam movimentos de forma atemporal preconizando a existência de uma racionalidade universal. Questiona-se a concepção de lógica situacional defendida por Popper que pretende apresentar uma lógica racional universal. Acredita-se que não existe uma lógica uníssona da racionalidade, pois o tempo, o grupo e a cultura a que pertencem os atores geram lógicas racionais distintas e, por muitas vezes, incompreendidas pelos outros. A racionalidade inerente a uma lógica situacional proposta por Popper não é um conceito hermético. Conhecer as racionalidades e as diferenças entre árabes e judeus é um forma de compreender e aplicar com melhor resultado algumas premissas estabelecidas pela própria Teoria dos Jogos. As escolhas estabelecidas por ambos os lados parte e são constituídas por lógicas racionais próprias que solidificam, pela reflexividade, as reações do processo de interação observado. O conhecimento não serve como uma ferramenta pragmática para o controle e entendimento social conforme a lógica situacional que Popper propõe. As ciências humanas e suas pesquisas, segundo Rubinstein e Giddens, não devem ter a pretensão de gerar algo útil e com um pragmatismo inerente. Esta premissa vai contra a própria visão do utilitarismo do conhecimento produzido pelas ciências sociais que também foi criticada por Kant e que é antagônica a própria reflexividade. Este ponto será mais bem debatido quando for traçada a discussão a acerca da teoria proposta por Giddens. A construção de modelos proposta pela Teoria dos Jogos também vem sendo repensadas por especialistas como Ariel Rubistein16. A formulação de modelos é o meio 16 RUBISTEIN, Ariel. Modeling Bounded Rationality. Massachusets: MIT, 1998. 9 pelo qual os pesquisadores racionalizam retirando, assim, a subjetividade dos atores no momento da tomada de decisão. Para Ariel Rubinstein, a construção desses modelos é como a construção de fábulas explicativas e nem sempre as fábulas são úteis. Tanto a construção de modelos, quanto o uso da linguagem matemática para entender um processo que leva a tomada de decisões acarretam, segundo o autor, na perda de múltiplas variáveis que na vida real são relevantes e, às vezes, determinantes. A conjuntura e a personalidade do ator influenciam no processo decisório e não pode ser negligenciado para a análise e compreensão de uma interação estratégica. O próprio pesquisador, ao construir um modelo, está imerso em uma cultura e está sendo influenciado pela mesma atuando assim de forma reflexiva com o próprio conhecimento. A Teoria dos Jogos será utilizada neste trabalho em combinação com a teoria de Giddens da Reflexividade. Sendo o jogo uma situação que envolve interdependência mútua, será ponderado em relação às tomadas de decisão que ocorreram ao longo da história do Oriente Médio e, em especial, a partir do estabelecimento do Estado judeu, pelo próprio processo de encontro. Para este trabalho considera-se que os objetivos dos Estados transitam entre o poder, a segurança e a soberania. Fiani evidencia que a Teoria dos Jogos ajuda a entender teoricamente as decisões tomadas pelos participantes em um jogo. A aplicação da teoria será útil, inclusive, para a percepção dos momentos de interação estratégica que levaram à tomada de decisão dos jogadores em um processo de interação estritamente competitivo ou de soma zero. Neste caso, os ganhos para um lado representam necessariamente a perda para o outro. Os jogos estritamente competitivos nem sempre levam em conta a decisão do seu adversário. Neste tipo de interação estratégica, o objetivo dos atores é obter sempre recompensa positiva e não existe, segundo Fiani, “uma combinação de estratégias preferível a qualquer outra para os dois jogadores simultaneamente” 17 . A competição militar na região impulsionava os dilemas de segurança que será mais bem debatido ainda neste capítulo. A guerra não é o exemplo máximo de jogos estritamente competitivos. Existe lógica na guerra e entre os seus participantes que preferem, presumivelmente, um empate ao invés da aniquilação mútua. Em um modelo competitivo, a estratégia adotada pretende causar o maior dano no adversário. No caso de estratégicas mistas, existe a tentativa de surpreender e evitar 17 FIANI, Ronaldo. Op. Cit.. p. 178. 10 ser surpreendido. Nesse caso, o ditado “dos males o menor” é uma diretiva. No ocorrido em 1973 a solução diplomática no momento final do conflito é o menor dos males, tanto para os partícipes do conflito quanto para as duas grandes potências que estavam indiretamente envolvidas no mesmo, ou seja, EUA e URSS. Neste caso, a conjuntura e a presença de outros atores influenciaram as interações estratégicas da região. Acreditase na viabilidade de trabalhar com a Teoria dos Jogos sem promover a total abstração dos motivos que impulsionaram a tomada de decisão. A reflexividade de Giddens se apresenta, desta forma, como uma forma de solucionar esta ausência criticada por Rubinstein à Teoria dos Jogos. Giddens estuda os novos dilemas instaurados com a modernidade18. Em especial, para o autor, a modernidade traz rupturas como: a separação entre tempo e espaço, desenvolvimento de mecanismos de desencaixe e a noção de reflexividade. O movimento Iluminista acreditava que o conhecimento da vida social elaborado, em especial, pela sociologia, poderia gerar o controle sobre a mesma e as suas instituições sociais. Para este grupo, o conhecimento serviria para originar uma relação instrumental com o mundo que suscitaria uma tecnologia para a intervenção na vida social. Giddens critica esta vertente e percebe que “o conhecimento espirá-la dentro e fora do universo da vida social, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como uma parte integrante do processo.” 19. O conhecimento produzido não é uma forma de controlar os processos sociais e sim de reconstruir e de alterar a própria ação humana. A reflexividade da vida moderna é o fato de que “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz da informação renovada sobre constitutivamente o seu caráter.” estas próprias práticas, alternando assim 20 . As práticas e as tradições são remodeladas pelas próprias descobertas que as informam. Percebe-se como a relação constituída e construída no Oriente Médio pode ser analisada por esta perspectiva. A chegada do Estado de Israel consolida novas práticas pelos árabes. No processo de encontro, tanto o conflito quanto a própria nação e nacionalidade dos povos são construídas. Não menos importante, a própria relação é fundamentada e edificada a partir da identificação da ameaça por ambos os lados. Neste capítulo, será proposto um 18 Para mais informações ver em: GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991 & BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 2012. 19 GIDDENS, Anthony. Op. Cit. p.25. 20 Idem. Ibdem, p 49. 11 debate sobre o processo de construção da ameaça com base no sugerido por Buzan. Não somente a compreensão do outro se dá de forma reflexiva, como também, a própria orientação política e estratégica dos diferentes Estados da região. As disputas bélicas e diplomáticas ajudam na construção das representações que o outro materializa para o coletivo da região. Apesar de existir divergências entre os Estados árabes, a Liga árabe ao sancionar a negação ao Estado de Israel como uma das diretivas comum árabe exige do Estado de Israel a sua legitimação na região pelo viés bélico. Desta forma a identificação de ameaça se dá de forma reflexiva. O conhecimento do outro, segundo Giddens, não gera transparência e, sim, a alteração constitutiva da própria natureza que projeta novas direções. O estabelecimento do Estado de Israel e a atitude que o próprio Estado solidificou na região, como a construção de uma muralha de ferro conforme proposto por Jabotinsky21 para desestruturar, por exemplo, qualquer esperança palestina da construção de seu Estado gerou o enrijecimento do conflito e a necessidade de manutenção do mesmo. A reflexividade não é relativa à reflexão, e sim, autodissolução ou auto-risco intencional. Ela instaura no mundo a incerteza e o risco social, pois as dúvidas e as mudanças são criadas pelo próprio sistema. Neste sentido, ela é contraditória a ideia iluminista que não leva em consideração o próprio risco. Em alguns casos, a reflexividade é emancipatória e, em outros, cria a estratificação. Destaca-se que a liberdade para uns é a opressão para outros. No momento que os judeus, por exemplo, fugindo dos progroms22, se estabelecem na região da Palestina é observada a obtenção da liberdade deste povo. A ida para a terra de Sião era um retorno para os judeus, mas, por outro lado, para os palestinos era uma invasão. Enquanto um povo obtém a sua liberdade o outro a perde. Ulrich23 percebe que o motor na reflexividade tanto pode ser manifestado pelo conhecimento quanto pela falta do mesmo. O autor ainda pondera em relação ao conhecimento que se estabelece como irrefutável. Em 1973, o comandante Zeira 24, chefe da AMAN, inteligência militar israelense, achava que conhecia totalmente os árabes e que os constantes sinais de um possível ataque eram apenas blefes dos árabes. 21 Para maiores informações ver: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004. 22 Um progrom se caracteriza por um ataque violento a um grupo de pessoas que destrói as suas casas, locais de culto, negócios. O movimento usa, em geral, a violência contra os grupos minoritários e foi utilizado contra os judeus nos séculos XIX e XX. 23 BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Op. Cit. 24 RABINOVICH, Abrahan. The Yom Kippur War: The epic encounter that transformed the Middle East. New York: Shcocken Book, 2004. 12 Ao contrário do que o estrategista acreditava, tanto o Egito quanto a Síria haviam se equipado e estavam se preparando para iniciar um ataque surpresa ao Estado de Israel. A negligência relacionada à racionalização política, a estatização de uma imagem árabe e a própria falta de conhecimento foram atitudes negativas que quase levaram Israel a uma derrota em 1973. O conceito de dilema de segurança é um excelente mecanismo para a compreensão tanto da reflexividade quanto da consolidação do conflito na região. A questão bélica materializa o que é entendido como dilemas de segurança. O Estado, ao se estabelecer, deve defender e ser promotor de seguridade. A definição de dilemas de segurança é: dada a natureza caótica da conjuntura internacional, caracterizada pela ausência de uma ordem hierárquica estabelecida e internacionalmente reconhecida como legítima, os Estados tendem a adoptar medidas que fortaleçam as suas condições de segurança. No entanto, ao procederem desse modo, as nações inadvertidamente agravam os sentimentos de insegurança dos seus estados vizinhos, levando-os a adoptarem medidas que reforcem a sua segurança, e aumentam, desse modo, a instabilidade da conjuntura em que operam. Sendo assim, a busca individual por melhores condições de segurança e a contra resposta que essa busca estimula na parte de outros estados origina num ciclo vicioso de segurança-insegurança que leva à desestabilização da arena internacional e à diminuição das condições globais de segurança dos povos.25 A corrida armamentista e a obtenção da legitimação estatal pela supremacia bélica fazem parte das orientações políticas de diversos Estados contemporâneos26. Esse movimento norteia os demais Estados, devido à percepção de sua insegurança, a se provisionarem com suprimentos que possam garantir e aprimorar a sua segurança. Quando o Estado não é capaz de garantir esse provisionamento, ele fica vulnerável frente aos demais. Percebe-se como o dilema de segurança estabelece relações de reflexibilidade e como ele corrobora para a obtenção de poder entre as nações e seus respectivos Estados. 1.3 Poder e reciprocidade: meios para a constituição das capacidades estatais Destaca-se também o papel da reciprocidade e de suas estratégicas para a construção das relações entre os países. Existe um grande debate em relação à delimitação do termo que pode ser entendido tanto como um símbolo político quanto como um conceito. A sua relevância é originada pela sua capacidade de produzir e 25 GOMES, Francisco Manuel. Segurança e defesa: um domínio único?. Jornal da Segurança e Defesa. In: http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_txt.asp?id=439. Acessado em 15/8/2011. 26 A obtenção de poder pela questão material é uma premissa realista que será debatida mais a frente. Concorda-se que o poder bélico seja um mecanismo de poder mais ele não é considerado como o único mecanismo para tal. 13 manter a cooperação entre países egoístas. Seu escopo político é manifestado mesmo quando a cooperação não é tão evidente como, por exemplo, as relações entre URSS e EUA na Guerra Fria. Apesar de ambos os países estarem em uma relação conflitiva, existia um acordo político calcado na reciprocidade percebido pelo não enfrentamento bélico por ambas as potências. As relações de reciprocidade se estabelecem segundo a lógica Tic-for-Tac27: cooperação é respondida por cooperação e deserção por deserção. Para o objeto desta análise, a reciprocidade é um importe conceito para a compreensão da manutenção da segurança na região, assim como, para estimular acordos entre os estados egoístas. Segundo a proposta de Keohane28, a reciprocidade se manifesta de forma específica e/ou difusa. O primeiro caso diz respeito à troca estabelecida entre dois atores de itens de valor equivalente em uma sequência estrita e delimitada. Neste caso, se alguma limitação existir, ela é originária da própria especificidade da relação dos atores envolvidos. No segundo caso, em contrapartida, a equivalência é menos precisa, assim como, a sequência das ações estabelecidas. A reciprocidade difusa é formada por relações multilaterais onde as obrigações dos partícipes é mais delimitada. Neste tipo de reciprocidade, existe a necessidade de um acordo em relação ao comportamento dos próprios atores e um senso maior de obrigação para seguir as relações estabelecidas. Para Keohane, apesar da dificuldade de qualificar a reciprocidade, ela se manifesta através de duas dimensões fundamentais: a contingência e a equivalência. No primeiro caso, a reciprocidade é mantida pelas ações de contingências recíprocas estabelecidas pelos atores. No momento em que há a cessação das expectativas, as relações de reciprocidade têm um fim. As trocas estabelecidas pela reciprocidade nem sempre são equivalentes, tendo em vista que ela não é livre de poder. As relações podem ser estabelecidas por trocas igualitárias calcadas na expectativa e em relações desiguais que trocam valores não comparáveis. Marc Bloch percebe como as relações entre a vassalagem europeia era, sobretudo, calcada em obrigações desiguais de reciprocidade entre as partes. Em geral, as relações específicas estabelecem maior equivalência entre as partes. As relações de reciprocidade lida com as regras de compliance29 e com a reputação dos Estados/instituições quando as diretivas são rompidas. Quando a natureza 27 KEHOANE, Robert O. Reciprocity in International Relations. In: International Organization, Vol 40, Issue I, 1986, pp. 1-27. 28 Idem. Ibdem. 29 O compliance diz respeito à capacidade dos agentes de agirem de acordo com as regras e com as normas. 14 da reciprocidade é alterada, em geral quando ocorre um ruído entre as partes, a resposta também é estabelecida de forma distinta. Para este estudo, entende-se que tanto a reflexividade quanto a reciprocidade são mecanismos importante para a compreensão das ações de ambos os lados. Israel e os países árabes calcam as suas relações como respostas as ações do outro de forma recíproca e reflexiva seguindo a lógica Tic-ForTac e são estimulados, através de acordos estabelecidos pela ONU, por exemplo, a consolidar relações de reciprocidade sem consolidar relações de cooperação entre os Estados30. As violações da reciprocidade são também foco de estudo, pois ela pode gerar uma grande alteração de um estágio de cooperação para um ciclo conflitivo entre as partes. Quando ocorre um erro interpretativo da ação alheia, o ruído nas relações entre os Estados também assumem outra natureza. As organizações, como a ONU, OPEP e a Liga Árabe, têm um papel bastante importante para a conquista da reciprocidade, justamente por reduzir os custos de uma ação que não seja condizente com a própria normativa. Os acordos armistícios de 1949, por exemplo, delimitaram a capacidade de atuação de Israel e dos países árabes fronteiriços no momento posterior a guerra de independência israelense. A violação das diretrizes do acordo, além de possibilitar a intervenção, pode ainda reduzir o comprometimento com a própria lei internacional. Nos momentos de guerra, é possível perceber manifestações da reciprocidade difusa, em especial, pelas leis humanitárias internacionais. Essa tenta regular a condução dos militares durante um conflito na tentativa de limitar a destruição completa das partes. Além da reciprocidade estatal, no contexto de uma guerra deve-se, também, pensar no papel do soldado e os desafios vivenciados pelo mesmo. Conforme defendido por Hobsbawm, a Primeira Guerra Mundial instaura o conceito de guerra total31. A guerra total, segundo o autor, são enfrentamentos longos, com alta taxa de mortalidade, invasão territorial e com um largo número de nações envolvidas. Ao contrário dos embates ocorridos anteriormente, na guerra total, a população civil, os espaços urbanos, a economia, a melhoria dos equipamentos militares têm novas nuances. Tendo em vista essa nova tipologia de conflito, a lei humanitária internacional estabelece áreas que devem ser ponderadas no momento do conflito como: 1. Bombardeiros aéreos; 2. 30 Destaca-se as seguintes resoluções da ONU para a construção da paz na região: acordos armistícios de 1949, Resolução 242 que foi sancionada após a Guerra de 1967, Resolução 338 ratificada após os conflitos de 1973 entre outros. Além das mediações feitas pela ONU entre árabes e israelenses, a ONU regulou ações individuais dentro do próprio bloco árabe. 31 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 15 Acordos armistícios e cessar fogo; 3. Armamento químico e biológico; 4. Tratamentos dos civis; 5. Proteção à propriedade cultural; 6. Condução dos mares; 7. Prisioneiros de guerra; 8. Declaração de guerra e; 9. Tratamento dos feridos. Todas essas áreas são desafios, não somente aos Estados, como também aos soldados que devem pensar nas suas ações e decisões no próprio campo de batalha. A violação das regras de reciprocidade, como já dito, pode ferir a reputação dos países. Dentro do campo de batalha, a lógica de reciprocidade sai do escopo somente do Estado passando também para a responsabilidade dos próprios soldados exigindo que os mesmos cumpram as diretivas ratificadas pelo Estado. O uso assimétrico da força pelos soldados é de responsabilidade do individuo e do Estado que responderá pelo mesmo em caso de processos internacionais. Outro tópico relevante para esse trabalho é o poder que tem um papel central para a compreensão das relações internacionais e foi objeto privilegiado dos estudos da corrente realista32 que o percebe como a habilidade de um ator usar os seus recursos materiais, em especial, a capacidade bélica e econômica, para coagir os demais atores a fazer o que normalmente não o fariam. A conceitualização é relevante, contudo, o poder e as formas como o mesmo se manifesta são mais abrangentes que a proposta que leva em consideração somente a questão materialista. O conceito vem ganhando diferentes explicações de diferentes correntes que percebem novas formas e mecanismos do poder atuar no seio da sociedade. Para os neoliberais33, por exemplo, as instituições devem ser também levadas em consideração, pois elas vêm adquirindo um importante papel nas sociedades modernas e contemporâneas. As instituições propõem comportamentos e padrões normativos restringindo o comportamento individual. Sua criação se dá por meio de complexos processos de negociação entre as partes e tem como finalidade a redução de custos contratuais que se mostraram presentes, sobretudo, no momento em que a sociedade passa a realizar trocas comerciais exteriores e relações diplomáticas cada vez mais abrangentes. As instituições, nesse sentido, garantem um menor custo de transação 34 32 As principais premissas realistas se calcam nas concepções de hegemonia, balança de poder e alianças para compreender a estabilidade internacional. 33 BUENO, Newton Paulo. Lógica das ações coletivas, instituições e Crescimento Econômico: Uma Resenha Temática sobre a nova Economia Institucional. In: Revista Economia, Brasília (DF), v.5, n.2, p.361–420 jul./dez. 2004 34 As instituições são criadas em meio a complexos processos de negociação e reduzem possíveis riscos contratuais que podem ocorrer quando os indivíduos atuando com a sua racionalidade limitadas e propensos a agir de forma oportunista estão realizando um empreendimento conjunto. As instituições garantem, sobretudo, a confiança entre os atores para que acordos sejam firmados e estabelecidos. No inicio das trocas comerciais entre países havia o risco em relação ao cumprimento do contrato e a qualidade da mercadoria recebida. Como resultado dessa instabilidade, as 16 entre as partes e configuram novas redes de cooperação e novas tipologias para entender as formas como o poder se caracteriza. Destaca-se, para este estudo, o papel da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Liga Árabe (LA). Ambas as organizações, além de cooperarem, estabelecem ambientes de disputas onde as restrições se estabelecem pelas manifestações de poder nos aspectos culturais, econômicos e militares. Para este trabalho, o poder foi analisado conforme a proposta de Barnett e Duvall35 que percebe o mesmo através de uma taxionomia que amplia os seus significados. A supremacia bélica utilizada é condizente com a concepção clássica realista, contudo, o petróleo não é um elemento imbuído de poder per si. Na conjuntura de 1973, os países árabes passaram a utilizá-lo para aumentar a sua capacidade de barganha frente à comunidade internacional. Percebe-se como é necessária uma compreensão mais abrangente do conceito que é basilar para o entendimento das relações e jogos entre atores em uma situação de interações como aqui pretendidas. Para uma melhor compreensão das múltiplas formas de manifestação do poder, é fundamental, segundo Barnett & Duvall 36, que se leve em conta as interações sociais estabelecidas entre os atores e suas especificidades. O Estado de Israel se legitimou no Oriente Médio por supremacia estratégica e uso da força bélica nos diversos embates ocorridos na região. No contexto da guerra, o vencedor tem o maior poder de barganha no momento posterior ao conflito aonde a diplomacia necessita atuar para estabelecer diretrizes e arranjos para a promoção da paz ou de acordos de cessar fogo. Nesse caso, as interações sociais se manifestam de forma específica e como uma resultante de uma situação peculiar. O poder pode se manifestar em dois tipos de relação social, a saber: as de interação ou as de constituição37. No primeiro caso, o poder é quase um atributo e se apresenta por meio de relações onde o papel dos atores já é pré-constituído, como por exemplo, na relação existente entre um chefe e seu funcionário. Já nas relações de poder de constituição, o poder é configurado pelas especificidades das relações sociais que são responsáveis por produzirem determinado tipo de ator e, consequentemente, as suas capacidades de decidirem em relação ao seu destino. As relações de interação instituições são criadas tendo como objetivo o compartilhamento e redução dos riscos propostos por essa forma de trocas comerciais. 35 BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Power in International Politics. In: International organization 59, Winter 2005, pp. 39-75. 36 Idem. Ibdem. 37 Idem. Ibdem. 17 fundamentam o poder sobre enquanto as relações de constituição origina o poder de. Da mesma forma que a questão bélica, no Oriente Médio, é percebida como uma resultante de um processo específico, o petróleo também o é. A utilização deste recurso enquanto instrumento estratégico deve ser ponderado, sobretudo, em relação aos mecanismos adotados pelos atores árabes para embasarem suas ações políticas de forma a consolidar uma crise mundial relacionada ao fornecimento de energia em uma conjuntura onde havia a dependência mundial de sua produção. 1.3.1 Especificidades do encontro que estabeleceram o petróleo como uma ferramenta estratégica O petróleo é um instrumento de poder de constituição e pode ser utilizado como tal devido a uma nova conjuntura estabelecida a partir de 1970. Até 1940, os Estados Unidos eram responsáveis por 63% da produção mundial, enquanto a Península Arábica, Irã e Iraque produziam apenas 5%38. Durante a Segunda Guerra, por conta da crescente dependência do óleo, inclusive para a indústria bélica, o petróleo foi reconhecido como um recurso estratégico sendo fundamental para a manutenção do poderio internacional e nacional. Os Estados Unidos, por ser o maior produtor durante a Segunda Guerra, provisionaram todos os recursos para seus aliados tendo desempenhado uma peça chave para a manutenção do controle desta commodity no cenário internacional. A possibilidade de que os EUA virassem importadores de petróleo traziam questões graves a sua segurança e a segurança mundial. No pós-guerra, os países produtores de petróleo começaram uma disputa concernente à obtenção de sua soberania39 e em prol de sua construção nacional em relação aos estrangeiros considerados colonizadores destes países40. Os movimentos pró-nacionalistas dos países produtores que haviam consolidado sua indústria de petróleo pelo sistema de concessões conseguiram que, até 1972, a produção americana de petróleo declinasse de 64% para 22%. Neste período, de cada dez barris produzidos, sete eram provenientes do Oriente Médio. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era também uma grande produtora do recurso e tinha ambições de comercializá-lo internacionalmente, contudo, o ambiente da Guerra Fria restringia a capacidade comercial soviética. 38 YERGIN, Daniel. O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder. São Paulo: Paz e Terra, 1992. Neste capítulo será estruturado um debate mais profundo em relação ao conceito de soberania. 40 As lutas pelo fim das colonizações começaram no Oriente Médio no século XIX e foram mais exacerbadas depois da década de 1940. Os movimentos nacionais serão debatidos no segundo capítulo deste trabalho. 39 18 De 1949 até 1972, o total mundial do consumo de petróleo triplicou. A dependência do recurso foi estimulada por seu baixo preço e pela impulsão e desenvolvimento da indústria petroquímica e dos derivados do óleo como, por exemplo, o plástico. A diversificação do uso do petróleo tornou ainda mais complexa à dependência do recurso. Em 1967, com a iminência da Guerra dos Seis Dias, o Egito, sob a égide da Liga Árabe, conclamou o uso do petróleo enquanto recurso estratégico para pressionar os países que estavam apoiando Israel, contudo, a tentativa foi seletiva e as indústrias não eram ainda nacionalizadas. Em 1967, o embargo somente reduziu a receita dos países produtores. A conjuntura havia se alterado em 1970, pois, além da franca expansão do uso do petróleo, houve a redução da margem de segurança, em especial, dos EUA como fornecedor mundial41. Nesta conjuntura específica, seguindo a proposta de Barnett e Duvall 42, é possível analisar os mecanismos que possibilitaram o uso do petróleo enquanto instrumento de barganha que estabelecem um caso de poder de. Para os países aliados a Israel, que foram afetados pelo embargo, e para o próprio Estado judaico seria fundamental que o Israel ganhasse militarmente o confronto. Desta forma, haveria uma nova relação de constituição sendo edificada no momento do encontro entre os atores. Para a melhor compreensão do conceito, faz-se necessária à consideração das estruturas que modelam à capacidade dos atores de controlar seu destino, assim como, a percepção da forma como essas estruturas geram capacidades sociais distintas que balizam diferentes interesses e ideais. O poder é uma produção que se constrói, portanto, dentro e através de diferentes relações sociais. 1.3.2. Os quatro tipos de poder propostos pela taxionomia e as possibilidades das suas manifestações do Oriente Médio Além dos tipos de relações sociais que o poder se manifesta, os autores propõem a ponderação em relação à especificidade do mesmo. Dentro de cada tipo de relação social o poder pode agir de forma direta ou de forma difusa entre os atores. O cruzamento dos tipos de relação e as suas especificidades resultam na taxionomia de 41 Em 1970, Kadafi assume o poder líbio e, inspirado em Nasser, o líder preconizava a questão nacional. O petróleo líbio era doce e ainda tinha uma redução no preço do transporte por estar no Mediterrâneo. O líder conseguiu aumentar a margem de lucro líbio em relação ao petróleo e tal mudança alterou o paradigma dos sistemas de concessão e da busca pela soberania árabe frente ao seu recurso. Após a ascensão de Kadafi e o aumento da margem de lucro líbio, a OPEP endossou a taxa mínima de 55% dos lucros e ameaçou um corte de fornecimento caso as exigências não fossem cumpridas. 42 BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Op. Cit. 19 poder proposta pelos autores. Esta propõem quatro formas para se compreender o poder: 1. Poder compulsório; 2. Poder institucional; 3. Poder estrutural e 4. Poder produtivo. O poder compulsório é o resultado do cruzamento de uma relação social que atua por mecanismos de interação de forma direta. Nesse sentido, o ator A atua diante do ator B por meio de uma posição pré-constituída que age de forma direta. Para se qualificar enquanto poder compulsório A e B devem divergir, pois caso contrário B não será compelido a atuar de acordo com as diretrizes de determinadas por A. A questão material está presente nesse eixo tipológico, contudo, o poder compulsório não pode ser ponderado somente pela questão material. Ele deve ser pensado também em relação à questão simbólica. Existem múltiplos mecanismos para que esse poder compulsório se manifeste. O poder institucional é qualificado por relações de interação de forma difusa. Nesse caso, o controle de A sobre B é exercido de forma indireta. O poder é percebido pelos arranjos institucionais estabelecidos. A só afeta o comportamento de B pelos acordos institucionais que limitam a restringem a atuação de B. Os maiores produtores de petróleo do Oriente Médio não estavam em conflito direto com Israel no período analisado. Institucionalmente, a questão palestina e o conflito com o Estado judeu, se tornam uma questão árabe devido às diretrizes sancionadas pela LA. Nesse sentido, mesmo contra vontade43, os países produtores árabes e persas se sentem compelidos a apoiar a causa palestina. Para este tipo de poder, deve-se levar em conta à própria normativa da Liga Árabe (LA) que demanda o cumprimento das normas estabelecidas entre os atores, já que, elas se baseiam na reciprocidade entre os Estados. O poder estrutural, por sua vez, é estabelecido através de relações de constituição de forma direta. A posição estrutural define que tipo de ser social que o ator é. Por isso, essa forma de poder diz respeito tanto a posição social dos atores quanto determinam suas capacidades e interesses. Nessa configuração de poder, A só existe devido à posição estrutural de B. O exemplo utilizado para ilustrar a relação de constituição é ainda melhor entendido quando este é alocado na ótica do poder estrutural. Devida à perda da capacidade produtiva dos Estados Unidos, os países industrializados estavam em sua maioria vulneráveis as sanções da OPEP. A dependência e vulnerabilidade dos países importadores perante os países produtores 43 Não existia um consenso entre os países árabes e persas em relação ao embargo. Havia uma divergência de diretivas que foram unificadas pela normativa da Liga Árabe. 20 ilustram com precisão o poder oriundo do petróleo sendo resultante da posição estrutural que ambos os países assumiam pela especificidade do encontro. Por fim, o poder produtivo é um poder estabelecido por relações de constituição de forma difusa. Tanto o poder estrutural quanto o produtivo não são controlados por um ator específico. Ambos se ligam a capacidade socialmente produzida e modelam o entendimento dos atores. O poder produtivo está presente no sistema de conhecimento e nos discursos sociais saindo do escopo da estrutura e atuando no sistema de significados sociais em si. Por se tratar de um poder relativo ao discurso, o poder produtivo gera identidades sociais e em suas fronteiras. Para esse tipo de poder cita-se como exemplo o próprio Islã e o Judaísmo. Dentro da LA, por meio do uso do dispositivo e religioso, os países são compelidos a seguir as normas estabelecidas dentro da própria instituição. O judaísmo age da mesma forma para aqueles que se reconhecem dentro do sistema de significados. No caso Israel e do mundo árabe, em especial, em relação aos palestinos, esses processos são enaltecidos pela interação estabelecida historicamente que constitui esses povos pelo próprio encontro. A LA tem um papel bastante peculiar, pois existe a disputa relativa à construção das normas e tradições a serem seguidas pelo coletivo árabe. É possível perceber pela análise da instituição como os poderes podem operar juntos e como são modelados pelo próprio encontro. O estabelecimento da LA colocou os países árabes em um constante processo de negociação das suas normas que são representativas tanto dos seus interesses enquanto indivíduos quanto de suas identidades. A criação e regulação destas normas ocorrem numa briga dos atores para legitimarem suas opiniões, pois a definição das normas é um exercício de poder e um mecanismo de controle social. A construção das normas não significa necessariamente um sinal de cooperação e sim do estabelecimento de relações que possibilitam reciprocidade das ações. A LA se manifesta através de um poder simbólico que permite que um líder possa controlar a política externa dos demais países através dos dispositivos gerados pela própria instituição. Quanto mais um líder consegue controlar a política externa dos demais países, mais ele se legitima dentro da instituição que aprimora o dispositivo cultural utilizado pelo mesmo. No âmbito da LA, existe uma forte rivalidade entre o desejo de uma ordem regional, normas do arabismo e as suas identidades enquanto árabes. A LA será mais bem debatida no segundo capítulo deste trabalho. 21 1.4 Segurança Partilhada e Soberania: o caso do Oriente Médio A LA interfere também na soberania dos países árabes que devem abdicar, por alguns momentos, de suas vontades nacionais em prol dos objetivos estabelecidos pela instituição. Quando alguns líderes iam contra as diretivas da Liga, eles eram questionados em relação a sua própria constituição enquanto árabe. Diante desses desafios que a soberania apresenta Krasner44, em seu livro intitulado Soberania: uma hipocrisia organizada, questiona o papel da soberania na conjuntura internacional globalizada. O conceito de soberania se estabelece como um conceito de interesse deste trabalho. Para melhor compreensão do termo, Krasner reconhece o uso e existência de quatro formas da soberania de manifestar, a saber: 1-soberania legal internacional que é entendida como reconhecimento mútuo estabelecido usualmente entre territórios juridicamente independentes. Ela depende tanto da autoridade quanto na legitimidade dos Estados; 2-soberania westfaliana se caracteriza pela exclusão de forças externas na política nacional. Assim como a soberania legal internacional, ela se embasa tanto na autoridade quanto na legitimidade dos Estados; 3- soberania doméstica está relacionada à organização formal da autoridade política junto o Estado para exercer controle de suas fronteiras. Este tipo de soberania é respaldada tanto na autoridade quanto no exercício de controle; e, por fim, a soberania dependente que está sujeita somente ao controle do Estado e é percebida como a habilidade das autoridades de regular informações, ideias, bens, pessoas, poluentes ou capital através das suas fronteiras. No cenário internacional, existem formas de violar os diferentes tipos de soberania. A soberania internacional é reconhecida como um importante instrumento político e se manifesta, por exemplo, no caso Israel-Palestina45. O não reconhecimento por ambas os lados de sua soberania legal internacional é uma forma de consolidar uma disputa que visa à legitimação e a obtenção de territórios pelo não reconhecimento do outro em relação ao seu direito enquanto entidade nacional. O caso Israel-Palestina é um conflito ideológico e reflexivo, pois cada vez mais as ações de ambos os lados vão consolidando e configurando as identidades nacionais do outro. Assim como Peter 44 KRASNER, Stephen D. Sovereignty: organized Hyprocrisy. New Jersey: Princeton Press, 1999. Depois da conferência de Catrum, os países árabes como um todo estabeleceram a diretiva do não reconhecimento do Estado de Israel. Isso demonstra, sobretudo, os usos políticos que este tipo de soberania possibilita. Para mais informações, ver anexo 3. 45 22 Demand46 propõem, existe a necessidade de reconhecer os paralelismos estruturais que formam os movimentos nacionais em ambos os lados. O reconhecimento enquanto entidade política no sistema internacional é pleiteada por todos os países e governantes. Diz-se governantes, pois existem casos específicos aonde ocorre o reconhecimento do governo e não necessariamente do Estado. A lei básica da soberania legal internacional é que o reconhecimento é estendido às entidades e Estados com jurisdição autônoma, por isso, esse tipo de soberania vem sendo usada constantemente como um mecanismo político. Krasner ressalta que “a frequência e efetividade do uso do reconhecimento como um instrumento político depende tanto da distribuição de poder e a amplitude do conflito ideológico” 47. É possível tecer importantes reflexões sobre a questão palestina-israelense e as questões relativas ao poder. O não reconhecimento do Estado palestino apresenta uma questão bastante importante que é a impossibilidade de formar um exército nacional. A causa palestina se tornou, em especial, após o final da década de 1950 e início da década de 1960, uma causa árabe. Ao longo dos conflitos os palestinos dependiam da força militar dos demais países árabes ou então do uso de forças não legitimadas pelo Estado. Por ser um país que se saiu vitorioso durante todos os embates estabelecidos no Oriente Médio no período, Israel tinha um maior poder de barganha. Neste sentido, conseguia legitimar-se frente, sobretudo, aos palestinos que foram representados pelos demais países árabes nas rodadas de negociação. O não reconhecimento da soberania legal internacional palestina foi proposta até final da década de 1950 inclusive por alguns países árabes48. No momento da declaração de independência israelense, por exemplo, os países árabes, considerando o problema palestino como uma causa árabe, foram ajudar os seus correligionários. Contudo, eles transmutaram parte das rivalidades internas da própria Liga recém-fundada para o campo de batalha aonde agiram muito mais de forma autônoma do que coletiva. Além de uma falta de confiança, os países árabes fronteiriços a Israel que atuaram na causa palestina estavam conquistando e construindo suas nações. Neste sentido, estava sendo constituídas as soberanias e as representações dos seus próprios líderes. Não havia ainda um exército bem estruturado em relação às estratégias militares 46 DEMANT, Peter. Identidades Israelenses e Palestinas: questões ideológicas. In: DUPAS, Gilberto; VIGEVANI, Tullo (org). Israel-Palestina. A construção da paz de uma perspectiva global. São Paulo: Unesp, 2002. 47 KRASNER, Stephen D. Op. Cit. p. 15. 48 Para mais informações ver: SHEMESH, Moshe. The Palestine Entity 1959-1974. London: CASS, 1996. 23 e ao potencial bélico. Para os israelenses houve um maciço investimento no exército que garantiam tanto soberania e poder ao Estado judaico. A soberania internacional é bastante atrativa, pois o reconhecimento permite que os Estados estabeleçam acordos entres si reduzindo assim o grau de incertezas. O não reconhecimento, por sua vez, freia investimentos, contratos e possíveis cooperações com empresas internacionais. Para os líderes, o estabelecimento de acordos e a garantia da possibilidade da concretização dos mesmos pode ainda aumentar sua reputação e a sua habilidade de continuar no poder, além de, promover segurança e melhoramento econômico do país. Percebe-se a importância desse tipo de soberania para os chefes em relação a sua legitimação. O reconhecimento da igualdade e autonomia jurídica dos Estados ainda é uma premissa, apesar de não garantirem a integridade territorial dos Estados, fundamental para que lideres se comprometam voluntariamente a aspectos da soberania westfaliana. A soberania westfaliana é violada pela assimetria de poder entre os Estados. Além disso, os direitos humanos, direitos da minoria, responsabilidade fiscal e o desrespeito às normas estabelecidas internacionalmente podem gerar também a violação deste tipo de soberania. Assim como a soberania internacional, a soberania westfaliana pode ser usada para angariar poder e frutos políticos. No contexto da guerra de 1967, as forças de paz da ONU foram retiradas do território egípcio no momento do planejamento do confronto a ser estabelecido na região. As forças de paz de ONU foram destinadas ao local no pós-guerra do canal de Suez e conforme acordado com o Egito, assim como com os demais países da região, elas saíram assim que uma das partes pedisse a retirada. Apesar de sair da região após o pedido, havia a violação da soberania wesfaliana. Nem sempre os Estados têm a oportunidade de controlarem as instituições que estão agindo no seu território como, por exemplo, no caso das empresas concessionárias de petróleo. Foi necessária uma luta política por parte dos países árabes para que o controle estrangeiro de sua produção e violação de sua soberania fosse revista. A OPEP se consolida como uma importante organização para a conquista da soberania de sua produção. Os dois princípios que a norteiam são a territorialidade e a exclusão dos atores externos da estrutura doméstica. Ocorre a violação desse tipo de soberania quando atores externos determinam a estrutura interna de um país. No caso estudado, existe uma infinidade de exemplos como: as guerras e as decisões tomadas no momento do pós-guerra, a própria questão petrolífera para os países que sofreram as sanções, a 24 atuação da Liga e a questão palestina. A Guerra dos Seis dias possibilitou conquista por parte israelense de uma grande extensão de terras árabes. Houve uma recusa, no momento da negociação, da devolução das mesmas estabelecendo, assim, uma violação da soberania wesfaliana. Cabe lembrar que dentre as conquistas realizadas pelo Estado judeu foi à parte oriental de Jerusalém que estava sobre domínio jordaniano. A violação desse tipo de soberania não é somente estabelecida por questões de coerção e de uso do poder. Algumas vezes, a intervenção é feita através de convites ou por aspectos voluntários. Em geral, a literatura não aponta muitas ocasiões aonde os governos conclamam por intervenção externa, pois isso demonstra o enfraquecimento do poder do líder ou das instituições. Além da fragilidade do poder, os outros tipos de soberania podem estar ameaçados pela fragilidade do Estado. Para que a soberania westfaliana esteja presente faz-se necessário a existência de territórios delimitados e específicos aonde às políticas domésticas são legitimas. Krasner49 aponta quatro formas que os desvios das normais institucionais e das regras podem ocorrer: por meio de convenções, contratos, coerção e imposições. Tanto os contratos e convenções são acordos voluntários aonde existe o melhoramento do equilíbrio de Pareto50 entre os atores. Na coerção, o alvo pode escolher em regular as restrições sofrendo sanções e não existe a possibilidade de melhoramento de Pareto. A imposição não dá escolhas ao país alvo da medida. Ela se estabelece, sobretudo, quando os interesses são divergentes e existe a assimetria de poder. A soberania frente à produção do petróleo não veio junto com a obtenção das soberanias nacionais dos países produtores do Oriente Médio. O petróleo da região começou a ser explorado ainda no início do século XX e foi, até a década de 1970, produzido pelas empresas internacionais que haviam consolidado acordos de concessão com os governos árabes. O sistema de concessão retirava do Estado donatário do recurso qualquer controle de produção, capacidade de exercer sua soberania e até a possibilidade de estabelecimento do preço no comércio internacional. No início da exploração da commodity, devido ao alto custo inicial do investimento e do risco da 49 KRASNER, Stephen D. Op. Cit. O conceito conhecido como ótimo de Pareto advém da economia. Segundo Vilfredo Pareto, uma situação econômica é ótima quando não é possível melhorá-la sem degradar a situação do outro. Um ponto importante do conceito é que ele não está necessariamente condicionado a aspectos socialmente aceitáveis ou benéficos. A concentração de renda não gera igualdade mais pode ser um ótimo de Pareto. Por outro lado, o equilíbrio de Nash estabelece que em uma combinação de estratégias não exista possibilidade de melhoria do resultado individual caso os demais membros não alterem também a sua estratégia. O equilíbrio de Nash se qualifica pela melhor escolha em relação à estratégia dos demais atores, sendo assim, as condições ótimas para um jogador depende das estratégias de todos. Os jogadores não obtêm, pelo equilíbrio de Nash, o melhor lucro possível, mas sim o melhor lucro resultante das escolhas dos demais jogadores. 50 25 extração somado a falta de especialistas árabes na área, o sistema de concessão era um meio pelo qual os árabes teriam para aumentar a sua economia nacional e possibilitar a constituição da indústria do petróleo em seu território. Com o aumento da demanda e dos lucros originários pela comercialização do recurso, os países árabes, a partir da década de 1950, começaram a defender e almejar a nacionalização dos poços51 que foi conquistada somente na década de 1970. Os EUA, após as nacionalizações do Oriente Médio, haviam perdido a capacidade de influenciar o mercado mundial de petróleo. Por conta das nacionalizações e da crescente dependência do mundo frente ao recurso, os EUA, assim como demais países industrializados, estavam vulneráveis e dependentes do petróleo do Oriente Médio. Conforme estabelecido pela Liga e ratificado pela OPEP, os Estados que apoiassem Israel sofreriam sanções e restrições em relação à compra do recurso. Além de um exercício de poder, foi também uma tentativa de ruptura da soberania westfaliana por parte dos países árabes aos países favoráveis ao Estado judeu. A crise do abastecimento trouxe instabilidade e insegurança e cada país experimentava a crise de uma forma distinta. Fontes energéticas alternativas como o xisto eram possibilidades, contudo, o projeto demandava um alto investimento e tempo. A própria crise mudou o comportamento dos países ocidentais frente a si mesmos e frente ao Oriente Médio. A busca pelo recurso na conjuntura de crise ocasionou o afastamento dos países europeus dos Estados Unidos. Os primeiros acusavam os EUA de serem beligerante, enquanto, o segundo acusava a Europa de ser bajuladora. Apesar da política do embargo estar direcionada aos países industrializados diretamente, foram os países em desenvolvimento que mais sofreram no período. O alto preço do barril de petróleo desestabilizou a economia local desses países que não conseguiam adquirir a mercadoria. As nações industrializadas e as que estavam se industrializando tiveram sua soberania diminuída, sua política limitada e sua segurança atacada com o embargo. Além do embargo, o exercício da soberania pelos países árabes pode ser percebido mesmo em 1967, quando a Síria e o Egito fecham os portos para evitar ou dificultar o escoamento do petróleo. Tal atitude é uma forma de exercer a soberania doméstica e westfaliana. O mesmo procedimento havia sido utilizado pelo Egito no momento anterior ao confronto ocorrido em 1956 quando, após a consolidação do 51 O processo de nacionalizado foi realizado em diferentes momentos pelos países. Em 1951, no Irã, Mossadeq tenta a nacionalização dos poços de petróleo, contudo, a tentativa não foi bem sucedida. Como resultado, o Xá Pahlavi, apoiado pelos países ocidentais, é nomeado líder Iraniano até a sua deposição em 1979. 26 governo dos Oficiais Livres, o Canal de Suez é fechado para a livre passagem dos navios. Vale ressaltar a importância estratégica do canal que ficava sobre jurisdição e soberania egípcia. Após o confronto, devido à vitória israelense, o canal deveria ficar aberto para o livre tráfego marítimo, assim como, forças de paz da ONU deveria ser alocadas na região. Depois das derrotas nas guerras de 1948 e 1956, os países árabes do Oriente Médio começaram uma grande corrida armamentista. O Egito tentou comprar armas americanas que só realizariam a venda caso fosse concretizado um pacto de defesa entre os dois países. A proposta não foi bem recebida pelo Egito que acabou realizando seu contrato para compra de armas com a URSS. Depois das derrotas, os países árabes necessitam de uma vitória que poderia ser alcançada tanto pela supremacia bélica quanto pelo uso do petróleo. Devido à morte de Nasser e saída de um líder que tentava romper com a soberania dos demais países árabes, o Egito, liderado por Sadat, conseguiu estabelecer novas possibilidades de cooperação com os demais países árabes. Havia a recusa israelense em devolver parte dos territórios conquistados em 1967 que ficaram sob sua soberania e que, segundo seus líderes, consolidavam fronteiras defensáveis. Para que houvesse a alteração da balança de poder na região por meio da qual os países árabes pudessem alterar os rumos das negociações para a retomada dos territórios com os israelenses, seria necessário que eles fossem vitoriosos em um confronto com o Estado judeu. Vale ressaltar que os países fronteiriços, caso atacassem juntos o Estado judeu, representaria um sério desafio para o Israel que precisaria de um grande contingente e de uma excelente estratégia para se defender de forma mútua dos múltiplos fronts de batalha. Em 1973, os israelenses acreditam na sua superioridade bélica e na incapacidade árabe em se renovar. Devido à recusa em reconhecer a humilhação ocorrida em 1967, os países árabes investiram na melhoria de suas forças armadas tanto em relação ao contingente quanto em relação aos recursos bélicos. Os pontos relativos à obtenção de poder e a consolidação de suas soberanias tanto por Israel e quanto pelos países árabes se configuram como pontos fundamentais para o entendimento das políticas estabelecidas por ambos. Deparam-se também com questões relativas à segurança e defesas nacionais. Existem múltiplas visões do que é segurança e a relatividade do conceito é mensurada em relação à centralidade do Estado, das forças militares e dos setores públicos pelos os teóricos do tema. Apesar de 27 diferentes pontos de análise, o entendimento comum dos grupos é de que a segurança diz respeito à proteção contra as ameaças externas aos interesses fundamentais e valores básicos do Estado. Ela só é um problema político quando se tem uma ideia clara sobre as ameaças e vulnerabilidades do Estado que deve, portanto, para garantir a sua segurança, reduzir as suas vulnerabilidades ou enfraquecer suas ameaças. Neste caso, a política deve ser direcionada tanto para dentro (para enfraquecer as vulnerabilidades) quanto para fora (em relação às ameaças). A concepção é criticada, em especial, por aqueles que analisam, como Ayoob, os países em desenvolvimento e que percebem o binômio como sendo relativo e representativo dos países ocidentais ou já desenvolvidos. Para países em desenvolvimento, os dilemas para a segurança são voltados para dentro do país como, por exemplo, crime organizado, baixa coesão social e enfraquecimento do Estado. Para Ayoob52, o processo de formação do Estado (State Biulding) é inseparável e está interligado à sua segurança. Os países em desenvolvimento estão, desde a sua descolonização, empenhados na própria formação dos Estados, já que, devido à baixa coesão e a necessidade de legitimar-se internamente, solidificam as vulnerabilidades no seio e no centro do próprio Estado. Tilly apud Rudzit e Nogami53 entende que o Estado é a fonte da violência organizada e os agentes do Estado devem agir em quatro frentes distintas, a saber: fazer guerra; formar o Estado; proteger a população e; extrair riquezas. Neste sentido, os autores apontam que: [...]o processo de State Building pode ser descrito como o processo pelo qual o Estado não somente cresce economicamente e mantém a coerção governamental, mas também tem poderes políticos e institucionais, resultando no controle central do seu território e população, como o monopólio legítimo sobre os meias de violências dentro das fronteiras, e a capacidade de permear significativamente a sociedade que é englobada por este Estado. 54 Além de o conceito ser relativo à própria formação do Estado, ele também diz respeito a todos os processos que envolvem a própria formação nacional (Nation Building). Como evidenciado na citação, a segurança diz respeito ao território, às instituições e àqueles que representam a territorialidade e institucionalidade do mesmo. 52 AYOOB, Mohammed. Regionall Security in the Third Worls. Austrália: Croom Helm, 1986 RUDZIT, Gunther& NOGAMI, Otto. Segurança e Defesa nacional: conceitos básicos para uma análise. In: Revista Brasileira de Política internacional. 53 (1): 5-24, 2010. 54 Idem. Ibdem. 53 28 Autores oriundos da Escola de Copenhague55 vêm percebendo a segurança como uma construção feita socialmente. Existem práticas intersubjetivas onde o securitizador, para estabelecer a sobrevivência de uma unidade, preconiza a existência de uma ameaça. Para Buzan56, não é possível medir a segurança de forma objetiva, pois mesmo a entrada de um tanque em um determinado território é resultante de uma hostilidade que fora construída de forma não objetiva. As fontes de ameaça são resultados das construções sociais e, por isso, analisar conceito “ato de fala”57 é fundamental para a escola. Os discursos estabelecidos para definir ameaças não são necessariamente aceitos de forma imediata. Faz-se necessário que o discurso seja socialmente aceito a ponto de se justificar a quebra das regras políticas para o contrabalanceamento das ameaças. O “ato de fala”, além de ser utilizado para conclamar o uso da força, é também uma forma do Estado de se mobilizar e de invocar poderes especiais para lidar com uma ameaça existente. Buzan completa ainda que “securitização pode ser entendida como uma versão mais extremada da politização, pois, em teoria, qualquer assunto público pode ser posicionado no espectro que varia do não politizado [...], passando pelo politizado [...] até a securitização.” 58. A segurança e as ameaças percebidas constroem os planejamentos de defesa de cada Estado. As políticas devem estar atentas aos seguintes pontos de interesse para consolidação da política de segurança nacional: defesa, educacional, saúde, econômica, externa, industrial, agrícola e energética. A segurança diz respeito à clara definição dos interesses nacionais. Quando definidas as ameaças e pensando no proposto pela Escola de Copenhague, é possível perceber em quais instâncias um país está disposto a ir à guerra. Tanto Israel quanto os países árabes se viam enquanto povos ameaçados e, por isso, suas estratégias foram consolidadas pelos discursos subjetivos que tinham ainda como base a filosofia religiosa que trazia novos entraves para a resolução do conflito. A identificação das ameaças possibilita o estabelecimento da estratégia e a atribuição das responsabilidades para que cada setor possa reduzir as fontes de ameaça. 55 Para mais informações ver: DUQUE, Mariana Guedes. O papel da escola de Copenhague nos estudos de segurança internacional. In: Contexto int. vol.31 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292009000300003. Acessado em: 11/11/2013. 56 Buzan, Barry; Waever, Ole. Regions and Powers: the structure of International Security. Cambridge University Press, 2003. 57 O ato de fala diz respeito às consequências que um discurso carrega. Os discursos trazem demandas sociais para a construção das decisões para o contrabalanceamento e ações para a redução das ameaças. 58 RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Op. Cit. 29 O conflito árabe e israelense é multidimensional e precisa ser analisado em múltiplos aspectos. Assim como o conflito, o entendimento da segurança nacional da região é complexo e ratifica o próprio conflito. Para os árabes, a segurança israelense funciona como uma forma de se mascarar as suas ideias e princípios imperialistas. A expansão territorial, em 1967, por Israel fora justificada, por exemplo, pela impossibilidade de defesa do território com as fronteias pré-guerra. Para os árabes, esse discurso era somente representativo de um ideal imperialista que Israel estabeleceu na região. Os israelenses, por sua vez, não reconheciam a necessidade dos árabes em estabelecer a sua segurança. Ambos se viam como ameaçados e não como fontes de ameaça. Esta diversidade de entendimento levou a perpetuação do conflito. Segundo AlMashat: cada ator tentou manipular o conflito para alcançar vantagem própria e para privar outros atores para alcançar qualquer beneficio. Ambos os lados tentaram externalizar os seus problemas domésticos na forma de conflitos e guerras. Cada lado tentou penalizar o outro severamente para ter como promover a retaliação. Cada lado tentou assegurar apoio internacional para atender aos seus objetivos.59 A segurança árabe não é oriunda somente do Estado soberano árabe. Ela se manifesta também de forma regional. Israel seria então um intruso que, segundo AlMashat, visa destruir a força centrípeta árabe. Por conta de uma ameaça clara, o Estado judeu estabeleceu uma importante estratégia em relação aos seus objetivos e metas para defesa e segurança nacional. A atuação árabe e a falta de uma estratégica clara possibilitava uma melhor capacidade de manobra do Estado judaico para alternar entre a opção militar e os meios políticos. Apesar de estar no mundo em desenvolvimento, Israel não se apresenta como tal. O desenvolvimento israelense foi bastante expressivo na região possibilitando um crescimento econômico rápido e bastante significativo ao país. Além disso, os desafios propostos por Ayoob para a consolidação da segurança israelense eram relacionados a própria formação do Estado. As hostilidades, as violências e os desafios para a segurança regional e estatal foram desencadeadas por conflitos tanto regional quanto interestatais e as grandes potências tiveram um papel fundamental. A Guerra Fria fez da região alvo de disputas de poder entre EUA e URSS. Havia um grande interesse ocidental pelo Oriente Médio por conta do petróleo evidenciando a importância estratégica do local para as grandes 59 AL-MAHAT, Abdul-Monem.The Arab- Israeli Conflict: A view from Cairo. In: AYOOB, Mohammed (ed.).Regional Security in the Thrid World. Sidney: Croom Helm, 1986. p. 138. 30 potências. O petróleo era ainda um meio para a manutenção da segurança nacional em diferentes agendas políticas entre os países ocidentais. A perda do controle da região dificultaria as questões relativas as políticas de defesa, políticas econômicas, políticas indústrias e políticas energéticas. Por isso, o recurso influenciou muito as relações externas entre o Oriente Médio e o resto do mundo. O contingente militar árabe era superior ao israelense e, por isso, a estratégia adotada pelo Estado de Israel visava a desarticulação da segurança regional proposta pelos árabes. A viabilidade da segurança de Israel era almejada por todos os seus governantes, já que, segundo a ideologia israelense o poder possibilita a paz. Como explicitado, o poder de barganha no momento posterior a guerra era fundamental para que Israel pudesse manter a segurança do Estado. Ao contrário dos árabes, Israel tinha objetivos claros. Estes eram a manutenção da supremacia militar, obtenção da aceitação regional e consolidação de relações com os EUA. A superioridade militar deveria estar atrelada ao desenvolvimento tecnológico. Ambas seriam fundamentais para que Israel pudesse manter a sua segurança contra a ameaça identificada árabe. A estratégica israelense defendia que as guerras deveriam ser travadas para fora de seu território. É possível observar como todo planejamento estratégico e operacional feito pelo Estado judeu, em 1956 e 1967, obedeceram a essa regra. O mesmo não pode ser afirmado na guerra de 1973, já que, devido às conquistas territoriais e a descrença da possibilidade de um confronto, não foi elaborado um planejamento estratégico e de defesa a época. Em relação à segurança árabe, Al-Mashat indica a falta de um objetivo claro. Como havia o desejo pela construção de um sistema regional de segurança, a liderança da mesma seguiu a própria Liga. Na década de 1950 e 1960, o Egito assumiu um importante papel para a criação dos discursos e das fontes de ameaças para os árabes. A partir de 1962, Nasser começa a perder a sua reputação e a liderança egípcia começa a mostrar os primeiros indícios de sua fragilidade. Por conta das nacionalizações dos poços de petróleo e a importância do mesmo no cenário internacional, os países produtores, em especial, o Iraque e a Arábia Saudita, começaram a assumir a liderança. O petróleo não é uniformemente distribuído na região e é possível perceber uma grande polarização entre os países produtores de petróleo e os não produtores. Os Estados produtores tinham um grande fluxo de dinheiro circulando no seu território o que possibilitou a compra de armas e consolidação de acordos com ganhos relativos e absolutos mais expressivos que os países não produtores. 31 Essa diferença entre os países árabes foram reduzidas pelas normativas estabelecidas pela Liga Árabe que consolidavam a necessidade de cooperação do líderes que estabeleciam, assim, relações sociais calcadas na reciprocidade da normativa regional. Conforme apontado, o conflito não é linear e nem objetivo tendo em vista as variáveis subjetivas que estão permeadas no mesmo. É possível, portanto, através do arranjo metodológico, conceitual e teórico apresentado realizar um estudo que possibilite uma maior compreensão das interações estratégicas de ambos os atores tendo em vista o seu desejo de obtenção de segurança e soberania através de duas ferramentas políticas que originavam, sobretudo, poder aos Estados. 32 Capítulo 2: Formação do Estado Judaico, Consolidação das independências Árabes e o papel da Liga Árabe 2.1 A ida dos judeus para a região da palestina e a constituição da questão palestina O Oriente Médio, tal qual é conhecido nos dias de hoje, era, até o primeiro quartel do século XX, um império conhecido como Império Otomano. A população da região era constituída por uma maioria árabe que se manteve majoritária mesmo após o declínio do Império Otomano e a constituição dos protetorados britânicos e franceses. Os habitantes da região eram considerados pelos europeus, como um povo retrógrado60, que deveria ser civilizado pelos altos valores culturais da Europa. O próprio nome Orientalismo é, para Said, uma invenção cultural e política dos Europeus: No inicio do século XIX, as teses de atraso, degeneração e desigualdade orientais em relação ao Ocidente associavam-se muito facilmente as ideias sobre as bases biológicas da desigualdade racial.[...] toda a questão do imperialismo, assim como era debatida no final do século XIX tanto por próimperialistas como por anti imperialistas, levava adiante a tipologia binárias das raças, culturas e sociedades adiantadas e atrasadas (ou subjugadas). Chapters on the principle os international law (1894), de John Westlake, argumenta, por exemplo, que as regiões do mundo designadas como “incivilizadas” (uma palavra que carrega o peso de pressuposições orientalistas, entre outras coisas) deviam ser anexadas ou ocupadas pelas potências adiantadas.[...].61 A região compreendida pelo Império Otomano foi uma área que despertou grande interesse e constantes disputas entre a Grã-Bretanha e a França62. O imperialismo e a noção de atraso justificaram as invasões e o estabelecimento de protetorados na região. A formação nacional e os Estados Nacionais são resultantes dos embates em resposta aos processos de dominação63 pelas potências europeias e, também, como no caso Palestino, pelo estabelecimento do Estado Judaico. Somente a partir da década de 40 do século passado é que os Estados da região começam a conquistar a sua independência. Devido às diferentes dominações/colonizações é possível perceber a consolidação das diferentes nações que ora configuram o Oriente Médio. 60 SAID, Edward. O Orientalismo: O oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Cia das Letras 2007. Idem. Ibdem. p. 280/281. 62 Destaca-se ainda que o petróleo na região começou a ser explorado entre o último quartel do século XIX e o inicio de século XX. Além dos interesses originários do próprio imperialismo, as grandes potências estabeleceram-se na região pelo regime de concessão dos poços. Os Estados Unidos e a Holanda tiveram um papel importante na disputa pelo domínio dos poços. 63 A França tinha o domínio da Síria e do Líbano e os Britânicos controlavam a Palestina, Transjordânia, Palestina e Iraque. 61 33 O Estado é uma invenção moderna, contudo, o termo Estado não é novo. O conceito de Cidades-Estados foi atribuído à forma administrativa e organizacional estabelecida ainda no Império Grego. Mesmo que o Estado Moderno seja totalmente distinto do experimentado pelos gregos, a experiência grega é percebida como a primeira demonstração clara de um sistema estatal. O estabelecimento do Império Romano destrói as Cidades-Estados gregas. Após a queda do Império Romano, a religião cristã fundou um tipo de império religioso onde a fé era fundamental para o estabelecimento de elos comuns entre as regiões administrativas feudais. O cristianismo, ao mesmo tempo em que unificava os diferentes povos, também os diferenciava dos demais como, por exemplo, dos judeus e dos islâmicos. A crise do feudalismo que começou no século XIV, o restabelecimento das cidades, o florescimento científico, a reestruturação do comércio entre outros possibilitaram a criação de uma nova conjuntura. Nesta, um novo sistema político é erguido surgindo, assim, os Estados Nacionais Modernos e, junto com eles, as nações e os nacionalismos. Como defendido por Eric Hobsbawm 64, os Estados Nacionais, os nacionalismos e os símbolos nacionais são tradições inventadas e não coisas naturais como, às vezes, entendidos. Ao contrário de Hobsbawm que concebe o processo de construção dos sentimentos nacionais como uma política originária de cima para baixo, Benedict Anderson defende a ideia de que esses movimentos nascem de um sentimento de pertencimento de um grupo de pessoas a uma comunidade imaginada. Anderson percebe as comunidades imaginadas como sendo legitimadoras do próprio Estado enquanto entidade política, portanto, para o autor, a nação/nacionalismo é um movimento estabelecido de baixo para cima. Estados e nações são conceitos distintos, apesar de estarem em convergência e serem dependentes. A relação entre eles ainda foi mais solidificada com a ideia da autodeterminação dos povos. Foram diversas as mudanças que o Estado Moderno impôs aos homens. Uma das mais relevantes foi a percepção individual e coletiva do(s) homem(s) dentro deste Estado, seja agora como um cidadão com direitos políticos ou por pertencerem a um grupo nacional que é representado por este mesmo Estado. A ideia de nação não só serviu e vem servindo, como uma ferramenta de legitimação do Estado, como também para a legitimação dos povos. 64 HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 34 Justamente neste processo é que os judeus se percebem como iguais e revivem o projeto de retorno à Terra de Sião65. O projeto sionista começa a ganhar força e adeptos a partir de 1895. Os judeus, que outrora estavam sujeitos aos “outros”, desejam construir sua nação e se viam como sendo possuidores de sentimento nacional próprio. David Biale66 percebe como os judeus saíram de um extremo de total sujeição ao outro, onde ansiavam por uma nação e por soberania, para outro extremo, onde tinham um poder forte consolidado e legitimado dentro do Estado de Israel. Foi no primeiro Congresso Sionista realizado em 1897, como defendido por Herzl, pai do sionismo, que a nação judaica foi fundada. Segundo Herzl, “Na Basiléia, eu fundei o Estado judeu. Hoje, se dissesse isso em voz alta, teria como resposta uma gargalhada universal. Talvez em cinco anos, e certamente, em cinquenta, todos saberão disso”67. O Congresso da Basiléia legitima a ideia defendida pelo pai do sionismo nas diferentes comunidades judaicas europeias: a de que o problema judaico era uma questão nacional, ou melhor, ausência de uma nação. Antes do congresso, já existiam movimentos migratórios para a Palestina. Contudo, o Congresso validou a ida massiva das múltiplas e diferentes comunidades judaicas para a região objetivando a construção de um Estado Nacional para os judeus. A escolha da Palestina foi decorrente dos elos religiosos e simbólicos que as múltiplas comunidades judaicas tinham com o local. Apesar de se perceberem como um povo, havia a fragmentação territorial e a existência de múltiplas comunidades que se apresentavam como um desafio para os idealizadores do movimento sionista. A Palestina, apesar de possuir uma minoria judaica, era habitada, ainda, por muçulmanos, sobretudo, por árabes. Os sionistas estavam conscientes da existência dos árabes no local, mas sua maior preocupação era a assimilação dos judeus na terra e a solidificação desta comunidade nascente formando, assim, uma nação que é fundamental para a constituição o próprio Estado. No final do século XIX, os defensores da concretização do Estado judaico na região, enviaram dois rabinos para averiguar as condições da 65 Os judeus deixaram a região após a expulsão propulsionada pelo Império Romano. Foram muitas as tentativas de expulsão do povo judeu da região. Não somente de expulsão, como também tentativas de acabar com a sua estabilidade cultural. Os judeus responderam as tentativas de dominação e de desarticulação cultural com revoltas como a dos Macabeus e com movimentos de resistência como o ocorrido em Massada e narrado pelo historiador Flávio Josefo. De todos esses processos, a destruição do grande templo, atual Kotel ou Muro das Lamentações, e os escombros de Massada constituem, no imaginário judaico, um símbolo representativo de lutas e resistência e de identidades com a região estabelecida em tempos remotos e presentes na vida das comunidades judaica de ontem e de hoje. 66 BIALE, David. Power and Powerlessness in Jewish History. Schocken Books, 1986. 67 SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004. p. 39. 35 região e a resposta obtida era que “a noiva é bela, mas está casada com outro homem”68. Os rabinos perceberam que havia outro povo na região sendo este fato conhecido por aqueles que defendiam o projeto sionista. Apesar de terem ciência da existência de outros povos na região, um grupo de judeus acreditava e tinha fortes esperanças que esta questão seria solucionada com o tempo. As atitudes tomadas pelos primeiros sionistas que defendiam que os árabes residentes na palestina poderiam se assentar em qualquer outro país árabe deram origem ao que hoje é conhecido como a questão palestina. Para os judeus, a ida para a região significava uma reconstituição, uma volta e um retorno à terra de seus antepassados e das doze tribos de Judá. Em contrapartida, para os árabes, esse movimento era uma chegada, uma invasão e, sobretudo, uma apropriação da sua terra.69 A região da Palestina se constituía, assim, como um elo de identificação já enraizado no imaginário cultural-religioso dos judeus, um sonho messiânico, mas pouco conhecido. A região da Palestina era parte integrante do Império Otomano que tinha como princípio administrativo a autoridade jurídica muçulmana. O grande Império Otomano não constituiu diferentes nações e havia certa autonomia nas regiões habitadas. O poder central era exercido por um Sultão que era acompanhado por outros representantes locais. O Império era dividido em três regiões que eram controladas, a priori, por Damasco. A maioria da população local era islâmica, mas havia habitantes de outras religiões que eram protegidos do Islã. Estes grupos, conhecidos como dhimmi, foram, a partir do século XV, organizados em millets, que são grupos religiosos. Este tipo de organização social perdurou até meados do século XIX. Este sistema é ainda objeto de debate e não existe um consenso sobre a questão da coexistência pacífica das dhimmi com o governo otomano70. Alguns autores afirmam que havia preconceitos, que as roupas usadas pelos diferentes grupos eram diferenciadas, que os impostos cobrados eram muito altos e que havia restrições ao culto, por exemplo, dos judeus entre outras proibições. Em contrapartida, outros autores afirmam que existia tolerância entre os povos árabes e as dhimmis, uma boa circulação de mercado e que os membros dos grupos religiosos até assumiam cargos altos na burocracia otomana. 68 Idem. Ibdem. TROEN, S. Ilan. De judaizing the Homeland: Academic Politics In Rewriting the History of Palestine.In. Israel Affairs. Vol 13. No 4, October 2007, pp. 872-884.. 70 Para maiores informações ver: MEIHY, Murilo Sebe Bom. As Origens do Califado e o Império Árabe-Islâmico: “um Hárem de Soberanos”. In: SILVA, Francisco Carlos T., CABRAL, Ricardo Pereira Cabral & MUNHOZ, Sidnei J. Impérios na História. Rio de Janeiro: Elviser, 2009. 69 36 O estabelecimento do povo judeu na região da Palestina consolidou a questão palestina. Algumas discussões foram travadas sobre este assunto no momento da chegada dos judeus, contudo, ela não era o cerne das preocupações dos primeiros líderes sionistas. Como dito, a construção do Estado de Israel e o assentamento das diferentes comunidades judaicas na região eram a principal preocupação dos líderes a época. Em 1907, Yitzhak Epstein71 redigiu um documento chamado “Hidden Question” que, apesar de defender o direito dos judeus à região, discute o equivoco cometido no momento da chegada e as formas de relação com os árabes palestinos. A preocupação dos sionistas em se territorializar os fez ignorar o fato de que existia um povo previamente estabelecido naquela região e que esse povo que nunca havia cogitado a hipótese de deixá-la. Epstein afirma também que mesmo que os árabes fossem vistos pelos sionistas como não donatários de identidade nacional e nem se fundarem como uma entidade nacional existia um laço estabelecido entre eles e a terra que habitavam e que aflorou ainda mais após a chegada dos sionistas 72. Percebe-se a reflexividade que o estabelecimento do Estado judaico consolidou em relação à própria identificação nacional. Said afirma que: A fim de mitigar a presença de um grande número de nativos em um terreno desejado, os sionistas se convenceram de que esses nativos não existiam. Foi possível para eles só existem nas formas mais rarefeitas. . . A questão da Palestina é, portanto, a disputa entre uma afirmação e uma negação e, neste contexto, que remonta mais de cem anos, que anima e faz todo o sentido do impasse atual entre os países árabes e Israel. 73 Em contrapartida, para os judeus, os árabes do Império Otomano: Identificavam-se, simultaneamente, como sujeitos da comunidade (multinacional) do Islã; como os árabes, em termos de geografia, cultura e língua; como habitante desta ou daquela religião e vila de uma Palestina vagamente definida; e como membros desta ou daquele clã ou família. Não houve movimento nacional árabe e não até mesmo uma dica, em 1881, de um nacionalismo árabe palestino separado.74 71 Judeu migrante da primeira aliah. DOWTY, Alan. “A Question That Outweighs All Others”: Yitzhak Epstein and Zionist Recognition of the Arab Issue. In:Israel Studies, Volume 6, Number 1, Spring 2001, pp. 34-54. 73 SAID, Edward.The Question of Palestine. London: Routledge, 1980. Tradução livre. Na língua original: “For in order to mitigate the presence of large numbers of natives on a desired land, the Zionists convinced themselves that these natives did not exist, then made it possible for them to exist only in the most rarefied forms . . . The question of Palestine is therefore the contest between an affirmation and a denial, and it is this prior contest, dating back over a hundred years, which animates and makes sense of the current impasse between the Arab states and Israel.” 74 MORRIS, Benny. 1948: The first Arab-Israeli war. New Haven: Yale University, 2008. Tradução livre. Na língua original: “they identified themselves simultaneously as subjects of the (multinational) community of Islam; as Arabs, in terms of geography, culture, and language; as inhabitant of this or that religion and village of a vaguely defined Palestine; and as members of this or that clan or family. There was no Arab national movement and no even a hint, in 1881, of a separate Palestinian arab nationalism” 72 37 Apesar de não serem percebidos como nacionais, Asher Zvi Ginsber, em 1891, se referia aos palestinos como sendo donatários de um proto-nacionalismo75. Em um relatório proposto pelo primeiro congresso sionista, estimava-se que a população árabe fosse, naquela época, de 400.000–500.000 habitantes incluindo 70.000 judeus. Já em 1913, o 11º congresso sionista relatou que a população palestina era constituída de 700.000 habitantes, onde 100.000 eram judeus. Segundos estes dados, tanto em 1887, se for considerado 500.000 como o total populacional da região, quanto em 1913, a população judaica representava 14% em ambos os períodos.76. Os árabes da Palestina foram vistos de diferentes formas pelos primeiros líderes do Estado judaico. Por exemplo, Jabotinsky, defensor do sionismo revisionista77, propôs a constituição de uma “muralha de ferro”, que era um meio de furar a resistência árabe Não pretendo afirmar que nenhum tipo de acordo seja possível com os árabes na terra de Israel. Porém, um acordo voluntário simplesmente não é possível. Enquanto os árabes preservarem um vislumbre de esperança de que terão êxito em se livrarem de nós, nada no mundo pode fazê-los abandonar a esperança, precisamente porque eles não são uma ralé e sim um povo vivo. E um povo vivo só estará pronto a se render a um desfecho tão fatal quando tiver desistido de toda esperança de se ver livre dos colonizadores estrangeiros. (...) porém o único caminho para um acordo como este é através de uma muralha de ferro, isto é, do estabelecimento na palestina de uma força que não será, de forma alguma, influenciada pela pressão árabe. Em outras palavras, a única maneira de alcançar um acordo no futuro é evitar totalmente 78 as tentativas de chegar a um acordo no presente. Ben Gurion reconhece, em 193679, o caráter nacional da população árabe80. Da mesma forma que Jabostinsky, ele também pensava no exército como a solução e não somente na diplomacia. Pelo fato dos palestinos serem um povo vivo que tinha aspirações nacionais, a “muralha de ferro” e o uso da força paramilitar judaica, seria uma forma de manter o projeto sionista na região. Ben Gurion percebia mais claramente, quando comparado com Jabostinsky, que tanto o movimento palestino quanto o movimento sionista eram movimentos nacionais brigando pela mesma terra. 75 O proto-nacionalismo diz respeito ao momento embrionário para a formação dos movimentos nacionalistas e nacionais. Os palestinos tinha amor a terra e apego a mesmo, mas não detinham uma consciência e nem organização política. 76 KARSH, Efraim. Zionism and the Palestinian. In: Israel Affairs. Vol.14. No3. July 2008. Pp 355-373. Outros dados estatísticos podem ser obtidos no livro: Benny. 1948: The First Arab-Israeli War. New Haven: Yale University, 2008. 77 Os sionistas revisionistas advogavam uma linha intermediária entre as propostas de Ben Gurion e Weizmann sobre a forma como os judeus deveriam agir para a construção do Estado Judaico. Estes defendiam a viabilização do Estado judaico se daria pela atuação paramilitar no combate contra a presença Inglesa e contra a presença palestina. 78 Jabotinsky, Ze´ev. Escritos: a caminho da condição de Estado (em hebraico). In: SHLAIM, Avi. Op. Cit. .pg. 5152. 79 No ano de 1936 algumas revoltas palestinas foram debeladas e perduraram até 1939. 80 Em 1936, já é evidente que os palestinos haviam se formado como uma nação e o reconhecimento dado por Ben Gurion era a constatação a uma realidade já reconhecida. 38 Ben Gurion também refletiu sobre a realização de acordos, porém acreditava que seria necessário tempo para tal e que a paz era uma questão vital. Não é para estabelecer a paz no país que precisamos de um acordo. A paz é, de fato, uma questão vital para nós. É impossível construir um país em um estado permanente de guerra, mas, para nós, a paz é um meio. A meta é a plena realização do sionismo. Somente por isso precisamos realmente de um acordo. (...) Neste momento, um amplo acordo está indubitavelmente fora de questão. Porque só após o total desespero por parte dos árabes, desespero que virá não somente do fracasso dos tumultos e da tentativa de rebelião, mas também como uma consequência do nosso conhecimento do país, eles possivelmente concordarão com uma Eretz Israel judaica. 81 Ambas as falas refletem o pensamento de uma época de formação e consolidação de uma nação e do Estado judaico. O não reconhecimento árabe era, sobretudo, uma brecha para a afirmação do povo judeu na região. Esta forma de atuação e de diretriz política se consolida tanto a nação judaica como a nação palestina. Ambas são constituídas e reformadas reflexivamente pelas atitudes alheias. As nações palestina e judaica devem, portanto, ser percebidas por seus paralelismos. Este ponto é fundamental para a compreensão do Oriente Médio, principalmente nos dias de hoje, onde as inter-relações entre as nações ganharam enorme importância. Destaca-se ainda a imagem e representação que a região propaga no imaginário dos árabes e dos judeus. A terra está repleta de elementos mitológicos e é dona de uma geografia do sagrado, de suma importância tanto para o judaísmo, quanto para o cristianismo e para o islamismo82. A representação mitológica e a crença que enrijece os valores culturais é um grande agravante, pois, estes, por muitas vezes, não podem ser comprovados como sendo reais e são representativos somente para os que compartilham da mesma crença. O conflito, desta forma, transcende a simples posse da terra em termos políticos se firmando também como um conflito cultural e religioso. Como exemplificado por Karen Armstrong: Os palestinos argumentam que não existe nenhuma evidencia arqueológica do reino judeu fundado por Davi e que nunca se encontrou um vestígio do templo de Salomão. Com exceção da Bíblia, nenhum texto contemporâneo menciona o reino de Israel – o qual, portanto não passa de “mito”. Os israelenses consideram absurda e não demonstrável a história de que o profeta Maomé subiu ao céu a partir do Haram AL- Sharif de Jerusalém- um mito que está no próprio cerne da devoção dos mulçumanos a Al-Quds.(...) Assim os mitos da “geografia do sagrado” expressam verdades em relação a vida interior. Tocando nas fontes obscuras da dor e do desejo humano, podem 81 Ben-Gurion, David. My talks with the Arab Leaders.Jerusalém, 1972.pg. 80. Na Cidade Velha, para os judeus, encontra-se o Muro das Lamentações e, para os árabes, é encontrado o Domo de Ouro. Do lado de fora da Cidade Velha, ao lado da porta de Damasco localiza-se o Garden Tomb local sacro para os cristãos. 82 39 desencadear emoções intensas. Não se devem descartar certas histórias de Jerusalém porque “não passam de mitos”: sua importância de devem justamente ao fato de serem mitos.83 A centralidade do mito e do sagrado que é representativo dos diferentes grupos deve ser levando em conta para a formação do conflito e da própria racionalidade que forma e representa os povos na região. Este trabalho não tratará dos assuntos inerentes à religiosidade, contudo, ela tem um papel bastante importante para a constituição dos conflitos e da relação dos povos com a própria região. 2.2 O estabelecimento do Estado de Israel e a questão palestina Em 1917, o governo britânico reconheceu o estabelecimento de um lar nacional para os judeus na região através da Declaração de Balfour84. Os judeus encaram o documento como a certidão de nascimento do Estado judaico e, ao mesmo tempo, os britânicos prometeram parcela da palestina ao líder jordaniano. A partir de então, os judeus foram gradativamente imigrando e se assentando na região. Os grupos para paramilitares judaicos foram se formando, assim como, as bases para a solidificação do Estado judaico. De forma reflexiva, os palestinos foram criando sua consciência nacional. Entre 1936 e 1939, esse grupo, sendo liderado por Husseini, o grande Mufi de Jerusalém, iniciou uma revolta contra a presença britânica, judaica e contra o controle territorial pelo representante da Jordânia. Como resultado das reivindicações palestinas, o governo britânico propôs o White Papper, em 1939, que ponderava sobre controle migratório judaico para a região, a restrição à compra de terras pelos judeus e a criação de um único Estado na Palestina. A proposta é rejeitada pelos palestinos que queriam a evacuação total dos judeus da Palestina. A Segunda Guerra Mundial alterou a prioridade britânica e o país passou a ter demandas internas mais importantes que a manutenção dos protetorados no Oriente Médio. Durante o seu protetorado, a Grã-Bretanha tentou estabelecer ações para beneficiar ambos os lados. Diante de sucessivas derrotas para a concretização de paz entre os dois movimentos, o palestino e judaico, o governo britânico criou a UNSCOP (Comissão Especial da ONU para a Questão Palestina) que, em 1947, concluiu que o fim do mandato britânico deveria ser acompanhado da criação de dois Estados, um judeu e outro palestino. A Índia, o Irã e a Iugoslávia foram contrários a esta decisão, 83 84 ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. São Paulo: Cia das Letras, 2000. Pg.16. O documento está disponível no anexo 1 deste trabalho. 40 pois preferiam um Estado Federal Palestino Unificado. Em 26 de setembro de 1947, sem sucesso, o governo britânico anunciou sua intenção de sair da Palestina85. Em 1947, a ONU aprova a Resolução 181 que regula sobre a formação do Estado de Israel e de um Estado Palestino que estariam economicamente unidos. As fronteiras definidas pela resolução eram sinuosas e apresentavam pontos de vulnerabilidade para ambos os Estados. A resolução, apesar da determinação de suas fronteiras, representava uma vitória do movimento sionista, já que, regulava sobre a criação de um Estado judaico. Em contrapartida, os árabes recusaram o plano da ONU alegando a ilegalidade da proposta. A independência israelense é declarada em meio a uma guerra com os árabes que contou com duas fases, a saber: uma primeira fase, não oficial, que durou de 19 de novembro de 1947 até 14 de maio de 1948. A primeira fase abrangeu o momento da sanção da resolução até o momento da proclamação do próprio Estado de Israel. A segunda fase ocorreu entre 15 de maio de 1948 até dia 7 de janeiro de 1949. Este segundo momento é reconhecido como a fase oficial e contou com exércitos regulares dos Estados árabes para a defesa da causa palestina. Em ambas das fases, os judeus saíram vitoriosos diante das forças árabes e palestinas86. A Resolução 181 foi fundamental para a mudança da configuração do Oriente Médio, já que, estimulou que os judeus residentes na palestina se lançassem em uma guerra que culminou na independência do Estado de Israel. Os judeus vitoriosos não definiram as suas fronteiras na declaração de sua independência o que possibilitou uma série de conflitos armados para a anexação territorial ao Estado judaico. O estabelecimento de Israel transformou as diversas comunidades palestinas, outrora assentadas e emocionalmente conectadas com a região da Palestina, em grupos de refugiados. Logo após a declaração de independência de Israel, os exércitos da Síria, Transjordânia, Líbano, Iraque e do Egito invadiram a região da Palestina. O treinamento militar e a capacidade bélica militar de ambos os lados, na década de 1940, é um assunto controverso em relação à formação a capacidade de ambos. Os israelenses haviam formado a Haganah e a Irgun e ambos os movimentos foram bastante importantes para a viabilização da consolidação da Força de Defesa Israelense (FDI) no 85 Os britânicos acreditavam na possibilidade de uma união econômica entre ambos os Estados no momento da saída do protetorado da região. 86 Para maiores informações sobre a Guerra de Independência Israelense ver: MORRIS, Benny. 1948: The First Arab-Israeli War. New Haven: Yale University, 2008. 41 momento da fundação do Estado e na luta pela obtenção de sua independência. Apesar de a literatura indicar existência de soldados israelenses formados e treinados, não existiam elementos fundamentais de e para um exército como: comando único, doutrinas militares, compras oficias de armas entre outros. Os árabes, por outro lado, tinham recursos bélicos, mas não tinham treinamento suficiente. Alguns soldados árabes haviam sido capacitados pela Alemanha durante a Segunda Guerra. A atuação dos exércitos do Iraque, Egito, Jordânia, Síria e Líbano para lutar pelos palestinos foi percebido, segundo Eugene Rogan, como uma ação que, sem embargo, quando penetraram no território palestino, mais parecia que a guerra estiva sendo feita entre os árabes entre si do que com o Estado Judeu [...]o conjunto dos Estado árabes se encontrou assim diante de um sério dilema. Consideravam que o conflito da palestina era uma causa árabe e sentiam obrigação moral de intervir e procurar proteger seus correligionários árabes da Palestina. O feito de que os Estados árabes haviam se unido em baixo dos auspícios da Liga Árabe para coordenar sua ação comum não havia servido mais do que para reforçar essa primeira impressão; ainda assim, os Estados Árabes, considerados por separado, teriam interesses nacionais próprios e divergentes, o que significava que interviam na guerra mais em suas condições de egípcios, jordanianos ou de sírios do que por sua qualidade árabe. E o pior é que haviam de transportar as rivalidades internas do conjunto dos árabes ao campo de batalha.87 Deve-se ressaltar que, assim como os palestinos, a maioria dos países árabes estavam lutando pela sua independência, formando os seus movimentos de resistência e/ou construindo sua nação e seus projetos nacionais. A Liga Árabe (LA), organização recém-fundada, era um grande campo de embate e as recentes nações traziam questões e inquietudes particulares para gerenciar88. A Guerra de 1948 demonstrou aos árabes a sua falta de preparo estratégico e bélico. Com o seu término, em vez de aceitar analisar o motivo da perda e os pontos que deveriam ser aprimorados, os Estados árabes começaram a acusar e culpar uns aos outros pela derrota. A Independência de Israel foi reconhecida pelos árabes como Al-Nakba ou a Catástrofe. Os intelectuais árabes tiveram um importante papel no pós-guerra, no que tange a análise das causas e das consequências da perda da Palestina. Zurayk 89, por exemplo, foi o responsável pelo termo Al-Nakba que vem sendo usado corriqueiramente na história e memória dos povos palestinos e árabes. Rogan destaca que, segundo estes intelectuais árabes, “o único modo dos árabes carregarem consciência de suas potências como povo passava necessariamente pela superação das divisões criadas pela ordem 87 ROGAN, Eugene. Los Árabes. Barcelona: Ed. Crítica, 2011. p.409. Destaca-se que nem todos os países árabes haviam conquistado a sua independência em 1948. 89 Para maiores informações ver: Rogan, Eugene. Op. Cit.. 88 42 imperial, e que só poderiam conseguir mediante a unidade árabe.” 90 . Para estes intelectuais, o conflito representava nada menos que o renascimento árabe. Ben Gurion, primeiro-ministro do recém-criado Estado judeu, foi uma figura fundamental neste momento. Ele aceitou os planos da ONU e a resolução 181, mas não acreditava que estas seriam as fronteiras definitivas para o Estado de Israel. A resolução 181 era uma vitória da diplomacia israelense e não um limite para as fronteiras judaicas. Ben Gurion almejava obter apoio externo, contudo, acreditava que os judeus deveriam lutar pelo seu Estado. A legitimação viria com o tempo e, para Ben Gurion, o estabelecimento do Estado de Israel e o futuro dos judeus estavam nas mãos dos próprios judeus e não em acordos diplomáticos. O pensamento de Ben Gurion se legitimou como representativo da “escola de retaliação” da política judaica. Para os membros desta vertente política, a força bélica garantiria o estabelecimento e a consolidação da própria soberania judaica. A política da escola de retaliação consolida dilemas de segurança tanto para os países árabes quanto para os palestinos. Neste sentido, a percepção de questões como defesa e segurança representam um empecilho para a realização de acordos cooperativos entre os povos. A política de Ben Gurion privilegiava o uso da força bélica como instrumento de afirmação e, por isso, o líder investiu na formação e capacitação da FDI. Desta forma, a segurança israelense gerava de forma reflexiva a insegurança árabe e consolidava a desejo e a necessidade dos árabes em investirem na sua força bélica. Em 1949, a ONU começou as rodadas de negociação para a consolidação de acordos armistícios para região. A representação dos palestinos deve ser compreendida pelo próprio movimento e relação que os países árabes fronteiriços a Israel tinham com o próprio movimento. O relacionamento dos países árabes com os palestinos é uma questão debatida de forma contundente pela historiografia. Alguns autores afirmam que os exércitos árabes adjacentes invadiram Israel movidos por interesses nacionais ou dinásticos que ficaram ocultos sob o disfarce da Palestina para os palestinos. Esse trabalho considera essa perspectiva como bem relevante e provável para o contexto de análise, já que, no que tange a questão palestina, a LA deu tardiamente voz efetiva aos palestinos. Os Estados árabes defendiam a independência da Palestina, entretanto, ao invés de darem voz e de defenderem o direito dos palestinos de se representarem nas rodadas de negociação, foram os próprios países árabes que os representavam. A 90 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p.419. 43 atuação da LA em relação ao estabelecimento do Estado para os palestinos foi e é um assunto bem controverso, pois cada país tinha uma forma de lidar com a questão. O Egito, por exemplo, ia contra o reino Hashemita, mas também não tinha a mesma visão que o Iraque em relação à questão palestina. Poucos reconheciam o direito daquele povo de se auto representar e, por conta disso, diversos países árabes atuaram politicamente dentro do que seria o futuro Estado palestino. Em relação aos seus territórios, a Jordânia queria a incorporação da Cisjordânia para si e o Egito assumiu o controle da região de Gaza, durante o Governo Nasser. Conforme defendido por Moshe Shemesh: A questão da representação Palestina não pode ser separada da questão da Entidade Palestina. O novo despertar do nacionalismo palestino que começou no final de 1950 e início de 1960 estava diretamente relacionado ao desenvolvimento das arenas árabes e Palestinas ao longo do conflito árabeisraelense. A pesquisa sobre a questão da entidade palestina sem investigação completa do fundo árabe e a posição árabe sobre o conflito é como uma árvore sem raízes [...] a questão da Entidade Palestina trazida a tona pelos Emirados Árabes Unidos República, na sessão 31 do Conselho da Liga Árabe em 29 de março de 1959. [...] ao trazer a ideia de uma entidade Palestina, Egito esperava facilitar a criação de uma instituição política independente, o 91 que representaria a Palestina como um povo. Neste sentido, o movimento palestino é reconhecido enquanto uma instituição política somente em 1959. Em 1949, nas negociações pós-independência israelense, sob os auspícios da ONU, Israel fez acordos militares com o Egito, Jordânia, Líbano e Síria. Neste momento, a representação palestina foi originada e estabelecida pelos demais países árabes. Os acordos liderados pela ONU, desta forma, ao estipularem e estabelecerem as rodadas de discussão bilaterais que se seguiram à independência israelense, não incluíram os palestinos para a redação dos acordos estabelecidos com o Estado de Israel. Tanto os judeus quantos os palestinos tinham interesses comuns que eram conflitantes entre si, por isso, as relações entre ambos foram calcadas em sentimentos de intransigência. O desejo a posse de um mesmo território e a vontade de expulsar outro de seu território se qualificam como desejos de cada um dos grupos que identificava o 91 SHEMESH, Moshe. Op. Cit.. London: CASS, 1996. p x. Tradução Livre. Na língua original: “The issue of the Palestinian representation cannot be separated from the question of the Palestine Entity. The new Palestinian national awakening which began in the late 1950s and early 1960s was directly related to developments in the Arab and Palestinian arenas over the course of Arab-Israel conflict. Research on the question of the Palestinian Entity without thorough investigation of the Arab background, and the arab position regarding the conflict, is like a tree without roots[…] The Issue of the Palestine Entity was brought up for the first time by the United Arab Republic, at the 31st session of the Arab League Council on 29 March 1959.[...] By bringing up the idea of a Palestine Entity, Egypt hoped to facilitate the establishment of an independent political institution which would represent the Palestine as a people.” 44 seu opositor como uma ameaça. Os judeus preferiam negociar com os países árabes vizinhos. A Jordânia merece uma atenção especial, pois o Rei Abdullah almejava a construção de um reino que compreendia a atual Jordânia e a Cisjordânia. A orientação política do rei jordaniano foi percebida pelos líderes sionistas como um meio para um fim, pois ambos os países viam o nacionalismo palestino como restritivo ao seu projeto nacional. Após a sanção dos acordos da ONU, criou-se uma paz ilusória entre os países signatários dos acordos armistícios. Os acordos não eram definitivos e as próprias fronteiras eram questionadas, por isso, apesar de não estarem em um conflito armado, os países consideravam os acordos como temporários. Para os Estados árabes, Israel havia criado por meio de sua expansão territorial e pelo estabelecimento do próprio Estado Judaico, a questão palestina e, por isso, deveria solucionar este problema. Em contrapartida, para o Estado de Israel, os acordos armistícios atendiam as necessidades imediatas do Estado judaico. Israel acreditava que o tempo estava ao seu lado e, com o tempo, o mundo se acostumaria com as novas fronteiras e, desta forma, consolidar-se-ia a paz com os Estados árabes sem se ter uma solução para o problema dos refugiados. O tempo, ao contrário do que se previa, acentuou ainda mais o conflito e a situação dos refugiados palestinos. A presença judaica e a conquista territorial de 1967 enrijeceram ainda mais a tensão e o conflito na região. O tempo possibilitou a construção de uma nação forte e do melhoramento militar israelense, mas não retirou a esperança e a vontade Palestina da posse do território. A manutenção da situação estabelecida após os acordos armistícios era satisfatória para Israel no que tange os aspectos territoriais e demográficos. Para Ben Gurion, os acordos eram uma possibilidade para delimitar suas fronteiras internacionalmente, demarcar territórios que poderiam ser ocupados sem se preocupar com os refugiados e ser soberano dentro dos limites fronteiriços de seu Estado. Para Estados árabes que defendiam o direito palestino a região e os próprios palestinos, em contra partida, tal interpretação era totalmente díspar, as fronteiras de cessar fogo não eram os limites territoriais internacionais e os acordos não cancelavam o direito dos palestinos de voltar aos seus territórios. A ONU, tentando transformar os acordos armistícios em acordos de paz, confiou esta função para a Comissão de Conciliação da Palestina que tentou organizou uma conferência para este fim. Para Israel, havia uma diferença entre segurança básica, ou aquela que, devido a um grande assalto colocaria a segurança do país em risco, e segurança do dia-a-dia, que 45 consistia nas provocações hostis ao longo das fronteiras que eram invadidas por forças irregulares92. As constantes infiltrações, sejam de palestinos, beduínos, contrabandistas e terroristas, colocavam em risco a segurança cotidiana de Israel e a sua integridade territorial. Os constantes embates tiveram um efeito embrutecedor na Força de Defesa Israelense (FDI) que começou a ter uma política de retaliação em relação às constantes infiltrações sofridas. Tal atitude levou a uma discussão entre o grupo político reconhecido como moderados- que consideravam que as políticas de retaliação deveriam ser utilizadas somente depois de uma avaliação estratégica em relação às consequências das repressões- e os ativistas, que acreditavam que os árabes só queriam a destruição do estado de Israel e, por isso, o uso da força, independente de suas consequências, era fundamental. A Síria foi o primeiro país onde os acordos de 1949 foram desfeitos com a tentativa de alteração da fronteira vigente. As disputas giravam em torno das nascentes do rio Jordão e das zonas desmilitarizadas (ZDs). Israel temia que a Síria atacasse a região e tratou o controle das ZDs como vital para sua segurança, passando a invadir essas zonas, o que foi condenado pela ONU. Várias foram às tentativas de concretização de acordos de paz entre Israel e a Jordânia. Em 1951, Ben Gurion tinha dúvidas sobre a necessidade de concretizar este acordo com a Jordânia, já que, fazê-lo prejudicaria a obtenção de um acordo com o Egito. Shlaim afirma que “a busca por um acordo global foi arruinada especialmente porque Israel estava forte e inflexível demais, enquanto Abdullah, líder jordaniano, estava fraco e isolado demais.” 93 . Os sucessivos fracassos para o estabelecimento de acordos de paz somados à ideia que se enraizou no imaginário judaico em relação aos resultados positivos que a guerra trazia ratificaram, para Ben Gurion, que a paz não seria concretizada por meio da negociação, mas sim pela detenção, coerção e intimidação94. O estabelecimento do Estado de Israel trouxe dilemas para os palestinos e para os países árabes. Desta forma, o conflito foi sendo impulsionado e ratificado pelo próprio tempo e pela formação das identidades nacionais que viram no outro a representação de uma ameaça. Conforme destacado na apresentação deste trabalho, o conflito tem um papel fundamental para a formação das identidades e para a coesão interna. Sendo essas basilares para o entendimento dos paralelismos entre os povos, 92 SHLAIM, Avi. Op. Cit. Idem. Ibdem. p. 110. 94 Idem. Ibdem. 93 46 assim como, para a própria reflexividade das ações dos povos na região. Portanto, para que o entendimento dos conflitos desencadeados, no Oriente Médio, após o segundo quartel do século XX, sejam melhores compreendidos é fundamental que se entenda o processo que constituiu e embasou o próprio conflito. 2.3 A formação nacional do Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque, Irã e Iêmen A partir de 1940, os países árabes iniciaram a busca pelas suas independências visando libertarem-se das dominações imperiais na região. Será proposta de forma sintética uma discussão dos movimentos de independência dos países árabes objetivando a promoção de um debate sobre a atuação das grandes potências, assim como, em relação aos arranjos políticos que poderiam alterar a balança de poder na região. O Egito teve um papel central na região. A conquista da independência egípcia deflagrou diversos outros movimentos, além de, ter levado esse país a ocupar uma posição central dentro da LA. Antes do golpe organizado pelos Oficias Livres, o Egito era regido pelo Rei Faruk que apoiava a manutenção e o alinhamento dos egípcios com os britânicos. Em 1947, o governo britânico perdeu sua posição estratégica na Índia e a presença na região do canal do Suez adquiriu ainda mais importância estratégica para a Grã-Bretanha. A população egípcia estava insatisfeita com a orientação do país e diversos movimentos armados para a expulsão estrangeira ganhavam corpo no Egito, mesmo que sem sucesso. Destaca-se, nesse contexto, o grupo dos Oficiais Livres que era constituído por membros das forças militares egípcias que se reuniam, desde 1949, fazendo forte oposição aos britânicos. Em princípio, o movimento era opositor somente quanto à presença britânica, mas, com o tempo, seus integrantes passaram a perceber que o maior oponente de suas crenças e as do povo egípcio era o próprio sistema político vigente no país. Em 1952, o movimento dos Oficiais Livres considerou que o Egito estava pronto para a revolução e não havia condições de postergá-la, pois os riscos de conspirar contra o governo egípcio apresentava ímpetos para os grupos que eram opositores do governo. A estratégia adotada pelos Oficiais Livres para a tomada de poder no Egito era a de ocupar, simultaneamente, a emissora de rádio e o quartel-general. Os revolucionários iriam, nas primeiras horas da manhã do dia 23 de julho de 1952, executar o plano. Após ambas as ocupações, além de outras ocupações pontuais na cidade do Cairo, Anuar elSadat, em nome do General Naguib, comandante das forças armadas e primeiro líder 47 egípcio pós revolucionário, anunciou na rádio que o Egito acabara de vivenciar um golpe que pôs fim ao governo do Rei Faruk. O novo governo instituiu a abolição dos partidos em especial da Irmandade Muçulmana fundada em 1927. Para Nasser, um dos principais líderes do movimento dos oficias Livres, a divisão partidária havia sido uma das responsáveis pela divisão política do país e, por isso, foi fundado o sistema de partido único que tinha a União Libertadora como a única representante dos interesses nacionais egípcios. Os revolucionários, apesar de terem planejado e almejado a revolução, após a obtenção do poder, não haviam estabelecido um plano político para o Egito. O novo governo havia herdado uma série de problemas e déficits econômicos, em especial, o déficit de água que desarticulava a produção agrícola que era à base da economia do país. Ao longo de todo o período que antecede o golpe, não havia ocorrido investimentos massivos no setor industrial egípcio e a indústria nacional era pequena e pouco representativa e, além disso, a população estava empobrecida e o país sofria com altas taxas de desemprego. O novo governo almejava a construção de uma barragem em Asuán como uma possibilidade para a agricultura, criação de empregos e de independência econômica para o Egito. Contudo, os altos custos do projeto somados à crise interna do país o faria recorrer ao capital internacional para a execução do mesmo. A dependência econômica para a concretização de projetos que visavam à melhoria social do país era um dos grandes dilemas que o governo deveria lidar, visto que, a independência e soberania nacional eram pontos defendidos pelos revolucionários. Após o golpe, a saída dos ingleses se tornou uma necessidade e um assunto fundamental para o sucesso do movimento instaurado pelos Oficias Livres. A presença inglesa na região enfraqueceria o movimento que tinha como um dos escopos de sua política a libertação do Egito da presença dos colonizadores. Foi estabelecido um pacto entre o novo governo Egípcio e a Grã-Bretanha que determinava o ano de 1954 como o limite para a presença britânica na região. Esse limite fora estabelecido por Nasser que começou a se legitimar como um grande líder chegando ao poder presidencial também em 1954. Nasser almejava a obtenção de armas para a segurança nacional egípcia. A demanda justificava-se pela experiência de 1948 e devido aos acirramentos das tensões na fronteira com Israel que foram enfatizados pela iminência da saída britânica do Egito. Nasser tentou consolidar acordos comerciais relativos à compra de recursos bélicos com os EUA, contudo, o governo norte-americano só se disponibilizou a 48 realizar a negociação caso o Egito assinasse um pacto de defesa regional. Além de cercear a ação individual do governo egípcio, o pacto significaria também o alinhamento do Egito aos EUA e a Grã-Bretanha. Para Nasser, a proposta tinha diversos problemas como a questão britânica, a questão israelense e a não identificação da URSS como uma inimiga da nação egípcia. Israel já havia mostrado sua supremacia militar e havia consolidado dilemas de segurança na região e desafios para os líderes árabes que sabiam da necessidade urgente de armar os seus exércitos. A tentativa de negociação fracassada com os EUA impulsionou o líder egípcio a dialogar com a URSS e, em 1955, o Egito consolidou um acordo para compras de armas tchecas. Diante da mudança política pela qual passava o Egito, os governos da França, Grã-Bretanha e de Israel começaram a perceber o líder egípcio como representante de uma perigosa força que utilizava da bandeira do nacionalismo que poderia derrubar os interesses ocidentai no Oriente Médio. A política de Nasser ia ao encontro da normativa da Liga que defendia a integração dos Estados árabes. Os governos israelense, francês e britânico elaboraram um plano conjunto, sem apoio norte-americano, que culminou na Guerra do Suez95. Será promovido um debate mais aprofundando sobre o conflito de 1956 no terceiro capítulo deste trabalho. Além de uma ameaça ao governo Francês, o líder egípcio também incentivou os movimentos de libertação das colônias francesas na África como Tunísia, Marrocos e Argélia. Nasser se tornou um dos maiores líderes árabes. Parte de sua estratégia advém do uso da rádio para a veiculação dos seus princípios e das informações. A rádio era um importante veículo de comunicação que atingia um grande espectro da população árabe que apresentava um alto índice de analfabetismo. Um dos locais mais instáveis do Oriente Médio era a Síria que, desde 1949, estava em um total processo de desmembramento nacional e divisão política. A Síria fez parte do protetorado francês e foi um dos primeiros países árabes a conquistar a sua independência e, em 1946, ela se transforma em uma república parlamentar. O parlamento não era uma instituição forte e a economia síria não era bem gerida. Por conta disso, além de um importante papel das forças armadas, a instabilidade síria permitiu a aproximação do país ao projeto de Nasser que poderia ajudar a promover estabilização nacional. Neste período, o país contava com dois partidos, a saber, o 95 Os três estados fizeram um encontro em Sèvres na França aonde discutiram um plano secreto que deu origem a Guerra do Canal de Suez. 49 partido Socialista e o partido Ba´ath. O primeiro era bastante difundido no seio social e contava com o apoio soviético. O segundo, por sua vez, pregava a unidade árabe para a independência política da região e tinha Nasser como um grande exemplo. A instabilidade do país levou ambos os partidos a proporem ao líder egípcio a união entre ambas às nações, já que, Nasser havia se legitimado, sobretudo com um discurso panarabista que preconizava a solidariedade e unidade árabe. A proposta Síria, por outro lado, conclamava uma unidade de ações e objetivos. A aproximação dos dois Estados nacionais possibilitou o fornecimento de armas ao país árabe, além de, uma aproximação com o próprio socialismo. Destaca-se a aproximação da Síria a URSS desde a derrota de 1956. A proposta de união do Egito à Síria foi, para Nasser, uma excelente oportunidade para se legitimar no contexto regional e no contexto internacional mostrando, tanto a Grã-Bretanha quanto aos EUA, o papel central que o país tinha na e para região. Em 12 de janeiro de 1958, sem aviso prévio e diante de uma grande crise econômica e política, o chefe do estado maior do governo sírio vai ao Egito para tratar da unificação de ambos os países. Eugene Rogan afirma que: mesmo que [Nasser] sempre houvesse promovido a unidade árabe, se referia bem mais a uma solidariedade entre os árabes e isso era uma unidade de ações e objetivos. Nunca havia aspirado uma união formal com o resto do mundo árabe. Antes da revolução, a maioria dos egípcios nem se consideravam árabes. Haviam se acostumado a reservar a aplicação desta palavra aos habitantes da península arábica ou aos beduínos do deserto. 96 A Síria não esperava a aceitação de sua proposta por Nasser. A atitude do líder Sírio foi influenciada pela necessidade de manutenção do seu poderio. Em contrapartida, para Nasser, a aceitação da proposta significava o reconhecimento de sua liderança incontestável no mundo árabe. A união do Egito com a Síria demonstraria, para as grandes potências, que o Egito era a nação que foi chamada para moldar a nova ordem política do Oriente Médio. Nasser pretendia executar uma diretiva política na Síria similar a que concretizara no Egito. Os partidos políticos seriam dissolvidos e seria formada uma frente nacional única. A proposta caiu como um “balde de água fria” para os membros do Baa´th, mas o líder egípcio queria uma fusão total dos dois países ou nada. Foi estabelecida a República Árabe Unida (RAU) em 1958 e ela durou até 1961. O declínio da RAU estabeleceu também a fragilização do projeto de integração árabe e 96 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 477. 50 a própria representatividade centralidade de Nasser na LA e no contexto internacional. Após o termino da RAU, a Síria entra em estado de sítio sendo governada pelo partido Ba´ath. A Jordânia constituía o Reino Hashemita que por muito tempo esteve alinhado ao governo britânico. Em 1946 o país foi considerado independente sendo regido, a partir de então, por Abdullah. O líder, como exposto, havia ratificado acordos secretos com Israel. Parte dos planos de Abdullah era a anexação da Cisjordânia para a formação da Grande Jordânia. A anexação territorial estabelecida por Abdullah foi amplamente criticada na LA que até cogitou a expulsão do país da instituição. O projeto jordaniano ia contra a própria normativa árabe que reconhecia a causa palestina como um dos escopos da política comum da LA. A incorporação da Cisjordânia era uma política contrária à normativa árabe e a anexação foi reconhecida pelos países da LA como uma ação temporária da Jordânia. Abdullah, por não atender as regras estabelecidas na LA e por conta da própria lógica estabelecida pela reciprocidade, se torna um líder vulnerável dentro de seu Estado soberano. Em 1951, ele é assassinado e substituído por Husseini. Percebe-se a importância que a LA e o cumprimento da normativa têm dentro dos Estados nacionais árabes. O novo líder jordaniano continua a defender a incorporação da Cisjordânia a Jordânia. Até 1957, a Jordânia tinha um acordo com a Grã-Bretanha que enfraquecia o próprio posicionamento do país frente aos demais países árabes. O fim do acordo com a o governo britânico estimulou o líder jordaniano, Husseini, buscando se legitimar na região, em 1957, a cooperar com o Egito e a Síria tentando mostrar como a Jordânia estava a favor e em consonância com o nacionalismo árabe. A investida da Jordânia é recusada e o líder precisava se afirmar tanto na LA quanto dentro de seu próprio território nacional. Por conta da recusa dos Egito e da Síria e diante da insegurança que a RAU materializava, Husseini para consolidar a sua posição, se alia ao seu primo, Rei do Iraque, Faruk, com o intuito de fortalecer ambos os governos. A Jordânia e o Iraque estabelecem a Federação Árabe Unida (FAU) que, ao contrário da RAU, preservava a independência de cada Estado-membro, unificava os exércitos e previa uma ação única no que tange a política externa. A FAU é vista como a melhor proposta para a sobrevivência jordaniana frente aos desafios do governo de Nasser, da RAU e da própria LA. Contudo, ela durou somente seis meses, pois o Rei Faruk foi desposto no Iraque deixando o líder jordaniano em uma posição de extrema vulnerabilidade. 51 A Guerra de 1967 e a aproximação da Jordânia ao Egito e a Síria melhoram a posição do líder jordaniano frente aos seus cidadãos e a própria Liga. Conforme será abordado, os riscos de perda das anexações territoriais que não eram reconhecidas pelo próprio mundo árabe eram menores que a perda da reputação e da representatividade do líder que estava isolado dos demais países árabes. O Líbano apresenta uma dinâmica distinta na região. Ainda no período colonial, a França ampliou a sua dominação na Síria e foram desviados ao território libanês os cristãos que ali viviam. A ida dos cristãos para o Líbano formou uma lógica distinta no país, já que, população era, em sua maioria composta, de cristãos maronitas e não de árabes. Por ter maioria cristã, o Líbano não atacava diretamente Israel que percebia a possibilidade de realizações de acordos cooperativos com o país. A presença de uma maioria cristã e a manutenção do próprio sistema político vigente começou a ser questionada em 1957. Em 1943, o país conquistou sua independência da França e a população libanesa muçulmana demostrou disposição em deixar os cristãos no poder caso estes se comprometesse a integrar o país no mundo árabe e em se distanciar da França. Foi formulado um pacto nacional calcado em um sistema confessional aonde o governo era distribuído de acordo com as diversas seitas e grupos, conforme as estatísticas geradas pelo censo de 1932. Os cristãos eram a maioria na época e, por conta disso, o presidente deveria ser cristão. De acordo com o censo, o primeiro-ministro deveria ser sunita e o presidente do parlamento xiita tendo como vice-presidente um grego ortodoxo. O censo de 1932 foi fundamental para a formação da estrutura de governo libanês que imbuiu os cristãos do controle das forças armadas e da maioria parlamentar. Na década de 1950, o número de cristãos começou a declinar e os muçulmanos começaram a ser maioria no país. O pacto nacional começou a demonstrar fragilidade e o então presidente libanês, Camille Chamoun, usou da doutrina Eisenhower que previa o uso das forças norte-americanas para proteger a unidade e integridade territorial na região. A presença norte-americana no Líbano era uma forma de combater tanto Nasser quanto a própria URSS. Em 1958, o sistema entra em colapso e inicia-se a Guerra Civil Libanesa. A presença dos palestinos havia alterado o equilíbrio político e demográfico e os assentamentos da região começaram a ser militarizados. A sociedade libanesa ficou dividida entre os defensores da manutenção do status quo e os que pediam pela 52 revolução e pelo fim do pacto nacional. No Líbano foi consolidado grandes embates entre os defensores da política norte-americana e os nasseristas. Grupos militares iraquianos estavam planejando, desde 1956, uma ação para derrubada do governo do Rei Faruk e estabelecimento no Iraque de um governo militar. Assim como no Egito, os revolucionários se intitularam Oficias Livres do Iraque e queriam erradicar as bases Hashemitas e o próprio líder. Diferentemente do planejado pelos revolucionários egípcios, o movimento acreditava que a queda do governo seria conquistada através de uma revolução violenta que foi prevista entre os dias 13 e 14 de julho de 1958. No dia 14, o Rei Faruk é morto. A ação ocorrida no Iraque teve repercussão tanto no Líbano quanto na Jordânia. Os árabes libaneses se imbuíram de esperanças da possibilidade de deposição de Camille Chamoun que se mantinha na região com a ajuda da Doutrina Einsehower. De forma análoga, para o governo jordaniano, a queda do governo iraquiano enfraqueceu ainda mais o seu líder. Para continuar no poder, o rei jordaniano buscou ajuda junto aos Estados Unidos e da Grã-Bretanha que interviram na região. Os três países acreditavam que a revolução iraquiana tinha forte influência egípcia e temiam a possível intenção de dominação do líder do crescente fértil. Em 1951, o Irã se transformou em uma monarquia constitucional e Muhamed Mossadeq assumiu o poder no país. O candidato eleito tinha uma postura que era amplamente nacionalista e ele propõe inclusive a nacionalização do petróleo iraniano que possuía um acordo de concessão com a British Petroleum que perduraria até 1993. O controle dos poços de petróleo não agradou aos EUA e o Reino Unido que, por intermédio da CIA, prenderam Mosssadeq e o Irã se transforma em um governo autoritário sob o comando de Mohamed Reza Xá Pahlavi até a revolução de 1979. O Xá iraniano era favorável aos EUA e esta postura gerou severas críticas dos demais países árabes, em especial, do Egito. Após a Guerra dos Seis Dias, houve uma nova orientação da política iraniana, já que, Israel havia enfraquecido o poderio de Nasser, então presidente Egípcio, reduzido à ameaça que ele gerava ao Xá iraniano. O líder iraniano podia voltar suas atenções à vontade de se legitimar enquanto uma liderança no Golfo Pérsico. A revolução de 1979 percebeu o Xá como um líder tirano e americano. O líder foi deposto e o Aiatolá Kumani se legitimou como liderança nacional. A agenda política da revolução de 1979 pretendia, em suma, a rejeição da dependência iraniana ao ocidente; a percepção e identificação dos EUA como o principal inimigo do Irã; a briga 53 contra os poderes sionistas e os superpowers; a construção de uma relação próxima aos povos oprimidos; liberação de Jerusalém e oposição aos países pró-Israel e, por fim, o anti-imperialismo. A revolução e o governo revolucionário valeram-se dos símbolos representativos da fé Islâmica para se legitimarem. Durante a Guerra entre Irã e Iraque, por exemplo, o uso dos valores simbólicos foi fundamental como propulsor de uma força motriz para o esforço das tropas iranianas na região. Em relação ao Iêmen, em 1948, o Rei Ahmed assumiu o trono iemenita e logo se aproximou de Nasser, mas se opôs a algumas diretrizes políticas nasserianas como, por exemplo, a estatização das empresas e da economia. O rei morre e após a sua sucessão o Iêmen viveu um golpe de Estado que fundou a República Árabe do Iêmen. Os membros da família real se apoiam na Arábia Saudita e os revolucionários em Nasser. A guerra no Iêmen exauriu as finanças egípcias e a própria imagem do líder. Os líderes, por conta dos acordos de cooperação tiveram que dialogar com a manutenção da segurança regional que estava desestabilizada pelos projetos nasserianos. Em linhas gerais, é importante ressaltar o papel de Nasser no Oriente Médio. A sua ascensão ao poder alterou toda a balança de seguridade dentro dos sistemas representativos árabes e promoveu dilemas para a balança de poder no Oriente Médio. Para os líderes árabes, a manutenção da seguridade se apresentou como um desafio diante das ameaças que o líder consolidava. Para o Estado judeu, a obtenção de armas estrangeiras, em conjunto com a possibilidade de formação de um império árabe, poderia culminar em uma grande repressão que poria fim a Israel. O êxito de Nasser começa a declinar a partir da década 1960. Destaca-se os seguintes fatos para justificar este declínio: 1. Em 1961, a RAU se extingue; 2. O líder egípcio não se sobressai na guerra do Iêmen que tinha a Arábia Saudita como opositora e 3. Em 1967, as perdas que a guerra dos Seis Dias acarretou são decisivas para a reputação de Nasser. 2.4 O jogo político árabe: o papel e importância da Liga Árabe O Islã, para além de uma religião, é um importante agente condutor da política interna e externa dos países árabes. O papel do Islamismo pode ser percebido em diversos momentos da história dos povos árabes como, por exemplo, na revolução iraniana de 1979 ou na morte de Sadat, presidente do Egito, em 1981, assassinado por membros da Jihad Islâmica. O Islamismo assume uma conotação política que influência de forma importante o contexto social que o origina. Ao contrário da política interna, onde os líderes exercem um relativo controle do ambiente social, a possibilidade de 54 controle da política e relações externas é mais restrita e deve ser entendida pela interação estratégica dos atores e a interdependência das suas ações. Em princípio, dentro de um sistema nacional, os indivíduos são educados de forma a compartilhar de uma mesma base de princípios culturais que não deve ser descartada quando se é analisado o seu comportamento num contexto internacional. Como apontado no primeiro capítulo deste estudo, entende-se as interações estratégicas dos Estados, suas limitações e a suas consequências como frutos da especificidade situacional97 que as origina. Dessa forma, para compreender a atuação dos países árabes na conjuntura regional e internacional e em relação à construção dos seus próprios Estados, deve-se levar em consideração algumas características do Islã que, mesmo promovendo coesão aos países árabes, não é um movimento único e nem apresenta uma unidade religiosa entre seus seguidores. Politicamente, o Islã pode ser utilizado como um motivador, legitimador e justificador das ações e comportamentos adotados por muitos países árabes. Como dito, ele é uma ferramenta que é utilizada, através dos discursos dos Estados árabes, para a promoção e construção dos quatro tipos de poder propostos pela taxionomia apresentada por Barnett, a saber: o poder compulsório, institucional, estrutural e o produtivo. Em cada encontro é estabelecida uma lógica situacional específica onde é possível observar diferentes manifestações dos quatro tipos de poderes propostos pela taxionomia. No âmbito da LA, o Islã e sua simbologia são elementos de poder que são conclamados no momento das interações estratégicas dos líderes árabes. Ele deve ser compreendido como um valor simbólico e pode adquirir novas significados e significantes com as apropriações e com a prática dos seus seguidores. A LA foi fundada no Cairo em 22 de março de 1945 tendo como objetivo estreitar as relações entre os Estados-membros, promover a coordenação de suas políticas com o intuito de obter relações cooperativas e zelar pelas soberanias e independências dos Estados-membros. A LA deveria salvaguardar os interesses econômicos, financeiros, comerciais, empresariais entre outros dos Estados árabes, além das próprias relações culturais e sociais dos seus membros. Os objetivos da LA consolidam uma série de embates e rivalidades entre os Estados que dialogam entre o desejo de uma ordem regional, as normas do arabismo, as suas próprias identidades e o 97 Compactua-se com a concepção construtivista que pretende entender como os agentes e estruturas estão em um processo de criação mútua e da sua própria reprodução. Desta forma, as estruturas, suas especificidades modelam a capacidade dos atores para atingir seus objetivos e para moldar a sua própria atuação. 55 estabelecimento da vontade dos líderes enquanto representantes de seus Estados soberanos. Para Barnett98, a análise dos diálogos e das ações estratégicas estabelecidas no âmbito da LA possibilitam o entendimento da dinâmica que definiu, modelou e transformou o sistema de Estados árabes. O estabelecimento da LA coloca os países em um constante processo de negociação que não são somente representativas do seu interesse, mas, também, de sua identidade no âmbito nacional e supranacional. As negociações feitas no âmbito da LA são entendidas por meio da Teoria dos Jogos, já que, as interações estratégicas são resultantes das escolhas racionais dos líderes que desejam a legitimação das suas escolhas para a constituição da normativa da própria instituição. A criação e a regulação das normas no âmbito da LA são resultantes de uma disputa aonde os atores desejam legitimar as suas opiniões e a própria definição dos princípios se constitui como um exercício de poder e um mecanismo de controle social. A construção de diretrizes não significa necessariamente um sinal de cooperação e sim do estabelecimento de normativas que formalizam relações que consolidam a necessidade de estabelecimento da reciprocidade difusa entres as partes restringindo as ações individuais. Nesse contexto, é importante destacar o papel dos símbolos e das simbologias dentro da LA para entender o processo da construção de sua normativa. Os símbolos merecem um destaque, pois a política árabe se manifesta por questões simbólicas que são uma forma distinta de poder e que é particular ao grupo que a legitima. É importante ressaltar que os símbolos não são fontes de poder somente dos árabes sendo também utilizados por outros atores, contudo, para este trabalho, serão privilegiados os usos dos valores simbólicos pelos árabes. Os valores simbólicos e os próprios símbolos são inteligíveis somente por aqueles que os percebem como elos de identificação que estão assentados, sobretudo, na sua própria cultura e nas suas fronteiras. Desta forma, cada povo tem símbolos distintos que formam distintas identidades e racionalidades. A cultura, os seus valores e tradições são particulares ao grupo que os percebe como elementos representativos de sua identidade variando, assim, no espaço e no tempo demarcando, desta forma, a própria diferença entre os povos. No momento das interações estratégicas entre os líderes que participam da LA, os símbolos são fontes de poder que podem gerar tanto a cooperação quanto a própria competição simbólica para o estabelecimento da normativa comum de todos os 98 BARNETT, Michael N. Dialogues in Arab Politics: Negotiations in Regional Order. Columbia University Press. 1998. 56 participes da instituição. Por exemplo, a identificação de Israel como um ameaça, mesmo não sendo a melhor opção para alguns dos membros da organização, é um importante pilar da política árabe. Além disso, os símbolos formam a própria racionalidade dos povos árabes. As representações simbólicas, como destacado na introdução deste trabalho, são expressivas de um grupo particular de pessoas e que solidificam ainda mais os conflitos na região. No momento da definição dos padrões normativos a serem seguidos coletivamente, os líderes, para se legitimarem utilizam-se de ferramentas de tecnologia cultural para alcançar seus objetivos. Barnett percebe a existência de um “dilema de segurança cultural” entre os povos árabes. As normas do arabismo foram elaboradas em torno de dois eixos centrais: o primeiro se apresenta como em um esquema de interpretação que organizava a experiência e, neste sentido, cada líder queria legitimar a sua interpretação. O segundo eixo era a possibilidade de manipular elementos de sua cultura e simbologia para convencer os demais atores de que as propostas eram apropriadas, legítimas e consistentes com o arabismo. Este eixo possibilitava que alguns líderes controlassem as políticas de seus rivais, já que, no momento da legitimação da normativa e legitimação das regras do arabismo, os esquemas interpretativos e as diretivas da Liga estabeleciam as relações de reciprocidade que ameaçavam a própria legitimidade dos governantes árabes. No arabismo, o conflito era o resultado de uma disputa cultural e cada líder tinha um “kit cultural” que dentro de uma estrutura normativa ele poderia acionar para alcançar os seus objetivos. Neste sentido, Barnett propõem que os jogos árabes têm uma lógica própria que deve ser entendida para a compreensão da própria atuação árabe. Os embates no âmbito da LA também contaram com a solidariedade e cooperação entre os países. Desta forma, Barnett conceitua o arabismo como um processo normativo para modelar as formas e identidades para a preservação de uma imagem de representação. Os líderes, por sua vez, competiam para desenhar as normas, interesses dos governos por tecnologias simbólicas e seguiam a norma por uma questão de sobrevivência. Mesmo diante de um órgão que direcionava a conduta dos países, as suas práticas não foram únicas. As disparidades estiveram e estão presentes e os líderes, em momentos de crise, tais como o Pacto de Bagdá, a consolidação da República Árabe Unida, a Guerra dos Seis Dias, a Guerra do Yom Kippur, os Acordos de Camp David e a Invasão do 57 Kuwait99 pelo Iraque, reconsideram o significado do arabismo e as suas relações inter e intra estatais. As variações das normas dentro do espaço-tempo permitem não só a possibilidade de entendimento de um processo normativo pontual, como também, as alterações das diretivas e os pontos de inflexão da política árabe indicam as alterações dos objetivos e das políticas dos próprios Estados árabes e a formação de uma nova identidade, reflexividade, reciprocidade e racionalidade. Os usos e o próprio estabelecimento das normativas podem ser percebidos ao longo de toda a história da LA. Para estudos do conflito, a organização assume um papel central para o estabelecimento de ações conjuntas dos países árabes e para a identificação de uma ameaça comum. Ela deve ser entendida, sobretudo, pela própria tomada de decisão dos líderes árabes que se sentem estimulados a manifestar a sua vontade para a consolidação das políticas regionais restringindo a possibilidade de comportamentos individuais não representativos do arabismo. Desta forma, a LA estabelece a necessidade do cumprimento da normativa, já que, a ação dos líderes será respondida pela reciprocidade e de poder. Quando as relações são quebradas ou há ruído a própria segurança do líder é ameaçada pelo bloco que manifesta seu escopo de poder pela própria identidade árabe. Destaca-se que um jogo tem uma estrutura interna e externa que não deve ser desconsiderada quando se é almejado o entendimento da composição social que modela a capacidade dos seus partícipes. O jogo político árabe vai ao encontro com a crítica feita à Teoria dos Jogos no primeiro capítulo, quando é ponderado em relação a racionalidade e a construção de modelos. Por se tratar de um processo continuo, a reformulação dos discursos e da própria normativa da LA dista, sobretudo, da construção de uma nova racionalidade e de um novo modo de fazer política onde os atores e a conjuntura são alterados, assim como, as próprias decisões estabelecidas na organização. Nos momentos de crise, ocorre uma revisão da normativa árabe como, por exemplo, a mudança do pensamento que defendia um processo de integração nacional para a própria valorização dos Estados soberanos. No momento da alteração destas 99 Não será promovida uma discussão aprofundada sobre o pacto de Bagdá , os acordos de Camp David e a Invasão do Kuwait neste trabalho. O Pacto de Bagdá foi uma aliança de defesa assinada entre EUA, Iraque, Turquia, Paquistão e o Reino Unido estabelecido em 1955. Os países contrários à presença das potências ocidentais na região criticaram a alinhamento e o acordo ratificado com os EUA que ia contra a orientação da LA. Os acordos de Camp David foi resultado das negociações feitas entre Israel e o Egito sobre mediação dos EUA aonde os dois países se comprometiam a estabelecer um acordo de paz. A atitude egípcia foi amplamente criticada por alguns membros da LA como, por exemplo, o Irã que rompeu relações com o Egito. Por fim, a invasão do Kuwait ocorreu em 1990 e ela foi impulsionada pelo desejo iraquiano controlar os poços de petróleo. Será feita uma discussão no quarto capítulo sobre a insegurança que o petróleo gera para os países produtores. Ambos os momentos propiciaram a revisão da normativa árabe e configuraram novas relações entre os países. 58 diretivas políticas e com o estabelecimento de uma nova normativa, os Estados elaboram novas diretrizes nacionais que privilegiam os seus desejos nacionais e o estabelecido pela própria LA. Trata-se de jogos cooperativos onde os atores constroem o seu conhecimento do outro de forma reflexiva objetivando o maior ganho. Em relação à percepção da questão da segurança árabe, destaca-se o estabelecimento de três pontos comuns aos Estados árabes pela Liga, a saber: confrontação com Israel, recusa ao ocidente e o desejo a unidade regional. Estas diretivas estabelecem e originam, conforme defendido por Buzan, uma ameaça comum aos líderes árabes. Israel se torna uma ameaça à segurança dos países da LA e consolida desafios diferenciados para os líderes árabes. A identificação de uma ameaça comum restringe comportamentos bilaterais entre os Estados que poderiam não se beneficiar com o conflito. Para a Jordânia, por exemplo, o custo da manutenção do estado de beligerância com o Estado judaico era alto. O líder jordaniano sentia-se compelido a seguir as diretivas da LA que influenciava, sobretudo, na sua reputação, estabilidade, legitimação dentro do seu território nacional, assim como, dentro da própria Liga. Ao contrário dos países do Golfo Pérsico, por exemplo, a Jordânia tem uma enorme fronteira com o Estado de Israel e isso demandaria altos investimentos logísticos ao país em caso de um confronto. Em 1964, com o estabelecimento da Organização pela Libertação Palestina (OLP) e o elevado número de palestinos em seu território, houve a intensificação das ações assimétricas deste grupo contra o Estado judaico. A presença Palestina debelava uma ameaça tanto a própria Jordânia enquanto Estado soberano quanto para seu líder que expulsa, em 1970, os palestinos de seu território reduzindo assim a possibilidade de conflito com o seu vizinho judaico. Com relação à identificação do Estado de Israel como uma ameaça, Barnett aponta que: O arabismo, por exemplo, não instruiu simplesmente os líderes a evitarem acordos bilaterais com Israel- o que o fez- como também ajudou na construção do sionismo como uma ameaça árabe definindo-o como um elemento do interesse nacional árabe. O estabelecimento de relações com Israel representava [aos países] violações dos taboos da política árabe e convidava-se ao ridículo publico com acusações de traição a nação árabe. Mesmo que vários líderes árabes tenham acreditado privadamente que eles ganhavam pouco com a manutenção do estado de guerra com Israel e que poderiam obter ganhos materiais com a sua redução, se não a resolução do conflito, eles sabiam que não poderiam difundir essas ideias publicamente. Em 1950, o Rei Abdullah da Jordânia calculou que a situação política e econômica jordaniana estaria melhor se o conflito com Israel tivesse um fim e fossem realizados acordos comerciais e com o estabelecimento de uma 59 passagem via marítima; para muitos jordanianos e árabes essas visão era uma blasfêmia. As normas do arabismo haviam legitimado algumas estratégicas e colocou outras fora das normativas estabelecidas pelos Estados árabes independente das suas capacidades ou como eles calculavam os seus incentivos materiais. Os líderes árabes ocupavam papeis sociais que continham expectativas normativas que eram estabelecidas no sistema regional. De fato eles ocupavam dois papeis: agentes da soberania estatal e 100 agentes da comunidade política árabe. A identificação das ameaças comuns pela Liga como, por exemplo, Israel gera desafios aos líderes em relação à própria especificidade de seu país e nas formas como ele deve elaborar as suas estratégias nacionais para o cumprimento da normativa regional. A reciprocidade se apresenta como uma importante ferramenta para a LA, já que, restringe ações egoístas em prol da manutenção da própria instituição impelindo os líderes a seguirem as regras de compliance. Caso a reciprocidade não seguisse a lógica Tic-for-Tac, os líderes poderiam se sentiriam ameaçados caso não seguissem a diretiva. O Egito, por exemplo, foi um dos países mais importantes para a formação da identidade regional árabe. Seu líder, Nasser, teve um papel fundamental para a construção das normas do arabismo tendo se legitimado como um importante representante ao conquistar, em 1956, a nacionalização do Canal de Suez. No início da década de 1960, entretanto, ele lançou o Egito em um enfrentamento militar no Iêmen e foi perdendo gradativamente a sua reputação frente aos demais líderes árabes. Com o agravamento da situação Israel-Síria, desde 1964, pela questão da água e da intensificação das infiltrações entre Israel, Jordânia e Síria, Nasser é incentivado, pelas normativas da LA e pelo pacto de defesa estabelecido com a Síria e Jordânia, a adotar medidas contrárias ao Estado judaico. O Egito não tinha condições militares e financeiras para iniciar um confronto com o Israel, contudo, as normas do arabismo e o desejo de legitimidade impulsionaram Nasser a atender ao pedido sírio. Nasser, também utilizou em larga escala os dilemas de segurança cultural dentro do âmbito da LA para promover constrangimento aos demais líderes que não seguiam 100 BARNETT, Michael N. Op. Cit..p. 34.Tradução livre. Na língua original: “Arabism, for instance, did not simply instruct them to avoid bilateral settlements with Israel, although it did; it also helped to construct Zionism as a threat and as a defining element of the Arab national interest. To contemplate relations with Israel, to violate the taboo of Arab politics, was to invite public ridicule and charges of having betrayed the Arab nation. To contemplate relations with Israel, to violate the taboo of Arab politics, was to invite public ridicule and charges of having betrayed the Arab nation. Although various Arab governments privately believed that they gained little from the state of war with Israel and might profit materially from a reduction, if not resolution, of the conflict, they knew better than to air such ideas in public. In 1950 King Abdullah of Jordan calculated that Jordan’s economic and political interests might be better served by ending the state of war with Israel, concluding some commercial agreements, and arranging for an outlet to the sea; a Jordanian and Arab public that viewed such agreements as blasphemy overruled such material calculations. The norms of Arabism sanctioned some strategies and placed others outside the normative reach of Arab states, regardless of their capabilities or how they calculated their material incentives. Arab leaders occupied social roles that contained normative expectations as they performed on the regional stage. In fact, they occupied two roles: agent of a sovereign state and agent of the wider Arab political community.” 60 os protocolos. Husseini, líder palestino, por exemplo, havia procurado a LA no momento de sua fundação, mas, somente em 1948, a instituição enviou exércitos para ajudar os palestinos. Eugene Rogan, afirma que: O conjunto dos Estados árabes se encontrou assim diante de um sério dilema. Consideravam que o conflito da Palestina era uma causa árabe e sentiam obrigação moral de intervir e procurar proteger seus correligionários árabes da Palestina. O feito de que os estados árabes haviam se unido em baixo dos auspícios da Liga Árabe para coordenar sua ação comum não havia servido mais do que para reforçar essa primeira impressão; ainda assim, os estados árabes, considerados por separado, teriam interesses nacionais próprios e divergentes, o que significava que interviam na guerra mais em suas condições de egípcios, jordanianos ou de sírios do que por sua qualidade árabe. E o pior é que haviam de transportar as rivalidades internas do conjunto dos árabes ao campo de batalha. 101 A LA, segundo Rogan, coordenava as ações políticas dos diversos Estados nacionais árabes. Em 1948, no momento da Guerra de Independência do Estado de Israel, os Estados árabes já haviam identificado à causa palestina como uma causa árabe, contudo, não havia sido estabelecido um sentimento comum dos Estados árabes dentro da própria LA que era uma instituição recém-criada que estava elaborando a sua própria normativa. Destaca-se que não era todos os Estados árabes não haviam conquistado as suas independências em 1948. Desta forma, a agenda política da LA iria sofrer grandes processos de negociação da sua normativa até o período privilegiado por este trabalho. Depois do golpe dos Oficias Livres no Egito, em 1952, e com a chegada de Nasser ao poder, a LA passou a defender um projeto de integração entre os Estados. Em 1967, é sancionada uma nova diretiva, já que, foi percebido que a priorização pela integração dos Estados Nacionais estava sendo amplamente criticada por conta de seus resultados como, por exemplo, a perda territorial resultante do conflito com Israel em 1967. Neste momento, questiona-se o se o payoff originário da própria diretiva política de integração era válido pela observação dos resultados obtidos até então. A mudança do pensamento árabe depois de 1967 é fundamental para o entendimento do próprio comportamento dos Estados dentro e fora da LA. A nova orientação privilegiava o nacionalismo e o conservadorismo. A orientação anterior a 1967 previa a integração dos Estados. O momento coincidiu com a própria acentuação do sentimento nacional dentro dos Estados que começaram a conquistar a sua independência a partir da década de 50 do século XX. Mesmos com a nova orientação da LA, o arabismo e o projeto de integração não desapareceram. Após 101 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 409. 61 as derrotas de 1967, os árabes passam a se organizar por meio de Conferências onde o conflito com Israel foi visto como um elemento de convergência e como uma ameaça à segurança árabe. Ao contrário das diretivas anteriores, os árabes cooperariam respeitando e reconhecendo a soberania alheia. Em 1967, por exemplo, o líder jordaniano se sentiu pressionado a entrar no conflito com Israel, que a Síria defendia, em especial, pela questão da água. Para o Rei da Jordânia, pensando nas suas escolhas racionais e possibilidades dentro do jogo configurado naquela ocasião, o custo de perder Jerusalém e a Cisjordânia era menor do que o custo político de não entrar no conflito. Caso o líder jordaniano não acatasse a diretiva árabe ele estaria se indispondo com os países da LA e com a própria normativa estabelecida pela instituição que previa a integração política entre os seus membros. A entrada jordaniana no conflito acarretou na perda de Jerusalém que representa um grande dano para os árabes. A percepção de que a política de integração não era a mais eficaz, permitiu que, em 1973, o Rei jordaniano pudesse escolher se iria entrar em um confronto com Israel ou não. Caso o líder não tivesse entrado no conflito em 1967, o descumprimento das regras estabelecidas na Liga poderia reduzir a própria reputação de Husseini. Assim como a Jordânia, o Egito não queria iniciar um confronto imediato com Israel em 1967, contudo, ele foi impingido a seguir a normativa da LA. Ambas as nações foram estimuladas a seguir a diretiva da LA por conta das relações de integração e da identificação de Israel como uma fonte de ameaça a coletividade árabe. A nova diretiva adotada pela LA almejava a coordenação das políticas árabes ao invés da integração, privilegiando as soberanias e os interesses nacionais dos diferentes Estados partícipes. No momento da Guerra de 1973, a ameaça israelense era um ponto comum, mas a ausência de uma estratégia única e os múltiplos interesses nacionais conflitantes acabou por enfraquecerem o movimento árabe. Durante a Conferência de Catrum102, em 1967, o Iraque já discutia o uso do petróleo como um meio para punir os países que apoiavam Israel. Em vez de ser um instrumento que limitaria a cooperação no momento de guerra, como ocorrido em 1973, o petróleo poderia servir para obtenção de poder no momento posterior ao embate. A proposta iraquiana de punir os países aliados foi vetada pelos membros da LA que perceberam que o uso para fins políticos do petróleo naquele momento como, por exemplo, a restrição ao comércio, poderia lesar os próprios países árabes. Devido à 102 O documento gerado na Conferência de Catrum encontra-se no anexo 3 deste trabalho. 62 derrota dos países árabes na Guerra de 1967, em especial do Egito, Síria e Jordânia, seria necessário à reconstrução dos países atingidos. Esta medida punitiva, além de promover a intervenção internacional em um momento onde os países árabes que foram lesados pelo conflito encontravam-se em uma situação delicada, poderia reduzir a própria receita dos produtores que seriam fundamentais para a reconstrução do Egito e da Jordânia. A Síria, por descumprir as regras de reciprocidade, não foi privilegiada com o apoio financeiro dos países produtores. A Conferência de Catrum de 1967 assume um papel central para a determinação das regras do jogo em relação ao enfrentamento da ameaça israelense. Pelos princípios estabelecidos nesta Conferência, a nova normativa árabe seguiria as seguintes diretrizes: o não estabelecimento de paz com o Estado de Israel, o não reconhecimento do Estado judaico e a recusa de negociar com o mesmo. As novas regras determinavam as orientações árabes que estabeleceriam agendas políticas nacionais que deveriam privilegiar, por exemplo, o não estabelecimento de acordos com o Estado judeu. Barnett103 destaca que, a partir de então, o conflito foi ainda mais acentuado. Cabe ressaltar que o direito palestino de ter um Estado soberano dentro de seu próprio território foi discutido nesta Conferência se destacando como uma das prioridades da política árabe. Uma cláusula de suma importância da Conferência foi a recomendação e percepção dos Ministros das Finanças, Economia e Petróleo de usar o petróleo enquanto uma “arma de guerra”. O documento aconselhava que: 4- A Conferência dos Ministros Árabes das Finanças, Economia e Petróleo recomendaram a suspensão do bombeamento do petróleo que pode ser usado enquanto uma arma de guerra. No entanto, após o estudo da causa, a cúpula concluiu que o bombeamento de petróleo pode ser usado como uma arma positiva, já que, o petróleo é um recurso árabe que pode ser usado para fortalecer as economias dos Estados árabes diretamente após as agressões de modo que os Estados permaneçam na própria batalha. A Conferência decidiu continuar a bombear petróleo, já que o petróleo é um recurso árabe positivo e que pode servir para os próprios objetivos árabes. Ele pode contribuir para os esforços para permitir que os Estados árabe que foram expostos a agressão e, por isso, perderam recursos econômicos, que fiquem firmes e que eliminem os efeitos da agressão. Os Estados produtores de petróleo têm, de fato, participado dos esforços para permitir que os Estados atingidos permaneçam firmes diante de uma pressão econômica.//5. Os participantes da conferencia aprovaram o plano proposto pelo Kuwait para estabelecer um Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social Árabe com nas recomendações 103 BARNETT, Michael N. Op. Cit. 63 estabelecidas na Conferência de Bagdá dos Ministros Árabes das Finanças, Economia e Petróleo.104 A recomendação é bastante importante, tendo em vista, a indicação do uso do petróleo enquanto uma arma de guerra. A diretiva vai ao encontro do proposto pelo Iraque e enfatiza a percepção dos Estados árabes produtores da crescente importância que o petróleo estava adquirindo no cenário internacional e, por conseguinte, a própria importância da região. Por conta crescente dependência mundial pelo recurso, o petróleo poderia ser utilizado tanto para a quebra dos meios de produção dos países consumidores e industrializados quanto como uma fonte de renda que melhoraria a própria economia dos países árabes. Além do apoio econômico dado aos países atingidos pelo conflito, os rendimentos oriundos do comércio do recurso possibilitariam a compra de armas e o reabastecimento dos países que se encontravam em estado de beligerância com Israel. O petróleo e a centralidade que a região estava assumindo possibilitava ainda um novo posicionamento dos árabes no cenário internacional que poderia impulsionar a concretização de acordos comerciais, em especial, acordos com a indústria bélica em prol da manutenção do comércio do recurso. A alteração do próprio equilíbrio de poder e a crescente comercialização do recurso geravam dilemas de segurança que eram fundamentais para a construção de um novo relacionamento como o próprio Estado de Israel. O petróleo adquiria importância tanto para os consumidores que precisavam do insumo para a manutenção do sistema produtivo quanto para os produtores que tinham o recurso como uma das principais fontes de renda estatal. A constante dependência do petróleo, já percebida em 1967, foi fundamental para o uso do recurso enquanto arma em 1973. Na ocasião de 1967, como será debatido no quarto capítulo deste trabalho, os 104 Resolução da Conferência de Catrum, Disponível em: http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/1ff0bf3ddeb703a785257110007719e7?Open Document. Acessado dia 12/08/2013. Tradução livre. Na língua original: “ 4. The conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil recommended that suspension of oil pumping be used as a weapon in the battle. However, after thoroughly studying the matter, the summit conference has come to the conclusion that the oil pumping can itself be used as a positive weapon, since oil is an Arab resource which can be used to strengthen the economy of the Arab States directly affected by the aggression, so that these States will be able to stand firm in the battle. The conference has, therefore, decided to resume the pumping of oil, since oil is a positive Arab resource that can be used in the service of Arab goals. It can contribute to the efforts to enable those Arab States which were exposed to the aggression and thereby lost economic resources to stand firm and eliminate the effects of the aggression. The oilproducing States have, in fact, participated in the efforts to enable the States affected by the aggression to stand firm in the face of any economic pressure. 5. The participants in the conference have approved the plan proposed by Kuwait to set up an Arab Economic and Social Development Fund on the basis of the recommendation of the Baghdad conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil” 64 países árabes não controlavam a sua produção e, por isso, a restrição do bombeamento do petróleo poderia não se tão eficaz. A manutenção da venda e o uso do dinheiro gerado pelo comercialização do insumo para o aprimoramento e para a defesa da causa árabe seria a melhor escolha para os árabes atingidos pela guerra e para a manutenção da própria economia dos países produtores. A conclusão tomada pelos ministros árabes ainda demonstra o comprometimento dos Estados produtores com o projeto árabe sancionado pela LA originando relações de reciprocidade benéficas a economia dos Estados produtores dentro da própria instituição. Os Estados produtores, por saberem que o estabelecimento das normas no âmbito da LA é resultante de um exercício de poder, almejavam a legitimação de uma diretiva que os beneficiasse e mantivesse a sua própria capacidade produtiva. Não foram todos os países produtores que concordaram com a medida, por exemplo, o Iraque que defendia a suspensão do bombardeamento de petróleo. Conforme exposto, o estabelecimento de regras que exigem reciprocidade são fundamentais para o constrangimento das ações egoístas dos Estados. Neste caso, a medida proposta pelos demais países produtores enfraqueceram e limitaram a própria ação iraquiana que garantiu a continuação da sua principal fonte de renda sem dissociá-la da própria causa árabe. O documento sancionado em Catrum é bastante discutido, pois ele limitava a própria ação individual para a concretização dos acordos com Israel. Apesar de respeitar as soberanias nacionais, Catrum definiu o que seria politicamente viável para os Estados árabes estabelecendo novas regras como o não estabelecimento de acordos de paz com Israel, o não reconhecimento do mesmo, a recusa em negociar com o Estado judeu. Além disso, o uso do petróleo para fins políticos estabeleciam novas possibilidades para o próprio conflito. Todas estas medidas, em especial a recomendação do uso do petróleo, criaram novas regras que colocavam os países produtores em evidência. Em suma, a compreensão dos jogos políticos árabes é fundamental para o entendimento do conflito e dos mecanismos que legitimam e estimulam a ação dos países árabes no contexto regional. A LA e a criação das normativas que norteiam a ações políticas dos países árabes constituíram um exercício de poder que foram alterados constantemente, criando novas políticas, a necessidade de seguir a normativa por conta da necessidade de manutenção da reciprocidade e novos atores que atuaram dentro de uma lógica situacional específica. Em um primeiro momento, até 1967, a orientação de integração da Liga ia contra as soberanias nacionais, porém está diretiva 65 muda em 1967 em direção de uma orientação mais cooperativa e estadista. Este novo momento da política árabe, promove a convergência identitárst’ia dos povos para a percepção de que o Estado judeu como um elemento que desafia a segurança árabe. Neste sentido, respeitando as soberanias locais e usando o petróleo para a mudança da balança de poder na região, os Estados árabes impulsionaram e ratificaram as suas políticas e orientações de forma coletiva e individual na região. 66 Capítulo 3: Força Bélica: Uma análise das Guerras de 1967 e 1973 Esse capítulo promoverá um debate sobre o uso da força bélica para a obtenção da segurança, soberania e consolidação do poder na região pelos Estados árabes e pelo Estado judeu na Guerra dos Seis Dias e na Guerra do Yom Kippur. Os Estados árabes usaram o petróleo enquanto recurso estratégico em ambos os momentos, contudo, somente em 1973, como será abordado no quarto capítulo deste trabalho, o recurso gerou resultados positivos. O recurso foi entendido como uma diferença da política árabe para a construção de suas estratégias na região. Antes de abordar diretamente os conflitos, é necessário que seja estabelecido uma diferenciação do conceito de guerra preventiva e de guerra preemptiva. A guerra preventiva tenta evitar um hipotético ataque a determinado território. O Estado que inicia este conflito não tem evidências conclusivas sobre a iminência de uma ação militar e age de forma profilática ao tentar evitar qualquer ataque ao seu território. Este tipo de ação militar vem sendo questionado em relação a sua legitimidade, pois os Estados podem desencadear uma ação preventiva para evitar possibilidades de alteração do equilíbrio de poder entre as partes usando a ação armada de forma arbitrária e sem respaldo do direito internacional. O desencadeamento deste tipo de conflito é originário de um momento de crise aonde existem possibilidades para o estabelecimento de relações diplomáticas para a manobra da mesma. A guerra preemptiva, por sua vez, é estabelecida quando existem provas de uma ameaça iminente. O Estado ao lançar a sua campanha militar tem conhecimento suficiente das ameaças sofridas e estabelece suas ações em nome da legitima defesa nacional. Este tipo de guerra é reconhecido por sua legitimidade e pela impossibilidade da atuação da diplomacia visto o prenúncio do conflito. A diferença de percepção das formas de manifestação dos conflitos é fundamental para o entendimento da própria atuação do sistema internacional frente aos Estados beligerantes. O primeiro tiro e a ação preventiva podem gerar ganhos estratégicos para os fins de ganhos militares, contudo, internacionalmente o Estado pode sofrer sanções relativas à ilegitimidade de suas ações. 3.1. A Guerra do Canal do Suez A instabilidade da região deve ser compreendida de forma gradual e pelos desafios e dilemas deixados pelo próprio conflito. Pretende-se de forma breve contextualizar o momento que antecedeu a Guerra dos Seis Dias percebendo a 67 conjuntura que solidificou a instabilidade regional que culminou na escalada militar. Em 1956, ocorreu a Guerra do Suez também conhecida como a segunda guerra árabeisraelense que teve como estopim a nacionalização do canal de Suez pelo Egito. O canal, como dito, era um ponto estratégico que faz parte da jurisdição soberana egípcia. Na época, o canal era importante também para Israel e para a Grã Bretanha e França que possuíam bases na região. O Golfo de Acaba permite o fluxo marítimo para o Estado de Israel e divide a Península do Sinai da Península Arábica. O Golfo é bastante estreito e, segundo a diretiva marítima internacional, tanto a Arábia Saudita quanto o Egito tinham sob sua soberania o mar territorial da região que compreende a área de 12 milhas náuticas ou, em média, 22 km. Além do mar territorial, os países soberanos, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, ainda podem exercer jurisdição sobre a zona contígua em relação a contrabando e imigração ilegal e na Zona Econômica Exclusiva nos pontos que privilegiam a exploração marítima. A possibilidade do fechamento do Canal era um risco para Israel. A Guerra de 1956 adquire importância para este estudo por seus resultados. Apesar de não ter mudado permanentemente a configuração territorial do Oriente, o confronto foi fundamental para a alteração do equilíbrio de poder da região e para o estabelecimento de uma nova orientação do próprio jogo político na região. Os judeus, vitoriosos militarmente, saíram da guerra com a confirmação de estarem se tornando uma potência bélica, por outro lado, os países árabes, em especial o Egito, também obtiveram uma vitória, já que, conseguiram que os protetorados fossem retirados da região. Barnett destaca que “a Guerra do Suez pode ser mais bem entendida como simbolizadora do fim de uma era e o início de outra, reforçando tendências e forças sociais já presentes.”105. A vitória egípcia também representou a vitória dos países árabes progressistas em relação aos reacionários106. Nasser, segundo Shlaim, passou a identificar Israel, no pós 1956, como uma potência europeia 107. A ação militar mudou o modos operandi da própria FDI. Antes do inicio do conflito, o Estado judaico estava concretizando acordos para a compra de armamentos franceses108 e os Estados árabes já haviam firmado acordos 105 BARNETT, Michael N. Op. Cit. p. 123. Os Estados reacionários eram aqueles que estavam associados aos EUA. Estes eram: Marrocos, Jordânia, Tunísia, Líbano e Arábia Saudita. Os Estados progressistas eram os associados a URSS. Dentre os progressistas destaca-se: Egito, Síria, Iraque, Argélia e Iêmen. 107 SHLAIM, Avi. Op. Cit.. p. 193. 108 Havia a preferência e toda uma política pró-EUA, contudo, o fornecimento de armamentos franceses não restringia a possibilidade um confronto com o Egito. Os EUA, em contra partida, colocaram como condição para a venda de armamentos que Israel não entrasse em guerra. 106 68 junto a URSS. A busca pelo fornecimento de armas junto as grandes potências era uma das políticas prioritárias que viam na força bélica um meio para a obtenção de poder e soberania na região. Moshe Sharett, então ministro das Relações Exteriores, estava nos Estados Unidos tentando estabelecer um acordo para a obtenção de armamento norteamericano quando, em Israel, Ben Gurion autoriza um ataque preventivo contra a Síria em 1955. A atitude do primeiro-ministro israelense prejudicou a negociação de Sharret junto aos EUA levando-o a concluir que o primeiro-ministro estava sabotando os seus esforços para o alcance de seus objetivos nacionais que era a concretização de um acordo com os norte-americanos. Neste sentido, para Sharett, a decisão do líder não era a melhor escolha dentre todas as possibilidades que o primeiro-ministro tinha. Ao retornar a Israel, Sharett afirmou que era contra a guerra preventiva, pois ela poderia se tornar uma guerra real e que “aquilo que não ocorreu na Guerra de Independência pode ocorrer, isto é, a intervenção de uma potência estrangeira contra nós. [...] Sou contra a guerra preventiva porque ela significa medidas da ONU contra nós.”109. O primeiro-ministro israelense estava irredutível quanto à possibilidade de um confronto e as medidas adotadas por ele, em 1955, foram criticadas pela imprensa internacional e pelo Conselho de Segurança da ONU que condenou o ataque israelense. Os Estados Unidos haviam decidido, por conta da boa diplomacia estabelecida por Sharett, a vender armas para o governo israelense, contudo, a atitude ofensiva do Estado judeu mudou a opinião norte-americana. Após o incidente o gabinete israelense se dividiu entre os almejavam o início de uma guerra e os que preferiam os meios diplomáticos para a restauração do equilíbrio entre Israel, Síria e Egito. O primeiro-ministro israelense acreditava que Nasser, tendo oportunidade e recursos suficientes, destruiria o Estado de Israel e, para evitar o desmantelamento do Estado judaico, seria necessário a obtenção de armas e de uma ação antes da ruptura do equilíbrio de poder na região. Neste sentido, seguindo a melhor estratégica diante da premissa proposta pelo primeiro-ministro, o Estado de Israel deveria atacar ao invés de esperar pela possibilidade de mudança da balança de poder na região. Diante da crise e tentando evitar uma escalada, os Estados Unidos investem em uma missão com a intenção de consolidar um acordo entre Israel e Egito. Este almejava apoio financeiro norte-americano para a construção da represa de Asuán enquanto aquele queria a concretização de um acordo para a obtenção de armas norte-americanas. 109 Idem. Ibdem. p. 201. 69 A divergência entre os dois lados não foram superadas e a operação não cumpriu os seus objetivos. Israel consolidou um acordo com a França sem o apoio do Ministro das Relações Exteriores. Sharett representava um grande empecilho para a política bélica de Ben Gurion e, em 1956, ele foi afastado do governo e substituído por Golda Meir. A recusa americana para a venda de armas favoreceu um alinhamento entre Israel e França, já que, ambos os países tinham o líder do Egito como inimigo110. Apesar de temer Nasser e percebê-lo como o “Hitler do Nilo”, o governo Francês não queria se comprometer em um enfrentamento militar direto com o Egito e, por isso, pretendia a concretização de uma ação conjunta com Israel. Os acordos com a França equilibravam novamente o poderio militar israelense frente ao Egito, além de, legitimarem a necessidade de uma ofensiva na região. No dia seguinte a nacionalização do Suez, Shimon Peres se reuniu com líderes franceses que almejavam a ajuda israelense para atravessar o Sinai. Os britânicos ficaram indecisos em relação à participação israelense. Houve uma conferência secreta no dia 30 de setembro de 1956 entre Israel, França e Grã-Bretanha com o intuito de consolidar um plano de ataque conjunto. O plano apresentado pelo governo francês previa um ataque israelense no Canal de Suez o que possibilitaria a intervenção inglesa e francesa com o intuito de salvaguardar a região. Ben Gurion não concordou na totalidade com o plano apresentado, já que, o Estado de Israel poderia ser alvo de críticas por iniciar uma guerra preventiva contra o Egito. Diante desta conjuntura, o primeiro-ministro convocou uma reunião secreta em Sèvres para o alinhamento entre os três países. O encontro concluiu o Protocolo de Sèvres que possui sete artigos que orientaram a ação conjunta. Os resultados do enfrentamento são visto de forma distinta pelas duas correntes historiográficas israelenses. Os autores revisionistas percebem que, mesmo com a vitória militar, a ação conjunta não promoveu a destruição de Nasser, falhou no estabelecimento de uma nova ordem política no Oriente Médio e na expansão das fronteiras israelense. O poderio de Nasser, ao contrário, fora fortalecido. A guerra é vista pelos tradicionalistas, em contrapartida, como uma guerra defensiva brilhantemente executada e que alcançou todos os seus objetivos. Independente da corrente, a Guerra de Suez representou a perda da atitude moderada israelense frente aos 110 O Egito estava ajudando os rebeldes argelinos. Para os franceses a queda de Nasser possibilitaria o desmoronamento da rebelião Argelina. 70 países árabes destacando a importância da força bélica na região. No momento posterior ao conflito ocorreu a intensificação dos dilemas de segurança que foram ratificados pela corrida armamentista. As constantes derrotas árabes e a própria postura israelense culminou em uma atitude irreconciliável entre os dois polos que exigia, no imaginário dos países árabes, uma vitória frente à entidade sionista para a possibilidade de alteração da balança de poder. Uma das lições aprendidas por Ben Gurion, primeiro-ministro israelense, com a Guerra do Suez, foi que Israel não poderia expandir seu território à custa do país vizinho. A conquista não confere mais o direito à manutenção do território conquistado e, como isso, ele defendeu ainda mais o uso da repressão e que a FDI deveria se equipar com armas mais avançadas e manter a superioridade bélica frente aos exércitos árabes. Durante o seu governo, Ben Gurion havia preterido a força bélica ao invés da diplomacia, já que, acreditava, como previamente evidenciado, que a legitimação do Estado judaico estava na mão dos próprios judeus. Contudo, com o avanço do apoio soviético aos Estados árabes, o governante israelense começa a buscar a consolidação de acordos com os Estados Unidos da América111 que foram primeiramente recusados. Os EUA já apresentavam preocupações com a questão do petróleo árabe e a manutenção de certa distância de Israel iria garantir o fácil acesso ao produto. Esta determinação dos EUA se altera quando, em 1957, é lançada a Doutrina Eisenhower. A doutrina fez parte da política externa norte americana e previa a ajuda, mediante pedido, aos países contrários ao comunismo ou identificados como uma ameaça aos EUA. A doutrina foi bastante importante para conter a expansão soviética e a própria atuação de Nasser na região. Após a Guerra do Canal de Suez, a região sofre mudanças significativas: os países árabes estavam no auge dos seus nacionalismos; a Organização pela Libertação Palestina (OLP) havia sido fundada com o intuito de lutar pela a criação de um Estado palestino; Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) fora estabelecida em 1960; Israel estava em ascensão econômica, cultural e social; presença das superpotências, URSS e EUA, na região; estabelecimento de uma nova dinâmica instaurada pela presença das forças de Paz da ONU (UNEF) como parte das medidas estabelecidas no pós-guerra de 1956112. 111 112 Israel já contava com o apoio francês. O anexo 6 desta trabalho mostra a disposição das formas da UNEF no território Egípcio. 71 3.2. A Guerra dos Seis Dias Esta conjuntura começou a sofrer alterações nos anos precedentes a Guerra de 1967. Para o entendimento do estopim desse desequilíbrio é necessário a percepção de uma combinação de eventos que foram fundamentais para o desencadeamento da ofensiva e que são também importantes para a apreensão das formas como as decisões se moldaram de forma interdependente e de forma reflexiva para a obtenção de poder, consolidação da segurança e ratificação das soberanias. Destaca-se a ocorrência dos seguintes episódios que serão debatidos em seguida: 1. Com a criação da OLP, em 1964, os números de infiltrações e de movimentos assimétricos nas fronteiras entre Israel, Jordânia e Síria aumentaram acarretando, assim, na energização das hostilidades nas fronteiras; 2. Questão hídrica relacionada à possibilidade de desvio das águas do Jordão; 3. Crise econômica, moral, social e política em Israel; 4. Acirramentos dos confrontos nas zonas desmilitarizadas entre Israel e Síria; 5. Pacto de defesa estabelecido entre Síria/Egito e entre Jordânia/Egito; 6. Relações de reciprocidade estabelecidas tanto na OPEP quanto na Liga Árabe que modelaram os comportamentos dos atores árabes no contexto da guerra; 7. Fragilidade Egípcia no pós Guerra do Iêmen e a possibilidade de alteração da balança de poder na região; 8. Aumento das hostilidades nas fronteiras da Jordânia que mudou a orientação política jordaniana frente Israel; 9. Questão nuclear; 10. Questão territorial e; 11. Crescimento do envolvimento das superpotências na região113. Após a saída do protetorado inglês da região da Palestina, acreditava-se que judeus e palestinos estabeleceriam uma união política e econômica. Os palestinos se tornaram, ao contrário, refugiados e somente a Jordânia, dentre todos os países árabes, ofereceu cidadania a eles. A atitude jordaniana se tornou um problema à segurança do país quando, após o estabelecimento da OLP e devido à extensão da fronteira entre o país e o Estado judaico, as constantes infiltrações passaram a demandar uma atitude do Estado jordaniano frente às ofensivas israelenses. Junto à ascensão da OLP também é visto o crescimento do Fatah que é um partido representativo do povo palestino que fora fundado em 1959 tendo com principal líder Yasser Arafat. Cabe destacar que a OLP é 113 Alguns autores ainda destacam a dimensão ideológica para o acirramento do conflito. Não é pretendida a realização de uma discussão mais aprofundada em relação à questão ideológica mais sabe-se da sua importância na região. Destaca-se a formação de quatro escolas árabes nesse período, a sabe: 1. A tradicionalista que defendia as ações por meios militares; 2. A que defendia que o desaparecimento do Estado de Israel por outros meios que não a guerra; 3. Os que queriam a aceitação da resolução 242 da ONU no momento posterior a Guerra dos Seis Dias e 4. Os que defendiam uma nova tomada de posição Árabe. No Estado judaico, por outro lado, existiam discussões sobre os que defendiam o uso da força para a manutenção dos territórios, os que almejavam uma expansão territorial e os que defendiam um estado Binacional. 72 uma organização multipartidária e o Fatah era um de seus maiores partidos na época. Tanto a OLP quanto Israel percebiam o outro de forma reflexiva o que constituem as suas identidades, assim como, fontes de ameaças em relação as sua segurança e soberania. Essa percepção justifica-se pelo desejo da mesma terra para o seu estabelecimento nacional. Após o estabelecimento da organização representativa dos palestinos, foi percebido um aumento das infiltrações nas fronteiras. A OLP realizava ataques assimétricos contra o seu vizinho judaico e Israel, por outro lado, usava a suas forças de defesa para salvaguardar a segurança e soberania de seu Estado. Um dos piores ataques, desde a ofensiva de 1956, foi à operação Samu realizada pelo Estado judaico em resposta a uma investida do Fatah em 1966. O uso desproporcional da força pelos israelenses a vila palestina de Samu foi criticado pela comunidade internacional deixando o alinhamento entre os EUA e Israel ameaçado. Além disso, o ataque foi importante para estimular um acordo entre Egito, Jordânia e a Síria, já que, demandava uma resposta imediata do líder jordaniano. Israel se torna uma ameaça ao Rei e o alinhamento com os países árabes, devido à identificação do Estado judaico como uma fonte de ameaça e de insegurança, se torna algo natural e necessário. No dia trinta de maio, a Jordânia assina um pacto de defesa com o Egito. Desta forma, o líder conseguiu reduzir a sua vulnerabilidade dentro do mundo árabe sendo um líder representativo do projeto estabelecido pela Liga, além de, consolidar um acordo que pudesse solidificar a segurança e sua soberania da própria Jordânia114. Como evidenciado no segundo capítulo, as perdas que a guerra poderia trazer para o líder jordaniano eram menores que a escolha de não entrar em guerra com Israel. Tentando continuar no poder, a assinatura de um pacto de defesa com o Egito era a melhor opção do representante jordaniano. A OLP e o Fatah foram financiados, armados e treinados pelo governo sírio. Uma das escolhas e investidas contra o Estado judaico foi à tentativa de desvio da questão hídrica. Para os israelenses, a Síria estava por detrás da ação palestina no que tange a atuação do rio Jordão. Devido à recessão econômica em Israel, como será debatido a seguir, os ataques da OLP foram percebido de forma mais dura pelo povo israelense que não queria ser testado também pelo movimento de guerrilha árabe. Nas universidades judaicas houve um grande debate sobre as investidas israelenses para a 114 As infiltrações e os dilemas a segurança do país são constantes e resultam na expulsão dos palestinos do território jordaniano em 1970. O evento ficou conhecido como Setembro Negro e os Palestinos se dirigiram para o sul do Líbano acirrando ainda mais a desequilíbrio populacional e deixando o Pacto Nacional mais ultrapassado. 73 obtenção de segurança contra as ações do Fatah. Um grupo de intelectuais associados ao movimento de esquerda israelense defendia a criação de um Estado binacional. A atitude da OLP em relação à questão hídrica ia ao encontro da normativa estabelecida pela LA, no Cairo, em 1964, que instruiu o desvio das águas do Jordão. Esta medida reduziria drasticamente a irrigação de Israel ameaçando a concretização do próprio projeto israelense. Foi percebido que, o estabelecimento de Israel é uma ameaça básica que a nação árabe em sua totalidade concordou em impedir. E, já que a existência de Israel é um perigo que ameaça a nação árabe, o desvio das águas do Jordão multiplica os perigos à existência árabe. Consequentemente, os Estados árabes precisam elaborar planos necessários para lidar com os aspectos políticos, econômicos e sociais, porque, se os resultados necessários não forem alcançados, os preparativos militares coletivos árabes, quando estiverem completos, constituirão os meios 115 práticos definitivos para a liquidação final de Israel. O Jordão é formado pela confluência de outros três rios, Bania (Síria), Hazbanil (Líbano) e Dan (Israel). O Dan dá origem a 50% da água do Jordão e a proposta Síria ameaçava não só Israel como os países árabes. Eshkol, por ter atuado na questão hídrica antes de assumir como primeiro-ministro, foi extremamente sensível à postura adotada pela Síria e via as águas do Jordão como “sangue” vital para sobrevivência de Israel. Para Rabin, as origens da Guerra dos Seis Dias remontam a conferência da Liga no Cairo. Ao tomarem a decisão, em 1964, os países árabes sabiam que ela poderia estimular uma escalada militar. Desta forma, seria necessária organização coletiva para que a eliminação da ameaça obtivesse sucesso, caso contrário, a própria segurança árabe estaria ameaça. Deve-se lembrar de que a água é uma questão prioritária para Israel devido à escassez do recurso e a possibilidade da perda do controle do recurso representava um desafio à segurança, poder e soberania nacional. Desta forma, a decisão árabe em relação ao desvio do Jordão, precisaria ser muito bem estrutura e planejada, já que, ela poderia aumentar a possibilidade de uma intervenção militar israelense. A ação de desviar as águas do Jordão poderia gerar uma reação israelense bastante negativa para os próprios árabes e, por isso, o planejamento era fundamental para o sucesso da operação. A Síria foi percebida como uma das principais fontes de ameaça ao Estado judeu. Havia três frentes de embates entre os dois países, a saber: briga pelo controle do Jordão, tensão das zonas desmilitarizadas e o apoio dado ao Fatah. Os acordos 115 AL-KILANI, Haythama. Estratégia militar nas guerras árabe-israelense, 1948-1988. Beirut. 1998. 74 armistícios estabelecidos sob auspício da ONU, em 1949, limitaram zonas desmilitarizadas (ZDS) entre as fronteiras dos dois países. Na década de 1960, em geral impulsionado pelos fazendeiros da região, alguns confrontos foram percebidos nas ZDS que ficaram conhecidos como Guerra dos Tratores. O apoio sírio ao Fatah também foi um ponto importante, já que, o grupo representava uma ameaça a Israel em relação a sua segurança e em relação a sua própria existência. Para a obtenção da segurança israelense, os líderes se dividiram entre aqueles que almejavam uma atitude mais defensiva e aqueles que preconizavam um ataque israelense frente à ameaça árabe. O Estado judaico estava vivendo uma crise e uma guerra não era o desejado, mas Israel iria responder em caso de um eventual ataque. Os estrategistas israelenses elaboraram o plano Atzmon que, em caso de um conflito casual, Israel iria privilegiar a destruição da Força Aérea Egípcia, a ocupação do Sinai e o ataque tanto ao Egito quanto a Síria. Israel e o Egito passavam na véspera da guerra por diferentes crises. Os ideais sionistas nasceram na Europa e tinha como foco os judeus asquenazis. Os judeus se dividem em três grupos: os asquenazim, judeus oriundos da Alemanha e França que podem ter imigrado para Rússia e Polônia; os sefaradim, originários da Península Ibérica e falante da língua hispânica e, por fim, os mizhraim ou judeus orientais que são oriundos dos países de maioria muçulmana. A década de 1960 apresentou uma nova configuração populacional ao Estado de Israel. Os asquenazim estavam se tornando minoria no país enquanto os mizrahim cresciam exponencialmente, além disso, 12% da população israelense era árabe. Houve também uma redução do movimento migratório para a região e o crescimento da emigração. No inicio da década de 1960, a economia israelense crescia exponencialmente acompanhando, por exemplo, os padrões da Europa e dos EUA. Ir a Dizengoff, principal rua de Tel Aviv, era o símbolo do status que o Estado judaico assumia: alta moda, carros, cafés, padrões culturais similares aos da Europa, entre outros. O país entrou em uma profunda recessão em meados da década de 1960. A população começou a questionar o projeto nacional e o país embarca também em uma crise moral e social. Em 1963, o primeiro-ministro Ben Gurion é sucedido por Levi Eshkol. O novo líder não tinha a mesma reputação de seu antecessor e iniciou-se no país uma crise política. Segundo uma pesquisa realizada pelos Haaretz, um importante jornal 75 israelense, 44% da população queria a substituição do Primeiro-Ministro116. O líder mais cotado para assumir a posição de Eshkol era Begin que tinha aspirações territoriais e pertencia a uma corrente mais linha dura. Essa atitude de Begin vai ao encontro do modelo construído pelos países árabes relativos à segurança da região e a aspiração imperialista israelense. Eshkol não atribuía ao militarismo à mesma importância que tivera no governo Ben Gurion valorizando, assim, o diálogo e a diplomacia paciente para a obtenção de acordos cooperativos entre as partes e para a legitimação do próprio Estado. Eshkol propõem uma nova corrente da política israelense e promove a fusão do Mapai117com o Ahdut118 fundando o Alinhamento que estabeleceu um canal secreto com o Rei Husseini da Jordânia. Os empreendimentos bem sucedidos de Eshkol não foram bem recebidos por Ben Gurion que fundou um novo partido de oposição: o Rafi. As tensões políticas no país eram latentes. Eshkol assume um país envolto nas questões árabes, em plena crise econômica, com uma maioria mizharim em detrimento dos asquenazim, com novas relações com os EUA e que tinham percebido a fracasso do projeto dos Kibutzim119 tão importantes no momento da consolidação israelense. Junto com Israel, em 1965, o Egito também se encontrava envolto em uma crise econômica. A Guerra do Iêmen e os altos gastos com o setor bélico/militar estavam trazendo problemas para a econômica nacional que passou a adotar uma série de políticas de austeridade. Diante da crise e tendo a possibilidade da escalada do conflito, Nasser estimulou que os países árabes não entrassem em guerra com Israel. O líder observava a superioridade bélica israelense e instigava a militarização dos países árabes antes de qualquer tomada de decisão. A Guerra de 1967 foi devastadora para os cofres públicos egípcios, já que, houve o fechamento do canal de Suez, ocorreram perdas das reservas de óleo no Sinai e danos causados pelo próprio embate. Devido à Guerra do Iêmen e aos insucessos da política econômica do país, Nasser estava vulnerável e teve sua reputação alijada tanto no âmbito interno quanto no âmbito externo. O líder era questionado por diversos Estados árabes como, por exemplo, o Irã e a Arábia Saudita, os dois maiores produtores da região. Nasser rompe relação com o Irã por conta da assinatura e concordância com o Pacto de Bagdá que fora 116 SEGEV, Tom. 1967: Israel, the war and the year that transformed the Middle East.UK: Abacus, 2009. O p. 106. 117 Partido de esquerda israelense dominante até 1968. 118 Partido de esquerda trabalhista. 119 O Kibutz foi fundamental para a fundação do Estado judaico. O kibutz é uma comunidade coletiva que uniu o socialismo ao sionismo trabalhista. 76 entendido como uma afronta aos desejos pan-arabistas. Até a queda da monarquia iraquiana, a ameaça dos demais países árabes não era sentida pelo governo iraniano. Com o estabelecimento de um novo governo no Iraque, novas demandas relativas à segurança iraniana ficaram latentes ao país. A Arábia Saudita era o país que estava indiretamente em confronto com o Egito no Iêmen. Diante da crise, o pedido de ajuda do governo sírio poderia auxiliar Nasser a recuperar a sua reputação. O líder egípcio sabia que o conflito não poderia ser estabelecido de imediato devido à própria situação egípcia e árabe. Para Israel, em contrapartida, a fragilidade egípcia era um meio para se legitimar na região restabelecendo a sua supremacia bélica, sua soberania no que tange ao controle das fronteiras e a sua segurança nacional. A inteligência israelense afirmava que o Egito queria um confronto com Israel, contudo, precisaria, ao menos cinco anos, para se rearmar e se reestabelecer do confronto com o Iêmen. O Egito é impelido, pelos acordos e pela necessidade de cumprir as regras restabelecidas tanto pela Liga quanto pelo pacto de defesa instituído com a Síria no momento da dissolução da RAU, a tomar atitudes. As pressões impulsionam Nasser as seguintes ações contra Israel que eram: o fechamento do estreito de Tiran, envio de tropas egípcias para o Sinai e pedido de retirada das forças da ONU da região. As três ações egípcias foram basilares para o início da ofensiva. Com relação às possíveis atitudes egípcias, Israel temia tanto o fechamento do Tiran quanto a possibilidade de que o Egito bombardeasse Dimona sede do centro nuclear. O programa nuclear israelense fazia parte da concepção judaica de que a capacidade nuclear serviria para prevenir outro Holocausto. Ele fora estabelecido na década de cinquenta junto à França. Devido à centralidade que o projeto adquiriu para o Estado judaico, à ameaça a sua realização era, sobretudo, um ultimato nacional que Israel deveria evitar. Para os países árabes, por outro lado, a presença de um programa nuclear israelense era um desafio a sua própria segurança e a consolidação do próprio dilema de segurança na região. Ressalta-se o pedido de retirada das forças emergenciais das Nações Unidas (UNEF) que estavam na região desde 1956 entre os dias 20 e 21 de maio de 1967120. Os acordos estabelecidos no pós-guerra do Suez garantiam a Nasser o direito soberano de exigir a retirada das tropas no momento que achasse conveniente. A UNEF, além de 120 O documento encontra-se no anexo 2 deste trabalho. 77 trazer estabilidade à região evitando o acirramento das tensões nas fronteiras entre Israel e Egito, garantia aos barcos israelenses à possibilidade de transitar pelo estreito de Tiran e pelo Mar Vermelho. A saída da UNEF permitiria ao líder egípcio o fechamento do canal que ia em direção oposta ao acordo internacional ratificado, em 1956, que garantia a manutenção do tráfego marítimo internacional pelo estreito. Para a consolidação da Guerra dos Seis Dias é fundamental a observação do papel da URSS. O país produziu um relatório de inteligência falso e enviou para o Egito onde se afirmava que existia uma imensa concentração de tropas israelense na fronteira síria. Apesar de ter sido recebido com suspeita, Nasser desloca tropas egípcias para a fronteira de Israel agravando a tensão na região. A questão territorial, conforme já debatido neste trabalho, se estabelecia como uma grande querela dentro do Estado judaico entre aqueles que almejavam a construção da grande Israel e os que não tinham pretensões relacionadas à expansão territorial. Para os árabes a identificação de Israel como sendo defensor de uma política imperialista já estabelecia desafios à segurança e à soberania dos países fronteiriços que se viam constantemente ameaçados. Muitos judeus sonhavam com a conquista de Jerusalém que na época era uma cidade empobrecida, com sistema de transporte defasado e onde não poderiam acessar o símbolo máximo de sua fé, o Muro das Lamentações, que ficava sobre controle jordaniano. Ao se lançar na Guerra dos Seis Dias, Israel não tinha aspirações para o controle e tomada do território. O sucesso da própria estratégica israelense promoveu a conquista de todo o Sinai, de Jerusalém, da Cisjordânia 121 e as Colinas do Golan122. Em relação às duas grandes potências, a URSS estava cada vez mais próxima dos países árabes. O alinhamento, além de possibilitar o fornecimento de armas às nações árabes, também dava ao governo soviético uma posição estratégica no mediterrâneo. Israel havia perdido o apoio francês e estava se voltando aos Estados Unidos que, após a posse de Nixon, construiu políticas mais próximas ao Estado judaico. Israel, diante dessa conjuntura, acreditava que a estratégia de strikes preemptivos garantiria a vitória militar israelense. Os aviões israelenses, por meio de uma ação coordenada, deveriam destruir a Força Área Egípcia (FAE) ainda em solo deixando as 121 122 Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 9 deste trabalho. Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 8 deste trabalho. 78 tropas terrestres em situação de vulnerabilidade123. A estratégia israelense decidiu a guerra nas primeiras horas com o arrasamento da FAE e com o medo gerado nos demais países árabes. A ofensiva israelense não tinha pretensões imperialistas e a conquista territorial foi provocada pelo próprio desenrolar da guerra sendo observada a própria atuação israelense. Logo após a desarticulação da FAE, o Egito recorreu à Argélia e Israel abriu as frentes de ataque na Jordânia e na Síria pelos céus e, por fim, começa as ações terrestres124. A estratégia israelense surpreendeu pela mudança da hora do ataque e da própria direção que os aviões seguiam. Entre sete horas e quatorze minutos e sete horas e trinta minutos, do dia 5 de junho, 183 aviões israelenses decolaram em direção ao Egito. Eles fizeram voos rasantes de forma que não foram identificados pelos radares e, às 7 horas e 45 minutos, todos iniciaram as ofensivas. Uma hora e meia após a primeira investida, 197 aviões e oito torres de radares egípcios haviam sido derrubados pela FAI. Às nove horas da manha, 304 aviões dos 419 que a FAE possuía haviam sido destruídos pela força aérea israelense. Três horas depois das ações no Egito, Israel se volta para a Síria e para a Jordânia que contam ainda com a ajuda do Iraque. Assim como no Egito, a ofensiva israelense também obtém sucesso na segunda frente de batalha. Israel tentou restabelecer as relações com a Jordânia evitando assim uma terceira frente de batalha. Contudo, o Rei se mostrou irredutível negando os pedidos israelenses de um cessarfogo. Dois dias após o início do conflito, Israel elabora o plano que levaria a conquista de Jerusalém. A guerra conferiu a Israel uma grande expansão territorial configurando uma nova geoestratégia na região; reforçou a superioridade bélica e estratégica israelense agravando, assim, os dilemas de segurança; materializou a humilhação de três Estado soberanos por conta das perdas territoriais que seriam negociadas pela obtenção de paz; acentuou a questão palestina devido às conquistas dos territórios da Cisjordânia; aumentou apoio soviético para a reconstrução dos exércitos árabes e, devido à recusa pela devolução das terras, originou, na conferência de Catrum, os três não árabes discutidos no segundo capítulo deste trabalho. Numericamente, no front egípcio, Israel teve 338 mortos e 1,400 feridos contra uma estimativa de dez mil mortes egípcias e cinco mil prisioneiros de guerra. No front 123 124 O anexo 7 mostra a estratégica Israelense utilizada no Sinai. Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 10 e 11 deste trabalho. 79 jordaniano, houve trezentas baixas israelenses contra oitocentas jordanianas, além de, 636 prisioneiros. No front sírio, foram percebidas quinhentas mortes sírias, 2,500 feridos e 578 prisioneiros. A Guerra de 1967 foi para os árabes a perda de seu poder frente ao Estado judaico, a perda da sua capacidade soberana por conta dos territórios conquistados por Israel e a perda da sua segurança nacional125. Israel demostrou sua supremacia bélica e a sua intransigência em relação à devolução dos territórios. Esta foi originada com o discurso de que as novas fronteiras126 solidificariam a segurança israelense. Por conta dessa atitude, alguns observadores começaram a suspeitar que Israel desencadeara o conflito não em legítima defesa e sim para expandir os seus territórios. Para os observadores árabes a guerra foi uma ofensiva para consolidar um projeto nacional há muito tempo almejado por Israel e que era um dos riscos identificados como fronte de insegurança árabe como debatido no primeiro capítulo. A atitude dos líderes israelenses na Guerra de 1967 se estabeleceu de forma reflexiva utilizando-se de uma lógica própria. Apesar de declarar que as novas fronteiras garantiriam a segurança israelense, ela apresentava uma série de dilemas ao Estado tanto no âmbito regional quanto no internacional. Por exemplo, com a conquista da Cisjordânia, Israel passou a ser o país com o maior número de palestinos da região cerca de 1,1 milhões estavam vivendo no território israelense. Israel sofreu fortes pressões internacionais para a saída dos territórios e pela violação da resolução 242 da ONU 127. Para recuperarem seus territórios e reconstituírem a sua soberania, os países árabes precisaram de uma nova guerra na região. As pretensões territoriais israelenses consolidavam mais insegurança do que segurança ao Estado judaico. Como resultante da guerra, houve um novo alinhamento dos países árabes e, com isso, ocorreu um turning point na política árabe. No pós-guerra, os países árabes realizam a Conferência de Catrum que profere os três nãos que guiariam o mundo árabe, a saber: não reconhecimento do Estado judaico; não negociação com o Estado de Israel e não a adoção de acordos de paz entre Israel e os Estado árabes 128. Essa diretiva árabe também enrijeceu a aceitação da própria resolução 242 da ONU que apoiou os árabes na questão territorial e os judeus na questão da paz. Um representante da ONU é enviado 125 SEGEV, Tom. Op. Cit. p. 498. Para visualização da conquista territorial israelense, consultar o anexo 12 deste trabalho. 127 A resolução encontra-se nos anexos deste trabalho. 128 A resolução da conferencia de Catrum encontra-se nos anexos deste trabalho. 126 80 com o intuito de estabelecer acordo cooperativo entre os povos; contudo seus trabalhos não lograram a consolidação da paz. Eshkol morre e, em seu lugar, assume Golda Meir como primeira-ministra. Ela foi apontada como uma das governantes mais autoritárias que Israel já teve e, ao contrário de Eshkol, não percebia os palestinos como um povo e defendia a ideia de “ou eles ou nós”. Até a Guerra de Yom Kippur, a estratégia de Golda era ir levando com tempo as conquistas territoriais. Em 1970, Gamal Nasser morre precocemente no Egito. Sadat assume e, pela primeira vez, sob os auspícios de Jarring, um diplomata suíço que foi enviado pela ONU para negociar a paz o Oriente Médio, o Egito declarava publicamente a sua disposição para entrar em acordos de paz com Israel que rejeita todas as investidas de Sadat. Percebendo a situação e a intransigência de Golda, o governo norte-americano suspende o apoio bélico ao Estado judeu, contudo, a primeira-ministra israelense vai aos Estados Unidos e consegue o reestabelecimento do mesmo. Golda era defensora das novas fronteiras israelenses que deram origem a Grande Israel129. Os próprios Estados Unidos, com a vigência da Doutrina Nixon, começam a usar Israel como parte da estratégia para a manutenção da ordem no Oriente Médio. Agora, a nação judaica tinha o papel de manter o equilíbrio favorável ao país contendo o radicalismo árabe e controlando o expansionismo soviético. A líder israelense percebeu a importância desta doutrina para os interesses de Israel. Após a Guerra dos Seis Dias e devido ao forte apoio que ambos os lados tinham das superpotências, a região viveu um forte militarização formulando, assim, uma nova conjuntura na região. A presença das duas grandes potências e a crescente militarização foram bastante expressiva em 1973 como será abordado a seguir. A intransigência israelense pela devolução dos territórios estimulou uma guerra de atrito nas fronteiras. Questiona-se novamente a noção de segurança que as novas fronteiras traziam para Israel. O entrave foi bastante importante para que ambas as potências testassem as armas soviéticas e americanas. Os encontros se deram de forma estritamente reflexiva em especial na questão dos recursos bélicos. Boyne 130, percebeu a guerra de atrito como um momento importante para a alteração da balança de poder na região, já que, o apoio da URSS aos Estados árabes foi muito mais intenso que nos anos 129 A Grande Israel era almejada por alguns judeus que defendiam a restauração de Israel conforme descrito pela Bíblia. 130 BOYNE, Walter J. The Yom Kippur and the airlift that saved Israel. New York: Martin´s Press, 2002. 81 anteriores. Os soviéticos deram aos árabes equipamentos de ponta, treinamento e apoio da própria inteligência da URSS. Ao contrário da Guerra de 1967, Israel tinha mais uma frente no Líbano devido à expulsão dos palestinos da Jordânia. A decisão dos atores deve ser entendida pela análise desta conjuntura. Ambos os quatro países, Israel, Egito, Síria e Jordânia, tinham questões que ameaçam a sua segurança e a sua soberania no que tange ao controle das fronteiras no período que antecedia a guerra de 1967. As atitudes egípcias de fechamento do estreito de Tiran, remoção das tropas da UNEF e deslocamento das tropas foram ao encontro dos pactos de defesa estabelecidos com a Jordânia e com a Síria além do projeto da própria LA mantendo, assim, o cumprimento das normativas da organização. Nasser sabia que, em caso de escalada, os países árabes, em especial o Egito, poderiam ter mais perdas do que ganhos devido ao desequilíbrio bélico entre os países. Contudo, seria fundamental que as normas estabelecidas na Liga fossem ratificadas, já que, a não atuação egípcia prejudicaria o poder de influência do líder e a sua própria reputação. A Síria estava envolta com as resoluções estabelecidas em 1964 relativas ao desvio do Jordão que significariam uma ameaça à Israel. Sabia-se que uma guerra poderia ocorrer e, por isso, as ações militares conjuntas com o Egito seriam vitais para o sucesso da ofensiva. O controle do Jordão traria importantes desafios a política israelense e seria somada a ação militar conjunta um meio para obter poder e ameaçar Estado israelense. A Jordânia, por sua vez, queria legitimar a sua segurança e reduzir a sua vulnerabilidade, em especial, pelo resultado negativo que Samu trouxe para o país e ao seu líder. Ambos os países se sentiam vulneráveis com os constantes ataques israelenses, seja pela questão palestina, seja nas zonas desmilitarizadas. Israel, também envolto na recessão econômica, se via ameaçado pelo fechamento do Suez que poderia piorar a economia israelense. A percepção de que o Egito queria uma guerra mais que precisaria se recuperar abre uma brecha para que Israel alcançasse sucesso no seu empreendimento que tentava reduzir as suas vulnerabilidades e as fontes de ameaças. O ataque imediato orientado por uma boa estratégia poderia ser um meio pelo qual o Estado judaico poderia alcançar os seus objetivos relativos à melhoria de sua segurança. Percebe-se que o Estado de Israel teve um melhor ganho relativo de amplitude, pay off, que os Estados árabes com esse conflito. Destaca-se ainda que a recusa israelense a devolver os territórios conquistados e o não cumprimento da resolução 242 da ONU. Ambas as ações foram as principais forças motrizes para o ataque árabe de 82 1973. Assim como Clausewitz, Sadat percebia a guerra como uma forma de fazer política por outros meios e o líder precisava de um conflito para recuperar a soberania e poder egípcio e árabe que estavam tão enfraquecidos pelas três vitórias anteriores do Estado de Israel. Além da melhoria da sua capacidade bélica, os Estados Árabes elaboraram uma brilhante estratégia que usava o petróleo como ferramenta política. 3.3 Guerra do Yom Kippur A Guerra de 1967 resultou na conformação de uma nova conjuntura no Oriente Médio. Os judeus saíram vitoriosos e acreditavam na sua superioridade bélica frente aos países árabes. Estes, por sua vez, viam as novas fronteiras e a recusa israelense em devolvê-las como uma humilhação que foi motivadora de um novo conflito. A presença judaica nas regiões conquistadas, além de ratificar o seu poder e de violar a resolução 242 da ONU, representava, consequentemente, a perda do poder árabe, a incapacidade de manter a sua soberania doméstica e a sua inaptidão para a preservação da sua própria segurança. Até 1970, uma série de confrontos que foram desencadeados nas fronteiras sendo conhecido como Guerra de Atrito. O fim das hostilidades e a aparente aceitação dos árabes perante as novas fronteiras encorajaram o pensamento judaico em relação a sua invulnerabilidade. A Guerra do Yom Kippur foi desencadeada pelos países árabes que queriam o retorno das fronteiras pré-1967 e que precisavam se legitimar na região frente à irredutibilidade do Estado judeu. Ela foi marcada pela presença das duas grandes potências mundiais da época, pelo uso do petróleo enquanto ferramenta política e estratégica, pela possibilidade de um ataque nuclear e pela falha da racionalidade israelense frente aos constantes avisos da iminência de um ataque pelos árabes. A morte de Nasser possibilitou um novo alinhamento dos países árabes que foi fundamental para o estabelecimento do uso do petróleo enquanto elemento estratégico para a obtenção de poder em 1973. Este assunto será mais bem debatido no quarto capítulo. A Arábia Saudita e o Iraque se mostraram mais dispostos, com a troca do líder, a estabelecer relações diplomáticas com o Egito. O Irã, ao contrário da postura adotada pós-revolução de 1979, como já exposto, era regido por um líder pró-EUA não tendo tomado partido diretamente do conflito. Mesmo diante dessas divergências de orientação política entre os países produtores, o embargo 131, determinado pela LA, foi estabelecido pela OPEP e exigiu o cumprimento da normativa por conta da própria percepção dos líderes em relação a reciprocidade das suas ações na organização. 131 O embargo de petróleo foi uma política adotada pelos países membros da OPEP que tentou restringir o apoio dado ao Estado de Israel. Esta questão será mais bem debatida no terceiro capítulo. 83 Ressalta-se que, a partir de 1970, os países árabes estavam conquistando as nacionalizações dos seus poços. A participação das superpotências na Guerra de 1973 foi basilar para a construção e resolução do entrave. Os árabes contaram com o incentivo soviético e de outros países contrários a Israel em 1973. A participação da URSS, em especial, foi fundamental para o treinamento e provisionamento das forças de defesa árabes que alterou o paradigma observado em 1967. Rabinocivh destaca que, “os árabes e os israelenses não estavam sozinhos no Oriente Médio. Mesmo perseguindo os seus próprios jogos de poder regional, eles eram sobrados como representantes das superpotências engajadas em um confronto global”132. É possível notar a diferença entre o provisionamento dos Estados pela seguinte tabela: Nação População PIB Tropas Tanques Artilharia Egito 35.700,00 $7,5 B 260.000 2.250 800 Iraque 10.142,000 $3,5 B 90.000 1.130 700 Jordânia 2.560,000 $0,7 B 68.000 200 400 Síria 6.775,000 $1,9 B 120.000 1.270 400 Total 55.177,000 $13,6B 538.000 4.850 2.100 3.180,000 275.000 2.000 350 Árabe Israel $6,9B Fonte: BOYNE, Walter J. The Yom Kippur and the airlift that saved Israel. New York: Martin´s Press, 2002. Os países árabes envolvidos com o entrave de 1973 contavam com uma força bélica maior que a israelense. O Egito sozinho tinha mais tanques que Israel e todos os países árabes tinham mais artilharias que o Estado judeu. A superioridade bélica árabe fora conquistada com a ajuda soviética que, além de disponibilizar armamentos, também realizaram treinamentos militares que favoreceram a mudança de equilíbrio na região. Destaca-se a importância da estratégia árabe para o sucesso do início da ofensiva em 1973. Os estrategistas árabes perceberam que Israel havia obtido suas vitórias anteriores pelo uso da FAI e depois com o uso das forças terrestres, por isso, tanto o Egito quanto a Síria queriam desestabilizar Israel com o desmonte da sua estratégia. Israel saiu da Guerra de 1967 convicto da sua supremacia militar e bélica acreditando na sua invulnerabilidade frente aos países árabes. Diante deste ideário, os 132 RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit. p. 40. 84 líderes israelenses não acreditavam que os árabes iriam, com base na racionalidade, iniciar outro embate e, por isso, não havia um grande contingente militar israelense nas fronteiras do Suez. Segundo Moshe Dayan, a inferioridade árabe era uma “fraqueza que deriva de fatores que acredito que não irá mudar tão cedo: o baixo nível dos seus soldados em educação, tecnologia e integridade”133. Esta crença e visão dos árabes fez com que Israel negligenciasse diversos sinais e avisos dados no pré-guerra somente percebendo o prenúncio do conflito horas antes de seu início. Além disso, Israel não percebeu a mudança de conjuntura para uma nova capacidade bélica dos países árabes e, por isso, os primeiros dias de conflito foram tão negativos a FDI. Acreditava-se que o arsenal bélico árabe se assemelhava ao de 1967 e, por isso, Israel tinha superioridade. Além de estarem se militarizando, os países árabes trouxeram desafios a FDI, já que, ela havia fundamentado a sua estratégia com base na premissa de que Israel deveria operar na ofensiva pegando o inimigo de surpresa134. Na Guerra de 1973, além de ocorrer uma falha grave na inteligência israelense, os judeus foram os que tiveram que agir na defensiva e com baixo potencial bélico mostrando a sua vulnerabilidade frente à mudança do tabuleiro do jogo. A Guerra do Yom Kippur é percebida como uma das maiores reviravoltas da história militar. Nos primeiros dias, houve a vitória árabe e acreditou-se em uma derrota massiva israelense, contudo, devido ao apoio logístico e militar dos EUA, Israel conseguiu reverter a situação. A inteligência israelense é divida em duas agências: o MOSSAD e a AMAN. A última é a inteligência militar interna e é responsável pela diretriz da própria estratégia israelense enquanto o MOSSAD é responsável pela investigação internacional. As informações da AMAN eram usadas tanto pelo chefe de Estado quanto pelo próprio governo para sua tomada de decisão. As vésperas do conflito de 1973, o chefe da AMAN era o General Eli Zeira que pressupunha entender a linha de pensamento árabe, em especial, de Sadat e dos egípcios. Zeira elaborou as suas estratégias com base no que ele entendia do e como pensamento árabe e não percebeu as suas ações concretas. Ao contrário do preconizado por Israel, em 1972, Sadat já havia anunciado ao conselho supremo que ele pensava em uma ação militar mesmo sem ter alguns equipamentos bélicos de ponta e que a guerra seria feita com o que se teria em mãos. A AMAN não 133 134 RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit. p. 8. Idem. Ibdem. p. 8. 85 acreditava na possibilidade de uma nova guerra e, caso ocorresse, acreditava que ela seria como uma guerra de atrito135. A inteligência israelense havia criado a ideia de que Israel era inviolável sendo o elo mais importante da FDI a própria FAI. A inteligência israelense guiou as suas ações em um argumento circular que ia contra a própria reflexividade o que foi fundamental para a elaboração da estratégia árabe. A FDI assumia um papel tão importante que era percebida como a própria expressão do governo israelense sendo o instrumento que garantia a própria soberania dos judeus na região e a sua desarticulação seria algo bastante significativo para a identidade, para a expressão do poder, segurança e soberania israelense. A AMAN e o seu líder acreditavam que saberiam com, pelo menos, dois dias de antecedência a iminência de um ataque. Por não observarem a nova configuração dos exércitos árabes, os judeus acreditavam que os últimos, imbuídos de racionalidade, não desencadeariam um confronto até que estivessem militarmente preparados. Tanto Elazar, chefe do Estado Maior, quanto Zamir, chefe do MOSSAD, acreditam que o Egito queria e tinha motivos para deslanchar uma ofensiva, contudo, suas opiniões foram refutadas por Zeira e, consequentemente, dentro do próprio governo israelense. Observa-se o erro de racionalidade israelense por não perceber a capacidade dos Estados árabes de se reorganizarem e o seu próprio desejo de alteração da política da região. Logo após o fim da Guerra de Atrito, em 1971, Sadat decidira que libertaria o Egito mesmo que isso custasse um milhão de vidas. Além do armamento e da estratégia criada para ofensiva, Sadat deu informações incompletas ou erradas tanto para seus amigos quanto para seus inimigos. O segredo foi a principal arma de Sadat e foi também um dos motivos para a derrota árabe. A Síria se sentiu traída tanto pelo Egito quanto pela URSS questionando as próprias regras de reciprocidade estabelecidas. O governo sírio queria a recuperação das Colinas do Golan e acreditava que compartilhava os mesmo anseios que os egípcios, contudo, Sadat queria, além da recuperação do Suez, a mudança do próprio processo político que havia originado o status quo árabe na região. Além do apoio soviético, o Sadat também angariou de forma secreta apoio norte-americano. Por conta das boas relações com a Arábia Saudita, o líder invocou o uso do “petróleo arma” como outro meio para a obtenção de poder e para a ampliação do sucesso da ofensiva árabe restringindo a possibilidade de apoio ao Estado judeu. Com medo do embargo, os países da 135 BOYNE, Walter J. Op. Cit.. 86 Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) cessaram, por exemplo, o apoio a Israel. Foi combinado que no Dia do Perdão, Yom Kippur, data em que os judeus ficam sem fazer ingestão de líquidos e de alimentos e permanecem rezando nas sinagogas, a ofensiva seria iniciada. Faz-se lembrar de que no mesmo dia, seis de novembro, o líder islâmico Muhammad começou a se preparar para a batalha de Bard que permitiu o seu retorno a Meca. A data era propicia, pois pegaria os judeus desprevenidos e fracos, além de estar imbuída de uma simbologia relevante para o próprio Islã. Os árabes estavam motivados a recuperar as terras ocupadas por Israel, em 1967, e havia um sentimento de esperança muito grande de que o sucesso seria alcançado. Em 1972, foi percebido o fim da divisão entre progressistas e reacionários136, além disso, ocorreu uma mudança do próprio mecanismo de cooperação árabe que se calcou na primazia da solidariedade em detrimento de um institucionalismo forte. A solidariedade se deu, principalmente, nas áreas relativas ao embargo do petróleo, ajuda financeira e militar. Após a expulsão dos soviéticos do Egito e com o aumento da crise entre Israel, Egito e Síria, o líder da URSS telefonou para Nixon no meio da noite do dia 24 de junho de 1973 pedindo um encontro. Neste, a discussão se limitou a necessidade de Israel retornar as fronteiras pré-1967 e que a URSS não impediria o Egito e demais países árabes de entrarem em uma nova guerra caso o pedido não fosse acatado. Ao contrário dos enfrentamentos anteriores efetuados por Israel, o início de uma guerra em 1973 não era uma oportunidade estratégica mais algo que deveria ser evitado. Golda queria desviar-se de um enfrentamento militar, mas não queria devolver totalmente o território conquistado aos árabes, já que, as novas fronteiras eram vistas pela primeira-ministra como defensáveis e constituíam o sonho da formação da Grande Israel. Para um novo embate, fazia parte da estratégia árabe um ataque duplo pelas fronteiras sírias e egípcias. Em 1973, ambos os líderes começaram a se encontrar para definir as suas estratégias de ataque, contudo, como dito, Sadat não revelou todo o seu planejamento ao líder sírio. O governo jordaniano queria evitar envolvimento por conta da Guerra dos Seis Dias que custou a perda de Jerusalém. O próprio Rei Husseini da Jordânia havia avisado aos Estados Unidos e a Israel sobre a proximidade do conflito. 136 Os Estados reacionários eram aqueles que estavam associados aos EUA. Estes eram: Marrocos, Jordânia, Tunísia, Líbano e Arábia Saudita. Os Estados progressistas eram os associados a URSS. Dentre os progressistas destaca-se: Egito, Síria, Iraque, Argélia e Iêmen. 87 Às 4 da manhã do dia seis de outubro, horas antes do início da ofensiva árabe, Zeira recebeu um telefonema informando a iminência de um ataque duplo ataque nas fronteiras israelenses. Apesar de todos os avisos feitos anteriormente, somente nesta ocasião o líder da AMAN percebeu que não se tratava de um blefe. Três horas depois todo o gabinete israelense estava reunido, contudo, Elazar e Dayan não conseguiam chegar a um acordo das formas como Israel deveria agir. O primeiro queria realizar uma mobilização total e iniciar um ataque preemptivo e o segundo, por sua vez, defendia uma mobilização parcial. Dayan acreditava que a guerra era ainda uma incerteza e, por isso, Israel não poderia utilizar a mesma tática de 1967. Para ele, uma mobilização total seria a evidencia de que Israel estava motivada a iniciar uma ofensiva contra o Egito e a Síria. Golda deveria tomar a decisão e ela foi favorável à ideia de Dayan justamente por ponderar sobre a necessidade de ajuda norte-americana e os efeitos negativos que um ataque preemptivo ocasionaria. A diplomacia poderia ser um meio de estimular inclusive um recuo sírio e egípcio, já que, o fator surpresa da estratégia árabe havia sido descoberto pelos judeus. Israel pede que os EUA repassem a informação aos países árabes, contudo, a aviso não foi visto como um impeditivo para o ataque. A possibilidade da ofensiva para as superpotências poderiam representar tanto riscos como ganhos. Para a URSS, uma vitória árabe poderia legitimar o país frente aos EUA, mas, caso houvesse a redução da cooperação com os árabes, poderia também trazer perdas ao governo soviético. Apesar de fornecer aos Estados árabes importantes recursos bélicos, a URSS não havia provisionado alguns recursos eletrônicos deixandoos defasados e dependentes. Esta estratégia poderia também ter efeitos negativos caso, devido à decorrência de uma derrota, o governo soviético fosse acusado de não cooperar integralmente estimulando o estabelecimento de acordos com o próprio governo norteamericano. Para os EUA, como exposto a Nixon por alguns representantes da ARAMCO137, a possibilidade de um embargo poderia ser um risco aos EUA caso eles estivessem apoiando Israel e a sua não participação junto aos judeus poderia legitimar a URSS na região. Por outro lado, estar ao lado do vencedor poderia mostrar a importância do apoio dos Estados Unidos para as potencias árabes. Existiam questões globais e particulares as próprias superpotências que estimularam a sua entrada no conflito. 137 A ARAMCO era uma das empresas que explorava a região. Atualmente ela se chama Saudi Aramco e, a época, era uma empresa norte americana que explorava a região saudita. 88 No primeiro dia de ofensiva, os países árabes mostram supremacia incutindo danos substâncias a FDI. Na manha do dia 7, devido ao uso de armas noturnas, Assad conseguiu recuperar as colinas do Golan e pediu que a URSS entrasse com um pedido de cessar fogo. Assad almejava um cessar fogo imediato antes da possibilidade de um contra ataque israelense. Ao descobrir a proposta da Síria, Golda, em carta a Kissinger, pediu um adiamento do mesmo. Israel pretendia mobilizar as suas reservas e tentaria obter ganhos para que, nas rodadas de negociação, tivesse poder de barganha frente aos países árabes. Na mesma mensagem, Golda pediu com urgência suprimentos para o líder americano. Além de não perceberem a possibilidade de um conflito árabe, Israel estava vulnerável em relação à própria logística militar. Ao contrário da Síria, o Egito não queria um cessar fogo, já que, Israel a cada dia de guerra estava tendo mais perdas e ficando mais vulnerável 138. Sadat queria cansar Israel e chegar até Mitha e Gidi para depois realizar um acordo, desta forma, a capacidade israelense estaria bem reduzida nas rodadas de negocias e o líder egípcio poderia mudar o paradigma político da própria região. Face ao ganho árabe, o governo soviético começou a enviar mais suprimentos aumentando o escopo de sua atuação. Apesar de diversas vezes cogitado, o pedido de cessar fogo não foi convocado nem pelos EUA e nem pela URSS. No dia 8, Israel perde mais da metade dos seus tanques em um ataque catastrófico no front egípcio. O gabinete israelense entra em estado de alerta, pois, além da perda dos territórios, existia uma ameaça do enfraquecimento da FDI e a impossibilidade de resistir a um ataque prolongado que poderia, segundo os seus líderes, inclusive, destruir o próprio Estado de Israel. Diante desse dilema, Dayan propõem a primeira-ministra o uso das armas nucleares israelenses. O uso deste tipo de armamento poderia gerar um resultado negativo a Israel, em especial, pela vigência do Tratado de Não Proliferação Nuclear o qual Israel não é signatário e também pela possibilidade de entrada incisiva na URSS no conflito. A iminência de um ataque nuclear poderia estimular também os EUA a frearem os países árabes, assim como, instigar a própria ajuda norte-americana ao Estado de Israel. No final da Segunda Guerra Mundial, o uso de armamentos nucleares pelo governo norte-americano, já havia sido amplamente criticado pela comunidade internacional sendo os seus efeitos fontes de amplos debates. Apesar de toda a consternação mundial, os Estados Unidos alegaram que o uso do recurso nuclear havia 138 Para visualização da conquista territorial israelense e egípcia, consultar o anexo 13 deste trabalho. 89 posto fim a um conflito que perduraria por mais tempo. O pensamento israelense seguia essa diretiva, em especial, por ser a única fonte que os diferenciava dos países árabes e que poderia efetivamente conter os avanços. A capacidade nuclear é uma fonte de poder ao Estado de Israel que o diferenciava dos países árabes. Na Guerra de 1973, ambos os lados, árabes e israelenses, contavam com uma fonte distinta de poder que tinham um papel fundamental para os processos de interação estratégica na região. Tanto o petróleo quanto a ameaça nuclear foram fundamentais para o próprio posicionamento das nações frente ao conflito. Em caso de uma “queda do terceiro templo”139, como dito por Dayan, não haveria mais nada a perder. Diante desse cenário e tentando alterar a situação vigente, Golda vai aos EUA tendo como objetivo a consolidação de acordos que fornecessem a Israel provisionamento bélico e a obtenção de apoio direito. Em um primeiro momento, Kissinger nega mais logo em seguida os EUA se comprometeram em apoiar o Estado judeu. No dia 9, Israel conseguiu suas primeiras vitórias, contudo, as missões são abortadas devido ao mau tempo. O sucesso árabe é uma surpresa para ambas as grandes potências. A URSS começou a estimular a entrada da Argélia e da Jordânia no conflito. A decisão de apoio pelos EUA se deu por conta da ameaça nuclear e pela própria atuação soviética na região. No contexto da Guerra Fria e devido à doutrina Nixon, seria improvável que o governo americano declinasse o pedido israelense, contudo, devido à possibilidade de um embargo a ajuda seria feita de forma sigilosa. Inicialmente tentouse usar os aviões comerciais da El-Al, empresa área israelense, para o envio dos armamentos, mas a ideia não foi bem recebida. Após a confirmação do apoio, Israel fornece uma lista de necessidades que é quase integralmente aprovada pelos EUA. A premissa de Ben Gurion de que o destino dos judeus estava em suas próprias mãos era refutada pela necessidade de relações diplomáticas e da ajuda externa para a vitória israelense. Neste sentido, há uma nova alteração no jogo proposto por Israel. Agora havia a necessidade da ajuda externa para a sobrevivência do Estado e, para tal, as decisões dos líderes israelenses deviam levam em conta os objetivos dos demais Estados para que acordos cooperativos fossem realizados e para que a melhor estratégia fosse elaborada. No que tange ao reabastecimento e provisionamento, a URSS e os países árabes tinham vantagens estratégicas devido à proximidade dos países. No dia 10, novos armamentos russos chegam aos árabes tanto 139 RABINOVICH, Abrahan. Op. Cit. 90 por via marítima quanto por via aérea. Os EUA, por conta da distância do Estado judeu, precisavam de um local para pousar os seus aviões para reabastecê-los e devido à possibilidade do embargo, quase todos os países da OTAN negaram pouso e espaço aéreo para os EUA. A atuação dos agentes externos era fundamental e as decisões dos mesmos poderiam alterar todo o conflito. Tanto Israel quanto os árabes elaboraram as suas estratégias percebendo a importância dos atores externos para a resolução dos problemas internos da região. O governo norte-americano sabia que se Israel não recebesse ajuda, ele perderia o conflito devido a sua vulnerabilidade e faria uso das armas nucleares. No dia 10, Israel começou a obter pequenas vitórias, em especial no front sírio, que clamava por um cessar fogo imediato. A falta de uniformidade das estratégias árabes era um ponto que poderia enfraquecer toda a ofensiva. A URSS envia uma carta a Assad, no dia 12, tentando estimular uma ação conjunta. O governo sírio se sente traído pelo Egito e pelos próprios soviéticos. Para a Síria houve a quebra das relações de reciprocidade de ambos os países e iniciou-se uma série de acusações, em especial, em relação a possível preferência que os soviéticos davam Egito. A falta de sensibilidade política egípcia em relação ao que ocorria no front sírio era um assunto emblemático, visto que, o governo sírio poderia ter o seu poder de barganha reduzido e passar pela mesma “humilhação” que vivera em 1967. O Iraque envia uma brigada para ajudar Assad. O Egito, por sua vez, negava qualquer possibilidade de um cessar fogo e se preparava para iniciar uma grande ofensiva contra Israel. Sadat sabia que Israel não poderia ter grandes perdas e, por isso, estava contando com o desgaste da própria FDI. Portugal obtinha o seu fornecimento de petróleo da Angola e permitiu que o governo norte-americano fizesse o reabastecimento e pouso em solo português. Ao contrário dos demais países da Europa, Portugal não se sentia vulnerável frente ao embargo árabe. O plano inicial norte-americano era adentrar o céu israelense com aviões da Força Aérea Norte-americana durante a noite, contudo, ao pousar em Portugal, devido às péssimas condições de tempo, a missão ficou com doze horas de atraso. Os EUA sabiam que Israel não iria resistir às investidas egípcias por muitas horas e que, caso quisessem reverte à situação no Oriente Médio, seria necessária a partida imediata e a exposição da ajuda americana ao Estado judeu. O apoio norteamericano aos israelenses não foi bem recebido pelo governo soviético que almejava um cessar fogo antes da possibilidade de alteração da balança de poder na região. De forma análoga, o apoio norte-americano reconfiguraria toda a situação de guerra, já que, 91 as perdas israelenses não seriam mais tão significativas. No dia seguinte a entrada dos suprimentos dos EUA para o Estado judeu, os países árabes iniciam o embargo de petróleo. A vitória agora era necessária para ambas às partes. Os árabes não queriam ver frustrada mais uma tentativa de ofensiva que era tão custosa para os cofres públicos, além de, precisarem da mesma para a reconstrução da própria imagem nacional e para a construção de uma nova representação na região. Os soviéticos não desejavam perder para a sua rival demonstrando, assim, a superioridade americana frente aos recursos da URSS. Por outro lado, a vitória árabe trazia insegurança ao país e exigia esforços soviéticos, sobretudo, no campo diplomático. Os israelenses precisavam obter ganhos militares, em especial, para fortalecer o seu poder de barganha nas rodadas de negociação, para justificar o próprio apoio norte-americano e para recuperar a própria credibilidade que a FDI trazia ao Estado israelense. A reconstrução da reputação da FDI era fundamental inclusive para a segurança israelense. Por fim, os EUA precisavam da vitória israelense para resolver a questão do choque e para consolidar a sua supremacia frente a própria União Soviética. A atitude árabe para a promoção do embargo pode ser considerada uma ameaça a soberania westfaliana dos Estados em escala mundial, já que, além de terem o seu poder econômico limitado, ainda poderiam sofrer sanções em relação as suas próprias escolhas. A soberania westfaliana diz respeito à capacidade do Estado de excluir a presença de forças externas da política nacional. O embargo e o uso do petróleo enquanto ferramenta estratégica poderia alterar as decisões políticas dos Estados que se sentiam ameaçados diante da ruptura do fornecimento do recurso. Percebe-se o papel do petróleo pela sua própria capacidade de restrição das diretivas políticas dos países importadores, ou seja, como um instrumento de poder. No dia 14 de outubro, as primeiras armas americanas começaram a ser utilizadas por Israel que iniciou gradativamente uma série de vitórias. A chegada de armamentos americanos alterou as relações que os EUA tinham com a Arábia Saudita, já que, a atitude foi percebida com o comprometimento norte-americano junto ao Estado judeu. Já havia se passado setes dias do início do conflito e o pedido de cessar fogo estava sendo recusado por quase todos devido ao desejo de melhoria da própria situação. Com as vitórias israelenses, os soviéticos começaram a propor um cessar fogo observando a resolução 242 da ONU almejando-se que: Israel se retirasse dos locais conquistados em 92 1967, o fim do estado de beligerância e o direito dos Estados de viverem com segurança tendo as suas fronteiras reconhecidas e livres de ameaças. A proposta da URSS poderia legitimar Israel e os próprios Estados árabes na região em relação a sua fronteira e sua soberania. A proposta ia contra o acordo árabe estabelecido na Conferência de Catrum e havia a questão de Jerusalém. A conquista de Jerusalém fora fundamental para a concretização do próprio projeto do Estado judeu e a evacuação da cidade era um assunto delicado devido à importância e centralidade religiosa que a cidade tem no seu imaginário. Durante o período grego e romano, quando Jerusalém foi conquistada os símbolos representativos das fés eram imediatamente destruídos. Israel, ao conquistar a cidade em 1967, pensou se deveria derrubar a Cúpula do Domo de Ouro local aonde Muhammad ascendeu, contudo, decidiu-se por preservá-la. Para os árabes a perda de Jerusalém era um assunto caro e a reconquista da região também era um assunto delicado. A proposta da URSS intensificou ainda mais o conflito. Agora a busca por uma vitória ou por ganhos relativos era fundamental para ambos os lados. O Egito queria a retirada de todos os territórios conquistados e Golda considerava as fronteiras pré-1967 como indefensáveis. O líder soviético, Kosygim, vai ao Egito tentar negociar a possibilidade de um cessar fogo, contudo Sadat diz que a guerra irá trazer o acordo de paz no Oriente Médio. Neste período, os soviéticos descobriram as negociações secretas entre o Egito e os EUA. A atitude dúbia de Sadat colocou a URSS em uma posição mais complicada frente à possibilidade tanto de perda quanto de ganho árabe. Apesar de cooperarem, os árabes e os soviéticos nunca superaram as suas desconfianças e diferenças o que foi ainda mais um complicador para as relações dos próprios países. Com o passar dos dias, Israel vai obtendo posições e revertendo a situação de perdas experimentada nos primeiros dias de conflito, com isso, os soviéticos se inclinam cada vez mais a concretização de um cessar fogo. A partir do dia 18, os ganhos israelenses são percebidos pelo próprio Sadat que se convenceu da necessidade de um cessar fogo. A URSS começou a fazer fortes pressões para que o acordo fosse ratificado o quanto antes. Com a iminência do acordo, os EUA, mesmo almejando-o, queriam tempo para que Israel começasse a ganhar cada vez mais nas frentes de batalha. Por isso, estabeleceu um importante jogo diplomático que permitiu o ganho de, pelo menos, 48 horas para Israel. Além da melhoria da capacidade bélica israelense, os soldados árabes estavam sofrendo com a falta de suprimentos básicos e pela própria exaustão no Sinai, já que, 93 não se acreditava que o entrave seria tão extenso. Por conta disso, o Egito discute se deveriam evacuar a região que simbolizaria o mesmo ocorrido em 1967. No dia 19 de outubro, o congresso americano aprova a ajuda de 2,2 bilhões de dólares a Israel em adição aos $825 milhões oferecidos nas primeiras duas semanas de conflito. Sadat então passou a defender ainda mais a obtenção de acordos de cessar fogo com o Estado judeu. O líder egípcio chega a afirmar que ele lutaria com Israel o tempo que fosse necessário, mas não com os EUA. No contexto da Guerra Fria, o conflito de 1973 foi uma ótima forma que para testar às armas de ambas as potências. O cessar fogo seria sancionado entre os dias 22 e 23 e até este momento Israel deveriam obter o máximo de ganhos possíveis. No dia 22, o acordo é ratificado e o país que mais se beneficiou com este foi os EUA que: conseguiu estabelecer um cessar fogo possibilitando a recuperação israelense; evitou a humilhação do líder egípcio dando espaço para a concretização de acordo entre o Egito e os EUA; preveniu a intervenção soviética na região; mostrou a sua superioridade bélica e conseguiu fazer um encaminhamento para a concretização de acordos de paz140. Apesar de sancionado o acordo, cada país definiu uma hora distinta para colocá-lo em vigor e o mesmo não pôs fim ao conflito. Israel temia que os árabes estivessem se reprovisionando e, caso isso acontecesse, o Estado judeu não seria capaz de resistir às novas ondas de enfrentamento árabe. Mesmo após o acordo, Israel continuou avançado obtendo ainda ganhos significativos que originou a críticas pertinentes sobre a atuação do país no contexto internacional. O próprio EUA estava em uma situação complicada, visto que, o acordo estabelecido por ele não havia obtido sucesso. Por conta dos ganhos obtidos por Israel, mesmo após o cessar fogo, o governo soviético ameaça realizar uma intervenção na região. O governo norte-americano ao receber essa informação ficou extremamente irritado, pois percebeu a atitude soviética como uma tentativa de se legitimar na região. Uma nova iminência de ameaça nuclear é percebida entre as duas grandes potências mundiais. Com a ameaça soviética os EUA decidem, em uma reunião de cúpula sem o presidente Nixon, deixar o país em estado de prontidão para um caso de guerra. Os EUA esperavam que com a medida a URSS recuasse da sua decisão. Os soviéticos acusavam os norte-americanos de violar as regras do acordo de 1972 em relação à 140 O acordo de paz foi realizado em 1978. 94 questão nuclear. A situação fica bastante tensa, pois ambos os países não queriam a ação unilateral do seu concorrente. Sadat envia um pedido para a atuação da ONU na região e, com isso, tanto a ameaça nuclear norte-americana quanto a própria guerra tem um fim. A partir de então foram estabelecidos check points e a ajuda humanitária começou a chegar ao local. A chegada das forças da ONU ajudou no fim do conflito. Israel, apesar dos ganhos, percebeu que teria que devolver parte dos territórios conquistados. Por conta dos acordos de paz estabelecido junto ao Egito, até 1982 a região do Suez seria devolvida. A atitude egípcia ia contra os acordos de Catrum e foi extremamente mal vista por países como o Irã que romperam relações com o Egito. O acordo estabelecido por Sadat estimulo o seu assassinato em 1979 por um membro da Jihad Islâmica. Sadat, ao iniciar a guerra, queria mostrar ao Estado de Israel que a reputação da FDI não era inviolável e o líder obteve sucesso neste seu objetivo. Tanto Sadat quanto Assad se legitimaram como importantes líderes da região. O novo líder egípcio, ao contrário de Nasser, mostrou a capacidade egípcia mesmo contra um Estado que poderia ter uma superioridade bélica. Ao final da ofensiva um alinhamento com os EUA foi consolidado. O líder egípcio percebeu a importância do apoio norte-americano para a sua afirmação na própria região. Contudo, Sadat cometeu dois erros que poderiam mudar toda a conjuntura da região: não ter sido claro com a Síria quanto os seus objetivos e não ter aceitado um cessar fogo antes. A Síria iniciou o conflito acreditando que tanto ela quanto o Egito almejavam recuperar os territórios perdidos durante a Guerra de 1967. Sendo essa a pretensão Egípcia, logo após a recuperação dos territórios, ambos os países iniciariam um pedido de cessar fogo alcançando, assim, os seus objetivos. A falta de sinceridade do líder egípcio prejudicou a própria estratégia síria e enfraqueceu a possibilidade de sucesso da operação. A Síria começou a questionar a própria ajuda soviética. Ambos os países árabes contavam com a força bélica e com a possibilidade de uma vitória para consolidar o seu poder, fortalecer a sua soberania recuperando os territórios perdidos e para aumentar sua própria segurança contra qualquer atitude de Israel e, para tal, o apoio soviético fora fundamental. A representação que Israel construiu dos árabes favoreceu a própria estratégia árabe e a confirmação dessa representação fez parte da própria estratégia árabe. O petróleo foi uma das frentes de atuação árabe que foi fundamental para o posicionamento políticos dos países que dependiam da produção da OPEP. Diante da conjuntura, os países árabes poderiam 95 atacar e tentar alterar a configuração do Oriente Médio ou não atacar legitimando o projeto judaico em detrimento de sua soberania e segurança. O petróleo e o uso do recuso enquanto instrumento político, ao mesmo tempo em que originava segurança e poder para os países árabes, tinha um efeito reverso nos países importadores. Para os EUA, a atitude árabe era uma violação a sua soberania e poderia inclusive desestabilizar todo o sistema produtivo mundial. Por conta disso, após o estabelecimento do apoio norte-americano a Israel, os EUA agiram de forma a dar tempo ao governo israelense de obter vitórias militares na região. O mesmo não pode ser afirmado sobre a OTAN que decidiu por não ajudar Israel com receio do embargo. A interdependência das escolhas é bem maior na Guerra do Yom Kippur, já que, além do próprio Oriente Médio, o mundo e todo o sistema produtivo estavam ameaçados com a diretiva política árabe. Israel não queria uma ofensiva e não acreditava que os árabes iniciariam um confronto tendo em vista a superioridade bélica israelense. A inteligência israelense sai do conflito com uma baixa reputação devido à falha que quase levou a derrota da FDI. O apoio norte-americano fora fundamental para reestruturar a FDI e com ela o poder, a soberania e a própria segurança israelense. Caso não obtivessem sucesso, o uso de armas nucleares seria a solução encontrada por Israel. O uso do recurso nuclear poderia ter efeitos catastróficos se estimulasse a intervenção direta soviética ou então poderia estimular o próprio apoio norte-americano. O estabelecimento de acordos cooperativos para este conflito foi fundamental. A ação das superpotências para o próprio fim do enfrentamento foi basilar, já que, como evidenciado no primeiro capítulo, ela restringiu a possibilidade de aniquilamento mútuo e para a desestabilização do próprio sistema produtivo mundial. O custo era altíssimo para todos que precisavam de um fim imediato e decisivo do embate. Mesmo com seu fim, a crise do petróleo e o fim do embargo não ocorrem de forma concomitante ao acordo de cessar fogo, assim como, a devolução das terras. Novamente a questão palestina não foi resolvida deixando a população ainda em situação de refúgio. Por conta do Setembro Negro realizado pela Jordânia, em 1970, os palestinos ali residentes foram para o sul do Líbano e ocorreu, em 1982, um dos piores massacres da região. A questão bélica era um importante recurso e ferramenta para a obtenção de poder, segurança e de soberania na região. Para os países árabes, a questão cultural, a solidariedade e o estabelecimento das normas davam formas e eram os instrumentos que desafiavam e que consolidavam a segurança dos líderes, originaram o estabelecimento 96 de uma ameaça comum, possibilitavam a obtenção de poder e das soberanias nacionais. Para os países árabes fronteiriços, ainda havia a ameaça real de uma invasão ou avanço geopolítico do Estado judeu. A ameaça aos países fronteiriços era tanto regional quanto nacional e estes contaram com o apoio soviético para que a ação militar fosse estabelecida. Para a compreensão do jogo e das interações estratégicas na Guerra do Yom Kippur, é fundamental que se leve em conta o papel dos EUA e da URSS para o estabelecimento o próprio conflito. Apesar de existirem enfrentamentos bélicos entre os Estados árabes, a força bélica não foi a único meio de promover sanções e coerções entre os países pertencentes à Liga. Assim como, a cooperação árabe deve ser entendida pelo mesmo mecanismo que origina ameaças aos seus líderes. Ao contrário de Israel, os árabes, na Guerra do Yom Kippur, tentaram recuperar seus territórios e reconstruir a sua imagem e reputação em relação ao poder bélico, diante da população árabe e do próprio Estado judeu. Assim como na acepção realista, a força bélica era uma forma de afirmação na região. O uso do petróleo enquanto ferramenta possibilitou a ampliação do poder árabe evidenciando ao Estado judeu que ele não poderia mais contar somente com o poderio bélico. Da mesma forma, os próprios países importadores devem criar mecanismos e estratégias de reduzir a sua dependência de petróleo retirando o próprio poder que os países da OPEP tinham. Na Guerra de 1967, a força bélica foi usada e a vitória israelense não só trouxe poder como também possibilitou a conquista de territórios. As fronteiras estabelecidas depois da Guerra dos Seis Dias, apesar de serem vistas como seguras, foram fonte de insegurança para o governo. A conferência de Catrum estabeleceu regras de reciprocidade e a representação da própria ameaça que Israel representava para os países árabes. As novas fronteiras representavam a perda da soberania para os árabes e a segurança israelense, por conta disso, na ofensiva de 1973, a representação que as fronteiras e que a FDI que originavam foi posta em cheque frente à força bélica árabe. O erro de dimensionamento da FDI não possibilitou a percepção real das ameaças e das vulnerabilidades do Estado de Israel e isso se tornou, além de um problema militar, um problema político. A segurança só se torna um problema político e de Estado quando o mesmo sabe identificar as suas ameaças e vulnerabilidade e, em 1973, Israel não o fez. Os árabes, por sua vez, não só identificaram as suas fontes de ameaça e de vulnerabilidade como também perceberam como o petróleo e a supressão comercial do recurso era um ameaça a todos os países industrializados e em processo de industrialização. 97 Em 1967, o governo israelense sentiu a sua soberania sendo violada pela possibilidade de desvio do rio Jordão, as constantes infiltrações nas suas fronteiras e o fechamento do Canal de Suez. A guerra, tendo em vista a supremacia da força bélica israelense, poderia garantir e legitimar a soberania ao Estado judeu. Por ter se dado de forma estritamente reflexiva, a guerra e as conquistas territoriais israelenses violaram e enfraqueceram as próprias soberanias árabes. Em 1973, a tentativa de recuperação da soberania e da reputação e afirmação árabe foram violações as soberanias de todos aqueles que queriam ajudar Israel e que tiveram a sua atuação restrita pela iminência de embargo. O programa nuclear israelense traz uma série de dilemas para os países árabes. A força bélica foi fundamental para a construção e para a compreensão do próprio Oriente Médio e da atuação dos Estados. As vitórias e derrotas motivaram e trouxeram desafios aos líderes que estabeleceram relações com demais potências e países de forma a mudar a balança de poder da região e estimular o próprio dilema de segurança no local evidenciando cada vez mais a centralidade da força bélica. 98 Capítulo 4: O Petróleo O petróleo é observado enquanto recurso fundamental para o funcionamento da sociedade no seu dia-a-dia. O petróleo é uma fonte energética não renovável composta por cadeias de hidrocarbonetos que pode gerar, através do processo de refino, diversos componentes, tais como: gás natural, gasolina, óleo diesel, naftas e asfalto. Todos esses produtos originários do petróleo demostram como o recurso é importante para a manutenção do sistema produtivo e do próprio sistema de transporte em escala mundial. Além dos produtos mencionados, devido às inovações tecnológicas da indústria petroquímica, o petróleo também está presente em diversos materiais como: plásticos, brinquedos, batons, tintas, lubrificantes entre outros. Existe um largo mercado para o petróleo e seus derivados. Ainda não existe uma substancia ou produto que possa o substituir completamente e, por isso, o recurso assume um importante papel para os Estados, indústria e para o próprio cidadão que utiliza o recurso constantemente. Por se tratar de uma fonte não renovável e distribuída de forma heterogênea, o recurso é visto também pela incerta que ele origina aos países produtores e consumidores. O petróleo faz parte da matriz energética mundial e o acesso ao recurso é um elemento necessário para a segurança estatal dos países consumidores. As políticas voltadas para o acesso a commodity integram políticas nacionais e internacionais, em especial, para a segurança energética. Após o choque do petróleo, os Estados importadores se viram obrigados a adotar políticas para a redução de sua vulnerabilidade frente à possibilidade de interrupção do fluxo e aumento do preço do recurso o que demonstra o impacto que a diretiva dos países da OPEP teve para o sistema internacional e para o próprio sistema produtivo. Apesar de ser um objetivo comum e convergente dos Estados, cada país determina as suas políticas para a obtenção da segurança energética percebendo as suas particularidades e as suas necessidades. O fornecimento de energia é um assunto político e as políticas adotadas entre produtores e consumidores são interdependentes. Os Choques do Petróleo e o uso do recurso como um elemento de poder reduziu a interdependência das políticas entre os atores. Para a redução das suas vulnerabilidades141 e frente à nova orientação política 141 Em relação às vulnerabilidades dos países importadores ver: ESHITA, Gupta. Oil vulnerability index of oil exporting countries. In: Energy Policy 36 (2008) 1195–1211. As vulnerabilidades dos países produtores são distintas das dos países consumidores. Existem múltiplas formas de se mensurar as vulnerabilidades para ambos. Faz-se necessário ponderar em 99 dos países produtores, os países importadores deveriam: estimular a diversificação dos fornecedores, ter múltiplas fontes energéticas, realizar armazenamento energético, promover a eficácia energética, fazer uso de fontes alternativas, ter posse de uma estrutura redundante entre outras medidas que possibilitassem o aumento da segurança energética. Estas medidas são, sobretudo, orientações que fundamentam a mudança da própria conjuntura que originou poder ao petróleo. Foi consolidada, assim, de forma reflexiva, a insegurança para os produtores. A segurança energética não significa independência energética e, por isso, o petróleo ainda é um recurso bastante utilizado para a obtenção de energia. 4.1. O Petróleo e a Geopolítica de Produção Mundial No contexto de crise que antecedia a Primeira Guerra Mundial e após ser nomeado primeiro Lord do Almirantado do britânico, Winston Churchill tomou uma decisão histórica ao mudar o combustível dos navios dos britânicos de carvão para petróleo142. A Marinha era símbolo e personificação do poder imperial britânico e a mudança garantiria a Grã-Bretanha alguns nós143 a mais nos mares que seriam vitais para o enfrentamento com a marinha alemã. A alteração significou, também, que a Marinha britânica deixaria de utilizar como fonte energética o carvão mineral disponível em seu território e sob sua soberania e passaria a depender do petróleo importado. A decisão de Churchill mudou, a partir de então, o papel do petróleo materializando-o como um dos escopos da política e estratégia nacional. A segurança do recurso passou a ser uma demanda de suma importância para o Estado e seus líderes. O petróleo árabe passou a ser explorado em 1920 e, durante quase cinco décadas, o recurso foi explorado pelas companhias concessionárias petrolíferas, em sua maioria americanas, que desfrutaram da produção do petróleo com poucas travas e/ou controles sobre sua fabricação pelos Estados produtores. O sistema de concessão, nas décadas de 1950 e 1960, transformou a indústria do petróleo em um mercado extremamente competitivo no comércio internacional. As empresas produtoras não estavam preocupadas com a produção do petróleo, e sim, com a própria comercialização do recurso e com a manutenção dos seus compradores. A partir da década de 1950 e, em especial na década de 1970, os Estados árabes começaram a sancionar uma série de relação ao próprio conceito de segurança e a percepção de que as vulnerabilidades são originárias de fatores internos dos próprios países que devem criar políticas que as reduzam. Esta abordagem seria uma das possível mensurações para o entendimento das vulnerabilidades geradas pelo petróleo tanto para produtores quanto para expostadores. 142 YERGIN, Daniel. Ensuring Energy Security. In: Foreing Affairs, March /April 2006. Disponível em: http://www.un.org/ga/61/second/daniel_yergin_energysecurity.pdf 143 Nó é uma unidade de medida usada em geral para a navegação. Um nó equivale a 1852 metros. 100 medidas políticas para a obtenção de sua soberania sobre a commodity que se transformou em uma fonte de poder e de riqueza. O embargo estabelecido pelos países da OPEP144 evidenciou a vulnerabilidade política e econômica a qual os importadores estavam sujeitos, que culminou numa crise energética mundial resultando no estabelecimento da Agência Internacional de Energia (AIE) e na percepção da necessidade dos Estados em elaborem políticas para garantir a sua segurança energética145 e reduzirem a dependência do recurso. Os países importadores perceberam com o Choque que o petróleo não é um importante recurso energético como também é um recurso estratégico e que pode ser usado para fins políticos pelos produtores. Desta forma, fica evidente que o petróleo é um recurso político e estratégico devendo ser também um dos escopos da segurança nacional. Pretende-se de forma breve estruturar a conjuntura que consolidou o petróleo enquanto instrumento de poder aos países árabes. Assim como explicitado no primeiro capítulo, a taxionomia de Barnett & Duvall permite a ampliação do conceito de poder que é estabelecido pelo próprio encontro que tem configurações específicas e particulares. Essas configurações originam as condições objetivas dos Estados de exercerem poder. No que tange ao consumo de petróleo e as empresas de exploração estabelecidas na região, Daniel Yergin146 aponta que, em 1946, havia nove empresas concessionárias no Oriente Médio e, em 1970, este número havia subido para 81 companhias. O crescimento das empresas no Oriente Médio e Golfo Pérsico evidencia a centralidade da região para a produção do insumo. A exploração do recurso era altamente rentável e a grande oferta do petróleo acarretou nos baixos preços que foram fundamentais para estimular do próprio consumo. A Inglaterra, por exemplo, foi trocando gradativamente o carvão pelo petróleo, pois além de mais barato e eficiente, o petróleo era menos prejudicial ao meio ambiente quando comparado ao carvão147. O comércio competitivo de petróleo, além de estimular o consumo e a dependência do recurso, também ajudou a construir uma nova sociedade e estilo de vida. 144 A Organização dos Países Exportadores de Petróleo é uma organização internacional, fundado em 1960, que tem a missão de coordenar as políticas relacionadas ao petróleo dos países exportadores. Seu maior objetivo é garantir um fluxo continuo de petróleo para os países consumidores e para assegurar uma renda estável para os países produtores. 145 A Segurança Energética é um conceito bastante importante e debatido entre os estudiosos. Existe uma divergência se a segurança energética é um fator econômico, político ou ambiental. 146 YERGIN, Daniel. Op. Cit. p 523. 147 O uso do carvão fez a Inglaterra ser conhecida como a cidade cinza devido a fumaça que era emitida ao meio ambiente no momento da combustão do recuso. A população sofria com problemas respiratórios devido ao próprio uso do carvão.. 101 Ressalta-se, conforme demonstrado por Szklo e Schaeffer148, as “virtudes do petróleo” que também ajudaram no processo de dependência e impulsionaram o consumo do recurso. Segundo os autores, o petróleo é um recurso líquido e este estado facilita seu transporte seja por oleodutos ou por via marítima. Até a década de 1970, por conta da centralidade do Oriente Médio e do fornecimento do petróleo da região, esta estrutura de transporte já havia sido estabelecida. O escoamento de um recurso em estado líquido é mais fácil que de um recurso em estado sólido que por definição não pode nem ser escoado. O petróleo tinha maior densidade energética que outros recursos disponíveis a época sendo ainda mais facilmente armazenado. Todas estas virtudes e os baixos preços do recurso nas décadas de 1950 e 1960 foram fundamentais para estimular o seu consumo mundialmente. O próprio escoamento de petróleo pode trazer riscos ao fornecimento do recurso, já que, o transporte em alto mar está sujeito a ataques piratas e a roubos armados. Para a região o escoamento pelo Estreito de Tiran ou pelo território sírio, turco e egípcio era uma opção mais barata e mais segura. Esta opção permitiu que países que não eram produtores mais que cediam o seu território para o transporte do recurso pudessem influenciar na ruptura do escoamento não permitindo a passagem por suas fronteiras soberanas. O Canal de Suez e a possibilidade de seu fechamento representavam desafios não só a Israel como a todos os que faziam o escoamento do recurso pela região. Além disso, os oleodutos também apresentam riscos, já que, podem ser destruídos nos momentos de guerra como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial em relação ao fornecimento japonês. Por isso, a existência de uma estrutura redundante para o escoamento do petróleo foi sendo percebida como uma medida que garantiria aos Estados o fluxo constante do recurso. Como já pontuado no primeiro capítulo, até 1940, os Estados Unidos eram responsáveis por 63% da produção mundial enquanto a Península Arábica, Irã e Iraque produziam apenas 5%149. O sistema de concessão atribuiu aos países produtores, em especial os EUA, um importante papel no cenário internacional que foi ratificado no momento da Segunda Guerra Mundial, já que, eles forneceram o recurso para os países que eram seus aliados. Na Segunda Guerra Mundial a dependência da indústria petrolífera era muito maior quando comparada a Primeira Guerra. Nesta, apesar da 148148 SZKLO, Alexandre; SCHAFFER, Roberto. Fontes alternativas de energia ou sistemas de energia alternativa integrado? O Petróleo como uma lança de Peleus moderna para a transição energética. In: SZKLO, Alexandre Salem; MAGRINO, Alessadra (org). Geopolítica e Gestão ambiental de Petróleo. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 2008. 149 YERGIN,Daniel. Op. Cit. 102 mudança da fonte energética dos navios britânicos, havia ainda a dependência do cavalo que determinava e limitava a própria guerra. A Segunda Guerra mundial instaurou um novo mecanismo para o próprio “fazer guerra” que passou a contar com tanques, aviões, navios entre outros recursos que dependiam do petróleo para o seu funcionamento. Após a Segunda Guerra, como abordado no segundo capítulo, os países árabes começaram as lutas em prol da obtenção de suas independências. Apesar de ainda predominar o sistema de concessão no pós-independência, os países produtores foram gradativamente criando estratégias para a obtenção de sua soberania diante da produção do recurso que, devido ao alto consumo, passou a se percebido por sua rentabilidade sendo a maior fonte de renda dos produtores. Até 1972, as investidas da OPEP conseguiram estabelecer um declínio da produção americana de 64% para 22% da produção mundial total. Apesar de alguns países industrializados contarem com reservas em seus territórios, elas já haviam atingido seu pico de produção como os Estados Unidos que, por exemplo, atingiram seu limite produtivo em 1971 e o Canadá em 1973. Na década de 1970, de cada dez barris produzidos, sete eram provenientes do Oriente Médio. Além dos países do Oriente Médio, a URSS era também uma das grandes produtoras à época. Contudo, no contexto da Guerra Fria, os Estados Unidos queriam impedir o crescimento soviético e as suas chances de obter dinheiro com a venda do óleo. Para tal, as companhias de petróleo norte-americanas reduziram, sem consultar os países produtores, em 14 centavos o preço do barril. A medida gerou descontentamento nos últimos que, em 19 de setembro de 1960, fundaram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). A organização nasceu da unilateralidade das companhias concessionárias em relação ao petróleo do Oriente Médio e da Venezuela. As companhias concessionárias sabiam que a organização poderia representar um risco, já que, os cinco países fundadores da OPEP produziam 80% da exportação mundial. Contudo, nos primeiros anos após a fundação, a OPEP não aparentou representar nenhum tipo de ameaça, já que, os países produtores não eram soberanos e nem autônomos em relação a sua produção. A OPEP é uma organização intergovernamental formada inicialmente por cinco Estados, a saber: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Na década de 1960, a agenda da organização defendia o direito inalienável dos países produtores de exercerem a sua soberania frente aos seus poços tendo em vista os próprios interesses 103 nacionais. Em 1969, o número de países vinculados à organização já havia duplicado150. Em meados da década de 1970, os países produtores já haviam conquistado sua soberania frente ao recurso que garantia, não só o controle de sua produção, como também a capacidade de estabelecer o preço do barril do petróleo. Após a fundação OPEP, inúmeras disputas entre os países membros foram deflagradas e outras foram transmutadas do âmbito da Liga Árabe para a Organização. No primeiro caso, cita-se, como exemplo, a disputa entre Irã e Arábia Saudita. As rivalidades entre Arábia Saudita e Irã, mesmo sendo ambos apoiados pelos EUA, trouxeram problemas para as companhias exploradoras. Os custos de produção do petróleo tanto na Arábia Saudita quanto no Irã eram muitos similares e, por serem os maiores produtores, ambos almejavam a liderança da OPEP. Estas disputas enfraqueciam a própria atuação da organização nos seus anos iniciais. Além disso, a importância estratégica do recurso criou tensões e crises como a pretensão iraquiana de invadir o Kuwait após a sua independência em 1961 ou a tentativa saudita de incorporar Abu Dhabi após o fim da influência da Grã-Bretanha da região em 1971. O petróleo e o desejo do domínio do recurso poderiam originar violações as soberanias de alguns países do Golfo Pérsico trazendo desafios para a segurança dos próprios Estados produtores. No caso de conflitos procedentes na Liga e que foram incorporados pela OPEP, existiam as disputas ocorridas, em 1962, entre Arábia Saudita e Egito no Iêmen e que só foram sanadas quando, em 1970, com a morte do líder egípcio Gamal Nasser que foi sucedido por Anuar Sadat. Esta sucessão possibilitou o estabelecimento de acordo entre os dois países. Entre 1950 e 1960, os Estados Unidos da América se tornaram o maior produtor mundial de petróleo. Apesar de ter empresas petrolíferas em seu território, a exploração do recurso no Oriente Médio foi fundamental para o aumento da produtividade norteamericana. Para os países árabes, mesmo sem ter o controle de sua produção no início da exploração do recurso, os investimentos estrangeiros foram fundamentais para a própria construção das indústrias nos países do Oriente Médio. Os profissionais ali chegados tinham conhecimentos específicos e capital necessário para impulsionar a indústria do petróleo na região. Esta lógica começou a mudar, a partir de 1960, quando uma nova geração de tecnocratas árabes oriundos de universidades internacionais pôde assumir o controle outrora delegado as companhias de extração. Esta nova geração 150 No momento de sua fundação, assim como indicado no sitio da OPEP, a indústria do petróleo era dominada pelas sete irmãs. 104 poderia reivindicar o domínio das tecnologias que permitiriam o controle da produção árabe. Com a mão de obra especializada, a partir de 1959, os países árabes produtores se reúnem para definir as diretrizes que regulariam o preço do petróleo151. O petróleo da Líbia fora explorado a partir de em 1961 sendo produzido pelo regime de concessão. Em 1969, a produção do país já havia igualado as suas exportações ao patamar da Arábia Saudita que era uma das maiores produtoras da região. O petróleo líbio apresentava algumas vantagens em relação aos demais países produtores da OPEP, pois além de ser um país situado na África o que permitia a redução dos custos de transporte do petróleo que precisaria cruzar o mar mediterrâneo para chegar à Europa, o recurso era de altíssima qualidade por ter baixa quantidade de enxofre. As descobertas das reservas líbias alteraram a própria indústria do petróleo dando centralidade à produção da Líbia. Em 1969, ocorreu uma revolução no país legitimando Gaddafi no poder. O novo líder líbio era um admirador de Nasser e, quando o líder egípcio morre, em 1970, Gaddafi ambicionava ser seu sucessor. Assim como Nasser e a sua atuação no canal de Suez, Gaddafi almejava a retomada do controle do petróleo líbio e a sua nacionalização. A política de Gadaffi tanto na OPEP quanto internamente estimulou novos controles à indústria do petróleo colocando um fim na era dos grandes barões do petróleo ocidentais e dando início ao controle dos sheiks árabes do petróleo. Segundo a Escola de Copenhagen, a segurança é uma construção feita socialmente, assim como, a identificação das fontes de ameaça do Estado. Para os países árabes, como já exposto, Israel era um fonte de ameaça na região e o petróleo foi utilizado tanto em 1967 e 1973 objetivando a obtenção de poder que poderia ser crucial para uma vitória contra o Estado judeu. A manutenção da segurança está relacionada diretamente com a própria definição dos interesses nacionais e, por isso, no momento das interações estratégicas, os árabes deveriam ponderar sobre a viabilidade do uso do petróleo para o fim planejado. Por ser considerado um elemento econômico, mesmo sendo parte da estratégia nacional dos países consumidores, até a década de 1970, não havia sido consolidada políticas e estratégias alternativas ao uso do petróleo. O embargo instaura a necessidade dos Estados consumidores de estabelecerem políticas que possibilitem a sua segurança 151 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 556-557. 105 energética e a manutenção do sistema produtivo. Estas políticas são a priori, diretivas que tentam mudar as condições objetivas que originaram aos países produtores poder. A necessidade de manter a segurança e a vontade de reduzir as ameaças nacionais é fundamental para o próprio planejamento de defesa dos Estados. O uso do petróleo pelos Estados árabes para reduzir o apoio dado a Israel, consolidou, de forma reflexiva, insegurança para os consumidores que tiveram que ponderar sobre as suas relações estratégicas com os Estados produtores e entre si. O petróleo deve, então, ser percebido em relação à segurança/insegurança geradas dentro do sistema internacional tanto para os países importados quanto para os países exportadores. Para os países produtores, em relação a sua segurança e para a redução de suas ameaças, os países devem avaliar o petróleo como um elemento que motiva as crises e intervenções externas. Rogan destaca que “a riqueza do petróleo pode ser usada no desenvolvimento construtivo do país, mas, também, pode impulsionar a corrida armamentista e os conflitos armamentistas, sendo então a causa da destruição”152. Pensando nas vulnerabilidades, os países produtores de petróleo têm, em geral, parte do seu PIB calcado na exportação do recurso e esta dependência vem estimulando os estudos de um novo campo chamado petropolitics153 e o conceito da doença holandesa154 ou o “mal dos recursos naturais”. A dependência da venda do recurso para as economias nacionais trazem, além da dependência econômica uma diferente constituição social. Em geral, as populações tendem a pagar taxas aos Estados somente se houver a representação governamental dos seus interesses. Para os Estados produtores, por conta dos altos lucros originários do petróleo e por não necessitarem da população para a sua própria arrecadação, caso não ocorra à taxação o governo pode não representar os interesses populacionais. 152 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 554. 153 O campo da petropolitics vem examinando a relação entre o preço do petróleo e o espaço de liberdade. A teoria defende que o alto preço do produto culmina na construção de Estados autocráticos aonde o espaço da democracia caminha em direção oposta ao preço do petróleo. Deve-se ressaltar que a teoria é criticada por uma série de especialistas que não percebem como plausível a “primeira lei da Petropolitics”. Para seus defensores, quando o petróleo foi encontrado em países com instituições políticas fracas ou inexistentes, os resultados da exploração do petróleo foram ruins para as populações locais. O início da exploração legitimou famílias no poder que não eram necessariamente representativas dos interesses locais. A corrupção aumentou e os governos dependiam da própria indústria do petróleo para a sua legitimação ratificando, assim, o próprio sistema. Os desenvolvimentos industriais e agrícolas ficaram para segundo plano estabelecendo o que é conhecido como doença holandesa. 154 A Doença Holandesa é um conceito econômico que tenta explicar a exploração dos recursos naturais com a atrofia do setor manufatureiro e industrial. Por conta dos altos rendimentos oriundos do petróleo a indústria do país tendo a reduzir tornando o país menos competitivo no cenário internacional e mais vulnerável. Os países produtores apresentam um pior desempenho frente aos demais países, em especial, em relação ao seu IDH. 106 Para os países importadores o embargo ou possibilidade de embargo somada a falta de energias alternativas para a sua substituição do petróleo poderiam desestabilizar o próprio sistema produtivo quebrando as economias locais. O aumento do preço poderia ser prejudicial também à economia estatal, já que, que seria necessário gastar mais dinheiro para a manutenção do sistema e da própria sociedade. Sendo assim, o petróleo, no momento do primeiro choque, devido à redução do fornecimento e o aumento do preço do recurso, evidenciou a relação de dependência e as vulnerabilidades dos países importadores frente ao poder que os países produtores tinham. Cabe lembrar que a compra do recurso de alguns países da OPEP eram, inclusive, visto como uma ameaça a segurança nacional dos países importadores, já que, poderiam financiar grupos ligados a movimentos terroristas que são outro tipo de ameaça para a segurança das potências ocidentais. Apesar das medidas para a redução da insegurança dos exportadores, o petróleo é o combustível que sustenta a economia global ainda hoje e o seu suprimento regular é vital para o desenvolvimento dos países. Apesar das tentativas de diversificação estabelecidas desde a década de 1970, o petróleo é ainda responsável pela geração de 35%155 da demanda energética mundial156. Uma das maiores peculiaridades da indústria do petróleo é que ela é globalizada e mais da metade da demanda é comercializada internacionalmente. O choque evidenciou a vulnerabilidade dos países consumidores e vários estudos vêm sendo elaborados preconizando a enumeração das mesmas e percepção dos riscos que o recurso origina. A América do Norte e a Europa consomem atualmente, segundo a British Petroleum, em média, 45,9% da demanda do recurso e controlam, contando com a Rússia, 21,6% das reservas provadas. O Oriente Médio e África, por outro lado, detêm 56,2% das reservas provadas e consomem somente 13,1% da demanda157. Os riscos que o recurso apresenta podem ser sistêmicos ou específicos. O primeiro caso afetaria o mercado como um todo, enquanto, o segundo é específico de uma região que é resultado da particularidade de cada região. Guerras, problemas humanos e técnicos, terremotos, furações, ações terroristas e ações militares e, sobretudo, questões políticas são também fatores de redução do suprimento e, consequentemente, aumento da vulnerabilidade. 155 IEA. World Energy Outlook, 2006. British Petroleum. Relatório Estratégico, 2006. 157 British Petroleum. Statistical Review of World Energy 2013. 156 107 Alguns autores, em especial aqueles que preconizam a teoria da dependência de Theotonio dos Santos, percebem a existência de uma dependência mútua entre produtores e importadores. Os países árabes que não são produtores tiveram um desenvolvimento totalmente diferente dos países produtores, pois, para a obtenção de fontes de renda, foi necessária a diversificação das suas indústrias. Destaca-se que, desde o Império Otomano, a indústria agrícola foi à base da econômica da região. Os países produtores, mesmo com um alto PIB, dependem da importação de comida, bens de consumo, bens de capital, tecnologia entre outros e, por isso, Theotonio percebe a dependência entre produtores e consumidores. O petróleo, além de seu potencial energético, é fundamental para as economias e os sistemas produtivos mundiais e por ser um dos principais insumos da matriz energética mundial, deve ser entendido, portanto, por própria história. Segundo a OPEP, a história moderna do petróleo é e pode ser entendida pela própria história da organização. A afirmativa é bastante interessante, pois a OPEP, com sua própria institucionalização, norteou as políticas e diretrizes dos maiores produtores no período possibilitando uma alteração do próprio papel do recurso. Não será elaborada uma discussão aprofundada da Segurança Energética tendo em vista que o enfoque deste trabalho é o uso do petróleo enquanto ferramenta estratégica pelos países árabes tanto em 1967 quanto em 1973 para a obtenção de sua segurança, poder e em relação à soberania do recurso. 4.2. O uso do petróleo enquanto elemento de poder: fracassos e sucessos Com a iminência da Guerra dos Seis Dias, o Egito, sob a égide da LA, conclamou o uso do petróleo enquanto recurso estratégico para pressionar os países que estavam apoiando Israel. A primeira tentativa dos países árabes para usar o petróleo enquanto um recurso político e estratégico não logrou êxito e serviu para reduzir a receita dos países produtores. A ARAMCO, nas vésperas da guerra de 1967, havia enviado avisos para o governo norte-americano sobre a possibilidade de um conflito na região. Foi pedido ao governo dos EUA o não envolvimento no mesmo, pois havia a necessidade de se manter relações amigáveis como os países árabes. A ARAMCO ressaltou a importância da atuação da ONU para a resolução do conflito. Segundo o representante da companhia de exploração, existia um risco de nacionalização e o 108 próprio ministro do petróleo saudita, Yamani, havia declarado que seria uma “burrice” não atuar junto aos seus irmãos árabes158. Em junho de 1967, o petróleo já era visto como uma “arma de guerra”. Além do documento discutido no segundo capítulo deste trabalho, destaca-se a percepção do petróleo como uma arma em um ensaio feito com o apoio do Centro de Investigação da OLP em Beirute. A crescente defesa do petróleo enquanto recurso estratégico evidência uma nova lógica estabelecida pelo pensamento e pela própria estratégia árabe no que tange a obtenção de poder. Segundo Al-Turaiki, redator do ensaio, o uso do petróleo dever ser observado como, “essa coisa que goza de aceitação geral que todo o Estado tem o direito de recorrer de quantas medidas encontram-se ao seu alcance para pressionar seus inimigos. E o certo é que os árabes possuem uma das armas econômicas mais potentes e cabe usar contra os seus inimigos” 159 . O relatório percebe, não só a potencialidade que a “arma” petróleo tinha como, também, o próprio direito árabe de usá-la contra os seus inimigos. Al-Turaiki era especialista árabe das questões petrolíferas e a percepção do recurso como uma estratégia da própria causa árabe invocava o cumprimento das normativas sancionadas pela LA. A primeira investida árabe, como já dito, não gerou bons resultados. O Egito foi o mais prejudicado na Guerra dos Seis Dias, já que, perdeu o Sinai e o controle do Estreito do Tiran que era vital para o escoamento e também para o controle egípcio do próprio fluxo do recurso, já que, o país que poderia determiná-lo com o próprio controle do Canal de Suez. Após a guerra de 1967, o medo de Nasser era, justamente, a possibilidade da manutenção dos territórios pelo Estado de Israel. Por isso, a retaliação foi utilizada no pós-guerra. Os resultados da ofensiva de 1967 ajudaram na alteração da própria Liga que, conforme apontado por Barnett, seguiu uma orientação mais conservadora. A nova política e diretiva da Liga foram alteradas pela mudança do eixo do um capital simbólico, ideologia, para uma orientação voltada para o capital econômico, petróleo. Esta nova política colocou os países do Golfo Pérsico no centro do nacionalismo árabe. Os homens do petróleo e o petrodólar começaram a substituir os líderes revolucionários como Nasser. Os países do Golfo que nunca haviam sido focos do nacionalismo árabe e agora estavam no centro das atenções e isso lhes custou um alto preço160. 158 FRUS, 1964-1968, Volume XVIII, Arab- Israel Dispute, 1964-1967. ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 567. 160 BARNETT, Michael N. Op. Cit.. p.165. 159 109 Por não terem ocorrido os processos de nacionalização da commodity, em 1967, e devido a dependência econômica do recurso, ficou claro que o boicote foi mais prejudicial para os próprios Estados árabes que para as economias ocidentais. Para que a Liga declarasse o fim do embargo, na Conferência de Catrum, em 1967, além dos três nãos, os três maiores produtores, Arábia Saudita, Kuwait e a Líbia, foram impingidos a pagar uma indenização de $135 milhões de dólares anuais para as perdas árabes de 1967161. Foi fundada a OAPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que tinha o objetivo de proteger a economia dos países exportadores das diretivas da Liga. O redirecionamento das rendas do petróleo para a melhoria da situação árabe diante do conflito, conforme apontado no segundo capítulo, deve ser percebida em relação à nova diretiva da LA e em relação à possibilidade de manutenção da economia dos países produtores. A fundação da OAPEC demonstra a importância do recurso para os produtores e o desejo de dissociar um recurso econômico, petróleo, da possibilidade de um embargo do recurso que tinha fins políticos. O redirecionamento do rendimento para a reconstrução e para a compra de armas para os países em guerra com Israel era a melhor escolha, visto que, mantinha o fluxo constante de dinheiro para os produtores. A continuidade do fornecimento do recurso pelos países-membros da OPEP foi fundamental para a própria medida estabelecida em 1973, já que, ela manteve a centralidade da região para o abastecimento em escala mundial. Após a Guerra dos Seis Dias, os Estados produtores começaram a promover alterações nas suas políticas em relação ao petróleo que foram basilares para a manutenção e conquista de suas soberanias em relação a sua produção do petróleo. Alguns países árabes, após 1967, como, por exemplo, a Síria, fecharam os seus portos para dificultar e/ou evitar a saídas dos comboios que transportavam petróleo para o escoamento por mar. O procedimento referente a restrição da venda de petróleo foi uma inovação da política árabe. A demanda mundial estava em franco crescimento e o preço desta commodity, em 1973, já havia aumento 400%. As nacionalizações reduziram a margem de segurança internacional, em especial, dos EUA como fornecedor mundial. Gaddafi, em janeiro de 1970, convocou uma reunião com os chefes das empresas concessionárias objetivando definir o termino dos seus contratos. O líder líbio afirmou que era preferível cessar a produção líbia a deixá-la sobre controle dos ocidentais. Gaddafi ainda almejava determinar o preço do recurso. As medidas do líder líbio foram 161 RABINOVICH, Itamar; SHAKED, Haim (org). From June to October. New Jersey: Transaction Books, 1978. 110 retirando cada vez mais o controle da produção das empresas concessionárias se tornando fundamentais para o início do próprio controle da produção dos países da OPEP. A partir de 1970, os países pertencentes a OPEP começaram a se reunir almejando melhorar a sua situação econômica frente à conjuntura estabelecida pelo próprio sistema de concessão. Em 1970, em Caracas ocorreu uma reunião aonde foi apresentada uma proposta de que 55% da taxa de imposto mínimo deveriam ir para os países produtores e não para as empresas exploradoras. A reunião de Caracas ajudou na ratificação do Acordo de Tehran no qual os países produtores se comprometeram a não elevar o preço do recurso por cinco anos caso houvesse um aumento do valor do barril e dos impostos destinados aos Estados produtores. Caso as vinte e duas empresas de petróleo presentes na reunião não aceitassem a proposta, a OPEP promoveria um embargo de petróleo162. O acordo foi assinado no dia 14 de fevereiro. Ele gerou uma grande mudança para todo o sistema modificando inclusive seu próprio o equilíbrio. Apesar de se comprometerem com um não aumento do recurso, a diretiva não foi cumprida. As vitórias com os acordos de Tehram estimularam outras mudanças dos Estados produtores que tentaram aumentar cada vez mais a sua soberania na região trazendo desafios a segurança dos consumidores. Dez dias após a ratificação do acordo, a Argélia nacionalizou 51% das concessões estabelecidas com a França. Em dezembro de 1971, a Líbia nacionaliza a sua indústria sendo seguida do Iraque que cessou os contratos estabelecidos com a British Petroleum, Shell, Compagnie Francaise des Petroles, Mobil e Standard Oil de New Jersey. Os países árabes antes do embargo tinham orientações políticas distintas frente aos países do ocidente. A Arábia Saudita era mais alinhada com o ocidente, apesar do Rei Faisal ser contrário à Israel. Quando se pensava na questão energética, o Rei não era favorável ao uso do petróleo para fins políticos devido à experiência negativa vivenciada em 1967. Faisal declarou, naquela ocasião, que a política e o petróleo não deveriam se misturar. Ao contrário de 1967, em 1973, o petróleo havia se tornado um recurso fundamental para as indústrias e nações; a Arábia Saudita era fornecedora extraordinária para caso da demanda ser maior que a oferta e havia dependência mundial da região do Golfo não havendo possibilidade de aumento da produção por parte dos EUA e, por isso, muitos países consumidores estavam mais vulneráveis. A 162 YERGIN, Daniel. Op. Cit.. 111 Arábia Saudita exportava 21% do petróleo mundial e sua produção crescia exponencialmente e já havia ultrapassado o Texas. Além disso, o líder saudita não desejava que Sadat se alinhasse a URSS para alcançar seus objetivos e, por isso, se sentiu pressionada a apoiar o embargo e a iniciativa egípcia. O Estado de Israel foi favorecido pelos ganhos territoriais e pela desmoralização dos exércitos nacionais árabes em 1967. Sadat precisava de uma guerra para mudar este paradigma e, para isso, reforçou seu laço com a URSS que disponibilizou ao Egito, em menos de um ano, mais armamentos do que a potência árabe havia conseguido nos últimos anos. A guerra era uma necessidade e, mesmo dependente das importações soviéticas, era necessário alterar a reputação dos Estados árabes em relação aos seus exércitos nacionais. A nova conjuntura e a crescente demanda favoreceram o uso do petróleo arma e enquanto ferramenta de legitimação e de poder no cenário internacional. O choque do petróleo altera a antiga percepção que se tinha frente aos países árabes e em relação ao próprio petróleo. Em abril de 1973, antes do embargo, Nixon aboliu o sistema de cotas de produção. Devido à grande oferta do recurso no comércio internacional, não havia uma política de restrição ao consumo e seu uso era desenfreado. O governo norte-americano já discutia e previa a possibilidade de um embargo e sabia que qualquer movimento culminaria em um corte de produção. Contudo, os EUA não contavam com a possibilidade do apoio saudita ao embargo o que seria bastante prejudicial ao país. O embargo poderia desestruturar o sistema produtivo quando percebemos o próprio peso das exportações da OPEP como, por exemplo, 28% das importações norte americanas eram oriundas do Oriente Médio; 44% do consumo japonês provinham da região e 65% do total do consumo europeu163. Devido à dependência do insumo originário da região, tanto a Europa quanto o Japão seriam pressionados a ficarem ao lado dos países árabes evidenciando o sucesso do estabelecimento da política e estratégia árabe. Logo após a chegada do auxílio americano para o Estado de Israel, no dia 16 de outubro, os países árabes aumentaram em 70% o preço do petróleo. Essa medida, além de ir contra o estabelecido em Caracas, ainda mostrou o controle, domínio e poder dos países árabes sob o seu recurso. Nixon declarou no dia seguinte que a medida ameaçava à segurança norte-americana e a própria posição estratégica do país. Um dos símbolos da crise para os EUA foram as filas nos postos e os cupons de racionamento do recurso. 163 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 574. 112 Representações da cultura americana como os Drive- Thrus, o uso de transportes individuais, os cinemas dentro dos carros estavam sendo ameaçados pelo próprio embargo. Umas de suas consequências foi o uso consciente do recurso. No dia 17 de outubro, os ministros do petróleo dos Estados árabes produtores fizeram a seguinte declaração: Os países exportadores de petróleo árabes contribuem para a prosperidade para o crescimento da economia mundial através de suas exportações desse recurso natural não renovável [petróleo]. E, apesar do fato de que a produção de muitos desses países superaram os níveis exigidos por suas próprias economias domésticas e para as necessidades energéticas para as futuras gerações, eles continuaram a aumentar a sua produção, sacrificando seus próprios interesses no serviço de cooperação internacional e os interesses dos consumidores. [...] Sabe-se que grandes porções dos territórios dos três Estados árabes foram ocupadas por Israel na guerra de junho de 1967, e o país continuou a ocupá-los desafiando resolução da ONU e várias chamadas pela paz dos países árabes e as nações “amantes” da paz. [...] E, embora a comunidade internacional tenha a obrigação de implementar as resoluções da ONU e de prevenir as possibilidades do agressor de colher os frutos desta agressão e da ocupação dos territórios de outros pela força, a maioria dos principais países industrializados que são consumidores de petróleo árabe falharam em tomar medidas ou ações de tal forma que pode indicar a sua consciência desta obrigação internacional. De fato, as ações de alguns países tendem a apoiar e reforçar a ocupação. [...] Antes e durante a presente guerra, os Estados Unidos tem sido ativo no fornecimento a Israel de todos os meios de poder que têm servido para agravar sua arrogância e habilitá-lo para desafiar os direitos legítimos dos outros e os princípios do direito internacional público. [...] Em 1967, Israel foi fundamental para o fechamento do Canal de Suez e de sobrecarregar a economia europeia com as consequências destas ações. A guerra atual atingiu leste do Mediterrâneo e as exportações de petróleo fazendo com que a Europa vivesse outra escassez de suprimentos. Esse é a terceira ocorrência resultante de uma transgressão de nossos direitos legítimos com os EUA apoiando de Israel. Os países árabes foram induzidos a tomar uma decisão de descontinuar os seus sacrifícios econômicos relacionados à grande produção de petróleo que não é um recurso renovável por conta do excesso de consumo que é justificado pelas considerações das economias domesticas. Esta medida será estabelecida a não ser que a comunidade internacional se comprometa em compelir a saída israelense dos territórios ocupados, assim como, queremos mostrar aos EUA o alto preço que os países industrializados estão pagando como resultado do apoio cego americano pelo Estado de Israel. Por consequência, os ministros árabes do petróleo em reunião no Kuwait hoje decidiram por reduzir as suas produções em 5% do total produzido por cada produtor em Setembro de 1973 com uma redução similar a ser aplicada nos meses sucessivos computados pelo total do mês anterior até a evacuação das forças israelenses dos territórios árabes ocupados em 1967 e a restauração do direito Palestino. A conferência tomou cuidado de assegurar que a redução não iria afetar nenhum Estado amigo que poderia no futuro dar assistência aos Estados árabes. O suprimento do petróleo para estes seria mantido. O mesmo tratamento especial seria estabelecido para qualquer Estado que tomasse medidas significativas contrárias a Israel de forma a obrigar a saída dos territórios usurpados árabes.[...] Dos ministros árabes para todas as pessoas do mundo e, em particular aos americanos, para o apoio as nações árabes pelo sua luta contra o imperialismo e a ocupação israelense. Eles reafirmam o desejo sincero das nações árabes para a cooperação total com o mundo e a sua prontidão para provê-los com as suas necessidades de petróleo tão logo o 113 mundo mostre simpatia conosco e denunciem as agressões contrárias a nós. 164 O documento é bastante significativo e demonstra a própria percepção dos árabes em relação à importância de suas contribuições para a produção e comércio internacional. Os Estados produtores entendem a extração como sendo um sacrifício econômico e ressaltam que a fonte não é renovável. O embargo seria sancionado para estimular a saída israelense dos territórios ocupados na Guerra de 1967 e para evidenciar o poder árabe diante dos países importadores que, mesmo tendo uma diretiva de evacuação israelense, não fizeram pressão para o cumprimento da mesma. A falta de atendimento da resolução da ONU quebrava as regras de compliance e de reciprocidade estabelecidas para a região. Percebe-se como o uso do petróleo, no contexto de 1973, foi usado uma ferramenta para a obtenção do poder sendo fundamental para a retomada da soberania árabe frente aos territórios ocupados e para sua própria segurança. 164 ALNASRAWI, Abbas. Arab Nationalism, oil and the political economy of dependency.. Westport:Greenwood, 1991. p 91.Tradução livre. Na língua original: “ The Arab oil exporting countries contribute to the prosperity of the world and the growth of its economy through their exports of this wasting natural resource. And in spite of the fact that the production of many of theses countries has exceeded the levels required by theirs domestic economies an the energy and revenues needs of their future generations, they have continued to increase their production, sacrificing their own interests in the service of international cooperation and the interest of the consumers.// It is known that huge portions of the territories of three Arab States were forcibly occupied by Israel in the June 1967 war, and it has continued to occupy them in defiance of UN resolution and various calls for peace from the Arab countries and peace-loving nations.// And although the international community is under an obligation to implement UN resolutions and to prevent the aggressor from reaping the fruits of this aggression and occupation of the territories of others by force, most of the major industrialized countries which are consumers of Arab oil have failed to take measures or to act in such a way as might indicate their awareness of this public international obligation. Indeed, the actions of some countries have tended to support and reinforce the occupation.// Before and during the present war, the United States has been active in supplying Israel with all the means of power which have served to exacerbate its arrogance and enable it to challenge the legitimate rights of the others and the unequivocal principles of the public international law.// In 1967, Israel was instrumental in closing the Suez Canal, and burdening the European economy with the consequences of this actions. In the current war, it hit East Mediterranean oil exports terminals, causing Europe another shortfall in supplies. This is the third such occurrences resulting from Israel´s disregard of our legitimate rights with US backing and support. The Arabs have therefore been induced to take decision to discontinues their economic sacrifices in producing quantities of their wasting oil assets in excess of what would be justified by domestic economic considerations, unless the international community hastens to rectify matters by compelling Israel to withdraw from our occupied territory, as well as letting the US know the heavy price which the big industrial countries are having to pay as a result of America´s blind and unlimited support to Israel.// Therefore, the Arab Oil ministers meeting in Kuwait today have decided to reduce theirs oil producing forthwith by not less than 5 percent of the September (1973) level of output in each Arab Oil exporting country, with a similar reduction to be applied each successive mouth, computed on the basis of the previous month´s production until such time as total evacuation of Israeli forces from all Arab territory occupied during the June 1967 war is completed and the legitimate rights of the Palestinian people are restored.// The conference took cares to ensure that reduction in output should not affect any friendly state which has extended or may in the future extend effectives concrete assistance to the Arabs. Oil supplies to any such state will be maintained in the same quantities as it was receiving before the reduction. The same exceptional treatment will be extended to any state which takes a significant measure against Israel with a view to obliging it to end its occupation of usurped Arab Territories.//The Arab ministers to all the peoples of the world, and particularly the American people, to support the Arab nations in its struggle against imperialism and Israeli occupations. They reaffirm to them the sincere desire of the Arab nation to cooperate fully with all the peoples of the world and their readiness to supply the world with its oil needs as soon as the world show its sympathy with us and denounces the aggression against us.” 114 A atitude árabe também servia para evidenciar como o apoio norte-americano ao Estado de Israel prejudicaria a todos os países industrializados, já que, os EUA forneciam ao Estado de Israel material bélico que era uma das fontes de poder do Estado judaico. Desta forma, além de restringir o apoio das demais potências ao Estado de Israel, o embargo gerava uma pressão internacional contrária à atitude norteamericana. Para os EUA a medida árabe violava a sua soberania, sua segurança e o seu poder, por isso, o estímulo e amparo ao Estado de Israel é intensificado, já que, ele demonstraria aos países árabes a necessidade do apoio norte-americano. A Arábia Saudita gostaria de consultar os Estados Unidos antes de entrar no embargo, contudo, o não alinhamento com os países árabes seria uma grande ameaça a Faisal. O Iraque era o mais radical e defendia o embargo total e a nacionalização de todas as empresas da região, assim como, a Líbia. Os países que foram afetados pelo embargo foram EUA, Holanda, Portugal e África do Sul. Os países foram classificados da seguinte maneira: a) amigos que não sofreriam redução alguma; b) neutros que sofreriam uma pequena redução e c) os embargados que foram alvos de todas as sanções. Os EUA se recusavam a cumprir as exigências árabes e as sanções estabelecidas pelos Estados árabes estimulou o envio $2,2 milhões de dólares para a compra de armamentos e material bélico para Israel. A iniciativa árabe altera todo o sistema internacional, já que, o uso do petróleo arma era uma ameaça a todos os países. Yergin aponta que “a própria essência do poder na política internacional parecia ter sido transformada por sua reação escorregadia com o petróleo.”165 Segundo Kissinger166, o embargo de 1973 alterava irrevogavelmente o mundo. Para evitar a possibilidade de revenda, a OPEP criou uma estratégia onde foi estabelecido o embargo do petróleo para os países aliados a Israel, assim como, a promoção do corte da produção e a restrição das importações gradativas aos países amigos. No mesmo período, houve um aumento do preço do petróleo. A medida não foi planejada para o embargo, mas contribuiu para o pânico e para a crise gerada pela decisão dos países da OPEP. O aumento ainda foi substancial para o fluxo constante de dinheiro para os países exportadores. A demanda era muito alta e a oferta estava baixa. Os ganhos militares israelenses, como discutido no capítulo três, estimularam o estabelecimento dos acordos de cessar fogo. Caso os EUA não tivessem apoiado o Estado judaico, a vitória árabe poderia ter alterado a região e o próprio papel dos países 165 166 YERGIN, Daniel. Op. Cit. Idem. Ibdem. 115 da OPEP no sistema internacional. A ajuda norte-americana ao Estado de Israel era fundamental, portanto, para a própria restrição do uso do petróleo enquanto arma. A superioridade bélica israelense e a mudança da própria orientação da guerra mostravam aos países árabes que a ajuda dos Estados Unidos era uma necessidade para os seus objetivos. Por isso, Sadat, depois da Guerra de 1973, estava convencido que a ajuda americana e a consolidação de um acordo com Israel era fundamental. A força bélica somada ao uso do petróleo pelos árabes conseguiu a retomada de alguns territórios ocupados, contudo, ao final da ofensiva, Israel havia conseguido reagir. A recuperação do Canal de Suez permitiu a reabertura do mesmo em 1975 ao tráfego marítimo. Os países desenvolvidos, segundo Kissinger, deveriam mudar as condições objetivas do mercado que originaram o poder do petróleo. Após a consolidação a AIE, apesar de existir uma agência internacional, os países deveriam criar estratégias para a redução de sua vulnerabilidade pensando nas suas características particulares, suas culturas e diferenças. As políticas deveriam diversificar a energia, promover a eficiência da mesma e reduzir a necessidade do petróleo entre outras. As orientações eram de curto, médio e longo prazo e começaram a surtir efeito em 1978, em especial, a diversificação da fonte do recurso, melhoria da eficiência energética e o uso de novas fontes de energia. Os países-membros da OPEP não tinham definições de como dariam fim para o embargo. Kissinger teve um importante papel de interlocução com a Arábia Saudita, contudo, o Rei não tinha liberdade individual para colocar um fim no embargo. O próprio Sadat, após o termino da guerra, havia se tornado um grande defensor do fim da política de restrição ao fornecimento de petróleo. Para ele, assim como a guerra, o embargo já havia atingido os seus propósitos. Destaca-se que Sadat almejava o apoio e o estabelecimento de alinhamento com os Estados Unidos e o fim da iniciativa era um meio para conseguir dialogar com o governo norte-americano. O líder Sírio Assad, por outro lado, estava estimulando a continuidade da medida. “O embargo”, segundo Yergin, “havia redirecionado o alinhamento e a geopolítica tanto do Oriente Médio quanto do resto do mundo, transformando o petróleo mundial e as relações entre os produtores e os consumidores e remodelando a economia internacional”167. Somente em 18 de março de 1974, ocorreu o fim do embargo. 167 Idem. Ibdem. p. 698. 116 Ao final do conflito foi estabelecida a resolução 338168 da ONU que reafirmava a resolução 242 e pedia uma conferência para a ratificação da paz entre os países. A Conferência de Genebra foi um grande fracasso, e assim como nas reuniões feitas em 1948, os palestinos não foram convocados. Israel acordou em devolver os territórios conquistados durante a Guerra dos Seis Dias exceto Jerusalém que é a capital indivisível do Estado judeu. Apesar de não ter sido estabelecido um acordo comum, Kissinger conseguiu promover alguns pactos entre Israel e países árabes em separado. Depois do embargo, o petróleo vira um problema de Estado e não mais uma questão econômica vinculada às indústrias e companhias concessionárias. A crise do petróleo trouxe muita instabilidade e insegurança que foram percebidos de formas distintas pelas nações. Segundo Yergin, para as Cias. Americanas, em particular os sócios da ARAMCO, o problema maior era a disputas árabe-israelense (...) para as cias Europeias o problema era distinto: a diferença entre a oferta e a demanda havia se tornado inerentemente instável e inseguro. O mundo industrializado desenvolvera uma dependência em relação à outra parte do mundo muito volúvel e tornara-se vulnerável a ela.169 Em 1977, o líder egípcio tentou se apoderar de parcelas do petróleo líbio. A Líbia tinha um faturamento de, em média, cinco milhões de dólares oriundo do petróleo. As mesmas forças que outrora atacavam Israel estavam agora atacando a Líbia. O povo egípcio não estava satisfeito com a atitude de Sadat em relação à invasão da Líbia. No mesmo ano, o líder declarou que almejava chegar a um acordo com Israel. Carter, então presidente americano, estava eufórico com a possibilidade de paz e viabilizou a residência presidencial de Camp David para a celebração do acordo. Os demais líderes árabes ficaram perplexos com a ideia de Sadat consolidar um tratado de paz independente com Israel. O acordo ia contra as normativas áreas e representa um ruído da própria reciprocidade estabelecida na Liga. Rogan destaca que o mundo árabe estava horrorizado ao ver que Sadat deveria romper filas e se mostrava disposto a concluir um tratado de paz próprio e independente com Israel. Em novembro do ano de 1978, os chefes de Estado dos países árabes convocaram uma cúpula em Bagdá a fim de conferenciar e abortar a crise. Os estados produtores de petróleo prometeram conceder ao Egito uma alocação anual de cinco milhões de dólares durante dez anos a fim de subtrair força a qualquer incentivo material que pudera haver encontrado Sadat a procura de um acordo com Israel. Também ameaçaram expulsar o Egito da Liga Árabe, mudando a sede desta organização do Cairo a Tunes no caso de Sadat concretizar de fato seu pacto de paz com Israel. // Mas Sadat havia chegado demasiado longe para deixar-se dissuadir por ameaças árabes170 168 A Resolução encontra-se no anexo 5 deste trabalho. Idem. Ibdem. p. 701. 170 ROGAN, Eugene. Op. Cit. p. 612-613. 169 117 Em 1979, ocorreu a revolução iraniana que tira do poder iraniano o Xá apoiado pelos Estados Unidos e instaura uma República teocrática no Irã. A revolução iraniana trouxe novos constrangimentos e insegurança para o ocidente, já que, mudou radicalmente a estrutura iraniana e suas políticas internas e externas. O Irã, por conta dos acordos estabelecidos entre Egito e Israel, rompeu relações com o país que perduraram mesmo após a morte de Sadat. Nesta ocasião, ocorre o Segundo Choque de Petróleo. Antes do processo de nacionalização dos poços e da produção, o petróleo árabe era explorado por grandes multinacionais pelo sistema de concessão que foram estabelecidos ainda no período colonial. No momento da concretização dos acordos o petróleo não tinha o peso e a importância adquirida, em especial, no pós-segunda guerra. Os acordos perdurariam por décadas deixando o controle do preço, as quantidades extraídas e a exportação para as multinacionais. Os países detentores não tinham domínio da exploração do petróleo em seu próprio território. Após a nacionalização do petróleo iraniano, por exemplo, houve uma queda significativa da produção (de 700 mil barris por dia171para 128 mil). A queda de produção não foi sentida de força imediata pelos países ocidentais, pois havia a diversificação dos domínios dos poços. Não havia uma grande vulnerabilidade vivenciada pelos países consumidores, pois havia a diversificação do domínio dos poços. O florescimento dos nacionalismos árabes somados ao aumento do consumo do petróleo e a chegada de tecnocratas na região possibilitaram a recuperação da soberania sobre a produção do petróleo e do próprio controle de seu e território. Na época do estabelecimento das concessões, os países árabes não tinham poder e nem autonomia para determinar as cláusulas dos acordos. O petróleo, além da alta rentabilidade, gera vulnerabilidade aos países árabes seja no cenário internacional seja dentro do próprio contexto árabe. As tabelas aqui anexadas que mensuram o total da produção mundial onde é possível a percepção da crescente presença do papel do petróleo árabe no cenário internacional (tabela 1) e o total produtivo dos países árabes isoladamente (tabela2). As Tabelas 3 e 4 mostram o comparativo com a produção dos países da América no Norte e da Europa. A Tabela 5 evidencia o total do consumo mundial sendo seguida de uma análise do total da América no Norte (tabela 6) e da Europa (tabela 7). Por fim é mostrado a taxa de variação do preço do petróleo no período. 171 Cuja sigla é mbd. 118 As tabelas possibilitam a demonstração dos pontos acima explicitados percebendo, assim o papel do petróleo no cenário internacional e as condições objetivas que possibilitaram o seu uso como instrumento de poder. Os dados apresentados são dados de valores absolutos que demonstram em escala mundial as vulnerabilidades dos países consumidores frente aos membros da OPEP no momento do primeiro embargo. Sobretudo, a medida era um desafio às soberanias dos consumidores e serviu para estimular a construção de uma nova relação com o próprio Oriente Médio e com o petróleo. 119 4.3. Dados: 4.3.1. Tabela 1: Total da produção mundial em mbd: 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 OCDE 10815 11478 12273 12796 13170 13952 14045 14377 14530 14055 Não-OCDE 20983 23085 24840 27635 30457 34104 36794 39284 43929 44558 OPEP 13922 15381 16381 18250 20243 22762 24702 26393 29932 29667 Não-OPEP 13019 13880 14970 16013 16818 18167 18527 19205 19863 19676 União Europeia* URSS Total produzido diariamente 699 697 705 702 698 693 677 668 674 686 4858 5302 5762 6167 6566 7127 7610 8064 8664 9270 31798 34563 37113 40430 43627 48056 50839 53662 58460 58613 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. *A Estônia, Letônia e Lituânia e Eslovênia não estão inclusos. 120 A tabela demonstra importantes dados concernentes à produção da época. Para a melhor compreensão do petróleo enquanto instrumento de poder, é fundamental que se cruze e se compare aos dados relativos à produção ao consumo mundial do insumo. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma importante organização internacional que conglomera os 31 países que detém mais da metade de toda a riqueza mundial. Os países da OCDE não têm uma grande produção quando comparado aos não membros. A sua produção conjunta não supria, por exemplo, a própria demanda norte-americana que era de 17318 mbd no ano de 1973. Por outro lado, devido a crescente demanda e a importância do recurso para a manutenção do sistema produtivo, observa-se que a produção dos países não pertencentes a OCDE aumentaram em 212%, a OPEP aumentou em 213% e os não membros da OPEP aumentaram em 151% no período. 121 4.3.2. Tabela 2: Produção Diária dos países do Oriente Médio e Líbia em mbd: 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 Irã 1908 2132 2603 2840 3376 3848 4572 5059 5907 6060 Iraque 1313 1392 1228 1503 1521 1549 1694 1466 2018 1977 Kuwait 2371 2505 2522 2656 2819 3036 3253 3339 3080 2603 Oman - - 57 241 327 332 294 282 293 290 Qatar 233 291 324 340 356 363 430 482 570 518 2219 2615 2825 3081 3262 3851 4821 6070 7693 8618 - - - 21 53 85 106 117 111 129 282 360 382 498 599 762 1106 1300 1456 1631 1202 1508 1733 2599 3108 3357 2750 2248 2211 1558 61 66 73 78 78 79 76 71 69 68 Arábia Saudita Síria Emirados Árabes Líbia Demais países do Oriente Médio Total do Oriente Médio 9589 10869 11747 13857 15499 17261 19103 20434 23408 23452 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. 122 Em relação à produção dos países do Oriente Médio, os dois maiores aliados dos EUA foram os que mais se desenvolveram na ocasião. A produção iraniana cresceu, até 1973, 309% e a produção Saudita teve um crescimento de 346%. A produção da Líbia demonstra um crescimento exponencial nos primeiros anos. A partir de 1971, ela começou a declinar conforme a nova orientação política estabelecida por seu líder, Gaddafi. Além da Líbia, o Iraque apresenta queda de produção tanto, em 1967, que corrobora com a tentativa de participação no embargo na Guerra dos Seis dias, quanto em 1972. A produção do Oriente Médio apresentou um aumento de 262% entre 1965 e 1973 evidenciando a importância da região. Em nenhum lugar do mundo a produção cresceu tanto quando se é mensurado em relação ao próprio volume extraído. Por exemplo, em 1965 os países da África, contando com a Líbia, tinham uma produção de 2240 mbd e, em 1973, esta era de 5508 mbd. Apesar de a produção africana ter tido um aumento de 245%, o total produzido não era tão expressivo quanto à produção no Oriente Médio. A região produziu, em 1973, o mesmo que a Europa e os EUA juntos conforme demonstrado nas tabelas a seguir. Em relação à tentativa de embargo de 1967, não é percebida alterações significativas da produção no período. Demonstrando, assim, a inexpressividade da medida entre os próprios produtores. Os dados expostos na última tabela comprovam que o preço do barril, em 1966, era de $12,47, seguindo um valor de hoje, e, ao final do conflito de 1967, ele havia caído para $11,63. O recurso atingiu o seu menor preço em 1970 quando o barril estava custando $10,42. Em 1973, ao contrário, o valor do barril sobre para $16,66 e, em 1974, o preço do barril era de $52,85. O crescimento do preço de quase 400% permitiu que os Estados-membros da OPEP continuassem a receber fluxos constantes de renda mesmo com um corte de produção. O aumento do preço possibilitou o crescimento econômico e não deixou os países em situação de vulnerabilidade frente à redução da comercialização. 123 4.3.3. Tabela 3: Produção diária da América do Norte em mbd: EUA 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 9014 9579 10219 10600 10828 11297 11156 11185 10946 10461 Canadá 920 1012 1106 1194 1306 1473 1582 1829 2114 1993 México 362 370 411 439 461 487 486 506 525 653 Total América do Norte 10296 10961 11736 12233 12595 13257 13224 13520 13585 13107 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. 124 4.3.4. Tabela 4: Total Europa em mbd: 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 - - - - - - - 2 3 2 48 39 37 35 34 32 29 25 23 23 Noruega - - - - - - 6 33 32 35 Romênia 266 271 279 280 281 284 292 298 304 308 2 2 2 2 2 4 5 8 9 10 Demais países da Europa e Eurásia 5328 5789 6269 6685 7096 7655 8120 8568 9174 9780 Total da Europa e Eurásia 5644 6100 6586 7001 7413 7974 8452 8935 9545 10159 Dinamarca Itália Reino Unido Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. 125 Em relação às tabelas de produção dos países da América do Norte e da Europa e Eurásia destaca-se que os ritmos de produção não acompanham o seu consumo. Os EUA, por exemplo, produziam, em 1967, 10219 mbd e consumiam 12567 mbd. Neste ano, a produção dependia da importação de menos de 2500 mbd que custavam aos cofres públicos $28.457,46. Em 1973, por outro lado, a produção americana era de 10946 mbd e o seu consumo demandava 17318 mbd. Era necessária a importação de 6372 mbd para o atendimento da demanda que custavam $106.157,52 aos cofres públicos. Além da necessidade de exportação e da dependência para a manutenção da produção a da vida cotidiana, o preço do petróleo é uma das variáveis para a segurança energética e para a segurança econômica dos países importadores. Devido a crescente demanda e ao preço mais ou menos constante, até 1973, o aumento do consumo foi bastante significativo e, em 1974, no momento de ápice do preço do recurso, o custo para os cofres públicos era para o governo norte-americano de $190.999,90. Além da ruptura do fornecimento, o aumento do preço freou a compra e estimulou o consumo consciente. Os Estados Unidos já tinham uma produção grande de petróleo antes de 1965 e, por isso, no período analisado não houve um aumento significativo da sua produção. Ao contrário dos EUA, os países da Europa e Eurásia tinham uma produção irrisória de petróleo estando em uma posição de grande vulnerabilidade frente aos países produtores e a possibilidade do embargo. Em 1967, a região produzia 6568 mbd e consumia 13690 mbd e isso significava que 7,106 barris precisavam ser exportados para o atendimento da demanda custando $86.100,48 aos cofres públicos. Em 1973, a região precisava exportar 12,561 mbd gastando $209.266,26. Em menos de dez anos, a região precisava gastar mais do dobro para a manutenção do fornecimento de sua demanda. Em 1974, o valor subiu para $614.177,00 sendo uma ameaça para a própria política econômica mundial e local. A baixa produção gera riscos quando não existem fontes alterativas substitutivas do petróleo quando ocorre uma ruptura do fornecimento ou um aumento de preço. 126 4.3.5. Tabela 5: Total do Consumo mundial em mbd: 1965 OCDE 1966 1967 1968 22838 24863 26670 28980 1969 1970 1971 1972 1973 1974 31641 34213 35886 38394 41234 39615 Não-OCDE 7639 8288 8871 União Europeia* 7482 8563 9293 101184 11422 12635 13242 14150 15185 14267 URSS 3314 3549 3866 Total do consumo mundial 30476 33152 35541 9492 10239 11202 12055 13098 14336 15240 4107 4376 4826 5127 5547 5981 6588 38472 41880 45415 47941 51492 52661 54855 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. *A Estônia, Letônia e Lituânia e Eslovênia não estão inclusos. Houve, no período analisado, um aumento bastante significativo no consumo mundial do petróleo que cresceu em 180%. O consumo da OCDE aumentou em 173% não acompanhando a sua produção. Os países da OCDE foram ficando cada vez mais dependentes das importações, por exemplo, em 1970 eles produziam 40% do total de seu consumo e, em 1973, esse número já havia reduzido para 35%. Os maiores consumidores de petróleo eram os países mais desenvolvidos e industrializados. A demanda pelo insumo, por conta do alto desenvolvimento dos paísesmembros da OCDE, estava crescendo gradativamente e o ritmo de crescimento não acompanhava as produções. Os países não membros da OCDE (incluindo os membros da própria OPEP), por outro lado, produziam mais do que consumiam. Os países que apresentavam a maior vulnerabilidade eram os países membros da atual União Europeia, já que, em 1970, sua produção representava 5,48% do seu consumo e, e 1973, esse número havia caído para 4,4%. Ressalta-se que foram utilizados valores absolutos para a análise da conjuntura da demanda e do fornecimento e que cada país apresentava dilemas distintos. Por exemplo, Portugal, por não depender do petróleo da OPEP, permitiu que os EUA pousassem em seu território possibilitando o fornecimento de armas para o Estado de Israel. 127 4.3.6. Tabela 6: Total do Consumo em mbd na América do Norte: 1965 EUA 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 11522 12100 12567 13405 14153 14710 15223 16381 17318 16631 Canadá 1108 1167 1246 1322 1380 1472 1512 1589 1682 1713 México 296 309 331 361 383 412 434 481 515 589 Total da América do Norte 12927 13577 14144 15088 15916 16593 17169 18450 19515 18932 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. Em relação ao consumo na América do Norte, somente o México teve a produção maior que demanda. Contudo, o seu excedente bastante inexpressivo. Em 1970, os países da América do Norte produziam 79% do total de seu consumo e, em 1973, o número era de 69%. A região, em valores absolutos, dependia da importação de petróleo mais não tanto quanto os países da União Europeia. Existe uma grande discussão se o embargo realizado em 1973 originou uma efetiva crise nos EUA. Assim como Yergin, concorda-se com a efetividade da estratégia árabe, em especial, em relação ao pânico gerado dentre os cidadãos para a realização das suas tarefas cotidianas. A medida ameaçava o próprio american way of life. O aumento do preço e a ruptura do fornecimento de uma parcela significativa da demanda norte-americana são bastante expressivos efetivando o petróleo enquanto instrumento de poder que poderia desestruturar todo o sistema que dependia do petróleo. Para uma mudança desse cenário, além de políticas para a redução de suas vulnerabilidades, os EUA precisavam de uma vitória israelense. 128 4.3.7. Tabela 7: Consumo Europeu em mbd: 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 107 119 126 145 159 176 197 213 231 208 - 319 350 405 468 512 525 567 598 529 Bulgária 71 81 102 120 148 173 189 197 208 216 República Tcheca 78 86 95 106 113 137 151 165 185 189 Dinamarca 200 226 239 264 318 353 354 372 348 311 Finlândia 111 135 142 160 185 208 216 228 256 224 França 1070 1150 1321 1424 1648 1867 2030 2246 2508 2384 Alemanha 1714 1922 2005 2241 2530 2774 2899 3048 3262 2970 Grécia 85 93 110 113 120 130 144 165 193 180 Hungria 73 81 86 90 101 118 133 144 163 178 Irlanda 47 52 59 65 71 80 88 97 105 104 Itália 982 1084 1203 1323 1468 1664 1796 1893 1990 1934 Holanda 479 523 535 574 627 702 698 780 812 702 Noruega 100 112 117 130 143 161 161 168 173 157 Polônia 109 114 124 154 170 181 191 214 238 250 Portugal 54 57 63 68 77 90 107 114 122 127 Romênia 143 149 170 180 200 218 222 236 265 244 45 49 55 61 65 79 87 95 106 109 Áustria Bélgica e Luxemburgo Eslováquia 129 Espanha 269 320 389 412 470 536 595 625 747 778 Suécia 369 417 409 458 517 562 531 543 565 509 Suíça 165 175 189 208 227 255 271 277 298 266 Reino Unido 1449 1556 1676 1782 1922 2030 2038 2157 2226 2071 Demais países da Europa e Eurásia 3418 3674 4015 4279 4565 5043 5375 5807 6268 6899 Total Europa & Eurásia 11233 12583 13690 14887 16453 18198 19170 20540 22106 21779 Como já destacado, os países da Europa e da Eurásia tem uma produção muito baixa pela ausência de poços na região. Por isso, a sua dependência e vulnerabilidade são latentes. Diante da insegurança, os países da região devem investir em energias alternativas e na diversificação dos fornecedores reduzindo a sua vulnerabilidade. A França, Alemanha, Reino Unido e Itália são dos países que mais consomem na região. 130 4.3.8. Tabela 8: Preço do Oléo (em dólar) Ano Dinheiro da época Valor hoje 1965 1,80 12,82 1966 1,80 12,47 1967 1,80 12,12 1968 1,80 11,63 1969 1,80 11,04 1970 1,80 10,42 1971 2,24 12,43 1972 2,48 13,34 1973 3,29 16,66 1974 11,58 52,85 1975 11,53 48,21 1976 12,80 50,59 1977 13,92 51,63 1978 14,02 48,37 1979 31,61 97,94 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy June 2012. Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em 02/11/2012. 131 O sistema de concessão atribuía um valor estável para o petróleo. Apesar de o barril custar 1,80 até 1970 é perceptível como ele foi perdendo seu valor agregado entre 1965 até 1970. O preço do recurso e a sua uniformidade vai ao encontro de uma conjuntura aonde o mercado era bastante aquecido e havia a necessidade de preços mais baixos que estimulavam o próprio consumo e competitividade das empresas no comércio internacional. Desta forma, o petróleo era tido como uma simples mercadoria. As reduções mais bruscas foram entre os anos de 1969-1970 e essa queda do preço estimulou o fim das concessões, a nacionalização do petróleo árabe e o início das medidas que visavam próprio controle da OPEP para o estabelecimento do preço do seu recurso. De 1970 até 1979, o preço cresceu de forma exponencial. O preço do produto aumentou mais de 300% entre 1973 e 1974 o que estimulou o constante fluxo de dinheiro proveniente do petróleo para os países produtores enfatizando a sua dependência frente ao recurso aumentando a sua própria vulnerabilidade. Por outro lado, o alto preço promoveu mudança políticas, perfuração de novos poços e eficiência energética o que alterou a possibilidade do uso do petróleo enquanto elemento de poder principalmente por conta das vulnerabilidades que os países da OPEP apresentam frente ao recurso. É importante frisar a questão do refino do petróleo. Os países árabes não tinham uma alta capacidade de refino para a sua produção. Suas vendas eram, em especial, do petróleo bruto. Uma das estratégias estabelecidas no pós-choque foi a melhoria da capacidade de refinamento pelos países norte-americanos e europeu. O desenvolvimento científico possibilitou que cada vez mais derivados do petróleo fossem produzidos de um barril. A melhoria da capacidade de refino foi uma medida pensada pela AIE que visa à otimização do uso do petróleo. Dados da OPEP apontam que hoje um barril de petróleo é capaz de gerar 159 litros de gasolina e, há 70 anos, um barril produzia somente 41 litros de gasolina. A eficiência energética e a melhoria da capacidade de refino reduziu a quantidade de barris que precisavam ser importados. 132 5. Conclusões O conflito e as ações políticas estabelecidas por ambos os lados são resultantes da própria prática constituída na região. As decisões políticas foram moldadas, sobretudo, de forma reflexiva e calcada pela percepção da prática do outro. É importante ponderar em relação à reflexividade em relação à própria tomada de decisões, pois, desta forma, o entendimento do conflito e das identidades das regiões se tornam mais claras encontrando-se novas formas de solucionar um conflito que, mesmo atual, remonta a própria história. Destaca-se a importância tanto do petróleo quanto da força bélica para a obtenção de poder, segurança e soberania na região. O petróleo não é um elemento de poder a priori e para entendê-lo enquanto tal é fundamental que se pondere em relação à própria conjuntura tanto em 1967 quanto em 1973. O poder não é um conceito hermético e deve ser entendido pela própria especificidade do encontro que modela a capacidade dos atores de se legitimarem e constituírem a sua vontade frente aos demais atores. Neste sentido, tanto o petróleo quanto a força bélica podem se constituir como duas ferramentas políticas e elementos de poder. Em 1973, por exemplo, Israel percebe que não poderia se legitimar na região somente por sua capacidade bélica sendo necessário o estabelecimento de acordos diplomáticos, além de, uma ameaça nuclear. Desta forma, tanto o petróleo quanto a capacidade bélica se configuram como duas importantes ferramentas regionais capazes de influenciar as escolhas políticas dos líderes para a obtenção de segurança e soberania. Os países árabes, além da força bélica, fizeram uso do petróleo como ferramenta política para a obtenção de poder, soberania e segurança. Os países fronteiriços a Israel não são grandes produtores e, por isso, a Liga Árabe se apresenta enquanto uma importante organização para a compreensão dos jogos políticos árabes. A existência da LA e o estabelecimento de uma normativa comum ao conjunto de países que a compõem são fundamentais para o entendimento das próprias políticas nacionais dos países árabes que estavam envoltos nas normativas e na reciprocidade exigida pela mesma. A percepção de Israel enquanto uma ameaça pela Liga foi basilar para o uso do petróleo enquanto ferramenta política pelos países árabes que não eram produtores. O uso do petróleo foi uma medida política instaurada pela reflexividade que o próprio conflito solidificou na região. O uso do recurso para fins políticos e a instauração da insegurança energética para os países consumidores estimulou uma série de medidas políticas que consolidou insegurança e vulnerabilidades aos países produtores. Além das relações de poder entre produtores e 133 consumidores, é fundamental que seja percebida também as relações de poder entre produtores/produtores. A chegada de Israel origina um problema político para os árabes que percebem o Estado judeu como fonte da sua insegurança. A fundação do Estado de Israel e o conflito ajudam na solidificação e na identidade da nação palestina e das nações árabes. Assim como Scalércio e Demant, acredita-se que as nações são formadas por seus paralelismos e pelo próprio conflito. Destaca-se a importância da reflexividade para o entendimento da formação de ambas as nações e da própria percepção do outro enquanto fontes de ameaça e insegurança. Apesar de ter sido um das diretivas da Liga, a questão palestina e é ainda um ponto aberto e um motivador do próprio conflito na região. O Estado de Israel para a sua legitimação nacional usou da força bélica e a estratégia militar para consolidar a sua segurança, soberania e poder na região. Na Guerra de 1967, a vitória militar israelense possibilitou o expansionismo territorial e a solidificação de um pensamento da invulnerabilidade israelense que fora formada pela capacidade bélica do Estado judeu, assim como, pela formação e um pensamento estático dos árabes. A percepção de que os árabes não apresentavam ameaça aos judeus foi fundamental para a própria estratégia árabe para o inicio das ofensivas em 1973. É percebido, por conta da priorização da ideia de que Israel era inviolável e uma potência bélica, o papel e a centralidade do poder originado e originário pela FDI. Sendo a ultima fundamental para a própria identidade israelense que foi questionada em 1973 diante das sucessivas vitórias árabes. As conquistas territoriais de 1967 se deram de forma reflexiva, mas atendeu premissa árabe de que Israel era uma potência imperialista na região. Concorda-se que as fronteiras conquistadas, em 1967, por Israel, mesmo sendo fronteiras que possibilitam uma melhor defesa do país, foram fontes de insegurança para o Estado judaico e que ocasionaram a Guerra de 1973. O desmonte da estratégia militar israelense colocou o país em extrema posição de vulnerabilidade evidenciando a dependência do Estado judaico do provisionamento e do apoio norte-americano. Devido à possibilidade de derrota, o Estado judeu cogitou o uso de armas nucleares que poderiam intimidar os árabes e estimular um apoio ainda maior do governo norte americano. O uso do petróleo e dos armamentos nuclearem foram fundamentais para o posicionamento político dos Estados em escala global. Os EUA e a URSS tiveram um papel fundamental para a conformação do Oriente Médio durante a Guerra Fria. A rivalidade entre ambas as potências foi fundamental para a consolidação dos dilemas de segurança regionais e para o acirramento da própria corrida 134 armamentista na região. O uso do petróleo enquanto elemento estratégico, além de, estimular o fim da ajuda ao governo israelense foi ainda fundamental para estimular o posicionamento políticos dos países que dependiam das importações da região. A Europa, por não ter muitas fontes do recurso, se viu estimulada a seguir a imposição dos países árabes. É importante ressaltar que a violação das regras de reciprocidade estabelecidas pela ONU são mecanismos utilizados por árabes e israelenses para justificar uma ofensiva. A região ainda demanda de mecanismos para a resolução de controvérsias que consiga dar um fim a um conflito que ocorre de forma estritamente reflexiva e constrói paralelismos entre os povos e suas políticas que são fundamentais para a compreensão do Oriente Médio. 135 Fontes: IEA.World Energy Outlook, 2006. British Petroleum. Relatório Estratégico, 2006. British Petroleum. Relatório anual, 2006. British Petroleum. Statistical Review of the world Energy June 2012. 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Acessado em 07/11/2013. 141 Anexo 2: Documento da ONU relativo ao pedido de saída da UNEF do Egito em 1967. UNITED NATIONS S Security Council Distr. GENERAL S/7906 26 May 1967 ORIGINAL: ENGLISH REPORT BY THE SECRETARY-GENERAL 1. In my report of 19 May 1967 (S/7896), which I submitted to the Security Council following the receipt on 18 May 1967 of the official request of the Government of the United Arab Republic for the withdrawal of the United Nations Emergency Force (UNEF), I described the general situation in the Near East at present as "more disturbing, indeed, ... more menacing, than at any time since the fall of 1956". I can only reiterate this assessment. 2. It has been alleged in some quarters that the prompt compliance with the request for the withdrawal of the Force is a primary cause of the present crisis in the Near East. This ignores the fact that the underlying basis for this and other crisis situations in the Near East is the continuing Arab-Israel conflict which has been present all along, and of which the crisis situation created by the unexpected request for the withdrawal of UNEF is the latest expression. In my special report to the General Assembly (A/6669), in paragraph 12, I gave the main reasons for the position that I have taken on this issue. In my report to the Security Council on 19 May 1967 (S/7896), I restated the basis for my decision and pointed out that there was a "widespread misunderstanding about the nature of United Nations peace-keeping operations in general and UNEF in particular". In view of the evident persistence of this misunderstanding and of various recent public statements by some responsible leaders, I feel obliged once again, before proceeding with my report, to restate briefly the grounds for the position which I have taken on the withdrawal of UNEF. 3. UNEF was introduced into the territory of the United Arab Republic on the basis of an agreement between the Secretary-General of the United Nations and the President of Egypt. The consent of the host country, in this as in other peace-keeping operations, was the basis for 142 its presence on the territory of the United Arab Republic. When that consent was withdrawn, the essential part of the basis of UNEF's presence ceased to exist. 4. As stated in my special report to the General Assembly (A/6669), I consulted with the UNEF Advisory Committee on 18 May 1967. The Committee did not move, as it was its right to do under the terms of paragraph 9 of General Assembly resolution 1001 (ES-I), to request the convening of the General Assembly on the situation which had arisen. It was after this meeting of the Advisory Committee, on the evening of 18 May, that I transmitted my reply to the Government of the United Arab Republic concerning the withdrawal of UNEF. 5. My decision in this matter was based upon both legal and practical considerations. It is a practical fact that neither UNEF nor any other United Nations peace-keeping operation could function or even exist without the continuing consent and co-operation of the host country. Once the consent of the host country was withdrawn and it was no longer welcome, its usefulness was ended. In fact, the movement of UAR Forces up to the Line in Sinai even before the request for withdrawal was received by me had already made the effective functioning of UNEF impossible. I may say here that the request received by me on 18 May was the only request received from the Government of the United Arab Republic, since the cryptic letter to Major-General Rikhye from General Fawzi on 16 May was both unclear and unacceptable. Furthermore, I had very good reason to be convinced of the earnestness and the determination of the Government of the United Arab Republic in requesting the withdrawal of UNEF. It was therefore obvious to me that the position of the personnel of UNEF would soon become extremely difficult, and even dangerous, if the decision for the withdrawal of the Force was delayed, while the possibility for its effective action had already been virtually eliminated. Moreover, if the request were not promptly complied with, the Force would quickly disintegrate due to the withdrawal of individual contingents. 6. It may be relevant to note here that UNEF functioned exclusively on the United Arab Republic side of the Line in a zone from which the armed forces of the United Arab Republic had voluntarily stayed away for over ten years. It was this arrangement which allowed UNEF to function as a buffer and as a restraint on infiltration. When this arrangement lapsed United Arab Republic troops moved up to the Line as they had every right to do. 7. If UNEF had been deployed on both sides of the Line as originally envisaged in pursuance of the General Assembly resolution, its buffer function would not necessarily have ended. However, its presence on the Israel side of the Line has never been permitted. The fact that UNEF was not stationed on the Israel side of the Line was a recognition of the unquestioned 143 sovereign right of Israel to withhold its consent for the stationing of the Force. The acquiescence in the request of the United Arab Republic for the withdrawal of the Force after ten and a half years on United Arab Republic soil was likewise a recognition of the sovereign authority of the United Arab Republic. In no official document relating to UNEF has there been any suggestion of a limitation of this sovereign authority. 8. In order to discuss the situation with the Government of the United Arab Republic, and especially in order to examine with that Government the situation created by the withdrawal of UNEF, I decided to advance the date of a visit to Cairo which I had planned some time ago for the beginning of July. I arrived in Cairo on the afternoon of 23 May and left Cairo on the early afternoon of 25 May to return to United Nations Headquarters. 9. During my stay in Cairo I had discussions with President Gamal Abdel Nasser and Mr. Mahmoud Riad, the Minister of Foreign Affairs. They explained to me the position of the Government of the United Arab Republic, which is substantially as set forth in the speech given by President Nasser to the United Arab Republic Air Force Advance Command on 22 May 1967 which has been reported fully in the Press. President Nasser and Foreign Minister Riad assured me that the United Arab Republic would not initiate offensive action against Israel. Their general aim, as stated to me, was for a return to the conditions prevailing prior to 1956 and to full observance by both parties of the provisions of the General Armistice Agreement between Egypt and Israel. 10. The decision of the Government of the United Arab Republic to restrict shipping in the Strait of Tiran, of which I learned while en route to Cairo, has created a new situation. Free passage through the Strait is one of the questions which the Government of Israel considers most vital to her interests. The position of the Government of the United Arab Republic is that the Strait is territorial waters in which it has a right to control shipping. The Government of Israel contests this position and asserts the right of innocent passage through the Strait. The Government of Israel has further declared that Israel will regard the closing of the Strait of Tiran to Israel flag ships and any restriction on cargoes of ships of other flags proceeding to Israel as a casus belli.While in Cairo, I called to the attention of the Government of the United Arab Republic the dangerous consequences which could ensue from restricting innocent passage of ships in the Strait of Tiran. I expressed my deep concern in this regard and my hope that no precipitate action would be taken. 11. A legal controversy existed prior to 1956 as to the extent of the right of innocent passage by commercial vessels through the Strait of Tiran and the Gulf of Aqaba. Since March 1957, 144 when UNEF forces were stationed at Sharm el Sheikh and Ras Nasrani at the mouth of the Gulf of Aqaba, there has been no interference with shipping in the Strait of Tiran. 12. It is not my purpose here to go into the legal aspects of this controversy or to enter into the merits of the case. At this critical juncture I feel that my major concern must be to try to gain time in order to lay the basis for a detente. The important immediate fact is that, in view of the conflicting stands taken by the United Arab Republic and Israel, the situation in the Strait of Tiran represents a very serious potential threat to peace. I greatly fear that a clash between the United Arab Republic and Israel over this issue, in the present circumstances, will inevitably set off a general conflict in the Near East. 13. The freedom of navigation through the Strait of Tiran is not, however, the only immediate issue which is endangering peace in the Near East. Other problems, such as sabotage and terrorist activities and rights of cultivation in disputed areas in the Demilitarized Zone between Israel and Syria, will, unless controlled, almost surely lead to further serious fighting. 14. In my view, a peaceful outcome to the present crisis will depend upon a breathing spell which will allow tension to subside from its present explosive level. I therefore urge all the parties concerned to exercise special restraint, to forego belligerence and to avoid all other actions which could increase tension, to allow the Council to deal with the underlying causes of the present crisis and to seek solutions. 15. There are other possible courses of action which might contribute substantially to the reduction of tension in the area. In paragraph 16 of my report to the Security Council on 19 May (S/7896) I referred to the possibility of the Egypt-Israel Mixed Armistice Commission (EIMAC) providing a limited form of United Nations presence in the area. In that report I stated that "it would most certainly be helpful in the present situation if the Government of Israel were to reconsider its position and resume its participation in EIMAC". I suggest that the Council consider this possible approach also during its search for ways out of the present crisis. This form of United Nations presence could to some extent fill the vacuum left by the withdrawal of UNEF. 16. In paragraph 17 of my previous report to the Council I also suggested that "it would be very helpful to the maintenance of quiet along the Israel-Syria line if the two parties would resume their participation in ISMAC, both in the current emergency session and in the regular sessions", and I would wish on this occasion to repeat that suggestion. 17. It also would be useful for the Council to recall that, by its resolution 73 (1949) of 11 145 August 1949, the Council found that: "... the Armistice Agreements constitute an important step towards the establishment of permanent peace in Palestine...". and reaffirmed: "... the order contained in its resolution 54 (1948) to the Governments and authorities concerned, pursuant to Article 40 of the Charter of the United Nations, to observe an unconditional cease-fire and, bearing in mind that the several Armistice Agreements include firm pledges against further acts of hostility between the parties and also provide for their supervision by the parties themselves, relies upon the parties to ensure the continued application and observance of these Agreements...". 18. In my discussion with officials of the United Arab Republic and Israel I have mentioned possible steps which could be taken by mutual consent and which would help to reduce tension. I shall of course continue to make all possible efforts to contribute to a solution of the present crisis. The problems to be faced are complex and the obstacles are formidable. I do not believe however that we can allow ourselves to despair. 19. It should be kept always in mind that in spite of the extreme difficulties of the situation, the United Nations has played an essential and important role for more than eighteen years in maintaining at least some measure of peace in the Near East. In that task it has encountered many setbacks, frustrations, crises, conflicts and even war, but the effort continues unabated. We are now confronted with new and threatening circumstances, but I still believe that with the co-operation of all parties concerned the United Nations, and the Security Council in particular, must continue to seek, and eventually to find, reasonable, peaceful and just solutions. Disponível em: http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/44c971ced20b476705256559005be4a5?OpenDocum entAcessado dia 12/08/2013. 146 Anexo 3: Resolução da Conferência de Catrum Source: League of Arab States (LAS) LAS Khartoum Resolution, 1 September 1967 1 September 1967 1. The conference has affirmed the unity of Arab ranks, the unity of joint action and the need for coordination and for the elimination of all differences. The Kings, Presidents and representatives of the other Arab Heads of State at the conference have affirmed their countries' stand by and implementation of the Arab Solidarity Charter which was signed at the third Arab summit conference in Casablanca. 2. The conference has agreed on the need to consolidate all efforts to eliminate the effects of the aggression on the basis that the occupied lands are Arab lands and that the burden of regaining these lands falls on all the Arab States. 3. The Arab Heads of State have agreed to unite their political efforts at the international and diplomatic level to eliminate the effects of the aggression and to ensure the withdrawal of the aggressive Israeli forces from the Arab lands which have been occupied since the aggression of June 5. This will be done within the framework of the main principles by which the Arab States abide, namely, no peace with Israel, no recognition of Israel, no negotiations with it, and insistence on the rights of the Palestinian people in their own country. 4. The conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil recommended that suspension of oil pumping be used as a weapon in the battle. However, after thoroughly studying the matter, the summit conference has come to the conclusion that the oil pumping can itself be used as a positive weapon, since oil is an Arab resource which can be used to strengthen the economy of the Arab States directly affected by the aggression, so that these States will be able to stand firm in the battle. The conference has, therefore, decided to resume the pumping of oil, since oil is a positive Arab resource that can be used in the service of Arab goals. It can contribute to the efforts to enable those Arab States which were exposed to the aggression and thereby lost economic resources to stand firm and eliminate the effects of the aggression. The oil-producing States have, in fact, participated in the efforts to enable the States affected by the aggression to stand firm in the face of any economic pressure. 5. The participants in the conference have approved the plan proposed by Kuwait to set up an Arab Economic and Social Development Fund on the basis of the recommendation of the Baghdad conference of Arab Ministers of Finance, Economy and Oil. 6. The participants have agreed on the need to adopt the necessary measures to strengthen military preparation to face all eventualities. 7. The conference has decided to expedite the elimination of foreign bases in the Arab States. Disponível em: http://domino.un.org/unispal.nsf/9a798adbf322aff38525617b006d88d7/1ff0bf3ddeb703a785257110007719e7?OpenDocume nt. Acessado dia 12/08/2013. 147 Anexo 4: Resolução 242 da ONU UNITED S NATIONS Security Council S/RES/242 (1967) 22 November 1967 Resolution 242 (1967) of 22 November 1967 The Security Council, Expressing its continuing concern with the grave situation in the Middle East, Emphasizing the inadmissibility of the acquisition of territory by war and the need to work for a just and lasting peace in which every State in the area can live in security, Emphasizing further that all Member States in their acceptance of the Charter of the United Nations have undertaken a commitment to act in accordance with Article 2 of the Charter, 1. Affirms that the fulfillment of Charter principles requires the establishment of a just and lasting peace in the Middle East which should include the application of both the following principles: (i) Withdrawal of Israel armed forces from territories occupied in the recent conflict; (ii) Termination of all claims or states of belligerency and respect for and acknowledgment of the sovereignty, territorial integrity and political independence of every State in the area and their right to live in peace within secure and recognized boundaries free from threats or acts of force; 2. Affirms further the necessity (a) For guaranteeing freedom of navigation through international waterways in the area; (b) For achieving a just settlement of the refugee problem; (c) For guaranteeing the territorial inviolability and political independence of every State in the area, through measures including the establishment of demilitarized zones; 3. Requests the Secretary-General to designate a Special Representative to proceed to the 148 Middle East to establish and maintain contacts with the States concerned in order to promote agreement and assist efforts to achieve a peaceful and accepted settlement in accordance with the provisions and principles in this resolution; 4. Requests the Secretary-General to report to the Security Council on the progress of the efforts of the Special Representative as soon as possible. Adopted unanimously at the 1382nd meeting. Disponível em: http://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/7D35E1F729DF491C85256EE700686136. Acessado dia 12/08/2013. 149 Anexo 5: resolução 338 da ONU UNITED S NATIONS Security Council S/RES/338 (1973) 22 October 1973 Resolution 338 (1973) of 22 October 1973 The Security Council 1. Calls upon all parties to the present fighting to cease all firing and terminate all military activity immediately, no later than 12 hours after the moment of the adoption of this decision, in the positions they now occupy; 2. Calls upon the parties concerned to start immediately after the cease-fire the implementation of Security Council resolution 242 (1967) in all of its parts; 3. Decides that, immediately and concurrently with the cease-fire, negotiations shall start between the parties concerned under appropriate auspices aimed at establishing a just and durable peace in the Middle East. Adopted at the 1747th meeting by 14 votes to none. 1/ ____________________ 1/ One member (China) did not participate in the voting. Disponível em: http://unispal.un.org/unispal.nsf/0/7FB7C26FCBE80A31852560C50065F878. Acessado dia: 12/08/2013. 150 Anexo 6: Presença das forças da ONU no pós Guerra do Canal de Suez Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003. 151 Anexo 7: Entrada Israelense na Península do Sinai em 1967 Fonte: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004. 152 Anexo 8: Campanha nas Colinas do Golan durante a ofensiva de 1967 Fonte: : OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003. 153 Anexo 9: Campanha em 1967 no território da Cisjordânia Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003. 154 Anexo 10: Ataques aéreos Israelenses em 1967 Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003. 155 Anexo 11: A ofensiva por terra na Guerra de 1967 Fonte: OREN, Michel B. Six days of War: June 1967 and the making of the modern Middle East. New York: Ballantine Books, 2003. 156 Anexo 12: Territórios conquistados em 1967 Fonte: SHLAIM, Avi. A muralha de Ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004. 157 Anexo 13: A Ofensiva Egípcia e a contra ofensiva Israelense Fonte: RABINOVICH, Abrahan. The Yom Kipur War: The epic encounter that transformed the middle east. New York: Shcocken Book, 2004. 158