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SÁBADO, 9 DE SETEMBRO DE 2006
O ESTADO DE S.PAULO
Televisão Personalidade:
VIDAL CAVALCANTE/AE - 20/3/2006
Na Cultura,
um retrato
musical
do País
Rolando Boldrin transformou-se no
personagem-síntese do Brasil profundo
EXCEÇÃO– Boldrin no programa Sr. Brasil: emoção do povo do interior
Aluízio Falcão
ESPECIAL PARA O ESTADO
Existe o país das maravilhas e
tenho alguns dados para caracterizá-lo, pois hoje em dia não
se pode afirmar nada sem logo
apresentar estatísticas e números. Começo então por dizer que lá não existem pobres
e o salário mínimo anda por
volta de R$ 2 mil. A maioria
esmagadora (80%) pertence
às classes A e B. Esse país não
fica na Europa ou América do
Norte, mas longe daqui, aqui
mesmo. Tem 14 milhões de habitantes, digo assinantes. Já
percebeu o arguto leitor que
me refiro ao país dos brasileiros que assistem a tevê a cabo.
De modo geral, os assinantes costumam viajar para o exterior, apreciam música americana e freqüentam os chamados templos do consumo. Uma
pesquisa encomendada pela
Globosat ao Instituto Ipsos
Marplan adotou classificação
pouco ortodoxa para dividir este universo de telespectadores: os bem informados, as mulheres atuais, os ligados, as descoladas, as dedicadas, os boa
gente e os absolutos. Como se
vê, é necessário uma bula para
explicar o perfil de cada segmento. O resumo da ópera é
que todos, embora ligeiramente diferenciados em termos
comportamentais, nivelam-se
pelo alto poder aquisitivo e
grau de conhecimento. É pessoal tão bem informado que escapou da propaganda eleitoral
obrigatória. O ministro Marco
Aurélio Mello, homem de tantas explicações, talvez justifique este benefício.
Dentro e fora daquela telinha na TV a cabo fala-se inglês,
francês, italiano, espanhol e
também este nosso idioma sem
status, mas que ali resiste, entrincheirado em alguns canais,
principalmenteoqueadotaonome de Brasil, mostrando exclusivamente filmes nacionais e
até shows completos deartistas
brasileiros.Eisoponto.Enquantonatevêsofisticadaabre-seespaço para MPB, este gênero é
praticamente abandonado na
tevê aberta ao povo brasileiro.
A gloriosa exceção, e agora
falaremos dela mais longamente, está na TV Cultura, com o
programa Sr. Brasil, que tem
Rolando Boldrin como idealizador e apresentador. Produção
bem pensada e bem realizada,
tendo a música brasileira como atração principal, além de
poemas e “causos” da vida popular interiorana, ditos admiravelmente por Boldrin. Até
agora, que eu tenha notado,
não caiu na esparrela de apresentar reprise, este lamentável recurso das emissoras de
TV a cabo e dos chamados canais alternativos da TV aberta.
Rolando Boldrin, paulista
de São Joaquim da Barra, encarna um personagem-síntese
É BEM-HUMORADO,
CRIATIVO, ZELOSO DAS
TRADIÇÕES E ABERTO
ÀS BOAS NOVIDADES
do Brasil profundo. Sem fazer
o tipo caipira de festa junina,
usa o seu talento de ator para
traduzir na expressão do rosto, no gestual e no sotaque, o
nosso compatriota sem maneirismos cosmopolitas. Quando
ele conta uma estória, me lembro sempre de Mário de Andrade e de Rubem Braga. De Rubem: “Sou um homem do inte-
rior, tenho uma certa emoção
do interior, às vezes penso que
merecia ter nascido goiano.”
De Mário, aquele verso em que
o poeta, comovido, sincroniza
sua noite burguesa e confortável, de livro na mão, em São
Paulo, com o adormecer de um
seringueiro exausto nos confins do Acre: “Esse homem é
brasileiro que nem eu.”
Os compositores e músicos
que se encarregam do repertório de cada noite no Sr. Brasil
sãojovens, emsuamaioria.Reanimamanossafénacançãonativa de qualidade. Embora ignoradapelagrandemídiaeletrônica, ela chega às novas gerações,
movida pela própria força.
Uma voz chamando outra, como o canto sucessivo dos galos
tecendo a manhã, daquele poema de João Cabral.
Para renovar continuamente seu elenco de artistas, o programa recorre a um banco de
CDs e fitas enviadas de todo o
Brasil. Os nomes e respectivas
cidades de origem dos escolhidos aparecem no vídeo, durante as apresentações. Apoiandose nos moços, o programa não
exclui os veteranos. Reparte-se
igualitariamente, adotando a
meritocraciacomoforma deseleção. É bem-vinda sua insubmissão às nem sempre justas
leis do mercado. Gente que andavasumida ressurge,com otalento de sempre, mostrando-se
no auge da forma para compor
e cantar. A platéia é um espelho
do palco: moças, rapazes, senhoras e senhores. Isto salva o
programa de cair na mesmice
etária, perigoso caminho de exclusão e intolerância.
O Sr. Brasil é um democrata.
Ainda não ouvi Rolando Boldrin amaldiçoando outros gêneros musicais. Ficando claro,
por toda a trajetória do artista,
sua grande preferência pela
moda caipira de raiz, mesmo
assim ele não apedreja os sertanejos comerciais, como é praxe entre os radicais bem-pensantes. Também Martinho da
Vila, por exemplo, se recusa a
falar mal dos pagodeiros. Boldrin vê o fenômeno das novas
duplas com equilíbrio e sensatez. Um trecho de seu lúcido
posicionamento sobre o tema
na revista Som Sertanejo:
“A força da chamada música sertaneja é inegável. Seus intérpretes, muitos deles meus
amigos, são grandes cantores,
e até hei de louvar a ousadia de
todos os que fazem parte desta
corrente, poiscomo tempo conseguiram até levar no peito os
portões da poderosa TV Globo.
Admiro-lhes a luta e estratégia, mas daí a impor tal ‘produto’ como coisa genuinamente
brasileira vai uma grande distância. Ainda espero que um
dia todos eles possam usar esse
prestígioalcançado para trabalhar de novo em favor da nossa
música caipira, a mesma que
imortalizou tantos artistas talentosos, e possa eu vê-los voltando pra casa, de onde nunca
deveriam ter saído.”
Bem faria o inspirado apresentador se fosse igualmente
moderado em política, evitando versos de protesto às vezes
declamados em meio a outros
mais fiéis ao contexto do programa. A natureza cultural do
Sr. Brasil sofre com estes desvios, felizmente raros.
Boldrin, como ator, mostra
facetas divertidas. Noite dessas,cantando umsamba de Jorge Veiga, imitou à perfeição a
voz nasalada e inconfundível
do antigo intérprete. Logo me
recordei de sua participação,
em 1972, com Irene Ravache,
na peçaRodaCor de Roda, quando ele fazia impecável imitação
de Nelson Gonçalves.
O cenário de Patrícia Maia é
simples, despojado, arrumando objetos do cotidiano popular
do interior. Tudo na justa medida,semcairnopitorescoouabusar do artesanato. Nas paredes,
fotos de grandes compositores
daMPB nopassado eno presente. Este formato cênico é aproveitado com inventividade pelas câmeras e Boldrin consegue
dar um ritmo ao programa que
o diferencia, para melhor, do
Som Brasil e Empório Brasileiro,
ambosancoradosporelenaGlobo e na Bandeirantes.
Bem-humorado,criativo,zeloso das tradições e aberto às
boas novidades – eis um possívelresumodeste programaúnico em nossa tevê. Já completou
o seu primeiro ano de exibição e
ganhou merecidamente o prêmio APCA de melhor musical
televisivo do ano. O título Sr.
Brasil ao mesmo tempo designa
o programa e o apresentador.
Em nenhum momento este nosso patrício de 70 anos e cabelos
inteiramente brancos imita David Letterman ou qualquer outro ícone do charmoso país da
TV por assinatura, onde tantos
vão buscar modelos e atitudes.
Vejam a TV Cultura nas terças-feiras às 22h30. Ali reaparece um país hoje quase invisível nas metrópoles e já descrito pelos cantadores Gilberto
Gil e Caetano Veloso como o
Brasil do interior do mato, da
caatinga e do roçado, onde o
oculto do mistério se escondeu. Um Brasil chamado pejorativamente de grotão, mas
bastante cioso de sua identidade, oquenão acontecenos grandes centros, cada vez mais parecidosuns com os outros, principalmente naquilo que têm de
mais aflitivo e inquietante. ●

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