desafios e oportunidades para implementação do
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DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DO HIDROGRAMA ECOLÓGICO Christopher Souza1, Sidnei Agra2, Rutinéia Tassi1, Walter Collischonn1 & Glauco Freitas3 Resumo – Este artigo apresenta uma discussão quanto à viabilidade de emprego de técnicas para adoção de hidrogramas ecológicos no país. As técnicas – cap (Austrália), Reserva (África do Sul) e manejo adaptativo (Estados Unidos) - apresentaram como necessidade a existência de estruturas para previsão de vazões, assim como definição de hidrogramas ecológicos por bacia e implementação de mercados de água, para o caso de aplicação de limite máximo de uso (cap). Abstract – This paper presents some assessment over the feasibility of applying existing techniques to adopt environmental flows which resemble the natural regime in the country. The techniques assessed herein are the Australian cap, the South Africa’s Reserve and the American adaptive management. It was found out that there is a need of developing a framework to forecast streamflows, as well as defining environmental flows which resemble natural flows for each watershed and the implementation of water markets, in case of applying a cap. Palavras-Chave – hidrograma ecológico, sustentabilidade ambiental, vazão ecológica. INTRODUÇÃO A implementação de um regime hidrológico ecológico para os corpos d’água no Brasil, que apresentam grande diversidade físico-ambiental e institucional quanto à gestão ambiental e de recursos hídricos, necessita que se avance na discussão sobre vazões ecológicas e possa ser incutido o conceito de hidrograma ecológico. Para isso, conforme apresentado por Collischonn et al. (2005), fazem-se necessárias a caracterização das demandas do ecossistema (hidrograma natural) e das demandas humanas (compatíveis com a necessidade de desenvolvimento). O confronto entre estas duas demandas gera conflitos, que podem ser discutidos e dirimidos através de atuação dos comitês de bacia, com o acompanhamento dos órgãos ambientais e gestores de recursos hídricos. O objetivo deste artigo é iniciar uma discussão sobre os desafios e oportunidades da implementação do hidrograma ecológico (Collischonn et al., 2005), como avanço na discussão sobre o estabelecimento de vazões ecológicas na realidade brasileira, com base em técnicas empregadas na Austrália, África do Sul e Estados Unidos. TÉCNICAS EMPREGADAS PARA COMPATIBILIZAÇÃO DE USOS DE ÁGUA Posta a diversidade de realidades quanto ao grau de intervenção humana nos rios brasileiros, 1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH/UFRGS, Campus do Vale, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS.e-mails: [email protected], [email protected], [email protected] 2 Consultor autônomo. Rua Pelotas, 420/23 - Floresta. Porto Alegre – RS. CEP 90.220-110. Fone: (51) 3227-4364. email: [email protected] 3 The Nature Conservancy – SHIN CA 05 Conjunto J Bloco B salas 301/309 Brasília DF – 71503-505. [email protected] mostra-se interessante revisar as abordagens empregadas na busca de compatibilização de demandas humanas e do ecossistema, considerando a manutenção de um hidrograma hidrológico e o desenvolvimento sócio-econômico local, frente às ofertas naturais de vazão. Cabe salientar que cada técnica apresenta objetivo específico diferenciado (restauração, preservação), dependente das características de políticas locais de gestão de águas. Cap – Austrália (Postel e Richter, 2003) Em 1995, a comissão responsável pela tomada de decisões na bacia dos Rios Murray-Darling aplicou uma limitação máxima de uso (cap) provisória que tomou status permanente em 1997. Esta limitação não foi projetada para reduzir derivações de água, mas para evitar seu aumento acima dos volumes derivados para o nível de desenvolvimento dos anos 1993-1994, caracterizando quantidades variáveis de ano para ano (e.g. avaliação para o ano de 2007, condições climáticas e hidrológicas previstas para 2007 e consumo para grau de desenvolvimento de 1993-1994). Uma audiência anual se realiza com cada estado ou território para avaliar se a limitação foi transgredida. O objetivo desta limitação é evitar o declínio da saúde dos rios Murray-Darling e assegurar o abastecimento dos usuários existentes, o que associado à existência de mercado de água, passou a estimular a melhoria de eficiência de uso e aumento da produtividade por m3. No entanto, muitos cientistas acreditam que melhorias na saúde dos rios só serão obtidas com maior rigorosidade e limitação ao uso. A determinação do hidrograma ecológico é realizada por métodos holísticos (Scientific Panel Assessment Method; Tharme, 2003). Reserva – África O Ato Nacional de Águas estabeleceu uma “Reserva” de água, i.e. uma alocação de água para satisfazer demandas humanas essenciais (e.g. beber, cozinhar) e para dar suporte a funções do ecossistema que conservem a biodiversidade e assegurem serviços valiosos para a sociedade, adquirindo prioridade máxima sobre todos os outros usos. Sua determinação (Tharme, 2003) passa pela implementação de método holístico (uma adaptação do Building Block Methodology). Renovação de licenças de uso do recurso hídrico para bacias com uso já estabelecido e licenciamento em bacias em condições “semi-naturais” para fins não-garantidos pela Reserva passaram a considerá-la, dependendo da previsão de vazões (Postel e Richter, 2003). Manejo adaptativo – Estados Unidos (Richter et al., 2006) Em julho de 2002, uma ONG de conservação – The Nature Conservancy – e o USACE anunciaram um esforço colaborativo (Sustainable Rivers Project) visando aperfeiçoar o manejo de água de rios em todo o país, pela modificação das operações de reservatórios para restauração de ecossistemas. Dentre as bacias escolhidas, na do rio Savannah, divisor dos estados americanos da Geórgia e da Carolina do Sul, tem sido implantada prática de manejo adaptativo de vazões. Esta bacia é caracterizada por três eco-regiões distintas: Pico Azul (Blue Ridge), o Piedmont e a planície da costa atlântica, e pela operação pelo Corpo de Engenheiros do Exército (USACE) de três grandes barragens de usos múltiplos (Hartwell, Russell e Thurmond) localizadas à montante de Augusta, Geórgia. A técnica consiste, resumidamente, na (a) definição de recomendações de vazão para atender necessidades do ecossistema ao longo do rio (especialmente para os trechos das corredeiras de Augusta, das várzeas e do estuário), via coleta de informações da literatura e dados complementares e workshop com participação de todos os atores interessados, (b) implementação das recomendações e (c) coleta de dados e pesquisa adicional. A atividade não se encerra, sendo realizado novo workshop caso a coleta de dados e a pesquisa identifique a necessidade de aprimoramento das recomendações de vazão. A recomendação de vazões considera a existência de três regimes (úmido, regular e seco), implementados de acordo com a previsão de vazões. O USACE avalia viabilidade de aplicação das cheias recomendas, tendo sido liberadas cheias de 450 m3/s, em março de 2004, e de 850 m3/s em outubro do mesmo ano. GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO PAÍS No Brasil, a manutenção de vazões remanescentes em corpos d’água é condicionada por instrumentos previstos no SISNAMA e no SINGERH. No plano operacional, os instrumentos que determinam a manutenção de vazões remanescentes são a Outorga de direito de uso das águas e o Licenciamento Ambiental de atividades potencialmente poluidoras, operados pelos órgãos gestores de recursos hídricos e pelos órgãos ambientais, tanto na esfera federal quanto nos Estados. Os Planos de Recursos Hídricos também intervêm na definição das vazões remanescentes, uma vez que eles efetuam o balanço entre disponibilidades e demandas hídricas e estabelecem diretrizes para os demais instrumentos. Um outro instrumento que condiciona estas vazões é o Enquadramento, através da definição de objetivos para a qualidade da água e de uma vazão de referência, que é semelhante ao que ocorre com a Outorga. Em termos práticos, no Brasil, ainda são poucas as experiências de definição de regimes de vazões remanescentes. O que tem sido praticado, em alguns casos, é o estabelecimento de regras para usinas hidroelétricas, quando há trechos de vazão reduzida no projeto da UHE. Ainda assim, fala-se num conjunto de vazões mínimas, constantes, estabelecidas por Estado, ou pela União. Ou seja, o que vem sendo feito é a definição de “vazões ecológicas” e em nenhum caso se optou pelo estabelecimento de um hidrograma ecológico, ou um regime hidrológico ecológico. DESAFIOS SIMILARES E OPORTUNIDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DE TÉCNICAS As técnicas ora apresentadas foram aplicadas para regiões com características técnicoinstitucionais diferenciadas com relação à realidade brasileira. Dentre estas diferenças, mostram-se evidentes a disponibilidade de dados hidrológicos; o conhecimento de relações entre o regime hidrológico e a ecologia de espécies locais e; a existência de metodologias adaptadas às peculiaridades locais. Em virtude dos diferentes biomas, comportamentos climático-hidrológicos e grau de intervenção humana no recurso hídrico, pode-se necessitar aplicar técnica diferenciada por região do país, não obedecendo necessariamente à geopolítica. Os avanços tecnológicos relacionados ao emprego de modelos matemáticos e ao desenvolvimento de meios alternativos para aquisição de dados (e.g. imagens de satélite) oferecem oportunidade para que se providencie informação acurada com vistas à identificação de relações entre ecologia e hidrologia e conseqüente definição de hidrogramas ecológicos. A estruturação de sistemas de previsão de vazão confiáveis e de baixo custo para viabilizar sua utilização pelas diferentes bacias, associado à alteração de responsabilidade para definição de vazão ambiental (mudando do estado para a bacia), apresenta-se necessária para aplicação das técnicas apresentadas. Quanto ao escopo institucional, a ausência de um mercado de águas inviabilizaria a adoção do cap nos moldes aplicados na Austrália, mostrando-se esta ser uma ferramenta que merece ser considerada para implantação. No caso do uso da água para geração de energia elétrica também existem problemas relacionados à forma centralizada com que é realizado o planejamento da geração. Isto significa que propostas regionais de uso de água e liberações experimentais de cheias induzidas pela operação de um reservatório individual, por exemplo, devem ser integradas no contexto da operação de todo o sistema elétrico nacional. CONCLUSÕES Este artigo apresentou uma discussão sobre a viabilidade de emprego de técnicas para adoção de hidrogramas ecológicos em detrimento a vazões ecológicas constantes. Estas técnicas apresentaram como necessidade a existência de estruturas para previsão de vazões, assim como definição de hidrogramas ecológicos por bacia e implementação de mercados de água, para o caso de aplicação de limite máximo de uso (cap) como na Austrália. BIBLIOGRAFIA COLLISCHONN, W.; Agra, S.G.; de Freitas, G.K.; Priante, G.; Tassi, R. e Souza, C.F. (2005). “Em busca do Hidrograma Ecológico” in Anais do XVI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, João Pessoa, Nov. 2005, CD-ROM POSTEL e Richter. (2003). “Rivers for Life: Managing water for people and nature”. Island Press. Washington. 253p.. RICHTER, B.D.; Warner, A.T.; Meyer, J.L. e Lutz, K.. (2006). “A collaborative and adaptive process for developing environmental flow recommendations”. River Research and Applications. 22: 297-318.